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Formação Continuada às Equipes de Ensino das Secretarias Municipais de Educação /

Professores/Gestores.
Psicóloga. Adriana Gonzaga Cantarelli

TEXTO 4 - LEITURA PRÉVIA PARA O TERCEIRO E QUARTO ENCONTROS

PRESSUPOSTOS PSICOLÓGICOS E PEDAGÓGICOS

PRESSUPOSTOS PSICOLÓGICOS
A educação formal se constitui de processos educativos sistematizados, sendo assim, exige clareza e conhecimentos
acerca da formação e do desenvolvimento daqueles a quem se destina. Nesse sentido, o presente pressuposto se constitui como
uma das abstrações teóricas que objetivam orientar o trabalho educativo, com vistas à formação humana por meio do ensino.
Mediante um conjunto de conceitos produzidos historicamente, a ciência psicológica, ao discutir o desenvolvimento, procura
explicitar questões, tais como: Quem é o ser humano? Como ele se forma humano? Como as crianças aprendem? Qual a importância
das práticas educativas no desenvolvimento humano? A inteligência e a personalidade humana nascem com as pessoas ou a
inteligência e a personalidade humana são apropriadas ao longo da vida?
Embora se saiba que muitos estudos e discussões já tenham sido feitos sobre essas temáticas e que o desenvolvimento
humano ocorre na base de condições biológicas e sociais, o que ainda permanece evidente, sobretudo no âmbito da educação
escolar, são os limites impostos por determinados modelos teóricos que privilegiam ora determinantes biológicos 1 ora determinantes
sociais2, conforme assinalam Martins e Arce (2010).
Visando a uma superação desses limites, na busca de uma educação efetivamente humanizadora, a concepção de
desenvolvimento a ser considerada no presente PPC, encontra-se fundamentada na escola de Vigotski, uma teoria psicológica
histórico-cultural que possibilita uma visão dialética do desenvolvimento humano. Considerando que uma compreensão dialética

1Essas concepções partem do pressuposto que as propriedades básicas do ser humano já se encontram garantidas no nascimento, dependentes, portanto,
de fatores hereditários e maturacionais. Nessa visão, o desenvolvimento torna-se pré-requisito da aprendizagem.
2 Nesses modelos, a constituição das características humanas depende, prioritariamente, do ambiente. As experiências seriam determinantes do

desenvolvimento, que, nessa visão, encontra-se identificado com a instalação de comportamentos adequados aos estímulos externos.
realiza-se à luz de princípios orientadores da captação do real, entre os quais se destacam o princípio da totalidade, do movimento
e da contradição, na ausência da qual não há movimento, conforme elucidado nos pressupostos filosóficos e reafirmado por Martins
(2013), o estudo da psicologia do homem requer um entendimento para além das diferenças naturais e biologizantes, haja vista que
o indivíduo é resultado de uma evolução complexa.
Na psicologia histórico-cultural, o homem é apresentado como um ser social, cujo desenvolvimento condiciona-se pela
atividade que o vincula à natureza, um ser que a princípio não dispõe de propriedades que lhe assegurem, por si mesmas, as
conquistas daquilo que o caracteriza como ser humano. Nas palavras de Leontiev (1978), “[...] tudo o que tem de humano nele
provém da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade. [...] só apropriando-se delas no decurso da sua vida,
ele adquire propriedades e faculdades verdadeiramente humanas” (LEONTIEV, 1978, p. 261).
A correta interpretação dessas premissas implica em presumir que o tempo histórico é determinante na constituição do
psiquismo, dessa forma, esse não pode ser reconhecido apenas como um espaço de duração, que possibilitaria a maturação das
estruturas psíquicas do homem. Segundo Leontiev (1978), o tempo humano deve ser entendido como processo de desenvolvimento
do homem e da sociedade, que se efetiva na atividade produtiva, criadora e transformadora, realizada e vivenciada por cada ser
humano durante a sua existência.
Nessa compreensão, o desenvolvimento humano apresenta um caráter histórico 3, visto sintetizar o movimento do mundo,
dos homens e das suas relações sociais, conforme discutido por Cantarelli (2014). Essa afirmação requer que se considere que o
processo de constituição histórica do gênero humano, aliado ao desenvolvimento pessoal de cada indivíduo, se dá sob a base do
trabalho, a atividade vital humana. Com fins de compreensão, nesta seção são retomados os pressupostos filosóficos para se discutir
as características históricas/ontológicas4 de tal atividade, assim como os seus fundamentos centrais e as importantes transformações
psíquicas que opera.

3Em sentido amplo, o termo história ou histórico inclui o processo de evolução dos seres vivos, a história da humanidade por suas formações sociais específicas
e a história do desenvolvimento pessoal de um dado indivíduo.
4A ontologia do ser social é um termo que identifica a obra de Georg Lukács. O longo processo evolutivo do ser inorgânico produziu o aparecimento do ser
orgânico, ou seja, da vida, e, a partir da evolução da vida, emergiu o ser humano como ser social e a esfera da vida em sociedade. Entende-se que esse
processo evolutivo é caracterizado por saltos ontológicos, ou seja, pelo surgimento de uma nova esfera do ser gerado ao longo do processo histórico (DUARTE,
1996). Dessa forma, o estudo histórico ontológico do ser social torna-se imprescindível, na medida em que evidencia a gênese fundante do ser social, o
trabalho, e possibilita compreender a práxis social que assegura ao indivíduo sua humanidade.
Lessa e Tonet (2008), alicerçados em Lukács (1966), explicam que a reprodução social humana difere da reprodução
biológica, embora haja uma ineliminável conexão do ser social com sua base biológica. Sendo o homem um ser de natureza social,
é premente a necessidade de se entender a prioridade da reprodução material da vida na processualidade social, visto que os
homens para poderem existir, devem transformar constantemente a natureza, sem a qual a sua existência e a reprodução da
sociedade seriam impossíveis.
Diferente dos animais, o homem age no sentido de produzir os meios de satisfação de suas necessidades mais básicas. É
no decorrer das atividades realizadas e concretizadas na vida material e objetiva que o ser humano se apropria da natureza e a
modifica, cria instrumentos e meios de produção, organiza-se em grupo, desenvolve a linguagem.
De acordo com Duarte (1996), nesse processo de suprir as suas necessidades mais básicas, o homem acaba por gerar
necessidades de caráter superior, resultando, assim, na construção de objetos materiais e não materiais que vão se constituindo
enquanto cultura humana. Esse movimento configura um salto ontológico, na medida em que, se antes, esse ser, por estar fundado
biologicamente, agia imediatamente, sem a necessidade de uma consciência mediadora, o SER SOCIAL, ao intervir na natureza,
necessita de atos mediadores conscientes para, em geral poder, funcionar, como indicam Cantarelli, Facci e Campos (2017). A
transformação da natureza pelo homem implica que a sua ação e seu resultado sejam projetados na consciência antes de serem
construídos na prática, e é justamente a capacidade de idear, antes de objetivar que estabelece a diferença do homem em relação
à natureza, bem como a evolução humana, conforme evidencia Lessa e Tonet (2008).
Segundo os autores, a prévia-ideação é sempre uma resposta concreta, entre outras possibilidades, a uma necessidade
concreta, significando que ela tem um fundamento material último. Ao projetar na consciência o resultado almejado, o indivíduo age
objetivamente.
Desse modo, a atividade vital humana é considerada ação material consciente e objetiva, ou seja, é práxis. Martins (2001)
salienta que a práxis manifesta-se tanto em sua atividade objetiva, pela qual o homem transforma a natureza, quanto na construção
de sua própria subjetividade. Disso decorre a afirmação de que a gênese da categoria trabalho corresponde à gênese de uma nova
esfera do ser, a gênese do psiquismo humano.
Dando continuidade à análise, ressalta-se dois aspectos fundamentais no processo de constituição da humanidade que
surgem a partir do trabalho e que contribuem para o entendimento do desenvolvimento humano dentro dessa perspectiva teórica e
as suas implicações educativas: a edificação das relações sociais e a constituição da linguagem.
De acordo com Duarte (1996), a atividade humana, desde o seu início, é realizada de forma coletiva. Isso significa que,
além da produção de instrumentos, ocorre, também, a edificação de relações sociais em função das diferentes necessidades de
organização dos indivíduos dentro das atividades necessárias à manutenção de suas vidas. Ao se realizar uma atividade que
apresenta como uma de suas características, o fato de se dar de forma coletiva, emerge a necessidade de comunicação entre os
indivíduos que a realizam, tendo em vista a execução bem sucedida de tal atividade e a consequente satisfação das necessidades
que a incitaram. Sob o amparo da atividade especificamente humana, ocorre o desenvolvimento da linguagem.
O autor explicita que, como resultados dessa interação ativa do ser humano com a realidade, tanto a construção dos
instrumentos quanto o desenvolvimento da comunicação e as relações sociais estabelecidas vão assumindo uma existência objetiva,
independente (uma dimensão genérica). A esse processo dá-se o nome de “objetivação”, na qual a atividade humana engendra
produtos materiais e imateriais, carregados de significados sociais referentes à própria atividade humana, produtos que serão
apropriados e objetivados por outros indivíduos, possibilitando a constituição de suas faculdades especificamente humanas. Esses
objetos tornam-se objetos culturais, ganhando uma função específica e fundamental dentro do desenvolvimento histórico e social da
humanidade.
Com intuito de uma maior compreensão, retoma-se que os atos humanos (material/intelectual), por seus importantes
resultados, são guardados e acumulados na “consciência comunitária” em uma forma de “hereditariedade social” dos saberes
adquiridos, para serem transmitidos. Assim, como explicita Leontiev (1978), cada geração começa a sua vida em um mundo de
objetos e de fenômenos criados pelas gerações precedentes. Ela apropria-se das riquezas desse mundo, participando no trabalho,
na produção e nas diversas formas de atividade social, desenvolvendo as aptidões especificamente humanas cristalizadas e
encarnadas nesse mundo.
Duarte (1996) demarca que as características do gênero humano não são transmitidas pela herança genética, porque não
se acumulam no organismo humano. As características foram criadas e desenvolvidas ao longo do processo histórico, por meio do
processo de objetivação, gerado a partir da apropriação da natureza pelo homem. Como afirma Leontiev (1978), “O que a natureza
lhe dá (ser humano) quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no
decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana” (LEONTIEV, 1978, p. 267).
Em seus escritos, Leontiev (1978) ressalta que, como unidade dialética, a objetivação da cultura humana se dá sempre com
relação à apropriação, pelos indivíduos, de tais objetivações. Para entender esse processo, é importante destacar algumas
características. A primeira delas é que, “Para se apropriar dos objetos ou dos fenômenos que são o produto do desenvolvimento
histórico, é necessário desenvolver em relação a eles uma atividade que reproduza, pela sua forma, os traços essenciais da atividade
encarnada, acumulada no objeto” (LEONTIEV, 1978, p. 268). É nessa relação ativa que as características dos objetos e dos
fenômenos começam a fazer parte da individualidade humana. Outra característica a ser considerada no tocante ao processo de
apropriação, é que esse nunca se dá de modo isolado, em uma simples aquisição individual, isolada e espontânea pelos indivíduos,
das objetivações materiais e imateriais presentes na cultura humana. De acordo com Leontiev (1978), “Para que essas objetivações
tornem-se suas próprias aptidões a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através
de outros homens, isto é, num processo de comunicação com eles.Tal processo, portanto, deve ser considerado enquanto um
processo educativo” (LEONTIEV,1978, p. 272). Em outras palavras, o processo de apropriação é mediado e subjugado ao ensino,
mediatizado por outros seres humanos conforme reafirma Martins (2016) em seus estudos.
Como terceira característica, destaca-se que o processo de apropriação pelos indivíduos das objetivações culturais humanas
é responsável pelo desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Ou seja, as funções psíquicas de caráter superior
(especificamente humanas) se apresentam como resultado do processo de objetivação dos indivíduos por meio das apropriações
vivenciadas a partir da mediação das relações sociais, da linguagem (signos) 5 e da atividade especificamente humana. Resultam
das transformações condicionadas pela atividade que sustenta a relação do indivíduo com seu entorno físico e social, assim como
argumenta Martins (2016).
Sintetizando o processo de apropriação/objetivação, conceitualmente pode-se dizer que Vigotski (1984), ao afirmar
pioneiramente a natureza social do psiquismo, propôs a indissolúvel unidade entre atividade individual externa e interna. Alicerçada
no autor, Martins (2001) explicita que a atividade individual externa, ou social, desenvolve-se na base de processos coletivos ou
interpsíquicos, a partir dos quais deriva a atividade individual ou os processos intrapsíquicos. Assim sendo, o desenvolvimento é
resultado de uma longa série de eventos nos quais, continuamente, os processos externos vão se firmando como processos internos
e vice-versa.
A dinâmica do movimento no qual os processos interpsíquicos transmutam-se em processos intrapsíquicos foi denominada
por Vigotski (1984) de internalização. Essa, por sua vez, ocorre por meio da apropriação de signos, graças aos quais o homem pode
criar modelos mentais (ideias) dos objetos da realidade, atuando com e a partir deles, no planejamento e na coordenação da própria
atividade. Como a internalização não é um processo mecânico, apenas a aprendizagem possibilita a reconfiguração de um dado
externo como interno.

