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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO
REGIONAL
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL DE CAMPOS

Disciplina: Ética profissional em Serviço Social – SSC 00216.


Docente: Isabel Cristina Chaves Lopes.
Período: 5.º.
Horário: terças-feiras, das 18h às 22h.
Carga-horária: 60 horas.

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL


RESOLUÇÃO CFESS N. 273, de 13 de março de 1993

Serviço Social: profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho, a partir da


área de Ciências Sociais Aplicadas. Aplicadas a que? Ao trabalho da Assistência Social.
Porém há muitos tipos e formas de realização desse trabalho, por exemplo, por meio da
política pública de Assistência Social e em todos os casos, o profissional precisa articular
conhecimentos da área das Ciências Sociais ao de outras como, por exemplo, Psicologia,
Economia e Filosofia.
A partir da revisão curricular de 1982, realizada pela Associação Brasileira de
Escolas de Serviço Social (Abess)1, as ações profissionais passam a ser concebidas a partir
de uma definição de trabalho elaborada sobre uma ontologia crítica de base marxiana. Essa
amplia as reflexões e análises acerca do significado das competências e das atribuições
profissionais, que passam a ser compreendidas como expressão de práxis, quer dizer,
carregadas de um potencial que se materializa pela articulação entre a teoria crítica que se
desenvolve a partir dessa ontologia e o método que orienta a sua construção. A
concretização dessa potencialidade, expressa nas ações profissionais cotidianas, amplia o
leque de contribuições sociais que essas podem oferecer.
As análises a partir do materialismo histórico e dialético explicam que essas
contribuições apresentam caráter estrutural e conjuntural, conformando, em seu interior,
uma contradição que envolve atendimento às demandas do capital e manifestações de

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Entidade criada em 1946 e que, mais tarde, nos anos de 1990, receberia a denominação de Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss).
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críticas a elas. Essa explicação traz, em suas bases, uma postura em relação ao capitalismo,
que envolve basicamente a identificação, e, a partir dela, a necessidade de superação dos
limites que ele determina e promove em torno do desenvolvimento das possibilidades do
ser social. Essas possibilidades são produzidas por meio da concepção de homem e de
mundo que embasa essa corrente teórica, quer dizer, fundamentada em uma base ontológica
que define o ser social a partir de parâmetros críticos e propositivos ao modelo de
organização das relações sociais de produção, qual seja, a economia política do capital. Por
essa linha de reflexão, é desenvolvida uma concepção de trabalho e, a partir dela, uma
concepção de ética.
Incorporada às particularidades do trabalho profissional do assistente social, a
abordagem sobre ética adquire contornos específicos, relacionados às exigências da
regulamentação da profissão no Brasil e às possibilidades políticas que as competências que
lhe são atribuídas pela legislação encerram em seu universo de contradições. Essas
contradições devem ser compreendidas como um produto histórico, de processos políticos
construídos e dirigidos organizadamente pela categoria profissional em sua trajetória de
procuras e conquistas de uma identidade intelectualmente (politicamente) mais
amadurecida.
Expressão desse movimento são seus Códigos de Ética Profissional (1947,1965,
1975,1986, 1993), que acompanharam e expressaram essas buscas e empreendimentos de
estudos, pesquisas, debates e encaminhamentos, em que pese, em alguns casos, a existência
de conflitos, de distensões, de rompimentos, porém necessários e geradores de crescimentos
positivos para a imagem da categoria para a sociedade e para ela mesma, por meio da
construção de um projeto ético-político-profissional, que, pelos registros bibliográficos, tem
seu início em 1982.
O seu atual Código se coaduna com uma concepção de trabalho de aplicação do
conhecimento das Ciências Sociais, junto à Assistência Social, pela legitimação e pela
defesa dos direitos sociais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, embasadas pela
inspiração de um projeto de sociedade superador do modelo capitalista de organização
social. Com isso, a conotação do trabalho de Assistência Social sofre mudanças, saindo de
uma abordagem hegemonicamente assistencialista, focada em sua interpretação como
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benesse do Estado, para sua defesa como um direito do cidadão, por meio do qual são
dirigidas competências para a afirmação de outros direitos constitucionais.

