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ÉTICA PROFISSIONAL E SERVIÇO SOCIAL: para além do Código de Ética.

Antônia Rita de Cássia Carvalho de Oliveira¹


Bárbara Vieira de Araújo Borges¹
Caroline Ribeiro Cardoso Cunha¹
Luciene Ferreira Mendes de Carvalho²

RESUMO
O presente artigo discute a importância de os profissionais de
Serviço Social adotarem uma postura ética para o fazer
comprometido com seus usuários, na perspectiva de que esta
ciência contribua para que esses profissionais sejam capazes
de fazer uma reflexão crítica da realidade social objeto de seu
trabalho, bem como adotar uma postura política reafirmadora
dos valores constantes no Código de Ética dos Assistentes
Sociais e de seu projeto ético-político os quais materializam-se
no seu cotidiano profissional não porque positivados, mas por
convicção íntima e voluntária.

Palavras-chave: Ética. Ética profissional. Serviço social.


Código de ética

ABSTRACT
The present article argues the importance of the social workers
to adopt an ethical position to make it engaged with its users, in
the perspective of that this science contributes so that these
professionals are capable to make a critical reflection of the
social reality object of its work, as well as adopting a position
reafirmadora politics of the constant values in the code of ethics
of the social assistants and its project ethical-politician which
materializes itself in its daily professional not because
positivados, but for close and voluntary certainty.

keywords: Ethics. Professional ethics. Social service. Code of


ethics

¹Acadêmicos do curso de Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Santo Agostinho.

²Assistente Social. Mestre em Políticas Públicas. Docente e Coordenadora do Curso de


Serviço Social da Faculdade Santo Agostinho – FSA. E-mail: lufmcarvalho@hotmail.com
I. INTRODUÇÃO

Refletir sobre ética nos dias atuais é desafiador diante dos inúmeros
acontecimentos que põe em cheque o respeito aos valores e normas. Tendo em vista que
irrompem na mídia diariamente inúmeros casos de corrupção de gestores da coisa pública,
de banalização dos crimes contra a vida e do descaso de profissionais nas mais diversas
áreas, casos que contribuem para o descrédito do homem no próprio homem e que
suscitam questionamentos éticos sobre que valores regem a vida em sociedade, é que
emerge o interesse por compreender como a ética profissional pode contribuir para a
construção de uma nova perspectiva de sociedade, firmada em valores mais humanos
particularmente a ética defendida pelo Serviço Social.
Sendo a ética profissional algo muito particular a cada grupo, ainda assim há um
aspecto significativo que deve ser observado por todo e qualquer profissional liberal, o qual
pelo seu próprio objeto de trabalho que é a vida precisa ter em mente, que é o respeito à
dignidade humana. Assim dada a significância social do Serviço Social, que como profissão
lida cotidianamente com inúmeras expressões da questão social, as quais decorrem das
mazelas produzidas pelo capitalismo em razão da contraditória relação capital-trabalho esse
aspecto do respeito à dignidade humana parece que ganha ainda mais destaque, em razão
de que as demandas que se apresentam a esses profissionais decorrem justamente do não
respeito à dignidade humana que é próprio à sociedade capitalista.
Esse artigo tem como objetivo pontuar alguns conceitos imprescindíveis para a
compreensão da ética propriamente dita, e sobre ética no âmbito profissional, aqui no caso
articulando-a ao Serviço Social e nesse sentido abordando-a não apenas como uma
disciplina obrigatória no decurso do processo de formação, nem consubstanciada apenas e
tão somente no Código de Ética da categoria, mas pontuando que uma postura ética
extrapola a adesão a normas e/ou valores estabelecidos para o bom convívio social,
situando-se também como um aspecto subjetivo e um processo cotidianamente construído,
o qual reafirma valores do próprio sujeito e que pode tornar-se uma postura política a qual
esse profissional tem a possibilidade de contribuir para a reafirmação da dignidade humana.

