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Sumário

Nota à edição brasileira 9


Apresentação - Sobre Isaac Rubin e sua História do pemamento econômko 11
joão Antonio de Pa11la e Httgo Eduardo A. da Gama Ce,.queira
Prefácio à edição inglesa 25
Dona/d Filtzer
Prefácio do autor à segunda edição 29

PARTE I. O MERCANTILISMO E SEU DECLÍNIO 37

CapítuJo l. A era do capiral merçancil 39


Capítulo 2. Capital mercantil e polírica mercantilista
na Inglarerra nos séculos XVI e XVII 49
Capítulo 3. As características gerais da literacura mercantilista 59
Capfrulo 4. Os primeiros mercantilistas ingleses 67
Capítulo 5. A doutrina mercantilista em seu apogeu: Thomas Mun 75
Capículo 6. A reação ao mercanrilismo: Dudley Norch 87
Capículo 7. A evolução da teoria do valor: William Peny 95
Capitulo 8. A evolução da reoria da moeda: David Hume ] 11

PARTE 2.. OS FISIOCRATAS 123


Capírulo 9. A situação econômica na França
de meados do século XVIII 125
Capírulo 10. A história da escola fisiocrata 135
Capítulo 11. A filosofia social dos nsiocraras 141
Capfrulo 12. A agriculcura de grande e pequena escala 147
Capículo 13. Classes sociais 153
Capítulo 14. O produto líquido
Capitulo 15. O T11ble1111 éco11omique dl· Qfü-.rnay
Capítulo 16. Política econômica
Capíru]o 17. O legado teórico dos fisiocrat•\s

PARTE 3. ADAM SMITH

Capítulo 18. O capitalismo industrial na Ingfarc:rra


em meados do século XVIII
195
Capírulo 19. Adam Smith, o homem
207
Capítulo 20. A filosofia social de Smith
213
Capítulo 21. A divisão do trabalho
22)
Capítulo 22. A teoria do valor
235
Capítulo 23. A teoria da distribuição
249
Capículo 24. A teoria do capital e do trabalho produtivo 261

PARTE 4. DAVID RICARDO 273


Capítulo 25. A Revolução Industrial na Inglaterra 275
Capítulo 26. A vida de Ricardo 287
Capfrulo 27. As bases filosóficas e metodológicas da teoria de Ricardo 291
Capítulo 28. A teoria do valor 307
Capfrulo 29. A renda fundiária 333
Capítulo 30. Salários e lucro 343

PARTE 5. A DESINTEGRAÇÃO DA ESCOLA CLÁSSICA 353

Capítulo 31. Malthus e a lei da população 355


Capítulo 32. O início da economia vulgar: Say 367
Capítulo 33. Os debates em corno da teoria ricardiana do valor 375
Capítulo 34. O fundo salarial 383
391
Capítulo 35. A teoria da abstinência: Senior
397
Capítulo 36. A harmonia dos interesses: Carey e Ba.çtiat
407
Capírulo 37. Sismondi como crítico do capiraJismo
419
Capítulo 38. Os sodalisras ut6picos
425
Capírulo 39. O crepúsculo da escola clássica: John Sruarr MilJ
PARTE 6. CONCLUSÃO
439
Capículo 40. Uma breve revisão do curso 441

Posfácio à edição inglc~a 459


Ct1theri11e Colliot-lhélene
Índice onom;htico e; 13
Índice km;\tico 519
Apresentaç5o
SOBRE ISAAC RUBIN E SUA
HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO
/otio Amonio de Pttt1!11
.Hugo Edl/lmlo A. ria G.mu1 G:rqr1ririt •

Introdução
Sobre a pessoa e a obra de Isaac Ilkh Rubin inci<lir:11n alguns dos mais
dram:íticos e expressivos acomccimcncos do século XX. Século de cxm:mos, como
mostrou Eric Hohsbawm, que ensejou entusiasmos, grandes e luminmas expcc-
t:nivas. também foi tempo de barbárie, de <lcstruiç;lo, de tr;1gédias.
Rubin esteve ligado à extraordinária expcriência da Revolução Russa, que
canto mobilizou formi<loívds energias colccivas para a construção do mundo, como
liberdade, criatividade e igualdade, quanto padeceu das ddcrérias consequências
da imposição do regime scalinista e sua longa vigência.
Rubin, sujeito e representante do melhor que a Revolução Russa aportou
como renovação culcural, foi uma das incont;iveis vítimas da rcpr~ssáo stalinista.
Tendo começado sua carreira política entre os mcnchcviqucs, ele foi um dos gran-
des nomes do pensamento econômico marxista, um dos mais criativos e consis-
tentes int~rpretes de Marx. Sua obra no campo específico da tc:oria do valor e seus
trabalhos no campo da história do pensamento econômico são pomos altos do
pensamento econômico do século XX cm qualquer lacitude ou pc:rspcctiva.
Junto com Preobrazhensky, outra vícima do stalinismo, Rubin foz parte do
processo incrivelmente rico gerado pela Revolução Russa cm seus primeiros anos
nos campos artístico, cicnrífico e cultural, em que se destacam nomes e corremes

Professores do Centro de Desenvolvimenro e Pbnejamemo Regional de J\linas Gerais,


da Universidade Fcdcrnl de Minas Gcmis (Cedcplar/UFrvlG) (www.cedeplar.uímg.hr/
jpaula/ e www.cedcplar.ufmg.br/hugo/).

__l _________________ ~r
PCNSA""CNfO EÇONOM1ÇO
12

d· es plásckas, da música, do reacro, da dança, do


imporrnmc:s nos c.1mpos as arr . .
da licc:racura, da cearia füer.íria e da ps1colog1a.
cincm:a, .
Rubin e sc:us colaboradores tc!m lugar singular n~ c~n1unto do pcn~amcnto
econômico marxista em momenco panicularmente cr1anvo, que marcou 0 final
do século XIX e 0 inicio do século XX. É o período em.que s_e des~acaram as inter-
• d , . · Rosa Luxemburgo, Trotski, Bukharm, H1lferdmg, Otto Bauet
vençoes e L.CDID, .. • ,
Henrik Grossmann e Frirz Sternbcrg, entre outros, que vao realizar o marxismo
como arma analltica e instrumento program:ítico e organizativo, abordando qucs-
rões cruciais como 3 formação do mercado interno para o capical cm países peri-
féricos, 0 imperialismo, o capirn.J financeiro, as crises econômicas capitalisr;1s, as
relações entre nações e as Juras de classes, a construção do sociaJismo.
Não esqueça: que esse é também o momento da dcdsiva emergência do
que se chamou marxismo ocidental, que reúne os nomes exptt'~ivos <lc Amonio
Gramsci, Gyorgy Luk:íc.1, Karl Korsch, Ernst Bloch e Walcer Benjamin. Toda e"a
rica rradiçáo, rodos esses nomes não esgotam o muito de significativo que merece
ser lembrado, como os nomes não canônicos de membros de corrences como a
dos "conselhisras" Anron Pannekock e Herman Goner.
Insista-se na riqueza teórica e política do marxismo no período considcmdo
para a justa apreensão da grandeza da obra de Rubin. Seu rrabalho rem <amanha
acuidade que só poucas vezes foi alcançada no campo do pensamento econômico
marxisra. Com efeito, a obra de Rubin é das poucas tentativas bem·sucedidas de
acrescentar. efetivamente, algo de novo ao cenrraJ da teoria marxiana, que é sua
recria do valor, que se desdobra, como sabemos, em uma teoria do capital como
valor que se aurovaloriza, como exposição da forma de presen<ificação e desenvol-
vimento das categorias da critica da economia política.

Sobre Isaac llich Rubin*

Nascido em 12 de junho de 1886, na cidade de Dvinsk- arualmenre cha-


mada de Daugavpils, na Lerônia -, Isaac Ilirch Rubin foi o primogêniro de uma
fumília de judeus abasrados. Ingressou como esrudame na Universidade de São
Petersburgo em 1906, graduando-se em Direiro em 1910. Durame esse período,

As .informaçóes
d L' , .
biográficas aprcs d - · d
cnfll as nesta scç:io foram cxrrafdas, em sua maioria, o
amgo e JUunu 11a Vasina (1994).
80DRE. 18-'AC RU91 ... E. SUA HISTORIA DO Pf:HSAfl#f;N1'0. 13

já se interessava por remas de economia política. Nos anos seguintes, mudou-se


para Moscou, conciliando o nabalho como advogado com c.">rudos científicos
que lhe rc:nderam a publicação de vários arcigos sobre direito civil. Nesse período,
milicou no Bund, uma org:mi1.ação de rmbalhadorcs judeus que se uniu ao Partido
Social-Democrata. Após a Revolução de 1917, colaborou com os novos órgãos do
governo soviético e passou a lecionar economia política em diferences instituições
de cnl'lino, como a Universidade de ?vloscou e o Instituto da Cátedra Vermelha.
Nl·ssc período, iniciou sua colaboraç:ío com David Rhl:t.anov, que o incumbiu de
traduzir textos econômicos de Marx para o russo. Em 1923, Rubin publicou a
obra que lhe renderia mais prcsdgio e reconhecimento: Em11ios sobre a teoria do
valor de ,hf11rx (Rubin, 1980). Acolhido favoravelmente por estudiosos e lideran-
ças políricas, como Bukharin, o livro lançou os fundamentos para uma n:lchura
da teoria do valor em novas bases, livres do dogmacismo e do mecanicismo que
caracterizavam oucras interpretações formuladas naquele período. A publicação
desse volume coincidiu, no entanto, com a prisão de Rubin e sua condenação a
crês anos de detenção por "alUaÇ<io antissoviética". Durante esse período, e apesar
das condições desfavoráveis, ele conseguiu mamer uma incensa arividade intclcc-
mal, trabalhando como uaduror e escrevendo textos científicos, encre os quais
uma versão revista e ampliada de seu livro sobre a teoria do valor.
No final de 1926, Rubin foi contratado como colaborador do Instituto
Marx-Engels, dirigido por Riazanov. Ali assumiu a chefia do gabinete responsável
pela edição das obras econômicas de Marx, bem como prosseguiu com o trabalho
de tradução de textos clássicos de economia política. Paralelamente, escreveu tex-
tos em que aprofundou sua imerpretação da teoria de Marx, como o artigo sobre
o trabalho abstrato publicado na revista Pod Znamenem Marksizma, cm 1927,
e seu livro História do ptmamento «onômico, que o leitor tem em mãos (Rubin,
1978; 1979). Este último, como era de feitio dos demais trabalhos de Rubin,
longe de ser mero comentário dos escritos de Marx referentes ao tema, é uma
reelaboração abrangente e consistente, pois se trata de uma síntese acabada das,
pelo menos, três tentativas de elaborar o que Marx chamou de "parte histórica",
ou "histórico-critica·, de sua teoria fondamemal.
No final dos anos 1920, Rubin esteve no centro de uma acalorada con-
trovérsia sobre questões de economia política que, começando como um debate
teóri_co conduzido de maneira relativamente livre, acabou assumindo um tom
dominado por acusações e incriminações de natureza política. Rubin foi criti-
1•f'"Pll~Ar.!r.t<TCI r c o N 0 .... 1CO
14 1• 1 ._ T ,~ >j 1 A r> •1

. . "· l ,rJ·,i•cm h.lcali:·aa" e folsifo.:adora da teoria cconêJmica


cai. 1l> por apo1.1r unl.l .1 't · 0 •
de.·~forx. Foi :tt;Koh.lo e.te nlilnch·;,1 impiedosa na imprensa e forçado ;\ renunciar à
ativi1.l.1Jc Jol"cmc. Em Jc:zcmbro de I930, Rubin foi ;.u.:usaJo de parridpar de um
Burl'an UniliGiJl') dos Mcm:hc\'iqul!'S e novamente decido. Em março de 1931,
dcpoi:) de S'-'r barb;tramcncc mrmrado, foi condenado a dn~~ anos de pris;io. Em
19.F. novamente 0 prcndcr:un, dessa vez, acusado de parm:1par de uma organi-
zação crmskisra. Condenado à pena máxima, foi executado em 27 de novembro
do mesmo ano.

Marx e a história critica das teorias do mais-valor


Falou-se aqui de três tentacivas de Marx de elaboração da "história das
doutrinas": a Introdução aos EsbofOI da critica da economia polirfra (Gnmdrisre),
escriia entre final de agosto de 1857 e meados de setembro de 1857; as partes
A. B e C de Para a critica da economia política, de 1859. a saber: "Aponrnmcntos
hisróricos para a análise da mercadoria", "Teorias sobre a unidade de medida do
dinheiro" e "Teorias sobre o meio de circulação e o dinheiro" (Marx, 1974); e,
finalmente, o texto dos cadernos VI a )0/, escritos entre março de 1862 e dezem-
bro de 1862, e que fazem parte do chamado Ma1111scrito de 1861-1863, publi-
cado entre 1905 e 191 O, por Karl Kautsky, com o título de TeorillI da mais-valia
(Marx, 1974b).'
Quando Marx deu início à redação de sua Critica da economia política, em
1857-1858, chegava ao termo, assim ele o acreditava, uma longa temporada de
estudos, iniciada em 1842-1843, momento em que, em decorrência de sua ati-
vidade jornalística, ele foi obrigado a se confrontar com os "chamados interesses
materiais".
Em 1857, no contexto de uma crise econômica de grandes proporções,
Marx culm:ou para si a mrcfa de elaborar uma 11crítka" que pudesse funcionar
como uma arma do proletariado, canto contra as consequências imediaras da crise
quanto contra a dominação capitalista cm seu conjunto. Os EsbofOI da crítica da
economia politira, escritos entre 1857 e 1858, publicados em 1939 e 1941 - cha-
mados normalmente de Gr11ndrisse - são a materialização sintética dos princi-
pais resultados dos estudos de Marx sobre economia política. Incompletos que

? contc:lído das Teoriiu d11 ""'iMmlia inclui também o texto do caderno 18 e rrc~hos
l!mlados de: outros cadernos redigidos até julho de 1863.
SDllHE ISA.AC RUOIN C SUA 15

estivessem e~ses cMudos. eles jti eram sufidememcncc porente!l para ;iuwri7.ar seu
amor a dar a pt'1hlico seus resultados, o que será feiro em primeiro lug:\r, cm 18 59,
com l~mt ti crítir11 d11 ermwmitt ptJlítim, c111c reúne os capítulos sobre a mercadoria
e o dinheiro (Marx, 1974).
Os planos de Marx, cmáo, incluíam uma continuação do livro de 1859.
que é o que ele se pós a fazer, entre 1861 e 1863, quando redigiu os cadernos 1 a V
do M,musaüo de 1861-1863, o capítulo sobre o capital em gemi, traduzido para
o pormguês por Leonardo Gomes de Deus e publicado pela Aurênrica Editora
em 2010 (Marx, 1974).
l:rnto a redação de Pant 11 crítica da eco11omitl política, publicada cm 1859,
quanto a do Mn1111scrito de /861-1863 pressupõem a existência de uma chave
analítica, de um ponto de visrn teórico que permitiu ao seu autor realizar a efetiva
crítica da economia política, o que não se confunde com a operação tradicional-
mente associada à palavra crírica", que se comema cm ser paráfrase, comentá-
11

rio, observação e que, referindo-se a um objeto, só o apreende exteriormente,


superficialmente. Com efeito, para Marx, assim como para Hegel, o trabalho da
crítica é uma operação de apropriação, de suprassunção, em que se preservam do
objeco seus conteúdos emancipatórios, ao mesmo cempo que se descana o que,
no objeco, está perfeitamente mono.
É por já se achar senhor do segredo do funcionamento do modo capita-
lista de produção, de suas cacegorias e cstrucuras caracterísdcas que Marx pôde
empreender a exposição de sua crícica da economia polícica, cujo núcleo é a des-
coberta do capital como valor que se autovaloriza pda exploração da força de
nabalho, pela extração e acumulação do mais-valor.
É sabido que Marx tanto diferenciou o méto<lo de investigação do método
da exposição quamo escabclcceu a amerioridade da invesdgação em seus inume~
rávcis caminhos. Apreendido o conceito, desvelado o funcionamento, a escrumra
e a dinâmica do real, tarefas da investigação, caberfam aos procedimentos exposi-
tivos a ordenação dos conceitos, o sequenciamento das formas necessárias de sua
aparição, que devem obedecer, rigorosamente, à passagem do simples ao com-
plexo, da totalidade simples à totalidade complexa, do abstrato ao concreto, movi-
menco que "não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar
do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado" (Marx, 1974, p. 123).
A exposição é, então, a totalização do conceito apreendido e reproduzido
pelo pensamento que abre caminho para uma segunda operação fundamental -
PENll ... UENTO ECDN0hl•C0
16 HISTORI ... DO

. _ .. d coni'unto do pensamento sobre o objcco em questão a


a :1.propr1açao crmca o •
economia polícica.
.• 101
Marx, Jª r. . d" elaborou com disrinros graus de abrangência e acaba
iro, • •. • . ,, . . • -
mento, pelo menos m!s renracivas de "hisror1as crmc.as • A pnmeua tentativa
ená no rcxro de Introdução aos Gnmdrisst, de 1857. no qual Marx apresenta em
. dolo"g"ica para ficar com uma denominação kantiana, as condi-
perspecuva mero • . ,. . • .
ções de possibilidade da crídca da economia polmca, 1sr~ ~· em que a critica J~,
economia pofírica se disdngue e supera o melhor da trad1çao da economia polí-
tica clássica, ou melhor, na verdade, do pensamento burguês em seu moml'nto «.lc
auge. Assim, são submetidos ao escrutínio do ponto de vista superior in:;tituítlo
pda crltica da economia política grandes nomes do pensamento c1.:onômko hur-
guês, como Smirh e Ricardo, mas também Rousseau, o pens;.uncnrn polítko,
a jurisprudência, a historiografia e a estética burguesas. }.tux, em 1857, j;i se
achava plenamente preparado para terçar armas com o mdhor do pensamento
burguês, em procedimento que não se contentou em apontar equívocos e fo.1gili-
dades teóricas pontuais, mas que se propôs questionar as bases mesmas, metodo-
lógicas e conceituais, do pensamento burguês em seu conjunto.
Das quatro partes em que se divide a Introdução de 1857, três remetem
diretamente à economia polltica. Nas duas primeiras, Marx toma a obra de John
Stuart Mill - Princípios da economia política, de 1848, tratado representativo da
visão então dominante entre os economisw políticos-, e a submete à critica rigo-
rosa a partir das descobertas que seus esrudos lhe haviam permitido. Para Marx,
a obra de John Stuart Mill constiruía-se em clara regressão ao que o pensamento
econômico burguês já havia alcançado. Marx refaz os termos da conceitualização
de Sruan Mill transfigurando dialeticamente os elementos produção, consumo,
distribuição, troca (circulação), que, em sua perspectiva, apresentam-se assim: "O
resultado a que chegamos não é que a produção, a distribuição, o intercâmbio,
o consumo são idênticos, mas que todos eles são elementos de uma totalidade,
diferenças dentro de uma unidade" (Marx, 1974, p. 121).
Marx critica John Stuart Mill como representante do pensamenro eco-
nômico hegcmônico em sua época, numa operação que tanto mostra como a
economia pollrica havia regredido desde a época de Ricardo e Sismondi, quanto
mesmo ª grande tradição da economia polltica clássica não fora capaz de supe-
rar se~s limites de classe, seus interesses objetivos, eternizando o que é histórico,
sacralizando o que é humano, individualizando o que é coletivo.
S09RE: IS44C RU91N E SU .... HllSTOr:llA
17

Na terceira pane da lmroduçáo de 1857. Marx moscrou o avanço mecodo-


lógico rcprcsencado pela subscicuição do método rípico dos economisras do século
XVII - Pcccy. Boisguilleherr, que paniam do "todo vivo" (a população, a nação,
o Esmc.lo, vários Estados, etc.) para, depois, chegar às determinações mais simples
(divisão do no1halho, dinheiro, valor, etc.) - pelo método que caracteriza os eco-
nontiMas dos St.~ulos XVIII e XIX - Smhh e Ricardo, que seguiram o caminho
inverso, isto é, dois couegnrias simples às categorias complexas, concrcrns.
Contudo, mesmo esse "método cientificamente correto" não é su6cicntc
como rnl p:ua servir à crítica da economia política que esta, para se rcali7. ar, tem
de se apropriar e "superar", supmssumir, o método típico da economia política
chíssica, pela efetiva compreensão da centralidade do capital, como tolillidade: "o
caphal é a potência cconê>mica da sociedade burguesa, que domina tudo. Deve
constituir o ponto inicial e o ponto final, deve ser desenvolvido antes J;\ proprie-
dade da terra" (Marx, 1974, p. 128). Eis o caminho da exposição da crítica da
economia política que vai se realizar em O tapi1t1l.
Nos anos 1857-1858, Marx elaborou um plano geral da crítica da econo-
mia política em seis livros: 1) Capital; 2) Propried11de da te1Ta; 3) Tmb<1/ho assa/,,.
riado; 4) Estado; 5) Comércio exterior, e 6) Mercado m1111ditzl tas crises. O livro l,
sobre o capiral, teria quatro partes e uma introdução, que trataria da mercadoria
e do dinheiro, seguindo-se: a) o capital em geral; b) a concorrência entre capitais;
e) o crédito; d) o caphal acionário. A parte (a), relativa ao capital em geral, seria
dividida em três subparies: 1) o processo de produção do capital; 2) o processo
de circulação do capiml; 3) a unidade de ambos, o capital e o lucro. Por sua vez,
a subpanc sobre o processo de produção do caphal seria subdividida em cinco
partes, a saber: 1) a conversão do dinheiro em capital; 2) o mais-valor absoluto;
3) o mais-valor relativo; 4) a 1..""0mbinação de ambos; 5) teorias sobre o mais-valor
(Marx, 1987,v. l,p. IO).
Desse plano de 1857-1858, Marx redigiu a introdução ao livro 1 ("Mer-
cadoria e dinheiro"), publicada com o título de Para a critica tÍd eomomia polí-
tica, em 1859. A parte relativa ao capital em geral - o processo de produção do
capital- foi publicada em dois momentos. Entre 1905 e 1910, Kautsky publicou
o referente às Teorias da mais-valia; entre 1976 e 1982, no âmbito da segunda
MEGA (Marx-Engels-Gesamtausgabe), foi publicado o conjunto do Ma11usrrito de
1861-1863, que inclui, além do caphulo referente ao capital em geral-que seria
a sequência do livro Para a tritira áa tco11omia polítitll-, os outros materiais que
foram usados por Engels para editar o livro 3 de O capi1,1/ (Deus, 2010).
n(.· fow. nc.'ise pf;mo de 1857-1858, a crítiut da economia política dar-se-ia
mediomte a ahl.'rn;lnda da exposição em que, num primeiro momento, é apresen-
t•tdo 0 objcro rnl como Marx o elaborara criticamente e, cm seguida, a crícica das
doutrinas econômicas sobre a mesma temática. Marx seguiu esse proccdimcnio,
tanto cm R1ra a crítica d11 ero11omia política, nos capímlos sobre a mercadoria e
0 dinheiro, quanto no capírulo sobre o capital cm geral, que seria a continu;tc.;án
de Rm1 a crítka da eco11omitl política, e que não foi publicado pela dl'dsi\';1 r:11;10
da ahcr:u;fo do plano ex:posirivo da crítica da economia política, «.1ue l\t1rx foria
<ntrc 1865-1866.
Ao cscre\'cr seus textos de "história crítica", de "história d.is dnutrina!r>",
Marx esra.va realizando parte essencial de seu projeto teórico. Para se rc;.1liz;1r inte-
gralmente, a crítica da economia polícica tinha de ser to1mb~m um ajus1c de con-
tas, em toda a linha, com o essencial do melhor da tradição da economia política
burguesa a partir do ponto de visra, do ponto arquimcdiano, que M:1rx csta\'a
convencido de ter desenvolvido, e que lhe permitiu, sem sonegar o valor dos
vários grandes economisras que lhe amecc.~cram, superar o campo da economia
polírica por suas estruturais e insuperáveis limitações metodológicas, teóricas e
ideológicas.
Marx, ao elaborar sua "história das doutrinas"~ está refa1.endo em seus ter-
mos caminho semelhante ao de Hegel, que a partir de 1805 ofereceu, em lena,
Hcidclberg e Berlim, cursos de história da filosofia. Um grupo de seus alunos,
liderados por Karl Ludwig Michelct, publicou esses cursos sob a forma de livro,
em 1833, com o título Lições sobre a história da filosofia (Hegel, 2002). Os cursos
sobre a história da filosofia ministrados por Hegel, não por acaso, iniciaram-se
em 1805, no momento da elaboração da primeira grande exposição do sistema
filosófico especificamente hegeliano, que vai se concretizar em 1807 com a publi-
cação da Fenomenologia do espírito. Dizia o padre Henrique Cláudio de Lima Vaz
que Hegel amadureceu seu sistema durante os anos de 1801 e 1806, cm lena:
"no confronco com os grandes mestres do idealismo alemão, sobretudo Kant,
Fichtc e Schelling, Hegel pretende fazer da Fenomenologia o pórtico grandioso
desse sistema que se apresenta orgulhosamente como Sistema da Ciência" (Vaz,
1992, p. 9).
Insista-se na analogia. Hegel, entre 1801 e 1806, no confronto com os
grandes mesues do idealismo alemão, amadureceu seu sistema e elaborou algo
que se consdtuiu numa "revolução filosófica": a Fenomenologia. É certo que,
19

depois, o sis[cma vai a11r.sumir ainda maior amplitude com a Ciência da lógit"tt, de
1812. Mils, desde 1805, Hegel j:í se achava pixparndo para lcdon;1r a hi!-t<íria da
filosofia cm perspectiva crícica, isto é, a parcir do emcndimc:nto que: toma a pró-
pria his1l1ria da filosoÍl;l como problema filoscííico, bto é, cm que os problemas
<la hi.wiria da filosofia ~·in intcrnalizados pela filosofia mcsmil. É o que di1. Hegel:

Ver-se-á que a hi~l1Íria da filo.mlia n:io se limi1a a expor os fo1ns c:((crnos, os õlcon-
ll-C.:imcmm adJcnt:ti!. 1111c formam o seu cuntclhln, ma!. prm:um dcmomtrar como
cs\c mesmo ccm1clulo, cmbnm p;m:ça dc~cnrnh·cr-sc historic.1mcmc, na realidade,
pL·ncn<:c à ciêm:ia <la filosnfi•t: a histiiria da filmofia ~. também ela, cicmifü:a, e
converte-se, pdo <)llC lhe é e~cnc:ial, cm ciência da lilo~ufia. {Hcgd, 1961, p. 43)

Rubin e a história do pensamento econômico

A f/il1óri11 do pem1m1t•nto etYJ11tfo1it-n de Rubin, publicada cm 1926, resulta


de pesquisas e cursos que seu autor minisnou ao longo dos anos 1920. Tomando
como referência rexEos de Marx sobre o pcnsamcmo econlnnico emre os séculos
XVII e XIX, ela rcconsritui a démarche da hisEória crítica de Marx.
Rubin - como mais tarde Rosdolsky, com Gh1ese e estrlllura de O capital
de Karl N/11rx, de 1968 (Rosdolsky, 2001) - é dos poucos autores que consegui-
ram, à guisa de interprecar o texco de Marx, agregar-lhe novas camadas de
significados. É o l}Ue se vê, tanto no caso da teoria marxism do valor quanto
no rcfcreme à história do pensamenco econômico. Nos dois casos, a leitura de
Rubin nf10 se restringe à par-.ífrase, à elucidação de aspectos eventualmcncc obs-
curos do texto marxiano. Os Ensaios sobre a teoria m11rxis1a do valor aponam um
dado novo à compreensão dessa temática pela decisiva ênfase que estabeleceram
na centralidade da teoria do fedchismo da mercadoria como liame das relações
sociais de produção e seus desdobramentos alienantes e disruptivos, invalidando,
com isso, as soluções que, de um modo ou de outro, veem a teoria do valor mar-
xhma como uma variante da teoria ricardiana. De fato, ao tomar a mercadoria
como ponto de partida da exposição da crícica da economia política; ao enfatizar
o papel do fcdchismo da mercadoria como fundamento geral e contraditório
da sociabilidade capitalista; ao identificar e analisar uma terceira dimensão da
teoria do valor, a forma do valor, além das dimensões reconhecidas pela tc:oria
chíssica do valor·trabalho, substância e medidil do valor, Marx esrá definindo os
termos de uma teoria do valor, que não se confunde com a teoria cl1issica do valor-
20 Hl9TÕfllA ºº PElll5A"'4C.lllTO E:COlllÕ"'4ICO

.. traba]'.lo. sc:ndo-!he su?crior, seja porque dá re.c;postas mais permanentes quanto


.à subscáncia e medida do vaJor, seja porque coloca uma questão nova, a da forma
do va!or, cuja resposta p!!rmite à teoria marxiana afirmar o caráter especificamente
sócio·h.istórico das relações econômicas.
Os trabalhos de Rubin sobre teoria marxisca do valor já serid.m suficientes
para colocá-lo encre os grandes nomes do pensamenco marxista. Mas sua con.
tribuição foi a!ém, sendo igualmente decisiva sua obra referente j hi:..hlri.t de.."
pensamento econômico. que indui dois livros pub!icados em 1926: Clih·frc1.• d, 1
ecoiztJmia polírka do sée11lo XVII 11té meados do sic11/o XJX ~A.,,1.'.~il..·i p(1/irid1n~·oi
~ko 11omii ot XVII do sredi11y XIX vtka], que é uma compi~.1ç:to dt.• extr.lh.l~ 2"· t<.."'t·
cos de economistas clássicos e pré-clássicos; e lstoriy11 el·ono'!t:,:,.j,,._..;...,y:" ''')'-'li. ,·uiJ
tradução sai agora C"m porcuguês com o ticu!o HüróriJ do pen.~.;,,:,-,;:,, ea11:~;wi,·o.
numa iniciativa louvável dos profes.çores Car!os ~e!son C.'utin':lo - Cir"·t1.."r d.t
EcHtora UFRJ encre 2003 e 2011 -. Maria ~a!ta e R~rigo CJ!iit"·~o ••lm~f•!'- ?~s­
quisadores do Laboratório de Esrudos Marxistas ;osc: R.k.trC.o ;:.mi~e (l..en,J), do
Instituto de Economia (IE) da UFRJ.
Os dois livros tiveram, de início, uma amia aro:~i~a. A História do pen-
samento eco11ô111ico mereceu uma segunda cG.ição revista e J.m?:iaCa. em 1928. s.ue
serviu de base às rcimpressões de 1929 e 1930. O :ivro :õ; t.imxm traduzido para
o georgiano e o ucraniano. No entanto, sua pu:i:icação ~oi intl!rrom?ida após a
prisão e condenação de Rubin, em 1931. senco momaea •?<"nas no final dos
anos 1970, quando do lançamento de uma tradução em :íngua ing:esa, feita por
Donald Fi!czer.
É provável que, ao compor sua obra, Rubin não tivesse acesso aos manus-
critos que formam as Teorias da m4is-valia tal como Marx os reCigiu. Afina!, a
primeira edição da História do pensamento econômico foi escrita durante o período
em que seu aucor esteve preso e, portanto, antes d.e sua admissão no Inscicuco
N'.t.arX-Engeis.• Desse modo, Rubin teve de se valer da versão editada por Kautsky.
enue 1905 e 1910, da qual havia uma traeução russa, editada em São Pee<rsburgo
em 1923. Isso, porém, não foi obstáculo impeditivo para sua lúcida e criativa

~essa époc~,. ~aianov e seus colaboradores no Inscituro já escavam envolvidos na


busca e: aqu1:uçao de originais (ou na obcenção de cópias) das carcas e manuscritos de
Marx e Engels, com visw à publicação de uma cC.ição critica das obras desses autores,
a Marx·E11geb-G~st1mtdu1gaW (MEGA).
reelaboração da .:;,ue.srão. De fa[o, seu rraba1!-io em Hütórin do pen.~ttmento n-onO-
mic& vai além do simp1cs acompanhamento do [C:Xto de Marx. É efoúvam~nte
uma hiMória crícica do pc:nsamenro econômico clássico e prc..:._d.l.;sico, à luz das
descoberta.e.: cenrr.iis da crfrica da economia po!i[ica, inovando c:m relação ao rea-
lizaCo por M.irx ao concexrua!izar historicamente a.t diversas t•tap.l..\ e corrt•nte.s c!o
pc;.·n . . am<:nrn c..·conômico burguês.
A t•diç:w da\ llorittJ da t1111is-1Jd/id fdta ?Or Kautsky. confromada com o
rcxco manu ..,rito de .Marx, é criticável sobretudo por ter a~tt•rado a scqu(-ncia
origina: d;1 cxpo.c.içã<.i, ~dí.ttando um e~qut'ma c~tritamt'ntt" crono1.:)gico. Muito !'IC
criticou <.' \C tt·m criticado Kautc.ky, com justas ra7.õcs. Tanto Lenin quanto Rosa
Luxc-m~urgo e Trot~ki atacaram-no duramtnte, seja no campo teórico, seja no
cami)O po!ítico. TuCo i~\O parece justificado. Contudo, no referente ao ~c:u cri-
t~rio de organí7.ação da eCiçáo de Teorias tia mai.-r-mrlia, a contt>staçáo que pode
ser fdta é a de que e!e reria tomado a liberdade de a!tt"rar a .St."G,Uência do tCX[O de
Marx, dt.·ci~áo esta que não ?~e cabia e para a qual não estava autorizado - nlo
por falta de aurori1.ação forma!, c;,uem poderia fazê-lo legitimamente? A família
de Marx? Decisivamente, a imerfen!ncia num texto como aquele, inacabado, não
preparado para erlição, tem muito de arbitrariedade, que só se admite no caso da
edição de Engds dos livros 2 e 3 de O Capital, pela quase perfeita sintoni.t entre
os dois aurores e pe:o fato de :M:arx. não ter deixado um plano dt'ta1!-iad.o para a
organização dos Hvros.
A crítica a Kaui:sk:· quanto à sua edição das Teorias fÍA mais-valia pr«isa,
porém, ser relari\·izada. por pc:o menos um bom motivo, que diz respeito ao fato
de o texto de Marx. csaito em l 862, não ter sido revisto nem preparado para
ser publicado. Se Marx o tivesse feito. qual teria sido exatamente a sequência da
exposição? ~ingu~m o pode saber. lJma hipótese, tão válida qu.imo qualCi,uer
outra, que se apoie no conhedmemo dos procedimentos teórico-metodológicos
de Marx pode defender que seria possível que ele vo?tasse a expor a matC:ria
segundo o mc'.-rodo seguido em Para a crítica da economia política, que foi, no caso
da.Ili teorias da mercadoria e do dinheiro, basicamente, o crit~rio cronológico, o
que daria razão à escolha de Kautsky.
Rubin organizou seu curso e redigiu seu :ivro sobre a História do pensnment.o
econômico em chave histórica, adotada por Kaursky para a edição das Teoria.1; da
mais-vd/ia. No caso de Kautsky. isso significou iniciar o livro com autores pre-
decessores e contemporâneos dos fisiocratas, em contraste com o manuscrito d.e
22 ,.,=>TOMIA 00

M.irx. que ,omcça c;om a an:ílisc da obra de J:tmcs Sccm1rc. O prol'.cdimcmo <lc
l\:Jm:o:kv, n:t pdtka, signific;ou reordenar o material de cal modo que a primeira
J
pane 0 livro reuniu autores merc:amilisras, pré-clássicos e fisiocmrns, que, 110
ccxio de f\.farx. conscawm dos apêndices do caderno 6.
É ~sa. basicamente, a grande ahcraç;ío que Kaucsky introduziu cm rclaç:\o
30 consmnce dos cadernos 6 a 15 do M111111scri1odt 1861-1863. A sc.~uência cxpo-
siriva de Kaursky, m:J.S também calvez o exemplo do próprio Marx ao cstilhclcc;cr
sequência cronológica na exposição das teorias sobre a mercadoria e o dinhdro,
cm Para a crltira da economia política, foram as rcfcrêndas nas quilis Ruhin se
baseou par.i redigir sua História do pe1uammto econômico. O livro cem quarc-m;1
capítulos, distribuídos em seis partes, das quais a úhima. composta por apenas
um capítulo, foi acrescentada na segunda edição. São das: 1) O mcrc;tntilismo e
seu declínio; 2) Os fisiocraras; 3) Adam Smith; 4) David RicarJo; 5) A desinte-
gração da escola clássica; e 6) Conclusão: uma breve revisão do curso.
Concebido como um manual para uso no ensino superior. a leitura da
História do pmsamemo etonômiro deveria ser acomp;tnhada do estudo d11s Tr:orMs
da mais·valia e de textos dos autores analisados ao longo da obra, como os que
foram selecionados e reunidos por Rubin na compilação Clássicos d,1 economia
política do sémÚJ XVII até meados do sémlo XIX.
Ao longo de sua História do pe1ua111ento econômico, Rubin buscou mostrar
a forte interação entre a evolução das ideias econômicas e a história econômica e
das lucas de classes. Cada uma das cinco partes principais que compõem o livro é
aberra com uma contextualização histórica, que reitera a lição de f\.farx quanto às
determinações materiais da existência, dos símbolos e das formas de consciência,
determinações que rejeitam o reducionismo e o unilateralismo. Diz Rubin no
prefácio à segunda edição de História do pensamento etonômico:

De um ponto de vista histórico, as ideias e doutrinas econômicas podem ser


·incluídas entre: as mais imponames e inOuentes formas de ideologia. Como cm
outras formas de ideologia, a evolução das ideias econômicas depende diretamente
da evolução das formas econômicas e da lura de classes. As ideias econômicas não
na~m no vácuo. (Rubin, 1979, p. 9)•

Ver p. 29 deste li\'ro.


SObHF. 18AAC FIUblN E IJUA N/SrOFllA
23

Ao mesmo tempo que expõe as raízes sociais que- balizam a c~1jctória das
ideias econômicas, o livro examina a obra de cada amor buscando explicitar suas
ideias como p:mc de um sistema, de "uma totalidade orgânica de conceitos e pro·
posiç6es intcrconccrndos logicamcntcn. Para Ruhin, "é aqui que começa a mais
importante de nm.sas tõ.lfefas - temos de revelar a conexão l<>gica que une as difc·
remes partes do sb.tema ou, reciprocamente, identificar aqueles pontos cm que ca1
conexão não existe e o sistema com~m comradiç<les ltígkas" (Rubin, 1979, p. 1O).•
Como o prl>prio autor ressalta, é jusrnmcnre a nt.-ccssidadc de conciliar
cssils chms cxigêndas - a an;ílisc do contexto do qual brotam as ideias e a cxpo·
siçáo de seu sentido tec'1rico - que torna especialmente difícil a tarefa de escrever
a história do pensamento cconi>mico, dificuldade que é enfrentada de maneira
exemplar por Rubin. Por outro lado, o escudo da evolução hisnírica das ideias
econômicas é visto por ele como um meio de alcançar uma compn;:cnsáo da eco·
nomia política tcc'>rica e, cm especial, da rcoria marxiana. O vasto e minucioso
conhecimento alcançado por Marx do pensamento econômico que o antecedeu
foi fundamcnt;.tl para a elaboração de sua teoria, para a conscruçáo da critica da
economia polícica.
E."ipcramos que a publicação desca tradução da História do ptnsammto eco-
nômico sirva aos leitores brasileiros e de ouuos países de língua portuguesa como
um meio de estimular o escudo das ideias dos economistas clássicos e de auxiliar
na compreensão da crítica de l\larx à economia polícica. Confiamos, finalmente,
que a publicação desce livro seja uma oportunidade de homenagear a memória e o
crabalho de Isaac Rubin, recirando·o do esquecimenco e do silêncio imposcos em
cempos sombrios por seus algo~s e adversários: que Rubin possa ser reconhecido
com justiça por aqueles que vieram depois.

Referências
DEUS, L. G. de. Apresemação. ln: MARX, K. Para a critica dt1 tco11omia política: manus·
crito de 1861·1863. Belo Horizonte: Autêmka, 2010.
HEGEL, G. \V. F. lntrodrt(áO à história da filosofia. 2. ed. Coimbra: Armênio Amodo, 1961.
- - · Ltâo11ts sobre bt historia dt la filosofi11. 7. ed. México: Fondo de Cu hum
Económico, 2002. 3 v.

Ver p. 30 deste livro.


24 ,.,.,.,,.,,,. "'' 1•1.H'~A"'I r.TO f CONÕMICô

\'..-\.!l"\. K P.1.r.t J. ,;riti..:.1 c.f.t c.'("onomi.i polírict. ln: GIANO"rrI, ]. A. M1mt1sc·ritos


,.,.,,,uimi.·t1·j:'lf>iéfi~w f' oum1s ttx/11J f'irolhidns. Sdo Pauln: Abril Cu/rural, 1974. (Os

__ ··---·· Hi.mirid ,·ríri,·111/f'la uoritl dt k1p/m11rtlit1. Buenos Aires: Brumário, 1974b. 2 v.

--···-- EJ 1.":.lj'iral. In: _ _. Tf'Orias sobrt /,, pl11. m11/in.


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ROSDOLSKY, R. Gt11tsf' t tstruh1m tÍt O Capital tÍf' Karl Marx. Rio de Janeiro: Eduerj;
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Rl'BIN. I. J. ~'tract fabour and valuc in M.vx's system. Cnpi1t1l & Oass, v. 2, n. 2, p. 109-
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VASl~A. L I. 1. Ruhln: Marxforschcr und Pofü:õkonom. Beitriigt zitr Marx-fi1g~ls­
·Fo"hung, Ncuc Folge, v. 4, p. 144-149, 1994.
VAZ. H. C. de L. A significação da fenomenologia do espírito. ln: HEGEL, G. W. F.
Fmommologin tÍo espírito. Pcuópolis: Vozes, 1992.
PREFÁCiO Á EDIÇÃO INGLESA

A edição inglesa da Hútória do pensamento econômico. de Isaac Rubin,


baseia-se no fac-símile da segunda edição russa (revisada), de 1929. Como 0 lei-
tor será informado no prefácio de Rubin, o livro se constitui de uma série de
lições e foi concebido para ser usado como um manual universitário. Ele deve
cer tido um uso bastante amplo, pois a reimpressão da segunda edição chegou a
cinco mil exemplares. As lições tinham o objetivo de ser ucili7.adas em conjunto
com dois outros textos: as Teorias da mais-valia, de Marx, e uma antologia de
extratos da economia política clássica e pré-clássica, compilada por Rubin e imi-
rulada Clássicos da economia política do século XVII a meados do sémlo X!X[Klassiki
politicheskoi ekonomii ot XVII do srediny XJX veka~ (GosizdatfURSS, 1926).
O formato do livro de Rubin apresentou cercas dificuldades para a tra-
dução e a edição inglesas. Concebida para ser usada juntamence com a coleção
acima mencionada, a História do pensamento econômico não apresenta qualquer
referência para suas citações, de modo que tivemos de enfrentar a laboriosa tarefa
de esquadrinhar as edições inglesas das obras dos inluneros fllósofos e economis-
tas citados por Rubin. Na maioria das vezes, esse trabalho transcorreu de modo
relativamente simples; em outros, como no caso dos fi.siocratas ou de Sismondi,
cujas obras ou estão traduzidas apenas parcialmente para o inglês ou não e:;tâo
traduzidas em absoluto, tivemos eventualmente de nos contentar com uma retra-
dução da versão russa que 0 próprio Rubin fizera das passagens em questão. O lei-
tor verá, nas notas da tradução inglesa, que elas representam apenas uma pequena
minoria das citações e que a maior parte é do original em inglês {no caso de auto-
res franceses, a maioria das passagens é ou das traduções inglesas ou foi traduzida
diretamente do francês).

... .4 &Q. a.e .. : a


26 .. 1!'JTÔll•A º''"' l•(."'SAMl;NTO 1:eoNOU1eo

Ao ,"\'.!icJ.t a obra, ins('rimos inúme'r.1.S nocas remerendo ls fonces originais.


~':"u?co frcqu<.·ncc:mc.:ntc, ofori:ccmos cicaçócs mJ.is romplet;\S do que aquelas for-
O('óc.fa~ por Rubin, par.J que se possa cer uma melhor compreensão dos argumen-
ros de Pc:uv. Smlch, Ricardo, erc.:. Também usamos as notas potra guiar o leitor
J. outrJS fo~cc:s secundárias que lhe pode'ráo ser úceis para esdarcc«!r ref('rc?ncias
!:iisrórkas e conceituais qui: possam escar confusas no cc:xto principal.
Quanco a te'rminologia usada, seguimos em geral esca regra: onde Rubin
parafraseia um auror cm particular, procuramos conservar os termos do próprio
auror, ao passo que, ao readuzirmos os comentários de Rubin sob~ <~"<.·s rcx-
tos, opcarnos pela ccrminologia modernamente aceita. Há a!gumJ.'\ <.."Xl.'.:C)'1)c.:s. por
exe'mplo. na seção sobre Adam Smith, cm que substituímos o tc.'.'rmo smithi.mo
"mbalho comandável" [commandable lahour; pelo cermo mais moderno "craba-
Jho comprável" Jltt1rhaMble labour]. • Também adoramos a prácica comum de
não moderni1.ar a ortografia ou a sinta.""<e das passagens eiradas.
Num pequeno número de casos, suprimimos cerca.oe; s~ntenças ou fra.oe;cs
em que Rubin recapitula uma doutrina já discucida por ele em outras passagens.
Esses resumos repetitivos - por exemplo, das visões dos fisiocratas acerca do cra-
balho produtivo ou da teoria do lucro de Smith-, talvez de grande validade para
as lições de Rubin em sala de aula, são um obscácu~o real para quem procura ler o
taco de modo linear, do início ao fim. Em nenhum caso suprimimos mais do que
uma ou duas sentenças ao mesmo cempo, e a soma total dessas elisóes não ultra-
passa duas ou cr~s páginas impressas, porcanro o leicor não precisa ter nenhuma
dúvida de que tem em mãos uma genuína "cciição original".
Finalmence, gostaria de manifestar meu reconhecimenco ao crabaiho da
equipe de catalogadores da Biblioteca Central da Universidade de Glasgow e
da equipe da Biblioteca Sidney Jones, da Universidade de Liverpool, que me
prestaram uma ajuda inescimável na Jocalizaçáo e utilização de muitas das edi~
çóes originais das quais pude extrair citações. Gostaria também de agradecer ao
professor D. P. O'Brien, da Universidade de Durham, e ao professor Andrew S.

~a <.'<lição ~rasiJcira, opcamos por m3Jlcer os termos "'crabalho comandável" e "'trabalho


~~mandado (commtJntl~d labour). por serem formas já consagradas nas uaduções brasi-
1e1r.t." da." obras de Adílm Smich (N. dos R.T.).
Pr..1..~Ac.10 A CO•ÇÃr.> •NC.1.E,.::1" 27

Skinncr, da lJnivcrsidadc de Glasgow, por sua ajuda t"m pc:rquirir c~rta~ p:l!.o;;agco\
crcmamcnce vagas. ~ão é preciso dizer qu( todas essas pe'isoas são isentas C.c
cX • d fi .. . d '
qu:ilquer culpa por t.-Vcntua1s e c1t.·nc1as e~tc vo1ume.

Do11n/J Filtur
Birmingham, Inglaterra
Abril de 1979
PREFÁCIO DO AUTOR A SEGUNDA EDIÇÃO•

O escudo da história do pensamento econômico tem imensa imporrância


histórica e teórica. Como ciência, está intimamente ligado, de um lado, à história
do desenvolvimento econômico e à luta de classes; de outro, à economia política
teórica.
De um pomo de vista histórico, as doutrinas e ideias econômicas podem
ser incluídas encre as ma.is importantes e inAuemes formas de ideologia. Como
em outras formas de ideologia, a evolução das ideias econômicas depende direta-
mente da evolução das formas econômicas e da luta de classes. As ideias econômi-
cas não nascem no vácuo. Frequentemente, surgem diretamente da agitação dos
conflitos sociais, do campo de batalha entre diferentes classes sociais. Nessas cir-
cunstâncias, os economistas agiram como escudeiros dessas classes, fornecendo-
-lhes as armas ideológicas necessárias para a defesa dos interesses de grupos sociais
particulares - muitas vezes deixando de se preocupar com o desenvolvimento de
sua própria obra e de dar a ela uma fundamentação teórica mais aprofundada. Foi
essa a tarefa que coube aos economisras do período mercantilista (séculos XVI
e XVII), que dedicaram incontáveis panfletos à ardente defesa dos interesses do
capital mercantil. E mesmo quando olhamos para os fi.siocracas e os economistas
da escola clássica, cujas obras satisfazem muito mais as exigências de claridade
teórica e coerência lógica do que as de seus ancecessores, temos pouca dificuldade

~;o contém as seguimes adições à primeira edição dcsca obra: ~)um capírulo de
conclusão _ 0 capítulo 40 _ que fornece uma breve m·isáo do macenal tr.nado; 2~ u~
índice onomáscico; 3) um índice temitico, para tornar mais fácil siruar problemas_ indi-
viduais no contexto histórico ueral; e 4) certas adições ;,, bibliograha. Com exccç.lo do
capírulo adicional já referido, ; texto do livro não sofreu nenhum tipo de alceraçào.
30

_ • _ . 1 •s sociais por [fi" das diferentes correntes do pen-


c.·m i2<.:nr;h ..:ar :t!i tonrls e e.asse ..
. . _ E h ra isso possa ocorrer de modo mc:"nos v1s1vel e com
~am~nt\.' c.·("Or'l.1...'m1... o. m1..o . ~ . , .
. , ··d d . d ensamos que as ex1gcnc1as da polmca econômica
maior ~om?.ex1 a e, ain a P . . . .
c<m-.:rt:"t.l. exercem um poCeroso impacto sobre a onencaçao da_s l~e1as cconôrni-
c:is. )\os construtos mais abstratos- aqueles que pare~em o mais distante da vida
real _ dos füíocraca..;; ou de Ricardo, podemos descobnr um reffexo das condiçóes
econê·micas contemporâneas e uma expressão dos interesses de classes e grupos
particubres da sociedade. . . . .
Ao mesmo cempo que somos minuciosos ao rraçar a inAut"nc1a do C.csc.·n-
volvimento econômico e das formas cambiantes da luta de classes sobr(.' a oricn-
taç;io geral do pensamento econômico, não podemos perder de vista nossa omra
tarefa. Quando chegamos aos estágios mais avançados do desenvolvimento social,
os sistemas construídos pelos economisras não representam mais um agregado
frouxo de demandas práticas e proposições teóricas isoladas; ao contrário, dcs
se moscram como sistemas teóricos dotados de uma maior ou menor coerê-ncia
lógica, cujas partes separadas esráo em relativa harmonia, ramo umas com as
outras quanto com o caráter global da ideologia adequada a uma classe social par-
ticular durante uma dada época histórica. Por exemplo, o sistema fisiocrata, como
um todo, só pode ser correramente compreendido sobre o pano de fundo das con-
dições socioeconômicas vigentes na França do século XVIII e das lutas que tais
condições geraram entre diferentes classes sociais. Não podemos, no entanto, nos
limitar a escudar as raízes sociais e econômicas do sistema dos fisiocratas. Temos
de examinar este úlcimo como um sistema, uma totalidade orgânica. de conceitos
e proposições interconecrados logicamente. A primeira coisa que remos de des-
velar é a Íntima conexão emre a teoria econômica dos fisiocraras e sua visão de
mundo global, especialmente sua filosofia social (isto é, suas visões sobre a natu-
reza da sociedade, da economia e do Estado). Em segundo lugar - e é aqui que
começa ª ma.is importante de nossas tarefas -, temos de revelar a conexão lógica.
que une as diferences partes do sistema, ou, reciprocamenre, identificar aqueles
pontos em que tal conexão não existe e o sistema contém contradições lógicas.
O que torna particularmente difícil um tratamento da história do pensa-
men~o econômico é essa natureza dual de nossa tarefa: a necessidade de fornecer
ao leitor, a um só tempo u . _
. • ma expos1çao, tanto das condições históricas a par·
ur das quais as diferentes domrinas econômicas surofram e se desenvolveram,
quanto de seu significad() teó · . , da 0 • ·
rtco, isto e, relação lógica interna entre as ideias.
PRCf'AC10 DO A.UTOOC A. ~l:(;VNDA f"D•ÇAO 31

Tentamos reservar espaço suficiente para as partes históricas e rC'Órica~ de no!.sa


exposição. Cada seção do livro (com exceção da primeira) é prefaciada ?ºr um
estudo histórico geral que descrc..-ve as condições econômicas e as relações de classe
que encontram expressão nas ideias desenvolvidas pelos economistas em questão.
Contudo, reservamos um espaço ainda maior para nossas anáHses teóricas dessas
doutrinas, especialmente nas seções consagradas a Adam Smith e David Ricardo,
ein que lidamos com sistemas teóricos grandiosos e permeados por uma única
ideia. Nessas seções, nossa.o;; análises teóricas receberam prioridade abso!uta, pois
nossa principal tarefa era, cremos, fornecer aos leitores uma linha que pudesse
lhes servir de guia no complexo e intricado labirinto dessas teorias econômicas.
Sem esse dpo de análise teórica deca!hada, nenhuma história do pensa-
mento econômico jamais poderia cumprir a função que temos o direito de espe-
rar dela: agir como um guia fidedigno de nosso escudo da teoria da economia
política. ~ão analisamos as doutrinas de Smith apenas para vislumbrarmos uma
página viva da história da ideologia social, mas porque isso nos permite alcançar
uma compreensão mais profunda dos problemas teóricos. A familiaridade com as
teorias de Smith pode proporcionar ao leitor uma das melhores introduções a um
escudo mais sério do problema do valor, assim como o conhecimento das teorias
de Ricardo facilita o estudo do problema da renda. Esses são problemas difíceis:
na economia pa!ícica teórica, eles se apresentam para nós em roda sua magnicude
e em sua forma mais complicada e abrangente; mas para um leitor com conhe·
cimento do processo histórico por meio do qual elas se formam e adquirem sua
complexidade, as dificuldades são, em grande medida, removidas. As ideias e os
problemas dos economistas antigos serão mais bem compreendidos pelo leitor se
postas e formuladas de modo mais simples; uma análise das contradições tão fre-
quentemente encontradas nessas obras (mesmo nas de gigantes incelecruais como
Smith e Ricardo) é de extraordinário valor intelectual e pedagógico.
Se o conhecimento da história do pensamento econômico é, no geral,
essencial para uma compreensão mais profunda da economia política teórica,
isso é ainda mais verdadeiro quando se trata do sistema teórico de Marx. Para
construir seu sistema, Marx realizou, primeiramente, um escudo exaustivo e cui·
dadoso de uma farta literatura econômica, ela mesma o produto do trabalho de
várias gerações de economistas ingleses, francCses e italianos do século XVII acé
meados do século XIX. Marx era, em sua época, o maior conhecedor da litera-
tura económica dos séculos XVII e XVIII, e é provável que ninguém o tenha
,.&.~S 11111• N 1 "'

32

esM .,.. >Cé os nossos dias. Já na primeira página de O capital o


u!tr•P~~~tdo n • es de Barbon e Locke. E a cada passo de su b•
. :om os nom a su se
:dr..x 5( ô<=pJJil r.. seu texto como nas norac; de rodapé, Marx . ~
ente aposição, CJ.nto em . . a1· insere,
G" ··'-"" nsamcntos parocularmenre v 1osos que ele des b .
m cviJcnce .QV~~ • pe 0 . co rl\1
"' . . N:ío imporra o quão rudimentar ou innênua po
cconom1St3S anngos. o ssa ter
º"' . . ·naI de determinada ideia, Marx dedica-lhe,
·ido a expres.ç.10 orag1 .
não obsta
nte,
' • a analisa dili•enrcmcnte de modo a extr.ur-lhe o cerne va1·
roda .a sua arcnçao e ~ ioso
despercebido à primeira visra. .
0 uaramenro atento e diligente que Marx dechca a seus antecessores não
deve ser romado como 0 capricho de um dilerante, de um expert e connaisseurde
antigos cscriws econômicos. Sua causa é muito mais séria e profunda. Desde a
publicação de suas Teorias da mais-valia, tivemos um acesso substancial ao labo-
ratório do pcnsamenro de Marx e pudemos vislumbrar claramente com que pro-
funda seriedade e esforço intelectual ele realizou seu estudo sobre aqueles que 0
precederam. Não podemos senão admirar seu trabalho incansável de mapear 0
uaçado sinuoso, as 'ºrvas e as ramificações mais sutis das ideias dos economisw
que investigava. Hoje sabemos que a abundância das breves observações sobre
Smith, Ricardo e outros economistas que Marx espalhou pelas notas de rodapé
de O capital são os resumos abreviados, para não dizer parcimoniosos, das pes-
quisas alcameme detalhadas - e, por vezes, extenuantes - contidas nas Teorim tÍtl
1Nlis-1J11lia. ~ apenas à luz das Teorias que podemos apreciar plenamente o quanto
essas noras - redigidas quase como se fossem incidentais - são uma parte orgâ-
nica do rcxro de O capital e o quão inseparáveis eram, para Marx, as tarefas de
estudar seus predecessores e de construir seu pr6prio sistema. Cada degrau que
Marx avançava na compreensão das obras de seus predecessores o aproximava
mais de sua própria construção. E cada sucesso conquistado na resolução deste
último problema lhe abria novas arcas de tesouros que, de outra forma. reriam
permanecido enterradas nos - há muito conhecidos e parcialmente esquccidos-
escriros -~ cconomisras pretéritos. Em seu próprio sistema, Marx fez pleno uso
das habilidades intdecruais · empregadas pelos economisras ao longo dos sec ' ulos
ª
prccedcnccs; graças de, as ideias e os conhecimentos acumulados por seus ante-
cessores foram rcun1.d • do
. .
da •hJStóna os numa smtcse grandiosa. Essa é a razão por que 0 estu
do pensamen • . . ,_,... do
b11""'-- . ro econom1co é tão essencial, seja para a eluc1~º
-·&•vuntf do SIStema eco • · d com-
- . nomico e Marx, seja para a aquisição de urna
prcensao mais profunda de sua teoria.
PNEPAC10 DO AUTOR A Sli.OUNOA •DrÇAO 33

Do que dissemos. o leitor pode cxcrair ccrw conclusões sobre o método


mais desejável para o estudo da história do pensamento econômico. A nosso ver, o
método mais eficaz é, para o leitor, combinar esse processo com um estudo para..
leio da economia política teórica. Isso não significa que os leitores da História tlo
pensame1110 «011ô1nico possam dar início ao estudo deste livro sem ter l.lma fami ..
liaridadc prévia com um curso geral de economia política. Nosso livro é destinado
àqueles leitores que, após terem concluído um curso introdutório de economia
política, queiram adquirir uma com.c>rccnsão da evolução das ideias econômicas
básicas e, ao mesmo tempo, realizar uma investigação mais séria e detalhada dos
problemas teóricos. Para rais leírores, nosso Iivro pode servir tanto como um curso
sistemático de história do pensamento econômico quanto como uma introdução
histórica a um estudo mais aprofundado do sistema de Marx. Um modo pelo
qual o leitor poderá se familiarizar simultaneamente com o material histórico e
te6rico seria o seguinte: à medida que avança na leitura da História do pensamtnto
econômico, o leitor pode marcar cCrras seções para um estudo mais aprofundado,
por exemplo, de como a teoria do valor-trabalho se desenvolveu através de Petty,
Smith e Ricardo. Ao dividir o material de acordo com problemas específicos, os
leitores se encontrarão imediatamente diante da necessidade de combinar seus
estudos histórico e teórico. A partir dos primeiros e brilhantes esboços de Petty
até as contradições agonizantes com as quais se chocam as ideias de Ricardo, a his-
tória da teoria do valor-trabalho é uma história da gradual acumulação de proble-
mas e conuadições. O leitor s6 poderá coiraprecnder corretamente esse processo
se seu próprio pensamento se mover paralelamente à exposição histórica, proce-
dendo a uma análise crítica e superando os problemas e contradições que con-
frontaram os economistas no curso da história. Para conduzir com sucesso essa
análise crítica, não há outro recurso senão se voltar à economia política teórica.
O leitor poderá extrair o máximo benefício de seu empenho se, cm vez
de se limitar a ler e esrudar o presente curso, voJtar..sc diretamente às obras· dos
economistas que aqui analisamos. A nosso ver, um panicular beneficio poderá ser
obtido com a !eirura das obras de Smith e Ricardo, mesmo se !imirada a alguns
capítulos selecionados.• Ao leitor que desejar wn conhecimento mais completo

Recomendamos a leitura dos capítulos 1, 5, 6, 7 e 8 do livro 1deAn in9uiry into th ntllfl.rt


11nd cttwt oftlw wtalth o/nations, de Adam Smith [cd. bras.: Adam Smith, A ri'{IU'U tÍ4J
nttf6ts: invcscigaçáo sobre sua nacureza e suas causas, São Paulo: Abril Cu.lrural, 1983,

(
ª~•-
_, e... ;.a e .. uzz
piC/11 5A .. i:, N TV

34 a;11sTORIA 1)0

• ·cas de Smirh e Ricardo - os mais imp


. d d ucrinas cconom• . º"antes
e dcralttado as 0 damos que organize seus estudos da .
d ~ - recomen . segu:ntc
predecessores • • 1 res de nosso livro dec:hcadas a Smith e R.i
, dar aque as par , <arcl0
forma: apos esro . mínimo, dos cap1tulos de suas obras ru . . '
·r ra a Je1rura, no • ,, e tnd1-
deve-se P3"'. pa J>ara]elamenre à leitura dos cap1tu!os de Smith e R.icar"
camos
anreriormenre. aI. . ccc pode se d'1ngir . . aque
• la.li S(\'''-'S
. - de . ic. . '"º
dcd:ados ao valor, aos ano, ., , . •I· •. .l or,,,,). d,,
1 M _...,óe sua propr1a anause cnnca uc.'!ios.1s . . ,,n\."l'P .·'<-· 0
mdif-1H1fía, em que ;. arx ..,.r . • '' "·
, mpcnsado pelo esforço despendido num '"'"'''' <ui,!.i.J,,
leiror sera bem reCQ , . • J ~
. · ·cas· de aprenderá a exp10rar mais pr...lturh...rn)"THl' ts ~
dcsS3S observaçocs crio . . , . '- . • . 1..'~ r.t,
. próprio smerna reonco de '.\ 1arx.
desses economisras e 0 .
RcSfa-nos dizer algumas palavras sobre o escf1}"0 ..:....., m.m.·ri.1: 1.'l""'.;.1..·no f'(>r
nosso livro. Começamos nossa exposição com os mC"r...·..mri~i .. t.b in,::.:t."Jo.1,.')o. ~\"S !'ol:cu-
los XVI e XVII e concluímos com os econõmisrJs dt.ª ffit.".l~\...S e.,_... ~l:cu\.,. X!X. isco
é, da época cm que Marx ainda esrabelecia as ~J..Çt."":S C:c suJ. ""..., .•1. l':1... . utrina i:conô-
m.ica, que suplanrou a teoria clássica de Smirh e Rk..1n.:,'\. A.:l!un' !-lisr,,riJCon:s
das ideias econômicas começam sua exposiç.io ..71..."lm os :1:1..-\s1..':';.-is anti~os \!>:ac.io.
Aristóteles), em cuja obra podem ~r c:"n.:onrra~a.ç J.:~un1J..' ?ro~Und~t' rl·~cxôl"S
e observações sobre vários problemas econ0mk'os. ?1..'r~·:n. suJ..ç con~~Ci:raç&-s
econômicas eram, elas mesmas, reRexos cia econom~a. ~ra\'i'iita. C.a :\.nri~uid.tdi:.
3$.Sim como os escritos da Igreja mcCieva.! rc:"?.c:"tiam .i ecor:omi.a ~euCi. ~.io poêc·
mos incluí-las no livro, uma vei <;u<: nossa rare:-à é :Ornecer ao ~c::tor um.i iêà1
de como a economia polírka ro11temporti11e11 - c:~nc:a ru_:o o~;ero Cc: c:'rudo e!
a economia capicalisra - nasceu e cvo!uiu. Ti ciênc:a surg:u e se Gc:~envoiv«:u
apenas com o surgimento e desenvolvim(nto C.e- seu o'.:>·e:o C:e C'~tuCo, isto é, da
própria ~conomia '4.pitaHsra. Desse modo, começamos ;ossa ex?osiç~io com a era
do men:anri!ismo. a época cm que o capira.!ismo Geu seu ?rimêiro ~a:co parJ ª
exisr~ncia sob a forma ruCimenrar do cap:ra.1 mercanri!. •

-- colcµo Os f.cono · • d .
"ºntJil1ult,1..i:t1ti1J ml)tas•• ~. º" uyiru~os 1, 2. 4. 5 e .:!O de Pri11âf'li·» ofpuf:tJCt/
.· I
ta:
ptJ/ítira ~ tri~ ~ .~· d~. Da.viG Rk.in!o br.is.: David Rkar~o. Pri11dpio.< dt rtDll0 "'1'1
e:oo.: .
.,,,,.,,l'tlo, Slo Paulo· A';, ·•
con\•cnifo..:ia d 1 .
~
· ri, u.rur.u, i 9S~. co~eção Os Ec\,"'lnom1stJ..~.. ~
. · narJ a
do ~"'Uio XVI~ cno~, \rc~r.imo" uma co!cç.to de cxrrarns C..ts obrJ..'i do) t.'4:"0nomistJ5
ao '"''"º XIX. intim'·
t(O,,onri11 política' (G ·.d
' Mll.>JIA."I
. . .a1,,;,J, ,. . I.'t'iÁ"OI. (A.'Of10"1/I
,., ., · pn11t1U ' .. 'Ctdcsir.s
• ')
J,i.
numa ordem ma,;,. o.~11 ar/l-RSS, 19~6). º"
c:x.;..-rrns ni:!'SJ. cc....?cç.i.o foram cfo•pasto)
n.t Pl'Ocnrc- oh~. ou menos i.:orrc.·)pondcntl." àquc:.1 C'Ol c;,uc cr.itJ.mo.-. do:> ('('onomistJS
P .. to ~ AC t O D D A\! TO R .i.. ~; ( C.. V .. D A t" <"> 1 ç. A O 35

Por ourro lado. não vc:mos como seja ?OSSÍ\'i:: '.imitar o âm~iro é.e no~·"º
csrudo mais c!.o que) o fiz,.;mo.c.. H,i :-iisrnri.1dorc~ <;,uc: coml\'..lm su.l e:-..r"losiç.io
a p.1nir da t.·ra dos füiocrJtas ou de Aci.1m Smith, qu.rndo a invóti~-.h;.io c-conô-
mi...-a ji hJvi,t JS'i.umiCo a fornu. de: siMl'fflJS t<.'()ricos acab.i~os. mais ou mt"nos
<..Ol'í<.'nr<.·..:.. Pon.'·m, St.' p.utirmos desse ponto. qu.mdo a t:conomia po~íric.l l.':1.m-
tl'n1P('r.'1n~;.1j.i l'mngiu l'nl :-.u~l forma cssc:nci.1'.ml·nrc- acab.1d.1, n.Íl) p1..'CC'f<.'llh."IS
<.·vi~knl'i.1r o procc.<.so (riricam1.:nt<.." impvrt.rntt.' por m<.·io do qu.1: c:ssa cil-n.:ia
l'l'lfl ,, .~a. Av.. im (orno Uffi.l compr<.·c:ns.ío ((>mp!<..'(;\ da C.'(On1..,miJ caritJ'.isca ~

impo..,~iwi .\c:nl o v . . n~11...'cim<..·nrn da t-poc~1 da a...·umubç.'1(' cJpica1isr;~ primirivJ.,


tJm?ouco ;i11Cc: h.iwr um;i comprcc:n,.:10 com.·r.1 &1 1..·vo~uç;\o da <.·c..:m1..,mia p1..,~i­
rica contc.m?(Jr:1.nl'<l wm um c0n~l'..:.im<..·nto gcr.1: dos c.:on(.'mi-.ra:-. d.1 a.1 m.:rc.m-
tilista. Isso n.io ~ign:!ica, o~vi.mk·ntc.'. s.u1..· po..,samo::. inc!uir 1.·m nos-.o cur~o coJos
os l'l..'onomiM;l~ mJi\ ou ml·no.s im?orr.mrcs d1..·s~1..· p...-riodo. A :it1..·r.uur.l ffi<..'r(.lnti-
lisca não car<..·ce nem um ?Ot.:co Gc- r1..·pn:~cnrantl'S ·' povo.u os nuis div...·r~os p.iiscs
da Europa. ~ossa ?rioridaCe. no l'mJ.nto, n:10 l· a .1brang~·ncia do nurcri.L. pois.
do contr.írio, nosso ~ivro teria in1.:\'itavc-~mcnt<..' de ser condt.'nsado. sohr1..'(arn:gJ.do
de fatos e cransformJCo num martírio ?ara o leitor. Para 1..·virar isso, :im:cJmos a
primeira seçáo em C.ois semiGos: ?rimi;-irameme, inc!uímos apenas a ~icc:r~uura
mercantilista ing~r:sl. comidaa:iCo-sc que esta foi a mais dcs~:nvo!vida <.' l!x<..·rcl·u
o papel mais importJ.ncc- nJ. prt.'?JfJÇáo do caminho para a t.'m..:rg..;~nô.i da çscola
dássica; em s1...~unC.o :ug:Jr, .ienm: os m<:r(anri!istas inglcs<.>s, sc..·!c.·cion.tmos ap.:nas
aqudes que- fa!.uam mJis c;.irJm<nte para sua l·poca histórica ?·ucicu~ar, .l fim de
nos concc."ntrarmo.1:; o miximo possivc! em sua contribuição c.:.p~clfi..:.l. Tentamc..'S
seguir csst• nl(.'Smo prin ...·i;iio n.ts ouuas seções do livro, con..:\!nrranC.o nOS$:\ t"xpo-
sição apc:n.1s nos t<nus mais im?Ort:J.ntt•s. Decidimos ~im~car nüS$J. $<..":<..·ção aos
rcprc.·s<..·nt.mtcs m.tis pw<..'minentt'S e brilhantes das difl'r<..'nrt.•s corrt.'nr<.'S C.o p..:;n$J-
mc..·nto <..'1..·on1..imico. dl"dicJndo ades uma atl"nçáo maior do ~uc i: nürm~m<..·nt< 0
c~tso <..'m ('Ursos dc.·!>rin.:i.dos a um círculo m;,lis am?1o dc..· lc:iwr1.·s. Esc'c..·r.1mos qut.:, al">
limitür o miJJ1ao de ft'flld.• e ao anJ.lisar cada um deles 11:.r::·· dt·r.r/!1,rd.nnente. po:-.sa-
mo.s dcspcrt.\r m.lis prom.1.m<ntc.:' no lc:icor um vivo int1..·rc-"s1.• l'm º"'!>"J (iC:-n..:-i.t.
Parte 1
O MERCANTILISMO E SEU DECUNIO
Parte 1
O MERCANTILISMO E SEU DECUNIO
Cap;'.u!o 1
A ERA DO CAPITAL MERCANTIL

A era do capitdf macanti! (ou capitalismo primevo) abrange os s~culos


XVI e X\!Il 7 rendo sido uma era de enormes transformações na vida econômica
da Europa Ocidental, com o dc:si.:nvolvimcnco extensivo do comérôo marírimo e
o predomínio do capital comercial.
A economia da Idade ML-dia tardia (do século XII ao século XV) pode ser
caracterizada como uma economia citadina ou rtgion11/. Cada centro urbano. jun-
rame"nte com o distrirn agrícola <m seu encorno, formava uma região econômica
única, no interior da qual ocorriam rodas as trocas encr~ a cidade e o campo.
Uma porção substanci:J.l daquilo que os camponeses produziam era desc\nada a
seu próprio consumo. Uma parte adicional era entregue como ralha ao senhor
feudal, e o pouco que rescava era revado à cidade mais próxima para ser vendido
nos dias de mercado. Todo o dinheiro receb;do se destinava à aquisição de bens
produzidos por arresãos urbanos (bens têxceis, metálicos, etc.). O senhor feudal
recebia a talha - estabelecida pelo cosrume - dos servos camponeses que viviam
em suas propriedades. Além disso, ele tamb~m recebia o produco da lavoura do
manso senhorial, cujas terras eram trabalhadas por esses mesmos camponeses, que
assim prescavam seu crabalho compulsório (a corveía). UmJ. grande pane desses
produtos era destinada ao próprio consumo do senhor feudal ou de seus inumerá-
veis servos e conselheiros domésticos. Tudo o que sobrava era vendido na cidade,
de modo que as receiras obtidas podiam ser usadas para comprar, sejam arrigos
confeccionados por artesãos locais, sejam mercadorias de luxo trazidas por mer-
cadore.s vindos de países longínquos, principa1mem:e do Orienre. Assim, o que
distinguia a economia rural feudal era seu caráter predominante-mente ruttural e
o fraco desenvo!vimenro da troca monerárja,
40

En..,uanro a economia
. rural era organi1.ada em torno do m.inso
·IJ .J --..J -
,,,.1,
0 ,. l
la•
., . ...,.ni:z.ava cm guumts. onuc a P•"'-'UÇao era real;•• ,
. d. · das odades se o.,...-· . -..ua
a 1n ustt1a ,._.J,. re nl\_uuia ac; ferramentas e inscrumcntos n
11r1t1t1os. \,,.aUd mest r--- . «cs-
por mtstm . "dad rabalhava .,..ssoalmente em su• própria oficina e
, . suiaoVl ect r- . OQ\
sarios para úmero de assistentes e aprendizes. Seus produ
a auda de um pequeno n . . . . tos
J • ,_. por encomenda de consumidores mdl\•1duais quan
Qnto podiam ser ICltO& • . to
para serem vendidos a habitantes loca15 ou a cami>one
mantidos tsn escaque . . - "''
.. • reado Como o mercado local era hmaado, o .mes:io .,0..
que v1aJavam ate o me · 1a
de antemão 0 volume da demanda por seu produto, ~~ mesmo temp..> que •
técnica primária, estática da produção artesanal, o permitia ad<quJr o m!ume d.i
produção exatamente àquilo que o me~do poderia ~uporta~. ToCC1s l~(ô .m:cslos
de cada profissão pertenciam a uma única corporaÇ30 - J;U:!d.: -, cu.i.IS regras
esrriw lhes permitiam regular a produção e tom.ir c;,u.L~ucr m<"t.:!ida nc.:-cssária
para tlimi111lr 4 concorrintia - seja entre os mestres indi,·icluJ.is de uma guilda
determinada. seja entre pessoas que não eram membros da gui!da. Esse direito
a um monopólio sobre a produção e a venda no âmbito de uma dada região
era concedido apenas aos membros da gui!da vin~aCos por suas regras escritas:
nenhum mesuc podia expandir arbitrariamente sua ?rOCução ou admitir assisten-
tes ou aprendizes cm número maior do que a.c;,ue!c Cchn!G.o estatutariamente. Ele
cn obrigado a preparar produtos de uma determinaG.a c;ua2idadc e a vendê-los
apenas a um preço estabelecido. A eliminação da concorrência significava que os
artesãos podiam comercializar suas mcrcaC.orias a preços a:cos e, assim, garantir
para si uma existência rcladvamcntc próspera, não obstante o volume limitado de
suas vendas.
No final da Idade Média, já se apresentavam sinm ce c;uc a economia
regional ou citadina que acabamos de descrever estava cm fase dr drdínio. Porém,
foi apenas na época do capital mercantil (séculos XVI e XVII) que se consolidou
ª
e difundiu quebra da velha economia regional e a transição a uma economia
nacional mais ampla. Como vimos, a economia regiona! era baseaàa numa com-
binação

do manso senhorial lUrai• com as gwldas
. · gra-
urbanas; portanto, a dcsmte
çao da economia .• ,_;onal
.,. so• podia ocorrer com a decompoS1ção
. desses doIS
· ele-
mencos. Em ambos os casos d . de
.. •sua ecomposição se deu por um mesmo coniunco
causa.. básicas· o rápido dcsc • ·
do · nvoivuncnto de uma ttonomia monetária, a expansa·o
mm:a"'1 e a força crcsccncc do capital ma-cantil.
Com o fim das Cruzada., I diu
m:rt Is tia na dade Média tardia, o comércio se expan
os f'4 " Euroµ Ocitknta/' o Orimte (o comércio com o Levante). Os
41

países europeus adquiriram, primt'iramcmc, mar~ria.1;-primas dos países tro?kais


(especiarias, tinturas, perfumes) e, num segundo momcnro, bens acabados pro-
venientes das indústrias artesanais akamcnrc desenvolvidas do Oriente (seda e
tecidos de algodão, veludo, tapetc:s, etc.). Tais ardgos d.e luxo, importados para
a Europa de tão Jongc, eram muito requisitados e compra~os prcdominantc-
mcnrc peht aristocracia feudal. Em sua maior parte, eram as cidades comerciais
italian~ - Vcnc:-1.a e Gênova - que ~stabdcciam esse comércio com o Oriente,
dcsp;1chando suas frotas pe!o Mt"d.itcrrâneo até Constantinopla, Ásia Menor e
Egito, onde compravam mercadorias orientais que eram, em grande parte, for-
nccid.u pel.a fndia. Da Itália, tais mercadorias cra.rn transportadas a outros países
europeu~, 11Jcja nos comboio!i comerciais Gesses mesmos '°mC'rciantes ita!ianos,
seja por via terrestre, em direção ao norte, passando pelas cidades do sul da
Alemanha (Nurcmbcrg, Augsburg e outras) ª"' chcgor às cidades da Alemanha do
N'ortC', quC' haviam se constituíG.o na liga Hanseática e controlavam o comércio
no Báltico e no Mar do Norte.
As conquistas mi~itarcs dos turcos no século XV privaram os h:alianos de
seu contato direto com os p:úses do Oriente. Mas o entusiasmo juvenU dos inte-
resses do capital comercia! d.emandava a expansão de uma fonte muito !ucrativa
de '°mércio, o que levou a Europa a uma intensa procura por rotas oceânicas
diretas para a Índia - esforços que foram coroados com o mais pleno sucesso.
Em 1498, o português Vasco da Gama contornou a extremidade sul da África e
inaugurou, com isso, uma rota direta para a Índia. Antes, em 1492, Colombo,
cuja expedição espan~ola taml:>ém estava à procura de um caminho direto para
a Índia, descobrira acidenta!mente a América. A partir desse momento, o antigo
comércio com o Oriente, passando pelo Mediterrâneo, deu lugar a um comércio
oceânico em duas direções: para o Leste, rum.o à Índia, e para o Oeste, rumo
à Améri"ta. A hegemonia comercial internacional passou das mãos das cidades
italianas e hanseáticas para aqueles países situados ao longo do Oceano At/Jmico:
primeiramente, Espanha e Portugal; depois, Ho'4nda; e, por fim, /ng'4t<TTll.
O comirdo colonial uouxe enormes lucros aos mercadores europeus e
permitiu-lhes acumular consideráveis capit11is monetários, adquirindo macérias-
-primas coloniais a preços irrisórios e vendendo-as na Europa a um preço muito
ma.ior. O comércio colonial era monopó/ico: cada governo tentava estabeieccr o
monopólio do comércio com suas próprias colônias, bloqueando aos navios e co-
merciantes escrangeiros o acesso a elas. Assim, as riquezas das colônias america-
nas, por exemplo, só podiam ser exportadas para a E.<panha, do mesmo modo

.....,.J'4W- .Zk.ilJ o:;& ..t.. GWJE ••. $ 14Z:S.4


42
anhóis cínham o direito de suprir essas co( • .
os rnercadores esp onias
como apenas . euro das. Os portugueses fizeram exatamente o mesmo corn
corn mercadonas P h I deses depois de terem expulsado os ponu
. . corno os o an • . . guesc5
3. fnd1a, assun d O holandeses confiaram seu comcrcto com a fn 1. ,
d 1 rcedomun o. s . t1aa
aque a P~ d das (ndias Orientais, uma companhia de capital abr:no
Companhia. Holan esa que possuía o monopo·1·10 do comcrno
.. ncs~a ár,
)~
1602
especial, criada em • . d .. 1 b <-t.
"Com anhias" similareS (isro é, compa~h1as e. capna a crt~>. or;\nt fun<l.1das
p . I a cada uma foi confondo o monopoho comr:rd il e
Por franceses. e mg •eses, e . . , .. . . ' mn
'as Foi com base na nca expcncnc1a dc-s:.as soc.:ic<l:idcs ljl
suas respecnvas co1om · . . • ._ . . 1c,
mais carde, desenvolveu·se a Comp:mhaa Inglesa das InJ1,1s Ow.•m;us, fundada

em !600.
Como uma consequência do comérdo colonial, enormes qu.rnciJ,1dcs de
1 1 mrtiiis preciosos (principalmcnce pra.ta, num primeiro momento) er~tm embarca-
das para a Europa, aumentando, assim, a quantidade de moeda em circulação.
Na América (México, Peru), os europeus descobriram enorml!s minas de pr.na
que podiam ser exploradas com muito menos u·.1balho do que o empregado nas
pobres e esgocadas minas da Europa. No auge desse processo, a metade do século
XVI assistiu à introdução de uma melhoria significativa da tecnologia da cxuaç.io
da prata- a amalgamaç.áo da prata com mercúrio-, e a Europa foi inundada com
enormes quancidades de prata e ouro baratos vindos da América. Seu primeiro
ponto de chegada foi a Espanha, de posse das colônias americanas. ~fas toda essa
riqueza não permanecia lá: atrasada, a Espanha feudal era obrigada a adquirir
bens indumiais, tanto para seu consumo próprio como para exportaçáo. E foi
assim que a balança comercial negativa da Espanha resultou numa evasão de seus
metais preciosos para todos os países da Europa, sendo as maiores quantidades
acumuladas na Holanda e na Inglaterra, nações em que o de.senvolvimenro do
cipiral mercantil e industrial estava mais avançado.
Se 0 comércio com as colônias proporcionou uma fluência de mccais
preciosos na Europa, tal Ruência trouxe consigo, por sua vez., um aumenro nas
trocas comerciais e o estabelecimento de uma economia monetária. Somente
durante
. . o século XVI os estoques de metais preciosos na Europa mais · do que
tnphcaram. Tal aument 0 na massa de metais preciosos cujo valor havia · cai'd0
como d conscqu~ncia
. . da maior
· f:ac1'l'd
1 ade com que agora' podiam ser. exmu'dos,
pro
séc 1unu XVImevicavdmemc
. . um aumento geral dos preços. De faco, a Europa do
u0 v1venc1ou uma "rcv0 l . ,, . ou
iriplicara .d" uçao no preço . Todos os preços duphcarorn
m em me: 13' mas por vezes mais do que isso. Assim, na Inglaterra. por
"' t ~ ... p('IO G AJ'' 1 "'I 1.1 L " ' : 4 •:'
43

exemplo, o preço do uigo. <1ue por muitos séi:ulus rnorn[in.·r:1 um.1 i:on ... 1.11111.' di:
5 a 6 xelins por 'luarco, alcançou o pTl·c;o de 22 xelins cm l 574 e -iO xdi11' no
final do mesmo sC:culo. Emlmra tamhJm tin·,~cm ;111111cmado, O!> 1,.11.irim pcrm.t·
neccr;tm considcravdmcmc an;Í!io Jo ;HJmcnlO llos prci;os: cnquanlo as prm·i ...i 1c"
ha\'ialll se rumado duas vele.') mai!I. c.ua'S (i!ioto i:. M.'ll!!. preços h;\\'i:un aumcn1.1du
cm 100%), o aumento pcrccnm;il nos saLiriui; núo ultrap.1".1ra .~0 11 á •l 'tOºli.
No final do século XVII. os !ioõlloírios rc;1is hol\'iam -.:.1ido par.1 .1prnxim.1&11nc1w:
a metade <lc ~cu valor no começo do ~.i:i.:ulo X\'l. () r.ipido mri1JW'1"it11c·11tt1 d.1
/111rgt1t·sit1 cm11trci11/ nos séc.:ulus XVI e X\'11 foi .K11rnpanh.1du dr.: um Jroi,citn
declínio no p:ulrfo de \'ida das da!>Sl'S mais haiX.l!io r.1.1 pop11Li~.i11: 11.í l·,11np1mc"11'J, m
artt•s1inJ e os op1•r,irios. O cmpohrcdmcnrn dus 1..·.1111ptllll''l'.~ e: doe; ~u11.'"-,h1 .; ap;m:1..·cu
corno um resultado inc\•i1frcl da di!!.~olu~·,io <l.1 orJcm fi.:11ll.1I no (,unpo e d.1~
guilJas n:IS cid01<lcs.
O crcsci1111.·nto da ci:onomia moncr:iri;t ommcntou 01 1l1"m1mrl.1 dos .•01hori·s
fi·utl11is por dinheiro e. ao mc:!.mo tempo, ;1briu a po:_;,iliilir.LtJc de fi.1rm.1ç:u1 dl.'
um extenso mercado de produtos :i.grkol:1.s. Os !>cnhurcs tê1H.!ai!io <l.1.s n:11i·óe~ -.:o-
mcrciais mais avançadas (Inglaterra e lr:lliot) i:nmcc;ouam a sub.;.dmir a!! ohrig.u;ôcs
in 1111t11ra de seus camponc!.<:s por uma ulha cm dinheiro: Os ~crvm campone-
ses, cujas obrigaçóes pr~\'ias ha\•iam sido fixadas por um costume de long.1 J,na.
foram gradualmente transformados cm livrc:s :urcnd.u;.írim que t:xplor.l\".Hll J

tcrr.1. com permissão do senhor feudal. Embora tivessem adquirido 5113 lihcrJadc.
sua incorporação, a renda mostrou-se um pesado fordo com o po1!1o'ar do 1cmpu.
Frequentemente o senhor feudal preforia arrendar sua terra no1o p•lf""J pcqucno!<i,
mas para gran<lcs camponesl!S, prósperos faiendciros que possui:un re-.:ur!loo.~ p.1ra
realizar melhorias em suas propriedades. Er-.1. comum que os senhores rurais in-
glc:ses do final do século XV e inicio do século XVI exp11/sasstm ele s1111s tc·nw os
ptq11enos (d111po,,nes-an-e,,dt11tirios e "cercassem" as tcrr3S comunais (lUC os cam-
poneses haviam usado para a criação de gado, uma vc..-z que e~sas :Ír(a.' - at;nra
livres - podiam ser mais bem uriliz.adas na criação de ovelhas. À medida que as
manufaturas têxteis inglesas e fl:m1engas aumentavam sua demanda por lá, oc;
preços subiam e a cri:tção de ovelhas se tornava um negócio mais r~ntãvcl do que

Nos países atrasados da Europa (Alemanha, Rússi.:1), o crc:sdmenm d.u uoci.s monct;iria'
levou a um dcsc:nvoh•imento complcramcntc diforcmc: os sc:nhon.-s fcudai~ p.L<1sar:u11 ~C"U!>
camponeses para um sistema de corveia e exp:mdir.un a área sujeita a ~e tipo dt' l.irnur. 1•
Oesisc modo, podiam obter uma quantidade maior de gr-los 11.1ra a \'cnda.
44
05 próprios homens", disse Thomas M
a agricultura. ~-~~-um contemporâneo seu: ·~%
século X\/I.1 Ou, como escreveu

. .d ram um crime expulsar as pobres pessoas de 5


Homens de bem nao cons1 e uas pro-
, . . siscem que a cerra pertence a eles e arran..:.\m os. b
riedad.c:s. Ao conu:lflO, Jn • T _1 , po reli.
P fossem vira-lacas. Na Inglaterra, m11h,lres de .
d St'US abrigos, oomo se . P~'~1xl,,
e . cários domésticos, andam agora mcnd1gomd._1, \:,\mh 11. l
antes Jeçenres propru: ~ • '".ln\ 0

de pona em p<>rta·

No campo, a ordem feudal escava em proc<:sso d(,." dc..'ú"mt''-'~i,·:h..'; ru ...-id.td~·.


0crescimento do capital mercantil causava um simu;t.l.nú" dr\·//,;;"<) <L;_,. ~lci.'tf.t..,·.
O pequeno art"'º
.....,... só padia preservar sua indep'"n~~n.:ü
. , i:n . .'L1.rnt'-'
~ ·C'r1.).1u·,·
- .1a
·--1 e realizava suas trocas C"ntre a ..:1d.t~<..' <: s..·u~ .l!"rc..·CNe!\ ma··
para o mercado lQ(,.41 • • • • • l::i
imediatos. Mas, paralelamence ao crescimento C.o cvmf.·r.:1'-" 1nt~rn.l.cion.i:, ocorria
cambém 0 desenvolvimento do comércio entre as Ci~~remes r%ibcs: e c;,hdes de
um mesmo país. Cercas cidades se especia:.izav.un na. mmu ~J.mra 2.t." It~:ns p.ircicu-
lares {por exemplo, producos tê.'\teis e armam.emos\ s_ue e:-.:i.m pr1....,duzidos: numa
quantidade grande demais para que sua Yen2.a se :::m::a..-.se- ª?ena..; a uma rt."gião
delimitada; daí a necessídade de buscar m(r,:dvs r.Q o.:urffJr. hs.o va'.ia ?arricu:ar-
menre para a indústria rb:ti4 que começara a ::oresccr nd.S clciaC.es Ca Icá!ia e de
F1andres {e, mais carde. na Inglaterra) no fina'. cia :C.aCe ~~éciia. nessa época, o:á
mestre recdáo não podia mais dcpenéer do consumo imeiiaro Co mercado local
e tinha, assim, de vender suas peças a um int<:rmeG.iário, c;ue trans?onava granCcs
cargas de mercadoria às áreas em que existia GemanCa. O comprador ocupava,
agora, uma posição intermediária entre o consumiCor e o ?rociutor, esta1:ie!ecendo
gradualmeme sua dominação sobre este úlrimo. !nicia:mente, e'.e com?rava do
an:esáo estoques individuai.s de mercadorias apenas oc.a..siona:menrc; mais carde.
passou a comprar tudo o que ele produzia. Com o passar do tem?º• começou
ªdar ao artesão um ac!.iamamenco em dinheiro e, oor fim, ac.a~ou por fornecer
demesmoasm •· · • d.
atenas-primas {por exemplo, linha ou !ã) aos arccsáos (fian ci-
ros, tecelões etc) a que 1 ' b 'h
A . ·' m e e pagava, então, uma remuneração por seu tra a.;. 0 ·
1

parur desse momento• 0 arresao znaependente converreu-se num nab'/lllJ


- ·- J "ador
manual tkpentknte e 0 "
out' ~ _ ' mercador, num mercador-empreendedor ~buyer up-putti
•· • esse- senuc!o, o mercad - 1- ' ~io.
pa.\Sava or capita.;ista, retirando-se da esfera do comeri..
a atuar, a seu modo , do
' no proeesso produtivo, organizando e conrroian
a produção de um grande númi:r11."' de .1.m.·s:10!\ "-:uc rd,.1'.h.w.\m 1.:m SL:a..' ?,.,·,r"'ri.L'
casas. A" gui:d:..ts indcpcndenrc!\, que ,.wiam c!•-'m;nJ.!o .1 <.'COn1."'m\.1 C.,1!> c'C:i(~<.'S
no final da tdadc M(dia, deram :ugar, nos .!>C.:·cu'.os X\'~ e XVli. ao r.i?:('.o "-Toi.'S-
cim<nto dJ. ind1í,(trit1 f1l,,(irt1 (o J.."i!>im ch.1m.1i!o o;iM"-·m.1. 1.'.1:-m..:!'>~i1.·o <.Ü !r...::'.ú,.lria
capitaliMa). F~'\ta ra~iwu um r.iido pr<.,~r<.'!>!'>O n.1...;uc;C:'- r.un . . 1!'> ..i.1 :·"'rvl'.u •.;:1..:i, t.ó;
com(' .1 mJnuf.uura tl·xti:, <.~li<." pr11.,Ju1:i.l ;."'.tr.! m1..·r1.-.h.~O" 1..:!>;'1.'1..i~ ...-,"'!'> "'l! ~"'·'r.11.''i"'Vr­
t.1.ção p.ira OUCfO!'> p.1.Í<;C.!>.
C.1n·1pvnt.""<.'' JrrJnC;.l<.~0-' Jc :.lt.l!- t~:rr.l..' <.' ,\rh.'!'>;h."'I' ,\rrh:n..i,.;\,~ ..·n:.~./""'·"'·'~n
a.~ p num...-ro.. a!I fi~dra!'> C.e mc:né.i;;.o~ e va~J.!.,un<lo!'>. Aft mc...::!...-\.1!'> .1..:\.1! . ;c'..l!> p<.<1."'
EMa~o contra a v;.1~a:.,unG.1g<.·m cr.rn1 i!ur,\Jo; v;.t~.l.~"'u:iCv, t-<i.U(:.1wi' 1.·r.1111 .h;o:~.i1..~1)!'>
ou cin!i.1m o pc:ico GUc:irn:..C.o com fc:rro <.'m hr;lJ.a, e va.;!:o... ~"'er~:~!c:r.~c:" c:sca".vn
.sujeitos à <.'Xc:cuç;-10. Ao ml.'~mo cem?º• c~t.Ót.·~t.·i:c:u-"'c :;-ior \·1 o Jo.1·.1rio ni."-,;m,)
que podia i;cr pago ao.!i cra.::.a.:'.,;i~0rei;. A' m<."Cic;i,,s brur~is (l>ntr:.l .\ vag.l'.".'l 1..1no..'Jt~..:m
e a~ leis dctc:rmin.rnCo o v.Lor md.ximo Cos t-a!.irios t~,r.tm ct.·m.n;v.1Jo li.o~ ;;owm1,):õ
da época de convem.:r C\SCs e!<.·mc:ncos !>Ociais dc:i;c;a...,.~i~c.K:o .. nuMJ c:a..S<.' d:..ó-
plinada e obediente Ce cr.óa:::iaC.ores a...o;a'.ariaC:os. que, por urn.i n:n'1.1ri,i, o(...·rc:-
ceriam seu trabalho a um ~0\-·c:m e 'res,eoncc 'apica!ismo.
Assim, o que ocom:u na era C.o capital m<rc..mcli (os :.i·cu:os X'Vl e ~~v:~)
foi a acumulação de cnorrn..:s ~u.a.nti.a.." C:e capita'. nas mão!\ éa ;,urg,u<.·!>i.1,c,,-.m..,·rd:.1:
e um processo de separação C.os ?roducores C.irecos (artesãos e. em ?J.m:-. c~tmr-o­
neses) em relação aos meios d.e ?roCução - isto é, a form.tção d.e um.t c:J...,.,c de
trabalhadores assa!ariaC.os. t.•ma. vez obtido o C.omi'nio no campo C.o ~c-m....'.rc:o
exterior, a burguesia penetrou nac;,ueles ramos da inC.úscria vo:t.!Cos J. CX?1.'rt.1-
ção. Os trabalhadores artesãos dessas indústrias foram su':iordina~O$ J.O m.:r..:aC\.lr-
-empreended.or que!, com a a;uCa do comércio exterior, impondo seu 'omro~t.· wbrc
a indz;~·tria ras(ira. proporcionou ao capitalismo celebrar su.ls primC'ir:.L' \"itórias.
Es.~ uansiçáo dJ. economia feudal para a capit~isca obte\'C o ª.?oio ativo
da.~ autorid11dts t.ftatais, cuja crescente cencra!i1.ação corria par.t:..:~amc-mc à Í<.m;..i
cada vez maior do capital mercantil. A burguesia comercia.:. sofr<."u im<.·n~.un<:nu:
nas mãos do antiquado regime feudal: primdramente. porque a fr.lgmçmaç.3.o
do pais em domínios feudais separados tornou difíceis as r~!açóes com,róJ.ls
entre elas (agressões por parte dos senhores feudais e Sc:us cavaleiros, a co~cc.t Ce
impostos, etc.); e, em segundo lugar, porque os direitos de acesso às cidaécs aJ.rn
recusados aos comerciantes de outras cidades. Para quebrar os privi:t'.·gio~ d.os
proprietários e das cidades, era essencial uma monarquia force. Mas a burguesia
E S t 1.1
46
. dt um E.sr:ido poderoso para proteger seu comércio incernacio-
um!Jém precisava l hcucmonia sobre o mercado mundial e
. 0 1ônias e lutar pc ª o · .e. foi
nJ.1, conquistar e 1
• ornou uma partidária das fortes casas re .
. . , burcucsta se t . • . ais nas
a.--s1m c;,u~ a Jº'cm 0 horcs feudais. A crans1çao da cidade fechad d
úl ·mas conaa os sen . . ae a
luus destas ª conomia verdadeiramente nacional exioia a t
. . na.l para uma e o rans..
economia rcgio . feudal num Estado centralizado que conra.ss
' . da fraca rnonatqwa • , e com
.ormaçao . 'rcito e marinha. Desse modo, a era do capital mer.
sua própria burocracia, exc . ran-
• • L...~ era da momirqrua obso/11ta.
nl foi, ramucm, a . •
~as se 3 jovem burguesia apoiava a coroa, esta, ~or sua.vt:;:· tomava medidas
. d nvoJver a florescente econom1a cap1tai1sta. Havia t""
para ahmcntar e csc . . -·to
. ,, . co econômicas e financeiras a fazer dessa aliança polícica al<>
razoes po1mcas quan . 1 ~0
essencial para a coroa. Em primeiro lugar, a manuren~o de uma_ ourocracia e um
exército demandavagasros enormes, e someme uma nca burguc.s1a podC"ria díspar
dos meios para cobri-los com rribmos, obrigações comerciais (tarifas), emprés-
timos esrarais (tanto compulsórios como vo~um:ários) e, por fim, taX.<L" pagas ao
Esrado em troca da concessão do direito de arrecaàar impostos da população (ta.t
fonning). Em segundo lugar, a coroa necessitava do apoio do "terceiro Estado" (a
burguesia) cm sua lura contra os senhores feudais. Foi, portanto, durante a era do
capitalismo mercanril que ;efannou umtt ;ó/ida aliança entre o Estado e a burguesia
comercial, aliança que encontrou expressão na polltica mercantili.~ttt.
A característica básica d.a polícica mercami!ista é a de que o Estado usa
ativamente seus poderes para ajudar a irnplanrar e desenvolver os incipientes
comércío e indústria capitalistas e, rnedianre o uso de medidas protecionistas,
defende-o diligcntememe da concorrência estrangeira. Enquanto a política mcr~
canrilisra servia aos imercsses dessas duas forças sociais, ela dependia do parceiro
que se moscrava mais forte nessa união - o Estado ou a burguesia mercanril -,
a.s.."im como do que assumia maior preponderância: o fiscal ou o ecoflómico. Em
sua fase de abenura, o mercantilismo rinha, acima de tudo, de alimentar os
objetivos fi,...cais de enriquecer os cofres do Estado e aumentar sua arrecadação,
o que ele realizou suh d • · e
. . meten o a populaçao a um pesado fardo de impostos
atraindo meta1s precioso5
1.'b .
•( d i-
para Opais mercantilismo primirivo ou .fistema e equ
~;·"º m~netdrio). Mas à medida que a burguesia se tornava ma.is forre, o mercan~
a.ismo ta se rornando proo-r . '• cio
· . d, . b essivamence wn meio de susren ração do comer

t
ªª
e in usma capiraHsras l .
' que e e defendia por meio do protecionismo. E aq
ui
emos o mercamilismo desenvo' .d . .
iVI o, ou o sistema de equilíbrio comercutl
Nota

I. A citação de Thoma..;, .Viorc (: Ge UtnpitI, tivro ~ '.ed. 0r.h: ·:-~orn.h .\.'.1:.;-c, l. ·,,,/',:,,,
São Paulo: Manin!'> Fonro.'\, 1993'.. A cit.1ç;·10 :ni1._·~i.u,1ml·nt..: a ~c:~o..:.:r ~;~e ,,·_::.,r ,.,_to
identificaC.o e uaduzida cio n.1~~0.
Cap:tu'o 2
CAPITAL MERCANTil E Po~:T:CA iv'cKCA:X';~:STA
NA INGLATERRA NOS st:cu~os xv: E xv:;

EmSora ?rat;cameme roCo.'- o:i. ?ªÍ~<:<; C.a Fum?a ?r<1.ri.:;.\:•N'n1 u~'"J ~n-:r;o
mercantilista durame o ~n{cio C.o ?erioC.o ca;iira_:ista, L- com o t'Xt'm/ C.l fr:;:Ji1-
1')

terra que sua evo!uçáo ?Oêc ~er traçada mais dar.1m<.:nte.


