TEXTO RESENHADO: CARDOSO, Alenilton da Silva. As razões éticas da
solidariedade e sua influência na compreensão da justiça como valor restaurativa. Em: CARDOSO, Alenilton da Silva. O sentido ético da justiça funcional solidária. São Paulo: Ixtlan, 2016, p. 79-157. Luís Guilherme Nascimento de Araujo
O capítulo em análise elabora os fundamentos mais nucleares da
solidariedade e como estes, por sua vez, determinam as concepções da sociedade no que toca à justiça como princípio e valor distributivo e restaurativo. O primeiro desses fundamentos reside no fato de que a vida humana se caracteriza por ser precipuamente transindividual, pois se exprime na convivência com as demais pessoas e nas interações para com o meio estabelecido. Dessa maneira, tem-se, como diria Konder 1, uma espécie de “reflexividade” entre as categorias da individualidade e da socialidade, assente na ideia de que a ética social e a ética individual, em última instância, se confundem, formam uma unidade dialética, são domínios reflexivos da ação humana, que, por sua vez, nunca é somente individual, tampouco é somente social. Nessa perspectiva, é relevante o destaque de que a solidariedade como princípio envolve e necessita do estabelecimento de relações de complementariedade entre a ação individual e a manutenção do conjunto social. Ou seja, não se trata do exercício do altruísmo, mas, de forma mais complexa e profunda, da clareza de que a ação das pessoas engendra o contexto social geral. Dessa forma, conforme é sublinhado no decorrer do capítulo, o bem-estar desse conjunto social é diretamente afetado pelas ações das pessoas no seu meio mais imediato e próximo. A solidariedade, portanto, ultrapassa a simples iniciativa ou virtuosidade moral, carregando, ademais, uma dimensão de princípio social fundamental para a constituição e integração da sociedade mesma. Diante desse contexto, ganha relevância a interpretação do direito como um fenômeno cultural que, em consequência disso, não pode se distanciar do complexo de valores sobre os quais as relações sociais, das quais ele parte, expressam. Isto é, o direito não se resume a um instrumento de ordenação das liberdades individuais, mas, antes, de um fenômeno que revela a ideia de humanidade integrada como valor. Nesse sentido, a solidariedade ocupa posição central na afirmação do direito como ferramenta de justiça social, que possui o intento último de efetivar a harmonização entre os múltiplos bens individuais e o bem social. O constitucionalismo contemporâneo parece ser o “movimento” histórico e jurídico que de forma mais clara representa essa concepção integrada entre o direito como fenômeno cultural e a solidariedade como princípio norteador da sociedade. A solidariedade, nesse contexto constitucional hodierno, passa a envolver não somente o Estado e as suas instituições, mas a iniciativa privada e todos os demais membros da sociedade, angariando fundamentos que ultrapassam os limites éticos ou morais, para constituir-se normativamente.
1 KONDER, Leandro. O que é a dialética. São Paulo: Brasiliense, 1997.