ÉTICA, MORAL PROFISSIONAL E SERVIÇO SOCIAL

A partir dessa introdução, iniciamos a apresentação de alguns componentes da ética


profissional do Serviço Social brasileiro, que está regulamentada pela Resolução
CFESS n. 273/93. Antes, porém, algumas indagações:
Em primeiro lugar: o que é um Código de Ética e qual é a sua importância social?
Em segundo lugar: o que é um Código de Ética Profissional, para que serve e
qual a é a sua importância social?
Em terceiro lugar: o que é um Código de Ética Profissional de Serviço Social,
para que serve e qual é a sua importância social?
Seguimos agora para conceituações e para resgates históricos.

Ética: “A ética se coloca como uma práxis supondo, portanto, uma prática concreta
e uma reflexão ética crítica.” (BARROCO, 2001, p. 65).

[...] se põe como uma ação prática dotada de uma moralidade que extrapola o
dever ser, instituindo-se no espaço do vir a ser, isto é na teleologia inscrita nas
decisões que objetivam ações práticas voltadas à superação dos entraves à
liberdade, à criação de necessidades livres. (BARROCO, 2001, p. 65).

Como mediação entre a singularidade e a genericidade, entre valores universais e


sua objetivação, a ética perpassa por todas as esferas da totalidade social. Por
isso, não se objetiva apenas na moral; pode se realizar através da práxis política,
por exemplo. Suas categorias específicas são aquelas que implicam a
sociabilidade orientada por um projeto coletivo, voltado à liberdade e
universalização dos valores éticos essenciais [...]: responsabilidade,
compromisso, alteridade, reciprocidade, equidade. [...] Seu fundamento é a
liberdade, entendida como capacidade humana e valor. (BARROCO, 2001, p. 65,
grifos nossos).

Ética como ação prática:


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A ética, entendida como uma ação prática consciente, que deriva de uma escolha
racional entre alternativas e orienta-se por valores que buscam objetivar algo
que se considera ‘valoroso, ‘bom, ‘justo, contêm algumas mediações essenciais: a
razão, as alternativas, a consciência, o projeto que queremos realizar, os valores
éticos, a responsabilidade em face de implicações objetivas da ação para os
outros homens, para a sociedade. A questão da responsabilidade é, pois, central
na ação da ética, uma vez que ela dá sentido à sociabilidade e à liberdade
inerentes às escolhas. (BARROCO, 2001, p. 61).

Ética a partir da ontologia:

Ontologicamente considerada, a ética é também uma atividade que permite ao


indivíduo sair de sua singularidade para estabelecer uma conexão consciente com
o humano genérico; logo, é uma atividade universalizante, mesmo sendo
realizada por um indivíduo particular. Neste sentido, a ética se põe como
mediação entre todas as esferas sociais, inclusive da esfera moral, campo
institucionalizado de normas e deveres orientadores do comportamento dos
indivíduos sociais e campo propício à reprodução de valores e deveres
assimilados espontaneamente pela tradição, pela repetição, pelo hábito, ou
seja, de forma acrítica, levando à reprodução da alienação no campo do
comportamento ético-moral.

Para que a ética se realize como saber ontológico é preciso que ela conserve sua
perspectiva totalizante e crítica, capaz de desmistificar as formas reificadas de ser
e pensar. Assim, ela é, também, um instrumento crítico de outros saberes, de
elaborações éticas que possam estar contribuindo para o ocultamento das
mediações existentes entre a singularidade inerente a cotidianidade e o gênero
humano, reproduzindo com isto a alienação. [...] Quando a ética não exerce essa
função crítica pode contribuir, de modo peculiar, para a reprodução de
componentes alienantes. (BARROCO, 2001, p. 56).

Valores:

A (re)produção da vida social coloca necessidades de interação entre os homens,


modos de ser constitutivos da cultura, produtos do trabalho, tais como a
linguagem, os costumes, os hábitos, as atividades simbólicas, religiosas, artísticas
e políticas. Ao mesmo tempo, pela capacidade de criar valor, os homens
qualificam positiva ou negativamente suas relações, de acordo com o conjunto de
necessidades e possibilidades históricas. (BARROCO, 2000, p. 25).

Ao objetivar-se como um ser de escolhas, de liberdade, o homem projeta sua


criação, criando e recriando valores. O valor é, então, considerado uma categoria
ontológica social, expressão de relações sociais historicamente determinadas e,
portanto, algo objetivo. (PAIVA, 1996, p. 168).