II. ÉTICA: ALGUNS ASPECTOS CONCEITUAIS

O viver em sociedade torna-se complexo em razão da natureza do homem,


sempre propenso a agir automaticamente e pelo instinto de sobrevivência, o que por vezes
leva-o a desconsiderar o outro, seu igual na sua singularidade. Nesse sentido coube ao
Estado como instância criada pelo próprio homem para resguardar seus interesses,
satisfazer suas necessidades e protege-lo mediando esses conflitos, criar regras para
nortear esse convívio e eleger os valores correspondentes, e é justamente este o meio
propício para a reflexão ética, que por sua vez constitui:
[...] a referência valorativa que estabelece os parâmetros das relações dos
indivíduos com a sociedade. Ela se preocupa com as formas de resolver as
contradições entre necessidade e possibilidade, tempo e eternidade, individual e
coletivo, interesses econômicos e valores morais, corporal e psíquico, natural e
cultural, razão e desejo. (PAIVA, 2011, p.108)

Nesse sentido, qual seja o de localizar-se na esfera dos valores, a ética propõe-
se a estabelecer uma indicação sobre o relacionamento individuo/sociedade e nesse sentido
minimizar as contradições surgidas nesse espaço as quais decorem dos dilemas da vida
prática. No entanto cabe destacar “a ética ultrapassa [...] o imediato, o conjuntural e o
passageiro, chega a oferecer pistas e apontar o leque de possibilidades que se coloca nas
situações, todavia nunca oferece certezas, soluções práticas para cada situação” (SALES,
2011, p.113), por isso ela não pode ser confundida com um manual de condutas corretas.
Logo depreende-se que a ética não tem por objetivo determinar em cada
situação vivenciada pelo sujeito uma espécie de conduta, postura e/ou solução para seus
problemas, ao contrário cabe a este de forma livre e consciente em cada situação observar
como portar-se face às regras existentes, lembrando-se que deve ter sempre como
parâmetro que a satisfação dos seus interesses pessoais deve antes submeter-se ao crivo
dos interesses coletivos, tendo em conta que o homem é um ser ao mesmo tempo histórico
e social, coletivo e individual. (VÁZQUEZ, 2014). Daí que:
Os indivíduos buscam, então, orientação para agir de acordo com determinadas
normas, princípios ou ideias, de organização e influências variáveis, devido à época
e ao tipo de formação social, e, também, em função da posição que [...] ocupam no
processo de produção, enquanto um dos elementos centrais do seu modo de vida.
(SALES, 2011, p.113)

Nesse sentido cabe então destacar que a particularidade da ética está no fato de
que esta caracteriza-se por ser a “ [...] teoria, investigação ou explicação de um tipo de
experiência humana ou forma de comportamento dos homens, o da moral, considerado
porém na sua totalidade, diversidade e variedade” (VÁZQUEZ, 2014, p.21). Quer dizer
apesar de a ética não pretender determinar um comportamento correto e único, ela se
ocupa em estudar justamente o comportamento moral dos homens, nas suas mais variadas
manifestações, aquele que baseado em normas/regras deve suscitar uma postura
qualificável positivamente.
Diante disso Vázquez (2014, p. 24) faz uma advertência “a ética não é a moral e,
portanto, não pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições, sua missão é
explicar a moral efetiva e neste sentido, pode influir na própria moral”. Isso implica dizer que
mesmo não determinando um comportamento ideal ou moralmente válido, a ética acaba
ensejando numa perspectiva mais geral aquilo que pode ser considerado bom ou até
mesmo justo já que possibilita ao homem refletir e escolher livremente ante as
possibilidades dadas. Quer dizer a ética objetiva compreender as motivações que os
sujeitos têm ao comportar-se de uma ou outra forma a partir das normas do seu tempo. Dito
isto é importante destacar:
[...] não existe uma ética única, universal, absoluta e válida para todos. Isto é, a ética
esbarra necessariamente na tensão dever-liberdade. A opção que deve marcar o ato
ético de um indivíduo, entretanto, tem como elementos fundantes os valores que
inspiram a sua concepção de mundo, a sua visão de homem, tomando como
pressuposto a constituição histórica do ser social. (SILVA, 2011, p.138)