Comparada a a;gu!Tlas ou~ras nações euro?eia.s. t;li.., como a :·c:i:ia e ;t

Holanda, a Inglaterra fo: re'.a.r:va.11cnte tarC.ia na 1:>usca por co'.õn:.1~ e no .:3.t''ien-


volvimento de sua inC.úsrria. ~o começo C.o sécu'.o XV!, c\a a:11CJ t.:r.i .:.L!::i.::'.•:<..c.·n-
volvida na agricu!tura e no comádo. Suas exportações eram C.e m,1:lrl.J.•-pr:,,,r1s
como, por exemp?o. pe:es, metais, ;xlxes e. acima Ce ruGo, lá, c.:u.: 1,:ra ('-'i!:?r,1..-:;1
pelas mais desenvolvidas inCústria.s têxteis de Eané.res. Do c~ua. ngeiro ("1cgJ.\'.J..:T;
artigos manufo.curados, cais como ceciC.os f!.amengos, arcigos de co'.>r.:. 1.'íc :_-..-.e
comércio importador e e..x;xmaC.or escava fundamema:mencc nas mãos é.e: ma-
cadores t>rrangdros da Itália e da Liga Hanseática. Os comt'rcian~c)> '.1~.ns.:.;r•c<h
possuíam uma grande f.i.brica 1 em LonC.res; corno eram os seus navios c;,uc: cran-.-
portavam mercadoria..'\ para dencro e fora da Inglaterra, esca c:rJ :m?c.:CiC:i Cc c.'.c-
senvolver sua própria frota. Quando os mercadores ing!eses se av1.·ncurav~i..m no
continente (o que não era frequente), era apenas pJ.IJ. com?rar ~:l n~\~ ci~~1CL's
flamengas - primeiro, em Bruges, e, a parcir do s~culo X'Vl. na Antu~ryiJ, o!"'ld.;:
tinham sua própria fábrica.
Sob essas condições, inexistia uma rica classe mercante nJ.tiva, e o pai.e; t'rJ
pobre de capital monetário. O governo inglês - ao menos acé o hm Co 5.l·1.:u~o
XVI - via o comfrcio exterior com nações mais ricas de uma ?ers.pccüva fÜn1..'.a-
mencalmence fiscal. Tributos eram cobrados so'.:>re a im?ortaçlo e a cxr:i1..'rt.ição,
especialmente sobre a exportação C.c lá. Toda e qualquer tr;a.nsa.çlo entre rn..:ro.:J.-
dores íngleses e estrangeiros escava sujeita a um rígido comro!I! cMa{al; prirrt1.';f1..',
receberia os imposcos apropriados; segundo
assegurar que o resouro , para
para /; ma de dinheiro seria enviada para fora do país. Corn
garantir que nen "'"'11 so . I ,. o
. ação de escassez de cap1ra monenmo, sendo consr
governo sempre cm s1ru an-
remcnte forçado, seja a depreciar a moeda, seja a re~orrer ~ empréstimos a firn
de manter a solvência do rcsouro, a evasão de metais pr~c1osos era uma fonte
de profundo remar. A exporcaçáo de ouro e prata era estntamc~rc proibida. De
acordo com 05 StalltteS o/ emplayment, os mercadores csuangctros que traziam
mercadorias para a Inglaterra eram obrigados a gastar todo o dinheiro recebido
com as \'endas na compra de oucras mercadorias no interior do país. Quando
um comcrcianre estrangeiro viajava para a Inglacerra, ele era posro sob o controle
de um morador local respeitável, que agia como seu "anfitrião". O "anfirriãon
mancinha um olhar arenco sobre codas as transações realizadas pelo "hóspcdcn
e as registrava num livro especial. O "hóspede" tinha um prazo máximo de oito
meses para vender rodos os seus estoques e usar suas receitas para comprar mer-
cadorias inglesas. Qualquer tencariva de um mercador estrangeiro de escapar do
controle do "anfitrião" resukava em prisão. Durante a segunda metade do século
XV, o sistema dos "anfitriões" deu lugar a um controle exercido por inspetores e
supervisores especiais do governo. 2
Mas não bastava estabelecer um embargo à exportação de metais preciosos
da Inglaterra. Ainda era preciso atrair esses metais do estrangeiro para dentro do
pak Para esse fim, a lei obrigava os comerciantes ingleses que exportavam mcr-
c.adorias a repatriar uma determinada porção de suas receitas em dinheiro vivo.
Para que o governo pudesse manter o controle sobre as transações estrangeiras de
seus mercadores, ele lhes permitia exportar suas mercadorias apenas para cerras
cidades continentais (as assim charnaclas staples).3 Por exemplo, na Inglaterra do
início do século XIV, a lá só podia ser exportada para Bruges, Antuérpia. Saint-
·Ümer e Lille. Nessas staples, o governo inglês instalou oficiais encarregados de
supervisionarem todas as transações enrre comerciantes ingleses e esrrangeiros,
cuidando, primeiramente, para que a quantia correta de imposcos fosse paga ao
tesouro inglês e, em segundo lugar, que uma parte das receitas arrecadadas das
vendas
.
de mercadorias ·mgJ esas rmsse envia
· d , · tal
a de volta a Inglaterra, se1a em me '
se1a cm moeda estrangeira.
. . A política mercantilista primitiva era, assim, fundamentalmente fiscal, cujo
ob1et1vo principal era en · 1 de
. nquecer 0 tesouro, seja diretamente, por meio da co era
taxas de 1rnportaçáo e export - . . . ·d de
açao, se1a indiretamente, aumentando a quantl a

ln
..... ........ ,, ...
, 51

de me(aÍs preciosos presentes no país <aqui, também, a irnençáo tra pns•ibili·


(ar um aumcnm futuro da rcc:cira cstar:1ll. Por um IJdn. º" Stntutr; o/ onploy·
ment projbiam aos csmmgciros cxponar dinheiro vh-o Ja fngl.m·rr.i; p(Jr ourm.
a aíaçáo das stap!ts promovia incviravdmcntc a entrada de dinheiro do exterillr.
Para se certificar de que suas leis fossem cumpridas, o farado tinha J1.· l\::gul.tr
estrita e rigidamente as atividade~. ranro dm comcri.:i;Hlk\ ingle.~t.'\ l(U:uw 1 do~
estrangeiros, exercendo uma supervisão mcrkulosa .~olm: roci.1 1.· qualquer rr.in·
saçáo comercial, fosse da realizada dentro ou fora do rcrrirório inglC::~. :\o impedir
que o ouro e a prata saíssem do país e ao atrair cs~c~ metais do cxtl.'rior, ;1 poli1ica
mercantilista se voltava p:irJ a melhoria do equilíbrio nw11t•tdrio d;1 n.1ção, po·
dcndo, assim, ser designada. como um sistema dt.· equilibritJ 11w11r1,írifJ.
À medida que o comércio e a indímria se dcscnrnh-cram. es~a polírica
foi se transformando num entrave às rransformaçócs cconômic.l.'1, Os rnntrolcs
que ela exercia só podiam ser mantidos enquanto as rransaçõcs comerciai~ com o
estrangeiro não eram tão numerosas e eram cfcruada'i cm dinheiro \'i\'o, perma-
necendo limiradas, em sua maioria, a transações com i.:omcrcianrcs estrangeiros
que vinham à Inglaterra. Uma vez que o principal produro de cxporração ir.glé:s
era a lã - famosa por sua qualidade superior e com uma posição de monopólio
no mercado -. a limitação da exportação de mercadorias cxdusi\'amcnrc para as
staples não impunha grande sacri6cio aos mercadores ingleses. O i;brcma de equi-
líbrio monetário correspondia a um estágio de comércio exterior pouco dcscm·ol-
vido, concencrado nas mãos de mercadores esrrangciros e extremamente limitado
à exportação de matérias-primas. O desenvoh•imemo futuro do mercado e da
indústria ingleses durante os séculos XVI e XVII levou ine\•icavelmcntc (como
veremos mais adiante) a um rompimento com o obsoleto sistema de equilíbrio
monetário e à sua substituição por uma política mercantilista mais avançada, o
chamado sistema de equilíbrio comercial.
Ao longo dos séculos XVI e XVII. a base das exportações inglesas elevou-
-se gradualmente de matérias-primas (lã) à exportarão dr produtos acabados (tecido).
A indústria têxtil inglesa começara a gozar de um rápido desenvolvimento desde
o século XJY, quando tecelões rurais de Flandres, para não serem incorporados
como trabalhadores nas guildas urbanas de seu próprio país, imigraram para a
lnglarerra, onde a tecelagem se estabeleceu como indúsrria doméstica, situada em
localidades rurais e livre de qualquer subordinação às regulações das guildas. A lã
inglesa, que até então era exportada para Flandres como matéria-prima, passou

1
SE 1J O 'E C 1,. 1N1 (!

52
seu país de origem. No século XVI, ho
d cm parte, em Uve u111a
a ser processa a, da 1• ua inglesa e um force aumento na expor _
-0 a cr taçao de
redução na exparraça
bd•Sema• 1• ,·nglcsa• a indústria flamenga de tecido entroue
tecido inaca ª · 0 d ,culo XVII, já havia cedido a liderança à lngl rn
' . começo o se aterra
dcdm10 e, no . das exportações inglesas era a lã, agora o tecido ·
Se anccs o principal Jtcm assurnia

esse papel. • d tecido inglês tornou-se exclusividade de uma corn h·


A exporcaçao o . . . Pan ia
.al Mnrhant Adventurers, cuia ac1V1dade se expandiu a I
comercial espcc1 • a o ongo
, XVI 0 tecido inglês demandava novos mercados e, para esse fi
do seculo · . rn,
u hant Ad~enturers o direito de cone1uir acordos
reservava~se à 1vi"trc. •
comecei . .
ais •n~
d exportar tecido para novos mercados escrange1ros. Desse rn do
dcpendcoces e e o ,
0 velho monop6lio das staples escava quebrado. Ao final do século XVI, os merca-
dores ingleses já não permaneciam em casa com suas mercadorias, ou nas cidades-
-st11ples coniinentais, aguardando a chegada de compradores estrangeiros. Eles
não podiam mais se limitar à venda das matérias-primas (isco é, lã) que eles mo-
nopolizavam, mas tinham de vender produtos acabados (tecido) e, para isso, pre-
cisavam manter uma posição fortemente competitiva no mercado mundial concra
0 tecido de outros países, especialmente o de Flandres. O que agora tinha início
era uma luta pelo domínio do mercado mundial e pela eliminação da concorrência
estrangeira. Para vencer, os negociantes ingleses abandonaram seu papel passivo
no comércio e assumiram um papel ativo - começando por transportar suas mer-
cadorias cm suas próprias embarcações para mercados discantes e retornando com
os bens que eles haviam adquirido, principalmente nas colônias. Agora os navios
ingleses cruzavam o Mediterrâneo à procura de produtos orientais; fábricas eram
estabelecidas em Veneza e Hamburgo. Os mercadores italianos e hanseácicos na
Inglaterra iiverarn seu monopólio quebrado: em 1598, a fábrica dos comercian-
tes da Liga Hanseática foi fechada pelo governo inglês, e os próprios mercadores
foram expulsos do país. Como os mercadores ingleses se aventuravam. agora.
pelos ~e.readas do mundo, o país foi forçado a buscar uma política colonial ativa.
As colomas mais ricasJa' haviam . · ai mence
· SI·do tomadas por outros Estados, prmcip
Espanha e Porcn~I Co F ad-
"6~· m o tempo, a Holanda e, em certa medida, a rança

e~~·~~o···
o seu ringimento e ' . rccido mgles era exportado inacabado. O seu aca~-
ram rcal11~rlnc n~ 1-1 .... 1......t ......... e ............
CAPITAL MERCANTIL E POLIJICA ,_.IERCA ... TILl!lTA 53

quiriram consideráveis possessões coloniais. A história inteira da Inglaterra do


século XVI ao século XVIII é uma história de suas lucas contra essas nações pela
superioridade comercial e colonial. Suas armas nessa luta foram a fimdaçáo de suas
próprias colônim, os tratados comerciais e as guerras. Os ingleses realizaram suas
próprias expedições à Índia, onde estabeleceram as fábricas que iriam marcar o
começo de sua dominação sobre aquele país. Ao final do século XVI, fundaram
colônias na América do Norte, que, mais tarde, formariam os Estados Unidos da
América. A Inglaterra forçou o acesso a colônias já dominadas por outro!'> países.
em parte mediante o contrabando ilegal. em parte com acordos comerciais. Foi
tal acordo que deu aos ingleses o direito de enviarem seus navios às colónias
portuguesas na fndia e de exportarem seu tecido para Portugal. Com seus ad-
versários mais perigosos, a Inglaterra travou sucessivas guerras sangrentas. O fim
do século XVI viu a Inglaterra emergir vitoriosa de sua guerra contra a Espanha,
cuja marinha, a indômita Armada, foi completamente derrotada em 1588. A
principal rival da Inglaterra, no século XVII, era a Holanda, que possuía a maior
frota mercante e comércio e indústria florescentes. O século XVII foi, para a
Inglaterra, o século de sua luta contra os holandeses, ao passo que o século XVIII
foi dominado por sua luta contra os franceses. No período entre 1653 e 1797,
a Inglaterra passou sessenta e seis anos imersa em guerras navais. O resultado
foi a emergência desse país como o mais poderoso poder marítimo e colonial-
-comercial do mundo.
Assim, a segunda metade do século XVI trouxe consigo profundas
mudanças na economia doméstica inglesa: matérias-primas (lã) começaram
a perder sua posição dominante nas exportações da Inglaterra, dando lugar a
produtos acabados (tecido); a importància do comércio exterior na economia
nacional cresceu imensamente. A Inglaterra desenvolveu sua própria rica bur-
guesia comercial, que, como mercadores-empreendedores [b1~vers-11p]. ingressa-
ram parcialmente na indústria. A prosperidade vivida pelo comércio exterior foi
acompanhada pelo incremento dos transportes e da indústria, uma vr:z que a in-
dústria caseira substituiu as guildas. Comparado ao comércio, no entanto, o papel
do capital industrial era extremamente modesto: ainda não superara a forma
primitiva do capital do mercador-empreendedor, e sua penetração e produção era
fundamentalmente limitada àqueles ramos da produção que ou produziam dire-
ramente para exportar ou estavam intimamente ligados ao comércio de exportação.
A elevação do interesse pecuniário bu'K"is à custa dos senhores rurais encontrou
~ f. tJ D F e; L 1" t O

54
__ 1 A burguesia procurou cada vez mais estende
a ollrica esrar.u- . • r sua
seu reRcxo n P __ , . lo para acelerar a trans1çao da economia fe ,_,
• . bre o EsrauO e usa- u....,
in8ucnc1a 50 ·ra1· As duas revoluções inglesas do século XVII for
nomia cap1 isra. arn a
para a eco . ões da burguesia. De sua parte, o Estado rinha u
nírida expressão das asp1raç • . d . d• . rn
. 'd d volvimenco do comercJO e a m usu1a como un1 rn .
interesse no rap1 o esen . E . cio
. rio poder e de enriquecer o tesouro. . assim. 0 sisrcrn
de aumenrar o seu prop . . a
'líb . rário aquele velho, obsolero coniunro de medida. restritivas
de equi 1 rio mone 1 , • • •

.al -•s deu gradualmente lugar a mtervençao ••t111al 1111111.1 ·•ntpl


essenc1 mente 6s\,.G& 1 • . . a
frenre, bem como alimentou acivamente o cresc1mento do romtri:w c.ipiralist,,,
áouraiuporttu da indtíJrria dt exportarão com o objetivo de ülnsulid.tr a posição
da Inglaterra no mercado mundial, eliminando seus romp.:tidor~s l'Slr.1n~ciros.
o mercantilismo maduro foi, acima de tudo. uma polnic.1 de pmttrio-
nismo, isro é, 0 uso de políticas ra.rifárias para estimular o cresdmento J.i indústria
nariva. foi o protecionismo que acelerou a transformação da Inglaterra. inicial-
mente agrícola, numa nação comercial e industrial. Tarifas altàndegáriJs come-
çaram a ser usadas, para fins econômicos e fiscais. Anteriormente. por razões fiscais,
o governo instiruíra taxas indiscriminadamente sobre rodo tipo de item de ex-
portação; agora, no emanro, o Esrado começava a diferenciar entre matérias-
-primas e produ111s acabados. Para fornecer à indústria inglesa as matérias-primas
baratas de que ela necessitava, o governo recorria à elevação das taxas ou à proi-
bição total da exporração. Quando ocorria um aumento nos preços do cereal,
nem este nem quaisquer outros produtos agrícolas podiam ser vendidos para fora
do país. Por outro lado, quando era o caso de produros acabados, o Estado en-
corajava sua exportação por todos os meios possíveis, isemando-os de taxas ou
mesmo oferecendo um subsídio para 3 exportação. O mesmo ripo de discrimina-
~ - embora cm direção inversa - era aplicado às importações. A importação de
la, algodão, linho, tinruras, couro e outras matérias-primas era não apenas livre
de .tarifas. alfand · · como ate• mesmo subsidiada ou encorajada por ourros
. cganas,
meios.
.
Ja a 1mponaça·0 de produtos acabados era proibida ou submerid a a a1ras
rartfas. Tal polírica t 'fár . .fi .,_
,~, art 'ª stgm cava que a indústria nativa tinha d~ ser prottgl""
mi <Kmmtn111 da agricu/1v
ra, 'f~ pro duzia matérias-pri11111J. E• preciso acrescentar
1
que, na ng1aterra, onde o ·--•· . e
ond cap1<a11Srno penetrara rapidamente na agnculrura
e pane da elas.se dos scnh · o
gov ores rurais formava um bloco com a burguesia.
crno se empenhava em i d . .. ral Mas
na frança, onde . ntro uzir polmcas favoráveis à produção ru ·
ª agnculrura ainda era fieudai, a coroa (espec1almente
. so b Colbertl
55

frequentemente fazia uso de um;1 politk.1 ml·rc111tilist.1 para .urair as hurguc~fas


mercanril l' industrial como alio1JM. rm su.1 h11.1 ,:nntr.1 a ;1ri-"10l ra ... ia K·udal.
Livre Ja cuncnrrênd.1 c:.UJl\~drJ, o l·.1pit,1I 1.1Hlll'rl i.11 l' i11Ju.;ni.1I ingl~s
pôde um mmwptilio. Ili.lo .1pl·11.1' ...oh11.· 11 1fü·1l.1d11 d11111t:,th.11, ma . .
t·stabelrl't"T

ramh~m ~nine 11S colôni11J. l/m;1 lt·i iruiml.ul.1 Ato d« N.1\'1.:g.h.,.h1. ph111111l!~·1d.1 pc1r
Cromwdl t'l11 J(,';), proibiu a t•xporr.1,.10 Jc: proJuh>' d,,, 1,:olt".111.1' hri1.'uli1...I-"
a qual,1uc.·1· cunro pilÍ-" qur 1ü11 a lnghunra: d11 111L· ... n111 11H1d11. 1lll'f1..11li1n,1 ... " '

pmlc.•rí;1111 -"l'T c.·111rc.·guc.·!'r> ;,_... lolôni.1 ... pnr um1c.·r1.·i;tnh:' inµle\t''· 11 ... 111do 11.1dn., J.1
Ingl<1tt·n;1 011 dt' \Ua\ tolimi;1 .... A nH.'\llla ll'i l'!ll<1hdc.·l i,1 l(Ul' 1t1d.1-. .1 ... nh·11... 1dori.1!1
impom1d<1!1 para :1 lngl.ttl'rr.1 rinham de.· !lc.•r tr.rn:-.por1.1J.t.,, p.,1 1t.1\ 1t1 .. inglc.''it'"' ou
perU.'llll'lltt"!I :10 paí~ omll· ;1"' ITit:'n:•1doria!I for.un proJ111id.1 .... 1-......., uh i111.1 mt:diJ..1
era dirigiJ.íl dO\ holandc!IC!I, 1.:uja frm.1 mc.·ri:anrc.· .1h:m:o1v.1. :1q11dc1 épol.1. um.1
grande: parecia do" cran1iponc.. mundiai . . l' c:nnfCl"ir;t .w p.li . . o mulo Jc.· ··c.:;urc-
gadores da Europa". O Aw de Navegação de!lt~riu um font· golpl' nm 11anspor-
tes holandeses e foi essencia1 para estimular u ue.o,dmentn J.J m11ri11h.1 mf'n:.mre

da lnglaierra.
As políticas do período mercantilista posterior, implementadas para ex-
pandir o comércio exterior e promover o desenvolvimemo dos transportes e d;11i
indústrias orientadas à exportação - desenvolvimi:nro do qu;1J aqude l..":omc.'.-rcio
dependia -, eram mais adequadas a um grau superior do desenvolvimento do
capitalismo mercantil do que as políticas da primeira fase do mercamili,mo. Em
contraste com o mercantilismo primitivo, i:m que as exportaçõi:s eram limitadas
a um pequeno número de sraples. o mercantilismo desenvolvido c-ra e.\-p1111sw-
nüta, visando à máxima extensão do comércio exterior. à conquisca de colônias
e à hegemonia no men:ado mundial. O mercantilismo primici\'o cxc-rciJ um
rlgido controle sobre toda tramafãO (omercial individmll: já o mercanrilismo
avançado restringiu sua regulação do comércio e da indúsrria (ambos cresciam
rapidamcmc) a uma escala mais ampla, naâonal. O mercantilismo primitivo
regulava diretamente o movimento de metais P"ciosos pard dentro e para fura
do país; o mercantilismo avançado buscou atingir esse mesmo fim regulando
a troca de mercadorias entre o pais e outras nações. Os represemantcs do mer-
cantilismo avançado não desejavam em absoluto atrair para o país 0 máximo
volume de merais preciosos: o Estado visava, fundamemalmenrc e anres de mais
nada, melhorar as condições das finanças do governo; a classe mercimti/ consi-
derava uma grande massa de metais preciosos uma condição necessária para 0
j 56 " ........ . ,1'.l"''-' 1
$ [ U Uó. ' - ' '•: i •.>

~ ercial· e finalmente. os smhores rurais espera


esdmulo da evoluçao com ' ' varn q11c
• . d d' beiro pudesse elevar os preços da produção a 1
1: 1 uma abundanc1a e 10 • • gr cola e
. paga por emprésnmos. Todos esses diferentes in
abaixar a caxa de 1uros .. tercsses
. d limentar a crença mercant1hsta na necessidade d .
de classe 3JU avarn a a • e atrair
1 Mas 05 mercantilistas desse periodo entendiam que ft
dinheiro para o pa s. , , • . o uxo
de entrada e saída de moeda de um pais ~ outro e a ~nsequencia da troca de
mercadorias cnrre des, e que a moeda aflui para um pais quando suas expona-
ções superam as importações. E, assim, viiam nu~a balanra comercia/ posiliVa-
'd r uma política que força a exportaçao de mercadorias e a red .
garanti a po . • . ., . , uçao
da importação_ 0 melhor meio de atmg1r um eqmhbrio monetario favorável. O
sistema pro1Ccionista inteiro se voltava para a melhoria desse saldo comercial: ele
limitava. as imporraçõcs de bens estrangeiros e, por meio de sua política colonial e
sua habilidade de prover matérias-primas e trabalhos baratos, etc., ajudava a fazer
da indústria nativa uma força competitiva no mercado mundial. De modo que
a política mercantilista desse periodo, distinguindo-se do "sistema de equillbrio
monetário" do mercantilismo primitivo, pode ser chamada de um "sistema Jt
tquilfbrio romtreial".
Embora essa rransiçáo do mercantilismo primitivo para o sistema baseado
no equilíbrio comercial ateste o crescimento do capital comercial e indusrrial,
CSIC ainda não era forte o suficiente para se desvencilhar da tutela do Estado e

subsisúr sem sua assistência. A política mercantilisra andava de mãos dadas com
a ttgUÍaráo estatal de codos os aspectos da vida econômica nacional. O Escado in-
terferia no comércio e na indústria com uma barreira de medidas concebidas para
guiá-los na direção desejada (carifas ou proibição de importação e expo11açáo,
subsídios, !tacados comerciais, leis de navegação, etc.). Ele impunhaprrrosjitosa
'"""pagos ptla mão dt obra epor artigos dt subsistência e proibia o consumo de
artigos de luxo. Garancia a decerminados indivíduos ou companhias comerciais 0
direito dt monop61io sobre o comércio ou a produção industrial. Oferecia subrúlios
'conrtrróts dt tributos a empreendedores e, para estes últimos, arregimencava do
estnngeiro cxperienccs mestres-artesãos. Mais tarde, no fim do século ){VIII,
"'.'" compreensivo! politica de regulação econômica acabaria por enfrentar uma
v1olcnra oposiçã0 d •mcrgence e recém-consolidada burguesia
ª . ·mdusm'ai' maJ•
durante a época do capi'cal'ISmo primicivo, quando ela correspondia aos ·inte..,,..
da burgun;,, com.n · l cal pol"
ide .1 na' mca enconcrou apoio compleco e to e
cal nu< os
o ogos daquela classe - os mtrrantilistas.
Notas
J. As •fábricas• eram asscntamenro!'i comerciaio; murado-ç, :iutos~uficiC"ntC'~. ond-:- mer·
cadorcs estrangeiros ficavam alojados e faziam seus negócios. Muito frcqucnrcrr.cntc,
rodos os mercadores vindo~ de fora da <.idade cm qucn.in ficav.m1 hmpdaJ,,:, no
mesmo csrabelecimcmo. Ao momo tempo, no entanto, d.u ~t: 10rn.ir;;rn (1 pomc1 de
panida para muhas dali nov~ a.uociaç.õcs mcn;.imh l}UC iriam n.h,c:r nc~,.1 épo.:J.
2. Grande pane desse controle cabia aos Juiz.ado!> de Paz, que tinh;im uma J.mpla gama
de poderes para regular o comércio, a..\ ta.."<as safari.ai~. eh.:. cm rod.t J. cXlcm..ío Jo pais,
e não apenas no âmbito das guild:u municipais.
3. A pollcica da s111plt er<1 mais do que um simple~ meio de can:J.lizar e reHringir o
comércio; por proporcionar um monopólio sobre o mercado local .1 toda companhi.:i.
mercanril que dde dispunha, o direi(o de o1cc:sso:.. Jlllpl~ se tornou um "bjcto J\'iJa-
menrc cobiçado na Coroa. O uso que Rubin faz do rermo uhscun."(c a \'erdadcira
origem da insti[uiçáo, que cr;1 um meio pdo qual cidades p.micularcs tenu,·am se
estabelecer como centros comerciais medianh: sua (ro1nsformação em principal '"local
de conrrouo" (con10 os italianos o c:ham.iv.im) para o c:omCrdo de drfas mercado-
rias. Uma vez atingido esse obje1ivo - ..:orno cm Bruge.~ e n.a AnmCrpi.i. que us.ir.1m
a poliria da stAp/r para se constituir cm grandes ..:l.'ntros de mercado -, o prôx.imo
passo era tenrar usar cua concenuação paro. alimi:nw a produção e o comCrcio loca.is.
Capitulo 3
AS CARACTERISTICAS GERAIS DA
LITERATURA MERCANTILISTA

A era do capiralismo primitivo também assistiu ao nascimenro da áéncia


econômica moderna. É verdade que, enrre os pensadores da Àmiguidade e d11 !tl1dt'
Média, podem-se enconrrar reAexóes sohre uma st'.rie <le que. . cóc' i.·t.:onômic.l.\.
Mas as considerações econômicas de filósofo~ amigos como PJarjo ou Aristótdes
são elas mesmas um reflexo <la antiga economia escravista, assim como aquda~
dos escolásticos medievais refletiam a economia do feudalismo. Para amba.~. o
ideal econômico era uma economia aucossufü:ience de t.:onsumidores, cm que
a croca escava confinada ao excedente produzido por economia!> individuais e
vendido bJ natum. Para Ariscórdes, o comércio profissionaJ, vohado à obtt:nção
do lucro, era algo ''contra a natureza"; para os escolásticos medievais, de era
"imoral". São Tomás de Aquino, o conhecido escricor canonista do s~culo XIII,
cita as palavras de Graciano sobre o absurdo do comércio: ··Quem quer que
compre uma coisa [... ] visando obter um ganho vendendo-d tal como a comprou
está encre aqueles compradores e vendedores qm: foram expulsos do rcmplo do
Senhor". 1 Assim, era com grande aversão que os pensadores amigos e medievais
viam o capital usurário, sob cujo impacto o processo de dissolução da economia
natural se romaria cada vez mais acelerado. Durante a segunda metade da Idade
Média, a Igreja promulgou uma série de decretos que aboliam a obcençáo de juros
sobre empréstimos e ameaçavam os agiotas com a excomunhão.
À medida que 0 capitalismo se desenvolveu, essas atitudes medievais em
relação à acividade econômica se coroaram obsoletas. O ideal primitivo fora
a economia natural aurossuficienre; agora, a burguesia nascente e a coroa eram
tomadas por uma apaixonada sede de dinheiro. Ames, o comércio profisiio1111/ ~ora
considerado um pecado; agorn, 0 comércio exterior era visto como a pri11âp1zlfome
. d as medidas eram aplicadas no esforço para .
da ri utw da ,,,,çao, e co as b 'd expand1-
q . a cobrança de juros fora ani a; agora, a nccc 'd
-lo. Em tempos ancenores, . . , . ss1 ade
, . e 0 crescimcnco da economia monctana sig .6
de desenvolver o comercio . . .. - n1 cava
meios para supnm1r essas pro1b1çoes, ou a ccononf .
que. ou se encontravam 1a in-
teira sucumbiria com elas. A • • •

As novas concepções econom1cas, que correspondiam aos Interesses de um


. de:: uma burguesia comercial, encontraram seus propon
capital emergente:: e , . , entes
nos mercamilistm. Essa designação e aplicada a um vasto numero de escritores do
século XVI ao século XVJII que viveram nos diversos países da Europa e trataram
de temíl.S econômicos. O volume de seus escricos é enorme, embora muitos tenham
tido apenas uma importância localizada e não sejam mais lembrados. Tampouco
se pode dizer que todos os mercamiliscas tenham professado uma "ccori,1 mercan-
tilista": em primeiro lugar, porque eles não concordavam de modo algum cm todas
as questões e, em segundo lugar, porque em parte alguma de suas obras se pode
enconuar uma "cearia" unificada que abarque todos os fenômenos econômicos.
O carárer geral da literatura mercantilista era mais prdtico do que teórico, csrando
ela preponderantemente devotada às específicas questões que haviam surgido com
o desenvolvimento do capitalismo primitivo e que demandavam urgcncemc::nre
uma solução prática. O cerco às terras comuns e a exportação de lã; os privilé-
gios dos comerciantes escrangeiros e os monopólios garantidos às companhias de
comércio; as proibições à exporcaçáo de metais preciosos e os limites impostos às
taxas de juros; a estabilidade da moeda inglesa em relação às Autuações das caxas
de câmbio das moeda." dos outros países - codas essas questões eram de vital im-
portância prática para a burguesia mercantil inglesa da época e constituía a preo·
cupação central da liceratura mercantilista inglesa, a mais avançada na Europa.
A~sim como as próprias questões, cambém as conclusões a que se chegava
nos escritos mercanrilistas eram fundamentalmente práticas em sua orientação.
Seus aucorcs náo tram eruditos de cátedra, divorciados da vida real e dedicados à
discussão de problemas ceóricos abscracos. Muitos deles participavam ativamente
dos negôcios práticos, como mercadores, membros de associações e companhias
de comércio f.por exemplo, a Companhia das Índias Orientais), ou como oficiais
de comércio ou de alean dega. Ab ordavam os problemas que lhes interessavam. náo
j como teóricos buscando d l l como
h ,. esve ar as eis dos fenômenos econômicos, rnas .
,,11
1 omens praucos que tinh
. .
. ·J~
am como ob1ecivo influenciar o curso da mau eco
nômt(t1
1., com a rtumuiicaçáo da. assistê11cia ativa db Estado. Muitos dos escritos rnercancilis·
tas consisciam em panAetm milhanres, defendendo <rn rtfuranrln ,:om iw•:·rr i-!
medidas e.'lltarai~ do ponto de vi~ra dos imen.:~s . d b . h' '~ '
• • • · C\ a urgut\JJ nic•cin(il_ ;1.-1 3 ,
para poder JUStdi.car uma polnica prárica panicul .J. · 1. I
. ar, e t~ r1111,1m 1 t prr1v,.r <~lll"
0 que defendiam era uma cama de intcrcs~c da cc.o ·
. non11<t cm ger .l 1, r1 lj!Jc O\
compelia a estabelecer o nexo causal entre difcrc:nrt\ f.:núnH:nm tl<i!lfimico-.

E foi assim, desse modo gradual e hesitantL', qut se produziram _ n.i forma de
ferramentas auxiliares na resolução de q1wtóes relativr15 ,1po/itic,1 nwiOii1tw .. a\
primeiras manifestações daquilo que viria a si: tornar a cifoli 4 lOllli:nipor~;nl'a
da economia política.
Nocamos ameriormenre que a política mcrcamilisu era J e.\prcs~ão da
união entre a Coroa e a burguesia mercantil cm desc:nvolvimr:nro, t' qui.: ,abtr se
o mercanrilismo a'isumíria um carácer burocrático ou burgul-.. . -capiralis!a era algo
que dependia das forças rdacíva.1o das Jua.~ forças sociais cnvnlvid.b ni.::.'t' b!oul
temporário. Em paí~es atrasados como a Alemanha, onde a hurgucsi,1 era fr.1c:1. era
o lado burocrático que predominava; em paísc'i avançado,, do' quai~ ,1 lnglatt..'rra
era o mais norável, preponderava o lado capitalisra. Em com:spondl·1wJ .1 c'i~c
estado de coisas, a lircratura mercamilisrn alemã assumiu hasic.1m..:1ltl· ,1 pcr~­
pectiva do oficialismo burocrático, ao passo que na Inglaterra d.l r1..·A1.:ri.1 a visão
do comércio e dos negóáoJ. Para usar a descrição alramc:mt..' apropriada dada por
um economista, as obras mercantilistas alemãs eram cw·nôalmcnrL' cscriw. por
oficiais e para oficiais; as inglesas, escritas por ncgociantc.1o e p.ir.1 n1..·g;oci.HHL'~. Na
atrasada Alemanha, onde o sistema de guildas ainda .1oubsísriJ 11..·nazmcnn:, Jcu-se
um esplêndido florescimento da lirerarura "camcralisra", dcdicad:1 principJlmcmc
a questões relativas ao gcrendamcnro finam:eiro e ao controle administrativo da
vida económica. Já na Inglaterra surgiram. a partir de discussóL's sobre problt:mas
de política econômica, os precursores daquelas ideia!> que mais carde si::riam apro-
priadas e desenvolvidas pela escola clássica. Ao tratarmos da litcrarur:i mercanti-
lista, teremos sempre cm mcnrc essa escola comL'rcial-mcrcantil qui.: constitui seu
corpo mais avançado e característico. Recebendo sua mais clara formulação na
Inglaterra,• ela exerceu a mais profunda inffuência sobre a evolução futura do pen-
samento econômico.

Ao lado das obras do mi::rcamilhmo inglês. 1ambém a litcr::itur.1 mcrcamilista ;,,,~iml<l ~o


século XVI ao século XVIII é de considerável imporrinciJ, cspccialmcmc sua dimman
sobre a circulação monetária.
62
a .. E ... Cl>NTIL.l•Mº I! ••U oacLl~IO·

O car.áter "mmantil" da literatura mercantilista se manifesta etn


. . sua con
. d '-- d capital mercantil ascendente, CUJOS tnter<sses são ide .6 •
•~tente '""'ª o nn tado
do Estado como um todo. Os. mercantilistas cnfati"- 1
com aque1es -.. 6rrnc
rescimento do comércio se dá cm benefício de todos os •
mente que o c . ••tores da
,, "Quando 0 comércio ftoresce, aumenta a mtita da Coroa m-•L
popu1a.,...o. . • • =orain
. ,_,.,_,,,.;,tas rtn"4s, orescc a navcgaçao e o povo pob-
as propn•-· ·• . . . . ,, ·• cncontta
uabal ho. Se 0 comércio declina, ISSO tudo declma . Junto com ele. 2 Essa fo rrnu..
lação de Misscldcn (do início do século XVII) VJSava afirmar que os interesses da
bwguesia comercial coincidiam com aqueles das outras forças sociais da época:
11 Coroa, os stnhom rurais t a classt trab111hadom. A atitude tomada pela literatura
mercantilista em relação a esses diferentes grupos sociais revela claramente 0 quão
Intima era sua ligação com os intcr<sSes de classes da burguesia mercantil.
Desse modo, os mercantilistas se revelaram como advogados de uma Intima
aliança entre a lmrgrmia comtreial e a Cora11. O objetivo de sua preocupação era
aumenw "a riqueza do rei e do Estado" e incrementar o "comércio a navegação, 1

os estoques de metais preciosos e os uibutos reais"; afumavam que, se o pais tive.se


uma balança favorável de comércio, isso possibilitaria ao tesouro real acumular
somas maiores de moeda. Paralelamente a isso, eles repetiam insistentemente que
a Coro• só podia aumentar sua receita onde o comércio exterior er<scia - isto é,
onde se dava um crcscimenro das receitas da burguesia.

Um rei que deseje entesourar muita moeda a:m de se empenhar com tod°' °'
bon!i meios em manter e inacmenw seu comércio exterior, pois esse ~ o 4nico
caminho nio apenas pata levá-lo aos seus próprios fins, mas também para enriqu..
cer seus súditos. o que lhe garante um benefício adicional.'

A moeda acumulada pelo tesouro estatal não deve exceder aquele nível
quo corresponde ao volume do comércio exterior e da renda nacional. De outro
modn, "toda• moeda num tal Estado seria subitamente açambarcada pelo resou~
do principc, 0 que destruiria o cultivo da terra e as técnicas manuais e levarl•
:. ruína, "':to da riquna pública corno da privada". Um colapso econ~ini~
. a (•Moa da h• h"l"d
pm·aria ' 1 ade de uma proveitosa a tosquia de seus súditoS •
A.<>1m, a própria Co
roa tem todo .interesse em empregar aóvamenre medidas para.
promo1•cr o Ct«cimenco do comé . d • didas possalll agir
tcmporariam~nre . reio, mesmo on e ta.IS me caso ela
contra seus 1n teresscs 6sc:ais, como, por exemplo, no
63

redução de tarifas alfandegárias. ªFaz-se necessário não sobrecarregar as merca-


dorias nativas com taxas demais, encarecendo-as para o mercado estrangeiro e,
assim, dificulwido sua venda."S
Se os mercantilistas queriam fazer da Coroa um ativo aliado da burguesia
mercantil, eles não podiam manter tais esperanças em relação aos proprietários
de terra. Sabiam que, ao defender tais medidas 1 provocavam a insatisfação dos
senhores run.is; no enranto, eles tentavam aplacar ~e descontentamento argu-
mentando que o crescimento do comércio traz consigo um aumento nos preços dos
produtos agrícolas e, assim, também um aumento das rendas e do preço da terra.

Pois quando o mercador recebe uma boa encomenda ultramarina de seu ce<:ido
ou. outras men:adorias, ele imediatamente retorna para comprar uma quamidadc
maior, o que eleva o preço de nossa lã e outraS mercadorias e, consequentemcnre,
awncnra as rendas dos senhores rurais {•••].E como, também por esse meio, mais
dinheiro ~ ganho e uazido para o Reino, muitos homens pas.sam a ter condições
de comprar terras, o que acaba por cnCU"eo:r seu prcço.6

Com argumentos assim, esses plenipotenciários da jovem burguesia ten-


tavam atrair a tlAsst dos stnhorts rurais para os sucessos do comércio; mas isso não
significa que eles faziam vista grossa ao con8.ito de interesses que havia encre eles.
Os mercantilisw já haviam advertido os proprietários de terra de que os inte-
resses do comércio e das indústrias de exportação teriam prioridade sobre os da
agricultura e da produção de matérias--primas.

E considerando-se que as pessou que vivem do trabalho manual são em número


muito maior do que aqudas que vivem da agricultura, deveríamos apoiar com o
m4ximo de zelo aquelas arlvidadcs da multidão que constituem a força e a riqueza
tanto do rei como do reino: pois onde quer que o povo seja numeroso e os oficias
bons, as trocas têm de ser grandes e o país, rico.7

Na literatura mercantilista posterior, pode-se encontrar wna intensa


polêmica entre rcprc!entantes da burguesia financeira e dos proprietários de terra
acerca da taxa de juros que deveria ser cobrada sobre os empréstimos.*

Ver capitulo 6.
s4 Havia. pa~m. uma
questão sobre a qual os inceresses de arnb
. 1d d' • . as as dos
i . cidiam e náo mostr.1
coin 1
vam 0 mínimo sma e 1vergenc1a: a explora _
"dões de camponeses sem-terra e de arruinado
Stl
o;ao da ri.,,
_ t
1 ba/JuuÍ4••· As mu a s anesaos
"" d I ·ficados e 05 mendigos sem-reto descartados pelo 1 'º'
bundo• esc as51 co apso da
•""P . ral d guildas foram um objeto bem-vindo de explora .
econom1.1 ru e as . . Çao Para a
. . para a agricultura. O l1m1tt kgal estabelecido par.
indúsma.. assim como n os iafáno
viva aprovação, ranto do senhor rural quanto do bu , '
obreve. em gcral • 3 . ... . . .. rgucs. o,
mercantilisras nunca deixaram de se queixar da mdolenc1a dos trabalhado.,,
ou de sua falia de disciplina e baixa adaptação à rotina do rrab,tlho industrial. Se
0 pão est:i barato. 0 operário uabalha apenas dois dias na semana, ou 0 que for
necessário para assegurar as necessidades da vida, e o resto do rernpo é livre P"'
diversão e embriaguez. Para fazê-lo trabalhar numa base constante, sem inter·
rupçócs. ele rem de ser submetido, mais do que à coerção estatal, ao duro Hagdo
da escassez e da necessidade - em suma, à coerção exercida pelo alto ptc:ço dos
cem.is. No início do século XIX, a burguesia inglesa confrontaria os propricti-
rim rurais pela redução do preço dos cereais e, consequencememe, redução do
preço da força de trabalho. Mas no século XVII, muitos mercantilistas in~""
escavam em pleno acordo com os propriecários rurais na defesa dos alros preços
dos cereais como um rncio de forçar os trabalhadores à labuta. Chegavam acé
mesmo à alirma\,âo paradoxal de que cereais caros tornam o trabalho barato e viC<-
·vctsa, uma vez que o alto preço dos cereais faz o trabalhador empregar à SlLl
arividade um esforço maior.
De aconlo com Petcy, esccevendo na segunda metade do século XVII:
"observado por Clothiets, e por outros que empregam um grande número de
pessoas pobte5, que quando os cereais são abundantes, o trabalho dos pob"'
é proporcionalmente caro e diflcil de conseguir (pois são ião licenciosos que
~ham apenas para corner ou, mais ainda, para beber)". 8 Disso se seguequ<
ªlei que estabelece tais salários [... ] deveria conceder ao trabalhador apenas 0
escriramen1e nccessári0 . d b le ir.ibalhi
para viver; pois se ela lhe concede o o ro, e
apenas ª metade do que podctia ter trabalhado· o que para o público. repies<•~
umapen! d ~ ' ' em
•1• . a os ruros de tanto trabalho".• Para Petcy, não há nada injusto
imitar os salários dos 0 b vantagem
,_ P res, de rnodo que eles não 1irem nenhuma rn
uc seu rernpo 0 · . f'etl)' te
de se encarregarCioso e queiram trabalhar".'º O público na visão de
desses . . , ' do que
' os
dcsc •ndividuos inaptos ao trabalho; do mesmo mo nl'
tnpr<gados, eles <fev · ·-•' na'°
eriarn ser encaminhados ao 1rabalho nas mh-•
65

truçáo de esrrad:is e edifícios, erc. - uma política recomendável porque i'.· c1.pv,
de "forçar suas memes à disciplina e à obediência e seus corpos :\ pacic?ncia para
aguardar o surgimento de um rrab.ilho mais rcnrávd tiuando :.l ner.::cssiJJ.de a.:;sim
o exigir". 11 Em sua defesa dos inrcrcsscs do jovem c1piralisrno ,;: sua pn:o..:upa-
ção pela conquista de mercados c.Hrangcirm par;i os comerciantes e c.::xponadorcs
ingleses, os mercantilistas estavam naturalmente preocupados ..::om a mobilização
de uma base adequada de mão de obra disciplinada e barata. o~ mcrcamilis-
tas defendiam algo scmdhanrc à lei de ferro dos s,ikirim cmbora apcnas cm
forma embrionária. Todavia, de acordo com .t narun:za geral de sua domrinJ, tal
lei ainda não Jparccc como proposição teórica, mas comu prcscriçoio prádca: a
visão mercantilista ~ J de que o salário do trabalhador náo deve exceder os meios
mínimo.s necessários para a subsistêm:ia.
O ponto de vista cumcrcial-merc~ntil d;i literatura m.::rcamilista inglesa,
que emt'.'rgc tão daramcntc.; t'm sua atirudc com as diferences classes sociais,
também deixou .mas marcas no conjunto de problema.s - e suas soluções - que
constituíam seu objcro de inrercs.se. f: muiro frequente a afirmação de que a
doutrina mercantilisca seria redurívcl à ideia de que os metais preciosos são a
única forma <.h: riqueza. Adam Smith critica duramcme "a noção absurda dos
mercantilistas de que a riqueza consisre na moeda". E, no ::mamo, ral caracreri-
zaçáo é bastante injusta. Os mcrcamilistas consideravam o aumento na quanti-
dade de metais preciosos não como uma fome da riqueza da nação, mas como
um dos sinais de que essa riqueza escava crescendo. Apenas os mercantilistas
primitivos permaneciam intelectualmente confinados na esfera da circulação
monetária. Os teóricos do mercantilismo desenvolvido, com a doutrina do "equi-
líbrio comercial", desvelaram a conexão entre o movimento dos metais preciosos
e o desenvolvimento gcral do comércio e da indústria. Muita coisa ainda restava
superficial nessa análise da in[erconexáo entre diferentes fenômenos econômicos.
mas ela escava livre das noções ingênuas de seus predecessores e, desse modo,
abria o caminho para o futuro desenvolvimenco cicntí6co. Devemos, agora,
passar à descrição do conteúdo e da evolução das visões mercantilistas.

Notas

1. Apud R. H. Tawney, &ligion and therist ofcapiu/Um, Londres: John Murray, 1964,
p. 34-35.
2. Traduzido do rwso.
_i. ~fun.d~o i~:~:oh:.<~'.:~;~~;'..mde. in: Ear(J• m~lish tmcrs
Th1..im:1'>
.t_
·\.fun. • J ~Rrn:M1....Culloch.
fni:?IJn · .. º" "º"'111tl"rt,
originalmente publicado pelo Poli . I
cJ1wli1 rl1Í • . 1 fica Eco
J 18 ,6 n:imP""'º para a Economic Hiscory Society d ••rny
Club. Lo~ ~~. ~ ' · · • a Cainb .
Uni"crsir)' f'r<ss. 1954. P· 188-189. rirtg.
;, lhid .. p. UJ.
e.. lbid .. r· H~-
1biJ.. p. 1.1.i.
s. Sir\'<'illioun Pc[ry. Pofüical arirhmt-rick. .in: 7he tro11omh-11·ri1m,~ . Pr
•..of"s·rr \\''·rll1t1m
:, ''··editado por Charles Henry HuJI. reimpresso por Aup,wcu~ ~ t. Kcfü· N "J,
196.1. "· 1. p. i74 led. br.1S.: William Petcy, Aritmética pt'liric.i, in: el/n··. _º"ªYork,
S;o Paulo: Abril Cuhur.J. 1983. coleção Os Economisus i. "'""'••miras,
9. Idem. . :tnd conrributions.. in: Ecoum•r"·
.., A m:.uise of.. taxes 1,·mhigs. H ull edition
p. 81 [cJ. bras.: William Ptrcy, Tratado dos impostos ~ contribuições, in: '
.. ,_
Obw ironõmiC11S, Sáo Paulo: Abril Culcural, l 9tB. co( ... -:i 0 •Js E~onommas].
- . --·
!O. lbid .. p. 20.
11. lbid.. p.31.
Capilulo 4
OS PRIMEIROS MERCANTILISTAS INGLESES

A arcnçân do~ primeiro" mcrctnrilistas inglc~t'~ do sCculo XVI L' inkio do


século XVII se voltou para .1 cund11ftio c/11 m(}et/11. Àquc:la t'.-poc.1. mu1.fanc;as dc:ci-
.!dvas csrJ\'am nn1rn:ndo nc"'l' 'i('tur, pn:judk.mdo ampl.ts c.1111.1dJ.., da população.
cspecialment1.: ,1 d.ts'c mcrcJ.nril. Ante'> dL· m;1b n.1lb. o inAu~o Jé ouro e prara
am'-·rk.mo!-. paro.1 a Europ.l rr11ux1.:r.1 corn~igo, obvi.tmcmc, um.1rt'l'tiluç,io110~ /'Tl'fO$:
o aumento no v.i.lor d.i.~ mt:r('aJ.ori.is gerou um.1 onda de insarisfaçáo quanto à
inadc.·<.1uaç;in d;1 ofcna dt: moc.:da. Em !-cgundu lugar, ú)nlO J [nglac..:rra era rela-
tivamL"1m: m.1h o.nras.i.da do quc a Holand.1. a tr1x11 d,· fâmbfo u~ad.1 no i::omércio
cnm: tl!> dois p;1Ísc" alu.1va frcquc1m.:mcnct: t'm tlc•1rimt:11ff1 ,/,, lngf111t:n"il, de modo
que uma unidade J.l mocJa holandesa era trocada por uma !>Orna muito maior
de xelim ingleses. "fornuu-st:, o.1ssim. rentável cxporcar moedas inglesas Jc ouro e
prata para !lerem refundidas n.i Holanda. Observou-se um envio de moeda pam
fora d11 f,,gLm:rm e, com isso, <lifundiu-!lc a convkçáo d!! que essc era o facor fun-
damenrn.l da insarisfaçofo univ1.:rsal com a escassez <lc moeda.
Para os primdros mcrcamilisras, a inter-relação entre a drculação de moeda
e a de mcrcadori.is aindo.1 era desconhecida: 11ind11 lhes faltava compret::nder que a
dereriora1;ão <la taxa <lc câmbio inglesa e a consequente fuga de moeda para fora
do país era o resultado inevitável de uma balança comc-rdal desfavorávd. Quando
esses amores debatiam uma qul~sráo rópica, des o faziam como homens práticos,
com pouca disposição para buscar as causas úhimas por [r<Í) dos fatos; de modo
que, na maior pane das Ve7XS, era no rdno da circulação monetária. mais preci-
samente 1111 desvalorização da mot"da, l]Ut' ele~ proc.:uravam ;i:, razões da fuga de
moeda. No começo do século XV1, a dt"svalorização mont't<iria era um.i prática
comum aos monarcas por roda a Europa, sendo a Coroa inglesa um dos países
68 ........ \ 1 ., ... ,-. ' :. l •• l• \ -. ' 1 ••• ~~

que tc~Clrrilm a da com mJis ag:ressi\'idJdl-. A Coroa emitia novas moeda~ com
,1 ml"~rno \•alor nominal das anteriores. porém contendo uma menor quamidadc:
Je nll'lal. Ma!<i umJ \'Cl que l':iS.U novas rnoc-d..1s. embora mai' ll·vc~ do 4uc Js J.n-

rcriml'!I Jl· ffil'(mo \'alur nominJ.I. cinham sc:u valor lixado lcg;1Jmcnrt.:. :mn.iva-sc..·
rentávd cnvi.u ,1 mot:J.1 JrllitP p.i.ra fora Jo p.iís a fim de 't:rcm t\:ÍundiJJ!> ou
truí.".l.JJ..s por moeda . .·str.mgdrJ.. l) fa10 dl!' que, assim, a mocJ,1 ruim 1.''.\puh.1q .1
mocJa hoa dd cirrnlJçjo Joml~~tica e J transferi,\ p.u.i. 'l c\Ecrit)I fo1 ll\•l.1Lll1 f't'I
7humilJ Gresh1tm. um dM primeiros men.:anciliscas, .:m m. .·.tdt':-O Jt, ~ ..·.:ull1 \\'l. . .
passou dc:sdt• t.•mão ,1 ~cr cunh'-'ddo (omo "lei d~ Grc~h.un- F,1i 1.1 ill l'.1~ . .· lll'~!>.J 1

dewJlorizaç.ão dds moed.1!1 ingle~dS que tlS primc:!iro!< mt'ri.:.m1il l~l.1!1- ._·,p\1\..tr,un .t
<leprcd.1çãu da moeda ingles.1 i:m rclJç.'io à hol.mdc:s.1 ~\.l'llll' 111..li...idt• rl·L1 dl.'tl'·
rior.içáo da 1.1x;1 Je dmbi(i do xdini) e o fato de ")Ut' il\l.'C,1i~ prl·,il'!<•'" .;.'.,l.1v.1m
s.:ndo c:x:pon.1J1),. PJCa rcrn~Jiar º·' males dct dc::'v.1ll'ri1.l,:h' .l.t n;,,....,Lt ...Lt pinr.1
da raxa. dt' dmbio ~ Ja fuga consrnnre di: moeda parJ t~lrJ. •l• p.tt:-. ~,:- rill·r"-.mtilio,;~
t;.15 dc:.fendcram "COt'fÇ~io l' J imc:n.·cnç.fo dirc:l.t J,, [,t,\d"' 11.1 ot~r .i J.l ~ir"·ul.l.~.lli

monecári.1. Eles rt>ivindkar.1m que o govt'rfül c:mi1i:"S.t' 11hx--d.1· de _flr.~o pddr·<',li-


&1do e- rc:comc-ndar1un que ,\ taxa dt' ..:.l.mbill fu!i'!ot" rl!gt1L1J.i ú'mru:~t"-iriaml.'THc;
em OUll"'dS palavr.l:t, (.)lll! indivíduos privados ÍO~t'nt rwibidl'- de l)lnlpr.U moeda~
esrr.ingeir.is num vak,r m.tior do que l.. núinctli fi"'aJ.0 Jir.: 'din .. ;nglt'!'>t' ... Ma!tt o
que de~ defenderam i.:om umJ in!iisr~nda ue~o:mc: foi .: prc11b1t.i1• t'Íd º·:Pº'"'''flio
~ motdt1 d.1 1nglJff.:m1 e <.1 aJoç-.i.o de medida~ ríg.id.i' pJra dt"rer d. r:\ .t~o d(.· mctai~
prcc:iosm.. Sem i.:omdho!I no'io civeram qualquer efi:üo. O F..sléldo ndu cinha nem
a h.abiliJad~ nem a inclinação pdr-J. emi[ir mocJ~ de r~o paJroniz.ado. Quanco
ao rt:sramt~ da.!! rec"mendaçõc:~ dus mcrcamili!riora,. t"'Sta' nido pa~!ttavam de: uma
1enrari\'a Jc: rdi.1rçar ou rc:vilalizar prálkas governamc:ntai:, cradidonai' que já
havi;1m !lt com:1Jo ulcrapas!l.1das. Anteriormencc:, o E.;cado já impu~ra uma rígida
proibiç:10 il exportado de moda da lnglac<rrJ. De modo semelhante. de tentara
6xar a ta.a Jc dmbio e regulá-la por meio de "agências reais de câmbio.. !,..,,a/
money cl11m..(t>rJj qut' crocavam mocdJS ~suangeiras por inglesas a uma raxa hxa.
Mas es~C'~ csforç:os ~( mo:.craram impotente.:; Jiame das lds clemcncarcs da circu~
lação de mercadorias< de moedas, leis que ainda e51avam além da pero:pçáo dm
primeiros merc.1.milisras.
Uma das relíquias mais norá,-cis das ideias mercancilistas desse período
inici~I e uma obra inticulada Compêndio ou bm•t ccame de certm rec/amafÕti
com""' de vtirios tk nossor ,·omp11trior11S cm nosros dias, publicada em 1;8 l. com
69

.L~ ini •.:i.li' ''\'\'. "·" Cht'gnu-~(' .1 L"\pccul.H 4ul· ,_.u .rntor ÍIW•L' ninblh.:m nh·nn~ Lk•
l1ur \'\'illi.1111 Slukt:'r~·JrL", nu~ :l ('pir:i~\· gn.1'. .k.1hnu pnr .mihui-l.1 .1 \X,.illi·Jm
\t.díurd 1 \fUd1h mú, lút'lllL'~ _-,uh_·l . . ,_l r..i.11 1.1u.· o \i, ro, ~mhur" l'llhli ... J.Jo cm
1-)t'J. l,1:. n.1 \nJJdL, l''Lrit•• l:lll \").jlJ p1.): J1J111 ~11.... Em nn"a txpl1~i1r.\l1, l'
dL·,1~11.11, rn •• , 111111•1 11\ir.t ,Jt' l lJ\t-, ( \utfun.i'. 1

\ .iln.1 !~1i l\111u n.1 f(•Tn\J ~k 1:.11;; Ll•nn·r.. Jç.rn cnm: rt";i1i.~L·nuntL'S r.lt·
d1fn.·nk, • !.10.,·, d.11u•pt1:.1~.1" litn ,.1·:.1lhcin1 !nu pmprkt.lri1• rnr.1\1, um f.w:n-
dcir" í11u, .1p.11,111. urn 111t·r1 ,,.J.,·. llm -<flc\jJ, 1.: ,1111 tcúlni;n. Fi.:.1 L'\'i1.L11t-· q11c .l
t'i\1111111 ·. \j11(\,.t .1, opinio, d1· .t•1:t1r un \li,\ krll.lli\.l J1.• rt\.1•1h·i~i:r n\ im,·r..:\'>c!-

.._\r".L" ll.h\L'\ \111.iJi'>. 1~)1.lu• •1uc •n•1i.1m ;1;HtL !\{) Jl'h.ltt' rn.l.un;:.ni ..ln .1\to
\ .dL11 d11\ pk·1,L1\. l' t.1tL1 t!lll t~ 11;.l ,l-'l'' · .i:Jr .\ L ulp.1 ..\0,1.· f:i.1t1 n·i ~tprl.'\cn!.\ll~l' Jc
Unl.1 \)lJlí.l d.t~'l'. 0o (_rq\ht.::f•• ••li'•v,:.: q11·~ ,,, Illlf(,\Jnt1.:\ .\UnlL'ntU.101 I.lncú

11\ prt\1'- li.ti mcr1.JJ1'ri.1" L\Ul 11, pr1\F·!,·1.1rit1, rur.ú.., '..<.: \'i.1:n diJntt: J.1 t:\((1lh..1.
1..0líl' .1h.rnJc1n ...ir ,ll.l\ pL)pridJJ,._ ·-~: í'J...~,.:r do tul:ho do ·ulo :1.tti,·id.iJ~ mais
lu1..r.iti1 ,\ d.i •. ri.1";-J.'' dl' lr:l·Jh, '· \) i°.L·t·!;2-.:i~< •<.1p.H.l/ q111.:i\,l-1t.' 1.\1) úrt.:o J,\.'a tt.:fíól.'i

Jl' p.1:-ti. 1.· ,l.1 .i\t;i ~cnJ.1 qul.'. :.:k 1inh.i J...: p.i.g.ar J.ú~ :;c:nhon.:.-> rur..1.is. O m..:rcador i.:

ú .l((l'.'>;hl r.Ut'tl'nt .li~ÍUh t..Ll!ll <J .l<J.m..::lrll ~fC)1.<.:0t;: Ju•, ~.1\Jrio,.., Jc,~ trJbJlh..1.dorcs
... pd.1 Lpl'J.1 lhl .:ornCr ... in.
() t1.·tlk1~{) bu,..:Jrll.h.1 (t111cili.ir º" i'ltl'k~sc~ dn!i d.rim p.:irtidm, t'XpÕc·lhcs
J.' ..:.iu).1\ Sl'r.li;, .:!u . . rc<>n.:m . . . 1:mpL'hrt.:cimenrc• Jn reino: 1 depreciaç:í,1) e dete-
ririrtlfâ11 d.1 llwt'd.1 mgi(.;,:...: J ,·xp,ir:.;1-.i1J d:· dm/1áro lt'q11idJ que d..1.i .:.h.:ctlrrc. ;\s
mocdJ.-. in~l.:~.lS Jc vJ!l'f pldr~miI.id0 l.'.:-rfo saind0 upidam.:ntc Jo pJb: "todas
J!'.i t:oi~J...' icnJl·m .1 .lfluir p.u.t 11 lug.u 11nJc ~ln nui~ nlor\1..:1.Ja~; . . . pnr i'~t), noss.o
te~ouro 1.:sd. indo cmbor.1 rn1 nJ\ lu:'~ .~ Além Jis::io, essa dcri.:rioração no va.lor da
mocd..1. 1.·ncue....-..'.u muih1 ,h mi:r.:JJoriJ:- import.tdl..-., criplic.mdl1 ~c::u-; prcço:i.. Os
mercador...: . . cqr.rngsirl1:- .1timum que n:u.1 csüo vendendo \UJ.S mcrcaJnri.t.'> por
um lucro nuior Jtl "\llt' .mt1..:~, lll.L.., que sjo forçJdos .i. .1umtmarem ~cu:i preços
em vimh.ll· d.1 .:.·fl1-.:111 1h1 \,t\~1r J..1.. mot-da inglesa. Nos~a moeda, (Offil' ~e s,\be.
rcm ~cu prci.,\\ Jl'tlni.:.ll1, "nJ.o pt..H :.cu nome, m.u. tpclo~ ulor e pd.11.j,uantidad.t:
Jo 111.l(lTi.11 de "\lll' l Íl·it.1".' Por outro laJo, os preços d.is mer..:.iJori ..1.$ qu ...· os e.s-
crangcirn:-. üllllprJm na lngl.itt:'rra aumçnuram numa meJiJ,\ menor. Vendemos
nosws produto~ - em especial nossa.' mJt~rias-primJ..'>- m.1is tiar.itos, t: º"' e5tran-
geitos ClS transformam cm mercadorias indu ... ui~1i~ que- no~ ~ão vendidas de volta
mai!. cara.,, A.\sim, com a lã inglesa, O!. i.:~trangdro:-. fabrium roup.b, casa..:os, >.alc:s
e mtrcadorias do gl!nero; com o couro ingli:.>, f.ucm ..:imus e: luva.!.; com o latáo
. _ . Ih.,., e pratos. e todos os artigos acabam impor d
im?;le.. t.m:m 1..0 e e:. t:a os d
-
pd. ln~IJterra.
1
·~la

Qui: .mt'·•·
alWi. somos nós, qut' \'emas e sofremos uma tal C!<lpol'
. iaç:io. con .

nossm bc:n~ '


'"'ºº'º'[ ... ].No fim. eles nos fazem
. . . eo " novo Por
Pª"" d· ""ua.i,
. . . materiais: pagamos a taxa alfu.ndegar1a csrrang.dra,·1 a fab . . "Os.sai.
propnos ,. ricaçao, 0 ti .
mcnro t', ror fim. J segunda tt.xa alfandegana no retorno d.15 mercadori ngi.
balh d .. . . ~\!>ata
rt:ino: Jt' p.tsm que. rra an o essas mesmas maren.t!'i no Ulterior do paí:i Q

homens rrabalhariam ;,, cusra dos esmmgeiros;; rod.1s J.s tax;ts seriam 'nossas

.. · os ganhos I'1qu1"dos permanel'-rt.un


estranO"eiros 30 rei;, · · · no ·mrcrior d Pagos

A·ssim • onde quer que o comércio exterior estej.1 funJ.,do na exportaçã


. Pdo,
º-~
Je mat<rias-primas e na importação de produtos •KabaJo>. de se torn ara. r1rna0
i·iwmre de moeti11 pt1m fora do país. Isso se aplica. na maior parte, ao comércio
de importação. Ao negociar com industriais e mercadores. e preciso difcrcn.
ciar tre> tipos: negociantes. chapeleiros e vendedores de mercadorias impona-
Jas (por exemplo. mercadorias trazidas das colônias), que mandam moeda pala
for. do pais: um segundo grupo, composto por açougueiros. ;ilfaiates. padciroso
outros empreendedores. reúne aqueles que tanto recebem como ga.•tam sua moeda
dentro do país: e, finalmente, um terceiro grupo. que transforma a lã em roupos
e processa o couro. Como esta última categoria trabalha para o mercado apor·
tador e atrai moeda para o país, ela garante o patrocínio e o incentivo da Coroa.
É necessário encorajar o processamento doméstico das matérias-primas inglesl!.
para cujo fim é recomendável proibir ou inibir a exporração de matérias-primu
não processadas e banir a importação de produtos finais manufaturados no ex•
terior. Para nós. é mais rentável comprar nossas próprias manufacuras, mesmo
que sejam mais caras, do que comprar manufaruras estrangeiras. Hales (Stalford)
· exemplo para i1umar sua visão de que a ind'·
dáo seguinte uscna nativarequCI
tarifas protecionistas para poder se estabelecer:

1
Um dia rcrguntci a um encadernador "por que não tínhamos papel bran<"
111
marrom fab nca
· dos no reino, do mesmo modo como eles eram fabricados
. . d<
além-mar" · Ele· encao,
- respondcu-me que até pouco tempo houvera fabncaÇáO
. ur
· do remo.
papel no imet1or · Ate. que o fabricante percebeu que nao
· podia comi"
ar [•I
com 0 papel mais har:un \•in.1n A... .. 1~ ... L ............... ccim foi forçado a abandol1
1 ' " •Mf I• C•., ,, 1 I< •.a li 1 IL
71

fabricação ~l· papel. E n;io h:i por qu"· •t>pr~·cndê-lo, poh ninguém "''t:tri:t dhptH!o
~ P~ar mais pelo papd apcn;L'> pdo fam de de tl't sidu fabric.lt.10 aqui; nu~ cu pr::-
lcrma que .,i,: .i c.:11tr;1J.1 J11 (l.lpd ?lo p.1Ío;, HI q1 1c de li\'l"'>'>C ~illt1
ti\"c\'>1.: impedido
tio sobrc.:arrcgado com t.ua.~ <JUc, llJ l:poL.\ ..:m '-luc foi importado. nu~~a gemi:::
pudc:-.sc pag.ir pdu p.1pd dm c:~tr;mgciru~ um prc1,•> tlll'nur J,, qut• .1.qudc que cb
mamo~ Pílf..l\"J.m pdo ~cu prúprin p.ipd. ·

Hales !Stalí(lr<l) l~ um ripico rcprt!iil'nramc do mercantilismo primitili'o


surgido das condiçóc:, cconc\mic1s ;urasaJas J;\ Inglaterra do ,êculo XVI. Ao
longo das página~ dl· s~·u li\'ro, podemo:-. obtL'r um p:mor.;.mo de um p.1ís rela·
rivarncmc subdc~cmnlviJo, qul· t'-'1"'ri11 m.uirittl·fmJ1.tj , imtr·1·r,1 ;11di;ziji1ttmlS
rm1b11cl,u e padece.: -,ob \• pL''º d 1 111::rc.1<lor
0 1.'.!llran~dru. ~lai~ do 'lllC qualquer
omro. )Ião os l~·nlimi:n1•!1 monedrio, l}llC •llr,\l·lll ~ua ;m..·n~oio: paracl:: ..1 fom..:
de m<lo mal é .1 dqm•1"i.if:io t/,1 nw(·r/a i· ,, 1'>-}'t1rtr1r•i" 1k dhi/it'im. Em sua vis;io,
a lnglatt•rr.1 cmpuhrl'~c p11n1fü· c~tt;m~dro~ c1m:g;11n ~cu di11hcirL1 piira for..t <lo
paí... c.:nqu.11110 umr,1:-. IU\Ú""'' cnriquL·~c.:m L°nm o infür.:o Jc!l~c tlinhdro. A 1-azâo
dt'.'ss.1 C\";b.io ~k- \linhdrc..1 l· .1 l.lXJ dt· t:.i.mhiu llcsÍom1r;lvd li,1 mo1.:J.i ingk:~J., Jc
moJo lllll' p.1r.1 r.'.\(JIK,i·\a l· rrt•t.:bo, prim~·iro, LJUC 'K.'jam c.:mitid,t'i lllOL'das dt:
,,,,/..,,. p,1drmli;;,,u/o (p.n.1 . . 1.m!Crir cstahiliJadc à tax;1 Jr.: t:.;.imhio': e:. cm segundo
lugar. l)llt' haj.1 uma r(rlz1riia 1111 imp11r1ttfât> dt• bt•m f'1b1ü1ulos 110 t'Stnmgeiro. E.
a~sim, 1-·falcs (StJ.fford) ddendc t\UC a Villoriz;1ção J.i nioc:d.1 scj;a ;1companhada
de me<lid<t!I l!lll' levem ;1 uma mdhoria n.1 ho1lança comt:rcial: "Dc.:vc::mos sempre
nos empenhar cm não comprar de: l!scr.1.ngciro~ mi.lis do que aquilo que lhes
vtn<lemo:-.; poi!I, dt: outro modo, agimos para nos!lo próprio 1..·mpohrccimemo e
para o enriquccimc:mo deles". Por~m. difcrcmemc:ntc dos merc.i.ntilistas poste-
riores, l}Ut: d1::scobririam que- flutuações na taxa de c;lmhio Jt>pen<lem - J.1:: modo
regular e de acordo com leis detc-rminadas - de uma balança comercial positiva
ou negativa, a~ ideias ''monccaristas" de Hali:s (Stalford) levaram-no a invem:r a
conexão conceimal cmrc: esses doi!-1 fenômenos: para ele. a di'Prtciardo tf11 moula
produz uma dtt~riOrtlfáu "ª 1ax11 ti( c1imbio ;,,g/esm disso se segue um ,zummto
geral dos preços daJ mercatlorias (Strrmgeims. o qu(' acab.1 por agravar a balança
comercial negativa da Inglaterra. O que o separa ainda mais dos mercantilis-
tas posceriores é o faco de que de: não visa tanco ;1 um escímulu das exponaçóes
inglesas a fim de melhorar o equilíbrio comorcial (de até me.mo reivindica sua
diminuição. uma vez que elas consbu::m de:: malérias-primas), mas, antc:s, uma


7~ ~ . , -'
, de bens estrangeiros rncrouuL.hJu~ ;-,~ ~),u.s .. iaJ conce -
. no 01.uncro críodo em que o cap1calismo inglê . Pç.ao
.:onrraç:a0 . . enrc: l um P s ainda n·
rresnllndia ptrtctralf1 ava-se em rransiçáo; e em que a burguesia . ao
"' ,~ 1 'd 'enconrr. ,. . ingles
dC"iCnvo \'I 0 • porração de maccraa.1;-pnma.s. ainda . a,
csu\·J corre na ex . nao Pod·
1.i
. rtiitindicando um
de enconrrar ·
amplos mercados no exterior para os pr d
. . 0 Utos d
ª
1

er esperanç.15 f4 . uma época de prorec1on1smo defensivo . e


t • • ·ndúsrria. Essa º' . - . . , rna1s do
su.a propna 1 rr. d) para quem ainda nao ex1sna o sonho da ..
. ,0 . H:iles (Sranor • . . . aquisição
que dgn'JJn · eiros para manufawra.o; inglesa~. unha e .
.. de mercados t'.'srrang . orno ideat
m1luante . fi 'cnremcnce esrabelec1da para crabalhar as ..
. dústria nauva su c1 • • rnaterias.
uf!l.1 JO , • 'se cXpulsar do mercado rngles os proJu<os dai d,
-prim" de seu proprro pai n Ustria
l'Saangeira. rrar rais ideias mercanciliscas mesmo c.'ntre figur
Podem-se encon as cocn.0
, ,_ Mi/Is autores que escreveram durante .1 primeira p•~ d
Miisr/Jtn, /11díJ"tJ e ' - . . .... ~e o
século XVII. Carecendo de qualquer compreensao da Jependen.:ia em que a taxa
de ciJnbio se enconcra em relação à balança comercial. dc:s e!ipcravam melhorar
cstt última com 0 uso de medidas diretas de coerção estatal. M isselden aconse-
lhava o governo a fixar a raxa de câmbio com base em rracados. com outros Estados.
De acordo com MaJynes, a raxa poderia ser mantida e a c:xporração de dinheiro,
refreada pela retomada das rígidas restrições do mercancilismo primitivo_ por
cxtmplo, mediante a "agência real de câmbio" e seu din~ico de fixar compulso-
riamente a caxa paga por moedas estrangeiras {isto é, a caxa de: câmbio), ou pela
proibição de se pagarem estrangeiros com ouro. Mills chegou a protestar contra
a aboliç:ío do antigo monopólio das stapks. E. enquanto Misselden reconheccu
esses ripos de remições como uluapassados, ele levantou sua própria objeção c.a-
rcgória a toda t qualquer txportafáo de mo•da. Este era o pomo fundamental que
reunia rodos os mcrcantilisras da primeira fuse e exemplifica a distinção entre des
e os mercantilistas do período posterior.

Notas

Aobra aqui atribuída a Hales rraz o título A discours• of th• common wt41 of tht
'.'a/m o/ England' foi reimpressa pela Cambridge University Press em 1983· O
hvro arribuido a St>fford bl· rode
• pu reado cm 1581 sob o título que consta no te>J
~~-d- .,.
ç.ao ªque Marx se refere no primeiro livro de O cap1ta11 •
l<><menrc do original h . d dºror.
. 'e OJe se considera que "W. S." refere-se às iniciais o e i
l</a de Stolford ou náo Todas . b ·dgc de
· as citações são extraídas da edição de Cam n


A di!cormr ofthr rommon wrttl. Dif~n:ntcmcnrc.· do caso das obras dos mcr<::ancilisra..,
posteriores, ahcramos a grafia do texto para adequá-la ao u!'o moderno, pois, de
ourro moJo, o tc.'XU> tlifidlml·nu: por.lcri.l :.cr i.:omprccndido. No entanto, não mo·
dcrniz.amos ,1 linguagem: ondl· inserções ou mud;mças Sl" fizeram necessárias, das
foram c.:uluc.:adas cnm: colchelc.!i.
2. J-fales, A dúcorme o/1/J,•,·0111111011 ll't.'11/, p. 79 .
.~. lhiJ., p. 1O!.
4. hto l:, a!i rua.~ apli1.:01da.' pelos países estrangeiros sobre a imporraçáo de matérias-
·primJ!i inglesas.
'i. Isto.:, j .... u.~ra J,,!i c!icrangciros.
(J. 1-foles, A diJcourse ofthe cummon wea/, p. 64-65.
,. lbid., p. 65-66.

li
Capitulo 5
A DOUTRINA MERCANTILISTA EM SEU APOGEU
ThomasMun

À medida qut· o comércio e a indústri.1 '\C dci;cnvoln·ram. as incúmoJas rcs-


triçócs dei período inic.i il d1) 1lll:rcantilbmo foram s1..· mosrrlmlo, (OITIO já virnm.·
cada \'l'7. 111:1.b .m.:•lk:l!I 1.· ror:llli ;)li clitnin.Jd.l'\ Oll píC!aCl"\',ld,1:. l'lll ~U.l CXhrt!ncia
mt'TJ.llll'IHC li.mn;1I. dl:'iprn\·iJ.1\ de wJ,) ~1.:u 1.ontcüdo proí1ko .mrcrior. Q.uando
os mcr,:itlon::. inglt'!I'-'' ~1. ! in.;Jr.tm J. procura llc no\·11:. m1.:n.:ado.<; 1.'!ltr.mgdros para
:.ua!'I mcr1.·.u.lori.1:.. as •t..·pk• for.1m ahuliJa:-.. Por outro !Jdo, tão logo os comcr-
danrt·.~ ingli.:sc!- 1.·11nscguiram .1fa:.totr :.cus concorrcnrc:. JJ Lig.1 Han!.c-átk11 t.' da
Iráli.1., 1.·I(.":. c.:stJbdcccram -;u.\!<o 1.oncxõcs diretas com o Oricnu:, om.k compra\'am
os produto!. da.., wlêini.1~. P.uJ bso. no entanto, de~ tinham de mvi11r tlinheiro
l'il'll j'1m1 fõ1u r/.1 !11gl.m·n·,1: ;1s .inrigas lei:. que proibiam rab. atividades caíram em
desuso (.:mbora ainda se mamivcsscm olicialmcmc cm vigor lté 1663). Esse era
especialmencc o 1.:asu da C1Jmp,mhi11 d:zs i11di11s Orfr11tt1is inglesa. que estabdcccra
um \'asrn comércio 'ºm .1 Índi.1. A companhia trazia da fndia cspcd.irias, índigo.
cecidos e seda.!>, do::. qu~lis apenas uma pequena pane pcrmanc:da na Inglaterra,
sendo o rcn:mtc r<.·,·cndiJo - com grandes lucros - para outros p.iiscs c:uropcus.
Esse comércio <li: rransponc de mercadorias [carryi11g mtde]. no qual a lnglarcrr-.t
arua\'a como o •llfil\'css.1dor para produros csrrangciros, cr.i cxrraor<linariamcntc
lucracivo e requeria desse país a exportação de enormes quantidade::. de dinheiro
vivo. Como a massa tocai de imporraçó\!s da Índia para .1 lnglaccrra c-ra maior do
que a das exportações em sentido inverso, essa diferença tinha de se manifestar
na exporr.aç:io de dinheiro vivo da Inglaterra. Sem isso. a Companhia das Índias

Cf. capítulo 2.
rti 1 ,u 5ll'nrJr su:i.'i ;iti,·ilLHll'-" cnml·rciai-.. Narur<t/n-h:nr
.. ciJc1 ,·111111
1 rcri.L ••., .10 ata<.JUL' furio.,<l d11~ dt:frn~orc:~ d e,
\ 1;í.:ncJI' n.1• . ·a1«·ir;1. por _Ht.1 'L. . . .· .- , , . . o Velho
'nh1Jl..;r.11J. J • J1 ,l:,:u/11 :\\li. l\pro ..... l\.l-:-.<.. .1 \'l.\:io d
J1.L'1111J __ .. Ji fll' hlll ( · _ . __ e que
,..~!fl~IH1 .. \Ul ' . · ·..1us;1r:l ,\ rlllll.l d1..· !-!,l.l!iJl' rarr1: d
r.bini-· ,.._ . inJi.1s l)flL'rH.U~ L " . . .. - e nossa
• . •(1ll"í..:it1 ..:1 1!11 - 1 ~ I Jíl i:vit.i-b ; no 1111(111 do '><..'Clllo. ral con .·
') '' - 'l ,f t:1,·.1 Sll f~ ,
,I .. · . \JCÇ;io
inJu~Ir1.1. ,J!l' tl.•• . • ! Fr.1 irwvir.ivd qLh.'.~l' º-" p.trm..l.mn:-. Jo cornércio co
.-r.t f'f.\tl'-·l!lld:!•' unin~.1-. ••Ulllt'nt;If L'tHltí.I .t prnihi~·an geral da t.'X rn
. )ril11r.:i.• yu1~-~~tn1 .u.:- . . . .. . .. ·. - . . . . porra.
J) JnJi~-· l . . I · 1., ·nnl!HT uma 1.rHh.J d.1s \ lH11.s .l!lth1uJd· d
',c,l.1. ,k.' 1;·11.1111 ( l ( ct .. . . . . " , .l.\ O.\
,.i1 1 J.- 11 ·' . ··nrili~r.1.,. i'.u.i ~ç lipM .w vdlw ,,1.,tt·111.1 11111111..·unu , de, J[ni:seri.
pri111,1r.,• m.. r..., . l .. . ilihrio i.:om1:H:ial". As tlt1v.1s vi~t1c.; rcn·hcra
Jflíll ~m:.t n111·.1 [C1'ri.1 t i1 n1u . . . , . • ~1 sua
i . mti' brilh.1ntt' iw lino Jc:: um Jo.s J1rt·tnres d.1 l .lHllp.mh1;1 das lndias
ê\prc'-'·w 1 ; 11~m.i~ .\fun ( 1ÇJ-1 (1·f \ ). in1irubdo () 011·iqll,.,_;,.,ouo d, 1 f 11gf.turrra
l1rid1tfü.
'.l:.iiglmd;· tn't1Jtlft l~rjimw~i:11 mid,·i. A 11hra dt.· Mun _que,
Jr .:i,·nt.I ;:nt [(iJO. sÓ l~1i puhlii.:aJ.1 rosrum.~l~ll.'IH<.' l"lll 1(1(14 - l'Xtmpliilca
;p;.•.;;Jf

mdlwr Jli ~u~ ,1u.i1qui:r llllffJ J literarura mt·n:.uuil1st.1 l' St' tornou, nas palavras
de Encd~. ··l, l'i.rngdlw mcrcrnrilisra" · 1
~~lun n:-w ,·11nrN:t .1s Jourrinas anteriort's sohn: ns b1..·nefícios que a aqui.
iição Jc ffil'L!b prcLio5ns trJZ para a n:u;ão, ou. i.:omo de chamava, a mulriplíca-
ç.io Jl· seu' ~lôtiuro~"'. O que de argumenta C:- que: tais "tesouros" não podem ser
muhiplicJdo~ por mdo Je medidm coercitivas do Estt1do p11m reguiar diretamnut
,, ármli(.Íli 1i1011rúrit1 (proibição da exportação de moeda. taxa de dmhio fixa,
mud211.;as no comeúdo me1álico das moedas, ecc.). A entrada ou saída de metais
precioso~\~ cond.Jcionada por uma balança comercial posiciva ou negaciva.

Pomnro, o único caminho para aumencar nossa riqueza e nosso ccsouro é o comir·
cio tttrrior, no qual lemos sempre de observar esca regra: vender para os cscrangei-
ros ~um \-alor maior do que deles compramos. Pois suponhamos que, ~cando 0
reino m6cicnicmcntc Jbas1ecido de lccido, chumbo, esranho, aço, peixe e ouuas
mcrcadori.l!I naciva.1, exportemos anualmente o excedence para ourros países pdo
valor de 2.2 milhõe~ d /"b aics
e 1 ra.s, e que i.::om essa soma possamos acravcssar os rn
ett.1.ur ffit'rcadorias est . ·1h ·es de
libr.u· ~ . , rangeira.s para nosso consumo, pelo valor de 1 mi 0 ,
. e manrivesscmo~ es.sa prárica regularmencc em nosso comércio, podefla·
mos estar certos de ~ue o . ·j Jibra5i
· remo se enriqueceria anualmente cm 200 nu
rncrcmcntando o ltsouro da nação.1
. ·orno n:suha<lo dt: 11ma
Em outras p.1bvr.1s. v t!inhcim Jluird pt1ril n pau ~ . n <~hjctivo ~ inno-
. . [k.;-..1 pn:mi1':-.J, segue-se que. ~e: . . . <l' i"rcan-
b,,11111_.t (1111/t'ffiid pnsittt'll. 1 - ·~'\IV L'i ' li ....
,.u . . ., ) n -1,' .í obr .1 da:-. rcg;u açoc!> t•xcc.
:·l'í , - •
du1ir <linheiro Tlll pai~. is t • lídL.l l'LonúmiL.1 ;thran~l·nl<.', qm
dlismo primili\'ti, nu:- (l n· . . uli.alo tk ~11n.1 Pº . .- indúscriJ.~
l J,1.., orientada,')
. . • -· 1 ('llf nu.:10 d.1 proOlll~,ll ·
mdhtirc n cquil1bnn ((lmi.:rt1.1. , ·1·brio t11m1.:n.i.1\ p•>tk :-.cr . . ustcn-
.1t1 cr.lll"!Hlíh: l' :1 l'Xpt1rt;11;.w. ( J.!f,lllH.'Tlt..:. i• lll_lll 1 ·I .. l ws:w das
. JlfllÇH' Je O\CH<ldntÍ.I!-. qu.l!llO \)l .1 tXf·
t.1Jo r.unn pnt tt'.rtl·~ n.1. tllll e t ~'l'~ m.\i,, .1 JikrnH,..l h111d.1n1l'n1.1l t·1Hlt' tv1~n- e
t•xpn1t.1•.;m·,, Aqui 'L' no1.1. um. . 1 1 f Ji llll 1 proib1çao
.. . (), nll'fl;ltllili:-.1.1:-. dt) Pl'IÍtHlt} iflllL.I ll' l'll • •.
\t'U:-. pr..:dc1..t 'M 1rt:-.. I . . 1 i 1, 1..·..,tr.11\~t·lf,l"; Mun,
. ·J11 ·i.o n.1 imp1Hr.1\.L<1 t t' \\ltlL.ll ~ir•·
J.1 t·:qwn.1<,.10 t' um.1 ll \· . , 1. ,, nn .Jc,cnvoki111l'nto tl.1 c·.-..porltlfÚO J,•
por <111trn l.Hl11 .•1p11 ... 1.1 ..,11.1:-. t..,pu.11 t,•. . l ).., k vbt l t:r<l da
. l r . . . 1 ditl.·rt'll\·l, <..'111 :-.t'll . . n: ... pt:dl\10.\ pon t . t .• '

nun-.ulrm.u "~.(:·"'·'·! 1 ,;r:n~i..,:11} .. r.1du.1\ tl.1 lngl.1rt·rr;l, ik i1m:1 n.1,·,\o tplt' importa
mc~m.~ um rc tXO t , : • . u111: iui,·.-10 que cxpona :-.u.1s prúpria.'> m.rnufoturas.
m.rnul.m1r.1:-. c..,u.1ng.1..n.1" .1 . 1 1 •r(;ultil
. '\11n ljl 1r1..·ü· t11mt1 o rl-prc"c1n.1n1e J1..· um c.1p1t.1 n t
N1·..,s.1 t<lllJUntur.1. '' · ' • . - 1· . ·
cm pr<Kt'.S·'º tle .lt\Uisiç:ltl de novo.., mcrcaJos '-' que ,1spir:.1 .1 cxpansao l e:: suas
cxpnn.1~í1c,, F.nqu.mtn .1 prl·ot.:up.1çáo de Hah:.., {Stafford) t:r.1 J Jc proLeger o
mcrudo Jom;..,rilo J,1 inva....lo Je mcrca<l1>rias cstrangcir~1~. \.lun sc concentra na
conqui.,t.l Jc ml·rc.ido' t'Xtl'rnos p.ua a Inglaterra. É verdade.~ claro que Mun não
ti:m nadJ contl a .1 redu,·áo da importação de merc:.tdoria~ e~trangciras; mas de
rcjcitJ 0 ~ método.'> antcriormeme usa<los para atingir t:sse fim, isto é, a proibição
direta. Para dt:', rai~ medidas ap~nas incentivam oucros países a fazerem o mesmo,
0 que prejudica, cm grande parte, as exportações inglesas, quando para Mun o
objetivo principal~ justamence a expansão dessas exponações.
Mun reivindica urgentemente que o comércio de exportação e as indús-
trias de transporte e de exportação sejam encorajados e expandidos. A Inglaterra
tem de extrair benefícios não apenas de sua produção "natural", de seus ex:ceden-
ces de mat~rias-primas. mas também da produção "artificial", isto é, de artigos
indusrriais de sua própria produção e de mercadorias importadas de oucros países
{fndia, por exemplo). Para isso, é preciso haver incentivo, primeiro, para que as
matérias-primas sejam crabalhada.o; pela indúscria doméstica e exportadas como
produtos acabados; e, segundo, para desenvolver o comércio de transporte de mer-
cadorias, no qual a produção de nações como a Índia será imporcada para ser
revendida a oucros países a um preço maior. Essa "reelaboração" de matérias-
78 e' ~·I."' '·•
d i·is csrrangeiras são exaltadas por Mu
. . . .. ·n.-nd;I' de: nlc:n.::1 or . . -.. n corno
-prinu:- t n; . ·mcnto d~1 naçao. a.
. . do enriqueci . -
narur~us nao nos trazem t
lirilu.:ipJI. torne . qul' n~issa!I me•rGtdorias
. anto lu
··.s:tbc.:roo~ . .. . . ~ que 0 valor dos canhõc~ e rifles. preg era
... Jú!'rn;I , umJ \C:: • os e ªrad
quanto nCl!i!l·1111 -om que: des são fahm:ados. assim como Os
. r do qu< o aço L o preço do
é muito maio d lá Consequencemenre. "Jcvcmos consid
..·J ~ m.1ior do qm: o a . . ...\ . . erar asas
t1,;(;I 0 • • ,. •• • do que ;J. riqueza natural . e: i: cssc:n...:1al que ·l .
. r ·s como n1;11s hu.:ra\dS •. . e as se1arn
:1r '" .. d O que: é nccessano e ganhar mercados para a ex _
fortemenc~· encorap.. a~.·ndusrriais. mas isso . .
so
,
sc=ra
.,
posstvd
ponação
M ..' pudermos d' .
d
de nossas mc:r..:a onas i tnunuir
st:US preços.

Podemos [... J ganh•lí o máximo que pudermo~ com .1 n:n1..b de.· manufaturas,
e rambém \•endé~la.c; a um preço alco. desde que is.~o n;hl ..:ausc uma diminui-
ção na qu.mridadc d~ vendas. Mas quanto .J.qul."k· i.:x1.:cdcmc de mercadorias que

05
estrangeiros i;ompram e que cambém podem obccr de omras nações. ou que
podem sub~rituir- e com mais facilidade - por mcn.:J.doria..c; semelhantes de outros
lugares. m.-sse caso. temos de nos esforçar cm vcndC-las o mais barato possivd, a
fim de não perdermos a primazia nesse mercado."'

Nossa c.-xperiC:ncia mostra que. vendendo mais barato nossos tecidos na


Turquia. pudemos aumentar em muito nossas vendas em detrimento dos vene-
zianos. Por ourro lado, há alguns anos, quando o preço excessivo da lã causou um
grande aumento no preço de nosso tecido, perdemos subitamente meradc das
vendas externas. Um barareamenro de nosso tecido em 25% poderia aumentar
nossas vendas em mais da metade, e mesmo que o mercador individual tivesse
uma perda devido aos preços mais baixos, isso seria mais do que compensado
pelo ganho da nação como um rodo.' Os argumentos aqui exposros por Munem
referência aos benepczos
.ti · aerwnaos , bazxos
, · , aos . preros demonstram o grau da era"'for· 1
...

mação sofrida pela economia inglesa de meados do século XVI a meados do sicul•
· . mercantilistas era a de que o preço de". ndi. do
)(Vil. A reclamação dos primeiros
tecido inglês
. era demas ·iadamenre baixo: alguns dentre eles defendiam
. a adoçáO
de medidas
M . para a elevaçao • 0 ca de
. dos preços das mercadorias exportadas. Na ep
un, a sl[uaçáo era our
ta • d ra: ªexportação de matérias-primas cedera ugar ª
1 . apor~
çao e produtos induscri . b ora. '°m
a car E d 3.Js aca ados, e a Inglaterra se confrontava, ag
eª e expandir seu pocenci·a1 exportador e deslocar seus vários concorrenrc>
Onde não se podia deter um monopólio do mercado, crJ preciso c!.magar os l:om-
petidorcs c.:scrangc:iros h;1ixando os preços.'"
A laboração de m•H'-~ria~-primas e a cxporcaç;in de manufarnras domC"-
ticas n.10 podem ser a l111ica fonte de.: lucro para o país: lamb~m é pn·dso haver
de produtos t'S/r1mgárm. Aqui. ;.1 preoi.:up11ç:io fundamcm;1I Jc ~·1un é
1-et1t·11tl1
defenda o cumérdo J"· transpom.· de mcr,adorias - c.·!oopc:ci:ilmc111..: com .1s Índias
Orientais - concra. os ataques de seus oponcnccs. ;vtun Jrgumcma quc •1 impor-
caç;io ,Jc m.:rcac.fori;i_., cstrang1.~iras e sua subscquenrc "·xponaç:lo I.'. r"·vcn<la para
ouuos paísc~ trazem riqueza. canro para o rdno cm geral como par;1 o tesouro
real. Espcd.1lmc111e lu..:r;uivo é o cr.tn)ponc de mcn.. .idorias para lugares longín-
quos como as Índia\ Orienrab. Essas mercadorias coloniais podem ser adquiridas
por uma ninharia: urna libr11 de pimenl.1, por exemplo,~ i.:omprac.l.1 por rrês pt'uce
e vendida por vinte c quatro pe1w· no~ mercado!> da Europ•t. O lucro de vinte e
um pt'lli"t' n;io lii.:;1 int1.·ira1111."nrc com o 1111."rcador, evidentemente, um11 vez «lUC os
gasto!> J;,1 navc:gaçáo de long.1 distáncia !'láo enormes, incluindo c.:ustoc; das cmbar-
caçôcs, da o>mrJ.t:iç:10 1.· m;111uten\âO <lc marinhdros, do !lcguro. <lils tarifas alfan-
deg~iria!'I. e.li." impo!>Cll,, cu:. ~l.1s quando o cranspone C: feito em n.tvio!t ingleses,
c:.sas soma) 'ão gasta!> intciramemc no!> porto!> da lnglacerra. o que enriquece este
país :t expensas dos ourros. 6 "Olm.~mos um luc;ro maior com essJ.~ mcn:;tdorias
das Ímlitu do que aquelas naçõ<.·s de onde elas provêm e à!> quais da!> pertencem
propriamenre. sendo part1.• da riqueza natural de seus países."":" Nesse caso, o de-
senvolvimento Jo c.:omérdo trará um benefício maior para o país do que aquel~
que !>Uas riquezas ··namrais" poderiam propordonar por si mc.!smas, sem scn:m
frutificadas pelo comércio 1.· pda indústria.
O que provocava objeções ao comércio com as Índias Oriencais era o faca
de que, como vimos, eh: necessitava da exportação de moeda como pagamento

A necessidade de baixar os preços a fim Jc 'ompcrir com su,csso por mcr,ados estran-
geiros foi <.1bscrvada pdos mercantilisras do fim do século XVIl. Chi/d escreveu: "Se fosse
apena~ uma questão de 'omércio, poderfamoi., 'ºmo dit. o prO\·érbio, ter o 'ontn1lc Jc
qualquer mc:n-ado que- quisé.\!>emos. Ma.s nas c:"ondi~ócs em que atu.ilmcnt"· no.s encon-
tramos, em que cada nação prucura apoderJr-sc da maior cnrn p11 1hívd Jc çomércio.
outro provérbitl se mosua apn1priaJo: l)U1.·111 quer lucr;tr d"·nuis .1caba por perJl!'r tudo"
[tr.lduzido do nmo - N. do T.I.]. Também D'A1't'111111t afirmJ 1.1uc ôlpcna.. rnm o preço
baixo do rrabalho c Ja.,,. m1.·rcadori;1s mô\nufoturaJa., ~ pos~ívcl rn;mrcr unu posii;•\o i:om-
pedtiva nos mercados estrangeiros. ToJoo; 1.·sscs argumento$ expressam dara e inequivo-
camente o pomo de vista do mel"C"ador-cxponador.
· pirradil.) J,... iJ~.;.. ~-· !..:.'..:;.. __ : .... ~ ..., 1v1un
, 4 ,~;:i.,. 1u,· . . r.t!n 1m l se Pro.
1_~.;.' ,. ·'h... l .. \ ' .... "i , e contras da exporcaçáo de moeda para f
i .-.·Ih·· 'l'br~· ,..,~ pn1s a ndi
·n1;1,· .; ... ~! , , \·: .. . o cxccdemc das exporcaçócs da Inglaterra ba.
"'5 que
... ,-~lo i... :m.•. m11.1ml so re
"t' ,,,,,' ·_ d ,

d· , 00 mil libras esrerhnas. e que essa soma ingress
"l' 1 ~ i:-:H'l'rr'.1~-oc.:" .:1.t e; - . e___ ava no
· ·· - . . A questão que a1 surgia era: o que "'''" corn
., 1 :, ~--,p;,1 dinheiro 'r'I''º· · d Cssc
'·· ' · . • . 's à proibição completa a exportação de di h .
.~j~~dtn: o\queles tavora\el . _ . n Ciro
.. · 1 devcria permanecer na Inglaterra, pos1çao a qual M
.u:on!>Clha,·am que (e un se
opunha ,-igorosamence:

Se f..• ]. uma vcz acumulada uma soma de dinheiro por meio do comércio, decide-
-si: manter essa soma imóvel no interior do reino, isso fará com que ourras naçãcs
consumam uma quanridade maior de nossas mercadorias do que o faziam ilnk-

riormcnrc. de modo que possamos dizer que nosso comércio está mais intenso e
maior? Não, na verdade isso não produzirá tal efeito positivo, mas, anta, com 0
passar do tempo. podemos esperar que se produza o efeito contrário. 8

Num ral caso, a moeda ficará guardada dentro do país como tesouro mono
e só se tornará uma fonte de ganho se for novamente colocada em circulação
comercial. Suponha-se, por exemplo, que, dessa quantia, 100 mil libras sejam ex-
portadas para as fndias Orientais, e que as mercadorias compradas com essa soma
sejam, então, revendidas em outros países a um preço muito maior (digamos, a
300 mil libras). Evidentemente, um lucro considerável será obtido pela nação
como resultado dessa operação. E embora seja verdade que o número de merca-
dorias importadas aumentou, isso serviu apenas para gerar, posteriormente, um
crescimento ainda maior nas exportações. Os oponentes do comércio com as
Índias Orientais objetam que, enquanto o dinheiro é enviado para fora do país.
0 que se recebe em troca são apenas mercadorias. Mas se essas mercadorias não

são para nosso próprio consumo, mas para revenda futura, a diferença inteira
entre seus preços de compra e de venda tem necessariamente de aumenrar. "seja
cm moeda, seja cm mercadorias a serem novamente exportadas". "Aqueles que
têm mercadorias não podem querer moed a.. , pots, . com sua vend a, e• o btido um
lucro.' Toda quanridade de moeda que exportamos para a Ind1a · . retorna Pªra nós
aumentada por um lucro. "E • assim, - vemos que a corrente de mercad orta · s que
deslàlca nosso rcsou ro se torna, mais. tarde, um Ruxo de moeda que o ennq · uec•
· "'º Um pats
numa quantidade muito maior. • pode obter um lucro enorme quand0
,
export.1 !'lia m1,i:d.1 p.1r:1 .1h.:111.k1 .l.' n..:Ll''~i,i.1.Jl, d .. ,,•nhh·•· ,_i, :. 1i1··r··.. ·, L-
mcn:aJNi;1,.

