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ATRAVÉS DAS IDEIAS DOS

MAIORES PENSADORES

CLAUDIO BLANC
a historia da
Filosofia
ATRAVÉS DAS IDEIAS DOS
MAIORES PENSADORES

CLAUDIO BLANC

3
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49, 55, 59 (Calidius), 63, 67, 71, 75 (Ealdgyth), 79, 83, 87, 91, 95, 101, 105, 107, 109, 113, 117, 121, 161,
173, 177, 181, 185, 189, 193, 197, 201, 203, 205, 209, 213 (Jahan98), 217, 221 (Pablosecca). Shutterstock:
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Sumário

Apresentação...................................... 7 Leibniz.............................................123
Tales de Mileto.................................13 Voltaire............................................127
Pitágoras de Samos..........................17 Rousseau.........................................131
Parmênides.......................................21 Hume...............................................135
Heráclito............................................25 Kant.................................................139
Demócrito de Abdera......................31 Fichte...............................................143
Sócrates.............................................35 Schelling..........................................147
Platão.................................................41 Hegel...............................................151
Aristóteles.........................................47 Schopenhauer.................................155
Epicuro..............................................53 Kierkegaard.....................................159
Sêneca...............................................57 Marx................................................163
Plotino...............................................61 Nietzsche.........................................167
Agostinho de Hipona.......................65 Bergson...........................................171
Boécio................................................69 Unamuno.........................................175
Anselmo............................................73 Russell..............................................179
Tomás................................................77 Jaspers.............................................183
Eckhart..............................................81 Heidegger.......................................187
Nicolau..............................................85 Wittgenstein...................................191
Erasmo...............................................89 Marcuse...........................................195
Maquiavel.........................................93 Sartre...............................................199
Montaigne........................................99 Arendt..............................................203
Bacon...............................................103 Beauvoir..........................................207
Descartes.........................................107 Barthes............................................211
Hobbes............................................111 Foucault...........................................215
Pascal...............................................115 Derrida.............................................219
Espinosa..........................................119 Bibliografia.....................................223
Apresentação

A A Filosofia
Embora não haja meios de definir satisfatoriamente o que é Filosofia,
pode-se dizer que é o estudo de problemas fundamentais relacionados
à existência, ao conhecimento, à verdade, aos valores morais e estéti-
cos, à  mente  e à  linguagem. A Filosofia aborda esses problemas por
meio de argumentos racionais. É o saber mais abrangente, a “terra de
ninguém” entre ciência, arte e religião, como sugeriu Bertrand Russell.

O conceito de filosofia sofreu, ao longo do tempo, alterações e res-


trições em sua abrangência e seus objetos de estudo. Por conta disso, é
muito difícil elaborar uma definição universal de filosofia. De fato, não
há como apreender o conceito de filosofia fora da Filosofia.

Os próprios filósofos têm opiniões diferentes sobre a filosofia. Para Sócra-


tes (c. 470 – 399 a.C.), ela vem de dentro para fora e sua função é despertar

7
A História da Filosofia

o conhecimento, especialmente o autoconhecimento, pois, de acordo com


ele, a verdade está dentro de cada um. Contudo, para conhecer a si mesmo é
preciso conhecer o outro. A alma do outro é como se fosse o espelho da pró-
pria alma. Por meio da comparação com o olho, Platão, discípulo de Sócrates,
utiliza o método indireto da auto-observação (método da introspecção).

Platão (c. 427 – c. 347 a.C.) considera a filosofia uma atividade ra-
cional estimulada pelo assombro ou admiração. Mas, para Platão, o as-
sombro é provocado pela instabilidade e pelas contradições dos seres
que percebemos pelos sentidos. A filosofia seria a tentativa de superar
esse mundo de coisas efêmeras e mutáveis e apreender racionalmente
a realidade última, composta por formas eternas e imutáveis que, se-
gundo Platão, só podem ser captadas pela razão.

Aristóteles (384 – 322 a.C.) considera a filosofia como ciência das


causas e princípios primordiais. Para Aristóteles, a filosofia seria uma
investigação das causas e dos princípios fundamentais de uma única e
mesma realidade. O filósofo, segundo Aristóteles, “conhece, na medida
do possível, todas as coisas, embora não possua a ciência de cada uma
delas por si”. A filosofia almejaria o conhecimento universal, no sentido
de uma compreensão dos princípios mais fundamentais.

A partir de Platão e Aristóteles, além da filosofia teórica, o conceito de


filosofia passou a abranger o aspecto prático. Assim, a filosofia passa a ser
concebida como uma arte de viver, que dá aos homens regras e prescrições
sobre como agir e como se portar diante das inconstâncias do mundo. Essa
concepção é muito clara em diversas correntes da filosofia helenística, como,
por exemplo, no estoicismo e no neoplatonismo. Os cristãos também valori-
zavam o aspecto prático da filosofia. Santo Isidoro de Sevilha, que viveu entre
os séculos VI e VII, definia a filosofia como “o conhecimento das coisas huma-
nas e divinas combinado a uma busca pela vida moralmente boa”.

Durante a  Idade Média, com a difusão e proeminência do cristianismo


na vida das pessoas, a filosofia passa a ser concebida como “serva da teolo-
gia”. Segundo São Tomás de Aquino (1225 – 1274), por exemplo, a filosofia
pode auxiliar a teologia em três frentes: primeiro, ela pode demonstrar verda-

8
Apresentação

des que a fé já toma como estabelecidas, tais como a existência de Deus e a


imortalidade da alma; pode, do mesmo modo, esclarecer certas verdades da
fé ao traçar analogias com as verdades naturais; e, finalmente, pode ser em-
pregada para refutar ideias que se oponham à doutrina sagrada.

Ao contrário dos pensadores medievais, para Francis Bacon (1561 –


1626), um dos primeiros filósofos modernos, considerado o fundador
da ciência moderna, a filosofia não deveria se contentar com uma ati-
tude contemplativa, mas deveria buscar o conhecimento das essências
das coisas a fim de obter o controle sobre os fenômenos naturais e,
portanto, desse modo, controlar a natureza. 

Para René Descartes (1596 – 1650), a filosofia, na qualidade de me-


tafísica, é a investigação das causas primeiras, dos princípios funda-
mentais. Segundo Descartes: “A Filosofia é uma árvore, cujas raízes são
a Metafísica, o tronco é a Física e os ramos que saem do tronco são to-
das as outras ciências”. Após Descartes, a filosofia assume uma postura
crítica em relação às suas próprias aspirações e conteúdos.

Os  empiristas  britânicos, influenciados pelas descobertas da ciência


moderna, situaram a investigação filosófica nos limites daquilo que pode
ser observado pela experiência. Segundo a orientação empirista, argumentos
tradicionais da filosofia, como as demonstrações da existência de Deus, da
imortalidade da alma e de essências imutáveis, seriam inválidos, uma vez que
tais ideias não podem ser comprovadas por meio da experiência.

O criador do idealismo transcendental, Immanuel Kant (1724 –


1804), por sua vez, rejeita a possibilidade de tratamento científico de
muitos dos problemas da filosofia tradicional, uma vez que sua solução
exigiria recursos que ultrapassam as capacidades do intelecto humano.

No início do século XX, Edmund Husserl (1859 –1938), fundador da Fe-


nomenologia, propôs que a filosofia é uma ciência rigorosa dos fenômenos
tal como nos aparecem, ou seja, tal como é a nossa consciência deles. Para
descrevê-los, o filósofo deve suspender todas as suas pressuposições e pre-
conceitos e restringir-se apenas aos conteúdos da consciência.

9
A História da Filosofia

Com a virada linguística, um importante desenvolvimento da filoso-


fia ocidental ocorrido durante o século XX, cuja principal característica
é o foco na relação entre filosofia e linguagem, muitos filósofos passam
a considerar a filosofia como uma análise de conceitos. Para  Ludwig
Wittgenstein (1889 – 1951), um dos principais pensadores da virada
linguística, os problemas filosóficos tradicionais são todos resultantes
de confusões linguísticas, e a tarefa do filósofo seria a de esclarecer o
modo como os conceitos são empregados para explicitar tais confu-
sões. Numa abordagem mais positiva sobre a atividade filosófica, Peter
Frederick Strawson considera que a filosofia é análoga à gramática: as-
sim como os gramáticos explicitam as regras da língua àqueles que a
utilizam inconscientemente, a filosofia explicitaria conceitos-chave que
adotamos sem ter plena consciência de suas implicações e relações.

A lista de concepções da filosofia propostas ao longo de sua histó-


ria pode ser estendida indefinidamente. Seu escopo também mudou.
Hoje, assuntos como as leis do movimento, a estrutura da matéria e o
funcionamento dos processos psicológicos – que hoje consideramos
como temas da física, da química e da psicologia, respectivamente –
eram todos reunidos na noção de filosofia natural.

Logos
A filosofia, como termo ou conceito, é considerada invenção dos
gregos. Com efeito, embora todos os componentes da civilização grega
tenham correspondência com as outras civilizações que a precederam
– crenças e cultos religiosos, manifestações artísticas, conhecimentos e
habilidades técnicas de vários tipos, instituições políticas, organizações
militares etc. –, com relação à filosofia grega, ela não encontra corres-
pondência junto a esses povos.

Sob a influência dos gregos, a civilização ocidental tomou uma di-


reção diferente da oriental. De fato, a ciência não seria possível sem a
filosofia grega. “Foi a filosofia que possibilitou o nascimento da ciência
e, em certo sentido, a gerou”, escrevem Giovanni Reale e Dario Antiseri
na obra História da Filosofia.

10
Apresentação

Devido à sua organização política na pólis – o modelo das cida-


des gregas – os cidadãos viviam em pé de igualdade. Por conta disso,
para sobrepor-se nas relações políticas era preciso saber convencer por
meio do raciocínio e da exposição de ideias. Desse modo, desenvol-
veram o que chamaram de logos – um novo modo de pensar, racional
e filosófico. Essa forma de raciocinar, de falar e de polemizar não se
limitou à política e passou a ser o critério para pensar qualquer coisa.

Alguns autores consideram que esse modo de pensar empregando o lo-


gos, a razão, opunha-se ao pensamento mítico, o que permitiu ao homem,
ao se afastar da religião, desenvolver-se racionalmente. O uso da razão para
observar o Universo e suas coisas causou um impacto marcante na civilização
ocidental. Essa maneira de ver e de pensar o mundo permitiu compreender os
fenômenos naturais e humanos, ampliando a visão do Homem. Com efeito,
o logo dos gregos, a razão que primeiro impulsionou sua filosofia, que fez
avançar a matemática, a física, a história, a astronomia e demais ciências que
dela se ramificaram, continua a orientar a construção da nossa cosmovisão.

Claudio Blanc

Março de 2021

"O Pensador", escultura de


Auguste Rodin (1904)

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Tales de Mileto
Tales de Mileto é considerado o
fundador da filosofia ocidental.
Foi o criador, do ponto de vista
conceitual, do problema do
“princípio” (arché ou arkhé), a
origem de todas as coisas.

Tales, segundo ilustração


de Emst Wallis (1875)

TALES DE MILETO (c. 623 - 624 – c. 556 - 558 a.C.)


Nascimento: Mileto (atual Turquia)
Escola: Naturalismo
Áreas de Estudo: Metafísica; Ética; Matemática; Astronomia.
Principais Obras: Água como physis; Teorema de Tales.
Importância: Considerado o pai da ciência e filosofia ocidentais.

13
A História da Filosofia

O O filósofo, matemático, engenheiro, mercador e astrônomo grego
Tales de Mileto nasceu, conforme indica seu nome, em Mileto, colônia
grega, na Ásia Menor, atual Turquia, por volta de 623 a.C. ou 624 a.C.
e faleceu, aproximadamente, em 546 a.C. ou 548 a.C. Tales, o fundador
da Escola Jônica1, é considerado o primeiro filósofo ocidental e é tido
como um dos sete sábios da Grécia Antiga.

Não se sabe se escreveu livros, mas seu pensamento é conhecido


por meio da tradição oral. Tales foi o iniciador da filosofia da “phy-
sis”, afirmando que existe um princípio originário único, causa de todas
as coisas que existem. Para os filósofos  pré-socráticos, esse princípio
único deveria estar presente em todos os momentos da existência de
todas as coisas; no início, no desenvolvimento e no fim de tudo. Era,
portanto, o princípio pelo qual tudo vem a ser. A busca pela origem
primeira de todas as coisas é, de fato, o ideal da filosofia e também o
impulso para o próprio desenvolvimento dela.

Tales considerava que a água era a origem de todas as coisas. Segun-


do Aristóteles, Tales concebeu esta ideia porque todos os seres vivos
nascem e se mantêm com vida por conta da água. Embora os segui-
dores de Tales discordassem quanto à “substância primordial”, aque-
la que constituía a essência do Universo, concordavam com ele sobre
a existência de um princípio único que dava origem a tudo. Como a
água, esse fundamento divino vivifica tudo o que penetra. Os primeiros
filósofos, provavelmente o próprio Tales, chamaram esse princípio de
“physis”, que indica natureza, no sentido de realidade primeira e fun-
damental.

Tales também foi o primeiro a explicar o  eclipse  solar, ao obser-


var que a Lua é iluminada pelo Sol. Heródoto, o fundador da História,

1 A Escola Jônica foi uma escola da filosofia grega centrada na cidade de Mileto, na Jônia, nos séculos
V e VI a.C. A Jônia foi, de fato, o centro da filosofia ocidental. Os filósofos que ela produziu, incluin-
do Tales, Anaximandro, Anaximenes, Heráclito, Anaxágoras, Arquelau e Diógenes de Apolônia, buscavam
explicar a natureza da matéria.

14
Ta l e s d e M i l e t o

afirma que Tales previu um eclipse solar em 585 a.C. Para Aristóteles, a


previsão marca o momento em que começa a filosofia. Por conta disso,
Wilhelm Weischedel, filósofo e escritor, escreveu que “a filosofia dos gre-
gos começa em 28 de maio de 585 a.C.” Contudo, Tales é considerado o
fundador da filosofia por conta de sua busca do princípio único, arché.

Os Discípulos de Tales
Provavelmente discípulo de Tales, Anaximandro de Mileto nasceu
por volta de fins do séc. VII a.C. e morreu no início da segunda metade
do séc. VI. Elaborou um tratado sobre a natureza, do qual chegou um
fragmento até nós. É, de fato, o primeiro tratado de filosofia do Ociden-
te e o primeiro escrito em prosa na língua grega.

Anaximandro criticou seu mestre, sustentando que a água já é algo


derivado e que, ao contrário, o “princípio” (arché) é o infinito, ou seja,
uma natureza (physis) infinita e indefinida, da qual provém todas as
coisas que existem – um princípio de vitalidade ininterrupta e criativa.
Anaximandro também afirmou que a causa da origem das coisas é uma
espécie de “injustiça”, enquanto a causa da corrupção e da morte é
uma espécie de “expiação” de tal injustiça.

Anaxímenes, também de Mileto, foi um discípulo de Anaximandro


que escreveu no século VI a.C. Três fragmentos de um de seus escritos,
Sobre a Natureza, sobreviveram até nossos dias. Como Anaximandro,
Anaxímenes concorda que o “princípio” deve ser infinito e afirma que

Anaximandro, em detalhe da obra de


Raphael Santi, A Academia de Atenas (1511)

15
A História da Filosofia

deve ser pensado como ar infinito, substância aérea ilimitada. Em um


dos fragmentos da obra de Anaxímenes, lê-se: “Exatamente como a
nossa alma (ou seja, o princípio que dá a vida), que é ar, se sustenta e
se governa, assim também o sopro e o ar abarcam o Cosmo inteiro.”

Platão, sobre Tales


Enquanto observava as estrelas, olhando para o alto, Tales caiu em
um poço. Presenciando o acontecido, uma espirituosa serva trácia diz-
lhe gracejos: ele queria saber o que havia no céu, mas permanecia-lhe
oculto o que estava diante dele e a seus pés. A mesma troça atinge
todos os que vivem na filosofia. De fato, a alguém assim se oculta o
que é próximo ou vizinho, não apenas com respeito ao que faz, mas
também se é realmente humano ou não. Se obrigado a falar diante
do tribunal, ou em qualquer outro lugar, sobre o que está a seus pés
ou diante de seus olhos, o filósofo provoca risos não só de moças
trácias, mas de todos os presentes. Por sua inexperiência, cai em poços
e na perplexidade; sua espantosa falta de jeito faz com que pareça
ingênuo. Mas o que é o homem e o que, diferentemente dos demais
seres, cabe a ele fazer e sofrer –, é isso que o filósofo procura e se
esforça para investigar.

Platão, citado por Wilhelm Weischedel em A Escada dos Fundos


da Filosofia

Para Tales, o “princípio” arché é aquilo de que


derivam e em que se resolvem todas as coisas, e
aquilo que permanece imutável, mesmo nas várias
formas que assume. Tales identificou o princípio de
todas as coisas com a água, pois está presente em
todo lugar em que há vida, e onde não existe água
não há vida. Esta realidade originária foi denominada
pelos primeiros filósofos de “physis”, “natureza”, e os
primeiros filósofos que desenvolveram esta questão
iniciada por Tales foram chamados de “físicos”.
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Pitágoras
de Samos
A influência de Pitágoras no pensamento ocidental
é maior do que se pode imaginar. O filósofo grego
exerceu enorme influência na Renascença, quando
foi contado entre os iluminados que inspiraram o
cristianismo, e até hoje seu legado é estudado e
seu passado investigado.

Busto de Pitágoras (cópia


romana de original grego - s.d.)

PITÁGORAS DE SAMOS (c. 571/570 - 500/490 a.C.)


Nascimento: Samos (atual Turquia)
Escolas: Pitagorismo; Naturalismo; Escola Itálica.
Áreas de Estudo: Metafísica; Música; Matemática; Ética; Política; Astronomia.
Principais Obras: Teorema de Pitágoras; Proporção Áurea; Musica Universalis.
Importância: Construção do cubo, tetraedro, octaedro, dodecaedro 
e a seção áurea; na Música, descobriu que os intervalos
musicais se colocam de modo que admitem expressões
através de proporções aritméticas.

17
A História da Filosofia

C Célebre pelo seu conhecimento, Pitágoras teve seu nome vinculado


ao oráculo de Apolo em Delfos e ao próprio deus. O filósofo se desta-
cava de seus contemporâneos de tal forma que não era visto apenas
como filho do deus Sol, mas como sua própria encarnação. Seu nome
quer dizer “anunciador pítico”, em referência às sacerdotisas de Delfos,
as pítias ou pitonisas.

Pitágoras foi um reformador religioso e filósofo pré-socrático que se


acredita ter nascido por volta de 580 a.C., em Samos. De acordo com a
tradição tardia, Pitágoras também teria sido um matemático e cientis-
ta. A vida enigmática desse filósofo torna difícil esclarecer sua história.
Ele nunca escreveu nada, e os setenta e um versos dos Versos Áureos
atribuídos a ele são, de fato, apócrifos e exemplificam o forte caráter
lendário desenvolvido em torno de seu nome.

Pitágoras viajou por diversos países, tendo recebido iniciações nas


diferentes tradições religiosas dos locais por onde passava. Numa des-
sas viagens, conheceu Temistocleia, uma sacerdotisa de Delfos, com
quem se casou.

De volta a Samos, começou a lecionar em um anfiteatro ao ar livre,


sem muito sucesso. Banido por Polícrates, tirano de Samos de 535 a
522 a.C., ou fugindo, segundo Aristóteles, da “tirania de Polícrates”,
Pitágoras deixou a cidade natal por volta de 535 a.C., com seu antigo
mestre Hermodamas.

Pitágoras se estabelece, então, em Crotona, na Calábria. Sua influên-


cia em Crotona se estende desde a assembleia até as crianças, adoles-
centes e mulheres que vinham ouvi-lo. Os 300 discípulos que passaram
a segui-lo em Crotona administram a cidade. Suas conferências atraem
grandes públicos e os cidadãos de Crotona o identificam com o deus
Apolo Hiperbóreo.

Nessa cidade, Pitágoras fundou sua escola, possivelmente em

18
Pitágoras de Samos

532 a.C. Na verdade, tratava-se de uma comunidade, quase uma


seita, ao mesmo tempo filosófica, científica, política, religiosa, iniciá-
tica. A orientação política da comunidade pitagórica é aristocrática, o
que indispõe os seguidores de Pitágoras com os líderes democratas. A
partir da escola de Crotona, fundou outras comunidades em diversas
cidades tanto da Itália como da Grécia.

Em 510 a.C., uma revolução popular em Sibari, sob a liderança de


um orador democrático, Télis, massacra os pitagóricos, e 500 aristocra-
tas refugiam-se em Crotona. Segue-se uma guerra entre Sibari e Cro-
tona, recomendada, de acordo com Deodoro da Sicília, por Pitágoras.
A aristocracia de Crotona, sob a liderança de Milon, vence e massacra
a população de Sibari.

Apesar da vitória, Pitágoras fica preocupado com o progresso dos


democratas em Crotona, deixa a cidade com seus discípulos e se esta-
belece em Metaponto, porto da Lucânia, onde havia uma comunidade
pitagórica já instalada. Lá, é bem recebido: os habitantes de Metaponto
chamavam sua casa de “templo de Deméter”.

Pitágoras morreu em Metaponto, em 497 a.C. Como sua vida, a mor-


te do filósofo também é cercada por lendas. Uma dessas versões relata
que, tendo fugido da perseguição dos democratas, detém-se diante de
uma plantação de lentilhas – planta proibida aos pitagóricos –, e acaba
sendo capturado e morto pelos seus perseguidores.

Heródoto se refere a ele como “um dos maiores espíritos da Grécia”,


enquanto Hegel afirma que Pitágoras foi “o primeiro professor universal”.

A Comunidade Pitagórica
Depois da morte de Pitágoras, a escola pitagórica de Crotona tor-
nou-se uma irmandade política de orientação aristocrática. Tratava-se
de uma fraternidade filosófica, religiosa e científica, próxima do orfis-
mo. Mulheres e estrangeiros eram admitidos na comunidade.

Preceitos Pitagóricos
Os trechos a seguir foram selecionados de um antigo livro grego,

19
A História da Filosofia

Os Versos de Ouro dos Pitagóricos, de Lísias, um dos discípulos de


Pitágoras:

Habitua-te a Ter um Julgamento Sadio e Firme


Cuida de sempre observar o que vou te dizer: não te deixes arras-
tar sem reflexão pelas palavras e atos dos outros; fala e age somente
quando tua razão tiver indicado o aspecto mais sábio. A deliberação,
obrigatória antes da ação, evitará os atos irracionais. O que verdadei-
ramente torna o homem infeliz é falar e agir sem regra nem medida.

Seja Tolerante e Paciente


A verdade e o erro se encontram misturados nas opiniões humanas.
Abstenha-se de os aprovar ou de os rejeitar totalmente, a fim de con-
servar tua harmonia. Se o erro triunfa momentaneamente, afasta-te e
tenha paciência.

A Cultura Corporal
Siga um regime puro e fisiológico. Faça exercícios. É necessário
igualmente zelar pela saúde do corpo. Alimente-se e beba com mo-
deração e faça os exercícios que te são necessários. A tua justa medida
será o que te impedirá de cair no ócio.

Alguns dos Principais Preceitos dos Pitagóricos:


• Prática de rituais de purificação e crença na doutrina da­ 
metempsicose, isto é, na transmigração da alma após a morte
• Lealdade entre os membros da escola e distribuição comunitária
dos bens materiais
• Austeridade, ascetismo e obediência à hierarquia da Escola
• Abstinência do consumo de álcool e de carne
• Purificação da mente pelo estudo da  Geometria,  Aritmética,
Música e Astronomia
• Observação de que há uma ordem que domina o Universo
• Estudo e uso do som e seus efeitos sobre a psique humana, o
que levou Aristóteles a considerar a música uma “arte medicinal”

20
Parmênides
Para Parmênides, a mudança e o movimento são
ilusões. São os nossos sentidos que nos levam a
crer no fluxo incessante dos fenômenos. “O Ser é,
o não-ser não é”, ou seja, o ser eterno, substância
permanente das coisas, por conseguinte, imutável
e imóvel, é o único que existe. O “não-ser” é a
mudança, pois mudar é justamente não mais ser
aquilo que era e tornar-se aquilo que ainda não é.

Busto de Parmênides
(séc. I d.C.)

PARMÊNIDES (c. 544 - 450 a.C.)


Nascimento: Eleia, Magna Grécia (atual Itália)
Escola: Eleata
Áreas de Estudo: Metafísica; Ontologia
Principal Obra: Poema
Importância: Fundador da Ontologia

21
A História da Filosofia

P Parmênides nasceu em Eleia, na Magna Grécia, atual região da Cam-


pânia, no sul da Itália. Pouco se sabe sobre sua vida. As datas do seu
nascimento e morte são imprecisas e diferem entre os autores que a
estabeleceram. Viveu provavelmente entre a metade final do séc. VI e
a primeira do séc. V a.C., talvez entre c. 545 e 450 a.C. De família rica,
Parmênides foi admirado por seus contemporâneos por ter levado uma
vida regrada e exemplar. Também visitou Atenas quando tinha 65 anos,
onde conheceu e se tornou amigo do jovem Sócrates.

O único trabalho conhecido de Parmênides é um poema sobre a


natureza e sua permanência, que chegou a nós apenas na forma de
fragmentos. A forma literária escolhida é uma característica própria de
Parmênides, uma vez que os filósofos pré-socráticos se valiam da prosa
para expor suas ideias. O poema filosófico, escrito em versos hexâme-
tros semelhantes aos de Homero, é dividido em duas partes: uma que
trata do caminho da verdade (alétheia) e outra que aborda do caminho
da opinião (dóxa), ou seja, daquilo sobre o que não há nenhuma cer-
teza. O texto começa com a história de um “homem sábio” que parte
em uma carruagem conduzida pelas “meninas do Sol”, as Helíades,
ou filhas do Sol, e passa pelo “portal dos caminhos do dia e da noite”
guardado por Dike, a deusa da Justiça, e continua até chegar a uma
deusa que lhe revela o que é verdade e o que é ilusão.

Parmênides afirma que, se uma coisa existe, ela é esta coisa e não
pode ser outra, muito menos o seu contrário. Assim, o ser é o ser, ou,
o ser é – o que implica que não-ser não é, não pode existir. Se só o ser
existe, o ser deve sempre existir e deve ser único, imóvel, imutável, sem
variações, eterno.

As contradições, mudanças, transformações seriam ilusões, aparên-


cias produzidas pela opinião equivocada dos homens. O mundo dos
sentidos está condicionado às variações dos fenômenos observados e
das sensações e, por isso, dá origem a incertezas e diferentes opiniões.

22
Parmênides

De modo simplificado, a doutrina de Parmênides


sustenta o seguinte:
• Unidade e imobilidade do Ser;
• O mundo sensível é uma ilusão;
• O Ser é uno, eterno, não-gerado e imutável;
• Não se confia no que vê.

“Ser” e “Não-Ser”
Na visão de Parmênides, o mundo se divide em duas esferas: aquela
das qualidades positivas (luz, quente, ativo, masculino, fogo, vida) e
aquela das qualidades negativas (escuridão, frio, passivo, feminino, ter-
ra, morte). A esfera negativa era apenas uma negação da esfera positi-
va, isto é, a esfera negativa não continha as propriedades que existiam
na esfera positiva.

No entanto, em lugar dos termos “positivo” e “negativo”, Parmêni-


des usa a ideia de “ser” e “não-ser”. O não-ser era apenas uma negação
do ser. Mas ser e não-ser são imutáveis e imóveis. No seu livro Metafísi-
ca Aristóteles expõe esse pensamento de Parmênides: “Julgando que fora
do ser o não-ser é nada, forçosamente admite que só uma coisa é, a saber,
o ser, e nenhuma outra... Mas, constrangido a seguir o real, admitindo ao
mesmo tempo a unidade formal e a pluralidade sensível, estabelece duas
causas e dois princípios: quente e frio, vale dizer, Fogo e Terra. Destes (dois
princípios) ele ordena um (o quente) ao ser, o outro ao não-ser.”

Ser-Absoluto
Toda a nossa realidade é imutável, estática, e sua essência está in-
corporada na individualidade divina do Ser-Absoluto, o qual permeia
todo o Universo. É eterno, incriado, onipresente. O Ser-Absoluto não
pode vir-a-ser. E não podem existir vários “Seres-Absolutos”, pois para
separá-los precisaria haver algo que não fosse um Ser. Consequente-
mente, existe apenas a unidade eterna.

Parmênides considera que o pensamento humano pode atingir o

23
A História da Filosofia

conhecimento genuíno e a compreensão. Essa percepção do domínio


do “ser” corresponde às coisas que são percebidas pela mente. O que
é percebido pelas sensações, por outro lado, é, segundo ele, enganoso
e falso, e pertence ao domínio do não-ser.

Paradoxos de Zenão
Foi para defender a tese de Parmênides que seu discípulo Zenão de
Eleia criou uma série de argumentos chamados “paradoxos de Zenão”.
O mais conhecido é o de Aquiles e a tartaruga, contado sob a forma de
uma corrida entre Aquiles e uma tartaruga.

Aquiles, o herói  grego da Guerra de Troia, e a tartaruga decidem


apostar uma corrida. Como a velocidade de Aquiles é maior que a da
tartaruga, esta recebe uma vantagem, começando a corrida em um
trecho na frente da linha de largada de Aquiles.

Aquiles nunca passa a tartaruga, pois quando ele chega à posição


inicial A da tartaruga, esta encontra-se mais à frente, numa outra po-
sição B. Quando Aquiles chegar a B, a tartaruga não está mais lá, pois
avançou para uma nova posição C, e assim sucessivamente. Assim, para
Zenão, se Aquiles dá, em uma corrida, uma vantagem à tartaruga, então
jamais poderá alcançá-la, por mais veloz que ele seja, pois se o espaço
é infinitamente divisível, será impossível percorrer qualquer distância,
já que não se pode percorrer uma quantidade infinita de segmentos
espaciais em um tempo finito.

Zenão mostra as portas da Verdade e da Falsidade,


em afresco na Biblioteca El Escorial (c. 1595)

24
Heráclito
Heráclito, o mais importante filósofo pré-socrático,
afirmou que o Universo muda e se transforma
infinitamente a cada instante, animado por um
dinamismo eterno. A substância única do Cosmo é
um poder espontâneo de mudança e se manifesta
pelo movimento. Tudo é movimento, “tudo
flui”, nada permanece o mesmo, e a verdade se
encontra no devir, não no ser.

Heráclito, por Johannes


Moreelse (c. 1630)

HERÁCLITO DE ÉFESO (séculos VI e V a.C.)


Nascimento: Éfeso (atual Turquia)
Escola: Jônica
Áreas de Estudo: Metafísica; Ética; Epistemologia; Política.
Principal Obra: Sobre a Natureza
Importância: O mais importante filósofo pré-socrático; fundador
da Dialética.

25
A História da Filosofia

H Heráclito, considerado o “Pai da  dialética”, foi chamado de “Obs-


curo” por causa de seu livro Sobre a Natureza, em estilo enigmático,
próximo das afirmações dos oráculos. Restaram poucos fragmentos de
sua obra, os quais são encontrados em textos de outros autores.

Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia, atual Turquia. Seu bió-


grafo Diógenes Laércio relata que “Heráclito, filho de Blóson, ou, se-
gundo outra tradição, de Heronte, (...) Tinha aproximadamente quaren-
ta anos por ocasião da 69ª Olimpíada (504 - 501 a.C.). Era homem de
sentimentos elevados, orgulhoso e cheio de desprezo pelos outros”.
De fato, seus concidadãos o recriminavam por se recusar a participar
da política e por desdenhar os poetas, os filósofos e a religião.