A orientação de valor é inerente às atividades humanas. [...] O valor não é uma


decorrência apenas da subjetividade humana; ele é produto da práxis. [...] A
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dinâmica complexa das mediações sociais faz com que os valores se desdobrem
em múltiplos significados. [...] Assim se coloca o caráter objetivo dos valores;
eles sempre correspondem a necessidades e possibilidades sociohistórica dos
homens, em sua práxis. (BARROCO, 2001, p. 29).

Ética e liberdade:

Para Marx, a liberdade consiste na participação dos indivíduos sociais na riqueza


humano-genérica construída historicamente: “a humanidade será livre quando
todo homem particular possa participar conscientemente na realização da essência
do gênero humano e realizar valores genéricos em sua própria vida, em todos os
seus aspectos. (MARX apud BARROCO, 2001, p. 65).

A ética é uma capacidade humana fundada na liberdade de escolha, mas a


autonomia implica na racionalidade crítica capaz de ultrapassar o nível do que é
repetido espontaneamente para recriar a vida em patamares cada vez mais
criativos e livres. A ética tem um caráter universalizante porque sua razão de ser é
exatamente a de estabelecer a conexão entre singularidade e a genericidade do
homem.

Moral:

A moral apresenta-se como uma das formas de explicitação dos atributos do


homem genérico, uma das formas do indivíduo particular relacionar-se com a sua
genericidade. Funcionando como uma das mediações entre particularidade e a
universalidade humana, a moral permite ao homem objetivar-se no mundo como
um ser capaz de formular escolhas, logo, potencialmente livre e criativo.”
(PAIVA, 1996, p. 168).

“[...] é uma forma, historicamente construída de objetivação da capacidade ética do


ser humano-genérico, mas nela não esgota suas potencialidades.” (BARROCO, 2001, p.
64).

A moral implica na valorização de ações e comportamento que se transformam


em deveres e acabam sendo incorporados ao modo de ser dos indivíduos, gerando
sentimentos, escolhas, desejos, atitudes, posicionamentos diante da realidade,
juízos de valor, senso moral e uma consciência moral, ou seja, responsabilidade
diante dos outros e de si mesmo.
Assim, a moral e os valores são sempre sociais e históricos; são construções
culturais objetivas inscritas nas relações sociais inerentes à (re)produção da vida
social. Os costumes que formam o tecido social são considerados deveres, porque
receberam, num dado momento, uma legitimação fruto de um consenso social
acerca do que é bom para a coletividade. A partir de tal consenso cria-se uma
expectativa de que os indivíduos respeitem tais deveres. Mas, para isso, é preciso
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que eles os aceitem conscientemente como legítimos, donde a vinculação entre o


dever e a consciência moral, entre caráter social da mora e sua aceitação.
A moral sempre comporta transgressões e negociações que só podem ocorrer
diante da possibilidade de escolha instituída através da consciência crítica e da
criação de códigos morais alternativos.
Sua reprodução se efetiva no aprendizado mais básico do homem, introduzido
pela família, pela escola, pelos meios de comunicação, pelos grupos sociais, pelas
religiões, num processo de socialização incessante, no qual se aprende o que é
bom e mau, correto ou incorreto em termos de valores e comportamentos. Par que
um indivíduo se torne adulto, é preciso que ele tenha desenvolvido um senso
moral que lhe permita escolher e direcionar sua vida em termos morais.
[...] todos os indivíduos têm um senso moral adquirido e reproduzido
socialmente, mas isso não significa que todos tenham uma consciência crítica
acerca do papel social da moral, dos significados e das determinações inscritos
nas normas e nos deveres, com seus princípios e valores. Isso vale especialmente
para o âmbito da vida cotidiana, espaço de ações pragmáticas, acríticas, fundadas
na repetição e no senso comum. (BARROCO, 2000, p. 26-28).

Necessidade social da moral: “[...] é fruto do processo de desenvolvimento da


sociabilidade, seu espaço é o da cultura.” (BARROCO, 2000, p. 25).

Caráter histórico e social da ética e da moral:

O caráter histórico da ética e da moral possibilita entendê-las como algo mutável


e com determinações postas por antagonismos e interesses de classes, expressos
em relações de poder crescentemente complexas (incluindo conflitos relativos às
relações de etnia e gênero). Afirma-se, com isso, a coexistência de diversos
valores ético-morais em confronto, bem como a relação existente entre a ética e a
política. (PAIVA, 1996, p. 168).

