Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
O presente artigo discute a importância de os profissionais de
Serviço Social adotarem uma postura ética para o fazer
comprometido com seus usuários, na perspectiva de que esta
ciência contribua para que esses profissionais sejam capazes
de fazer uma reflexão crítica da realidade social objeto de seu
trabalho, bem como adotar uma postura política reafirmadora
dos valores constantes no Código de Ética dos Assistentes
Sociais e de seu projeto ético-político os quais materializam-se
no seu cotidiano profissional não porque positivados, mas por
convicção íntima e voluntária.
ABSTRACT
The present article argues the importance of the social workers
to adopt an ethical position to make it engaged with its users, in
the perspective of that this science contributes so that these
professionals are capable to make a critical reflection of the
social reality object of its work, as well as adopting a position
reafirmadora politics of the constant values in the code of ethics
of the social assistants and its project ethical-politician which
materializes itself in its daily professional not because
positivados, but for close and voluntary certainty.
Refletir sobre ética nos dias atuais é desafiador diante dos inúmeros
acontecimentos que põe em cheque o respeito aos valores e normas. Tendo em vista que
irrompem na mídia diariamente inúmeros casos de corrupção de gestores da coisa pública,
de banalização dos crimes contra a vida e do descaso de profissionais nas mais diversas
áreas, casos que contribuem para o descrédito do homem no próprio homem e que
suscitam questionamentos éticos sobre que valores regem a vida em sociedade, é que
emerge o interesse por compreender como a ética profissional pode contribuir para a
construção de uma nova perspectiva de sociedade, firmada em valores mais humanos
particularmente a ética defendida pelo Serviço Social.
Sendo a ética profissional algo muito particular a cada grupo, ainda assim há um
aspecto significativo que deve ser observado por todo e qualquer profissional liberal, o qual
pelo seu próprio objeto de trabalho que é a vida precisa ter em mente, que é o respeito à
dignidade humana. Assim dada a significância social do Serviço Social, que como profissão
lida cotidianamente com inúmeras expressões da questão social, as quais decorrem das
mazelas produzidas pelo capitalismo em razão da contraditória relação capital-trabalho esse
aspecto do respeito à dignidade humana parece que ganha ainda mais destaque, em razão
de que as demandas que se apresentam a esses profissionais decorrem justamente do não
respeito à dignidade humana que é próprio à sociedade capitalista.
Esse artigo tem como objetivo pontuar alguns conceitos imprescindíveis para a
compreensão da ética propriamente dita, e sobre ética no âmbito profissional, aqui no caso
articulando-a ao Serviço Social e nesse sentido abordando-a não apenas como uma
disciplina obrigatória no decurso do processo de formação, nem consubstanciada apenas e
tão somente no Código de Ética da categoria, mas pontuando que uma postura ética
extrapola a adesão a normas e/ou valores estabelecidos para o bom convívio social,
situando-se também como um aspecto subjetivo e um processo cotidianamente construído,
o qual reafirma valores do próprio sujeito e que pode tornar-se uma postura política a qual
esse profissional tem a possibilidade de contribuir para a reafirmação da dignidade humana.
Nesse sentido, qual seja o de localizar-se na esfera dos valores, a ética propõe-
se a estabelecer uma indicação sobre o relacionamento individuo/sociedade e nesse sentido
minimizar as contradições surgidas nesse espaço as quais decorem dos dilemas da vida
prática. No entanto cabe destacar “a ética ultrapassa [...] o imediato, o conjuntural e o
passageiro, chega a oferecer pistas e apontar o leque de possibilidades que se coloca nas
situações, todavia nunca oferece certezas, soluções práticas para cada situação” (SALES,
2011, p.113), por isso ela não pode ser confundida com um manual de condutas corretas.
Logo depreende-se que a ética não tem por objetivo determinar em cada
situação vivenciada pelo sujeito uma espécie de conduta, postura e/ou solução para seus
problemas, ao contrário cabe a este de forma livre e consciente em cada situação observar
como portar-se face às regras existentes, lembrando-se que deve ter sempre como
parâmetro que a satisfação dos seus interesses pessoais deve antes submeter-se ao crivo
dos interesses coletivos, tendo em conta que o homem é um ser ao mesmo tempo histórico
e social, coletivo e individual. (VÁZQUEZ, 2014). Daí que:
Os indivíduos buscam, então, orientação para agir de acordo com determinadas
normas, princípios ou ideias, de organização e influências variáveis, devido à época
e ao tipo de formação social, e, também, em função da posição que [...] ocupam no
processo de produção, enquanto um dos elementos centrais do seu modo de vida.