Misantropo, vivia no templo de Ártemis. Lá, relata Diógenes, “diver-


tia-se em jogar com as crianças”.

Principais Escolas e Filósofos Pré-Socráticos


Escola Jônica: 
Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mile-
to e Heráclito de Éfeso.

Escola Italiana:
Pitágoras de Samos, Filolau de Crotona e Arquitas de Tarento.

Escola Eleática:
 Xenófanes, Parmênides de Eleia, Zenão de Eleia e Melisso de Samos.

Escola da Pluralidade:
Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômenas, Leucipo
de Abdera e Demócrito de Abdera.

Escola Pluralista Eclética: 


Diógenes de Apolônia, Arquelau de Atenas.

26
Heráclito

Heráclito na Escola
de Atenas, de
Rafael, retratado
com as feições de
Michelangelo (c. 1500)

Nos últimos anos da sua vida, foi viver nas montanhas, ainda mais
isolado, alimentando-se apenas de plantas. Quando adoeceu, acometi-
do por uma hidropisia, Heráclito foi obrigado a voltar à cidade. Aos mé-
dicos, cujo conhecimento ridicularizava, perguntou se seriam capazes
de transformar uma inundação em seca. Os médicos não entenderam
e foram expulsos por Heráclito. O filósofo procurou, então, um curan-
deiro que lhe aconselhou imergir-se no estrume de gado, uma vez que
o calor faria evaporar a água em excesso que havia em seu corpo. No
entanto, quando chegou em casa coberto de excrementos, seus cães
não o reconheceram e o atacaram, matando-o. O historiador Neantes
de Cízico (séc. III a.C.) afirmou, porém, que, ao imergir no estrume, He-
ráclito morreu sufocado. E como foi impossível retirar o corpo de sob o
esterco, lá permaneceu.

O Pensamento de Heráclito
Para Heráclito, tudo é movimento, e nada permanece parado. A ex-
pressão grega “Panta Rei”,  ou “tudo flui”, “tudo se move”, exceto o

27
A História da Filosofia

próprio movimento, é atribuída a Heráclito e sintetiza esse conceito. Se


nossos sentidos fossem bastante poderosos, veríamos a universal agi-
tação. Tudo o que é fixo é ilusão. Assim, a imortalidade consiste em nos
colocarmos em outra posição no fluxo universal. O pensamento hu-
mano deve participar do pensamento universal imanente ao Universo.

Além desse conceito, o filósofo afirmou que “tudo se faz por con-
traste” e que “da luta dos contrários é que nasce a harmonia” – um
equilíbrio causado pela tensão, como a que existe entre “o arco e a
lira”. Heráclito sustentava que o devir, a mudança que acontece em to-
das as coisas, é sempre uma alternância entre contrários: coisas quen-
tes esfriam, coisas frias esquentam; coisas úmidas secam, coisas secas
umedecem e assim por diante. Os dois conceitos opostos, em luta per-
manente, não podem existir sem o outro. Nada existiria se não existisse,
ao mesmo tempo, o seu oposto.

A realidade acontece, então, não em uma dessas polaridades, pois


ambas são apenas parte de uma mesma realidade, mas na mudança
ou “na guerra entre os opostos”. Esta guerra (“polemos”) é a realidade,
aquilo que podemos dizer que é, e produz, na verdade, a harmonia.
Nesse estado de harmonia, os opostos coincidem da mesma forma que
o princípio e o fim, em um círculo. O quente, por exemplo, é o mesmo
que o frio, pois o frio é o quente quando muda. É essa tensão que pro-
duz o fluxo a que o filósofo se refere: “tudo flui enquanto resultado da
tensão contínua dos opostos em luta”. Dessa dualidade, que na super-
fície é uma guerra, resulta a unidade do mundo.

Desse modo, Heráclito considera tudo como um grande fluxo pe-


rene no qual nada permanece a mesma coisa, pois tudo se transfor-
ma e está em contínua mutação. Por isso, Heráclito identifica a forma
do Ser no Devir pelo qual todas as coisas são sujeitas ao tempo e à sua
relativa transformação.

O Fogo
A partir de seus pressupostos – “tudo flui” e “a guerra entre os con-
trários” –, Heráclito definiu uma arché, isto é, um princípio que está em

28
Heráclito

todas as coisas desde a sua origem: o  fogo. O filósofo entende que


todas as coisas se transformam em fogo, e o fogo transforma-se em
todas as coisas. Quando condensado, o fogo se umidifica e se torna
água. Esta, por sua vez, ao se solidificar, transforma-se em terra, a partir
da qual nascem todas as coisas do mundo. Heráclito chamou isso de
caminho “para baixo”. O ciclo continua: derretendo-se a terra, obtém-
-se água. Água transforma-se em vapor, que, ao se rarefazer, transfor-
ma-se novamente em fogo. E este é o caminho “para cima”.

"Não se pode percorrer duas vezes o mesmo


rio e não se pode tocar duas vezes uma substância
mortal no mesmo estado; por causa da
impetuosidade e da velocidade da mutação,
esta se dispersa e se recolhe, vem e vai."
(Heráclito, Sobre a Natureza)

29
Demócrito
de Abdera
Considerado o primeiro pensador
materialista, Demócrito desenvolveu o
atomismo, a teoria do átomo criada por seu
mestre Leucipo; com isso, o filósofo de Abdera
buscava conciliar o ser imóvel de Parmênides
com a pluralidade mobilista de Heráclito.

Demócrito, por Hendrick


ter Brugghen (1628)

DEMÓCRITO DE ABDERA (c. 460 - c. 370 a.C.)


Nascimento: Abdera (Grécia)
Escola: Atomismo
Áreas de Estudo: Epistemologia;  Matemática; Astronomia; Metafísica;
Geografia; Ética; Física.
Principais Obras: Não sobreviveram textos de sua autoria.
Importância: Cofundador, com seu mestre Leucipo, do atomismo.

31
A História da Filosofia

A Apesar de ter sido contemporâneo de Sócrates, tendo vivido e


trabalhado nos séculos V e IV a.C., Demócrito  é tradicionalmen-
te considerado um filósofo pré-socrático. Outra característica de
Demócrito que o afasta dos pré-socráticos é o fato de a maior
parte de suas obras abordar também a ética. No entanto, a im-
portância de seus trabalhos sobre a “physis”, a “natureza”, cujo
estudo é o esforço primeiro dos pré-socráticos, coloca-o entre
esses primeiros filósofos.

Demócrito foi discípulo e depois sucessor de  Leucipo de Mile-


to, com quem desenvolveu a Teoria Atômica ou do Atomismo. De
acordo com o filósofo, tudo o que existe é composto por elementos
chamados “átomos”, ou “indivisível”. Demócrito avançou também o
conceito de um Universo infinito, onde existem muitos outros mun-
dos como o nosso.

Há algumas histórias curiosas sobre esse filósofo. Conta-se que Pla-


tão  detestava tanto Demócrito que queria que todos os seus livros
fossem queimados. Outros testemunhos dão conta de que Demócrito
ria e gargalhava de tudo, sustentando que o riso o tornava sábio. Por
causa disso, durante a Renascença, era chamado e representado na
arte como “o filósofo que ri”.

O Átomo
De acordo com Aristóteles, Demócrito raciocinou que o movi-
mento pressupõe o vazio no qual a matéria se desloca. Contudo,
se a matéria se dividisse em partes sempre menores infinitamente
no vazio, ela não teria consistência, nada poderia se formar por-
que nada poderia surgir da divisão sempre cada vez mais infini-
tamente profunda da matéria no vazio. Daí concluiu que, para
explicar a existência do mundo tal como o conhecemos, a divisão
da matéria não pode ser infinita, isto é, que há um limite indivi-
sível, o átomo.

32
Demócrito de Abdera

Para Demócrito, o Cosmos – e tudo o que nele existe – é formado


por um  turbilhão de infinitos átomos  de diversos formatos que jor-
ram ao acaso e se chocam. Com o tempo, alguns se unem por suas
características (às vezes, as formas dos átomos coincidentemente se
encaixam tão bem como peças de um quebra-cabeça) e muitos outros
se chocam sem formar nada (porque as formas não se encaixam ou se
encaixam fracamente). Dessa maneira, alguns conjuntos de átomos que
se aglomeram tomam consistência e formam todas as coisas que co-
nhecemos, que depois se dissolvem no mesmo movimento turbilhonar
dos átomos do qual surgiram.

A consistência dos aglomerados de átomos que faz com que algo


pareça sólido, líquido, gasoso ou anímico (“estado de espírito”) se-
ria então determinada pelo formato (figura) e arranjo dos átomos
envolvidos.

A Influência de Demócrito
Demócrito, cujo nome significa “a força do povo”, influenciou diver-
sos filósofos, entre eles, Epicuro. No Renascimento, muitas das ideias
de Demócrito inspiraram importantes pensadores, como, por exem-
plo, Giordano Bruno, e tiveram também um papel de destaque durante
o Iluminismo. Com efeito, muitos consideram que Demócrito é “o pai
da ciência moderna”.

"Melhor (educador) para a virtude mostrar-se-á


aquele que usar o encorajamento e a palavra
persuasiva, do que o que se servir da lei e da coerção.
Pois quem evita o injusto apenas por temor à lei,
provavelmente cometerá o mal em segredo; quem,
ao contrário, for levado ao dever pela convicção,
provavelmente não cometerá o injusto nem em
segredo nem abertamente. Por isto, quem agir
corretamente com compreensão e entendimento,
mostrar-se-á corajoso e correto de pensamento."
(Demócrito, Fragmento 181)

33
A História da Filosofia

Apesar de Demócrito ter escrito muitas obras, pouco chegou aos


nossos dias. Apenas fragmentos sobreviveram, bem como citações de
seus conceitos por outros filósofos como Diógenes Laércio e Aristóte-
les, que conservou muitos desses relatos.

O Atomismo de Demócrito numa Casca de Noz:


• As qualidades sensíveis (sabor, odor, quente, frio, cor etc.) são
aparências;
• Os corpúsculos, que são os átomos, não possuem nenhuma
qualidade sensível, pois só têm propriedades geométricas
(grandeza e forma);
• O movimento é função da existência do vazio.
Sócrates
Tido como um dos fundadores da filosofia
ocidental e o criador da filosofia antropológica,
o pensamento socrático é um divisor de águas na
filosofia antiga. Enigmático, Sócrates é conhecido
principalmente pelas obras de seus dois
principais alunos: os "Diálogos de Platão", os
"Diálogos de Xenofonte", além das peças teatrais
de Aristófanes, seu contemporâneo.

Busto de Sócrates no
museu do Louvre, por
Lísipo (séc. I d.C)

SÓCRATES (c. 470 a.C. a 399 a.C.)


Nascimento: Atenas (Grécia)
Escolas: Socrática
Áreas de Estudo: Epistemologia; Ética; Ontologia.
Principais Obras: Não deixou livros. Suas ideias foram retratadas na
obra Apologia e em vários outros diálogos de Platão.
Importância: Considerado o fundador da filosofia moral ou axiologia.

35
A História da Filosofia

A Acredita-se que Sócrates tenha vivido no período clássico da Grécia


Antiga, entre 470 a.C. a 399 a.C. Seu método socrático de abordar ideias
e conceitos, de forma a se obter uma compreensão clara e fundamental
do objeto da reflexão, permanece até os dias atuais. Sua importância
é tão grande na Filosofia que desde então os filósofos gregos foram
classificados em pré-socráticos e pós-socráticos.

Filho de Sofronisco, um escultor de colunas dos templos, e Fai-


narete, uma parteira, Sócrates teve uma origem humilde. Nascido
próximo de Atenas, nas planícies do Monte Licabeto, Sócrates
ajudava seu pai no ofício de escultor. No entanto, sua verdadeira
vocação, conforme predestinado pelo próprio Oráculo de Del-
fos, era a de ser um grande educador. Conta-se que, ao ver a
mãe realizando um parto difícil, Sócrates se viu também como um
“parteiro” do conhecimento que está dentro das pessoas, tendo
a missão de ajudá-las no nascimento desses conhecimentos. Daí
o termo “maiêutica” (parteira, em grego) para denominar os en-
sinamentos de Sócrates.

Há relatos de que Sócrates andava descalço, não se importava com


banho e era amante dos livros. Gostava de brincar com as crianças e,
por vezes, interrompia tudo o que estivesse fazendo e permanecia imó-
vel por horas meditando sobre algum assunto.

Foi casado com Xantipa, com quem teve um filho, Lamprocles. Se-
gundo Aristóteles, citado por Diógenes Laércio, Sócrates teria tido mais
dois filhos com outra esposa, Mirto, filha de Aristides, o Justo.

Tão logo assumiu sua vocação, foi aprender filosofia com Anaxágo-
ras de Clazômenas (500 – 428 a.C.), que levou a filosofia para Atenas, e
com seu discípulo Arquelau de Atenas (viveu no século V a.C.). Seu ta-
lento logo chamou atenção de Pítia, a sacerdotisa do templo de Apolo
em Delfos, que o chamou de “o mais sábio de todos os homens”.

36
Sócrates

O Parteiro das Ideias


Independentemente de ter tido outras ocupações, a dedicação
de Sócrates era dirigida para a maiêutica, ou “parto das ideias”. O
processo consistia em dois momentos distintos: primeiro, Sócrates
levava os seus interlocutores a expor suas próprias concepções e
teorias a respeito de determinado assunto. Em seguida, mediante
uma série de questionamentos, dirigia seus interlocutores a um ou-
tro olhar sobre o tema, rompendo ideias preconcebidas e gerando
novas ideias. Enfatizava sempre a busca pelo que não se sabe, dei-
xando espaço para a investigação permanente, em vez da transmis-
são do que se julga saber.

Sócrates não fundou uma escola. Debatia e dialogava com as


pessoas da cidade em lugares públicos, de forma descompromissa-
da, sem receber pagamento por suas aulas, o que provocava admi-
ração de jovens, mulheres e políticos da época.

Julgamento e Morte
As ideias de Sócrates se espalhavam pela cidade e o filósofo ganha-
va cada vez mais discípulos, o que despertou a ira de muitos políticos e
oradores. Por duas vezes Sócrates foi condenado à prisão. Na primeira,
quando serviu na Guerra do Peloponeso como um general pela sua
habilidade da oratória. Ao final, para salvar os poucos soldados que
restaram, ordenou que todos voltassem para Atenas, deixando os mor-
tos no campo de batalha, contrariando uma lei que obrigava a enterrar
os mortos ou morrer tentando. Depois de ser preso, convenceu seus
julgadores que tinha sido a melhor opção deixar alguns mortos do que
morrerem todos, uma vez que, se todos morressem, ninguém poderia
enterrá-los. Dessa forma, ele conseguiu a liberdade.

Depois de trinta anos livre, foi preso novamente, acusado de


três crimes, assim proferidos por Meleto, o ateniense que proces-
sou o filósofo: “...Sócrates é culpado do crime de não reconhecer
os deuses reconhecidos pelo Estado e de introduzir divindades
novas; ele é ainda culpado de corromper a juventude. Castigo
pedido: a morte”.

37
A História da Filosofia

Em sua defesa, Sócrates questiona as contradições da acusação: “Como


posso não acreditar nos deuses e ao mesmo tempo me unir a eles?”.

No entanto, o tribunal constituído por 501 cidadãos o condenou ao


exílio ou a lhe cortar a língua para que parasse de ensinar aos demais.
Após receber sua sentença, Sócrates teria proferido as seguintes palavras:
“Vocês me deixam a escolha entre duas coisas: uma que eu sei ser horrível,
que é viver sem poder passar meus conhecimentos adiante. A outra, que
eu não conheço, que é a morte ... escolho pois o desconhecido!”.

Agradeceu aos seus acusadores, dizendo que os amava, mas que,


enquanto tivesse um sopro de vida, seguiria aos deuses, continuando
a filosofar e a andar pelas ruas, persuadindo seus concidadãos a não
se ocuparem com o corpo nem a fortuna, e sim com a alma, a fim de
torná-la tão boa quanto possível.

Assim, condenado à morte por envenenamento, ainda teve tempo


de receber os amigos, que tentavam, em vão, convencê-lo a fugir. Che-
gado o momento da execução, pouco antes de beber o veneno, Só-
crates, de forma irônica e sarcástica (como de costume), proferiu suas
últimas palavras: “Críton, somos devedores de um galo a Asclépio! Pois
bem, pagai a minha dívida. Pensai nisso!”. Após essas palavras, Sócrates
bebeu a cicuta e morreu diante dos amigos. Tinha 70 anos.

Legado Filosófico
A partir de Sócrates, uma grande ruptura se estabeleceu na história
da Filosofia grega. Enquanto os pré-socráticos, naturalistas, refletiam
sobre a natureza e o fundamento das coisas, Sócrates questionava a
natureza ou realidade última do homem. Buscava um fundamento para
as grandes questões humanas – o que é o bem, o que é a virtude, o
que é a justiça –, enquanto os sofistas situavam suas reflexões a partir
do sensório imediato.

Sócrates insistia na ideia de que a verdade só se descobre pelo uso


da razão, mesmo as questões mais abstratas. Para tanto, utilizava-se
daquilo que ficou conhecido como “método socrático” – uma inves-

38
Sócrates

tigação filosófica a partir de perguntas simples, as quais revelam as


contradições presentes na forma de pensar do aluno e estimulam que
eles pensem por si mesmos.

Segundo consta nas obras de Platão e Xenofonte, Sócrates era di-


ferente de seus contemporâneos atenienses. Acreditava ter recebido
uma missão de Apolo na defesa do logos “conhece-te a ti mesmo”. En-
tendia que a alma era imortal e duvidava que a virtude (aretê) pudesse
ser ensinada às pessoas. Para ele, a excelência moral era uma questão
de inspiração e não de parentesco, e a verdade, escondida em cada um
de nós, só se tornaria visível aos olhos da razão.

Sócrates percebia a virtude como o fim da atividade humana – “a


mais importante de todas as coisas”. A riqueza material não era tão
importante quanto o desenvolvimento próprio e o desenvolvimento do
sentido de comunidade e amizade.

Quanto à política, Sócrates acreditava que só os sábios conseguiam


entender as ideias e por isso, os filósofos seriam os governantes perfei-
tos para o Estado. Opunha-se à democracia aristocrática praticada em
Atenas daquela época, sendo a favor das eleições em vez do sorteio
para ocupantes de cargos públicos.

Paradoxos Socráticos
Os Paradoxos Socráticos eram proposições éticas defendidas
por Sócrates, contrárias à opinião comum. Os principais são:
• “A virtude é um conhecimento”;
• “As virtudes constituem uma unidade”;
• “Ninguém faz o mal voluntariamente”: Sócrates afirmava que
“Ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância, pois a
sabedoria e a virtude são inseparáveis”;
• “É preferível sofrer injustiça do que cometê-la” ou “jamais se
deve responder à injustiça pela injustiça, nem fazer mal a outrem,
nem mesmo àquele que nos fez mal”.

39
Platão
Juntamente a Sócrates, seu mentor, e Aristóteles,
seu pupilo, Platão foi o primeiro a sistematizar
a filosofia ocidental, com a descoberta do
suprassensível, que possibilitou a união do
“vir-a-ser” de Heráclito e o “eterno” de Parmênides.
Sua abrangência é tamanha que grande parte da
produção filosófica posterior irá tomar suas ideias
como origem, seja para aprofundar, seja para refutar.

Cópia romana do busto de


Platão feita em 370 a.C. e
que decorava a Academia
de Atenas

PLATÃO (c. 428 - 347 a.C.)


Nascimento: Atenas (Grécia)
Escola: Platonismo
Áreas de Estudo: Ética; Retórica; Estética; Epistemologia; Política;
Ontologia; Metafísica.
Principas Obras: A República; Apologia de Sócrates; O Banquete;
Parmênides; O Sofista.
Importância: Estabeleceu os cânones para praticamente todo o
pensamento filosófico posterior à sua obra.

41
A História da Filosofia

O O filósofo e matemático Arístocles, mais conhecido como Platão, foi


um grande crítico do sistema político de Atenas, na época degenerado
em meio a injustiças e corrupção. Sua desilusão com a política atingiu
o ponto máximo quando seu mestre Sócrates foi condenado e morto
em 399 a.C. O fato fez com que se afastasse da vida pública e passasse
a desejar um Estado governado por filósofos como forma de iluminar a
vida pública e privada. Do problema político-moral inicial, suas indaga-
ções e reflexões se desdobraram em várias direções.

A Academia
Desiludido com a política, Platão faz várias viagens à Sicília até que,
aos 40 anos, compra um ginásio nos arredores de Atenas e funda sua
Academia, onde se discutia livremente temas como a matemática, mú-
sica e astronomia, além das questões filosóficas. A Academia não era
uma escola propriamente dita. Lá se reuniam jovens e anciões em bus-
ca, em última instância, do saber pelo seu valor ético-político. Há rela-
tos que, na entrada da Academia, estava escrito: “Não entre quem não
souber geometria”.

Dialética
Platão buscou construir um fundamento sólido para a conduta hu-
mana. Defendeu que era preciso se afastar da vida prática para encon-
trar a verdade, a qual deveria ser o objeto de contemplação (theoría).
Assim, afastar-se da política era uma opção clara pela teoria. Nesse
sentido, Platão desenvolveu um sistema de pensamento coerente que
deveria se autojustificar e demonstrar sua coerência, denominado
“dialética”. Originalmente, esta palavra designava a técnica de discus-
são, usada pelos sofistas. Para Platão, no entanto, a dialética era um en-
cadeamento de raciocínios precisos, os quais impossibilitavam a refu-
tação. Um exemplo da dialética de Platão são os Diálogos de Sócrates.

Ao contrário de Sócrates, que enfatizava o não saber como forma


de desconstruir ideias preconcebidas, Platão produz um saber positivo,

42
Platão

com afirmações e objeções a ela, de tal forma que o desenrolar do di-


álogo vai formando um consenso, não por mero consentimento e sim
por unanimidade, uma vez que não se admite solução diferente.

O Mundo das Ideias


Platão sugere a existência de um mundo divino das ideias, em con-
traponto com a matéria obscura e não-criada. Entre os dois planos está
o demiurgo (artesão) e as almas, os quais levam a ideia à matéria. Este
mundo das ideias não poderia ser percebido pelos sentidos: apenas
pela razão é possível acessá-lo.

A Alegoria da Caverna
No interior da caverna permanecem seres humanos, que nas-
ceram e cresceram ali. Ficam de costas para a entrada, acorrenta-
dos, sem poder mover-se, forçados a olhar somente para a parede
do fundo da caverna, sem poder ver uns aos outros ou a si pró-
prios. Atrás dos prisioneiros há uma fogueira, separada deles por
uma parede baixa, por detrás da qual passam pessoas carregando
objetos que representam “homens e outras coisas viventes”. As
pessoas caminham por detrás da parede de modo que os seus
corpos não projetam sombras, mas sim os objetos que carregam.
Os prisioneiros não podem ver o que se passa atrás deles, e veem
apenas as sombras que são projetadas na parede à sua frente. Pe-
las paredes da caverna também ecoam os sons que vêm de fora,
de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às
sombras, acham que tais ruídos vêm das formas projetadas na pa-
rede. Desse modo, os prisioneiros julgam que essas sombras se-
jam a realidade. Contudo, um dos prisioneiros se liberta, conhece
o interior da caverna e até mesmo sai dela, vendo pela primeira
vez o Sol e o mundo exterior. Ao retornar para contar aos seus
semelhantes, presos às correntes, eles não acreditam nele, esco-
lhendo permanecer onde estão.

43
A História da Filosofia

Este mundo ideal, que contém o Bem e a Perfeição, seria o devir


da matéria. A origem de todas as demais ideias e valores que se ma-
nifestam no plano sensível. Cabe ao demiurgo, contemplando o Bem,
ordenar a matéria e transformar o caos em Cosmos.

A alma, assim como o demiurgo, também representa a ponte entre


a matéria e as ideias. Todos os seres têm alma, mas a humana é su-
perior por seu interesse moral e ascético, religioso e místico. Assim, a
alma, de natureza espiritual, eterna como o demiurgo, sofreu uma que-
da na matéria, ficando nela aprisionada. Somente pela contemplação
o homem pode, à semelhança do demiurgo, moldar o mundo sensível
à imagem e semelhança das ideias e se libertar da imperfeição. Este
percurso que vai e volta do mundo injusto para o Bem ficou conhecido
como dialética ascendente e descendente, e abrange praticamente to-
dos os temas da história da filosofia.

A libertação da alma, portanto, começa e progride mediante a filo-


sofia, a qual transcende os sentidos humanos. Platão chegou a afirmar
que o reino das ideias é, de fato, a realidade. Essa ideia é muito bem
ilustrada pela “teoria da caverna”, onde tudo que os seres lá aprisiona-
dos enxergam são sombras.

A Busca pela Verdade


Para Platão, embora haja separação do mundo sensível e suprassen-
sível, o primeiro imita o segundo, assim como um pintor imita a nature-
za em seu quadro. Por isso, as coisas sensíveis são sempre imperfeitas e
portanto, mutáveis e variadas.

Mas é justamente pela relação de imitação que o homem pode co-


nhecer o mundo das ideias. Na verdade, trata-se de reconhecer, lem-
brar das ideias contempladas pela alma, mas esquecidas pelo apego à
matéria. A alma pode reconhecer as ideias por também ser natureza
imaterial, incorpórea e ser a ponte que liga os dois mundos.

O despertar da alma aprisionada faz-se pelo sentimento do amor.


Inicialmente, amor carnal por um belo corpo, até que o sentimento

44
Platão

vá se sutilizando e se transforme, aos poucos, no desejo pela própria


Beleza e o conhecimento de sua ideia. E nada há de mais Belo para o
intelecto do que a Verdade.

Platão foi a personificação do filósofo ideal. Propôs que somente


pela razão podemos adquirir conhecimento, lançando os alicerces do
racionalismo do século XVII.

Suas obras completas chegaram até nossos dias, destacando-se


A República, Protágoras, Banquete, Fedro e Apologia.

A amplitude dos temas abordados por Platão foi tão grande que o
lógico britânico do século XX, Alfred North Whitehead, chegou a afir-
mar que toda a filosofia ocidental subsequente não passava de “um
conjunto de notas de rodapé de Platão”.

45
Aristóteles
Juntamente a Platão, Aristóteles é o pensador
mais influente da tradição filosófica ocidental.
De uma abrangência surpreendente, sua obra
resiste a qualquer tentativa de descrição resumida.
Aristóteles estabeleceu os fundamentos do
pensamento científico. Suas concepções foram
dominantes na filosofia europeia até o século XVII.

Cópia romana do busto


de Aristóteles esculpido
originalmente pelo mestre
clássico grego Lísipo (c. 330 a.C.)

ARISTÓTELES (384 – 322 a.C.)


Nascimento: Estagira (Grécia)
Escolas: Peripatética; Aristotelismo.
Áreas de Estudo: Física; Metafísica; Lógica; Política; Ética; Música;
Retórica; Biologia; Zoologia.
Principais Obras: Corpus Aristotelicum (mais de 30 tratados que
constituem sua obra completa).
Importância: Foi um dos fundadores da filosofia e da ciência
ocidentais, maior influência no pensamento
ocidental até a Era Moderna.

47
A História da Filosofia

A Aristóteles nasceu em Estagira, na Macedônia. Descendente de uma


família de médicos, foi enviado para estudar na Academia de Platão,
em Atenas, aos 17 anos. Com a morte do mestre, por volta de 347
a.C., saiu de Atenas e percorreu a Ásia Menor, permanecendo na colô-
nia grega Atarneu, em seguida, em Assos. Por volta de 344 a.C., dirige
uma escola em Mitilene, na ilha de Lesbos, vindo a se casar com Pítias.
Em 343 ou 342 a.C., Filipe II, rei da Macedônia, tendo ocupado vá-
rias cidades gregas, inclusive Tebas e Atenas, escolhe Aristóteles como
educador de seu filho Alexandre, então com 13 anos. Sua função não
dura muito tempo. Quando Alexandre assume o trono, Aristóteles, em
335 a.C., retorna para Atenas, e funda o Liceu no ginásio do templo de
Apolo Liceu.

Num período aproximado de dez anos, Aristóteles transforma o Li-


ceu num centro de estudos sobre botânica, biologia, lógica, música,
matemática, astronomia, medicina, cosmologia, física, filosofia, meta-
física, psicologia, ética, teologia, retórica, política e artes. Os filiados
do Liceu eram chamados de peripatéticos, em vista do modo tranquilo
como Aristóteles dava suas palestras, caminhando pelo ginásio. Segun-
do alguns relatos, a escola de Aristóteles coletou muitos manuscritos
antigos sobre os assuntos de interesse, formando a primeira grande
biblioteca da Antiguidade.

A partir de 323 a.C., com a morte de Alexandre, uma onda anti-


macedônica toma conta da Grécia, o que obriga Aristóteles a fugir de
Atenas, dirigindo-se a Cálcides. Aristóteles teria dito, a respeito de sua
fuga: “Eu não vou permitir que os atenienses pequem duas vezes con-
tra a filosofia”, numa referência ao julgamento de Sócrates.

Aristóteles morreu em 322 a.C. de causas naturais.

A Natureza a Partir dos Sentidos


Aristóteles dedicou-se ao estudo da natureza considerando a sua

48
Aristóteles

observação a partir dos sentidos, diferentemente de seu mestre Platão.


Somente através dos sentidos é que se pode observar as características
específicas de cada coisa, as quais a diferencia das demais. Tais obser-
vações seriam o ponto de partida. O exercício de abstrair do objeto
suas características acidentais resultava no conceito do objeto estu-
dado. Assim, Aristóteles, ao contrário das ideias de Platão, acreditava
que os conceitos universais não existem separadamente das coisas e
do intelecto.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado no mundo conceitual dos


homens. Por exemplo, se queremos conhecer a ideia imutável de justi-
ça, antes é preciso observar sua manifestação no mundo à nossa volta.
Essa ideia veio, posteriormente, a dividir os filósofos em racionalistas
– que acreditavam no conhecimento a priori, ou inato, e os empiristas
– os quais entendem que todo conhecimento vem da experiência.

Ética: O Objetivo Supremo do Homem é a Felicidade


Aristóteles classifica o universo em duas regiões: mundo supralunar
e sublunar. O primeiro é a região dos corpos celestes, de movimento
circular, uniforme e perfeito, como um motor imóvel. Já o mundo su-
blunar é composto pelos elementos fogo, terra, água e ar. As diferentes
combinações desses elementos formam tudo o que há no mundo. Esta
região é caracterizada pela imperfeição, geração e corrupção, ou seja,

"Todos os homens, por natureza, anseiam o


conhecimento. Uma indicação disso é o prazer que
tomamos em nossos sentidos, pois mesmo sendo além
de sua utilidade, eles são amados por si mesmos, e
acima de todos os outros, o sentido da visão. Pois não
só a visão para a ação, porque mesmo quando não
vamos agir em nada, preferimos a visão sobre quase
todo o resto. A razão disso é que acima de todos os
sentidos que nos faz saber, [a visão] traz à tona muitas
diferenças entre as coisas."
(Aristóteles, Metafísica)

49
A História da Filosofia

nascimento, degeneração e morte. Como o homem vive no mundo su-


blunar, está sujeito à imperfeição e à violência dos movimentos. Assim,
conhecendo essas características, cabe ao homem, para atingir a felici-
dade, agir de forma equilibrada, evitando excessos, pois entende que
todo excesso se transforma no seu oposto. Uma vida contemplativa,
longe das perturbações cotidianas, com uma conduta moderada, eis o
caminho para se atingir a felicidade, segundo Aristóteles.

