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CIDADE DE GOIÁS
2020
BRUNA LOPES ESPINDOLA MOTA
CIDADE DE GOIÁS
2020
RODRIGUES, José Albertino (org.). Émile Durkheim: Sociologia. 9. ed. São Paulo: Editora
Ática, 2000. p. 39-143.
I. OBJETO E MÉTODO
A Sociologia, mesmo classificada como uma ciência una, abrange uma pluralidade
de questões e de ciências particulares. Existem, desse modo, tantos ramos da Sociologia
quantas ciências particulares, quantos diferentes tipos de fatos sociais. É possível indicar as
categorias principais.
Em princípio, deve-se estudar a sociedade no seu aspecto exterior e esse é o objeto
de estudo da Morfologia Social. Nessa área, é estudado a base geográfica dos povos em suas
relações com a organização social e a população, seu volume, densidade e distribuição
geográfica.
Ao lado da Morfologia Social tem-se a Fisiologia Social, que estuda as
manifestações vitais da sociedade. Dentro da Fisiologia Social encontra-se uma pluralidade de
ciências particulares, sendo algumas as Sociologias: Moral, Religiosa, Económica, Jurídica,
Linguística e Estética.
Por fim, tem-se a parte filosófica da ciência: a Sociologia Geral. Ela estuda o que
proporciona a unidade dos diversos tipos de fatos sociais, o que caracteriza o fato social in
abstracto e se não existem leis bem gerais de que as diversas leis estabelecidas pelas ciências
especiais são formas particulares.
Antes de definir qual o método que convém ao estudo dos fatos sociais, é necessário
determinar quais fatos podem ser assim chamados. Empregam essa qualificação
correntemente para designar quase todos os fenômenos que se passam no interior da
sociedade, além de certa generalidade, algum interesse social. É dito que há em toda a
sociedade um grupo determinado de fenômenos com caracteres nítidos, que se distingue
daqueles estruturados pelas outras naturezas.
A definição de fato social é dada por Émile Durkheim na seguinte frase: “É fato
social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção
exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma
existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter.” (p. 52)
5 SOLIDARIEDADE MECÂNICA
“Deste capítulo resulta que existe uma solidariedade social decorrente de um certo
número de estados de consciência comuns a todos os membros da mesma sociedade. É ela
que o direito repressivo representa materialmente, pelo menos naquilo que tem de essencial. A
par cela que ela tem na integração geral da sociedade depende evidentemente da extensão
mais ou menos grande da vida social abrangida e que regulamenta a consciência comum.
Além do mais, existem relações diversas em que esta última faz sentir sua ação, mas ela, por
sua vez, criou os laços que ligam o indivíduo ao grupo; e mais, em consequência disso, a
coesão social deriva completamente dessa causa e traz a sua marca. Mas, por outro lado, o
número dessas relações é por si mesmo proporcional àquele das regras repressivas: ao
determinar qual fração do aparelho jurídico o direito penal representa, estamos medindo ao
mesmo tempo a importância relativa dessa solidariedade. É certo que, procedendo dessa
maneira, não nos damos conta de certos elementos da consciência coletiva que, devido à sua
menor energia e à sua determinação, permanecem estranhos ao direito repressivo,
contribuindo em tudo para garantir a harmonia social; tais elementos é que são protegidos
pelas penas simplesmente difusas. Mas o mesmo acontece com outras partes do direito. Não
que elas não sejam completadas pelos costumes e, como não há razão para supor que a relação
entre o direito e os costumes não seja a mesma nessas diferentes esferas, tal eliminação não
corre o risco de alterar os resultados de nossa comparação.” (p. 78-79)
6 SOLIDARIEDADE ORGÂNICA
É uma lei histórica que a solidariedade mecânica, inicialmente única, perde lugar
progressivamente e que a solidariedade orgânica se torna pouco a pouco preponderante. Isso,
além de alterar a maneira pela qual os homens são solidários, altera a estrutura da sociedade.
Clã faz referência à horda que deixou de ser independente para se tornar membro de
um grupo mais extenso. São sociedades segmentares, pois são formadas pela repetição de
agregados semelhantes entre si. E comporta a solidariedade derivada das similitudes: a
solidariedade mecânica.
A estrutura das sociedades onde a solidariedade orgânica é preponderante se
apresenta constituída por um sistema de órgãos diferentes, cada um dos quais tem um papel
especial e se forma de partes diferenciadas. Os elementos sociais são coordenados e
subordinados uns aos outros, em torno de um órgão central que exerce uma ação moderadora
sobre o resto do organismo.