5Vigotski assinala que o ato especificamente humano apresenta-se na qualidade de ato instrumental, uma vez que entre a resposta da pessoa e o estímulo
do ambiente interpõe-se os signos. Considerados meios auxiliares para solução de tarefas psicológicas, exigem adaptação dos comportamentos a eles,
promovendo, assim, uma transformação psíquica estrutural (MARTINS, 2016).
De acordo com Martins (2010), sobre a base das internalizações estruturam-se as funções psicológicas6 tipicamente
humanas (superiores), isto é, a percepção, a memória, a linguagem, o pensamento, a emoção/sentimento, o raciocínio, a imaginação.
Todos esses processos se formam nos diversos tipos de atividades vividas pelo indivíduo, e pelas quais ele se apropria da vasta
experiência social, convertendo os objetivos externos (objetivações) em dados constituintes de sua subjetividade (apropriação).
Leontiev (1978) assinala que o processo de desenvolvimento humano, no qual o homem produz e reproduz a cultura humana
a partir de sua atividade, se dá de forma gradativa, durante todo o decorrer de sua vida, sendo que em cada período de
desenvolvimento há a dominância de uma determinada atividade que representa o modo pelo qual o indivíduo se relaciona com o
mundo, tendo em vista suprir suas necessidades. A essas atividades denominou de atividades principais 7 ou dominantes.
Segundo Leontiev (2006), para que uma atividade seja considerada a principal em determinado período de desenvolvimento,
ela precisa apresentar três atributos fundamentais:

1.Ela é a atividade em cuja forma surgem outros tipos de atividade e dentro da qual eles são diferenciados. [...] 2. A
atividade principal é aquela na qual processos psíquicos particulares tomam forma ou são reorganizados. Os processos
infantis da imaginação ativa, por exemplo, são inicialmente moldados no brinquedo e os processos de pensamento
abstrato, nos estudos. 3. A atividade principal é a atividade da qual dependem, de forma íntima, as principais mudanças
psicológicas na personalidade infantil, observadas em um certo período de desenvolvimento. (LEONTIEV, 2006, p. 64).

É por meio dessas atividades consideradas principais/dominantes, portanto, que as crianças se relacionam com o mundo,
produzindo e reproduzindo as condições necessárias à constituição de sua individualidade, acarretando, assim, em cada período de
seu desenvolvimento singular, na criação de necessidades específicas em termos psíquicos (FACCI, 2006).

6 Recomenda-se a leitura da tese de livre-docência da professora Lígia Márcia Martins: O Desenvolvimento do Psiquismo e a Educação Escolar:
contribuições à luz da psicologia histórico - cultural e da pedagogia histórico-crítica. Bauru, 2011. O escrito apresenta “o estudo do conceito funções psíquicas
superiores em Vigotski”.
7 É importante esclarecer que a atividade principal não é aquela que mais ocorre no dia a dia da criança, mas aquela em que ocorrem as mudanças mais

importantes nos processos psíquicos e nos traços psicológicos da personalidade dos indivíduos, em certo estágio de seu desenvolvimento (LEONTIEV, 2006).
Para entender a periodização do desenvolvimento infantil e as atividades principais que guiam cada período 8, tem-se
respaldo nos estudos de Facci (2006). A comunicação emocional se constitui pela relação emocional direta dos bebês com os
adultos, sendo base para a formação de ações sensório-motoras de manipulação. Facci (2006) afirma que envolve a “assimilação
de tarefas e motivos da atividade humana e normas de relacionamento que as pessoas estabelecem durante suas relações, como
o choro, por exemplo” (FACCI, 2006, p. 13).
Na atividade objetal manipulatória - primeira infância -, a comunicação emocional dá lugar a uma colaboração prática por
intermédio da linguagem, considerando que as aquisições do primeiro ano de vida da criança são fundamentais para a relação
destas com o meio e com suas atividades: a marcha e a aquisição da linguagem. De acordo com a autora, “a atividade principal
passa a ser a objetal-instrumental, na qual tem lugar a assimilação dos procedimentos elaborados socialmente [...] com os objetos
e, para que ocorra essa assimilação, é necessário que os adultos mostrem essas ações às crianças” (FACCI, 2006, p. 14). As ações
das crianças com os objetos e seus modos de uso têm uma implicação social, sendo os adultos responsáveis por transmitir a história
e a função de cada objeto à criança. A relação com os objetos é fundamental para que se possa desenvolver o jogo protagonizado
ou brincadeira de papéis sociais que constitui o próximo período do desenvolvimento.
No jogo de papéis sociais, as brincadeiras não são instintivas, o que determina o seu conteúdo é a percepção que a criança
tem do mundo. Facci (2006), com base em Elkonin, afirma que o jogo permite que “a criança modele as relações entre as pessoas.
O jogo é influenciado pelas atividades humanas e pelas relações entre as pessoas e o conteúdo fundamental é o homem” (FACCI,
2006, p.15). Nesse sentido, o jogo tem grande influência no desenvolvimento psíquico da criança e na formação de sua
personalidade.
A evolução do jogo prepara para um novo período, em que a atividade principal passa a ser o estudo. Para a autora
supracitada, o ensino escolar deve “introduzir os educandos na atividade do estudo de forma que se aproprie dos conhecimentos
científicos”. Sobre as bases do estudo surgem a “consciência e o pensamento teórico e se desenvolvem, entre outras funções, as
capacidades de reflexão, análise e planificação mental” (FACCI, 2006, p. 16).
A comunicação íntima pessoal é uma atividade marcada pela posição que o jovem ocupa diante das questões que a
realidade impõe. Ocorre nesse período um importante avanço no desenvolvimento intelectual, formando-se os conceitos, os quais