A Lógica Aristotélica
As proposições ou afirmações sobre alguma coisa devem seguir
algumas regras para que não sejam apenas um jogo de palavras,
como o fazem os sofistas. Portanto, para Aristóteles, anteriormente
ao próprio conhecimento, é necessário examinar o funcionamento
da linguagem, evitando-se, dessa forma, que se cometam equívocos
na expressão de uma ideia. Essas regras foram chamadas por Aristó-
teles de organon, que hoje em dia nada mais é que a lógica. Foi por
meio dela que se estabeleceu a primazia da lógica dedutiva.

Aristóteles observou um padrão para o processo lógico, chama-


do de silogismo, que consiste em duas premissas e uma conclusão. O
exemplo do mais famoso silogismo da história nos mostra o mecanis-
mo: todos os homens são mortais (primeira premissa); Sócrates é um
homem (segunda premissa); logo, Sócrates é mortal (conclusão).

O Homem é um Animal Político


Aristóteles, ao contrário de Platão, não idealizava a cidade justa.
Mas vê o homem como um animal político – “zoón politikón” – que
naturalmente vive em sociedade. A partir deste fato, classifica as formas
de governo: monarquia ou despotismo (governo de um só), aristocra-
cia e oligarquia (governo de alguns) e democracia (governo de todos).

A política aristotélica e a moral estão essencialmente ligadas. En-


quanto a doutrina moral social – ética – se ocupa da coletividade, a mo-
ral tem como objetivo o indivíduo. Assim, cabe ao Estado a formação
moral dos cidadãos, tendo a virtude como fim último.

50
Aristóteles

Legado
Aristóteles escreveu uma verdadeira enciclopédia a respeito da
natureza, da sociedade e dos indivíduos. Classificou tudo da forma
mais pormenorizada possível, tentando definir cada coisa em o que
é (gênero) e o que não se assemelha (diferenças). Dessa forma, pro-
pôs uma hierarquização de todas as coisas. Contribuiu, desse modo,
para quase todos os campos do conhecimento humano, o que faz
dele uma das pessoas mais influentes de que se tem notícia. Seus
estudos foram tão notáveis quanto também objeto de inúmeras crí-
ticas posteriores, a ponto de Bertrand Russell observar que “quase
todo o avanço intelectual sério teve de começar com um ataque a
alguma doutrina aristotélica”.

Até mesmo a Igreja, no final da Idade Média, adotou uma versão


cristã de seu pensamento, tornando-a praticamente sua doutrina ofi-
cial – o que contribuiu ainda mais, na Idade Moderna, para um acirrado
combate contra o aristotelismo, ou pelo menos a imagem que se criou
a respeito.

A despeito disso, Aristóteles foi fonte de inspiração para muitos filó-


sofos posteriores, como Kant, no século XVIII, e Hegel e Marx, no século
XIX. Ainda nos dias atuais suas questões lógicas são discutidas.

51
Epicuro
Filósofo da busca da felicidade, a doutrina de
Epicuro tornou-se muito influente, tendo fincado
raiz em numerosos centros epicuristas que se
estabeleceram na Jônia, no Egito e, a partir
do século I, em Roma, onde Lucrécio foi seu maior
divulgador. Hoje, sua filosofia prática tem chamado
atenção de muitos, levando a um retorno à sua obra
em busca de orientações para uma existência feliz.

Cópia romana do busto de


Epicuro (final do século II a.C.)

EPICURO DE SAMOS (341 – c. 270 a.C.)


Nascimento: Samos, Jônia (atual Turquia)
Escola: Epicurismo
Áreas de Estudo: Ética; Atomismo.
Principais Obras: Cerca de 300, das quais sobreviveram apenas três cartas.
Importância: Fundador do epicurismo.

53
A História da Filosofia

O O propósito do epicurismo é atingir a felicidade. Para Epicuro esse


estado se caracteriza pela “aponia”, isto é, a ausência de dor física, e
pela “ataraxia”,  ou imperturbabilidade da alma. O homem, como os
animais, busca afastar-se da dor e aproximar-se do prazer.

Epicuro compartilhava as ideias de Demócrito. Ele acreditava que


o corpo era constituído pelos átomos e que o evento da morte física
marca o fim do indivíduo, pois os átomos que o constituem se desin-
tegraram. Dessa forma, os átomos, eternos e indestrutíveis, estariam
livres para constituir outros corpos.

Epicuro propôs que os deuses deveriam ser tomados como modelos


de bem-aventurança a serem seguidos pelos homens e não seres do-
minados pelas paixões humanas e que devem ser temidos.

Epicuro afirmava que não devemos temer a morte, pois enquanto


vivos não temos a experiência da morte e ao morrermos, não pode-
remos sentir qualquer coisa. Assim, a morte não está onde estamos, e
não estamos onde a morte está.

A dor sempre se interpõe no caminho da busca da felicidade.


Nem sempre é possível evitar as dores físicas, mas lembra Epicuro,
elas não são duradouras e podem ser suportadas com as lembran-
ças de bons momentos que o indivíduo tenha vivido. Piores e mais
difíceis de lidar são as dores que perturbam a alma – associadas
às frustrações, em geral, oriundas de um desejo não satisfeito –,
que podem continuar a fazer sofrer mesmo muito tempo depois de
terem sido despertadas pela primeira vez. Para essas, Epicuro reco-
menda a reflexão.

O Prazer
A doutrina de Epicuro entende que o bem maior reside no prazer.
Por conta dessa afirmação, o epicurismo foi muitas vezes confundi-
do com o  hedonismo, doutrina proposta pelo discípulo de Sócra-

54
Epicuro

Classificação dos Desejos Segundo Epicuro


Desejos Naturais Desejos Frívolos
Necessários Naturais Artificiais Irrealizáveis
Para a  Variações
Para a Para a vida:
tranquilidade  de prazeres, Riqueza, Imortalidade
felicidade: nutrição,
do corpo: busca do glória etc. etc.
eudaimonia sono
proteção agradável

tes Aristipo de Cirene (c. 435-356 a.C.). Contudo, para Aristipo e os


hedonistas, o prazer físico é o próprio sentido da vida, enquanto
o prazer de que fala Epicuro é o prazer do sábio, entendido como
quietude da mente e o domínio sobre as emoções e, portanto, so-
bre si mesmo. É o prazer da justa medida e não dos excessos. Para
Epicuro, o mais alto prazer reside na  saúde. Entre todos prazeres,
Epicuro elege a amizade como sendo o maior. Por isso, o convívio
entre os estudiosos de sua doutrina era tão importante a ponto de
viverem em uma comunidade, o “Jardim”. Ali, os amigos poderiam
se dedicar à filosofia, cuja função principal é libertar o homem para
uma vida melhor.

O Atomismo de Epicuro
Epicuro afirmava que, ao compreender como opera a Natu-
reza, o homem pode livrar-se do medo e das superstições que
afligem o espírito. E, para ele, o atomismo era a única doutrina
filosófica que estava verdadeiramente livre das superstições reli-

O Epicurismo numa Casca de Noz


• O epicurismo repousa na canônica que trata dos critérios
(cânones) da verdade;
• A primeira evidência é a da sensação, que constitui a base de
todo conhecimento;
• A segunda evidência é a antecipação, a sensação se imprimindo
na memória e permitindo o reconhecimento dos objetos;
• A terceira é a afeição: o prazer e a dor nos ensinam o que
devemos procurar e o que precisamos evitar.

55
A História da Filosofia

giosas. No entanto, diferentemente do atomismo de Demócrito,


onde o encontro dos átomos é necessário, no sistema epicurista,
os átomos se encontram fortuitamente por uma leve inclinação
em sua trajetória, que os faria chocar-se com outros átomos para
constituir a matéria. De fato, esta é a grande modificação em re-
lação ao atomismo de Demócrito.

56
Sêneca
Nascido em Córdoba, Espanha, Sêneca
destacou-se como filósofo estoico e pensador
político. Em suas obras, faz reflexões sobre a
liberdade, a justiça, a tirania e a participação
dos cidadãos na vida pública. O modo como
enfrentou o suicídio forçado tornou-se um
modelo do estoicismo na prática.

Sêneca (século III d.C.)

SÊNECA (4 a.C. - 65 d.C.)


Nascimento: Córdoba (Espanha)
Escola: Estoicismo
Áreas de Estudo: Ética; Lógica; Física.
Principais Obras: Sobre a Brevidade da Vida; Sobre a Tranquilidade da
Alma; Sobre a Constância do Sábio; Cartas a Lucílio.
Importância: Um dos maiores representantes do estoicismo romano.

57
A História da Filosofia

S Sêneca estudava a forma correta de viver – a ética –, a física e a


lógica, e via na doutrina estoica a maior virtude, o que lhe permi-
tiu praticar a imperturbabilidade da alma (ataraxia). Com efeito,
Sêneca veio a se tornar, ao lado de Lucrécio, um dos maiores re-
presentantes do estoicismo romano. Essa escola filosófica grega
deriva seu nome da Stoa Poikilé, um pórtico em Atenas, onde le-
cionava o seu fundador, o filósofo Zenão de Cítio (334 – 262 a.C.).
A ética estoica teve grande influência no desenvolvimento da tra-
dição filosófica, chegando mesmo a influenciar o pensamento éti-
co cristão nos primórdios do cristianismo. Na concepção estoica,
os princípios éticos da harmonia e do equilíbrio baseiam-se, em
última análise, nos princípios que ordenam o próprio Cosmos. A
ataraxia, a imperturbabilidade, é o sinal máximo de sabedoria e
felicidade, já que representa o estado no qual o homem, impassí-
vel, não é afetado pelos males da vida.

Para os estoicos, a matéria é um continuum, em oposição ao ato-


mismo epicurista. Consideravam o mundo como um todo orgânico,
animado por um princípio vital, o “logos spermutikós”, que constituía a
própria alma (pneuma) do mundo. No ser humano, o logos, o princípio
racional, seria uma manifestação depurada desse princípio vital.

Sêneca via, no cumprimento do dever, um serviço à humanidade.


Procurava aplicar a sua filosofia à prática. Desse modo, apesar de ser

Estoicismo
• Os homens são iguais (contra a escravidão);
• Os males são devidos às paixões humanas (ambição, crueldade,
sede de glória, de poder etc.);
• O papel do soberano é o de encarnar a sabedoria realizando
a ordem.

58
Sêneca

“A vida, se bem empregada, é suficientemente longa


e nos foi dada com muita generosidade para a
realização de importantes tarefas. Ao contrário, se
desperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma
obra é concretizada, por fim, se não se respeita
nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos
realizar, sentimos que ela realmente se esvai.”
(Sêneca, Sobre a Brevidade da Vida)

rico, vivia modestamente: bebia apenas água, comia pouco, dormia so-
bre um colchão duro.

O filósofo sustentava que os afetos, como vontade, cobiça,


receio e tantos mais, devem ser ultrapassados. O objetivo não
é a perda de sentimentos, mas a superação dos afetos. Os bens
podem ser adquiridos, contudo, não se pode depender deles.
Por conta disso, Sêneca não via contradição entre a sua filo-
sofia estoica e a sua riqueza material. Dizia que o sábio não
estava obrigado à pobreza, desde que o seu dinheiro tivesse
sido ganho de forma honesta. No entanto, devia ser capaz de
abdicar da riqueza.

Para Sêneca, o  destino  é uma realidade. O homem pode apenas


aceitá-lo ou rejeitá-lo. Se o aceitar de livre vontade, goza de liberdade.
A morte é um dado natural.

Em seus estudos sobre a natureza, Sêneca desenvolveu a ideia de


fluxo de energia, que advém, segundo ele, de algum “princípio ativo”,
sujeito à lei da causa e efeito ou da ação e reação.

O filósofo não só viveu, mas também morreu de modo estoico.


Sêneca foi preceptor de Nero, que, já imperador, acusou o antigo
mestre de participar de uma suposta conspiração e o condenou
a suicidar-se. E Sêneca aceitou a condenação, embora injusta, e a
cumpriu com estoicismo.

59
A História da Filosofia

A Obra Literária de Sêneca


Além de diálogos, Sêneca escreveu também tragédias e sátiras ins-
piradas no modelo grego, bem como uma vasta correspondência, en-
tre as quais se destacam as 124 epístolas morais a Lucílio. A ironia é
uma característica que Sêneca emprega com maestria, principalmente
nas tragédias que escreveu, as únicas do gênero na literatura da antiga
Roma, repletas de efeitos brutais, como assassinatos em cena, espec-
tros vingativos e discursos violentos, numa visão trágica e mais indivi-
dualista da existência.

Os Três Períodos do Estoicismo:


• Estoicismo antigo, fundado por Zenão de Cítio (c. 335-264
a.C.) e difundido principalmente por Cleantes (331-232 a.C.) e Cri-
sipo (c. 280 - c. 207 a.C.);
• Estoicismo médio, de caráter mais eclético, cujos principais
representantes são Panécio (e. 180 - c. 110 a.C.) e Posidônio (135-
51 a.C.);
• Estoicismo romano, imperial ou novo, representado por Sê-
neca (4 a.C.- 65 d.C.), Epiteto (55-135) e Marco Aurélio (121-180).

60
Plotino
Fundador do neoplatonismo, Plotino
reinterpretou o platonismo, acrescentando
elementos de doutrinas clássicas religiosas,
pitagóricas e de outras origens. Sua obra
teve grande influência sobre escritores
cristãos, judeus e islâmicos.

Réplica do busto de
Plotino (c. século V d.C.)

PLOTINO (205 - 270)


Nascimento: Licópolis (Egito)
Escola: Neoplatonismo (fundador).
Áreas de Estudo: Platonismo; Metafísica; Ontologia.
Principal Obra: Enéadas
Importância: Maior representante do neoplatonismo.

61
A História da Filosofia

M Membro de família romana, Plotino nasceu no Egito e descobriu o


neoplatonismo em Alexandria, cidade em que viveu por 11 anos. Essa
corrente filosófica, fundada por Amônio Sacas (c. 175 – c. 242) no séc.
III da era cristã, caracteriza-se por uma interpretação espiritualista e
mística das doutrinas de Platão, com influência do estoicismo e do pi-
tagorismo. Plotino foi discípulo de Amônio durante o tempo em que
esteve em Alexandria. Mas não foi Amônio que difundiu o neoplatonis-
mo, e sim seu discípulo Plotino, que aperfeiçoou e divulgou a doutrina.

Segundo o neoplatonismo, o real é constituído por três hipósta-


ses — o Uno, a Inteligência (Nous) e a Alma. Contudo, a Inteligência
e a Alma seriam emanação do Uno. A filosofia de Plotino é a mais
célebre do conjunto do neoplatonismo, de modo que muitos o con-
sideram praticamente o fundador dessa filosofia. O neoplatonismo
é, grosso modo, de um misticismo baseado na doutrina das ideias
de Platão, mas acrescentando a teoria do Uno. Plotino propõe que
o Uno é o Todo, a fonte do Universo, a unidade do Universo, seu
ser último e primeiro, superior mesmo ao bem. O caminho para se
atingir esse princípio abstrato não é, porém, o da dialética de Platão,
uma vez que o conhecimento do Uno implica um êxtase religioso, o
que conduz ao misticismo.

Aos 38 anos, Plotino decidiu estudar as filosofias iraniana e indiana.


Para tanto, deixou Alexandria e seu mestre Amônio e se juntou ao exér-
cito do imperador  Marco Antônio Gordiano III, que marchava para a
Pérsia. No entanto, a campanha foi um fracasso, e com a morte de Gor-
diano, Plotino se encontrou abandonado em uma terra hostil e, com
alguma dificuldade, encontrou seu caminho de volta para a segurança
em Antioquia.

Aos 40 anos, Plotino retornou a Roma, onde permaneceu durante a


maior parte do restante de seus dias. Nessa cidade, abriu sua própria
escola que, logo, tornou-se um sucesso. A academia era frequentada

62
Plotino

por vários filósofos, senadores e até pelo imperador Galieno. O objeti-


vo dessa escola era a renovação do platonismo.

Plotino passou 10 anos apenas ministrando lições, sem nada escre-


ver, por respeito a um pacto que fizera com Erênio e Orígines, o Pagão,
no sentido de não divulgar a doutrina de Amônio. Mas logo seus cole-
gas romperam o trato, o que influenciou Plotino a registrar sua versão
da doutrina de Amônio. Assim, em cerca de 255, por insistência de seus
discípulos, resolveu ditar e escrever seu pensamento. Esse trabalho foi
realizado por seu discípulo Porfírio. São 54 tratados reagrupados em
seis Eneadas, isto é, “grupos de nove”.

Boa parte da obra de Plotino é dedicada à luta contra os cristãos e


os gnósticos. Ironicamente, a interpretação espiritualista do platonis-
mo veio a influenciar fortemente o desenvolvimento do pensamento
cristão medieval.

63
Agostinho
de Hipona
O bispo de Hipona Aurélio Agostinho é
um dos mais importantes iniciadores da
tradição platônica no surgimento da filosofia
cristã e é, igualmente, um dos principais
responsáveis pela síntese entre o pensamento
filosófico clássico e o cristianismo.

O retrato mais antigo


conhecido de Agostinho,
num afresco romano do
século VI

AGOSTINHO DE HIPONA (354 - 430)


Nascimento: Tangaste (atual Argélia)
Escola: Patrística
Principais Obras: De Magistro (Sobre o Mestre); Contra os
Acadêmicos; Confissões; A Doutrina Cristã;
A Trindade; A Cidade de Deus.
Importância: Realizou a síntese entre o pensamento filosófico
clássico e o cristianismo.

65
A História da Filosofia

A Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste, hoje Souk Ahras, na Argélia,


e estudou em Cartago, e depois em Roma e Milão. Depois de concluir
os estudos, tornou-se professor de retórica. Nessa época, interessou-se
pelo maniqueísmo e pelo neoplatonismo. Contudo, reconverteu-se ao
cristianismo, que fora a religião de sua infância, em 386. Em 388, voltou
à África, onde fundou uma comunidade religiosa.

Agostinho acabou se tornando um dos mais importantes 


teólogos e filósofos dos primeiros anos do cristianismo, desenvolvendo
uma abordagem original à filosofia e teologia. Entre suas contribuições,
ajudou a formular a doutrina do  pecado original  e deu os primeiros
passos no sentido de desenvolver a teoria da guerra justa.

Agostinho sustentava que o ser humano é a união perfeita de duas


substâncias, o corpo e a alma, e afirmou que nós humanos, devido à
nossa mente extremamente limitada, nunca poderíamos compreender
e assimilar plenamente a dimensão infinita de Deus somente com as
nossas próprias forças e o nosso raciocínio.

Entre suas obras mais conhecidas estão As Confissões, escrita em cerca


de 400, de caráter autobiográfico, e A Cidade de Deus, composta entre 412
e 427. Santo Agostinho sofreu grande influência do pensamento grego,
sobretudo da tradição platônica, através da escola de Alexandria e do ne-
oplatonismo, com sua interpretação espiritualista de Platão.

Sua filosofia tem como preocupação central a relação entre a fé e


a razão, mostrando que, sem a fé, a razão é incapaz de promover a
salvação do homem e de trazer-lhe felicidade. A razão funciona, assim,
como auxiliar da fé, permitindo esclarecer, tornar inteligível aquilo que
a fé revela de forma intuitiva. Tal é o sentido da célebre fórmula agos-
tiniana credo ut intelligam (creio para entender).

Em seu livro A Cidade de Deus, Santo Agostinho interpreta a histó-


ria da humanidade como conflito entre a Cidade de Deus, inspirada

66
Agostinho de Hipona

no amor a Deus e nos valores cristãos, e a Cidade Humana, baseada


exclusivamente nos fins e interesses mundanos e imediatistas. Ao final
do processo histórico, a Cidade de Deus deveria triunfar. Devido a esse
tipo de análise, Santo Agostinho é considerado um dos primeiros filó-
sofos da História, um precursor da formulação dos conceitos de histo-
ricidade e de tempo histórico.

A influência do pensamento agostiniano foi decisiva na formação e


no desenvolvimento da filosofia cristã no período medieval, sobretudo
na linha do platonismo. Tanto as Confissões quanto as Retratações, es-
critas no final de sua vida, fazem dele um precursor de Descartes, de
Rousseau e do existencialismo: “Se eu me engano, eu existo.”

67
Boécio
Considerado uma ponte entre a filosofia
clássica e o pensamento medieval, foi conhecido
como “o último dos romanos e o primeiro dos
escolásticos”. Sua obra-prima, "A Consolação da
Filosofia", tornou-se um dos grandes títulos da
literatura filosófica de todos os tempos.

Boécio ensinando seus


alunos (iluminura de
manuscrito italiano de
1385 de A Consolação da
Filosofia, Biblioteca da
Universidade de Glasgow)

ANÍCIO MÂNLIO TORQUATO SEVERINO BOÉCIO (c. 470 - c. 525)


Nascimento: Roma (Itália)
Escola: Escolástica
Áreas de Estudo: Matemática; Lógica; Teologia; Música.
Principal Obra: A Consolação da Filosofia
Importância: Tido como um pensador fundamental para a mediação
entre a filosofia antiga e a filosofia cristã medieval.

69
A História da Filosofia

B Boécio nasceu em Roma por volta de 480, época em que o Império


Romano do Ocidente agonizava, dando lugar ao início da Idade Média.
Membro de uma importante e antiga família patrícia cristianizada há
mais de um século, que tinha dado a Roma vários cônsules e o impe-
rador Anício Olíbrio, Boécio ficou órfão de pai com apenas sete anos,
tendo, por isso, sido educado por Quinto Aurélio Mêmio Símaco, ami-
go da família, também ele um patrício e cristão pio.

Não se sabe onde Boécio aprendeu o grego com tanta proficiência


e profundidade e onde adquiriu os profundos conhecimentos sobre
os autores clássicos greco-latinos que a sua obra demonstra. Os do-
cumentos históricos conhecidos são ambíguos, mas alguns estudio-
sos apontam como muito provável que tenha estudado em Atenas ou
em Alexandria. De qualquer forma, os conhecimentos de grego e de
literatura e filosofia grega que Boécio demonstrou estavam muito além
do padrão da época, mesmo para a classe mais educada. Era, de fato,
um período de grande conturbação, marcado pela instabilidade polí-
tica do Império e pelas invasões bárbaras, em que o ensino estava em
decadência e havia um marcado enfraquecimento no conhecimento da
filosofia clássica.

Boécio teve grande influência na transmissão, durante a Idade


Média, da tradição da filosofia grega por suas traduções latinas das
obras de Aristóteles. Tendo se destacado na carreira pública, con-
quistou as mais altas honras do Estado. Foi o único cônsul em 510
d.C. e veio a ser promovido por Teodorico, rei dos ostrogodos que
governou a Itália desde 493 até sua morte, em 526, à dignidade de
Magister Officiorum, ou chefe de toda a administração civil. Boécio
não foi menos feliz na sua vida doméstica, nas virtudes de sua espo-
sa, Rusticiana, e na alegria proporcionada por seus dois filhos, Flávio
Símaco e Flávio Boécio. Além disso, o filósofo e teólogo era cercado
por um círculo refinado de amigos.

70
Boécio

Contudo, o filósofo caiu em desgraça. Cerca de um ano depois de


ter assumido a administração do governo, devido a desacordos polí-
ticos e por ter apoiado um senador apontado pelo rei como traidor,
Boécio foi acusado de traição a favor do Império Bizantino e de se dar
a práticas de magia. Preso, foi despojado de suas honras e riquezas,
torturado, condenado à morte e assombrado pelo terror de que sua fa-
mília fosse penalizada como resultado de sua queda. É nessa situação,
na prisão, prestes a ser executado, que escreve A Consolação da Filoso-
fia, obra em que expõe sua concepção filosófica eclética, sobretudo do
ponto de vista ético e cosmológico, e medita sobre o papel da filosofia
de desespero.

No texto, em que usa poema e prosa, Boécio retrata a si mesmo


em sua prisão, perturbado pela dor, indignado com a injustiça de seus
infortúnios, buscando alívio para sua melancolia ao compor versos que
descrevem sua condição. De repente, surge a figura divina de Filosofia,
sob o disfarce de uma mulher de dignidade e beleza sobre-humanas,
que por meio de uma sucessão de discursos, convence-o da vaidade
de buscar a ilusão da fortuna e de que a contemplação do verdadeiro
bem torna claro o mistério do governo moral do mundo. Um aspecto
notável no livro é que, embora Boécio fosse cristão, ele não faz nenhu-
ma alusão ao cristianismo.

A Consolação da Filosofia foi extremamente popular no período me-


dieval, mas, na história da filosofia, Boécio se destacou por ter coloca-
do, em seus comentários da obra de Aristóteles, a questão dos univer-
sais, que tanto dividiu os filósofos medievais dos séculos XII e XIII.

Boécio é igualmente visto como o último dos filósofos romanos e


o primeiro escolástico – pertencente à corrente filosófica que buscou
conciliar os dogmas da fé cristã e as verdades reveladas nas Sagradas
Escrituras com as doutrinas filosóficas clássicas, especialmente o plato-
nismo e o aristotelismo.

71
Anselmo
Tido como um dos iniciadores da tradição
escolástica, Anselmo distinguiu-se sobretudo por
ter formulado o célebre argumento ontológico
para demonstrar a existência de Deus; é
também autor de diálogos em que apresenta
um tipo de análise conceitual muito influente no
desenvolvimento da filosofia medieval. Em várias
de suas obras, procurou conciliar a fé e a razão.

Estátua de Anselmo na
Catedral de Cantuária, na
Inglaterra (s.d.)

ANSELMO DE CANTUÁRIA (c. 1033 - 1109)


Nascimento: Aosta (Itália)
Escola: Escolástica
Áreas de Estudo: Ontologia; Metafísica; Lógica.
Principais Obras: Argumento Ontológico para a Existência de Deus;
Proslógio; Visão da Satisfação sobre a Teoria da Expiação.
Importância: Fundador do escolasticismo.

73
A História da Filosofia

A Anselmo nasceu em Aosta, na Itália, foi monge beneditino e arce-


bispo de Cantuária (Canterbury), na Inglaterra. De acordo com seu dis-
cípulo Eadmero, que escreveu sua biografia, Anselmo tinha o dom de
despertar simpatias onde quer que passasse e sua santidade produzia
admiradores entusiastas. Eadmero afirma que era um homem tão bon-
doso e paternal, que ganhava a afeição e a confiança de todos.

Eleito prior da abadia de Bec, na França, lá desenvolveu suas qua-


lidades dialéticas, as quais o projetaram como uma figura de primeiro
plano na história da filosofia. A pedido dos monges de Bec, escreveu
sobre a essência divina e sobre outras questões sem, porém, recorrer
à autoridade das Escrituras Sagradas, expondo suas ideias por meio
do encadeamento lógico da razão com argumentos simples e estilo
acessível. Assim, ele produziu um pequeno livro, o Monológio, no qual
procurou provar a existência de Deus, tal como os monges lhe tinham
pedido, isto é, de maneira puramente racional e sem auxílio das Sagra-
das Escrituras.

Mas Anselmo ficou insatisfeito com o resultado do Monológio e co-


meçou a pensar se não seria possível “encontrar um único argumento
que, válido em si e por si, sem nenhum outro, permitisse demonstrar
que Deus existe verdadeiramente e que ele é o Bem Supremo, não
necessitando de coisa alguma, quando, ao contrário, todos os outros
seres precisam dele para existirem e serem bons”.

Assim, Anselmo examina o problema do “ser do qual não é possível


pensar nada maior”. Ele não poderia existir somente na inteligência,
pois se isso acontecesse poder-se-ia pensar que há outro ser existen-
te, não só no pensamento, mas também na realidade e que, portanto,
seria maior (mais perfeito) do que o primeiro. Em outras palavras, uma
coisa é certamente maior se pensada como existente ao mesmo tempo
na inteligência e na realidade, do que existente apenas na inteligência.
Portanto Anselmo conclui que Deus, “o ser do qual não é possível pen-

74
Anselmo

sar nada maior”, existe, sem dúvida, na inteligência e na realidade. Toda


a demonstração de Anselmo — chamada argumento ontológico por
Kant — repousa sobre três pressupostos: uma noção de Deus fornecida
pela fé; a convicção de que existir no pensamento já é verdadeiramen-
te existir; a exigência lógica de que a existência da noção de Deus no
pensamento determine que se afirme sua existência na realidade. O
raciocínio remete à fé, e o pensamento de Anselmo percorre um ca-
minho que vai da fé à razão e retorna ao ponto de partida, concluindo
que aquilo que é proposto pela fé é indubitavelmente compreendido
pela inteligência.

Demonstrada a existência de Deus, Anselmo dedica-se a deduzir


todas as consequências referentes aos atributos do Ser Supremo.

O Argumento Ontológico para a Existência de Deus


Em sua obra Proslógio, Anselmo de Cantuária expõe o primei-
ro argumento ontológico para a existência de Deus. O argumento
resumidamente pode ser apresentado assim:
1 – Deus, por definição, é o maior de todos os seres possíveis.
2 – Um ser que não existe no mundo real é menor que um ser
que necessariamente existe em todos os mundos possíveis.
3 – Suponha que Deus não exista no mundo real.
4 – Se o maior de todos os seres possíveis não existe no mundo
real, então ele não é tão grande quanto um ser que seria quase
igual a ele, mas que não existe no mundo real.
5 – Mas o maior de todos seres possíveis não pode ser menor
que algum outro ser que possa existir, porque a expressão “um ser
tal que nenhum outro seja maior que ele é um ser para o qual é
possível haver um maior” é uma expressão autocontraditória.
6 – Logo, a suposição 3 é falsa. Deus existe no mundo real, e
existe necessariamente em todos os mundos possíveis. É impossí-
vel que Deus não exista.

75
Tomás
Criador do tomismo, corrente escolástica que
floresceu no final da Idade Média, o pensamento
de são Tomás de Aquino fortaleceu a Igreja,
uma vez que demonstrava não haver conflito
entre a fé e a razão, e foi usado no combate ao
protestantismo durante a Contrarreforma.

Tomás retratado por Gentile


da Fabriano (c. 1400)

TOMÁS DE AQUINO (1225 - 1274)


Nascimento: Roccasecca (Itália)
Escolas: Escolástica; Tomismo.
Áreas de Estudo: Ética; Teologia.
Principais Obras: O Ente e a Essência; Suma contra os Gentios; A Verdade;
Suma Teológica.
Importância: Principal proponente clássico da  teologia natural  e
pai do tomismo.

77
A História da Filosofia

S São Tomás de Aquino nasceu na Itália no seio de família nobre e


entrou cedo na Ordem dos Dominicanos. Estudou em Nápoles, Paris e
Colônia e, então, passou a lecionar em Paris e nos Estados papais. Além
do ensino, produziu uma imensa obra, a qual compreende duas Sumas
(Suma Contra os Gentios e Suma Teológica), vários tratados e comen-
tários sobre Aristóteles, a Bíblia, Boécio e outros, além das questões
disputadas.

O pensamento de Tomás está intrinsecamente ligado ao de Aris-


tóteles, cuja filosofia ele tratou de cristianizar. Com efeito, seu papel
principal foi o de organizar as verdades da religião católica e de as
harmonizar com a síntese filosófica de Aristóteles, demonstrando que
não há ponto de conflito entre fé e razão. Sua teoria pretende ser uni-
versal e crítica, pois estende-se a todos os conhecimentos e determina
os limites e as condições do conhecimento humano. O conhecimento
verdadeiro seria uma “adequação da inteligência à coisa”.

Retomando a física e a metafisica de Aristóteles, Tomás estabe-


lece as cinco “vias” que nos conduzem a afirmar racionalmente a
existência de Deus: a partir dos “efeitos”, afirmamos a causa. Ele
concebe que a natureza é a ordem do mundo. Tal ordem pode ser
decifrável nas coisas e permite fixar fins particulares a cada uma
delas. Deus é a causa de tudo, mas não age diretamente nos fatos
da criação. Ele instaurou um sistema de leis, causas segundas, orde-
nando cada um dos domínios naturais segundo sua especificidade
própria. Deus é o primeiro motor imóvel, é a primeira causa eficien-
te, é o único Ser necessário. É o Ser absoluto, o Ser cuja Providência
governa o mundo.