Como o agir ético liga-se à liberdade de cada indivíduo diante das alternativas
vigentes, há que se ter em mente que a ética é sempre uma questão contemporânea, social
e intersubjetiva, portanto a realidade social e as normas são passíveis de mudança pelo
próprio homem, com vistas não à arbitrária satisfação pessoal, mas, em busca do
aperfeiçoamento da convivência com os demais. Nessa linha de raciocínio cabe pontuar que
a “moral seria a capacidade do indivíduo de formular suas próprias opiniões e pautas de
comportamento (com base nos valores éticos estabelecidos) e optar por aquele que
considerar mais correto e justo” (PAIVA, 2011, p.106), daí a liberdade de escolha, a
subjetividade.
A moral, no entanto não surge do nada, ela torna-se necessária no momento
que o homem descobre que não existe apenas como um produto da natureza, que age
apenas para manter-se vivo, mas, constitui-se como ser histórico e social que vive em
sociedade e em constante relação com os outros, daí ele compreende que precisa de meios
para regular esse convívio no sentido de torná-lo harmônico, e é nesse momento que surge
a moral. (VÁZQUEZ, 2014).
Nesse sentido Barroco (2009) afirma que a moral caracteriza-se por ser um
produto social, ou seja, é resultado das objetivações humanas e como tal localizada em um
espaço-tempo o que a torna passível de modificações, e para agir em consonância com tais
regras, valores, normas ou princípios é necessário antes que esse indivíduo aceite-as de
forma espontânea, o que irá depender do próprio contexto e das relações sociais por ele
estabelecidas.
Estabelecidas as distinções entre ética e moral, mesmo que de forma sucinta, e
no mesmo instante afirmando o elo de ligação entre ambas cumpre destacar:
[...] à reflexão ética, nos dias de hoje [...] não lhe cabe apenas desvendar os
fundamentos da moral contemporânea, bem como as implicações das contradições
que a permeiam; cumpri-lhe detectar, nessas contradições, as possibilidades de sua
superação, incorporando não só as demandas atualmente colocadas e não
entendidas, mas, ainda, as demandas emergentes e a constituição de novos
valores. (PAIVA et. al., 2011, p.164)
Nesse sentido a reflexão que a ética propicia enquanto ciência não é apenas a
de investigar o modo como os valores e as normas são criadas e internalizadas pelos
sujeitos no decorrer da história, ou seja, como o homem comporta-se moralmente, mas,
também compreender as contradições que permeiam esse agir ético e os valores
objetivados socialmente em razão da já propalada liberdade que o homem enquanto ser
social possui.