(SALES, 2011, p.113)
Nesse sentido cabe então destacar que a particularidade da ética está no fato de
que esta caracteriza-se por ser a “ [...] teoria, investigação ou explicação de um tipo de
experiência humana ou forma de comportamento dos homens, o da moral, considerado
porém na sua totalidade, diversidade e variedade” (VÁZQUEZ, 2014, p.21). Quer dizer
apesar de a ética não pretender determinar um comportamento correto e único, ela se
ocupa em estudar justamente o comportamento moral dos homens, nas suas mais variadas
manifestações, aquele que baseado em normas/regras deve suscitar uma postura
qualificável positivamente.
Diante disso Vázquez (2014, p. 24) faz uma advertência “a ética não é a moral e,
portanto, não pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições, sua missão é
explicar a moral efetiva e neste sentido, pode influir na própria moral”. Isso implica dizer que
mesmo não determinando um comportamento ideal ou moralmente válido, a ética acaba
ensejando numa perspectiva mais geral aquilo que pode ser considerado bom ou até
mesmo justo já que possibilita ao homem refletir e escolher livremente ante as
possibilidades dadas. Quer dizer a ética objetiva compreender as motivações que os
sujeitos têm ao comportar-se de uma ou outra forma a partir das normas do seu tempo. Dito
isto é importante destacar:
[...] não existe uma ética única, universal, absoluta e válida para todos. Isto é, a ética
esbarra necessariamente na tensão dever-liberdade. A opção que deve marcar o ato
ético de um indivíduo, entretanto, tem como elementos fundantes os valores que
inspiram a sua concepção de mundo, a sua visão de homem, tomando como
pressuposto a constituição histórica do ser social. (SILVA, 2011, p.138)
Como o agir ético liga-se à liberdade de cada indivíduo diante das alternativas
vigentes, há que se ter em mente que a ética é sempre uma questão contemporânea, social
e intersubjetiva, portanto a realidade social e as normas são passíveis de mudança pelo
próprio homem, com vistas não à arbitrária satisfação pessoal, mas, em busca do
aperfeiçoamento da convivência com os demais. Nessa linha de raciocínio cabe pontuar que
a “moral seria a capacidade do indivíduo de formular suas próprias opiniões e pautas de
comportamento (com base nos valores éticos estabelecidos) e optar por aquele que
considerar mais correto e justo” (PAIVA, 2011, p.106), daí a liberdade de escolha, a
subjetividade.
A moral, no entanto não surge do nada, ela torna-se necessária no momento
que o homem descobre que não existe apenas como um produto da natureza, que age
apenas para manter-se vivo, mas, constitui-se como ser histórico e social que vive em
sociedade e em constante relação com os outros, daí ele compreende que precisa de meios
para regular esse convívio no sentido de torná-lo harmônico, e é nesse momento que surge
a moral. (VÁZQUEZ, 2014).
Nesse sentido Barroco (2009) afirma que a moral caracteriza-se por ser um
produto social, ou seja, é resultado das objetivações humanas e como tal localizada em um
espaço-tempo o que a torna passível de modificações, e para agir em consonância com tais
regras, valores, normas ou princípios é necessário antes que esse indivíduo aceite-as de
forma espontânea, o que irá depender do próprio contexto e das relações sociais por ele
estabelecidas.
Estabelecidas as distinções entre ética e moral, mesmo que de forma sucinta, e
no mesmo instante afirmando o elo de ligação entre ambas cumpre destacar:
[...] à reflexão ética, nos dias de hoje [...] não lhe cabe apenas desvendar os
fundamentos da moral contemporânea, bem como as implicações das contradições
que a permeiam; cumpri-lhe detectar, nessas contradições, as possibilidades de sua
superação, incorporando não só as demandas atualmente colocadas e não
entendidas, mas, ainda, as demandas emergentes e a constituição de novos
valores. (PAIVA et. al., 2011, p.164)
Nesse sentido a reflexão que a ética propicia enquanto ciência não é apenas a
de investigar o modo como os valores e as normas são criadas e internalizadas pelos
sujeitos no decorrer da história, ou seja, como o homem comporta-se moralmente, mas,
também compreender as contradições que permeiam esse agir ético e os valores
objetivados socialmente em razão da já propalada liberdade que o homem enquanto ser
social possui.