O tomismo – como veio a se chamar o sistema filosófico desenvol-


vido por Tomás – procura conciliar os dogmas do cristianismo com a
filosofia de Aristóteles. Com efeito, Tomás demonstra que há em Aris-
tóteles uma filosofia verdadeiramente autônoma e independente do

78
To m á s

As Quinque Viae (Cinco Vias) - Os Cinco Argumentos de


Tomás para a Existência de Deus:
Movimento: algumas coisas indubitavelmente mudam sem
serem capazes de provocar seu próprio movimento. Como,
segundo o racional de Tomás, não pode haver uma cadeia infinita
de causas para um movimento, decorre que deve existir um
“Primeiro Movimentador”, não movido por nada anterior e este
seria o que todos entendem como sendo “Deus”.

Causa: como no caso do movimento, nada é causa de si


próprio e uma cadeia causal infinita seria impossível, deve haver
uma “Primeira Causa”, conhecida por “Deus”. Aquino, neste caso,
baseia-se nas assertivas de Aristóteles sobre os princípios do ser. O
conceito de Deus como prima causa (“causa primeira”) deriva do
conceito aristotélico do “movedor imovível”.

Existência do necessário e do desnecessário: nossa experiência


inclui coisas que certamente existem, mas que são, aparentemente,
desnecessárias. Porém, não é possível que tudo seja desnecessário,
pois então, quando nada houver [que seja necessário], nada
existiria. Portanto, somos compelidos a supor que existe algo que
existe “necessariamente”, cuja necessidade deriva de si próprio;
na realidade, ele próprio seria a necessidade para que tudo o mais
existisse. Este seria Deus.

Gradação: se podemos perceber uma gradação nas coisas no


sentido de que algumas são mais quentes, boas etc., deve haver
um superlativo que é a coisa mais verdadeira e nobre e, portanto,
a que “existe mais completamente”. Esta, então, seria Deus.

Tendências ordenadas da natureza: uma direção para as ações


em direção a uma finalidade se percebe em todos os corpos
governados pela lei natural. As coisas sem consciência tendem a
ser guiadas pelos que a tem. A isto chamamos “Deus”.

79
A História da Filosofia

dogma, mas em harmonia com ele. Desse modo, Tomás introduz no


teísmo cristão o rigor do naturalismo aristotélico.

O tomismo foi uma das mais importantes correntes do pensamento


escolástico do final do período medieval. Apesar de inicialmente ter
sido condenada, a corrente filosófica criada por Tomás teve inúmeros
seguidores, sobretudo na Ordem dos Dominicanos, e foi de grande
importância no combate ao protestantismo durante a Contrarreforma.

Tomás morreu aos 49 anos, quando se dirigia ao Concílio de Lyon.

80
Eckhart
Tido como um dos maiores pensadores do Ocidente
cristão, Meister, ou “Mestre”, Eckhart foi um pregador e
teólogo dominicano, nascido provavelmente em 1260,
na Alemanha. Hegel o considerou o precursor de sua
dialética. Eckhart conclui que Deus não existe, uma vez
que a existência é uma imperfeição para o Absoluto.

Caligrafia de Meister
Eckhart (s.d.)

JOHANN ECKHART (1260 - 1328)


Nascimento: Tambach-Dietharz (Alemanha)
Escola: Neoplatonismo
Área de Estudo: Metafísica
Principais Obras: Opus Tripartitum; Quaestiones.
Importância: Considerado o criador da linguagem filosófica alemã
e o fundador do misticismo ocidental.

81
A História da Filosofia

J Johann Eckhart fez seus estudos teológicos e filosóficos na Ordem


Dominicana. Embora fosse um místico profundo, ele também foi um
homem ligado no mundo, capaz de unir grande atividade à contempla-
ção. Essa atividade era também demonstrada no púlpito, de onde ele
envolvia congregações inteiras.

Depois de um período passado como professor, em 1298,


Mestre Eckhart foi feito prior do convento dominicano de Erfurt e
vigário de Turíngia. Dois anos depois, palestrava em Paris, onde,
em 1302, recebeu o grau de Mestre de Teologia Sagrada. Entre
1303 e 1311, eleito três vezes como o provincial da Saxônia, o
místico ficou bem envolvido com os afazeres administrativos da
Igreja. Depois disso, voltou a lecionar em Paris e Estrasburgo, foi
prior de Frankfurt entre 1317 e 1320, e, a partir de então, foi fei-
to o primeiro professor da sua ordem em Colônia, uma das mais
importantes escolas dominicanas.

O pensamento de Eckhart, uma mescla de aristotelismo, agnosti-


cismo, neoplatonismo e de concepções árabes, levava ao panteísmo.
Preocupado em esclarecer o que Deus não é, chegou à conclusão de
que Deus não existe, porque a existência é uma imperfeição para o
Absoluto. Seus Tratados e sermões fazem dele o fundador da mística
ocidental.

O misticismo, isto é, a crença na existência de uma realidade so-


brenatural e misteriosa, acessível apenas a uma experiência privile-
giada — o êxtase místico — uma intuição ou sentimento de união
com o divino, o sobrenatural, o misterioso, é adotado em certas
doutrinas filosóficas, como o neoplatonismo de Plotino. Em tais cor-
rentes, a experiência mística possui um papel central como forma de
acesso à realidade de natureza divina. Essas doutrinas são conside-
radas, por conta disso, como irracionalistas. Contudo, não obstante
ser o fundador da mística ocidental, a importância de Eckhart na

82
Eckhart

filosofia se deve ao seu modo de demonstração. Hegel o considera


o precursor de sua dialética.

Por conta de suas ideias, em cerca de 1320, quando Ekhart foi no-
meado primeiro professor da escola de Colônia, o arcebispo Herman
von Virneburg o acusou de heresia. No entanto, Nicolau de Estrasbur-
go, sob cuja responsabilidade o Papa tinha temporariamente colocado
os mosteiros dominicanos da Alemanha, o exonerou. O arcebispo, po-
rém, continuou a acusar Eckhart e Nicolau na sua própria corte. Nicolau
negou a competência da inquisição arquiepiscopal e apelou ao Papa.
A disputa continuou até depois da morte de Eckhart, em 1327. Sempre
no cargo de primeiro professor de Colônia, o Mestre não chegou a ser
realmente molestado pela inquisição. Ao menos, não em vida.

O resultado da controvérsia foi a decisão do capítulo geral da or-


dem, que se reuniu em Toulouse, em 1328, de se opor “àqueles que
pregam sutilezas que levam facilmente as pessoas ao erro”. Os discí-
pulos de Eckhart foram aconselhados a ser mais cautelosos, mas, claro,
eles mantiveram viva a mensagem do mestre. E a Verdade que Johann
Eckhart apreendeu e tão magistralmente transmitiu jamais morreu.

83
Nicolau
Filósofo e teólogo cujas obras tiveram grande influência
no Renascimento e no surgimento do pensamento
moderno. A mais conhecida, Da Douta Ignorantia,
formula uma “teologia negativa” na qual o conhecimento
de Deus é impossível, e todo conhecimento é conjectural,
devendo dar lugar à intuição e à especulação.

Nicolau de Cusa
(anônimo, c. 1480)

NICOLAU DE CUSA (1401 - 1464)


Nascimento: Bernkastel-Kues (Alemanha)
Escolas: Neoplatonismo; Humanismo.
Área de Estudo: Metafísica
Principais Obras: Douta Ignorância; Idiota de Mente; Idiota de Sapientia;
Idiota de Staticis Experimentis; Conjecturis. 
Importância: Um dos primeiros filósofos do humanismo
renascentista; pai da filosofia alemã.

85
A História da Filosofia

U Um dos primeiros  filósofos  do  humanismo renascentista, Nicolau


de Cusa bebeu da fonte da literatura antiga e medieval, especialmente
correntes como o neoplatonismo e o neoplatonismo cristão.

De origem humilde (seu pai era um barqueiro), Nicolau fez car-


reira na Igreja. Por conta de seu pensamento, foi identificado pelos
seus pares como como antiaristotélico e antiescolástio. Seus pensa-
mentos giravam em torno do conceito de cooperação para alcançar
a mais ampla unidade possível – o meio para a humanidade chegar
a um sentido mais elevado. Entre suas contribuições, Nicolau dividiu
o saber humano em dois graus: o intelectual e o racional. O primeiro
nos conferia a noção mística de Deus, e o segundo tinha origem na
sensibilidade. Também introduziu a noção de  coincidentia opposi-
torum (coincidência de opostos), que é Deus, para superar todas as
contradições da realidade.

Nicolau de Cusa sustenta que tudo o que foi criado, incluindo o


homem, é a imagem de Deus. Não é, porém, uma cópia, e sim um sinal
deste Ser Supremo. Nicolau afirma que “em Deus se produz uma con-
tradição”, uma vez que Deus é Ser Absoluto e, ao mesmo tempo, único
e múltiplo. Por isso, Deus não é captado em nenhum objeto. Nós O
conhecemos por comparação, por diferenciação, ao separar uma coisa
de outra.

O filósofo propõe que através das coisas materiais podemos nos


aproximar do Ser Supremo, temos que nos aproximar do absoluto a
partir do concreto, do visível, desse modo, o invisível se faz visível, pelo
menos, através de seus sinais. Mesmo assim, o Ser Supremo é inalcan-
çável, porque a imagem não é perfeita.

Foi, também, um dos primeiros filósofos a questionar o modelo ge-


ocêntrico do mundo. Em sua cosmologia, atacou o geocentrismo pto-
lomaico, defendendo um espaço infinito ou indefinido. Desse modo,

86
Nicolau

Nicolau abriu caminho para a astronomia copernicana e para a ciência


nova do período moderno.

A Douta Ignorância
Seu principal livro, A Douta Ignorância, escrito para demonstrar que
quanto mais sábia uma pessoa for, mais ela reconhecerá sua própria
ignorância, parte da máxima socrática “sei que nada sei”. A obra é or-
ganizada em três livros. O primeiro trata sobre Deus por meio de ana-
logias matemáticas; o segundo aborda o Universo enquanto unidade
na multiplicidade; e o terceiro livro discorre sobre Jesus, o máximo con-
traído e absoluto.

Em A Douta Ignorância, Nicolau estabelece que nosso conhecimen-


to conceitual é apenas aproximativo. A realidade absoluta das coisas,
que é infinita, permanece eternamente inacessível à razão finita dos
homens. Desse modo, o reconhecimento do limite da nossa compre-
ensão racional, a douta ignorância, é um passo necessário na busca de
transcender a razão e abstrair a linguagem para, através do intelecto,
apreciar a essência infinita do ser máximo, chamado de Deus, de onde
provém a verdade absoluta de todas as coisas.

O Pensamento de Nicolau
• Todo conhecimento vai desde o conhecido até o desconhecido,
mediante o estabelecimento de proporcionalidades;

• Não existe proporção perfeita entre a coisa conhecida e nosso


conhecimento dela, nem, em geral, entre o medido e a medida. A
ciência humana é por isso, conjectural;

• Deus é ratio essendi e ratio cognoscendi de toda a realidade;


de modo que qualquer investigação filosófica tem por horizonte a
Deus. Não há pergunta nem ente que não suponha necessariamente
a Deus como princípio;

• Todas as coisas são manifestações de Deus.

87
Erasmo
O teólogo e filósofo humanista holandês Desidério
Erasmo pregou um evangelismo filosófico que
redundou numa teoria política repleta de ideal moral
e religioso, a qual busca converter os príncipes de
modo a fazê-los desempenhar seu papel de forma
cristã, o que resultará em paz e harmonia.

Erasmo de Roterdã,
por Hans Holbein,
o Jovem (1530)

DESIDÉRIO ERASMO (c. 1466/69 - 1536)


Nascimento: Roterdã (Holanda)
Escola: Humanismo
Áreas de Estudo: Ética; Teologia.
Principais Obras: Elogio da Loucura; Colóquios; A Educação de um
Príncipe Cristão.
Importância: Um dos pilares do humanismo.

89
A História da Filosofia

O O objetivo idealista de Erasmo era o de regenerar a Europa, impri-


mindo ao ethos europeu um ideal evangélico. É considerado “o príncipe
dos humanistas”, movimento intelectual que surgiu no Renascimento
e que se opunha à filosofia escolástica. Erasmo e os outros humanistas,
como seu amigo Thomas Morus, valiam-se do conhecimento da civili-
zação greco-latina recuperado no Oriente Médio durante as Cruzadas
para mostrar a dignidade do espírito humano. Desse modo, inaugura-
ram um movimento de confiança na razão e no espírito crítico. Esses
filósofos faziam do homem o valor supremo e viam nele a medida de
todas as coisas.

Em sua teoria política, Erasmo esboça, em sua obra A Educação de


um Príncipe Cristão, uma teoria da soberania. Nela, o filósofo afirma
que o que legitima a autoridade do príncipe é, de um lado, seu devota-
mento ao bem comum; do outro, a livre aceitação de seu poder pelos
“cidadãos”. Por conta disso, rejeita a monarquia hereditária e recomen-
da a eleição do chefe.

Sua obra-prima é a sátira Elogio da Loucura, dedicada a seu amigo


Thomas Morus, escrita em 1509  e publicada em  1511. O  ensaio tor-
nou-se um dos mais influentes livros da civilização ocidental e um dos
catalisadores da Reforma Protestante. O livro começa com um aspec-
to satírico para depois tomar um aspecto mais sombrio e passa então
a uma apreciação satírica dos abusos supersticiosos da doutrina  ca-
tólica e das supostas práticas corruptas da Igreja Católica Romana. O
ensaio termina com um testamento claro e, por vezes, emocionante
dos ideais cristãos.

Quando Martinho Lutero iniciou o movimento protestante, Erasmo


nutriu simpatia pelos pontos principais da crítica luterana à Igreja. Ti-
nha um grande respeito pessoal por Martinho Lutero, e Lutero sempre
falava de Erasmo com reverência pelo seu conhecimento. Lutero espe-
rava obter a sua cooperação num trabalho que parecia o resultado na-

90
Erasmo

tural do seu próprio. Erasmo, porém, declinou qualquer compromisso,


argumentando que ao fazê-lo estaria a colocar em risco a sua posição
como líder de um movimento por uma sabedoria pura, o que ele via
como o objetivo de sua vida. Apenas como um acadêmico indepen-
dente poderia ele aspirar a influenciar a reforma da religião. Mesmo
assim, a influência da sua tradução da Bíblia para o latim influenciou
Lutero de tal forma, que Erasmo acabou sendo associado ao protestan-
tismo. Na verdade, Erasmo entrou em conflito tanto com os católicos,
quanto com os protestantes, o que fez com que se envolvesse em con-
trovérsias ao final de sua vida.

Cultura de Paz
Erasmo era um pacifista dedicado. Elaborou um programa, com
o qual pretendia estabelecer uma cultura de paz na Europa. O
programa consistia dos seguintes requisitos:

• Desarmar os antagonismos nacionais;


• Estabilizar o estatuto territorial da Europa;
• Fixar a ordem das sucessões segundo um modelo uniforme;
• Subtrair aos príncipes o direito de declarar a guerra;
• Organizar a arbitragem;
• Mobilizar todas as forças morais em favor da paz.

91
Maquiavel
Figura fundamental na filosofia política, Maquiavel
trouxe, com suas obras, um novo realismo ao
estudo da política, encarando as organizações
políticas como entidades orgânicas sujeitas às suas
próprias leis de desenvolvimento e que nada têm a
ver com uma ordem moral independente.

Maquiavel retratado
por Santi di Tito (s.d.)

NICOLAU MAQUIAVEL (1469 - 1527)


Nascimento: Florença (Itália)
Escola: Humanismo
Áreas de Estudo: Filosofia Política; Ética.
Principais Obras: O Príncipe; A Arte da Guerra; Discursos Sobre a Última
Década de Tito Lívio.
Importância: Precursor da ciência política.

93
A História da Filosofia

N Nicolau Maquiavel produziu, no período renascentista, um dos


maiores tratados políticos de todos os tempos. Sua obra maior é, sem
dúvida, O Príncipe, escrito, provavelmente, entre julho e dezembro de
1513, quando estava exilado, enleado nos reveses da política da qual
era ator menor, porém, participante o bastante para atrair para si favo-
res ou ofender os poderosos.

Sem dúvida, O Príncipe é o principal texto de Maquiavel, um marco


na história do pensamento político ocidental. Contudo, embora tam-
bém tenha produzido teatro e poesia, a obra principal de Maquiavel
vai além de O Príncipe. Consiste também de Discursos Sobre a Última
Década de Tito Lívio e A Arte da Guerra, os quais são, com efeito, textos
que complementam O Príncipe.

A reputação de Maquiavel, criada principalmente por alguns trechos


de O Príncipe, é de um autor frio, dotado de cinismo político e de im-
piedade filosófica. Contudo, essa reputação é, sem dúvida, exagerada,
elaborada por quem não apreciou a obra de Maquiavel em sua inte-
gralidade. Por inegável que seja a influência do pensador florentino
nas futuras gerações de totalitaristas, nos adeptos da Realpolitik, nos
defensores do darwinismo social e naqueles que justificam o emprego
de meios hediondos pelo sucesso do fim, a abordagem de Maquiavel é
bem mais complexa do que uma leitura rápida pode sugerir. Vale notar
que o que incomoda em Maquiavel – e também aquilo que o torna
brilhante – é o fato de ele ter se recusado a tratar da política e das
questões políticas como questões éticas.

Na verdade, se a obra de Maquiavel pode ser compreendida como


preconizadora do maquiavelismo, isto é, o “sistema político caracte-
rizado pelo princípio amoralista de que os fins justificam os meios”,
conforme definição frequentemente citada em diversos artigos sobre
Maquiavel, o autor nunca defendeu, de fato, um sistema baseado pura
e simplesmente em tal princípio. Se Maquiavel enfatiza, em alguns tre-

94
Maquiavel

chos de sua obra, que o fim pode vir a justificar os meios, ao mesmo
tempo ele avança a atenção pelas necessidades dos homens e mulhe-
res e revela um interesse genuíno na natureza humana.

De fato, em lugar de artimanhas ladinas e astuciosas, Maquiavel en-


fatiza, sim, o uso da virtude (virtú) para se mitigar os revezes da fortuna
– tema constante e fundamental em sua obra. Se, porém, em nossa
língua, virtú corresponde literalmente à palavra “virtude”, na Itália re-
nascentista esse termo assumia um significado mais amplo e diverso.
Pode-se dizer que essa maneira de empregar o termo contribuiu para
render a Maquiavel a má fama que lhe é peculiar, sintetizada na famosa
frase “os fins justificam os meios”. Isso porque, no sentido emprega-
do por Maquiavel, virtú implica na faculdade de compreender toda e
qualquer situação e nela intervir, modificando-a de acordo com o de-
sígnio próprio. Assim, virtú, é a capacidade intelectual de apreender as
situações em sua realidade central e de transformar essa realidade de
acordo com os próprios objetivos – empregando, quando necessário à
sobrevivência, meios escusos.

O emprego da virtú é fundamental no pensamento de Maquiavel.


Inovador em uma época em que o destino dos homens era atribuído à
vontade divina, no corpo da sua obra principal – O Príncipe, Discursos
Sobre a Última Década de Tito Lívio e A Arte da Guerra –, Maquiavel me-
dita frequentemente sobre o livre arbítrio. Para ele, somos agentes do
nosso próprio destino, um dos temas centrais da sua obra. Com efeito,
embora em seus trabalhos haja alusões a Deus, apesar de poucas, para
Maquiavel, os homens são dotados de livre arbítrio, o qual exercem
através de seus defeitos, qualidades, faltas e méritos. Tal livre arbítrio é
o maior barômetro do poder.

À virtú – o fator determinante desse livre arbítrio – contrapõe-se a


fortuna. Maquiavel considera que a “fortuna”, isto é, a sorte ou, melhor
dizendo, os acontecimentos externos sobre os quais não se tem con-
trole, “governa metade das nossas ações, mas deixa a outra metade
mais ou menos a nosso controle”. Para Maquiavel, a fortuna é uma
“mulher” que pode ser confrontada com audácia e coragem. Deve-se,

95
A História da Filosofia

assim, encontrar o equilíbrio entre o individualismo absoluto e a habili-


dade de se adaptar às tendências de uma determinada época.

Desse modo, a obra principal de Maquiavel pode ser lida, também,


como um estudo sobre a convergência entre a fortuna e a agência, ou
ação, no curso das relações e atividades humanas. Maquiavel busca
responder como o príncipe, ou governante, ou mesmo uma pessoa
comum, pode usar a fortuna a seu favor ou como deve superar os obs-
táculos que ela coloca em sua vida.

Figura de proa na história do pensamento humano, Maquiavel abre,


assim, caminho para o Iluminismo. Sua visão é profundamente secular,
propondo que o homem pode criar seu próprio destino sendo perspi-
caz e prudente, desafiando dessa forma a colocação eclesiástica que
explorava em benefício próprio os revezes da sorte como “castigo divi-
no”. Seu enfoque no livre arbítrio dos príncipes, o modo como seu ca-
ráter e suas decisões determinam o sucesso ou fracasso de seus reinos,
implicitamente rejeita a noção do governo divino. Ao mesmo tempo
em que argumenta que a Igreja tem, de fato, um papel importante na
sociedade, Maquiavel afirma que essa instituição abusa de tal papel e a
culpa daquilo que, para ele, era o maior pecado: manter a Itália dividida
e impedir sua unificação.

A peculiaridade da obra principal de Maquiavel, o contraponto en-


tre as teses políticas, conjecturas filosóficas e observações sobre a na-
tureza humana que permeiam seu texto, confirmam a característica de
“humanista secular” atribuída a Maquiavel. “O que faz com que um
príncipe seja bem ou malsucedido?”, pergunta Maquiavel. E responde:
“a natureza humana”. De fato, Maquiavel baseia suas conclusões po-
líticas nas características dos impulsos humanos. É nesse âmbito que
reside o humanismo de Maquiavel, ou seja, no fato de recorrer aos
impulsos humanos para tirar suas conclusões. Universalista, Maquiavel
justapõe à sua análise política uma visão do homem comum e de suas
qualidades fundamentais, as quais persistem desde a aurora da civiliza-
ção e não dependem nem de credo nem de cultura.

96
Maquiavel

Os Estados que surgem rapidamente, como todas as demais coi-


sas da natureza que nascem e crescem depressa, não podem ter ra-
ízes e estruturação perfeitas, de forma que a primeira adversidade os
extingue; salvo se aqueles que, como foi dito, assim repentinamente
se tornaram príncipes, forem de tanta virtude que saibam desde logo
preparar-se para conservar aquilo que a fortuna lhes pôs no regaço,
formando posteriormente as bases que os outros estabeleceram antes
de se tornar príncipes.

97
Montaigne
Conhecido por ter tomado uma posição cética em
relação às certezas e aos valores da Idade Média,
Montaigne, em seus Ensaios, não só modernizou
e enriqueceu a argumentação do ceticismo, mas
mostrou a influência que os fatores pessoais,
sociais e culturais exercem sobre as ideias.

Retrato de Montaigne
por Daniel Dumonstier
(c. 1578)

MICHEL EYQUEM DE MONTAIGNE (1533 - 1595)


Nascimento: Saint-Michel-de-Montaigne (França)
Escolas: Ceticismo; Humanismo.
Área de Estudo: Ética
Principal Obra: Ensaios
Importância: Considerado o criador do ensaio pessoal.

99
A História da Filosofia

M Montaigne nasceu na propriedade de sua família, o Castelo


de Montaigne, em Saint-Michel-de-Montaigne, e, após seu nasci-
mento, o pai entregou-o a uma enfermeira de uma aldeia vizinha.
Aos três anos, voltou para a família. Seu pai lhe deu um tutor ale-
mão que falava com o menino somente em latim. Assim, o latim
era quase a língua materna de Montaigne. Estudou, então, Direi-

Ceticismo
O Ceticismo entende que o conhecimento do real é impossível
à razão humana. Portanto, o homem deve renunciar à certeza, sus-
pender seu juízo sobre as coisas e submeter toda afirmação a uma
dúvida constante. Essa concepção surgiu na filosofia grega com
Pirro de Élis (c. 360 - 270 a.C.) e desenvolveu-se em várias verten-
tes. Sexto Empírico (viveu entre os séculos II e III d.C.), seu principal
sistematizador defende que, se a certeza é impossível, devemos
renunciar às tentativas de conhecimento do ceticismo pirrônico,
o qual embora reconhecesse a impossibilidade da certeza, achava
necessário continuar buscando-a. O ceticismo tem três etapas: a
epoché, a suspensão do juízo que resulta da dúvida; a zétesis, a
busca incessante da certeza; e a ataraxia, a tranquilidade ou im-
perturbabilidade que resulta do reconhecimento da impossibilida-
de de se atingir a certeza e da superação do conflito de opiniões
entre os homens. Na concepção cética, portanto, a especulação
filosófica retornaria ao senso comum e à vida prática.

No entanto, Montaigne e os humanistas do Renascimento reto-


mam o ceticismo dos gregos como forma de se atacar o dogma-
tismo da escolástica. Uma dessas correntes modernas, a do cha-
mado ceticismo fideísta, argumenta que, sendo a razão incapaz
de atingir a verdade, deve-se então apelar para a fé e a revelação
como fontes da verdade.

100
Montaigne

to, exercendo a função de magistrado, primeiro em Périgueux e,


depois, em Bordéus.

Os seus Ensaios são autorretratos de um homem, por meio dos


quais Montaigne apresenta-se em toda a sua complexidade e va-
riedade humanas. Na sua obra, Montaigne valeu-se de argúcia e
ironia para buscar demolir as superstições, os erros e o fanatismo
das opiniões que queriam impor-se como verdades. Ele construiu
uma filosofia que, partindo do estoicismo, chega ao ceticismo e, em
seguida, a uma forma própria de epicurismo. Montaigne conclui que
só existem opiniões, pois nada sabemos de fato, nem mesmo se
nosso estado de vigília não é um estado de sonho. Nem mesmo a
ciência, construída sobre nossas ilusões sensíveis, tem maior valor
do que essas ilusões. Toda verdade é relativa e é impossível a criatu-
ra humana atingi-la. Desse modo, Montaigne procura desacreditar
a razão e suas conclusões para dar maior lugar à fé, caminho que
nos conduziria à ideia de tolerância e de uma sabedoria pacifista.
Ele sustenta que as paixões são fontes de violências e de fanatismos.
Desse modo, é preciso conquistar o domínio de si na paz da alma e
no desejo de ser útil.

101
Bacon
Para o filósofo inglês Francis Bacon, a
filosofia deve ser algo prático, que traga
benefício à humanidade. Contudo, a
mentalidade científica só pode ser alcançada
através da eliminação de uma série de
preconceitos e falsas visões, os “ídolos”.

Bacon, por Frans
Pourbus (1617)

FRANCIS BACON (1561 - 1626)


Nascimento: Londres (Inglaterra)
Escola: Empirismo
Áreas de Estudo: Filosofia da Ciência; Política.
Principais Obras: Novum Organum; Nova Atlântida - A Grande
Instauração; Ensaios; O Progresso do Conhecimento.
Importância: Considerado o fundador da ciência moderna.

103
A História da Filosofia

D Depois de uma adolescência órfã e pobre, Bacon estudou no Trinity


College de Cambridge, onde demonstrou profunda antipatia pela es-
cola escolástica, vindo a rejeitar Aristóteles. Em sua carreira, conquistou
as posições mais importantes. Em 1583, foi eleito membro do Parla-
mento. Sucessivamente, durante o reinado de Jaime I, desempenhou
as funções de procurador-geral (1607), fiscal-geral (1613), guarda do
selo (1617) e grande chanceler (1618). Neste mesmo ano, foi nomeado
barão de Verulam e, em 1621, barão de Saint Alban. Também em 1621,
Bacon foi acusado de corrupção. Condenado ao pagamento de pesada
multa, foi também proibido de exercer cargos públicos. Doente e arrui-
nado, morre cinco anos mais tarde.

O objetivo de Bacon foi libertar a filosofia das amarras da escolás-


tica e lançá-la no caminho das luzes, fazendo crescer o bem-estar da
humanidade. Sonhou sempre com a reforma da filosofia, cujo plano
de conjunto está em sua obra Nova Atlântida (A Grande Restauração),
que tem como prefácio o Novum Organum, no qual detalha um novo
sistema lógico que afirma ser superior ao silogismo de Aristóteles.

Os Quatro Tipos de “Ídolos” de Bacon


Na filosofia de Francis Bacon, os são falsas noções, preconceitos
e maus hábitos mentais que nos levam ao erro. Bacon distinguiu
quatro gêneros diferentes de ídolos:

• Os ídolos da tribo, isto é, as falsas noções da espécie humana;


• Os ídolos da caverna, as falsas noções provenientes de nossa
psicologia individual;
• Os ídolos do mercado, as falsas noções provenientes da psi-
cologia social;
• Os ídolos do teatro, as falsas noções provenientes das dou-
trinas em voga.

104
Bacon

A Classificação das Ciências por Bacon


• Ciências da memória (ou História);
• Ciências da razão (Filosofia);
• Ciências da imaginação (Poesia).

Entre 1597 e 1623, publica Ensaios, sua obra literária fundamental.


Alguns de seus ditos tornaram-se proverbiais e seus ensaios ficaram
tão famosos quanto os de Montaigne. Contra as disputas da escolás-
tica, declara que “a ciência não é um conhecimento especulativo, nem
uma opinião a ser sustentada, mas um trabalho a ser feito” a serviço da
utilidade do homem e de seu poder. Para dominar a natureza, precisa-
mos antes conhecer suas leis por métodos comprovados.

O novo método proposto por Bacon, chamado de “método indutivo


puro”, deve consistir na observação da natureza. Contudo, para se ver
claro, é necessário fazer uma classificação das ciências. Em seguida,
ele estabelece o método experimental de pesquisa das causas naturais
dos fatos: em primeiro lugar, devemos acumular os fatos; em seguida,
classificá-los; e finalmente, determinar sua causa. A formulação desse
método experimental e indutivo pressupõe a eliminação de falsas no-
ções, que Bacon denomina “ídolos”, espectros da verdade, imagens
tomadas por realidade.

Sir Francis Bacon por John


Vanderbank (c. 1731), cópia
de original pintado em 1618

105
A História da Filosofia

Assim, o projeto de Bacon, para quem “saber é poder”, consiste,


primeiramente, em aperfeiçoar a ciência; em seguida, em aperfeiçoar a
ordem social; finalmente, em conferir soberania aos homens de ciên-
cia. Ele defende essa ideia no romance utópico inacabado New Atlantis
(Nova Atlântida), cidade ideal na qual fixa um objetivo humano para
a ciência: lutar contra a ignorância, o sofrimento e a miséria de modo
a permitir aos humanos realizar tudo o que é possível, propagando
ciência e cultura.

Empirismo
O empirismo, a doutrina adotada por Francis Bacon, afirma que
todo conhecimento humano deriva, direta ou indiretamente, da
experiência sensível externa ou interna. Não há, portanto, outra
fonte de conhecimento senão a experiência e a sensação. As ideias
só nascem de um enfraquecimento da sensação, e não podem ser
inatas. Daí o empirismo rejeitar todas as especulações como vãs e
impossíveis de circunscrever.

Entende-se por “empírico” aquilo que se refere à experiência,


às sensações e às percepções, relativamente aos encadeamentos
da razão.