Reflexão ética: “Análise teórica dos fundamentos da moral, de suas categorias


(valor, dever) e de seu objeto privilegiado (bem)” e implica procedimentos crítico-
históricos, pois a moral é histórica e socialmente determinada.

A reflexão ética supõe a suspensão da cotidianidade; não tem por objetivo


responder às suas necessidades imediatas, mas sistematizar a crítica da vida
cotidiana, pressuposto para uma organização da mesma para além das
necessidades voltadas exclusivamente ao „eu‟, ampliando as possibilidades de os
indivíduos se realizarem como individualidades livres e conscientes.
(BARROCO, 2001, p. 55).
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Uma reflexão ética sobre a profissão demanda uma análise de seu significado na
divisão social do trabalho e no processo de reprodução das relações sociais, na sociedade
capitalista. (PAIVA, 1996).
A reflexão ética pode, então, ser encarada como uma das mediações entre o saber
teórico-metodológico e os limites e possibilidades da prática profissional. (PAIVA, 1996, p.
172).

Ética Profissional: “Diz respeito à moralidade profissional: conjunto de normas e


princípios que expressam escolhas axiológicas e funcionam como parâmetros orientadores
das relações entre profissão e sociedade.” (PAIVA, 1996, p. 166).

Podemos falar de ética profissional em duas dimensões: como espaço de reflexão


teórica sobre os fundamentos da moralidade e como resposta consciente de uma
categoria profissional às implicações ético políticas de sua intervenção, indicando
um dever ser no âmbito de determinada projeção social. (PAIVA, 1996, p. 167).

A ética profissional é um modo particular de objetivação da vida ética. Suas


particularidades se inscrevem na relação entre o conjunto complexo de
necessidades que legitimam a profissão na divisão sociotécnica do trabalho,
conferindo-lhes determinadas demandas, e suas respostas específicas, entendidas
em sua dimensão teleológica e em face de implicações ético-políticas do produto
concreto de sua ação. (BARROCO, 2001, p. 67).

A falta de debate filosófico sobre a dimensão moral da profissão acarreta o


entendimento de que estes três espaços diferenciados – da ética, da dimensão
moral da profissão e do código – sejam identificados como uma mesma coisa e, o
pior, partindo do mais restrito, que é o código. (BARROCO, 1996, p. 81).

Elementos básicos constitutivos:

– Uma base filosófica (ontologia do ser);


– Princípios e valores ético-políticos subjacentes a um projeto profissional
definido historicamente.

Projeto Político Profissional: “Como o „bem‟ e o „dever ser‟ adquirem significados


diversos na sociedade é preciso que a reflexão ética apreenda essa significação,
relacionando-a a um projeto profissional inserido numa projeção social mais ampla”.
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O campo de atuação quanto às atividades em si ou à metodologia de trabalho não


são elementos suficientes para definir a singularidade do exercício do Serviço Social. Essa
definição implica o desvendamento do papel do Serviço Social na divisão social do
trabalho e no processo de reprodução das relações sociais na sociedade capitalista. “Daí o
caráter eminentemente ético-político da sua prática.” (PAIVA, 1996, p. 165).

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL

Dimensão da ética profissional que remete ao caráter normativo e jurídico que


regulamenta a profissão no que concerne às implicações éticas de sua ação.
Indica o dever ser profissional, por meio de normas, deveres, direitos e
proibições, representando, para a sociedade, de um lado, um mecanismo de defesa da
qualidade dos serviços prestados à população e, de outro, uma forma de legitimação social
da categoria profissional.
Representa para a categoria um instrumento que determina parâmetros para o
exercício profissional, por meio de sanções e normas, consubstanciando a identidade
profissional frente à sociedade. Primeiros Códigos de Ética do Serviço Social:

i) 1947 – Primeira formulação ética do Serviço Social Brasileiro.


ii) 1965 – Primeiro Código de Ética aprovado e sancionado.
iii) 1975 – Mantém a base conservadora.