8Para maiores elucidações, consultar o esquema representativo da periodização do desenvolvimento humano elaborado pelo Dr. Angelo Abrantes, docente
do Departamento de Psicologia, Faculdade de Ciências, Unesp/Bauru.
possibilitam a formação da consciência social e do conhecimento da ciência, da arte, das diversas esferas da vida cultural e do
pensamento abstrato.
A próxima etapa refere-se à atividade profissional de estudo em que o jovem começa a ocupar um novo lugar na sociedade
por meio da sua inserção no trabalho e no aprofundamento dos estudos. De acordo com Facci (2006), “na idade escolar avançada
a atividade de estudo passa a ser utilizada como meio para a orientação e preparação profissional, ocorrendo o domínio dos meios
de atividade de estudo autônomo, com uma atividade cognoscitiva e investigativa criadora” (FACCI, 2006, p.17).
Elkonin (2009) ressalta que cada momento do desenvolvimento consiste em dois períodos ligados entre si. Inicia-se com o
período em que predomina a assimilação dos objetos, dos motivos e das normas da atividade. Essa etapa prepara para a passagem
ao segundo período, em que ocorre a assimilação dos procedimentos de ação com o objeto e a formação de possibilidades técnicas
e operacionais9.
Os estudos de Facci (2006), fundamentados em Elkonin e Vigotski, contribuem para entender que o ser humano está em
constante processo de desenvolvimento.
A atividade dominante, portanto, é, pelo mecanismo da apropriação, aquela cujo desenvolvimento condiciona as principais
mudanças nos processos psíquicos da criança, possibilitando a superação das funções elementares na constituição das funções
psíquicas superiores, bem como na sua personalidade em um dado período do seu desenvolvimento, conforme evidencia Cantarelli
(2014), ao discutir a atividade e a formação da personalidade. Essas estão especificamente associadas a uma classe particular de
impressões psíquicas: as emoções e os sentimentos, a seguir consideradas.
Com relação às emoções, Leontiev (1969) ressalta que:

[...] são as vivências afetivas mais simples relacionadas com a satisfação ou a insatisfação das necessidades orgânicas,
como, por exemplo, a necessidade de comida [...]. Também se incluem dentro das emoções, as reações afetivas

9 Entre um período e outro existem as denominadas crises. Na compreensão de Facci (2006), essas crises se dão quando a criança, em seu desenvolvimento,
“começa a se dar conta de que o lugar que ocupava no mundo das relações humanas que a circundava não corresponde às suas potencialidades e se esforça
para modificá-lo, surgindo uma contradição explicita entre esses dois fatores [...]. A atividade principal em determinado momento passa a um segundo plano,
e uma nova atividade principal surge, dando início a um novo estágio de desenvolvimento” (FACCI, 2006, p. 18).
relacionadas com a sensação. Umas cores, sons, odores e etc. são agradáveis, enquanto outras, pelo contrário, são
desagradáveis. Esta reação afetiva é o tono emocional das sensações. Tais sensações têm grande importância na vida
do homem, já que este correntemente reage ante os objetos e fenômenos em seu conjunto e não somente ante as
qualidades isoladas deles. (LEONTIEV, 1969, p. 358).

Alicerçada em Leontiev, Cantarelli (2014) explicita que as emoções não são específicas dos seres humanos, e as de caráter
mais simples são encontradas também nos animais. Todavia, as emoções humanas, incluindo as mais elementares, diferenciam-se
fundamentalmente das emoções dos animais porque são as de um ser social. O homem satisfaz as suas necessidades, incluindo
as mais elementares, de acordo com as exigências sociais. Isso significa que os estados emocionais do homem têm uma história de
desenvolvimento, visto que, em decorrência da complexificação da atividade humana, essas foram se tornando cada vez mais
especializadas, diferenciando-se e constituindo os sentimentos.
Os sentimentos, ao contrário das emoções, estão relacionados às necessidades que apareceram com o desenvolvimento
histórico da humanidade, quais sejam, as necessidades morais, estéticas e intelectuais, e são denominados de sentimentos
superiores. Para Leontiev (1969), “A aparição dos sentimentos depende das condições em que vive o homem e, sobretudo, das
necessidades ligadas às relações entre as pessoas; a necessidade de ter relações sociais, de cumprir as exigências da sociedade,
etc. Os sentimentos estão ligados inseparavelmente das necessidades culturais ou espirituais” (LEONTIEV, 1969 p. 359).
O pesquisador assinala que as necessidades estimulam a atividade e a dirigem, e só cumprem essa função se sua raiz
estiver fincada na realidade, constituindo-se como necessidades objetivas, construídas no bojo das relações sociais e no contato
com os objetos produzidos pela cultura. Para o autor, também os sentimentos humanos devem ser entendidos nessa perspectiva,
questão importante que se insere na educação, principalmente quando se considera que trabalho educativo e seus desdobramentos
são constituintes da subjetividade humana.
As assertivas anteriores nos impulsionam a considerar os conteúdos internos que são gestados na e pela atividade principal
da criança e que lançam desafios sobre todas as suas funções psíquicas, visto que o desenvolvimento desses conteúdos encontra-
se vinculado às atividades que lhe são proporcionadas e disponibilizadas pela educação.
Segundo Martins (2010), por essa via, a criança vai individualizando as habilidades psicointelectivas e afetivas condensadas
nos produtos da cultura humana, sejam elas referentes ao manuseio de instrumentos, ao universo de significações ou às normas de
comportamento próprias às funções sociais desempenhadas pelos indivíduos, conferindo unidade ao seu comportamento.
Ressalta-se que, embora os períodos de desenvolvimento tenham um lugar determinado no tempo, os seus limites
dependem do seu conteúdo. Pode haver, dessa forma, diferentes períodos em uma mesma idade, visto que são as condições
históricas (conteúdos) que determinam qual atividade se torna dominante para a criança em dado momento do seu desenvolvimento,
conforme argumenta Cantarelli (2014). Nesse sentido, as situações de desenvolvimento não são sempre as mesmas para um dado
indivíduo ou para diferentes indivíduos representantes de classes sociais desiguais, o que reafirma a importância de uma educação
escolar de qualidade.
Tendo como unidade de análise a atividade humana, foram apresentados os princípios básicos orientadores do
desenvolvimento numa perspectiva Histórico-Cultural. Salienta-se que Vigotski e seus colaboradores identificam o desenvolvimento
do psiquismo humano com a formação das funções psíquicas superiores, apontando que nem toda atividade promove o
desenvolvimento, assim como não são quaisquer ações e conteúdos que corroboram para a formação dos comportamentos
complexos, ancorados nos processos funcionais superiores, questões essas ampliadas por Martins (2013). Nesse sentido, o
desenvolvimento psíquico demanda ações educativas intencionalmente orientadas para esse fim, por meio de um ensino
sistematicamente orientado à transmissão dos conceitos científicos.
Com intuito de uma melhor reflexão acerca das implicações pedagógicas decorrentes dessas afirmações, discute-se na
sequência o papel da linguagem e do pensamento na formação de conceitos e o desenvolvimento qualitativo do psiquismo humano.
A interação do sujeito com o social, inicialmente, é mediada pelo uso de instrumentos, e passa, gradativamente, a ser mediada pelo
uso de signos. Essa transposição do concreto ao abstrato é um passo significativo no desenvolvimento humano porque possibilita
ao sujeito a utilização do pensamento como estratégia/meio para a apropriação do conhecimento e para a troca de experiências. A
compreensão de que os objetos podem representar ou assumir outro significado e outro sentido é um momento importante para o
processo de desenvolvimento humano. O pensamento, mediado pelo uso de signos, que são elementos que representam ou
expressam objetos, eventos e situações, é fator fundamental para o desenvolvimento dos conceitos que se iniciam na infância e que
se efetivam ao longo da vida.
Cabe ressaltar que a elaboração conceitual é constituída por um processo que vai da agregação de ideias desordenadas do
pensamento até a sua elaboração conceitual, ou seja, a abstração. Em todo o processo de desenvolvimento de conceitos, a interação
verbal com outras pessoas possibilita à criança exercitar o pensamento. Vigotski (1989) afirma que o desenvolvimento da linguagem
assume importância na interação criança-criança, criança-adulto, aluno-professor. E com relação aos conceitos, o referido autor
destaca que um conceito se forma “mediante uma operação intelectual em que todas as funções psíquicas participam de uma
combinação específica. Essa operação é dirigida pelo uso das palavras como meio para centrar ativamente a atenção, abstrair
determinados traços, sintetizá-los por meio de um signo”(VIGOTSKI, 1991, p. 79).
Linguagem e pensamento tornam-se os elos de um processo que promove o desenvolvimento das funções tipicamente
humanas, que se revelam, em especial, na capacidade de memorizar, de abstrair, de raciocinar logicamente, de prestar atenção
intencionalmente, de comparar e de diferenciar. Essas funções se apoiam cada vez mais na própria linguagem, desvinculando-se
da referência aos objetos concretos imediatos. E, à medida que a criança vai tomando consciência das operações mentais que
realiza, classificando-as como sendo lembrança ou imaginação, por exemplo, torna-se capaz de dominá-las.
Em outras palavras, a apropriação de um sistema linguístico reorganiza todos os processos mentais infantis. Nesse
desenvolvimento, a linguagem opera na estrutura original, considerada elementar. A complexificação da estrutura se dá pela
diferenciação e especialização dos seus elementos constitutivos (funções), determinando novas formas de correlação entre si, ou,
nexos internos, na constituição de um “sistema psíquico consciente”.
Vigotski (2001) assinala que o significado da palavra, que em seu aspecto psicológico é uma generalização, constitui um ato
de pensamento assim explicado:

[...] constitui um ato de pensamento, no estrito sentido do termo. Mas, ao mesmo tempo, o significado é parte integrante
da palavra, pertence ao domínio da linguagem em igual medida que ao pensamento. Sem significado a palavra não o é,
mas sim, um som vazio, deixando de pertencer ao domínio da linguagem. Em sua natureza, o significado pode ser
considerado igualmente como um fenômeno da linguagem e do pensamento. Não cabe dizer do significado da palavra o
que dizíamos antes com respeito aos seus elementos tomados em separado. O que é linguagem ou pensamento? É um
e o outro ao mesmo tempo, porque se trata de uma unidade de pensamento linguístico [...]. (VIGOTSKI, 2001, p. 21).

Buscando compreender um pouco mais esses processos, reitera-se que a intervinculação entre pensamento e linguagem é
atribuída à necessidade do intercâmbio com os indivíduos e à relação interpessoal, a qual interfere diretamente na formação do
pensamento verbal. A relação entre a fala externa/verbalizada e o pensamento modifica-se ao longo do desenvolvimento da criança.
Até por volta dos três anos, a fala acompanha frequentemente o comportamento infantil. A partir de então, gradativamente,
dependendo das experiências e das mediações, as crianças já são capazes de antecipar o que irão fazer. Disso decorre que a fala
passa a desempenhar funções que são características do pensamento complexo, a de planejar a ação e guiar as atividades
humanas, bem como a reelaboração do conhecimento adquirido.
O pensamento, a oralidade, o brinquedo, os gestos, as brincadeiras, o faz de conta, o jogo e o desenho contribuem para a
apropriação da linguagem escrita e das outras linguagens. Consequentemente, unem funções psíquicas em novas combinações
que, ao se complexificarem, possibilitam a apropriação do sentido e do significado que cada objeto contém.
Como já assinalado, a significação imbrica pensamento e linguagem, mas também razão e afeto. Segundo Martins(2013),

Todo e qualquer sentimento carrega consigo um complexo sistema de ideias por meio dos quais possa se expressar.
Portanto, tal como não há ideia sem pensamento não há, igualmente, ideia alheia à relação da pessoa com a realidade.
Da mesma forma, não há relação com a realidade que possa ser independente das formas pelas quais ela afeta a pessoa.
Assim, toda ideia, diga-se de passagem, conteúdo do pensamento, contém a atividade afetiva do indivíduo em face da
realidade que representa. (MARTINS, 2013, p. 57).

Vigotski (1989) explica o desenvolvimento como um processo de internalização de modos culturais de pensar e de agir.
Embora aponte diferenças entre aprendizagem e desenvolvimento como dois processos distintos, os considera interdependentes
desde o primeiro dia da vida da criança. A aprendizagem suscita e impulsiona o desenvolvimento, e esse realiza a mesma ação com
relação àquela.
A investigação sobre o sentido da interação contribuiu para o entendimento da relação entre aprendizagem e
desenvolvimento, que pode ser explicitado pelos conceitos de níveis de desenvolvimento10: nível de desenvolvimento real (NDR),
nível de desenvolvimento proximal (NDP), ou zona de desenvolvimento iminente (ZDI).11
O nível de desenvolvimento real revela as funções que já se desenvolveram na criança e que possibilitam a resolução de
problemas, individualmente. Refere-se àquilo que a criança, o jovem ou o adulto sabe. O nível de desenvolvimento proximal ou
iminente é para Vigotski (1989, p. 97) “determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em
colaboração com companheiros mais capazes”. Refere-se àquilo que a criança, jovem ou adulto sabe com a ajuda de alguém.

10Os níveis de desenvolvimento levam em conta também a evidência de que a aprendizagem deve ser coerente com o nível de desenvolvimento da criança.
11Termo proposto por Zoia Prestes em seu livro “Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil”. Campinas, SP:
Autores Associados, 2012.
Segundo o autor (1989, p.102), “os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. Ou melhor, o
processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam, então,
as zonas de desenvolvimento proximal”, esse entendimento explicita a relevância da função pedagógica.
Para o autor,

[...] o aprendizado orientado para os níveis de desenvolvimento que já foram atingidos é ineficaz do ponto de vista do
desenvolvimento global da criança. Ele não se dirige para um novo estágio do processo de desenvolvimento, mas, ao
invés disso, vai a reboque desse processo. Assim, a noção de zona de desenvolvimento proximal capacita-nos a propor
uma nova fórmula, a de que o “bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento. (VIGOTSKI,
1989, p. 100).

É pelo trabalho educativo que o professor assume um papel decisivo e organizativo junto ao desenvolvimento infantil, e da
qualidade dessa interferência dependerá a qualidade do desenvolvimento. Por essas razões, os processos de educação e ensino,
promotores das complexas aprendizagens humanas, assumem enorme importância na psicologia histórico-cultural. Logo, Vigotski
(2001) afirma que,

[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança
conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia
produzir-se sem aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsicamente necessário e universal para
que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas historicamente. (VIGOTSKI,
2001, p. 115).
Segundo Martins, Abrantes e Facci (2016), Vigotski, ao afirmar o papel dos signos na transformação qualitativa do psiquismo
e que esses precisam ser transmitidos, apresentou o ensino como condição fundante do desenvolvimento. Contudo, é necessário
um trabalho educativo comprometido com a promoção do máximo desenvolvimento do indivíduo e um sistema educativo que, de
acordo com os autores,

[...] tenha possibilidades concretas de produzir uma pessoa de pensamentos, com autonomia intelectual para analisar a
realidade valendo-se de instrumentos conceituais em suas formas mais elaboradas; uma pessoa de sentimentos, que se
forme sensível ao conjunto dos seres humanos e que possua senso de justiça, revoltando-se contra arbitrariedades que
se pratique contra qualquer membro do gênero humano. Que culmine na produção de uma pessoa da práxis, que
compreenda as contradições sociais existentes no processo de produção e reprodução da sociedade, que se engaje na
luta pela implementação de uma sociedade livre da dominação e opressão. (MARTINS; ABRANTES; FACCI, 2016, p. 3-
4, grifos dos autores).

A partir da discussão acerca dos pressupostos psicológicos, espera-se que os professores possam se apropriar e discutir os
processos de desenvolvimento e de aprendizagem e seus desdobramentos no trabalho educativo, de forma a superar concepções
de senso comum presentes no cotidiano escolar, com vistas a uma educação verdadeiramente humanizadora.

PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS
Ao se definir pressupostos pedagógicos, é necessário compreender a importância de, a priori, definir-se claramente o método
que dará sustentação ao trabalho escolar. Método é o conjunto de determinados princípios que permitem, filosófica e cientificamente,
apreender a realidade para atuar nela, objetivando a emancipação humana. Medodologia, por sua vez, é compreendida como um
conjunto de meios (materiais e procedimentos) que possibilitam a operacionalização do processo. Assim, entende-se que o
pressuposto pedagógico, que nesta PPC é sustentada pela Pedagogia Histórico-Crítica, é o que orienta a metodologia utilizada nos
mais diferentes processos pedagógicos e administrativos que organizam o trabalho escolar, tarefa essa que se espera ter sido
cumprida ao enunciar os pressupostos filosóficos e psicológicos.
Para que os pressupostos pedagógicos sejam definidos, algumas questões devem ser feitas e respondidas, tais como: O
que é educar? Qual o papel da escola e dos diferentes trabalhadores em educação? Tem-se clareza sobre qual método sustenta a
compreensão sobre a realidade? Quais relações, no cotidiano da escola, contribuem para um processo educativo que objetive a
formação omnilateral? Como formar a consciência crítica? Como organizar e trabalhar os conteúdos para atingir a esses objetivos?
Quais conteúdos produzidos socialmente devem se tornar conteúdos escolares? Qual é o objeto central do ensino deste ou daquele
conteúdo e quais objetivos serão priorizados? Como, por que e o que avaliar? Por que planejar? Quais as intencionalidades
presentes nas ações educativas? Qual a formação necessária aos profissionais da educação? Como organizar o cotidiano escolar
tendo em vista a consecução dos objetivos de um projeto educacional emancipatório? Como atuar no sentido de enfrentar a atual
fragmentação das ações e programas que incidem no cotidiano do trabalho educativo escolar?
Para buscar indicativos para essas questões, tem-se como princípio que a educação é trabalho, é atividade mediadora no
âmbito da prática social e que educar é contribuir para consolidar o processo de humanização do homem. Nessa perspectiva,
humanizar-se é assimilar o coletivo social no individual, em seu caráter dialético de transformar-se, modificando a realidade. Como
pontua Saviani (2012), “o trabalho educativo é o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade
que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2012, p.13). É, portanto, ação mediada, que visa a
imprimir o arcabouço cultural em cada indivíduo para que se constitua em si a humanidade coletiva, carregada dos sentidos e dos
significados produzidos, de modo que seja possível sua inserção nos diferentes espaços sociais, culturais e científicos.
Assim, uma educação que tenha compromisso com a transformação precisa levar em conta a relação entre a teoria e a
prática, por meio da transmissão e da assimilação dos elementos culturais e científicos que permitam fazer a crítica, bem como
buscar possibilidades de transformação das atuais relações sociais que expropriam, da ampla maioria da população, as reais
condições de acesso ao conhecimento científico e cultural produzido pela humanidade. Para tanto, é preciso recuperar a
essencialidade do fazer pedagógico, a partir da compreensão do exposto por Saviani (2012), o qual enfatiza a função social da
instituição escolar:

Ora, clássico na escola é a transmissão-assimilação do saber sistematizado. Este é o fim a atingir. É aí que cabe encontrar
a fonte natural para elaborar os métodos e as formas de organização do conjunto das atividades da escola, isto é, do
currículo. E aqui nós podemos recuperar o conceito abrangente de currículo: organização do conjunto das atividades
nucleares distribuídas no espaço e no tempo escolares. Um currículo é, pois, uma escola funcionando, quer dizer, uma
escola desempenhando a função que lhe é própria. (SAVIANI, 2012, p. 17).
Ao referir-se ao que é clássico, Saviani (2012), incisivamente, argumenta: “Clássico não se confunde com tradicional e
também não se opõe, necessariamente, ao moderno e muito menos ao atual. O clássico é aquilo que se firmou como fundamental,
como essencial. Pode, pois, constituir-se num critério útil para a seleção dos conteúdos do trabalho pedagógico” (SAVIANI, 2012,
p.13).
É, portanto, objeto do trabalho escolar a socialização do conjunto de conhecimentos científicos, culturais, artísticos, ou seja,
aqueles que se firmaram no tempo e que compõem o acervo da humanidade, de modo que sejam efetivamente apropriados em sua
totalidade e por todos os alunos. Em razão dessa compreensão, depreendem-se outras significações, dentre elas a de que a
educação, como prática social e como ação intencional mediada, exige um planejamento metódico, porque é pautado em um método
claramente definido; é rigorosa e reflexiva, por seguir ações e/ou procedimentos que possibilitem a apropriação crítica do conjunto
de conhecimentos, com vistas à ruptura com os padrões vigentes da mera reprodução utilitarista de competências. Nessa direção,
há, portanto, que se consolidar uma organização da e na instituição escolar que se paute nos princípios defendidos por Saviani
(2012), de que:

[...] Para existir a escola não basta a existência do saber sistematizado. É necessário viabilizar as condições de sua
transmissão e assimilação. Isso implica dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe gradativamente do seu não
domínio ao seu domínio. Ora, o saber dosado e sequenciado para efeitos de sua transmissão-assimilação no espaço
escolar, ao longo de um tempo determinado, é o que convencionamos chamar de “saber escolar”. (SAVIANI, 2012, p.
17).

O ato de planejar, nesse contexto, se configura em uma ação política e técnica, visto que, como ação política, o professor
procede a análise do conteúdo escolar e do processo educativo em uma perspectiva mais ampla, implicando tomada de decisões
sobre para quê e como abordar os conteúdos de ensino. Na qualidade de ação técnica, conhecendo o processo de desenvolvimento
humano, compreende suas responsabilidades como mediador e promotor desse desenvolvimento por meio de ações pedagógicas
devidamente planejadas, assumindo os compromissos de organizar o processo educativo, considerando a consecução dos objetivos
e/ou a sua reorganização. Friza-se, nesse contexto, que essas duas dimensões (política e técnica) são indissociáveis.
O planejamento do processo educativo, em uma perspectiva crítica e transformadora, exige a reflexão sobre as relações de
poder que se instituem no interior da escola, explicitando a sua origem, o seu caráter contraditório, identificando de que modo
interferem tanto na organização interna quanto nas relações que permeiam o cotidiano da escola e comunidade, bem como as da
escola com a mantenedora. Parte-se do princípio fundante que se construam práticas coletivas em um processo reflexivo de tomada
de decisões, pautadas no domínio das informações necessárias e em tempo para que as decisões sejam, efetivamente, coletivas e
voltadas para os interesses do coletivo. Isso permite que ações mais participativas sejam, gradativamente, construídas,
consolidando-se na gestão escolar em uma perspectiva democrática que prime pela participação consciente de todos os envolvidos
no processo educativo escolar, mesmo que demarcadas pelos limites impostos pela legislação e/ou normativas.
Nessa direção, entende-se o Projeto Político Pedagógico12 (PPP, deste ponto em diante) não apenas como um documento,
mas como prática, como projeto em movimento, em permanente construção, execução e avaliação. Em um primeiro e mais
importante sentido, o PPP se revela como prática reflexiva e coletiva de tomada de decisão, que necessita, concomitantemente, ser
sistematizado e organizado para que se constitua também no registro das intencionalidades e das ações coletivas da comunidade
escolar, servindo de sustentação a todos os outros planejamentos escolares. Nesse movimento de construção, congrega e explicita
os fundamentos e os pressupostos que direcionam as práticas político-pedagógicas da comunidade escolar, indicando quais os
princípios que direcionam e mantêm as práticas educativas.
No campo dos pressupostos pedagógicos, há que se deter com afinco na relação ensino e aprendizagem, considerando,
sobretudo, o trabalho desenvolvido em sala de aula e nos demais espaços educativos como fundamentais para a socialização e a
problematização do conhecimento científico, uma vez que, nas palavras de Saviani (2012), “é o fim a atingir que determina os
métodos e processos de ensino-aprendizagem” (SAVIANI, 2012, p. 17). E, nesse caso, à instituição escolar compete, segundo o
autor, ensinar o conjunto de conhecimentos essenciais à inserção na cultura letrada, na cultura erudita o que exige, para tanto, a
incorporação dos rudimentos da leitura e escrita, bem como das demais áreas do universo letrado e das ciências.
O currículo escolar, por sua vez, expressa uma organização por campo de experiências na Educação Infantil e por
componente curricular no Ensino Fundamental – Anos Iniciais -, respeitando o objeto de estudo das diferentes áreas. Contudo, busca

12 No texto A organização do trabalho pedagógico: dos pressupostos curriculares à organização dos documentos na instituição escolar, disponível em
http://educaamop.blogspot.com/2017/07/dos-pressupostos-curriculares.html (acessado em 02/08/18), são estabelecidas relações entre os documentos
institucionais que organizam a prática pedagógica e esse serve de subsídio para ampliar a referida compreensão. O texto é resultado provisório das análises
e dos estudos necessários à Formação Continuada vinculada à implementação do Currículo Básico para a Escola Pública da região Oeste do Paraná, no ano
de 2017.
avançar na superação dos limites que, costumeiramente, se instalam no ato de planejar a ação docente quando pautado por uma
visão linear ou fragmentada. É nessa direção que a afirmativa de que “são os fins a atingir que determinam os métodos e processos
de ensino e aprendizagem” assume especial relevância, pois sem essa clareza, sem essa definição, quaisquer procedimentos e,
possivelmente, quaisquer resultados serão aceitos como viáveis e justificados mediante as condições existentes, retirando da
instituição escolar parte significativa de sua responsabilidade frente à transmissão-assimilação do saber sistematizado, que é o
pressuposto fundamental para que a instituição escolar cumpra com a função social, de contribuir para emancipção humana.
Ao referir-se à organização do processo de ensino e de aprendizagem, é necessário retomar o exposto por Klein (2010):

[...] o conhecimento não está nas coisas e nem nasce espontaneamente na cabeça dos educandos. O conhecimento
existe apenas nos homens e nas suas relações. E, portanto, na relação com outros homens, na medida em que incorpora
a intricada rede de relações que constituem uma dada forma humana de ser, que a criança se apropria do conhecimento.
Este não é, evidentemente, passível de ser “ditado”, mas também não é algo que se descubra por um golpe incomum de
genialidade. (KLEIN, 2010, p. 230).