106
Descartes
Tido como o primeiro filósofo moderno, sua obra
revolucionou a filosofia e a ciência. Como matemático,
sugeriu a fusão da álgebra com a geometria,
gerando a “geometria analítica” – e criou o sistema
de coordenadas que hoje leva o seu nome. Sua obra
filosófica destaca a importância do método e traz
avanços nos campos da Ontologia e da Metafísica.

Descartes por Frans Hals


(c. 1649 - 1700)

RENÉ DESCARTES (1596 - 1650)


Nascimento: La Haye en Touraine (França)
Escola: Empirismo
Áreas de Estudo: Metafísica; Ontologia; Epistemologia; Ética; Matemática.
Principais Obras: Discurso Sobre o Método; Geometria; Meditações
Metafísicas; Princípios de Filosofia; As Paixões da Alma.
Importância: Considerado o fundador da filosofia moderna.

107
A História da Filosofia

U Um dos  pensadores  mais importantes e influentes da história do


Pensamento Ocidental, René Descartes nasceu na França, numa família
nobre. Aos oito anos ficou órfão de mãe e foi enviado para o colégio
dos jesuítas de La Flèche. Aluno brilhante, termina o secundário em
1612. Apesar do ótimo aproveitamento de Descartes, o que aprendeu
no colégio não satisfez seu desejo de descobrir a verdade por meio dos
livros. Desse modo, vai buscá-la na observação do mundo. Viaja muito.
Alista-se nas tropas holandesas de Maurício de Nassau, em 1618. Essa
atividade, porém, não impede que ele prossiga com seus estudos.

Sob a influência de Beeckmann, entra em contato com a física co-


pernicana. Em seguida, alista-se nas tropas do imperador da Baviera.
Quando a herança da mãe é liberada para ele, Descartes volta a Paris,
onde passa a frequentar os meios intelectuais. Aconselhado pelo car-
deal Bérulle, dedica-se ao estudo da filosofia, com o objetivo de con-
ciliar a nova ciência com as verdades do cristianismo. Mas Descartes
receia ter problemas com a Inquisição. Por isso, em 1629, vai para a
Holanda, onde estuda Matemática e Física. Em Amsterdã, escreve mui-
tos livros e mantém uma intensa correspondência com as mentes mais
brilhantes da Europa. Em 1649, vai para Estocolmo a convite da rainha
Cristina da Suécia, onde pretende passar algum tempo. Contudo, mor-
re de pneumonia um ano depois.

Seus livros mais significativos são O Discurso do Método, As Medi-


tações Metafísicas, Os Princípios de Filosofia, O Tratado do Homem e o
Tratado do Mundo. Toda a obra de Descartes visa mostrar que o conhe-
cimento requer, para ser válido, um fundamento metafísico.

“A proposição Penso, logo existo é a primeira e


mais certa que se apresenta àquele que conduz seus
pensamentos com ordem.”
(René Descartes, Discurso Sobre o Método)

108
Descartes

O Método Cartesiano Consiste de Quatro Regras Básicas:


VERIFICAR se existem evidências reais e indubitáveis acerca do
fenômeno ou coisa estudada;
ANALISAR: dividir ao máximo as coisas, em suas unidades mais
simples e estudar essas coisas mais simples;
SINTETIZAR: agrupar novamente as unidades estudadas em
um todo verdadeiro;
ENUMERAR todas as conclusões e princípios utilizados, a fim
de manter a ordem do pensamento.

O método cartesiano consiste no ceticismo metodológico, que du-


vida de cada ideia que não seja clara e distinta. Desse modo, Descartes
instituiu a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que puder ser
provado, sendo o ato de duvidar indubitável. Ele parte da dúvida me-
tódica: “se eu duvido de tudo o que percebo por meio dos sentidos, e
se duvido até mesmo das verdades matemáticas, não posso duvidar de
que tenho consciência de duvidar, portanto, de que existo enquanto
tenho essa consciência”.

Sua famosa máxima, o “cogito” – “penso, logo existo”, resultado do


método cartesiano, é a descoberta do espírito por si mesmo, que se
percebe que existe como sujeito. Esta, sustenta Descartes, é a primeira
verdade descoberta para o fundamento da metafísica, cuja evidência
fornece o critério da ideia verdadeira. Assim, a metafísica é fundadora
de todo saber verdadeiro.

109
Hobbes
Embora Thomas Hobbes tenha sido
um empirista, na história da filosofia,
é considerado sobretudo um pensador
político. Sua importância persiste até hoje
como modelo permanente da filosofia
cética e pragmática.

O retrato mais conhecido


de Thomas Hobbes
(anônimo, s.d.)

THOMAS HOBBES (1588 - 1679)


Nascimento: Malmesbury (Inglaterra)
Escolas: Empirismo; Materialismo.
Áreas de Estudo: Filosofia; Política.
Principais Obras: Do Cidadão (de Cive); De Homine; De Corpore; Leviatã.
Importância: Um dos fundadores da filosofia política e da ciência
política modernas.

111
A História da Filosofia

T Thomas Hobbes estudou em Oxford e prosseguiu seus estudos no


exterior. Em 1621, travou amizade com Francis Bacon, acompanhando-
-o para a França e a Itália. Em suas viagens, descobriu a ciência de Gali-
leu, estudou os clássicos e se apaixonou por Euclides. No início da crise
revolucionária do rei Carlos I, que culminou com a deposição e decapi-
tação do monarca, em 1649, exilou-se em Paris, onde teve contato com
as obras de Mersenne e com as Meditações de Descartes. Retornou à
Inglaterra em 1651, mas foi acusado de ateísmo pelo Parlamento.

Hobbes manteve controvérsias violentas sobre a liberdade e a ne-


cessidade. Entre suas principais obras estão: De Cive (1642), Leviatã
(165I), De Homine (1658) e De Corpore (1661). Abordam, basicamente,
quatro temas: tratam do estado de natureza, no qual as relações dos
homens entre si são deixadas à livre iniciativa de cada um; abordam,
igualmente, o Estado social, concluindo que a sociedade política é a
obra artificial de um pacto voluntário de um cálculo, que todos os ho-
mens são iguais por natureza e que, em termos de conhecimento, tudo
vem da sensação; discorrem sobre a moralidade, sustentando que é
o acordo da natureza com a ação, que é bom tudo o que favorece e
conduz à paz; e que pela paz e pela razão os homens fazem pactos; e,
finalmente, os escritos de Hobbes estabelecem o papel do soberano:
o de garantir a segurança e a prosperidade de seus súditos. Por conta
disso, o poder absoluto é legítimo quando assegura a paz civil; o so-
berano tem todos os direitos; a justiça é inteiramente dominada pela
lei positiva; a lei imposta pelo soberano é justa por definição. Hobbes
afirma que a Igreja deve subordinar-se ao Estado e que devemos seguir
a lei do Estado de preferência à lei divina. A paz civil é o soberano bem
e deve ser mantida a qualquer preço. O pensador propõe que o papel
do soberano, que chama de Leviatã – o terrível monstro bíblico –, é
puramente utilitário. Contudo, na guerra de todos contra todos, há a
necessidade de um pacto social entre os indivíduos-cidadãos, cada um
renunciando à sua liberdade em favor do soberano absoluto.

112
Hobbes

Estas ideias são enunciadas, principalmente, no livro mais impor-


tante e influente de Hobbes, Leviatã, publicado em 1651, que trata
da “matéria, da forma e do poder de um estado eclesiástico e civil”.
De fato, nesse texto, Hobbes articula, pela primeira vez, uma teoria
detalhada do contrato social. Após expor os princípios gerais da sua
concepção de natureza humana, Hobbes procura estabelecer uma
verdadeira ciência política. No estado de natureza, o homem é um
lobo para o homem. Esta guerra de todos contra todos gera o pacto
social fazendo passar a diversidade dos indivíduos à unidade do Es-
tado. Este pacto é feito entre os indivíduos que se tornam cidadãos,
não entre eles e o soberano. O soberano é absoluto, cada indivíduo
renunciando à sua liberdade. Com isso, considera-se fundado, no
pensamento político, o despotismo.

Materialismo
A doutrina adotada por Thomas Hobbes, o materialismo, reduz
toda a realidade à matéria – embora o conceito de “matéria”
possa variar bastante. De modo geral, o materialismo nega a
existência da alma ou da substância pensante cartesiana, bem
como a realidade de um mundo espiritual ou divino cuja existência
seria independente do mundo material. O próprio pensamento
teria uma origem material, como um produto dos processos de
funcionamento do cérebro.

113
Pascal
A notoriedade do filósofo e cientista francês Blaise Pascal
é devida, entre outros atributos geniais, a ter inventado,
aos 20 anos, a “máquina de calcular”, uma das primeiras
calculadoras mecânicas; aos 23, ter demonstrado a
existência do vazio na natureza e, juntamente a Leibniz,
ter criado a Teoria das Probabilidades.

Cópia do retrato de Pascal


(original por François II
Quesnel, c. 1690)

BLAISE PASCAL (1623 - 1662)


Nascimento: Clermont-Ferrand (França)
Escola: Filosofia Moderna
Áreas de Estudo: Matemática, Ética; Ontologia.
Principal Obra: Pensamentos
Importância: Criador da Teoria das Probabilidades; demonstrou a
existência do vazio na natureza.

115
A História da Filosofia

A Após um período no qual frequentou os pensadores libertinos,


assim chamados por se afastarem dos costumes morais de sua
época, tornou-se um defensor ardoroso do cristianismo, sobre-
tudo o defendido pelo jansenismo, doutrina religiosa inspirada
nas ideias do bispo de Ypres, Cornélio Jansen, de caráter dogmá-
tico, moral e disciplinar, com implicações políticas, que se desen-
volveu no seio da  Igreja Católica, mas que acabou por vir a ser
considerada herética. Pascal tornou-se o defensor dos jansenistas
contra os ataques dos jesuítas, notadamente por meio das suas
Cartas provinciais, as quais escreve entre 1656 e o ano seguinte.

Pascal escreveu também vários opúsculos filosóficos, científi-


cos e matemáticos. De fato, Pascal contribuiu decisivamente para
a criação de dois novos ramos da matemática: a Geometria Pro-
jetiva  e a  Teoria das Probabilidades. Na Física, estudou a  mecâ-
nica dos fluidos e esclareceu os conceitos de  pressão  e  vácuo,
ampliando o trabalho de Evangelista Torricelli. É ainda o autor de
uma das primeiras  calculadoras  mecânicas, a  Pascaline, e de es-
tudos sobre o método científico. Em seu Essay pour les Coniques,
publicado em 1640, apresenta o célebre teorema de Pascal. Ape-
sar de suas realizações científicas, Pascal rejeitou a autoridade
em matéria de ciência e confiou mais na experiência do que na
razão. Preferiu os “espíritos de finesse” aos “espíritos geométri-
cos”. Para ele, “o coração tem razões que a razão desconhece”.

No final de 1654 passou por uma experiência mística, que o


levou a abandonar as ciências para se dedicar exclusivamente
à filosofia e à teologia. Para “provar” a verdade do cristianismo,
Pascal usou, uns contra os outros, os argumentos do orgulho es-
toico ou dogmático e os argumentos do ceticismo. Assim, para
sua apologia ao cristianismo, utilizou a razão, a arma que os ateus
usam para ridicularizar a religião. Aproveitou os argumentos do
cético Montaigne para destruir a confiança do homem em suas

116
Pascal

possibilidades humanas. Colocou, ainda, seus adversários diante


de uma aposta, ou seja, diante de um argumento pelo qual tentou
provar a um cético que ele teria todo interesse em crer “numa
outra vida”: se as chances são iguais, o homem apenas troca uma
vida transitória por uma salvação eterna, nada perdendo se essa
vida não existisse.

“É indispensável conhecermo-nos a nós próprios;


mesmo se isso não bastasse para encontrarmos
a verdade, seria útil, ao menos, para regularmos
a vida, e nada há de mais justo.”
(Blaise Pascal, Pensamentos)

117
Espinosa
A influência do pensamento filosófico de Espinosa na
formação da visão de mundo moderno é tremenda, a
ponto de germinar movimentos intelectuais posteriores.
O historiador da Filosofia Jonathan Israel afirma: “uma
leitura minuciosa nos primeiros materiais sugere, ao
menos para mim, que Espinosa e o espinosismo eram,
de fato, a coluna vertebral intelectual do Iluminismo
Radical em toda Europa”.

Retrato de Espinosa
pertencente à coleção de
pinturas da Biblioteca
Herzog August,
Volfembutel, Alemanha
(anônimo, c. 1665)

BARUCH ESPINOSA (1632 - 1677)


Nascimento: Amsterdã (Holanda)
Escolas: Filosofia Moderna; Racionalismo.
Áreas de Estudo: Ética; Política; Ótica, Matemática.
Principais Obras: Tratado Teológico-Político; Ética.
Importância: Um dos mais influentes pensadores da história
da filosofia.

119
A História da Filosofia

E Entre os séculos 1650 e 1750, ninguém chegou a rivalizar nem de


perto a notoriedade de Espinosa como o principal desafiante dos fun-
damentos da religião revelada, das ideias herdadas, da tradição e da
moral, tampouco o fato de que era considerado, em todos os lugares,
como autoridade política divinamente constituída. Consideravelmente,
Espinosa foi a fonte e inspiração para uma redefinição sistemática do
homem, da cosmologia, da política, da hierarquia social, da sexualida-
de e da ética, o que acabou resultando na visão moderna do mundo.
A afirmação de que a natureza se automovimenta e se cria a si mesma
se tornou a marca registrada dos espinosistas. Espinosa declarou que o
movimento é inerente à matéria e que as diferenças entre um corpo e
outro se devem naturalmente às diferentes proporções de movimento
e repouso em cada corpo. O “movimento” ao qual Espinosa se refere
nada mais é do que vibrações dos corpos, e remete esse princípio do
espinosismo ao hermetismo – uma das principais bases da sabedoria
maçônica. Um dos princípios herméticos é o da Vibração: “nada está
parado, tudo se move, tudo vibra”, atestando que aquilo que enten-
demos como matéria, energia, mente e espírito, nada mais é do que
diferentes formas de vibração.

A visão que Espinosa introduziu sobre Deus também foi revolucio-


nária. O filósofo entendia que tudo o que existe pertence à única subs-
tância, que é Deus. Assim, “Deus é, em relação aos seus efeitos ou cria-
turas, nada além do que a causa imanente”. Sobre isso, Albert Einstein
afirmou que o cientista moderno que rejeita a divina providência e um
Deus que governa os destinos da humanidade, ao mesmo tempo em
que aceita “a ordenada harmonia existente”, isto é, a inteligibilidade
de um universo iminente baseado em princípios matemáticos, acredita,
realmente, “no Deus de Espinosa”.

Esse “Deus de Espinosa”, como Einstein se referiu, chocou (e, em


muitos casos, continua a chocar) incrivelmente os europeus a partir
do final do século XVII, quando a ideia foi divulgada. O Deus de

120
Espinosa

Espinosa, conforme ele mesmo descreveu, é “a causa interna de to-


das as coisas, mas não como a causa que as excede”. Não se trata,
portanto, de um Deus pessoal, que determina que fulano ou sicrano
tenha direitos de governo sobre os outros homens e mulheres, nem
que precisa de representantes terrenos, isto é, as Igrejas e seus clé-
rigos, para fazer valer Sua vontade. A conclusão é a de que todos
os homens e mulheres são iguais e de que ninguém ou nenhuma
instituição recebeu o direito divino de governar. E é aqui que os
esforços da maçonaria de combater as monarquias absolutistas e o
clero com o intuito de instalar uma sociedade justa e igualitária para
todos tiveram respaldo filosófico.

Por conta da revolução que suas ideias implicavam, principal-


mente, mas não exclusivamente, no campo teológico, durante sua
existência, e por muito tempo depois, Espinosa foi vilipendiado
e insultado. Foi considerado herege, ateu e chamado até mesmo
de “diabo” ou “monstro atroz”. A importante obra que escreveu,
o Tractatus Theologico-Politicus, publicada em 1670, foi proibida
praticamente após seu lançamento. No entanto, mais do que qual-
quer outro pensador individual, devemos a ele o advento da Idade
Moderna, com sua visão de Deus menos supersticiosa e grossei-
ra daquela proposta pelo cristianismo, com a prática democrática,
a igualdade entre os cidadãos e o respeito à mulher. Conformado
com as ofensas que sofreu, Espinosa só podia se resignar. O brilho
de sua mente privilegiada, porém, não se calou diante dos homens
do seu tempo tão envoltos em superstições medievais e tão teme-
rosos de assumirem seus próprios destinos para não desagradar a
“Deus”. Buscando justificar a maneira como o viam, Espinosa escre-
veu: “quem quer que se esforce para compreender cientificamente
as coisas da natureza, em vez de limitar-se a se maravilhar (frente
a ela) como um mentecapto, será considerado em toda parte como
herege e ateu”.

121
Leibniz
O filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm
Leibniz interessava-se também por Direito, pelas
questões religiosas e, sobretudo, por política. Seu
sonho era a fundação de uma confederação dos
Estados europeus. Junto aos sistemas de Descartes
e de Espinosa, o de Leibniz é o terceiro dos grandes
sistemas racionalistas do século XVII e, em muitos
aspectos, o mais incomum.

Leibniz em gravura de
Meyers Lexicon (c. 1905)

GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ (1646 - 1716)


Nascimento: Leipzig (Alemanha)
Escola: Racionalismo
Áreas de Estudo: Metafísica; Matemática; Física.
Principais Obras: Ensaio Filosófico Sobre o Entendimento Humano;
Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano; A
Teodiceia; A Monadologia.
Importância: Criador, com Newton, do Cálculo Diferencial
e Integral.

123
A História da Filosofia

A A filosofia de Leibniz é influenciada pelo mecanicismo cartesiano e


pelas causas finais de Aristóteles. Acreditando na onipotência da razão,
ele reintegra no Universo a força, o dinamismo e o ponto de vista do
individual concreto. Para ele, a demonstração matemática permite de-
terminar o possível, mas é impotente para provar o real, que nos é re-
velado pela experiência. Torna-se imprescindível um princípio superior:
o da “razão suficiente”.

Matemático de destaque, em 1666 escreveu De Arte Combinatória, no


qual formulou um modelo científico que é o precursor teórico de com-
putação moderna: todo raciocínio, toda descoberta, verbal ou não, é re-
dutível a uma combinação ordenada de elementos tais como números,
palavras, sons ou cores. Leibniz também criou uma máquina de calcular,
superior à que fora criada por Blaise Pascal, fazendo as quatro operações.

Seu sistema é formado por uma pluralidade de cadeias de razões, todas


representando uma possibilidade de entrada no sistema. Essa pluralidade
é característica das mônadas, cuja ideia tem um papel central na metafísi-
ca de Leibniz. O termo é, provavelmente, de origem pitagórica, usado na
filosofia antiga para designar os elementos simples de que o Universo é
composto. Platão aplica o termo mônada às ideias ou formas.

Em sua obra A Monadologia, Leibniz afirma que as mônadas são os


elementos das coisas, os átomos da natureza. O Universo é o conjunto

Realizações de Leibniz na Matemática:


• Criou o termo matemático “função”, numa carta de 1694,
para designar uma quantidade relacionada a uma curva, tal como
a sua inclinação em um ponto específico;

• Desenvolveu, com Newton, o cálculo moderno;

• Descreveu o primeiro sistema de numeração binário moderno.

124
Leibniz

“A mônada é uma substância simples que faz parte


dos compostos; simples quer dizer sem partes (...)
ora, onde não há partes, não há extensão, nem
figura, nem divisibilidade possível. E as mônadas
são os verdadeiros átomos da natureza, em uma
palavra, os elementos de todas as coisas.”
(Leibniz, A Monadologia)

das mônadas, diferentes umas das outras e se hierarquizando segundo


seu maior ou menor grau de perfeição, numa série crescente cujo cume
é Deus. Cada uma das mônadas constitui um espelho representativo de
todo o Universo. Mas essa representação não é completamente per-
ceptível, a não ser por Deus.

De acordo com o filósofo Simon Blackburn, ”as mônadas não têm ex-
tensão, sendo entidades mentais suscetíveis de percepção e estados ape-
titivos, embora cada uma delas seja autossuficiente e se desenvolva sem
qualquer relação com outras mônadas. Sua autossuficiência é frequente-
mente enfatizada na afirmação de que as mônadas ‘não têm janelas’”.

Mônadas
• As mônadas são fechadas, “sem portas nem janelas”, mas
podem coexistir segundo uma “harmonia preestabelecida”;

• A série dos estados do Universo teria sido regulada de modo


ótimo, desde a origem, no ato criador da divindade;

• Cada mônada é um universo do qual está parcialmente


consciente, todas sendo como pontos de vista sobre a mesma
paisagem. A combinação das ideias que dá origem ao Universo
é uma combinação entre uma infinidade de possibilidades. Mas
o possível não é o real. Uma vez que o mundo existe, faz-se
necessário uma razão suplementar; ele é o melhor dos mundos
possíveis.

125
Voltaire
Escritor, poeta e filósofo, Voltaire é conhecido por ter
sido o grande promotor da cosmologia newtoniana
na França e por ter destruído a crença no poder do
encantamento sobre o mundo natural. Combateu
as ‘’trevas” da ignorância e da superstição por meio
do único agente capaz de libertar o homem da mais
cruel das superstições: a razão.

O filósofo, poeta,
historiador, ensaísta e
dramaturgo Voltaire
(autor desconhecido,
c. 1694 - 1778)

FRANÇOIS MARIE AROUET, PSEUDÔNIMO VOLTAIRE (1694 - 1778)


Nascimento: Paris (França)
Escola: Iluminismo
Áreas de Estudo: Filosofia; Política; Ética.
Principais Obras: O Ensaio sobre os Costumes; O Século de Luís XIV;
A Filosofia da História; O Dicionário Filosófico.
Importância: Um dos principais nomes da filosofia francesa;
considerado o pensador mais influente do século
XVIII.

127
A História da Filosofia

V Voltaire nasceu em uma família abastada, burguesa e aristocrata, em


Paris. Sua mãe morreu depois do parto. Estudou com os jesuítas, onde
revelou-se um aluno brilhante. Voltaire foi, com sua obra, precursor de
várias reformas na França, como a liberdade de imprensa, tolerância re-
ligiosa, tributação proporcional e redução dos privilégios da nobreza e
do clero. Um dos homens mais influentes do século XVIII, seus livros fo-
ram lidos por toda a Europa e vários monarcas pediam seus conselhos.

Como a maioria dos seus textos, sejam peças teatrais, poemas, ro-


mances,  ensaios, obras científicas e históricas, exprime a preocupa-
ção da defesa da liberdade, sobretudo do pensar. O conjunto de ideias
de Voltaire veio a embasar uma corrente de pensamento conhecida
como Liberalismo. Voltaire sustentava que a sociedade deveria ser re-
formada mediante o progresso da razão e o incentivo à  ciência e à
tecnologia. Para que isso pudesse acontecer, os antigos entraves, dog-
mas, superstições etc. deveriam ser demolidos. Por conta disso, Voltaire
veio a ser um defensor aberto da reforma social, apesar de sugerir leis
de censura e severas punições para quem as quebrasse. Polemista satí-
rico, frequentemente usou suas obras para criticar a Igreja Católica e as
instituições francesas do seu tempo. Dirigiu duras críticas aos reis ab-
solutistas e aos privilégios do clero e da nobreza.

Sua franqueza o levou a ser preso duas vezes, fato que o fez
exilar-se na Inglaterra. Ali, orientou definitivamente sua obra e seu
pensamento para uma filosofia reformadora. Na Inglaterra, escre-
veu, entre outros, um dos livros que mais o projetaram, as Cartas
Filosóficas ou Cartas Inglesas, que criticava o regime político fran-
cês, fazendo espirituosas comparações entre a liberdade inglesa e o
atraso da França absolutista e clerical.

Voltaire foi um teórico sistemático, mas um propagandista e pole-


mista, que atacou com veemência alguns abusos praticados pelo Anti-
go Regime. Tinha a visão de que não importava o tamanho de um mo-

128
Vo l t a i r e

narca, deveria, antes de punir um servo, passar por todos os processos


legais, e só então executar a  pena, se assim consentido por  lei. De-
fendia, desse modo, a submissão ao domínio da lei, convicto de que
o poder deve ser exercido de maneira liberal e racional, sem levar em
conta as tradições.

De volta a Paris em 1778, depois de um período no exterior, foi re-


cebido com triunfo pela Academia e pela Comédie-Française, onde um
busto em sua homenagem foi inaugurado. Contudo, esgotado, morreu
a 30 de maio de 1778.

Os Escritos Filosóficos e Políticos mais Importantes de Voltaire


• O Ensaio sobre os Costumes (1756)
Apresenta uma filosofia da história, valorizando a ideia de
progresso da razão sobre as trevas.

• O Século de Luís XIV (1756)


Mostra a grandeza do século, exalta Luís XIV como o modelo
do "déspota esclarecido" e ataca a religião.

• A Filosofia da História (1756)


A história do espírito humano contra as forças obscurantistas
que se resumem na religião. Faz, ainda, uma apologia da razão
contra a idiotice e a crença.

• O Dicionário Filosófico (1764)


Texto onde, de modo panfletário, continua sua luta contra o
cristianismo (nos verbetes "perseguição", "superstição", "milagre"
etc.) e se mostra o defensor da liberdade e da monarquia
constitucional (nos verbetes "liberdade", "Estado", "leis" etc.).

129
Rousseau
Para Rousseau, as instituições educativas corrompem
o homem e o privam de sua liberdade. Para a criação
de um novo homem e de uma nova sociedade, seria
preciso educar a criança de acordo com a Natureza,
desenvolvendo seus sentidos e sua razão com vistas à
liberdade e à capacidade de julgar.

Retrato do filósofo, teórico


político, escritor e compositor
Jean-Jacques Rousseau (autor
desconhecido, c. 1712 - 1778)

JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712 – 1778)


Nascimento: Genebra (Suíça)
Escola: Iluminismo
Áreas de Estudo: Política; Ética.
Principais Obras: Discurso sobre as Ciências e as Artes; Discurso sobre a
Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os
Homens; Do Contrato Social; Emílio ou Da Educação;
Confissões; Os Devaneios do Caminhante Solitário.
Importância: É considerado um dos mais importantes pensadores
franceses do século XVIII nos âmbitos político, moral e
da educação, inspirando os ideais do Iluminismo e da
Revolução Francesa.

131
A História da Filosofia

D Depois de ter sido amante de uma rica senhora que o introduziu à


filosofia e à música, Jean-Jacques Rousseau deixa a Suíça e instala-se
em Paris, vinculando-se ao movimento enciclopedista, especialmente
a Diderot, frequentando os “mundanos”. Manteve uma longa ligação
com Thérèse Levasseur. Teve, também, cinco filhos, os quais não criou,
preferindo entregá-los à assistência pública.

Em 1750, publicou o Discurso Sobre as Ciências e as Artes, rompendo


com o otimismo do Século das Luzes. Cinco anos depois, publicou o
Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens, que lhe deu
celebridade e lhe causou problemas. Nessa obra, Rousseau descreve o
estado de natureza como um equilíbrio perfeito entre o que se quer e
o que se tem.

Origem da Desigualdade entre os Homens (Trecho)


Enquanto os homens se contentaram com as suas cabanas
rústicas, enquanto se limitaram a coser suas roupas de peles com
espinhos ou arestas de pau, a se enfeitarem com plumas e conchas,
a pintar o corpo de diversas cores, a aperfeiçoar ou embelezar os
seus arcos e flechas, a talhar com pedras cortantes algumas canoas
de pesca ou grosseiros instrumentos de música; em uma palavra,
enquanto se aplicaram exclusivamente a obras que um só podia
fazer, e a artes que não necessitavam o concurso de muitas mãos,
viveram livres, sãos, bons e felizes, tanto quanto podiam ser pela
sua natureza, e continuaram a gozar entre si das doçuras de uma
convivência independente. Mas, desde o instante que um homem
teve necessidade do socorro de outro; desde que perceberam que
era útil a um só ter provisões para dois, a igualdade desapareceu,
a propriedade se introduziu, o trabalho tornou-se necessário e
as vastas florestas se transformaram em campos risonhos que foi
preciso regar com o suor dos homens, e nos quais, em breve, se
viram germinar a escravidão e a miséria, a crescer com as colheitas.

132
Rousseau

“Um homem livre obedece, mas não serve;


tem chefes, e não mestres; obedece às leis,
mas somente às leis; e é pela força das leis
que não obedece aos homens.”
(Jean-Jacques Rousseau, Do Contrato Social)

Em 1762, publicou Do Contrato Social, livro que o levou a exilar-se


na Suíça e, depois, na Inglaterra. Nesse texto, o filósofo propõe que
todos os homens façam um novo contrato social onde se defenda a
liberdade do homem baseada na experiência política das antigas civi-
lizações onde predomina o consenso, garantindo os direitos de todos
os cidadãos.

O pensamento de Rousseau afirma que o homem é, por nature-


za, bom. É a sociedade que o corrompe. Ele observa, porém, que a
sociedade não é, por essência, corruptora, mas somente certo tipo
de sociedade, isto é, aquela que repousa na afirmação da desigual-
dade natural dos homens, oprimindo a maioria em proveito de uma
minoria privilegiada.

Rousseau sustenta, igualmente, que o estado de natureza é um


estado primordial onde o homem vive feliz, em harmonia com o
mundo e na inocência, não havendo necessidade de sociedade. O
social não tem sua norma na natureza, mas no homem.

O homem difere essencialmente dos outros seres naturais e ani-


mais por sua perfectibilidade. O problema, coloca o filósofo, con-
siste em encontrar uma forma de sociedade na qual possa preser-
var sua liberdade natural e garantir sua segurança. Para solucionar
esse problema, Rousseau propõe o contrato social. O soberano é o
conjunto dos membros da sociedade. Cada homem é, ao mesmo
tempo, legislador e sujeito. Ele obedece à lei que ele mesmo fez.
Isso pressupõe uma vontade geral distinta da soma das vontades
particulares. Cada homem possui, como indivíduo, uma vontade
particular, mas também possui, como cidadão, uma vontade geral

133
A História da Filosofia

que o conduz a querer o bem do conjunto do qual é membro. Cabe


à educação formar essa vontade geral.

Com relação à forma de governo, o regime social ideal é o democrá-


tico, mas Rousseau está consciente das dificuldades de tal regime, pois
o governo, mesmo representativo, pode usurpar a soberania.

“Os animais que você come não são


aqueles que devoram outros, você não come
as bestas carnívoras, você as toma como padrão.
Você só sente fome pelas criaturas doces e
gentis que não ferem ninguém, que o
seguem, o servem, e que são devoradas por
você como recompensa de seus serviços.”
(Jean-Jacques Rousseau, Emílio ou Da Educação)

134
Hume
Considerado o naturalista mais completo da
filosofia moderna, Hume é uma figura essencial do
Iluminismo. Sua influência é incalculável. De fato,
quase todos os estudos antropológicos, sociológicos e
comparativos encontram raiz em sua obra.

Retrato de David Hume


por Allan Ramsay
gravador W. Holl (1754)

DAVID HUME (1711 - 1776)


Nascimento: Edimburgo (Escócia)
Escolas: Empirismo; Naturalismo; Iluminismo.
Áreas de Estudo: Teoria do Conhecimento; Epistemologia;
Ética; Estética; Teologia; Política; História; Economia.
Principais Obras: Tratado da Natureza Humana; Ensaios Morais,
Políticos e Literários; Investigação sobre o
Entendimento Humano; Discursos Políticos; Diálogos
sobre a Religião Natural.
Importância: Um dos mais importantes pensadores
do chamado Iluminismo escocês e da
própria filosofia ocidental.