III. A IMPORTÂNCIA DE REFLETIR SOBRE ÉTICA PROFISSIONAL NO SERVIÇO


SOCIAL

O Serviço Social assim como outras profissões liberais, pela própria natureza de
sua atividade, qual seja, o lidar com vidas, necessita de uma espécie de auto-regulação,
esta em sentido ético materializa-se em códigos de ética, os quais determinam direitos e
deveres profissionais, competências e atribuições privativas, dispõem sobre as relações dos
profissionais com os usuários e outros profissionais, bem como aquilo que compete ao
órgão fiscalizador da referida categoria, mas para, além disso, o outro sentido da ética na
profissão é o do compromisso assumido e defendido pelos profissionais quanto ao seu
trabalho, quanto aos seus usuários e à perspectiva de sociedade a ser defendida e/ou
construída, conformando assim uma ação política e não apenas orientadora de valores
(BARROCO, 2009).
Segundo Simões (2011a) a ética profissional pode ser compreendida a partir de
dois aspectos, um que diria respeito à compreensão que os profissionais teriam sobre si em
relação à sociedade em razão de que todos efetivamente vivem em um dado momento
histórico que lhes é comum. O outro aspecto seria o de que essa ética profissional diz
respeito aos juízos desses profissionais sobre a própria sociedade em que vivem, sobre as
normas vigentes, uma compreensão do todo social, através da qual conquistam a estima e a
consideração das pessoas.
Nesse sentido a ética profissional permite uma reflexão a respeito do significado
de uma profissão na realidade em que se insere, sobre esta própria realidade, sobre os
sujeitos e sobre as construções sociais, quer dizer, assim como a ética propriamente dita, a
ética profissional, cuja peculiaridade é o vínculo a um determinado grupo que nutre e
compartilha os mesmos valores, possibilita aos sujeitos profissionais uma compreensão do
todo social. No que se refere ao Serviço Social, Simões (2011a, p.69) afirma que “por meio
da ética, os assistentes sociais têm a oportunidade de adquirir sua identidade espiritual-
profissional e de apreender o que é sua unidade enquanto grupo particular, relativamente à
sociedade”, na qual realizam seu trabalho.
Quer dizer, por meio da ética os assistentes sociais, se auto constroem
enquanto grupo profissional e ainda tem a possibilidade de compreender o que significam
enquanto grupo perante a sociedade, quais contribuições podem oferecer a esta. Nesse
sentido é necessário esclarecer “[...] a reflexão ética, como toda operação teórica, não é
neutra ou isenta; [...] na medida em que tematiza o dever ser, a ética é sempre empenhada,
comprometida, compromissada com valores que dizem respeito a determinadas projeções
sociais.” (PAIVA et. al., 2011, p. 164), é isso que a torna uma postura política.
Esse aspecto peculiar à postura ética de grupos profissionais é que deve ser
considerado, tendo em vista que estes podem contribuir para a formação da consciência de
outros sujeitos, para a adesão a certas ideologias alienadoras e preconceituosas e/ou para o
esgarçamento das próprias relações sociais. Daí a necessidade de os assistentes sociais
compreenderem que o seu compromisso deve ser com a construção de uma sociabilidade
que não a capitalista, fundada da mercantilização do homem, na individualização da
existência, na busca incessante pela satisfação pessoal e no reinado do egoísmo que
necessita da miséria e do não acesso e/ou reconhecimento dos direitos para manter-se,
mas com uma postura condizente com o projeto ético-político construído pela categoria o
qual:
Tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a
liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre
alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a
plena expansão dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional
vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem
social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. (NETTO, 1999, p.
104-5 apud , TEIXEIRA; BRAZ, 2009, p.190)

A partir da compreensão e do compromisso de cada profissional com esses


ideais do projeto ético-político, é possível sim em articulação com outras categorias
profissionais, cujo compromisso também seja com a emancipação dos sujeitos e com a
construção de uma outra ordem societária, porque não cabe apenas ao Serviço Social essa
iniciativa, trilhar os caminhos que deem materialidade àqueles valores. E isso configura uma
das formas de práxis, visto que:
[...] a ética não é apenas a ciência da moral, ou o seu conhecimento: apreendida
como parte da práxis, a ética é trazida para o conjunto das práticas conscientes do
ser social, dirigidas para a intervenção na realidade e na direção da conquista da
liberdade e da universalidade, tendo como parâmetro a emancipação humana.
(BARROCO, 2009, p.174)

Quanto à profissionalização, Barroco (2009) afirma que ela é um meio através


do qual os indivíduos aprendem um ofício que termina consolidando suas escolhas éticas.
Aliado a esse processo ou a ele opondo-se localizam-se as perspectivas de mundo
adquiridas conforme o processo de socialização e os aparelhos ideológicos existentes bem
como a influência do senso comum. Quer dizer, são todos esses aspectos do cotidiano do
indivíduo aliado ao conhecimento propiciado pelo processo de formação que esse
profissional irá demonstrar no espaço profissional. Daí a necessidade de a escolha
profissional ser livre e consciente, bem como ser espontânea a adesão aos valores que a
legitimam.
Essa compreensão é confirmada por Sá (2015, p. 168) segundo o qual “o dever
nasce primeiro do empenho de escolher, depois daquele de conhecer, e finalmente do de
executar as tarefas, com a prática de uma conduta lastreada em valores ou guias de
conduta”. No entanto é preciso reconhecer os limites postos e assim buscar alternativas,
tendo em vista que:
[...] a ética profissional não é isenta dos processos de alienação, mas [...] pode,
favorecida por condições sociais e diante de motivações coletivas, ser direcionada a
uma intervenção consciente realizadora de direitos, necessidades e valores que
respondam às necessidades dos usuários. Intervenção que se articula, em termos
de projeto social, a uma práxis política motivada pela ultrapassagem dos limites à
plena expansão da liberdade. (BARROCO, 2009, p. 177)