Com base em Klein (2010), destaca-se que o conhecimento científico é resultante de pesquisa científica produzida nas
relações dos homens com a natureza e dos homens entre si. Trata-se de um complexo processo de produção, o qual se encontra,
via de regra, publicado na forma de síntese e, conforme interesse formativo da sociedade, essas sínteses são apresentadas em um
rol de abstrações conceituais, as quais são denominadas como conteúdos escolares. Nesse caso, as sínteses conceituais contêm
uma complexidade de relação entre elementos diversos que vão muito além das abstrações contidas na matriz curricular.
O conhecimento científico, sendo produzido nas relações dos homens com a natureza e dos homens entre si, constitui-se
na sua dimensão histórica, demarcada pelo tempo e pelas condições em que é produzido, sistematizado e socializado. Partindo
desse entendimento, compreende-se que a reprodução de conceitos, de regras e de fórmulas não é suficiente para configurar a
apreensão do conhecimento científico. Por isso, é necessário que a ação pedagógica, sob a responsabilidade da instituição escolar,
esteja planejada de forma a superar as práticas pedagógicas pautadas em conceitos espontâneos, visando a alçar novas práticas
nas instituições, uma vez que há que se tomar consciência do que é defendido reiteradamente por Martins (2016):
[...] há que se afirmar a escola como lócus privilegiado para a transmissão daquilo que realmente promove o
desenvolvimento, cientes de que o alcance dos conceitos científicos não restringe apenas aos conteúdos que veiculam
em si mesmos, haja vista que esse tipo de ensino opera decisivamente na estrutura psíquica dos indivíduos. O que se
apresenta no cerne da qualidade dos conteúdos de ensino outra coisa não é senão a formação da consciência, cujo
fundamento, do ponto de vista psicológico, radica na formação dos processos funcionais superiores e, sobretudo, naquilo
que conduz ao autocontrole da conduta. Pretender a formação de alunos “críticos”, “participativos”, “cidadãos”, etc; na
ausência do ensino de conteúdos sólidos, desenvolventes, parece-nos um ideal falaz que precisa ser desvelado.
(MARTINS, 2016, p. 26).

É, portanto, imprescindível que o trabalho pedagógico na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental tenha
como pressuposto básico a definição dos conteúdos, a forma de trabalhá-los e a escolha dos materiais e dos recursos. O ato
intencional de planejar ações de mediação pedagógica requer amplo conhecimento sobre o desenvolvimento humano e sobre o
núcleo conceitual referente às áreas do conhecimento que pautam a prática pedagógica em sala de aula.
Essa organização extrapola o espaço privilegiado de transmissão e assimilação do conhecimento historicamente produzido
e sistematizado pela humanidade, ou seja, a aula em si. Ela congrega as concepções sobre o trabalho, o homem, a educação, a
sociedade, a escola, a ciência, a tecnologia, o conhecimento, o currículo, o saber, o ensino, a aprendizagem, dentre outras, as quais
são definidoras da forma como se lê a realidade social, política e cultural, bem como a forma como se posiciona nessa mesma
realidade. Há que se garantir, desse modo, a unidade político-pedagógica, a qual espera-se que esteja prevista no PPP institucional,
como resultado de uma construção coletiva e participativa dos sujeitos que constituem a comunidade. Assim é que a organização
do trabalho docente, de forma mais implícita, se volta à organização do plano de trabalho docente e do plano de aula e à avaliação
do ensino e da aprendizagem, o que exige escolhas metodológicas (procedimentos), as quais, por sua vez, revelam os
pressupostos teóricos (método) que os sustentam.
Nessa linha de argumentação, recupera-se a síntese que Martins (2016) apresenta ao referir-se ao método marxiano de
construção do conhecimento, o qual pressupõe a “captação empírica e sincrética da realidade como ponto de partida, as mediações
abstratas do pensamento como possibilidades para superação dessa condição, tendo em vista a apreensão concreta da realidade
como síntese das múltiplas determinações” (MARTINS, 2016, p. 27). Para tanto, há que se ter uma organização do trabalho escolar
que supere práticas fragmentadas de ensino, visto que o aporte dos pressupostos da psicologia histórico-cultural exige que, ao
considerar o desenvolvimento humano, tenha-se como fundamento que as “funções complexas não se desenvolvem na base de
atividades que não as exijam e as possibilitem” (MARTINS, 2016, p. 19). Assim sendo, no tratamento do conteúdo, em um constante
ir e vir, o professor deve precisar a definição conceitual; porém, sempre estabelecendo relação entre ela e outras definições que se
apresentarem como necessárias e com o processo histórico-social. Isso implica expressar quais são os fundamentos referenciais do
conteúdo, ao mesmo tempo em que busca superá-los, incorporando à discussão o seu significado histórico, social e político, ou seja,
estabelecendo as relações entre o conteúdo escolar e a realidade. Contudo, não se trata da realidade imediatamente visível, mas
da totalidade que, para ser compreendida e apreendida, assenta-se no planejamento de ações que “visam à conquista das
capacidades intelectuais, das operações lógicas do raciocínio, dos sentimentos éticos e estéticos, enfim, de tudo o que garanta ao
indivíduo a qualidade de ser humano” (MARTINS, 2013, p. 275).
Nesse aspecto, ao tratar do conteúdo escolar, o professor deve fazer um exercício racional sincrônico (tempo atual) e
diacrônico (por meio dos tempos), captando as relações estabelecidas, o seu movimento e as suas contradições. Esse exercício é
fundamental para a passagem do concreto-sensorial ao concreto pensado. O concreto sensorial é percebido pelo nosso cérebro por
intermédio de uma relação direta de nossos sentidos com o mundo objetivo. Ele é nos apresentado de forma caótica e limitado às
nossas apreensões de manifestações exteriores. O concreto, tal como Marx (1987) destaca, trata-se de um concreto idealizado,
visto que o “concreto aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida” (MARX, 1987,
p. 16). Conforme o autor, o conhecimento concreto da realidade só é possível se as partes abstraídas e isoladas forem rearticuladas,
de modo a compreender a unidade do diverso, e a chegar ao concreto pensado, que é síntese de múltiplas determinações. Assim,
as definições permanecem em constante reflexão e só se aproximam do real se forem apreendidas as múltiplas relações que
compõem e dão base ao conhecimento.
O movimento entre concreto sensorial, abstração e concreto pensado está constantemente a se refazer, e é nesse
movimento que se insere outra organização do ensino, conforme defendida por Saviani (2012)13. Como esforço, no sentido de
garantir o entendimento de que prática social, problematização, instrumentalização, catarse e prática social são momentos
apresentados pelo autor na contraposição às pedagogias existentes até então, e, portanto, como método, é imprescindível destacar
a lógica dialética presente no movimento de transmissão-assimilação/apropriação do conhecimento científico. Nesse quesito,
Martins(2016) reafirma:

13 Ao proceder a apresentação dos cinco passos da pedagogia revolucionária denominada, posteriormente, de Pedagogia Histórico-Crítica, Saviani (2012)
dialoga com a pedagogia tradicional e a pedagogia nova, evidenciando os limites daquelas. Desse modo, no confronto, vai construindo sua argumentação que
só pode ser devidamente compreendida na relação com o todo do texto, em que o percurso histórico, filosófico e pedagógico das concepções teóricas vai
sendo minuciosamente apresentado. Para complementar os conhecimentos, é fundamental o estudo da obra completa do autor, intitulada Escola e
Democracia. Ao propor uma nova organização para o ensino, é fundamental que se destaque que ele não propõe que se engesse essa organização em
procedimentos metodológicos estanques, conforme se observa nas palavras do próprio autor, quando se posiciona a respeito disso, confrontando as práticas
pedagógicas inerentes às denominadas pedagogia tradicional e nova com aquilo que compreende ser uma nova proposta de organização do ensino. No
contexto dessa discussão, ele alerta: “Assim, se fosse possível traduzir os métodos de ensino que estou propondo na forma de passos à semelhança
dos esquemas de Herbart e de Dewey, [...] eu diria que o primeiro passo seria a prática social” (SAVIANI, 2012, p. 70, grifos nossos).
Frise-se que os momentos explicitados por Saviani referem-se à organização lógica do ensino e só podem expressar-se
no ato de ensinar como momentos distintos, mas interiores uns aos outros. Trata-se de compreender a prática social,
quer do ponto de partida, quer do ponto de chegada, como substrato das abstrações do pensamento organizadas como
problematização, instrumentalização e catarse, que se manifestam como atos de pensamento a serviço de uma
apreensão mediata daquilo que é dado imediatamente à captação sensível. (MARTINS, 2016, p. 27).

Há que se compreender, conforme indicado pela autora, o percurso lógico da aprendizagem, na sua relação com o
desenvolvimento humano para ser possível proceder as inferências necessárias à organização de um ensino que promova
desenvolvimento. A autora destaca: “O percurso lógico da aprendizagem segue uma linha de desenvolvimento que caminha do
concreto (sensorial, empírico) para o abstrato, do particular para o geral, do cotidiano para o não cotidiano, dos conhecimentos de
senso comum para os conhecimentos mais elaborados e complexos. Esse percurso revela-se ‘de baixo para cima’” (MARTINS,
2016, p. 28).
A aprendizagem é um processo mediado por signos (culturais), inserido em contextos sociais carregados de significações,
as quais precisam ser transpostas do inter para o intrasubjetivo e cuja qualidade de apropriação depende das condições em que
elas ocorrem.
Martins (2016), ao confrontar a lógica da aprendizagem com a lógica do ensino, destaca que “[...] o percurso lógico do ensino
carece ocorrer do abstrato para o concreto, do geral para o particular, da síntese como possibilidade para a superação da síncrese,
do não cotidiano para o cotidiano, dos conceitos científicos a serem confrontados com os conceitos espontâneos. Logo, esse
percurso revela-se “de cima para baixo” (MARTINS, 2016, p. 29). A pesquisadora ainda acrescenta: “Consequentemente, o ensino
só pode sustentar-se como objetivação de apropriações já realizadas por quem ensina. Nesse sentido, o percurso lógico do ensino
não pode reproduzir o percurso lógico da aprendizagem, pois se assim o for não gerará as contradições necessárias à transformação
do sistema representado pela tríade conceitos científicos, conceitos espontâneos e seus objetos” (MARTINS, 2016, p. 29).
Nessa perspectiva, organizar o ensino implica, como tem se destacado nesta seção, um conjunto de saberes que extrapolam
a mera definição dos encaminhamentos e recursos didático-pedagógicos, que se objetivam em uma simples organização de
atividades que ocupem o tempo escolar. Além disso, torna-se possível inferir que não é possível ensinar aquilo que não se domina,
aquilo que não se conhece. É pertinente, ainda, destacar, as palavras de Saviani (2012) quando se refere à função social da escola
como instituição responsável pelo acesso ao saber sistematizado, momento em que também apresenta algumas das condições
necessárias para o acesso a esse saber:

Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse
tipo de saber é aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso também aprender a linguagem dos números, a linguagem
da natureza, e a linguagem da sociedade. Está aí, o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os
rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia). (SAVIANI, 2012, p.14).