Poi\, ,,. O\H fi'lr;:Hn\1\~ .1r«n.1• º'" •.,.-... , '~" ~!!l"l•L•''"' n.1 <"\'••1.• ,,,, ,.1.11~;;,, ·l'I ;n,lP
dl' fon\,1 ;1 ll'rl,1 11111,1 ~:r 11\th_ •p1.1Pr1,J.i.lr ,1\ r,1õl1•• ,, 111;'0.11,·n•,,. •1.\!'· \''''•,li\ l11u~n
do qut: pu1 11111 1~11.ul11•1. m.;, •t ,.,n,i.lu.1111·,.,. wli 11.ih.~:h,. n.1 ,,,:11,·11.1, 'lu' ,·
u ubjcti\·u ,1, i,.,j,, •• ,, u ''lli'l·11~·.. '· \\ h '!l"' ,, 1 .l;u: ._ .. p10• ,.,,,. ,h -. 1t.t• .tt,li,, ' 1

n livro lk Mun c'\l'lllplifil".I hrilh.Hlll'nlt"!Ht• .1 /fro"flllilfl 1>Jr""i"tinlifi,1d l'l11 -.eu


apogeu. F.lt• t'<ilrL'vt· l·nmn 11m homem de aç.io: ri~ pn1hltm.1" qul· l'll· l."••nfronta
são prático~. l-n1n11 t.1mh~111 ,1 são a~ ..oluçôc~ qHl· d.: propói:. Pr1h.ur;rnJo for-
mular argu1m.:nh1, ,t1n11a J., antig.u. rt:stri~ôt.·., e,, n.:v,uil1,;.áo dirl·r.i. d.1 ,·tr,:11l.1çiio
monetária. Mun dest·mbo..:J. numa teoria da detemlinaf1Ío ,/n_. m<J11im,·mo· mom•-
tárius e 1it1 t11x11 r/1· ctimbia pek1 b11itmf1l annl'rci"I. F.le não nbji:ta ;l imponánóa de
st: tra7.cr dinheiro para o pais. mas susrenra que isso ~,:, poderit1. ~l'r reali7.a<lo de
modo profí,uo !Oot' 11 desenvolvimt:nto du com~rc..·io l''uangdro, 11 1rornsp1)r(t: 1.: as
indústrias dt' exponação promoves!"ern uma mdhorn na balanç..i nlmcr..:"ioil. Aqui,
portanro, o pomo dt' visca do primeiro mercanrilismu, scgunJo l' qu.tl .1 mol·da é
o principal componente da riqueza da nação. (Onjuga-"t' n.lm ;.1 "'"'';á1."I, próprio1 do
mercantilismo posterior. de que:- é o (omércio qut' conscicui a fonu· runJamemal
da riqueza.. As discussões no âmbiw da liti:racura 111ercancilisca giram prindp.11-
mcme em mrnü desses dois temas básicos: primeiro, a imponlnd.1 Ja moetid l'
dos meios pelos quais uma nação poJc adquiri-la; scgundu. ,, 4lu.:.'ito\11 Jo ú>men·io
exterior t da balanra t'omerâal.
Os erros conceituais pelo!ô quais os mercantilii;.ti\it Ínr;i1n rcprt:1..·ndid,ls pelos
livre-cambisrait, a começar pelos fisiocratas e por Adam Smirh .... ã.n, primdra-
mence, considerar que a verdaddra rique1.a de uma na"i'áü !1:siJl· l'111 ,u.l pm1Jurdo.
e não em sua moeda; t' 1 em segundo lugar, qm.: :;;u.1 lvnh r.·ct; ,..1 f'"t1tf14\,io. ,.
não o comércio exterior. Mas tal crícka falha c\(1 11.i.o pcr ...-1.:hl'I' q11..:. 111l"!<>ITil) ,·om
cada a sua ingenuidade teórica, as fórmula:. lan\:tJa:o pdlh 1fü:rl'ant ilb1;.t!Oo rcprL·-
semaram uma centativa de re~olver os problcm.1~ h.t~il:o.: 1.l..: ,U,i 1.:j'l''-'' e dt: su.i
classe social, a saber, por um lado, os da uansfi.>rn1.1't~ll' dl· um.1 l'úi1w111i.1 11;UU1ai
numa economia monecária; e, por ouno lado. o~ 1.l.1 prim\!it;l 1;1s••: dt: .l\.·umubç:l,i
de capital nas mãos da burguesia mercancil. Como Pl'íl~l-h)Zó p.1.rn. l·ssa .:la~\c.:.
sua preocupação se conccmrou primeira e prindp11lmcnk L·m lc\.·Jr ume1. t;iu.a
82
. órbita da troca monetária. A preocupação
substancial da. economia. para ª se concentrou na questao
na! não . do cresciment Cltl
da
aumentar a riqueza nac10de va!ores de uso, mas, antes, no aumento do núrn o
produção para o uso, ou . . . ero
d rem vendidos ou convemdos em dmhe1ro, ern su
de ;>redutos capazes e se .,. rna,
. do lo de troca. É claro que os mercant111Stas entendiam pc
no crcsc1mento va r .. ~ r·
feitamente bem que as pessoas vivem de pao e carne, e nao de ouro. Mas nurna
economia em que 0 desenvolvimento da circulação monetária ainda era fraco,
sendo 0 volume total d.e sua produção de pão e carne produzido p.ua 0 consumo
direto, e não para ser levado ao mercado, o valor de uoi:;.\, nJ. vislo dos mcl'\:an.
tlliscas, não podia residir nos pr6prios produtos, mas no tlinbdro. Como nem
todos os produtos do uabalho constiruem va!orcs de tn..'l~l. isto é. mercadorias
uansformáveis em dini1teiro, o valor át troca foi n.icur.tlmc:ntc: 'onfundido com a
forma física daqueles produtos que funcionam C<'mo dirzheiro. isto é, o ouro e a
prata. Embora uma tal confusão fosse ceoricam(n-ce ingi:nu.i. essa busca furiosa
por metais preciosos tão caracterlsdca dos primeiros mer~nti~istas foi. eia mesma.
wn reflexo da dolorosa uansição de uma economia natura! p.ira a da mercadoria-
-dinheiro. O inA.uxo de metais preciosos SC'l"\"iU como uma t(rramenta para a
aceleração desse processo no interesse da burguesia comercial. Como o comércio
exterior era, àquela época, tanto a arena na c;,ua!. se C.csenvo!via extensamente a cir-
culação de dinheiro, quanto o único meio ;>e'.o c;ua! os países desprovidos de suas
próprias minas de ouro e prata podiam absorv<r metais preciosos, era natural que
a intensa disputa pela aquisição desses metais fosse com~inada (como na doutrina
do equiltbrio comercial) com uma política de promoção do comércio exterior e
de desenvolvimento forçado das exportações.
O valor desproporcional que os mercanci!istas conferiram ao comércio
exterior não pode ser explicado simplesmente por seu grande potencial para erans--
formar produtos em din.\eiro e atrair metais preciosos: os enormes lucros tkrivado<
do comérdo exterior ajudaram a alimentar a acumulação primitiva do capital pela
classe mercantil. Não era ao crescimento da economia monetária cm geral que
ª burguesia comercial aspirava, mas a uma economia monetário-capitalista· O
processo de transformação de produtos em dinheiro tinha de ser acompanhado
" · e de sua conversão em dinheiro que gera lucro, ·isto é'
da acumulaçao· deste Uituno
em capital
. · Porem• na maior
1 · parte dos casos, lucros realmente grandes só powarn"
ser obtidos
, . nesse período por meio. do comércio exterior, especiairnente
, pelo
comerem,com as colôni as. Comprando mercadorias bararas em alguns mercados
( d
on e, tai como nas colôni as, os mercad·ores e as companhias de comera , .o dos
A DOUTA.INA. r.tEA.CA.NTILISTA. EM seu APOOl!'U 83

governos particulares costumavam deter um monopólio) e vendendo-as ma.is caras


cm oucros, a riqueza e o capital podiam ser rapidamente acumulados - para não
mencionar a pilhagem direta das colônias e a apropriação forçada da produção de
seus habitantes. Numa época cm que o mercador ocupava uma posição próxima
à do monopólio entre produtores (por exemplo, servos coloniais ou trabalhadores
artesãos) e consumidores (por exemplo, senhores rurais e camponeses), mesmo
o comfrcio exterior "pacífico" lhe fornecia a chance de cxp!orar ambos para seu
próprio benefício. Os mercadores enriqueciam comprando mercadorias dos pro-
ducores abaixo de seu va!or e vendendo-as aos consumidores a preços mais altos
do que seu va!or. ~esse período, a fonte básica do lucro comercial era a troca não
tquivt1/e11te. Era, então, natural que os mercantilistas enxergassem o lucro apenas
no lucro líquiC.o do comércio ou no "lucro sob" a alie11nçáo", que tinha sua fome
na cifra que o mercaGor adicionava ao preço da mercadoria.
É comprccnsíve! que, quando a origem do lucro é a troca. não equivalente,
as vantagens obtidas por um dos participantes da troca sejam iguais às perdas
sofridas pelo oucro - o gan!i.o de um é a perda do oucro. Esse tipo de comirdo
interno gera apenas uma redistribuição da riqueza entre os habitantes individuais
de um país, mas não faz nada para enriquecer opaíJ como um todo. Isso só pode ser
alcançado pelo comércio exterior, em que uma nação é enriquecida a expensas de
outra. "Com o que é consumido internamence, perde-se apenas aquilo que outro
ganha, e a nação em gera! não se torna mais rica; mas todo consumo estrangeiro
traz um lucro claro e cerco." 12 Com essas palavras, D~vtnant, escrevendo no final
do século XVI, resume a crença geral mercantilista de que o comércio exterior
e aqueles setores da indústria que produzem para o mercado externo geram
um lucro maior. '"Há muito mais a se ganhar com a manufatura do que com a
atividade rural, e com a fabricação de mercadorias muito mais do que com a ma-
nufatura."13 "Cm marin..\eiro vale por três capatazes de fazenda." 14 Disso não se
deve concluir que Petty (o autor dessas palavras) cenha esquecido a importância
da agricultura como fonte de abastecimento de alimencos em um país. Petty quis
apenas dizer que, com o capitalismo totalmente ausente da agricultura e tendo
penetrado apenas muito timidamente na indústria, a esfera na qual a economia
capitalista obceria um maior desenvolvimento e que permitiria uma acumulação
mais vigorosa de capital seria o comércio e, panicularmente, o comércio exterior.
Como vimos, a exagerada importância que os mercantilistas atribuíram
à moeda tem suas raízes nas condições de trn11siçiio de uma ~conomia natural
para uma economia da mercaáorid-dinheiro; de modo similar, a ênfase excessiva
sEU oECLINIO

84
:,.,.; <Xttrior é o resulcado lógico do papel d
r. ·ram ao com~,·~0 este último
que eles CODi<n d lucros imensos e como atividade que proporciona uni •.
0 uma fonte e 'd . .,. a rap1<fa
com . . E embora essas duas i e1as mercannuscas foss
i"1;áo de cap1t1Jts- , ern ma;,
acum1 "di •arizadas como absurdas, e.as reAetiam, não ob
carde cruelmente n cw. . . ,. . sta.ntc, as
_ . da era mercant1l-cap1tai1Sca e os mteresses reais da
condições hisc6ncas .,. queras
.. uem os mercanth!Stas acuavam como porca-vozes. Vi
classes soci:11s para q ._ _ •sto quo
• edominante dos mercannhstas era com qucscoes de ,. .
a preocupaçao pr • _ . , . po.1c1ca
. . que a teoria econom1ca estava apenas em sua int.\ncia. c'es s
ccononuca, e 1 , • • • ~ • e con..
cencavam com fórmulas teóricas mai desenvomdas e mg<·nua.<, desde que l'<s·
d às demandas práticas de seu tempo. O !eg.tdo .:;uc nos foi de ad
ponessem . . ' · •xo
pelos mercantiliscas não é uma teoria econômica que '1b.tr.:;ue a cociidade dos
fenômenos da economia capitalista, mas um corpo de ob!".ts .:ontendo apenas
concepções teóricas rudimentares cujo desenvo!vimenco e consolidação foram.
deixados aos economistas posteriores. Assim, as di.<tintas .:orrences da doutrina
mercantilista - uma tratando do valor de troca e 6a mooca, a Outra do lucro e
do comércio exterior - tiveram destinos diferences. À mocida que as con.:!içõcs
comerciais foram se alterando e o capita!ismo inCustri.L se Cesenvo~vendo, o caráter
fa!acioso da teoria do comércio exterior como única fonte de !ucro tornou-se ól>vio.
A evolução ulterior do pensamenco econômico ;>or obra dos fisiocracas e da escola
clássica acabaria por derrubar a incerprecaçáo mercanri:isr.a do comércio attriort
do lucro. Já as teorias embrionárias do valor de troca e da moeda desenvolvidas na
litcramra mercanti!ista mosuaram-se, ao contrário, ca;>azes de Gesenvo!vimento
teórico adicional: apropriadas por esco:as posteriores de economiscas e libertas
da con.'usão ingênua de valor de croca com dinheiro e de dinheiro com ouro •
prata, essas ceorias emJrionárias seriam, mais rarde, reromac!as e aperfeiçoadas. O
profundo inccrcsse dos mercanti!iscas pelo prob!ema do comércio e pdo processo
mediante
• o qual as mcrcac.onas• - sao • trocadas por dmhe1ro
. . permmu-1 -- 'hes ro
' rmU:as
um numero considerável de ideias correras sobre a narureza do va!or de troca e
sua
. ..
forma monetária. ~ · . d ,_ .~.se os
.. o interior a uceratura mercantilista, encontt,,,,. ..
m1c1os
. de
• _uma teoria do lo b Ih 1 d u...nce
va r-tra a o, que desempenharia wn pape. e ,,.-
unporrancia na evo!ução suJsequente de nossa ci~ncia.
Notas
1. Engels, Anti D"l · F ·c<irich
- umng, Moscou· Pro
Enoc's An . D'· . ·
" b" h
gt"as "u llS crs, 19
69 'c<l
~ ·
bras.: n , Jc
º " ' tz- ülmng. Ri0 de Janeiro: Paz e Terra, 19771• :-;a verdade, a fro;cC e
A OOUTR:ltrrfA MEACA,,.Tll.ISTA EM SEU APOGEU 85

Marx, e não de Engels, pois foi Marx quem escreveu o capitulo sobre o desenvolvi-
mento histórico da economia politica do qual a citação é exuaida (segunda seção,
capítulo 10, .. Da história crítica"). Sobre o Jivro de Mun, Marx afirma: "Esse escrito
teve, j:i em sua primeira edição [A discottrse oftradeftom England unto tht east ináies,
1609; a edição de 1621 foi reimpressa em McCulloch, 1954, p. 1-47 - N. do T.l.],
a importância específica de se voltar concra o sistema monttdrio primitivo, à época
ainda defendido na Inglaterra como prática estatal, e, desse modo, ele representa a
autoSJcp11TtJf1Í1J do sistema mercantil em relação ao sistema que o gerou. Já em sua
primeira forma, o livro obteve várias edições e exerceu uma inAuência direta sobre
a legi~laçáo. Na edição póstuma de 1664 (England's masure etc.), inteiramente rec-
Jaborada pelo autor, ele ainda se manteria por vários séculos como o evangelho do
mercantiJismo. Assim, se há uma obra do mercantilismo que tenha marcado época

' 2.
[...~.trata-se desse livro" {.Anti-Dühring, p. 216).
Mun, England's trc:asurc, in: McCulloch, 1954, p. 125.
3. lbid., p. 133-134.
4. lbid., p. 128.
5. lbid. Xessa passagem, Rubin parafraseia o ccxco de Mun.
6. Mun, England's creasure, in: McCu!loch, 1954, p. 130-131 e 136.
7. lbid., p. 131.
8. lbid., p. 138.
9. lbid., p. 137.
10. lbid., p. 139.
11. lbid.,p.141.
12. Charles D'Avenmc, An essay on the East-lndia trade, ecc., Londres, 1697, in:
D'Avcnant, Disco11rses on the public """'ues~ and on the tratk o/E11glllnJ... , parte II,
Londres, 1968, p. 31. Apud Mane, Karl, Thtories ofsurplus value, parte 1, Moscou:
Progres.s Publishers, 1969, p. 179 :ed. bras.: Marx, Karl, Trorias da mais-t111/ia, 3 v.,
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980;.
13. Peny, Political arithmerick, in: Hull, .&onomk um"ting.r, v. 1, p. 256.
14. lbid., p. 258.
Capítu:o 6
A REAÇÃO AO MERCANTILISMO
Dudley North

Embora se opusesse às ultrapassadas proibições à exportação de moeda,


Thomas Mun jamais reconheceu a necessidade de o governo exercer o controle
sobre o comércio exterior como um meio para a melhoria da balança comercial
e a enrrada de moeda no pais. A primeira pessoa a desenvolver uma crítica dos
princípios por trás da política mercantilista foi Dudley North, cujo livro Discursos
sobre o comércio foi publicado em 1691. Um proeminente mercador e, mais
tarde, comissário da alfândega, Norrh assumiu a defesa do capital mercantil e
monetário, que se tornara suficientemente desenvolvido para sentir as conscri-
ções da excessiva tutela estatal. North foi o primeiro dos profetas da ideia do
livre-comércio e dedicou seu tratado à discussão de dois temas centrais: primeiro,
as restrições que o Estado, em seu desejo de atrair moeda para o país, impõe ao
comércio exterior, e segundo, a limitação legal imposta à taxa de juros. Nesses dois
casos, North reivindicou consistentemente que o Estado cessasse sua interferên-
cia na vida econômica.
Os mercantilistas, para quem o objetivo do comércio exterior era aumentar
o estoque de moeda da nação, viam no comércio, acima de tudo, a troca de wn
produto, ou valor de uso, por dinheiro, ou valor de troca. Com Norrh, o conceito
de comércio é um pouco distinto, entendido como uma troca de certos produtos
por outros-, já o comércio exterior é uma troca do produto de uma nação pelo
produto de outra, para seu benefício comum. Nessa troca, o dinheiro funciona
simplesmente como um meio. "Ouro e prata, e, a partir deles, o dinheiro, não
são mais do que pesos e medidas pelos quais o tráfico é praticado mais convenien-
temente do que o poderia ser sem eles." 1 Se o comércio prospera ou declina, a
causa disso não pode ser encontrada na entrada ou saída de moeda; ao contrário,
sEU oECLINIO

88
"dade de moeda é a consequência de um cr .
um aumento na quant1 escimento
do comércio. · · • pu'bl"1ca, propensa a atribuir da
"d . comum na opmiao
Essa não é ai eia . to .._
• . • escassez de moeda. Quando um negociante não co
ragnação no comercio a . llsegu.
suas mercadorias, ele conclui que a causa disso é
encontrar mercado para • .• a quan.
. ufi . de moeda dentro do pais - uma V1Sao que, no entanto, é pro-
tidade ins ciente
fundamente equivocada.

Porém, para examinar a qucsráo mais de perto, o que querem essas pessoa, que
clamam por dinheiro? Começarei com o mendigo; ele quer e importuna por
dinheiro. O que ele faria com o dinheiro se ele o tivesse? Compraria pão, ct~
Então, 0 que de quer não é, na verdade, dinheiro, mas pão e outras coisas ne-
cessárias para viver. Pois bem, o fazendeiro reclama, pois quer dinheiro; cena.
mente, não pelas razões do mendigo, para sustentar a vida ou pagar dívidas, mas
pensa que, se houvesse mais dinheiro no país, ele teria um melhor preço para seus
produtos. Asi;im, parece que não é dinheiro o que ele quer, mas um bom PK\O
para o seu grão e o seu gado, que ele venderia se pudesse, mas não o pode.2

Tal fracasso em vender é o resultado ou de uma oferta excessiva de cercais


e gado, ou de uma escassez na demanda por eles, ambas advindas da pobreza dos
consumidores ou ao bloqueio das exportações.
O comércio, portanto, sofre não de uma escassez de moeda, mas de um
estancamento no fluxo constante da troca de mercadorias. Em termos gerais. não
pode haver algo como uma escassez de moeda, uma vez que um país está sernpt<
de posse de tanta moeda quanto é requerida para o propósito do comércio, isto
é, para ª troca de mercadorias. "Se sois um povo rico, e rendes comércio, ná~
podeis querer uma moeda específica para ser empregada em seus negó ·os "3 Po~º ·
mesmo se um pais• nao• cunha sua própria moeda, ele será provido em quancidad•
suficiente de moedas de outras naçoes.
• Por outro lado, "se a moeda cresce nUJllª
quantidade maior d0 . •
que a requenda pelo comércio, ela passa a nao ter
mais valor
_,
do que a prata nã0 unhad
eh . c a. e será eventualmente fundida de novo·" • Norw ara
ega, assim, à conclusão de que a circuÚZfão de moeda regulará a si mtS1f14 P
corresponder às demandas de . ' não teD'
circulação de mercadorias. E se um pais af
por que temer uma tscllS$ d d Escado toJll
ed"L- -z e moe a, é igualmente inútil, para o '
m '""'compulsórias
para aumentar sua quantidade.
A REAÇÃO AO MIERCAJlfTll,.1$MO 89

Medidas designadas para recer moeda dentro do país servirão apenas para
retartÍltr o comértio.

Se uma lei for feita, e, mais ainda, for observada, estabelecendo que a nenhum
homem é permitido levar dinheiro para fora de uma cidade, país ou divisão par-
ticulares, tendo liberdade apenas para transportar bens de rodo tipo, porém sendo
obrigado a deixar para trás todo dinheiro que leva consigo, a consequência seria
que uma ral cidade ou país seria excluído d.o restante da naçáoi e nenhum homem
ousaria negociar em seu mercado levando consigo seu dinheiro, porque ele ~
obrigado a comprar, quer queira, quer não: e, por outro lado, o povo desse lugar
não poderia ir a outros mercados como compradores, mas apenas como vendedo-
res, não tendo permissão para levar consigo qualquer quantia de dinheiro. Ora,
tal conjunto de leis não levaria rapidamente uma cidade ou país a uma condição
miserável em relação aos seus vizinhos que vivem num regime de livre-comércio?'

O mesmo destino triste se abateria sobre uma nação inteira caso ela intro-
duzisse restrições similares ao comércio, pois "no que diz respeito ao comércio,
uma nação no mundo é, em todos os sentidos, como uma cidade no reino, ou
uma família na cidade".6 O ideal de North é que o comércio mundial seja tão
livre e irrestrito quanto possível.
Um país que, por suas leis e decretos, retém sua moeda, mantendo~a em
reservas ociosas, infüge a si mesmo um prejuízo.

Nenhum homem é mais rico por ter sua propriedade toda acumulada consigo,
em djnhciro, pratarias, etc., mas, ao contrário, isso o torna mais pobre. Mais rico
é aquele homem cuja propriedade está numa condição de crescimento, seja sob a
forma de terras para a produção, de dinheiro que rende juros, ou de mercadorias
para o comércio: qualquer homem que, repentinamente, transformasse toda sua
propriedade em dinheiro e a mantivesse morta sentiria rapidamente a pobreza a
esmagá-lo!

Seja para um indivíduo ou uma nação inteira, o enriquecimento não resul-


tará da acumulação de dinheiro vivo, mas apenas de sua aplicação contínua na
circulação como capital monetário - como dinheiro que gera lucro. Para ~orth, 0
caminho da prosperidade está não na acumulação de rese1'Vill monetárias, mas no
90
• . no aumento da massa geral de lucro e capita.
do comercio e th IJ. Eni
crcscimcnco Jí. rnercantilisca, Nor supera o erro teóric StJa
uaapO t1ca o toni.
polêmica con nfundir moeda (metais preciosos) com vai.o d. •tido
' rcantilisra5 ao co . . , - r e troca
pe.os me nhecer que 0 dinheiro e um meio de troca e 'Ili
' ti•ira/. AD reco
gerai. com' r • d . reais, North chega muito perto de uma co
urna lllM"
"""'l1a
• para merca onas mpree .
ele va;or . • e dinheiro e valor de troca. Ainda com maior lar 1l&ão
da disançao entr e cza c!c
cor~t:l ,,, n entre dinheiro e capital, desenvolvendo ideias já esbo ad '
cxp.ora aUl.lere ça .. d é · ç as Por
. , brara numa balança posmva e com reio mais do qu
Mun. que vis.um . . . . e um llleio
. mular metais preciosos: ela era um sinal de que mais cap·-•
para acrair e acu af\ . i,., escava
do . 'do no comércio e de que lucros estavam um do para 0 p . , ,
sen mvcsn . . , ais . •v1as
C:e t:llllbém defendia que o Estado vigiasse de perto a b:uança comercial e rornasic
medidas para meL'i.orá-la. Para North, também, era um objetivo conscienre
. . e . ' d 'h . que
capicais e lucros come=• 1ossem esnmu.a os, mas o me. or meio para isso eca
0 /ivrNomlrcio, e não a interferência restritiva do Estado.
)'forth estendeu esse mesmo princípio da não interferência governamental
a uma outra questão, a da eaxa de juros, que gerou um furioso debate _e uma
enorme quantidade de literatura - ao longo dos séculos XVII e XVIII. Esta eca
uma questão na qual os interesses da classe dos proprietários rurais e dos capitalis-
tas monetários entravam em acirrado conflito. As leis medievais que proibiam a
cobrança de juros foram revogadas na Inglaterra por Henrique VIII em 1545. Os
juros podiam, então, ser cobrados sobre os empréstimos, embora não pudessem
exceder 10% ao ano. No começo do século XVII, o teto legal foi abaixado para
8%, e para 6% em 1652. Especialmente persistente nessa pressão para reduções
progressivas na taXa de juros era a aristocracia fundiária, cuja vida pródiga e cons-
tantes comadas de empréstimos jogavam-na diretamente nas garras dos usurários.
Uma queda na taxa de juros beneficiaria os senhores rurais de duas maneiras:
primeiramente, os pagamentos de J. uros aos aoforas seriam reduzidos; em segundo
o
;ugar, 0 ~reço da cerra aumentaria e, com ele, a perspectiva de vendê-la p0r ulll
1

iucro mator.
• Em l 621, Culpeper, um velho partidário dos interesses rurais• escreve•:
Onde
. . quer que 0 diruheiro . seja caro, a terra será barata, e onde quer que o
d
mheiro seja barato , , réstl11'os
forçam ª
' terra sera cara. , ...; Os altos juros sobre os emP
a v~nda da terra a um preço menor". s .
Apoio para as ciem das d or de iurOS
veio ramb' d an os senhores rurais por uma caxa men ._, ·"~
em e cerras se • d . • . eeiaornv·
aquelas . , çoes burguesia industrial e comercial, esp . ~·
ª
que tlll..'lam inter
esse nos negócios da Companhia das n as
f di Orien
A flEAÇÃO AO MERCANT11.1Si.tO 91

Quanto mais baixo fosse o juro sobre os empréstimos, mais disposição os


rendeiros teriam para investir seus fundos disponíveis nas ações da Companhia,
aumentando também o valor dessas ações. Chi/d afirmava, em 1668, que, se a taxa
de juros obtida com o empréstimo fosse alta (6%), ninguém desejaria investir
seu dinheiro no precário comércio rransoceânico, que só poderia oferecer de 8o/o
a 9o/o. Baseados no exemplo da Holanda, onde a taxa de juros era baixa, Child
e outros escritores julgavam que manter as caxas de juros baixas asseguraria 0
esdmulo e a lucratividade do comércio, o que os levava a reivindicar a redução
legal dessas taxas.
Contra isso, argumentando que a regulação governamental da taxa de juros
estava fundamentalmente a serviço de uma aristocracia ociosa e não da classe
mercantil, os defensores do capital monetário defendiam que esses controles
fossem totalmente repelidos. Na realidade, para amplos setores dos mercadores,
tais leis eram de pouco uso, pois, apesar de um teto legal de 6%, sua busca por
crédito os forçava a pagar taxas de juros muito acima do que a lei o permiria,
chegando, às vezes, a atingir 330/o. Assim, um grande número dos escritores que
defendiam os interesses do dinheiro e do capital comercial reivindicou a rejeição
do limite legal para a taxa de juros, com o argumento de que esta contrariava as
leis "naturais" da economia capitalista. Entre esses escritores, estavam Petty. Locke
eNorth.
A visão de North era a de que a redução da taxa de juros beneficiaria a
pequena nobreza muito mais do que os comerciantes:

do dinheiro que se empresta a juros nessa nação, apenas uma décima parte é usada
pelos comerciantes, que o utilizam para administrar suas atividades comerciais; a
maior parte é empregada para suprir a luxúria e sustentar as despesas de pessoas
que, embora grandes proprietárias de terras, gastam com mais rapidez do que suas
· terras lhes podem suprir. 9

Um limite legal à taxa de juros apenas criaria uma situação difícil e precária
para aqueles comerciantes em busca de crédito e exerceria uma influência retar-
dadora sobre o comércio. "Não são os juros baixos que tornam o comércio maior,
mas é o comércio maior ~...~ que torna os juros menores", aumentando a acu-
mulação de capitais e estimulando 0 invescimento. 10 Se a taxa de juros deve cair,
isso será o resultado de uma livre expansão do comérdo, e não de uma regulação
compulsória. De modo que "será melhor para a nação deixar que captadores de
92 O ME.ACA"° • .~

liçatn suas próprias barganhas de acordo com .


eropréstilllO e credores • 11 as orcu,,,_
• . ue dcs se encontranl • . • .
canc1as ero 'l . . funde J·usoficar a obtençao de Juros sob
É caraccet1SDCO que, a re O <api
·-··' -~forma de rendimento à renda agrícola, "Mas as . tal,
T it,...-ar'"""""' snn.co
!'\orch procure enda sua cerra, estes [os comerciantes} também mo
homero do campo arr . • arrendam
0 • "cimo é chamado de Juro, mas e apenas renda obtida
seu ..,roque; este UI rillleira é oboda •
para a terra."12 Encao,
- o Estado p~LPara o
esroque, cal como a P """ tanto
--~ - dosJ·uros de 5% para 4% quanto reduzir de 10 .,.M 8
legislar Ulll• ='uça0 . . r-a ltc\ins
or um acre de cerra. De modo similar, podemos enconcrar "
a renda paga P , .. . 1·eny
, --··'ar 0 J·uro sobre o cap1cal com a renda fund1ar1a. Pois 0 p . .
e Lo= a 15 - . . runcuo
ainda era, nessa época, urna nova forma de rendimento e so podia ser explicado
teoricamente e justificado na prática, estabelecendo-se uma equação entre ele e a
fonte uadicional de rendimcnco, a renda fundiária.
Para sua época, o livro de Norch foi um fenômeno notável, contendo a
primeira farmu/tJçáo das ideias do livre-comércio, que seriam desenvolvidas cm sua
plenirude por Hume e Srnich. Como um homem que transcendeu sua époa.
Norch foi um dos primeiros profecas do declínio _do mercantilismo. Para os mer-
cantilisras, o comércio internacional era como uma partida de xadrez em que 0
ganho de um é sempre a perda de oucro. Para N'orch, esse comércio era mutua·
mente lucrativo para todas as nações que nele tomavam pane. Os mercantilistas cs-
cabeleciam urna diferença entre ramos "lucrativos" e "não lucrativos" do comércio,
a depender de qual efeito eles exerciam sobre a balança comercial. Para North,
"não pode haver um comércio não lucrativo para o público, pois, se um comércio
não é lucrativo, os homens o abandonam''. 13 Os mercanciliscas defendiam a estrira
rutela do Escado sobre a vida econômica; Norch defendia o livre-comércio ea 1liD
intervenção governamental, urna vez que é impossível "forçar os homens a negociar
de uma maneira determinadâ'. Também encontramos em Norch urna análise
mais profunda de questões teóricas, especialmente a distinção que ele escabelc<C
~tre capital e dinheiro e sua observação de que a circulação do dinheiro regulatá 4
" mesma. de acordo com as exigências da circulação de mercadorias. ,
Ainda ass'un' essa ana;15e ·•· ceonca, . é para Norch um .mscrumenco subordi·
nado, -um meio para tornar mais . .mcmva . .' sua crmca
• . ' da polmca
, . me•-·-ncilis'l-
Quescoes de política •conomica • . ainda . predominam: onde a liceratura !ida c0nt
argumentos
dev' , teóricos' esces sao - rrragmentários e incompletos. Para obeermos uJll
'ªº
no te encendimenco
• do •
•egado ce6nco . do mercantilismo, cemos, agora. de~ 00
mpo, are William p, cadOS
uty, para que possamos, então, passar lll ª
. • ",.,...., ""' '"L "C.Atw 1 ILI t.r.110 !:f;:)

século XVIII, que constitui um período de transição da literatura mercantilista


para a literatura clássica.

Notas
l. Dudley North, Discour.;es upon trade, in: McCulloch, Early english lrtU:ts on
commerce, 1954, p. 529-530.
2. !bid., p. 525.
3. lbid., P· 531.
4. lbid.
5. !bid., p. 527-528.
6. lbid., p. 528.
7. lbid., p. 525.
8. Thomas Culpeper, A tract against usurie, Londres, 1621. Citações traduzidas do tusso.
9. North, Discurses, in: McCulloch, Early English tracts on commer«, 1954, p. 520.
10. lbid., p. 518.
11. lbid., p. 521.
12. lbid., p. 518.
13. lbid., p. 513.
Capitulo 7
A EVOLUÇÃO DA TEORIA DO VALOR
William Petty

Já notamos que, em sua maioria, os escritores mercantilistas se preocu-


pavam predominantemente com questões de política econômica e mostravam
pouca inclinação ao escudo teórico. No entanto, a necessidade de justificar várias
medidas práticas os compelia progressivamente a lançar mão de argumentos de
nature1..a teórica. Assim, a luta contra restrições à circulação de dinheiro, por
exemplo (as proibições à exportação de moedas, etc.) forneceram o ímpeto para
o desenvolvimento da teoria do equilíbrio comercial. Porém, influenciados pelo
caráter avassalador e generali7..ante da matemática e da filosofia empirista (Bacon,
Hobbes) do século XVII e conscientes da necessidade de proceder a um reexame
radical da doutrina mercantilista para atender às demandas novas e cada vez mais
complexas do desenvolvimento econômico, a literatura mercantilista inglesa, em
meados do século XVII, apresentou uma crescente preocupação com a teoria.
Paralelamente à sua tendência básica, "mercantil", emergiu na literatura
mercancilisca uma corrente "filosófica", mais inclinada a generalizações teóricas.
Ao lado dos estreitos debatedores de questões práticas cotidianas, agora surgia
entre os mercantilistas escritores com uma ampla visão científica (Petty), além dos
mais eminentes filósofos da época (Locke, Berkeley, Hume). Mesmo aucores que
eram homens práticos de ação mostraram em suas obras uma preocupação maior
por questões teóricas (North, Barbon, Cantillon). Como movimento teórico,
embora suas ideias ainda fossem rudimentares e imaturas, deixou um legado de
grande valor em sua teoria do valor e do dinheiro.
Em sua forma moderna, o problema do valor só pôde ser posto quando
as guildas artesanais começaram a dar lugar à economia capitalista. Durante a
era das ondnas medievais, os preços dos bens eram regulados pel~ guilda e pelas
sEU oe:ci.1,..10
96 D ,,u:11.cANTILISUO e

.. . 0 5 fixos que as guildas colocavam em artigos ar-


auroridades mumc1pí11S. 5 preço.. "'subsistência" ou recompensa "dignas•
• • m•.-.t ao arre.ao uma . .
cesan:us vLSavam asscb-- .. de que 05 nws proeminentes escritores
uL Assim nao surpreen
por seu ªªºª'"º" ' Albe Grande e São Tomás de Aquino - afu
d.
canônicos do século xm - odrto,: pende "quantidade de trabalho e~
valor de um pr uto e
masse~ <;_uc 0 cm sua roduçáo. Embora à primeira vista essa fórmula se
gascos efewados . . pdo vai r-uabalho, há uma diferença substancial entre
clhc à posterior cearia o . da , •
assem • . d al essa fórmula cresceu foi o proauçao artesanal
elas O solo ccono.m1co o qu . h '
· . ,,_ A el borá-la 0 que os autores tm am em mente eram
e não o do capttllUJmO. o a , . . .
anesão realizava para adquirir maténas-pnmas e instrumentos
os gasros que o d l
"d"gn-l' por seu uabalho. O preço e que e es tratavam não
e uma recompensa J
1 .1 belecido no processo da concorrência do mm:IUÚJ, mas 0
é aque e rtaimtntt csca . .
"preço jUsto" l.jUSlltm pretium) que tkvia ser esrab~lecido ~utondades a fun
!".'las
de corresponder às condições tradicionais das oficinas medievais. Desse modo, 0
problema do valor era colocado "normativamenteD.
/ Com 0 surgimento da economia capitalista, essa situação se alterou à
medida que o preço fixado pelas guildas foi dando lugar a um processo de
concorrência entre o comprador e o vendedor. A formação do pr<ço pela via da
rtgttÚlftio foi substituída pela formação espontânea do pr<ço pelo mer<IUÚJ. O que
ante$ era uma magnitude fixada de antemão e estabelecida de modo compulsório
se tornava, agora, o resultado de um processo complexo de concorrência sobre o
qual não se podia saber nada antecipadamente. Para os escritores do século XIII,
a discussão era sobre qual preço devia seresrabelecido a partir de considerações de
justiça; já os economistas do século XVII trararam do problema sob outra ótica:
eles queriam descobrir a regukzridllde determinada por leis que governa o processo
de formação do preço tal como ek ocorre r<almenU no merclUÚJ. A formulação
normatiW1 do problema do valor dava lugar, assim, à sua formulação a partir da
teoria cimtífica.
• . Todavia, durante a época do capitalismo primitivo, não era uma carda
fácil enco~trar uma regularidade definida por trás dos fenômenos da formação do
preço. A ~vre concorrência ainda não havia tin "d odos d mia
e tampouco havia a resem:ado a gi o t os setores a econo .
S fc . • P plenamente suas regularidades governadas por leis.
eus e eicos amda eram barrados d . •
dos preços pel .,, ' em gran e medida, pelos resquícios da fixaÇàO
as guuaas, pe1as -·'açõ .,. . d, .
e pel dirc "'&~ es mercantmstas do comércio e da m ú5ft1"
os 1cos monopolistas das com , . . . • • .•
listas ainda m . h . paruuas comerciais. Os propr1os rnercann
am1ru am sua fé na possi"b"l"dad
11 e da r<gulação da vida cconônuca.
A EYOl..UÇAO CtA Tl!ORIA CtO VALOR 97

por meio de medidas escacais. Para eles, a idtia tÚ um merctdo ttpontantamente


regu!Ado por certaS leis era um conceito estranho, que só seria desenvolvido mais
racde pelos fisiocracas e, especialmente, por Adam Smith.•
Os economiscas que se deparavam com o caos das inúmeras determinantes
que, juntas, formavam o processo da formação do preço no capitalismo inicial,
frequenremente desistiam de toda tentativa de descobrir a regularidade de~rmi­
natla por leis que preside ral processo. N constantes e agudas f!uruaçócs nos preços
do mercado sugeriam que os preços das mercadorias dependiam exclusivamente
da relação acidental entre oferta e demanda num momento dado. A partir dessa
ideia, surgiram os primeiros rudimentos da teoria da oferta e t1a dmulnda, que
obreve grande repercussão entre os mercantilisras e que o célebre filósofo John
Locke"* formulou com as seguintes palavras:

Todas as coisas que são compradas e vendidas têm seu preço aumentado ou
diminuído na mesma medida cm que há mais compradores ou vendedores. Onde
há um grande número de compradores para poucos vendedores, o preço da coisa
a ser vendida será barato. Por outro lado, se surgirem muitos compradores para
poucos vendedores, a mesma coisa encarecerá imcdiatamente.1

Quando se fala em valor de troca, este só pode ser considerado "num dado
lugar e num dado momento"; não se pode tratar do valor de troca sem nenhuma
base fixa e objetivamente determinada.
Essa ~egaçáo de toda regularidade determinada por leis por trás da formação
~o preço foi também uma posição defendida pelos primeiros defensores da teoria
aa utilitÍ41Íe
. • •· holas Barbon,*** um contemporâneo inglês de Locke foº
sub7'· tiva. ""
1
um ativo participante d f.eb re d a especulação que se abateu sobre a Inglaterra
ª '

Cf. capítulos 11 e 20.


Além de suas célebres · - .
um estudo vohado invesngaçoes 6losóficas e sociológicas, Locke (1632-1704) cscrcvcu
ÚJwering ofintemt. ~:::~~t:c ~cco~om~~ Some ronsitkrations oflhe consequenas o/the
presente capitulo. • umg e va. ue °-' monty. Sobre Lockc. ver. também, o final do

A obra mais importante de Barbon (1640 1698) .


monty lightn. ln answtr 10 Mr. • -. . é A tlucoum conctrning coining tlH new
bras.: Nicholas Barbo o· . lockes consiJe,ations dbout raising the value ofmonty (ed.
. n, lSCurso acerca da cunhag d .
&onomuttJs políti«JS, São Paulo· M . .. cm e uma moeda m315 leve, in:
próximo capítulo. . usa; Curmba: Segesta, 2001]. Ver, ainda, o começo do
E sEV oecr..IN!O
98

, ui da fluruaçáo dos preços em decorrência


no fim do século XVIL 0 espetac o b ,d . d
, . e . , pôde rapidamente em asar a i eia e que
d sa atividade cspeclllaova rol w que . .
""~ . ço ou valor determinado de modo prec150»
"nen.h.uma mercadoria passu1 um pre . . de" . , .
dorias deriva de sua utt!tdtt (15to e, de sua
.. O valor de rodas as merca ., .
. d d • . , r os anseios e necessidades humanos ) e vana de acordo
Clnac1da e e sansraze
' d "h mor e nos caprichos das pessoas que fazem uso delas",
com as mu anças no u
Essa ceoria esboçada per Barbon obceve pouco sucesso entre os mercanrilis.
cas. Seu desenvo!vimenro ulterior deu-se apenas em meados do século XVIII, nas
obras do mercancilisra Galiani,..,, do famoso fisiocrata Tttrgot** e, principalmente,
nade Condilúrc, ._.um oponente dos fisiocracas que, no encanto, foi imensamente
inf!uenciado por e!cs. Cond.i!lac é justificadamente considerado o precursor das
modernas teorias psicológicas do valor, Ele diferencia entre a utilidade abstrata
de um dado tipo de coisa- por exem?lo, o cereal - e a utilidade concreta contida
numa dada quantidade desse cereal. O valor de uma coisa é determinado por sua
ut.Lidade concreca, a qual, por sua vez depende acima de cudo de sua escassez, isto
1

é, da quantidade atualmente disponível dessa coisa.


Os respectivos ade?toS da teoria da oferta e da demanda e da teoria da
uri.!idade subjetiva renunciaram virtualmente à tarefa de descobrir as regulari·
dades decerminadas por leis que se encontram por trás da formaçáo dos preços,
~o emanro, à medida que a vida econômica se desenvo!via, os economistas eram
perem?toriamenre confrontados com esse problema, Os inícios bem-sucedidos
e, emáo, a difusão da livre concorrência evidenciaram para os economistas o
caráter insatisfatório da noção de que os fenômenos da formaçáo dos preços eram
acidcmais por narureza. Anteriormente, as companhias de comércio, que então
deúnham um monopólio, cosrumavam ditar os preços arbitrariamente ao con·
swnidor e' com frequênc'ia, desrru1am , partes de seus estoques de merca.donas .
p~a manter os preços altos (assim o fazendo, elas forneciam uma ilustraçáo do
quao ;>oderosa era a !ei da oferta e da demanda), Com o aparecimento do cap1-
,

Gal;ani (1728-1780), um icaliano ue viv .


mrmeta (1750) 'ed b . F .J, q eu murcos anos em Paris, foi o autor de Delút
• . ras.. Crl..Llnando Gal" . D .
Segcsca, 2000' e Díttl !. iam, a moeda, São Paulo: Musa; Curiaba:
•• Cf. eapfrulo 10. ogrm SW' «ommerce tÚs biis (1770). Cf. também capítulo JQ,
CondiUac. f'arT>n(n l;'f.,,"c" c___ -~
A 11!.VOl..UQA.O DA TEORIA 00 VAl..OR
99

. . d "ai essa situação se modificou. Em suas projeções, o industrial


cahsmo m uscn , . h . .
. eço de venda de uma mercadoria un a, no mm1mo,
assou a considerar que o pr .
p • t deprodução. Na A.uruação aparentemente aleatória
de compensa-lo por seus cus os • •
· tas encontraram uma base escave\ à qual os preços cem
dos preços os econom1S fa
neccssari~ente de se conformar: os custos de produção gerado~ na manu cura
. E assim surgi·u a teoria dos Ctlstos de produçao.
de uma mercadona. ' , . .d"
James Steuart,* um dos últimos mercantilistas (1712-1780), div1 iu o
· m duas partes· " 0 valor real da mercadoria e o lucro sobre
preço d a mercad ona e · . d
. • • 2 O "valor real" de uma mercadoria representa uma magmcu e pre-
a aiienaçao . 1 1
cisamente determinada, igual a seus custos de produção. Para c:a.cu.ar esses cusr~s
de produção, é necessário saber: primeiro, o número de unidades da mercado~1a
produzido pelo trabalhador no decurso de um dia, uma semana ou um mes;
segundo, 0 valor dos meios de subsistência do trabalhador (isto é, a soma de s~as
remunerações) e dos instrumentos que ele emprega em seu trabalho; e terceiro,
0 valor de suas matérias-primas. "Conhecendo·se esses três artigos, o preço da
manufatura é determinado. Ele não pode ser mais baixo do que a quantidade de
todos os três, isto é, do que seu valor real; o que estiver acima desse valor é o lucro
do manufaturador." 3 E como é determinado o tamanho desse lucro? Essa é uma
questão que Steuart não pôde responder. Vemos, aqui, o defeito fundamental da
teoria dos custos de produção, defeito que ela não conseguiu superar até nossos
dias: sua inabilidade para explicar a origem e a magnitude do mais-valor ou lucro
(no sentido amplo do termo), isto é, o acréscimo no preço de um produto acima
d< sros custos de produção. Como um verdadeiro mercantilista, Sreuart supõe que
o preço de venda de uma mercadoria excederá seu "valor real" e que o enrique-
cimento do capitalista deriva do "lucro sobre a alienação", "que será sempre em
proporção à demanda e, portanto, A.ucuará de acordo com as circunstâncias".•
Como resultado disso, Steuart perde a oportunidade de encontrar a regularidade
determinada por leis que condicionam a magnicude do mais-valor, ou lucro. Isso
só poderia ter sido descoberto por meio da teoria do valor-trabalho. Tal como as
teorias que acabamos de discutir, também esta última surgiu durante a época
mercantilista. Para encontrar suas raízes, temos de retroceder a William Petty.

Sua obra An inquiry into the principks ofpolitical wmomy foi ?ub!icada em 1767. Ve•
100 o t,iiC"'C""NTll.•Sr,10 E SEU occ1.1NIO

Homem de raros dotes e versatilidade, William Petty (1623-1687), embora


médico de profissão, dedicou-se simultaneamente a matemática, geodésia, música
e conscrução de navios. Filho de um pequeno arcesão, morreu nobre e milionário,
tendo adquirido sua fortuna pelos mécodos inescrupulosos de um aventureiro,
participando da partilha das terras de rebeldes irlandeses. Sendo um verdadeiro
filho do século XVII, com seu conhecimento brilhante de macemática e seu
desejo de transcrever codo quadro real em fórmulas matemáticas, Petty se in-
teressou fundamentalmente pelo lado quantitativo dos fenômenos econômicos.
Em harmonia com o espírito da filosofia empírica do século XVII, ele aspirava à
observação e à precisa desCTiçáo qua.ntitativa dos fenômenos reais. No prefácio a
uma de suas obras. incirulada Political arithmetick,"' ele descreve seu m~todo da
seguinte forma:

O mérodo que utilizo não é muito usual, pois, cm vez de usar apenas palavras
comparativas e superlativas e argumentos intdecruais, resolvi seguir o caminho
[... ] de me expressar em cermos de número. peso ou medida; de usar apenas argu-
mem:os empíricos ~arguments ofsense~ e considerar apenas aquelas causas que têm
seus fundamem:os visíveis na narurez.a.

Peuy compartilhava seu interesse na descrição escatÍstica dos fenômenos


econômicos com vários oucros economistas de sua époc.a: Graunt, que compilou
cstacíscic.as de mortalidade; D'Avenant, que se dedicou a estatÍsticas de comércio;
e King, o autor da célebre "lei de King", que afirma que flutuações n.a oferta de
cereais acarretam flutuações muico mais é\:,oUdas em seu preço (se, por exemplo,
a quantidade de cereais disponível cai pela metade em consequência de uma
fraca colheita, o aumento no preço que daí se segue será quatro veus maíor).
Diferentemente desses escritores, porém, Petty não se interessava pelas observa~
ções escacísticas cm si mesmas, mas pelo fato de elas fornecerem macerial para a
análise te<Jrica. Ele não apenas compi1ava fatos sobre o crescimenco papulacio-
naJ, movimentos dos preços das merc.adorias, salários, rendas, preço da terra, e
assim por diante, como também, ao fazer essas observações, procurava penetrar

&sa obra foi publicada posrumameme em 1690. Suas demais obras incluem A trtatist of
taxes and eonrributions, publicada em 1662, e 7ht po/iti,a/ anaMmy o/lreland, publicada
cm 1672.
" evoi.uÇAO OA TEOl'U1' DO VJl\1.0R 101

naquilo que lhes conferia uma unidade. É verdade que Petcy não escava plena-
mente conscience das dificuldades envolvidas na pas5agem de dados estatísticos
individuais para amplas generalizações teóricas, e que essa simplicidade o levou a
fazer generalizações apressadas e a estabelecer derivações que se mostraram com
frequência equivocadas. No entanto, suas conjecturas e hipóteses apresentavam
invariavelmente o grande alcance do gênio e lhe garantiram uma reputação como
um dos fundadores da economia polícica moderna e precursores da teoria do
valor-trabalho.
Como mercantilista, para quem a troca de produtos por dinheiro tinha im-
portância decisiva, Petty se preocupava especialmente com o problema do preço,
entendido não como um preço do produco no mercado, acidentalmente deter-
minado por causas "extrínsecas", mas como seu "preço natural", que depende de
facores "intrínsecos". Mantendo a identificação mercantilista do dinheiro com os
metais preciosos, Petty põe o problema do "preço natural" ou do valor na forma
de uma questão: por que uma cerca quantidade de prata é oferecida por um dado
produto? Em sua resposta, Petty esboça, com engenhosa simplicidade, as ideias
básicas da teoria do valor-trabalho.

Se um homem pode trazer para Londres uma onça de prata extraída das minas do
Peru no mesmo tempo em que de pode produzir um alqueire de trigo, então um
é o preço natural do outro; mas se, em razão da descoberca de novas minas, mais
fáceis de serem exploradas, um homem pode obcer duas onças de cobre com o
mesmo esforço anteriormente empregado na obtenção de uma única onça, encão
o uigo custará 10 xelins por alqueire, ao passo que antes ele cusrava 5 xdins caeuri;
paribus. 5 [ ••• )O trigo é mais baraco onde um homem produz crigo para dez do que
onde ele pode fazer o mesmo, porém produzindo apenas para seis [... ] O trigo será
duas vezes mais caro onde há duzentos agrk:ulcores realizando o mesmo trabalho
que <:cm homens poderiam realizar. 6

Trigo e prata terão igual valor porque iguais quantidades de traba?ho foram
gastas em sua produção. A magnitude do valor de um produto depende da quan-
tidade~ trabalho ~spendido em'"ª prod11çáo.
Da magnirnde do valor de um produto, Petty passa à análise de seus com~
ponentes individuais. Ele distingue duas partes do valor de qualquer produto
(o trigo é seu exemplo mais frequente): sal.ários e renda fundiária. Antes, quando
102 O fl/IERCA"'ITll..ISMO IE SEU OIECl.INIÕ

• · as CJl"tais da literatura mercancilisra," notamos que Peccy


expwemos as caraccerisac l ) - , • •

-a1 rabelecer um limite legal aos salarios, fixando aquilo que


julgara como essenc1 es
era necessário para a provisão do uabalhador. Ao aceitar, em seus discursos, que
esse é 0 nível de salários que prevalece:, Pmy é capaz de determinar o tamanho da
renda agrícola in natura, isco ~, em trigo:

Suponhamos que um homem pud~se, com suas pn.>pri.tS m.il':rr., pl.mr.tr trigo
sobre um cerro pedaço de terra, isto é, quC' de pos.~t i.:avar, ..:-ciÍJ.r, .tr.tr, i;arin,1r,
colher, uanspomr para casa, debulhar e peneirar do modo como""' ~.1p.n.1i de sua
(erra o exige: e, ao final, ri~. ainda, sementes par.1 um.1 nov.1 scm ..•;tdur.1. F.nc;i..o,
se esse homem deduzisse do produto de sua 1."0lheira ;,i $e'mcncc que dela resulta,
.wim como aquilo que ele mies.mo con.o;umiu e deu rarJ. outro.~ cm ttO\:a d(' roupas
e outros produtos neccsd.rios. o que restaria da oolhcitl seria a renda n.nur-.il e
\ verdadeira da terra naquele ano. 7
'· -..... ·,
\
O tamanho in natrmt da renda é d.cccrminado deduzindo-se do produto
J cotai os artigos de consu.ono do uabalhac?or (sua remuneração) e os custos de

F~
sew; meios de produção (suas semenca). Assim, o que Pctcy tem cm mente - e
apresenta à guisa de renda fondidria- é o m11is-v11/or total, incluindo o lucro.
Tendo determinado a renda. in Mtura. Pctty pergunta, então, q1111/ será se11
P"fº em dinheiro, isto é, por que quantidade de prata ela pode ser trocada.

Pode-se, no entanto, colocar uma questão adicional, mesmo que colateral: quan-
to de dinheiro inglês vale esse trigo ou essa renda? Respondo: tanto quanto o
dinheiro que um outro homem poderia obter, no mesmo espaço de tempo, para
além e acima de seu gasto, caso se dedic.assc inteiramente à sua produção; viJt-
liut:• suponhamos que um outro homem viajasse para um país onde há pr:ua, e
lá a escavasse, re6n~ e a crouxc.ue consigo para o momo lugar cm que o outro
homem plantou seu trigo, e que lá ele cunhasse a prau:, etc., sendo sempre a
mesma pessoa a trabalhar todo o tempo a sua prata, obtendo alimentos e: vesti~
menras par.a su.u necessidades; então, a prata de: um cem de ser estimada como
tendo O mesmo valor do trigo do outro: um tendo o vaior, talvez, de: vinte: onças. e

Cf. capórulo 3.

--
A C"OLUÇAO OA T1'0RIA 00 VALOR 103

0 outro de vinte alqueires. Disso se segue que! o preço de um alqueire de seu trigo
i: uma OO\"a de pr-.H.1. 9

Uma vc:z que se sabe o preço de um a_;queire de trigo. este pode ser usado
para determinar o preço do rrigo que forma a renda - isro é, a renda mo11e1ríria
total.
Pecrv acompanha essa discussão com uma tentariva muico corajosa de
deduzir 0 ~rero da f(rrtl da renda monetária tocal. À época de Petty. a cerra na
Inglaterra já havia se ternado um objeto de compra e venda, com um preço
aproximadameme igual à renda anual cocal muMplicada por vime (ou, mais pre-
cisamence, por vime e um). Pc;:ccy sabia, a parcir de sua.s experii;:ncias como ne~
gociante, que uma parcela de cerra que produzia uma renda anual de 50 libras
era vendida por aproximadamence mi! libras. Petcy pergunta: por que o ?reço da
cerra é igua1 a vime ve-L.C.s a sua renda anual? Tomando como ponco de panida
sua invcscigaçáo sobre a renda, mas sem conhecimento das leis que governam a
formação do lucro e do juro, Pecry não podia saber que essa relação entre a renda
anual e o preço da tecra depende da cv.:a média de juro que prevalecia à épo~a (na
Inglacerra, em terno de 5%), e que a primeira muda de acordo com o último (por
exemplo, se a caxa de juros cai de 5% para 4%, o preço da mesma porção de cerra
aumencará para 1.250 libras, ou vinte e cinco vezes a renda anuaJ). Assim, Pecry
recorre ao seguinte argumento artificial: o comprador avalia que, ao comprar a
terra, ele escará garantindo uma receita anual para si mesmo, seu fi!ho e seu nero;
a preocupação das pessoas em relação à posteridade não cosfuma ulcrapassar esse
limice. Suponha-se que o comprador esceja na casa dos 50 anos, o fitho tenha 28 e
o neto, 7 anos de idade. De acordo com as escarísricas de mortalidade de Graunc,
essas três pessoas podem viver, em média, mais 22 anos. Assim, ao avaliar que a
cerra lhe proverá uma receita anual por vime e dois anos, o comprador concorda
em pagar por ela uma soma vince e duas vezes maior do que a renda anual rota!.
Por mais errôneÕ que esse argumenco de Pecry possa ser, ele concém uma
ideia fértil, dotada de profunda verdade: "o valor da terra" não é nada mais do
que a soma de um número definido tk rtntÚu an1111is. Como o tamanho da renda
monecária depende do valor de wn alqueire de trigo, e como este, por sua vez, é
determinado pela quantidade de crabalho despendido em sua proCução, segue-se
que o trabalho é a fonte não apenas do valor do trigo. mas. na concabUidade final,
também do "valor da cerra". O argumenco de Pcccy represcnca umJ primeira e
seu oCCLINIO
104 O 1iUi:RCANTILISM0 C

, 6 cnos agrícolas à lei do valor-trabalho. 0


. d ubmctcr os ren m
ousada ccncat1va • s • concentração de Pctcy sobre a renda fundiária
disso no encanro, e que a é
outro 1ado • .. __ , .nantc da agriculrura em sua poca. A teoria
•1er ainda prcuom•
demonstra 0 cara d ovos conceiros e ideias a fim de generalizar 05
• . mbora volcan o-se a n
econom1ca, e _ .ralisca frequentcmenre os traia sob a roupagem
6 •menos da nova economia cap• '
eno . . h dad de uma era em que dominavam a agricultura e as
de conceitos e 1dc1as cr: 05 . .. •
.00 d rural No ãmbiro da teoria econom1ca, a categoria
formas feudais da propCl a e .' • .
• •raJº ca _ 0 lucro - ainda nao havia se destacado da renda
básica da economia cap1 15 • • •
se nela dissolvido· tod4 forma de mazs-valor, mtlumdo 0
fundiária, mas encontra· · . • •.
título dt ,.,,da Em paric, essa desconS1deraçao teorica com a
/11cro, aparttt sob o • . . _
· de •..-~é explicada pelas dificuldades envolvidas na criaçao de novas
c;accgoria 1..-.... ,
caiegorias que correspondam à realidade dos novos fenômenos; mas e rambém
explicada pelo fato de que o lucro manufarureiro ainda desempenhava, nesse
tempo, apenas um papel secundário, ao passo que o lucro comercial era visto pelos
mercanti!isras como uma remarcaçáo no preço da metcadoria. Petcy isolou apenas
uma forma de lucro como especial, e esre foi o juro sobrt o capital de empréstíT1UJ
[loan capit4!,. Essa era uma distinçáo necessária, tendo em visra não s6 a enorme
importância que o capital de empréstimo tinha àquela época, mas rambém o forte
antagonismo que existia entre capital de empréstimo e os juros rurais.• Porém,
ao concentrar-se especialmente no juro monetário, Petcy o considerou, ao mesmo
tempo, uma forma derivativa de rendimento, como se ele fosse um substiruto
para a tenda. Como não compreendeu que as Buruaçóes no preço da terra seguem
necessariamente as fluruações na raxa de juros, Petty imaginou que a relação entre
esses dois fenômenos fosse, na realidade, o inverso: ele explicou a taxa de juros a
partir do nível dos preços da tma. Se uma parcela de terra podia ser comprada por
mil libras e render uma tenda anual de 50 libras, naruralmente o proprietário de
um. capital
. dem il l"b
1 ras só concordaria em emprestá-lo sob a condição de que o
d1nhe1ro recebido em juros nao • 6osse menos do que as 50 libras recebidas por ano
como renda:e assim.dado 0 pr--~ '""" da terra, a taXa de juros foi estabelecida em 5%.
orno vemos, Percy foi 0 p · • b
vai balh Cimeiro ª es oçar as linhas gerais da reoria do
or-cra o e, com base nela o . .
di ' • prune1r0 a tentar explicar as relações quanóraci·
vas entre rerentes fenômenos: entre ºda '
· ª quano ae de um produto e a quantidade

Ver o capíruJo anterior.


A EVOLUÇÃO º" TE.ORIA DO V"LOR
105

· e renda natural·,
ual ele seria trocado; entre remunerações naturais
de prata pelad q ral e renda monetária; entre renda monetária e preço da terra; e
entre ren a natu dº d
entre preço da terra e raxa dei· uros. Todavia, juncamente com esses ru imentos~ e
uma compreensáo COrrera da relação entre valor e trabalho, encontramos
, . • comba/hre-
• · n try um conceito diferente de valor, cuja fonte e ambu1da a tra o
quenaa cm ~• • b ~ "O
n '"'expressou
e naturerA. re ....J brilhantemente essa ideia em sua ceie • re rase:
• ,. 10

trabalho é o pai e o princípio ativo da riqueza, assim como a terra e ~ua mac ·.
É e1aro que e1e se .... r 4 , aqui , à riqueza material ou valores dt uso, cuia produçao
-'ere
requer, de fa to, a U nião ativa entre as forças da natureza e a atividade humana.
n ré uma vez que 0 valor de um produto (que ele não diferencia do produto
,-o m, d . d
cm s~mesmo) é criado pelo trabalho e pela terra, a determinação .ª magmtu e
desse valor necessita que, primeiramente, seja encontrada uma medida geral pela
qual a ação das forças da natureza e a atividade laboriosa do homem possam ser
comparadas. E assim surge o prob!ema de uma "medida de valor", que se funda-
menta, por sua vez, no problema da "paridade entre terra e trabalho".

todas as coisas deveriam ser valoradas por duas denominações naturais: terra e
uabalho; assim, podemos dizer que um navio ou uma peça de roupa valem uma
cena medida de terra e uma medida de trabalho; se é verdade que tanto navios
quanto roupas são o produto da terra e do trabalho dos homens sobre a terra,
então podemos estabelecer uma paridade natural entre terra e trabalho que nos
permita exptcSSar o valor de cada um deles do mesmo modo ou melhor do que o
dos dois juntos e converrê-los um no outro com tanta facilidade e precisão como
convertem.os ptnce cm libras. 11

Como, então, podemos resolver essa "mais importante consideração da


economia política"? Como podemos estabelecer urna "paridade e uma equação
entre terta e trabalho"? 12 Tanto terra como trabalho participam no processo de
criação de valores de uso; examinemos a proporção cm que cada um deles roma
parte nesse processo, Suponha-se que um bezerro é colocado para pastar cm dois
acres de terra não cultivada, e que o peso que ele ganha no curso de um ano repre-
senta a quantidade de carne suficiente para alimentar um homem por cinquenra
dias. É 6bvio que, não havendo nenhuma assistência de trabalho humano, a terra
produziu cinqucnra "dias de comida"; a sorna dessas rações diárias compreendem
SEU DIC\.INIO
106

.. ai d rção particular de cerra. Ora, se um homem cultivar essa


ª "renda' anu essa p~ d0 d um ano, produzir um número maior de r:a.-F..--
mcsma cerra e, no peno e . . . . --,.vQ
diárias de alimenros, o excedente em relação às cmqucnta rações or1g1n3.1.s consti-
tuir:i sua "remuneração'"; desse modo, as porções de cer~ (renda)~ ~e trabalho (rc..
muneração) são ambas expressas em 11ma e mesma unidade, em d1~s ~e comida...
,_. "[ , os dias de comida de um homem adulto, em média, e não os
#

.n.»IM1 oo•J 5a0 d vaJ í 1 Ra


dias de uabalho que constiruem a medida com.um o or \,···J záo pela qual
calculei 0 valor de uma cabana irúrndes11 segundo o número de dias de comida
que 0 uabalhador gasrou ao conmuí-la". u Em outras palavras, seu valor é detcr-
m.in~do pela soma das remunerações pagas ao construtor.
Ponanro, vemos que há uma clara disparidade e concradiç:io entre esses
dois conscrutos de Percy. Antes, ele &lava de valor de troca; agora, ele trata do
MÍor de uso. Antes, era o uabalho que ele considerava como a fome do valor;
agora, é 0 trabalho e a rcrra. Anres, ele deduzia o valor da terra (ou, para ser mais
c:xato, o preço da rerra) do tra/Jnlho; agora, ele procura "uma p.a.ridade entre terra
e trabalho"'. Anrcs1 ele adotava como medida de valor /1 qua.ntidade de uabalho;
agora, a medida que ele adora é o "valor do uabalho", isto é, as remuneraçúrs.
Anres, Peny determinava a magnitude da renda da terra deduzindo o meio dt
co11sumo Jo fTd!J11/haJor (isto é1 as remunerações) do produto total; agora, ele
enconrra as remunerações deduzindo a rmáa de seu produto. Se Peny pode ser
justificadamente reconhecido como o pai da teoria do valor-uabalho, ele também
pode ser reconhecido como o precursor daqueles erros e contradições na formu-
lação dem. teoria que o pensamento econômico levaria dois sécu!os para superar.
Numa variame ou noutra, esses erros fundamentais - a confusão enue valor de
/ rroca e valor de uso, a busca de wna equação enuc terra e trabalho e a confusão
entre a quantidade de trabalho e o "valor do trabalho"' - foram repetidos na li~
tcrarura posterior, incluindo a dos economiscas ingleses cujos escritos preenche~
ram o período de quase cem anos que separam as obras de Pctty e Adam Smith.
Traremos brevemente, agora, de Locke, Cantillon e James Steuart.
Para Lockt, a fonte do valor é o trabalho, entendido, no encanto, coino
riq_u~ material ou IHllor Ú uso. "A natul"C'la e a terra fornecem apenas os ma..
tenaJs mais desprovidos de ~or em si mesmos", 1.f. isto é, sem a interferência do
º
uabalho humano. Que imenso é contraste entre essas obras da natureza e
aqueles produ'.º' modificados pelo trabalho humano! O uabalho é a fonte do
poderoso crcsc1mcnco da riqueza das nações modernas.
Penso que seria uma avaliaçilO muico modesta di7.er que, dos produtos úteis para
a vid;\ do homem, nove décimo~ s;i.O efeitos do trabalho. r...! Pois se o pão vale
mais do que os cercais, o vinho mais do que a água e roupas e seda mais do que
a.~ folha.c,, pele:.~ ou musgo, isso se dc.'VC intcir.1mcntc ao (r.tbalho e à indfutria. 1,

O cr.a.balho é a fonte primária do 1111/or de uso de uma mercadoria; como


vimos, no entJ.nco, seu valor de troctl é, na visão de Lockc, determinado pela lei
da oferta e da demanda.
Com Cn11til11m• (que morreu cm 1734) cnconcramos novamente uma
confusão encre valor de troca e valor de uso, assim como uma nova tentativa de
deduzir o valor a partir de cerra e crabalho. "A cerra é a fonte da matéria da qual
toda riqueza é produzida. O trabalho do homem é a forma que a produz: e a
rique-ta cm si mesma não é nada mais do que a manucençáo, as conveniências e
as superRuidades da vida." 16 Uma vez que uma coisa é criada por cerra e trabalho,
..o preço ou valor imrinsc.-co de uma coisa é a medida da quantidade de terra e
crabalho que entra em sua produção". 17 Cantil!on foi claramente influenciado por
Peuy, e, sem se deter na simples determinação do valor pela terra e pdo trabalho,
ele tenta enconcrar uma equação entre esses dois elementos. Mas ele tampouco
se S.'ltisfez com a solução de Peny, que, como vimos, num momento reduz "o
valor da cerra" ao trabalho e no outro designa a subsistência diária do homem (a
ração alimentar) como o denominador comum entre "o valor da terra" (renda)
e "o valor do trabalho" (salários). Cantlllon, como um precursor dos fisiocracas,
confere a superioridade à terra e procura reduzir o valor do trabalho ao valor
daquele pedaço de terra que seria suficiente para alimentar o trabalhador e sua
família. Assim, ·o valor intrínseco de uma coisa pode ser medido pela quantidade
de terra usada em sua produção e pela quantidade de trabalho nela empregada;
em outras palavras, pela quantidade de cerra cuja produção é distribuída àqueles

"ª'""
Seu F.ss(li JtlT la d11 eommtrtt t1I gin/Ta/ foi publicado postumamente: cm 1n5.
[A edição francesa da obra de Ca.ntillon foi publicada sob o nome de R,;c:hnrd Cantillon
e: reimpressa cm Am.~terdã cm 1756 (sendo CSSôl a edição que M.1.rx cit::i. no volume 1
de O et1pilaf). Uma ediçào inglcs::i., publicada como 1ht ana/yJis oftradt, tommeret, tll.
bJ Philip Cantillon, latt oftln â17 ofLonáon, merehnnt, foi publicada cm 1759. Embora
a edição fi:anccsa afirme ser uma trodução do inglês original, Marx a.firma. que, tanto a
dac.. da edição ing1esn como o f.uo de: que ela continha revisões substanciais em relação
à edição francesa, tornava isso impossível. Ver Capit11/, v. l, p. 697. -N. doT.1.1.
Partindo das ideias errôneas de Peny, Cantil!on se afasta
• 18
que nela i:rabalharam · - correra da ccona . do vai or-trabalho. Ma.is
· a.tn~-
.
ainda mais de uma form ulaçao , . """"'•
•• vai da terrà' ao trabalho, ele acaba, ao contrario, escabcie-
visando reduzir o or .
·gua1d d tce trabalho humano e uma decermmada porção de terra.
cendo uma i a een . ,
Por fim, uacemos de James Steuarr. * em CUJa obra tambem encontramos
essa mesma confusão entce valor de rroca e valor de uso. No interior de UJll
produto concreto do trabalho (isio é, de um valor de uso), Steuar< estabelece a
difecença entce 0 ,,,bstrato material, que é dado pela natureza, e a modificação
nele operada pelo trabalho bumaw. Embora possa parecer estranho, ele chama
0 material natural. a pardr do qual o produto~ criado, de seu •valor inrrinseco".
o "valor intrínseco" de um vaso de prata é a matéria-prima (a prata) a partir da
qual ele foi fabricado. Sua modificação por obra do trabalhador que fez o vaso
constitui seu "valor útil".

Aqui, duas coisas merecem nossa atenção. Primeiro, a simples substância, ou o


produco da nacureza; segundo, a modificação ~"obrazovanie - transformação,
r.RJ, ou a obra do homem. A primeira eu chamarei de" VIZÚJr intrlnseco, a segunda
de valor útil[..•]. O valor da segunda tem de ser esâmado de acordo com o
ttabalho que foi necessário para sua produção. 19

O que Steuar< tem em mente, portanto, é o trabalho útil roncmo que cria
valor de uso e dá "forma a uma substância, tornando-a, assim, útil, ornamental
1 ou, em suma, adequada ao homem, mediata ou imcdiacamencc".20
/ Foi, portanto, durante a era mercantilista que surgiram, de modo embrio-
nário, as principais te0rias do valor que desempenhariam um papel importante na
subsequente história do pensamento econômico: a teoria da oferta e da demanda,
a teoria da utilidade mbfetiva, a teoria dos custo' de produ;ão e a teoria do valor-
-trabalho. Seria apenas com a escola austríaca que a teoria da utilidade subjeriva
seria aplicada na ciência econômica com algum sucesso. Dentre as outras, foi a
teoria do valor-trabalho que exerceu o maior impacto sobre a evolução ulterior
do pensamento econômico. Nas mãos de Petty e seus seguidores, essa teoria foi
submetida ª uma série de contradições evidentes, sendo deslocada por Loclce

Ver 0 começo do presente capítulo. ~brc sua teorfa do dinheiro, ver o fim do capírulo 8.
1' EVOl.UÇÃO D1' TEOFl.11' 00 VAl.OA 109

para o mesmo plano da teoria da oferta e da demanda; e por Steuarc, para o


âmbito da teoria dos custos de produção. A 'teoria do valor-trabalho deve seu
futuro progresso à escola clássica e ao socialismo ciencífico. Os herdeiros de Peuy
foram Smith, Ricardo. Rodhertus e Marx.

Notas
1. John Locke, Some co,uideratiom of the consequences o/ the lowering of interest. and
rttúing the vaf"e ofmoney (1691), publicado como um Essay on interest and 1111'1.e o/
money, Londres: Alex. Murray & Son, 1870, p. 245.
z. Sir James Stcuart, An inquiry into the principies ofpolitica/ economy (edição abreviada
em dois volumes, editada por Andrew S. Skinner, publicada pela Scottish Economic
Sociecy, Edimburgo: Oliver & Boyd, 1966), v. 1, p. 159; grifos de Rubin.
3. lbid., v. l, p. 160-161; grifos de Rubin.
4. lbid., v. l, p. 161.
5. Petcy, A treacise of taxes and contribucions, in: Hull, Economic writings, p. 50-51.
6. lbid., p. 90.
7. Percy, A treacise oftaxes and cootributions, in: Hull, Economic writing.r, p. 43.
8. A saber; isto é (N. do T.B.).
9. Pcccy, A creatise of taxes and contributions, in: Hull, Economic writings, p. 43.
I O. lbid., p. 68.
l I. lbid., p. 44-45.
12. Pecry, The political anatomy oflreland, in: Hull, &onomic writing.r, p. 181; grifos de
Pecry.
13. lbid., p. 181-182. Por "dia de comidà Petty entende a comida necessária para
um dia de subsist~ncia. As palavras ''numa média" não foram incluídas na citação
dessa passagem por Rubin, mas foram aqui reinseridas por sua importância para o
argumento de Petcy e como evidência do genuíno insight de Petcy sobre a questão do
trab:i.lho socialmente necessário. Na passagem imediatamente precedente ao crecho
citado por Rubin, de diz: .. Que alguns homens comem mais do que outros é algo
irrelevante, um.ava. que por dia de comida entendemos 1/1.000 parte daquilo que
cem homens de todos tipos e tamanhos comerão a fim de viver, crabalhar e procriar.
E campouco importa que um dia de comida num lugar possa requerer mais trabal.lio
para ser produzido do que noutro lugar, pois consideramos a comida mais barata
possível dos respectivos países do mundo".
14. Loo:ke. Tr,;omati.«1ofrivi/goum1111ent, Londres:]. M. Dent & Sons, 1962
:e&. or:is.: John Locke. Dois uarados sobre o governo, São Paulo: Marcin; ~ l3g
!99S:. "'"-

15. Ibid., p. 136. 137.


16. R.i,ha.rd Cancillon1 E.ssai Jttr la 1111ture du commerce en général, Londres: M .
& Co., 1931, p. 3 ;ed. bras.: Richard Cantil!on, EnsJtio sobre a natureza d,, acnullon
""geral, Curitiba: Segesta, 2002]. com;,,;,
17. lbid .. p. 29.
IS. lbid., p. 41.
19. Stcuan:, Principies (edição de Skinner), v. !, p. 312; grifos de Steuan.
20. lbid.

J
Capitulo8
A EVOLUÇÃO DA TEORIA DA MOEDA
DavidHume

No interior da herança teórica do período mercantilista, também encon-


tramos, ao lado de rudimentos de uma teoria do valor-trabalho, tentativas de de-
senvolver uma teoria da moeda. Além das questões acerca da balança comercial,
foi o probkma da moeda que mais atraiu e gerou extensa literatura. Esse foi o
caso especialmente nas cidades italianas, onde havia uma burguesia desenvolvida
e a circulação monetária escava em estado de confusão constante. Enquanto na
Inglaterra um grande vo!ume de escritos foi publicado com o título de Discurso
sobre o comércio, na Itália o tÍtulo tradicional era Discurso sobre a moeda. Todas
essas obras focavam questões de política econômica: proibições da exportação de
moeda, depreciação da moeda e coisas do gênero. A depreciação incessante da
moeda pelos governantes provocava debates furiosos. Aqueles que defendiam o
poder dos reis e príncipes apoiavam seu direito a reduzir o com:eúdo metálico
das moedas, argumentando que o seu valor é determinado não pela quantidade
de metal que ela contém, mas pelo édito estatal. "Dinheiro é valor criado por lei",
escreveu Nicholas Barbon,* partidário da teoria "legalista" ou estatal da moeda.
Defensores da burguesia comercial, que sofriam com as flutuações no valor da
moeda, tcivindicavam a sua cunhagem de peso padronizado. Esses precursores
da teoria "metálica,, do dinheiro argumentavam que o constante declínio no
conteúdo metálico da cunhagem levava incvicavelmente à queda de seu va!or.
Finalmente, havia escritores que propunham uma solução de compromisso, mais
claramente expressa pelo célebre John Law no começo do século XVIII. De acordo

Sobre Barbon, ver o capítulo anterior.


112 o MeRCANTJLISMO I!! seu oecLINIO

com a doutrina de Law, o valor das moedas é composto de duas parres: a primeira
é seu "valor real".' determinado pelo valor do metal que ela contém; além disso,
no encanto, ela rambém possui um "valor adicional", que provém do uso do mera!
em questão como espécie e da demanda adicional por esse mera! produzida pela
manufarura de moedas.
Coino seus objeàvos eram práticos, os argumentos e discussões nos escritos
mercantilistas sobre a moeda são fortuitos e desconexos. Apenas em meados do
século XVIII, quando a literatura mercanrilista estava em seus dias de declínio,
podemos encontrar duas teorias que exerceriam um papel importante nos escritos
ulteriores sobre o dinheiro até nossos dias: a conhecida "teoria quantitativa da
moeda", de David Hume, e a reoria oposta a ela, elaborada por James Steuart.
David Hume (1711-1776) foi ao mesmo tempo um célebre filósofo e
um economista notável. Ensaios, publicado em 1753, desferiu, com sua crítica
engenhosa e brilhante, o último golpe nas ideias mercanrilisras. Como Hume
era, em geral, um claro defensor do livre-comércio, ele não pode, é claro, ser
considerado um mercantilista no sentido exato do termo. Na história do pen-
samento econômico, Hume ocupa normalmente um lugar entre os fisiocratas
e Adam Smith, de quem foi tanto um predecessor direto quanto um amigo
baseante próximo. No entanto, a fim de dar uma maior clareza à nossa apresen-
tação, pensamos que nos seria permitido tratar das obras de Hume na presente
seção, que cobre não apenas a era em que as ideias mercanriliscas viveram seu
apogeu, mas também o período de seu declínio.
As questões em corno das quais as ideias de Hume estão centradas são
as mesma,s que foram constantemente debatidas nos escritos mercantilistas, a
saber, o equilíbrio comercia~ a taxa de juros e a moeda. Em sua discussão das duas
primeiras dessas questões, o poder de Hume está não tanto em sua originalidade
quanco no desenvolvimento brilhante e na formulação decisiva que ele deu a
ideias que já haviam sido expressas antes dele, particularmente por North. Se, no
final do século XVII, a voz de Norrh permanecera isolada, Hume, com sua crítica
do mercantilismo, expressou em meados do século XVIII 0 pensamento geral de
sua época.
A crítica contundente de Hume à ideia de um equilíbrio comercial deriva
de sua concepção geral de comércio. Para os mercantilistas, o objetivo do comércio
exterior era trazer vantagens à nação comerciante a expensas de outras; para
Hume, no entanto, o comércio exterior consiste de uma troca mútua de produtos
A CVOLUÇÃO OA TEORIA OA MOEDA 113

materiais que as diferentes nações produziram em virtude da diversidade de seus


"gênios, climas e solos". Daí se segue, portanto, que uma nação s6 pode vender
seu excedente para outra nação se esta última também possui uma produção
excedente para oferecer em troca. "Se nossos vizinhos não têm nenhuma arte
ou cultivo, eles não podem adquirir (nossas mercadorias], porque não têm
nada para dar em troca." 2 Assim, "um aumento das riquezas e do comércio em
qualquer nação, em vez de prejudicar, normalmente incrementa a riqueza e o
comércio de todos os seus viz.inhos". 3 Toda nação tem interesse num maior de-
senvolvimento do comércio internacional e na remoção daquele "sem-número
de barreiras, obstruções e impostos que todas as nações da Europa, e mais do
que todas a Inglaterra, puseram sobre o comércio a partir de um desejo exorbi-
tante de acumular moeda (...] ou movidas por um medo infundado de perder
sua moeda".4 No comércio, os metais preciosos serão distribuídos entre os países
individuais proporcionalmente ao seu "comércio, indústria e população".' Se a
quantidade de dinheiro vivo de uma nação exceder seu nível normal, de afluirá
para fora do país; na siruação inversa, haverá um influxo. Medidas compulsórias
para aumentar a quantidade de dinheiro num país são desnecessárias.
Os mercantilistas sustentavam que um aumento na quantidade de moeda
abaixa a taXa de juros de um país e, com isso, estimula o comércio. O ensaio de
Hume "Sobre o juro" é dedicado à refutação dessas ideias. A taJ<a de juros depende
não de uma abundãncia de metais preciosos, mas dos três fàtores seguintes: o
volume da demanda por cridito, a quantidade de capitais que estão livres c pro-
curando investimento e o tamanho dos lucros comerciais. "O estoque maior ou
menor de trabalho e mercadorias [isto é, capital - I.R.] exerce uma grande in-
lluência, uma vez que, quando captamos dinheiro a juros, é uma parte desse
estoque que tomamos emprestado." O juro cai não graças a uma "grande abun-
dância de metais preciosos", mas a um aumento no número dos credores que têm
"propriedade ou comando" sobre da. Com o crescimento do comércio, capitais
livres são acumulados e o número de credores cresce, ao mesmo tempo que há
um declínio do lucro comercial. Ambos os fàtores provocam uma queda na taxa
de juros. Como o mesmo crescimento do comércio que "abaixa os juros geral-
mente provoca uma grande abundãncia de metais preciosos", as pessoas atribuem
erradamente a estes a causa do declínio da taXa de juros. O fàto, no entanto, é
que ambos os fenômenos - a abundãncia de moeda e a baixa raxa de juros - são
condicionados por um único fator: a expansão do comércio e da indústria. 6 Sobre
[ sEV oECLfNIO

114 º "'c""c .... "L'.:;;"'º l ·&e"as esboçadas por Nort:h; seu avanÇo
. Hume desenvo ve I i d.' h .
a qudtáV dos Juros. ' diferencia capital de m e1ro e em sua ideia
. . • ·a com que eie H
consiste na ins1scc:nci d d da taxa de lucros. ume tem em vista
a de juros epen e
corrm de que a rax . d l . de crédito do que o dos mercantilistas·
. i de.senvolV'1do e re açao . .
um s1scema ma 5 b crédito ao consumidor, ao qual recorriam.
f;al frequenremence so re o
esces avaro .. Hume no entanto, tem em mente o crédito
~s ialmence os ariscocrac35 rurais, ,
pec . d mercadores e manufacuradores.
prod'ucivo desuna o aos • . d H , .
A pane mais original da dourrina econom1ca e ur:1e ~ sua teona quan-
titati11a da moeda, cambém intimamente vinculada a sua polem1ca contra os mer-
cancilisras, Gue viam a crescente quantidade de dinheiro vivo como um poderoso
estímulo à expansão do comércio e da indúsrria. O objecivo expresso de Hume
era mostrar que mesmo um descacado aumenco no volume total de moeda não
aumencaria de modo algum a riqueza de uma nação, mas geraria apenas um
aumento correspondente e universal dos preços nominais das mercadorias. Desse
modo, a polêmica de Hume com os mercantilistas levou-o a uma teoria "quami-
'\ tativa" da moeda, de acordo com a qual o vakr (ou poder de compra) do dinheiro
é determinado pela quantidade total desce último.

I nação
Suponha-se, diz Hurne, que a quantidade de moeda no interior de uma
~ja muJtiplicada por dois. Isso signjfica um aumento de sua riqueza? De
forma alguma, uma vez que são os produtos e o trabalho que constituem a riqueza
de uma nação. "O dinheiro não é senão a representação do trabalho e das mer-
caéorias e serve apenas como um método para taxá-los e estimá-los."7 Ele é uma
unidade condicional de contabilidade, um "instrumenro que os homens conven-
cionaram para facilitar a troca de uma mercadoria por outra" e, como tal, não tem
nenhum valor em si mesmo.• Seguindo Locke, e afirmando que o dinheiro tem
"fundamenra!menre um valor fictício)) ,9 Hume assenta-se firmemenre no terreno
de wna teoria nominalista da moeda e cm oposição à doucrina mercantilista d.e
queª moe~ em si mesma (isco é, ouro e prata) possui verdadeiro valor.
Obv1ameme, uma vez q 'dad
ue ªum e monecária se torna apenas um repre-
sentante de um determinado n, .
dad tal d umero de mercadorias, todo aumento na quanu-
e to e moeda (ou dimi•uiçã d li ,
que cada un1'dade da moeda do " 0 a massa geral de mercadorias) signi cara
,
um ,. . pais represema menos mercadorias. "Parece ser
a ma.."<ima aucoev1deme a d
proporção encre d . e que os preços de todas as coisas dependem da
merca or1as e dinh .
noucro desS<.< fato eJro, e que toda alteração considerável num ou
res tem o mesmo ef; .
eu:o, aumentando ou diminujndo o preço.
A EVOLUÇÃO OA TEOAIA OA r.tOliOA 115

Se aumentam as m ercadorias' elas se tornam mais baratas; se aumenta o dinheiro,


d
elas aumentam seu valor" •10 e vice-versa. Um aumento na quantidade ded moe . a- 1

. ' • 0 resultado é aumentar universalmente os preços das merca orias - e


CUJO un1c . d ' ·
. az de trazer 0 mínimo beneficio para o país; do ponro d.e vista o comerao
mcap . nal
internac10 , 1 ·sso pode até mesmo se mostrar prejudicial, pois quando as mer-
d
· se tornam mais caras, a nação se torna menos competitiva
cador1as . no merca o
mundial. Se 0 comércio exterior não é levado em conta, o efeito do aumento
da quantidade de moeda não é bom nem mal; do mesmo modo _com.o,_ para o
mercad or, e, 1"ndifercnre se ele preenche seus livros com numerais arab1cos
, ou
romanos, estes apenas exigindo mais símbolos para o registro do mesmo numero.

Porque o dinheiro tem principalmente um valor fictício, a maior ou menor quan-


tidade dele é algo indiferente se consider.unos uma nação cm si mesma; e uma vez
fixada a quantidade de dinheiro, o fato de ela ser grande tem apenas o efeito de
obrigar cada um a desembolsar um número maior daqueles pedaços cintilantes de
metal em troca de roupas, m6veis ou ucensílios. 11

O precursor de Hume no desenvolvimento da teoria quantitativa foi o ·f·


célebre escritor francês Montesquieu (1689-1755). autor de De l'esprit des ilJis.*
Montesquieu propôs uma relação puramente mecânica entre a quantidade de
moeda de um país e seu nível de preços das mercadorias: dobre-se a quantidade
de dinheiro, por exemplo, e o resultado será uma duplicação nos preços. A tarefa
que Hume se propõe é traçar o processo eco.,ômico pelo qual mudanças na quan-
tidade de moeda exercem seu efeito sobre os preços das mercadorias. Assim ele
descreve o processo:

Considere-se um grupo de manufaturadorcs ou mercadores que tenha recebido


ouro e prata em troca de mercadorias enviadas a Ctídiz. •* Eles se tornam, com isso.

Uma versão embrionária da teoria quantitativa da moeda pode ser encontrada. já no


século XVI, nas obras do francês Bodin e do italiano Dauanzati. Bodin foi o primeiro
a afirmar que a queda no valor do dinheiro devia ser auibui'da não simplesmente à de-
preciação da moeda. mas também ao influxo de grandes massas de ouro e prata vindos
da América. [J. Bodin, Discours sur /e rthausstmerlt et diminution des monnoyes, Paris
~-~ .
Isto é, à Espanha, que se apossou das ricas minas de prata e OW'O da América.
se:u OIECLINIO
116 O MERCAlll1"11.ISM0 I!

., rrabalhadores do que antes, os quais jamais sonha~­


capazes de empregar m.:u --..
em cdvindicar salários ma.is aJros e se satisfazem com trabalhar para tão bons
empregadores. Se 0 número de uabalhadores se torna escasso, o manufaturador
paga salários mais altos, porém passa a exigir um aumento de trabalho; e a i&so
~ submete voluncariamcnte o artesão, que pode, agora, comer e beber melhor
para compensar sua Jabuca e fadiga a<licionais. Ele leva seu dinheiro ao mercado,
onde encontra rudo pelo mesmo preço que antes, mas retorna com uma quanti~
dadc maior e de melhor qualidade para o consumo de sua família. O fazendeiro
e 0 jar<fineiro, avaliando que todas as suas mercadorias estão sendo consurnidas,
aplicam-se yjvameme no aumento do cultivo e, ao mesmo tempo, podem obrer
mais e melhores roupas de seus comerciantes, cujos preços são os mesmos de antes
e cujas indústrias são incrementadas por rodo esse novo ganho. É simples traçar 0
caminho do dinheiro em seu progresso ao longo do país; e, nesse processo, vemos
que, an1es que ele provoque um aumento do preço do trabalho, ele aumenta,
primeiro, a diligência de cada individuo. 12

Assim, se um grupo de comerciantes toma posse de uma grande soma de


dinheiro, isso aumentará sua demanda por mercadorias específicas e causará um
aumento gradual de seus preços. Os negociantes desse último grupo de mercado-
rias manifestarão, por sua vez, uma maior demanda por outras mercadorias, cujo
preço aumentará eventualmente. Desse modo, a demanda maior que é estimulada
por um crescimento na quantidade de dinheiro se estenderá de um grupo de merca-
dorias a outro e conduzirá gradualmente a um aumento geral no nível dos preços, ou
a uma queda no valor de uma unidade de dinheiro. "Primeiramente, nenhuma
alteração é percebida; o preço sobe gradualmente, primeiro o de uma mercadoria,
depois o de outra, até que o todo atinge uma proporção justa com a nova quanti-
dade de moeda que se encontra no país."13
Ao tentar descrever a influência que uma quantidade crescente de dinheiro
e de wn aumento da demanda exercem sobre a motivação e 0 comportamento
dos produtores (por um lado, encorajando-os a expandir a produção; por outro,
aumentando sua demanda por outras mercadorias), Hume livrou a ceoria quan-
titativa da moeda da forma ingenuamente mecânica com que ela fora formulada
por Montesquieu e abriu o caminho para novas, psicológicas variantes da teoria.
Ao faz.é-lo, Hume introduziu uma maior qualificação nessa teoria: 0 aumento nos
preços das mercadorias que se segue a um crescimento na quantidade de dinheiro
A l!VOLUÇAO DA Tl!.OfllA DA "'OIEO ... 117

não é um fenômeno rápido, mas se estende por períodos extremamente longos;t


afetando diferences mercadorias em diferences pontos do tempo. Hume impõe
uma outra limitação a sua teoria:

Os preços não dependem tanto da quantidade absoluta de mercadorias e de moeda


no interior de uma nação quamo da quantidade de mercadorias que chegam ou
podem chegar ao mercado, e do dinheiro que circula. Se a moeda for uancada
em baús, o efeito em relação aos preços será o mesmo que se ceria se ela fosse
destruída; se as mercadorfas forem acumuladas nos depósitos e silos, o mesmo
efeito se produzirá. Com~ nesses casos, o dinheiro e as mercadorias nunca se
encontram, eles não podem afetar um ao oucro. 14

A teoria monetária de Hume é uma reação ao conceito mercantilista de


moeda e uma generalização teórica do fenômeno dtJ au1Tll!nto geral dbs preços que
a Europa vivenciou durante a "revolução nos preços" dos séculos XVI e XVII
(quando houve um maciço inHuxo de prata e ouro da América). No entanto,
Hume deixou de considerar uma circunstância crucial: ao lado do enorme
aumento na quantidade de metais preciosos na Europa, houve, também, uma
forte queda cm seu valor, com a abertura das ricas minas americanas e a intro-
dução de grandes avanços técnicos na extração e processamento (a descoberta,
em meados do século XVI, do processo de amalgamação da prata com mercúrio
abaixou consideravelmente os custos de produção). A queda no valor dos metais
preciosos e o simultâneo e rápido crescimento da economia monetária e da quan-
tidade de mercadorias lançadas no mercado demandavam uma massa maior de
moeda do que antes - demanda que seria suprida pelo influxo da prata e do
ouro americanos. A "revolução nos preços" dos séculos XVI e XVII não podia,
porcanco, ser explicada simplesmente como o produro de um aumento na quan-
tidade de moeda: o fato de que os preços das mercadorias estavam aumentando
refletia uma queda no valor dos metais preciosos. A concepção nominalista do
dinheiro como uma simples convenção, sem nenhum valor em si, mas, antes,
com um valor "fictício" que nasce e se altera a partir das fluruações na quantidade
de dinheiro mostrou-se profundamente equivocada quando aplicada à moeda
metálica.
Sem nos demorarmos nas outras inadequações da teoria quantitaciva (que
ela ignora a velocidade da vazão de moeda, o papel do crédito monetário, ecc.),
118 o Me:itCANTILISr.tO .. seu gecLINIO

devemos notar que 0 próprio Hume realizou correções na teoria que abriam
caminho para sua supera.çã.o. Pois é Hume, como vemos, quem reconhece que,
quando a quantidade de moeda num pais dobra de 1 milhão para 2 milhões de
rublos, 0 mifüão adicional poderia ser acumulado em "balis" como reserva; nesse
caso, "a quantidade de moeda em circulação" permanecerá a mesma de antes_ 1
milhão de rublos-, e nenhum aumenro no preço das mercadoria.< será provocado.
A duplicação do volume de moeda de uma nação não gera nenhuma onda de
aumento de preços, desde que parce dessa massa de dinheiro seja colocada fora
de circulação. Mas se isso é assim, surge a questão: o que determina a quantidade
de dinheiro que entra em cim1laçáo? Obviamente, é a demanda da circulação de
mercadorias, c;ue, por sua vez, depende da massa de mercadorias e de seus preços
(estes dependendo do valor das mercadorias e do valor dos metais pr<-.::iosos que
funcionam como dinheiro). É impossível, portanto, afirmar que a quantidade
de dinheiro em circulação determina os preços das mercadorias; ao contrário, é a
demanda pela circulação de mercadorias - inc!uindo os preços das mercadorias_
que determina a quantidade de dinheiro em dmtlação.
Tal foi a posição defendida em meados do século XVIII por James Sttt<ort,
de quem já tratamos anteriormente.• Em quescões de po!itica econômica, Steuan
(cuja obra foi publicada em 1767) foi um porca-voz cardio das visões dos mercan-
tilistas e, nesse sentido, fica muito atrás de Hume na apreensão das necessidades
de sua própria época. No entanto, seu vínculo às ideias mercamiliscas o procegeu
do erro nominalista de ver a moeda como um simp!es símbolo. Em sua objeção à
teoria quantitativa da moeda, Sceuarc argumenta que o nível dos preços das merca-
dorias depende de outras causas que não a quantidade de moeda no país. "O preço
padrão de roda coisa" é determinado pe!as "comp!exas operações de demanda e
concorrência" que "não guarda nenhuma proporção determinada com a quanti-
dade de ouro e praca no pais".' 5

Assim, mesmo que a moeda de um pais aumente ou diminua cm grandes propor·


ções. as mercadorias conrinuarão a aumentar ou cair de acordo com os princípios
da demanda e da concorrência; e esses princípios dependerão sempre das inclina·
çóes daqueles que tenham propriedade ou qualquer tipo de equivakntt a oferecer•
ma.< nunca da quantidade de moeda que eles possuam. 1•

Ver capfru!o 7.
A IEVOl,,UÇÃO OA Tl!.OfUA OA '-"OIEOA 119

É o volume da circulação de mercadorias e os preços descas que decermi-


nam o quanco de dinheiro é demandado na circulação. "A situação do comércio,
das manufaturas, dos mod.os de vida e os gastos habituais dos habitantes, quando
romados em conjunto, regulam e determinam aqui!o que podemos chamar de
demanda de dinheiro vivo ~ ... )."17

A circulação, em qualquer país, [... ) tem de se dar sempre em proporção à indústria


dt setts hubitrmtes, ti s11t1 proJ,,rãrJ de mercadorias que cheg11m ao merrado [...1. Se,
portanto, a moeda de um país cai abaixo da proporção daquilo que é produzido pela
indú:mia e ofi•rerido iJ umda ~ ... ],invenções tais como o dinheiro simbólico serão
introduzidas a fim de gerar uma equivalência. Mas se a moeda se eleva acima da
proporção da indústria, ela não provoca nenhum aumento nos preços e tampouco
entra em circulação: ela será, antes, acumulada no tesouro [... ]. Qualquer que
seja a quantidade de dinheiro numa nação, em correspondência com o restante
do mundo, jamais pode permanecer nn circ1,/11ção mais do que a quantidade pro·
porcional ao consumo dos habitantes ricos e ao trabalho e indústria de [seus]
habitantes pobrcs. 18

Assim, Steuart nega que os preços das mercadorias dependam da quanti-


dade de moeda em circulação; ao contrário, é a quantidade de moeda em circu-
lação que é determinada pelas demandas tk cirro/,ação tk mercadorias, incluindo
o nível dos preços das mercadorias. Tomando-se a massa total de dinheiro no país,
uma parte entra em circulação; o que sobra para além do dinheiro que a circulação
de mercadorias requer é mantido fora desta última, seja para ser acumulado como
tesouro (reservas) ou como artigos de luxo. Se a circulação de mercadorias demanda
a expansão da moeda, uma parte dessas reservas é posta em circulação; na sicuação
oposta, o dinheiro é tirado de circulação. As ideias desenvolvidas por Steuart em
concraposição à teoria quantitativa foram ampliadas no século XIX por Tooke* e,

----:;;: principal obra de Tooke é Histo1] o/priw, aná o/the state o/tht cim1/ation, from 1839
to 1847 inclusi1JI!. rJhomasTookc, 1774-1858. Rubin refere-se à obra como A histo17 o/
prictt (1838-1857). Há uma edição anterior do tramdo de Tooke (Londres, 1838), com
o mesmo árulo, porém cobrindo o período de 1793 a 1837. Há, t~bém, "'.""edição
posterior, em coautoria com \Villiam Newmarch (1820-1822), A l11sto17 o/pnm, ando/
tftt state ofthe circulation dt1ring thc nine ytars J848-1856; seus dois volumes formam os
120

d te0rias _ a te0ria quantitativa de Hume, por lll!l


· d r Marx. Essas uas
maJS tar e, Po S or oucro - representam de modo brilhante as duas
lado e a doucrina de ceuart, p
' ,. . da circulação monetária que procuram obter a supre-
cendências bas1cas na ceoria
macia na ciência econômica acé os dias de hoje.

Notas
!. 0 termo usado por Rubin é "valor intrínseco" (vnutrrenyaya stoimost). O termo
próprio de Law é dado nesta passagem: "A praca era trocada em proporção ao valor
de uso que da possuía, consequentemente, em proporção a seu valor real. Ao ser
adocada como dinheiro, ela recebeu um valor adicional". John Law, Considirations
sur /, numérairt et /, commeru (1705). apud Mane em Capital, livro!, p. 185 [ed.
bras.: Karl Marx, O capitah crítica da economia política, livro I, tradução Rubens
Enderle, São Paulo: Boicempo, 2013].
2. David Hume, Of thc: jealousy of crade, in: David Hume, writinu on economia,
editado com uma introdução de Eugcnc Rotwein, Madison: lJniversicy of WISconsin
Press, 1970, p. 79 :cd. bras.: David Hume, Escn"tos sobrt economia, São Paulo: Abril
Cultural, 1983, coleção Os Economistas].
3. lbid.,p. 78.
4. Hume, Of c.~e balance of cradc, in: D11Vid Hume, writint,J on economia (edição e in-
crodução de Rocwein). p. 75. A reprodução dessa passagem por Rubin é um pouco
mais do que uma paráfrase; aqui cicamos o original.
5. lbid.• p. 76.
6. Humc, Of interest, in: David Hume, writinu on economia (edição e introdução de
Rotwein). p. 50-56.
7. Humc, Of money, in: David Hume, writint,J on economics (edição e incrodução de
Rorwein), p. 37.
8. lbid .• p.33.
9. Ofintetesr, in: David Hume, writinu on economics (edição e inuodução de Rorwein).
p.48.
1O. Of money, in: David Hume, writings on economia (edição e introdução de Rocwein).
p. 41-42.