Reconhecer que existem limites quanto ao agir ético e que em certo momento a
categoria profissional pode se ver imiscuída em uma perspectiva que não aquela explicitada
no projeto ético-político e sim com a ideologia dominante, como nos primórdios do Serviço
Social não significa ser fatalista ou incrédulo, significa que é neste momento que os
profissionais precisam unir forças e lançar mão do arcabouço teórico que lhe permite
compreender a dinâmica e contraditória realidade, ensejar o debate e aliado a isso buscar
desvelar as tramas sob as quais será possível operar a transformação. É nesse sentido que
Silva (2004, p. 203) afirma “atuar eticamente implica desvelar a opacidade das relações
sociais, desnaturalizando-as. Isso requer processos de desconstrução/reconstrução de
falsas verdades, deixando a nu a teia de suas complexas interconexões e suas
contradições”, ou seja, requer compromisso e estudo crítico da realidade, por isso Martinelli
afirma:
[...] o sentido e a direcionalidade da ação profissional demandam um permanente
movimento de construção/reconstrução crítica, pois projetos ético-políticos e práticas
profissionais devem pulsar com o tempo e com o movimento. Ambos são atos
políticos, são produtos de sujeitos coletivos em contextos históricos determinados.
(2006, p.16)

Assim, refletir sobre ética profissional no âmbito do Serviço Social é importante,


pois ela permite a esses profissionais compreender que o agir ético é um compromisso que
extrapola os valores legitimados por eles, pois como uma forma de práxis, ela possibilita a
esses tornarem sua ação de mero cumprimento de atribuições em uma atividade política,
através da qual podem contribuir para a construção de um novo padrão de comportamento,
de novos valores e de ações teleologicamente orientadas e para a construção de uma nova
sociedade, cujas relações sejam mais harmônicas, em que os sujeitos sejam reconhecidos
pelo que são e desfrutem da liberdade que detém.

IV. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CÓDIGO DE ÉTICA DO SERVIÇO SOCIAL

No âmbito do Serviço Social brasileiro já se contabilizam cinco códigos de ética,


os quais representam fielmente a trajetória que essa categoria vem construindo na
sociedade, em termos de valores e aspirações. De inicio, assim como quando o próprio
Serviço Social surgiu, vinculado aos interesses controladores da vida dos sujeitos pela
burguesia e pelo Estado este documento era um tanto conservador mas, evoluiu até o atual
de 1993 conjugado a uma perspectiva mais humanista e libertária vinculado aos anseios da
classe trabalhadora. Todos os códigos independentemente da categoria representam a
“dimensão da ética profissional que remete para o caráter normativo e jurídico que
regulamenta a profissão no que concerne às implicações éticas de sua ação”. (PAIVA et al.,
2011, p. 171) perante o que essa profissão é socialmente necessária.
Simões (2011a) afirma, no entanto, que um Código de Ética não representa
apenas um agregado de normas jurídicas e/ou a iniciativa de um dado grupo profissional de
se auto organizar enquanto categoria perante a sociedade e outros profissionais, isto é, não
representa apenas a determinação formal de normas e valores de uma categoria
profissional, mas acima de tudo demonstra a necessidade de a própria sociedade que se
beneficia dos serviços de diversos profissionais liberais ter uma forma de controle quanto às
suas ações tendo em vista que estes profissionais detém alguma autonomia no seu
processo de trabalho e que por isso podem sobrepor os interesses da categoria aos da
sociedade colocando assim em risco a vida dos sujeitos, com os quais desenvolvem seus
trabalhos.
Segundo Sá (2015) considerando que tanto quem realiza um trabalho quanto
quem dele se beneficia enquanto cliente/usuário busca em primeiro lugar a satisfação de
algo que por si próprio não tem capacidade de satisfazer, por isso o beneficio é reciproco é
que se faz necessário estabelecer padrões que deem a ambos os envolvidos com o trabalho
a certeza de que este irá se realizar e isto pautado em um relacionamento ético. Quanto ao
trabalho dos liberais, cujo padrão controlador é um Código de Ética, que vale para todos os
profissionais, seja o autônomo ou àquele com um vinculo empregatício, o qual não retira de
todo sua autonomia como no caso do Serviço Social há que se considerar que mesmo
orientado pelo código o respeito a este é algo individual e interno, pois:
[...] o trabalho liberal, em qualquer regime de trabalho, somente em algumas rotinas
pode ser parcializado, porque sua eficácia, no essencial, depende de decisões
pessoais, que exigem sua autonomia profissional e, por isso mesmo, um elevado
grau de responsabilidade social. Mesmo quando integrado ao trabalho em equipe,
cabem-lhe decisões que dependem de seu discernimento e imputação valorativa.
(SIMÕES, p. 537, 2011b)