Com base nas palavras supracitadas, entende-se que à escola compete, sobretudo, ensinar os rudimentos necessários à
instrumentalização primeira, ou seja, ensinar a ler, a escrever, a contar, a socializar o domínio das ciências naturais e sociais, por
meio das quais se permitem ampliar as possibilidades de inserção no mundo cultural por meio de domínios mais elevados sobre
esses rudimentos. O acesso aos conceitos científicos depende de processos de alfabetização devidamente conduzidos e concluídos,
bem como de processos de ensino devidamente orientados, de modo que se rompa com as exclusões tão frequentes, as quais
ocorrem em decorrência do não domínio dos conteúdos presentes na cultura letrada/erudita. Instrumentalizar os alunos é, sobretudo,
promover um ensino que possibilite a apropriação dos conteúdos da ciência e da cultura em suas diferentes manifestações.
Na prática pedagógica que se efetiva na sala de aula, é correto afirmar que se estabelecem a atividade de ensino, como
prática efetiva do professor, e a atividade de estudo, como prática do aluno. Moura, Sforni e Lopes (2017) definem a atividade de
estudo como “aquela atividade cujo produto são transformações no aluno” (MOURA; SFORNI; LOPES, 2017, p. 82). E, identificam
seus componentes como sendo “as tarefas de estudo, as ações de estudo e as ações de controle e avaliação”. De modo que “A
tarefa de estudo está associada à motivação do estudo, com a transformação do aluno em sujeito da atividade. Estar em atividade
de estudo é que coloca o aluno em ações de estudo. É a realização conjunta do aluno com seus colegas e o professor que vai
permitir a realização das ações de controle e avaliação dos resultados de sua atividade de estudo” (MOURA; SFORNI; LOPES,
2017, p. 82).
Tendo como objetivo promover a aprendizagem de conteúdos relevantes para uma formação emancipadora, a organização
do ensino é essencialidade que requer definição clara dos procedimentos metodológicos, pois, segundo os autores explicitam:
Da avaliação do que realiza poderá resultar a necessidade de mudanças na sua forma de atuação, já que no processo
de ensino irá perceber como agem os estudantes diante do conteúdo a ser aprendido. É a percepção, pela reflexão,
sobre a qualidade da aprendizagem que irá desencadear ou não novas ações do professor para atingir seu objetivo.
Desse modo, o controle intencional das ações e operações14, como parte do seu plano, permitirá ao professor passar
qualitativamente de um nível ao outro da organização da atividade de ensino, segundo as características do pensamento
teórico. (MOURA; SFORNI; LOPES, 2017, p. 85).

Nessa direção, às ações de organização do ensino vão exigindo o acompanhamento dos resultados correspondentes no
que tange à aprendizagem e à consequente tomada de decisão quanto à necessidade ou não de reorganização dos procedimentos
adotados para o ensino dos conteúdos escolares.
Além do domínio conceitual referente ao conteúdo, objeto de ensino, ao professor compete investigar as ações
desencadeadoras de aprendizagem, aquelas que produzem a real necessidade de novas elaborações ou novas sínteses resultantes,
por exemplo, da necessidade de confrontar informações sobre um mesmo conteúdo ou de núcleos conceituais diferentes. Vale
indicar que a prática pedagógica implica, ainda, conhecer os materiais e recursos disponíveis, a fim de saber de que forma será
possível conduzir as explicações, elaborações e/ou experimentações que se fizerem necessárias de modo a garantir a apropriação
dos conteúdos essenciais que se constituem o objeto de estudo. A organização do ensino, também, é referendada por Libâneo
(2016), o qual parte da defesa de um ensino que visa à formação do pensamento teórico e indica pressupostos para elaboração dos
planos, os quais, por sua vez, articulam-se ao corpus teórico da ciência a ser ensinada, requerendo do professor, amplo domínio
conceitual referente ao objeto de ensino, das ações mentais envolvidas e dos procedimentos e recursos necessários para
desencadear as situações de ensino. O autor destaca, dentre outros pontos, a necessidade de

14 Ressalta-se a necessidade de aporte teórico como apoio à fundamentação de modo a ampliar a compreensão sobre a atividade de ensino e a de estudo.
Para tanto, é fundamental que o resultado dos trabalhos de diferentes grupos acadêmicos, os quais têm se dedicado à pesquisa, por intermédio de programas
que têm no financiamento público o suporte financeiro, continuem sendo socializados e debatidos em seminários, congressos e publicitados pelos meios
eletrônicos e impressos. É nesse diálogo da Universidade com a Educação Básica que tem-se a oportunidade de avançar na compreensão das imbricadas
relações entre teoria e prática. Nesse campo em específico, recomenda-se, por ora, o aprofundamento nas leituras dos trabalhos de Moura, Sforni e Lopes
(2017); Sforni (2015); Cardoso e Libâneo (2016); Arnoni (2003), os quais apresentam contribuições teóricas imprescindíveis à leitura e à compreensão teórico-
metodológico indicados nos diferentes componentes curriculares.
Análise do conteúdo visando à elaboração do núcleo conceitual (núcleo do conceito) da matéria (princípio geral básico,
relações gerais básicas), que contém a generalização esperada para que o aluno a interiorize e a utilize para deduzir
relações particulares da relação básica identificada. Para isso, busca-se a gênese de desenvolvimento do conteúdo, isto
é, o processo histórico de sua constituição, recorrendo aos métodos e procedimentos de investigação próprios desta
ciência. (LIBÂNEO, 2016, p. 377).