O Serviço Social assim como outras profissões liberais, pela própria natureza de
sua atividade, qual seja, o lidar com vidas, necessita de uma espécie de auto-regulação,
esta em sentido ético materializa-se em códigos de ética, os quais determinam direitos e
deveres profissionais, competências e atribuições privativas, dispõem sobre as relações dos
profissionais com os usuários e outros profissionais, bem como aquilo que compete ao
órgão fiscalizador da referida categoria, mas para, além disso, o outro sentido da ética na
profissão é o do compromisso assumido e defendido pelos profissionais quanto ao seu
trabalho, quanto aos seus usuários e à perspectiva de sociedade a ser defendida e/ou
construída, conformando assim uma ação política e não apenas orientadora de valores
(BARROCO, 2009).
Segundo Simões (2011a) a ética profissional pode ser compreendida a partir de
dois aspectos, um que diria respeito à compreensão que os profissionais teriam sobre si em
relação à sociedade em razão de que todos efetivamente vivem em um dado momento
histórico que lhes é comum. O outro aspecto seria o de que essa ética profissional diz
respeito aos juízos desses profissionais sobre a própria sociedade em que vivem, sobre as
normas vigentes, uma compreensão do todo social, através da qual conquistam a estima e a
consideração das pessoas.
Nesse sentido a ética profissional permite uma reflexão a respeito do significado
de uma profissão na realidade em que se insere, sobre esta própria realidade, sobre os
sujeitos e sobre as construções sociais, quer dizer, assim como a ética propriamente dita, a
ética profissional, cuja peculiaridade é o vínculo a um determinado grupo que nutre e
compartilha os mesmos valores, possibilita aos sujeitos profissionais uma compreensão do
todo social. No que se refere ao Serviço Social, Simões (2011a, p.69) afirma que “por meio
da ética, os assistentes sociais têm a oportunidade de adquirir sua identidade espiritual-
profissional e de apreender o que é sua unidade enquanto grupo particular, relativamente à
sociedade”, na qual realizam seu trabalho.
Quer dizer, por meio da ética os assistentes sociais, se auto constroem
enquanto grupo profissional e ainda tem a possibilidade de compreender o que significam
enquanto grupo perante a sociedade, quais contribuições podem oferecer a esta. Nesse
sentido é necessário esclarecer “[...] a reflexão ética, como toda operação teórica, não é
neutra ou isenta; [...] na medida em que tematiza o dever ser, a ética é sempre empenhada,
comprometida, compromissada com valores que dizem respeito a determinadas projeções
sociais.” (PAIVA et. al., 2011, p. 164), é isso que a torna uma postura política.
Esse aspecto peculiar à postura ética de grupos profissionais é que deve ser
considerado, tendo em vista que estes podem contribuir para a formação da consciência de
outros sujeitos, para a adesão a certas ideologias alienadoras e preconceituosas e/ou para o
esgarçamento das próprias relações sociais. Daí a necessidade de os assistentes sociais
compreenderem que o seu compromisso deve ser com a construção de uma sociabilidade
que não a capitalista, fundada da mercantilização do homem, na individualização da
existência, na busca incessante pela satisfação pessoal e no reinado do egoísmo que
necessita da miséria e do não acesso e/ou reconhecimento dos direitos para manter-se,
mas com uma postura condizente com o projeto ético-político construído pela categoria o
qual:
Tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a
liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre
alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a
plena expansão dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional
vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem
social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. (NETTO, 1999, p.
104-5 apud , TEIXEIRA; BRAZ, 2009, p.190)
Reconhecer que existem limites quanto ao agir ético e que em certo momento a
categoria profissional pode se ver imiscuída em uma perspectiva que não aquela explicitada
no projeto ético-político e sim com a ideologia dominante, como nos primórdios do Serviço
Social não significa ser fatalista ou incrédulo, significa que é neste momento que os
profissionais precisam unir forças e lançar mão do arcabouço teórico que lhe permite
compreender a dinâmica e contraditória realidade, ensejar o debate e aliado a isso buscar
desvelar as tramas sob as quais será possível operar a transformação. É nesse sentido que
Silva (2004, p. 203) afirma “atuar eticamente implica desvelar a opacidade das relações
sociais, desnaturalizando-as. Isso requer processos de desconstrução/reconstrução de
falsas verdades, deixando a nu a teia de suas complexas interconexões e suas
contradições”, ou seja, requer compromisso e estudo crítico da realidade, por isso Martinelli
afirma:
[...] o sentido e a direcionalidade da ação profissional demandam um permanente
movimento de construção/reconstrução crítica, pois projetos ético-políticos e práticas
profissionais devem pulsar com o tempo e com o movimento. Ambos são atos
políticos, são produtos de sujeitos coletivos em contextos históricos determinados.