“Em resumo, distinguimos dois tipos de solidariedades; e acabamos de ver que
existem dois tipos sociais correspondentes. E também que as primeiras se desenvolvem na
razão inversa uma da outra, dos dois tipos correspondentes um regride regularmente na
medida em que o outro progride, e este último é aquele que se define pela divisão do trabalho
social. Além de confirmar o que precede, esse resultado vem demonstrar toda a importância
da divisão do trabalho. Assim como é ela que, na maioria das vezes, toma coerentes as
sociedades no meio das quais vivemos, é ela também que determina os traços constitutivos de
sua estrutura, e tudo faz prever que, no futuro, seu papel não fará que aumentar sob esse ponto
de vista.” (p. 96)
“As regras do método são para a ciência o que as regras do direito são para o
comportamento; elas dirigem o pensamento do sábio como estas governam as ações dos
homens.” (p. 97)
Se a divisão do trabalho não produz a solidariedade, as relações dos órgãos não são
regulamentadas e elas estão num estado de anomia. Considerando que um corpo de regras é
uma forma definida que assumem as relações que se estabelecem espontaneamente entre as
funções sociais, é possível afirmar que de início o estado de anomia é impossível. Isso porque
as menores reações podem ser mutuamente sentidas e as regras assim formadas preveem e
determinam até no detalhe as condições de equilíbrio.
Quanto mais acentuado seja o tipo segmentar, os mercados econômicos serão mais
ou menos correspondentes aos vários segmentos; por isso cada um deles será muito limitado.
Na medida que o mercado se amplia, surge a grande indústria, que tem como efeito
transformar as relações entre patrões e operários. A novas condições da vida natural exigem
uma nova organização naturalmente, mas como se completam muito rapidamente, os
interesses em conflito não se equilibram.
O indivíduo não é mais a célula viva de um organismo vivo, que vibra
incessantemente ao contato das células vizinhas, mas se transforma em uma engrenagem
inerte que uma força externa põe em funcionamento e que se move sempre no mesmo sentido
e do mesmo modo.
Existe uma contradição que, ao contrário do que é dito, a divisão do trabalho não
produz essas consequências em virtude de uma imposição de sua natureza, mas somente em
circunstâncias anormais e excepcionais. Basta que ela seja ela mesma.
Algo comum a todas as formas possíveis dessa renúncia é que o ato que a consagra
seja completado com conhecimento de causa, que a vítima saiba o que deve resultar de sua
conduta. Os casos de morte que apresentam essa particularidade se distinguem por uma
característica: eles formam um grupo definido, homogêneo, discernível de qualquer outro e
que deve ser designado por um nome especial.
Ao se considerar o conjunto de suicídios cometidos numa certa sociedade durante
uma certa unidade de tempo, constata-se que o total assim obtido não é uma simples soma de
unidades independentes, mas constitui um fato novo. Para uma mesma sociedade, desde que a
observação não se estenda, o número é quase invariável.
Contudo, ao observar um intervalo de tempo mais longo constata-se mudanças mais
graves. Os números se tornam crônicos. A evolução do suicídio é assim composta de ondas de
movimento, distintas e sucessivas, que se dão por impulsos, desenvolvem-se durante um
tempo e depois cessam, para recomeçar.
Mede-se a intensidade relativa dessa atitude por meio da taxa de mortalidade-suicídio
própria da sociedade considerada. Tal taxa é constante durante longos períodos e constitui
uma ordem de fatos única e determinada, isso demonstra sua permanência e variabilidade. Os
dados estatísticos exprimem a tendência ao suicídio pela qual a sociedade é afligida.
O que se investiga no livro são as causas pelas quais o suicídio possa agir sobre o
grupo. Logo, os fatores dos suicídios utilizados são aqueles que fazem sentir sua ação sobre o
conjunto da sociedade. A taxa de suicídios é o produto desses fatores.
10 SUICÍDIO EGOÍSTA
O suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o
indivíduo faz parte.
“Quanto mais enfraquecidos sejam os grupos a que pertence, menos depende deles e
mais, por consequência, depende apenas de si próprio por não reconhecer outras regras de
conduta que as estabelecidas no seu interesse privado. Se se está de acordo em chamar de
egoísmo a este estado onde o ego individual se afirma demasiadamente face ao ego social e à
custa deste último, nós poderemos dar o nome de egoísta para o tipo particular de suicídio que
resulta de uma individualização desmesurada. (...)” (p. 109)
Esse desligamento não se produz somente entre indivíduos isolados. Existe um
humor coletivo e a sociedade pode generalizar o sentimento que ela tem de si mesma, do seu
estado de saúde e de doença. Logo, o sofrimento dela se torna o sofrimento do indivíduo. O
egoísmo não é um fator simplesmente auxiliar; ele é a causa geradora.