Em síntese, tem-se a indicação objetiva do percurso do ato de planejar o ensino e a aprendizagem como trabalho pedagógico
em sala de aula que será viabilizado mediante ações intencionais, rigorosamente organizadas. Cabe destacar que o compromisso
de indicar o percurso a ser realizado para garantir a apropriação dos conceitos científicos será cumprido em cada componente
curricular, no campo dos encaminhamentos teórico-metodológicos. Nesse sentido, vale ressaltar os limites impostos pelo tempo
histórico, o desafio da produção coletiva em que tem-se a opção por metodologias de ensino consideradas mais adequadas ao
objeto de ensino do referido componente curricular, mantendo-se o respeito aos pressupostos teóricos já devidamente enunciados.
E, na lógica até aqui apresentada, não cabe enfatizar nenhuma concepção de avaliação que a trate de forma distinta ou
separada de todo o percurso. Situada no campo das ações de controle e avaliação, nos e dos processos de ensino e aprendizagem,
a avaliação contribui para que os fins a atingir se efetivem. Ela se reveste implícita no processo educativo com vários atributos:
diagnóstica, investigativa, processual, reflexiva, formativa e qualitativa. Diagnóstica e investigativa porque é um processo de reflexão
e investigação sistemática, com registros objetivos que permitem analisar e caracterizar o processo educativo, tanto com relação à
apropriação do aluno quanto com relação às ações articuladas para que essa apropriação aconteça. É formativa porque permite a
realimentação do processo e, assim, o acompanhamento permanente.
Ademais, não basta apenas diagnosticar; é preciso encaminhar ações que permitam a adequação dos procedimentos
utilizados para a consolidação dos objetivos e, consequentemente, para a apropriação dos conhecimentos. Há que se compreender
que os registros são provisórios e que ela se tornará qualitativa e contínua se os dados registrados forem pautados no pressuposto
de analisar a consolidação dos objetivos confrontados permanentemente, expressando a qualidade do processo, e não de um
determinado momento desse.
Segundo Janssen (2004), “à razão de ser da avaliação está em acompanhar, interativa e regulativamente, se os objetivos
pedagógicos estão sendo atingidos. Os processos avaliativos visam aproximar as formas de planejar, de ensinar, de aprender e
também de avaliar através da coleta de maior número possível de informações que sejam relevantes para a melhoria da qualidade
social do trabalho pedagógico” (JANSSEN, 2004, p. 58). Não se pode perder de vista que toda produção do aluno, inclusive o erro,
é uma fonte de informação importante sobre o processo de ensino e de aprendizagem, servindo de ponto de reflexão para a retomada
das ações de ensino que se apresentarem como necessárias a fim de garantir as aprendizagens objetivadas.
Considerando-se que é a partir de mediações significativas que se criam novas possibilidades de aprendizagem e de
desenvolvimento, as quais, por sua vez, exigirão novas mediações, não se pode: a) deter-se em coletar informações sobre momentos
específicos da aprendizagem dos alunos; e b) considerar momentos pontuais como a referência maior para análise de um percurso
de aprendizagem e desenvolvimento, os quais se revelam sempre em processo. Nas escolas, segundo Rego (2001), costuma-se
avaliar o aluno somente no nível de desenvolvimento real, ou seja, avalia-se aquilo que ele sabe no momento em que o instrumento
avaliativo é aplicado, que se revela por meio do que ele é capaz de fazer, sem colaboração de outros, como sendo o representativo
de seu desenvolvimento.
Nas reflexões sobre a avaliação, entendida como processo que serve para avaliar o ensino e a aprendizagem, defende-se
que os resultados devem servir de suporte para reavaliar percursos de ensino e de aprendizagem, incluindo as diferentes situações
que incidem na organização das salas de aula e dos demais espaços educativos da instituição escolar, abarcando inclusive as
diferenças para que não se constituam em desigualdades. Há que se considerar a inclusão social e educacional, aspectos que
exigem a flexibilização curricular, quer seja com relação ao tempo, à forma, ao conteúdo, ao ensino e aos instrumentos e critérios
de avaliação, sem que ocorra a banalização/esvaziamento do conteúdo/conhecimento.
Ao tratar das ações de avaliação, é importante refletir sobre os instrumentos que poderão ser utilizados na relação com o
núcleo conceitual das áreas do conhecimento de modo que assegurem situações de análise, de interpretação, de síntese, de
memorização de informações e de conceitos relevantes, de reflexão, de aplicação de conhecimentos, dentre outros aspectos. Os
instrumentos, quando bem elaborados, podem contribuir para a necessária e coerente interpretação das informações contidas nas
atividades avaliativas de modo que, professor e aluno, tomem consciência das suas trajetórias de ensino e de aprendizagem, na
relação com o núcleo conceitual a ser apropriado pelos alunos como resultado das atividades desenvolvidas. Assim, criar estratégias
próprias de aprendizagem, construindo ações mais autônomas, no sentido da emancipação intelectual e da construção da autocrítica,
por parte de todos os envolvidos, passa a ser uma ação consequente/resultante do processo de avaliação.
A reflexão crítica sobre o ensino e a aprendizagem, realizadas por parte de todos os envolvidos no processo, aponta para o
redimensionamento de práticas pedagógicas que legitimam a função social da instituição escolar como espaço privilegiado de
socialização do conhecimento científico e, consequente, do desenvolvimento do pensamento teórico, por intermédio de atos
intencionais de ensino e de aprendizagem, os quais legitimam a manutenção da instituição social escola.
É preciso ampliar o debate sobre aprovação, reprovação, ciclo e/ou contínuos de modo a superar seus limites operacionais
e legais, uma vez que, a não retenção é uma ação pedagógica significativa, quando acompanhada de atos de ensino que priorizem
à efetiva aprendizagem. O processo educativo, ao ser metodicamente planejado e avaliado, precisa garantir a consolidação de
objetivos, contribuindo para que se estabeleçam relações que instiguem o espírito investigador e que ampliem a exigência com
relação ao domínio do conhecimento historicamente acumulado.
Ao tratar da avaliação do processo educativo, não se pode desconsiderar as ações de autoavaliação, por intermédio da
previsão da avaliação institucional, a partir da análise dos resultados alcançados nas diferentes práticas desenvolvidas, bem como
a análise dos resultados alcançados nas avaliações realizadas pelo sistema educacional. Diferentemente de confrontar índices
estatísticos, as ações de controle e autoavaliação aqui concebidas abarcam exercícios de autorreflexão mediatizados pelas
concepções que fundamentam essa PPC e rompem com práticas competitivas, visando a retornar ao que está concebido e proposto
na relação direta com o que se tem alcançado, mediante as condições existentes, com vistas a reorganizar procedimentos sempre
que necessário, bem como fortalecer as ações que alcançam bons resultados. A defesa é a de que cabe à escola cumprir seu papel,
possibilitando o acesso ao conjunto de conhecimentos produzidos pela humanidade por meio do efetivo trabalho escolar, da
investigação e da reflexão.
Defende-se, neste documento, o exposto nas diretrizes curriculares, bem como nos acordos internacionais firmados em prol
dos interesses da humanidade, os quais apontam para a formação de sujeitos que apresentem domínios nas diferentes áreas do
conhecimento, tenham desenvoltura linguística, de raciocínio e criatividade, para que possam resolver situações diferenciadas, para
que valorizem a diversidade cultural, para que cuidem da saúde física e emocional; para que se preocupem com o meio ambiente e
com o planeta, para que utilizem diferentes linguagens, incluindo a digital para se comunicar e se expressar, e, sobretudo, para que
respeitem o diferente, o diverso, valorizem o humano em si e no outro, de modo a melhorar os espaços de convivência. Entende-se
que, por ser viável a construção das relações sociais indicadas nos documentos legais e orientadores das práticas formativas,
agregada à difusão desses princípios, faz-se necessária a transformação nas relações de produção material da existência humana.
Contudo, não compete aguardar mudanças na base material, é necessário que a instituição atue no campo daquilo que lhe é próprio,
ou seja, a socialização dos conhecimentos científicos e culturais produzidos pela humanidade.
Para que o trabalho educativo se efetive da maneira indicada nesses pressupostos, as políticas públicas municipais para
formação dos profissionais da educação não podem ser compostas de eventos pontuais, nem podem ficar submetidas às mudanças
de governo, ou ainda mais grave, submetidas às empresas, às fundações e às corporações que têm adentrado ao espaço escolar,
as quais, oferecendo produtos e serviços por meio de parcerias, amarram programas de formação contínua, vinculados aos
interesses corporativos, desvirtuando os princípios político-pedagógicos tão arduamente construídos na discussão coletiva dos
projetos políticos pedagógicos. A formação precisa ser contínua, garantindo o aprofundamento teórico-metodológico, a unidade e a
coerência aos pressupostos teóricos que sustentam as concepções de desenvolvimento humano, de aprendizagem, de ensino, de
organização pedagógica, dentre outros.
Nesse sentido, o processo de formação inicial e contínua dos trabalhadores da educação, planejado em curto, médio e
longo prazos, tendo em vista a necessidade de uma formação plena, fica vinculado à concepção que contemple a
multidimensionalidade do conhecimento e que objetive a humanização do homem na perspectiva de sua emancipação. O Plano
Nacional de Educação e o Plano Municipal de Educação, aliado ao plano de governo municipal, pautam o planejamento da formação
contínua, contemplando a totalidade dos profissionais da educação, fator que requer estabelecimento de prioridades, e a exclusão
de programas e projetos que atravessam os fins da instituição escolar, uma vez que a defesa desta PPC parte do entendimento
maior de que “Clássico na escola é a transmissão-assimilação do saber sistematizado. Este é o fim a atingir” (SAVIANI, 2012, p. 17).
O mapeamento de situações vivenciadas no cotidiano evidencia que há necessidade de empreender esforços no sentido de limpar
o espaço escolar daquilo que é secundário, daquilo que não é essencial, que vem atravessando a prática de ensino e,
consequentemente, a de aprendizagem, impactando nos resultados alcançados, em termos qualitativos.
A formação teórica do professor, quer seja na condição inicial ou contínua, parte dos mesmos princípios defendidos para o
ensino, primando pelo rigor dos conceitos e pelo rigor metodológico, visando a alçar níveis de compreensão cada vez mais complexos
que auxiliem no domínio conceitual e nas relações necessárias que incidam em práticas pedagógicas mais consistentes que auxiliem
na transposição da síncrese à síntese, do abstrato ao concreto pensado, na superação dos saberes em nível de senso comum,
alçando os patamares da elaboração conceitual sustentado por um domínio consistente. Essa formação a que este documento se
refere só ganhará caráter de continuidade se propiciar um processo de aprofundamento epistemológico, cuja previsão deve constar,
inclusive, nos Planos Municipais de Educação como resultado da participação efetiva dos trabalhadores no planejamento dessa
prática formativa e do seu conteúdo.
Assim, provisoriamente, finalizam-se as reflexões sobre os pressupostos pedagógicos, sendo esses articulados, na
sequência, aos legais à medida que esses, também, possibilitam e limitam práticas político-pedagógicas. No campo da gestão da
instituição escolar, lócus no qual incidem os resultados das decisões políticas dos sistemas, compete, sobretudo, o esforço pela
implementação de práticas efetivas de ensino que resultem em aprendizagem. Conhecer o conjunto jurídico que regulamenta e, por
vezes, condiciona a ação pedagógica, especialmente para que não se permita que regulamentações específicas e transitórias
assumam relevância ou significado que extrapolem sua exiguidade ou pequenez, é sumamente importante. Dessa forma, mesmo
que demarcados pelo aparato jurídico de um sistema legal, esta PPC ampara-se na consistência e coerência advindas dos princípios
até aqui assumidos, para seguir na organização das propostas pedagógicas curriculares, as quais complementarão este documento
curricular para a Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

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