· fto
volumes cinco e seis da His•ory '!!.çpnces
N· m 1792 <o the prtsent time (Londres. 1557)'
• ao_ enco~tram~ nenhuma referência à edição relativa aos anos cicados por Rubin· A
edoçao aqui mencionada foi publicada em Londres, cm 1~8 - "<.CD T.I.'
A evOLUÇAO DA TEORIA DA ""º"ºA 121

11 , Of interest, in: D1ZViá Hume, writings on economia (edição e inuoduçáo de Rocwein),


p.48.
l2. Of money. in: David Hume. writing.s on economia (edição e introdução de Rorwein).
p. 38.
13. lbid.
14. lbid., p. 42.
15. Rubin apresenta essa sentença como se a citasse diretamencc de Steuart. Na verdade,
ele a cita de Marx, em A contribution to tk critique ofpolitical economy (Londres:
Lawrence & Wishart, 1970), p. !66 [ed. bras.: Karl Marx, Contribuição à critica da
economia política, São Paulo: Expressão Popular, 2007], em que Marx parafraseia
Steuar< ao combinar elementos de trechos separados do capftulo 28 do livro II de
Principies (Skinner, p. 344 e p. 341-342, respectivamente): "Estabeleci isto como
um princípio. que são as comp~exas operações de demanda e concorrência que de-
terminam o preço-padrão de todas as coisas" (p. 344). "Disso eu concluo, ainda, que
apenas em países de indústria se pode determinar o padrão de preços de artigos de
primeira necessidade; e como nesses países muitas circunstâncias concorrem para
torná-los mais caros ou mais baratos do que cm outros lugares, segue-se que eles
não trazem em si mesmos nenhuma proporção determinada à quantidade d.e ouro e
praca no país" (p. 341-342).
16. Steuart, Principies (edição de Skinner), v. 2, p. 345; grifos de Steuart.
17. lbid., apud Marx, A contribution to the n-itique, p. 165-166.
18. Steuart, Principies (edição de Skinner), v. 2, p. 350; grifos de Stcuart.
?ar:e 2
OS FISIOCRATAS
Capítulo 9
A SITUAÇÃO ECONÔMICA NA FRANÇA
DE MEADOS DO SÉCULO XVIII'

Antes de abordarmos a história da escola fisiocrara, remos de esboçar, em


linhas gerais, a siruação da economia francesa em meados do século XVIII. A
escola fisiocrara atraiu a arenção de um amplo círculo da sociedade, sobretudo em
virrude de seu programa para a regeneração da agricultura e seus protesros contra
a política mercantilista. Para entender como essa escola emergiu, temos de nos
familiarizar com a condição da agricultura e as contingências que determinaram a
polírica mercanrilisra na França durante o século XVIII.
Desde a adminisrraçáo de Colbert (1661-1682), o célebre ministro de Luís
XIV, a França havia praticado uma consistenre política mercantilista. Colbert é
considerado o represenranre clássico do mercantilismo e, algumas vezes, chegou
a ser erroneamente tido como o fundador da política mercanrilisra (que, por
isso, ficou conhecida como "colbertismo"). Na realidade, Colberr apenas pôs em
prática, com uma congruência obstinada, uma política típica do período inicial
do capitalismo: a do uso do Estado para a implantação do comércio, dos trans-
portes e da indústria. Com isso, Colbert esperava, em primeiro lugar, tornar o
país mais rico e abastecer o tesouro estatal (que sofria com déficits consranres),
e, em segundo lugar, enfraquecer politicamente a aristocracia feudal. Para desen-
volver o comércio doméstico, Colbert queria eliminar os postos de alf'andega que
existiam entre as províncias e estacionar guardas ao longo das estradas e pontes
que pertenciam aos lordes feudais. Mas a oposição vinda dessas mesmas pro-
víncias e lordes objetou que Colbert podia formar sua união entre alfândegas
singulares apenas sobre uma parte do país; seria necessária a Grande Revolução
Francesa para concluir a obra da unificação de toda a França numa só união al-
fandegária. Para desenvolver o comércio exterior, Colbert tratou da construção
126

de navios, formou uma frota considerável, encorajou o comércio com a Índi


fundou coiônias na América. Ele colocou o comércio exterior no assim charn a e
sistema de ªequilfbrio comercial": a importação de bens industriais esrran ~
foi proibida ou diliculrada, ao passo que a exportação de manufaturas na:'"''
foi estimulada com o uso de bônus. Colberc não economizou recursos e cesas
· 1anrar novos ramos da m
esfcorços para imp ·d'ustr.ia lllse11s
· na França, especialnien
aqud~ vol~ados à exportação. Incentivo~ a criação de ofic~nas para a fabric~
d.e rec1do, Imho, seda, corda, tapetes, meias, espelhos e coisas do gênero, distf.
buiu subsídios, prêmios e empréstimos sem juros para seus produtores, a ue 1
livrou de obrigações tributárias enquanto garantia a muitos deles os direi~, :
monopólio sobre a manufatura. Para assegurar que a indústria teria mão de obra
e matérias-primas baratas, ele baniu a exportação de cereais e materiais primários,
o que prejudicou em muito a agricultura.
/
/ A indústria, assim implantada à custa do Escado, foi submccida por
Colbert ao mais escrito controle estatal. Como um meio para garantir que as mer-
cadorias francesas venceriam a concorrência estrangeira, o Estado exigia que das
fossem de alta qualidade. Havia inúmeras regulações e instruções para definir 05
mais meticulosos detalhes de cada manufatura: o comprimento e a largura dos
materiais, o número de fios numa urdidura, métodos de tingimento, etc. Durante
os primeiros anos da administração de Colberr, cerca de 150 regulações focam
criadas instituindo regras para a manufatura de bens tingidos e tecidos;· uma
dessas instruções, de 1671, continha não menos do que 317 artigos relacionados à
"decoração de fábricas de lá de todas as cores e aos elementos e produtos químicos
nela empregados". Inspetores especiais foram arregimentados para controlar o
cumprimento dessas regras; eles examinavam as mercadorias, ranco nas oficinas
como no mercado, interferiam cm cada detalhe da produção, promoviam buscas.
e assim por diante. Mercadorias que tivessem sido manufaturadas cm violação
dessas regras eram apreendidas e postas à disposição do público, junramcnte com
o nome do industrial ou do mercador em questão. Para os infratores, havia mulw
e confiscos. Essa rígida regulação da indústria introduzida por Colbert se tornou
ainda mais mesquinha e constrangedora sob seus sucessores.
:s'um primeiro momento, a polírica mercantilista de Colberr e daqueles
que o seguiram foi coroada com um brilhante sucesso; a França ocupou seu
lugar no copo das nações comerciais e industriais da Europa. Mas os sucessos
~ ' · como ficou ev1"denre 1m
eram rrage1S, · ediatamente após a morre de Colbert e,
A l!llTUAÇÃO CCONÕMICA NA 1'111 ... NÇA •• • 127

mais a.inda, em meados do século XVIII. A indústria francesa, é verdade, não


ánha rivais na produção de produtos de luxo para as necessidades da cone e da
aristocracia; muitos desses produtos chegaram a receber o título de "'mercado-
rias francesas". A corte de Versalhes eclipsava e ofuscava todas as outras cortes
da Europa, e Paris tornou-se uma referência reconhecida em moda e gosto. ~o
entanto, esses avanços externos apoiavam-se sobre uma base frágil. Num país em
ue a população era predominantemente formada por camponeses arruinados
:elas cxaçóes da nobreza e dos oficiais coletores de impostos, a indústria capita-
lista tinha pouco espaço para avançar. Em vez de garantir ao Estado uma fonte
de receitas, as novas "'manufaturas" exigiam seus privilégios e subsídios usuais,
absorvendo parte dos recursos do Estado. O número de oficinas cemraliudas se
tornou insignificante, sendo, em sua maioria, simples postos de distribuição que
delegavam tarefas para trabalhadores da indústria doméstica. Os sonhos da França
de ver sua indústria conquistar vastos mercados e colônias estrangeiros não se reali-
zantm. Sua batalha com a Inglaterra pela dominação do mercado mundial, em
meados do século XVIII, resultou na vitória da Inglaterra, quando esta tomou o
controle das colônias americanas da França e consolidou sua própria posição na
Índia. Na fabricação de tecido, que era o mais importante ramo da indústria, a
Inglaterra mancinha o primeiro lugar. As regulações mesquinhas da indústria, nas
quais Colberc havia depositado tantaS esperanças de melhoria da qualidade das
mercadorias manufaturadas, tornaram-se, na realidade, um obstáculo à introdu-
ção de melhorias técnicas, inibindo a diversificação da produção e impedindo
que os industriais pudessem se adaptar rapidamente às demandas do mercado.
Bacalan, intendente2 de manufaturas, afirmou que as regulações impunham res-
trições à aávidade empreendedora dos manufaturadorcs, ameaçavam a con-
corrência e barravam o caminho da inventividade. "A liberdade é preferível à
regulação", escreveu eie em 1761. "Ao menos, ela não causa nenhum mal, ao
passo que regulações são sempre perigosas, e muitaS delas absurdas." Em meados
do século XVIII, não apenas empreendedores, mas também funcionários estatais,
passaram a exigir cada vez mais e com maior persistência a abolição da regulaçiio
restritiva da indú.ltria que caraccerizava a política mercantilista.
Certamente, o mais forte golpe no crescimento da indústria capitalista
na França foi dado, não pela influência restritiva da p.olíáca mercantilista em
si mesma, mas pelo fato de que os autores dessa política a promoveram num
país de camponeses empobrecidos, ao mesmo tempo que pteservaram o sistema
128 0& •rs1QCR~T'A5
, Tivesse a frança uma agricultura dcs
narquia abso.uta. ' en\'ol.
scn.iorial e a mo . be'ecido um extenso mercado interno, especial
. dúscria p0der1arer esta • , ( •
,'ida, sua 1n grande população do pais no inicio do sécu1
do se leVa em conta a . o
mente quan de aproximadamente 18 m1lhões, enquan
XVIII •ª população francesa País era .
de Gales não chegava a cmco ou seis milh • )
to a
ulaç:io na Inglaterra e no ~.
\P _....
~o enranto, • arnwu
.la e dizimada agricultura da França se mostrou como urna
• . ,__ creita ~"ª 0 crescimento da .md,usma . cap1t. aiº1sta. OpoL
base dcmasmwuentt es ,.-- ..,
J, compra de 11m campuindtO semifamllico, f~~do. a entregar a melhor parte de
. • obreza e ao Esrado, era ms1gmlicance. Sem os recursos.,,,~
sua parca colheu:a a n . • . • r-•
. . .
adqwrir arugos 1ºnduscrializados' o catnpesmato reduzira suas e.x1gencias vitais a
•.
um miniroo. De acordo com Young, que vmtou a França antes da Revolução, 0
c:ampcsinaco náo calçava sapatos nem meias e, às vezes, andava até mesmo sem
ta111ancos.3 Na Bretanha, os camponeses vestiam-se dos pés à cabeça com a mesma
cscopa usada na conkcçáo de sacos. Tudo isso condenava ao fracasso a política
merantilisia de Colberc de construir uma brilhante indústria manufaturcir.i
sobre as costas de um campcsinato mal vestido e descalço. Na França do século /
XVIII, tornou-se cada vez mais disseminada a convicção de que a condição fun-
damencal para o crescimento durável de uma economia capiralisea era o avanço
da agriculrora e a abolição dos rcsquídos medievais no campo.
A realidade da siruaçáo era que a agriculturrt, na França do século XVII!,
csiava em profundo declínio e extrema dcvaseaçáo. É verdade que, com raras
exceções, a scrvidáo já havia sido suprimida: o.s camponeses individuais eram
homens livres. Porém, sua terra ainda era sobrecarregada com inómeros pag4·
mmto'.' obrig11çóts feudais. Somente uma pequena porcentagem do campesinaro
possuia a terra como sua plena propriedade privada (alodium). A maioria possuí•
.,-vam- o cmso. O campones,
a cerra pela qual eles pa.. . ao pagar o censo, era aparen·
temente 0 proprieWio de sua rerra, podendo vendê-la e transferi-la como herança.
~daa cxtensáo dessa propriedade era limitada pelos direitos feudais do senbo&
0 paróquia tinha seu mcstrc supremo, ou senhor. Este costumava passuir· ulll
pequeno . pedaço.ck <erra
. ou um castelo na paróquia, embora às vezes nem isso
. de
possu1SSe, e, mwco dificilmente . à • . yalll·
No entanto . ' 'ª paroqwa para saber como as coisas esra
anual cu· >vai
na par6qwa, cada campon es era obrigado
. a pagar ao senhor uin «"'°
' 'º or era determinado 10
cerras o muo fo· b . .
aI-·.....S
pe costume e jamais mudava. Em i;-·-
' 1 SU Stltwdo por noaom h ,.,,rf),
em que 0 campo • ,,,_..cnco cm gêneros (a chamada ~ tJ!Tlr ,
ncs encregava ao senhor um décimo, um oitavo ou, às V~' ar.e
129
... orTUAÇAO ECONÕMICA NA l'RANÇA-··

s a colheica. Além disso, quando a cerra era vendida por


mesmo um quarco de u . , .
wn camponês ou cransferida a wn herdeiro após. sua _morte, o novo propnerar10
tinha de pagar ao senhor dererminada soma de dinheiro.
Ainda pior era a situação daqueles camponeses com apenas um pequeno
pedaço de cerra ou daqueles sem cerra alguma. Muiros deles eram e~prcgados
como artesãos ou trabalhadores sazonais, ou tinham de empregar a s• mesmos
como mão de obra agrícola; ourros arrendavam um pedaço de cerra do senhor ou
de outro proprietúio, pagando por ela a metade de sua produção. Sem recursos
ara equipamentos, esses meeiros ou mlt11yers (assim chamados porque enrre-
p vam metade de sua colheita ao proprierário da terra) costumavam receber do
~nhor rural sementes, gado ou simples insrrumentos agrícolas. Se a falta de meios
fazia os camponeses que pagawm o anso trabalharem a terra com métodos primi-
tivos, 0 cultivo era ainda pior nas cerras trabalhadas pelos meeiros. Somente uma
pequena porção da cerra percencence à nobreza, ao clero, à Coroa ou a membros
ricos da burguesia era arrendada em grandes proporções a camponeses mais
prósperos ou a &zendeíros que podiam invescir um capical razoável cm suas pro-
priedades e cultivá-las de acordo com princípios mais racionais. Difecenremenre
da Inglaterra, a expansão do culcivo por arrendamento, acompanhada do incre-
mento e da racionalização da agriculrura, raramenre podia ser encontrada na
França do século XVIII, onde o papel desempenhado pelas formas burguesas
da propriedade e da renda do campo ainda era insignificame se comparado à
propriedade pela q114/,. pagava um censo ou à forma da meafdo, ambas rrazendo
consigo um grande número de resquícios do sisrema feudal.
Não menos opressivas do que as exações do senhor eram os impostos esttttais
que pesavam sobre os ombros da economia camponesa. A monarquia absolura
requeria vasras somas para manccr sua burocracia cemralizada e seu exérciro. A
procura por colônias e mercados esrrangeiros que caracterizara a pollcica mcr-
canrilista conduziu a inrermináveis guerras de dcvasração. O outro lado disso
foi que, ap6s sua longa luta para privar os membros da arisrocracia rural de seus
direitos políricos, a Coroa renrou recompensá-los com a formação de uma corte
resplandccenre, com a criação, para a nobreza, de uma infinidade de tírulos e
:siçõcs oficiais, "".mo reforço dos direitos sc~horiais no campo, isentando-os
pagamento de imposros, etc. A nobreza fo1 completamente dispensada do
pagamenro do mais importante imposro direto, a ralha, da qual o clero recebia
anualmente uma quantia lixa. Como os habirantes das cidades também podiam
130

. d da talha e de outros tributos diretos, 0 p~· ~--


se d1sp<:nsar o pagamcnt0 -o "<SSe
. . . ·ram·n•e sobre aqueles sicuados na base da popular•o
1mpo.<to recaia mtet • ' . . . ,... rural~
o camoesmat:o. -, que sofriam rambém com os impostos mdtretos, especial~ ~~,ente

o imp:ino sobre o sal. Tanto o valor dos impostos. como o mo~o pelo qual eles
seriam arrecadados mudavam frequentemente, e assim o campesmaco nunca sabia
previamente quanto lhe seria cobrado. O que gc~mente acontecia era que a
cobrança das taxas era delegada a ricos coletores de impostos (fermiers généra/;),•
que usavam seu privilégio para constituir fortunas; às vezes, o tesouro recebia
apenas uma pequena fatia dos imposros totais arrecadados. Esses impostos, Para
0 Estado (aos quais se devem acrescentar os dízimos para a Igreja), exauriam a
economia camponesa. Não muito antes da Revolução, o duque de Liancoun
afirmava que uma política fiscal baseada "no coscume de constantemente exigir
dinhriro do agricultor sem dar a ele nada em troei' retardaria severamente 0
progresso agrícola. lJm outro impedimento a esse progresso era a política de P'<f•
dos meais. Desde Colbert, o governo implementara com diligência crescente
/ uma política mercantilista de diminuição do prtço dos cereais: seu objetivo era,
antes de mais nada, baratear as matérias-primas e a máo de obra requeridas pda
indústria e, em segundo lugar, garantir que a população urbana - particular-
mente a de Paris - fosse abastecida. A exportação de cer;,_;s para o exterior foi
proibida; j:i sua importação foi permitida. Dentro do país, o comércio de cereais
foi submetido a urna regulação extremamente rígida: a venda de cereais escava
proibida em oucros lugares que não os mercados, e eles não podiam ser transpor-
tados para fora de uma ci&dc; cm razão dos temores de especulação e alta de
preços, as atividades dos mercadores de cereais foram altamente restringidas, bem
como o movimento de cereais entre as províncias. O resultado foi que o alio
preço dos cereais, cm algumas localidades, foi acompanhado de uma desvalori-
iaçáo em outras, e os preços flutuaram fortemente de ano a ano. A agriculcura
sofreu a um só tempo com os baixos preços dos cereais e com a incerteza gerada
por sua constante flutuação.
Arruinados por pagamentos ao senhor e ao Estado e sofrendo sob a
política. do preÇo dos ce~: · camponesa era incapaz
........s, a economia ' .. ~u)ar
d e acl.U~· ..
os meios para realizar melhorias na térnica agrfcola. O sistema triplo de rotal'Í°
do cultivo [ti,,,. fie/d sys1nn; predominava, embora cm muitos locais ainda foss<
utili1.ado o sistema duplo · A semeadura de forragem fora introduzi.dª so 111entc
cm algumas províncias do Norte. Enquanto a mistura de diferentes plantiOS e a
A 51TU"ÇÃO EiCON0MIColl. Noll. Fl'l.oll.NÇ#li . • • 131

rotação compulsória das culturas pr(servavam as lavouras industriais de serem ex-


tensamence cultivadas, a criação de gado estava em estado drplocávcl, e os campos
se tornaram pratic.amence inférrcis. Uma vaca magra, um arado de madeira e um
rastelo constituíam o inventário de um camponês francês - na me~ma época em
que o agricultor inglês já praticava a rotação de culturas, possuía uma prós~ra
criação de animais e usava insrrumentos agrícolas de aço. N'ão é de se admirar que
a colheita francesa fosse muito inferior à inglesa (gera[m~me, sem conseguir ultra-
passar um quinto desta última), e que, do início do século XVIII até a Revolução,
a França vivenciasse nada menos do que trinta anos de escassez.
A b11ixa produtividade da agrim/tura, bem como o baixo preço dos cereais -
que prevaleceu até meados do século XVIII -, reduziam a receita do camponês
ao mesmo tempo que seus ppgamentos ao Estado e ao senhor iam aumentando até
o limite absoluto. Como Taine corretamente descreveu, a situação do camponês
francês do período pté-rcvolucionário se assemelhava à de um homem mergu-
lhado na água até o pescoço e que corre o risco de afogamento com a mais insig-
nificante onda que venha a se fotmar. Exceto para pequenos grupos de prósperos
camponeses e agricultores, a grande massa dos c.amponeses rinha uma vida de
carência perpétua e brutal, jamais tendo o suficiente para comer e para equiHbrar
suas contas, O bispo Massillon escreveu em 1740: "Nossa população rural vive
em condições terríveis, sem carnas e sem móveis; a maioria se alimenta durante
metade do ano com pão de cevada ou aveia, sendo essa sua única comida, embora
sejam obrigados a arrancá-las de suas próprias bocas e das de suas crianças a fim de
pagar impostos~. Moreau-de-Jeuncsse, o famoso ~catísâco, ca.raccerizou a situação
pré-tevoiucionárfa dos camponeses da Bretanha nos seguinces termos: "das quatro
gavelas que ele colhe no campo, uma pertence ao senhor, outra é dada ao padre
ou ao superior do monastério vizinho, uma terceira é destinada inteiramente ao
pagamento de impostos e a quana cobre seus custos de produção". Se esse cálculo
pode ser exagerado, não era de forma alguma inusuai que a metade da colheita
fosse para o pagamento do Escado e do senhor, de modo que, com a dedução
da semente (e, dada a baixa produtividade, isso podia chegar a um quinto da
colheita), quase nenhum grão restava para o agricultor. Havia épocas em que os
pagamentos devidos ao Escado e ao senhor eram cobr:idos com base na proc!ução
bruca, e não líquida (isto é, sem nenhuma compensação pela dedução da semente);
quando isso ocorria, .os camponeses, especialmente os meeiros, multas veres não
tinham nem mesmo o suliciemc para se manterem vivos.
. 'csmence que essas condições tornavam
A uatão não era s1mp1 . a rnelh .
. ; am-áo impossíveis; das rompiam abrupramenrc 0 Ofia.
da agr1cu.turacsua<XP , { . b. . P"""-
• fLS tÍ4 iru/tufl/ "" 1"' n••• maJS "'"º·MUieos ~-
da "protft1(á•, "~~~"'"'!';,,, ouuos, havia aqueles que culrivavain a tri1oo
rurais foram CiC::S.JNY"-- ~ • terra 0
. balhos sazonais. ou engrossavam as incontáveis fiI . 11.
se rearavam para ua 6 •1r>s C.
. 0 ês&Turbillypercebeu,cm 17 0,queamctadedaterr,, .
mendigos. marqu di b CU!tt.
v.ível rsa.va v.Wa, e que a cada passo se po am ver campos a andonados por SC\ls
lavradores. As no.ras & viagem de Arthur Young forn~<e'." um "'.trato irnpaaa.•
de como 0 declínio da agriculrura fo1 ~~do a ma1or1a do: distritos fl'.lQcesoi.
com exceção apenas de algumas provinoas afortunadas. Numa provincia, e~
de.screve com.o um rcrço da cerra permanecia sem cultivo algum. ao passo que
05 ouuo.s dois u:rços moscravam sinais evidentes de devastação; cm outra, c!c
encontl3 apenas 111pobreza e pobres lavouras"; e, numa tc-rceira~ ·as pobres~
que aqui culrivam 0 solo são meeiros ~.. -~ que arrendam a terra sem ter a habüi-
dac!c de culcivi-la r... ~, um sisrema misedvd que perpetua a pobreu e exclui l
iruuuçio". 5
A JtgrtJda{iio da Agri(lt/turtJ da França, durant< o s<cu!o )\\1111, foi um
claro sinal de que havia, encão, uma grande contradição cncre a necessidade U
desenvolver cu forças produtivas e o antiquado regime socio?O~Ítico. Para quc1
França d~nvolvcsse sua economia capitalista, era n«essário um avanço na agri·
cU:rura-. mas a precondição dis.10 era a subscituiçáo do sistema senhorial por
formas burgu..., de posse da <erra. Em meados do sécu!o XVIII, isso já havia
se tornado 6bvio, porém havia. d1111S vias contradirórias por meio das quais essa
mudança podia ocorrer: a 'erra, que no sistema fcuda! pertencia conjunramcnu:
ao senhor e ao camponc?:s, ou se tornaria a propriedade privada do primeiro ou
do último. Tornando-se propriedade do lorde, isso signi!icaria que propriecirio<
rurais de grande esca!a expulsariam gradualmente da terra os camponeses ~ue
pagavam o censo e os meeiros e começariam a arrendá-la cm grandes Porçoes
para agriculcores próoperos. Esse processo - em que se dava prioridade ao arren·
damcnco de grandes áreas sobre wna base capicalisca, enquanto a tll2Íoria ~os
camponeses era privada da terra - ocorreu na Inglaterra. que se romou, a,ssifll·
um pais de propriedtuús rurais ~ graruk t'Jcala. A segunda via implicava q~~ ~
campon~es seriam libertados de rodos os pagamonros e obrigações senha~
se cornar1am os únicos propric?tários da terra que cultivavam. Tal foi a yias~
pela Grande RC\'Olul'io Francesa, a partir da qual a França emergiu coroo uJ11 l""
de propritdadts rampo•<JtU k ptquma tscala.
A SITVAÇAO CC0 .. 0 ... oCA ..... F .. A .. ÇA,, 133

Todavia, em meados do século XVIII, uma solução revolucionária d.a


questão agrária ainda parecia fora do horizonte. O único caminho pelo qual uma
agricultura empobredda podia ser racionali1..ada e receber um esámulo parecia
ser, à época, aquele da agricultura de larga escala adotado pelos ingleses e cujc»
cfcicos já haviam se mostrado na promoção do sucesso da agricU::rura inglesa.
Acima de tudo. e~.1ic tipo de reforma t1grdrin cnpih1lútr1 acendia aos interesses dos
agricultores e das camadas mais prósperas do campesinaco, isto é, a burguesia
ruritl ou o ;usim chamado lt'rct'iro tsflldn rurnl. Uma reforma ncssc:s termos podia,
cm grande m1..-dida, rra1.er vantagens para os proprietários rurais, que ceriam ?re-
servado seu dircico de propriedade da cerra e receberiam renda. Em meados do
século XVIIl, esse ripo de reforma agrária encontrou seus proponcmes nos fisio-
cracas, que sugeriram resolver a carcfa histórica do avan9) da agriculrura com a
substituição do sistema scnhoria1 pela agricu1cura. do arrenC.atário capitalista.
Em seu programa, os 6siocr.:m1s se dedicavam a criar condições favoráveis
ao d~cnvolvimento da agricuJrura capita.lista. Vjmos que, acé meados do século
XVIII, a agricultura francesa sofreu, cm primeiro lugar, com a baixa produtivi-
dade da terra e colheitas pobres; em segundo lugar, com os preços baixos dos
ctreais; e, em terceiro lugar, com as pesadas obrigações senhoriais e imposcos
escara.is. Os dois primeiros .furores acuaram para reGu7.ir as receicas do agricukor,
enquanto o terceiro impôs o mais pesado fardo sobre seu cquiHbrio 6nancdro.
Em seu programa, os 6siocracas reivindicavam que rodas essas condições desfa-
voráveis fossem removidas. Primeiramente, eles defenderam a raciona/iurão J,,
Agrkulmm nos termos da agricu1tura inglesa. Em segundo lugar, lançaram um
furioso uaque contra a poHtica mercantilista da "dupio Jos pftfos Jos temJis e
clamaram, canco pela libercfad.e de comércio como pcla /iv" exporta;ão de cereais.
Em terceiro lugar, seu programa reivindicava a completa desoneração da classe
agrícola, removendo-se todos os impostos que inciáem sob"" wn"'1 JHll" dos pro·
prittdnºos n1r11is.
No encanco, os 6siocratas nâ.o se limitaram a pregar reformas cm favor
do incrcmcnco da agricultura e do maior cnriquccimenro da burguesia rural.
Eles tenro.ram conferir a seu programa prá.tko uma fundamencação teórica e
argumentavam que, apenas com a implcm~ntação de suas reformas, se poderia
assegurar que o processo de reprodução social prosseguiria normalmcncc e geraª
ria. uma r«eira líquida substancial (ou, na rerm.inologia desses aurores, um •pro-
duco líquido). O líder dos fisiocracas, Quesnay, com sua teoria da rep10J11ráo
134 0~ F'ISIOCRATAS

sodn/ e a reoria do produto líquido (ou mais-valor), realizou a primeira tenta.


ana.!isar a economia capit11list11 considerada como um todo. E embora 0 pro~vad,
prático dos 5siocratas renha fracassa do, suas '"deias· teó· ncas, uma ve-, libYarna
das de sua unilateralidade e equivocos, rorarn apropna as e desenvolvidas '!'ta·
' r ·d
•• • • • ( 1 , d' . P•l,s
correntes posteriores da aenc•a economica pe.a esco,a assica e por Marx)
· rral"d d d
ferindo assim a Quesnay a 1mo I a e como um os n aaores da ecfu d ' 'con.
• , onont'
política moderna. ia

Notas
l. As cirações da parte 2 não referenciadas nas notas foram tradu7.idas do russo.
2. O inrendenre era um representante da Coroa numa província parricular, respollsá.
vd pela inspeção de vários serviços públicos. Bacalan era, n• wrdade, intendente
de comércio; em 1764, ele publicou seu Paradoxes pb;/osor•hiques mr la /ih.ri;;,
commerce entre les nations.
3. Arrhur Young, Trowls in FT'4nce during the years 1787, 1788, & 1789, editado por
Consranria Maxwell, Cambridge: Cambridge L'niversity Press, 1929. "Todas as
moças e mulheres do campo andam sem sapatos e meias; e os homens que aram a
terra não possuem nem tamancos nem meias. Essa é uma pobreza que abala as raízes
da prosperidade nacional, sendo um maior consumo entre os pobres mais imperioso
do que entre os ricos. A riqueza de uma nação está em sua circulação e consumo; e
o caso do povo pobre privado do uso de manufaruras de couro e lá deveria ser con-
siderado como um mal de primeira magnirude. Isso me fez lembrar da miséria da
Irlanda" (Young, Troveis in Fronu, 1929, p. 23-24).
4. O co:ecor de imposcos (otkupshchik) era aque!e que pagava ao governo uma raxa
pelo rlireiro de colera.r impostos (sdaVllt' vzimpnie nalogov ntJ otkup, ou, !ireraimcnre,
"fa1.er a colhdta dos imposros"),
5. Young, Trnvels in Frt111ct, eclitado por C. Maxwell, 1929, p. 16.
Capi:u:o 10
A HISTÓRIA DA ESCOLA FISIOCRATA

A reoria lisiocrata foi desenvo!vida na França durame o sécu!o XVIII. A


primeira merade desse s<'."Culo, no enranro, pode ser considerada a época dos pre-
cursores dos foiocrtJtd$.
A ruína do campesinato e o declínio da agricultura atraíam a atenção já no
final do século XVII. Labrouier já havia pintado a figura sombria da pobreza dos
camponeses, enquanto Fénelon escrevia que o povo passava fome e abandonava
o culrivo da terra, e que "a França se transformava gradualmente num asilo de
pobres desolados e famélicos" .' Boisguillebert (1646-1714), o economista que se
aucoproclamava o advogado da agricu!cura, atacou a política co!berrisca de dimi-
nuição dos preços dos cereais e reivindicou a livre exportação desses produtos.
Ele sustentava que "jamais um povo é tão desaformnado do que quando o preço
dos cereais está barato". Opôs-se também ao peso exagerado que os mercanti-
listas atribuíam ao papel da moeda. Na sua visão, à moeda deveria ser atribuído
apenas um papel modesto e secundário como meio de facilitação da troca. Um
contemporâneo de Boisguil!ebcrc, o famoso marechal Wiuban, clamava por uma
diminuição do ruinoso fardo dos imposros sobre o campesinaro. Os escritos de
Boisguilleberr o levaram à desgraça, e Vauban morreu no mesmo dia em que seu
livro foi cerimonialmenre queimado nas mãos do carrasco. .
Essas mesmas ideias foram desenvo!vidas subsequememente pelo marquês
d'Argenson (1694-1757). A lura contra o protecionismo mercanti!ista levara-o a
uma defesa fundarnemada da completa !iberúde de. com<rcio. ":\ão imorferir
(biissez faire) - esse rem de ser o !ema de roda auroridade pública." É nos escritos
de Atgenson que enconcramos pe!a primeira vez - e também com ~guma fre-
136 OS FISIOCRAT"S

quência - a famosa fórmula dos livre-cambistaS: laissez faire (mais tarde comple-
mencada. provavelmeme por Gournay, com as palavras, et laissez passer).
Assim, em meados do sêculo XVIII, podiam-se encontrar cercos pensadores
cujas ideias individuais e demandas práticas se tornariam parte do sistema fisia..
crata. Mas foi na metade do século XVIII que essas ideias e demandas se tornaram
0 assunto de um vivo debate entre amplos setores da sociedade. A degradação da

agriculrura e a estagnação da indústria, o empobrecimento do campesinato e os


incessantes déficits estatais indicavam que, para um amplo público, havia wna
óbvia falta de credibilidade no anden régime. Isso deu inicio, na França, a uma
épaca pré~revolucionária de insatisfação e fermentação, de projeros por reformas
e buscas de novas fórmulas sociais e filosóficas. No início dos anos 1750, questões
econômicas também começaram. a ser debatidas em livros e jornais, nos salões da
alta sociedade e nas comissões governamentais. O fracasso da polírica estatal de
cereais ajudou a generalizar a convicção de amplos setores da sociedade de que as
'\ velhas proibições e restrições ao comércio de cereais tinham àe ser revogadas. Foi,
em parte, sob o impacto da opinião pública que, em 1754, o Estado permitiu o
livre transporte de cereais encre as províncias, embora a proibição da exponaçáo
para outros países permanecesse em vigor.
Foi durante esses anos de crescente interesse social por questões econômicas
que dois grupos de economistas apareceram em cena: um em torno de Gournay,
e o outro em torno de Quesnay. Ambos se formaram em oposição às proibi~
çóes, monopólios e regulações da política mercantilista. Mas enquanro Quesnay
rejeitava essa polírica em nome dos interesses da agricultura e da burguesúi ruraL
a reivindicação de Gournay era fundamentalmente a da remoção daquelas res·
criçóes que travavam o livre desenvolvimento da indústria urbana e do comir&io
(as guiidas, as regulações industriais e as tarifas domésticas). Diferentemente da
escola de Quesnay, Gornay e seus seguidores estavam interessados principalmente
em questões práticas e não produziram nenhuma obra de valor ceórico.
François Quemay (1694-1774). nascido numa familia de proprietários semi·
camponeses de pequena escala, fizera seu caminho na vida sem qualquer ajuda.
Médico de formação prática, conquistou reputação como profissional eminente,
publicando uma série de obras científicas sobre medicina e biologia. Em 1749 • foi
convidado à corte como mêdico particular da famosa madarne de Pompadour. ª
favorita de Luís XV. e por três anos foi nomeado médico do próprio rei.
A Ml8T0AIA OA 1!.8Ç0l.A l"llSIOÇR#\TA 137

Durante esse tempo, Qucsnay, já com 55 anos, abandonou suas investiga-


ções médicas e devotou sua energia ao trawnento dos problemas econômicos que
revolvia a opinião pública de seus dias. Em seus primeiros artigos, publicados cm
1756-1757 na famosa Enciclopédia, Quesnay atribuía o declínio da agricultura
aos peSAtÍos impostos e à manutenção anilicial dos bllixbs pr<fos dm cmais pela
. proibição elas cxponaçócs. Já nesses anigos, Qucsnay descrevia a superioridade da
agricultura de grande tscabt e aconselhava aos agricultores prósperos, aqueles que
podiam investir capital substancial na agricultura, a partir para o campo.
Foi nas obras tardias de Quesnay que de desenvolveu os fundamentos
teóricos de suas ideias. Em 1758, ele ptoduziu seu famoso Tabkau lconomiqut,
mais tarde complementado por Economie ginlrrzk tt politique de l'agriculturt!. 2
Essas duas obras contêm as proposições básicas da teoria e polí!ica econômicas de
Qucsnay. Uma formulação da base filosófica de sua teoria é apresentada por ele
cm ú droit 114turt!I, de 1765.•
Se o desenvolvimento da •eoria fisiocrata foi a obra individual de Qucsnay,
da encon•rou seus popularizadorcs e propagandústas num talentoso grupo de
adeptos que se reuniam cm volta do fundador e formavam a fechada escola lisio-
crata, ou "seita", como seus oposirorcs a chamavam.•• Os mais ativos nesse grupo
eram o marquês MiMbeau, o Vl!/ho, e Dupont de Nt111ours (com papéis menores
sendo desempenhados por Mert:iu de bt Riviêre, ú TrosM e Batkau). O único
dos adeptos dos fuiocratas que pode ser devidamente considerado um pensador
original e independente é Turgot, que, na verdade, jamais pertenceu à "seita" no
sen•ido estrito da palavra.
Os fisiocraw propagavam suas ideias cm livros e revistaS, salões e comissões
governamentais. A certa altura, ganharam até mesmo o controle de uma revista
semioficial publicada pdo governo; porém, rendo sido capidamente excluídos do
posro, adquiricam sua própria revista, intiwlada Ephémlritks. Em 1767, os fisio-

As mais nod.veis das outras obr:u de Qucsnay são sua ANIÜH do Ttz/Jkau konomiqu~
[c:d. bras.: Françoi> Qucsnay, QJMJm mmômico dosjisiD<rallll, São Paulo: Abril Cultural,
1983, coleção Os Economisw], seu Dnpotism~ tk bt Chint e seus Dialogua sur k
eommuu ti sur ln tnttJtlux da a.nisans.
Os seguidores de Quesnay se aurodenominavam "cconomisw". mas ficawn conheci..
dos pela alcunha de "6siocraw" depois que Dupont publicou a. obm de Qucsnay sob
o ~bre ritulo Physiocracy. or w ammg<mmt ofw Star. that is most.P"Jitabk for W
hu""'n """· fjsiocracia significa •governo da natureza".
...
' . ...·.. ·-:_.,,,_~- __ ... ____ ._ ·----=.
--~

138 os F rs 1 o e R. ATA s

cratas deram inicio a reuniões semanais regulares no SaLon Mírabeau, em p .


l · l
que por dez anos serviria de ponro de enconrro para aque es mte ectos gêrneo,
ans,
e para 0 recrucamenro de novos membros. Tais reuniões desempenharam urn
papel considerável na propagação de uma "onda agrária" por amplos círculos da
sociedade. As ideias dos fisiocracas atraíram a acenção geral e o interesse, canto de
Voltaire e Rousseau quanto de personagens eminentes, como Catarina II.
À medida que as ideias de Quesnay ganharam repercussão, tornou-se cada
vez mais claro que, como corrente social, a fisiocrada, embora conseguindo im-
p:emenrar certas reformas, estava condenada ao fracasso nas condições da França
pré-revolucionária. Esse país se movia inexoravelmente em direção à revolução,
na qual as amplas massas populares (inclusive o carnpesinato), lideradas pela
burguesia urbana, afirmariam a si mesmas contra a Coroa e os privilégios da aris-
tocracia. Os esforços dos fisiocratas para evitar a revolução agrária mediante urna
reforma agrária - a ser realizada em nome dos interesses de uma fraca burguesia
rural e com o apoio da Coroa e de certas seções da nobreza - não tinha qualquer
chance de ser realizada. Ao aderir à monarquia absoluta, os fisiocratas se isolaram
daquela corrente de pensamento social que dominou sua época, os enciclopedis-
tas, que eram os ideólogos da burguesia urbana progressista. Ao mesmo tempo,
criaram as condições para que sofressem um ataque daqueles que defendiam di-
retamente os interesses econômicos da burguesia comercial-industrial (inclusive
os seguidores de Gournay): destes, veio uma investida mordaz contra a doutrina
lisiocrata da "esterilidade" da classe comercial-industrial e da necessid~de da livre
exportação de cereais. Em 1770, o famoso economista Galiani* contrapôs ao
ideal lisiocrata de um país agrícola, que exporta seus cereais e importa manufatu·
ras baratas, a ideia de uma nação industrial desenvolvida que pudesse consumir
domesticarnente toda a sua própria produção de cereais ·e ainda pudesse fazer
importações adicionais. Sobre a questão da exportação de cereais, os interesses
da agricultura e da indústria confl\tavam fortemente, e a lei liberal de 1764, que
permitia a livre exportação de cereais, foi ah-rogada em 1770. .
Esperanças de que o programa lisiocrata pudesse ser implemenrado
ganharam nova vida durante o ministério de Turgot (1774-1776).•* Após sua
A >ilSTÔRIA 014. ESCOi.A FIS•OCRATA 139

nomeação como ministro da Fazenda, Turgot tentou implementar uma série


de reformas importantes. Ele restaurou a liberdade de comércio doméstico de
cereais, criou uma lei que abolia as guildas, estabelecia a liberdade de ocupação
e substituía a obrigação - tão opressiva para os camponeses - de trabalhar nas
estradas (a corveia) por um pagamento monetário arrecadado de todos os proprie-
tários rurais, incluindo a nobreza. Mas as reformas de Turgot provocaram uma
intensa insatisfação entre os setores reacionários da sociedade (a aristocracia da
corre, a nobreza e os coletores de impostos), que forçaram o ministro-reformador
a renunciar. Apesar das esperanças dos fisiocrai:as, a monarquia absoluta e a classe
dos proprietários rurais se mostraram incapazes de realizar qualquer reforma
da sociedade, e a França avançou rapidamente para os formidáveis eventos da
Grande Revolução.
O caso de T urgot foi o último sopro a completar o colapso dos lisiocratas
como uma corrente social definida. Num primeiro momento, esse colapso de seu
programa prático se mostrou fatal mesmo para suas ideias teóricas, que, durante
anos, e mesmo décadas, foram ou sepultadas pelo esquecimento ou se tornaram
o objeto da mais cruel distorção. Marx, em meados do século XIX, foi um dos
primeiros a apontarem para o imenso avanço científico que jaz debaixo da forma
fantasiosa ou dos erros da teoria dos fisiocratas. No final do século XIX e início do
século XX, os fisiocratas gozaram de uma reabilitação temporária, e o aJto valor
que Marx lhes atribuía foi plenamente confirmado pelo estudo minucioso de suas
ideias teóricas. Atualmente, François Quesnay disputa com Adam Smith a honra
de fundador da economia política.

Notas
1. Apud Gaetano Salvemini, lhe French Revolurion, 1788-1792, Londres: Jonathan
Cape, 1954, p. 33.
2. Este é, na verdade, o subcfrulo da Philosophie rurale, escrito por Mirabeau, com a
colaboração.de Quesnay e publicado em 1763. Alguns excracos aparecem em Ronald
L. Meek, Theeconomicsofphysiocracy, Londres: George Allen &:Unwin, 1962.
Capítulo 11
A FILOSOFIA SOCIAL DOS FISIOCRATAS

Os fisiocratas, como sabemos, consideravam essencial substituir a agri-


cultura camponesa de pequena escala pelo cultivo de larga escala, a fim de garantir
a esses agricultores a livre exportação de cereais e libertá-los dos impostos. Por que
meios eles esperavam implementar esse programa? Em sua resposta a essa questão,
os fisiocratas diferiam radicalmente dos membros do Iluminismo, a vanguarda
ideológica da burguesia urbana. Estes eram duros crícicos da monarquia absoluta
e a ela contrapunham o ideal político, seja de uma monarquia constitucional com
separação de poderes (Montesquieu), seja de um Estado democrático baseado na
ideia da soberania popular (Rousseau). Desse modo, o Iluminismo, apesar de seu
fracasso em implementar suas ideias em sua completude, pôs diante da burguesia
a tarefa da conquista revolucionária do poder político. Os fisiocratas tinham uma
solução diference para essa questão política: eram defensores de um absolutismo
esclarecido, de uma monarquia absoluta que, nas palavras de Quesnay, fosse "o
único poder situado acima de todos os interesses particulares, os quais ela tem de
conter". Os fisiocraras esperavam que tal monarca esclarecido pudesse implemen-
tar as reformas econômicas que eles recomendavam.
Muitos autores apontaram as contradições lógicas enue as visões monar-
quistas dos fisiocratas e suas reivindicações de máxima liberdade individual. No
encanto, sua adesão à monarquia pode ser explicada a partir de sua posição social
e de classe. A intenção dos fisiocratas não era tanto a de confiar numa burguesia
rural já existente - que, de qualquer forma, era numericamente insignificante e
sem influência -, mas sim criar condições que favorecessem o desenvolvimento
econômico dessa classe. Sob essas condições, não havia claramente qualquer
esperança de que a burguesia rural pudesse conquistar o poder. Se a monarquia
142 F•SIOCAATAS

~ . à.s mãos ou da nobreza, que já gozava de seUs


- d ~ d o poder passaria
tosse erru. a a, . . burcuesia urbana. Ambas as possb·t·
.. , , . 'iricos ou da ;ovem e rica o:: i I ht-
pnvil(,;gios po. '1 roO'rama dos fisiocratas. Se a nobreza chegasse a
dades ameaçavam so apar o p o:: i . . dº o
· e ·oucária no sentido fisiocrara sena 1mpe ida, e 0 Íard
Poder, qualquer re1orma m . o
_ . , d pela classe dos agnculcores. Por outro lado, a tomad
da caxaçao sena carreo:::ia o . . a
, b esia urbana poderia reforçar amda mais (como os fisiocrar,.
dopo derpe1a urgu .. , . . , -
cerniam) a odiosa palúica mercannhsta de promover o comercio e a industria a
expensas da aoricu'rura
o:: i i. •
Com a derrubada ou o enfraquecimento da monarquia
(acompanhado de um forte papel político conferido à nobreza ou à burguesia
urbana) a ameaçar 0 programa fisiocrata com o fracasso total, não restava aos fi-
siocracas mais nada a fazer senão investir todas as suas aspirações na monarquia
.:./ absolura e declarar a si mesmos como seus apoiadores.
Quando os fisiocratas expressavam seu apoio à manutenção da monarquia
absoluta no poder, isso certamente não significava, para eles, que esta pudesse
continuar com sua política ruinosa de sustentação dos privilégios feudais e mer-
cantilistas. Na visão dos fisiocratas, tais privilégios contrariavam a razão e o
"direito natural", isto é, aquelas leis eternas e imutáveis, preordenadas para todos
os tempos pelo Criador e obrigatórias, tanto para os indivíduos como para o
poder estatal. A Coroa não pode baixar leis simplesmente a bel-prazer, uma ve:L
que estas podem se revelar em conflito com o direito natural e provocar um mal
incalculável. É essa falta de conhecimento das leis eternas do direito natural que
explica a variedade de más leis "positivas" promulgadas pelo Estado. Se a Coroa
quiser evitar confusão e desordem na vida social, ela tem de cuidar para que
todas as suas leis respeitem estritamente as prescrições do direito narural. Pois
o ideal político.dos fisiocratas era o de um "despotismo legal", isto é, o de urna
monarquia que implementasse as ordens do direito natural ou (como veremos
adiante) encorajasse o desenvolvimento da economia burguesa.
Os fisiocratas colocavam, assim, um limite à autoridade legislativa arbi·
trária da Coroa na forma de leis naturais eternas e invioláveis situadas acirna das
leis "positivas" do Estado. Eles seguiam, aqui, a doutrina do "direito natural" de·
senvolvida por pensadores burgueses do século XVII (Grotius, Hobbes e r.ocke).
Como parte de sua lura contra o antiquado regime feudal a bunruesia datn•"'
' V UJI13
por uma nova ordem social, uma ..ordem natU:ral", que, a seus olhos, era
ordem de justiça e de r - C -
azao. omo um contrapeso aos priviléu1os gl0 rificodOS
pela autoridade da Coroa e l · b "'fi - deSuas
suas eis, a urguesia buscava a glori caçao
A FILOISOl'IA SOCIAL OOS 1'1$10CAATAS 143

demandas por meio da auroridade de leis naturais supremas e eternas, perante as


quais canto a Coroa como as leis positivas do Estado estariam obrigadas a prestar
deferência. Mas em que consistia essa "ordem narural" ideal que os pensadores
dos séculos XVII e XVIII procuravam implementar?
Em essência, o que eles defendiam era a ordem social burguesa, livre de
resquícios feudais e que garantisse a seus membros individuais a possibilidade de
uma busca irrestrita de lucro, baseada na livre concorrência, com todos os outros
membros da sociedade. O direito do indivíduo de satisfazer suas necessidades
naturais e de adquirir as coisas necessárias para isso, o direito à liberdade pessoal
(isto é, a liberdade do indivíduo em relação à servidão), liberdade de propriedade
privada (isto é, a propriedade livre de obrigações e restrições feudais). überdade de
concorrência individual (isto é, a abolição das restrições feudais e das guildas sobre
a atividade econômica) eram os mais essenciais "direitos naturais" do indivíduo
que os ideólogos burgueses buscavam estabelecer.
A doutrina do direito natural exerceu um papel revolucionário crucial,
como um aríete a derrubar a fortaleza do regime feudal e da monarquia absoluta.
Os pensadores mais radicais do século XVIII reivindicavam que o "direito narural"
pessoal fosse assegurado não somente no âmbito da economia, mas também no
da política, isto é, clamavam por uma democratização do sistema governamental
(a doutrina rousscauniana do contrato social e da soberania popular). Mantendo
suas inclinações polícicas conservadoras, os fisiocratas tentaram anular o potencial
revolucionário da teoria do direito natural e evitaram usá-la para extrair conclu-
sões políticas. Por outro lado, seu mérito foi o de ter aplicado as ideias do direito
natural com mais consistência ao reino da. vida económica. Para os fisiocratas, a
"ordem natural" era a totalidade das condições econômicas necessárfas ao livre
desenvolvimento da economia burguês-capitalista (sobretudo no âmbito da agri-
cultura). A. leis da economia burguesa foram declaradas pelos lisiocratas como
leis naturais, e nenhum legislador tinha o direito de violá-las. Desse modo, os
fisiocratas ajudaram a liberar a vida econômica da interferência cstacal, ao mesmo
tempo que, por outro lado, desembocaram na concepção de uma regularidade
interna - "natural" e determinada por leis - da vida econômica, ex.iscindo inde-
pendentemente da arbitrariedade ou intervenção de qualquer legislador.
Desde o início, o direito natural adquire com os fisiocratas uma coloração
econômiea, sendo definido por Quesnay como "o direito que o homem tem a
coisas adequadas para seu uso". E como essa formulação incitava pensadores
144 OS l'ISIOC"-"TAS

mais radicais a criticar a distribuição desigual de bens entre os ricos e os des.


.d de -. '·' Quesnay não tarda em limitá-la: o direito natural do
provi os propncaaue, . .
homem é reduzido simplesmente "a um direito a coisas CUJO uso ele pode obtc:t.
Mas assegurar que as coisas sejam realmente adquiridas, os homens "têm de
• ai'em de'L···l meios
para[...~ faculdades corporais e menw.s,
possuir . e .instrumentos".
A desigualdade que existe nas faculdades e "recursos" (isto é, riqueza) de que as
pessoas dispõem cria uma enorme desigualdade no uso que elas podem fu.cr de
seu direito natural. Enquanto para teóricos comunistaS, como Mably- ou mesmo
para ideólogos pequeno-burgueses mais radicais, como Rousseau-, essa desigual.
dade era uma violação do direito natural e os impelia à crítica da propriedade
privada, Qucsnay a aceitava tranquilamente como resultado inevitável "da dispo-
sição das leis da natureza". A desigualdade da propriedade é um mal inevitável,
porém menor, que, em vista do imenso benefício que a propriedade privada uu
ao encorajar a diligência pessoal, tem necessariamente de ser tolerado. O direit0
natural, portanto, reduz-se ao direito que o homem tem de dispor livmnmu tk
\ stu trabalhD e ao dirtito tk propritdtuk priuada. "A liberdade pessoal e a proprie-
dade são garantidas às pessoas a partir de fora, pelas leis naturais, sobre as quais
/ repousa a harmonia básica das sociedades bem ordenadas:•
Essa fórmula ainda pode ser simplificada, pois liberdade pessoal não é
senão a forma básica da propiiedade, isto é, "'propriedade privada", ou o direito
do indivíduo de dispor livremente de seu trabalho. Da propriedade privada
deriva a •propriedade móvel'". ou o direito do homem às coisas que ele cria com
seu trabalho. Finalmente, o homem que, com ajuda de seu trabalho e de coisa>
móveis. tornou a terra virgem adequada para a agricultura, adquire a "proprie-
dade rural" cm caráter perpétuo. Em sua essênci2:) o direito natural do homem
deriva dessas três formas de propriedade, todas intimamente associadas umas às
outras. Em sua teoria da propriedade, os fuiocratas repetiam as ideias de Lockc,
po~m com uma diferença: enquanto Lockc não estava certo de que o homem
tiv~ wn direito aos frutos da terra que não poderia ter sido cultivada Por seus
pr6pri~ esforços, os fisiocraw justificavam a propriedade rural de grande esea1'
com ~ 15 argumentos: primeiramente, no processo de tornar a cerra pr6pria para
~ cul~vo, os proprietários rurais (ou seus antepassados) haviam realizado& ceftOS
mvcst1mentos (cm trabalho · ·ceá..
. . . e coisas móveis); em segundo lugar, esses propn
rios rurais só investiriam grandes somas de capitais na terra se sua propri~
A FILOllllOFIA SOCIAL 001111 PISIOCA.ATAS 145

sobre ela estivesse firmemente garantida, e tal investimento era uma condição
necessária para a prosperidade agrícola. Os fuioeratas concordavam que os pro-
prietários de grandes fazendas deviam deixar suas terras, contanto que eles as
deixassem para os agricultores capitalisw.
Como vemos, a doutrina fisiocrata do direito natural carrega as marcas
visíveis da ambivalência de seu programa social e econômico moderado-burguês.
Uma vez em que se inclinavam para um compromisso político com a monarquia
e um compromisso econômico com os grandes proprietários rurais, eles se auto-
declaravam defensores da primeira e ofereciam argumentos para os segundos. Por
outro lado, porque esperavam que o resultado de seu tipo de compromisso social
e político fosse o livre desenvolvimento do capitalismo no âmbito da economia.
eles proclamavam como sua "ordem natural" o sistema da economia burguesa
liberta de resquícios feudais e baseada na propriedade privada. A garantia da
"propriedade privada" significava que o produtor seria liberado da servidão e dos
grilhões do feudalismo e das guildas. A garantia da "propriedade móvel" signi-
ficava a afirmação do poder do capital e a vitória da livre concorrência na troca
de mercadorias. Finalmente, "propriedade rural" significava, para os fisiocratas,
a forma burguesa da posse rural, desincumbida das taxas senhoriais e baseada na
forma capitalista da renda.
Para estabelecer esse tipo d.e "ordem natural" na economia, seria necessirio
<liminar as restrições da tut<kz estatal. O Estado deve permitir um amplo espaço
de ação para a obra das leis naturais e para o livre jogo dos interesses individuais.
concentrando-se apenas na eliminação das barreiras artificiais que travam a ação
dessas leis.

O que se requer para tornar uma nação próspera? Cultivar a terra com o máximo
sucesso possível e salvaguardar a sociedade de ladrões e mendigos. A realização da
primeira dessas exigências deve ser deixada ao inkrtsse individual de cada pessoa;
a realização da segunda deve ser atribuída ao EsttllÍJJ.

Infeliz é o país cujo governo não se limita à modesta tarefa de proteger a


sociedade do perigo de elementos insidiosos, mas começa a interferir na atividade
«onômica dos indivíduos. Os fisiocracas viam a política mcrcancilista da estrita
TegllÚlfü tÚt atiuidttáe econômica individual como uma fonte de constante desordem
'"'"$··-· .,._,-
k:eo·· ·M·&-=.;,:•..atj· ..,,.·--fiji'-

146

e usurpação das sábias leis narurais. Para des, a livre e irrestrita atividaM dos ind;
víduos era a melhor garantia de que a "ordem natural" seria estabelecida na -
nomia. Os fisiocracas eram defensores fervorosos do individualismo econom1co • C:
comum aos ideólogos da burguesia nascente.

Nota

1. O fulcro da discussão nesse parágrafo se enconcra cm "Le droic naturel", craduzido


cm Meelc, 7he economics of phisiocraey, 1962, p. 43-56. Todas as citações
exceção da última, foram extraídas das p. 43-47. ' com
~ ,.___..,... e·~ .._. t· · ,e ·s;w=· ,..... ~,,,,..

Capítulo 12
AAGRICULTURA DE GRANDE E PEQUENA ESCALA

A teoria econômica fuiocrata, que temos agora de analisar, tinha como


tarefa a investigação e a descoberta das leis naturais da economia. Os fisiocra-
tas estavam convencidos de que podiam encontrar leis econômicas eternas e

imutáveis que estariam de ~rdo com as leis da natureza e trariam o máximo


de vantagem para a humanidade. Embora eles mesmos não tivessem consciência
disso, o que eles entendiam por leis ccon6micas naturais eram as leis da economia
burguesa. Os fisiocracas elegeram como objeto de seu estudo teórico e como ideal
de sua politica econ6mica a agri<ultura capitalista de grande escala. Essa predile-
ção expressa tanto suas simpatias sociais e de classe como seu interesse cm como
maximizar o crescimento das forças produtivas associado à agricultura. Já vimos
a que ponto chegara a degradação e a devastação da agricultura em meados do
século XVIII. Para recuperar a vida econ6mica e as finanças estatais da França,
seria preciso um avanço na produtividade agrícola, o que para os fisiocratas só era
concebível no contexto das fazendas capitaliscas.
Os lisiocratas viam a Inglaterra de seus dias como um exemplo da rápida
expansão do cultivo de grande escala e da paralela racionalização na agricultura. O
contraste entre o obsoleto sistema triplo de rotação de culturas usado pelo cam-
pesinato francês de pequena escala e o avançado sistema de rotação empregado
pelo agricultor inglês saltava aos olhos. Os fisiocracas tornaram-se zelosos defen-
sores de novos métodos agrícolas. Para que a produtividade da agricultura crescesse,
seria necessário, pensavam os fisiocratas, introduzir a rocação das cuJruras, criar
um número maior de cabeças de gado, começar a alimentar o gado em estábulos,
fazer um uso extensivo de fertilizantes e expandir a semeadura das plantações in-
dusuiais. Mas uma fazenda de acordo com essas linhas racionais requer o investi-
148 os F1s10CRATAS

tia de capital e só pode ser mantida por agr· ui


menco de uma grande quan ic tores
1 E . os fisiocratas se tornaram os defensores do "cul .
de <>rande escaia. assim tJ.vo de
" rós ·entífico" que eles contrapunham ao atrasado "cuJ .
larga escala, p pero e " . • ll'I()
de pequena escala" do campesmaco. . .
Os fisiocratas nunca se cansaram de enfatizar a banca produtividtuk das
fazendas cultivadas por camponeses que pagavam o censo e por meeiros. O.
camponeses de pequena escala trabalham com os instrumentos mais prim;.
civos, não têm gado suficiente e praticamente não usam fertilizantes cm seus
\ campos. Como resultado, a produção total que eles obtêm da terra é insignifi.
cante, muicas vew; abaixo do necessário para a satisfação de suas nccessidad,.
,/ mais imediatas. "Agricultores que extraem ganhos miseráveis de um tipo ingrato
de cultivo servem apenas para manter de modo infrutífero a população de uma
nação pobre." 1 A agricultura de pequena escala não gera praticamente nenhum
"produto iíquido" ou receita líquida além dos meios de subsistência necessá-
rios ao trabalhador. Segue-se daí, portanto, que, para tornar a agricultura mais
produtiva, é preciso substiruir as plantações camponesas de pequena escala por
fazendas de grande escala.

A cerra empregada no cultivo de cereais deveria ser reunida, tanto quanto posivcl.
em grandes fazendas cultivadas por um rico agricultor, pois em grandes emp-
agrícolas exigem"'5C menos gascos com a manutenção e reparação de edifícios e,
proporcionalmente, muitó menos custos e um produto líquido mcito maior do
que nas fa7.Cndas pequenas. Uma multiplicidade de pequenos agricultores é p1t-
judicial à população.'

Do mesmo modo, Turgot, concordando com essas palavras de Quesnal'•


demonstra uma resoluta preferência pela agricultura de grandes fazendeirOS ""
detrimento de 1'--
a>C·ndas de camponeses que pagam o censo e d e meeiro
· s··

Esse método •·11Sto e,• da fazenda de grandes fazendeiros] de acrendar • tcJ"' é•


maisvama d
JOSO e todos para os proprietários e para os agricultores;
_.;ssa6"
claro em rodos os l ugares em que ha, ricos agricultores em condiçocs
. · de prorn<fl"

Por proprictári rui · uJtoi<S ,!O


os fazcnd . os se en[e em os proprict.irios fundiários, ao pasw que agoc
c1ros,
A AGRICULTURA DE GRANDE
E PEO\H!NA ESCALA 149

os avanços necessários no cultivo; e como ricos agricultores têm condições de


empregar na terra muito mais crabalho e adubo, o resultado disso é um enorme
aumenro na produção e no rendimento da propriedade rural.'

Os fisiocratas, portanto, propunham uma reforma agrária direcionada ao


rompimento daquelas amarras feudo-senhoriais que mantinham o proprietário
roral aristocrata preso aos camponeses que pagavam o censo e: aos meeiros. A terra
deveria ser gradualmente expropriada destes últimos e arrendada em grandes
áreas - como sua propriedade privada irrestrita - aos grandes agricultores,
fossem estes os camponeses mais prósperos ou fazendeiros independentes vindos
das cidades. Aos estratos mais pobres do campesinaro não restaria outra opção
senão tornar-se trabalhadores assalariados dos novos fazendeiros. As obrigações
senhoriais seriam substituídas por um contrato voluntário entre o proprietário da
terra e o agricultor; a fazenda camponesa de pequena escala e semifeudal cederia
lugar à grande fazenda capitalista. Esse ripo de reforma agrária representaria uma
forma de compromisso entre a burguesia rural, que lucraria com isso considera-
velmente, e os grandes proprietários fundiários, que preservariam seu direito de
propriedade da terra e receberiam renda. A ordem senhorial no campo, que tanro
havia retardado o desenvolvimento das forças produtivas, seria supl~rada por
uma agricultura capitalista mais progressista. No geral, no entanto, essa reforma
seria realizada à custa da ampla massa dos camponeses, que, como no caso da
Inglaterra, seriam privados de terras e proletari?.ados.
Todavia, os fisiocratas não se: assustavam nem um pouco com uma tal pers-
pectiva. Ao contrário, esse lhes parecia ser o único caminho de superação da crise
agrícola, e eles o descreviam da seguinte forma: "O número de agrkulrores [...]
aumentaria, o cultivo de pequena escala desapareceria progressivamente e o rendi-
mento dos proprietários e as taxas aumentariam proporcionalmente ao aumento
da produção da propriedade rural cultivada por ricos agricultores".4 Os fisiocraras
defendiam que o Estado tomasse medidas ativas para encorajar a formação de
grandes fazendas cm detrimento das plantações dos pequenos camponeses (por
exemplo, dispensando os grandes fazendeiros, mas não os pequenos camponeses,
do serviço nas milícias, isentando-os da corveia, etc.).
Para que esse tipo de agricultura ganhasse uma implantação extensiva,
o maior número possível de fazendeiros-capiralísras reria de ser atraído para o
campo. Essa era a principal tarefa que os fisiocratas colocavam a si mesmos: atrair
150 OS ll'ISIOCRATAS

. . . l
capitar.s pam a agrw1 rura.
•o "aovcrno deveria se preocupar mais com .,.,..,,_
,_ _ _'"'
. do que com acrair homens. :Nao falcarao homens lá 0 .,_
riqueza para o campo •...,
.
h ouv(r riqueza; mas sem riqueza, há um. declínio geral, a cerra perde seu valor e
· do de recursos e de poder." 5 O conjunto da política econômica'n..
· e• priva
o reino
siocrata era designado a incentivar o fluxo de capitais das cidades para o campo,
do comércio e da indústria para a agricultura. Para esse fim, o preço dos cereais
deveria ser mantido alto, pois isso faria da agricultura um empreendimento es-
pecialmente rentável. Também para esse fim, seria preciso garantir ao agricultor
a inviolabilidade do capital que ele investiu na terra e livrá-lo das obrigações
pessoais e impostos rurais, que deveriam recair in toto sobre os terra-cenences.
"Assim, é preciso haver plena segurança para o pronto emprego da riqueza no
cultivo da cerra, e plena liberdade de comércio na produção." De outro modo, "os
habitantes ricos, que ocupam posições destacadas ~...],levariam para as cidades a
riqueza que eles empregam na agricultura a fim de lá gozarem dos privilégios que
:.!' lhes seriam garantidos por um governo não esclarecido e favorecedor de merce-
nários citadinos".6 O mal maior causado pelas medidas mercantilistas é que, ao
estimular arcificialmem:e o comércio e a indústria, e graças ao sistema de cmprés--
timos estatais e de coleta de impostos, elas "separam as finanças da agricultura e
privam o campo da riqueza necessária para a melhoria da propriedade rural e para
as operações implicadas no cultivo da terra".7
O ideal fisiocrara não era, portanto, a agricultura natural de um pattiar·
cado, mas a agricultura de mercadorias que produz para o mercado e é organi·
zada por fazendeiros capitalisras. Eles compreenderam que somente a aplicação
do capital na agricultura aumentaria a produtividade desta última e romaria
possível a extração de um "produto líquido" (receita líquida). As fazendas camPo·
nesas de pequena escala não fornecem nenhum produto líquido. Quanto maior e
o capital investido na agricultura, maior é o rendimento, menores os cusros Po'
unidade do produto e maior a receita agrícola líquida. O capital investido pcl~s
agricultores, diz Quesnay, tem de ser de tamanho suficiente, "pois se os jnV(SP"
memos não são suficientes, os gastos do cultivo são proporcionalmente mais alto'
e menor é o rendimento do produto líquido".• "Assim, quanto mais insuficien~
são os investimentos, menos lucrativos são para o Estado os homens e a tcrt2-
Em outras palavras, quanto menor é o total de capital investido, maiores são os
custos por unidade e mais baixa é a produtividade da agricultura. O investi1fltP'°
A AGRICULTURA DE GRANDE E PIEOUENA
151

tk grandes somas de capitais é uma condição n<eessdria para o aumento da produti-


vidade da agricultura.
Daí se segue que, quando os fisiocraras falam da agricultura como a única
fonre de riqueza, eles não têm em menre a agricultura cm geral, mas especi-
ficamente a capitalista. De modo semelhante, quando descrevem um produto
líquido que provém da terra, eles se referem à terra que foi frutificada pelo capital.
Quando Quesnay diz que "a terra e os adiantamento/' dos empreentkdom do
cultivo são a única fonte de rendimento das nações agrícolas», 1º devemos ver
nessas palavras a formulação correra da teoria fisiocrata. A cerra cm si mesma, sem
a aplicação do capital, não p,ossui nenhuma capacidade miraculosa de render um
produto líquido. Em vista disso, "a terra mais férril não valeria nada sem a riqueza
[o capital - I.R.] necessária para realizar os gastos requeridos pasa o cultivo"."
Assim, a função do capital na produção é aumentas enormemente a pro-
dutividade da agricultura; a fonte de reccira líquida é· simplesmente a terra mais o
capital nela aplicado, isco é, a agricultura capitalista.
Mas o que é esse capital que dcsempen:ha funções tão cruciais na produção?
Como os fisiocraras se preocupavam fundamentalmente com o cfcico do capital
no aumento da produtividade agrícola, é natural que eles o considerassem, sob o
seu aspecto técnico-material, a cotalidade dos meios de produção no sentido amplo
do termo. Contra a confusão mercantilista de capital com dinheiro, os fisiocracas
ressaJravam pers~cenremenre que não é o dinheiro cm si mesmo que constitui o
capital, mas os meios de produção que o dinheiro compra e que concribucm pasa
uma maior produtividade do trabalho. "Olhai pasa as fãzendas e oficinas", diz
Quesnay, "e vereis o que constitui a base de tão preciosos adiantamentos. Lá en-
contrareis edifícios, gado, semente, matérias-primas, veículos e inscrumcncos de
todos os tipos. Tudo isso, sem dúvida, vale dinheiro, mas não é dinheiro." Turgoc
descreve o e.apita! em termos muito similares:

Quanto mais aperfeiçoado é o cultivo e quanto mais incenso ele se torna, maiores
são esses investimentos. Há necessidade de gado, de inscrumentos e de conscru-
ções para abrigar o gado e armazenar o produi:o; é necessário pagar um número de
pessoas proporcional à dimensão do empreendimento e garantir sua subsistência
acé a colheica. 12

-
"' Quesnay usa o i:ermo •adiantamencos• como capital que é investido na produção.

.,,.
152 Fl&10CMATA 5

os precurso~ do conceito "econôrn·


fisiocracas fo rall1 lC<).
Desse modo, os a1·J-de dos meios de produção), ainda h .
·ra] (como a coe '"" O)e
-nacional" de cap1 b "°esa Apesar do fato de esse conceito de
ciência cconôtnica uro . . .
comum na ·deraçáo do aspeto sooal do cap1tal, ele reprcsen'"'
·tal decer de sua descons1
cap1 Pª
. ·1·
·--' em relar>n à doumna mercann 1Sta uma vez q
..,
um progresso i = ,,.... . ue
no encanto, . da ra 0 da produção.
desloca o foco de análise do remo troca pa . . .
Ób •0 das cicaço·es anteriores, os fis1ocratas anahsararn
Como resui"' Vl • o
"tal di' nces tfnnenws mattrillis. Entre tais elementos, eles incl..:.
capi cm seus rcrc . -
raro o gado, os inscrumentos agrícolas, as sementes, os meios de subsistência
dos uabalhadores, a forragem para o gado, etc. Além dessa análise dos compo-
nentes materiais do capital, os fisiocracas foram carnbém os primeiros a cscabc-
lecer distinções no interior do capital de acordo com a velocidmk com a '{Ulll
ele circula: como veremos no próximo capítulo, eles diferenciaram o capital fixo
do capital ârculantt. ·

Notas
1. Qucsnay, Thc general maxims, uaduzido em Mcek, Tht ttmomics ofphysiomt]o
1962, p. 243 [ed. bras.: François Quesnay, Máximas gerais do governo econômico
de um reino agrícola, in: Claudio Napoleoni (org.), Smith, Ricardo, Marx, Rio de
Janeiro: Graal, 1978].
2. lbid., p. 235.
3. Turgot, Refiections on the formarion and the disrriburion of wealdi, in: TUTf;"
•• progrw, soâoloo and «onomics, uaduzido e editado por Ronald L. Mctk.
Cambridge: Cambridge University Press, 1973, p. 133. .
4• Quesnay, Maxims, in: Meek, 7he tconomics ofphysiocracy, 1962, p. 242.
5. lbid., p. 254.
6. lbid., p. 254-255.
7. lbid., p. 238.
8. lbid., p. 233.
9. lbid., p. 242.
10. Qucsnay, Maxims in· M--'· ·fos d<
Rubin. ' · ' ~ 7he «onomi.cs ofphysiocracy, 1962, p. 238; gt'

11. lbid., p. 242.


12. Turgot, Reflcaions in· M k,
' "' cc Th.mmomicsofphysiocracy, 1962, p. 147.
Capítulo 13
CLASSES SOCIAIS

Para os fisiocracas, como vimos, o leitmotiv de seu programa prático, bem


como de sua argumentação teórica, era a agricultura capitalista de grande escala,
que pressupunha a separação entre as classes dos proprietários de cerra e a dos
fazendeiros capitalistas, os organizadores da produção. Obviamente, além dessas
duas classes também existia uma classe de produtores diretos, isco é, de trabalha-
dores agrícolas assalariados. Para os fisiocracas, a presença dessa classe era inevi-
rável; no entanto, era na contradição entre as duas primeiras dessas classes - os
proprierásios de terra (que Quesnay chama de "proprietários") e os fazendeiros
(chamados por Quesnay de agricultores, ou "classe produtiva") - que sua atenção
geralmente se concentrava. Assim como o "terceiro estado" (a burguesia) da França
do século XVIII incluía entre seus membros os trabalhadores assalariados que
ainda não haviam se cristalizado numa classe social distinta, também, no esquema
de Quesnay, os trabalhadores agrícolas formavam um pano de fundo para a classe
produtiva dos agricultores, sem serem distinguidos destes últimos. Isso não nos
surpreende se recordarmos que as contradições de classe entre capital e trabalho
ainda escavam pouco desenvolvidas nesse momento histórico. Como a classe tra-
balhadora ainda não desempenhava um papel independente na vida social, as
relações entre os fazendeiros e seus trabalhadores ocupavam pouco espaço no pen-
samento de Quesnay. Sua atenção se volcava, em primeiro lugar, para o conffico
de interesses entre a ci~ (isto é, a indústria e o comércio) e o campo (os agri-
cultores), e, em segundo lugar, no âmbito da agricultura, para o conflito de inte-
resses entre os proprietdrios de terra e os fazendeiros. Quesnay vislumbra, portanto,
urna divisão de classes tripartite da sociedade: na agricultura, ele distingue a classe
dos proprietários de terra da classe "produtiva" (os fazendeiros), contrapondo a
154 F1s1ocR11.TAS

, 1 •0 urbana comercial-indttstrial, que ele designa co


essas duas c1asses a popu aça • . . . . D1o
• . .1• 1 e· d · do membros das profissoes liberais, serviçais, etc.). .
a classe esteri in uin . '
... duas últimas classes - a produuva e a esteril _ .w
Cada uma desuw r""'•
. enrada cm duas distintas: empreendedores e trabalhado-
de fa ro, ser comPartun ....
assalnriados. A grande contribuição de Turgot foi ter enfatizado essa distinção de
classe com grande precisão:

Assim, a classe inteira que se dedica a suprir as diferentes necessidades da socie-


dade com uma grande variedade de produtos induscriaLllii se encomra, por assim
dizer, subdividida em duas ordens: a dos empreendedores, manufaturadorcs e
mesrres, possuidores de grandes quancias de capitais que são por dcs investidos
na produção, e a segunda ordem, formada pelos artesãos comuns, desprovidos
de outra propriedade que não suas próprias mãos, que não investem nada 111
produção além de seu próprio uabalho diário e não recebem nenhum lucro senão
seus salários.2

Essa mesma distinção de classe ocorre no interior da classe do agricul·


tor "ptodutivo": "A classe dos agricultores, como aquela dos manufamradores,
é dividida em duas otdens de homens: a dos empreendedores ou capiwistaS.
que fazem todos os investimentos, e a dos trabalhadores comuns assalariados.'"
Assim, as três classes de Quesnay são convertidas porTurgot em cinco classa. Para
o bem da clareza, as diferentes distinções de classe de Quesnay e Turgot podem
ser apresentadas como segue:

Divisáo tk c/ass., tk acordo com Quemay Divisão tk classes tk acordo com Turgot
1. Oasse dos proprietários; 1. Classe dos proprietários;
2. Oasse produtiva (agriculrorcs); 2. Fazendeiros capitalistas;
3. Classe estéril (comercial e industrial). 3. Trabalhadores agrícolas;
4. Capitalistas industriais;
5. Trabalhadores indusuiais.

Embora a anál · d Q rdad<i"'


•se e uesnay designe apenas três classes, seu ve -I•·
argumento, como já mostramos, pressupõe a presença de rrabalhadorc5 ..,...-.
riados, de modo nue
" nos é permm · "d .
o considerar o esquema de Turgot eotnO uO'"
formulação mais clara e mais CODSIStente
·
das visões do próprio QuesnaY·
CLASSES SOCIAIS 155

Vejamos agora a agricultura e examinemos as características das classes


envolvidas.
Os proprietários, de acordo com a teoria de Quesnay, adquiriram sua cerra
ou por herança ou comprando-a de pessoas que foram seus possuidores originais.
Estes últimos, por meio de seu trabalho e propriedade móvel, receberam a cerra
virgem e tornaram-na apta ao cultivo: derrubaram árvores, drenaram a terra ou
irrigaram-na, cercaram-na, abriram estrada.iç, etc. Ao realizarem esses investimen-
tos básicos, os chamados avances fonderes, 4 os cerra-tenentes consolidaram seu
direito perpétuo à propriedade da terra. Como seus proprietários, eles passam
a receber dos Ía?.cndeiros um rental payment (ou renda) igual ao cotai da receita
líquida ou "produto líquido" que resta após o fazendeiro ter deduzido da recei-
ta bruta seus custos de produção.
Os 11gricultores arrendam a terra dos proprietários por um prazo mais ou
menos longo e investem em suas propriedades com seu próprio capital. Aqui,
o agricultor tem de investir dois tipos de capital: primeiro, ele tem de desem-
bolsar imediatamente grandes quantias de dinheiro para comprar seu estoque
agrícola, canto morto como vivo (implementas agrícolas, gado, etc.), que se des-
valoriza lentamente e pode permanecer em serviço por muitos anos, por exemplo,
por dez; segundo, o fazendeiro cem de investir anualmente uma soma fixa para
despesas correntes, que ele recebe de volta in toto, ao longo do ano, com a venda
da colheita - nessa categoria entram gastos com sementes, forragem e salários
dos trabalhadores (ou, o que é o mesmo, os meios de subsistência dos trabalha-
dores). Assim, o agricultor investe em seu negócio, primeiramente, um capital
fixo (ou, para usar uma expressão de Quesnay, 11v11m:es primitives) e, depois, um
<4pit11! circulante (ou 11v11nces 11nnuelks). Quesnay confere um significado especial
aos aumentos no capital fixo: quanto maiores eles são, tanro mais produtiva é a
empresa. Quesnay supõe que o camanho do capital lixo seja cinco vezes maior do
que o capital circulante; por exemplo, a classe dos agricultores, como um todo,
investe na agricultura um capital lixo de 1O bilhões de libras e um capital circu-
lante de 2 bilhões, totalizando 12 bilhões.•

-
• Os exemplos numéricos usados aqui e na discussão seguinte são cxcraídos da A1111/yse
que Qucsnay apresenca de seu 7izhkau konomitpm mudamos ..libras"' para ..rublos"·
fTraduz.ido em R. L Meek, &onomics ofphysiomu:y, p. 150-167. Restauramos o ttrmo
"libr:is" - N. do T.I.].
156 OS fllSIOCll4T4S

Quais são os rendimentos que os agricultores obtêm com. seu negócio>


Depois de efetuar a colheita e de vendê-la~ el~s têm de usar suas ~tas, ~bl'Ctudo~
para cobrir seus cuscos toca.is de produçao•. IStO é, todo o seu capltal circulante e
aquela porção do capiral lixo que desvalorizou ao longo do ano. Considerando.
-se rodos os facorcs, a classe dos agricultores cem1 primeiramente, de rccu.Pcrar
um capical circulante de 2 bilhões de libras que foi gasto: l) em matérias-primas
(sementes, ecc.) e 2) em meios de subsistência para todos aqueles que tomain
parte na produção, isto é, não apenas o salário dos trabalhadores, mas também
os próprios agricultores e suas famílias. Como vemos, Quesnay coloca no mes111o
plano os meios de subsistência para os trabalhadores (seus salários) e os meios de
subsistência consumidos pelos próprios agricultores (comprados, na verdade, com
os recursos de seus lucros). Assim, os gastos dos agricultores com seu próprio
conswno são uatados não como lucro, mas como cu.sros necessários de produção:
é como se os agricultores pagassem um salário a si mesmos (ainda que um alto
salário), que, ral como os salários dos trabalhadores, representa uma porção do
capital circulante investido.
Além da reposição do capital circulante no valor de 2 bilhões, os agricul·
tores recebem, no final do ano (na suposição de Quesnay), urna sorna adicion.!
igual a 10% do torai de seu capital fixo investido, isto é, l bilhão de libras a mais.
Essa soma, no entanto, não é, na verdade, um lucro sobre o capital. Qucs~·
supõe que ela apenas repõe a parte do capital fixo que foi gasta ao longo do ano
e todas as perdas que possam ter ocorrido acidentalmente (colheitas, inunda·
ções, tempestades, etc.) - em suma, que ela é um fundo de arnortiuçáo e de
segurança. Se, como supomos, o valor do capital fixo (implementos, gado, erc.l
é de l Obilhões de libras e tem um tempo de vida de dez anos, é claro que, rodo
ano, um décimo de seu valor se perderá. Por conseguinte> para manter 0 ~pl.
·..:
fixo constantemente cm boa condição, será preciso gastar anualmente 1 bilháO
de libras em sua reposição e renovação (deix:unos de fora, aqui, todos os fundos
de segurança).
As. . ltores que .investiram
SJm, os agr1cu . . de t 2bºlh.
um capital 1 oes
delibraleJll
.
seu negócio recebem 3 bilhões no curso de cada ano: 2 bilhões como rep~
de seu capital circulante e l bilhão como compensação pda porção gas~ de as
capital lixo. Se os agricultores vendem a colheita inteira por 5 bilhões de lib~
2 bilhões que restam como um excedente além dos custos de produção fo ,jiá·
o rendimento líquido, ou "produto líquido", e é pago aos propriedrioS liJll
C~ASSE.S SOCIAIS 157

rios como renda. Os próprios làzendeiros não recebem qualquer rendimento


líquido, mas apenas uma indenização pelo capital que gastaram. O único ren-
dimento que eles obtêm com o processo de produção é a obtenção dos meios
necessários de subsistência para eles e suas fam.i1ias (mesmo se numa quanti-
dade maior e de melhor qualidade do que aqueles obtidos pelos trabalhadores).
Consequentemente, embora os agricultores sejam capitalisras, eles não recebem
nenhum lucro de seu capital, mas apenas obtêm seus meios necessários de subsis-
tência, ou um tipo de salário, mesmo que maior do que o do trabalhador."'
Essa falha em apreender a natureza social do rendimento dos agricultores e
em dar a tievitla dimensão fJ categoria áe !11cro é um dos erros mais sérios dos fisio-
cratas. No esquema 6siocrata, o agricultor figura simultaneamente como capita-
lista, investindo um considerável capital em seu negócio, e como uabalhador, dele
extraindo um simples salário. E mesmo sendo verdade que haja um rendimento
ulterior de l 0% sobre o capital fixo, isso representa muito mais uma reposição
de capital do que um lucro. Quesnay percebe que o agricultor obtém um tipo de
rendimento na proporção de seu capital investido, mas eJe se recusa a apresentá-lo
como um rendimento líquido (lucro) extraído depois que os custos de produção

É somente em Turgoc que enconcramos uma indicação dara de que o agricultor (assim
como o capitalina industrial) recebe "'um luao suficiente para compensá-lo por aquilo
que seu dinheiro deveria ter rendido se tivesse sido empregado na aquisição de uma
fazenda [..•] sem nenhum esforço" e que está acim3. da reposição de seu capjta.l gasro e
do sa1ário por seu trabalho pessoal no interior da empresa. Turgot foi um dos primeiros
cscrirorcs a tentar fornecer uma teoria do lucro e determinar sua magnitude. A seu ver, o
lucro do capital é igual à renda total que o proprietário de um capital monetário receberia
se o tivesse usado para comprar uma área de terra. Se uma p:i.rccla. da terra comprada
por mil libras tivesse um rendimento liquido (renda) de 50 libras, então wn capital de
mil libras teria de render um lucro de 50 libras - cm outras palavras, a mxa de lucro será
estabelecida cm 5%. O erro de Turgot é derivar o tamanho do lucro do preço da terra,
quando, na verdade, é juSlamcntc o concrário: as mudanÇ2S no preço d:t terra dependem
das Ru1uaÇ6c., na taxa de lucro (ou juro). Com uma taxa de juro de 5%, uma área de
terra rendendo um produro líquido de 50 libras será vendida por mil libras; se a wra de
juro é de 10%1 o preço dessa mesma área de rcrra não excederá 500 libras. O exemplo
ck Turgot mostra que mesmo 0 mais cap:t.cirado cérebro dentre os 6siocraw continuou
ªbuscar aplicações para as leis da economia capital.isca (nesse caso, para a taXa de lucro)
unicamente no interior da esfera da agricultura (aqui, o preço da terra). Isso demonstra
0 auaso das condições econ6micas francesas e o continuo predomínio da agricultura. A

Ol:planação que Turgor fornece da cuca de lucro tem muiw similaridades com a expla-
nação da taxa de juro nprcscntada por Pctty (ver capitulo 7).
158 0$ FISIOCRAT"S

foram cobertos. Como defensor da classe agrícola, Quesnay quer "reservar" llll!
rendimento mínimo (lucro) para o agriculror, rendimento que estaria seguro das
garras de ávidos proprietários fundiários e de um governo extravagante. O Únieo
caminho que ele enconcra para fazer isso é descrever o rendimento inteiro dos
agricu!cores como uma compensação por seu capital e como meios necessários
para sua subsistência. Para manter em segurança o rendimento dos fazendei.
ros, Quesnay cransferiu-os do âmbito do rendimemo líquido e da reposição dos
custos de produção e deixou a renda paga aos proprietários fundiários como 0
único item que forma o rendimento líquido. Para proteger o lucro dos agrkuho.
res, Quesnay os cravestiu de crabalhadores e camponeses que não recebem senão
seus meios necessários de subsistência.
Oucra razão para essa desconsideração do lucro dos agricultores reside nas
condições acrasadas da França do século XVIII, onde os agricultores ainda eram
numericamente escassos e encontravam-se espalhados n:um mar de camponeses
e métayers. Na França daquela época, o arrendatário agricultor nem sempre era
claramente discinguido daquele outro arrendatário, o métayer, embora este último
(como o camponês) excraísse de seu cultivo apenas seus meios necessários de sub-
sistência. Além disso, o agricultor frequentemente trabalhava sua propriedade
juncamente com seus trabalhadores e parecia se fundir com eles socialmente. A
natureza do agricultor como capitalista ainda não havia se cristalizado com claraa
suficiente; os laços entre fazendeiro, camponês, métayer e trabalhador agrícola
tornou a transição de um para o outro muito pouco perceptível.
Já tivemos de fazer uma breve referência à terceira classe de pessoas ernpre-
gadas na agricultura (classe que Quesnay não distingue como um grupo espea·
fico), isto é, aos trabalhadores agrícolas assalariados.
Esses trabalhadores a<>rícolas vendem aos fazendeiros seu "crabaJho', ou
e d " salário'
rorça e crabalho, e recebem em troca um salário. Qual 0 tamanho desse
D e acord o com a teona • dos salários não excede o nu'nirn° 0",
· fi·s1ocrata, o mvel
• · para sustentar a existência dos trabalhadores. Nas palavras de Ques"'"·
cessar10
"o nível dos salários, e consequencemence os benefícios que os assalariados pe<l~
0 bter . fixados e reduzidos a um mínimo pela extrema concorrênº'
para si, são d
que existe entre eles".' O salário depende do preço dos alimentos do rrabalhª º''
. ,;s
acima de tudo dos cereais. "A remuneração diária de um ::oi
trabalhad~r é fii<ad3
ou menos naturalmente com base no oreco 2o.s cereais."6 Esta assiro chaJ.Oª
CLASSES SOCIAIS 159

de ferro dos salários", que durante os séculos XVII e XVIII teve muitos defenso-
res entre os mercanrilistas, foi formulada de modo ainda mais preciso porTurgot
(que é, por isso, considerado o seu amor):

Uma vez que [o empregador~ tem à escolha um grande número de operários, ele
prefere aquele que trabalha a um preço menor. Assim, os operários são obrigados a
competir uns com os outros e baixar seus preços. Em todo cipo de trabalho cem de
ocorrer necessariamente, e assim ocorre na realidade, que o salário do trabalhador
é limitado ao necessário para sua subsiscência.7

Se, como vimos, os fisiocratas confundem o fazendeiro capitalisra com o


camponês e o trabalhador agrícola, seu erro é repetido ainda mais grosseiramente
quando aplicado à indústria. O fazendeiro, como descrito por Quesnay, embora
não receba qualquer lucro, é, não obsrante, um capitalista, na medida em que
investe somas substanciais no capital lixo e na contratação de trabalhadores. De
acordo com a visão de Quesnay, o industrial figura como um artesão que não faz
nenhum investimento no capital fixo e não contrata trabalhadores. Tais artesãos
(membros da "classe estéril") não gastam senão matérias-primas e seu trabalho
pessoal e, pela venda dos produtos que produziram, recebem em troca apenas
uma compensação por suas 11UZtérias-prim11J mais o valor dos meios de subsistên-
cia necessários para eles mesmos e suas famílias. Como no caso dos fazendeiros,
o lucro dos industriais é ignorado, sendo considerado pelos fisiocratas a "sub-
sistência" do artesão ou os "salários" dos trabalhadores. Também os industriais,
como os fazendeiros, recebem apenas um substituto para seu capital ou custos
de produção, isto é, pelos gastos que eles realizaram com matérias-primas e com
seu próprio sustento e o de suas famílias enquanto crabalhavam. Essa confosáo de
capitalistas industriais com artesãos pôde ser facilitada porque havia muito poucos
capicalisras de grande escala na França do século XVIII, ainda predominando as
oficinas anesanais.

Notas

l. Ao longo dessa discussão sobre os fisiocratas, Rubin usa o termo ..improdutivo"


(n~proizll0t1itd'ny1) em vez de "'estéril" (stérik), usado pelos fisiocratas.
2· Turgoc, ReAections, in: Meelc, 1huconomics ofphysiot:Ttiq, 1962, p. 153.
iso

3. lbid., p. 155.
4. Literalmente, "inve.sâmentos na terra", uaduzidos por Meek como "groundad:
. . VQtl(tl~
5. Quesnay, The second economtc problem, m: Mcclc, 7he economics ofPhJsio ·
1962, p. 194. """
6. lbid., p. 258.
7. Turgor, Reflexions, in: Meck, 7he economics o/physiocracy, 1962, p. 122.
Capítulo 14
O PRODUTO LÍQUIDO

A análise da divisão de classes da sociedade nos leva ao ponto ceniral da


doutrina lisiocrata: sua teoria da produtividade tXC!usiva t'4 agricultura. De acordo
com a teoria lisiocrata, a agricultura é um "emprego produtivo" porque o produto
do cultivo não repõe simplesmente os cusros rotais de produção do agricultor,
mas rende, acima desses custos, um ceno excedenre, um "produto" ou "rendi...
menco líquido", que é pago como renda ao proprietário da terra. A indústria
constitui um emprego ªestéril", uma vez que o valor dos produtos industriais não
excede os custos de produção. É apenas na agricultura que a riqueza realmente
cresce ou que nova riqueza é criada.
Adiante, veremos que há uma dU1J!idade distintiva dessa doutrina da pro-
dutividade exclusiva da agricultura. Em algumas ocasiões, os lisiocratas dizem que
a agricultura gera um "rendimento", isto é, um excedente de valor de troca além
dos custos de produção; em outras, dizem que a agricultura rende um "produto
líquido", isto é, um excedente de artigos de consumo além do necessário para a
subsistência do agricultor. Em outras palavras, ora os lisiocratas entendem a pro-
dutividade exclusiva da agricultura como a capacidade de esta última render uma
'{U/JntÍ4 de valor excedente, ora como sua capacidade de produzir um excedente
de tjUIJntidade de produtos 1114ttrÍllÍI. O fato de a agricultura ser produtora de valor
é confundido com a produtividade foica da cerra, uma dualidade que torna a
teoria lisiocrara propensa à confusão e à contradição.
O que levava os lisiocraras a buscarem uma explanação do "rendimento"?
Era o fato de que 0 valor dos produtos industriais contém seus custos de produção
(mais o lucro), ao passo que o valor da produção agrícola inclui, além desses
elementos, também a renda paga ao proprietário da cerra. Os lisiocraras eram,
162 OS O'ISIOCRATAS

. coniroma
assim, , dos com 0 problema da renda: como se podia explicar esse '"ai
v or

manifestamente maior da produção agrícola, que rende uma quantia excedente


de valor, a renda da terra?
Com os fisiocratas, 0 problema da renda assume uma forma particular em
=.ão de sua falha (como vimos ameriormeme) em caprar a exisrência do lucro
e ao fato de eles incluírem o rendimento dos agriculcores (assim como 0 dos in·
dustriais) nos custos necessários de produção. Ora, se o lucro está incluído nos
custos de produção, coloca-se o seguinte problema: o que explica que o valor dos
produtos industriais reponha apenas o custo da produção, ou o capital, ao passo
que 0 valor do produto do cultivo rende um valor excedente, um rendimento
líquido além do necessário para repor os custos de produção? A renda é, aqui,
convercida de um excedente além dos rostos tÚ produção somado llO lucro num
excedente além apenas dos custos de produção - isco é, em mais-valor. A renda,
que em realidade é parte do valor excedente - como seu lucro -, é tomada como
a única forma de mais-valor, como o único rendimento líquido. O problema da
renda é, assim, transformado no problema do rendimento líquido ou do mais-valor.
Porém, ao colocar o problema do mais-valor, os fisiocracas não podiam
encomrar nenhum caminho para resolvê-lo, pois uma solução correta d(5SC
problema só é possível com uma correta teoria do valor. Se os fisiocracas possuem
uma teoria do vaWr, ela é mal concebida e incapaz de explicar as origens do mais-
-valor. De acordo com a doutrina fisiocrata, o valor de wn produto é igual aos
seu.s custos de produção; consequentemente, quando um produto é vendido por seu
valor, ele não pode gerar nenhum rendimento líquido (ou mais-valor). Os fuio-
cratas disringuiam: 1) o "preço fundamental" de um produto (isto é, seu preço de
custo, ou custos da produção); e 2) o "preço de sua venda em primeira mão" (~u
seja, o preço pelo qual o produro é vendido pelo produror direto). Com respt''°
aos produtos industriais, os fisiocratas afirmavam que a concorrência plenamenct
livre entre os industriais (artesãos) causaria uma queda tendencial no preço de
venda desses produros aré o nível de seus custos de produção (que induirialll"'
próprios meios de subsistência necessários ao industrial). O "preço de venda elJl
. . - " - <ÇO d<
primeira mao nao excederá o "preço fundamental" do produto (seu pr ,
custo}, e a indústria não fornecerá nenhum "rendimento" acima da comperisaçiº
pelo custo de produção.
E . •#
m sua teona do valor, os fisiocratas aderem, assim, à teoria dos 'bai·
de produção"• que, de modo plenamente consistente, os leva a negar a p0SS'
O Pf'IOOUTO LIOUICIO 163

dade de que a indúscria possa receber um rendimento líqttido ou um m4is-valor.


Todavia, tendo em vista que os fisiocracas se movem no âmbito da agricultura,
sua ceoria do valor acaba por rejeitar o fato de que exista um rendimento liquido
ou renda. De onde deriva essa renda que figura como um excesso no valor do
produto além de seus custos de produção? O preço da produção agrícola "na
venda em primeira mão" excede claramente seu ªpreço fundamental" pelo valor
da renda que nele está incluído. Isso significa, por sua vez, que a lei dos cuscos de
produção falha ao ser aplicada aos produtos da agricultura; estes estão subordi-
nados a uma lei do valor completamente diferenre daquela que rege os produtos
da indústria.
Qual é a lei do valor que governa a produção agrícola? Quesnay, em certo
momento, argumenta que, em virtude do rápido crescimenco da população, a
demanda por esses produtos ultrapassa constantemente a ofcrca, fazendo-os serem
vendidos a um preço adma de "'" custos tk prod11ção: a margem entre o preço
de venda e os custos de produção é o que forma o rendimento líquido (renda).
Em asência, no encanto, tal afirmação - de que o preço da produção agrícola é
eternamente maior do que seu valor- equivale à negação compleca de uma teoria
do valor.
A tentativa de Quesnay de explicar a origem do rendimento liquido a
partir de um aumento no valor da produção agrícola se mostrou fracassada.
Desprovidos dos únicos meios metodologicamente corretos para a explicação do
mais-valor - isto é, com base na teoria do valor-, os fisiocratas não tinham outra
escolha senão recorrer a outro procedimento fundamentalmente falso. Uma vez
que se torna impossível derivar o rendimento liquido de um aumento no valor da
produção agrícola, não passa a ser necessário explicar sua origem de modo com~
plecamente independente daquele valor de troca da produção? Se não há como
demonstrar que a agricultura tem o poder de produzir um aumento no valor, não
temos, então, de tentar derivar o rendimento liquido diretamente de uma maior
produtividade física da cerra? E foi assim que Quesnay chegou à ideia central
da doutrina fisiocrata, segundo a qual a fome do rendimento liquido deve ser
procurada na produtividade ftsic11 da trrra.
Primeiramente, o problema da renda foi transformado no do rendimento
líquido. Agora, este último é transformado num problema de "'produto liquido":
0 fato de que, na agricultura, apareça um excesso no valor do produto além do

valor dos custos de produção é atribuído à produtividade física da terra, que


164 OS ~1$10CAATAS

rondo um exeedenu de produçâo in natura superior à quantidade de produtos


investidos como custos do produção. Uma investigação da relação entre o valor
do produto e sou custo do produção é posta de lado e substituída por llllla
investigação da relação entre diferentes quantidades de produtos in natura _
entro aque!cs gastos na produção, por um lado, e aqueles obtidos na colheita, por
ouuo. Para poder estabelecer essa comparação entre a colheita e os custos de
produção numa base in natura, os fisiocratas lançam mão de duas. simplificações:
em primeiro !ugar, ignoram os custos de produção constituídos de capital fixo
(ara<!os, inscrumentos, etc.) e sustentam que, na agricultura, os custos de produção
são e!es mesmos produtos agrlcolas ou grãos (sementes, forragem e os meios de
subsistência do agricultor). Em segundo lugar, os lisiocracas, ao calcularem os
custos de produção, conferem um peso preponderante aos meios de subsistência
destinados ao agricultor. Ora, uma vez que os custos de produção são equipara-
dos aos meios de subsistência do agricultor, o problema do excedente in natura da
colheita além dos custos de produção é transformado na seguinte questão: de onde
\ deriva o excedente nos meios de subsistência que a colheita rende além dos meios de
subsistência requeridos para manter o agricultor durante operíodo de seus trabalhos!
Para os fisiocratas, esse excedente deve ser explicado pela produtividade da
terra e por sua capacidade de criar nova substância material. Seguindo Cantillon,
o economista inglês, os fisiocratas sustentam que, na agricultura, há um processo
de geração que cria nova substância material além daquela que existia previa-
mente, um aumento quantitativo que não pode ter lugar na indústria, uma vez
que esta última limita-se simplesmente a conferir à sua substância umajôrm4
diferentt. Nas palavras de Quesnay, o ttabalho do sapateiro "consiste apenas em
dar às matérias-primas uma forma definida"; trata-se "simplesmente de uma
produção de formas, e não de uma produção real de riqueza". Na agricultura.
há uma "geração e aiaçã.o de riqueza", um incremento real da substância. Na
indústria, há somente uma "combinação" entre matérias-primas e gastos eorn os
meios de subsistência dos artesãos; 0 produto final é simplesmente 0 resulrado
da combinação entre essas matérias-primas e os meios de subsistência, que já
existiam anteriormente ~ produção industrial, ambos tendo sido produzidos
pela agricultura.' Na agricultura, a riqueza é "multiplicada"; na indústria, el•
é apenas "composta". Paolctti, o fisiocrata italiano, expressou essa ideia corn a
má.xima clareza:
O PRODUTO LIOUIOO 165

Dê ao cozinheiro urna medida de ervilhas, com as quais ele deva preparar seu
;ancar; ele lhe trará as ervilhas à mesa, bem cozidas e bem servidas, mas na mesma
quantidade em que elas lhe foram dadas; por outro lado, porém, dê a mesma quan~
tidade para o jardineiro, a fim de que ele as plante; transcorrido o tempo devido, ele
retornará a você pelo menos o quádruplo da quantidade de ervilhas que lhe fora
dada inicialmente. Essa é a verdadeira e única produção. 2

Apenas ã. agricultura gera uma nova matéria em troca daquilo que é con-
sumido e destruído pelo homem. A indústria não pode ctiar nenhuma substância,
mas apenas transformar ou modificar sua forma.
A agricultura gera nova substância material para a sociedade humana.
Como a melhor parte disso consiste nos meios de subsistência humana, a agri-
cukura é não somente a fonte de nova substância material mas também a únifa
fonte desses meios de subsistência humana. Isso significa, por sua Ve"l, que a agricul-
tura rende os meios de subsistência não apenas para os agricultores, mas também
para outras classes da sociedade. "É o trabalho do agricultor que regenera não
só os bens de subsistência que ele mesmo destruiu como também aqueles des-
truídos por todos os outros consumidores." É isso que confere uma suprema su-
perioridade social à classe de agricultores, que "podem sempre subsistir por sua
própria conta, vivendo dos frutos de seu próprio trabalho. O outro, se deixado a si
mesmo, não poderia obter nenhuma subsistência de seu próprio trabalho estéril",
a menos que pudesse receber meios de subsistência da agriculrura. 3
Mas sabemos também que esses meios necessários de subsistência consti-
tuem os salários, tanto dos crabalhadores agrícolas como dos operários industriais.
Segue-se, portanto, que a agricultura é a fonte de salários, tanto para a população
agrfcola quanto para a industrial. "De qualquer modo que o trabalho [do agricul-
tor] faça a terra produzir além de suas necessidades pessoais, esse é o único fundo
do qual são pagos os salários que todos os membros da sociedade recebem em
uoca por seu crabalho."4 Ao entregar parte de seus meios de subsiscênda à classe
indus[rial em troca das manufaturas desta última~ os agricultores aparentemente
lhes pagam sua subsistência, ou salários. Os agrkulmres formam a classe que paga
0 trabalho da população industrial; esta é "assalariada" pela classe agrícola.

O curso do pensamento dos fisiocrataS pode, aqui, ser resumido como um


conjunto de proposições, cada uma das quais ajudando a detalhar os traços gerais
da agricultura:
166 OS FISIOCfilATAS

1) a agricu!rura é a fonte da renda (que é a m~rgem entre o valor do produto


e os custos de produção mais o lucro do agricultor);
2) a agricultura é a fonte da renda líquida (que é a margem entre o valor
do produto e seus custos de produção, esta última contendo, também, de
modo implícito, o lucro do agricult0r);
3) a agricultura é a fonte de toda nova substância material, que ela põe à
disposição da sociedade para satisfazer as necessidades de seus membros;
4) a agricultura é a fonte do produto líquido (que é o excedente da produção
da agricultura além dos produtos que sáo gastos no processo de produção):
5) a agricultura é a fonte do mais-valor dos meios de sribsistênda olém
daqueles meios de subsistência necessários aos agricultores;
\1
6) a agricultura é a fonte dos meios de subsistência, tanto para as populações
/ agrícolas quanto para as populações industriai>~
1) a agriculrura é a fonte dos salários que pagam o trabalho da população
industrial.
O ponto de partida, para os fisiocratas, é o va!or maior produzido pela agri·
cultura como fonte de renda, ou produto líquido. Para explicar esse fenômeno,
eles veem a fonte de nova substância material na produtividade física da agricul·
tura, e os meios de subsistência, na forma in natura de seus produtos. Os fisio-
cratas passam dessa "primazia" física à primazia social da agricultura como a única
fonte dos salários que nutrem e "mantêm" a população industrial.
Desse modo, toda a teoria fisiocrata do rendimento líquido é atravessada
por um dualismo fundamental entre dois pontos de vista: o do valor e o faic•·
Eles cometem dois erros básicos. Em primeiro lugar, não existe a diferença fai'4
básica que eles discernem entre agricultura e indústria. A agricultura, náo impart2
o que pensam os fisiocratas, não produz substância alguma, mas simplesmcnce
transforma a difusa substância material do solo, do ar e da água em cereais; 0111
outras palavras, ela dá à matéria uma forma que é adequada à satisfação das ne-
cessidades humanas. No entanto, a indústria faz exatamente a mesma coisa. D•
· ·1ar, nao
modo sim1 · h'a quaiquer
1 • ridad<
base para atribuir à agricultura uma superlO
especial em permitir uma colaboração entre 0 trabalho humano e as forÇ35 da
natureza, uma vez que essa mesma colaboração com as forças da natureza (v•Pº''
eletricidade) tem lugar no processo de trabalho industrial. .
O segundo e mais importante erro dos fisiocratas é tomar a produô""
dade física da agricultura (mesmo que ela existisse) e dela deduzir que a pro&uçáº
o PAOOUTO 1.•ou100 167

agrícola tem um valor mais alto. "Seu erro", escreveu Marx, "estava em confundir
0 aumento da substância material, que - em razão dos processos naturais de
vegetação e geração - distingue a agricultura e a pecuária da manufatura, com
0 aumento do valor de troca." 5 Os fisiocratas não suspeitavam que a incapacidade
do trabalho industrial em criar nova substância material não o impossibilitava de
modo algum de ser uma fonte de mais-valor. Não tivessem incluído artificialmente
0 lucro capitalista nos custos de produção e eles ceriam sido forçados a concluir
que a indústria também rende um lucro ou rendimento líquido superior à mera
restauração de seus custos de produção. Por outro lado, os fisiocratas falharam
em captar que esse aumento na quantidade material dos produtos agrícolas (um
aumento que eles atribuíam à maior produtividade física da cerra) ainda não sig-
nificava qualquer crescimento na sua quantidad• de valor d• troca. Os fisiocracas
confundiram a produção de produtos in natura (valores de uso) com a produção
de valor de troca. Tal confusão reflete meramente o estado atrasado da agricul-
tura francesa no século XVIII, que passava por uma fase de transição de uma
economia natural para uma economia de trocas.
Apesar da profundidade desses erros, a teoria fisiocrata do rendimento
líquido continha ideias férteis para seu desenvolvimento futuro.
Os fisiocratas viam que a caracteriscica decisiva da prosperidade econômica
era o crescimento do rendimento líquido ou mais-valor e que o principal objetivo
do processo produtivo era aumentar esse rendimento. Mesmo que equivocados
ao atribuir exclusivamente à agricultura a capacidade de gerar um rendimento
líquido, eles foram perfeitamente consistentes em chegar à conclusão de que
somente a agricultura constitui um emprego "produtivo". Sua doutrina errônea
da produtividade exclusiva da agricultura estava, portanto, fundada numa ideia
correta: a de que, do ponto de vista da economia capitalista, apenas o trabalho
'fU• rende mais-valor pode ser considerado produtivo.
No encanto, os fisiocratas prestaram um serviço ainda maior ao levar a
questão da origem do mais-valor da esfera da troca para a esfera da produção.
Os mercantilisias haviam conhecido o mais-valor fundamentalmente como lucro
sobre o comércio, no qual eles não viam mais do que a remarcação que o mer-
ca.dor realiza no preço da mercadoria. Em sua visão, o lucro tem sua fonte no
âmbito da troca, especialmente o do comércio exrerior, ocupação que eles consi-
deravam a mais lucrariva. A doutrina mercantilista de que o comc;;rcio é a fonce
de rendimento (ou lucro) líquido foi duramen<e refuiada pelos fisiocraias. Para
eles, o comércio não traz nenhuma riqueza 11ov11 para o país, uma vez que a livre
168 OS FISIOCA.ATAS

concorrência e a abolição de todos os monopólios exclusivos e restrições corner-


ciais reduzem-no a uma troca de um produto material por outro de valor igual,

De minha parte, não pos.so ver no comércio nada além da troca de valor por
outro valor igual, sem qualquer produção, mesmo que determinadas circunstân.
cias tornem essa troca lucrativa para uma ou outra das partes contratantes, ou até
para ambas. De faco, deve-se considerar que o comércio é lucrativo para as duas
\ pan:es. pois cada uma delas procura para si mesma o gozo da riqueza que elas
podem obter apenas por meio da troca. Mas aqui não há jamais outra coisa senão
uma troca de um item de riqueza de um valor por outro item de riqueza de valor
igual e, por conseguinte, absolutamente nenhum crescimento da riqueza.6

Apesar de todas suas vantagens e sua necessidade, o comércio não pode


ser considerado uma ocupação "produtiva". A fonte de nova riqueza (rendimento
líquido) tem de ser procurada no interior da própria produção (agricultura), e
não na troca.
A teoria fisiocrata de que a troca é uma troca de equivalentes pressupõe que
os produtos tenham um valor determinado mesmo antes de entrarem no processo
de troca. "A formação de preços sempre precede as compras e as vendas". "O preço
real dos produtos é estabelecido ances de sua venda." Quesnay expressou, aqui,
uma proposição teórica de extrema importância, que mais tarde seria desenvol-
vida por Marx: o valor do produto é estabelecido no processo de produção, mesmo
antes de ele entrar no processo da troca.
A base a partir da qual os mercantilistas reconheciam o comércio exterior
como mais lucrativo era a de que ele permite ao país receber um valor maior par
menos, e trocar um produto in natura por dinheiro ou metais preciosos. Em
sua doutrina sobre a equivalência no valor de produtos cambiáveis, os fisiocrataS
refutaram o primeiro desses preconceitos mercantilistas; em sua teoria da. motM•
voltaram-se concra o segundo. De acordo com os fisiocratas, o objeávo deV•~
ser produzir tantos producos in natura quanto possível; vendê-los ou cransforin•·
-los em dinheiro não apresenta qualquer dificuldade, tampouco rende qualquer
vantagem particular.