Características dos Códigos de Ética Profissional do Serviço Social brasileiro

Desde a primeira formulação do nosso Código de Ética Profissional, em 1947, até


a reelaboração de 1975, permaneceram vigentes as mesmas concepções
filosóficas assentadas no neotomismo, a partir das quais consagrávamos valores
abstratos e metafísicos como “bem comum” e “pessoa humana”. (PAIVA, 1996,
p. 156).
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1947 – Conforma um amálgama de humanismo cristão abstrato e incipiente


positivismo, condensado por uma lógica formal e profundamente conservadora. São traços
característicos de seus princípios e diretrizes: “respeito à lei de Deus”, “bem comum”,
“dignidade humana”, “caridade cristã”. Os usuários do Serviço Social são considerados
“pessoas humanas desajustadas” e, no que diz respeito às relações profissionais, entre
outros, propõe que se evite “[...] fazer quaisquer alusões ou comentários desairosos
sobre a conduta de colega.” (BARROCO, 2001, p. 27).
1965 – Postulado da dignidade humana. Visão aristotélico-tomista em
consonância com o projeto reformista conservador (noções e valores tradicionais de
cunho conservador e cristão são mantidos com o projeto modernizador do Estado), o
que caracteriza, segundo Iamamoto (apud BARROCO, 2000), características valorativas e
práticas como: ênfase na família; defesa da liberdade abstrata (subjetivada do indivíduo);
preconização dos princípios da ordem, hierarquia e disciplina; falta de predisposição para
teorizar; defesa da tradição social; posicionamento contra a decadência da cultura como
signo da sua difusão entre massas, dentre outros.
1975 – Mantém os pressupostos filosóficos neotomistas. Postulado da dignidade
humana, e da perfectibilidade humana (a-histórico e transcendental), a partir de uma
dimensão personalista. Valor central que serve de fundamento ao Serviço Social é à pessoa
humana (centro, objeto e fim da vida social).

A possibilidade de utilização do personalismo por tendências ideologicamente


opostas é dada, entre outros aspectos, por seu ecletismo teórico, que busca
integrar perspectivas diferenciadas, em muitos aspectos excludentes.
(BARROCO, 2001, p. 131).

Tal abordagem permite que as sequelas da „questão social‟ sejam desvinculadas


dos processos sociais e tratadas como problemas individuais enfrentados
psicologicamente. (BARROCO, 2001, p. 139).

Exigências do bem comum legitimam a ação disciplinadora do Estado,


conferindo-lhe o direito de dispor sobre as atividades profissionais.

[Vazio] social e histórico entre a defesa da pessoa humana e a do bem comum,


redundando num fatalismo naturalista – confiança cega na regulação social
autocorretiva e harmônica das injustiças sociais, com base nos princípios da
obediência à autoridade e da hierarquia, o que pressupõe a fé em Deus e o não
questionamento do que se designa vontade divina.

Antes de nos dirigirmos ao Código de 1986, destacamos que:


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[...] o debate em torno da ética profissional não é possível encarando-o


isoladamente em si mesmo, desvinculando-o dos avanços obtidos pela categoria
nos últimos anos, e independente da centralidade que vem adquirindo a relação
entre ética e política na cena nacional. (IAMAMOTO,1996, p. 95).

O Movimento de Reconceituação recoloca as questões tratadas pelos outros


Códigos em outros moldes, representando a aproximação do Serviço Social à tradição
marxista. Essa aproximação realizada, no entanto, por meio de uma leitura determinista e
mecânica (desconsiderando a história, somado a um esvaziamento da riqueza analítica
do pensamento marxista, travestido por uma lógica positivista) leva o Mov. de
Reconceituação latino-americano a uma autocrítica não incorporada pelo Código de
Ética Profissional de 1986.

Código de 1986 - Marco ideo-político na história do Serviço Social brasileiro

Expressão tardia, no Brasil, do debate da Reconceituação.