135
A História da Filosofia

O O filósofo e historiador escocês David Hume nasceu em Edimburgo,


no seio de uma família nobre. Desde cedo, interessou-se por filoso-
fia. Contudo, pressionado pela família, estudou Direito, sem, porém,
concluir o curso. Então, passou a se dedicar ao comércio. Entre 1734 e
1737, viveu na França, onde escreveu seu primeiro livro, o Tratado sobre
a Natureza Humana. Depois desse período, estabeleceu-se na Ingla-
terra. Lá, foi convidado pelo general James St. Clair a ser seu secretário
numa expedição militar. Hume também acompanhou o general St. Clair
em missões diplomáticas a Viena e Turim. Nessa atividade, encontrou o
tempo necessário para revisar seus textos de juventude.

Em 1744, candidatou-se a uma cadeira de filosofia em Edimburgo,


mas, acusado de ateísmo, não foi nomeado. Uma vez mais, candidatou-
-se à cadeira de lógica em Glasgow, para substituir Adam Smith, e, de
novo, foi recusado, acusado de ceticismo, teísmo e ateísmo. Finalmen-
te, conseguiu ser nomeado bibliotecário da faculdade de Direito. Nessa
época, dedicou-se a uma grande atividade literária. Em 1763, retornou
à França como secretário da embaixada. Aqui, a fama internacional o
alcançou. Hume foi acolhido pela elite intelectual parisiense e conhe-
ceu Rousseau. Voltou à Inglaterra e tornou-se subsecretário de Estado
(1767-1768). No ano seguinte (1769), regressou, então, a Edimburgo,
onde permaneceu até sua morte.

A filosofia de Hume reduz os princípios racionais a ligações de ideias


fortemente influenciadas pelo hábito e o “eu” a uma coleção de estados
de consciência. Em suas obras, Hume propõe, fundamentalmente, que não
é possível nenhuma teoria geral da realidade, pois o homem não pode
criar ideias, uma vez que está inteiramente submetido aos sentidos. Para
Hume, todos os nossos conhecimentos vêm dos sentidos.

Em seus escritos, o filósofo também sustenta que as verdades da


ciência são da ordem da probabilidade, de modo que ela só consegue
atingir certezas morais. Assim, como, igualmente, não há causalidade

136
Hume

objetiva, pois nem sempre as mesmas causas produzem os mesmos


efeitos, é conveniente que toda certeza seja substituída pela probabili-
dade. “Se somos filósofos, devíamos ser somente segundo os princípios
céticos”, escreveu ele. Desse modo, Hume propõe o ceticismo como
condição da tolerância e da coexistência pacífica entre os homens.

O ceticismo de Hume opõe-se, principalmente à metafísica, a


qual ele abomina, e considera “o fantasma de uma superstição”.
Ele não mede esforços para desmascarar essa “pseudofilosofia”, a
ponto de reivindicar uma extirpação pública da literatura metafísica
obscurantista.

A filosofia de David Hume caracteriza-se como um fenomenismo,


concepção filosófica que não admite a existência de nenhuma substân-
cia, considerando a realidade como composta exclusivamente de fe-
nômenos e das percepções e ideias que formamos de tais fenômenos.
“O que chamamos eu”, escreve o filósofo Wilhelm Weischedel, “não é,
para Hume, em oposição à filosofia metafísica, uma substância espe-
cial, mas, sim, nada mais que um conjunto de sensações”. Nas palavras
do próprio Hume, o eu é “um mero feixe ou uma coleção de diversos
conteúdos que se seguem com inconcebível rapidez e se encontram
permanentemente em fluxo e movimento”.

"Nenhuma verdade me parece mais


evidente que os animais serem dotados
de pensamento e razão tal como os homens. Os
argumentos neste caso são tão óbvios, que nunca
escapam aos mais estúpidos e ignorantes."
(David Hume, Tratado da Natureza Humana)

137
Kant
A doutrina de Kant, um dos filósofos que mais
profundamente influenciou a formação da filosofia
contemporânea, representa um dos pontos decisivos
da história do pensamento humano. Sua obra afetou
implicitamente toda a epistemologia, a metafísica e
a ética modernas.

Gravura de Immanuel
Kant publicada no
Meyers Lexicon (c. 1905)

IMMANUEL KANT (1724 - 1804)


Nascimento: Königsberg (Reino da Prússia)
Escolas: Iluminismo; Kantismo.
Áreas de Estudo: Epistemologia; Metafísica; Ética.
Principais Obras: Crítica da Razão Pura; Prolegômenos a Toda a
Metafísica Futura; Metafísica dos Costumes; Crítica da
Razão Prática; Crítica da Faculdade do Juízo.
Importância: Considerado como o principal filósofo da 
Era Moderna.

139
A História da Filosofia

K Kant nasceu em Königsberg, então parte da Prússia Oriental,


atualmente Kaliningrado, na Rússia, cidade onde passou toda a sua
vida. O filósofo estudou, lecionou e chegou a ser reitor da Universi-
dade de Königsberg. O excêntrico Kant vivia uma existência pacata,
marcada pela pontualidade e pela ordem metódica que guiava suas
atividades diárias.

O pensamento de Kant se divide em duas fases: a pré-crítica, que


abrange o período de 1755 a 1780 e a crítica, a partir de 1781, iniciada
com a publicação da Crítica da Razão Pura, sua obra principal.

Na primeira fase, Kant é influenciado pela tradição do sistema me-


tafísico de Leibniz e de Wolff, então vigentes no mundo acadêmico.
Nesse período, o filósofo produziu sua Dissertação de 1770, com a qual
tornou-se catedrático da universidade. Nesse texto, ele aborda alguns
dos temas centrais da fase crítica, como a questão dos limites da razão
e da solução dos problemas metafísicos.

A fase crítica começa sob influência dos empiristas ingleses, sobre-


tudo de Hume. O ceticismo de Hume e suas objeções ao racionalismo
dogmático e à metafísica especulativa levaram Kant a questionar e re-
considerar essa tradição. Em resposta, Kant produz sua filosofia crítica,
a qual pode ser resumida a quatro grandes questões: o que podemos
saber? O que devemos fazer? O que temos o direito de esperar? O que
é o homem?

Para responder a primeira questão, Kant investiga os limites do em-


prego da razão no conhecimento, procurando diferenciar os usos legíti-
mos da razão na produção de conhecimento dos usos especulativos da
razão que, embora inevitáveis, não produzem conhecimento e devem
ser distinguidos da ciência. A razão, afirma ele, não tem condições de
retroceder para trás da realidade visível para desvelar seu fundamento.
Por isso, é preciso reconhecer o campo específico e o limite da razão.

140
Kant

Kant afirma que há duas fontes do conhecimento humano: a sen-


sibilidade, que nos dá a percepção dos objetos, e o entendimento,
através do qual os objetos são pensados. Só pela conjugação desses
dois elementos é possível a experiência do real. Por outro lado, nossa
experiência da realidade é condicionada por essa estrutura em que se
combinam sensibilidade e entendimento, de tal forma que só conhece-
mos realmente o mundo dos fenômenos, da experiência, dos objetos
enquanto se relacionam a nós.

Em resposta à visão cética, Kant desenvolve uma ideia própria do


transcendental, diferente do conceito usado pelos escolásticos. Trata-
-se de um “novo nascimento” da metafísica. Desse modo, na filosofia
kantiana, o transcendental é o ponto de vista que considera as condições
de possibilidade de todo conhecimento. “Chamo transcendental”, escreve
Kant, “todo conhecimento que, em geral, se ocupa menos dos objetos
do que de nossos conceitos a priori dos objetos. Um sistema de concei-
tos desse tipo seria denominado filosofia transcendental... Não devemos
denominar transcendental todo conhecimento a priori, mas apenas aque-
le pelo qual sabemos que, e como certas representações (intuições e
conceitos), são aplicadas ou possíveis simplesmente a priori (“trans-
cendental” quer dizer possibilidade ou uso a priori do conhecimento)”.

Assim, o método transcendental que Kant formula caracteriza-se


como análise das condições de possibilidade do conhecimento, ou
seja, como reflexão crítica sobre os fundamentos da ciência e da expe-
riência em geral.

“É por isso que se mandam as crianças à escola:


não tanto para que aprendam alguma coisa, mas
para que se habituem a estar calmas e sentadas e a
cumprir escrupulosamente o que se lhes ordena, de
modo que depois não pensem mesmo que têm de
pôr em prática as suas ideias.”
(Immanuel KANT, Kant's Sämmtliche Werke: In
Chronologischer Reihenfolge)

141
A História da Filosofia

Vista de
Kaliningrado,
antiga Königsberg,
onde Kant passou
toda a vida

Em Crítica da Razão Prática (1788), Kant responde à questão “o que


fazer?” analisando os fundamentos da lei moral e formulando o prin-
cípio do imperativo categórico: “age de tal forma que a norma de tua
ação possa ser tomada como lei universal”. Trata-se de um princípio
formal e universal, estabelecendo que só devemos basear nossa con-
duta em valores que todos possam adotar.

Em outro texto importante de Kant, Crítica da Faculdade do Juízo


(1790), o filósofo estabelece bases para o juízo estético, em um princí-
pio semelhante ao ético. A obra analisa, também, o juízo teleológico e
busca o reconhecimento de um fim ou propósito que daria sentido à
natureza. Desse modo, Kant conclui que “a beleza é a forma da finali-
dade em um objeto, percebida, entretanto, separadamente da repre-
sentação de um fim”.

Além de seus textos principais, Kant escreveu outras obras de gran-


de relevo. Sua filosofia, o kantismo, deixou forte influência no pen-
samento ocidental. Conforme Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, “o
kantismo designa essencialmente a filosofia crítica — o método analíti-
co transcendental — e a consequente rejeição da metafísica especula-
tiva, representando a última etapa do racionalismo iluminista, que logo
dará lugar, com o idealismo alemão pós-kantiano, à filosofia romântica
de Schelling, ao idealismo subjetivista de Fichte, e ao idealismo absolu-
to de Hegel, todos igualmente influenciados pelo pensamento de Kant,
ainda que rompendo explicitamente com o kantismo”.

142
Fichte
Marcado pela obra de Kant, Johann Fichte é um dos
principais representantes do idealismo alemão pós-
kantiano. Para ele, só a consciência é o fundamento
para explicar a experiência, e que toda consciência
que se dirige a qualquer outra coisa tem como sua
origem a consciência dirigida para si mesma.

Retrato de Johann Fichte


(c. 1906)

JOHANN GOTTLIEB FICHTE (1762 - 1814)


Nascimento: Rammenau (Saxônia)
Escolas: Idealismo Alemão; Romantismo Alemão; Pós-Kantismo.
Áreas de Estudo: Autoconsciência; Autoconhecimento; Filosofia
Moral; Filosofia Política.
Principais Obras: Discurso à Nação Alemã; Teoria da Ciência;
Reivindicação da Liberdade de Pensamento.
Importância: Foi um dos criadores do movimento
filosófico conhecido como idealismo alemão.

143
A História da Filosofia

N Nascido em Rammenau, Alemanha, o filósofo Fichte foi profes-


sor nas Universidades de Jena e Berlim, onde, em 1812, assumiu o
posto de reitor. Nascido em uma família pobre, ainda menino era
obrigado a trabalhar como guardador de gansos. Sua prodigiosa
memória, porém, impressionou o proprietário das terras onde os
pais do menino viviam de tal modo que ele patrocinou os estudos
do rapaz.

Fichte propunha que a filosofia deveria ser capaz de transformar a


realidade. “Não levo qualquer jeito para erudito profissional”, atestou
ele, “não me agrada pensar simplesmente, eu quero agir”. Ativo, par-
ticipa de modo apaixonado dos debates em torno da Revolução Fran-
cesa lançando libelos e panfletos sobre o tema. Com efeito, conforme
escreve um contemporâneo sobre Fichte, “por meio de sua filosofia,
quer conduzir o espírito da época”.

O ponto de partida da obra de Fichte são os problemas kantianos


da fundamentação da experiência e da relação entre a necessidade
causal do mundo natural e a liberdade no mundo moral. Ao longo
do desenvolvimento da sua obra, Fichte concebeu uma filosofia que
prenunciava o idealismo absoluto de Hegel, formulando uma noção
de “ego” como um ser ativo e autônomo em um sistema determina-
do pela Natureza. O “ego” resulta assim de um ato de autoafirma-
ção da consciência originária, constituindo o mundo objetivo — o
“não-ego” — a partir das aparências.

Assim, o que nos parece como mundo, o conjunto de coisas que


nos rodeia, em verdade, não existe. Ele é apenas uma imagem que
o homem projeta fora de si. Essa constituição de mundo não se dá
conscientemente, mas antes de todo estado consciente.

Desse modo, o idealismo de Fichte se dissocia da filosofia de


Kant, sobretudo por abandonar a distinção kantiana entre objeto

144
Fichte

e coisa-em-si, e abre caminho para o início do idealismo alemão.


Sua ética humanista e seu idealismo prático lançam as bases que
resultarão em algumas ideias do existencialismo como o fazer-se do
homem por si mesmo.

"Povos, sacrificai tudo, mas não a liberdade de


pensamento! Continuai a enviar os vossos filhos
para que sejam degolados em selvagens combates
contra homens que nunca os ofenderam, para
que sejam devorados por epidemias ou as tragam
consigo como despojo de guerra, ao regressarem
às vossas pacíficas moradas; continuai a tirar da
boca do vosso filho o vosso último naco de pão para
o dar ao cão do favorito – dai, dai tudo, conservai
apenas esse santuário da humanidade descido
do céu, esse penhor que vos promete uma sorte
distinta da de sofrer, suportar e ser esmagados –
afirmai apenas isso. As gerações futuras poderiam
reclamar-vos angustiadamente o que os vossos pais
vos entregaram para, por seu turno, o transmitirdes.
Se eles tivessem sido tão cobardes como vós,
não estaríeis ainda, porventura, sob a desonrosa
escravidão espiritual e corporal de um déspota
religioso? Os vossos filhos conseguirão com lutas
sangrentas o que vós podeis conservar só com
um pouco de firmeza. Mas não odieis os vossos
príncipes só por isso; deveríeis, sim, odiar-vos a vós
mesmos. Uma das primeiras fontes da vossa miséria
é que tendes deles e dos seus colaboradores um
conceito demasiado elevado."
(Johann G. Fichte, Reivindicação da
Liberdade de Pensamento)

145
Schelling
Considerado o principal filósofo do romantismo
na Alemanha, juntamente a seu contemporâneo
Fichte, Schelling é um dos principais representantes
do idealismo alemão pós-kantiano. Foi um dos
precursores do existencialismo.

Schelling, em gravura
produzida no início do
século XX (c. 1909)

FRIEDRICH WILHELM JOSEPH VON SCHELLING (1775 - 1854)


Nascimento:  Leonberg (Alemanha)
Escola: Filosofia Romântica
Áreas de Estudo: Ontologia; Ética; Teologia; Estética; Filosofia da História.
Principais Obras: Ideias para uma Filosofia da Natureza; O Sistema do
Idealismo Transcendental; Investigações Filosóficas
sobre a Essência da Liberdade Humana.
Importância: Filósofo do Romantismo, um dos representantes
do idealismo alemão.

147
A História da Filosofia

S Schelling nasceu em Leonberg, estudou teologia na Universidade


de Tübingen, onde teve como colega Hegel, e, depois, foi professor na
Universidade de Jena, tornando-se um filósofo consagrado.

Sua principal obra, O Sistema do Idealismo Transcendental (1800), toma


como ponto de partida os sistemas de Kant e de Fichte, sobretudo quanto
à relação entre a subjetividade do indivíduo e o mundo objetivo.

Influenciado por Fichte, Schelling entende que o eu humano é a


única realidade propriamente dita: é o eu absoluto, em cuja imagina-
ção todas as realidades existem. Contudo, nesse eu humano e finito,
o filósofo descobriu um elemento que já não é mais humano e finito.
Denomina-o “o eterno em nós”. O que o homem encontra no fundo
da sua introspecção é mais que ele mesmo, é o absoluto, aquilo que é
em si e por si, independentemente de qualquer outra coisa, possuindo
em si mesmo sua própria razão de ser, não comportando nenhum limi-
te e sendo considerado independentemente de toda relação com um
outro. O absoluto é o próprio divino. O que se revela não é apenas a
essência do próprio ser humano, mas também a de todas as demais re-
alidades. Desse modo, quem quiser compreender a realidade em tudo
deve colocar-se em seu princípio absoluto.

“Em todos nós existe uma capacidade oculta e maravilhosa de reco-


lhermo-nos das vicissitudes do tempo ao nosso eu mais íntimo, antes
de tudo, despojado do que nos vem do exterior e, aí, sob a forma da
imutabilidade, contemplar o eterno em nós”, escreve.

O único conhecimento possível é o que a consciência tem de si


mesma. Assim, Schelling elabora uma filosofia da identidade entre a
consciência e a natureza, identidade esta que se realiza plenamente
no absoluto, superando a oposição entre o sujeito e o objeto. A filoso-
fia deveria, portanto, refletir a natureza em sua identidade, chegando
mesmo a descobrir Deus através da natureza.

148
Schelling

“Não há nenhuma realidade nem em nós nem fora de nós que não
seja divina”. No entanto, essa divindade não é o Deus da doutrina cris-
tã, o criador que permanece estranho ao mundo. É a própria vida in-
finita que atua em tudo o que existe como o princípio mais profundo.

Para Schelling, é sobretudo através da arte que a consciência pode


vir a autoconhecer-se plenamente, e, portanto, toda filosofia deve
apontar para esse caminho. A arte é “uma manifestação necessária e
derivada diretamente do absoluto”, na qual se pode encontrar “a reve-
lação única e eterna da divindade”. Desse modo, a obra de arte é o ato
mais sublime da liberdade humana.

149
Hegel
O mais importante filósofo do idealismo alemão
pós-kantiano foi um dos autores que mais influenciou
o pensamento de sua época e o desenvolvimento da
filosofia a partir de então. Além de sua filosofia social
e política, um dos legados de Hegel foi sua concepção
da lógica (dialética), que viria a influenciar Marx na
concepção do Materialismo Dialético.

Retrato de Hegel em
linha artística (c. 1831)

GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL (1770 - 1831)


Nascimento: Stuttgart (Alemanha)
Escolas: Idealismo Alemão, Hegelianismo; Historicismo.
Áreas de Estudo: Epistemologia, Lógica, Filosofia da História, Filosofia
Política, Metafísica.
Principais Obras: Fenomenologia do Espírito; Ciência da Lógica; Lições
de História da Filosofia; Enciclopédia das Ciências
Filosóficas; Princípios da Filosofia do Direito.
Importância: Considerado o mais importante filósofo alemão do
século XIX.

151
A História da Filosofia

H Hegel nasceu em Stuttgart, na Alemanha, estudou filosofia na Uni-


versidade de Tübingen e foi professor nas Universidades de Jena, entre
1801 e 1806, Heidelberg, entre 1816 e 1818, e Berlim, de 1818 a 1831,
chegando a reitor desta última em 1829.

Hegel é uma das figuras proeminentes do Idealismo Alemão, um


movimento filosófico marcado por intensas discussões filosóficas que
se alastraram pela Prússia no final do século XVIII e início do sécu-
lo XIX. De modo geral, o termo “idealismo” engloba, na história da
filosofia, diferentes correntes de pensamento que têm em comum a
interpretação da realidade do mundo exterior ou material em termos
do mundo interior, subjetivo ou espiritual. No mundo de língua alemã,
essas discussões foram provocadas pela publicação da Crítica da Razão
Pura de Immanuel Kant. Hegel, ainda no seminário de Tübingen, escre-
veu, juntamente a dois colegas que vieram a se tornar filósofos emi-
nentes, Friedrich Schelling e Friedrich Hölderlin, o que o trio chamou de
“o mais antigo programa de sistema do idealismo alemão”. Posterior-
mente Hegel desenvolveu um sistema filosófico que denominou “Idea-
lismo Absoluto”, uma filosofia capaz de compreender discursivamente
o absoluto.

A filosofia de Hegel é o último grande sistema da tradição clássi-


ca. Seu pensamento, desenvolvido na tradição do idealismo alemão, é
uma ruptura com a filosofia transcendental kantiana. Partindo de uma
reflexão sobre os grandes eventos históricos como a Revolução Fran-
cesa e as guerras napoleônicas que marcaram a época em que viveu,
Hegel considerava que a análise da consciência, realizada na perspecti-
va transcendental, ignorava a origem e o processo de formação dessa
consciência. Em lugar disso, tomava a consciência como dada e anali-
sava-a de modo abstrato.

Desse modo, sua filosofia parte da necessidade de examinar, em


primeiro lugar, as etapas de formação da consciência, tanto em seu

152
Hegel

sentido subjetivo, no indivíduo, quanto em seu sentido histórico,


ou cultural, representado pelo desenvolvimento do espírito (Geist).
Hegel inaugura esse pensamento em sua obra Fenomenologia do
Espírito, publicada em 1807. Em seus livros subsequentes, o filósofo
continuou a desenvolver tal ideia, de modo a traçar o percurso da
consciência humana até chegar ao espírito absoluto, ou ainda, as
etapas do caminho que o espírito percorre através da consciência
humana até chegar a si mesmo.

A filosofia de Hegel é dialética, porém, não enquanto um método,


mas como uma concepção do real, encerrada na contradição e consti-
tuindo a essência das próprias coisas: “todas as coisas são contraditó-
rias em si”. Portanto, os grandes sistemas filosóficos do passado não
devem ser vistos como um conflito em si, mas como a revelação de
uma parcela da verdade sobre o real. Hegel pretendeu, com isso, que
seu sistema representasse o fim da filosofia, uma vez que sua análise
das etapas do desenvolvimento do espírito superava a oposição entre
os diferentes sistemas e a síntese das verdades que todos eles contêm.

Depois de sua morte, a busca por reunir o espírito e a natureza, o


universal e o particular, o ideal e o real – características do hegelianis-
mo – continuou a influenciar grande número de discípulos que logo se
dividiram em dois grupos: os hegelianos de direita (conservadores) e
os hegelianos de esquerda que, apoiando-se na teoria da religião e da
sociedade, converteram-se em defensores da transformação revolucio-
nária da sociedade. Entre os hegelianos de esquerda, Feuerbach e Marx
foram os que mais se destacaram. Lenin dizia: “Para se compreender
Marx, é preciso ter compreendido Hegel.”

153
Schopenhauer
Fortemente influenciado por Kant, Schopenhauer
criou uma filosofia pessoal, considerada pessimista e
ascética. Combateu o hegelianismo e sua oposição ao
meio acadêmico alemão fez com que seu pensamento
tivesse relativamente pouca repercussão, alcançando
notoriedade no final de sua vida.

Arthur Schopenhauer em
gravura da enciclopédia alemã
Meyers Lexikon (c. 1905)

ARTHUR SCHOPENHAUER (1788 - 1860)


Nascimento: Danzig (Reino da Prússia)
Escolas: Idealismo Alemão; Kantismo.
Áreas de Estudo: Ética; Ontologia; Lógica; Retórica.
Principais Obras: O Mundo como Vontade e Representação; Parerga e
Paralipomena - Pequenos Escritos Filosóficos.
Importância: Foi o filósofo que introduziu o pensamento indiano e
alguns dos conceitos budistas na metafísica alemã.

155
A História da Filosofia

A Arthur era tão pessimista que sua própria mãe, a então renomada
escritora Johanna Schopenhauer – a primeira autora de língua alemã a
publicar sem usar pseudônimo masculino –, reclamava desse aspecto
do filho. Polêmico e ciente de seu valor, criou uma grande rivalidade
com Hegel, cujo pensamento desprezava, considerando filosofia da
pior qualidade. Marcava suas palestras no mesmo dia e hora que as de
seu adversário, e decepcionava-se porque os espectadores preferiam,
quase sem exceção, as prelações do professor Hegel. Schopenhauer
atribuía suas aulas vazias, porém, à falta de discernimento dos alunos
pela escolha e não à sua rabugice.

Schopenhauer foi um dos primeiros pensadores ocidentais


influenciado pela filosofia oriental, especialmente o hinduísmo
e o budismo. A leitura dos Upanixades, instruções religiosas e
debates espirituais básicos por todos os hinduístas, e a doutrina
budista, que preconiza que o desejo (trishna) é a origem do sofri-
mento humano, foram importantes na formação do pensamento
de Schopenhauer.

Partindo essencialmente de Kant, mas também sob a influência


de Platão e até mesmo do budismo, Schopenhauer considera o
mundo de nossa experiência como simples representação, isto
é, a operação pela qual a mente tem presente em si mesma uma
imagem mental, uma ideia ou um conceito correspondendo a um
objeto externo. A função da representação é exatamente a de
tornar presente à consciência a realidade externa, tornando-a um
objeto da consciência e estabelecendo, desse modo, a relação
entre a consciência e o real.

Schopenhauer afirma que, ao procurar superar o nível da aparência


em direção à realidade verdadeira, isto é, ao absoluto, o sujeito des-
cobre sua própria vontade por meio da sua autointuição, chegando
depois à vontade única como ser verdadeiro.

156
Schopenhauer

Para Schopenhauer, a “vontade de viver” ou o “querer-viver” desig-


na uma força universal de todos os seres. É essa força que leva cada
indivíduo a lutar, consciente ou inconscientemente, para preservar sua
espécie: “A vontade é a substância íntima, o meio de toda coisa parti-
cular como do conjunto; ela se manifesta na força cega da natureza e
encontra-se na conduta razoável do homem.”

Sua obra mais importante é O Mundo como Vontade e Represen-


tação, publicado em 1818. Seus aforismos, publicados em 1851 com
o título Parerga e Paralipomena - Pequenos Escritos Filosóficos, foram
muito populares na época.

“O que é a modéstia senão uma humildade


hipócrita por meio da qual, num mundo infestado
de vil inveja, um homem procura implorar perdão
por suas virtudes e seus méritos àqueles que não
têm nenhum? Pois quem não se atribui nenhum
mérito porque não tem nenhum não é modesto,
mas meramente honesto.”
(Arthur Schopenhauer, O Mundo como
Vontade e Representação)

157
Kierkegaard
O pensador romântico, Soren
Kierkegaard, cuja obra é permeada
de angústia e calcada em suas
experiências pessoais, é precursor
do existencialismo contemporâneo,
especialmente em Heidegger.

Desenho de Kierkegaard
por Niels Christian
Kierkegaard (c. 1840)

SOREN KIERKEGAARD (1813 - 1855)


Nascimento: Copenhague (Dinamarca)
Escolas: Existencialismo; Existencialismo Cristão.
Áreas de Estudo: Estética; Ética; Teologia; Psicologia; Literatura.
Principais Obras: Obras: Ou - Ou - Um Fragmento da Vida; O
Desespero Humano; Temor e Tremor; O Conceito de
Angústia; Migalhas Filosóficas.
Importância: Filosoficamente, fez a ponte entre a filosofia 
hegeliana e aquilo que se tornaria no
existencialismo, escola da qual é fundador.

159
A História da Filosofia

K Kierkegaard nasceu em Copenhague, Dinamarca, onde estudou filo-


sofia e teologia. Profundamente marcado por angústias pessoais e fa-
miliares às quais se somou a crise provocada pelo rompimento de seu
noivado, Kierkegaard desenvolveu um pensamento calcado em suas
experiências pessoais e em seus sentimentos trágicos. Atacou o cris-
tianismo e especialmente o luteranismo de seu país natal, propondo a
vivência da religiosidade em oposição à religião estabelecida. Também
combateu o hegelianismo e a metafísica especulativa, por seu caráter
abstrato e sua busca do universal, defendendo a necessidade de uma
“filosofia existencial”.

Seu estilo irônico, polêmico e também poético, sem nenhuma pre-


ocupação teórica ou sistemática, é muito distante da forma tradicional
do tratado filosófico de sua época. Grande parte da sua obra trata de
como a pessoa humana deve viver. Kierkegaard enfatiza a prioridade da
realidade humana concreta em relação ao pensamento abstrato, dando
ênfase à importância da escolha e ao compromisso pessoal. A obra de
Kierkegaard também explora as emoções e os sentimentos dos indiví-
duos quando confrontados com as escolhas que a vida oferece. Final-
mente, o filósofo critica a ética cristã e suas instituições, as igrejas.

Quase todas as suas obras foram publicadas sob pseudônimo, re-


curso usado como parte de seu método filosófico para desenvolver seu
pensamento, que foi inspirado por Sócrates e pelos diálogos socráti-
cos. A obra inicial de Kierkegaard foi escrita sob vários pseudônimos
que apresentam, cada um deles, os seus pontos de vista distintivos e
que interagem uns com os outros em diálogos complexos.

Como um resumo do pensamento de Kierkegaard, pode-se consi-


derar que o homem é um ser que se caracteriza pelo desespero que se
origina das contradições de sua existência e de sua distância de Deus:
“o homem é uma síntese de infinito e de finito, de temporal e de eter-
no, de liberdade e de necessidade”, escreve em O Desespero Humano.

160
Kierkegaard

Kierkegaard afirma que o ser humano possui três níveis de consciên-


cia: o estético, no qual o indivíduo busca a felicidade no prazer, mas
cuja fugacidade leva ao desespero inevitável; o ético, em que procu-
ra alcançar a felicidade pelo cumprimento do dever, sendo, contudo,
condenado ao eterno arrependimento por suas faltas; e finalmente, o
religioso, em que o homem busca Deus, concluindo que a verdadeira
fé é a angústia da distância de Deus.

Com efeito, a angústia é um elemento de relevo na obra de


Kierkegaard. Sua filosofia influenciou sobremaneira o existencialis-
mo contemporâneo, bem como a renovação da teologia, principal-
mente a protestante.

161
Marx
Um dos mais influentes pensadores do século XIX,
postulador do marxismo, a obra de Karl Marx teve
um grande impacto em sua época e na formação
do pensamento social e político contemporâneos.
Sua concepção teórica relativa à sociedade
humana e sua economia é monumental.

Karl Marx (autor


desconhecido, s.d.)

KARL MARX (1818 - 1883)


Nascimento: Tréveris, Renânia-Palatinado (Alemanha)
Escola: Marxismo
Áreas de Estudo: Filosofia; Sociologia; Economia; História; Política;
Teoria Social.
Principais Obras: Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (publicada
postumamente); A Sagrada Família (em colaboração
com Engels); A Ideologia Alemã (em colaboração
com Engels); A Miséria da Filosofia; O Manifesto
Comunista; As Lutas de Classes na França; O 18
Brumário de Luís Bonaparte; Contribuição à Crítica
da Economia Política; O Capital, 3 vols.
Importância: Fundador do marxismo, incentivando o proletariado a
buscar seus direitos e promover o socialismo científico.

163
A História da Filosofia

K Karl Marx nasceu em Tréveris, Alemanha, em uma família judia


convertida ao protestantismo. Estudou Direito nas Universidades
de Bonn e de Berlim, doutorando-se pela Universidade de Jena, em
1841, com uma tese sobre a filosofia da natureza de Demócrito e
de Epicuro. Nesse período, ligou-se aos hegelianos de esquerda e
passou a escrever em jornais socialistas. Depois de um intenso pe-
ríodo de militância política, marcado pela fundação da “liga” dos
comunistas, em 1847, e pela publicação, em parceria com Engels, do
O Manifesto do Partido Comunista em 1848, exilou-se na Inglaterra,
em 1849, onde viveu até a sua morte, desenvolvendo suas pesqui-
sas e redigindo grande parte de seus livros na biblioteca do Museu
Britânico, em Londres. Como forma de subsistência, Marx escrevia
grande número de artigos para jornais, analisando os eventos histó-
ricos e políticos de sua época.