· . dores? É
Ha reaJmence uma maior necessidade de compradores do que de vende sd
realmente mais lucrativo vender do que comprar? Deve 0 dinheiro ralJnCPC( 0
preferido às boas coisas da vida? Certamente, são essas coisas que constl(l.lefll
o l"AOOUTO 1.lov100 169

verdadeiro objeto de rodo o com~rcio. O djnheiro apenas facilira a croca mútua


dessa riqueza comum por sua circulação, sendo adquirido por essa ou aquela parte
no procwo.

O dinheiro, em outras palavras, não é verdadeira riqueza, mas apenas um


meio para tornar mais conveniente a troca mútull d.e valores de uso, nos quais
consiste genuinamente a riquer.a. "Assim, o dinheiro não c.onstirui a verdadeira
riqueza de uma nação, a riqueza que é continuamente consumida e regenerada,
pois o dinheiro não cria dinheiro."7 Portanto, "é nessa riqueza que renasce, e não
[...] no estoque monetário da nação que consiste a prosperidade e o poder de um
Estado". 8 O dinheiro desempenha apenas o papel de "um símbolo a interm.,_
diar as vendas e as compras".9 A moeda cunhada "não tem outro uso senão o de
facilirat a troca da produção, servindo como um símbolo intermediário entre as
vendas e as compras" .10 "Desse modo, não é no dinheiro que deveríamos pensar,
mas, antes, nas trocas de coisas que devem ser vendidas e compradas, pois é nessas
trocas mesmas que reside a vanragem que as partes contratantes buscam pata si
mesmas." 11 A política mercantilista de atrair dinheiro pata o país pela via de uma
balança comercial favorável é equivocada. A preocupação deveria ser a de mul-
tiplicar os produtos do cultivo, mais do que a de aumentar o estoque de moeda
do país; se a produção é abundante e seu preço, vantajoso, não haverá escassez
de dinheiro vivo. Uma nação assegura a si mesma o maior produro ou rendi-
mento líquido possível não aumentando sua quantidade de moeda por meio
do comércio, mas ampliando seu volume de produtos por meio da produção
(agricultura).

Notas

l. "Devemos esrabelecer uma d.isrinção entre um somllr dos itens de riqueza que .são
combinados uns com os ouuos e a produrão de riqueza. Ou seja, ~ preciso disrin..
guir enuc um crescimento proporcionado ptla combint1{io de marérias-primas- que
implica o consumo ele coisas que já existiam antes desse crescimento- e umagmzrio
ou criação de riqueza, que consriNi uma renovação e um crescimento rttlÍ da riqueza
renascente" (Quesnay, Dialogue sur ks lftlVllllX tks artisAns (Diálogo sobre o uabalho
dos artesãos], traduzido em Mcek, 7ht «0nomia ofpbysiomcy, 1962, P· 207).
2. Apud Marx, 7htorin ofsurplus 1111/u<, parte 1, Moscou: Progress Publishers, edição
inglesa, 1%9, p. 60.

r
3. Apud Georges Weu!ersse, ú mouvement physiocratique en France (de 1756 à 1770),
v. 1 (Haia: Editions Mouton, 1968, reimpressão fotográiica da edição de 1910),
p. 256.
4. Turgoc, Reflections, in: Meek, lheeconomicsofphysiocracy, 1962, p. 122. "O agricul-
tor, no geral, pode passar sem o trabalho do outro trabalhador, mas nenhum traba-
L'-t.ador pode trabalhar se o agricultor não o sustenta. Nessa circulação, que por meio
da croca recíproca de necessidades torna os homens necessários uns para os outros e
constitui o elo da sociedade, é, port:anto, o trabalho do agricultor o primeiro motor,
Tudo o que a terra, graças ao trabalho do agricultor, produz além de suas necessida-
des pessoais é o único fundo a partir do qual são pagos os salários que todos os outros
membros da sociedade recebem em troca de seu trabalho. Estes últimos, fazendo uso
da faculdade que, nessa troca, lhes é dada de comprar os produtos do agricultor, não
fazem mais do que lhe devolver exatamente aquilo que dele receberam. Temos, aqui,
uma diferença básica entre esses dois tipos de trabalho [... ]."' Essa passagem mostrai
além do ponto para que Rubin aqui chama a atenção, o verdadeiro insight de Turgot
sobre o salário, cuja natureza é a de ser antecipa® ao trabalhador pelo capitalista,
depois retornando necessariamente a este último; isco é, a ideia do salário como parre
do capital circulante do capitalista. Marx demonstra isso muito claramente ao longo
de suas discussões sobre a circulação capitalista. no livro II de O capital, especial-
mente cm seus esquemas da reprodução simples.
5. Marx, 1heories ofsurp/us va!ue, parte li Moscou: Progress Publishers, edição inglesa,
p. 62-63; grifos de Marx.
6. Quesnay, Dialogue on the work of anisans, in: Meek, lhe economics o/phyJiocr•tJ•
1962, p. 214.
7. Quesnay, Maxims, in: Meek, lhe economics ofphysiocracy, p. 252.
8. lbid., p. 251.
9. lbid.
1O. Quesnay, Dialogue on thc work of artisans, in: Meek, lhe economics ofphysiocr4 tJ•
1962. p. 218.
11. lbid., p. 219.
Capítu:o ~5

O TABLEAU ÉCONOMIQUE DE QUESNAY

Tendo tratado da doutrina fisiocrata sobre as diferentes classes sociais e


ramos da produção, podemos agora passar à análise do famoso Tableau économi-
que, cujas linhas esboçam a figura da reprodução e distribuição do produto social
inteiro entre as várias classes e ramos da produção.
Quesnay escreveu a primeira versão do Tableau économique em 1758, e
um pequeno número de cópias foi rodado na gráfica da corte. Esse texto inicial
do Tableau desapareceu e só foi descoberto em 1894 por um estudioso que tra-
balhava com os escritos de Mirabeau. Reclamações sobre sua falta de clareza
e incompreensibilidade levaram Quesnay a publicar, em 1766, a Ana!yse du
Tableau économique, da qual fornecemos uma explicação a seguir. Os fisiocratas
aclamaram o Tableau como uma descoberta científica de grande importância;
Mirabeau o comparou à invenção do papel e da moeda. Seus oponentes ridicula-
rizavam essa "obra quase ininteligível", e ela permaneceu, na expressão de Engels,
como "um enigma insolúvel da esfinge", 1 indecifrada e inacessível ao pensamenro
científico até meados do século XIX. Marx foi um dos primeiros a demonstrar a
imensa importância científica do Tableau, um juízo agora reconhecido por todos
os estudiosos.
Passemos, então, ao Tableau. 2 Como sabemos, Quesnay divide a sociedade
em três classes básicas: 1) a classe dos "proprietários" (os proprietários de terra,
incluindo a Coroa e 0 clero}; 2) a classe "produciva" (os agriculcoresJ que repre-
sentam a inteira população agrícola); e 3) a classe "estéril" (a população comercial-
-industrial, profissionais liberaisJ etc.). Como, enrão, o produto social coral criado
no curso do ano é distribuído entre essas três classes?
172

Tomemos 0 pomo no qual 0 ano produtivo se encerra e o novo ano está


apeni.o:; começando, ou seja, o outono, quando a d~ pr~dutiva (que doravante
chama.r~mos de agricultores) já realizou a colheua, CUJ~ valor, suponhatnos,
soma. 5 bi~'iões de libras.3 Para obter essa colheita, os agricultores realizaram 05
. tos ao \ono-o do ano recém-terminado: 1) um capital circulante de
~~p a . .
2 bi!..1i.ôes de libras (subsistência para rodos aqueles envolvidos no cultivo, forragem,
sementes, etc.); e 2) l bilhão de libras para o reparo e a renovaçáo do capital fixo
(instrumentos, gado), ou seja, 10% de 10 bilhões de libras, que é o valor total do
õtiXJ.ue de capital fixo. Os agricuh:ores gasearam, então, um total de 3 bilhões de
/ ~bras e receberam uma colheita no valor de 5 bilhões. O excedente dos 2 bilhões
é 0 produto ou rendimento líquido que o cultivo gerou e que vai para os senhores
rurais (que chamaremos doravante de "proprietários") como renda. Os agriculto-
res já haviam pago esses 2 bifüões de renda aos senhores rurais, em dinheiro, no
inicio do ano, e é em dinheiro que eles guardam essa quantia. Por fim, a classe
"estéril" (que chamaremos de "industriais") começa o novo ano produtivo com
um estoque de bens industriais no valor de 2 bilhões, que eles teriam manufatu·
rado duranle o ano recém-lerminado. Assim, no início do novo ano produtivo,
nossas crês classes possuem o seguinte, seja em produtos ou em dinheiro:

1) os agricultores tôm um estoque de produtos agrícolas no mor de 5


bilhões de libras (dos quais 4 bilhões em alimentos e 1 bilhão em matérias·
-primas para a indústria);
2) os proprietários têm 2 bilhões de libras em dinheiro;•
3) os industriais têm 2 bilhões de libras em manufaturas industriais estocados.

Emão, tem início um processo de troca ou circulaçáo entre essas três classe'
~ue consiste numa série de atos de compra e venda entre elas. Para conferir
ª.nossa exposição, apresentamos dois esquemas: o primeiro descreve a transfere~:
dar:
• · d e dinheil1l·
eia de produtos entre as dif.erences clas.ses, e o segundo, a transferenc1a

O e.toque intclro d d. h · i1h. de \ibtP


e ltl ciro vivo na sociedade é limitado a esses 2 b õCS nb"
~~e=meçam 0 .ano nas mãos dos proprietários de cerra. O próprio QuesriaY supt1
<>toque igual a 3 b"\h. de .
i\:o:s. ~uemas, cada linha i. o~ libras, mas isso não afeca o problern~· ;io de Ubr,lS-
A direção das indica um ato de circulação requerendo 1 b 1lh dinhcit\1
601. tr-.lllifcrido SCW.mostradc:t\ual :al\ . dcoouo /iJ
(cm cada ac . ~ para qu e asse social o pro u rodut~)·
figuras indicam a • .o, 0 d.inb.c1ro se move na direção o pesca à dos P tl letf3-J.
sequencia dos atos individuais da circu\açáo. O círculo corri
O 7ABt.EAU ~CONOMIOUE DE 0UE$NAY 173

A Agricultores
Produtos. indu.stti:i"Ls 2 P Proprietários

Figura 1. QUESN'AY; Uquema da circulação de mercadorias

Como fica óbvio no esquema da figura l, o primeiro ato de circulação é,


para os propriecários, a compra de 1 bilhão em gêneros alimentícios dos agri-
cultore• para •ua própria manutenção ao longo do ano. Esse 1 bilhão de libras
em gêneros alimentícios passa, nesse ato inicial de c.irculaçáo, de A para P, ao
passo que a mesma quantidade de dinheiro se move em direção inversa, de P
para A (figura 2). Como resultado desse primeiro ato de circulação, obtemos
a seguinte distribuição de produtos e dinheiro: os agricultores têm produtos
agrícolas no valor de 4 bilhões de libras (3 bilhões em gêneros alimentícios e
1 bilhão em matérias-primas) mais 1 bilhão em dinheiro; os proprietários tem
1 bilhão em gêneros alimentícios e 1 bilhão cm dinheiro; os industriais têm 2
bilhões cm manufaturas.

Figura 2. QUESNAY: ãqucma da circulação monctéria

- representa a classe dos agri"ultores. o com lcua J o dos indmtriais e o com a lcua Po dos
propri(:cários ou tcrra-rcnenrcs.
~o segundo at0 de circulação, os proprietários tomam seu bilhão de libras
restante e compram produrns industriais para seu próprio consumo; esses produ.
tos se movem de [para P, enquanto o dinheiro se move de P para!. O resultado
desse segundo ato da circulação é: A tem 4 bilhões em produtos agríco\,, e
1 bilhão em dinheiro; P tem 1 bilhão em gêneros alimentícios e 1 bilhão de libras
em produtos industriais; e l cem 1 bilhão em produtos industriais e J bilháo de
libras em dinheiro.
~o terceiro aro de circulação, os industriais> que rt"ceberam l bilhão em
dinheiro dos proprietários,* comam esse dinheiro para comprar dos agri.cuhores

"\ os gêneros alimentícios necessários para sua própria manutenção ao longo do


ano. O resultado desse terceiro ato da circulação é: A tem 3 bi!hões de !ibras em
produtos agrícolas (2 bilhões em gêneros alimentícios e l bilhão em matérias-
-primas), _mais 2 bilhões em dinheiro; P cem 1 bilhão de libras em gêneros ali-
menticios e 1 bilhão em bens industriais; J tem produtos industriais no valor de
l bilhão, mais l bilhão em gêneros alimentícios.
~o quarto ato da circulação, os agricultores tomam o dinheiro recém-
-obtido dos industriais e o empregam para comprar de volta deles l bilhão de
libras em itens industriais, que, digamos, consista de ferramentas e ourros im·
plementos requeridos para reparar e restaurar seu capital fixo. Após esse quarto
passo: A tem 3 bilhões em produtos agrícolas (2 bilhões em gêneros alimenrícios
e l bilhão em matérias-primas), bens industriais no valor de 1 bilhão de libras'
mais l bilhão em dinheiro; P cem gêneros alimentícios no valor de l bilhão de
libras, mais 1 bilhão em produtos industriais; Item gêneros alimencícios no valor
de 1 bilhão de libras e mais 1 bilhão em dinheiro.
Finalmente, no quinto ato da circulação, os induscriais comam 0 dínhei~
recém-recebido dos agricultores para comprar destes l bilhão de libras em rna:
rias-primas que serão trabalhadas na indústria. Em seguida a esse quinto atod
circulação: A tem gêneros alimentícios no valor de 2 bilhões de libras (que "

Como os industriais, no terceiro ato da circulação, dão aos agricultores 0 linh12 "'""'º
dinheiro que eles próprios haviam recebido dos proprietários no segundo at~· ~a) IC>"'
no esquema da circulação monetária leva diretamente à linha 3 (assim como hn·caJl'lelltc
à linha 4 e esta à linha 5). O uso de urna linha ininterrupta mostra que é fisJ dorí;l."
a mesma moeda que aqui troca de mãos. No esquema da circulação de mer;is. 11"
as linhas nio estão conectadas umas com as ouuas, mas estão enuecortadas.
Table11u, cada produto é uansferido do produto ao consumidor apenas urna ver-
OIE 0 VI: S N,\Y 175

retêm para sua própria subsistência), 1 bilhão em produtos industriais e 2 bilhões


em dinheiro; P tem gêneros alimentícios no valor de l bilhão de libras e 1 bilhão
de libras em produtos industriais; 1 tem 1 bilhão em gêneros alimenrícios e 1
bilhão em matérias-primas.
Mesmo com toda sua simplicidade, o esquema de Quesnay foi a primeira
cencaciva engenhosa de descrever os processos de reprodução, circulação, distribui-
ção e consumo dos produtos de uma sociedade como um rodo unificado. A intenção
de Quesnay é traçar o caminho da reprodução social, ou seja, revelar aquelas
condições que tornam possível a repetição periódica e ininterrupta do processo
produtivo. Quesnay inicia seu Tableau a partir do ponto em que a colheita foi
reali1.ada, quando o produto social anual agregado - que ele trata como uma
entidade singular - foi produzido. Com a completude da produção, esse produto
entra no processo de circuÍJtçáo, formado por uma série de atos de compra e venda.
No Tableau, o processo inteiro d.e circulação é reduzido a cinco aros de compra
e venda emre diferentes classes. De faro, cada um desses at:Os da circulação
listados no Tableau consiste de uma mulciplicidade de transações discreras entre
indivíduos separados. O primeiro ato, por exemplo, abrange muitos milhares
de compras separadas que os proprietários realizam dos agriculcorcs, mas que,
sendo todas de uma namreza similar, são combinadas no Tableau numa compra
única. São os aspecros sociais e classistas desses acos da c\rculação que imeressam
a Quesnay: isto é, como eles promovem a cransferência do produto sociaJ entre as
classes sociais. Por essa razão, Quesnay deixa de fora de seu esquema da circulação
as transações realizadas entre membros da mesma classe (por exemplo, aquilo que
os agriculcores compram ou vendem uns dos outcos).
Tal como Quesnay o compreende, o processo de circulação abarca não
apenas o movimento dos produtos in natura, mas também o movimento de
dinheiro numa direção oposta à do fluxo de produtos. O esquema de Quesnay
mostra claramente que 0 movimento de dinheiro é secundário e subordinado -
servindo apenas para a movimentação dos produtos. A circufa.çáo de 5 bilhões
de libras em produtos se serve de 2 bilhões em dinheiro. Dessa soma, ª metade
serve à circulação de l bilhão em produtos (o primeiro ato da circulação); o oucro
bilhão> passando de mão em mão, serve a rodos os quacro estágios r~r~res do
processo de circulação. O resultado final é que a soma inteira de 2 b1lhoes em
dinheiro, que tivera início nas mãos da classe P, acaba em posse da ~as:e ~·
O que, então, faz esta classe com esse djnheiro? Tao logo o processo de c1rcuiaçao

,,...,
1
176 OS FISIOCA.ATAS

esteja completo, ele volta à classe P como renda do ano vindouro. Essa transfe-
rência numa só direção de 2 bilhões em dinheiro de A para P foi indicada cm
nosso segundo esquema pelas duas linhas entrecortadas (passo número 6), cada
uma representando uma transferência de 1 bilhão de libras.• Em suma, o segundo
esquema mostra claramente o crescente movimenro circular do dinheiro; ele passa
de uma mão para a próxima e, evenrualmente, retorna ao seu ponto de partida:
l bilhão de libras passa de P para A, e então volta para P; outro bilhão de libras é
transferido de P para /, então de I para A, de A retorna para I e, então, volta para
A, a partir do qual passa, como renda, a P. 4
Como resultado desse processo de circulação, o produto social agregado é
distribuído entre as diferentes classes sociais de maneira a permitir que o procmo
retome ao seu nível anterior. Os agricultores têm 2 bilhões em gêneros alimcntÍ-
'
' dos (assim como sementes, forragem, etc.) com que mantêm, tanto a si mesmos
quanto a seus trabalhadores, por um ano inteiro; além disso, eles têm l bilhão em
bens industriais para renovar a porção depreciada de seu capital fixo. Eles foram,
assim, compensados pela totalidade de seu capital circulante mais seu capital fixo
desgastado e podem recomeçar o processo de produção em seu volume anterior,
obrendo uma colheita no valor de 5 bilhões de libras no final do ano. A classe in·
dustrial tem seus meios necessários de subsistência (no valor de l bilhão de libras)
mais as matérias-primas (também no valor de l bilhão) que, quando trabalhadas
ao longo do ano vindouro, resultarão na manufatura de bens acabados no valor
de 2 bilhões de libras. Como o valor dos bens indusrriais é igual ao valor das
matérias-primas mais o valor dos meios de subsistência consumidos pelos indus-
triais, é óbvio que a indústria não cria nenhum rendimento líquido. Os agricul·
tores e industriais têm, portanto, estoque suficiente de produtos, canto para seu
consumo pessoal quanto para repetir oprocesso de produção. Finalmente, os proprie-
tários de terra têm aqueles gêneros alimentícios e as mercadorias necessárias para
o consumo de um ano.
O caso que Quesnay examina cm seu Tabkau é o de uma reprodu;íi4 silfl'
'- em que esta se dá na mesma escala que anteriormente. Ele escava, no entaDtº'
p.,,s, ro-
perfeitamcnte conscicnre de que havia outras duas formas de reprodução: ª rep

----- <1>(d'°
Indicamos o movimento de dinheiro (6~ra 2) durante os aros de oornp~ e."°')., 5).
O TABLEAU SCONOMIOUE OE OUCSNAV 177

duçáo em escala aumentada e a reprodução em escala diminuída. A diferença


entre elas consiste nas diferentes magnitudes do produto líquido produzido, ou
_uma vez que isso, por sua vez, depende do volume do capital investido na
agricultura - nas diferenças da quantidade de tal capital. Se há um aumento no
total dos gastos na produção agrícola (à custa seja do ganho liquido que vai para
os proprietários, seja dos gastos na indústria, cujo próprio nível de reprodução
supomos como conscante), o produto liquido crescerá e, com ele, a totalidade
do produto social reproduzido. Se o fundo para os investimentos na agriculrura
permanece no velho nível "incondicionalmente necessário para manter o cultivo
no seu estado anterior ou para restaurar os gastos do cultivo", a reprodução se
dará no mesmo nível de antes. Finalmente, "se os agricultores não podem ter
uma garantia de que receberão de volta toda a sua despesa com a produção", os
gastos com o cultivo diminuirão e, assim, também a escala da reprodução social;
nesse caso, "investimentos, riqueza, empreendimentos úteis, obras necessárias,
produção, rendimento, população - rudo isso declinará por uma force majeur.
Isso constirui uma lei física, estabelecida pela natureza e que torna possível julgar
as fortunas passadas, presentes e futuras dos governos pelo modo como eles se
comportaram ou se comportam no presente". Tal "lei lrsica estabelecida pela
natureza" é a lei básica da reprodução social: se uma economia prospera, permanece
est11cionária ou declina, I algo que depende da expansão, estagnação ou redução dos
gttstos bdsicos na agricultura - ou, em outras palavras, do capiral à disposição da
classe agrícola. Se um Estado quer prosperar, não há outro meio de conseguir
isso senão aumentando 0 capital investido na agriculrura; assim como de não
terá como evitar seu declínio se violar as leis necessárias da reprodução, isro é,
se, por meio de imposcos ou rendas excessi~enre alw, de sufocar ou dilapidar
o capital dos agricultores. Daí se seguem os dois prinópios básicos da pollrica
econômica dos fisiocratas: primeiro, a necessidade de introduzir o livre-comércio
e de aumentar o preço dos cereais de modo a estimular o lluxo de capital para a
agricultura; segundo, a necessidade de proteger esse capital agrícola elas reivindi-
cações excessivas dos proprietários rurais e do Estado.

Notas
1. . n ··h . Moscou· Progress Publishers,
Engcls, Prefácio à terceira edição alemã deA11n·Llll rmg. J •

edição inglesa, 1969, p. 20.


178 OS f'ISIOCRA.TAS
---
2. A discussão de Rubin é baseada na Analyse. traduzida em Meek, 7he economia of
physiocracy, 1962, p. 150-167.
3. Rubin wa rublos; modifiaunos para libras, a fim de corresponder ao texto original
francês de Quesnay.
4. Essa é uma das leis básicas da reprodução simples escabdeddas por Marx no livro U
de O capital, a saber, a de que o dinheiro investido para iniciar o processo de cir-
culação tem de retornar a seu possuidor original; caso contrário, a circulação do
produto anual será interrompida e a reprodução não poderá se reali1.ar. Cf. Capitah
Moscou: Progress Publishers, edição inglesa, 1967, v. 2, cap. 20, seção Ul [ed. bras.:
Karl Marx, O capital: critica da economia política, livro II, 9. ed., Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003).
Capftu:o 16
POLÍTICA ECONÔMICA

Os fuiocracas eram crfricos fervorosos de qualquer interferência estatal na


liberdade de comércio e indústria. Eles reivindicavam a remoção da regulação estrita
e mesquinha do mercantilismo sobre a vida econômica. Os 6.siocraras eram os
ideólogos do livre-comércio e, nesse sentido, os precursores da escola clássica. Mas
havia uma diferença fundamental entre o ripo de comércio defendido pelos 6sio-
craras e aquele proposto pelos economiscas clássicos. Tal diferença emerge de suas
diferentes posições social e de classe. Tanto os fuioaaras como os economistas
clássicos protestavam contra a política mcrcantilisra, que havia trazido riqueza
para alguns setores privilegiados da burguesia comercial; ambos clamavam que
os interesses do capital mercamU fossem subordinados aos do capital produtivo.
No entanto, enquanto os economisras clássicos entendiam o capital produtivo
fundamentalmente como capital industrial e visavam pavimentar o caminho para
0 forre avanço da indústria, os fisiocraras privilegiavam, como vimos, os inreres·

ses do capital produtivo agrícola. Os economistas clássicos assumiram a causa da


burguesia industrial; o que eles esperavam do livrc-,omércio era a importação,
para a Inglaterra, de (;Creais estrangeiros Por um baixo preço. Como defensores da
burguesia rural, os fisiocracas viam o livre-comércio e a livre cxporcação de cereais
como um meio para aumentar o preço destes últimos. Os economistas clássicos
foram os porra-vozes do /ivrt-aJmircio industrial; o livre-comércio defendido pelos
fisiocratas era agrário.
O que movia o ataque furioso dos .6.siocraw ao mercanrüismo era o fato de
que este, para eles, criara uma aguda divergência entre os preços dos produtos in~
d~tria.is e agdcolas: enquanto os monop6lios usufruídos por indusuiais, comer-
ciantes e guildas haviam tornado os produtos indusuiais excessivamente caros, os

í
180 OS FISIOCRATAS

preços dos cereais eram artificialmente depreciados pela proibição de sua ex r-


. " . ( h po
tação. Os fisiocratas pretendiam diminar essa d1vergenc1a con ecida em nOSsos
dias como "efeito tesourà') promovendo um aumento no preço dos cereais eu,,.,
baixa nos preços industriais.
Os fisiocratas procuraram dar uma fundamentação teórica a suas demandas
práticas; eles pretendiam demonstrar teoricamente a vantagem dos altos preço,
dos cereais. Para tanto, lançaram mão de sua teoria da reprodução, que ocupa um
lugar central no sistema fisiocrata. Por reproduçiío eles entendiam a renovação do
capital investido (ou custos de produção) juntamente com a produção do produto
.'\ líquido (mais-valor). Tomada nesse sentido, a reprodução ocorre, para eles, apenas
\
na agricultura. Obviamente, então, toda transferência de capitais da agricultrtr•
para a indústria seria acompanhada por um encurtamento no processo total de
reprodução (uma vez que os capitais são renovados ou circulam sem nenhum
"crescimento"), ao passo que o fluxo de capitais da indústria para a agricu/tu,.
traria consigo um processo expandido de reprodução e um aumento no ,..ndimtnto
líquido. Segue-se, portanto, que permitir o fluxo de capitais da agricultura pm
a indústria (ou comércio) é incompatível com os fins da conservação ou possívd
expansão do processo reprodutivo; ao contrário, é o fluxo inverso que deveria ser
encorajado. Para atingir esse objetivo, os preços dos cereais deveriam ser elevados.
o que tornaria a agricultura um empreendimento mais lucrativo e atrairia novos
capitais para ela. Desse modo, o "fundo de investimentos no cultivo" cresceria-
assim como o produto líquido (rendimento líquido) -, o processo de reprodu·
ção se daria numa escala ampliada e a economia inteira receberia um poderoso
estímulo rumo à prosperidade e à expansão.
Dessa doutrina do efeito benéfico dos altos preços dos cereais surge ª
máxima fisiocrata da polírica econômica: "~ão se deve jamais permitir ªqueda
nos preços dos produtos agrícolas e das mercadorias no reino". "Apenas pr~
al tos podem garantir e manter o bem-estar de um povo e de um Estad0 Por rneiº
. Esse e• o alfa e o ômega da aenc1a
dos sucessos do culovo. .• . econom1ca.
• . •1 poralto.
preço, ou bon prix, Quesnay não entende o preço excessivamente alto dos cere:
derivado de uma má colheita (na França períodos assim haviam se alcem"
com anos de cereais baratos, causando un:a terrívd incerteza econômica). O que
ele quer é que o preço dos cereais atinja os níveis alto e estável que predornin:
"entre as nações comerciantes", isto é, no mercado mundial, e que exc~ na
preço em países agrícolas como a França. Para que os preços dos ce
P01.ITICA ECO ... ôr.t1CA 181

França atinjam o seu nível no mercado mundial, é preciso franquear aos cereais
franceses um acesso livre e irrescrito ao mercado mundial _ 0 que explica a !uca per-
sisrence dos fuiocracas concra as proibições mercantilistas da exportáçiÍIJ ~ cereais.
Originalmente, os .fisiocracas entendiam por "livre-comércio", acima de tudo, a
livre exporcação de cereais. Na visão de Quesnay, a livre imporcaçáo de cereais
só poderia ser permicida nos anos de má colheica, de forma que ele defendia 0
livre-comércio à medida que os inceresses da agricultura o demandassem. Foram
os discípulos de Quesnay que conferiram ao slogan "livre-comércio" um carácer
mais amplo e mais absoluto, e foi apenas com eles que a famosa fórmula dos
livre-cambiscas - laissez faire, laissez p11Sser - começou a ser repetida com fre-
quência crescente.
Os lisiocratas não buscavam a liberdade de comércio simplesmence como
um meio de elevar os preços dos produtos agrícolas; ela era, cambém, um meio
pelo qual os preços dos produtos industriais podiam ser reduzidos. A livre importação
de manufaturas bararas da Inglaterra ou de outras nações indusuiais enfraquece-
ria a posição monopolista das manufaturas locais e das guildas de mescres-arcesáos,
cujos preços inflacionados sobre os produtos acabados prejudicavam seus consu-
midores agrícolas. Ninguém deveria se queixar dos estrangeiros que inundavam
a França com manufaturas baracas e destruíam seus industriais locais. O país só
ganharia se esses industriais franceses concluíssem que não era luaaóvo conónua-
rem a produzir e a investirem seu capital na agricultura: cada libra investida na
agricultura renderia um produto líquido, ao passo que na indústria ele circulava
sem gerar nenhum "incremento". "Uma nação agrícola deveria facilitar um ativo
comércio exterior de produtos primários, por meio de um passivo comércio
exterior de mercadorias manufaturadas que ela pode comprar vantajosamente do
exterior.,, Assim, o ideal .6.siocrata de política comercial externa. - um ideal ditado
pelos inceresses da agricultura e da classe dos agricultores- era vender Ctrl!ais para
o exterior por alros preços e, on contrapartida, comprar do at~rior 1111Znufat1lrll.f
industriais baratas.
Assim, o primeiro beneficio do livre-comércio é garantir a um país ªum preço
vantajoso em suas vendas e compras" (isto é, um alto preço dos produtos agrícolas
e um baixo preço dos bens induscriais). o segundo benefício do livre-comércio é
queª concorrência mútua entre os mercadores os força a abaixarª remuneração
e reduz.ir seu lucro sobre o comércio ao nível dt stuS mtios neeessdrios de subslstindtJ.
Somente a livre concorrência pode forçar industriais e mercado«.S a abrirem mão
de seus lucros excessivos de monopoliscas, cujo fardo recai sobreª classe dos agri-

(
182 O.S l'ISIOCRATAS

cultores. Temos, então, a famosa máxima VIII de Quesnay: "A política econômica
governamental deve se preocupar em encorajar apenas os gasros produtivos e 0
comércio de produtos primários '.a produção e a circulação de produtos agríc0-
las- I.R.: e não deve interferir nos gastos estéreis :a indústria e o comércio-1.R.;".'
Para que a classe dos agricultores seja aliviada de seu fardo de "sustentar" a
esfera da indústria e do comércio, é preciso que esta última esteja livre da inrerfe-
r<ncia estatal e se torne uma arena para a concorrência desenfreada enrre indus-
rriais e mercadores (tanto nativos quanto estrangeiros).
Para os fisiocratas, o livre-comércio era um meio de fazer que as "tesouras"
se movessem na direção oposta, em que os preços dos produtos industriais cairiam
ao nível dos custos necessários de produção e o preço dos produtos agrícolas au-
mentaria ao nível do mercado mundial. A classe dos agricultores, no entanto,
tinha de se defender não apenas da política mercami!ista de encorajar unilateral-
mente a indústria e o comércio a expensas da agricultura; seus interesses também
tinham de ser protegidos das exigências excessivas dos proprietários fondiários e
do governo. No capítulo 9, vimos que, depois que o agricultor pagava a renda
e os impostos, o que sobrava era, com frequência, apenas o suficiente para sua
escassa subsistência. Era compreensível, então, que, sob essas condições, aqueles
que possuíam capital demonstrassem tão pouco desejo de arrendar terra. Para
atrair capitais para a agricultura, os agricultores teriam de ter a garantia de que 0
montante combinado de sua renda e dos impostos (juntamente com o dízimo da
igreja) não ultrapassaria o "rendimento" total que resta depois que seu capital e
seu lucro no cultivo foram cobertos. A doutrina tributária dos fisiocratas era UlD•
reivindicação de tal garantia.
Os fisiocratas defendiam que todas as formas de impostos diretos e
indiretos fossem substituídas por um único imposto rural direto, a recair sobre
0 "rendimento". O imposto tem de ser proporcional ~o rendimento líquido, au·
meneável apenas em proporção ao crescimento desse rendimento. Mas como 0
rendimento líquido vai para os proprietários de terra como renda, o imposto t(/ll
de recair exclusivamente sobre os proprietários fondidrios e ser calculado segundo
certa proporção à renda que eles recebem.• Esse plano de um imposto único sobrf

----- ,r·
Em ~ua A~alyse, Quesnay afirma que, do rendimento líquido cotal, quauo de ,sece pifl\'
tes sao reudas ~los proprietários fundiários, duas vão para 0 E.nado em forIJ\3. de
postos e uma vaJ para a igreja como dízimo.
P01..IT1C" ECONÔhl~C" 183

a renda dos proprietários fandiáríos foi posteriormente retomado por reformado-


res burgueses radicais (incluindo Henry George). Para a França do século XVIII,
era um projeto ousado, que equivalia, nas palavras de Marx, "ao confisco parcial
da propriedade fundiária";3 mas ele também significaria a abolição da isenção
de impostos de que gozava a aristocracia, uma vez que um único imposto seria
cobrado de rodos os proprietários fundiários, incluindo a nobreza.
Do mesmo modo que com seu slogan do livre-comércio, os fisiocratas
tentaram dar uma sustentação teórica a sua reivindicação por uma reforma tri-
butária. Eles formularam, assim, sua doutrina sobre o rendimento líquido e a re-
produção. Como sabemos, o valor do produto anual rotai é dividido em duas
partes: uma subs~itui o capital investido (custos de produção, nos quais se inclui o
lucro do agricultor); e o excedente constitui o rendimento líquido. É óbvio que a
primeira porção é uma "propriedade fixa" com uma função claramente definida -
ser reinvestida na produção. Somente o rendimento líquido, como "propriedade
transferível"', é que pode ser "disposto como lhe aprouver"': para ser gasto nas ne-
cessidades dos proprietários fundiários, do Estado e da Igreja (assim como para
melhorias adicionais na terra). Se nenhum imposto incidisse sobre o rendimento
líquido, mas sobre o capital agrícola, isso diminuiria os gastos com o cultivo, im-
possibilitaria que a produção se desse em sua escala anterior e levaria à redução
do rendimento líquido e à ruína, tanto do proprietário rural quanto do Estado.

Os impostos não deveriam [...~ incidir sobre a riqueza dos agricultores da proprie-
dade rural, pois os investimentos que se realiMm na agricultura de uni reino deveriam
ser considerados como se fossem uma propriedadefixa que necessita ser preservada com
máximo cuidado a fim de assegurar a produção de tributos. rendimento e subsi'stênda
para todas as classes de cidadiios. Do contrário, a tributação degenera em espoliação
e gera um estado de declínio que não tarda em arruinar o Estado."'

A reivindicação básica dos fisiocratas em relação aos tributos era a de que, a


firn de manter o processo de reprodução cm sua trilha adequada, o capital agrfcola
deveri'a ser tratado como inviolável
Se o capital agrícola cem de permanecer inviolado, não se poderia lançar o
peso da tributação sobre os salários dos trabalhadores ou sobre a classe comercial-
·indUstrial? Os fisiocratas rejeitavam ambos os esquemas. Todo imposro sobre os
trabalhadores necessitaria de um crescimento de seus salários, uma ve:z que des
recebem apenas seus meios necessários de subsistência; e isso seria inev·
Itavelni
pago por aquelas "pessoas que contratam os trabalhadores", isto é, pelos rn "'~
a<>ricultores capitalistas. Estes, tal como os mercadores e industriai ""1o.
D • ~~
sob 0 livre-comércio, apenas seu capital (custos de produção) e seus . ""O,
. . me1osn
sários de subsistência. Um imposto sobre o rendimento comercial 0 . ""-
. . , . u 1nd11sr·
inevitavelmente aumentaria os gastos na industna e no comércio ~
• . . , •ºque,.·
pago, no fim, pela populaçao agncola. Como nem a industria nem "'
. . . . . o com/reio
criam qualquer nqueza (rendimento lxquxdo), todo imposto que incida b
so reda
- assim como sobre a classe trabalhadora - acabará por cair sobre a
. • • •
ªº .
l
0 ncutuii,
sendo arrecadado do capital agncola ou do rendimento liquido. O primeiro
já mencionado anteriormente, viola o processo inteiro de reprodução e to:
o país à ruína. No segundo caso, se o imposto tem de ser transferido para 0 ren.
dimento líquido de qualquer forma, não seria melhor fazê-lo incidir diretamen1<
sobre essa reserva de recursos "transferíveis"? ~ão apenas é mais barato raxaréi.
retamente o rendimento líquido (isto é, a renda dos proprietários rurais), nw
também, desse modo, torna-se possível manter a quantia de impostos exaramemr
proporcional ao tamanho do rendimento líquido.
Esses princípios básicos da economia e da política tributária fuiocra>
estavam intimamente vinculados, tanro à sua posição social e de classe quanroi
sua perspectiva teórica. A introdução de um livre comércio e de um imposto ruri
único abriria inevitavelmente o caminho para o crescimento da agricultura"'
pitalista. Por um lado, o comércio de cereais seria liberado de uma regula\i'
administrativa arbitrária e submetido às vicissitudes do mercado mundial, cu?
situação era forte e rentável; por outro lado, o capital agrícola seria proregido I>
reivindicações dos proprietários fundiários e do tesouro, e o apetite desce últint'
seria restringido ao ãmbito do rendimento líquido. Ambas as condições prom•
. . . . . eria re0~·
venam necessanamente o fluxo de capitais para a agnculrura, que s. f.J/Jn
nizada de modo capitalista, levando ao enriquecimento da classe agrxcola. 111"
.
d isso, . . . de po l'.
esses pnnc1p1os • . d envavam
1t1ca econom1ca . log1·camente dasodrnes·ot
d repr uç:i
kis de reprodução descobertas por Quesnay. Para que o processo e . eil"•
desenrole normalmente, o capital agrícola tem de ser salvaguardado, .P:(l)I" e
ue agnc
de ser reduzido durante o processo de circulação e troca en os d•
indústria - o que requer, por sua vez, liberdade de comércio, com alcos.preÇd:i ~r
. preços .xndustnais;
cereais e baixos . . e, segundo, de roda reduçao - ocas'º'"'
diários'ª'
deduções realizadas para atender às necessidades dos proprietários fun
J"Ol,,ITICA. ECONÕMICA. 185

E.o;iado _ o que requer que a renda e os impostos sejam limitados pelo tamanho
do rendimento líquido, isto é, pela introdução de um único imposto sobre a renda.
Como a reoria econ6mica dos lisiocratas visava descobrir as leis da reprodução
capitalista, sua política tconômica tinha de assegurar que esse processo de reprodu-
ção se desenrolasse normalmente. No encan10, como vimos em nosso capítulo
sobre o direito natural, os fisiocratas consideravam suas leis da reprodução capi-
talista leis "naturais" ecernas e imucáveis. É, porcanto, compreensível que eles con-
cebessem seus princípios de política econ6mica como sendo comandados pelo
direito natural. Eles declaravam o livre-cométcio como uma "liberdade sagrada,
que pode ser vista como um resumo de todos os direitos do homem", exatamente
do mesmo modo como a "taxação é subordinada pelo Criador da natureza a
uma ordem definida", prescrita por leis naturais e coincidentes com o programa
tributário dos fisiocratas. Todas essas partes do sistema fisiocrata - a concepção
filosófica das leis naturais, as leis teóricas da reprodução e os princípios de política
econ6mica - eram inextricavelmenre ligados uns aos outros pela unidade de sua
posição social e de classe, ela mesma exemplificada por seu sistema.

Notas
1. Qucsnay, Maxims, in: Mcelc, lhe economies ofphysiOCT11C], p. 235; grifos de Quesnay.
2. lbid., p. 233.
3. Marx, 1heories ofsurplus valw, Moscou: Progrcss Publisher>, edição inglesa, parte !,
p.52.
4. Qucsnay, Maxims, in: Meek, 1he wmomia ofpbysior:r119, 1962, p. 232; grifos de
Qucsnay.
Capítu:o 17
O LEGADO TEÓRICO DOS FISIOCRATAS

O principal serviço teórico dos fisiocratas está em sua tentativa de desvelar


o mecanismo da economia capitalista como um todo. Os mercantilistas haviam
se dedicado a analisar os fenômenos econômicos individuais, principalmente
aqueles que apresentavam um interesse prático imediato. No melhor dos casos,
des se limitaram a um estudo da conexão causal entre uma série de fenômenos
separados; sua teoria do equihbrio comercial, que elucidava a conexão entre o
movimento das importações e exportações de mercadorias e as flutuações na taxa
de câmbio de uma moeda, representa o maior grau de generalização que o pen-
samento mercancilista foi capaz de atingir. O que caracterizou a teoria fisiocrata
foram suas amplas generalizações e sua tentativa de descobrir a conexão entre
todos os fenômenos básicos da economia capitalista. Essa é a razão por que sua
teoria da reprodução social como um processo unificado, que abarca todos os
aspectos da vida Cconômica, ocupa o centro do sistema fisiocrara.
A teoria da reprodu;áo social, tal como formulada no Tableau ltrmomique
de Quesnay, representa o legado teórico mais V2lioso dos fisiocratas, pois nele o
pensamento econômico demonstra uma capacidade de generalização que poucos
outros exemplos podem igualar. Deixando de lado todas as particularidades e
detalhes, Quesnay, em poucos traços audazes e engenhosamente simples, descreve
0 processo inteiro da reprodução capitalista em roda sua abrangência, abarcando

ª produção, a circulação, a distribuição e o consumo de produtos. Aqui, o pensa-


mento de Quesnay atinge o nível máximo de generalização: a economia inteira é
concebida como uma troca de objetos materiais entre 4grif:11ltura e indústria - a
sociedade é explicada como uma totalidade composra de classes sociais específicas;
os produtos produzidos e dispersados por rodo o país são agregados num único
188

proc!uco S(J('ial, e este é, então, distribuído - por uns poucos atos essenciais da
ârr1</açiio (sendo cada um deles, em si mesmo, uma generalização de uma mu).
tip!icidade infinita de atos específicos de compra e venda) - entre as principais
classes sociais. Pertencem a Quesnay; o conceito da economia como um processo
periodicamente repetido de reprodução; a ideia de que a riqueza de uma nação
é o resultado de um processo de produção que se renova a cada ano; a ideia de
que o produto nacional é distribuído entre classes sociais individuais _cada urna
dessas ideias fundamentais da economia política clássica, que mais tarde seriam
desenvolvidas por Smith e Ricardo.
~ão obstante os erros e a falta de jeito do Tabkatt économiqtte, a teoria
da reprodução social criada por Quesnay pode ser considerada, no geral, 0 pen-
samento mais maduro e completo entre suas criações. Suas ideias básicas se
tornaram parte dos fundamentos da ciência econômica, cm que permanecem
até nossos dias. O quão avançada era sua teoria da reprodução para os padrócs
de sua época se evidencia no fato de q uc os economistas clássicos não apenas
falharam em aperfeiçoar suas ideias, como também, ao menos nessa área, ficaram
atrás de Quesnay. Isso é mais verdade no que diz respeito aos epígonos da escola
clássica, que falhatam em fazer qualquer uso científico das ideias seminais do
Tableatt économique. Enquanto a obra de Quesnay foi, em outras áreas (como
no problema do mais-valor, do capital, dos salários e do dinheiro), aperfeiçoada
pot Smith e Ricardo, seria necessário esperar mais de um século até que a teoria
da reprodução social pudesse ser desenvolvida. Foi somente Marx, no segundo
volume de O capital, quem puxou o fio da investigação inicial de Quesnay-
depois melhorada com a teoria da reprodução social contida no Tableau - '
desenvolveu-a até sua completude.
Essa teoria nos conduz diretamente ao problema do capital e do mais-valor.
e é o desenvolvimento fisiocrara desse problema que constitui seu segundo~~
de serviço científico. Os fisiocraras entenderam a reprodução como a produ:,
de um prorluto que recoloca seu próprio valor (o capital investido) e rende, ai de
desse valor, um excedente ou rendimento líquido (mais-valor). O pro~•'·
reprodução abarca, assim, a recolocação do capital e a produção de ma!S· ·do
d" to [íqUI
Contrapondo agudamente os custos de produção (capital) ao ren unen ·cJistl'
{mais~valor), os fisiocratas caracterizaram incisivamente a economia capi esS'J
como uma economia cujo objetivo é a produção de mais-valor. Ao faze'
·-· o LEGADO TEOA.ICO ººª ,;1s1ocAAT"'S 189

disrinçáo, trouxeram uma grande clare1.a, tanto para o problema d.o capital
quanto para o do mais-valor.
Diferentemente dos mercantilistas, cuja atenção estava focada na forma
dinheiro do capital, os fisiocratas defenderam um conceito de capital produtivo
como a totalidade dos meios de produção. Eles reali1.aram a primeira e, para sua
época, a melhor análise do capital, tanto do ponto de vista de seus elementos
materiais quanto daquele de sua tttXtl de circuúrçáo. Por seu uso dos termos
"'avances primitives" e ªavances annuellel' eles estabeleceram uma distinção fim-
damental entre capitalfoo e circttÚtnte, uma distinção de que Smith se apropriou
in toto e que predomina na ciência econômica até nossos dias. 1 O que é ina-
dequado na teoria fisiocrata do capital (assim como na teoria dos economistas
da escola clássica) é que ela ignora a forma social do capital e se concentra nas
funções técnicas daqueles meios de produção que funcionam como capkal. No
entanto, essa falha - que eles compartilham com a escola clássica - é inerente a
toda tendência científica que. presa a um horizonte burguês, toma a forma da
economia burguesa como eterna e "natural" da economia em geral. É justamente
essa concepção que alimentou os ideólogos progressista& da burguesia durante o
período em que esta ainda desempenhava um papel revolucionário cm sua luta
contra os resquícios da ordem feudal.
A mesma falha básica emerge, mas com uma força ainda maior, em sua
doutrina do rendimento liquido (mais-valor). Como os fisiocrataS não atentavam
para o lucro, o mais-valor foi conhecido por eles apenas na forma da mida da
temz, o que os levou a procurar sua fonte nas propriedades especificas da agri-
cultura. O problema da inter-relação entre diferentes classes sociais (o problema
do mais-valor) foi confundido com o problema da inter-relação entre diferen-
tes ramos de produção. Uma vea. que os fisiocrataS haviam fracassado em sua
tentativa de explicar o mais-valor (renda) com base no valor maior dos produtos
agric:oias, eles não tinham outro recurso senão procurar sua fonte na produtivi·
dade física da natureza. Os lisiocrataS confundiram uma quantia excedem• de
""1or com um produto excedente in natura, a produção de valor com a produção
da substância material e a capacidade da agricultura de produzir valor com a
Produtividade física da terra. Assim, o que os fisiocraw encontraram foi uma
solução f/'sico-naturalista do problema do mais-valor: sua doutrina da natureza
corno fonte do valor e uma teoria da producividacle exclusiva da agricultura. Isso
;.

190 OS r:1s10CRATAS

reflete a !imitação imposta ao pensamento fisiocrata não somente pelos horizon-


tes da economia burguesa, mas também pela perspectiva cada vez mais estreita de
seu setor mais arrasado: a economia agrária seminatural. A estreiteza dessa pen.
pectiva deixou sua marca em roda a teoria fisiocrata, levando-a a uma compreen-
são incorreta do papel da indústria e a ignorar o lucro industrial:* uma vez que
a produção de mais-valor é confundida com a produção de substância material,
a indústria se torna urna ocupação "estéril" incapaz de gerar qualquer "rendi-
mento"; e uma vez que a indústria não gera nenhum rendimento líquido, o lucro
industrial se torna simplesmente uma compensação para os meios de subsistência
necessários ao capitalista industrial. Esses erros intimamente interconecrados- a
solução físico-naturalista para o problema do mais-valor, a doutrina da improdu-
tividade da indústria e a desconsideração da mais básica categoria da economia.
\ capitalista, o lucro - constituem os principais defeitos da teoria fisiocrata e foram
/
aquilo que mais frequentemente forneceram aos seus oponentes razões para a,..
provação e o escárnio. A outra forma de rendimento inerente à economia capim-
lista - os salários - recebeu um tratamento melhor dos fisiocratas do que o lucro.
Para sua época, Quesnay e Turgot forneceram uma das melhores formulações da
ki fÚ forro dos salários, formulação esta que Ricardo desenvolveria e que ainda
conserva seus partidários científicos.
Por mais equivocada que sua solução do problema do mais-valor possa tcr
sido, os fisiocracas realizaram, no encanto, um grande serviço ao expor o problema
de um modo claro e ao transferi-lo da esfera da troca para a esfera da produção·
Os mercantilistas conheciam o rendimento líquido unicamente corno luCIO
comercial, como "lucro sobre a alienação", cuja fonte se encontra numa !!O"'
não equivalente de produtos, a qual, por sua vez, significa que uma das~
contratantes na troca ganha à custa da outra. Os fisiocraras foram os priin•
a levantarem a questão do rendimento absoluto - mais do que do relaóv<> ~ e.
portanto, da possibilidade de haver um aumento da riqueza (valor), rnesm0 onde

Apenas Tu~t mostra ter tido uma visão mais ampla e estar mais inclinado ª. J11~:
prcocupaçao com os interesses da indústria e da burguesia comcrcial·induscrW 1~
cooson~cia com isso, ele dcrnonstrou um interesse re6rico maior no probletnª. d~r é
(ver cap1tulo 13). {A concepção dcTurgot sobre a narurcza do lucro e do in:US"fisheis'
discuti~ ~r Ma~,~ ~e~ ~-~orias dtz mais-valia, Moscou: Progres5 pu.b
O L.ECADO TEORICO DOS FIS•OCA.ATAS 191

haja uma troca de equivalentes. É óbvio que, se esse fosse o caso, um aumento
no valor ocorreria não no processo de troca, mas no processo de produção que
0 precede. A ideia de que o valor i criado no interior do processo de produção e
determinado antes de o produto ingressar no processo de tirculação pertence aos
fisiocratas e forma a base necessária da teoria do mais-valor. Se os mercantilistas
(e especialmente Petty) forneceram uma das primeiras formulações da teoria do
valor-trabalho, o mérito de ter posto o problema do mais-valor pertence aos fisio-
cracas (muito embora sua falta de uma correta teoria do valor os tenha impedido
de solucionar corretamente esse problema). O progresso científico subsequente
consistiu de uma tentativa de criar uma síntese entre a teoria do valor e a teoria do
mais-valor (Smith e Ricardo), uma síntese que apenas Marx seria capaz de realizar
com sucesso.

Nota
1. t interessante conrrastar essa afirmação de Rubin com a visão de Marx. que, no
llvro II de O capital (Capital, Moscou: Progress Publishers, edição inglesa, 1967),
cap. l O, diz que o único avanço de Smich em relação à distinção correta entre
capital fixo e capital circulante realizada pelos fisiocra<as está em sua habilidade para
generalizá-la a todas as esferas da produção capiralista e não con6ná-la simplesmente
à agricultura. Porém, cm todos os outros aspectos, Marx considera a discwsão de
Smith e sua compreensão do problema como um retrocesso em relação aos 6sio-
aatas. Pois a adoção por Smith daquilo que estava correto na doutrina .fisiocrata
coexiste com sua apropriação de alguns de seus erros básicos (mais imporrantc, a
confusão de capiu/ circulante, que é uma relação de valor, com os meios foicos de
subsistência dos uabalhadorcs), erros que tinham uma base lógica no sistema dos
6siocraras, mas que, na teoria de Smith, serviram apenas para obscurecer as relações
m;Us essenciais em.rc capital constante e variável. Para uma discussão mais completa
dessa questão, ver a quinta nota do editor no capírulo 24.
Parte 3
ADAM SMITH

·---
Ca;>ftu:o ~ 8
O CAP:TAUSMO INDUSTRIAL NA INGLATERRA
EM MEADOS DO SÉCULO XVIII

N'a França, o mercantilismo, que refletia os interesses do capital comercial,


provocara a oposição dos fisiocratas, os defensores da burguesia rural. Essa opo-
sição, no entanto, não teve nenhuma consequência prática, pois o programa dos
fisiocratas não foi realizado. As únicas forças que podiam esmagar o mercan-
tilismo eram aquelas da burguesia industrial urbana. Coube à escola clássica,
fundada por Adam Smith, completar a conquista do mercantilismo, tanto na
prática como na teoria. Se os fisiocraras sonhavam com rápidos ·sucessos para
o capital agrícola produtivo, a escola clássica lutava contra o mercantilismo em
nome do livre desenvolvimento do capitalismo industrial. Para melhor compreen-
dermos a doutrina de Smith, temos, primeiramente, de saber algo sobre a siruação
do capitalismo industrial na Inglaterra em meados do século XVIII, às vésperas
da Revolução Industrial.
O século XVIII foi um período de transição na história da indústria inglesa
e se caracterizou por uma coexistência de diferentes formas de organização in-
dustrial: em primeiro lugar, havia as oficinas artesanais independentes, que ainda
existiam como uma relíquia do passado; em segundo lugar, havia um sistema
amplamente difundido de trabalho doméstico, ou indústria doméstica de grande
escala; e, em terceiro lugar, surgiam grandes empresas capitalistas centralizadas,
ou manufaturas.
No início do século XVIII, ainda havia um grande número de artesãos in-
dependentes na Inglaterra. Defoe deixou-nos um interessante retraro da vida dos
mestres fabricantes de roupas que viviam próximo a Halifax:
----....

96 ADA.M SMITH

__ ,
emqua....,wuasas casas havia um ttntn-. e em quase todo tt1lfer uma peça de 10ltpa
~•..: ou ;ha//oo11: '.•••! todo fabricante de roupas cem de ter um cavalo, calvei do;,,
para 0 transporte de sua manufatura; [.•.] assim, todo manufaturador g•ralmcn..
cria uma vaca ou duas, ou mais, para sua família; [••• ) uma casa [está) plena de
trabalhadores robustos, alguns tingindo, outros vestindo as roupas, oucros no tear.
[...] Mulheres e crianças [...] estão sempre ocupadas cardando, tecendo, etc., de
modo que não resta nenhuma mão livre e todos podem ganhar seu pão, do mais
jovem aré o mais velho; acima de quatro anos de idade, quase todos trabalham,
geram seu próprio sustent:o. 1

Os artesãos preservaram sua independência levando eles próprios sws


mercadorias para serem vendidas nos mercados mais próximos.
Porém, chegando a esse mercado, os artesãos geralmente tinham de vender
suas mercadorias não diretamente ao consumidor, mas a um atravessador. Os fa.
bricances de roupas que viviam nas proximidades de Leeds levavam suas mer·
cadorias para essa cidade duas vezes por semana, e lá o comércio era realizado
primeiro sobre uma ponte e mais tarde em dois mercados cobertos. Cada fabri·
cante tinha seu próprio boxe, para onde ele trazia suas mercadorias. Às 6 ou 1
horas da manhã, ao dobrar dos sinos, os mercadores e atravessadores apareciam'
davam início à barganha com os fabricantes de roupas, concluindo o seu negód•
após cerca de uma hora. Às 9 horas, as bancadas estavam vazias e o mercado.
deserto. Nesse sistema, os mestres, embora ainda mantivessem sua indcpendên·
. .. ,,__ umidor.
cia, Jª venwam suas mercadorias muito mais ao mercador do que ao cons
Essa necessidade de vender aos mercadores era causada, na maioria da.>
v=s, pela tsptcialização das oficinas, pelo faro de que cada uma delas escava c0;·
centrada numa região específica e pela expansão do mercado. Se os fabricantes '
.. . manu·
roupas que v1V1arn próximo a Leeds, por exemplo, se especializavam numa: '"'"
fatura de um tipo panicular de roupa, é 6bvio que seu consumo não se l~~
~penas à área de l.eeds; suas mercadorias seriam exportadas para out~ ª .ies
inglesas e até mesmo para outros países. Como os mestres não podi""'~;JJ11
próprios, entregar suas mercadorias em mercados tão distantes. eles as v•P. ,
aos mercadores, cujas caravanas transportavam as mercadorias para v:lrias fe11'3S
cidades comerciais da Inglaterra .
. ibi~·
A distância tÚJs 1TU:rc11dos de matérias-primas, por exemplo, a irn~~·
dade de acessar os grandes centros comcrClais . . para comprar lã, conduz•U•
0 CAPITAL.15MO INDU5TRIAL NA INGLATERRA... 197

bém, ao mesmo resultado: as matérias-primas eram compradas pelos mercadores,


que as distribuíam aos mestres para serem trabalhadas. Assim, em Lanca.<hire, os
tecelões costumavam se abastecer de urdiduras e tramas, trabalhá-las e transpor-
tar os produtos acabados ao mercado. Gradualmente, no encanro, tomou-se mais
difícil adquirir fios, chegando ao ponto em que os mercadores de Manchester
começaram a distribuir urdiduras e algodão aos cecelões, e estes se tornaram de-
pendentes daqueles.
Em outras siruações, a dependência dos artesãos em relação aos mercado-
res foi gerada pela necessidade de comprarem novos meiot de prod11;ão. Os avanços
na tecnologia da tecelagem requeriam que os mescres tivessem um número maior
de teares. Na falta de meios para isso, eram os mercadores que adquiriam os reares
adicionais e os passavam aos mestres.
Assim, as condições cambiantes da produção e venda de mercadorias (a es-
pecialização das oficinas an=nais, o mercado mais amplo no qual essas mercado-
rias eram vr:ndidas, a distância dos mercados para a compra de matérias-primas,
a necessidade de expandir os meios de produção) fizeram que o mtstrHlrtesáo
fosse graduq/men~ subordinado llO mtreador. Em Leeds, o mestre ainda levava suas
próprias mercadorias ao mercador na cidade, mas, gradualmente,, no encanto, o
mercador começou a ir aré o mestre para comprá-las. Os mercadores de Londres
viajavam até os mestres, compravam suas mercadorias e pagavam-nos em dinheiro
vivo; em Birmingham, eles acorriam aos serralheiros por suas mercadorias.
Afasrado do mercado, o artesão se romou dependente do capital mercantil.
Enquanto o anesão podia vender suas mercadorias para vários mercado-
res, ele ainda podia manter um cerro grau de independência. Mas pouco a pouco
ele se tornaria cada vez mais dependence de um mercador em particular, que
compraria roda sua produção, fuia encomendas de mais mercadorias, pagaria uma
parte adianrado e, finalmence, começaria a abasrecê-lo de matérias-primas (e, com
rnenos frequência, com instrumentos para a produção). A partir desse momcnro,
0 Produro deixava de pertencer ao arresão (que, agora, recebia simplesmente uma

recompensa por seu trabalho) e passava a pertencer ao mercador. Esre, por sua
vez, <ornava-se um mercador-empreendedor [putter out), comandando muitos
mesrres-arresãos de pequena escala que agora se rornavam trabalhadores depen-

_____
dentes da indúsrria domésrica. As oficinas artesanais independentes deram lugar
à <ottage. ou sistema domistieo de i"dústria de larga escala, cuja expansão sigrtifioou

../
198 A.DAM SML"l'l-i

a penetração do capital comercial na indústria e abriu o caminho para a completa


reorganizaçáo da indústria numa base capitalista. .
Durante os séculos XVII e XVIII, em concorrência com a ampliação do
sisrema doméstico ou descentralizado da indúsuia de larga escala, surgiram as
manufaturas_ empresas capitalisras cenrralizadas de escala relativamente grande.
A manufatura diferia do sistema doméscico pelo fato de que nela os trabalhadores
não crabalhavam sozinhos, em suas casas, mas eram reunidos num único local
esrabelecido pelo empreendedor. A manufatura se distingue da fábrica posterior
pela predominância do trabalho manual e pela ausência de qualquer aplicação

\ de maquinaria. As manufaturas surgiram ora independentemente do sistema do-


méstico, ora diretamente a partir tkk. Elas surgiam de modo independente onde
/ quer que fosse o caso da implantação, em dado país, de um ramo novo, previa-
mente desconhecido da produção: empreendedores estrangeiros eram enviados
para determinado local com seu pessoal contratado, ou mestres individuais, que
seriam subsequentemente reunidos numa única "manufatura". Foi desse modo
que muitas manufaturas surgiram na França- com a participação ativa do Estado.
Em outros, elas brotaram diretamente do sistema doméstico: o mercador, que
providenciara previamente as matérias-primas a serem rrabalhadas pelos trabalha-
dores da indústria doméscica, reunia esses trabalhadores num único local, onde
eles tinham de trabalhar sob sua supervisão direta. O trabalhador dependente da
indústria doméstica foi convertido num trabalhador contratado (um proletário),
recebendo um salário. O mercador-empreendedor se tornou o organizador direro
da produção, um capitalista industrial. Se a ampliação do sistema doméstico foi
um sinal da penetração do capital comercial na indústria, o estabelecirnento,dc
manufaturas significou a completude desse processo e o nascimento do capitil·
lismo industrial no sentido estrito dá palavra.
' reunir os trabalhadores sob um mesmo teto o empreendedor livrava·•'
n.o
1
do gasto desnecessário envolvido na distribuição dos materiais aos trabalhadores
da"1nd'ustna • · ·individuais e na transferência do produto de algu nstrab•·
· domest1ca
lhadoresª outros para processamento ulterior. Ao mesmo tempo, ele gan bavaul1'
. os
melhor controle sobre as matérias-primas, uma vez que, no sisCema dornéso:;:i.·
mercadores-empreendedores se queixavam continuamente de que os rra . 95·
dores dª .md'ustna
. domestica
' . . ?''"'
se apropriavam de uma parte das materias- odOS
Por outro lado, o sistema doméstico aliviou o mercador#empreendedor de: ~i­
os custos de capital fixos (edifícios, instrumentos de produção), enquanto
0 CAPITAL.ISMO INDUSTRIAL NA INGLATl!:ARA... 199

bilitava aos crabalhadores da indústria doméscica crabalharem em casa e combi-


narem sua acividade com ocupações subsidiárias (agriculcura, culrura de frucas e
vegetais, etc.). Foi graças a essas vantagens que o sistema doméstico se mostrou
capaz de compecir com as manufacuras, tanco mais que escas não apresenca-
vam nenhum avanço especial cm cecnologia. A:; manufacuras foram, porcanco,
incapazes de desalojar e subscicuir o siscema doméstico em qualquer escala signi-
ficativa - essa era uma carefa que s6 poderia ser realizada pelas fábricas, com sua
aplicação extensiva da maquinaria após a Revolução Industrial do final do século
XVIII. As oficinas artesanais indcpendences e o sistema doméstico exisciam lado
a lado com as manufacuras recém-estabelecidas. Estas, mais do que substituírem
essas oficinas, delas usurparam aqueles processos individuais de produção que,
em razão da complexidade de seu processo de produção, da alca qualidade das
matérias-primas envolvidas, ecc., demandavam uma supervisão especial sobre os
trabalhadores. Geralmencc, apenas o primeiro e o último processos de produção
se davam no interior da manufatura, com processos intermediários rcali~ em
casa por trabalhadores da indúscria doméstica. Esse é o motivo pelo qual vemos
muito frequentemente a combinação <ia manufamra com o sistema doméstico:
umas poucas dezenas de crabalhadores (em casos raros, algumas centenas) a tra-
balharem na manufacura, enquanto seu proprietário distribui uma quantidade
subsrancial de crabalho aos trabalhadores da indústria doméscica.
Embora a manufatura não renha se tornado cão difundida durante os
séculos XVII e XVIII quanco o fora o sistema doméstico ou a fábrica do século
XIX. ela desempenhou um papel importante na história do desenvolvimcnco
econômico. A manufatura significou o surgimento do capitalismo industrial,
corn seus característicos traços sodais e tecnológicos: 1) a divisão da sociedade
numa classe de capitalistas industriais e oucra de trabalhadom contratados; e 2) a
dominação da produçiío de grande escala baseada na divisiío do trabalho (embora
semª aplicação da maquinaria).
Na época que precedeu o aparecimento das manufaruras, o capiralisca mone-
tário (o usurário e o financista}, 0 capicalisca mercantil {o mercador) eo mercador-
-empreendedor eram figuras familiares. Escc úlcimo representava um h1brido encre
0 mercador e o empreendedor. Sua linha primordial de negócios era ainda o

CO.tnétcio, e ele assumia a organização da indústria doméstica apenas na mccüda


cm que isso era necessário para um maior sucesso na venda das mercadorias.
Seu rendimento tinha um caráccr igualmencc híbrido. sendo formado em parte

/'
200 ADAM SMITH

pelo lucro comercial ("lucro sobre a alienação") obtido na venda de mercadoria,


cm mercados favoráveis e em parce pela exploração do trabalhador doméstico.
Com 0 aparecimento das manufaturas, o capitalista industrial, no sentido estrito
do termo, emergiu gradualmente com sua própria forma característica de rendi.
mento - o lucro industrial. O proprierário da manufatura viu sua tarefa principal
na organização do processo de produção; ele abandonou seu papel comercial,
passou normalmente a vender suas mercadorias aos mercadores, que recebiam 0
lucro do comércio.
Ao mesmo tempo, foi na manufarura que o processo de formação de um
proletariado industrial foi consumado. É claro que os processos sociocconômi-
\ cos que criaram as precondições para o aparecimento do proletariado haviam se
passado muito tempo antes da difusão das manufaruras, ocorrendo com especial
I intensidade nos séculos XVII e XVIII (a criação de um campesinato sem-terra,
o empobrecimento dos arcesãos, a exclusividade das guildas e a dificuldade de
se tornar um mestre, a separação entre os arcífices e os mestres). Os proletários
industriais tiveram seus precursores nos artífices e nos trabalhadores da indústria
doméstica. Os artífices, no entanto, jamais abandonaram a esperança de adquiri·
rcm instrumentos simples e de se tornarem mestres-artesãos; os trabalhadores da
indústria doméstica, recrutados entre os arcesãos e camponeses semiprolerariu.·
dos, preservavam uma independência ilusória pelo fato de trabalharem em casa.
possuírem seus próprios instrumentos de trabalho e obterem rendimentos eom·
plemencares da agricultura. Os artífices e os trabalhadores da indústria domésáCl
representavam um tipo intermediário entre o produtor independente (o artesão'
o camponês) e o trabalhador assalariado. Os trabalhadores nas manufaturas<"'."
. no sentido
pro1etários ---' da produçao
. exato do termo: a natureza de grand e esc:a.iª •d
• permma
nao · · deles aiimencar qualquer esperança d e as cenderao 01_'1
· · à maioria
dos empreendedores. Desprovidos de todos os instrumentos de pro u ' . 0
d çáo «"
rcceb.iam seu rendimento estritamente da venda de sua força de t rabalh • inu~
0 jst

é, dito de modo preciso, recebiam um salário. E embora ainda hou::,i e;


meráveis laços ligando os trabalhadores da manufarura à produção art d>
indústria doméstica (frequentemente eles haviam sido artesãos e trabalhado:".
' · ·nd<r·
indústria doméstica e alimentavam esperanças de retornar à sua prévia 1 d>I"
• · 1
d cnc1a ·1 us6 na;
· as
• vezes rcceb"iam um rendimento
. awa·1·iar d e um ,,,,qucno
r- pe. sei.JS
de cerra ou de um pomar e, em alguns poucos casos, chegavam ª Pº""" "'311""
próprios instrumentos simples, que levavam consigo para seu rrabalhº na
O CAPITALISMO llllDU8TRIAL lllA llllGl.ATER•A... 201

fatura), seu trabalho na manufatura os colocava na posição social de proletários


contrarados e conferia a seu rendimento o caráter social de um sal:lrio.
Passando das características sociais do capitalismo industrial para as tecno-
lógicas, pode-se dizer que, quanto a seus instrumentos de trabalho, a manufatura
ainda preservava uma continuidade com as oficinas artesanais, ao passo que,
quanto a sua organiuçiío de trabalho, ela abriu o caminho para a fábrica. A apli-
cação extensiva da maquinaria, que garantiria à produção fabril do século XIX
seu rápido desenvolvimento, era ainda desconhecida na manufatura. No entanto,
a forma básica da organização do trabalho já havia sido criada: a produção de
grande escala baseada na divisão do trabalho. Ao lado da previamente existente
divisão social do trabalho entre empresas individuais, surgiu uma divisão tknka,
manufatureira do trabalho, no interior da própria empresa.
A fragmentação do processo de produção em estágios separados também
existira no âmbito das guildas artesanais. Lá, entretanto, ela se dava simplesmente
como uma divisão social do trabalho entre empresas artesanais individuais: os car-
dadores trabalhavam a lã, depois passavam-na ao mestre-fiandeiro, que preparava
o estame; o tcceião tecia o material, o tingidor o tingia, e assim por diante. Dentro
de cada ateliê, a divisão do trabalho era praticamente inexisrenre. A rransição das
oficinas artesanais à manufatura foi um processo duplo: num primeiro momento,
oficinas ou processos de produção independenrcs foram agrupados numa única
manufatura (por exemplo, uma manufatura que fabricava roupas ccunia carda-
dores, fiandeiros, tceelóes, etc.); num segundo momento, cada processo indi-
vidua! de produção (por exemplo, a carda ou a fiação) foi fragmentado numa
série de operações ainda mais deralhadas. Ao fragmentar oproc<SSO tk produção e,
em seguida, combinar suas partes de acordo com um único plano, a manufarura
adquiriu as feições de um organismo complexo e diferenciado no qual tarefas e
trabalhadores individuais formavam um complemento nece.uário uns aos ouuos.
Patalelamenre a essa fravnentação do processo de produção ocortcU a
especialização dos trabalhadom. Para cada operação detalhada era designado um
trai>alhador especifico, que devia se ocupar exclusivamente com ral opetação. O
IllCstrc-artcsão, dotado de um conhecimento técnico m'lis ou menos universal,
foi substituído por um trabalhador dedicado apenas a um deralhc ou parte do
Processo e que, pda consranre repetição da mesma opetação simples e monórona,
tornava-se capaz de executá-la com grande perfeição, tapidcz e dcs1 '=· ~bora a
maioria das operações ainda fosse cxecurada por uaba!hadoccs artesãos treinados,
202

as carc:fu mais simples já eram realizadas por trabalhadores sem experiência pré.
via _ um grupo completamente inexistente no período das guildas. Por ºUtro
lado, a necessidade de coordenar o trabalho de muitos indivíduos dentro de
uma única em;:iresa levou a uma divisão dos encarregados da organização da
manufatura: além do empreendedor, que era o organizador máximo da empraa.
surgiram capatazes, supervisores, vigias, etc. Com a manufatura, os uabalhad~
res com~aram a ser separados em grupos horizoncais: embora artesãos treinados
ou craba.1hadorcs habilidosos ainda formassem o núcleo básico, agora eles tinham
trabalhadores sem treinamento abaixo e encarregados da administrarão acima deles.
\ Por fim, paralelamente a essa especialização dos trabalhadores, ocorreu uma
CSf'(ciali1.ação ou diferenciação dos instrumentos de trabt1lho. Uma ferramenta par·
\ ricular era agora modificada para depender da natureza da operação na qual ela
seria empregada. Isso fez. com que surgissem diferences tipos de martelos, serrotes,
etc., cada um dos quais adaptado da melhor maneira possível a uma operação es-
pecífica. As ferramentas continuaram, no entanto, a ser operadas manualmente,
com sua eficácia dependendo da força e da destreza daquele que as manuseavL
Elas eram pouco mais do que um suplemento para os trabalhadores vivos, que
ainda ocupavam a posição principal no processo produtivo. A manufatura se
baseava na temologi11 manual, cujo 11/to n{ve/ de prod1'tivitÍtlde se devia àfrag111tn·
t11çiio do processo produtivo, à especialização dos trabalh11dores e à diferenciação
dos instrumentos J, tr11b11/ho.
Assim, na Inglaterra do século XVIII foram se desenvolvendo, no inccrior
da indústria, relações novas, capitalistas, ao lado das guildas artesanais p~·
mente existentes! o sisttma doméstico se difundira rapidamente, mas o mesrno nao
ocorreu com a m11nufatu.ra. No curso de seu crescimento, a indústria capitalisU
confroncou·se com obstáculos criados pela atrasada legislação então existente: cin
panicular, o sistema Je gui!Jas, que fora estabelecido para proteger OS intcrCSSCS
das oficina.~ ancsanais, e a politica áo mercantilismo. . de-
As ngulaçii<s da gui/tÍll conferiam o direito a se empenhar de modo"' d•
pendente na indústria apenas àquelas pessoas que haviam concluído scce anosdi-
csrudos e se tornado membros de uma guilda (conforme a lei sobre 0 apt<I'
zado promwga ' da por Elisabete l, em 1562, e que ainda continuava enl vi"°' no
::i-codo
século XVIII). Es.a.s mesmas regulações proibiam a venda de mercadoriasª "'
comprador que não 6...,. parte de uma guilda. A proibição de eonuatar '"eou
do que um certo número de trabalhadores jornaleiros e de aprendizes bJoqu O.S
a construção de manufaruras. Uma complacência estrita com as regulaçóCS
.. ,,...,... .. .,jy- .....,..,... .._. .......... -1 •. _ __

O CAPITALISMO l,.OUSTRIAL "'" '"'CõLATERRA. 203

guildas teria impedido completamente a expansão do sistema doméstico e das


manufaturas. ~as as demandas de desenvolvimento econômico se mostraram
mais forces do que a legislação obsoleta. As próprias guildas foram gradualmence
forçadas a permitir a atuação dos mercadores-empreendedores, uma va que
os arresáos haviam pas..~ado a produzir para mercados discantes e não podiam
entregar suas mercadorias sem sua assistência. Já na Estrasburgo do século XVI,
por exemplo, os tecelões íncapazes de encontrar um mercado para seus produtos
imploravam aos mercadores para que comprassem suas mercadorias. As guildas
foram mais persistentes em sua luta contra as manufaturas, mas também não
puderam concer seu desenvolvimemo. Para escapar das rescriçõe:s das guildas, os
mercadores-empreendedores transferiam suas atividades para áreas ruTttis ou para
novas cidades que não estavam submetidas a seu regime. No encanto, mesmo
em cidades onde vigia o sistema de guildas, as regulações eram completamente
burladas no interesse dos mercadores-empreendedores - novos rdmQs de produção,
que não existiam quando as leis das guildas haviam sido criadas (por exemplo,
o dos produtos têxteis de algodão), foram isentadas de sua aplicação. A lei que
conferia aos juízes de paz o direito de estabelecer níveis compulsórios de remu-
neração caiu gradualmente em desuso: ainda em meados do século XVIII, o
Parlamento reafirmou a força legal dessa lei no interesse dos mestres-tecelões de
pequena escala, mas foi rapidamente compelido a anulá-la sob pressão dos capi-
talistas envolvidos na fabricação de cecido.
A polt'tica mercantiHsta, que em sua época havia servido para implantar
a economia capicalisca, converceu-se, com o passar do tempo, num freio ao seu
desenvolvimento ulterior. A zelosa pacronagem exercida sobre ramos favorecidos
da indúscria nativa prejudicava o crescimento do capicalismo industrial em outro;,·
setores. Por muitos anos, por exemplo, o governo inglês, agindo de acordo com o
interesse da indústria tb:til, havia proibido ou colocado todo tipo de impedimen-
tos ao desenvolvimenco da indústria cêxtil de algodão, que mais tarde garantiria
à Inglaterra sua posição dominante no mercado mundial. Os monopólios das com-
panhias comerciais privilegi.adas estorvavam a iniciativa dos comercianres e indus-
triais privados. O sistema de rígido protecionismo, que ainda enconcrava o apoio
de alguns indusrrialiscas, já começava a seº tornar supérB.uo e acé mesmo prejudi-
cial aos serores mais imporcances da indústria inglesa - têxtil e metalúrgica-, que
não era cm absoluto ameaçada pela concorrência estrangeira e só tinha a ganhar
com. a rcm.oção dos obstáculos que a apartavam do mercado mundial.
204 AOAM SMITH

Para assegurar o poderoso desenvo:vimemo do capitalismo incustrial epar.i


transformar a Inglaterra na fábrica do mundo, era necessário que o comfrcio e a
indústria fossem libertos d.as resrriçóes das guildas e do m<'r.:.mti:isrno. A.< idri,u
de livre-comércio que ~orrh expusera e Hume desenvo!wra (•''°''' o fiur,lJ11 0,
fisiocratas na França) ganharam ampla repercussão n.i. «~und.1 m<'t.1ce ,.fo séi:ulo
XVIII. O brilhante sucesso do livro de Adam Smió. \'CÍ''- .Kim.1 de tudo. de seu.
eloquentes sermões acerca da liberdade de comór.;io e in..:'.i'.i.tri.i..
Adam Smith pode ser chamado de o eco,;~.»:i.<M dl' perfodo m.r~ufarurdro
da economia capitalista. Somente um economista ç_u~ th·~s..~e O~$~rvacio o cresci-
mento do capitalismo industrial por meio de em?r= m.i.nufarureiras de grande
escala poderia apresentar um quadro gera'. Ga. econ,,mia c.i.pira'.isra e ana!isar seus
distintos elementos de um modo rão marcaC:a.menre C:i:êrence da~ue!e <!os fuio-
craras. Smith, na maior parre de sua obra, retrata a economia capita'.ista como
uma manufatura dotada de urna divisão comp'.exa C:o cra~a'.ho: daí decorre sua
teoria da divisão do trabalho. Smith se O?ÕC às :'a:sas ic'.eias dos fisiocratas sobre a
divisão de classes da sociedade, e o faz dividir.do a soriedttde n4S c'4sm dos capita-
listas, trabalhadores assalariados eproprietários de terra. Ee ciiferencia claramente as
formas de rendimento apropriadas a .::ada uma cessas c'.asses e iéencilica a categoria
do lucro industrial- um enorme avanço em re!ação às ingênuas noções de luao
dos lisiocratas. Urna vez que o lucro é idenrilicado como uma categoria especifica.,
supera-se tanto a idenrilicação da renda cvm o mais-va!or quanto com a teoria d•
que a sua origem reside na produtividade fisica da rerra. Smith procura a fonrt
do valor e do mais-valor no trabalho; não simplesmente no traba!ho agrícola. ma.<
também no trabalho industrial. Apesar de cometer erros fatais na formulação d•
sua teoria do valor e na tentativa de dela deduzir os fenômenos da distribuiÇ:ͺ•
· · a ter feito da teoria do valor-trabalho a pedra de roque de 1od•
Smi·th e· 0 pnm<iro
sua teoria econômica, e sua teoria do capital representa um enorme progresso· ~
aspectos técnicos do capitalismo industrial característicos do ;icríodo manufaru
• c.lnO.
retro cricontram seu reflexo teórico na doutrina smithiana da divisão do tra".....
suas a.racrcrisncas
. ·- socws .. se refletem em sua teoria das classes sociais~ ~~ . do
de renclimcnro (especialmente em sua teoria do lucro industrial), em sua. ccari•
valor-traba~ho e em sua teoria do capital.
O CA.PITl\\.ISMO l~OVS.TRIAL li.IA. INGLATERRA.. 205

Nota
OJ.nicl Dcfoc, A 1011t thto' the wfiqfe lrf.1nd o/ Grt11t Britnin, v. 2, 1.Qndtc.s: Pcccr
!.
Davic~. 1928, p. 601-602. Um tenter é um .:a.valete u.~ado par.a est<.'.'ndcr a l'oupa:

um .d111//()IJ11 (:uma p(.·qut·na peça de: tt."cido usada para cobrir forros. Em~ora Rubin
apr<.':.('l'lt(." c.li~C~ m:chos como se fo1'.~cm uma única passagem condnua, tr3U-:'ic, nJ
y(·rdadc, de uma Junção Ge sentenças t0madas de diferentes parágrafos da nJ.rrativa
de Dcfoc. Decidimos fragmentai' as semer.ças tal como da.ç se a?rescnrJ.m no
original d< Defoe.
Capítulo 19
ADAM SMITH, O HOMEM

Na superfície, a vida de Smith é bastante linear. Ele nasceu em 1723, numa


familia de um oficial da aduana, na pequena cidade escocesa de Kirkcaldy. Dando
mostras de capacidades excepcionais desde tenra idade, ele devotou-se principal -
e assiduamente - ao escudo da filosofia. A partir de 1751, Smith passou treze anos
como professor na Universidade de Glasgow, onde proferiu um curso extrema-
mente bem-sucedido de "filosofia moral,,. Seguindo o espírito dos enciclopedis-
tas do século XVIII, o curso não se limitava simplesmente à ética, mas cobria a
teologia, o direito natural e, por fim, uma seção que hoje seria mais propriamente
chamada de política econômica, da qual a teoria econômica de Smith se formou.
Àquela época, a Universidade de Glasgow não possuía uma cátedra separada de
economia política, o que não é de surpreender, dado que a economia política
ainda não havia se constituído como uma ciência independente: os escritos mer-
camilisras tinham um caráter prático, ao passo que, para aqueles pensadores in-
clinados à teoria, a economia polícica ainda permanecia uma parte subordinada
à filosofia e ao direito natural. No pensamento de Smith, as questões econômicas
foram tratadas, inicialmente, como dotadas desse mesmo estatuto subordinado.
Ele dedicou seus principais esforços à sua obra sobre ética e, em 1759, publicou a
Teoria dos sentimentos morais, que lhe garantiu um grande renome.
Quando Smith incorporou problemas econômicos a seu curso sobre
filosofia moral, ele estava provavelmente seguindo o exemplo de seu pred~ces­
sor no departamento, o_ famoso .filósofo Hutchison. Mas enquanto Hurch1son
costumava lºd • .
1 ar com questões econom1cas apenas
de passagem, Smith fez ddas
. 'fica. Smie
gradu ai mence o foco de sua atividade c1enn · h transitou da filosofia para a
208 ADAM SMITH

economia política do mesmo modo como Quesnay chegara à economia política


Partir da filosofia e da medicina. Em nenhum dos casos tal transição pode ser eon.a
siderada puramente acidental: se a evolução de Quesnay pode ser explicada
•. daF Por
sua preocupação crescente com os problemas cconom1cos rança de meado,,
do século XVIII. 0 que influenciou Smith, em primeiro lugar, foram as grandes
mudanças que então ocorriam na vida econômica inglesa e, em segundo lugar, a
influência de seus contemporâneos Humc e Quesnay.
A Inglaterra estava na transição da era do capital comercial para a do cap;.
ta/ismo industrial, e as mudanças na vida econômica eram tão consideráveis que
não podiam deixar de arrair a atenção e o interesse de qualquer um que vivesse
naquela época. Também não se pode pensar que essas mudanças não se faziam
sentir na distante Escócia; a implantação do capitalismo industrial se realizava
lá com sucesso e rapidez especiais. Durante a primeira metade do século XVIII,
o número de manufaturas de grande escala era maior na Escócia do que na
Inglaterra; companhias de capital aberto haviam sido estabelecidas nas indústrias de
tecidos e linhos. Nas montanhas escocesas, a indústria metalúrgica havia rcali1.ado
um grande avanço: foi lá, nas célebres fábricas de Corran, que o famoso Watt,
o futuro inventor da máquina a vapor, criou sua primeira máquina avançada
cm 1769: a bomba hidráulica. Os anos em que Smith viveu e lecionou em
Glasgow testemunharam um rápido desenvolvimento do comércio e da indúsuia
na cidade - manufaturas de grande escala foram estabelecidas, bancos foram
fundados e porros e meios de transportes foram incrementados.
O rápido desenvolvimento econômico da Esc6cia, no século XVIII, explica
por que os círculos comercial-industrial e intelectual de Glasgow demonstravam
um vivo interesse por questões econômicas. Um clube de economia política já
havia sido formado cm Glasgow nos anos 1740, o que, considerando-se a data
cm que foi fundado, faz dele obviamente o primeiro no mundo. Smith era um
habitui desse clube e lá se encontrava semanalmente com seus amigos. Tanto as
conversas no seu interior quanto os eventos fora das paredes do clube forn~
aos economistas alimento para o pensamento. Watt, que mencionamos acilllll•
tinha sua oficina cm Glasgow, onde realizava experimentos de um novo tiPo
de máquina. Quando, cm 1757, as corporações das guildas locais o proibitafll
de realizar qualquer tipo de experimento, Smith acorreu prontamente cm seu
awu1io, e a Watt foi permitido que prosseguisse com seus experimentos na oficiPª
da universidade.
ADAM SMITH, D HOMIEM 209

Ao lado dessas observações sobre o que se "assava ao se rcd


' u or, o pensa-
co de Smith também era nutrido por influências literárias H ( .
men . · ume um amigo
íntimo de Smith) pubbcara sua• obras econômicas no começo dos anos 1750 _
Alguns ar.os depois, foram publicados os primeiros anigos do Tableau écn•omi-
que, de Quesnay. Tanto Hume q~anco o• fisiocracas (que, posteriormente, Smith
conheceria pessoalmente em Paris) exerceram uma force influência sobre ele.
Mais tarde, Smith relembraria esses treze anos de magistério como 0
período mais útil e feliz de sua vida. Ele encerrou e•se periodo como 0 cekbrado
autor de Teoria dos sentimentos morais e com um plano para uma obra econômica
geral. Em 1764, abandonou sua cátedra para viajar à França como o preceptor
de um jovem lorde. No total, Smith passou mais de dois anos e meio na França,
incluindo nove meses em Paris, onde se encontrou com eminentes filósofos e pro-
fessoces, cais como Quesnay e seus discípulos. Em Paris, Smith já era conhecido
como um filósofo, mas ainda não se firmara como um economista; nas palavras
do fisiocraca Duponc, "ele ainda não mostrou o material do qual ele é feito".
Na época de sua visita a Paris, Smith já relatava a seus amigos que planejava
a elaboração de uma obra substancial sobre questões econômicas. Quando de seu
retorno à Inglaterra, no final de 1766, ele decidiu dedicar todos os seus esforços
na consecução desse plano. Em vez de retornar à vida universitária, estabeleceu-
-se em sua Kirkcaldy natal, a pequena cidade onde por sete anos ele levaria uma
existência ceclusa, trabalhando em sua obra. Nenhum dos esforços de seus amigos
conseguiu movê-lo a romper seu isolamento. "Quero saber", escreveu-lhe Hume,
"o que você cem feito, e que você me apresente uma descrição rigorosa do m.!todo
que cem empregado durante sua reclusão. Estou certo de que você está errado cm
muitas de suas especulações, especialmente nos casos cm que cem a infelicidade
de discordar de mim". 1 E escreve, novamente, alguns anos depois:

Não aceito nenhuma. desçulpa de seu estado de saúde, que suponho ser apenas um
subterfúgio inventado pela indolência e pelo amor à solidão. De fa•to, m•u. caro
Smith, se você continuar a recorrer a pretex.ros dessa natwt'Z3. voce acabara Por
romper todos os laços com a sociedade humana, para grande prejuí:zo de ambas
as parres.2

• Em l776 a grande obra de


Os anos de isolamento não foram cm vao. '
Sinith• Investigação sobre a naturrza e as causas da nquer.a
· das 711/fóes, foi apre-
21Q ADAM SMITM

sentada ao mundo; da lhe rendeu aclamação universal e inaugurou uma nova


~ra na história do pensamento econômico. A partir desse momento, a economia
, .. d c.xa.
po1mca - va de ser um agregado
o:
de discursos separados ou um apêndice da
filosofia e do direito natural: ela emergia como uma ciência independente, dotada
de uma exposição sistemática e coerente. Mesmo antes de Smith, fazia-se sentir
a necessidade de uma tal slntese cientifica.. Não foi acidental que, exatamente
no momento cm que estavam prestes a sair de cena, as duas escolas econômka.\
que precederam Smith tenham desejado apresentar ao mundo uma exposição
sintética de seu conhecimento e de suas ideias. Aproximadamente dez anos antes
da publicação da obra de Smith, o mundo havia recebido um tratamento geral da
posição mercantilista na obra lnvestigaçáo dos princípios da economia política, de
James Steuart, enquanto Turgot havia generalizado a obra dos fisiocraras em seu
Rifkxiom sur la farmation et la distribuition des richesses. i'\enhum desses livros,
no entanto, foi capaz de inaugurar uma nova era científica: o primeiro, pelo fato
de suas ideias básicas serem incompletas ou apresentadas de modo equivocado:
o segundo, porque o horizonte dos fisiocratas jamais ultrapassava os limites da
esfera da agricultura. Coube a Smith dar uma formulação teórica dos fenômenos
do emergente capitalismo industrial.
O livro de Smith deveu seu imenso sucesso, por um lado, à sua qualidade
de gmeralirAÇáo teórica e, por outro lado, à eloquência com a qual ele expós as ideias
IÍtJ livrt:-comérdo. A luta a favor e contra a política mercantilista ainda era uavada
de modo demasiadamente vivo para permitir a Smith o luxo de uma investigação
puramente teórica. Dos cinco livros de Riqueza das nações, apenas os primci"'5
dois são dedicados a questões teóricas, ao passo que os materiais e problen:35
descritivos de política econômica predominam nos outros três, dando-se espeaal
· a• pol"em1ca
areno;ao · oontra o mercantilismo. Hoje essas seções da obra d• Smirh
possuem apenas um interesse histórico; os dois primeiros livros, por oucro Jado.
formariam a base do desenvolvimento fururo da economia teórica.
Smith viveu por catorze anos após a puhlicaçáo de RiqutUJ bs nPfÓlI·
Asp
_ ressoes• cresee_ntes de sua obra sobre a Junta Aduaneira e as fraq~ ...,aa
É
idade avançada de1Xaram-lhe pouco tempo e energia para trabalhos cicnuficOS·
verdade qu~, até sua morte, ele continuou a realizar seu sonho de completa! ~u
sistema cientifioo-filosófico com aquelas - d fal --~ El• ieUJ"~
_. partes que a.Jn a ta•~··· ré"'
materia.Js para a elaboração de obras sobre direito e história da litcracuta• pO
queimou seus manuscritos pouco antes de sua morte cm 1790.
A.DAM SMITH, O HOllto!l!.M 211

Notas
J. Carca de Hume a Smich, de 20 de agosto de 1769, in: Erncsc Campbell Mossner e Ian
Simpson Ross (ed.), 7he cormpondenct ofAbm Smith, Oxford: Oxford University
l'rcss, t977, p. 155.
2. lbid., 28 de janeiro de 1772, p. 160.
Capítu:o 20
A FILOSOFIA SOCIAL DE SMITH

O sistema econômico de Smith, como o dos fisiocratas, está intimamente


vinculado à sua doutrina do direito ruitural. Na Inglaterra do século XVIII, tal
como na França do mesmo período, a burguesia, como vimos, ainda não conse-
guira emancipar plenamente a economia capitalista das amarras de uma legislação
antiquada. É compreensível, portanto, que ela tencass<: santific.i.r suas demandas
de classe f que, nesse período, coincidiam com os interesses do desenvolvimento
econômico nacional) com a autoridade de um direito eterno, racional, "natural".
Mas é digno de nota que as visões de Smith sobre o direito natural panem fun-
damentalmente daquelas de Quesnay. A ideia de direico natural era central para
o sistema de Quesnay. Em sua visão, qualquer legislação positiva que contrariasse
o direito natural traria a ruína ao país e a degradação de sua economia: oprogresso
econômico ou a regr(s:áo depende do cumpriment0 ou da violação dos imperativos
do direito natural.
Smith atribuía à legislação um impacto mais modesco sobre a vida eco-
nômica. Escrevia ele:

. . d
O sr. Quesnay parece ter [...] 1magma r corpo político) prospera apenas
o que 'º
. f. • libe-dade e perfeita justiça. Ele
sob um cerco regime, o exaco regime da per ei ta d
lítio• o esforço natural que to o
parece não ter considerado que, no corpo po ' . ..
. condição é um pnncip10
homem faz continu~mente para melhorar sua propna ,.
. . muitos a~pectos, 0-; nlaus ere1tos
de preservação capaz de prevenir e comglf, em · Uma
dº da é parcial e opressiva.
de uma política econômica que, em certa me 1 ' • or grau, nem
.. dá-lo cm maior ou men
tal poliuca econômica, embora possa retar
214 AOAM SMITH

• de b'oquear plenamente o progresso natural de uma naça·o


sempre e capaz ' . • . i llUnoà
riqueza e à prosperidade, e menos ameia de fazê-la regredir.