Representa uma importante ruptura política com o tradicionalismo profissional,
propugnando eticamente o compromisso com a classe trabalhadora e, nesse sentido,
rompendo com o mito da neutralidade profissional.
Resultado da revisão do Código de Ética de 1975, que ocorre “[...] na esteira da luta
pela redemocratização no país, da organização política da categoria, que inaugura uma
prática sindical em sintonia com a luta mais geral dos trabalhadores e do debate da
formação profissional.” Ou seja, de um conjunto de transformações sociais que, a
partir da década de 60, demandaram um movimento de renovação profissional.
Não se coloca como corporativo somente, mas busca assegurar vínculos com as
prioridades da sociedade.
Há três dimensões de mudanças colocadas em seu interior:
– Negação da neutralidade, negação aos pressupostos metafísicos e idealistas e ao
papel profissional tradicional: tal processo “[...] residiu na ultrapassagem dos valores da
pessoa humana e do bem comum, enquanto categorias do pensamento conservador e de
uma ética universal, cuja lógica e conteúdos são descontextualizados, absolutos e
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imutáveis.” (PAIVA, 1996, p. 159). Inaugura uma nova concepção de homem, na condição
de ser histórico, social, prático e criador e não como ser determinado pela vontade divina.
Indica a urgência de objetivar sujeitos históricos para apreender suas necessidades
concretas (PAIVA, 1996).
– Contraposição do princípio de contradição ao de harmonia/estabilidade, e a
noção de compromisso a de neutralidade profissional. Tal compromisso se concretiza
por meio de deveres como: democratizar as informações aos usuários; criar espaços para
sua participação nos programas e nas decisões institucionais; denunciar falhas das
instituições e contribuir na alteração das correlações de forças, visando viabilizar demandas
de interesses dos usuários.
– Novo perfil profissional: o Assistente Social competente deve estar atento para a
conotação política da profissão e para os consequentes desafios de uma ação
comprometida. Qualificação adequada à pesquisa, à formulação e à gestão de políticas
sociais (PAIVA, 1996), quer dizer, à capacitação técnica, teórico-ética e política
desencadeada no processo de renovação pós reconceituação (BARROCO, 1996).
– Denúncia “responsável” (diferente de denuncismo): um elemento fundamental de
inovação empreendida refere-se à denúncia (denunciar as falhas da instituição e as falhas
éticas de outros profissionais) (PAIVA, 1996).

Críticas encaminhadas ao Código de Ética Profissional de 1986

Mostrou-se frágil em sua capacidade de embasar a operacionalização jurídica e


política dos pressupostos valorativos ali contidos. Era preciso eficácia e legalidade para
respaldar a conduta profissional por ele suscitada (PAIVA, 1996, p. 49).
– Limites políticos, teóricos e filosóficos: Relações sociais tomadas como
dualidade e não como contradição e compromisso político com a classe trabalhadora como
a única alternativa para uma categoria profissional heterogênea social e
politicamente. Mantém o problema dos outros códigos no que se refere a um corte entre
conhecimento e valores: uma ética de esquerda e uma epistemologia de direita. Ou seja,
apresenta resquícios de uma visão estática e unilateral, ao explicitar uma vinculação
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profissional a determinada classe social, pressupondo que seja “boa em si”, eliminando a
historicidade das escolhas morais, que, nem sempre, correspondem a necessidades de uma
classe (BARROCO, 1996).
– Legalidade: ele propunha-se muito mais a dar conta do aspecto político e
educativo, do que o propriamente normativo, ou seja, havia um privilégio das instruções
teórico-metodológicas de como conduzir a prática (PAIVA, 1996).

Enquanto instrumento de fiscalização é considerado por muitos dirigentes de


conselhos e agentes de fiscalização como “uma carta de intenções”, com algumas
expressões nos seus artigos, vagas, ambíguas e sem significado mais objetivo.
(SILVA,1996, p.144).

CÓDIGO DE 1993

Mantém os princípios e valores do Código anterior, que permitem conectar


organicamente a profissão com os setores mais progressistas da sociedade e a construção de
um projeto profissional afinado com as demandas inerentes a essa direção social, mas busca
romper com as dicotomias mencionadas, buscando integrar os fundamentos teóricos
metodológicos e éticos, além de um novo entendimento desse instrumento como
mecanismo de defesa da qualidade dos serviços prestados à população e como forma de
legitimação social da categoria profissional.
A perspectiva é, então, buscar fortalecer uma clara identidade profissional
articulada com um projeto de sociedade mais justa e democrática. Busca constituir-se
um mecanismo eficaz de defesa do nosso exercício profissional, por meio da garantia da
legalidade de seus preceitos, fornecendo respaldo jurídico à profissão.
Assim duas das preocupações que norteiam sua análise e produção são:
i) Transformá-lo num mecanismo concreto de defesa da qualidade dos serviços
profissionais;
ii) Defesa do exercício profissional.
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Realiza um esforço com vistas à tradução e à materialização de diversas situações