Sua obra não se restringe apenas ao campo da Filosofia, também se


estende à História, à Ciência Política e à Economia. O pensamento de
Marx desenvolve-se a partir do contato com a obra dos economistas

Ideias e Conceitos Desenvolvidos por Marx


• Transição gradual para o comunismo;
• Ditadura do proletariado;
• Materialismo histórico;
• Materialismo dialético;
• Socialismo científico;
• Modo de produção;
• Mais-valia;
• Luta de classes;
• Teoria marxista da ideologia;
• Teoria marxista da alienação;
• Fetichismo da mercadoria.

164
Marx

ingleses, como Adam Smith e David Ricardo, com a ruptura com o pen-
samento hegeliano e com a tradição idealista da filosofia alemã.

Em seus textos, Marx desenvolve o materialismo histórico, segun-


do o qual as relações sociais são determinadas pela satisfação das ne-
cessidades da vida humana, o que é condição fundamental de toda a
história. Desse modo, a economia política, que estuda a natureza das
relações de produção, deve ser a base de todo estudo sobre o homem,
das sociedades e suas expressões culturais. Apesar de ter escrito e pu-
blicado grande número de obras teóricas nos mais diversos campos
da Filosofia e das Ciências Sociais, Marx nunca abandonou a militância
política, nem a convicção de que a tarefa da filosofia é a transformação
da realidade. Seu pensamento, o marxismo, influenciou sobremaneira
tanto a Filosofia, como a Economia, a Ciência Política e a História.

O marxismo, por vezes, também conhecido como materialismo his-


tórico, materialismo dialético e socialismo científico, foi desenvolvido
a partir de uma crítica da filosofia hegeliana e da tradição racionalista.
Marx criticou essa tradição por manter suas análises no plano das ideias,
do espírito e da consciência humana. Para ele, essa abordagem não
era crítica o bastante para atingir a verdadeira origem dessas ideias. O
princípio que determina a realidade humana está, afirma Marx, na base
material da sociedade, na sua estrutura econômica e nas relações de
produção. Marx, então, analisa o capitalismo, o modo de produção da
sociedade contemporânea, para revelar sua natureza de dominação e
exploração do proletariado e reverter tal estado de coisas.

Sua grande obra de economia política, o monumental O Capital, ana-


lisa o sistema capitalista do século XIX, determinando a relação entre va-
lor e tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de um
bem e determina que o lucro obtido pelo dono dos meios de produção
é dado pela mais-valia, isto é, pelo tempo de trabalho do operário que
ele, capitalista, deixa de pagar no salário desse trabalhador.

Marx, porém, não se limita apenas à análise teórica. Convicto de


que “os filósofos sempre se preocuparam em interpretar a realidade, é

165
A História da Filosofia

preciso agora transformá-la”, o marxismo propõe os princípios de uma


prática política voltada para a revolução que destruiria a sociedade ca-
pitalista para construir o socialismo, a sociedade sem classes, chegando
ao fim do Estado.

O marxismo se desenvolveu em várias correntes, tanto políticas


como teóricas, que muitas vezes, amalgamam-se, mantendo discreta
diferença entre elas. Uma das mais conhecidas dessas correntes de-
rivadas do marxismo é o marxismo-leninismo, ou leninismo, também
chamado de marxismo ortodoxo, ou materialismo dialético. O marxis-
mo-leninismo se tornou a doutrina oficial na União Soviética, após a
revolução de 1917. O leninismo gerou, na resposta de Leon Trotsky, o
trotskismo, outra evolução do marxismo. Na China, a doutrina de Marx
inspirou o maoísmo, desenvolvido por Mao Tsé-tung, que chegou ao
poder na China após a revolução de 1947.

As muitas correntes teóricas influenciadas pelo marxismo, em sua


busca por ser a mais fiel ao pensamento autêntico de Marx, acabaram
por colocar-se em conflito. Enquanto algumas enfatizam seu aspecto
econômico e político, outras concentram-se na análise histórica, outras
no caráter filosófico, ao passo que algumas delas destacam a influência
de Hegel e outras, ainda, a doutrina revolucionária.

Hoje, há uma polêmica com relação à interpretação do pensamento


de Marx. Os estudiosos questionam a validade da análise marxista, vol-
tada para a realidade do surgimento do capitalismo no século XIX, em
sua aplicação à sociedade contemporânea com o capitalismo avança-
do, que possui características não previstas pelo próprio Marx. Essa dis-
cussão produziu novas correntes que se denominam “neomarxistas”,
uma vez que são, de fato, tentativas de desenvolvimento e adaptação
do pensamento de Marx a essa nova realidade.

166
Nietzsche
Um dos pensadores mais originais do século XIX
e um dos maiores influenciadores do pensamento
contemporâneo, Nietzsche propôs uma a filosofia
cuja ideia central é a “afirmação da vida”,
determinando o questionamento de qualquer
doutrina que drene a expansão de energias.

Nietzsche, em 1887 (autor


desconhecido)

FRIEDRICH NIETZSCHE (1844 - 1900)


Nascimento: Röcken, Província da Saxônia (Reino da Prússia)
Escolas: Filosofia Contemporânea; Romantismo.
Áreas de Estudo: Epistemologia; Ética; Ontologia; Filosofia da
História; Psicologia.
Principais Obras: O Nascimento da Tragédia; A Filosofia na Era Trágica
dos Gregos; A Gaia Ciência; Assim Falou Zaratustra;
Além do Bem e do Mal; Genealogia da Moral; O Caso
Wagner; O Crepúsculo dos Ídolos; A Vontade de Poder.
Importância: Nietzsche se propôs a desmascarar as fundações da
cultura ocidental através de uma ética além do bem
e do mal; trata-se do pensador cuja crítica à tradição
filosófica, clássica e moderna foi a mais significativa.

167
A História da Filosofia

N Nietzsche estudou nas Universidades de Bonn e Leipzig, tornan-


do-se, em 1868, professor de filologia grega na Universidade de Ba-
sileia (Suíça). Em 1879, depois de ter um colapso nervoso, retirou-se
da vida acadêmica e fez uma série de viagens pela Suíça, Itália e
França. Em 1889, sofreu uma crise de loucura da qual não se recu-
perou até a morte.

A filosofia de Nietzsche é assistemática, isto é, não segue um


sistema, e é fragmentária, uma vez que seu pensamento se desen-
volveu em um sentido mais poético e crítico do que teórico e dou-
trinário. Sua tônica reside na crítica radical aos valores tradicionais
e decadentes da cultura ocidental, ao conservadorismo, à estreiteza
da visão de mundo burguesa e ao cristianismo, que estabelecem
uma forma de vida que considera contrária à criatividade e à espon-
taneidade da natureza humana.

Nietzsche iniciou sua obra através de uma reflexão sobre a cultura


grega e sua influência no desenvolvimento do pensamento ocidental,
aperfeiçoada em O Nascimento da Tragédia. Nesse estudo, identificou
dois elementos fundamentais: o espírito apolíneo (de Apolo), represen-
tando a ordem, a harmonia e a razão; e o espírito dionisíaco (de Dio-
niso, deus do êxtase), representando o sentimento, a ação, a emoção.
Em sua análise, Nietzsche conclui que, em nossa tradição cultural, o
espírito apolíneo triunfou e sufocou tudo o que é “afirmativo da vida”.

Nietzsche propõe que a missão da filosofia deve ser a de libertar o


homem dessa tendência que considera perniciosa, uma vez que am-
puta a espontaneidade e criatividade do indivíduo. Anunciando uma
nova era, uma nova forma de pensar e agir através da “transmutação
de todos os valores”, Nietzsche enfatiza a importância da inspiração
dos mitos primitivos, do heroísmo, da vontade humana e das manifes-
tações artísticas.

168
Nietzsche

Contudo, não foram poucos os que interpretaram erroneamente


seus pensamentos. De modo irônico, o filósofo comentou, por exem-
plo, que os antissemitas se identificavam com seu livro Assim Falou
Zaratustra, embora o texto não fosse antissemita. Sua exaltação inicial
da música de Wagner, com quem se envolveu posteriormente em po-
lêmica, e dos mitos do paganismo teutônico também levou a ideologia
nazista a tentar se apropriar de seu pensamento.

A influência de Nietzsche no pensamento contemporâneo, na filo-


sofia, na literatura e na discussão da decadência e da crise da cultura
ocidental em nossa época foi profunda. O filósofo empregou o termo
niilismo, originalmente a doutrina filosófica que nega a existência do
absoluto, para designar o que considerou como o resultado da deca-
dência europeia. O niilismo de Nietzsche caracteriza-se pela descrença
em um futuro ou destino glorioso da civilização. Ao negar o absoluto,
a essência do niilismo, Nietzsche anunciou a “morte de Deus”, fun-
damento metafísico de todos os valores éticos, estéticos e sociais da
tradição.

Apesar do pessimismo, Nietzsche propunha uma nova construção.


Esse “nada”, “niil”, em latim, deve ser preenchido por novos valores
que sejam “afirmativos da vida”, da vontade humana, que devem su-
perar os princípios metafísicos tradicionais e a “moral do rebanho” do
cristianismo. São valores que devem levar a humanidade para “além do
bem e do mal”. Desse modo, o indivíduo pode ir além de si mesmo,
tornando-se um “homem superior” (Über Maisch).

169
Bergson
Considerado o mais importante filósofo francês
do início do século XX, promoveu a recuperação
da metafísica. Contudo, apesar do alcance de sua
filosofia, o aspecto espiritual que caracteriza sua obra
– que inclui sua interpretação espiritual da evolução –
foi contestado pelos desenvolvimentos modernos.

Bergson, em 1927 (autor


desconhecido)

HENRI BERGSON (1859 - 1941)


Nascimento: Paris (França)
Escola: Espiritualismo Francês
Áreas de Estudo: Metafísica; Ética.
Principais Obras: Matéria e Memória; Riso – Ensaio sobre o Significado
do Cômico; A Evolução Criadora; A Energia Espiritual;
Duração e Simultaneidade; As Duas Fontes da Moral
e da Religião; O Pensamento e o Movente.
Importância: Sua obra é de grande atualidade e influenciou
diferentes disciplinas; Bergson também trouxe um
novo olhar à metafísica.

171
A História da Filosofia

H Henri Bergson era filho de mãe inglesa e pai polonês, ambos judeus.


Após licenciar-se em Letras, em 1881, tornou-se  professor. Em 1889,
doutorou-se pela Universidade de Paris e, 1892, casou-se com Louise
Neuberger, prima do escritor francês Marcel Proust. Em 1907 publicou
sua obra principal: A Evolução Criadora. Como diplomata, participa das
discussões sobre a Primeira Guerra Mundial e exerce influência sobre a
decisão dos Estados Unidos em intervir no conflito.

Eleito membro da Academia Francesa em 1914 e ganhador do Prê-


mio Nobel da Literatura em 1927, Henri Bergson desenvolveu um pen-
samento fortemente espiritualista, uma tentativa de recuperar a me-
tafísica contra os ataques tanto do kantismo quanto do positivismo,
predominantes em sua época, o final do século XIX.

Sua filosofia é, com efeito, uma afirmação da  liberdade  huma-


na frente às vertentes científicas e filosóficas que querem reduzir
a dimensão espiritual do homem a  leis  previsíveis e manipuláveis,
semelhantes às leis físicas e biológicas. O pensamento de Bergson
se fundamenta na afirmação da possibilidade do real ser compreen-
dido pelo homem por meio da intuição da duração. De acordo com
Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, “a duração é uma realidade
concreta, a trama mesma do devir da consciência, que só pode exis-
tir como tal caso se lembre de seu passado, mas inventando a cada
instante para adaptar-se ao presente.”

Bergson desenvolveu uma perspectiva dualista, opondo o espírito


à matéria, e formula um princípio vitalista, o elã vital. Bergson afirma
que o elã vital é um impulso original de criação de onde provém a vida.
Esse impulso original assume, ao longo do processo evolutivo propos-
to por Charles Darwin, formas de complexidade crescente até chegar,
no animal, ao instinto e, no homem, à intuição, que é o próprio instinto
tomando consciência de si mesmo e de seu devir criador.

172
Bergson

O filósofo rejeita o materialismo, o mecanicismo e o determinismo


e propõe a criatividade e não a seleção natural como princípio explica-
tivo da evolução. Por entender que a intuição é a forma de consciência
mais refinada, Bergson também a valoriza mais que o intelecto, o qual,
segundo propõe, é incapaz de apreender a realidade em seu sentido
mais profundo e de explicar nossa experiência.

Bergson aplica essa distinção para estudar o tempo e distingue


duas instâncias: o tempo (temps) e a duração (durée), e o “tempo
real”, que só podem ser apreendidos intuitivamente e não como
sucessão temporal.

Analisou também a religião e a moral, considerando-as como origi-


nárias, por um lado, da sociedade natural, o que resulta em uma moral
da obrigação e em uma religião estática, que é uma defesa contra a
natureza hostil e, por outro lado, da sociedade aberta em que a moral
é criadora de valores e a religião é dinâmica e criativa.

173
Unamuno
Destacando-se como poeta, romancista e crítico
literário, Miguel de Unamuno é um dos maiores
filósofos e homens de letras da Espanha do século XX,
responsável pelo desenvolvimento do pensamento
espanhol contemporâneo e pela introdução dos grandes
temas da filosofia de sua época na cena espanhola.

Miguel de Unamuno, em
1925 (autor anônimo)

MIGUEL DE UNAMUNO (1864-1936)


Nascimento: Bilbao (Espanha)
Escola: Existencialismo Cristão
Áreas de Estudo: Ética; Política.
Principais Obras: Paz na Guerra; Do Sentimento Trágico da Vida;
A Agonia do Cristianismo; Verdade e Vida.
Importância: Unamuno é o principal representante espanhol
do existencialismo cristão.

175
A História da Filosofia

N Nascido em Bilbao, estudou na Universidade de Madri e foi, de-


pois, professor de grego e de filologia na Universidade de Salaman-
ca entre 1891 e 1934, onde, em 1900, foi feito reitor, com apenas 36
anos de idade.

Na década de 1920, diante do conturbado cenário político espa-


nhol, o filósofo fez sucessivos ataques à monarquia de Afonso XIII,
o que o fez exilar-se entre 1926 a 1930. Durante a Guerra Civil Es-
panhola, apoiou, inicialmente, o general Francisco Franco, cujo gol-
pe de Estado encerrara a monarquia. Contudo, depois de Unamuno
criticar o general Millán-Astray, figura marcante da extrema direita
espanhola, passou a ser visto como persona non grata pelo novo
governo. Com efeito, em outubro de 1936, o bate-boca que teve
com  Miguel de Unamuno, na presença de várias personalidades
da Falange Espanhola – partido político de orientação fascista que
apoiava Francisco Franco e os nacionalistas – na  Universidade de
Salamanca, durante a celebração da Festa da Raça, em plena Guerra
Civil, ficou famoso. Contudo, resultou na perseguição do filósofo
pelo ditador. A partir de então, Franco afastou Unamuno da vida
pública e o condenou à prisão domiciliar, onde passaria os seus úl-
timos dias de vida, vindo a falecer pouco mais de dois meses depois
do incidente com Millán-Astray.

O pensamento de Unamuno é profundamente humanista e exis-


tencial, valorizando de modo central a experiência humana contra o
tratamento idealista do homem em abstrato. Por conta disso, sua obra
se opõe ao cientificismo e ao racionalismo.

Unamuno é o principal representante espanhol do  Existencialis-


mo Cristão, doutrina  associada à obra de  Soren Kierkegaard que faz
uma abordagem existencialista da teologia cristã. A principal obra de
Unamuno,  Do Sentimento Trágico da Vida, levou-o a ser condenado
pelo Santo Ofício.

176
Unamuno

"E não basta não mentir, como o oitavo


mandamento da lei de Deus nos ordena, mas é
preciso dizer a verdade, o que não é a mesma coisa.
Pois que o progresso da vida espiritual consiste
em passar dos preceitos negativos aos positivos. O
que não mata, nem fornica, nem furta, nem mente,
possui uma honradez puramente negativa e, por
aqui, não vai a caminho de santo. Não basta não
matar, é preciso acrescentar e melhorar as vidas
alheias; nem basta não fornicar, mas há que irradiar
pureza de sentimento; nem basta não furtar, pois
importa acrescentar e melhorar o bem-estar, a
riqueza pública e a dos outros; nem basta também
não mentir, mas dizer a verdade..."
(Miguel de Unamuno, Verdade e Vida)

177
Russell
O filósofo e matemático inglês Bertrand Russell
destacou-se não só por conta da sua obra em lógica,
filosofia da matemática e filosofia da linguagem, mas
também por seu ativismo político em favor de causas
liberais e por seus projetos educacionais; sua obra foi
reconhecida com o Prêmio Nobel de Literatura em 1950.

Bertrand Russell, em 1914


(autor desconhecido)

BERTRAND ARTHUR WILLIAM RUSSELL (1872 - 1970)


Nascimento: Trelleck (Reino Unido)
Escola: Atomismo Lógico
Áreas de Estudo: Matemática, Lógica; Ética; Política.
Principais Obras: Os Princípios da Matemática; Introdução à Filosofia
Matemática; A Análise da Mente; Análise da Matéria,
A Filosofia entre a Religião e a Ciência; História da
Filosofia Ocidental; O Casamento e a Moral, Educação e
Ordem Social, O Poder: Uma Nova Análise Social.
Importância: Foi um dos mais influentes matemáticos, filósofos 
e lógicos do século XX, além de um dos principais
articuladores do movimento de resistência pacifista.

179
A História da Filosofia

A A obra de Russell é vasta, cobrindo vários campos e passando por


diferentes fases ao longo de seu desenvolvimento. Nessa evolução,
Russell chega a abandonar teses que anteriormente defendia. As prin-
cipais contribuições ao pensamento filosófico desse professor na Uni-
versidade de Cambridge, membro de uma das mais importantes famí-
lias da aristocracia inglesa, são seus trabalhos em lógica, filosofia da
matemática e filosofia da linguagem.

Num primeiro momento, seu pensamento se forma a partir da rea-


ção tanto ao idealismo de Hegel quanto ao empirismo fundamentado
na filosofia de Stuart Mill, então predominantes na Inglaterra. Russell
propõe uma filosofia fortemente realista, sobretudo no domínio da
matemática, supondo a necessidade da existência autônoma de obje-
tos abstratos como números e relações matemáticas.

Em seguida, vem a fase do logicismo, quando procura elaborar uma


teoria em que a matemática é representada como um desenvolvimento
da lógica. Esse esforço resulta num livro monumental escrito a quatro
mãos com Alfred Whitehead, Principia Mathematica (Os Princípios da
Matemática) (1910-1913), uma das obras mais influentes do século XX
no campo da lógica e dos fundamentos da matemática.

É de grande importância, também, a contribuição de Russell à


filosofia da linguagem, tendo inclusive influenciado bastante a
primeira fase do pensamento de Wittgenstein, que estudara com
ele em Cambridge. Defendeu em sua filosofia do atomismo lógi-
co (1918-1919) uma visão segundo a qual é necessário proceder-se
a uma análise da linguagem que mostre a relação dessa estrutura
com o real, com a estrutura dos fatos no mundo, que todas as sen-
tenças complexas poderiam ser reduzidas, por análise, a sentenças
atômicas que representariam, de forma mais imediata, o conteúdo
de nossa experiência.

180
Russel

Russell influenciou várias gerações de filósofos e lógicos, principal-


mente na Inglaterra e nos Estados Unidos, sendo considerado um dos
iniciadores da filosofia analítica. Sua teoria das descrições, que apre-
senta um método para o estabelecimento da estrutura lógica da lin-
guagem comum, bem como sua filosofia do atomismo lógico, fornece-
ram alguns dos principais modelos de análise da linguagem, adotados
e discutidos pela tradição analítica.

Ativista atuante, Russell defendeu causas liberais, desde o voto femini-


no e o sufrágio universal no início do século XX, até o combate às armas
nucleares e à Guerra Fria, bem como a defesa das minorias nos anos 1960.
Por defender o ateísmo, foi proibido de lecionar em uma universidade de
Nova York na década de 1940. Apesar de seu ativismo político, as diversas
obras que escreveu nesse campo são, em grande parte, desvinculadas de
uma reflexão teórica e filosófica mais profunda e elaborada.

"A filosofia, conforme entendo a palavra, é algo


intermediário entre a teologia e a ciência. Como a
teologia consiste de especulações sobre assuntos a
que o conhecimento exato não conseguiu até agora
chegar, mas, como ciência, apela mais à razão
humana do que à autoridade, seja esta a da tradição
ou a da revelação. Todo conhecimento definido - eu o
afirmaria - pertence à ciência; e todo dogma quanto
ao que ultrapassa o conhecimento definido pertence à
teologia. Mas entre a teologia e a ciência existe uma
Terra de Ninguém, exposta aos ataques de ambos os
campos: essa Terra de Ninguém é a filosofia. Quase
todas as questões do máximo interesse para os
espíritos especulativos são de tal índole que a ciência
não as pode responder, e as respostas confiantes dos
teólogos já não nos parecem tão convincentes como o
eram nos séculos passados."
(Bertrand Russell, História da Filosofia
Ocidental, vol. 1)

181
Jaspers
A obra de Karl Jaspers se inspira
em Kierkegaard para desenvolver
uma filosofia da existência,
segundo a qual o indivíduo
pode, por meio de sua liberdade,
tornar-se o agente de sua vida.

Karl Jaspers, em 1946


(autor desconhecido)

KARL THEODOR JASPERS (1883 - 1969)


Nascimento: Oldemburgo (Alemanha)
Escolas: Existencialismo; Neokantismo.
Áreas de Estudo: Psiquiatria; Teologia; Filosofia da História.
Principais Obras: Psicopatologia Geral; Introdução ao Pensamento
Filosófico; A Bomba Atômica e o Futuro do Homem.
Importância: Um dos primeiros pensadores contemporâneos
que se apresentaram em público com trabalhos de
orientação existencialista.

183
A História da Filosofia

J Jaspers foi um psiquiatra que chegou à filosofia através do estudo


desse ramo da medicina. De fato, o pensador buscou integrar a ciên-
cia ao pensamento filosófico. Desse modo, Jaspers preocupou-se em
estabelecer as relações entre existência e razão, o que o levou a inves-
tigar em profundidade o conceito de verdade. Para ele, a verdade não
é entendida como característica de nenhum enunciado particular: é,
antes, uma espécie de ambiente que envolve todo o conhecimento.

O  existencialismo, a filosofia da existência, constitui, segundo Jas-


pers, o âmbito no qual se dá todo o saber e todo o descobrimento
possível. Por isso, a filosofia da existência vem a constituir-se numa me-
tafísica. A existência, em qualquer de seus aspetos, é precisamente o
contrário de um “objeto”, pois pode ser definida como “o que é para
si encaminhada”. O problema central é como pensar a existência sem
torná-la objeto.

Em sua obra inaugural, Psicopatologia Geral (1913), Jaspers aborda


as perturbações da relação do homem com o mundo – as perturbações
da existência. A existência não seria o indivíduo biológico, tampouco
o pensamento generalizante ou a vida sem problemas, mas o homem
que joga seu destino no curso de sua história e que pode, por decisão,
perder-se ou ganhar-se a cada instante de sua vida. Assim, a existência
humana é entendida como intimamente vinculada à historicidade e à
noção de situação: o existir é um transcender na liberdade, que abre
o caminho em meio a um conjunto de situações históricas concretas.

Segundo esse filósofo, a primeira experiência do homem, que


Kierkegaard chamou de “angústia”, é a vertigem da liberdade mais
pessoal. Jaspers concluiu que, se somos sinceros com nós mesmos, não
podemos deixar de perceber, na profundeza de nossa existência, uma
razão de crer e de esperar e encontrar, então, o apelo misterioso da
transcendência.

184
Jaspers

“O homem só toma consciência de seu ser nas situações-limite”,


escreve em sua Autobiografia Filosófica, publicada em 1963. “E por isso,
desde minha juventude, procurei não dissimular o pior. Eis uma das
razões que me levou a escolher a medicina e a psiquiatria: a vontade
de conhecer o limite das possibilidades humanas, de apreender a signi-
ficação daquilo que comumente nos esforçamos por velar ou ignorar.”

“O problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira


à verdade total, que o mundo não quer.”
(Karl Jaspers, Introdução ao Pensamento Filosófico)

185
Heidegger
Heidegger é, ao lado de Russell, Wittgenstein, Sartre,
Adorno e Foucault, um dos pensadores fundamentais
do século XX. Suas principais contribuições à
filosofia foram a recolocação do problema do ser e a
refundação da Ontologia. Sua obra influenciou muitos
outros filósofos, entre os quais Jean-Paul Sartre.

Martin Heidegger, por


Willy Pragher (1960)

MARTIN HEIDEGGER (1889-1976)


Nascimento: Messkirch (Alemanha)
Escolas: Fenomenologia; Existencialismo.
Áreas de Estudo: Metafísica; Ontologia; Filosofia da Linguagem.
Principais Obras: Ser e Tempo; O que é Metafísica.
Importância: Crítico radical da tradição filosófica e da
metafísica ocidental.

187
A História da Filosofia

H Heidegger nasceu em Messkirch, uma pequena cidade do interior


da Alemanha, em 1889. Inicialmente, pensou em abraçar a carreira
eclesiástica e tornar-se teólogo, chegando mesmo a estudar Teologia
na Universidade de Freiburg. Depois, estudou Filosofia na mesma Uni-
versidade, com Edmund Husserl, o fundador da fenomenologia.

Em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, começou a lecionar na


Universidade de Freiburg, onde havia estudado. Em 1923, foi nomeado
professor-titular na Universidade de Marburgo e, cinco anos depois,
assumiu a cátedra de filosofia em Freiburg, chegando, em 1933, a reitor
da universidade por um breve período. Uma das alunas de Martin Hei-
degger foi a judia Hannah Arendt, que se tornou também uma impor-
tante filósofa do século XX, com quem teve um envolvimento amoroso.

Heidegger inscreveu-se no  partido  nazista  (NSDAP) em 1933, ano


da chegada ao poder de Adolf Hitler, sendo, em seguida, nomeado rei-
tor da Universidade de Friburgo, pronunciando o discurso A Autoafir-
mação da Universidade Alemã. No entanto, pouco depois, demitiu-se
do cargo de reitor, sendo pressionado por outros professores da uni-
versidade que tentavam boicotar o Partido Nazista para o qual Heide-
gger emprestou sua credibilidade.

O envolvimento de Heidegger com o nazismo, ainda que possa ser


considerado superficial, fez com que, após a ocupação da Alemanha
em 1945 pelos aliados, fosse afastado da universidade, sendo autori-
zado a retornar apenas em 1952, quando passou a lecionar de modo
intermitente.

A obra mais marcante de Heidegger é Ser e Tempo (1927), na qual


inicia seu caminho de reflexão sobre o sentido mais profundo da exis-
tência humana, bem como sobre as origens da metafísica e o significa-
do de sua influência na formação do pensamento ocidental. Heidegger
recupera, assim, a importância fundamental da questão do ser, que na

188
Heidegger

tradição do pensamento moderno dera lugar à problemática do co-


nhecimento e da ciência.

Heidegger propõe o aniquilamento da ontologia tradicional (o ramo


da metafísica que se ocupa da natureza, da realidade e da existência
dos seres)para recuperar o sentido original do ser. Para dar conta desse
sentido, ele propõe uma nova terminologia filosófica. Desse modo, a
existência só pode ser compreendida a partir da análise do Dasein do
ser humano. “Dasein” é uma palavra alemã que significa “existência”,
mas o termo heideggeriano encerra o significado de realidade humana,
ente humano, a quem somente o ser pode abrir-se à compreensão do
ser. Dasein é, então, o ser-aí ou o ser-no-mundo.

Heidegger aborda, em seguida, a questão clássica da tradição fi-


losófica — o problema da verdade — examinando-a em relação aos
conceitos de ser e conhecer para estabelecer sua gênese e seu sentido.

A partir da década de 1930, ocorre uma “virada” (Kehre) em seu


pensamento. Daí em diante, o filósofo busca nos fragmentos dos pré-
-socráticos, especialmente nos de Parmênides e de Heráclito, as fontes
da filosofia e uma forma mais direta e originária de apreensão do ser,
de sua presença de sua manifestação, anterior à constituição da noção
metafísica de verdade, que segundo ele, nasceu com Platão.

189
Wittgenstein
Um dos fundadores da filosofia analítica, a obra
de Wittgenstein, idiossincrática e original, teve
influência no desenvolvimento dessa corrente
filosófica. Considerado a figura mais carismática
da filosofia do século XX, viveu e escreveu com
um poder e uma intensidade atordoantes e que
confundiam seus contemporâneos.

Retrato de Wittgenstein
quando recebeu a bolsa
do Trinity College (1929)

LUDWIG JOSEPH JOHANN WITTGENSTEIN (1889 - 1951)


Nascimento: Viena (Áustria)
Escola: Filosofia Analítica
Áreas de Estudo: Lógica; Filosofia da Linguagem; Filosofia da
Matemática; Filosofia da Mente.
Principais Obras: Tractatus Logico-Philosophicus; Obras Póstumas:
Gramática Filosófica; Da Certeza; Observações sobre
a Filosofia da Psicologia.
Importância: Foi um dos principais autores da virada linguística 
na filosofia do século XX.

191
A História da Filosofia

O O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein viveu grande parte de sua


vida na Inglaterra, onde estudou e, depois, foi professor na Universida-
de de Cambridge entre 1929 e 1947, com algumas interrupções.

Seu pensamento é tradicionalmente dividido em duas fases. A pri-


meira corresponde ao Tractatus Logico-Philosophicus (1921), única obra
que publicou em vida, e que se insere na tradição da análise lógica da
linguagem iniciada por Frege e Russell e desenvolvida pelo “Círculo de
Viena”, o qual sofreu sua influência. Segundo a visão que desenvolve
nesse livro, a preocupação central da filosofia deve ser a análise da
linguagem, de seu alcance e de seus limites. A linguagem é vista como
tendo uma estrutura lógica que reflete a estrutura lógica do real, o que
chamou de “teoria pictórica do significado”. A missão do filósofo é
estabelecer as condições dessa relação, determinando, assim, a possi-
bilidade do significado.

Com esse livro, Wittgenstein acreditou ter esgotado os proble-


mas filosóficos que pretendia tratar. Estava tão convencido que se
retirou da filosofia. No entanto, várias questões em relação à lógica
e aos fundamentos da matemática fizeram com que retomasse suas
preocupações filosóficas em 1929, depois de tê-las abandonado por
quase três anos.

Embora continuando a considerar a tarefa da filosofia como análise


da linguagem através da qual podemos entender melhor nossa forma
de ver a realidade de nossa experiência, Wittgenstein altera radicalmen-
te sua concepção de linguagem. A noção central dessa segunda fase de
seu pensamento, comumente conhecida como “o segundo Wittgens-
tein”, é a de jogo de linguagem, ou seja, de uma multiplicidade de usos
que fazemos de palavras e expressões, sem que haja nenhuma essência
definidora da linguagem enquanto tal. A análise da linguagem passa a
ser vista agora como consideração desses usos, das formas de vida a
que pertencem, dos contextos de comunicação em que se inserem. O

192
Wittgenstein

processo de elucidação, que é a prática filosófica, deve ser realizado


levando-se em conta esses elementos.

Por seu caráter essencialmente assistemático e fragmentário, o


pensamento de Wittgenstein deu margem a muitas interpretações,
muitas vezes divergentes, e seu caráter mais sugestivo do que teó-
rico ou doutrinário fez com que sua influência desse origem a dife-
rentes desenvolvimentos.

“Os limites de minha linguagem significam


os limites de meu mundo.”
(Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus)

193
Marcuse
Marcuse, um dos maiores pensadores do século XX,
influenciou os movimentos de contracultura dos
anos 1960 ao criticar o mecanismo de alienação do
capitalismo, chamando atenção para o fato de que os
indivíduos estão entorpecidos pelos produtos de seu
trabalho e desistem da emancipação.