O progresso econômico abre uma via para si mesmo, independentemente <ia


influência retardadora da má legislação que viola os princípios do direito natu!<l.
A explicação dessa nítida divergência entre as visões de Quesnay e Smith
reside nas diftrmtes condições econômicas da França e da Inglaterra no século
XVIII. Na França, a agricultura capicalisca era menos um fenômeno econômico
efetivamente existente do que um slogan fisiocrata que ainda estava para ser posto
em prática. Dados os resquícios feudais e a monarquia abso:uta na França, 0
desenvolvimento extensivo do capicalismo era genuinamente impossível sem
uma revolução social e política e a implemenração da ~lei natural" da sociedade
burguesa. Isso demonstra a extrema importância do direito natural no sistema de
Quesnay. No século XVIII, a Inglaterra encontrava-se numa situação diferente.
Apesar da contínua dominação política da oligarquia rural, as precondiçóes sociais
básicas para o desenvolvimento do capitalismo já estavam presentes. A economia
capitalista se desenvolvia rapidamente, seja rompendo, seja bur:ando as restrições
das guildas ou do sistema mercantilista, que, mesmo desacelerando seu cresci·
menco, não eram capazes de detê-lo - dai a visão de Smith de que o progresso
econômico é contínuo mesmo onde a legislação é má e contradiz os princípios
do direito natural.
Desse modo, para Smith, as forças econômicas se mostram mais fortes do que
os obstáculos legais e políticos. Disso se segue um importante princípio metodo·
lógico: é possível escudar a ação das forças econômicas independentemente d~
ambiente legal e político no qual essa ação se dá. Smith, nesse sentido, corta cUJ·
dadosamenrc o cordão umbilical que liga a economia política ao direito nacural ~
dá ri. ·
co~ o que, para '<.uesnay, constituía um elo irrompível. A economia P
o!ícicastla

torna uma dência independente, e esca é uma das grandes realizações da ~


. · De outro 1ado, o terreno é preparado para a atribuição de telf
classica. 1-·
econô111iclf
ri·
· •· a cond"ições sociopolíticas historicamente transit
eternas e 1muta11e1s ·óiaseal"'
r
. e este e• um dos defieitos
veis, . da escola clássica. Em sua visão, a natureza das fotÇ3lce!
econômicas não é alterada, mesmo que sejam compelidas a operar em diferd1..,.,.
· soci3JS.
me1os · · Aos o Ihos de Smich, a vida econômica é uma combinaça·odefo•.,,.-i
• . . -
econom1cas CU)a natureza nao se altera e de condições históricas cuia
. nacure1"
A FILO&OF'IA SOCIA.L
215

·'rerada· as últimas aceleram ou desaceleram o movimento d . .


a.i ' as pnmeiras, porém
não modificam sua natureza. Embora um interesse nas mudanças das condições
hisróricas não seja estranho a Smith, ele considera como principal tarefa do econo-
misra enudar a atividade das forças econômicas que são, por natureza, imutáveis.
Em que consistem essas forças econômicas? Como fica claro na passagem
acima eirada, Smith tem em menre "o esforço narural que rodo homem faz con-
rinuamenre para melhorar sua própria condição", 2 Esses esforços rutturaisde eada
indivíduo são um estímulo perpétuo ao progresso económico. A consrância e a imu-
rabilidade de sua ação broram da constância da natureza humana. O homem, que,
por sua narureza egoísra, age sempre para melhorar sua própria condição, tem
"muiro mais interesse naquilo c;ue lhe concerne diretamente do que naquilo que
concerne a outros". 3 ~a teia complexa e mutável dos fenômenos econômicos, en-
contraremos uma força constantemente atur.Jnte: "o esforço uniforme, constante e
ininterrupto de cada homem para a me:horia de sua condição, princípio do qual
derivam originalmente a opulência pública e nacional, bem como a opulência
privada".• Para Quesnay, a condição necessária do progresso econômico era a im-
plementação de um sistema imutável tÚ direito natural; para Smirh, tal condição
é a atividade da rutturt?4 imutável do "homem eeonômico". Ocupando o núcleo
da escola clássica, o tipo do "homem econômico", que age de modo indepen-
dente na busca de seus próprios interesses pessoais por meio da livre concorrência
com ourros, é nada mais do que uma idealização do produtor independenre de
mercadorias vinculado a outros membros da sociedade por relações de troca e
de concorrência. Os economisw clássicos tomavam a natureza. socialmente con-
dicionada e historicamente murável do produror de mercadorias e a elevavam à
condição de essência naturalmente condicionada e imurávd do homem.
Como a aspiração do individuo à melhoria de sua siruação é derivada da
consrància da natureza humana, é óbvio que ela estará presente em todas as lpocas_
históricas e sob quaisquer condições sociais. Smirh desafia a visão (que ele arribui
a "ues
'<' nay) de que o md1v1duo
. . • ""''be esse esrorço
e apenas sob condições de plena
liberdade. Para Smith isso já se manifesrava muitos séculos anres de ª liberdade
plena ('1Sto e,• a ordem' burguesa) estar rea1·1za....,
,_ 1mpon
· do-se conrra a má admi-
nistração e legislação. Condições sociais desfavoráveis são cerrarnente capazes de
retardar a ariv1dade
.. • . Sob a escravidão, por exemplo,_os
dessas forças economicas.
~"'-"º da produçao,
trabaJhadores não tinham qualquer inreresse pessoai no P·-,...--
ao passo que, "ao contrário, quando lhes é assegurado o usufruto dos Produros
de sua indústria, eles se esforçam naturalmente para melhorar sua condição",• A.
natureza humana invariável se manifesta de modo mais premente sob condiçãcs
sociais definidas, especialmente aquelas da ordem burguesa baseada na propr;,.
d.a.ú privada e na concorrência irresrrita. No encanto, em vez de explicar a natureza
do homem-como-produtor-de-mercadorias a partir das condições de seu sistema
social. Smith vê este último apenas como uma condição adicional para a plena
exteriorização das forças individuais localizadas no interior da natureza perma-
nente do homem. A vitória de um sistema social sobre outro (o burguês sobtc
o feudal) aparece para Smith (assim como para outros membros do Iluminismo
do século XVUI) como uma vitória da natureza humana "natural" e "imutável"
sobre as instituições sociais "'artificiais" do passado. E oomo as novas institui·
ções sociais burguesas são uma condição necessária para a manifestação completa
da natureza invariável do indivíduo, elas assumem o caráter de formas eternas,
"naturais" da economia.
Assim, o ponto de parcida da investigação de Smith, seu abstta•o homem
econômico, é estudado, por 2uim dizer, no interior de um ambiente burguês. isto
é, da economia capitalista de mercadorias. Essa abstração de fatores sociais, mesmo
com todos os erros que ela produziu na avaliaçá" <i: tais fatores sob o prisma da
"natureza" h11mana, provou ser a salvaçã., da teoria clássica, pois permitiu que ela
se to1 ..asse uma teoria tÍtl economia capitalista dt mtrcadorias.
Como Smith transpõe o hiato que separa seu i.1d' nduo abstrato da socie-
dade capitalista de mercadorias? Fiel aos seus princípios individualisras originais•
Smith se move a partir do inc'ivíduo em direç:\o à sociedade. Ela <' compasta de
indivíduos separados, independentes: o fenómeno social é o resultado desses di·
ferentes indivíduos cm interação uns com os outros; a unidade social \na mc:àida
em que estamos falando do lado econômico da sociedade) é produzida parti' ª
desses interesses individuais, e sua coesão é mantida por meio deles. No que
diz respeico a seus contatos econômico:., cada indivíduo se relaciona coro ouUOS
11ot1isC
apenas na medida cm que isso é ditado pelos seus próprios intertssts /l
inte~
enquanto ele obtém com isso alguma forma de rendimento. A forma desse ,
• . parou""
curso é a tro(a. 'A propensão a negociar, permi.tar e trocar uma COISO te
· · . essenc1'ai da natureza humana. Essa caracterisnca
é um principio • - pernianen
permite que os indivíduos entrem juntos numa sociedade de croca.
A P'1L080f"IA SOCIAL DE S~ITM 217

A sociedt1de. vista como uma unidade econômica, é uma sociedade de troca


l s indivíduos entram movidos por seus interesses pesso11is. Já na obra ini-
na qua o
eia! de Smith, Teorit1 dos sentimentos morais, encontramos esta passagem extre-
mamente revdadora:

A sociedade pode consistir de diferentes homens, como de tliforentts mercadorts,


a partir de um sentido de sua utilidade, sem que precise haver qualquer amor
ou afeição múruos; e embora nenhum homem na sociedade carregue qualquer
obrigação ou esteja vinculado a um outro por graridáo, ela ainda pode se
manter coesa por uma troea meremdritl de bons ofícios de acordo com um valor
conscntido.6

Smith concebe o intercurso econômico entre as pessoas como uma forma


de troca, em outras palavras, como intercurso econômico entre possuidores de mer-
(lldorias. Ele desenvolve essa ideia no segundo capítulo do livro I da Riqueza
das nações:

Mas o homem tem quase sempre necessidade da ajuda de seus irmãos, e seria cm
vão ele esperar essa ajuda apenas de sua benevolência. ~ mais provável que ele a
obtenha se conseguir mover a seu favor o tlmor-prtJprio dessas pessoas, mostrando·
-lhes que é para sua pr6pria vantagem que elas fazem por ele aquilo que de lhes
pede. Quem quer que ofereça a outrem uma barganha de qualquer tipo escara
fazendo uma tal proposta. Dê-me aquilo que quero e voei tmi aquilo que quer é o
significado de qualquer oferta desse tipo; e é desse modo que obtemos uns dos
ouuos a maior parte daqueles bons oficios de que necessitamos. Não é da benevo-
lência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que obtemos nosso jantar, mas
de sua preocupação com mu pr6prios intertsset!

do:
ou Um interesse pessoal individual o torna apto a estabelecer trocas com
pessoas; e a aspiração à troca, como veremos, produz, por sua vez, a divisão
balho entre as pessoas.
i111/j • O argumento acima apresentado caracteriza de modo nítido o método
i11st;•idualista
._ · li'sta de Smith. Ele explica a origem das mais
, raciona · 1mponan
· tcs
irnu •tuzço., so · . ( · d
eia.is nesse caso, a troca e a divisão do trabalho) a pamr a nature-a
tavcl do . J• •J • do
muzvzauo abstrato - seu interesse pessoal e sua busca consciente
, .·vel Por isso ele arribui ao homem abstrato motivos e 4.I-
maior rendimento pos~:i · ) - d d
. -·o à ermuta ou à troca que sao, na ver a e~ o resuftadc
• i·
pirações ra~m, a inc11naça p . .
- : - - 'd ore o indivíduo por essas mesmas mst1tuições sociais (
da mB u~nc1a e.xerci .1 so , . a
_ __ e ,~ a rroca) por longos penodos de tempo - influências ou
d1v1sao do uava...no e . . . .. i. e
- como meios de explicação dessas msmu1çoes. Smith dedui.
e!e apre.)enca, cncao, . .. . .
da nacur= do homem as instituições soc1oeconom1cas básicas que caracterizain
a economia capicalisra de mercadorias; o que ele toma como natureza humana,
no emamo, é a natureza determinada do homem tal como ela ganha forma sob a
inBuência da economia capitalista de mercadorias.
Smith aplica esse mesmo método de mover-se do indivíduo para a
sociedade quando explica outras instituições socioeconômicas. Ele explica o apa-
recimento do dinheiro pelo simples fato de que, em razão da inconveniência da
troca in natura,

qualquer homem prudente em qualquer período da sociedade, após o primeiro es<a-


belccimento da divisão do trabalho, tem naturalmente de ter procurado adminis·
trar seus negócios de maneira a ter sempre consigo, além dos produtos peculiares
de sua própria indústria, [ambém cena quantidade de uma ou OU[ra mercadoria,
visto que ele imagina ser provável que algumas poucas pessoas recusem eferuar a
troca por produtos de sua indústria. 8

.
As palavras que destacamos são aquelas que caracterizam de modo especial
0 mécodo de Smith. A explicação das instituições sociais deve ser buscada na
natureza de "cada homem", isto é, nos interesses pessoais de cada indivíduo; Po'
. ~
lSSO amamos o método de Smith de individualista. Também o chamamos.
racionalista porque, ao falar sobre o homem "prudente", que pesa conscienoo-
pe~
sameme suas vantagens, Smith toma o cálculo racional dos benefícios e
-meremes a d"iscmcas
. atividades econômicas - cálculo que s6 se desenvo1ve n 0-
da altamente desenvolvida economia capitalista e de mercadorias - coino tJf!lª
'da•de da natureza humana em geral. Além disso, essas ações do indWialh'
propne --
ocorrem em qualquer período da soc1e

- • do crab, do
. d ad e• ( uma vez que a d'iv1sao
1

cenna sido estabelecida); essa asserção revela a natureza anti-histórica do ine<º o


de Smith. Finalmente S 'th
• .•
.
• mt considera essas atividades do m Y1
. di 'duo
""
'º"'
naturais · aqui Srn"1th b · 0 tetl'r
• , ' aseia-se na teoria do direito natural, ao mesrn . ct·
que introduz melhorias im -, ad1aJl
portantes sobre as quais nos deteremos inai
A FILOSOFIA SOCIAL Oli SMtTH 219

De acordo com a concepção sociológica básica de Smith, os fenômenos so-


cioeconômicos resultam das ações de indivíduos tais como ditadas pelo interesse
pessoal; disso se segue - e essa conclusão é extremamente importante_ que os
fenômenos econômicos têm um caráter "natural ... O conceito de "natural" é usado,
aqui, em dois sentidos diferences, um teórico e outro prático. A proposição básica
do sistema teórico de Smith afirma que os fenômenos <eonômicos possuem uma
regidaridade inerente, "natural" e determin11da por kis, que existe independente-
mente da vontade do Estado e é baseada nas inclinações "naturais" imutáveis do
indivíduo. A proposição básica da po//tica econômica de Smith afirma que apenas
quando os fenômenos econômicos se dão "naturalmente", sem constrangimen-
tos do Estado, eles trazem o máximo beneficio, tanto para o individuo como para
a sociedade como um todo. A primeira dessas proposições fez de Smith um dos
fundadores dos economistas teóricos; a segunda fez dele o arauto do liberalismo
econômico.
Comecemos com a segunda proposição. Uma vez que o interesse pessoal
do indivíduo é visto como o estímulo do progresso econômico e como fonte de
todas as instituições econômicas, é preciso que seja dada ao individuo a possibi-
lidade de desenvolver livremente seus poderes econômicos sem nenhum tipo de
obstáculo. O principal preceito da política econômica é a überdade tÚ atividade
econômica individua~ a eliminação da inttrfarência estatal. Não há nenhum perigo
de que, na luta por seu próprio interesse pessoal, o indivíduo venha a violar os
interesses da sociedade; os interesses do indivíduo ~ os da sociedade estão em
completa harmonia. De sua interação mútua como indivíduos - cada um dos
quais perseguindo apenas seus interesses pessoais correcamence entendidos - surge
a mais valiosa das instituições sociais, que, por sua vez., alimenta um enorme cres-
cimento na prbducividade do trabalho: a divisão do trabalho, a troca, o dinheiro,
ªacumulação de capitais e sua distribuição adequada entre os diferences ramos da
produção. O indivíduo, "ao buscar seu próprio interesse[...], promove frequenre-
incnte O interesse da sociedade de modo mais efetivo do que o conseguiria, CISO

quisesse promovê-lo realmente». 9 Assim,

cada homem, na medida cm que não viola as Jcis da justiça, é deixado pcrfeita-
lllcnte livre para buscar seu próprio interesse da forma como achar melhor e para
coloear tanto sua indústria como seu capital cm concorrência com aqueles de um
our.ro homem, ou conjunto de homens. O soberano é completamente livre de
220 ADAM SMITH

um dev!!r no ..:umprimem:o do qual ele estará sempre exposto a inúmeras il _


ºSOesc
que re\'.j,uer algo que nenhuma sabedoria humana jamais poderá fornecer: 0 dever
de supervisionar a indúscria das pessoas privadas e de direcioná-la aos •mp
mais ade..:;uados ao interesse da sociedade.'º regos

O governo não incerfere na vida econômica e preserva para si apenas as


funções modestas de defender a segurança externa do país, protegendo os indiví.
duos da opressão por outros membros da sociedade e dedicando-se a certas realiza.
ções sociais. A vida econômica é totalmence entregue à atuação livre dos inceresscs
individuais. Smith, como os fisiocratas, esperava que a realização desse "sistema
óbvio e simples da liberdade naturaf' 1 resultasse no máximo benefício, tanto pan
a sociedade como um todo como para as classes singulares da população.
As visões otimistas de Smith - que, com todas as reservas que de pôs sobre
elas, fizeram dele o fundador do liberalismo econômico - só podiam aparecer numa
época em que a burguesia industrial ainda desempenhava um papel progressivo e
seu interesse coincidia com as necessidades do desenvolvimento econômico glob.al
da sociedade. O objetivo de Smith nunca foi defender os interesses estreitos de
mercadores e industriais, aos quais ele náo nutria qualquer simpatia parricular.
Ele falou sobre a condição dos trabalhadores, frequencemente com um senti-
mento fervoroso, e queria melhorá-la. Mas ele estava profundamente convencido
de que apenas com a completa liberdade de concorrência e com um poderoso
desenvolvimento da economia capitalista seria possível esperar obter qualquer
melhoria na posição das classes inferiores. Ele acreditava que a classe trabalhadora
compartilharia de uma porção cada ve:r, maior da massa crescente de riqueza da
sociedade capitalista. O desenvolvimento futuro do capitalismo provaria q~e-as
expectativas otimistas de Smith eram equivocadas e desvendaria as contradiçó<'
inconciliáveis entre os interesses da burguesia, de um lado, e os da classe crab~­
dora e do desenvolvimento econômico da sociedade, de outro. Em sua primeira
-- - trumento
época 0 liberalismo otimista desempenhou pape1posmvo como um ms d
, 'lh"es o
P ara a libertação das forças produtivas da economia capitalista dos gri
0

é • deSay,•
velho regime e do mercantilismo; posteriormente, por m, nas maos _•
especialmente de Bastiat, ele se converteu num instrumento de defesa do capita
!ismo contra os ataques dos socialistas. .e<fad•
Smith, portanto, considerava os fenôm~nos c:ronômi~s da so:cJhor
b ur~esa "naturais" , no senrido de que eles haviam Sido arraniados da
A fl'ILOSOFIA SOCIAL
221

r possível e não demandavam nenhuma intervenção conscient d 1


rorma . e e q uruq uer
. . ·ça· estatal ou da sociedade. Nesse sentido, identificar um renomeno
ifiStlt'Ul 0
r •

corno "natural" é o mesmo que julgá-lo como algo positivo. Aqui, ser "natural"
. ·fica que ele corresponde aos princípios do direito natural Adic·10 al
s1gn1 · n mente
ao uso do termo "natural" em sentido valorativo, Smith também 0 emprega, no
entanto, quando profere juíws puramente teóricos, em que sua tarefa é investi-
gar um fenômeno tal como ele existe, independentemente de qualquer valoração
pcsiáva ou negativa. Aqui, identificar um fenômeno como "natural" tem um
sentido puramente teórico, indicando, como já notamos, que os fenômenos econô-
micos possuem uma regularidade "natural~ determinada por leis e independente
de qualquer interferência do Estado. Quando Smith diz que o "preço natural" (o
valor) de uma mercadoria substitui seus custos de produção e obtém um lucro
médio, ele quer dizer que, onde houver livre concorrência e nenhuma intervenção
do furado, os preços das mercadorias seguirão uma tendência a se manterem no
nível indicado. Esse nível normal, estabelecido espontaneamente para o preço da
mercadoria em questão, constitui seu preço "natural". O que é "natural", nesse
caso, é o resultado, alcançado de modo regular e espontâneo sem que o Estado
coloque qualquer constrangimento à livre concorrência dos indivíduos. Por isso,
o conceito "natural" abarca duas caracterísricas: !) espontaneidade e 2) regulari-
dade determinada por leis. Quanto à primeira, um preço só é reconhecido como
"natural" quando é o resultado espontàneo da livre concorrência e do conflito dos
interesses individuais; nesse sentido, 0 preço "natural" (livre) tem de ser contra-
posto tanto ao preço "posro legalmenre"' o preço fixo esrabelecido pelo Estado
ou pelas guildas, quanto ao preço "monopolisra". Quanro ao segundo arriburo,
nem todo preço de mercado é idenrificado como "narural", mas apenas "o preço
centra] em torno do qual os preços de rodas as mercadorias gravitam continua-
lnente" 12 d estabelecido
' em outras palavras, aquele nível de preços que rem e ser
sob condições de equilíbrio de mercado, onde há um equihbrio encre oferta e
demanda N . • ai" (valor) - que expressa
· esse sentido, Smirh diferencia preço narur
a '•guiar·1d d d d dos preços de
• a e dererminada por leis dos fenômenos o merca 0 -
lllercado" n d d d ll ruações na oferta e
' que nuruam constantemente, depen en o 35 u
!\a demanda.
Esse " fu •o extremamente im-
p0 segundo conceiro de "narural exerce uma nça ai
rtante . rural de nível narur
d no siscema reórico de Smirh: ele fala de preço na ' .
Os salári d . " al" não siurufica quC' os
os, o lucro e da renda. Aqui, o conce1co narur ,:J
222 ADAM SMIT"

. d d" -
prcce1cos o 1rc'ltO na
rural são absorvidos, mas um reconhecimento da '"'"[,,ri
-o... -
_, , .1 terminadapor leis dos fenômenos do mercado. Embora Smith USe
dnaeespontuneaeae. . .
periodicamente 0 cermo em seu primeiro sentido valoranvo, ele o emprega com
mais frequência em seu segundo significado, puramente teórico; de todo modo,
ele não confunde os sentidos prático e teórico do termo. A transição smithiana de
uma compreensão valoraciva para uma compreensão teórica do termo "natural"
representou um grande avanço para o estu/ÍQ puramente teórico, cientifico-causa/
dos fenômenos econômicos.
k investigações económicas dos mercantilistas tinham um caráter prático;
suas obras eram preponderantemente uma coleção de prescrições prátictJS a serem
imp!ementadas pelo Estado. O embrião de uma análise teórica que encontramos
cm Petty reve pouco impacto sobre o rumo do pensamento mercantilista. Também
com os fisiocratas, a atenção não era focada tanto na investigação daquilo que
existe (isto é, dos fenômenos reais da economia capitalista) quanto na elaboração
daquilo que deveria existir (isco é, as condições que tinham de ser implementadas
para o florescimento da economia da nação). Eles consideravam suas leis e propo·
sições econômicas como prescrições do direito natural. É apenas porque romavaJll
o capitalismo como a ordem natural ideal que a análise dos lisiocratas contém
valiosos elementos teóricos para a compreensão da economia capitalista. Se 0
sistema mercantilista era por natureza prático, e se o dos lisiocratas era teológico.
Smith põe a si mesmo conscientemente a tarefa de estudar a economia capitalis13
' teoricamente. É verdade que questões de política econômica são, para Smith, ex·
uemamente importantes e estão frequentemente entrelaçadas com suas anáJises
teóricas no curso de sua exposição; porém, no principal, esta é mantida como 111""
todologicamente distinta e isolada de suas considerações sobre questões prááca5·
É verdade que alguns dos mais sérios erros de Smith podem ser explicados Po1
sua confusão enue problemas teóricos e práticos (ver 0 capítulo 22, "A teoria do
vaior") , mas nao• h'a nisso
· nc: nhuma razão para surpresa: por ter se or1g--
·a;nado •
partir de necessidades práticas e ter se dissolvido em política econômica em selll
estágios primitivos, a teoria econômica não era imediatamente capaz de obter
uma consciência clara de si mesma como um método de análise teórica pura· D•
todo modo, a análise de Smith representou um grande e decisivo avanÇO rnctO"
dológico: ele pôs a economia política no caminho do estu/ÍQ teórico dos Jenôtflf,,os
. _,_ . . l" ,..,. fiindac!o!
reais "" economia capita tSta. •~ISSO reside a reputação de Smith como o
da economia política.
A PILOSOPIA SOCIAL OE SMITM 223

Notas
!. Adam Smith, An inquiry into the 1111turt and causes ofthe Wealth ofnt1tions, editado
p<>r Jl H. Campbell, A. S. Skinner e W. B. Todd, Oxford: Oxford University Press,
1976, livro rv; cap. 9, p. 674; grifos de Rubin.
2. lbid.
3. Traduzido do russo.
4. Wealth o/nations, livro II, cap. 3, p. 343.
5. lbid., livro III, cap. 3, p. 405.
6. Adam Smith, The theory ofmoral sentiment:s, Londres: George Bel! & Sons, 1875 [ed.
btaS.: Adam Smith, Teoria dos sentimentos morais, São Paulo: Martins Fontes, 2002],
parte II, seção II, cap. 3, p. 124; grifos de Rubin.
7. Wealth ofnations, livro l, cap. 2, p. 26-27; grifos de Rubin.
8. lbid., livro!, cap. 4, p. 37-38; grifos de Rubin.
9. lbid., livro rv; cap. 2, p. 456. E.<ta é a passagem em que Smith expõe seu famoso
conceiro da "mão invisível". "No momento em que cada indivíduo empreende
tanto quanto pode para empregar seu capital no sustento da indústria doméstica, de

modo a fuer com que os produtos dessa indústria renham o maior valor possívd, ele
trabalha necessariamente para tornar o rendimenro anual da sociedade tão grande
quanto possível. De fato, ele geralmente não pretende promover o inreresse público
e tampouco sabe o quanto o está promovendo. Ao preferir investir na indústria
doméstica em detrimento da estrangeira, ele visa apenas à sua própria segurança;
e ao conduzir aquela indústria de modo que seus produtos alcancem o maior valor
pos&vel, ele busca apenas o seu próprio rendimento, e nisso ele é, como em rudo o
mais, conduzido por uma mão invisível que o leva a realizar um fim que não fazia
Parte de sua intenção. E não constitui um prejuízo para a sociedade o fato de que
esse fim não fizesse parte de sua intenção. Ao buscar seu próprio interesse, ele fre-
quentemente promove 0 interesse da sociedade de modo mais efetivo do que o con-
seguiria, caso quisesse promovê-lo realmente."
10. lbid., livro lY. cap 9 687
li . ' • •P· •
• lbid.; grifos de Rubin.
12. lbid., livro l
• cap. 7, p. 75; grifos de Rubin.
capítulo 21
A DIVISÃO DO TRABALHO

As primeiras linhas de Smith já mostram que ele introduziu claramente


algo novo na ciência econ6mica. É interessante comparar o começo da obra de
Smith com o "evangelho mercantilista" de Mun. "Portanto, o meio apropriado
para aumentar nossa riqueza e tesouro é o comércio estrangeiro."• É assim que
Mun - que vê o comércio ou a esfera da circulação como a fome de coda
riqueza - começa seu livro. Smith, como os fisiocracas, muda o foco da análise
para a produção, mas, ao fazê-lo, evita sua unilateralidade: é o trabalho em geral
que ele proclama como a única fome de riqueza, isco é, o trabalho inteiro de uma
nação distribuído por diferences ramos de produção e dividido entre os membros
individuais da sociedade: "O trabalho anual de cada nação é o fundo que ori-
ginalmente a supre com todas as necessidades e conveniências da vida que ela
consome anualmence". 2 A fome da riqueza é o trabalho. Aqui, "trabalho" cem de
ser entendido como o trabalho rocaf, agregado de uma nação sob a forma de uma
divisão social do trabalho; e "riqueza", como a totalidade de produtos materiais
ou arc1.gos de consumo,

Se é trabalho que cria riqueza, então incrementos nesta última podem se


dar sob J • 'da.J
um a das duas condições seguintes: l) ha' um aumento na prouut1v1
do ae
trahalho do trabalhador individual; ou 2) o número de trabalhadores produti-
- ~ em comparação com outros membros da sociedade. Um aumento da
produtividade do trabalho, no encanto, é um resultado da divisão do trabalho, ao
Passo que urn aumento no número de trabalhadores produtivos demanda um
aurncnto
d . . e u ma acumulação do capital gasto para mante- · Ios. Smlt· h d.1v1·de os
º s Primerros
1 · livros
· re6rkos de Riqueza das nações da segu1me· forma: 0 i·ivro 1
começa p 1 d .
e a escrição da divisão do trabalho; dela, Smith passa aos fenômenos -
226 "OAM SMITH

intimamente relacionados entre si - da troca (dinheiro, valor) e da distribuição


do que é produzido (isto é, .<alários, lucro e renda). O livro II contém sua teoria do
capital e sua doutrina da acumulação do capital e do trabalho produtivo.
Os primeiros capítulos de Riqueza das nações, dedicados à divisão do
trabalho, foram sempre considerados entre os mais brilhantes dessa obra; foram
eles que causaram o mais forte impacto em virtude de seu alcance e eloquência
de descrição. Sobre propósitos práticos, Smith diz pouca coisa nova em compa·
ração com seus predecessores Petty e Ferguson; no entanto, uma feliz intuição 0
levou a situar sua descrição da divisão do trabalho no começo do livro. Com isso,
a sociedade de mercadorias emerge de um só golpe como uma sociedade baseada,
por um lado, na divisão tÚJ trabalho e, por outro lado, na troca entre unidades
econômicas individuais - em outras palavras, como uma sociedade baseada no
trabalho e na troca (urna "sociedade comercial", para usar o termo de Smith).
Smith começa com sua conhecida descrição de uma manufatura tk alft1111tts,
com sua detalhada divisão de trabalho entre dez trabalhadores: um produz o
arame, o outro o afina, um terceiro o corra, etc. Ao fragmentar o processo de
trabalho cm operações extremamente simples, cada uma das quais atribuída a um
trabalhador individual, a produtividade do trabalho é aumentada em cem vezes:
aqueles dez trabalhadores produzem 48 mil alfinetes por dia, ao passo que cada
um deles trabalhando separadamente não chegaria a produzir vinte alfinetes num
dia inteiro. Smith enumera três razões por que a divisão do trabalho aumentaª
produtividade do trabalho: 1) cada trabalhador adquire urna maior tkstrall ao
repetir constantemente as mesmas operações; 2) não há perda de tempo com ª
troca de uma operação a outra; e 3) fragmentar o trabalho em operações básicas
facilita a invenção de ferramentas que poupam trabalho.3 Os argumentoS usados
por Smith são cípicos do período da manufatura, ele mesmo caracterizado pela
• ·ação
especialização dos trabalhadores a poucas operações parciais e pela diferenCJ . ai
das ferramentas. A afirmação de Smith de que a divisão do trabalho é a prinCJP
razão do crescimento da produtividade do trabalho o encaixa perfeitamC:;"
nesse contexto. Sua subestimação do papel desempenhado pelos implernentOS el:
trabalho e pela maquinaria em particular é bastante compreensível, dado que"ª
viveu numa época anterior à Revolução Industrial e que a superioridade téCJ11
b no
das manufaturas repousava numa divisão minuciosa do trabalho. Ern ora d
início de seu livro Smith descreva apenas os aspectos benéficos da di
yjsáO O
.
crabalho no interior da manufatura, ern outras passagens ele expõe o quão hum'·
A DIVISÃO DO TRABALHO 227

Jhantc é 0 caráter monótono do trabalho para a individualidade do trabalhador


que realiza apenas operações parciais e como isso o torna "estúpido e ignorante".•
Da manufatura de alfinetes, Smith passa rapidamente a outros exemp!os
da divisão do trabalho. Aqui ele toma como exemplo não a divisão do trabalho
no interior de uma empresa singular, mas a divisão do trabalho entre diferentes
e111presas pertencentes a diferences ramos de produção. Smith descreve brilhan-
temente como o tecido atravessa uma série de unidades econômicas, começando
com o criador de ovelhas, cujo trabalho é destinado a obter a lá, e terminando
com o trabalhador que tinge e finaliza o tecido. É aqui, ao descrever esse tipo de
divisão do trabalho, que Smith atinge seu máximo de eloquência.

Observai a vcstimenca do mais comum artífice ou crabalhador jornaleiro num país


civilizado e próspero e perceberei que o número de pessoas que foram emprega-
das para produzir essa vestimenta - e que formam apenas uma pequena parte da
indústria desse país - é tão grande que não pode ser computado. O casaco de lá,
por exemplo, que cobre o rrabalhador jornaleiro, por mais grosseiro que de possa
parecer, é o produto do trabalho combinado de uma grande multidão de uaba-
lhadorcs. O pastor, o separador da lã, o cardador, o tingidor, o escrevinhador, o
fiandeiro, o tecelão, o alfaiate, como muitos ouuos, têm de combinar seus dife-
rentes tipos de trabalho a fim de completar até mesmo essa produção doméstica.'

Além desses trabalhadores, foram necessários também mercadores e carre-


gadores, construtores de navios, trabalhadores que &.bricararn as ferramentas, etc.
Aqui se tem por toda a paste uma divisão do trabalho enue diferences produtores
de mercadoria ou empresas individuais. Vemos que Smith confunde a divisão
'•t:ia{ do trabalho com a divisão do trabalho no inccrior da 1111Znt{aturll, que é uma
divisão tlcnica. Ele falha em perceber a profunda distinção social que existe entre
essas duas formas de divisão do trabalho.
A divisão social do trabalho entre empresas individuais, baseada na troca
~
. ~eus produtos, compreende o traço básico de roda economia de mtr<~- onas
e.J• CStá basicamente desenvolvida no âmbito da produção artesanal; ª divisão
tCcnica do trabalho no interior de uma empresa sin,,<>ular apareceu apenas com ª
Cincrgênc· d . ,. . ' mas manu&.curas.
A . ia e empresas de grande escala, capttaitstas, lStO e, co
Pruncíra dessas formas pressupõe que os meios t:..gmmtados
. de produça·0 são J'"• •
entre prod nk a conuntrllflZO
Utores de mercadorias independcnces, o que prcssu,.--
228

de meios subsranciais de produção nas mãos do capitalista singular. Os produro-


res de mercadorias {artesãos) separados e independentes ligam-se uns aos outros
apenas quando crocam seus produtos no mercado. Na manufatura, os trabalha-
dores individuais são conectados uns aos outros pela direção geral do capitalista.
:::-:o primeiro caso, o vínculo entre as pessoas é desorganizado, espontâneo e operado
por meio do mercado; no segundo, ele é organizado e planejado.
Smith falhou em não levar em conta essas distinções pelo fato de sua
atenção - e este é, de modo geral, um dos traços característicos da e.-cola c/dssica _
estar focada não nas formas sociais da divisão do trabalho, mas sobre suas vantagens
\ materiais e técnicas no aumento da produtividade do trabalho. Desse ponto de
vista, uma vez que ambas as formas tomadas pela divisão do trabalho agem para
/ aumentar a sua produtividade, elas podem ser tratadas como idênticas. /u dife.
rentes natureias sociais das relações mútuas entre produtores de mercadorias in-
dependentes, de um lado, e entre os trabalhadores numa manufatura singular, de
outro, recuam para o segundo plano e escapam à atenção do autor.
Em seus primeiros capículos, a principal tarefa de Smith é descrever a
divisão social do trabalho baseada na troca e característica de roda economia de
mercadorias. No encanto, altamente influenciado pelo tipo de divisão do ccabalho
que se pode enconuar no interior da manufatura, Smith também expõe exemplos
extraídos dessa esfera e é, em geral, inclinado a descrever a divisão social do
trabalho como uma forma da divisão do trabalho no interior da empresa. Para
Smith, a totalidade da sociedade aparece como uma gigantesca manufatura onde
o uabalho é dividido entre milhares de empresas separadas, porém mucuacnence
complementares. A conexão material e a interdependência entre os produtores de
mercadorias são postas em primeiro plano. Cada membro da sociedade é útil•
todos os outros e é compelido, por sua vez, a solicitar sua assistência. "Semª as-
sistência e a cooperação de muitos milhares, nem mesmo a pessoa mais miserável
num país desenvolvido poderia ser mantida, por mais [•..] simples que sejam nor·
malmente suas necessidades básicas."6 Todas as pessoas, embora cada urna delaS
ai balh verdade,
seja animada simplesmente pela b usca do ganho pesso , ua am, na "·' ,,ut
umas para as outras: "as índoles mais distintas são úteis umas às outras ' 11de
completa harmonia de intermes existe encre os membros individuais da socicda ~
Aqui chegamos a um segundo traço da escola cUssica, intimamente li~ e
ao primeiro. Como Smith dirigiu sua atenção à interdependência xnacerjndi·
técnica entre os membros individuais da sociedade, ele assume que esses
- A DIVISÃ.0 DO TRA.BALMO 229

'd srozam de uma harmonia completa tk interessts. Por meio de seu traL'<
Yl UOS ~ L.TclJ.ClO,

0 fianddro e 0 cecelão se complementam mutuamente; um não poderia existir


sem 0 outro. Smith se esquece, porém, que ambos são produtores de mercadorias
ue vendem seus produtos para o mercado. A luta pelo preço do produto (por
~cmplo, do escame) cria um profundo antagonismo entre eles; ambos os ramos
da produção, sob a pressão de flutuações nos preços de mercado e com a ruína de
inúmeros produtores, adaptam-se uns aos outros espontaneamente. A preocupa-
ção de Smith com as vantagens materiais e técnicas da divisão do trabalho, mais
do que com a forma social que esta assume numa economia de troca de merca-
dorias, leva-o a superestimar os elementos de harmonia numa tal economia e a
ignorar as contradições e antagonismos que ela produz.
Apesar disso, Smith capeou a Íntima conexão entre a divisão do trabalho
e a rroca e, de fato, deu um grande desraque a essa questão. A característica da
escola clássica está não em abstrair complecarnence o lado material e técnico
da produção de sua forma social, mas em confundir essas duas coisas. Para a
escola clássica, era inconcebível que o processo de produção pudesse ter uma
forma social diference da forma capitalista, que, a seus olhos, era a forma racional
e natural da economia. Uma vez que se assume que o processo de produção
sempre tem lugar no interior de uma forma social específica, torna-se supérfluo
desenvolver uma análise especial de cada forma; em vez disso, basta escudar sim-
plesmente o processo de produção em geral. No encanto, como o processo de
produção em geral está irrevo2avelmence !i2ado a uma forma social dada, as con-
clusões ob · L . "' . ., . • . • , .
nuas do estudo do primeiro são plenamente aphcave!S a ulurna. por
t
-~. que os economistas clássicos confondem consranremence os pontos de
da .tl<nico
Vista . -matena· l e social, como demonstra o exemplo da doumna · sm•·m·iana
d.ivlSão do trabalho.
b Smith não pode imaginar qualquer divisão do trabalho que não seja
:::da na troca - para ele, uma propriedade necessária da natureza humana, que
Sob:'iJ.le 0 homem dos animais. Essa propensão à troca gera a divisão do trabalho.
CXis • esse ponto, Smith está equivocado, pois a divisão social do trabalho
llu - emb h · omia de
'"-· ora numa escala modesra - mesmo onde não avia econ
··-.cada·
;úil'llla rias, por exemplo, nas comunidades da Índia. Em ouiro ponto, nu
s ·m
di•isão COrrecarnente que o desenvolvimento da uoca gera um ímpeto para a
Pela ""- ulterior d0 trabalho: •a extensão dessa divi....
-•o tem sempre de ser Jllnitada
tellsão da el E.l , m oucras palavras,
qu e poder [o poder da uoca - .,. ou, e
230

pela excens.io do mcrcado". 8 Embora dê grande ênfase à função da troca cm gerar


e desenvolver a divisão do trabalho, Smith ignora, no entanto, o papel da troea
como aquela.fon1111 soci11/ específica que a divisão do trabalho assume na economia
de mercadorias. Ele é limitado pela sua análise da divisão do trabalho em geral•
de suas vantagens materiais e técnicas.
Mesmo com rodos os seus equívocos, a teori11 dtJ divisão do frtJbalho de
Smith representou um gr11nde 11v11nço: partindo de uma concepção da sociedade
como uma gigantesca oficina clorada de divisão do trabalho, Smith chegou à
ideia extremamente valiosa da sociedade como uma sociedade de pessoas que
tr11b11lh11m e que troc11m simultaneamente. A divisão do trabalho converrc rodos
os membros da sociedade cm p11rtidpantes em processos singulares de prodr1ção.
/ Os produtos do trabalho de todos os membros da sociedade são "trazidos para
um estoque comum, onde cada homem pode adquirir a parte que desejar dos
produtos dos talentos de outros homens". 9 Cada homem se torna dependente do
trabalho de outras pessoas. "Mas depois que a divisão do trabalho se instala pi..
namente, o trabalho próprio de um homem pode satisfazer apenas uma pequena
parte destas [das "necessidades, conveniências e divertimentos da vida humanâ-
T.I.J. A maior parte delas ele rem de suprir com o produto do trabalho de outl3S
pessoas."'º Como cada homem adquire os produtos do trabalho de outras pessoas,
todos se unem numa única socied11de de trab11lho. Smith concebe essa sociedade
de trabalho estritamente como uma sodedtzde de troc11:

A partir do momento em que a divisáo do trabalho é plenamcnce cscabclecida. 0


· produto do trabalho próprio de um homem pode satisfu.er apenas uma pequenA
parte de suas necessidades. A maior parte dessas necessidades ele supre trocando
a parte excedente do produto de seu próprio trabalho, que ultrapassa seu próprio
· de
consumo, pelas partes do produto do trabalho de outros homens das quais
necessita. Todo homem vive, assim, por meio da rroca, ou se torna, em certa
medida, um mercador, e a própria sociedade se cransforma, propriamente, ouinª
socitátult tomtrdal. 11

. da"°"''
A divisão social do trabalho aparece para Smith somente na forma ,Oo
ao passo que, por outro lado, a troca do prodttto do tr11baU10 é reduzida, deª~ J.s
com essa visão, a uma troca de 11tivid11des íabor11is de produtores individuaJ$·
--- A. DIVISÃO 00
---... .. -- ... --
Tl't"e#lil.HO 23 ,
..:

mercadorias "concêm o valor de uma cerca quantidade de crabalho que trocamos


por aquilo que se_s~póe, num certo momento, comer uma quantidade igual de
valor".12 Ao adqumr o produto do trabalho de outrem, cu adquiro 0 trabalho de
seu produtor.
A concepção smithiana da sociedade como a um s6 rempo sociedade de
uabalho e de troca pode ser expressa nas duas proposições seguintes: 1) 0 que
aparece como uma troca de mercadorias por dinheiro é, na realidade, a troca de
prodtttos do trabalho de diferences pessoas que executam a tocalidade do crabalho
social; 2) a troca dos produtos do trabalho das diferences pessoas se reduz à croca
múcua do trabalho próprio dos producores. Com a_ primeira proposição, Smith se
distancia dos mercantilistas; com a segunda, ele se diferencia dos faiocratas.
Os mercantilistas, embora direcionando sua acenção à croca, limicavam-
·se à sua forma de mercado, sua forma monetdria: eles viam apenas a croca de
um produco in natura por dinheiro, isto é, por riqueza social, e queriam limicar
o processo inteiro da troca à venda (M-D), e, encão, converter o dinheiro cm
rcsouro. Smith, seguindo o exemplo dos fisiocracas, via a troca como uma unidade
dos atos de venda (M-D) e compra (D-M'); em outras palavras, como uma rroca
de um produto ln natura (M) por outro (M') por meio do dinheiro, que de-
sempenha apenas um papel cransitório como meio dt circulaçiio. Esca é a razão
pela qual a conctpçiio da fonçiio do dinheiro em Smirh é o oposto da concepção
dos mercantilistas. O dinheiro não consticui a riqueza da sociedade. "A renda
da sociedade consiste inteiramente naqueles bens, e não na roda que os faz. cir-
cular."'3 O dinheiro é necessário apenas como um au"<iliar que facilita a circula-
ção dos produtos. "As moedas de ouro e prata que circulam cm todos os países
podem ser comparadas com uma estrada, que, servindo para circular e carregar
ao mercado codos os frucos e grãos do campo, não produz nem uma única porção
deles""
. O dinhe1ro
· é simplesmente capical •morto• : um aumenco na quanri-
~ de dinheiro num país reduz correspondenccmcncc os gastos com a produ-
çao material e, por conseguinte, reduz a renda real da sociedade, que consiste
naquilo que ela produz. Toda economia nos gastos necessários à manucenção
do • b .. )
. •isccrna rnonecário (por exemplo subscicuindo o ouro por noras ancanas
&ignifi •
ca uma extraordinária vantagem para a sociedade. .
do Assim' troca ae
ª J .J
uma mercaaorza• ,. , •
por am11ezro é, csscncialmenrc, nada mais
que um
ª troca tÚ um prodttto por outro. Ate• aqw,. Sml'th está de acordo com
232 AOAM SMITM

Quesnay, cujo Tableau iconomi~ apresentou a primeira visão global da circu.


lação dos produros. • Além disso, porém, eles começam a divergir.
Embora haja uma série de questões particulares em que Smith apenas
repete as visões dos fisiocracas, •• com suas teorias da divisão do trabalho e do
valor, ele supera a unilateralidade desses autores na essência. Smith parte do ponto
de vista de que o trabalho gera riqueza. A circulação dos produtos é, nessa visão,
não um movimento da substância da natureza, mas uma circulação dos produtos
do trabalho. Como. para Smith, a sociedade é uma sociedade que trabalha, ele
entende a troca dos produtos do trabalho como uma troca das atividaeús labora-
tillt1S dos membros individuais da sociedade. Uma vez que a divisão e a troca de
trabalho se tornam a base da economia de mercadorias, é evidente que os dife-
rences ramos de produção estão vinculados uns aos outros por relações de d.-
pendência mútua, mais do que por relações de subordinação unilattral. No lugar
do fluxo unidirecional da substância da natureza da agricultura para a indústria,''*
Smith põe uma transmissão bidireciona/ dos produtos do trabalho cuja origem está
onde quer que o trabalho humano seja aplicado: um fluxo de produtos passa
da agricultura à indústria e um contrafluxo se move da indústria à agriculcura.
Os dois fluxos se Cru7.a11\ e são equilibrados com base na troca de equivalentes. o
objeto de estudo da teoria do valor.
Smith pôde conferir um papd central à teoria do valor (uma teoria que era
virtualmente inexistente nos fisiocraras) precisamente porque foi capaz de identi-
ficar o problema de como os diferentes ramos tÚ produção eram economicamente
coordenados, e de manter essa questão separada do problema da subordinação
econômica das diferentes classes sociais. Essa questão foi tratada em sua teoria da
distribuição, e a outra foi abordada em sua teoria do valor. Embora teoricamente
os dois problemas estivessem intimamente interligados e a teoria da disrribuiçáo
estivesse baseada na teoria do valor, era necessário que eles fossem estudados ~·
paradamence; isso, por seu turno, permitiu a Smith livrar-se da confusão conc.ei·

Ver capírulo 15. • . ·vo do que o


Assim. por exemplo, ele considerava o uabalh~ agr•co!a como ma.is ~rodun os capicaiS
trabalho indwirial, :afirmando que, no curso natural do desenvolv1menro.
seriam primeiro investidos na agricuJrora. e só depois na indústria. etc. for/IU
No esquema de Qucsnay, a indúsuia simplesmente retorna à agricultura. sob ouua
material, a substância da natureza q\lC ela dela recebera inicialmente.
A. OIVl:SA.0 00 TJl:AllAL..1-10 233

cual que impedira os fisiocratas de captar tanto a estrutura de classes da sociedade


interdependência existente entre os diferentes ramos de d - ( .
quanto a . , . pro uçao agn-
culcura e indústria). Smith tambem conunuou a confundir esses dois problemas,
coino veremos, e, assim o fazendo, introduziu contradições em sua teoria do valor.
De rodo modo, seus méritos foram enormes: ele identificou 0 problema da coor-
denação entre ramos de produçdo de igual posição, descreveu a inter-relação enrre
eles como uma troca mútua eú produtos do trabalho e percebeu que, por rrás dessa
croca de produtos, reside uma troca eú trabalho. Com isso, ele conferiu à teoria
do valor-trabalho o lugar central que ela continua a ocupar na ciência econômica.

Notas
1. Mun, England's creasure by forraign trade, in: McCul\och, Early English on "ª'"
commrrct, Londres: Cambridge Universiry Press, 1954, p. 125; grifos de Mun.
2. Smith, Incroduccion and plan of the work, 7he wealth ofnations, p. 10.
3. lbid., p. 14-17.
4. "No progresso da divisão do trabalho, o emprego da maior pane daqueles que
vivem do trabalho, isto é, da maior pane do povo, acaba confinado a umas poucas
operações muito simples; frequentemem:e, a uma ou duas. Mas o entendimento da
maior parte dos homens é necessariamente formado por seus empregos ordinários.
O homem cuja vida é gasta na realização de poucas operações simples, cujos efeitos
também são, talvez, sempre os mesmos, ou quase os mesmos, não tem qualquer
chance de exercer seu entendimento ou de exercitar sua invenção em encontrar
meios de remover as dificuldades com as quais ele nunca se depara. Naturalmente,
ele perde, portanto, o hábito de tal exercício e geralmente se torna cão c:srúpido e
ignorante quanto é possível a uma criatura humana se tornar. O to.rpor de sua mente
0 torna não apenas incapaz de apreciar ou tomar parte em qualquer conversação
racion~. mas de conceber qualquer coisa generosa e nobre1 ou de ter um sentimento
terno e, consequentemente, formar um juízo justo acerca de muitos dos deveres or-
dinários da vida privada [... ].A uniformidade de sua vida estacionária[... ] corrompe
acé mesmo a atividade de seu corpo, tornand~ incapaz de exteriorizar suas forças
com 'Vigor e perseverança em qualquer ourra atividade diferente daquela para ªqual
ele foi alimentado. Sua destreza em sua atividade panicular parece, desse modo. ser
adquirida a expensas de suas virtudes inrdectuaís, sociais e marciais. Mas em toda
Sôciedadc avançada e civilizada esse é o estado cm que o pobre trabalhador, isto é, a
gl'ande massa do povo tem necessariamente de cair, a menos que 0 governo as.suroa
0 encargo de evitá-lo" (7he wealth of114tions, livro V, cap. l, P· 781 "782).
234

5. Smit.'1, 7"' wralth of1111tions, livro !, cap. 1, P· 22.


6. lbid., livro!, cap. 2, p. 23.
7. lbid.• p. 30.
8. lbid., cap. 3. p. 31.
9. lbid., cap. 2, p. 30.
10. lbid., cap. 5. p. 47.
11. lbid., cap. 4, p. 37: grifos de Rubin.
12. lbid., cap. 5. p. 47-48.
13. •[... ~ assim como as máquinas, instrumentos de comércio, etc. que compõem. 0

capical fixo, tanto de um indivíduo como d.e uma sociedade. não formam parte do
rendimento bruto ou líquido de nenhum dos dois, então o dinheiro, por meio do
qual toda a renda da sociedade é regularmente disuibuída entre todos seus diferences
membros, não faz parte dessa renda. A grande engrenagem da circulação é cotal-
menre diferente dos bens que circulam por intermédio dela. A renda da sociedade
consiste intciramence naqueles bens, e não na engrenagem que os faz circular. Ao
computar, seja a renda bruta, seja a renda líquida de qualquer sociedade, temos
sempre de deduzir do total de dinheiro e bens que nela circulam anualmente o valor
total do dinheiro, do qual nem uma mínima porção pode jamais fazer parte de
qualquer uma dessas formas de rendimento" (Smith, 7he wealth ofTUttions, livro ll,
cap. 2, p. 289).
14. Smith, 7he wealth ofnations, livro II, cap. 2, p. 321.
capitulo22
A TEORIA DO VALOR

Em sua anáHse do conceito de valor, Smich esboça uma prjmeira distinção


entre valor ek uso e valor de troca: ele siiua o primeiro fora do escopo de sua in-
vestigação e devota toda sua atenção ao último. Desse modo, Smith concentra-se
no esrudo da economia de mercadorias, em que cada produto é designado para
a troca mais do que para a satisfação direta das necessidades de seu produtor.
Smith deve sua habilidade em pôr a questão de uma forma tão fundamental e
incisiva à sua douuina da divisão do trabalho: em toda sociedade baseada na
divisão do trabalho, cada produtor elabora produtos necessitados por outros
membros da sociedade.
Assim, Smith define muito precisamente, e de modo absolutamente correto,
o objeto' de sua investigação: o valor de tr0ca. Por outro lado, se perguntamos
qual é o ponto de vista· a partir do qual Smith estuda esse objeto, enconttamos
uma dualidade metodológica no modo como ele apresenta o problema. Por um
lado, Smith pretende desvelar as causas que determinam, primeiro, quanto vale
uma mercadoria e, segundo, todas as mudanças nessa magnitude; por ourro lado,
ele quer encontrar um padrão preciso, invariávd, que possa, então, ser usado para
medir 0 valor de uma mercadoria. Por outro lado, ainda, ele aspira a explicitar as
fontes tÚ mud411;as no valor e, por outro, a encontrar uma medida in114riável do
valor. ~ claro que existe uma diferença mecodolôgica fundamental entre esses dois
"',ºdos de pôr a questão, e que essa diferença ánha de introduzir um dualismo no
núcleo da reoria de Smith. O escudo reôrico das mudanças reais no valor se rorna
confuso com a tarefa prárica de obter a melhor medida de valor. 2
. Como um resultado dessa confusão, a análise do valor de troca feita por
Sin1rh se torna bifurcada e percorre dois canais metodologicamente dº15czn[os:
.
236 "º""' su•''"

. . e_ da .10 que causa mudanças no valor; o outro é o da busca


um C! 0 da dC'f.:(.\iK"rra qu1
por um.i mC\,11 a ·invalável
.J·d· 1
do valor. Cada uma dessas vias leva Smith a uma
.
com:epljõlO put1(;
· :ular do valor-rrabalho ou do trabalho como base .
do valor. A.
. . ,
;mmc1r:J. o 1ev:t a um
conceito da tjllttntiáade de trabalho. despendido 1u1 prodttçti.o
dt um dado produto; a segunda, a um conceito da quantidade de trabalho que uma
º"
dad.1 mm·11dori11poáe11dquirir eomprar por meio da trucll.
Smic.> p<rgunta, no começo de sua investigação, em que consiste "a medida
rnl do :...: valor cambiável". A busca de tal medit!a inut1riáwl ocupa a melhor
parte de sua atenção (Wt11lth o/ nations, livro I, cap. 5). Para entender por que
Smic.i conduz sua análise por esse caminho metodologicamente incorreto, temos
de recordor que ele hetdara de seus predecessores mert:antilistas o problema de
encontrar uma medida tft 1J11lor. Para os mercantilistas, que se indinavam aos
problema> práticos, a teoria do valor tinha de encontrar, como tarefa prática,
urna medida de valor. lembremos que Petty e Cantillon haviam buscado uma
medida de valor na "equação entre trabalho e terra".• Foi somente devagar e gra-
dualmente, ao longo do século XVIII - e, em grande parte, graças aos esforços
do próprio Smith -, que a economia política passou de um aglomerado de regras
práti.:as para um sistema de proposições teóricas, e que o conceito de que há leis
«óricas ?Or trás dos fenômenos deixou de ser misturado a prescrições práticas
(como o faziam os mercancilistas) ou ao "direito natural" (como os fisiocraca.s).
:-:a ceoria do valor de Smith, essa tarefa de estudar teoricamente a.s causas dos
fenômenos econômicos reais ainda não havia se libertado dos elementos externos.
de caráter prático.
O procedimento geral individualista e racionalista de Smith também se
manifesta em sua busca por urna medida de valor. Vimos anceriormente que
Smith cxp!iea a origem dos fenômenos socioeconômicos pela utilidade que eles
possuem do ponto de vista do indivíduo econômico isolado.•• Ele adota esse
mesmo procednnento quando lida com a divisão do crabalho e a croca. A divisão
do trabalho, que esrá fundada na troca, torna possível a cada individuo obter os
artigos
. ée
. que necessita pela troca de seu propno
• . produto, que, por ISSO,
. adqw·re
um significado especial,,.,.,. · di ºd -'lo
r-- o in v1 uo em virtude de sua capacidade de tro..,-
por outros artigos· Do ponto de VI.Sta
· do znaivíauo,
. J •J a primeira quescáo pruM/J
_, • a

Ycrapítulo 7.
Ver capítulo 20.
A, Tlõ.'.ORIA DD YA~DR 237

é a da importância que esse artigo possui para ele isto é· ai di


s<rPº"ª • · qu a me da
. do valor de troca?
precisa . • .
Qual é, então, a medida ou o 10d1ce do valor de um produto dado? À
pril1leira vista, parece que poderíamos tomar como medida a quantidade de
ourras mercadorias que obccmos cm troca: quanco maior 0 seu número, maior,
obviamence, é o valor da mercadoria em quesráo. Smith rejeita correcamente essa
resposta, alegando que o valor da mercadoria que eu recebo em troca por meu
próprio produto está ele mesmo sujeito a mudanças constantes. É igualmente
impassível medir o valor de uma mercadoria pela quantidade de dinheiro (ouro)
que é trocado por ela, uma vez que o ouro também sofre alterações em seu valor.
Nesse caso, de que modo eu poderia medir o valor de meu produto?
Para responder a essa questão, Smith lança mão de sua teoria da divisão do
crabalho: nela ele estabelece que uma sociedade baseada na divisão do trabalho
é uma sociedade de pessoas que trabalham e que, na troca dos produtos de seu
trabalho1 trocam indirecamenre seu trabalho. Smich, no encanto, toma aquilo
que é uma concepção objetivo-sociológica extremamente fecunda do valor de
troca (concepção que Marx empregaria como a base de sua própria teoria do
v:ilor) e dá a ela uma interpretação subjetivo-individualista. Uma sociedade de
troeas é fundada sobre a troca mútua do trabalho de seus membros. Smith
pergunta, então, a que essa troca se reduz do ponto de vista do individuo isolado.
Sua resposta: à aquisição do trabalho de outroJ pessotts em troca de seu próprio
produto. Ao rrocar o tecido que fabriquei por açúcar ou dinheiro, estou essencial-
mente adquirindo uma determinada quantidade do trabalho de outras pessoas.
Meu tecido tem um valor de troca tanto maior quanto maior é a quantidade de
trabalho de ourras pessoas que, em troca dde, eu posso obter ou, nos termos
de Smith, "comandar". Por meio da divisão social do trabalho, posso obter
º' produtos de que necessito trocando os produtos que eu mesmo produzi,
mais do que produzindo esses produtos para mim mesmo, com meu próprio
trabalho. Consequentemente, posso medir o valor daquilo que eu produzi pela
quantidade de rrabalho de outras pessoas que recebi em troca de meu produto.
Aquantidade de trabalho que pode ser adquirida e comprt1da em iroca de uma dada
mercadoria é a medida do valor dessa mercadoria."

~ . S ·m
0 uma medida secundária do valor de uma mercadoria, mi t
oma a quantidade
• d d •os
degrd I / dada qua.ntlda e e gr-J
os que e a poderá obrer ao ser rrocada (uma vt:t. que uma rabalho)
SCtnprc será. capaz de adquirir aproximadamente a mesma quantidade de t ' ·
/
• ·.L. da medida de valor pareça se originar de su
Em bora a ceona sm1ai1ana a
d como uma sociedade de crabalhadores el
• 0 da sociedade e croca . • a
concepça . d , . Q ando dizemos que numa soCiedade de simples
d do se~mce e1e1ro. u
pa ece º d . rodos os seus membros crocarn os produtos de seu
rodurores de merca or1as .
P ince cambém crocam o seu próprio crabalho, usamos
crabalho. e que, por consegu ' -
• " , ,,· semidos diferences. Os produtos do crabalho sao realmeme
0 ceemo troca em ao
trocados e colocados em pé de igualdade uns com os outros no mercado: aqui
temos uoca no sentido Iiceral da palavra. Já pela "troca" de trabalho efetivo en-
tendemos essencialmente um processo por meio do qual as atividades laborais
dos indivíduos estão ligadas umas às outras e distribuídas, processo que é inti-
mamente associado à troca dos produtos do trabalho no mercado. Em sentido
literal, não há nenhuma troca de trabalho, uma vez que não é o trabalho efetivo
que é comprado e vendido no mercado, mas apenas os produtos do crabalho.
A atividade laboral dos indivíduos exerce uma fimçáo social definida, mas não
constirui um objeto de compra e venda. Quando dizemos que há uma "troca" de
trabalho, entendemos que os trabalhos são socialmente iguais :uravnenie], e não
que são igualados f,priravnivanie] no mercado.
Desse modo, quando dizemos que, numa sociedade de troca (onde as
pessoas se relacionam umas com as outras como simples produtoras de mer-
cadorias), eu uso meu tecido para dominar ou comprar o trabalho de outrem,
isso quer dizer apenas que, ao adquirir o que ele fabricou, exerço uma influên-
cia indireca sobre o trabalho de um outro produtor de mercadorias. Eu croco o
meu produto dimameme por um produto do trabalho, e não pelo trabalho de
outrem. Em troca por meu tecido, eu recebo açúcar e com isso também recebo
indirecamence o trabalho d 0 d d , ' ' .
pro ucor o açucar. Em outras palavras, adquiro
o crabalho de outra "'"'S
, .. ºª b e
so uma lOrma já materializada como um pro 11to
d
que ele produziu. Isso difi ' .
balh ere enormemente da troca direta de meu tecido pelo
era o de alguém isto é 1 fi
0 d·~ . .' ª
' pe orça de trabalho de um trabalhador assalariado.
que i erenc1a tao nitidamente d. ' - .!
do crabalh
o que é comprado (e balh
essesº" casos e nao apenas a forma materta
. .
também 0 tip d la _ . ra 0 macenalizado versus trabalho vivo), como
o e re çao sacra[ que bel
~o primeiro caso l se esra ece encre os participantes na croca.
, e es se relacionam.
de mercadorias· n um com o outro como simples produrores
' 0 segundo, como ca · al" (
da troca de um P d pit !Sta e trabalhador. O primeiro caso 0
ro Uto por outro .
traço básico de tod . ' ou por trabalho materializado) conscicui um
a economia de me d .
rca onas; o segundo (o da troca de um
A TEORIA DO VAr..OR 239

,,duto pur trabalho vivo, ou de capital por força de trabalho) ocorre apenas no .
P . da economia capitalista. Somente no segundo caso, 0 rrabalho ~unc1ona
. ter1or
.
lll
direcarnen te como um objeto de compra e venda ou como uma mercadoria ('isco e,.
força de trabalho).
eomº 0 erro de Sm1t'h estava em conrun e d'ir a •troca• soc1'/(
a ou, mais propria-
cqualizaçáo) do trabalho, que ocorre em toda economia de mercadorias

com a •çroca", no mercado, do trabalho como um objeto de compra e venda, 0'
que ocorre apenas na economia capiralista. Smith diz que adquiro ou compro,
com meu tecido, o trabalho de outras pessoas. Mas quando se pergunta se estou
aocando meu tecido por trabalho materializado (isto é, pelo produto do trabalho
de outrem) ou pelo trabalho vivo de um trabalhador assalariado, Smith não
apresenta nenhuma resposta clara. Ele fala sobre "a quantidade, seja de trabalho
de outros homens, seja, o que é a mesma coisa, de produto do trabalho de outros
homens que lhe é permitido [o proprietário de uma dada mercadoria - l.R]
compcar ou comandar".3 Essa confusão entre o trabalho e os produtos do trabalho
permeia toda a análise de Smith. No começo do capítulo 5, ele tem em mente
oato de dispor do trabalho de outros produtores de mercadorias independentes
mediante a aquisição dos produtos de seu trabalho. Mas no final desse capítulo,
de dá uma ênfase maior à troca de uma mercadoria por trabalho vivo, ou força
1ÍL trabalho: o possuidor da mercadoria aparece, agora, como um "empregador",
• ª mercadoria entregue em troca pelo trabalho como "o preço do trabalho",
ou salário do trabalhador. 4 Introduzir características inerentes à economia capi-
talista numa análise do valor das mercadorias, ou de uma simples economia de
mercadorias, significa introduzir uma terrível confusão nessa análise. A concepção
smithiana do trabalho que é adquirido em troca de uma dada mercadoria, e que
também serve como uma medida do valor dessa mesma mercadoria, converte-se,
na realidade' em dois· conceitos:
· ' vezes, ela aparece como •trabalho maten'ali-
as
zado COmandado• ·• às vezes, como •trabalho vivo· comandado"·
. • A confusão conceituai de Smith resulta do fato de que, tendo falhado desde
0 1n1cio em
captar a natureza social do processo de •troca• do trabalh0 numa
CConol'llia de mercadorias, ele considerou erradamente esta últ1ma
de · pe1ª "uocà'

0 trabalho no mercado, ou pela compra e venda de trabalho. Ele interpretou


L
trabalho
.
como urna função social como se este fosse 1'd'ennco
· ao trabalho que
'"'1Clona com um artigo de
co111 ° urna mercadoria. Porém, se o trabalho acua como
. J 'da de valor?· O valor do
Pra e venda• pode ele realmente servir como uma mcw
240 "IOA.'111 SllollT,.

• utÍ4 •raças ao fato de que certa quantidade de trabaJh


rrabaUJo t!e mt,-mo 1'140 m o . o
·dade maior ou menor de mercadorias (depende d
poderá comorar uma quano n o
. • .' ••!ários paros ao "trabalho")? Para escapar dessa dificuldad•
cas r.unuçoes nos .-.. ~ '"'">

Srruc.\ :.ança sua famosa propcsiçáo de que "iguais quantidades de trabalho, em


,
qua..qucr cempo ou lu.ar '
podem ser ditaS de igual valor para o trabalhador" • ,
0

!ndeo<ndentemcnte de qu:uuas mercadorias o trabalhador possa conseguir trocar


per :.mdia de rrabalho, este último significará sempre que ele tem de sacrificar a
mesma quantidade de "sua comodidade, sua liberdade e sua felicidade" .6 Se hoje
ele conseguir uoa.r um dia de trabalho pelo dobro da quantidade de tecido que
obteve no ano passado, i5'0 mostrará apenas que o valor do tecido caiu. O valor
do trabalho cm si mcsmo não mudou, e não pode mudar, uma vez q uc a valaraçiío
J1Jbjrtiva da erforço da trabalho pmnaneet ina!tmuia. Mas, nesse caso, a quanti-
dade objetiva de trabalho adquirida em troca de determinada mercadoria pode
ser cornada como uma exata medida do valor dessa mercadoria. Para sermos con-
vencidos de que o valor de uma mercadoria dobrou, precisamos apenas estabele-
cer que essa mercadoria, que antes podia ser comprada com um dia de trabalho,
agora só pode ser comprada com o trabalho de dois dias. Em qualquer época, dois
di>S de trabalho representam o dobro de esforço e tensão subjetivos comparados
com o trabalho de um único dia, mesmo que esses dois dias não obtenham mais
mercadorias (ou salários) do que um dia de trabalho podia obter anteriormente.
O traço distintivo da confusão teórica de Smith entre fatores objecivos e subjeti-
vos (confusão na qual os fatorcs objetivos tendem a dominar) é o seguinte: para
que unu quantidade objetiva de trabalho adquirida possa preservar seu papel
como medida invariável de valor, Smith tem de postular que as valorações subje·
tiv>1 dos esforços do trabalho também são invariáveis.
Anterionncntc, Smith havia erroneamente convertido o trabalho c<>rnº
função social em trabalno como mercadoria, considerando o "trabalho coman·
" 1de vaior. Agora, a fim de se livrar das conscantes
dado" uma medida ·•nvanave
Rutu:1çõcs no Y>lor inerente ao uabalno como mercadoria ele substitui a quan-
tidade objetiva de t balh0
ra
dd '
coman a o pelo esforço subjetivo cocal que
esse
trabalho exige. A confusão da atividade laboral como uma fançiío social corn °
tra~alho como uma mercadoria (isto é, com o "trabalho comandado"}; a confUsão
d
0 coman dado• com o "trabalho vivo comandado" ; e, Por
0 1rahafho ma1mafi'4(/.
fim
•a confusão da qu ·dad b· . cal -
ana e o 7"'"ª de trabalho com o esforço subjetivo to
tod., essa. confusões são 0 d ido
.. preço que Smith teve de pagar por ter con uz
" T~OS.IA DO VALQll 241

. ·gação pelo caminho metodologicamente falso da


slJ1 in,,esog procura por uma
intàid> de valor. . . .
,, • aqui expusemos a doumna sm1th1ana da medida de vai M ,
"v: . or. as paraic-
aessa via confusa e equivocada de pensamento, háoucravia m . ·-•·
~nte .. ' .. ) ais va.uosa
e"°ncamcntc fértil, que se dmge a analise das callS4S das mudanças quantiltlti1Jt1S
",~/Dr das mercadorias. Essas duas vias teóricas se encrecru2a.m com frequência.
Eitbor.t no início de sua análise, no capírulo 5, o pensamento de Smich se ocupe
principalrnente com a busca de uma medi~a de valor, ele se volta conswuementc
conaa 0 faro de que o valor das mercadorias realmente se modifique; compelido
, piosscguir sua indagação sobre as causas de tais mudanças, ele não hesira em
aaibuir essa causa à quantiaade de trabalho despendido na produção de uma mer-
adoria. Especialmente interessantes sáo suas observações sobre por que o dinheiro
náo pode ser tomado como uma medida invariável de valor. "Ouro e prara, como
qualquer ouua mercadoria, sofrem variações em seu valor"; é, porranto, óbvio
ae
que wnbém muda "a quantidade trabalho que qualquer quantidade particular
c!eils pode comprar ou comandar". Mas quando se põe a questão acerca de por
que ovalor do ouro e da prata (isro é, a quantidade de trabalho que eles podem
tfmprar) rnuda, a resposta é inequívoca: porque houve uma alteração na quanti-
dade de trabalho despendidb em sua produção. •Como custa nunos trahalho trazer
"1eS meiais da mina até o mercado [..• ] eles podem comprar ou comandar menos
1rtba!Jm.• ~ bastante óbvio que Smith combina, aqui, os conceitos de "trabalho
comandado' e "trabalho despendido". O primeiro é uma medida ou índice da
magnirude do valor de uma mercadoria, o segundo é a causa das mudanças quan·
titativas nesse valor.7
No começo do capítulo 8, Smith vê as mudanças no valor das mercadorias
como uma consequência direta de

todas aquelas melhorias feiras em sua [do crabalho - N. do T.l.J capadc!ode


Produtiva e que são o resultado da divisão do trabalho. Todas as coisas se tornariam
-Jual ·dadc menor de
"'"" mcnce mais baraw. Elas serüzm produzidas por urna quana
trabalho e, [...J naturalmente{...), seriam compradas, do mesmo modo. cm aoca
do Produ<0 de uma quantidade menor de trabalho. 8

Se na p.ro<luçáo de
\Uii,.detc ~quantidade menor de trabalho co_m~ça ~ser
<minada mercadoria, também rem de diminuirª q
:::dade de trabalho
242 1>.0I<"" sY•T"'

. . quando for rrocada. Uma mudança na q .


es,s.i. mc:rCldoria comprara uanti.-
quc J J.âo" , consequentemente, uma causa das mudan
d.de de "trabalho ª"pm ' e, • • ças lla
"d d d "tr:1balho comanddvef e, assim, cambém das mudanças no Valo,
quann a e e . o uma medida ou índice. O valor de uma mercad . '
do qual esta úlmn.a age com - , . orta
. .J pel balho drsrpendido em sua produçao e e medido pelo crabaJh
i ár..mmna.ao o era o
que da comprarJ no processo de croca. .
Assim, Smith derermina o valor da mercadoria de duas focmas: l) pela
quancidade de crabalho dependido em sua produção; e 2!
pela quancidade de
trabalho que decerminada mercadoria pode comprar por me10 da croca. Essas duas
de.finiçõcs não contradizem uma com a outra? De um ponto de vista quantitatz'vo,
h.i condi;õ" sodaiJ definid>.1 sob '-' quais as duas coincidirão. Suponhamos uma
sociedade de produtores simpks de mercadorias ou arcesáos que possuem seus
próprios meios de produção. Cada um deles irocará o produio de dez horas de seu
próprio trabalho (por exemplo, tecido) pelo produro de dez horas de trabalho (por
exemplo, uma mesa) realizado por oucrem. A croca se dará como se ele estivesse
adquirindo uma quantidade do trabalho de oucra pessoa (macerializada na mesa)
exawnenre igual à quantidade de trabalho que ele mesmo g:iscou na produção de
seu tecido. :\'esse caso, podemos direr que não fuz diferença se o valor do cecido
é decerminado: l) pela quanridade de crabalho gasca em sua produção; ou 2) pela
quantidade de trabalho que ele pode adquirir quando trocado. A quantidade de
"trabalho despendido" coincide complecamence com a quantidade de "trabalho
(macerializado) que ele pode adquirir". Numa simples economia de mercadori>.1,
0 trabalho desempenha uma função dupla: o "trabalho comandado" serve como
uma medida do valor dos producos, ao passo que o "crabalho despendido" regula
as proporçóa em que as mercadorias são trocadas.

~o cs_rado prjmitivo e rude da sociedade que precede tanto a acumulação de mcr~


Cl.dona.s como- aapropria - d balh0
.. çao ªterra, a proporção enue as quani:idades de era
n«essar;a.s paraª aquisição de diferenc~ objetos parece ser a única drcunscinda:
que pode fom«cr qualquer
regra para a troca de uns pelos outros. 9

Nasociedade "primitiva" . . . . les


de mercador" 'que significa essencialmence a economJa s1mp
ias, a <roea de producos esiá • . '
Até esse po SUJena a lei do valor-trabalho.
nco, essi:.s dois can,- nh d da
medida de valor ao crabalh 1 os da análise de Smith - um Jevan
o coma..n~::l~"
°
-~'" n()
243
"--
,..Jor • O trabalho despendido - andaram
. _ paralelamente e puderam ser rcconc1-
.
liad"'· uma vez que, sob as cond1çocs de uma economia simples de mercado-
riaS• 0 rrabalho (marcrializado) comprado é igual ao trabalho gasto. No enranro,
SJnith não limitou seu_ es'.udo a uma economia simples de mercadorias, mas
volrou seu interesse, principalmente, para a economia capitalista que se desen-
volvia cm corno dele. O motivo do "artesanato" em sua reoria é acompanhado
de um motivo "capitalista". Se a mercadoria é um meio pelo qual 0 artesão pode
adquirir 0 produto (ou trabalho materializado) de outra pessoa, para 0 capitalista,
de é um meio de adquirir o trabalho viuo de outrem. Smith lembra que, sob 0
capiralismo, o trabalhador assalariado recebe apenas uma parte do produto de seu
tr.1balho, e que, por conseguinte, uma quantidade menor de trabalho materiali-
zado (a mercadoria) é trocada por uma quantidade maior de trabalho vivo (força
de trabalho). Pelo produto de dez horas de trabalho, o capitalisra pode receber
doze horas de rrabalho vivo dos trabalhadores. Segue-se daí que a quantidade
de rrabalho gast11 na produção de uma mercadoria não é igual à quantidade de
rrabalho vivo que essa mercadoria pode rulquirirem troca. Numa economia capi-
talis12, as duas determinações do valor, que haviam coincidido sob as condições
da produção simples de mercadorias, agora divergem agudamente. Portanto,
Smirh cem, agora, de fazer uma escolha firme: o valor de uma mercadoria rem de
ser dererminado ou pelo trabalho despendido em sua produção, ou pelo rrabalho
(vivo) que ela pode comprar em troca. Em vez de adoras o primeiro ponto de
vista, que é o correro, Smith chega exararnence à segunda conclusão. Ele mantém
sua visão inicial de que o valor de um produto é determinado (ou medido) pela
quantidade de trabalho (vivo) que de comprará quando rrocado. Mas uma vez
que essa quantidade de trabalho excede a quancidade de trabalho gasra num dado
produro, o "trabalho despendido" não pode mais atuar como um regulador do
valor dos produros, como de o fazia numa economia simples de mercadorias.
A ki do valor-trabalho deixa de operar na sociedade capitalista.
Se isso é assim, o que, então, determina o valor de um produto numa
economia capitalista? Suponhamos que um capitalista invista um _cap'.cal _de
IOO libras na conrrataçáo de trabalhadores (Smith postula que o capital mrerro
é gasto na contratação de força de trabalho e ignora os gastos com 0 capital
6xa•)' que, por sua vez, produzem para de mercadorras
· no valor de 120 libras.
/ 244 .\OA .. 'SlillT~

Como 0 valor dessas m<'OCadorias é determinado (medido)? Como já sab


pela quantidade de trabalho (vivo'1 que o capita . \"1sta podera. comprar co elllos'

quando forem uocadas. Do total de 120 libras, o capitalista pode adqu. ~ elas
. irir, Pri-
meiramente, a mtima qun1111dadt de traballio dos trabalhadores contratados
foi •a.w na manufatura das mcrcadorias . em questao. ("mo e,• 100 1·ibras ou t\.llc
,. ' asorn;.
de seus salários)· em segundo lugar, ele pode comprar uma quantidade ad· .
' 1c1ona1
de trabalho com as 20 libras que restaram e q_ue constituem seu lucro C
· orn0
resu:rado 0 V3lor das mercadorias não é mais determinado (medido) pela
' quan.
tidade de trabalho despendido em sua produção (de fato, Smith aoora suL,1Jst1tu
. .
t> 1
0 "trabalho pago", isto é, os salários ou "o valor do trabalho", por trabalho des-
pendido). O valor das mercadorias é, agora, grande o suficiente para pagar inte-
gralmente pelo trabalho despendido cm sua produção e, além disso, obter cena
quantia de luero. Em outras palavras, numa economia capitalista, o valor da mer-
cadoria é definido como a soma dos salários mais o lurro (e, em certas circunstân-
cias, mais a renda), isco é, como a soma de seus "custos de produção" tomados
no sentido amplo do termo. Smith abandona, aqui, o terreno da teoria do valor-
•trabalho, substituindo-a pela teoria dos custos de produção. Anteriormente, ele
definira o V3lor de uma mercadoria pela quantidade de trabalho despendido em
sua produção; agora, ele o define como a soma de salários, lucro e renda. Antes,
afirmara que o valor de uma mercadoria se dilui no rendimento (salários, lucro
e renda); agora, ele diz que o V3lor é composto de rendimentos, que, portanco,
funcionam como as "fontes" d!l val!lr de uoca de uma mercadoria. Os rendimen-
tos são aquilo que é primário e dado, a!l passo que o valor da mercadoria é visto
como m:u11dário e derivado, formado pela adição de rendimentos separad!ls. A
magnitude do valor de uma mercadoria depende das "taxas naturais" de salários,
lucro t nnda.10
Sinteti7.ando a linha de pensamento de Smith, pode-se dizer que sua teoria
do valor padece do defeito fundamental de urna dualidade em seu procedimento
metod!llógico global. Sua análise das causas das mudanças no valor o conduzª
um conceito de "trabalho despendido"; sua busca por uma medida de valor, sendo
deriV3da de uma compreensão individualista da divisão do trabalho, leva-o ª Ulll
conceito de "trabalho comandado". Além disso, esses dois conceitos de trabalho
· · · d · . · almentc
sao vmos a pasur e seus aspectos objeúvos e subjetivos, embora pnncip , e
. d . . Mais --~o· e, cl
a parur os pnme1ros. • ainda, o conceito de "trabalho comanaau .
'fu 1
mesmo, 1 rca o, gurando na maior parte das vezes como "crabai.u0 material •
b d fj . 1L
li\ Tt;o~,- D ----
Q VALQll 2,45
.Jn comandadô (a troca entre simples produt , _
111'" • ores uc mertad .
raidoria por mercadoria), outras vezes co • orias, ou uma tro
de 111c • • mo trabalho . ta
Uota entre o capitalista e o trabalhador VlVo comandado•
(IJllU. ' ou a troca de
0 capital por trabalho como força de trabalh ) Co uma mercadoria
co111 • d ·r··• , o. mooque rcd.
nmeiro mOtlVO, O O O !CIO , O trab3.iho cornand d , p Om1na é
oP
.e.lho despendido e se toma indiferente se 0 valo da
ª 0 e considerad0 ·igual ao
II"""' . r mercadoria é d .
do por um ou pelo outro. Aqui Smith opera com um . d etenm-
1\;\ • a tcona o valot·trabalh
de 1110do que o parald1smo e a reconciliabilidade dessas d • 0
. . uas vias de sua teoria
escondem seu dualismo metodológico. Porém assim que . •
. .. '. o motivo capitalista"
entra em cena, as duas mlhas analmCJS e os dois conceitos d -uh .
e t•..,., o divergem
marcadamente. Numa economia capitalista, o uabalho mater"ali 1 z
ado
na merca-
doria é trocado por uma quantidade maior de trabalho vivo·, é uma troca de não
equivalentes, e Smith é incapaz de explicá-la do pomo de vista do valor-trabalho.
Ao conservar o "trabalho comandado" em seu antigo papel de medida de valor,
Slllirh é obrigado a abandonar a compreensão do "trabalho despendido" como 0
regulador das proporções da troca. O valor da mercadoria depende, agora, náo
miis do "trabalho despendido", mas do tamanho dos rendimentos dos vários
panicipanccs na produção (isto é, de salários, renda e lucro). Embora a ideia do
nlor-trabalho seja um dos motivos básicos do pensamento de Smith, ele náo a
concluiu, e quando a aplicou à economia capitalista, ele a substituiu pela teoria
tios rostos de produção. A teoria do valor-trabalho de Smith naufragou, pois era
impossível aplicá-la à troca de trabalho materialir.aM por trabalho vivo (ou capital
por trabalho).
Enquanto Smith se manteve denuo dos limiteS de uma economia simples
ele mercadorias, os elementos contraditórios que essa teoria trazia consigo (o
1cgulado1 das mudanças no valor e na medida de valor, o trabalho despendido
'o trabalho comandado, o trabalho materializado comandado e o uabalno vivo
comandado) ainda puderam se manter em alguma forma de equilíbrio instável.
,,_ . ,. . · al" sra esse cquih'brio
''"'assim que Smith estendeu suas análises à economia capit 1 • •
· • de Smith emergiram
instavel foi destru[do, e o caráter dualista dos construtos .
'l do . smithiana foi apro-
a Ul. do dia. Cada um dos diferentes aspectos da utnna 1
.:.J _ . . res Ricardo desenvo veu
~•...., e desenvolvido pelas escolas econômicas posteno · • . valor de
1111\ lad da áx" ma consistcncta - 0
o teoria de Smith ao definir - com ª m 1 • Malthus descnvol·

llllla mercadoria pelo trabalho despendido em sua produçao'. d uaba!ho que


>icu --· • das mercadonas 0
ouuo aspeeto da teoria deduzindo o ""'ºr
.......-....-------··-·..
246 AOAlrll SfillT"

c?.s podem comprar em ~-·


.~ o mesmo destino ceve a teoria smithiana (t•-b'--
-.. "'"
,_ dualismo) da rei.ação enm: o valor de um produto e Os ren~·
pc:rma"" por um _ A 'd . ..,_
mam r-norte em sua produçao. 1 eia de que 0 valo de
menros daque!es que to r
.a St dilui em salários, lucro e renda formou a base da teoria d
uma merado'1 . .. . e
,,, ___,_
NOULW• que.
en"o.,. 1 libertou-a de suas concrad1çoes internas. O erro de s-
u&t
.th
"'bre essa ques- "'~ - s"a• tentativa de derivar o valor da mercadoria a par1;. J
~ uos
mulimmtos (salários, lucro e renda) - foi apropriado por Say, que a desenvolveu
na teoria dos "serviços produtivos". Aqui, como em outras partes, o núcleo verda-
deiramente valioso das ideias de Smith seria subsequentemente desenvolvido por
Ricaido, Rodberrus e Marx, ao passo que seus produtos colaterais seriam explora-
dos pc:l0$ ;w;im chamados economisras "vulgares".

Notas
t. No ""'° rus.<o, consta: ob'rkt ili pudmtt, significando, nesse caso, o objeto de u111a
invcsrigação ou estudo.
2. No final do capilUlo 4 do Uvro l, Smith descreve como ele procederá em sua análise
do valor. "Para invc.<rigar os princípi0$ que regulam o valor cambiável dos mercadt>-
rias, procurarei mostrar, primeiro, qual é a medida real desse valor cambiável; ou em
que consiste o preço teal de iodas as mercadorios; segundo, quais são os diferentes
parte.< que compõem ou constituem c.<se preço real. E, por fim, quais são as difc.
rcnteS circunstâncias que. às vezes, elevam algumas ou todas essas partes difercnlCS
do preço acima, e às va.es abaixo. de sua tan. natural ou ordinária; ou, quais são
as causas que às vezes impedem que o pr~ de mercado, isro é, o preço real das
mcrcUorias, coincida <Xal'amcntc com o que se pode chamar de seu preço natural"
(Smith, Wta/1hof1111tions, livro 1, eap. 4, p. 46).
3. Smith, Wu/th ofnations, livro I, eap. 5. p. 48; grifos de Rubin.
4· lbid., P. 51. "Mas embora iguais quantidade.< de trabalho sejam sempre de igual
valor para 0 trabalhador, para a pessoa que o emprega, cios aparentam às vezes ter
um. valor maior o1.1 menor. Ele as compra ora cm uoca de uma quantidade ma,jor.
oro menor dc produtos, e para ele o preço do trabalho parece variar como 0 P~
de todas as outras coisos. Ele lhe pateec caro num momenro barato noutrO· N•
tealidadc, por<m • rod • ' uo-"
, •sao os P UlOS que estão baratos num momento, e caros nou
5. lb1d., p. 50.
6. lbid.
7· ~ P""'&ens ciwt.s ncssc par:ígrafo são extraídas de Smith, Wtalth o/nati•llS· JiVIO
'eap. 5• P. 49-50: grifos de Rubin.
-' .......

247

.,, • .,,alth of11atians, livro 1, cap. 8, p. 82; grifos de Rubin


i
sinith·1·'"'rol
cap. 6. P· 65.
·
lbid.. •• •
9. E.IS3 disCUSSÓº a que Rubin se refere aparece no livro I, cap. 7, p. 72 do W.a/th of
l~· . •<··as calOIS ordinária.< ou médias podem ser chamadas de caxas . ,_
n4narlf. ~ natuw.s ~
.. \ cro e renda na época e no lugar cm que eles comumente rem ·-''dad
s;UirlOS1 u ViUl e.
•Quando 0 preço de qualquer mercadoria é nem mais nem menos do que 0 su-
fic;ientc para pagar a renda da terra, os salários do trabalho e os lucros do montante
cniptcgado no cultivo, na preparação e no transponC' até o mercado, de acordo com
suas...,. nacurais, então a mercadoria é vendida por aquilo que se pode chamar de

5'11 ptcÇO natural".


capítulo 23 -
AíEORIA DA OISTRIBUIÇAO

Mesmo com todas as inadequações e contradições presentes na teoria da


distribuição de Smith - que coube ser retificada por Ricardo e Marx -, ela ainda
apresenta um grande mérito: Smith descreveu corretamente a divisão de classes e as
formas de rendimento características da economia capitalista. Smith sustenta que a
sociedade contemporânea é dividida em três classes básicas: capitalistas empreen-
átthres, trabalhadores assalariados e proprietdrios fundiários, uma divisão que é
cientificamente aceita até nossos dias. Ele divide as formas básicas de rendimento
em lucro, salário e renda fundidria. Para apreciar plenamente a inventividade dessa
divisão de classes e de rendimentos, que hoje fazem parte do senso comum, temos
apenas de comparar a doutrina de Smith com a dos fisiocratas.
Quesnay dividira a sociedade em três classes: proprietários de cerra, agricul-
tores (a classe produtiva) e mercadores e industriais (a classe estéril). Esse esquema
confunde as divisões de classe com a diferença entre os ramos de produção {agri-
culrura e indústria). Turgot aperfeiçoou esse esquema subsrancialmenre ao dividir
cada uma dessas duas últimas classes em duas. Isso gerou uma divisão quintt'-
plicnda de proprietários de cerra, empreendedores agrícolas (fazendeiros), traba-
lhadores agrícolas. empreendedores industriais e trabalhadores industriais.* No
esquema de Turgot, a divisão de classes coincide com a dos ramos de produção.
Smith b
ra . ~omou a segunda e a quarta dessas classes e as com inou numa um .
' ·ca de
iplta/zstas empreendedores. De modo similar, ele amalgamou ª terceira e ª qumca
cl~ses nu ma unica
• · classe de trahalhadores assalariaaos.
. J Uma vez mais • tinha-se

~
Ver capítulo 23.
250 "º""' 5 "'''"

. de cal forma que a contraposição fisiocrata de a .


di . • tripart1tt, mas d 1 gr,.
uma visao ºd a conuadiçáo e e asse entre capitalistas
. d, cria fora removi a, e em..
cultura e"' us d salariados fora revelada (como cambém 0 fora
preendedores e crabalha ores as Por
'T". ruoc) cm sua plena clareza. ' . . -
.LU ~ • • . da maior é a siscemanca classificaçao do rendimento d
De impcn:anc1a 3.ln . . . e
·arn apenas do!S npos de rend1menco: renda da e
Smith. Os fisiocr:uas conh ec1 erra
. ,, .d ) salários.' Em seus conscrutos, o lucro empresarial n·
(rendimento uqw o e . . . ao
. • "·· 1 ·do sei·a numa reposição do cap!Cal, sep nos meios necessário
oasre, mas e w.:>:>O V1 ' . • . s
de subsistência (isco é, salários) de indusma.is, agricultores e merc.adorc::s. O lucro
. alº . . alado aos salários ou dico de modo mais preciso, essas duas formas
~R-ep ' . .
de rendimenco são concebidas como do mesmo npo do rendimento ou da "sub.
sistêncian do arre.são independente.
Ignorar 0 / 11cro dessa maneira, como reflexo do estado atrasado do desen-
volvimenco capicalisca na França do século XVIII, teria sido impossível na muito
mais avançada Inglaterra. Os mercadores ingleses já haviam devotado uma grande
atenção ao lucro, embora o conhecessem fundamentalmente como lucro sobre o
comércio. Os sucessos do capitalismo industrial encontraram sua expressão no
esquema de Smich, no qual o !11tro industria~ tomado no sentido amplo do cermo
(incluindo o lucro dos agricultores) aparece como a forma básica do rend.imenco.
~ outra forma do rendimento que ocupara o pensamento mercantilista, o juro
sobre empréstimos, é secundária para Smith: o juro é apenas aquela parte do lucro
que o induscrial paga ao credor pelo uso do capital deste último.
Ao isolar o lucro como uma forma especial de rendimemo, Smich o
distingue cuidadosamente dos salários e critica a visão de que "os lucros [... ~ são
apenas um nome diferente para os salários de um tipo particular de trabalho, 0
crabalho
. . de inspeção e di reçao ..· O volume dos lucros depende do taroanho d0
cap1cal mvescido num negocio ' · e nao• do trabalho que o capitalista despendeu
na supervisão Por cons · " l ·
1d · eguimc, os ucros ~...J são totalmente diferentes e sao
regu a os por princípios mu·c dift ,, ,. z
10 crentes daqueles que regulam os salar10s.
Por oucro lado Srnich di .
dos /u d . '. sungue os salários dos trabalhadores não apenas
cros o capualista mas camb. d fi ·nas
artesanais ..,; da .' em o rendimento do artesão. As o ci
~n eram unpo _, .
mente natural q rtamcs na Inglaterra do século XVIII, e é pene1ta~
ue o exemplo do . fi ncos
de Smic.\ No em S . anesao gure com frequência nos argurne
anto, mich também fi . d co!Il
os rendimentos ob .d cou profundamente impressiona 0 .
a os pelo capital.15 .
mo industrial (que ele tendia a super
e.sr•·
e afirmou que "tais ":"'ºs [em que ~m- "tr~balha~or independente" fubrica
"'") por sua própna conta - l.R., nao sao muito frequentes d
roduco , e em to a a
uJ1l P , . te trabalhadores que servem a um senhor para cada tr balh d .
pahavin " ,. _ a aorm-
Eur<> • Assim os salanos do trabalho sao em toda parte ente d'd
ndente . ' _ n 1 os como
dcp< les normalmente sao quando o trabalhador é uma pesso
uilo que e , ,, 3 T a e o pro-
aq . d dinheiro que o emprega e Outra . Nesse sentido estrito os ai ..
rier.Íflô O • ' S anos
P
têtndcscre
ncendidos como o rendtmento do trabalhador que foi privad d
. . o os
, d roduçáo, e náo como o rendtmento do trabalhador (artesão) ainda em
'""º' dep1 . .
Obviamente, Smith constdera trabalhadores não apenas 0 número
P""e ees.
. ente pequeno dos trabalhadores de manufaturas de grande escala de sua
rdonva!ll
, mas também, os da indústria doméstica que trabalham sob as ordens de
epoca, 1 • •

mercadores-empreendedores: Smith frequentemente retrata os industriais como


pessoas que fornecem aos trabalhadores "os materiais de seu trabalho".•
Smith não faz o que Quesnay fizera, identificando o lucro e o saláôo com 0
rendimento (subsistência) do artesão; seu erro se dá no sentido oposto. Ele afirma
que 0 rendimento do artesão (e do camponês) inc!ui tanto o salário como o lucro,
quando, na verdade, esse rendimento indiferenciado do pequeno produtor inde-
pendente é único em caráter e distinto dessas duas outras formas.
O erro que Smith cometeu ao transferir as categorias da economia capi-
ralisras para formas de economia que a precederam não diminui em absoluto o
seu mérito no que diz respeito à teoria da sociedade capitalista. Smith compreen-
deu corretamente a estrutura de classe dessa sociedade e suas formas caracterís-
ticas de rendimento. Ao isolar o lucro como uma forma especial de rendimento,
Smirh deu um grande passo em direção à formulação do problema do mais-valor.
Os mercantilistas haviam conhecido o mais-valor apenas como lucro comercial,
extraída do processo de circulação pela via da troca não equivalente de mercado-
""'· Os fisiocraras, embora tenham buscado a origem do mais-valor na produção,
'~tendiam-na apqtas como renda da terra. Por ter isolado o lucro e compreen-
dido que ele forma o rendimento líquido do capitalista além da compensação
descus l ·d ·t
custos de produção Smith conectou o problema do ucro '" usma 0 ª
problerna do m . '. '
ars-vawr.
Os fisio · da renda fundiária,
cratas se preocupavam somente com a origem
tuna vez que d , . r d dimento líquido.
Smith ' 0 seu ponto de vista, esta era a umca rorma o ren .
• fazend 0 d 1 l" 0 problema do mats-
·"a/,, o ucro uma parte do rendimento, amp 1ou
r. De,,_ b fi ·ocratas - ele se
_., pro lema de renda - como havia sido com os st '
cornou um problema da origem de rodas as formas de rendimento além daqui/,,
/ÍestiNllÍO 40 114ba/ho:a renda da cerra1 o lucro e o juro. 5 A questão prioritária era a
d:i ori~em do /11CTO. e Smith vislumbrou cor~ente o juro como parte do lucro.
Qu.an;o à rtntla. Smith foi fonemenre inBuenciado pela doutrina fisiocrata, e
sua õ-planaçio é excremamente frágil, padecendo de nítidas contradições. Smith
procurou a fonte da renda: 1) ora no PrtfO de monop6/io da produção agrícola, que
aumentava pela demanda constantemente alta por tais produtos; 2) ora na produ-
lividmk ftsica da 1m11, que "produz uma quantidade maior de alimentos do que
é su6cience para mancer [...] [e] repor o capital que empregou aquele trabalho,
juntamentc com sew lucros'"; 3) ora no trabalho dos trabalhadores agrícolas.'
A renda. ponanto, figura em Smith ora como pagamento de "monopólio'" ou
aaéscimo no valor dos produros agrícolas, ora como "a obra da natul"C'Za que resta
depois de deduzido e compensado rodo aquilo que pode ser considerado como
trabalho do homem'? ora como "uma parcela de quase toda a produção que o
trabalhador pode seja produzir, seja colher'"8 e que é carregue ao proprietário
fundiário em vircudc de seu monopólio da propriedade. Esta última explanação,
que se conjuga com a ideia de valor-trabalho, aparece apenas de passagem na
ceoria smjthiana da renda.
O <oneeikJ dt valor-trllba/ho se afirma com toda a furça na reoria do luao
de Smith. A qucscão da origem do lucro como uma furma independente de ren-
dimento tinha inevitavelmente de conduzir Smith para fora dos limites d.a teoria
6sioerara do produco excedcnce. A produtividade fisica da natureza ainda podia
servir para explicar a origem da renda como a margem de mais-valor que a agricul-
rura rende acima dos lucros, mas essa explicação não era mais aplicável ao lucro,
que é a forma normal e mais frequente assumida pelo mais-valor. Cercamente, não
é apenas no âmbito da agriculrura que o lucro cresce, mas também na indústria,
onde, na visão de Smith, a ..natureza não faz nada, eo homem faz rudo".• É óbvio

negação dc.uc furo por Smich é=


De faro. mesmo o trabalho ind .al
/~uer a ~stência das forças da na~ A
nSo havia máquinas, e 0 trabalho man~IStta do ~ríodo manufatureiro, qua.nd? ainda
o que é csscnc:ialmenre uma no . falsa predo~1nava. No entanto, parece poss1vel q~
mcnto de Smith: pois foi ela ~ tenha ndo um papel benéfico no desenvolvi·
fome do valor e do mais-v:alo;,u;á: =~a transcender a dourrina 6siocrara e a local~zar a
é do livro II, cap. 5 p. 364 -N. do T.I.]~rcza, mas no crabatho humano [A frase atada
1
-'·· -·~·.

•.·~

DI\ DISTA.111u1çÃD 253 ~- ....

d 1 cro tem de ser . buscada no trabalho humano. o "robl d


fonteºu . remao
i".' r (r<fldimento), que havia sido posto pelos fisiocratas, agora era ligado
rJli.,Ji à teoria do valor-trabalho esboçada pelos mercantilistas. ~ um dos
,....unente'ritoS de Smith o de ter real'\zado essa smcese.
~~-
,
;~:.:crdade, com todas as contradições presentes nessa teoria do lucro e
~as as falhas em seu entendimento, Smith estava basrante convicto de
~o lucro é aquela porção. ~o valor d~ produto que o capitalista assegura pata
1 o, "Nesse escado ongmal de c01sas, que precede tanto a apropriação da
......
tttr.lcomo a acumulação de cap1ta1s,
. . o prod uro .mte1ro
. do rrabalho pertence ao
.,i.Jhador."• Mas assim que a terra é tomada como propriedade privada e há
..,. 'acumulação de capitais", uma parte do produto do trabalho do trabalhador
cruracomo renda para o proprietário fundiário, enquanto a outra parte vai como
:l1CIO pata 0 capitalista. De onde vem essa "acumulação de capitais"? Smith, no
opiriro de todos os ide6logos da burguesia nascente, oferece a seguinte explana-
\i" as pessoas mais industriosas e prudentes, em vez de gastar o produto inteiro
dts<U ..balho, "economizam" uma parte dele e acumulam gtadualmente capital.
Capiul é aquilo que seu possuidor ou seus antepassados "poupam" do produto
C. KU Ullbalho. "Os capitais aumentam por meio da parcimónia, e diminuem
moliante a prodigalidade e a má conduta." "A parcimônia, e não a indústria, é
ª"""imediata do aumento do capital." Foi Marx quem, com sua descrição da
-ula\io primitiva do capital por meio de monopólios comerciais, da pilhagem
O.. colônias, da expulsão do campesinato de sua terra, da exploração dos traba-
liador.s da indústria doméstica e operários, etc., superou o mito ingfouo que
Prtdominara por tanto tempo na ciência burguesa, de que a origem do capitltÍ
ratdt 1111 Parcimônia".
do Ape.1ar da ingenuidade da doutrina de Smith sobre as origens do capital,
•Prc.nde firm . · • ula-
\lo de <a i . • emente que, numa soaedade em que Já ~corre essa ~m .
~.. P rus • a massa da população, desprovida dos meios de produçao (aqui
~no SCntldo amplo, incluindo também os meios de subsistência do tra-
~ <nquanco ele trabalha),'º torna-se imediaramente dependente desses in·
afottun~dos cuja "parcimônia" lhes permitiu que acumulassem capital.

A maior parre dos trabalhadores necessita de um senhor que lhes forneça os


lllatcria;s de
assim como seus salários e sua manuten'""o
.,... ' até que:
0
trabalho seu trauamo,
Ln.

C<teja concluído. O senhor toma parte no produto de seu aabalho, ou


25 4 ADAM sMITH

os maceriais sobre os quais ele é realizado e é


no valor que o trabalho acrescenta a 11 '

nesse ('Ompartilhamento que consiste seu lucro.

o lucro é uma "dedução do produto do trabalho".


que o capitalista apro-
" ... "
. ]' balh dores são forçados a assenurnessa deduçao , uma vez
pnacomosua. aostra ª , . . .
ra investir capital num negoc10, eles nao possuem qualquer
que, sem um scn hor Pª
. b . m negócio próprio ou para se manrerem enquanto trabalham.
me10 para a nr u
Assim, Smith reconhece 0 trabalho como a fonte do valor do produto
inteiro, incluindo aquela porção de valor que é acrescida ao capitalista como
lucro. Porém, como vimos no capítulo 22, Smith se mostrou incapaz de elaborar
a ideia de valor-trabalho até o fim. É, portanto, compreensível que sua teoria da
distribuição também seja elaborada apenas de modo incompleto e permeada de
enormes contradições. Vimos que, para Smith, o trabalho despendido na pro-
dução de um produto não é mais, na sociedade capitalista, o regulador do valor
desse produto: seu valor, ou "preço natural", é definido como a soma do salário
natural, do lucro natural e da renda natural. O nível dos salários, o do lucro e o
da renda são tomados como fatores primários, ou dados, e o valor do produto,
como resultado da junção dessas trés somas de rendimento. A teoria dos custos dt
produção é posta no lugar da teoria tÍD valor-trabalho.
A teoria da distribuição de Smith sofre uma mudança similar. Anterior-
mente, ela havia sido corretamente construída sobre a base da teoria do valor.
Mais tarde, no entanto, é a teoria do valor que se baseia na teoria da distribuição.
Desse modo, torna-se impossível explicar os salários e~ lucro como parte do valor
do produto, pois este último só pode ser explicado, agora, após termos determi-
nado 0 nível de suas partes componentes, isto é, dos salários e do lucro. Se Smith
fosse plenamente coerente, ele teria de concluir (como o fez Ricardo), a partir
dessa afirmação, que 0 lucro é uma "dedução" do valor do produto, que a cota de
lucro pode aumentar apenas d h,
quan o a uma queda na cota dos salários. Agora,
no entanto, ele sustenta que um e . d
ai resctmenco o lucro serve apenas para aumentar
o v or do produto, mas não tem ai
teor' d d' 'b qu quer reflexo sobre os salários. Com essa
ta a ism uição, o investigad
nível nat ai d ,, . or tem, antes de mais nada, de encontrar o
ur os saumose do lucro d d
para determinar o ai d d ' e mo o que estes possam, então, ser usados
v or o pro uto S . h faz
salários e 0 lucro inde 1 • mn exatamente isso e tenta explicar os
-penaentmiente da t · ;_ d
ao fracassa. eona uu valor- uma tentativa condena a
. a nível absoluto do lucro? Smith nem sequer .
dererrn1n 0 arrisca uma
Oque a questa•0 e limita-se a tentar explicar suas flutuações reia".. vas para
""'"'a essbaixo. Ele distingue entre .os estados
i<'t" .
progressivo,
.
estacionário e '"" .
.•. esszvo
ciJl"epan' d ma nação. O pnme1ro é caraccenzado pela acumulaça'
ort1ia. e u . , , o e
b «"~ _ da rnassa cotai do capnal de um pa1S; no segundo, 0 capital total
~uJdphCl\:lº seu nível prévio; no terceiro, o capital é declinante, e 0 país está à
~"''
/m·seern Na primeira sicuaçao, - o caplC "alé abun dante, f;azendo que 05 lucros
. da rulna. l' •
bel... • ao passo que os sa anos aumentam graças à concorrência entre
·uro) aiarn. .
1• 0 l I mão de obra. Isso explica, para Smith, a queda na taxa média de
•1alisras P' ª
0P 1 d na Europa do século XVI ao século XVIII. É apenas nas jovens e
~,,,observa a
ra.< colônias, com sua cerra virgem e sua escassez - tanto de trabalhadores
rió'P' r· l d ···l
t11nSO de capital _ que os sa ar'.º' e o ucro _Pº , e~ ex1Sur szmu taneamente em
~unível alto. Quando uma sociedade é escacionana, o mercado, tanto de capital
como de rrabalho, está completamente sarurado; desse modo, lucro e salários se
dtIDdecem num nível extremamente baixo. Finalmente, quando uma sociedade
1ogressiva ou se encontra em declínio, a escassez de capital causa o aumento na
!lllde lucro e a queda nos salários. A superficialidade do argumento de Smith o
limita a explicar as flutuações no nível do lucro a partir da abundância ou escassez
Juapital.
Mais bem-sucedida é a teoria dos salários de Smith, que contém uma série
de notas e observações hábeis e acuradas. O que confere a essa teoria seu encanto
~p«ial é a profunda simpatia pelos trabalhadores que Smith mostra em cada
pjgina. No enranco, de um ponto de vista teórico, a teoria dos salários de Smith
llmbém padece de inconsistências e contradições.
. A assim chamada lei de ferro dos salários obteve uma aceitação quase
universal entre os economistas dos séculos XVII e XVIII. Ela foi enunciada cla-
llmente pelos fi ·
. cl siocratas, • que argumentavam, como uma regra ge ra1 • que 0
ntv
m dos salários - exced e os meios mínimos de subsiscencia
nao • · requen'dos para
llltcr um trabalh d
a6rmação a ore sua família. Smith reluta em subscrever plenamente essa
do sécuJ ' que, a seu ver, não corresponde aos fatos. Do século XVII a rneados
~d 0 XVIII, os salários dos trabalhadores ingleses haviam aumentado e, na
e Smith h · le
tonsid ' aviam alcançado um nível que excedia claramente 0 que e
•rava o nível msnimo•· d"
dos meios de subsistência. Como po ia ser exp licado
, . , Smith crata dessa questão do mesmo modo como ele
esse aumento dos saianos.
. d de lucro no período entre os séculos XVI e XVIII: a
explica a que a na taxa . .
.d d • ·ca e a acumulação de capital criam uma demanda maior
prospen a e econom1 . .
por trabalhadores. A rápida acumulação do 'ª'.'.tal (e ~ªº.seu volume absoluto)
requer wn aume n to de mão de obra: altos sa!tínos poss1b1hram aos trabalhadores
criar mais filhos, 0 que, por sua vez, tem de fazer o nível dos sati.rios se estabc.
lecer exatamente naquele nível no qual a taxa do crescimento poputa-.:-ional cor·
responde mais ou menos à taxa de crescimento na demanda por trabalho. Uma
economia estagnada será diferente. Quando o capital invostido na contratação
dos crabalhadores permanece estacionário, o número e.xistence de trabalhadores
se mostra suficiente para satisfazer a demanda por trabalho e ..os senhores [não~
são obrigados a competir uns com os outros a fim de obc~-los" . 12 Os salários caem
ao nível mínimo dos meios de subsistência, a população se reproduz numa ta.xa de
crescimento mais baixa e o tamanho da classe trabalhadora se mantém fixo nesse
nível particular. Finalmente, quando um país está em declínio e "os fundos des-
tinados à manutenção do trabalho ~estão: sensive!mence decaindo", a demanda
por trabalhadores declina continuamente e os saiários caem abaixo do mínimo
estabelecido "para a mais miserável e escassa subsistência do trabalhador". 13 A
pobreza, a escassez e a mortalidade reduzem o tamanho da população àquilo que
é requerido pelo agora reduzido volume de e.apita.!.
Assim, o nível dos salários reais dependerá da relação entre a oferta e a
demanda de trabalho; em outras palavras, tÍ4 taxa de crescimento do capital ou
do fundo investido na comraração de trabalhadores. Smith lança, dessa forma,
uma versão embrionária da teoria do fondo saÍ.tlriaf, que mais carde se tornaria cão
popular emre os acadêmicos burgueses.* No entanto, ele ainda confunde a ideia
de um fundo salarial com a noção de que os salários gravitam ao redor de um 11/vel
mínimo dos meios de subsistência.

Um homem tem sempre de viver


d . por seu trabalho, e seu salário tem, no mínirnº•
e ser suficiente para mantê-lo Ele t , r
. . · em ate mesmo de, na maioria das vaJ:S. pro\IC
mais do que isso; de outro modo, seria impossível família, e a
descendência de tais trabalh d _ para ele manter uma
a ores nao durana além da primeira geração.14

Ver capítulo 34.


,,..------------ ,,. TEORIA DA OIST,..IBUIÇAO 257

vunos, porém, que Smith acredita que os salários só gravitar.io rea:menre


corno do nível de subsistência quando o volume de capital e a demanda por
:balho forem est11cionárias. Quando houver expansão, os salários msceráo acima
desse nível; quando houver contração, eles cairão abaixo dele. Obviamente, 0
próprio Smith pensava que uma queda nos salários abaixo do nível de subsistência
seria apenas uma ocorrência temporária e transitória, uma vez que a pobreza e a
morcalidade colocariam rapidamente o número de trabalhadores em correspon-
dência com a demanda reduzida do capital por trabalho. Por outro lado, Smith
13lllbém acreditava que poderia haver um aumento de longo prar,o nos salários
para além do mínimo dos meios de subsistência - até o momento em que os altos
salários não encorajem os trabalhadores a se reproduzirem mais rapidamente do
que a demanda de trabalho do capital em acumulação. Essa fé na perspectiva da
melhoria de longo prazo do bem-estar dos trabalhadores (que era parcialmente
evocada pelo fato de que os salários dos trabalhadores ingleses haviam efetiva·
mente aumentado do século XVII a meados do século XVIII) distingue a visão
Otimista de mundo de Smith das pessimistas de seus seguidores - Ricardo, por
exemplo.
Apesar de todo seu otimismo, Smith reconheceu que, mesmo no caso do
progresso da sociedade, os salários não cresceriam acima do mínimo requerido
~ equilibrar o crescimento da população trabalhadora com a tkmanda do
capital por tru.balhadores. Essa é uma matéria sobre a qual os capiralisras esraráo
de. acordo·· porque e1cs são poucos numericamente e, por consegumre,
· podem fa•
cilrnente chegar a um consenso entre si; porque são protegidos pela lei; e porque
Os trabalhadores não potkm existir sem trabalho senão por curtos períodos. Os
capitalistas desfrutam, em toda a lura contra os trabalhadores, de uma superiori-
~ social tÚ forfas que eles podem sempre usar para abaixar os •alários àquele
n1vel além do qual o estado existente do capital e da rique2'1 (isto é, se esta está
•m ascensão, estagnada ou cm declínio) não lhes permite serem ulreriormente
reduzidos. Por outro lado, esse reconhecimento da superioridade social de forças
dos capitalistas não leva Smith a concluir que os trabalhadores têm de Jurar com
~ Para melhorar sua própria posição social, promovendo greves ou formando
stndicatos. Por mais que Smith possa simpatizar com as necessidades dos rrabalha-
dorcs, ele não acredita que ações combinadas dos trabalhadores possam melhorar
SUa. SOrte: numa sociedade em avanço. das seriam supérfluas. visto que fatores
Puramente econômicos dirigiriam os salários de qualquer forma; numa sociedade
256 AOAU SMITH

esraanada ou em declínio, elas não seriam fortes o suficiente para estancar uma
das associações de trabalhad,,res
queda nos salários. A subestimação da importdnda
em Smith reRete 0 estado imaturo dos movimentos operários durante a sua época.
Ao mesmo tempo, ela se enquadra em sua visão geral, pois implica que a vida
econômic.a cem de ser deixada ao livre jogo dos interesses pessoais dos inciividuos.