(2006, p.16)
A reflexão em torno da ética permite descobrir que esta não está distante do
cotidiano dos indivíduos, pois é neste espaço contraditório que ela se (re) constrói à medida
que os sujeitos percebem que são livres para escolher, mesmo que dentro de alternativas
baseadas em normas elaboradas com vistas à manutenção do bom convívio. Essa escolha,
no entanto não é livre de influências, com graus variáveis inclusive, as quais acarretam
consequências e por vezes angústias, pelo fato de que em nome do bom convívio esse
sujeito tem que ponderar entre seus desejos pessoais e o que será benéfico para os outros,
dilema cotidiano de inúmeros profissionais liberais, dentre os quais, os Assistentes Sociais,
que lidam cotidianamente com interesses contraditórios.
É no cotidiano tenso e contraditório da sociedade capitalista que este
profissional precisa decifrar as demandas que a ele se apresentam e a partir daí com base
no seu conhecimento teórico, capacidade crítica e aporte técnico-operativo adotar uma
postura ética, conjugada aos valores expressos no projeto ético-político da categoria para
responder de forma comprometida com as necessidades dos usuários mesmo tendo clareza
que irá encontrar dificuldades, as quais irão requerer uma postura política crítica.
Esse compromisso não pode ser garantido, como foi visto apenas porque é
indicado no projeto ético-político da categoria ou nos princípios que norteiam o Código de
Ética desses profissionais, mas como resultado de uma consciência íntima de cada
profissional que a partir de seu trabalho reflete uma postura ética comprometida com valores
que garantam a dignidade do homem e sua capacidade criadora que tanto os identifica
como pessoas quanto como profissionais.
Para tanto é preciso que a categoria esteja unida, que seja incentivada a
discussão crítica nos espaços de formação, que os ambientes de trabalho sejam de fato
democráticos, que os profissionais se abstenham dos preconceitos e do senso comum, dos
encaminhamentos de gabinete, e que ao invés disso tornem as demandas objeto de estudo,
se articulem com outras categorias e por meio do debate e do conhecimento embasado
sejam capazes de contribuir para a construção de uma sociedade mais humana, de homens
realmente livres.
REFERÊNCIAS
BARROCO, Maria Lúcia Silva. Fundamentos éticos do serviço social. In. Serviço Social:
direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009, p. 166-184.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Reflexões sobre o Serviço Social e o Projeto Ético-Político
Profissional. Revista Emancipação. Ponta Grossa, v. 6, n. 1, p. 9-23, 2006. Disponível em:
<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/69>. Acesso em: 02 dez.
2016
PAIVA, Beatriz Augusto de. Algumas considerações sobre Ética e Valor. In: BONETTI,
Dilséa Adeodata. [et. al.] (Org.) Serviço Social e Ética: convite a uma nova práxis. São
Paulo: Cortez, 2011, p. 105-110.
SÁ, Antônio Lopes de. Ética profissional. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
SALES, Mione Apolinario. Quem tem medo de ética? In: BONETTI, Dilséa Adeodata. [et. al.]
(Org.) Serviço Social e Ética: convite a uma nova práxis. São Paulo: Cortez, 2011, p.111-
117.
SILVA, Marlise Vinagre Silva. Ética profissional: por uma ampliação conceitual e política. In:
BONETTI, Dilséa Adeodata. [et. al.] (Org.) Serviço Social e Ética: convite a uma nova
práxis. São Paulo: Cortez, 2011, p 137-144.
--------. Ética, Direitos Humanos e o Projeto Ético-Político do Serviço Social. Revista Praia
Vermelha. Rio de Janeiro, n. 11, [segundo semestre], p. 196-208. 2004. Disponível
em:<http://www.cress-es.org.br/site/images/art_marlise_vinagre.pdf> Acesso em: 02 dez.
2016
SIMÕES, Carlos. A Ética das Profissões. In: BONETTI, Dilséa Adeodata. [et. al.] (Org.)
Serviço Social e Ética: convite a uma nova práxis. São Paulo: Cortez, 2011a, p. 60-70.
------------. Curso de Direito do Serviço Social. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2011b.
TEIXEIRA, Joaquina Barata; BRAZ, Marcelo. O projeto ético-político do Serviço Social. In:
Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS,
2009, p. 186- 199.
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 36ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.