Marcuse, em 1955, na
época em que lecionou
nos EUA, em Newton,
Massachusetts

HERBERT MARCUSE (1898 - 1979)


Nascimento: Berlim (Alemanha)
Escola: Escola de Frankfurt
Áreas de Estudo: Ética; Política; Sociologia.
Principais Obras: Razão e Revolução; Eros e Civilização;
O Homem Unidimensional; Cultura e Sociedade;
O Fim da Utopia.
Importância: Trata-se de um dos principais filósofos da Escola
de Frankfurt.

195
A História da Filosofia

H Herbert Marcuse estudou na Universidade de Freiburg, onde foi


aluno dos filósofos Husserl e Heidegger. Em 1933, entrou para o
Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt e veio a se tornar um dos
mais destacados membros da escola de Frankfurt. Esse movimento
não era uma escola propriamente dita, mas o nome dado a um grupo
de filósofos e pesquisadores alemães que, no início dos anos 1930,
emigraram com o advento do nazismo, só retornando à Alemanha
depois da guerra. A pretensão básica do grupo foi a de elaborar
uma teoria crítica do conhecimento, de um lado, aprofundando as
origens hegelianas de Marx, e, de outro, introduzindo um questio-
namento no sistema de valores individualistas. A escola de Frankfurt
resolveu a questão do caráter contraditório de conquista racional
do mundo ao demonstrar que a racionalidade científica e técnica
termina por converter o homem num escravo de sua própria técni-
ca. Desse modo, os autores da escola de Frankfurt produziram uma
crítica da “massificação” da indústria cultural, dos totalitarismos, da
concepção positivista do mundo. Alguns dos principais pensadores
dessa escola, como Theodor Adorno e Max Horkheimer, além do
próprio Marcuse, estão entre os principais filósofos do século XX.

Seguindo a tendência do grupo do qual era membro, em 1934,


um ano depois de Adolf Hitler e dos nazistas terem chegado ao
poder na Alemanha, Herbert Marcuse transferiu-se para os Esta-
dos Unidos (1934), como a maioria dos membros da escola. Em
seu país de exílio, foi professor em diversas universidades ame-
ricanas, como Columbia, Harvard e Califórnia. Marcuse alcançou
grande notoriedade por causa de sua influência sobre os movi-
mentos estudantis de 1968 na França, Alemanha e Estados Uni-
dos, devido às suas teses revolucionárias e à sua interpretação
crítica da sociedade industrial contemporânea.

A influência de Marx na obra do filósofo é grande. Ela está


presente na crítica de Marcuse ao nacionalismo e aos efeitos que

196
Marcuse

o capitalismo tem na vida das pessoas. Também vem de Marx a


proposta de que, com o desenvolvimento da tecnologia e do ca-
pitalismo conjugado a uma ação revolucionária da sociedade, po-
deremos criar uma nova organização social, que possibilite uma
vida melhor para as pessoas, e onde elas não sejam alienadas. As-
sim, Marcuse procura esboçar caminhos que nos levem para além
da organização socioeconômica atual. Nesse esforço, o filósofo
criticou o marxismo oficial da União Soviética, considerando-o
muito distante do caráter revolucionário da filosofia de Marx.

A influência de Freud em Marcuse é igualmente considerá-


vel. Para ele, a repressão sexual relatada por Freud e a repressão
social são indissociáveis em nossa cultura. Assim, denunciou a
aparente tolerância existente no liberalismo de certas sociedades
industriais avançadas como uma pseudoliberdade, a qual leva ao
conformismo.

Inspirado pela obra do “pai da psicanálise”, Marcuse busca a


felicidade do indivíduo e entende que ela se realiza através da sa-
tisfação dos desejos individuais da pessoa. Na sociedade contem-
porânea, as pessoas são infelizes porque a sociedade bloqueia a
realização de seus desejos. Desse modo, devemos tentar reverter
essa situação.

Em seu livro Eros e Civilização, Marcuse propõe que as mu-


danças decorridas nos últimos tempos de nossa sociedade indus-
trial-tecnológica nos permitiram inverter o sentido do progresso.
Em vez de se basear em uma sociedade de produção e consumo
desenfreados, poderíamos usar a riqueza e o conhecimento da
sociedade de forma a satisfazer as pulsões vitais humanas e im-
pedir os efeitos nocivos de nossas vontades destrutivas. O ho-
mem poderia então trabalhar menos e se dedicar mais a uma
vida de satisfação de seus desejos e pulsões, vivendo de maneira
muito mais plena. Entretanto, a capacidade do sistema sócio-po-
lítico atual em desenvolver formas de controle social cada vez
mais eficazes frustra esse impulso. Entre essas formas de contro-

197
A História da Filosofia

le, temos uma produção de bens supérfluos cada vez maior, para
redirecionar as necessidades de prazer e satisfação da população.

A soma dessas influências cristalizou-se na principal contribui-


ção de Marcuse à teoria crítica da escola de Frankfurt, isto é, a re-
lação que desenvolveu entre o pensamento de Marx e o de Freud.

“O problema que enfrentamos é a necessidade de


nos libertarmos de uma sociedade que desenvolve
em grande medida as necessidades materiais e
mesmo culturais do homem – uma sociedade que
para usar um slogan, cumpre o que prometeu a
uma parte crescente da população. E isso implica
que enfrentamos a libertação de uma sociedade
na qual a libertação aparentemente não
conta com uma base de massas.”
(Herbert Marcuse, citado por Bauman em
Modernidade Líquida)

198
Sartre
Principal representante do existencialismo
francês, Jean-Paul Sartre foi um dos
pensadores mais influentes do final do
século XX, destacando-se não só como filósofo,
mas como romancista, autor de peças teatrais
de grande sucesso e militante político.

Sartre, por Moshe Milner


(1967)

JEAN-PAUL CHARLES AYMARD SARTRE (1905-1980)


Nascimento: Paris (França)
Escolas: Existencialismo Francês; Fenomenologia; Marxismo.
Áreas de Estudo: Ética; Ontologia; Epistemologia; Política; Metafísica;
Literatura.
Principais Obras: A Náusea; O Muro; O Existencialismo é um
Humanismo; Os Caminhos da Liberdade; O Ser e o
Nada; Crítica da Razão Dialética; O Idiota da Família.
Importância: Um dos maiores pensadores do século XX, figura de
proa do existencialismo.

199
A História da Filosofia

J Jean-Paul Sartre foi um dos poucos filósofos importantes de nossa


época a não pertencer ao mundo acadêmico. Nascido em Paris, foi pro-
fessor de liceu em várias cidades do interior da França. Quando o país
foi invadido pela Alemanha, militou na resistência francesa, tendo sido
preso pelos alemães. Depois da guerra, em 1945, fundou a influente
revista Les Temps Modernes, passando a dedicar-se à atividade literária.

Sartre foi inicialmente influenciado pela fenomenologia de Husserl,


à qual dedicou algumas obras. Então, desenvolveu sua filosofia da exis-
tência a partir de uma análise da condição humana, do homem como
“um ser em que a existência precede a essência”. Com efeito, sua filo-
sofia postulava que, no caso humano, a existência precede a essência,
pois o homem primeiro existe, depois se define. O mesmo não aconte-
ce a todas as outras coisas, as quais são o que são, sem se definir. Por
isso, não têm uma “essência” que suceda à existência.

O existencialismo de Sartre preconiza que, no homem, a existência


que precede a essência se identifica com sua liberdade. Desde o nosso
nascimento, somos lançados e abandonados no mundo, sem apoio e
sem referência a valores. Assim, somos nós que devemos criar nossos
valores através de nossa própria liberdade e sob nossa própria respon-
sabilidade. Quando Sartre diz que a existência precede a essência é
porque, para ele, a liberdade é a essência do homem: “A liberdade do
para-si aparece como seu ser”, escreve.

Com efeito, o cerne do existencialismo é a liberdade, pois cada


indivíduo é definido por aquilo que ele faz. Daí o interesse dos exis-
tencialistas pela política: somos responsáveis por nós mesmos e por
aquilo que nos cerca, notadamente, a sociedade: aquilo que nos
cerca é nossa obra.

Por conta disso, a filosofia existencialista centra-se sobre a existên-


cia e sobre o homem, privilegiando a oposição entre a existência e

200
Sartre

Simone de Beauvoir e
Sartre em Pequim, 1955

a essência. Quanto ao homem, ele é aquilo que cada um faz de sua


vida, nos limites das determinações físicas, psicológicas ou sociais que
pesam sobre ele. Mas não existe uma natureza humana da qual nossa
existência seria um simples desenvolvimento.

Para Sartre, a descoberta do absurdo da vida pelo homem que toma


consciência de sua condição de ser finito, marcado pela morte, deve
levar à busca de uma justificativa, de um sentido para a existência hu-
mana. A consciência é o elemento central dessa busca de sentido, e é
essa consciência que revela a existência do outro, sem o qual ela não
pode existir, já que a consciência só existe através daquilo de que é
consciência.

Seu livro O Ser e o Nada, de 1943, contém o núcleo da filosofia do


Existencialismo. Sartre defende a liberdade como uma das característi-
cas mais fundamentais da existência humana. Segundo ele, paradoxal-
mente, “o homem está condenado a ser livre”, e precisa assumir essa
liberdade vivendo autenticamente seu projeto de vida — seu engaja-
mento — recusando os papéis sociais que lhe são impostos pelas nor-
mas convencionais da sociedade. E assim que “nós somos aquilo que
fazemos do que fazem de nós”.

A partir da publicação de seu livro Crítica da Razão Dialética, de


1960, Sartre aproximou-se da filosofia marxista, que considera um pen-
samento revolucionário comprometido com a transformação da socie-

201
A História da Filosofia

dade. Criticou, porém, o materialismo e o determinismo marxistas, en-


fatizando o papel central do homem no pensamento filosófico.

Em sua fase final, com a monumental biografia do romancista fran-


cês Flaubert, O Idiota da Família, de 1972, o filósofo retomou os temas
mais centrais de seu existencialismo inicial, recorrendo à psicanálise
para interpretar, através da consideração de um caso concreto, o senti-
do da existência humana e de um projeto de vida.

“(...) é na angústia que o homem toma consciência


de sua liberdade, ou, se se prefere, a angústia é o
modo de ser da liberdade como consciência de ser;
é na angústia que a liberdade está em seu
ser colocando-se a si mesma em questão.”
(Jean-Paul Sartre, O Ser e o Nada)

202
Arendt
Depois da brutalidade do Holocausto nazista contra os
judeus, os poloneses, russos e outras minorias, a filósofa
alemã de origem judia Hannah Arendt estudou o mal
e a violência, produzindo importantes saberes sobre o
tema. Também conceituou sobre a natureza humana,
engendrando contribuição significativa à Ontologia.

Hannah Arendt antes de


emigrar da Alemanha,
aos 18 anos, em 1924
(autor desconhecido)

HANNAH ARENDT (1906 - 1975)


Nascimento: Linden-Limmer (Alemanha)
Escola: Filosofia do século XX
Áreas de Estudo: Teoria política; Ontologia; Filosofia da História.
Principais Obras: Origens do Totalitarismo; Sobre a Violência;
A Condição Humana.
Importância: Uma das filósofas mais influentes do século XX.

203
A História da Filosofia

J Filósofa alemã de origem judaica, Hannah Arendt estudou com Jaspers


e Heidegger, de quem foi amante. Em 1933, com a ascensão do nazismo
ao poder na Alemanha e a promulgação das Leis de Nuremberg, que ini-
ciavam a perseguição aos judeus, Arendt foi presa, embora brevemente. O
fato a fez decidir emigrar, o que fez, inicialmente para a França. O regime
nazista cassou sua nacionalidade em 1937, tornando-a apátrida até con-
seguir a nacionalidade norte-americana, em 1951. Com a invasão nazista,
a filósofa mudou-se, em 1941, para os Estados Unidos, onde foi profes-
sora na New School for Social Research de Nova York. Nos EUA, Hannah
Arendt também trabalhou como jornalista e publicou obras importantes
sobre filosofia política. Contudo, recusava ser classificada como “filósofa”
e também se distanciava do termo “filosofia política”; preferia que suas
publicações fossem classificadas dentro da “teoria política”.

Apesar de recusar o rótulo de “filósofa”, Arendt se destacou como


tal, em grande parte devido às suas discussões críticas de filósofos
como  Sócrates, Platão,  Aristóteles,  Immanuel Kant,  Martin Heideg-
ger e Karl Jaspers, além de representantes importantes da filosofia mo-
derna como Maquiavel e Montesquieu.

Arendt notabilizou-se sobretudo por suas reflexões sobre a si-


tuação do mundo atual e sobre as crises que marcam nossa época:

“Politicamente falando, o nacionalismo tribal


[patriotismo] sempre insiste que seu próprio povo é
cercado por ‘um mundo de inimigos’ – ‘um contra todos’-
e que existe uma diferença fundamental entre este povo
e todos os outros. Alega que seu povo nasceu para ser
original, individual, incompatível com todas as outras
culturas, e nega teoricamente a própria possibilidade de
uma humanidade comum ao longo do tempo, antes de
ser usado para destruir a humanidade do homem.”
(Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo)

204
Arendt

"Uma vez que a violência – distinta do poder, força ou


vigor – necessita sempre de instrumentos (conforme
afirmou Engels há muito tempo atrás), a revolução da
tecnologia, uma revolução nos processos de fabricação,
manifestou-se de forma especial no conflito armado. A
própria substância da violência é regida pela categoria
meio/objetivo cuja mais importante característica, se
aplicada às atividades humanas, foi sempre a de que os
fins correm o perigo de serem dominados pelos meios,
que justificam e que são necessários para alcançá-
los. Uma vez que os propósitos da atividade humana,
distintos que são dos produtos finais da fabricação, não
podem jamais ser previstos com segurança, os meios
empregados para se alcançar objetivos políticos são na
maioria das vezes de maior relevância para o mundo
futuro do que os objetivos pretendidos."
(Hannah Arendt, Sobre a Violência)

crise da religião, crise da tradição filosófica e crise da autoridade


política. Em sua análise do totalitarismo, ela interpreta esse sistema
político como resultante da crise de autoridade. Para resolver essas
crises, propõe a retomada de algumas características básicas dos
movimentos revolucionários modernos como a Revolução America-
na e a Francesa, em que o sistema de conselhos tornava as decisões
políticas mais democráticas e participativas.

Com efeito, em sua filosofia, Arendt defende um conceito de “plura-


lismo” no âmbito político. Graças ao pluralismo, o potencial de uma li-
berdade e igualdade política seria gerado entre as pessoas. Importante
é a perspectiva da inclusão do outro. Em acordos políticos, convênios
e leis devem trabalhar, em níveis práticos, pessoas adequadas e dis-
postas. Como frutos desses pensamentos, Arendt se situava de forma
crítica ante a democracia representativa e preferia um sistema de con-
selhos ou formas de democracia direta.

205
Beauvoir
Simone de Beauvoir, parceira intelectual de
Sartre, pioneira do movimento feminista com
seu livro "O Segundo Sexo", foi a principal
divulgadora da filosofia existencialista.

Simone Beauvoir, em
novembro de 1968
(autor desconhecido)

SIMONE-ERNESTINE-LUCIE-MARIE BERTRAND DE BEAUVOIR (1908 - 1986)


Nascimento: Paris (França)
Escola: Existencialismo
Áreas de Estudo: Ética; Política; Ontologia.
Principais Obras: O Segundo Sexo; A Convidada; O Sangue dos
Outros; Os Mandarins; Pyrhrus Et Cinéas; Para
uma Moral da Ambiguidade.
Importância: Teve uma influência significativa tanto no
existencialismo feminista quanto na teoria feminista.

207
A História da Filosofia

A A escritora francesa Simone de Beauvoir não é, a rigor, uma filósofa,


uma vez que não possui um pensamento próprio. Autora de ensaios
como O Segundo Sexo – seu texto mais conhecido – de romances, de
peças de teatro e de memórias, seu papel na escola existencialista não
foi o de criar, mas o de vulgarizar essa filosofia e defender as grandes
teses do movimento, principalmente as de Jean-Paul Sartre, com quem
manteve um relacionamento aberto durante 51 anos. O brilhantismo
com que desempenha esse papel a torna uma figura de relevo na his-
tória do pensamento ocidental contemporâneo. De acordo com o filó-
sofo Hilton Ferreira Japiassú, “se quisermos conhecer a moral sartriana,
não é a Sartre que devemos recorrer, mas a Simone”. Contudo, apesar
da inegável influência de Sartre, outros autores, como Hegel e Leibniz,
tiveram incidência sobre a obra de Beauvoir.

Simone de Beauvoir corresponde também à tendência dos autores


existencialistas, como Sartre e Albert Camus, a valer-se da literatura
para divulgar o pensamento do movimento. Isso se deve ao fato de
o pensamento filosófico, caracteristicamente abstrato e generalizante,
não apreender a existência individual, na qual a angústia tem um papel
preponderante. Por isso, o existencialismo abre-se para a literatura e
para o teatro, expondo a filosofia em romances e peças teatrais.

Em seus romances, A Convidada (1943), O Sangue dos Outros (1944)


e  Os Mandarins  (1954), Beauvoir explorou os temas existencialistas
da liberdade, da ação e da responsabilidade individual. A moral exis-
tencialista encontra-se sintetizada em dois ensaios de Beauvoir: Pirro e
Cineas, de 1944, texto no qual a autora estabelece os princípios gerais
da ação humana, e em Para uma Moral da Ambiguidade, de 1947, que
apresenta as regras da ação moral existencialista.

Sartre e Beauvoir mantiveram um relacionamento aberto que, a par-


tir de seu encontro inicial, durou toda a vida do casal. O primeiro ro-
mance de Simone, A Convidada, publicado em 1943, trata desse aspec-

208
Beauvoir

to de sua vida e é uma crônica ficcional sobre o relacionamento sexual


que ela e Sartre mantiveram com as irmãs Olga e Wanda Kosakiewicz.
Olga era uma das alunas de Beauvoir, e a escritora se apaixonou por
ela. Sartre tentou seduzir Olga, mas não foi correspondido. Então, ele
começou um relacionamento com a irmã dela, Wanda. Até sua morte,
Sartre sustentava Wanda. Ele também sustentou Olga durante anos,
até que ela conheceu e casou-se com Jacques-Laurent Bost, amante
de Beauvoir.

“Os termos masculino e feminino são usados


simetricamente apenas como uma questão de
formalidade. Na realidade, a relação dos dois sexos
não é bem como a de dois polos elétricos, pois
o homem representa tanto o positivo e o neutro, como
é indicado pelo uso comum de homem para designar
seres humanos em geral; enquanto a mulher aparece
somente como o negativo, definido por critérios de
limitação, sem reciprocidade.”
(Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo)

209
Barthes
O pensamento de Roland Barthes,
inspirado na linguística do filósofo e
linguista suíço Ferdinand de Saussure, na
antropologia estrutural e na psicanálise
de Jacques-Marie Lacan, estuda as
relações da literatura com o poder.

Roland Barthes em
linha artística (s.d.)

ROLAND BARTHES (1915 - 1980)


Nascimento: Cherbourg-Octeville (França)
Escolas: Estruturalismo; Pós-Estruturalismo.
Áreas de Estudo: Semiologia; Teoria da Literatura.
Principais Obras: O Grau Zero da Escrita; Mitologias; Sobre Racine;
Elementos de Semiologia; Crítica e Verdade.
Importância: Estudo das relações da literatura com o poder.

211
A História da Filosofia

O O crítico e ensaísta francês Roland Barthes conheceu o estrutura-


lismo por meio de Saussure e Greimas e o ampliou para a literatura,
sempre buscando os significados “ocultos” nos deleites do texto.  O
estruturalismo considera fundamental como conceito teórico e meto-
dológico a noção de estrutura, isto é, o conjunto de elementos que
formam um sistema, um todo ordenado de acordo com certos prin-
cípios fundamentais e a forma ou modo de ordenação desse sistema,
considerado em abstrato. Essa concepção metodológica aplicada em
diversas ciências, como linguística, antropologia, psicologia e outras,
tem como procedimento a determinação e a análise de estruturas. O
estruturalismo foi uma das principais correntes de pensamento, sobre-
tudo nas ciências humanas, no século XX. O linguista suíço Ferdinand
de Saussurre (1857-1913) estabeleceu o método estruturalista de in-
vestigação científica, afirmando ver na linguagem “a predominância
do sistema sobre os elementos, visando extrair a estrutura do sistema
através da análise das relações entre os elementos”. A linguística, desse
modo, teria por objeto não a descrição empírica das línguas, mas a
análise do sistema abstrato que constitui as relações linguísticas.

Usando a metodologia estruturalista, Barthes partiu do questiona-


mento da especificidade do literário para buscar a possibilidade de
uma linguagem neutra, liberta das falsificações do social. Barthes de-
senvolveu pesquisas semiológicas, estudando, portanto, os fenômenos
culturais como se fossem sistemas de significação. Assim, o filósofo
aplicou sua metodologia a diferentes temas, que vão do discurso sobre
a indumentária aos mitos da sociedade contemporânea.

Barthes aplicou a análise semiótica em revistas e propagandas, des-


tacando seu conteúdo político. O filósofo dividiu o processo de signi-
ficação em dois momentos: denotativo e conotativo. Enquanto o pri-
meiro trata, basicamente, da percepção simples, superficial, o segundo
contém as “mitologias”, como Barthes chamava os sistemas de códigos
transmitidos em nossa sociedade e adotados como padrões. Segundo

212
Barthes

Barthes, esses conjuntos ideológicos são, na maior parte das vezes, ab-
sorvidos despercebidamente, o que possibilitava e tornava viável o uso
de veículos de comunicação para a persuasão.

Barthes acreditava que toda escrita se fundamenta em textos ante-


riores, reescrituras, normas e convenções, e que estes são os elementos
determinantes na compreensão de um texto.  O filósofo propõe ter-
mos para descrever diferentes formas de pensar sobre o criador do
texto.  “Autor”  é o tradicional conceito de conceber uma determina-
da pessoa, criadora de um trabalho de literatura ou qualquer trabalho
escrito apenas pelo poder de sua imaginação. Para Barthes esta for-
mulação não é mais viável. Os lampejos intuitivos possibilitados pelo
pensamento moderno, inclusive os do Surrealismo, tornaram o termo
obsoleto. No lugar do autor, o mundo moderno apresenta uma figura
que Barthes chama de “scriptor”, cujo poder único é combinar textos
pré-existentes em novas formas.

Barthes também aponta a relativa falta de importância da biografia


do autor de um determinado texto. Comparado com as convenções
textuais e culturais pré-existentes, Barthes afirma que o  escritor não
tem passado, pois nasce com o texto. Ele também afirma que, na au-
sência da ideia de um “autor-Deus”, para controlar o significado de
determinado trabalho, os horizontes interpretativos estão abertos para
o leitor ativo. Desse modo, Barthes declara “a morte do autor é o nas-
cimento do leitor.”

213
Foucault
Um dos mais influentes pensadores franceses
contemporâneos, Michel Foucault partiu do
estruturalismo, vindo, porém, a rejeitar essa
corrente, e desenvolveu um pensamento próprio,
marcante pela criatividade e originalidade, cujo
tema central são as relações de poder.

Michel Foucault, em desenho


de Arturo Espinosa (s.d.)

MICHEL FOUCAULT (1926-1984)


Nascimento: Paris (França)
Escolas: Pós-Estruturalismo; Pós-Modernismo.
Áreas de Estudo: Psicologia; Filosofia Política; Ética; Filosofia
da História.
Principais Obras: História da Loucura na Idade Clássica; O Nascimento
da Clínica; As Palavras e as Coisas; Arqueologia do
Saber; A Ordem do Discurso; Microfísica do Poder;
Vigiar e Punir; História da Sexualidade em três
volumes: A Vontade do Saber, O Uso dos Prazeres e
O Cuidado de Si.
Importância: Seu pensamento exerce, ainda hoje, grande
influência sobre acadêmicos e ativistas.

215
A História da Filosofia

F Foucault nasceu em Poitiers e, a partir de 1970, tornou-se professor


no Collège de France. No início de sua carreira, sofreu grande influência
da escola estruturalista, doutrina filosófica que considera a noção de
estrutura fundamental como conceito teórico e metodológico. O es-
truturalismo foi uma das principais correntes de pensamento nas ciên-
cias humanas no século XX. O método estruturalista, estabelecido pelo
linguista suíço Ferdinand de Saussurre (1857-1913), vê na linguagem
“a predominância do sistema sobre os elementos, visando extrair a es-
trutura do sistema através da análise das relações entre os elementos”
(E. Benveniste).

Foucault realizou uma importante análise do surgimento das ciên-


cias humanas e de seu papel em nossa cultura a partir da epistemolo-
gia, ramo da filosofia que trata da natureza, as etapas e os limites do
conhecimento humano. O foco da epistemologia é as relações que se
estabelecem entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Nesse senti-
do, Foucault contribuiu produzindo uma crítica à noção tradicional de
sujeito.

O filósofo francês também propôs um método de análise do dis-


curso, sobre o qual exerceu grande influência. Seu ponto de partida é
o conceito de episteme, uma rede de significados — uma “formação
discursiva” — que caracteriza uma determinada época nos diversos
domínios da sociedade e da cultura. Foucault empreendeu uma análi-
se arqueológica, um método próprio no campo da história das ideias,
registrando as bases dessa metodologia em sua obra A Arqueologia do
Saber (1969). Com a mesma abordagem, Foucault escreve, em 1966, As
Palavras e as Coisas - Uma Arqueologia das Ciências Humanas, onde
questiona a noção de sujeito e a ideia de ciências humanas que dela
se origina. Sua conclusão é a de que “o homem é uma invenção que a
arqueologia de nosso pensamento mostra claramente a data recente, e
talvez também o fim próximo”.

216
Foucault

Em 1975, em seu livro Vigiar e Punir introduziu o conceito de “gene-


alogia”, um desenvolvimento de seu método inspirado em Nietzsche. A
genealogia de Foucault é, em essência, uma análise histórica de como
o poder pode ser considerado explicativo da produção dos saberes. Os
discursos são vistos agora a partir das condições políticas que os tor-
nam possíveis. O poder, contudo, deve ser visto aí de uma forma difusa,
não se identificando necessariamente com o Estado, mas nas várias
instâncias da vida social e cultural, em uma perspectiva que Foucault
denominou “microfísica do poder”.

Sua última obra, a História da Sexualidade, em três volumes, é igual-


mente influente. Na verdade, é um marco que revela não uma repres-
são sexual ao longo da História, mas uma normatização das condutas
dos gêneros que acaba se sobrepondo ao indivíduo e estabelece rela-
ções de micropoder.

“O que faz com que o poder se mantenha e seja


aceito é simplesmente que ele não pesa só
como uma força que diz sempre não, mas que de
fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer,
forma saber, produz discurso.”
(Michel Foucault, Microfísica do Poder)

217
Derrida
Influenciado pelo estruturalismo de Strauss e de
Lacan, bem como pela fenomenologia de Husserl
e pela filosofia de Heidegger, Derrida desenvolveu
um pensamento muito original, caracterizado
pela criação de uma terminologia própria e pela
proposta do método da “desconstrução”.

Retrato de Jacques Derrida,


por Pablo Secca (s.d.)

JACQUES DERRIDA (1930 – 2004)


Nascimento: El-Biar (Argélia)
Escolas: Estruturalismo; Pós-Estruturalismo; Desconstrutivismo.
Áreas de Estudo: Filosofia da Linguagem; Epistemologia; Ontologia; Ética.
Principais Obras: A Voz e o Fenômeno; Gramatologia; A Escritura e
a Diferença; Margens da Filosofia; Ensaio Sobre a
Origem dos Conhecimentos Humanos; A Verdade
na Pintura.
Importância: Sua proposta de desconstrução tem exercido um
profundo impacto nas mais diversas áreas das
humanidades e ciências humanas.

219
A História da Filosofia

P Professor na Escola Normal Superior de Paris (Ecole Normale Su-


périeure de Paris), Derrida foi um dos pensadores franceses mais
conhecidos internacionalmente, especialmente nos Estados Unidos,
onde, a partir de 1956, lecionou nas universidades de Harvard, Yale
e John Hopkins.

Em sua obra, o filósofo critica o “logocentrismo”, o lugar central


que o discurso racional ocupa em nossa tradição intelectual. Derrida
identifica a metafísica com o discurso, com a consciência que fala a si
mesma e é o lugar da verdade e da unidade do ser. Daí a necessidade
da “desconstrução” para “dissolver” a linguagem para que esta dê lu-
gar ao que Derrida chama de “escritura”.

Em seu livro Gramatologia, ele apresenta o “saber da escri-


tura”, que, embora não se trate de uma ciência, procura fazer
aparecer o horizonte histórico em que a “escritura” tem lugar. A
repetição, a polissemia (propriedade que uma palavra tem de as-
sumir vários sentidos) a diferença e a disseminação são os instru-
mentos da “desconstrução” – método de análise centrado apenas
nos textos que veio a ter grande influência sobretudo na crítica
literária contemporânea.

Segundo o método da desconstrução, o objetivo não é des-


truir, mas, sim, decompor os elementos da escrita para descobrir
partes do texto que estão dissimuladas. Para dar um sentido exa-
to à sua filosofia, Derrida criou conceitos que se tornaram cen-
trais na sua obra. Entre os principais estão o de indecidibilidade,
que mostra a impossibilidade de determinar aquilo que é forma
no texto ou fundo ideológico; e o conceito de “différance”, um
neologismo que joga com o fato de que a palavra francesa “dif-
férer”  pode significar tanto “diferir” (“postergar”/”adiar”) quan-
to “diferenciar”. O “différance” de Derrida – por vezes traduzido
para o português como “diferância” ou, por outras, como “dife-

220
Derrida

rência” – parte da análise semântica dos dois sentidos da palavra:


o primeiro remete para o futuro (tempo), o segundo para a dis-
tinção de algo criado pelo confronto.

Outros conceitos importantes no pensamento de Jacques Der-


rida são o de incalculável, de incondicional, de impossibilidade, da
ausência do emissor e do receptor, da iteratividade (a capacidade
de ser repetido em diferentes contextos), do rastro (trace), do suple-
mento, do sup(r)erar.

Derrida aborda aquilo que considera temas “marginais”, isto é, que


estão à margem da tradição, “fora dos livros”, de uma forma delibera-
damente fragmentada, procurando situar-se “no limite do discurso”.

“O direito não é justiça. O direito é o elemento do


cálculo, é justo que haja um direito, mas a justiça é
incalculável, ela exige que se calcule o incalculável;
e as experiências aporéticas são experiências tão
improváveis quanto necessárias da justiça, isto é,
momentos em que a decisão entre o justo e o injusto
nunca é garantida por uma regra.”
(Jacques Derrida, "Força de Lei - O Fundamento
Místico da Autoridade")

221
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online.editora
onlineeditora
a historia da
Filosofia
Uma viagem pela história da filosofia ocidental
através das obras dos seus principais pensadores:

Tales Maquiavel Marx


Parmênides Montaigne Nietzsche
Heráclito Bacon Bergson
Demócrito Descartes Unamuno
Sócrates Hobbes Russell
Platão Pascal Jaspers
Aristóteles Espinosa Heidegger
Epicuro Leibniz Wittgenstein
Sêneca Voltaire Marcuse
Plotino Rousseau Sartre
Agostinho Hume Arendt
Boécio Kant Beauvoir
Anselmo Fichte Barthes
Tomás Schelling Foucault
Eckhart Hegel Derrida
Nicolau Schopenhauer
Erasmo Kierkegaard

ISBN 978-65-87817-32-3

IMPRESSO NO BRASIL

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