Notas
1. Traduzimos o termo zemel'naya renta como "renda fundiária Lf!ormd rem~"' (ou
"renda rural" [land rent]), que é seu sentido mais preciso, e como ..a renda da cerra
[the rent ofian~". a terminologia usada por Smith, quando se trata da renda corno
categoria econômica que especifica a relação social que os proprietários fundiários
mantêm com as outras classes da sociedade. A discussão específica de Smith sobre a
renda fundiária aparece no livro V do Wealth ofnations.
2. Smith, Wtalth ofnations, livro !, cap. 6, p. 66.
3. lbid., cap. 8, p. 83; grifos de Rubin.
4. lbid.
5. A frase de Rubin é chi.styi ili netrudovoi dokhod, que iiteralmence quer dizer "rendi·
mento líquido ou não adquirido (não trabalhado)", ~o entanto, no contexto em
que a frase se enconua, essa tradução não reproduziria o sentido pleno do uabalho
como a única fonte do valor.
6. A citação é do livro!, cap. 11, p. 162-163. Sobre a primeira fonte de renda, Smith
afirma: "Há algumas parte.s dos produtos da terra cm relação às quais a demanda cem
de ser sempre tal que garanta um preço maior do que aquele suficiente para levá-la ao
mercado; e há outras em relação às quais a demanda pode ou não ser tal que garanta
esse preço maior. As primeiras têm sempre de proporcionar uma renda ao proprie-
tário fundiário. As últimas, às vezes podem, e às vezes não podem, proporcioná-la,
dependendo das diferentes circunstâncias" (livro I, cap. 11, p. 162). A terceira fonce
de renda é discutida por Smith da seguinte forma: uMas quando, no incremento e
no cultivo da terra, o trabalho de uma familia pode prover alimentos para dois, 0

trabalho de metade da sociedade se torna suficiente para prover alimentos para a


sociedade inteira. A ouua metade, portanto, ou ao menos a maior parte dela, pode
ser empregada na provisão de outras coisas, ou na satisfação de outras necessida-
des e fantasias da espécie humana. O alimento é, desse modo, não apenas a fonte
original de renda, mas toda a outra parte da produção da terra que posceriorrnence
gera renda deriva daquela parte de seu valor do incremento e do culávo do uabalh 0
A TEORIA DA DISTR18u1çAo 259

na produção de alimentos por meio do incremento e do cultivo da ierra" Oivro I.

cap· J!, P· !80 e !82).


1. Jbid.. livro li. cap. 5, P· 364.
g, Jbid., livro !, cap. 8, P· 83.
9. Smith. W.alth of1111tions, livro l, cap. 8, p. 82.
tO. Rubin quer di1.cr que trabalhadores sem seus próprios meios de subsiscência estão
privados dos meios de produção ela '?ercadoria força de trabalho.
11. Smith, W.alth ofnations, livro !, cap. 8, p. 83.
12. lbid., p. 89.
13, !bid., p. 90-91.
14. lbid., p. 85.
capítulo 24
A TEORIA DO CAPITAL E DO TRABALHO PRODUTIVO

Smich, como vimos, considerou o lucro, mais do que a renda, a forma


rimária do rendimento líquido (mais-valor), mas também pensou-o como o
:rendimento derivado do estoque de capitais". Assim, não é nenhuma surpresa
que Smith tivesse uma teoria do capital muito mais ampla e mais corretamente de-
senvolvida do que a dos fisiocratas. Seu mérito está em 1) ter ampliado o conceito
decapitai para além da esfera da agricultura, nele incluindo também a indústria; e
2) rerestabelecido uma conexão direta entre os conceitos de capital e lucro.
Influenciados por Rodbercus e Adolph Wagner, os economistas burgueses
frequencemence distinguem dois conceitos de capital: um conceito da "economia
nacional' e um conceito da "economia privada". 1 O primeiro se refere à soma
coral do produto do trabalho da sociedade que será usado na produção futura; o
segundo se refere a toda soma de valor que propicia a seu possuidor uma renda
imerecida [unearned income] constante. O primeiro conceito de capital deriva de
um ponto de vista unilateral, técnico-material, a saber: o de que o capital são os
meios de produção que existem, independentemente de sua forma social. Daí
decorre a conclusão absurda, frequentemente encontrada nos argumentos dos eco-
nomistas clássicos e seus epígonos, de que o caçador primitivo é um "capitalista"
em virtude de possuir arco e flecha. Em contraste, na segunda acepção do capital,
0 conceiro é separado do processo material de produção, deixando assim de

responder de onde o capitalista obtém sua renda imerecida.


c:i. • Aqui Smith deve ser considerado o progenitor de ambos os conceitos de
pua!. Ele postula que a propriedade de um indivíduo (considerando-se que
da seja grande o suficiente) seja dividida em duas partes. ·~quela parte que lhe
proverá~ . , ,
~ rendimento e chamada seu capital A outra e aquela que serve ao seu
262 ADAI,! 51,11T""

• . 0 ca ital é propriedade que provê ao seu possuidor um


,, 2
consumo 1med1ato. P . .
..da [ arned income] na forma do lucro. O pnnc1pal valor
6.u.xo de renda imereCI une . .
.. . l i-.._ 0 conceiro de cap11al diretamente ao de lucro.
dc"'1 defimçao e que e a '" . . .
Porém, Smith entende que ele náo pode se limitar a definir o capital nos
termos da "economia privada". De acordo com essa definição, uma casa privada,
quan do al ugada, provê capital para seu proprietário; é igualmente óbvio, no
entanto, que, quando a mesma casa é usada diretamente por seu proprietário, "ela
náo pode render qualquer [lucro] para o público, nem servir para ele na função de
um capital".> Em vista disso, paralelamente à definição acima mencionada, Smith
fala frequentemence do capital em termos da "ecoaomia nacional", isto é, num
sentido técnico-material, entendido como um "estoque acumulado de produtos"
para uso na produção fatura, isto é: 1) as matérias-primas necessárias ao trabalho;
2) os implememos da produção; e 3) os meios de subsistência dos trabalhadores.
Smith é incapaz de reconciliar essas duas definições de capital porque,
em virtude das confusões no interior de sua própria teoria do mais-valor, ele
não pode identificar como o capital investido na agricultura, na indústria e no
comércio (Smith situa erradamente o capital investido no comércio e na troca em
pé de igualdade com o capital produtivo investido na agricultura e na indústria)
possui a capacidade de gerar um rendimento constante sob a forma de lucro.
A dualidade das visões de Smith sobre o capital se revela claramente no fato de
que ele, às vezes, entende corretamente o capital como o valor total que o em-
preendedor gasta na compra de maquinaria, matérias-primas, etc., mas outras
vezes toma-o erradamente pelas máquinas, matérias-primas, etc. in natura. Essa
confusão dos elementos materiais e técnicos da produção (meios de produção
como tais) com sua forma social dada (isto é, com sua função como capital) é
tanto um traço distintivo da teoria do capital de Smith como uma caracterísrica
da escola clássica em geral.
Essa falta de clareza na teoria do capital de Smith se refletiu em sua visão de
que o capital se divide em do· · "- ·
" npos: o;~• e o circulante. Já nos deparamos com
a forma embrionária dessa teori Q
. .. a em uesnay, que estabeleceu a distinção entre
avances prLmltlves e avances annuelles • S 'th al. . alé do
. . · mi gener 1zou essas categorias Jll
capnal agncola, nelas inserindo 0 ca . al. d .
Pll in Ustnal (no que ele escava correto) e 0

Ver capículo 13.


A TEOR.IA ºº CAPITAL. e ºº TRA8AL.>i0 PROOUT•vo
263

.__ ,comercial (o que era errado, na medida em que a divisão enrre cap· , li
capiw . . , . • 1raJ xo
e circulante se aplica a~enas ao ca~ita.i produn~o, e nao ao capital comercial).4
Ora, 0 capital arculante difere do capital fixo de acordo com 0 tempo
ue leva para circular. Seu valor (por exemplo, matérias-primas) é plenamente
;esiaurado ao proprietário da fábrica pelo preço de seu produto ao final de um
único µr!odo de produfáo. Já o valor do capital fixo (por exemplo, a maquinaria),
por ourro lado, é restaurado apenas em parte, sendo totalmente cancelado apenas
depois de completados vdrios períodos de produfáo. Smith se manteve vago sobre
essa distinção, voltando sua atenção para o aspecto material dos fenômenos como
coisas, para a maquinaria in natura, e não para o seu valor. Enquanto o valor
inteiro de uma máquina entra na circulação, mesmo que devagar e por partes, a
máquina permanece todo o rempo em posse do proprietário da fábrica aré que
ela esteja completamente depreciada. Ao perceber isso, Smirh chega à estranha
conclusão de que nenhuma parte do capital fixo _entra na drtulafáo: diferen-
temente do capital circulante (matérias-primas, por exemplo), que, "continua-
mente, parte dele [de seu proprietário - N. do T.I.J numa forma e a ele recoma
em outra forma", o capital fixo rende um lucro "sem mudar de mãos, ou sem
precisar circular". 5 As incongruências a que uma tal definição conduz Smith são
visíveis pelo modo como ele é compelido a classificar o valor da semente que o
agriculror armazena para posterior semeadura como capical fixo, simplesmente
porque cal valor permanece em posse do agriculcor. Usando a mesma definição,
Smith julga as mercadorias dos comerciantes como capical circulante, embora,
em sentido geral, elas constituam mercadoria, ou capital comercial, e de modo
algum capital produtivo.
Em sua teoria do capital, Smirh chegou muito perto do problema da repro-
dução, inclusive aquele da relação entre capital e rendimento. Ele 0 formulou em
termos muito mais amplos do que o haviam feito os lisiocracas, compreendendo
que ª formação do rendimento líquido - na forma do lucro - também ocorre no
âmbito da indústria. No enranco, o resrance de sua análise da reprodução é plena
dos mais l!agrantes erros. .
Como vimos de acordo com a ceoria de Smith, uma porção de cap1cal
é gasta na compra ~e implementos de produção (capital fixo) e de matérias-
·primas (capital circulante). Disso parece se seguir que o valor do :rodur~ ~uai
da sociedade como um rodo tem primeiramente de ser destinado a rcpos'.çao do
capital rotai gasro; apenas 0 que resta além dessa soma constitui o rendimento
. uc é, então, dividido entre as três classes sociais ?'mo salários,
C. <0<u:G.lde, q 1• • firuwn simultaneamente como uma porção
' ,.. e unc!a (enquanto os war1os .,, . .
.u:io l a renda formam o mais-valor, ou rendunento
c:!o e.a ia! circu!anrc, o ucro e .
p ns Smith realmente chega a uma compreensao correta
üquido). Em cerw ?"'-'"&• '
do prol>!cma:

O rendimento bruto de todos os habitantcS de um grande país compreende 0


ptoduto an.W tOW de sua ter<>. e uabalho; já o rendimento líquido compreende
0 ~uc resa. depois de deduzidos os gastos de manutenção; o primeiro é seu capiral
fixo; 0 segundo. seu e.apitai circulante, que, sem tocar em seu capital fixo, eles
podem colocar cm seu esroquc reservado para o consumo imediato, ou gasear para
sua subsistência, conveniências e divertlmenros.6

Assim, o valor do produto anual da sociedade contém nÁ'1 ap•n4S o renái-


mtnto que vai para cada classe da sociedade (isto é, salários, lucro e renda), mas
ambém o tllpital fixo e circulante que está sendo reproduzido.
Depois de chegar tão perto de formular corretamente o problema da re-
produção, Smith começa, então, a ter suas dúvidas. O que o confunde é o fato
de que um valor que representa <apitai pata uma pessoa representa rendimento
para outra. Para o proprietário de uma fábrica de tecidos, a maquinaria têxtil
que ele compra representa capital fixo. Porém, o que ele paga ao fabricante da
máquina e o que este último desembolsa para o salário de seus trabalhadores cons-
titui rendimento para os crabalhadoccs e uma teposiçáo do capital circulante para
o fabricante da máquina. Marx analisou a interseção completa dessas relações
entre capital e rendimento no livro II de O capital. Lá ele examina o processo
de reprodução do produto social a partir de dois aspectos: o de seus elementos
materiais (meios de produção e meios de consumo) e 0 das partes componen-
tes de seu valor (o capital constante reproduzido, os salários e o mais-valor).
Smith, como sabemos, confundiu esses dois aspectos - o material e o social - do
processo _de p'.°"ução; cm sua teoria do mais-valor, ele vacila entre vários pon-
tos de visu., ignorando co
. mp1ctamcmc a d"1v1são
. entre o capital constante e
variável que Marx introdu · . .• .
de fo zma na c1cncia. Como resultado, Smith foi incapaz
rncccr urna solução correta b
• "das
duv1 para 0 pro lema da rcprodurlio e enredado nas
que o confundiam dcsc ra •
- El ali ' mbocou num tratamento muito simplista da
qucstao. e rma apenas que o valor do capital constante, a maquinaria . . ,._·,1 l!;J'o"' '
A TEORIA 00 CAPITAL E DO TRA9'1.LHO PRODUTIVO 2$5

c:xeinP1o, Pode ser dissolvida inteiramente em rendimentos' isto é, em .. '• ·


.-..ar1os
~ Jucto (e rendai. Considere-se que o valor do capital constante necessário
a roanufarura dessa maquinaria (por exemplo, o aço) tem, por sua vez, de
pai" 0 valor desta última; mas o valor do aço consiste, uma vez mais dos
c:nuar n • '
sa)ários dos rrabalhadores que o extl'3Jram e o p~ram, mais o lucro do em-
rcendedor, etc. O que esse argumento na verdade mostra é que, em cada estágio
~sua produção, o valor do produto contém não apenas os rendimenros desána-
dos aos parácipantes na produção (isto é, salários, lucro e renda), mas igualmente
uma reposição do capital constante (maquinaria, matérias-primas, etc.). Smith,
00 entanto, chega exatamente à conclusão oposta; ele pensa que o valor do capital
consWI« se dissolve, em última instância, em puro rendimento: salários, lucro e
renda. Consequentemente, o preço

de todas as mercadorias que compõem a produção anual tocai do trabalho de rodo


país, tomado cm sua complexidade, tem de se dissolver nas mesmas três panes e
ser repartida entre diferentes habitantes do país, seja como salários de seu trabalho,
como lucros de seu capital,. ou como renda de sua rerra.7

Se antes Smith compreendera anteriormente que uma porção do produto


anual da sociedade é designado a repor o capital constante, agora ele chega à
conclusão absurda de que o 114/qr inteiro do produto socialse disso/11uxclusitH11Mnte
"" rendimmtos, entrando, em outras palavras, no consumo pessoal dos membros
individuais da sociedade.
Essa teoria equivocada tornou~se a douuina reinante entre os economistas
da escola clássica: Ricardo aceitou-a, Say converteu-a num dogma e John Sruart
MilJ ainda a repetia mesmo cm meados do século XIX.•
Para Smith, portanto, 0 valor de um produto consiste de salários, lucro
e renda. Ora, os salários consrituem 0 que, na terminologia de Marx, é capital
Yariável; podemos, assim, reformular essa afirmação da seguinte forma: o """''do
ProtJ_uro COnsistt tk capital variávtl mais o mvJjmento u,,,,;"'.
(lucro. e renda). o
<ttpzftt/ inttiro é considerado como consisándo apenas de c11p1tal ""riáwl A parte
do valor do produto que roema , o ca
pital constancc reproduz.ido é totalmente

:---
v., o capitulo 37, sobre Sismondi, ""pane 5•
~..;.n- --·- .·.;;.;;J' "''"'
/ 266 ADA.- 91111Tl'I

• de a reprodução do produto social ser entendida


> eoquc:a
q
·.ia. Porem, como dpo • do capical constante, que tem 1mportânda
uando se ignora a repro uçao .
.
___ ,. > Cl
nre numa econonua capua11sta. aramente
tão