11 SUICÍDIO ALTRUÍSTA
Toda a atividade humana não pode ser livre de todo freio, pois todo ser, sendo parte
do universo, está relacionado com o resto do mesmo; sua natureza e a maneira como a
manifesta também dependem dos outros seres. O que o homem tem de característico é que o
freio ao qual está submetido não é físico, mas moral, social.
Contudo, quando a sociedade se vê perturbada, ela é provisoriamente incapaz de
exercer sua ação; e aí é de onde resultam as ascensões bruscas da curva dos suicídios.
Os indivíduos que não se ajustam às condições que lhes é imposta sofrem e isso os
desliga de uma existência reduzida antes de terem experimentado. Como as condições de vida
estão mudando, o padrão segundo o qual se regulam as necessidades não pode mais continuar
o mesmo, pois varia com os recursos sociais. Enquanto as forças sociais não recobrarem o
equilíbrio, seu respectivo valor fica indeterminado e toda a regulamentação permanece
defeituosa durante um tempo.
O estado de crise e anomia é constante e normal. Em toda a escala social aumentam
as cobiças sem que elas saibam onde se fixar definitivamente. A anomia é nas sociedades
modernas um fator regular e específico de suicídios; ela é uma das fontes nas quais se
alimenta o contingente anual. Esse é um novo tipo de suicídio, que decorre do fato de estar
desregrada a atividade dos homens e é disto que eles sofrem. Chama-se essa espécie de
suicídio de suicídio anômico.
Esse suicídio tem relação com o egoísta, pois decorre também do fato de que a
sociedade não está suficientemente presente nos indivíduos. Contudo a esfera da qual ela está
ausente não é a mesma, no suicídio anômico é às paixões propriamente individuais que ela
falta, deixando-as assim sem freio para as regular.
A legislação sobre o suicídio passou por duas fases principais. Na primeira é vedado
ao indivíduo destruir sua própria autoridade, mas o Estado pode autorizá-lo a fazer. No
segundo período, a condenação é absoluta e sem qualquer exceção. A faculdade de dispor de
uma existência humana, salvo quando a morte é o castigo de um crime, é retirada não mais
apenas o sujeito interessado, mas mesmo à sociedade. O suicídio é reprovado porque revolta
aquele culto pela pessoa humana sobre o qual repousa toda a nossa moral.
O suicídio tanto coexiste com o homicídio como eles se excluem mutuamente, tanto
reagem da mesma maneira sob a influência das mesmas condições, quanto reagem em sentido
contrário, e os casos de antagonismo são mais numerosos.
A única maneira de conciliar os fatos contraditórios é admitir que existem diferentes
espécies de suicídios, dentre os quais uns têm certo parentesco com o homicídio, enquanto
outros se excluem.
Existem diferentes tipos de suicídio, cujas propriedades características não são as
mesmas. Mas, o tipo de suicídio atualmente mais frequente e que mais contribui para
aumentar o número anual de mortes voluntárias é o suicídio egoísta. O que o caracteriza é um
estado de depressão e de apatia produzido por um individualismo exagerado.
Pelas mesmas causas, o suicídio altruísta e o homicídio podem caminhar
paralelamente, porque dependem de condições que só diferem em grau. Quando se é levado a
desprezar a própria existência, não se pode estimar muito a de outrem. E por esta razão que
homicídios e mortes voluntárias encontram-se igualmente em estado endémico entre certos
povos primitivos.
Outra forma do suicídio se combinar com o homicídio é o suicídio anômico. A
anomia provoca um estado de exasperação e de lassidão irritada que pode se voltar contra o
próprio sujeito ou contra outrem; no primeiro caso, ocorre o suicídio, no segundo, o
homicídio.
Eis por que hoje em dia se encontra um certo paralelismo entre o desenvolvimento
do homicídio e do suicídio, sobretudo nos grandes centros e nas regiões de civilização intensa.
É que a anomia atinge al um estado agudo. A mesma causa impede os homicídios de
decrescer tão rapidamente quanto o crescimento dos suicídios.
Se o suicídio e o homicídio variam frequentemente na razão inversa um do outro, não
é porque sejam duas faces diferentes de um mesmo fenômeno; é porque constituem, de certa
maneira, duas correntes sociais contrárias. Quanto à anomia, como ela produz tanto o
homicídio como o suicídio, tudo que possa refreá-la reprime também um outro.
“[...] Nosso egoísmo é mesmo, em grande parte, um produto da sociedade.” (p. 143)