Quanto ao profissional de Serviço Social, que geralmente trabalha em equipe e


por vezes dispõe de relativa autonomia em seu exercício de trabalho a depender do espaço
em que este se realiza e do público atendido, em sua grande maioria a classe trabalhadora,
os destituídos de participação seja no âmbito público seja no usufruto dos produtos do
trabalho coletivo, tal postura ética e por sua vez o respaldo dos frutos do seu trabalho
dependem grandemente do compromisso de cada um com os valores contidos no projeto
ético-político da categoria, os quais devem observar por convicção íntima e voluntária e não
apenas porque expressos no Código de Ética, desta forma infere-se que:
[...] os valores contidos no Código de Ética Profissional são orientadores das
opções, escolhas, dos posicionamentos e julgamentos de valor realizados
cotidianamente. Todavia, para que se materializem, é preciso que ganhem
efetividade na transformação da realidade, na prática social concreta, seja ela na
direção de um atendimento realizado, de uma necessidade respondida, de um
direito adquirido. (BARROCO, 2009, p. 181)

Assim como a ética propriamente dita cujo objeto de estudo, o comportamento


moral dos homens situado em determinado tempo não tem como estabelecer um
comportamento único e fielmente correto para cada situação, assim também ocorre com o
Código de Ética dos Assistentes Sociais, que funcionando como um termômetro para a
sociedade quanto ao trabalho desses profissionais ante os valores e condutas para eles
esperado não tem como garantir por si só um comportamento ilibado dos mesmos.
Antes é necessário que cada profissional em seu cotidiano observando as
requisições de cada momento, os sujeitos que com ele vivenciam, e os seus valores
enquanto pessoa compreenda que o Código de Ética se materializa no momento em que ele
profissional viabiliza um direito, o acesso a um serviço ou programa, realiza um
encaminhamento ciente que estará contribuindo para a superação da vulnerabilidade do seu
usuário, e para a democratização das relações sociais o que para Simões ocorre porque “o
dever moral fundamenta-se na convicção subjetiva de motivação humanística, pelo qual
uma pessoa decide-se por determinada conduta, independentemente de estar formalmente
a ela obrigada”. (SIMÕES, 2011b, p. 538), decorre justamente da convicção de estar
fazendo o justo, o correto naquele momento. E ainda:
Para que ele se realize absolutamente em tudo o que prescreve e aponta enquanto
projeto político e ético-profissional, depende de outros fatores, tais como: a
qualidade da formação profissional, o nível de consciência política e de organização
da categoria, o compromisso dos profissionais enquanto cidadãos, e também as
condições objetivas que incidem sobre o desempenho profissional. (PAIVA et al.,
2011, p. 208)