inerentes ao processo de trabalho do assistente social, voltado para melhor definir e precisar
a objetivação dos valores e princípios éticos universais no seio do cotidiano da profissão.
O compromisso com as classes trabalhadoras é mantido, como pode ser observado
no terceiro princípio do Código: Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa
primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis e políticos das
classes trabalhadoras, definindo o posicionamento político da profissão frente à sociedade
(BARROCO, 1996).
No entanto, como um compromisso, num Código de Ética, deve ser com os valores
e não com as classes, grupos ou indivíduos, não cabe a um Código de Ética prescrever
quem são os sujeitos portadores desses valores (BARROCO, 1996).
Assim o Código se posiciona ética e politicamente, elegendo os valores que estão
presentes nos movimentos progressistas da sociedade: liberdade, democracia,
igualdade, justiça, solidariedade, cidadania (BARROCO,1996).
Sua visão de homem é histórico-ontológica, confirmando o homem como ser
prático-social, dotado de liberdade, que tem, no trabalho, sua atividade fundante
(IAMAMOTO,1996).
Quanto à questão da pluralidade, considera-se que a categoria profissional é
uma unidade não-indenitária, uma unidade de elementos diversos e, portanto, ela é
um espaço plural do qual podem surgir projetos diferentes [...]. Por isso mesmo, a
elaboração e a afirmação de um projeto profissional devem dar-se com a nítida
consciência de que pluralismo é um elemento factual da vida social e da profissão
mesma, cabendo o máximo respeito a ele, respeito aliás que é um princípio
democrático. Mas não pode ser confundido com ecletismo [...]. Ao contrário, um
verdadeiro confronto de ideias só pode ter como terreno adequado o pluralismo que,
por seu turno, supõe também o respeito às hegemonias legitimamente conquistadas
(NETTO,1996).
No Código de 1993, diferentemente do de 1986, os princípios são apresentados a
partir do recurso à ontologia social marxista, mais especificamente a partir das
contribuições de Luckács (BARROCO, 2001).
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Esse Código foi instituído pela resolução CFAS n. 273, de 13 de março de 1993, e
apresenta onze princípios fundamentais que balizam o projeto e os compromissos ético-
profissionais. Sua estrutura é composta por quatro títulos, seis capítulos e uma série de
artigos, organizados a partir da tríade: direitos, deveres e proibições (é vedado aquilo que
contraria o substrato dos direitos e deveres, na condição de formalizações de imperativos
éticos) (PAIVA,1996).
Nele a liberdade é reconhecida como valor ético central, junto às demandas
políticas a ela inerentes: autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos
sociais.

*REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO: Nossa profissão será regulamentada pela


primeira vez em 1957, por meio da Lei n. 3.852, de 22 de maio de 1957, que somente
será substituída, 36 anos depois, pela Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993.

BIBLIOGRAFIA

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Cortez, 2001.

BARROCO, Maria Lúcia. Ética e sociedade. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO


SOCIAL (CFESS). Curso de capacitação ética para agentes multiplicadores. Brasília,
DF: Cfess, 2000.

BARROCO, Maria Lúcia. Bases filosóficas para uma reflexão sobre Ética e Serviço Social.
In: BONETI, Dilséa Adeodata; SILVA, Marlise Vinagre; SALES, Mione Apolinário;
GONELLI, Valéria M. M. (org.). Serviço Social e Ética: convite a uma nova práxis. São
Paulo: Cortez, Brasília, DF: Cfess, 1996a.

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In: BONETI, Dilséa Adeodata; SILVA, Marlise Vinagre; SALES, Mione Apolinário;
GONELLI, Valéria M. M. (org.). Serviço Social e Ética: convite a uma nova práxis. São
Paulo: Cortez, Brasília, DF: Cfess, 1996b.

CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Código de ética profissional


do assistente social. Brasília, DF: Cfess, 1993.

IAMAMOTTO, Marilda Villela. O debate contemporâneo do serviço social e a ética


profissional. In: BONETI, Dilséa Adeodata; SILVA, Marlise Vinagre; SALES, Mione
Apolinário; GONELLI, Valéria M. M. (org.). Serviço Social e ética: convite a uma nova
práxis. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: Cfess, 1996.
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NETTO, J. P. Transformações societárias e Serviço Social. Notas para uma análise


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