Esse é um compromisso que demanda esforços de toda a categoria e que se


materializa não apenas no momento da formação ou no âmbito acadêmico, mas, nos
diversos espaços sócio ocupacionais e cotidianamente, mediante um compromisso que não
se restringe à condição de estar em determinada posição, mas de uma convicção intima e
voluntária de todos os profissionais que dispostos a debater, a se aprofundar no
conhecimento da realidade possam desvelar as tramas contraditórias do cotidiano, que por
vezes teimam em obscurecer a compreensão do real e das inúmeras expressões da
questão social em seus diversos recortes e manifestações. O que contribui para que esses
profissionais “vejam no código não somente seu caráter punitivo, mas um instrumento
privilegiado que permite à profissão expressar sua identidade ético-politica à sociedade”
(PAIVA et. al., 2011, p. 172-173), reveladora do seu compromisso com os valores
humanísticos e libertários constante nos seus 11 princípios.
Além de representar o compromisso de cada profissional em particular e assim
da categoria como um todo a efetivação não apenas do código, mas da perspectiva de
construção de uma nova ética representa na verdade um grande desafio, em razão dos
valores em cuja sociedade capitalista se assenta, por isso Silva (2004, p. 200) afirma “o
desafio se coloca, então, no sentido da construção, no interior dessa mesma sociedade, de
uma ética emancipatória, na qual se vislumbre que o direito a uma vida digna seja efetivado
através da garantia do acesso à riqueza material e espiritual a todos”. Tal desafio precisa
ser enfrentado todos os dias por cada Assistente Social brasileiro, através do respeito às
particularidades dos usuários dos seus serviços, abstendo-se de toda forma de preconceito,
alargando o diálogo e a articulação com os outros profissionais e construindo junto com
estes e com os usuários as soluções para seus problemas, o que representa a postura
política necessária para que a ética da profissão se materialize rumo à emancipação do
homem pelo próprio homem.
E isso ocorre quando a dimensão individual não se distingue da profissional:
A coerência entre a dimensão profissional e a vida social no seu significado mais
amplo é, pois, fundamental para que os valores contenham maiores possibilidades
de realização. É nesta direção que o Código de ética assume importância
fundamental, pois ele pode ser um instrumento legítimo para o estabelecimento de
normas que buscam garantir (dentro de seus limites) um respaldo à prática
profissional. (PAIVA et. al., 2011, p. 172)

É no dia-a-dia, tanto do ambiente de trabalho, quanto no espaço privado que


cada um, enquanto profissional ou ainda estudante, tem a oportunidade de validar suas
escolhas éticas, como sujeito livre que é, dotado de consciência, as quais são fiéis
representantes dos seus valores enquanto sujeitos e mediante as quais o Código de Ética
atua apenas como uma confirmação positiva, pois antes mesmo que este se fizesse
necessário, o julgamento ético já havia sido feito.
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reflexão em torno da ética permite descobrir que esta não está distante do
cotidiano dos indivíduos, pois é neste espaço contraditório que ela se (re) constrói à medida
que os sujeitos percebem que são livres para escolher, mesmo que dentro de alternativas
baseadas em normas elaboradas com vistas à manutenção do bom convívio. Essa escolha,
no entanto não é livre de influências, com graus variáveis inclusive, as quais acarretam
consequências e por vezes angústias, pelo fato de que em nome do bom convívio esse
sujeito tem que ponderar entre seus desejos pessoais e o que será benéfico para os outros,
dilema cotidiano de inúmeros profissionais liberais, dentre os quais, os Assistentes Sociais,
que lidam cotidianamente com interesses contraditórios.
É no cotidiano tenso e contraditório da sociedade capitalista que este
profissional precisa decifrar as demandas que a ele se apresentam e a partir daí com base
no seu conhecimento teórico, capacidade crítica e aporte técnico-operativo adotar uma
postura ética, conjugada aos valores expressos no projeto ético-político da categoria para
responder de forma comprometida com as necessidades dos usuários mesmo tendo clareza
que irá encontrar dificuldades, as quais irão requerer uma postura política crítica.
Esse compromisso não pode ser garantido, como foi visto apenas porque é
indicado no projeto ético-político da categoria ou nos princípios que norteiam o Código de
Ética desses profissionais, mas como resultado de uma consciência íntima de cada
profissional que a partir de seu trabalho reflete uma postura ética comprometida com valores
que garantam a dignidade do homem e sua capacidade criadora que tanto os identifica
como pessoas quanto como profissionais.
Para tanto é preciso que a categoria esteja unida, que seja incentivada a
discussão crítica nos espaços de formação, que os ambientes de trabalho sejam de fato
democráticos, que os profissionais se abstenham dos preconceitos e do senso comum, dos
encaminhamentos de gabinete, e que ao invés disso tornem as demandas objeto de estudo,
se articulem com outras categorias e por meio do debate e do conhecimento embasado
sejam capazes de contribuir para a construção de uma sociedade mais humana, de homens
realmente livres.

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VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 36ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

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