d.e e conscancemente cresce . ,a


I gran
noção errônea de Sm1
"eh d
e que
0 valor de um produto se dissolve em rendi.
• . . eoria da reprodução. Sobre essa questão, ele fica até
meoncos arruma sua meeira e
__,_de Quesnav que nunca esqueceu que uma parte do produto anual é
mesmo au-.i.:t ~, .
destinada à resrauração da porção depreciada do capital fixo.
Os erros que Smith cometeu ao analisar o processo de reproduçi"10 em geral

~~~ -
d" de'··· de se relleár em seu entendimento da reprodução ampliada
isto é, da tJcum1tla;áo do capital. Se o capital inteiro é gasto como capital variável,
.
na contratação de trabalhadores, o processo de acumulação se dará, obviamente,
da seguinte forma: há uma parte do rendimento do capitalista (isto é, seu lucro)
que de não gasra no consumo pessoal, mas acrescenta a seu capital, isto é, uma
pane que de investe na oonrratação de trabalho. Todo ctJpita! que é acumulado i
gasto ntJ contrata;áo de trabalho. Essa posição é simplesmente errada e, uma vez
mais, ignora o fato de que o capitalista tem de destinar wna parte de seu capital
adicional à compra de maquinaria, de matérias-primas, etc.
Duas conclusões importantes poderiam ter sido extraídas dessa teoria
errônea da acumulação. A primeira é que, sendo o capital inteiro gasto na con-
tratação de trabalho, "todo aumento ou diminuição de capical tende natural-
mente a aumentar ou diminuir a quanridade real da indústria, o número de mãos
produtivas". 8 Consequentemente, toda adi;áo tJD capital, trazendo consigo um
aumento proporcional na demanda por trabalho, age inteiramente em proveito
tÍ4 c'4sst trabalhadora. Os proponentes desse argumento se esquecem de que, na
realidade, a demanda por trabalho cresce apenas na proporção do aumento na
porção do capital variável, e não do crescimento do capital como um rodo. A
segunda conclusão é a de que a acumula;áo do capital não implica um corte no
co11SUmo pessoal partJ os membros da sodedaJ,. Se um capitalista acumula a metade
de um lucro de mil libras, ele está usando 500 libras para contrarar trabalhadores.
O capitalista
do ,,,,,,,,ti,-, , ..
md anttâpando ma ,-- - -~ ""~ seu proprio conrumo pessoa "'" /-
favor _consumq ptssOtJÍ de sna trabalhadores. "O que é anualmente cconomi·
?.ado é rao regularmente consumido quanro • uaim bé
praticamente ao mesmo tem . • 0 :ue e an ente gasto, e raro ~
.. po7 mas e consunudo por pessoas diferences", isco e,
por trabalhadores: O consumo é 0 mes
• • se sm1
tcs .
"eh di .
rige essas palavras con
mo, mas os consumidores são diferen·
. ..
tra a pnm1t1va noção pequeno-burguesa
de que a acumulaçiio do capital significa 0!?llardar moed d
C2fl'Pººesa a.• e ouro
ou . ou num cofre, ele está correto. O capital acumulado e' r•
~ .rne1a 1 -rrameme,
n não simplesmente na contratação de trabalhadores e sim també
a:asro, .mas . , . . ' m na
•- d maquinaria, matcr1as-primas, etc. O consumo pessMI cai em ,
comPr.i e . _ . 1avor
0 t1111S1'"'º produtivo; a produçao de meios de produção cresce 11 expenstJS dos
d . de consumo. A desatençío a esse fato constitui a base da clássica teon·
meios li
/oJ ,,,tTCddos de Say e Ricardo; mesmo oponentes dessa teoria, corno Sismondi,
compartilham da errônea doutrina smichiana de que o prodmo inreiro anual da
sociedade é destinado ao consumo pessoal de seus membros.•
Intima.mente ligada à reoria do capital e do rendimento de Smith é sua ex-
uemamenre inreressanre e valiosa teoria do mzbalho prodtttivo e improdtttivo. Na
visão de Smith, como vimos, o capital inteiro é gasto na contraraçáo de trabalha-
dores, isco é, é consriruído de salários. Isso significa que cada trabalhador singular
cem seu salário pago com capital? Não, diz Smith, os rrabalhadores podem receber
seus salários tanto do c11pit11! quanto da renda líquida Oucco e renda). Um capi-
mlisra usa seu capital para contratar trabalhadores, que, com seu trabalho, não
apenas repõem seus salários, mas geram um lucro (mais-valor). O capitalista pode
usar seu rendimento líquido (isco é, o lucro) canto para comprar várias mercado-
rias quanro para adquirir o trabalho de diferences trabalhadores, empregando-os
diretamente para seu próprio consumo (um empregado doméstico, um cozi-
nheiro, um tutor doméstico, etc.). O trabalho dessas pessoas fornece ao capitalista
um valor de uso definido, porém não gera qualquer valor de troca ou mais-valor.
Isso consricui a base da distinção entre trabalhadores produtivos e improduci-
VOs. Trabalhadores prodtlt:ivos são aqueles que rroc11m seu tr11b11lho diretamente
por c11pital; trabalhadores improdutivos são aqueles que trocam seu trabl11ho di-
rtlttmente por rendimenro. Decerto, 0 capiralista pode gasear parre de seu rendi-
mento na contratação de trabalhadores produtivos. Nesse caso, porém, ele esrá
convertendo uma porção de seu rendimento em capital; ele o está acumulando
ou capitalizando. Como 0 capital tem de gerar um mais-valor, podemos formular
essa afirmação de outro modo: trabalhadores produtivos são aqueles cujo trabalho
rtnde 11211is-vaÚJr; trabalhadores ;mprodtttivos são aqueles cujo rrabalho é desri-
núdo dessa propriedade. "Assim, 0 trabalho de um manufacurador geralmente

:----
Ver o capirulo 37, sobre Sismondi, na parte 5.
268 14.0/4.lol 5UITMI

adidonJ a.o valor dos mareriais sobre os quais ele trabalha aquele valor de sua
pré>pria manutenção e do lucro_ de seu possuidor.~:.o trabalho de um servente
domésdco, ao contrário, não ad1c1ona valor algum.
Podemos ver como o conceito de trabalho produtlvo mudou com a evolu-
ç:io do conceito de mais-valor {ou rendimento liquido). A única forma como 0 ;
mcrcant:Uista.s haviam conhecido o mais-valor era a do lucro comercial obtido com
0 comércio exterior e que a.fluía para o país como ouro ou prata. Desse modo,
para eles, 0 uabalho mais produtivo era o dos mercadores e navegadores envolvidos
no comércio exterior. Os fisiocraras compreenderam que o mais-valor era cria.do
no processo de produção, mas, ignorando o lucro e identificando mais-valor com
rmda, chegaram à conclusão errônea de que apenas o uabalho da população agrí-
to!a é produtivo. Smith, expandindo o conceito de mais-valor para nele incluir 0
lucro, transcendeu o conceito rescrito de trabalho produtivo defendido pelos fisio-
cratas. De acordo com sua teoria, todo trabalho assalnriado, seja ele agrícola ou
indusrrial, é produtivo quando trocado diretamente por capital e quando tende
um lucro ao capitalista.
Nesse ponto, Smith dedva a distinção entre trabalho produtivo e impmdu-
àvo de suas diferentes formas sociais, mais do que de suas propriedades maceriais.
Com base na definiçáo acima, o trabalho de um servente deve ser considerado
improdutivo se o capitalista o concratou para serviços pessoais, e produtivo quando
ele é empregado por um capitalista que administra um grande restaurante. No
primeiro caso, o empregador se relaciona com o servente como um comprador-
-consumidor; no segundo, como um comprador-capicalista. Embora, em scnt:ido
material, o trabalho do servente seja idêntico nos dois casos, cada um deles acarre-
ta diferentes relações sociais e de produção entre as pessoas, consticuindo uma
relaçáo produtiva num e.aso, e improdutiva noutro. Aqui, no entanto, Smith falha
em alcançar uma correta conclusão e se mostra incapaz de diferenciar a forma
social do trabalho de seu conteúdo material. Observando 0 que ocorria ao seu
redor, Smith percebeu que o empreendedor, às VC'll::l, usa seu capital para contratar
trabalhadores cuja atividade é incorporada cm objetos materiais, ou mercadorias,
mas outras vezes usa seu rcncümento para comprar serviços pessoais quando essa
pr<>pricdadc do matcrialidodc cst;\ au<cn te. A partir disso, ele chega à conclusão
de que o trabalho produrivo é aquele que

fix.1 ( rc.\Ji1.a ;1 ~i mc,mo em algum ~ujci[o pa.n\cular ou mercadoria Vl·nd;\vd. quc


Jur<l ao mcno~ al~um l<.'ffifJO :ipô1'" conclu!-..\o dt,~~ tr;;ihalho t... ]. O uJbaJho
"' TliiOAIA. DO CAPITA\. E ºº TlitAl!llll.\.!'10 P"OOUT1vo

do servente doméstico. ao contrário, não fixa ou realiza a si m~mo em nenhum


sujeito particular ou mercadoria vendável. Seus serviços geralmente perecem no
269

--
rn~mo instante cm que são rca1i1.ados e raramente deixam qualquer craço ou
,~lor au:ls de si, para o qual uma c;uantidade igual de serviço poderia ser buscada
pastcriormcnce. 11

Como vemos, Smith fornece, aqui, uma segunda definição de trabalho


wdutivo. cuja característica definidora é sua capacidade de criar objeto' materiais.
~bviamcnce, ele não tem consciência de esrar formulando duas definições que
o>o harmonizam plenamente uma com a outra. Do ponto de vista da primeira
definição, que está correta, o trabalho do servente num resraur-.nce gerido de
roodo capitalista é produtivo; do ponto de visca da segunda, que é incorrera, esse
oabalho será sempre considerado improdutivo, uma vr:z que ele não está incor·
porado em nenhum objeto material. A tírulo de contraste, o trabalho de um jar·
dineiro contratado por um capitalista para cuidar das planta< de sua residência
de verão é, de acordo com a primeira definição, improdutivo, pois é pago com
o rendimento do capitalista e não com seu capital - em suma, ele se destina ao
seu consumo pessoal e não à produção de mais-valor. De acordo com a segunda
definição, o trabalho do jardineiro, por deixar atrás de si resultados "maceriais" na
forma de Bores e plantas, seria sempre considerado como produtivo.
Nessas e em outras questões, vemos Smith (e isso é tÍpico da escola clássica)
<onfondindo o t1Specto t<mico-materi11! Jq processo produtivo com SUtl forma social.
N'os momentos em que Smith realiza um escudo da forma social da economia,
ele descobre novas perspectivas e é um dos fundadores da economia política con-
temporânea. Quando ele confunde a forma social da economia com seu conteúdo
técnico-material, ele cai cm inumeráveis erros e contradições. dos quais suas duas
definições de trabalho produtivo é apenas um exemplo.
Os epígonos da escola clássica que dirigiram sua atenção para o lado
técnico-material da produção desconsideraram a primeira definição de Smith
sobre o trabalho produtivo e acolneram apenas a segunda e errônea. Algun• deles
compartilharam a visão de Smith do trabalho improdutivo como aquele que não
é·incorporado cm obicto•. · · Outro.• 1ançara
materiais. . m obi'cçócs ar~umcntando

' 1'nh1
que o trabalho de oficiai.<, soldados, padres, etc. t.in• b,m 1 •
de ser considcwlo
• •
.
Produr1vo. No entanto, nem os adeptos nem o." oponcnt s · ·
e . da vis:10 de Sn\lth cn·
tenderam miniman1cntc sua v.iliosa dcfini\·áo ~ocial "{e tr01h.tlho t~mL\utivd, que
cab<.·ria a Marx dcscovolvcr posccriormcntt',
270 Sloll TH

t.:otas
l. S'.o iexto russo. conSta chistoklrozyaistuennot1 que significa "puramente CCOnôrnico"
~a p3gini seguinte, consta ch111mokhozyttisrotnn0t, ou "economia privada". Co~
0 primeiro desses termos par«< fazer pouco senrido no conrexm em que Rubin 0
utiliza, 0 consideramos - talvez de m....odo atrevido - um erro de imprcs..'\ão e 0 tr;i.
duzimos como '"economia privada", a 6m de coad1Jná~lo com o segundo termo que
aparece no 1cxto.
2. Smith, Wtalrh ofnations, livro II, cap. l, p. 279; grifos de Rubin.
3. lbid .. p. 28 !.
"· No livro li de O capiraf, Marx distingue três formas assumidas relo <apiral indus-
trial, cada uma delas c:aracteriiada por sua própria fórmula de circulação: 0 capital

montrdrio, cuja fórmula básica é D-M ... C ... M' - D', isto é, dinheiro (D) ó trans-
formado cm mercadorias (..\oi - meios de produção• foiça de trabalho), que funciona
como capillll prf/tÍutiuo (C) e a pmir do qual a[>arecem mercadorias de maior valor,
que são, por lim, transformadas novamente em din.i.ciro (M'. isto é, uma soma
maior do que anres, porque contém um incremenro de mais-valor). Segundo, h:i
capital produtiuo, que se refere espcci6camenre à forma assumida pelo capital no
inrcrior do processo de produção. Seu circuito é C ... M' - D' - M ... C. Quer dizer,
o processo de produção rende mercadorias aumentadas pdo mais-valor e que são,
então, vendidas por dinheiro. Se rodo o mais-valor tem de ir para o consumo pessoal
do ca[>italista (isto é, ser consumida como ren<fimcnro), as mercadorias adquiridas
para renovar a produção (meios de produção e força de trabalho) terão o mesmo
valor que antes, e teremos, então, M ... C (a reprodução simples). Se parre do mais-
-valor é capitalizada e usada para adquirir um valor maior de meios de produção <
de foiça de trabalho, representada pelo e original no começo do circuito, teremos
como resultado dessa acumulação C ... P' no final dessa fórmula. Aqui começamos
com a mercadoria-produto total tal como ela emerge do processo de produção.
i><o é, contendo o valor original de C mais 0 mais-valor. Tal mercadoria é, então,
transformada cm capital monetário, que é usado para comprar novamente meios de
produção e força de trabalho. Estes, depois de funcionar no processo de produção.
rendem uma nova mercadoria, M'' que também conrém o valor do capital produóVO
original mais o mais-valor. Toda a diocussão de Marx sobre 0 capital fixo e cir<U·
lante gira em como dessas distinções, pois, como Marx enfatiza, a distinção cnt!<'
oapiral fixo e circulante só tem relevância no interior do pro<tsso dt proáu;ão. O erro
de Smirh, como R.ubin discute aqui, foi 0 de confundir a circulação do valor eom 3
A TEORIA 00 CAPITAL E ºº TRA.BALlotO P1t.otn.1T1vQ
271 ._
circu)açá.o dos objetos materiais que incorporam esse valor. O capital circulancc é 0
capital cujo valorcompleta o cin:uito inteiro do capitalprodutivo num único período
de produção. O capical fixo é o capital cujo ualor acravcssa esse mesmo ci"uico
apenas durante um longo período de tempo, isto é, ao longo de vário. períodos de
produção. Foi a.<Sim que Smith écscmbocou na confusão entre capital eireulante
(que é nccess:iriamcntc parte de Q e capital tm circulaçio, c;ucr ditcr, 0 capit11/-
-mrrratloria (ou o que Rubin chama, aqui, de capital comercial).
5, Smith, Wtalth ofnations, livro li, cap. !, p. 279.
6. lbid., cap. 2, p. 286-287.
7, lbid., livro!, cap. 6, p. 69.
8. lbid., livro II. cap. 2, p. 337. Outras passagens na mesma página rracam do mesmo
pon[O. "'O que quer que uma pessoa poupe de seu rendimento, ela adiciona a seu
capital, e ou emprega-o na manutenção de um volume adicional de mão de obra
produtiva, ou capacita outra pessoa a fazê-fo, cmprescando a ela por um juro r...]
A parcimônia, ao aumentar o fundo descinado à manutenção Ca mão de obra
produciYat tende a aumenrar o volume dessa mão de obra, cujo trabalho incremcnca
o valor do sujeito a quem ela é conferida."
9. lbid., livro II, cap. 3, p. 337-338.
10. lbid., p. 330.
11. lbid.
P~nlo '1
DAVID RICARDO
capítulo 25
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NA INGLATERRA

Na Inglaterra [e Escócia - N. do T.I.]* de Adam Smith, o capitalismo in-


dustrial ainda estava em seus estágios iniciais. A agricultura ocupava o primeiro
lugar, ao passo que o artesanato e a indústria doméstica continuavam a pre-
dominar no interior da indústria. O capitalismo industrial só pôde iniciar seu
progresso vitorioso depois que afabrica, com sua aplicação extensiva de maquina-
ria e motores a vapor, suplantara o trabalho manual da manufatura. Essa transição
da manufatura para a fábrica ocorreu durante a Revolução Industrial inglesa, que
abarcou o último quarto do século XVIII e o primeiro do século XIX. Esse é pre-
cisamente o lapso de tempo que separa a atividade de Ricardo da de Smith. Se
podemos chamar Smith de 0 economista do período da manufatura, os escritos de
Ricardo surgiram sobre o pano de fundo do rápido desenvolvimento da fábrica,
da produção mecânica.
O começo da Revolução Industrial é geralmente situado em 1769, 0
ponto de partida para uma rápida sucessão de invenções que transformaram
completamente a tecnoloofa da produção. No entanto, seria um grande erro ver
ª Revolução Industrial c:mo
o resultado do surgimento acidental de invenções

:--- gl •
Corn - ' • - de Rubin à "[no acerca
...exceç:ao dessa adição, mantivemos as constantes rererenc1as" ~ anha" "Reino
e ao i lês" difi • 1 para Gra-Bret •
U .d ~g" . no restante do texto, em vez de m~. . ca: os . b . ente mais acura-
dos ruo, bncânico", etc. "Grã-Bretanha" e "brnamco senam o vigiam como palco
na - - - ( . "dade da ln aterra
maioria dos casos, mas, por várias razoes ª pnorl . da ·dade "Reino
ccnuaJ da Rev nsohdada ena
lJ 'd olução Indusrrial, a narureza pouco co _ d F.srado em muiras
ru o"
.... r ' que se formaria apenas em 1901, a
fa1 ta de cencrallzaçao.. oglacara" e "ingles
••
~«ras - - ) d ·d- os mancer 1n
n..., , assim como a preferência de Rubm , eci im
'"- do T.I.].
276 O/WIO ll!CA.ll00

fortuiw. Máquinas que substituíam o trabalho humano haviam sido inventadas


antes; no cnranro, durante o período das guildas, quando as oficinas artesanais
trabalhavam para um mercado local remiro, uma tal maquinaria era desnecessá-
ria e podia apenas trazer a ruína para as oficinas. :É, portanto, compreensível que
as guildas tenham usado todos os meios possíveis para se opor à sua introdução,
tais com assegurar sua proibição, destruir os protótipos feitos por audaciosos in-
venrores e banir estes últimos da cidade ou condená-los à morte. Assim, o uso do
tear mcclnico foi banido no século XVI; o de uma máquina para a manufatura
de agulhas, no começo do século XVII, e assim por diante.
Durante os séculos XVII e XVlll - a época do declínio das guildas, do
fortalecimento do capital mercantil, do crescimento da produção em massa
(indústria doméstica) para exportação e do nascimento das manufaturas -, a
situação se alterou. Um objetivo imediato dos empreendedores era, agora, baixar
os custos de produção. A urgência em fazer melhorias tecnológicas e economias
nos cwtos tÍe produção fez surgir, durante o século XVII, uma busca frenética
por invenções. As inovações do século XVII - o uso extensivo de todo ti~ de
moinhos de ã.,aua, inovações técnicas na mineração e na metalurgia (o uso de
máq_uinas para bombear água para fora das minas, a construção de altos-fornos).
novos métodos de transmissão de força (engrenagens e volantes de inércia, crans-
missõcs) - prepararam o caminho para a aceitação entusiástica da máquina na
indústria. No entanto, anteriormente a meados do século XV1ll, essas diferente<
invenções foram incapazes de revolucionar a indústria, que permaneceu depen-
dente de fontes de força (homem, animais e água) que ou eram muito fracas. ou
só podiam ser movidas por força mecânica cm localidades específicas.
O estimulo para a Revolução Industrial, no fim do século XVIII. veio,
como sabemos, das invenções: 1) na indústria têxtil de algodão; 2) na metalurgia;
e 3) do motor a vapor. Cada uma dessas invenções foi apenas o resultado final
de uma longa série de invenções precedentes, o ponto de chegada de buscas que
haviam se estendido pot décadas.
Não foi por acaso que essa rápida sucessão de invenções ocorreu no raino
mais jovem da indústria têxtil da Inglaterra, a dos tec:ilÍIJs tÚ algodão. Tendo surgido
na Inglaterra apenas tardiamente (no século XVII), ela não fora submetida lis re-
gulações das guüdas. Os tecidos de algodão s6 podiam sair vitoriosos cm su•
intensa h.1.ta com a mais antiga ind.úsula de lã se apoiados e:m novas melhorias
técnicas. Em meados do século XVlll, os teares foram aperfeiçoados e corna...
A ~EVOl.UÇAO INOUSTRJAL NA INGt.A.TEFtRA

!1fl1·SC maiores, mas os fusos usados na fiação preservavam seu sistema medieval
277
-.
ie consrruçáo, e os fiandeiros eram incapazes de fornecer aos tecelões fios sufi-
cientes. Em 1769, Arkwrighr registrou a pateme de sua máquina de fiar hidráu-
lica. uma versão melhorada da máqttina de fiar que ele invemara na década de
1730. Dentro de um ano, Hargrcaves patenteou sua máquina de fiar "Jenny".
Fmalmcnre, em 1779, Crompron combinou os avanços dessas duas invenções
em sua "Mule", que começou rapidamente a eliminar a fiação manual. Um
fiandciro, usando essa máquina, podia preparar duzentas vezes mais fios do que
poderia fazê-lo sem ela. Agora eram os tecelões que não podiam dar conta de
todo o fio fornecido pelos fiandeiros: havia uma necessidade urgente de melhoria
nos métodos de tecelagem. Em 1785, Carrwright inventou o tear mecdnico, mas
ele só foi extensivamente usado depois que uma série de aperfeiçoamenros foram
feitos nessa máquina. A partir de 1813, ela começou a supJancar a tecelagem
manual. Gradualmenre, as máquinas de fiar e tecer se espalharam também na
indúsrria de lã.
Um segundo campo de invenções técnicas foi o da metalurgia. Até meados
do século XVIII, ran to o ferro como o ferro fundido eram produzidos com o uso
da lenha. Altas-fornos eram construídos próximos às floresras e moviam-se para
novas áreas quando o abastecimento de madeira se exauria No século XVII, ª
Inglaterra já começava a viver uma escassez de fiorescas. No começo do século
XVJII, a escassez e o alto preço da lenha precipitaram a metalurgia com uma
stvera crise recessiva, comando-se essencial encontrar novas formas de combusá-
vel. Tal combustível existia na forma de carvão mineral, mas, aré meados do século
XVIII, todas as remativas de destilar o carvão e usá-lo no processamenro do ferro
foram fracassadas. Foi somente depois de meados do século XVIII que 0 ferro-
~ foi extensivamente produzido a partir do combusóvel mineral (o mérodo
de Derby, inventado em 1735). Iniciando em 1780, o ferro forjado começou:
ser produzido com o carvão mineral. graças ao novo mérodo de "p~de.lagem
inventado por Core em 1780. A combinação de forro e carvão, que seria rao impor-
tanre para o capicalismo, agora se cornava realidade. 1 , d .
. al invenção desse peno o.
Finalmente houve a mais importance e umvers b
em. 1769, James ~att conscruiu sua famosa máquintJ 11 vapor- wna. bom. ~~araª
SUcção de água das minas. A remoção arrificial de água das minas. uv~ra iru,c10 .no
. , siro a pnme1ra maquma
SCculo XVI. Em 1698, Severi inventara, para esse propo ' ul XVIII
a vapor, que, na versão melhorada por Kewcomen. no começo do séc 0 •
278

. . da na mineraçáo. Porém, a sua máquina não era capaz~-


fora largamente uo1iza ...,
b · rofundos ou uma pressão muito forte de água, A n
suporiar ca os muito p • . . .. . O\fa
invenção de Watt eliminou esse defeito. Sua maqwna tn1c1al fo1 concebida apenas
• de a'gua '-·minas. Em 1781, no entanto, após melhorias adi•'
/ para a extraçao """ • • ~o-
nais, Watt converteu sua máquina, de uma bomba de sucçao, numa maquina a
vapor uniumal. aplicável a todos os ramos da indústria. Seguindo sua introdu-
ção inicial na produçáo têxtU e metalúrgica, a máquina a vapor conquistou um
ramo da indústria após o oucro. No começo do século XIX. a máquina a vapor
foi aplicada nos transportes (navio a vapor, loromotivas). A Inglaterra entrara na
nrzdowtpor.
As invenções acima descritas náo poderiam ter causado o impacto revolu-
cionário que causaram se não existissem as condifões socio~conômi<as n«essárias
para o desenvolvimento eictcnsivo da indústria fabril. Xo final do século XVIII,
essas condições ainda escavam presentes na Inglaterra. Por um lado, a época do
capital romercial já havia presenciado uma significativa acumulação de <:apital nas
mãos de comerciantes, financistas, industriais, etc.; a nova indústria fabril apre-
sentou a esses capitais livres um amplo campo de investimento. Por outro lado,
camponeses sem-terra, artesãos arruinados, trabalhadores da indústria doméstica
e miseráveis de roda sonc forneceram o m11tmal humano que o capital poderia
empregat para suas próprias necessidades. As antigas restrições das guildas, que
bloqueavam o caminho do desenvolvimento capitalista, começaram a cair no
final do século XVIII. Nos anos 1780, Tuckcr podia dizer que "os privilégios das
guildas e das corporações comerciais nas cidades detêm, no presente momenro,
apenas um poder insignificante e são incapazes de causar qualquer dano sério,
como .era o caso :anteriormente".2
Sob tais condições, a indústria fabril cresceu num ritmo exrraordinaria-
mente rápido. Nas palavras de um contemporâneo, "uma nova raça de proprietá·
rios surgiu para fundar fiíbticas onde quer que a oportunidade se apresenrasse: eles
começavam por reformar velhos celeiros e abrigos, abriam janelas nas paredes e
transformavam esses edifícios em arcliês de tecelagem". "Qualquer um que tivesse
capital, por menor que este fosse, investia-o num negócio: lojistas, estalajadeiros,
barqueiros, todos se tornavam proprietários de fiíbricas. Muitos deles fracassa·
ram, mas outros atingiram s.us objetivos e adquiriram fortunas."~ O período
cnuc 1788 e 1803 foi chamado de a "época de ouro" dos têxteis de algodão, cuja
produção triplicou nesse intervalo de tempo. Esse tipo de crescimento rápido na
A R.EVOLUCAO INOU$TA.IA.L No\ INOL.\TE~R.A.
279

ou-sc possível apenas pela introdução da maquinart'a que


rodlJíẠcorn • • cortou
P deproduçtio e provocou uma queda con.1iderável no pre;o do algod·
;.~-
in[!ilduç:ío da máquina de. fiar redu~íu os cusros de produção de 12 para~3
xdins cm 1800, e até mesmo para l xeltm em 1830. Com a queda nos custos de
~"'duçáo. houve c~bém um b~accamenco das mercadorias: o preço de 1 libra
drliocaiude 35 xdms para 9 xelms cm 1800, e para .3 xelins cm 18.30. Oscuscos
dr produção e os preços de muira.~ mercadorias induscriais coroaram-se de dez a
doz< vezes mais baratos. O tecido de algodão começou a sobrepujar as lãs mais
c:ua<: graças ao seu preço barato, eles conseguiram penetrar na remora área rural
enos mercados estrangeiros. Nos séculos XVII e XVIII, o destino da economia
inglesa dependera fundamentalmente de sua indústria de lã; a partir do começo
do século XIX, foi a indústria do algodão que desempenhou esse papel.
O rápido avanço da produção fabril trouxe profundas mudanças à eco-
nomia inglesa. Apenas agora o centro de gravidade passava da agriculrura à
indústria. Às vésperas da Revolução Industrial (1770), a população da Inglarerra
se encontrava igualmente dividida entre cidade e campo; meio século mais tarde
(l 821), a agricultura empregava apenas 33% da população. Uma fuga do campo
tivera início: a população das cidades fabris cresceu numa velocidade incrível.
Enrrc 1760 e 1816, a população de Manchester cresceu de 40 mil para 140 mil;
a de Birmingham, de 30 mil para 90 mil; a de Liverpool, de 35 mil para 120
mil. A Inglaterra escava em vias de se cransformar na "fábrica do mundo", for-
nocendo bens fabricados para o resto do planeta. Seu comércio exterior crescia
rapidamente. Entre 1760 e 1815, as importações para a Inglaterra passaram de
1Opara 30 milhões de libras, ao passo que suas exportações aumentaram de 15
para 59 milhões de libras. O comércio exportador, que anteriormente subonli-
nava a indústria de exportação, tornava-se agora o subsidiário de uma indústria
poderosaltlence desenvolvida. O papel principal passou gradualmente do capital
romtrâal para o industrial
A Revolução Industrial abriu várias pcrspeccivas para um grande salro
da produtividade do trabalho e da riqueza da Inglaterra. No encanto, mesmo
nesses primeiros estágios de seu desenvolvimento, o capitalismo industrial revelou
com excrema clareza tanco seus aspectos negativos quanto os positivos. O cresci-
lllento colossal da produção nacional não reduziu nem um pouco a pobreza de
s\las massas. A maquinana, . quC' visava
. · trabalho humano, fornc«u
economliar
«>ni frequência um novo impulso 11 dtttrior11rt10 das condições de trabalho dos
280 OAVIO AICAA00

,. ___ , "das num ritmo febril, ela desempregou fiandeiros, tecelões


operar1os. 1nuvu.UZI . e
ouuos trabalhadores manuais, tornando-os condenados ou à morte por inanição
ou a uma existência miserável. Compreensivelmente, os trabalhadores viam as
máquinas como 0 pior de seus inimigos. "A máquina", escreveu um trabalhador,

dcixou·nos em uapos e sem víveres; a máquina nos lançou num calabouço,


uancaliou-nos numa pri>áo pior do que a Bastilha. Vejo toda melhoria que visa
reduzir a demanda por trabalho humano como a mais terrível maldição que pode
se abarer sobre a c:lasse uabalhadon. e c:onsidero minha obrigação opor·mc à
incrodução da maquinaria, este açoite, cm qualquer ramo da indústria.""

Esse protesto apaixonado expressa um sentimento amplamente difundido


nas massas trabalhadoras. A introdução de máquinas frequentemente provocou
sublewções de trabalhadotcS, que incendiavam as fábricas, quebravam as máquinas
e tcm:avam prosc:rever sua utilização. Porém, esses movimentos espontâneos foram
impotentes para deter o processo de introdução da maquinaria.
A máquina significou a completa ruína de fiandeiros e tecelões, pôs fim às
indústrias domésticas que garantiam à familia camponesa uma segunda fonte de
renda e levou os trabalhadores adultos a competirem por trabalho ao arrasrarem
mulheces e crianças para a fábrica. Embora seja verdade que o trabalho feminino
rambém era empregado nas indúmias domésticas, a mulher trabalhava anterior-
mente em casa por sua própria conca, ao passo que agora sua presença na fábrica
significava deixar as crian,as sem cuidados, a menos que esras as acompanhassem
no trabalho. Engels, em seu célebre livro A contlição da classe trabalhadora na
Inglaterra, pintou um quadro chocante das condições sob as quais os operários
trabalhavam no período final da Revolução Industrial (as décadas de J830 e
1840): erian,as de 4 anos de idade trabalhando nas fábricas, mulheres e crianças
realizando trabalho pesado no fundo das minas, crianças de 7 anos passando
24 horas por dia no subterrãneo. Os orfanatos paroquiais costumavam encregat
grandes quantidades de crian,as aos proprietários das fábricas, osrensivamen«
para "treinamento", mas, na realidade, para trabalho forçado. Os proprietários de
fábricas transferiam-nos uns aos outros como escravos.
As condições não eram menos difíceis para os trabalhadores adulros. Ale-
gislação fabril ainda não existia; a lei não colocava qualquer restrição à cxploraçã0
do trabalho, ao passo que os sindicatos estavam proibidos e sujeitos à punição
A REVOLUÇAO INOUSTRIAL NA INGLATERRA 281

rnantenral. A jornada de trabalho era de uma média de rreze a carorze horas,


::: &equenremente ainda maior. A falta de higiene nas fábricas era rerrivel.
uanio aos salários, estes cresceram, em termos monetários, ao longo da segunda
~do século XVIII,• mas, em termos reais, eles caíram, com o forre aumenro
no pr<ÇO dos cereais e ourros meios de subsisrência (carne, manreiga, ore.). De
acordo com Barron, em 1790, o salário semanal de um rrabalhador qualificado
comprava 169 quarrilhos de cereais; em 1800, apenas 83.
A expressiva queda nos salários reais resultou do rápido aumenco nos
pl<ÇOS dos cereais e de outros produtos agrícolas que teve inicio na última década
do século XVIII e terminou, em 1815, com a conclusão da guerra napoleónica.
Na década de 1770, quando a Revolução Industrial começou, o preço médio
dos cereais se enconcrava na casa dos 45 xelins por 1f111Zrler. Na década de 1790,
ele era de 56 xelins, aumentando para 82 xelins, na primeira década do século
XIX, e para 106 xelins no período enrre 1810 e 1813. Que os preços dos cereais
crescessem tão rapidamente é explicado, primeiramente, pelo crescimento da
população indusrrial urbaraa da Inglaterra, que aumentou a demanda por cereais,
e, em segundo lugar, pela queda no suprimenro de cereais oriundos de países
agrários (por exemplo, Prússia e Polônia) durante a guerra contra Napoleão. Não
foi somente a guerra e a declaração do bloqueio continental por Napoleão que
diminuiu o fluxo de cereais baratos para a Inglaterra: o governo inglês, agindo
no interesse dos proprietários fundiários, fez tudo o que podia para impedir a
importação de cereais estrangeiros com a imposição de ailllS tarifas alfandegárias.
Mediante uma lei de 1791, a imporração de cereais estrangeiros para a Inglaterra
se tornou possível apenas se seu preço no mercado doméstico fosse aumentado
cm 55 xelins por lflllZrl<r. Em 1804, esse preço de base foi aumenrado - para
0 inreresse dos proprietários fundiários _para 64 xelins e, em 1815, para 82

Xelins. O efeito combinado de um número de fatores (a rápida indwuialização


do campo, a guerra com a França, colheiw perdidas e protecionismo agrícola)
agiu para produzir um aumenro colossal nos preços dos cereais no período entre
1790 e 1815.

:--- -N
aquc 1es ramos da in
· d•us......
·"· (ia.is como fiação e tecelagem)
. cm que
, o desemprego
__ u . do
trabalho manual pela maquinaria foi muiro rápido. rambém curam os 5il.latJOS cm
dinheiro.
282 DAVID RICARDO

. d rcscimenco tão verriginoso nos preços dos cereais, 05 fazen


Diante e wn e .. ·
. , . fundiários se apressaram em uuhzar todo pedaço livre de
deiros e propnetanos
terra. 0 "reroo" de rerias comuns assumiu vascas proporções. Grandes fazendas
capitalisias deslocaram um número cada vez maior de propri~ades camponesas.
Terias férteis, terias inférteis, pântanos - cudo o que era considerado como não
rentável quando os preços dos cereais eram baixos -, tudo isso começou a ser
cultivado. o uso de ttrrllS inferiores para a produção, o crescimento, associado
a isso, do custo de produção dos cereais e o aumento nos preços dos etreais foram
craços caracceríscicos da agricultura inglesa no começo do s«ulo XIX e que en-
contramn seu rcllexo preciso na teoria da renda de Ricardo.
Uma segunda consequência do avanço nos preços dos cercais foi o rápido
aumento na renda fundiária que os agricultores pagavam aos proprietários curais.
Dos anos 1770 até o fim da guerra com a França, os pagamentos de renda aumen-
taram numa média de 100% a 200%, muicas vezes c.'>egando ao quádruplo ou ao
quíntuplo. Na Escócia, a soma total da renda fundiária, em 1795, era 2 milhões
de libras; em 1825, ela era de 5.250 mil libras. Uma fazenda em Essex, que em
1793 arrendava um acce de cerra a 10 xelins, em 18125 o arrendava por 50.
A guerra, os altos preços e as más colheicas haviam tornado os proprietários
fundiários cxt:raordina1iamentc ricos. "A salvo cm seus celeiros, enviam os lavra~
dores sabinos I seus irmãos à guerra - por quê? por lucros maiores!"6 Quando
Byron, o célebre poeta, lançou essas linhas indignadas à aristocracia, ele expres-
sava os sencimencos dos mais diversos setores da população.
De fato, a insatisfação com os altos preços dos cercais e com a legislação
protecionista cm favor da nobreza se espalhara por codo 0 país. A burguesia in·
dustrial assumiu a liderança do movimento concra as leis dos eereais. Os induscriaiS
notaram com espanco que a maior parte dos lucros obtidos pela industrializa·
çáo da Inglaterra escapava de suas mãos exacarnence para as mãos dos magnataS
rurais. O sonho dos industriais era inundar o mundo inteiro com mercadoria-'
baratas produzidas em suas própnas · fábricas;
· mas, para isso, era necessana, · 'flf.ão
de obra barata. O alto preço dos cereillS · tornava .1mpossivcl abaixar os salário,
·s
além de _dificultar a eompra de forra tk trabalho dos operários e da pequena·
-burguesia urbana, reduzindo · · d
. . • • assun, o mercado doméstico para producos 1n us-
mal1zados. Periodos de más colheitas de ai ent<
. . . e tos preços dos cereais frequentem
co1nc1diam com severas crises comerciais e industriais.
A REVOLUÇÃO INOUSTAIAI.. NA INOi..ATEARA
283

-- A ampla massa dos trabalhadores sofria não apenas com 0 cereal caro,
bém com a introdução da maquinaria, com o desemprero e os baixos
~
salários. Os primeiros ideólo~os do prole:ariado já haviam captado que a raiz
desses males não estava nas leis dos cercais, mas no sistema capitalista. Xo en-
canco, a propaganda dos primeiros socialistas utópicos (Owen, por exemplo)
não atingia mais do que um círculo muito rescrito de pessoas. A ampla massa
dos rrabalhadores continuava a ser influenciada pela ideia da agitação contra as
leis dos cereais. As primeiras décadas da Inglaterra do século XJX transcorreram
num ambiente de luta acirrada entre a classe dos proprietários fundiários e a da
burguesia comercial e industrial, que era apoiada pela massa dos crabalhadores
e pequeno-burgueses. Em 1815, os proprietários rurais ainda prevaleciam, e as
carifas procecionisras sobre os cereais sofreram um aumenco. Em 1820, os mer-
cadores de Londres apresentaram sua famosa petição ao parlamento, na qual
demandavam a introdução do livre-comércio como o único meio pelo qual os
producos das fábricas inglesas poderiam obter amplo acesso aos mercados estran-
geiros. Em 1822, os mercadores de Manchester formularam a mesma demanda
em seu pr6prio memorando. Manchester, o centro da produção cêxril, tornara-se
0 baluarte dos partidários do livre-comércio, que, por essa razão, ficaram conhe-

cidos como escola de Manchester. Com a crise industrial do fim dos anos 1830,
ª lura pelo livre-comércio assumiu maiores dimensões. A cámara de comércio
de Manchester apresentou uma petição ao Parlamenro, na qual explicava que,
"sern a revogação imediara das taxas sobre os cereais, a ruína da indústria fabril
[seria] inevitável, e que apenas a ampla aplicação do princípio do livre-comércio
[poderia] assegurar a prosperidade futura da indústria e a paz no pais"! A Liga
Contra a Lei dos Cereais [Anti-Corn lllw úagut], fundada por Cobden e Brighr,
reuniu centenas de milhares de apoiadores e promoveu uma poderosa agicaçã~
Por todo 0 país. Em 1846, as longas décadas de luca foram finalmente condui-
das
.
com a " . da b
virona
. l . dos ttreais foram
urgues1a: as ets . .
revogadas, e a Inglaterra
ingressou definitivamente num sisrcma de livre-comert:to.
Ab . 'tória anenas no período que se seguiu à morte
urguesia assegurou sua VJ r· 'al . d ·al
de Ricardo, embora o debate hiscórico enrre a burguesia co~erc1 -in us,"' e
a cJ • . •• estivesse bem esclarec1do em sua epoca.
asse dos proprietários fundiários Iª
Toda . ·card0 deu nessa acmosfera de luta entre classes
a aovidade literária de Ri se . • .do
Sociais. Os fenômenos socioeconômicos fundamenws de seu tempo - o rapi
284 ::."'"°'º A.•C,.A.DO

cr...:imento da indústria e os sucessos da produção mecanizada, 0 aumento


ameaçador nos preços dos cereais e na renda fundiária, assim como a insatisfa.
çáo da burguesia com as leis dos cereais - imprimiram uma marca profunda no
conjunto de seu sistema teórico. Na política econômica, Ricardo permaneceu
como um lidcr da burguesia industrial, reivindicando que as caxas sobre os cereais
fossem abolidas e que o livre-comércio fosse introduzido. Seu sistema teórico,
m<Smo com toda sua abstração e aparente distância em relação às condições eco-
nômicas de seu tempo, é, na verdade, intimamente vinculado a elas. Seus dois
componentes centrais - a teoria do valor e a teoria da distribuição - refletem as
condições econômicas da Inglaterra do começo do século XIX. Em sua teoria
do valiir-trabalho, Ricardo sintetizou os muitos e variados fatores que levam as
mcLiorias técnicas e o crescimento na produtividade do trabalho a abaixarem
o preço dos produtos fabricados. A extensiva aplicação da maquinaria fez que
Ricardo examinasse até onde o uso de máquinas (capital fixo) podia modificar a
lei do valor-trabalho. A luta acirrada entre a burguesia e os proprietários fundiá-
rios e a bata!ha - perceptível numa distância maior - entre burguesia e proleta-
riado fa o pensamento de Ricardo se concentrar na teoria da distrib11içáo. Ricardo
fez do aumento impetuoso, nos preços dos cereais e na renda fundiária, a base
de sua teoria da rmda. O doloroso tormento dos trabalhadores, não obstante a
tendência crescente dos salários nominais, cnconttou seu reflexo teórico na teoria
ric11rdiaTU1 tÚJs saLírios. A luta entre os proprietários fundiários e a burguesia fez
Ricardo ;>cn.sar em termos de um irreconciliável conflito de interesses entre essas
c!uas c!asscs: a ociosidade da aristocracia e o aumento nos preços dos cereais.
traç.OS. cj?icos Cc uma economia capita!ista, constiruiam para ele a principal razão
para a ~ucC.a nos :ucros e a ameaça fundamenta! à acumU.:ação do capital e à .:a-
,,acic!.ac!c da economia ca?itO:ista de .:rescer.• Ricarc!o ee.,.., ;, sua época canto os
?On.tos fones c;,u.a..nt:o os fracos Cc seu sistema teórico. t:m.a vez <;ue a ~--ono~J
in~csa Co inldo Co sécu:o x:x. }ã CO~.r2 c~n,·o:Ycr açuc~as ca.raaerisê..::ãS
o'?~~ Ce u.""n.a cc.ono:ni.1 ca?~~isa. R:ca...-Co ~oi ~il-ru~Co cm reLiur o.•i:~
r..:"'JOS6S ~.cri7.açõcs tcóf.~, G,UC cx-..i~,"!l U."D :u~ xrrru.."'l<entC' r..i ~~r.~
o.:.o:-:..!·~;a. O:"IC.e c.or~:êeOl.i os ~e::-ô:nt:-:os o:oc-6~~ ~tr.n5-:::..,o\ri'""'ti oa..; ~~-;-......

~;:,::~~::::~::::~;:~::.::::::~~~,:.:!~~:~:;
~ ae~ Cc -:.Ji.~ ?J: ~..~~
A R;EVOLUÇ,l,O INOUSTAIAL NA INCL#t,TEAAA. 285

Notas
!. Um estudo detalhado e interessante da mudança tecnológica durante a Revolução
Inc!usuial, incluindo os eventos que Rubin menciona aqui, é David Landes, 7ht
unbound Prometheus, Cambridge: Cambridge Univcrsity Press, 1969, cap. 2, "A
R<voluçáo Industrial na Grã-Bretanha" [ed. bras.: David Landcs, Prometm fina.
torr<ntllJÍo: tr11nsfom1ação tecnológica t tksenvolvimento industrial na Europa Ocidmtal
dtlde J750atla nossa época, 2. ed., Rio de Janeiro: Campus, 2005].
2. Tmduzido do russo.
3, Ambas as citações foram traduzidas do russo.
4. Tmduzido do russo.
5. N'o original, consta 1912, o que é obviamente um erro tipogrã.6.co.
6. Safe in their barns, these Sabine nllm sent I 711eir brtthnm out to battle- wh1?for rt11t!
(A citação é do poema de Byron, "'lhe age ofbronzc").
7. Tmduzido do russo.
8. !\este ponto falta uma frase no original russo. O trecho entre "a ociosidade..." e o
fim da frase foi aqui reconstruido tomando-se como base o sentido aparente do que
foi impresso no original e o argumento de Rubin cm apículos posteriores.
capítulo26
AVIDA DE RICARDO

David Ricardo (1772-1823) nasceu em Londres, no seio da família de um


rico banqueiro judeu. Aos 14 anos, auxiliava seu pai em suas operações na bolsa
de valores, mas alguns anos mais tarde rompeu com sua família ao se convercer
ao cristianismo. 1 Tornou-se um corretor independente na bolsa de valores, onde,
graças a sua nocável capacidade de prever os movimentos dos preços dos seguros,
acumulou enorme fortuna em apenas poucos anos. Aos 25 anos, Ricardo já
goi.ava de uma reputação em Londres como banqueiro milionário e famoso.
Aparentemente, no encanro, o jogo do mercado deixou rapidamente de
sarisfu.ê.Jo: seu espírito abrigava uma apaixonada sede por conhecimenro. Aos
25 anos, mudou abruptamente seu estilo de vida, deixou de especular com
ações, adquiriu uma propriedade e dedicou seu tempo à sua pr6pria educação.
Prirneicamence, escudou matemácica e ciências naturais, construiu seu pr6prio
laboracório e coletou minerais. Dois anos mais tarde, ficou tão impressionado
°
co1n livro de Smith, que passou a se dedicar inceiramente ao escudo de quescócs
~nômicas, as quais podiam facilmente dominar a mente de um homem fami-
liarizado com os segredos da especulação acionária.
No início do século XIX, as questões econômicas haviam se cornado
novarnence o assumo de animadas discussões na Inglacerra. A longa guerra com
ªFrança lançara a vida econômica inglesa num profundo desequilíbrio. Tal
desordem manifescou-se particularmence na depreciação da moeda inglesa (as
noras bancárias emitidas pelo Banco da Inglaterra, cuja conversibilidade em ouro
fo ra suspensa durante a guerra) e no aumento exorbicance no pr.;o do.• cmars..
~ eram quescões práticas, que diziam respeito aos interesse.< vitais de diferences
&rupos sociais e provocavam uma enorme discórdia. Tampouco se tratava de um
288 D"V•D "'C""ºº
d ntes na paz de uma sala de estudos, mas de ,,_
dc~.irc .tadêmico entre!' esru a' . -·~
. h d por acirradas polêmicas no Parlamento e na imprensa. Esse
det>a« acompan. a o d Ri d
confüio feroz de opiniões e inieresscs estimulou o mo esto car º'. que tinha
suas próprias habilidades, a embarcar numa carreira literária
pouca confun ça cm ·
Em 1809, dez anos depois de ter iniciado seu estudo sobre assumos econômi-
cos. de publicou alguns artigos e um panfleto, Sobre o aumento do preço do ouro,
no c;ual fornecia um esboço de sua teoria quantitativa da moeda. 2 Nesse escrito,
exp!icava a depreciação das notas bancárias por sua emissão excessiva e defendia
que cem porção delas fosse retirada de circulação a fim de recuperar a moeda.
Nos anos seguintes, Ricardo produziu uma série de pequenas obras
polêmicas iarnbém dedicadas a questões de circulação monetária. Em 1815,
publicou Ens4io sobre a influência do baixo prtço dos cereais sobre os lucros J,,
capital Nessa obra, Ricardo já atua como um defensor do capitalismo industrial e
chega à conclusão de que os interesses da classe dos proprietários fundiários con-
llitavam com os das outras classes da sociedade. Nessa época, como uma carta de
1815 deixa claro, Ricardo não tinha qualquer ambição de publicar uma obra que
abarcasse as principais quescóes teóricas da economia. "Assim, você vê" - escreveu
ele - "que não tenho outra motivação para estudar a economia política senão a
do prazer que o estudo em si mesmo me proporciona, pois nunca serei tão afor-
tunado, por mais correw que possam ser minhas opiniões, a ponto de produzir
uma obra que possa me trazer fama e distinçáo."J
No entanto, apenas dois anos depois, em 1817, influenciado pelo conse-
lho persistente de seu amigo, James Mill, Ricardo publicou 0 livro que lhe traria
a fama imortal: Prindpios de economia polltita e tributação. Embora a maior parte
dos capítulos do livro seja dçdicada à discussão de questões práticas, principal-
mente de tributação, seus poucos capítulos teóricos garantiram a Ricardo a fama
permanente como um dos grandes economistas. Seu livro marca o ponto mais
alto queª escola clássica pôde atingir - depois disso ela entrou num período
de decadência. '

.
Embora

o próprio Ricard0 tcn ha d'1to, certa VC2:, que não mais
. d o que
~e=~~=~ . ªa lgl
n aterra haV1am. compreendido seu 1·1vro•
este lhe garantiu uma enorm fama
. e entre seus contemporâneos e fez de seu
auior o hder de uma es l . .
~-- • . coa inteira. Ricardo tornou-se o centro das diSCUS"
SVQ economicas vitais de sua é bel ai
poca e esta cceu um constante contato pesso
ou por correspondência com t d
o os os economistas importantes de seu teinPº'
A V 1o A oe A. 1 e A Ili: oo 289

1 ornaram-se seus mais próximos discípulos e seguidores (James Mill


Muirosdeest . ' d ". . ,, '
' eh) os primelfOS aposrolos a escola ortodoxa ncardiana . No enranro
M:cCullo • . •
' ueles dentre seus oponenres que criaram seus próprios sistemas eco-
JllOSmo aq . . - .
·micos (Malthus, Say, Sismondi) nao puderam deixar de admirar seu grande
no e sua inrearidade científica. Malrhus, seu constante oponenre e defensor
jnte1ecro b
ferrenho da classe dos proprietários de cerra, chamou o dia da morte de Ricardo
de 0 dia mais infeliz de sua vida.
Ricardo adorava promover reuniões domésticas de amigos e famosos eco-
nomistas para conversas e discussões descontraídas sobre assuntos económicos
acuais. Tais reuniões de amigo formaram a base do Political Economy Club de
Londres, que foi fundado em 1821 e existiu por vinte e cinco anos. Os membros
do clube eram, em sua maioria, pessoas práticas, comerciantes e indusrriais, e
figuras políticas; apenas alguns poucos eram escudiosos acadêmicos. Em seus
encontros mensais, discutiam as questões mais importantes da atualidade, seus
debates girando normalmente em torno da circulação monerária e das taxas sobre
os cereais - as questões que predominavam na mente de Ricardo. Até o dia de sua
morre, que ocorreu inesperadamente em 1823, Ricardo foi a figura cenrral das
reuniões do clube, cuja maioria dos membros defendia ardorosamente - e fazia
um grande esforço para implementar - as ideias do livre-comércio.
Ricardo defendeu com sucesso as ideias do liberalismo econômico - não
apenas em seus panfiecos e livros, em reuniões de amigos e nos encontros do
Political Economy Club, mas também na tribuna do Parlamento. Escolhido
como membro do Parlamento em 1819, ele pronunciou discursos, apesar de sua
timidez e aversão pela oratória, durante os debates sobre circulação monetária,
reforma parlamentar, etc., nos quais se declarou a favor de reformas democrático-
-burguesas (extensão do sufrágio, voto secreto). Seu ensinarnenro sobre circula-
fáo monetária exerceu enorme influência, canto nas comissões parlamentares que
debatiam essa questão quanto na subsequente legislação inglesa.
& declarações literárias e parlamentares de Ricardo em defesa do libe-
ralismo econômico e polírico converteram-no ineviravelmenre num objeto de
•taque, principalmente dos representanres da classe dos proprietários fondiários,
que o acusaram de defender os interesses estreitos da burguesia financista e in-
dUstrial e até mesmo, às vezes. de cer um interesse pessoal na aprovação desta ou
daquela medida. Com inabalável tranquilidade e dignidade, Ricardo repudiou
essas suspeitas pessoais e até mesmo se recusou a se declarar defensor dos inre-
290 DAVID RIC°'ROO

resses de uma classe social singular. De fato, Ricardo escava subjetivamente correto
em ver-se como um defensor dos "verdadeiros" princípios econômicos e dos in-
teresses de rodo 0 "povo" (que ele contrapôs, numa de suas obras, aos interesses
da aristocracia e da monarquia), uma Vt!/Z que o que ele defendia era invariavel-
mente a necessidade do rápido desenvolvimento das forças produtivas, que, em
sua época, só podia ocorrer na forma do desenvolvimento econômico capita-
lista. As altas t:ucas sobre os cereais, as leis sobre o pauperismo, o governo da
oligarquia terra-renenre, tudo isso retardava o crescimento das forças produtivas,
de modo que Ricardo era coerente ao se voltar contra esses fatores. Por outro
lado, é verdade que ele jamais imaginou que o crescimento das forças produtivas
pudesse ser possível numa forma diferente daquela da economia capitalista, e,
assim, ele rejeitou os esquemas comunistas de Owen (ver capítulo 27).
Os horizontes de Ricardo jamais se estenderam para além da economia
capitalista. No encanto, se ele defendeu ardentemente os interesses do capita-
lismo foi porque suas pesquisas, sendo realizadas com a mais extrema honestidade
e probidade cienrífiea, levaram-no a ver a economia capicalista como o único
sistema econômico com alcance suficiente para um crescimento das forras prod11-
tivas e da riqueza da sociedade como um todo. Nas palavras de Marx,

a concep>ão de Ricardo só defende a b11rg1mia indwtrial porq1.r e na mtdida nn


lf'" os interesses dessa classe coincidem com aqueles da produção ou do desen-
volvimento produtivo do trabalho humano. Onde a burguesia entra em conflito
com cais interesses, ele é tão mttl com ela quanto o é, em ouuos momentos, com
o proletariado e a aristocracia.•

Notas
1. Se Ricatdo possuía algum vinculo religioso dogmático, tal vínculo era com OS
'"unhários
11

2. On the high price ofbullion, a ptoof ofthc deprcciation ofbank notes (1810). in:
1'1t works a11d comspo111knct ofDavid Ricardo, editado por Sraffa com a colaboração
de M. H. Dobb, Cambridge: Cambridge University l'rcss, 1951. v. 3.
3. Ricardo, cana a Trowcr de 29 de outubro de 1815, in: \%rks, editado por Sralfa,
Cambridge: Cambridge University Prcss, 1952, v. 6, p. 315.
4. Marx, 1'1<orits ofmrplus "ª'"'• parte li, Moscou: Pmgress l'ublishers, edição inglesa.
p. 118; grifos de Marx.
capítulo 27
AS BASES FILOSÓFICAS E METODOLÓGICAS
DA TEORIA DE RICARDO

Na grande competição histórica entre a aristocracia rural e a burguesia


indusrrial, Ricardo pôs-se decisivamente do lado desta última. Seria um grande
erro, porém, aceitar a afirmação de Hdd de que "a doutrina de Ricardo foi ditada
simplesmente a partir do ódio do capitalista financeiro pela classe dos proprie-
tários fundiários" .1 Na época de Ricardo, a burguesia industrial ainda desempe-
nhava um papel histórico progressista, e sew ideólogos ainda se consideravam
líderes do "povo" inteiro numa luta contra a aristocracia e a monarquia. 2
Ricardo foi um ardente defensor da ordem capitalista burguesa porque ele
a via como o melhor meio de se garantir: l) a maior felicidade individua/ possível;
e 2) o máximo crescimento das forças prod11tivas.
No século XVIII, a ciência econômica burguesa já havia colocado a de-
manda pela livre concorrência e livre-iniciativa econômica. Tanto os fisiocrdtas
quanto Adam Smith consagraram essa demanda ao fa20r referência ao direito
nat11ra/ eterno do indivíduo. No começo do século XIX, o papel do direito natural
como principal arma espiritual da burguesia em sua lura por uma nova ordem já
havia saído de cena. As bases da ordem capitalista já haviam sido assentadas,
e quanto maiores erdm seus sucessos, mais os próprios ideólogos da burguesia
· gênua na iminente realização de uma
estavam preparados para abandonar sua fé 10 _
"ordem l" d . ald de e firaternidade universais. As amargas decepçoes da
natura e 1gu a . 1
º-~ l _ . . núncios da luta entre a burguesia e o pro e-
"""º uçao Francesa e os primeiros ª .
.d
tar1a . para as ilusões de antanho. A partir do começo
o deixavam pouco espaço _ d . ualdade e fraiernidade alud"indo ao d"1reito·
do século XIX, reivindicaçoes e ig . . d<
. h na maioria das vezes, dos primeiros e,enso~
natural d0 · d" 'duo provm am.
m tVI • iros socialistas utópicos. A antitese anteriormente
rei do proletarilldo, os pr1me
292 D"VID 111e,..RDÔ

. . ral burguês e a tradição feudal se tornara impo


esrabdecida entre o due1ro naru . li s-
.d 'l 0 s da bunrues1a se de roncaram com um novo
sívd e in::i.dequada. 0 s I eo º:::P e
/
o .
dificil roblema: justificar a ordem burguesa s1multaneamence concra a tradição
p .. di - ela irualdade natural levantadas pelos socialistas. l.Jrna
feudal e as reivm caçoes p :::i • " • • •
rentariva de resolver esse problema veio com o novo sistema do uCil1tansmo" de-
senvolvido por Bcncham e que exerceu uma grande influên~ia dos anos 1820 ern
diante. Se a reoria do direito natural servira como base filosofica para as doucrinas
dos fisiocratas e de Adam Smith, Ricardo e seus discípulos mais próximos foram
adeptos fervorosos do utílirarismo.
Embora 0 utilitarismo negasse a doutrina do direito nJ.turaI. num ponto
ele continuava na mesma direção: fornecia uma formulação definitiva à Weltan-
sch111111nt do individualismo. Para os fisiocratas, a demanda por liberdade indi-
vidual derivava do caráter de seu sistema social ideal (a "ordem natural" da
sodedade); nesse sentido, a sociedade ainda exercia o domínio sobre o individuo,
determinando o grau de liberdade que era permitido a este último. ~os escritos
de Adam Smirb, o indivíduo e a sociedade são entidades iguais, existindo em
completa harmonia um com o outro: a "'mão invisível" do criador assegura que
des estão em completo acordo entre si. 4 Finalmente, no sistema utilitarista, a
sociedade é completamente subordinada ao individuo, estando dissolvida neste
último. A sociedade é nada mais do que um corpo fictício, uma soma mecânica
dos indivíduos que a formam. Nas palavras de Bentham, "'o interesse da comu-
nidade [...J é (... J a soma dos interesses dos vários membros que a compõem. É
inútil falar do interesse da comunidade sem compreender qual é o interesse do
indivíduo". 5 "O interesse dos indivíduos, diz-se, deveria visar o interesse público.
Mas o que isso significa? Um indivíduo não é uma parte do público tanto quanto
o outro indivíduo? [... ] Interesses individuais são os únicos interesses reais.YJ 6
Em que consiste esse interesse do indivíduo? No gozo dos prazeres e na
~rança contra os sofrimentos, isto é, em obter o maior benefício possível para
s1 mesmo. O ..princípio da utilidade" forma o núcleo de todo o sistema utilita-
rista (o nome deriva do latim utilis, ou útil). Para avaliar a utilidade de determi-
nada ação, .temos ~e somar todos os seus efeitos benéficos, de um lado, e rodos
os seus efeitos nocivos, de outro· cncáo d d . da
d ' e uz1mos a soma dos sofrimentos
soma os prazeres (ou vice-versa) a fi d b ..
. 7 m e 0 ter um resultado que é pos1nvo
ou nega[JVO. Com o uso dessa "aritmét' !"ª ~
d ica mora , sabemos quais ações serao
capazes e assegurar a "maior felicidade po , l" .
sstve para o indivíduo.
AS BASES ,. .... osOFICAS E METODOt.001CAS,,,
293
...
e meios podemos construir uma ponte entre a felicidade do indi-
J'orbequ -escar da sociedade? Uma vez que a sociedade é ela mesma uma
,, o m
ví•• 0 e eeãnica de indivíduos, segue-se que o bem-estar social nada mais é do

"''"' "' ui do da adiçáo mecânica da felicidade desses indivíduos. O bem-estar


rcs ta
qu• 0 .. 1 d significa •a maior felicidade possível para o maior número possível~
d• '°"cua e
ma soma aumenta apenas com o aumento de seus componentes 0
ECOJllº u , '
roe1rcsso social só é poss1vcl como um aumento no bem~escar ou na felicidade
j, ;,divfd11o. "Tudo aquilo que se harmoniza com a utilidade ou o interesse da
comunidade aumenta o bem-estar cocal dos indivíduos que a compõem."' Mas
como aumentamos essa soma geral de bem-estares individuais? Muito simples:
essa rarefa deve ser deixada a cargo dos próprios indivíduos, uma vez que "cada um
º
é seu próprio juiz sobre o que é Uril para si mesmo". 1 ªTemos, aqui, uma regra
geral: deve-se garantir às pessoas a maior liberdade possível de ação em rodas
aquelas circunstâncias em que elas não podem fazer mal a não ser a si mesmas,
pois elas próprias são os melhores juízes de seus próprios interesses." 11 Desse
modo, o ideal social que Bentham, como fundador da escola urilitarisra, conscrói
a partir do princípio da utilidade é a liberdade máxima do indivíduo e a limitação
tias fonçóes estatais à tarefa puramente negativa de impedir que seus cidadãos
possam prejudicar uns aos outros. Esse sistema de individualismo burguês é pre-
ferível ao feudalismo e às "inconveniências de seu fardo inútil" porque garante
ao indivíduo a maior liberdade possível de ação e, por conseguinte, também a
oportunidade de atingir a felicidade máxima. Ele é preferível ao socialismo porque
es<e último priva o indivíduo da oportunidade de atingir a maior utilidade ou
felicidade possível por meio da livre gestão de seu próprio trabalho. "Quando
a segurança e a igualdade entram em conflito, não se deve hesitar por nenhum
momento. A igualdade tem de ceder [...] O estabelecimento da igualdade
perfeita é uma quimera; tudo o que podemos fazer é diminuir a desigualdade."•
A,, passo que os pensadores do século XVIII haviam se embebido de um entu-
siasmo magnânimo pela igualdade e fraternidade universais, agora a voz do sóbrio
burguês declarava a igualdade uma quimera. Enquanto, no século XVIII, o dever
da ordem burguesa fora 0 de realizar os sacrossantos direims do indivíduo, agora

-
• Essa cicação. assim como a anterior. foi extraída da obra de Bentham ['Ou tl~ory o/legis~
lation, p. 120 - N. do T.I.].
~:=----·--

294 DllroVIO ft1CAR00

ela se confroncava com uma tarefa mais modesta: garantir a cada indivíduo a
liberdade de selecionar 0 que é mais rentável ("útil" ou que proporciona a "II!aior
felicidade possivdi entre aqueles empreendimentos que lhe são oferecidos pelo
sisresna social tal como ele é.
Ricardo tornou-se um adepto filosófico do utilitarismo por inccrrnC:-dio de
James Mill, aucor que, em questões econômicas, fora pupilo de Ricardo. Bcnth31IJ
afirma: "Eu fui o pai espiritual de Mil!, e Mil! foi O pai espiritual de Ricardo: de
modo que Ricardo foi meu neto espiritual". 12 Tal como Bentham, Ricardo escava
firmemente convencido de que "onde houver livre concorr~ncia, os interesses do
individuo e os da tom unidade jamais diferirão".• O interesse da sodedade pode
residir unicamente na realização ótima dos interesses de seus membros consti-
rucivos. Aquilo que é menos remável para os indivíduos também :éJ, portanto,
menos rentável para<> Estado"."

A busca da vantagrm individual está admiravelmence conectada ao bem univma/


Ja colttividttdt. Ao estimular a indúsuia, ao recom?fnsar a engenhosidade e ao
usar do modo mais eficaz possível as forças peculiares da narureza, ela [a busca
da vantagem pessoal - l.R.] disuibui o traba:ho de modo mais efccivo e mais
econômico, ao mesmo tempo que, aumentando a massa geral das produçtíts, ela
difunde o btnefi<io geral e une a sociedade universal das nações por todo o mundo
civilizado por urn laço comum de interesse e intercurso. u

Na visão de Ricardo, investir no princípio da "vantagem individual" (ou,


o que é a mesma coisa, no "princípio da utilidade" de Bentham) é o melhor meio
de se aumentar o "benefício geral", que consiste num aumento na "'massa geral
dos produtos", isto é, no desenvolvimento das forças produtivas. Inversamente, é
preciso apenas remover ou impedir a atividade do princípio do interesse pessoal
para se cer uma inevitável dcccrioração das forças produtivas, uma redução no
bem-estar geral e um declínio na felicidade total dos membros da sociedade.
Foi sobre essa base que Ricardo rejeitou os projeros de Owen de esrabelecer

~~a ;.e:; asri~~~~:'.:nextraidas


P
das obras de~cardo. [A presente passagc'.".é de
• • proofof dic depreciacion ofbank noccs (!810), 11'· 1ht
works antl eorrespondmct o/David f6earrJ. cd' d - d /,1.
H D bb 9 °• "" o por Sraffa com a eolaboraçao
. o .1 51,v.3,p.56:grifosdeRubin-N.doE.l.].
e
AS 8ASE.S FILOS0FICA$ E ME.TOOOLÔGICAS.
295

·dades comunistas. "Owen é, ele mesmo, um entusiasta benevolente


'°"'"º',__ que
~~
grandes sacrifícios por um objeto favorito", escreveu Ricardo n
=e d

soas cartas·
Pode uma pc..<oa razoável acreditar, com Owen, que uma sociedade, <ai como ele
a projeta. florescerá e produzirá mai• do que jamais foi produzido por um número
igual de homens, simple•mencc ao serem estimulados a ttabalhar em nome do
interesse da comunidade, em vez de em nome de seu interesse privado? A expe-
riênda de séculos inteiros não está contra elc?l5

A sociedade ideal de Ricardo, portamo, é o capitalismo, no qual 11 concor-


rência entre os indivíd11os, cada um dos quais buscando atingir o máximo possível
de VJJntagem pessoal, assegura que haverá o máximo crescimento das forças pro-
dutivas. Nesse sentido, Ricardo é um herdeiro dos 6siocraras e de Adam Smith.
Porém, diferentemente de seus predecessores, ele tinha diante dos olhos uma
tconomia capitalista em seu estágio pleno de desenvolvimenro, o que lhe possibi-
litou formular mais correta e plenamente suas leis econômicas caraaerísticas. Os
fisiocraras viveram numa França que ainda era semifeudal; Adam Smith fora parrc
da era das manufaturas. Ricardo, por <er testemunhado o rápido crescimento da
produção mecanizada do capitalismo de grande escala, foi mais capaz de perceber
suas características cécnicas e socioeconômicas fundamenrais.
Os horizontes teóricos de Smith eram inteiramente limitados pela tecno-
logia da manufatura. Quando falava sobre a maquinaria, ele a entendia essencial-
mente como os instrumentos especializados empregados pelos trabalhadores da
manufatura. Smith dizia que "na agricultura [...], a natureza trabalha ao lado do
homem,,, ao passo que, na indústria, u3 natureza não faz nada, e o homem faz
1•
tUdo", Somenre a era da manufarura, quando a produção estava baseada no
trabalho manual, podia ter gerado uma concepção tão ingênua de indústria. Com
o progresso da produção mecanizada e o avanço da tecnologia, tal concepção se
tornou claramente ultrapassada.

A nacureza não fu nada para o homem nas manufarur.is? São nada as forças do
m nossa maquinar.ia e auxiliam na navegação? A pressão
vencoedaágua.qucmove . . .
da atmosfera e a elasricidade do vapor, que nos perm.1tc construir as mais cstu-
• - ,.~ 0 das dádivas da natureza? Para não falar dos cft:icos
pendas ~umas - nao
~-.
296 OA.VIO RICARDO

que 0 calor provoca na matéria, ao amolecer e fundir os metais, da decomposi-


ção da a.unosfera no processo de tingimento e fermentação. Não existe O\anufa.
tura em que a narureza não preste seu awo1io ao homem. e os preste generosa, e
graru.ia.mente. 17

Enquanto Smith explica o progresso induscrial quase exclusivamente por


meio do desenvolvimenro da divisú do trabalho, Ricardo acrescenta a essa expli-
cação fatores tais como "os incrementos na maquin11ria [•••] a melhor divisão e
discribuiçio do rrabalho [...] e o apcrfeiçoamemo das habilidades dos produtores,
ta11to no que concerne à ciência quanto à destreza técnica" .18
Ricardo esperava que a introdução da maquinaria tornaria os produtos
ma.is baratos e aumentaria a produção. Por mais verdadeiro que isso fosse, ele
não fechou os olhos para a desastrosa situação dos trabalhadores que as máquinas
haviam desalojado. Os defensores do capitalismo argumentavam que a introdu-
ção da maquinaria era incapaz de causar mesmo a mais ínfima deterioração na
condição dos trabalhadores, urna VC't que aqueles que fossem deslocados encon-
trariam imediatamente um emprego em outros ramos da produção. lnicialmcnre,
também Ricardo subscreveu essa "teoria da compensação", porém, mais carde, re-
conheceu - com sua grande e característica honestidade e rigor cien tlfico - "que a
substituição do trabalho humano pda maquinaria é com frequência injuriosa aos
interesses da classe dos trabalhadotcS" .19 Apesar dessa visão, Ricardo permaneceu
um fervoroso advogado da introdução das máquinas como condição necessária
para o desenvolvimento das forças produtivas. Ele rejeitou o utopismo pequeno-
-burguês de Sismondi, que queria fucr retroceder a roda da história e voltar à
economia patriarcal dos pequenos produtores independentes (artesãos e campo-
neses) que existira anteriormente à produção mecanizada de grande escala.
Essa rejeição da contraposição smithiana de agricultura e indústria possi-
bilitou a Ricardo superar os roiduos tÍ4s ideias foiol;f'atas em Smith. Partindo da
visão de que a natureza auxilia o homem na agricultura, mas não na indústria.
Smith entendia que a agricultura (mais do que a indústria) era onde a sociedade
podia investir seu capital de modo mais rentável. Tal visão era compreensível ein
meados do século XVIII, quando a Inglaterra ainda alimentava sua população
com seus próprios grãos e a agricultura exercia 0 papel dominante na eeonornia
rural. Embora no começo do século XIX ela ainda ocupasse essa honrada posiçá0 •
e Ricardo ainda fosse incapaz de conceber a transformação da Inglaterra nurn
-~--.....

297
' ..

Esr.ido unilateralmente indumial, ele assumiu uma posiça·0 fi rme em f:avor da


;ndiatria/izaçiio inglesa, mesmo que esta implicasse a diminuição da agricultura.
Acalorados debates sobre essa questão surgiram entre Malthus e Ricardo após
0 fim da guerra com a França. Os defensores da classe dos proprietários rurais,
incluindo Malthus, defendiam altaS tarifas de importação sobre os oereais oomo
modo de deter a queda nos preços dos grãos e evitar o retrocesso da agricultura
(que fora intensamente desenvolvida durante os anos que passou sob 0 impacto
dos altos preços dos grãos). Malthus rotulava como "extravagantes" os projetos
de transformação da Inglaterra num Estado industrial alimentado com cereais
estrangeiros. Ricardo previu que: seria necessário irnportar cereais baratos do es~
crangeiro e que o capital inglis teria de passar da agricultura à indústria. A perspec-
tiva de que "os cereais da Polônia e o algodão cru da Carolina seriam trocados por
mercadorias de Birmingham e pela musselina de Glasgow"" não só não o ame-
drontavam, como ele a saudava. Ele via a "quantidade incomum de capital [... ]
investida na agriculturà' 21 como um fenômeno anormal criado pela guerra e que
levava, como resultado de seus altos custos de produção, a um cereal excessiva-
mente caro. Ricardo acolheu calorosamente a importação de cereais estrangeiros
baratos e a redução no eapi<al investido na agricultura inglesa: grãos mais baratos
provocariam, pensava ele, um aumento nos lucros e um enorme florescimento da
vida industrial do país.
Assim, nos consuucos de Ricardo, temos um país num estágio muito maior
de desenvolvimento do que aquele descrico por Smith: um país que se move
rapidamente em direção à indus:ria/i:zação, passando por um período febril de
introdução da maquinaria. Ricardo contribuiu menos do que Smith P"." nossa
compreensão das características sodais do capitalismo; mas, apesar disso, tais carac·
' · adquxrem
tenmcas · · mats
traços muno · rut1
' "dos com Ricardo do que com Smith,
para quem um ponto de vista "capitalista,, ainda pode coexistir com um ponco
de vista "artesanal": em suas descrições, encontramos com frequência, ao lado~
economia capitalista, uma economia de pequenos producores; as figuras d~ cap1-
talisca e do fazendeiro se alternam, às vezes, com as do artesão e do camponcs .• Em
RicardO, O bac,kwound soe.ai da economia capitalisca é muito mais homogmeo:
l
. d . dad poderíamos muico bem pensar que os
a Julgar por seu construto e socie e,
d da . d' tria doméstica e os camponeses da lnglacerra
artesãos os trabalha ores m us XIX ( d
houvessem • d 'd por comple'Co no começo do século quan o, na
esaparec1 o . . d
. . e em grande número). O palco inteiro é ocupa o
verdade, eles ainda eXJ.st1am,
l'"k\." .-,,pitJ/h:t,u (induind'-' os .\grl,:ulti:ircs). tr11b,11/,,11/fJrf~· 1Usdl1riat!fJl C" proprl,.
1 ,.:,.;,,s fimtlMrioi (pl\.'pric.•(.\rios rur.tis Lapi(,\li."(J.S, isto é, que .urc.:nJ,\rn su,\ trrr.i
J-.\S .lf.rkultl•r('s). f'.,tc ,~um l.'.'•\rit.llismo "puro"' ou '"ahsn.ito". livre da.o; rnistur.\.'i

~ J,,,. r.:O.~?uid~ J.is f..,rm.ls pr(-~.1.ric.llist.\s de ci:c:'ln-.,mi.1.. Rko\rJo prcssup\.\r que


J,) l(n.J~n-..-i.t'li ini:rcncC"S d C'ú'""'nli,\ .:.lritalist.l J.gc.-m ""('ln1 pl<."n.t for.;~1. nj.o t."n..

"''nrr.\nJ" impc.-Jimcn.f\.1 J.lgunl C'nl seu -:.m1~nho. Se Smith cst.i prc.'pJ.rJ.do p.\r.t
J's"·rcwr J('tJ.lh;tJ.lm1mtc t\'li inumc.•r,\vd.'i ohst.kulo..-. quC" intcrfc.•rc.·nl R.\ c.'qu.tli?..i-
-;J1.' 1.t.t r.t,.t dC' lut:n' e n1.'\S s.11.lri,'-" n1..'\'I dit"<rcnra: r.mt,,s d.C' pr(.,Ju\:\o, Rk.trJ.1.., os
1,'itJ. .ll't.'llJ!I J(' p.t.'li..'li.lg('ftl.
Ri..:-JrJ\."I "·on1..-elx• ,, (\'\.11\\'nliot -:Jrit.Uist.1 c.'\,m.o um cn1..,rn1c nt«J.nism.,, 1,"\Jjo
fon,·il'll,\nl('l\t\' li\'rt d(' cm.\." t 31\S('gur.\JC'I pdo Jc:s~jo d.e IUí'I\." m.\xim""" d.os Q.-
rit.lli"'r.,~; tJ.1 J('~l"i'' rcsult.\ n.t '-'l\l.ttif.J.ç:1C\ ,{.\ t.1.X.t J(' lu~I\\ <'nl t\.-,J.{l.'li: "S
rJJn(\'li: d.\
f"(\'\\lu\:\,1 ("'\.'nl Jif'°n,"O\JS OJ t~\'.\.\ Jc \U~f\\ Sc."nJ"" m.1ntiJ.\.'li: .1.pcn.t,.; ~U.tnJ,, sd.o
n(\,~\,\ri.l' r.tTJ t"\iUili\1fJ.T ,\.'i \'-'nt.tgl'"S ,1btiJ,\~ P..,'\f .t!gurts r.lm"'\.'li. J.t prt.:~.u..;;io
s"'~I\:' ""Utrt.\"l),1t •i'Wr,rrbtâd /'·''·' "bu11,'Ja 1/0 m.1ic1r 1~,·m <.~ .t t~'T\'.l b.t... k.1 que
m1,wl' .1 t\.'\'n,1n1i.1 ~Jrit.1lisr.t e.\ lf'i ,/,1 r"1f"•:/i~4J;'11'' ti,: 1.Lv.1: dt' !1i,·ro ~ suJ: ?ci b.iska.
:"'-" ~.l_rt.lr ,, r.\1'\('l l'.'('Otr.\\ Jcs.'i.J lei. Rk.\rJ\, ,Pl\lV.\ ser. um.t \"(/ m.th. SUí'Cfk'\T J.
~m\ch. ~. ,.,·rJ.1J"· 'lni:- este.' \ihin'"' j.1 hJ\'i.\ .\r~·k·ntJJ,, unl '\u.1Jr,, m.1s,niti."'' Jcs·
-.;k'\·1i.·nJ\' ""''"'"' ,, UJ.°t1.llh1.1 (' "' ..:-.1pitJ.I r.\S.'li,\lll JC' ,tl~uns rJm""S J.1 pr"'dU\.i.l' p.trJ.
''Utl\\.'li t''f mt:i,, ,ic Jc.'!l."\'i1."' R\'\S ~'['(\''~ J(' mcr..:",1J," J.t... nict\. .td,,ri.1!1. ('nl rc:fa,.,\,, .l
0

~\l.'li "PI'\'\''-~ n.uurJ.ts" \v.1!,,l\:'s\ ~\' c."nt.\nt\."I, J.ind.t n:'"' cst.\\~., ,·~Jr.,, ~'·lrJ. Smith
'\li<' "' \'n'lrt1i.'\'ll\.~tJ.,,r l'.'.\ritJ.!•:.:t.\ \"\.('I\.'\' UM l'.1.f'd (('RtrJ.1 n('S."<:' Ff\\1,'t"'SSI.'~ de r<.-Jis·
tr~~'Ui\.t.1.1 ,i.\.'li t\'l\""J." ;'l\XÍUti\\\S, Smith .\inJ.1 rc-"'""l qu<' .., cmrrc.x·nd(\'l\'! .lM~umiu
S\I.\ fun\d\' Jc primdl\' n'k.'t''r nes,'li(' pl\X'C'SS'' 1'1..'r intcrnw,ti"" J1.,'li tr.\f:\.1lh...tJ,,rc:"s

.\.~....~.lriJ:d''"" < J"\:I t'"''l'rktJri,1$ fündi.iri\"t.~. RkJ.N.,, idl'nc:ih"'\'U '''Cfc.'t.tmcncc '-'


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P"-~Url\'J,\ ('Ott'(' \''li r,\r.l,'$ de rl\-.Juç.\,,, "F.ss(' Jc.scfo in..:-.ms.ivd. r1."r p.uu:- Jl'
t,...J"'" """' in\.:~t1d1'f\:?o Jl' 1i.'J.p\t~\l. J.t .\hJ.n,~''tUr um n('s,"\.·i,, nt<'n''\" lu..:rJ.ri,.,, cm
t"J,,,,r "~<'um ""~t~:". nl,Ü::,'·.a.1'C:J.i1i.\\\.' tcm un\J. t\."rtc r~nJ,~n-.;ü .\ "'l\.l.lli~·.1 r J. t,t."\.t Jc
h,1..:t\.\'i c.•n\ ~('r.\l, •• \.' r.\L\\\ J"' -:J.f'it.l: Jc rJ..ftl1.'S n\('nOS f('ll(,'\\º\'iS J,l rl\.""'1U\;\\.'\

~'.lrJ. J.qu~:c:- "'"ª~ !u,r.\ti'".:; \ti'\\ \.'\'R:IC\l,U,~ndJ. J.1.' mJfor ~n.\iit\.' Jisf''ni\'d .l. csrcs
u~_r•n,""" ~!""~ l""""'" <" JJ. ~.r.m~"' d..:- .SUJ !'l\Xlu\-,\,,~ "'"'rrigc J.ei;"lui!i~ri"'\~ c."1'ttr\"
,~. .·rt..l ~ ~('ntJ.n,l.1 -:.....• ª'""'1\.'..t-.;!\'ri.l".. O ntl)\·imcn"'" J.J ~'-'n1.."mi.t .:.\rit.\lis[J. inr<."irJ
,-s~.1 "Ll~\~;n,1J."" J. lei d.t" um.1 TJ...'\J. i~u.\t d<' !u1.'f\'. ('SS(' '"prin~(ri"" "1,U( «r-lr«' "'
,·.1~"~ri.: J.1.n,;c.' J: t:..t1,t~ r.tn'"" d.tt't\-..!u,",\\'\ J'l_u.i.nriJ.tdccx.lt.tJc':U<." e!"°' n«'-'$."irJ'".!.'
----.............
...
299

J\."-"im., Ric~udo "pul'ifi(ou" a cconom\;.\ capitalista de seus resquícios pr\...


. l\tJ.' e i.:onforiu ~'º capit.1lisrn o papel CL't\tra! cm sc:u capitalismo "p •
oíJJ'11.1J. • • • • • uro.
Rit;Jn.I\' l'scud;\ c.1d;1 u.·nd1.:n"·'·' no mtc.·nor da cconomm caphillist,\ cm sua forma.
-purJ" ,,u "~Oõllktd.~", no\ pn.'l'l!i.uposi\'áo d.e.• que a força de su;.1 a.;f10 nào scr-~ diluida
1"1r icnJc.~ndou~ ~<.mtrnpoM;ts. Tal ç o mi:tod~ '';1bstraco" de RkarJo, que provocou
wu.lS \c.•nsur,\.'i de sl'tL.. oponc:1m.:s (~::sp..·Clalmcntc dos cconomb.tas da escola
hi)u\rk.i). O 01étodc.' "abscr.\to" ou "dc.·dutivo" de Ricardo<.~ frc.:qu(.'Otc.•ntc.·me con·
rr.1po...:1,, ao mc'.·coJo "cxpctiffl<.·nta\" ou "indutivo" de Smith, que (:julgado como
m.U!i 1.'0rreco. O ~oncrJ."f(.' é, cm si mc:-mo, f.dso. Onde qui:r qu11.• Smith bu.i;quc
Jtsi,.\lbrir .t." leis ou cc.·nd.:Onci1ls dos fonômc:nos l"Con.)mico.i;, de: também utih1.a o
nic.11)do do \.(\'llamc:nto e d;,\ 1málist" ;.\bscr.lca. sc:nl o qu;U q\1.llqucr l'Studo tc:6rko
ck t~nciml'nc.lS S\ld,\is conlpl1.-xos ·"~ri~\ impossívd. Com Smith, no cmtanro, o
.m&r J.r sua .ln.ili~'( tc...,,\rko.\ (: quc:br.1do (e: às V\:'/.c."S distol\:ido) por um;\ super~
duiJ.1Jç Jc n~ueri.i! d<-s<ri<ivo e histórko. Em Ric.irJo. o rol:>usro «qud<ro da
J.11.ili.~ ft(irüw é lib1.·rt(\ J;,\ ,,,rnc: viva do m.m.·ri.i[ c:on"·rc.·to 1r.\7.ido pefa vida l'c:'.1t
l'm.l .:.ldc.'i.\ t'Cm.'.\ Jc." sêk'lgismos, b;.\Sc.".\da ;.\penas c."m c:xc.•mp[os hiporc.'.•tkos (gc.•ral~
menti: íc.'nlc.'\'.\Odo úlrn .\s p.11.wr.t." "suponh.unos quc:•.•"F" e.• c:.\11:ulos aritntétic:os,
\\lnJ01. "-' lc.•itc.\r ;,\Ji.1nt< J(' modo r.ípidc.' e ine~t.,rávc.·1. ~o lugar dJ.:: dcscriç~cs
\'i\',\.' e .:.tcivances d.l· Smith. o lcicc.'r l'OúlRtrJ. un\,\ c.'X}'"Siç:i.o abscraca. sc.'\:a, cuj;1

dili.:u\d.\J(' ": aun\c."nt.\d.l \"''-'lt.' t:\C1.." JC' c.1uc d(' n.lo p1..lJc c..·ni nl·nhum mon\C!'nto
dt'i\'iJ.r su.t •U<nç;\,, c.i.i..: inúml'r.\s pR.·mi.......:.t.~ '1"'-' t.l .tUtt.lr poscuh1. ~;a '-'xplidr.1, sc:j;1
l.\\'.'ic.1mc.·ntc. O m~t<"dt.' rk,1rJi.m"" Jc: .m.lliSc.' .1bsrr.1c.t i: pr<i.'1."i10.inwntc aquilo qui:
C<'nttrc." .l S<.'U pc.·n.1>.tmc:nt<."' t(,\\rh..'\' su.\ .,,\,nSi.'i(c.~l\1.."iJ e imrc.•pidc:'t. ,fotJ.ndo--" de: un'
ptlJ<.•r J(,· tr.\\".lr \.llô f\'l\..lV\ll\1..'IU(.\..: J(' ~''"'\.\ u.·nJ.:01Kl.1 Jt."\S t~·n,\ll\c.'R\."JS (""\lO(imkt.lS .ué
S(U tlm.1J.l n\~t . ,J," . pc.:rnütiu ,\ R.koll\''"' supc.~.u ,1$ v;.iri.l." ""mcr.Wi,·~,c.-s de: Smith~
''-'nscruir un'\.\ tc."\.'tiJ l<.,~k.\mcmc.· n\,\iS intt-gr.t1 c ..:"t.lt.'Sa do v;.tlor e." da Jistrihui\áo.
Se Rk.1r\.h' n·n\ "',te ~r rc.·prc:cnJiJ'-1. n.\t.' é.· pt."'r tc."r .i.plk.1t.k' um mi:mJo
.d\~[f,lt\.l, nl.lS \"')f (('( esqUc.'\.°it..il'l qUt..' JS r'-'Si\\ÍC.'S tc.'\.\rk,1S ls qu.liS dwgou USotnd..:'I
r.i.1 mc.~t"'J,, sj," P'-"Si\-\'es 1.'tmtil:,•.:Plf<'>"· ;\dnl•t de.' tud~. R.k.t~fo: -.:o~\t.l ~utl\l~ ~....
r~scnt.\fl(('S J.t C:S\."\,),\ c:\.isSi1i.\\, }'l'rJC:ll Jc." \'iSt.l .\ Únt\:'õl \.'\.'\R~l\;IC.l h1st\~t'l~õl h;t.(l\..,l
r.ir,\ J. t'('t\,i,\\l Jc: (\lJ,u~ ~( pn'p,1Si.\"\ÍC.iõ J,\ tc.'\.lri.t «c."ll'\~1mi.:,\: J. t..'!\.istc.~ndJ de.• un1,1
detc.·rmin~\d.l J~rn1o1 ,.,,.-;,:/ 1/.1 (,"tmrm11~1 (l,.(t.' é. " '"pit.\li:.mt."l). Que . .·ss._1 for~ll.ª
sod.U Ja c:,x,nonli.1 ciws.« d.e.' ·'fiJ.K''"r p.n.1. Rk.mit' ""'"'""' .1.ls1..' d.\Jo e inrdlg1~
·cl . . • ·cc:"'ristko.l quc: ele.· rc..':'.'"ui.1 c.•nl ''"'n1unl úlm f\."J'""' os
" pt..\r si mi::i>mt." e um.\ "°'r.u: • •
• j • que n"" lu~1r J . ". wlht.' SlSCc.'n\,\ ku...ttl. ~""l~.1r.tm
1ul'\.\l"'f.''\'i J.l _jc.WCR\ bur~ucs:1.l~ • ..

1
300 ..... ••«•••
u= nova ordem social por eles vista como natural, racional e eterna. ·~ leis tcai
cla .:.:onomio política não mudam", <$Creveu Ricardo. É, portanto, compreensi~
,! que mesmo esse pensador que - esrabelecencl.o a diferença entre valor e riqueza e
/
formulando suas doutrinas do valor-trabalho e da renda - tanto contribuiu Para
uansformar a economia política numa ciência social procurasse prontamente a
explicação última dos fenómenos socioeconómicos na ação de leis nat1trais "imu-
táveis" (a lei biológica da população e a lei fasice-química do declínio da fertili-
dade do solo).
Além de ignorar a precondiçáo sócio-histórica básica de sua investigação,
Ricardo frequentemente se esqueceu ou perdeu de vista as premissa.< P•trciais que
formavam a base de suas proposições teóricas. Ele se esqueceu que toda tendência
econômica só se manifesta plenamente na dltSb1cia de tendências contrapostas,
ou, como ele dii, "todas as outras condições sendo iguais". Ao subestimar a mul-
tiplicidade de tendências que se entrelaçam umas às outras na vida real. Ricardo
se inclinou a explicar os fenômenos reais, criados por muitos fatores diferentes,
cm t<rmos da atividade de uma úniea lei abstrata. Tal lei abscrara ricardiana, por
exemplo, estabelece que, quando os fazendeiros começam a cultivar cerras infe-
riores, provocará um aumento no valor de derecminada medida de cereais (con-
siderando que a têcnica e outras condições permaneçam as mesmas). O autor se
apressa, cmão, a aplicar essa lei a siruações reais, declarando que o aumento real
no prtç<> dos cereais ê explicado pelo fato de que os fazendeiros cultivam, agora,
um>. terra inferior. Ric:lldo toma outra dessas leis abstratas: de que o aurn<mo
geal nos salários necessariamente baixa a t3l<3 de lucro (todas as outras coisas
pennanccendo iguais) e, prttipitadamentc (e de modo errôneo). a utiliza para
explicar o fato hi•tórico da queda na tillta de lucro. Essa tendência a atribuir uma
v:Lidade in,-011diâonal a conclu.<ôes ro11dicio11ais e a detectar 2 atividad< imediata
das leis "pu!2S" nos fenômenos históricos wu:rrtos levou Ricardo a cometer uma
série de erros. Tai.~ erros, no encanto, nio 0 impediram de capear (p.i:edsaroence
por meio do uso do método da abstração) as tendências básicas cuja operação
aJ11linU4, embora :.S '"""' oculto., reside na base da «o7lomia tapit11/ista. É por
CS$3. raúo que os c:onstrutos teóricos de Riardo, uma vez alterados e corrigidos.
pr<Servatn •ua v.ilidadc ainda hoje, e podemos reconhecer sua obra como um dos
grandes monumentos do pensament0.
~~
.wo!fHdd (1844-1880), «:onomisia burguês alemão.
--
Em geral. a cxpasiçáo de Rubin sobre as ideias de Ricardo sobre 0 confüto entre
os proprietário• rurais e as outra.• classes da sociedade requer alguma qualificação,
<Sp«ialmcnc< no que di1. rrspcito ao modo como Rubin expõe a teoria da renda de
Ri0tn!O (capítulo 29). Ricardo fe-, Uma série de afirmações similares a essa passagem
Jc Ellhlio sobre • iTJjfub1cia do hoixo prrço doi rmais nos /urros do rapital: •seguc-
·st, então. que o interesse do proprietário fundiário é sempre oposto ao interesse
d< qualquer outra classe na comunidade. Sua situação não pode ser mais próspera
do que quando o alimento é escasso e caro, ao posso que todas as outras pessoas
,;o immamentc beneficiadas pela comida bama" (Ricardo, in: W&rks, edimdo por
Sralfa. Cambridge University Press, 1951, v. 4, p. 21 [ed. bras.: David Ricardo,
Ensaio acerca da. inAuên,ia do baixo preço do c:erea! sobre os lucros do capital, in:
Claudio Napolconi, Smith, Ricarda, Marx. Rio de Janeiro: Graal, 1978]. No mesmo
parágrafo, pofi.tm, Ricardo qualifica jmcd.iatameme o contexto cm que ele faz essa
a6rmação: "Renda alta e lucros baixos. pelo fato de acompanharem um ao outro
invariaYclmcntc 1 jamais devtrillm sn 11.luos dt rtclamafáD 'ftlttndo são o efeito do (urso
Mtr1ral tldS roisas.
Eles são a prova "'ais incqw'voa da riqu~ e da prosperidade, e de uma
população abundante, comparada com a fertilidade do solo. Os lucros gerais do
capital dependem inteiramente dos lucros da última porção de capirol cmpn:gada
na terra; se. porta.nro. os proprlctirios fundi.:irio..~ n:nuncbssc::m às suas rendas, eles
nem aumentariam os \ucros gerais do capital, ~m 3ba.ixariam o preço dos ccrc!'ilis
parn o consumidor. Isso não teria outro efeito sen;\o, com.o o sr. Malch.u.s: observou.
permitir que aq\\cles faunddros - cujas terras pagam, agora, umíl renda - \'ivam
como cavalheiro( (ibid .. p. 21-22; grifo.< da tradução inglesa).
O E11s11io sobrt 0 fldi."<o preço Jos «teais é um panActo comparativamente antigo
(1815). F.m sua correspondência após a publicaç:io de /'rindpios, Ricardo csclM<CCU
ainda mais sua posição. "Ele (Mahhus} não agiu de modo propriamente coc~co
para comigo cm i;uas notas sobre: a passagem de meu !ivro, que di7·. que:: 0 im<"rcsse
do proprietário rural é oposto ao do rcstan«: da comunidade. Eu não visava. oom
essa. ali.rma.çáo, f.n.cr nenhuma rcAexr\O hoscil :ios proprieclrios ruroi5 - sua renda é
o efeito dt âA·un.(tt111cilu sof,re as q11nis ~la 11do 1<m qu11lqutr tonrrolt.
e>;e~cuando·
-se o futo de que e\es~o os legisladores e esrJ.bc\ccem n:sui1r"ÕCS à imponaç~ de
ccrcruo (Carca de 2 de maio de 1820 • McCulloch, in: l~orÁ" editado por Sralf.i,
;.;,.;..~--------·· -~~-

302 OAV•O R•C"ROO

c.mbridgo: c.mbridgc Universiiy Press, 1952, v. 8, p. 182; grifos da tradução in.


g.ICS3). ~uma carra de 21 de julho desse mesmo ano a Trower, ru,ardo eJaborou
a.inda. mais esse argumento: "Ele [Malchus] afirtm que e.nou reprovando os pro..
prietirios rurais porque: eu disse que seus interesses são opostos aos do restante da
comunidade e que o aumenco de suas rendas se dão a e>i:pensas dos rendimentos das
oucr:LS classes. Toda a linha argwnencadva de meu livro evidencia como essas obscr-
wções devc:m ser entendidas. O que eu disse é que a comunidade não se beneficiaria
cm nada se os proprietários rurais abrissem mão de toda sua renda - tal sacrifício
não tornaria os cereais mais baraoos, mas beneficiaria apenas os agricultores. Ora,
isso não evidencia que eu. não considero os proprietários rurais como inimigos do
bem público? Eles possuem máquinas que multiplicam várias vc.-zcs a produção, e se
é de seu interesse que a mais ínfima máquina produtiva seja posta em ação - mas tal
não é o inceresse do público-, tl~s têm de desejar empregar a máquina produtiva
estrangeira, que é maior, mais do que a inglesa. O sr. Malthus também me acusa de
negar os benefícios que as melhorias na agr.iculrura trazem aos proprietários rurais.
Eu não reconheço a justiça dc.ua acusação; mais de uma vez, eu disse, o que é óbvio,
que eles têm, no .final das contas, de se benieficiar com o &to de a terra se tornar mais
produtiva r...].Eu Juro pelo livre-comércio dos cereais porque, quando o comércio
for livre e os cereajs baracos, os lucros não cairão, por maior que possa ser a acumula·
ção do capital. Se você se limita aos recursos de seu próprio solo, a renda acabará por
absorver a maior pane daqueles produtos que restam após o pagamento dos salários
e, consequencemence, os lucros cairão" (ibid., p. 207-208; grifos de Ricardo).
3. Vuão de mundo (N. do T.B.).
4. Ver a discussão de Rubin no capitulo 20, espccialmcme a nota 9, p. 219
5. Jcremy Bendiam, 7/ie principies efmal'llls n11d /egisfation, Nova York: Hafner, 1965,
P· 3 [ed. bras.: Jercmy Bentham, Uma i11trodt1çio aos princfpios dn mol'llf, dn legisiA·
;ão, São Paulo: Abril Cultural, 1979, coleção Os Pensadores].
6. Idem, 71,, tl1eory a/legislAtion, in: C. K. Ogden, Londres: Kegan &. Paul, Trench,
Trubner &. Co., 1931, p. 144; grifos de Rubin.
7. "Reunamos todos os valores de todos os praum, de um lado, e rodos 05 valores de
codos as dores, do outro. Se a balança pesar do lado dos prazeres, a boa tendência da
ação se estenderá ao todo, respeitando os in~ daquela pessoa indivitÍ1111f. se ela
p<>ar do lado da dor, a má tendência se estendera ao rodo" (Bentham, J., Prindpks •f
º"
111 1/J llnd lq/slatio,,, p. 31; grifos de Bemham). Vale a pena, neste ponto, recordar a

opinião de Marx sobre Bentham: "Bentham é um fenômeno puramente inglês/ •.• ].


Mlli.TOoo\.OOrc"'-s
303

.. maiS'
J..... rcJm nenhuma época e em nenhum ru:ís u- _ d
.. . r- • ··• ...o esro manufarurador de
m>rcs-comuns poderia dcs6lar de um modo tão aurcm risf.. O . . .
lUer a: euo. pr1nopJo da
utilidade não é de modo ~g~m uma descoberta de Benrham. Ele simplesmente l'(-
produziu, ao seu modo cstup1do, o que Helvétius e ourros franceses haviam dito com
humor e ingenuidade no século XVIII[ ... ]. [E]le, que julgaria todas as ações, mo-
vimentos. relações humanas, etc. de acordo com o princípio da utilidade, reria sido
0 primeiro a cratar da namrcza humana em geral e, enrão, com .a narurcza humana
al como historicamente modificada em cada época. Be.ntham não se perturba com
isso. Com a mais tola ingenuidade, ele sustenra que o moderno pequeno-burgu~.
espccialmcnre o pequeno-burguês inglês, é o homem norma[, O que quer que seja
úril para esse tipo peculiar de homem normal, assim como para seu mundo, é útil em
si e por si mesmo r... J. E.~se é o tipo de lixo com que o bravo colega, com seu more
•nuJJa dies sine linea" [nenhum dia sem sua linha), preencheu montanhas de livros.
Se: cu tivesse a coragem de meu amigo Heinrich Heine, eu chamaria o sr. Jeremy de
um gênio da estupidez burguesa" (Cnpital, Penguin edirion, v. 1, p. 758-759e s.).
8. A c:xpressão é de 'lheo? ofkgislation. Um conceito similar frequentemente usado é
•cálculo hcdonísdco".
9. Traduzido do russo.
10. Traduzido do russo. ..Oca, como não há nenhum homem que esteja rã.o seguro de
esrar i11climulo, em todas as ocasiões, a promover vossa felicidade como vós mesmos
cst.Us, tampouco há quaJqucr homem que possa ter tido ião boas oportunidades
como deveis 1er tido de sa/Jer o que é mais apropriado à obrençáo dCSSC' propósito.
Pois quem poderia sa:bcr melhor do que vós o que é que vos dá prazer ou dor?"
(Bentham, ]., Principlts ofmomls and legisfation, p. 267; grifos de Bentham).
li. Traduzido do russo.
12. Bentham apud Sraffa em sua introdução ao v. 6 de Wór/u, P· xxviii e "
13. As duas citações são de Ricardo, On the principies of politial economy and
caxaiion, v. 1 da edição de Sralfa. Wbrks, Cambridge: Cambridge Univ.rsity Pms,
1951, p. 349-350 e s.
14. R;.cardo, Principies, p. 133-134; grifos de Rubin. 46
!5. Ricardo, Cana a Trower, 8 de julho de 1819, in: Sralfa (ed.). Wórks, v. 8• P· '
l6..Smith, W.alth ofn11tions, livro II, cap. 5. P· 363·364 ·
17• Ricardo, Prindpks, p. 76 e s.
IS. lbid., p. 94; grifos de Rubin. . .. b essa qu<>"Cio [do
19 [b· d d 1 e minha opmi:w so n:
· 1d., p. 388. "Sinco-me obriga o a cc ara ,_ ·cdadel porque elas
,_._ d d'fu ntes classes Uãl soc1 '
Cicu:o da maquinaria em cada uma as 1 re
v·J
/
3()4 D"'VID 111C:AlllOO

so&cram, se analisarmos com cuidado. uma alteração considcdvcl: e embora eu não

. ~·: esteja cicnre de ccr jamais publicado qualquer coisa a respeito da m.\quin.iri.J. que
deva ser retifi.ado. sei que dei meu apoio, de ourr.u formas, a doutrinas que .l,!:('lr.i.
penso serem errônea [••• ].
Desde a primeira vez que V<>lrci minha :ucnçáo pari as quci;t~s de '-'\:\,n\'Rli.1,

política, fui da opinião de que uma tal aplicação da maquinolri.\ .a. '"~"'-' "~ r.1.mO)
d.a produção ct.1, na medida cm que cinha por efeito a «onomi.t de tr.i~..,:~...... urn
bem geral que possuía apenas a inconveniência de. na ma:"'ri.\ ~~ .:~'s, ~:"\.'\\\(".1,r .i
u.insfcrCncia de capital e trabalho de um emprego par.a outro. : •••: A d.i~ ~"'" tr.a-
balhadores.. pon:anto. seria igualmenrc bcncfici;idJ. rc!I) u.~ ~ m.11\ uin.1.riJ., umJ. vez
que eles poderia.m comprar m.ais mcrcadori2S C<'m os m(:l;m.1.'S s:a:.i.""'.1o.'$. 'E ~ ?Cm.l\il
que não ocorreria qualquer redução dos salinos. por.çu<" o ti:a;i:t-i.;.l'~ ter~.1. (' ,?l..,,.:~r ~e
demandar e cmp~ ..i mesma quantid.aU Ge tr.t~~o Cc .l.-'l~o.. c:'T'.~'!".1 c:c ;t1.11:!.e.sc
csw sob a n~icbdc de cmpregá·Io na pro<!uçio Gc U!!'..6 me:-,.b!. ,r~.t
. n"'' ou, no
mínimo. di.têttntc :.•.:. Como ~...~ me par«ia ~uc :,,.,-cr:.a .a :r.o~.a .:er:unda b:
tr.1.ba!ho de antes. e que os sa!ários não seriam m.ais :..a;_"<OS. ~.se: ~1,;.e ia ~;~se m.·
ba!.~Or.1 ~ciparia, igu.a!mcncc com as OUL"2S ~~ Õ \'C:,~Crr. -.::-~,C,. ~O
banteuncow gerai d1s mcrac:!orW: p~1X.1Go :-e:o ;;5(1 6. ~ ..: n.;..ria..
Essas eram .u mi.n.'w: op:niõcs. e c12S conÓ'luam ::U:~.m.~ :&.--::o <;.ua."lro
C"..in.'w O?~ KCl'Cli Co ?:O?rictirio ruia: e éo cap:a.::..~ ~~ e::r:~.. cor.-\'C'n('iCo
&<iueaR.:'.-'5ti'n1!\áoCo~o!n:.m.a..-w~~u~'U..~é~~r;!C..rrrC":'\:t:nLli!O
injuriOA a inr~ 6; üs_o;c êos cn:.-rL~ia<!orc\..
:\.~~..: eTO foi ~?Or c;ue scm?:-c <iUc a :-enêa ~<;,u..iGa C.e \.l..'i1.a -soc:~e c:o.:cs.se.
~lé:::i ~.a S!..:a ~ 'x-~'% ~:a. ?Qri."!1. ••C-:o ra.zbcs ?i.'"a eo.•.._.. \i.i:.:.r."·~~o
com o~ Ce ~'.X o ~ ~:~o Co ~~ os .?:-O?r~os ;....~c~l)S e os ai~
~' ecr:\I""...~ IC'~ :-c.C:rrlC".~O ?Jê.c ~•..:> ;i::aso ~;;e o O'.. ~o F....~&. c:.o ç:-.:a.: a
~ Zii':..:~ ::a:f.-a.."":".cz::e éc;>c'...Ce. ?X.~ ci:nint!ir, e, ?='r"~"i:I), 6i se ~;e:..
k<:';':':lf.1.c.e:-::.,,ç-·...ea.:":"4.,.~c:;...:s:;.~":i!.~a·:.:c;-•.a:'°~r..C::::..e!"'.:o:lç::J:CoCo;-U-

:':-::~::~~:,::;;:~, ~-~·~ < à-r.:,,,.,' ~,~~a.


-:YJ. :-)"I;... ?· ~~ ~ \. }1 ~..i.~ !""~e..!"~·"='~/- Cc: ?J.zà~~ ::--....se e~ ?G~ i&
r.· ..!"".. ;..-:.r;, 2 'Yé.;_~,,.. .:. ._ :". . . b..t"ft.:t.;ti:s V=~.;r.;u.
::. =~·~?·:.~
- +

A!il •Ases F•LO!.OP1c 48 e u.r.Toooi.Oc;ic"•···


305

~.\ t aft[l.'f\.""~nu.• ll fo.h, d<" que Gr.i.m!ll.:i fc-t un101. obM:-rvaçlo idêntiCJ ~obre .l. contri·
•· ~\li\"''' de Ri\°.m.to l,.lr.1 tl mc.'.·t1..ldo ana?itko de M.1rx: ..A 6m de ot.1.bc:cccr a origem
J,i 111,1!\l,flJ ,t.- ~,r,\>.:i!lo ~ ..,!. M"r~ nl'\:C\\.irio C.\tu1..far .1 conccpç.\o de lcU cconl\mi&:a\
N.1\l(IC\·i,b rur O.av1d R11...rrJ.o. Tr.u.i:-~ de admi['ir que Rk.i.rdo foi imponantc na
fonJJot·''' J.a hlo..C'lfi.i ,.t,. l'r.h.i' n;,,, •1f14.·n.i... pdo concciTO dC' "valor" na economia. mas
1.un~n illt imlwn.lnli: 'füo\( 1 f'il.l"1t~nt(', \ugcrinJo um modo de~ pensar e intuir
.l hi.,h\riA e .1 viJ.1. O m~todo do \uponh.amo\ que : .•. ; •• da prcmi1.u que fornccc
umJ. i:ert• cQndu..,io, Grvt•rid., polrccc·me, \Cr ic!emi6caCo como um do.ç ponm.s
de r-in:iJJ ~um do~ ~tímulo.. imde1.."tui1i!1o} éa cit;>eriéncia fi!o~flc.a da !l!o!!Ofia da
rr~i~. V;i,lc" f'l""J. invt"!\ti~r ~ Ricarc!o J.i foi ;&igum~ VC"l C\rudaêo sob ti\( ponto de
vU.u.• ;,Gr;lm~i. S1!J..1i1ms from tlie prüon 11orebooh. I.onê.rc~: U.wrcn~ .md Wi\hart,
N".'1, ?· ~12 :c<1.. ~r~.: Gr01.m.sci. Clláenu)I do tlÍrcm. Rlo Ce ).neiro: CivUizaç.io
Br~i:clr.t. ~ j : • v. ! . Gl~('rno l:,
noca 52:.
capitulo 28
A TEORIA DO VALOR

1. Valor-trabalho
Adam Smith, como sabemos, deixou para trá< um bom número de pro-
blemas e contradições não resolvidos {ver capírulo 22). Recordemos os mais
importantes:

1) A teoria de Smith padece de um dualismo metodológico no próprio


modo como ele apresenra o problema: confundindo a medida rk vaún
com as causas das mud.<nças quantitativas no valor.
2) Por essa razão, ele confunde o trabalho despendido na produção de dado
produto com o trabalho que esse produto comprará no curso da rroca.
3) A atenção de Smith se concentra ora na quantidade objetiva de traba-
lho despendido, ora na avaliação subjetiva dos esforços e empenhos que
o constituem.
4) Smith confunde o trabalho incorporado numa mercadoria particular
com o trabalho vivo como mercadoria, isto é, com a força de trabalho.
5) Smith chega a negar que a Iei do valor-trabalho opere numa economia
capitalista (na qual o trabalho conserva, no encanto, sua função como
medida de valor).
6) Ao lado de um ponto de visra correra, que vê o valor de um produto
como a magnitude fundamental que, enráo, se decompõe em mvlimen·
tos separados (salários, lucro e renda), Smith comete, às vezes, 0 erro de
derivar o valor do rendimento.
~justo dizer que, cm cada uma dessas questões, Ricardo adorouª pasição
correra e eliminou as contradições de Smith. Porém, é preciso acrescentar que
___.......- ...---·

308 OA.V•D 1t1CA.FlDO

. ·ros rrês desses problemas até sua completude. í'lu


ele s6 cracou dos prim<1 ~ illto
sua posiça"o estivesse formalmente correra e aparentasse
aos outros, embora ter
. _ d . ns"stências de Smith, ele foi incapaz de resolver efetivarnente as
cluruna o 3S mco l
dificuldades e contradições subjacentes à teoria smithiana.
Acima de cudo, Ricardo rejeitou decisivamente toda e qualquer tentatiVa
de encontrar uma m<dida inwtridvel de valor, mostrando reiteradas vezes que urna
cal medida não podia ser encontrada. O método que Ricardo aplicou consisten-
temente à teoria do valor é o do <studo cientifico da taus11lid11de, método que a
escola clássica estabeleceu como pane da economia política. Ricardo procurou as
causas tÍl1J mulÍllnfllJ qt4llntit11tivtJJ no valor dos produtos e pretendia formular as
leis dessas mudanças. Seu objetivo último era "determinar as leis que regulam a
distribuição" dos produtos entre as diferentes classes sociais. 1 Para fazer isso, no
entanto, de tinha primeiro de estudar as leis que governam as mudanças no valor
desses produtos.
Ao apresentar o problema inequivocamente nos termos da causalidade
científica, Ricardo se livrou das contradições que envo!veram Smith quando ele
definiu o conceito de trabalho. Ricardo inicia sua obra com uma critica do modo
como Smith confundiu o "trabalho despendido" com o "trabalho comandado",
uma questão à qUal ele retorna em outros capítulos. Ricardo baseia consistente-
mente sua inteira invesrigação no conceito de trabalho despendido na produção
de uma mercadoria e vê as mudanças na quantidade desse trabalho como a razão
constante e mais importante das flutuações quancicativas no valor. 2
Nesse sentido, Ricardo converte o princípio monista do v11lor-trab11/ho
no fundamento de sua teoria (ele estabelece algumas exceções, das quais trata-
remos no itern "Preços de produção", neste capiculo). Ricardo, cal como Smith,
exclui de sua investigação a utilidade, ou valor de uso, conferindo a este último
um papel de condi;iío do valor de troca de um produto. É verdade que ele fala,
aqui, de "duas fontes" do valor de troca: a escassez de artigos e a quantidade de
trabalho _despendido em sua produção, o que levou alguns especialistas a falar de
um dualismo em sua teoria. Mas essa visão é equivocada, uma v<:1. que a escassez
determina
_ o valor (ou llla!S · prrosamente,
· o preço) apenas dos artigos ·indºIV!"duais
nao rubmetidos à rt'Produ,- ,~o.
Ricardo, no encanto, escuda o processo de produ,.;n .--
e ~ leis que governam o valor dos produtos reprodtizidos - e seu valor é deter-
mmado pela quantidade de trabalho rkspendido. Mais
ainda: Ricardo mosua a
maturidade aenuína de se • • penal
" u pensamento quando limita sua invescigaçao ª
---
A. TEORIA, DO VA.LOlll, 309

'·· mercadorias que podem ter sua quantidade aumentada el '


;que"" . • P o esrocço
d;i indústria humana e em CUJa produçao a concorrência opera sem nenhuma
}imitação•.3 "Isso significa, na ve~dade, que o pleno desenvolvimento da lei do
valor cem como pressuposto a sociedade da produção industrial de grande escala
e da livre concorrência, isto é, a moderna sociedade burguesa."• No capítulo 4
de seu livro, Ricardo revela essa mesma compreensão clara de que a premissa
essencial da lei do valor-trabalho é a existência da livre concorrência entre produ-
tores· Ele mosrra que todo desvio entre os preços de mercado e 0 "preço natural"
(valor) é eliminado pelo capital que flui de certos ramos da indústria para outros.••
Se Ricardo deve ser tepreendido, não é por ter feito da livre concorrência (e, por
conseguinte, da possibilidade da reprodução dos produtos) seu ponto de partida,
1113.1, ao contrário, por ter captado com clarcu insuficiente as condições sociais e
históricas da emergência da livre concorrência e por tê-las considerado condições
que já estavam presentes no mundo primitivo dos caçadores e pescadores.
Assim, o valor dos produtos sujeitos à reprodução é determinado pela
quantidade de trabalho despendido em sua produção. Na análise, essa fórmula
levanta uma série de questões: l) quando examinamos o trabalho despendido, se
devemos fuê-lo a partir de seu aspecto objetivo ou subjetivo; 2) se devemos tomar
apenas o trabalho despendido diretamente na manufatura de um produto, ou
incluir o trabalho previamente despendido na manufatura dos meios de produção
usados em sua produção; 3) se devemos considerar apenas a quantidade relativa
ou a quantidade absoluta de trabalho despendido; 4) e se o valor de uma merca-
doria é determinado pela quancidade de trabalho atualmente despendido em sua
manufatura ou pela quantidade de trabalho que é socialmente necessário.
Quanto à primeira dessas questões, deve-se notar que Ricardo adota rigo-
rosamente o ponto de vista objetivo, excluindo de uma vez por todas a questão
da avaliação subjetiva dos esforços que são realizados nos trabalhos {no que ele
moscra, uma vez mais, sua superioridade sobre Smith).••• Ao receber os produtos

~eontribudon to tht eridqut of politieal mmomy ;edição Progrcss Publishen,


'-d La sh 1970• p· 60-N.doT.l.).
~n rcs: wrcnce & Wi are. . ntrat"'.io do crédito concedido
Aqu1. e1e .ldcnti.fica ate• mesmo o mecanis• mo (expansao ou co ~
.J.:. ansão ou contração da produção.
a dd d d - )peloqu:iheuaessaexp
urn a o ramo a pro uçao ºth numerad3S no começo deste capirulo.
Ver a terceira das contradições de Smi e
do mbalho. o mercado capita.lista pauco s~ i_mporca c.om _as vici~situdes Pessoais
dos prod.urorcs dessas mercadorias. Tais leis i~pessorus e ~nexoraveis da concor.
rênc:ia <lo mercado encontram seu rcRexo no sistema de Ricardo, que é tão pene-
aanremente objetivo que beira o alheamenco.
À segunda questão, Ricardo dedicou uma seção especial - a seção III do
capítulo !. Já no cabeçalho, ele sustenta que "não é apenas o trabalho aplicado
imediacamenre nas mercadorias que afeta o seu valor, mas tamb<m 0 trabaJho
despendido nos implemcntos, ferramentas e edifícios que contribuem para sua
occcuçáo".1 Implemenros, ferrarncmas e maquinaria transferem seu valor (seja em
parte, depreciando aos poucos, seja inteiramente) ao produto em cuja manufu..
cura eles romam parte, mas de modo algum criam qualquer valor novo. No início
do século XIX. economistas como Say e Lauderdale, entusia.<mados com a aJra
produtividade das máquinas, atribuíram a capacidade de criar novo valor, a fonte
dos lucros capitalistas, às máquinas. Ricardo compreendeu perfeitamente bem
que as máquinas e as forças da natureza que elas põem em movimento, embora
possam aurnenrar a eficiência técnica do trabalho e, assim, aumentar a quantidade
de valores de uso que esse rrabalho pode manufacurar por unidade de tempo,
não criam, no entanto, qualquer valor de troca. fu máquinas só transferirão seu
próprio valor para o produco,

mas esses agentes narurais, embora incrememem imensamencc o valor tk uso,


jamais incrcmenl:un o valor de uoca ao qual o sr. Say se refere: quando, com ajuda
da maquinaria, ou cõm o conhedmemo da filosofia narural, obrigam-se os agenres
naturais a realizarem o trabalho que antes era realizado pelo homem, o valor de
troca de ca1 crabalho cai na me.sma proporção <lo emprego desses agences.~

Ao fazer uma clara distinção enrre "riquezas" (valor de uso) e "valor",


Ricardo revelou o absurdo da teoria de que a natureza cria valor - teoria desen·
volvida de modo mais consistente pelos fisiocratas e apropriada por Smith em
sua teoria da produtividade excepcional do trabalho agrícola.
Quanto à terceira questão, diz-se frequentemente que Ricardo, por escar
preocupado apenas com o valor rtlativo de diferentes mercadorias e com as quan-
tidades relativas de trabalho despendidas em sua produção, ignorou 0 problema
do valor "absoluro". De fato, Ricardo estuda o problema do valor fundarnen-
ta!meme a partir d·' se u aspecto quanmauvo
· . e procura encontrar as causas das
1• r/JJ ,,,11mtitutiv11s no valor dos produtos, Se o valor relativo de d .
.,.n,
1111 , . . OIS produros
Ac: Be. expresso na proporçao de 5 para l, Ricardo aceita -·· •-
-ramcom.o dadoc
ualquer consideração ulterior. Um fenômeno prende sua at • d
poupa q · . . • ençaoquan o
ele pode ver nele 1nd1caço~ de mudança; por exemplo, quando a proporção da
"°'" acima mencionada dá lugar a uma nova proporção de 6 pata l. Isso não
. ·•ca• no entanto, que Ricardo se limite simplesmente às altera,..;,.•obse
ggnm r--
. .
tvaVCIS
nos valores relativos de duas mercadorias ou nas quantidades relativas de ttabalho
acqueridas para sua reprodução. Se o valor relativo de duas mercadorias muda,
de se pergunta se isso ocorre pelo aumento do valor •tca1• ("atual", "positivo")
da mercadoria A ou pela queda do valor "tcal" da mercadoria B. Uma mudança
no valor "real" de uma mercadoria é, para Ricardo, o resultado de mudanças na
quantidade de trabalho requerida para produzi-la. "O trabalho é urna medida
comum por meio da qual pode ser estimado seu valor tcal, bem como seu valor
relacivo.°" Ricardo afirma, aqui, que sua teoria não se rescrin~ ao esrudo do valor
relacivo das mercadorias.
A última questão diz respeito aos atributos do trabalho if"< fo17114 valor.
Mane dedicou a essa questão uma atenção especial, caracterizando esse trabalho
como socia~ abstrato, simpks e socialmente naessdrio. Ricardo, dado seu interesse
prioritário pelo caráter quantitativo do valor, dedicou sua atenção àqueles aspectos
do trabalho que influenciam a magnitude do valor. Assim, podemos ver Ricardo
uacando tanto do trabalho qualificado quanto do trabalho socialmente neaJSdrio.
Ricardo, seguindo os passos de Smith, reconhece que uma hora de trabalho
lf'llllificado, como o de um relojoeiro, por exemplo, pode criar duas vi:o:. mais
valor do que uma hora de trabalho de um fiandeiro. A desigualdade deve ser
explicada pela "engenhosidade, destreza ou tempo necessários para a aquisição de
um tipo de destreza manual em comparação com outro tipo". O fato de que isso
icja assim não invalida, na visão de Ricardo, a lei do valor-trabalho. Ele posrula
que, uma vez que a escala entre esses dois tipas de trabalho (aqui tomados na
pmporção de 2 para 1) se torne fixa, ela não mostrará quase nenhuma variação ao
longo do tempo. Estando isso csrabelccido, a única mudança que pode ocorrer
no vaior re1ativo
· dos dois. produtos dados é aqucla prodUw .;da pelas mudanças nas
quantidades relativas de trabalho necessárias para sua produção. •
.
De rnodo similar, encontramos em Ricardo "to- embora nao plc-
um concei . d
nain d · O valor é determina o
cncc desenvolvido - de trabalho socialmente neces< no. __ .J , ui
pelo • da renda Ricawo 1orm a
trabalho necessário para a produção. Em sua teoria '
,__ \ . de nuc valor dos produtos é t~ado não pe\o trabalho des.,.
sua Ialuosa e\ ..,, 0 " . . r~n-
•odutor individual, mas pela quantidade maior de traL·''-
dido por um dado P• 'º"""º
ariamente emprcv-da em sua produção" por produtores <\U< trabalham sob
n~ • . ~·;sdesfavoráveis.7 O erro de Ricardo foi ter extraído sua\ ·d
as circunstancias ..- e\ as
diferen<;as nas condições naturais da pwduçáo agrico\a, transformando-a, •nt;.o,
numa \ei geral aplicável a todas as situações e a todos os produtos, seja.n, eles da
"'f,ficultuta ou da indústria. Marx retif1.<:.ou esse erro de Ricardo com sua pról'ria
teoria do trabalho médio socialmente necessário.
Ricardo contrastou _sua teoria do valor-trabalho com outr.IS teorias <\Ue
l'rocuraram explicar a magnitude do valor de um produto pela extensão de sua
utilidade ou pela relação entre oferta e demanda. E\e foi um critico ferrenho da
teoria da utilidad< de Say:

Q)iando dou duas mil vezes mais tecido por \ libra de ouro do que dou por \ \ihra
d.e fcrrol é isso uma prova de que eu confiro duas mi\ \'C2CS mai.s uti.\1.dadc ao ouro
do <.\ue ao ferro~ Ccrwncnte. não. \sso pro\"a somente, corno é admiti.do pc\o st.
Say. (\UC o c.usto àc proc:\ução cio ouro é duas mi.\ vacs maior do que o c:usto de
proàu~ do feno. Se o custo de produção dos doi.s meta.is fosse o mesmo, cu daria.
o mesmo preço por e\G; mas se a uti.\i.d.adc fosse a medi.da de valor, é provávc\ que
cu desse mais pc\o ferro.8

Ricardo rcje\to11 a insípida reoria da oferta e demanda do mesmo modo


dcds\vo~

f. o custo d.e produção que tem, no final ~contais, de regu\ar o preço das mera·
dor\as, e não, como se disse com frequênc\a, a proporção cnue oferta e demanda~
de fato, a propo~ entre. oferta e demanda pode, por um tempo. afetar o valor Gc
mercado de uma mercadoria. até que e\a seja fornecida cm maior ou menor abun·
dância, de açordo com o aumento ou dirni.nuiçã.o da demanda; mas esse. cfci.to
será apenas de duração temporã.ri.a.. Se o custo da produçio de chapéus diminuir,
seu preço cai.ri. ao seu novo preço natural., embora a demanda possa ter dobrado•
trip\i.~ ou quadrup\\ado.'

A. jul~at por essas citações, poder-se-ia pensar que Ricardo àefen<li•


a teor\a dos custos ~ produção. Nã.o é verdade. A tcor\a vulgar dos custOS de
14. TEOR.114. 00 'VAl,,OR 313

• afirma que um aumento nos salários provocará aut .


roduçao . ornancamente um
P no valor do produto. Ricardo expressou sua discordância d . . ..
aun'ento . u essa VlSa.o Jª
.
as pru:n e·,ras palavras de seu hvro: O valor de uma mercadoria [..., epende da
l d

n ·dade relativa de trabalho que é necessária para sua produção e • d


qU3nu • nao a re-
,,~0 maior ou menor paga por esse trabalho" .10 Embora em cerw o~-·.
rnuner...r "-&.:>toes
roc3.rdo tenha falhado em estabelecer adequadamente a diferença entre os custos
de produção e os disp~ndios de trabalho, seu inteiro sistema se direciona à formu-

q:
la •0 da lei do valor-trabalho e à ultrapassagem da te0ria dos custos de produção,
Smith, por suas próprias inconsistências, acabara por acolher (ver as seções 2
e 3 deste capítulo). .
Assim, vemos que Ricardo contribuiu imensamente para 0 aperfeiçoa-
mento da teoria do valor. Ele libertou a ideia do valor-trabalho das múltiplas
contradições que encontramos cm Smith; fundamentalmente, ele reformou o
aspecto quantitativo da reocia do valor. Ele descartou a procura por uma mediàa
constante de valor - aquela miragem enganadora que os economiscas procuraram
desde Petty até Smith - e apresentou uma doutrina de como mudanças quanti-
tati1Jll5 "" valor dos produtos são cau.<almente dependentes de mudanças na quan-
tidaú de trabalho despendida em SUll produção. Ricardo vê o desenvolvimento da
produtividade do trabalho como a causa última por trás das mudanças no valor
das mercadorias: porém) mais do que isso, ele também olha nessa direção para
encontrar a chave do enigma de como os diferentes ramos de produção (agri-
cultura e indústria) e as di.ferentes classes sociais {proprietários fundiários, ca-
pi.ta\istas e trabalhadores) se rcladonam uns com os outros. Ricardo explicou o
barateamento progressivo das manufaturas industriais e o progressivo aumento
110 preço dos produtos agrko\as _ ambos fenômenos característicos da lnglaterra

do inicio d.o século XlX _ cm termos dos efeitos de uma e mesma /ri do valor-
-trabalho. O va\or das mercadorias industriais cai como um resultado do progresso
ticnico - da introdução da maquinari.a e da maior produtividade do trabalho.
O aumento no valor dos produtos agrícolas se origina da quancidade maior de
tra.ba.lho necessária para sua produção~ a qual. por sua vez, é ocasionada pe!o
cultivo crescente de terras menos férteis. Essa tcnd~nci.a decrescente no valor dos
produtos industriais e o movimento ascendc-nte no valor dos produtos agrícolas
fornecem a chave para a compreensão das tendências por uás da cilscróuiçáo da
renda da. nação entre as classes. O aumento nos saLí.rios provoca incvita~elme~tc
t&»ia: queda na taxa de lucro. Desse modo, Ricardo assenta toda sua teona da d1s~

«ihuição na lei do valor-trabalho.


I
I 314 DAVID llllC .. RDO

.(.../··"".;) Enquanco a anál"se


1
ricardiana do aspecto_ quantitativo
~
do

valor

representou
um enorme avanço em relação a Smith, as d1mensoes quabtat1v11s ou sociais do

,-·
,/ valor permaneceram fora de seu campo de visão. Aqui encontramos 0 calcanhar
de Aquiles de uma teoria cujos horizontes não conseguem se estender para além
daqudes da economia capitalista. Rica~do ~oma fen~menos que percenccm a u111a
forma específica. de economia e os aplica a economia em geral. A5 formas sociais
que as coisas adquirem no comexro de determinadas relações de produção são
tomadas por Ricardo como propriedtvie< das coisas em si mesmas. Ele não du•ida
que todo e qualquer produto do trabalho possui "valor". Jamais lhe ocorre que 0
valor é uma forma social específica que o produto do trabalho adquire somenre
quando 0 trabalho social é organizado numa forma social definida. As mudança.
na magnitude do valor dos produtos são condicionadas por mudanças na quan-
tidade de trabalho necessária para sua produção. Essa é a lei básica de Ricardo.
Sua atenção dirige-se ao aspecto quantitativo dos fenômenos, à "magnitude do
valor" e à "quantidade de trabalho". Ele não demonstra nenhuma preocupação
com a "forma qualitativa ou social do valor", que não é mais do que a expressão
material das re/a;ões sociais e de produção tnt:re pmoas como produtores de mer-
cadorias independentes. Ricardo tampouco mostra qualquer interesse pela forma
qualitativa ou social com a qual o trabalho é organiZAdo: não nos dá qualquer
explicação se fala do trabalho como um fator técnico de produção (trabalho
concreto), ou do trabalho social, organizado como uma agregação de unidades in-
dependentes e privadas, conectadas umas às outras, mediante a troca genera1izada
dos produtos de seu trabalho (trabalho abstrato). Cercamente, encontramos em
Ricardo os elementos embrionários de uma teoria do trabalho qualificado e so-
cialmente necessário, mas caberia a Marx desenvolver a teoria, tanto do trabalho
socialmente abstrato quanto da "forma social do valor".• Para ele, a forma social
existente dos fenómenos econômicos (isto é, a forma capitalista) já escava dada
antecipadamente, sendo algo já conhecido que, portamo, não requeria qualquer
análise. Quanto ao aspecto qualitativo do valor, somente um pensador que tivesse

Essa desconsideração pda forma do valor levou Ricardo, do mesmo modo (01110. M
o~tros reprcscnranccs da escola clássica, a não comprecndtr a função social do Jinht:rq.
:cardo_ defendeu uma teoria •quanciraciva" do dinhl!'iro, e, cx1,,.-ecuando sUa Goutfllll
~ m.o~mcnr~ dos mcrais preciosos cnttt os paiscs, não acrc:"5".C'ntou nad.i 0 "\-0. dr.
principio, àquilo que Humc ji ha\ia formulado (ver o (a_rirulo S, sobl'C' Hurnt'-
" Tt:o11t1A. CIO V°'l..Oft 315

ob;eto de investigação a forma social da economia (" é .


corno seU / lSto , as re1açees
de produção entre as pessoas), a "forma soe.ia! do rrabalh~" e a "forma social do
valor" Poderia reformar esse aspecto da teoria. Tal pensador era Mano.
0 fracasso de Ricardo cm reconhecer que a forma social de uma economia
é iStOn·camente condicionada trouxe-lhe poucos danos' visto que d e restnng1u
h . . .
sua jnvestigação àqueles fenômenos que correspondem às relações entre pessoas _
par exemplo, à lei do valor-trab~ho das mercadorias, que se baseia nas relações de
produção entre pessoas na qualidade de produtores de mercadorias. Mas, assim
que ele passa a tratar da troca de capital por força de trabalho (uma troca baseada
nas relações de produção entre pessoas na qualidade de capitalistas e trabalhado-
res assalariados) ou da troca de produtos produzidos por capitais de diferentes
composições orgânicas (uma troca que pressupõe relações de produção emre ca-
piailistas de diferentes ramos de produção). sua falra de método sociológico o leva
aos erros analíticos mais básicos, como veremos mais adiante.

2. Capital e mais-valor
A incapacidade de Ricardo de apreender a natureza social do valor como
uma expressão das relações de produção entre pessoas criou-lhe enormes dificul-
dades, mesmo em sua teoria do valor-trabalho; ao chegar à sua teoria do capital
t do mais-valor, as dificuldades s6 aumentaram. No entanto, Ricardo realizou

avanços em relação à teoria do mais-valor então existente, livrando a análise quan-


titativa desses fenômenos de uma série de erros que se apresentavam no uata-
memo que Smith dera à questão.
A teOria smithiana do valor ruiu, como vimos, no momento em que se
moveu da pequena produção de mercadorias para a produção capitalista. O
próprio fato de que uma mercadoria (como capital) possa ser trocada por uma
quantidade de trabalho (força de trabalho) maior do que a que estava incorpo-
rada na mercadoria aparecia para Smith como usna \iolação da lei do valor-
·trabalho (ver capítulo 22). O único recurso de Smith era declarar queª lei do
valor-trabalho deixava de operar com o surgimento do capital Ouao) e da pro-
priedade privada da terra (renda). ,. , ,
Ricardo concentrou todos os seus es...í:>rços em mostrar que a ,CJ co .....~r~
-aabalho podia operar m<!'mo onde há /u..7"0 t ,....J,:. :'vfas. pc~-un':-'."' 3 aça.>
"--1 ·, .J_ J :'\l·c:rea:')c~~.c.en«f'~
~ c1 e anulada pe!o fato de- que o va!or o= um proc.utt= . . . : . ..
cobrir • · ,h • , · · )eo ~ui:roc.oc.a? 1 ta.:.oi;o..:n.is

··-
nao apenas a n:"munc-ra\J,o do crJ.OO,;.• o \sa.mos. ·
""' cruirecm adicional (re"dd) qw: se origina não no traLn
cunbc.impar.irendr:ru o . .....-i..no,
m.ts J1JS fon;:is da rutura>? De modo algum. rc:•:°nde Ricardo em S\13. teoria da
_, _ d ai;, detetminado pela quanridadc de crabalho neccssãr·
rend\1. O \'a&L'r o ccr< . ia Par::t.
__ , . m·i c·r~ da ,,,.;, inkrior qualidade. O valor do c.:r<•al produz"ido
prvuU.7J-1o nu . .. ~.. . . cm.
r.i1 rerr.t SI.' dividt' :tpcnas em. :;..1lários e lu('ro. ~ melhores terra.;: rt-,;c.·bc.~ 111 \UT\J. rcnJ;i
J.it°Cn"nci.1.dJ. que r.."On.;;iSce no\o de um.1 ocm.tl\'.'aljàO do va!ôr d.1 º'c:"n.::,td.\."lriJ., tna..;
otpcnJS di dit~R'n.;a cncrc 0 v.Jôr-trJhalho do ~('~.tl pr...'1.u1id1." n.\ t"'trJ. rndhor e
scu ,""Jlor "'""'m" trJ.f1.'llho sodotl. r.tl romo derttmin.1do f't'l.t..;: \.'\."ln ..ii\~.s Jt' Pr\.~uç.io
dt pior qualid.1tic:". A Kn&t n.\('I é um.1 p..m:c.• '"""n1.t"'-'º"''ntc "i"""' Pl\\"O. .~
n;.t.; tc:rrJ."l
J.'i.SUmir ~t E"--".;i,..._to. Rii:.m:io simpHfi..:-\."•U t1.'\i.'.lc.l "" Pl\.'~tcntJ. d.1 1\'!,t\.\o.." entre valor
t renJimc.•ntV$ (\'c."lr.m.·mo..; J. csso\ quc~t.\o n1..' .:.1ritu!o ~9' d<' m'"~º ~uc rcst.1\"J.
.1pcn.t."" C"xplkar J rd.1ço\o enm: sal.trios e Ju,n,,'\.
Continul·mos: o v.Uor do rl'\.~UtO é sufidt."nt(' n.l\,'\ J.~·n.t..;; t'Jr.1 rc.·munrr.u-
"crJb.tlho dC"S~·ndido cm su.1 produç.\o. MJ..." t.un~m ?J.r..\ ren~('r um !ul,·ro al~m
disso. ~ão tt wrd.1dc que isso inva.lid.1 t.tmbc.~m J. !ci ~""\ '".L1."'lr? ~.io ~ n.•rd.1d~ que 0
fato d~ que C' Yllor d..., produro se \."OnlpÕC' dc sa.!.i.rt1."I.."" e :u.:r\' t('m d.(' ..:'""nhitar .:om
.a lei segundo J qual o v.Uor do produto /: d.et('rnÜnJ~o t.k"'I somt·nte pelJ. quJ.nti~
d.1d< d< cr•balho despendido cm sua produção:>~ l'Jt.l r<>;'<-'nd<r 3 <ss~ problema
em sua pJc:nirude, s~ria nCCCS.<rriário descobrir as ?ds ÇU(' reg~m a cro..:a de capital
por crabaJbo \'iVO (força de crabaJho), UmJ tr<Xa 0.1.«'ada n.i.< r<'.aÇÓ<S de produção
<ntr< capi1alisras e uabalhadorcs os.<alariJdos. ~fa.• o ,.._.n,amenco de Ricardo
estava, como sab~mos, muito longe de investigJ.r a...;, rdJ.çõcs dC" produção c:ntre
as pessoo.<. Os acributos sociais do capital. por um lado. e os da forÇ3 de trabalho
(trabalho as..Wariado), por outro, estão simplesmente ausen1<s. Para Ricardo, t•-
pitdf r tr4balho se confrontam como diferences elementos mauri,;is da produçio.
Ricardo define capical em termos rlt11ico-mareriais, como "aquela parte da riqua~
de um país que é empregada na produção e que consiste de alimentos. cccidos.
fcrramcmas, mat(rias--primas, ma.quinaria, etc. necessários para a realização do
trabalho".• O capital, cncão, é meios de produção, ou "trabalho acumulado", d<

Seguindo ocxcmplode Smich, Ricardo divide o capical em/i.<0 e tim,/antt, difcrcncia•u!o-


·6S de acordo com sua "durabilidade:". Por capital cârculante Ricardo norinal"!,cntc
emende
. o ctpi1al quc -e' ap1·11..<WO
__ , na cont14t4(áo de trabalhadores (•capit · ai variável T.I
• na:
terminologia de Marx). [A paM:agcm aqui citada é de Sr.úfa, Prineipl~s. P· 95 -N· do ...
317

odoque mesmo o caçador primitivo possui algum capital Ri rd


J1\ .• · ca oconvcnea
. taçáo cncr< cnp1.nl eforça de trabalho, de um conflito entr cltu ..
(')ntron . • • • . .. e sts S«utJS,
nurn.1l.-Oncrapos1çao tem1co-1'/11Urtd! entrt' crabalho acumulado" e trabalho "imc.
diat0"· Por C"'n."~·guinte. o capital tem uma tl11pla função nos argumentos de
Jtii:.trJl... Por um lado.~' cm~rgê-ncla do capital (no sentido de meios de produção)
ª·'" invJlid.\ c.·n1 nad.t a lc.·1 do valor·trabalho: o valor dos meios de produção
(nt.,quin.ui.1, c.·c.:.) é !loimplc~mt·nte tr1111~ftrido ao produto que eles ajudaram a
rn.,nufacur.ir. Por oum) t1do. o valor dos produtos contém não apenas 0 valor
".K"umulado" pr~i.tm<.·nt(' cxiscc.:ntc d.i mJ.quinaria e ourros meios de prodUir-ão,
que ~ n:rl"\.'du1ido n.l mc!'m.t c.'!-.c;.\la que antes, mas uma margem adieio,,,1/ de
r.unJ.nho d('termirudo na forma do :ucro. De onde vem esse lr1c10, ou mais·i1alor?
Rii:.mi~.., n.i\.., d.i. nc.•nhum.\ rc:sposta dar.ia essa quc:stão.
P.tra r"'Vc:br as leis que g..wern.am a troca do uabalho muerializado (como
i:.ipit.i:) f'\)C trab,\lho \'ivo (como força <ic: trJ.bJ.!ho). temos de emender que,
'"'D'l .1Ji\'.iO J.s rdaçõcs de produçáo que existem entre pessoas como produtorc:s

de mcn:adoriJs, surge n~\ sodc.·dade um novo e mais complc."Xo tipo de ~!11rdo tÍt
protlt1f1Ítl: .tquda entre capitalistas e uabJ.~hadores as..'\alariados. No entanto. o
m~todo de: distinguir e cstud.u graduJ.:mentc as diferentes formas das ulaçôcs
de produção entre as pessoas era. estranho aos economistas d.tssicos. Smith
ai:ahara concluindo que a troca. de capitJ.l por trabalho• subverte as leis pelas
quais as mel\".adorias são trocadas um.L." pdas outras. Ricardo pôde evitar c:ssa
conclusão apc:nas porque delimitou cautelosamente esses dois tipos de troca. Por
ser incapaz de explicar a troca de ,wpital por tr11balho de modo coerente com a
lei pela. qual mercadoria é trôt:•ld.i por mfrt.wdoritt, ele se limicou a uma tartfa
mais modesta: demonstrar que as leis que governam a troca mútua de meKado·
rias (i.>to é, a lei do valor-trabalho) nrio são abolidas pelo fato de que o capital é
trocado por trab•lho.
Suponhamo., diz Ricardo, que um caçador, ao caçar um cervo, despenda
a mesma quantidade de trabalho de um pescador ao pescar dois salmões, e que
os meios de produção que cada um deles utiliza (o arco e a flecha do caçador, o
. produtoS de quantidadcs idénticas de
barcoe os ·implemcnros do pescador) seiam

:---;--- . . , d or trab:úho, mos por força de


• a verdade, como Marx esclarece, o capital na.o e troca 0 P . · ~ ·a dosa
trabalho. Os cconomiscas da escola c\;bsica. porém. ainda nlo unham corucicnci
distinção e falavam de uma troca de capital por uabalho.

··~
/ "
trabalho..•CSS< caso.
um cervo seria trocado por dois salmões, sendo abs0 1
. . uia.
. ., ca··~or e 0 pesc.,dor sao produtores independentes
mente 1ndircrentc se o ~ . . ou ell\...
. . __ ,. •'onduzindoseu nC26c10 com a aiuda do t~~balho as.<ala .ado
pres:ir1os capnaa1st~ "' o . . ri ,
l'o:o úl<irno ca.so, 0 produto seria dividido coere o cap1cahsia e os trabalhadores,

mas i"o [a propoição do produco destinada ao. •alários - T.l.] n:io afct.,ia e.,
nada o vJ.lor rcladvo da carne do peixe e da caça, umJ. vc.:z que O!i satl.rios strial\\
.simulcanca.mtnté' 2ltos ou baixos nas dua!ti ativid.tdcs. Se o "·'\"ador .llc~Assc Cst.1.r
pag,.do uma grande parcela, ou o valor de uma g-.nde p.1tcd,1 de '"·' caça
C'R\ troca de
como s:alários _ p2 ra induzir o pcS\.-ador a en,rcg.tr·lh(' mJ.i.s pci\.cs
sua cãça -, este responderia que é igua lmentc ,,fct.td.1.' pdJ. m~:.:n~J. (' .\llSJ.: e assim,
sob quaisquer variações de salários e dC' 1ui:ros [...J. a. t•nd. nJ.nu·J.l de troi:a ~t~
de um cervo por dois s.tlmóc:~. u

Em outras palavra.<, seja qual for o prinâpio pdo qu.1\ o c.1pit.1l ~trocado
por trabalho, a croca de uma 111rrc11dorüt por outrt1 ainda º"'"''
«'m b:~<c na /ri do
VtJ/or-trablllho: as proporções cm que as mercadoria.< s.\o tr<...:.1d.~' um:\.< por OUCl':l.<
sio determinadas exclusivamente pela.< quantidades rei.tiva.< de t<Jb.1lho requeri-
das para sua produção.
Podemos, agora, ver o erro presente na vis.\o de Smith, segundo a qual
os m1dimmto1 (salários e lucro) apar<'<cm. na ..:onomia c.ipit•tlista, romo 3S
fontes básicas de valor, as magnitudcs prim:lrias que, quando alteradas, acarrccam
mudanças no VtJ!orda mercadoria.

Ncnhun13 alteraçáD nos salários do trabalho podoria produz.ir qualquer mudança


no v:ilor relativo dessas mercadorias: pois. se dcs aumcnta.,scm. ncnhum3 quan-
tidade maior de trabalho seria t<qucrida cm qualquer dessas ocupações. m3S 0
<rabalho seria comprado a um preço maior, e a.< mesmas ra.7.Õ<• que poderiam faic:r
ocaçador e o pescador tentar aumentar o valor de seu cervo e de seu peixe fariam
0 proprietário da mina aumentar o valor de seu ouro. E.-.;sc inccncivo, agindo corn
• mesma força cm todas essas t...:S ocupações, e a situação relativa daqueles nelas
engajados sendo as mesmas antes e d<pois do aumemo dos salários. o valor rd:u:ivo
do cervo, do peixe: e do ouro continuaria inaltcrado. 12

Temos • aqu1• a<<'lebrc regra de Ricardo: ""' 1111mmto nos sa1arios.


1• • contraria·
mente àvisio d
e Smim,
·.e ·
nao causa um aumento no valor do prod11to, mas 11·m' 4nttl•
_,,nos lucros. Uma quc<la nos saLí.rios provoca um aum 1
tJI 'f'""" . cnco nos u<ros,
••
odot do produco pode crescer ou cair apenas cm cons..,,uência
-...
d da
emu nç;isna
"-de de trabalho demandada
u;tntlU"lo • .
p.tra sua produção, e não graç"'s ao aurnC'nto
q . i -.;o n" valor dos salanos.
udirninu ~·
° F.~<a proposi1·;io, que pcrmci.\ como um ltirmoriv toda a obra de Ricardo, é
Jr irnport.incia crucial. Em primeiro lugar, ao adotá-la, de assumiu uma posição
~"t'rl\'t.l ;\\'.l'r.:.1 d.1 quc.·~c:10 d.1 rd.iç:\o entre 1111/or t rr1ulimt11to uma quc:stio sobre
1

, qual Stnith h.1vi.i mu"r;1do sua própria incap.1eidade e inconsi<cência. Smith


'"'"ntatJ incom·t.1m<·nrc qu<· o v.ilor de um produto é composto da soma de
,.loírios. lucro c renda (e, con,cqm'nt<·mcnt<', que o tamanho de~<cs rendimentos
J,,errnina a qu;1nrh1 d<· valor de uma m<'rcadoria). Isso {: algo <'Ompletamcncc
.tlhcio ~ "isjo de Ric;udo. Seu ponto de vista{: o de que o tamanho do valor de um
produto- cal como determinado pda quantidade de trabalho despendido cm sua
produção - {:a magnitu.-lc primdria, bi<ica, que se derompóe, então, cm sal.lrios
r lucro (a renda, par.i Ric;1rdo, o;io í: uma p.mc componente do preço). ~ óbvio
que. um.1 V<'Z que a intdr;1 magnitude (o valor do produto) í: doda 11ntrrit11"'1-
111t11te ,'Omo um.1 entidade fixa (sendo dependente da quantid,dc de trabalho n(-

«<•ária para produzi-la). todo aumento numo de suas partes (isto é, nos salários)
provocad inv.1Ci;1Vdn\Cnte uma qu<-.:ia na outra (i.<to '" no lucro).
Em segundo lugar, a proposiç.io sob discussão é a prova de qu< Ricardo
vi• o lucro como aquela parte do 1111lor do produto - criado pelo trab.t!ho do
•ptr.irio - que resta depois de deduzidos os salários, e que se move, portanto,
no sentido inverso destes últimos. A posição dr Ricardo desautori1.a, aqui, toda
'qualquer tentativa de interpretar sua doutrina como uma teoria dos custos de
produção. Se sua vis(io fosse a de que 0 valor {: determinado em conformidade
com os custos de produç;\o, ism é, por aquilo que{: cfccivamentc pago ao trabalho
na forma de salários, as mudanças nestes últimos provocariam uma alteração
correspondente no valor do produto. No entanto, essa é juscamenre a visão contra
a qual Ricardo se r«bda tão resolutamente. Sua asserção de que os salários e
os lucros alteram uns aos outros em proporção inversa só é compreensível sob
urna condição: se o lucro tem sua fonte no mais-valor criado pdo trabalho do
opcrano. s
' · omos compelidos, portanto, a rcconhe... -- que
. a idti11 dt
. mais-valor
(vise . ) 'd b se do s1Stema de Ricardo, e que
a eni seu aspecto quancitauvo res• e na ª .
•lc a ªI?l'1ca com uma consiscência maLOr - d0
que 0
fez Smirh. O fato de Ricardo
fl:r . troca de mercadorias por outras e
COnccorrado sua atenção principa1mente na
. d r sar diretamente a croca de capital por trabalho não refura de lllodo
evu:a o ana 1 uco 0 faro de as menções específicas de Ricardo
al•um sua alirmaçáo; campo .h r ao
ª firequenres do que em Sml[ ' que rrequemement <..
mais-valor serem menos Ih d f; e ,.,
. , "d d • • feitas no produto do traba a or em avor do capit 1.
referência as e uçoes . .. . a isra
. , . r d"ário Para Ricardo, a ex1srenc1a do lucro - e mesm "-
e do proptJe[ario 1un t • ., . • , . o"'t'
uma raxa de lucro igual - é pressuposta Jª nas pnme1ras paginas de seu escudo,
fornecendo, por assim dizer, um pano de fundo permanente à tela que ele •srá
. Embora Ricardo não investigue direrameme as orii;ens do lucro
por pmcar. . . ... ,a
direção geral de seu pensamento o leva ao concel[O de mais-valor. O valor do
produro é uma magnitude fixada de modo preciso, dere~minada p~l~ quantidade
de trabalho necessária para sua produção. Essa magnitude se d1v1dc em duas
partes: salários e lucro. Destes, os salários são fixos, sendo determinados pelo
valor dos meios de subsistência do trabalhador (ver o capítulo 30) - isto é, pela
quantidade de trabalho necessária para produzir cereais na terra de qualidade
mais baixa. O que resta depois que os salários (isco é, o va'.or dos meios de sub-
sistência do trabalhador) foram deduzidos do valor do produto constitui o lucro.
Assim como Smith, Ricardo analisou o lucro e a renda como entidades
separadas, em vez de reuni-las sob a categoria geral co mais-valor. Ele confundiu
mais--valor com lucro, estendendo erroneamente a este as !eis aplicáveis àquele.
Ricardo ignora a nacureza social do lucro, vo!tando toda sua atenção a
seu aspecto quantirativo. O grau de produtividade do trabalho 1111 agriculttira,
o valor dos meios de subsistência do trabalhador, o tamanho dos salários e, de·
pendendo das flutuações nestes úlrimos, o tamanho dos lucros são as conexões
causais e as relações quantitativas que ele estuda. Ricardo faz o tamanho dos !urros
depender exclusivamente da magnitude dos salários e, desse modo, em última
instância, das mudanças na produtividade do trabalho no ámbico da agriculrura.
Isso é demasiadamente unilinear e estreito. Uma vez que estamos lidando com a
mt1SS11 dos lucros, isso depende não apenas do tamanho dos salários, mas rambém

de muitos fatores sociais (a duração da jornada de ccabalho, a intensidade do


trabalho, 0 número de trabalhadores). Quando estamos lidando com a fl1Xlt de
!lucro, isso depende, em grande medida, do camanho do capical cocal no qual 0
ucro é calculado A d "d • r da
. · esconsi eraçao desses vários facores é um ponto rrac0
-·~·~- 1•
suas va.1osas forças· 0 enor .
o, mas, ao mesmo tempo, revela claramente uma de.
d roJufl·
"d. .J J • me interesse de Ricardo no crescimento ª P
vz "ª'ao trabalho como o fa ina as
•. J _ tor que, mais do que eo dos os outros, decerm
muat1n;as no valor dospr0d J. •• ;.
utos e ""s rendimentos das diferentes classes soci-·
A TEORIA DO VALOR 321

preços de produção
3.
Até esse momento Ricardo foi mais ou menos bem-sucedido em evitar os
erros cometidos pela teoria do valor de Smith. É verdade que ele não resolveu
propriamente o problema da troca de capital por trabalho, que fora tão difi-
cuiroso para Smith. Mas, ao se concentrar num único aspecto da questão, ele
neutralizou seus perigos inerentes e pôde mostrar que a distribuição do valor
do produto entre capitalista e trabalhador não afera de modo algum os valores
rtlativos dos produtos que são trocados. É claro que esse argumento esconde suas
próprias armadilhas. Ele supõe, por exemplo, que um aumento nos valores (e
uma correspondente queda nos lucros) afera, na mesma medida, cada uma das
duas mercadorias que esrão sendo trocadas. Tal suposição, no entanto, é justifi-
cada somente sob uma condição: a de que os produtores das duas mercadorias
invistam seu capital inteiro na compra de força de trabalho (isco é, na contratação
de trabalhadores), ou dividam-no entre capital consrance e variável exatamente
nas mesmas proporções (Ricardo fala de capital fixo e circulante, mas isso não
afeta em nada o problema). Se cada um deles gasta mil libras em capital consrante
(maquinaria, matérias-primas, ecc.) e mil libras na contratação de trabalhadores,
um aumento nos salários (digamos, de 20%) terá o mesmo efeito sobre os dois
empreendedores e não terá influência alguma nos valores relativos de suas mer-
cadorias. Uma questão diferente é se, enquanto um empresário. divide seu capital
nas proporções aqui estabelecidas, o outro aplica todo seu capital de 2 mil libras
pura e simplesmente na contratação de trabalhadores. Obviamente, um aumento
de 20% nos salários será sentido mais pelo segundo empreendedor, e sua raxa de
lucro cairá abaixo daquela obtida pelo primeiro. Para equalizar a taxa de lucro
nos dois ramos de produção, o valor relativo dos produtos no segundo ramo
tem de crescer em comparação ao valor dos produtos no primeiro, de modo a
compensá-lo pela perda maior sofrida com o aumento nos salários. 13 Chegamos,
então, a uma exceção à regra de que uma mudança nos salários não afeta o valor
relativo dos produtos que estão sendo trocados. Se a troca ocorre entre ramos de
produção com diferentes composições orgânicas de capital, todo aumento nos
salários será acompanhado de um aumento no valor relativo* dos produtos do
ramo de produção cuja cscrucura orgânica do capical é m11is baixa (isto é, 0 ramo

:---- ~ ~~
Na verdade, é o "preço da produção" que muda, e não o valor do P uco. 0•

.POrém, não diferencia entre os oreços de orodução e seu valor.


D""VID 111.1CAAOO
322

/ .
com a maior proporçao
producos no wno CUJ
- de trabalho vivo) e de uma 'f"eda no valor relativo d
. • .
·a escrucura do capllal e maJS alta. Consequenccmentc
_ • • •
Os
• 0s
va!om re"1tivos dos produtos (produzidos seja por cap!taJS com diferentes com-
posições orgânicas, seja por capitais fixos de. durabilidades desiguais, ou por
capitais dotados de períodos desiguais de rendimento) podem se modificar não
apenas por mudanças nas quantidades r~lativas de irabal~~ neccssá'.ia.• para sua
produção, mas cambém por uma al1traçao no nlvel dos sa/drios (que significa urna
alteração correspondente na caxa de lucro). Essa é a famosa "exceção" à lei do
valor-trabalho que Ricardo examina nas seções IV e V do primeiro capitulo de
seus Princípios. O cabeçalho da seção IV diz: "O principio de que a quantidade de
trabalho despendida na produção de mercadorias regu!a seu valor rc:ativo, con-
sideravelmence modificado pelo emprego da maquinaria e outros capitais fixos e
duráveis".• A lei do valor-trabalho coriserva sua plena ,-..Jidade apenas quando os
produtos trocados são produzidos por capitais de igual composição orgânica, com
a mesma longroidnde e investidos por iguais períodos de tempo."
Ricardo ilustra sua ideia com o seguinte exemp!o. O faundeiro A contrata
cem trabalhadores, pagando a cada um deles um sa'.ário de SO !ibras por ano. Seu
capical circulante (variável) total é de S mil libras. Supon.'iamos que ele não realiza
nenhum gasto de capital fixo. Dada uma taxa média de :ucro de 10%, o cereal
do fazendeiro terá, no final do ano, um valor de 5.SOO libras. Ao mesmo tempo,
o manufaturador de tecidos B também contrata cem trab.Lhadores, investindo
cm seus negócios um capital circulante de 5 mil libras. Porém, para manufatu-
rar o tecido, esses trabalhadores usam uma maquinaria no valor de 5.500 libras.
Isso significa que B está investindo em seu negócio um capital total de 1O.SOO
libras. Se, para firis d< simplificação, supomos que a maquinaria não deprecia, 0
tecido que foi manufaturado no curso do ano terá um valor de 6.0SO libras: S mil
libras como reposição pelo capital circulante, mais SOO libras(= 10% desse capital
de circulação), mais S50 libras (= 10% do capital fixo). Embora tanto o cereal
quanto o recido tenham sido produzidos com iguais quancidades de trabalho
(cem homens),•• o cecido tem mais valor do que o cereal: no preço do tecido, entra

~car<fo fala sempre de capitais fixo e circulante mas por este último ele entende esscn·
aa.l~ence ~ capital aplic;<io na comrntação de ;rabalhadores (isto é, capital variável, na
~rminologia de Marx). tf.ssa cicação <de Sraffa, Principks, p. 30 - N. do T.I.] .
e!:.vc:z que postulamos que a maquinaria usada na manufatul'a de tecido não dep~~
ao tnnsfere nada de seu valor ao tecido, [Aqui, Rubin poderia ter dico, mais propr1a
o\ TEOiitlo\ DO Yo\LO" 323

m• adicional de 550 libras, que é o lucro do ca•italfixo D d


urnaso , . . r · eon evemesse
cional se nao fo1 usado na produçao de tecido nc:nhu- calh .
luCCO adi . •u trau o a mais
do que na produção de cereal? Ricardo não formula essa pergunta. Ele afirma _
e, então, aceita como um fato dado - que a ra7.áo do valor do tecido é de 5.500
libr.is: 6.050 libra.<.
A partir daqui, Ricardo passa ao exame dos efeitos que uma mudança nos
salários cXcrce no valor dessas duas mercadorias. Suponhamos que os ~alários
aumentem, causando, assim, uma queda no nível médio dos lucros de 10% para
9%. o valor do ccn·al não se alterará, mas se manterá na casa das 5.500 libras:
qualquer que seja a queda nos lucros do agricultor, o salário tocai que ele paga aos
uabalhadores aumentará na mesma medida, de modo que a soma dos salários
mais o lucro continuará igual a 5.500 libras. De modo similar, a soma do capital
circulante (isto é, dos salários dos trabalhadores) do fabricante de tecido B mais
0 lucro dele derivado permanece inalrerado em 5.500 libras. O que se altera é o
lucro adicional a suas 5.500 '.ibras de capital fixo. Anceriormenre, ele adicionara
10% (550 libras). assim fazendo seu tecido valer 5.500 + 550, isco é, 6.050 libras.
Agora, ele adiciona apenas 9% (495 libras), de modo que o preço do tecido se
mrna 5.500 + 495, isto é, 5.995 libras. A razão do valor do cereal para o valor
do tecido, que antes era de 5.500 para 6.050 libras, agora é de 5.500 para 5.995
libras. Consequentemente, um aumento nos sa/drios (ou uma queda nos lucros)
abaixa o valor relativo daquelas mercadorias produzidas com o uso do capitt1lfixo
(ou de uma quantia maior de capital fixo). A razão para isso é que o preço dessas
mercadorias cont<m uma quantia adicional de lucro adicionada ao capital fixo
que declina com a queda na taxa de lucro.
O exemplo que analisamos põe o investigador não apenas diante do
problema de como mudanças nos salários afetam o valor de diferentes merca-
dorias, mas também frente ao problema muito mais profundo e básico de como

- - mente,
- - -que- ela não transfere nada de seu valor ao 'tHllor do tecido. · Embora ·~arx-.de pra.-
. nha f::..'ad 0 d0 valor sendo tran.,.fen o ou
ticarncntc todos os economistas marxisw: - te ;u al é
dado diretamente à mercadoria. não se pode perder de vista o faro ck ~ue o v or biuma
. d" •0 cxce1cncedopro ema
propnedade soci11/, e não m11ttri11/ do produto. Para uma iscussa d b·- próprio
ClUs
ado pela •materiali1.2Ção memal das rclaçoes
• h 3,; (esrassen ooo ,...
. uman E A. Preobrajcnski, 7111 nttu
da economia política} entre c:studances do marxismo, ver ' D nto de vista de seu
J:"
«•••mies, Oxford: Oxford Univcrsicy !'r<ss. I965. P· 147º 150• . 0 economia poliria,
método, especialmente de S('U rracamenco 6losófico das a.rcg~na.ç
Prcobrajcnski e Rubin tinham muito em comurn - N. do T.l.j
/
> reconciliar a lei do valor-trabalho com a lei da equaliuçiio da t11Xa de lucro do
/ capitai. Vimos que, ames de haver qualquer mudança nos salários - e complera-
mente indcpt:ndeme dessa mudança -, o valor do cereal escava para 0 valor do
tecido na razão de 5.550:6.050 libras, ainda que quantidades iguais de trabalho
tivessem sido despendidas em sua produção. Temos aqui duas mercadorias pro.
<luzidas com iguais quantidades de rrabalho (cem trabalhadores), mas nas quais
os capirais avançados são desiguais (5.500 libras comparados com 10.SOO libras).
Desse ponro de visca da reoria do valor-trabalho, o valor-trabalho possuído pelas
du:ls mercadorias é igual. Do ponto de vista da lei de uma taxa igual de lucro,
o preço da última mercadoria cem de ser maior, uma vez que contém um lucro
de um capitd! maior. Como resolver essa contradição~ Foi para responder a essa
questão que Marx construiu sua teoria dos "preços de produção». De acordo com
a croria de Marx, numa economia capitalista, com sua tendência a uma equaliza-
çá:o da taxa de lucro, as mercadorias são vendidas não por seus valores-trabalho,
mas por seus "preços de produção", isco é, pelos custos de produção mais o lucro
médio. A massa total de mais-valor produzida na sociedade é dividida entre rodos
os seus capitais em proporção ao tamanho de cada um. Se algumas mercadorias
são vendidas a um preço acima de seu valor-trabalho, outras são vendidas a um
preço abaixo dele. Vm ramo de produção com uma alta estrutura de capital
recebe um lucro médio que excede o mais-valor total que esse ramo produziu.
Es~.as s@mas "adicionais" de lucro são extraídas, no entanto, da reserva geral de
mais-valor criada pelo conjunto de rodos os ramos da produção.
Ricardo foi não apenas incapaz de resolver o problema dos "preços de
produção"; ele sequer pôde C()/ocd-/o em toda sua abrang~ncia. É verdade que
de compreendeu que, <::om dois ramos de produção tendo difert>ntes estruturas
orgânica!' dt." capital, os preços de seus produtos t~m de divi:rgir de seus valores-
-uahalho a fim de possibilitar a c:qualização de suas raxas dC" lucro. Ricardo come-
çou por se fixar firmemente à ideia de que a cend~·ncia dominante no âmbito
da economia capiralisra é a da equ11/iwç1ío dos /u,·ros. Ele não cinha dúvidas de
que: 0 tecido rem de custar ma.is do que o ce-real, apesar de seus valores-trabalho
igu.,is. de modo que seu proprietário pudesse obter um lucro de seu investimento
mJior de capital. O direito do manu.famrador de tecido a receber um lucro ~or­
rcspondenre ao tamanho de seu capital parecia para Ricardo rão nacural que
a questão de onde se originava esse lucro de 550 libras não lhe inre-ressava. ~o
p , 'J d ·asnao
osrutar umd ra.~a méa1'a de lucro desde o início, isto é, que as mcrca ori le
são vcnd idas por seus valores-crabalho, mas por seus preços de produção. e
"""~ .........
A Tl;:Of'llA 00 l/A~OR 325

evita o problema bdsico de como é formada a taxa média de luert> e como o valor-
-trabalho é transformado _em preços de produção. Sua atenção se direciona, antes,
especificamente para o efeito que as mudanças 1ws saldrios rt:rn nos preços relativos
das mercadorias produzidas por capitais com composições orgânicas desiguais,
independentemente de alterações no valor-crabalho. Ricardo, ao estabelecer que
as mudanças nos salários e no lucro influenciam os valores relativos das merca-
dorias, reconhece que temos, aqui, uma "modificação" na - ou uma "exceção"
à-lei do valor-crabalho. Ele se consola com o faco de essa "exceção" ser de pouca
importância: o efeito que as mudanças nos salários (e no lucro) exercem sobre 05
valores relativos das mercadorias é insignificante se comparado ao impacco das
mudanças na quantidade de trabalho necessária para sua produção. Ao analisar
as mudanças quantitativas que ocorrem no valor das rnercaC.orias, o crescimenro
na produrividade do trabalho conserva seu papel anterior corno fator predomi-
nante. Sobre essa base, Ricardo considera legítimo deixar de lado essa exceção
e considerar "todas as grandes variações que ocorrem no valor relativo das mer-
cadorias como sendo produzidas pela maior ou menor quamiC.ade de trabalho
que pode ser requerida de tempo em tempo para produzi-las''. 15 Apesar de suas
exceções, a lei do valor comerva j'U/I validade, e a parcir dela ele constrói toda sua
teoria da distribuição.
Embora Ricardo continue se prendendo à lei do valor-trabalho, as exceções
a ela provocam, na verdade, uma lacuna em sua formulação da teoria do valor.
À questão "de onde vem o lucro do capital fixo?". Ricardo náo dá qualquer
resposta. Em vez de demonscrar que o produto de um ramo de produção será
vendido acima de seu valor-trabalho na mesma proporção em que o produto
de ourro ramo será vendido abaixo de seu próprio valor-crabalho, Ricardo faz
outra suposição. toralmenre ininteligível: o cereal é vendido por seu valor inttiro
(5.500), mas o tecido é vendido dâmo de seu valor (5.500 libras+ 550 libm). Em
vez de demonstrar o processo pelo qual a raxa média de lucro é formada, Ricardo
roma- de anremlo e sem fornecer qU3lquer explicação- a taxa de lucro como de
10%. A fonte do lucro do capital circulm1tt (variivd) é o volor-rrabolho de 5.500
libras criado pelo trabalho de cem homens; ela cai, pcrcanto, com co~o aumemo
, . ( . · lante) malS o lucro do
nos salários (e vice-versa): a soma dos salanos capita1circu .
< · l d tante em 5 500 libras. O
apita circulame é postulada como permanecen cons ° · . lo
lu d d' · d. valor-uabalho criado pe
cro o capital fixo é mecanicamente a 1oono 0 ª0 . d
trabalho dos operários na taxa definida de 10% (isco é, um lucro de onge7 :
. I 6 é adicionado ao va or
conhecida igual a 550 libras, ou 10% do capita xo,
326 Olo.VIO jl.lCl<itOO

. rabalhadores). Essa adição do lucro do capital fixo


; 500 libra.s ena.do pe1os cem t d .
· . 1 . 1 te (variável) ilustra claramente o mo o como Ricardo
a.o lucro do cap1ra circu an .J .
. a lei Jq valqr-trabaU10 e a lei ae uma taxa igual de lucro
combinou mecanicamente .. A

. EI . b donou a primeira, mas foi incapaz de faze-la concordar


do capita1. e nao a an _ .
com a se•"unda. A teoria do valor de Smith fracassara dlanre do problema da
. lp r trabaU10• a teoria de Ricardo, por outro lado, foi incapaz
0
croca de capita o • _
d< resolver 0 problema de como são formados os preços de produçao e uma igual
raxa de lucro. o próprio Ricardo reconheceu que suas exceções haviam introdu-
zido uma contradição na teoria do valor. Ele diz, em sua correspondência, que
0 valor relativo das mercadorias é regulado não por um, mas por dois fatores: l)

a qunntida& relativa de trabalho necessária à sua produção; e 2) o tamanho do


lucro do capital até o momento em que um produto do trabalho pode ser posto
no mercado (ou, o que é o mesmo, os períodos relativos de tempo requeridos para
se pôr um produto no rnercado).16 Aqui, o lucro do capital (ou o tempo no qual
o capital é investido) funciona como um faror independenre que regula - juma-
menu com o trabaU10 - o valor das mercadorias.
Essa contradição na doutrina de Ricardo serviu como um ponto de partida
para desenvolvirnemos científicos subsequemes. Os seguidores de Ricardo Oames
Mille McCulloch) se esforçaram para mamer esse equilíbrio instável entre a sua
teoria do valor-uabalho e a dos custos de produção (ou entre a lei do valor-
-trabalho e a lei de uma raxa igual de lucro). A superação dessas contradições
podia exigir ou o abandono da teoria do valor-trabalho, ou sua reelaboração
radical. Malthus, um crítico severo de Ricardo, trilhou a primeira via, afirmando
que as muitas "exceções" admitidas por Ricardo privava a teoria do valor-trabalho
de q~alquer validade definitiva. A segunda via foi seguida por Marx, cuja teoria
dos pteços de produção" resolveu aquelas comradiçóc:s que, ainda que lacences e
confusas, podiam ser percebidas nas seções IV e V do primeiro capítulo do livro
d~ Ri~do e que se tornariam o objeto de calorosos debates na literatura P6s--
·ncard1ana (ver capítulo 33).

Notas

l. ..A produção da terra - tud . . . unida


d b-ll. 0 0 que denva de sua superfície pela aphcaçao
e tra 4lllO, maquinaria e · _1 • . . . ·dade. a
bc capit.,_,, - e d1v1d1da entre três classes da comuru
sa r. o proprietário da ter . , . ara sell
cultivo e 0 ra, 0 propneclrio do estoque de capital necessario P
s trabalhadores q,ue a cultivam.
A TEORIA DO VAl.OR 327

Porém, em diferentes estágios da sociedade, as proporções da totalidade dos


produtos da terra que serão destinadas a cada uma dessas classes. sob 05 nomes de
renda, lucro e salários, serão essencialmente diferentesi a depender principalmente
da fertilidade cfcdva do solo, do tamanho do capi<al e da população e da habilidade,
engenho e instrumentos empregados na agricultura.
Determinar as leis que regulam sua distribuição é o principal problema da
economia polídca [... ]" (Ricardo apud Srall'a, Prefácio aos Principks, p. 5).
2. ~ interes.~nte notar a proximidade entre a críàca de Rubin à teoria smichiana do
valor (ver capítulo 22) e a crfrica que Ricardo faz a essa <eo<ia. "Adam Smidi, que
Ião corretamente definiu a fonte original do valor de troca e que ceve coerentemente
de sustentar que todas as coisas se tornam mais ou menos valiosas na proporção
em que mais ou menos uabalho é empregado em sua produção, erigiu ele mesmo
outra medida padronizada de valor e fala de coisas que são mais ou menos valiosas
na proporção em que são trocadas por mais ou menos dessa medida padronizada.
Como medida padronizada, ora ele fala do cercai, ora do uabalho; não a quantidade
de uabalho empregada na produção de um objeto, mas a quantidade que ele pode
comandar no mercado: como se essas fossem duas expressões equivalem:es e como
se o fato de o trabalho de um homem rer passado a ser duas vezes mais eficiente,
tornando~ capaz de produzir o dobro da quantidade de uma mercadoria, garanàsse
a ele nccessariamence o recebimento do dobro da quancidade na uoca de seu produto.
Se isso fosse, de faro, verdade, se a r«:ompcnsa do crabalhador fosse sempre pro-
porcional ao que ele produziu, a quantidade de uabalho empregada numa merca-
doria e a quantidade de trabalho que essa mercadoria pode comprar seriam iguais, e
qualquer uma delas poderia medir com exatidão as variações das outras coisas: mas
elas não são iguais: a primeira é, sob várias circunscâncias, um padrão invariável que
indica corretamente a variação das outras coisas: a úlcima está tio sujeira a Autuações
quanto as mercadorias com as quais ela é comparada. Adam Smith, depois de mostrar
com a máxima habilidade a insuficiência de um padrão variável - tal como o ouro ou
a Prata - para o propósito de decerminar o valor variável das ouuas coisas, acabou ele
mesmo por eleger um padrão não menos variável no cereal ou no rrabalho.
Assim, não é correto afirmar, com Adam Smith, 'que como o uabalho pode ora
comprar wna quantidade maior, ora menor de producos, é seu valor que varia, e não
~qucle do trabalho que os produz'; e, porranro, 'que unicamenre o trabalho, qtn
1""'4is varia ~m seu pr6prio valor, é o padrão real e definiâvo pelo qual o vaJor de
328 0,.,v10 llo:IC"""l)O

_ d e comparado cm codos os cempos e lugares';


d ·aspodesercmm' o
todas :is mera. º" Adam Smidt dissera. anteriormence. 'que a proporção
é rrero dizer, como . . d.' b.
nw 00 L-Tl. ess:írias para adqwnr 11eremes o JCtos parece
uantldadcs de craoai.uo nec
entre as q . _ _,.,..., fornecer qualquer regra para a croca de uma por
a única cirCWUr.aJ1Cla que }'V'"'e . das - .
"' -'· que a quantidade compara.uva mercadonas que 0
outr.t'; ou, em oum.s pa.ravras. .
d rm.ina seu valor rdauvo presence ou p~ado, e não as
balho produz é o que ete
tr.t . d mercadorias que são dadas ao trabalhador em croca de
quancidades compara.uvas e .
seu tnbalho" (Ricardo, Prindpkí. p. 13-17; grifos de Ricardo).
3, PJwdo, Prindpin. p. 12.
4. Ibíd.. p. 22.
5. lbíd .. p. 285-286; grifos de Ricardo.
6. Ibíd.. p. 284.
7. Ibid., P· 73. "'O valor de uoca de rodas as mercadorias, sejam c!as manufaturadas ou
0 produro de minas ou da terra, é sempre regu!ado, não pc:a menor G.Uantié.ade de
crabalho que !wwá para sua produção sob círcunstá.ncias :Lcamence favor~veis e só
vjvençiadas. por aque!e; que se enconcram cm condições C:S,?Cciaís de pr<.o<!ução, mas
pda maior quanridade de rrabalho neces~ariamcnte cmprcg:t<la em ~ua prr..G1JçáfJ pr_,r
aqudc\ não -'•C enooncram cm cai~ con<!içOO, por aqudes que cr.Jntinuam a ;>r,..iduzi-
.Ja wb ~ cirçumránçía'> maB de-.fa<tor:tvci'>, cnccndcnGr.n.e 'Ç>'.Jt círcumthnôa-. d-CY
Í01.vo1Jvei•, a,.., m.-.i!. de'if..V,Jrá·teh v1h a.~ quaí.~ ~ prJdc:m 'Jbrer r/, ?''.-:,'Jt:'J'• ni:c:r.:'.'•<i'rí'.t'·
p:ira d:i.r e<inrínuidadc ~ prr.>dui;M.1,"
B. lbíd., p. m.
?. lb1d., p. 3~2.
1<1. fü1d.,p. JI.
li. lfii<l.,p.27.
11. H1J1f.,p. z~.

l l. (:,,,,,,, 1'•11"'• ,,i,~,,. ,,,,;., ••1"w '"'"' •:1·1.>1';·,;,,, ,,;,, ,;,, '"''"'"''" ''· wb"''
'""'""''' ~"~ i!•J;,.; ffirf' ;,tjr i,.
· • li'~ ':'.JJ": 1:::-.':.11
1 · 'l:fil.t, 'f'J'.;,l,1,1, 11: l,1;11;((,I/, '/:rlo?f': tr,f t;ff•

"'.rr,1r '11Jr Í'11;,r1!1, 'V~ f;.,};,1,l,t, '~ 'rJil ;,1r..11,!.1, tl'Ít/lf11p ·.;rr.:. ,_,,, ,,.~:.1,ht1:,, '1';'/~, '-
ti6, ~ ".l'lif. 'IÚ1fl':, 11/nt/11/1. • '
li L • '!. "ll1'1'1fil, 'hrr,11 1,:/./:flil ,'l.rr./ ,.,,, ~·J ~/Ul'ÍJr; itJ 1h1
li ~111 '"""/11111//111 • ''li '
,,::,.,~. ,,,,,,;;,,, ~~;~, · J, :,;,~ 1111/.;1/11·~ ;:_y1,_1:.;~ •/), ;,:. ,~,,,:;,;-, ·.::, :.·,:r.n.'1'11,1/,
,J,j1t•!flu~1111 , ,-r.1111/:,f -~'·" ': ,n;:. f.I/.. ;11'""//.. ;,:///.' ,•1r.,. rr.:.•, ·r·,:. f"ffJ:
[#3.5 desiguais de lucro - e a realidade" claramc!'nte obse1Vávd da vida econômica
'°cidi3.Jl3. na qual cais disparidades na ca.xa dC" lucro exisccm somente cm ~os ex-
• .5 Tomemos dois capitais, A e B, cada um compreendendo capitais rota.is
«P"'ºnai.
de lOO (extraímos esse exemplo do capitulo 9 de O rapitlll, v. 3):
A. SOc + 20v + 20s = 120
B. 70c + 30v + 30s = 130
~e: capjral constante; v: capital variável; s: salários; L: lucro - N. da T.B.~
Os dois capitais são de tamanho idêntico, mas criam produtos de valor desigual
cm virwde das diferentes proporções entre o capjtal constante, que simplesmente
uansfcre seu valor ao do proCuco final, e o capital variável, que é o único elemento
aiac!or de valor. Além &so, embora de camanho igual, ~ capitais possuem taxas
d.e !ucro desiguais. A wca de !ucro, que é definida como a ruáo do mais-valor ao

{llpitllÍ ''""~ é, para o capital:


A; --1Q!_ = 20%; e ;>ar• o capital B: -70 3 30v = 30%.
80c+20v e+
os
Yi.an: reso!veu o pro:.;cma ao nr.i!al' c;,uc as mercadorias não sio vendidas por
sctl.\ simp!cs va1orõ-cra.~ho, mas a preços tk produção que tlivergnn de seus va!orcs-
~ba:ho. os c;uai.s. no cnw;r:.:o, 'SC ba:eiam ~k1. Sahc-mos que os dois capjtais têm
de ccr tua.s igu.ajs d'!' :ucrr.i. Ess.a taxa é detC"rrr.ir..aCa pda re!aç.ão entre o mW....va!'or
4grezaJq da v..cie<!.Gc e = <>?iia; agrtgtl4'J. O caplr.al ww '•u;x.né<M< que ,,.
capír.a:hA e B sãr,, r:t"1 dr,,í."J úr,jt;.1.f", upir:.:ah ri.a v.1Cid.ut'...J:j 'htn:L, a_q1Ji, 2f.JfJ; o maio;.val(>r
u,r_a: I: igua1 a ~lJ. A d'! !ur.rr,,, !:. é, ?',,rr:.:arw-,,, <lt 25%. Cat'â •Jm ~,~ a,.?;r.ai•) 'loerí
'lt:r,t;i&,, a 1Jm ptt;t/J ,;r. 'P''/..'Jf"/ah &.r.rm'ir~&,, ?'"'' Y:U.'l ~cu.<,U.f", b: prr.t'!•i~/', hr;r,,
/;, ~,.,, °'Í'Í'~ ,_,,,,.a_; m:.í-. ,.,, :i.v.rr,, 'h'-,,rt: r::.·6': a;Ar.:..!, '1UI: é a. 111?.d mldía tk /t«Tf/ />'"'"
":1Jtüd11tk Cf/mr1 um tl'Jtb1, 'i•i 25'~,. A·.-.ím, ,.,, '--"Í'ir;a; A v.D iJm pr1:11,, .dl! .?''.'-..•v;fir,,
f'°"'ÍI ''-'J ';JflJl~'J''J t!.r.
;,IJr. • 'i-'n • 25:... ;;t'j,
t: '11.:.Í';':..: ~ ,,._,1, •;(I, ?f"//J ""'- Í'r1/..1.JfÍ'IJ t!r. ·r.; ?''~'.J'/J b::
7111. • .?111. /.~!,. ::%J.
}.~lfil 1~ ~l'J;', '.,:,;t,•:.;~. •f:rr, ~f".J'/A ;j7_u;-; f!r. "l':ti/1_:. "! ig_•~j~ ')ITil.'". ~ :1)1'..fl;; ''-"J"; Í'f':l/1'1
;_,,. 1'= 1"1;, ~~'' ,, ff'.~r:,1, :.í"'=t•a.~ 7.t!'!·..,; ~:1:t. ~' 1.,:,Í';•.:.;1 ~ 11.1\"'- ;gi.;:,5 ';'JJ! r':r.é.'..m
·.::.-;,, •;,,,1;, rr/.1:.:. ;_, ~ /..f'1. r.J '· :;. '/.J'Jff': ~ ,,. ,,,,_ ,, r:,:,;.,,,-~.fA' *fl•~: 6. ..,,.~;,.i:.r1..r. fr;.
''}llrJJ;Í/1 fÍ, tu,,,J,, '.IJNJ '.t k!Mfl~'J fÍ/, (l/fl:J tl'JkÚ fb. !IZtÍtl UM (Ú :eu: (l//'If4Í; (l'Jn.'t/..
l;ll'íl.J':. :-:....1'.1 ;.·?;•· :,.;, ':·..,; ,_, ~.":/. •.:r: }. -! -~_,1,./.,1',, 11,âw.,4 ~ Z"..í ;t:"Y/.1, tif..1 f"A~'l'.J ';°J! t;J
'Ã~. ·~: -~..; ~";!"r:/.J, a),tl~h&..J:.. :.:,,, ~-~-.r,,-:,, ::-.a~~.....:r. . . . ..,,....;. ;'-1';:-,::,:-,l';;f'J!l'.J ::11:::;~""'·
«ndo >p<nas redistribuído • fim de c<{ualizar as taxas de lucro. Também 0 preço
ron\ é igual ao v>lor total (250 em ambos os casos).
~o exemplo aqui fornecido por Rubin, temos dois caphais de igual tamanho,
mas com d'Lfercntes proporções encre capita\ cons~ante e variável. Não conhccernos
a ra.xa. de lucro, n\<\S suponhamos q_ue e\a se)a i~ual. nos dois casos, digamos 30%:
A. \OOOc + lOOOv+ 600L = 2600;
l\. Oc + 2000v + 600L =2600.
Suvcnd~se que um aumento nos salários derive do \ucro, um aumento de 20% nos
salários para o capital A os aumentari para 1200; se isso deriva dos luGos (uma va.
'l_UC o uab>lho despendido permanece o mesmo), o capi<al A é:
A. IOOOc+ \2QOv+400L=2600.
Do mesmo modo, um aumento de 20% nos salários para o capital B os aumentará
para 2400~ reduzindo·se o lucro na mesma quantidade~ o capital B será de
B. Oc + 2400v + 200L = 2600
E\es permanecem com preços lguais, mas agora. têm taxas desiguais de lucro;. a taxa
de lucro do capital A é igual a 40012200 = 18%; a taxa de lucro do capital B é igual
a 200/2400 "' 8,3%. Para equalizar sua taxa de lucro com a do capiral A, o capital.
B te.ri.a de aumentar seu preço (ampliando seu lucro total) de 200 para 432. Assim,
com uma tax.a de lucro de \8%i 1 seu preço seria:
B. Oc + 2400v + 432L = 2832.
Seu p~o de produção (visto que é disso que estamos tratando aqui) rc:vc um
aumemo "lativo em relação 3.0 preço de produção para o capital A.
É \mportante reçonb.ccer por que isso ocorreu. Um aumemo de 20% nos saláriQS
afetou desigualmente os doi.s capitais ao alterar o tamanho de seu capital total. Dadaª
cx.ir.tênci.a de uma taxa média de \ucro, urna Vfa, que seus capitais eram desiguais em
tamanho, seus preços de venda t'lnham. de diverg,r. É iguaJmeme imporrante notar
que esse exemplo já -presume a exisrtnda d.e uma taxa média de \ucro; isto é, nele não
figuram os valores cm termos de valor-trabalho. No exemp\o dado, se supomos que
os dois capitais fuoci.onam com taXas iguais de exploração {s/v) • eles se apresentam•
em termos de valor, da seguinte forma {supondo-se que s/v é igual a 40%).
A. 1OOOc + l OOOv + 400s = 2400;
ll. Oc + 2000v + SOOs = 2800.
Em outras pah.vras, ªprópria suposi.çáQ de uma tua de \ucro igual nesse: eXernPlo
csc~nde ~ ~ato de que c\es têm. va\ores-[rabalho desiguais. Nos termos de Mane. esses
dois capnals não podem ter iguais tax.as de lucro e ser vendidos por seu valor, a:,ceto
A. TEO'llA. 00 '11 ... LOft 331

assumindo-se que a raxa de exploração no capiral A é 0 dobro da do capi<al li - de


modo que cada uma delas produ1.a 800 de mais-valor-, ou que 0 capi<a\ de A circule
duas,,..,, mais rápido do que o capital de li (nesse caso, seus lOOOv circulariam
duas vcu:s num ano, rendendo um mais-valor anual total de 800). Fosse permitida
qualquer uma dessas exceções (a última sendo Oas<ante plausível), os dois capitais
seriam \guais cm tamanho, produziriam mais-valores iguais, teriam iguais taxas de
lucro e, po< conseguinte, os valores de •eus produtos e de seus preços de produção
scr'1am idêntico..11;. Sobre os efeitos dos tempos de rendimento na taxa anual de mais-
-valor e na taxa de lucro, ver O capilll4 livro U, cap. 16, e livro lll, cap. 8. Uma
excelente e lúcida explanação do problema dos preços de produção e de •ua relação
com a teoria do valor de Marx (discutida por Marx na parte li de O capital, livro !li)
é o capitulo de Rub'n intitulado Value and produccion price, em sua obra Essayr on
Mane) theory ofvalut (ed. bras.: Isaac Rubin, A teoria marxista do valor. São Paulo:
llmiliensc, 1980].
14. A questão da longevidade do capital fixo pode ser ilustrada de modo mui<o simples.
Suponhamos q,uc temos dois capitais de igual tamanho, cada um rendendo mais-
-valores equivalentes e, conscquememcntc, tendo iguais mas de lucro, mas com
i:axas desiguais de depttciaçáo de seu capital fixo. Suponhamos que os capitais A e B
têm, cada um, um estoque de capital fixo de 1.000 e que eles não utilizam qualquer
capital ci.rcu\ancc constante. Seu capita\ fixo. no entanto, se deprecia cm ww dife-
rentes: o capital fixo do capital A se esvai em dez anos, ao passo que o capital B. em
cinco anos. Em termos de valor, o valor do produto anual de A conrerá um com·
ponentc de capital constante (que, em suma, represcnca apenas o valor transferido
pelos meios de produção naquc\e ano panicular) de 100, ao passo que o valor do
produto de 'B conterá um componente de capital constante de 200.
A. Capital total = l 000 de estoque capiral 6xo + l OOv
Valor do produto= IOOc + lOOv + IOOs = 300:
li. Capital tora!= 1000 de estoque de capital 6xo + IOOv
Valor do produto = 200c + l OOv + 1OOs = 400.
A.. A ara ll· suas ""as de lucro
· "'l.ui o capital total é igua\ a 1.100, ranco para corno P ' d
. .
sao também iguais, sendo de l/11 cm ambos os casos. ~·º~"=~=
' B
··-' . . is ripida do capital fu.o cm .
anuu são diferentes por causa da depreciaçao ma ( Rubin
D íod diferentcs de rmdimento
e modo similar, se eles têm per os
o que
. d desiçruais de
tem cm mente quando diz. que eles podem ser investic:!os por pcr10 o:ota :\terior.
tempo), seus va\on:.s também podem divergir. como mostramos na
_
...,._.._ __,_ ...,, ......--.

/ 332 o,.v10 ._,c,.ROO

~o ciccmplo dado aquii se seus capitais 6.xos se depreciarem na mesma taxa, de


modo qu( tanto 05 capltais cotais quanto o v.ilor dos capitais constantes anuais sejam
id<nticos em A e B, mas sendo o capital de A investido numa velocidade duas vcz.es
maior do que 0 capi..J de B, então o mais-valor anual de A má igual a 200, ao passo
que 0 mais-valor de B será 100. Seus valores serão, então, desiguais (400 para 0
produto anual de A""'"' 300 para o de li), do mesmo modo que suas taxas de lucro
(,/\obtendo uma tw. de lucro maior do que li).
Uma variação interessante desse exemplo seria se o capital de A fosse investido
duas vezci; mais rapidamente do que o capital de li, mas o capital de li se depr<ciassc
numa ...a duas vem maior do que o capital de A (isto é, combinando-se os dois
conjuntos de posrulados nessa ilustração). Seus valores seriam:
A. \OOc • lOOv • 200s • 400;
B. 200c + lOOv + lOOs • 400.
O valor de seu produto anua\ seria, então, igual, mas a taxa tk lu.tro de A seria maior.
l). Ricaido, Prin<ipln, p. 36-37.
16. Em outras palavras, um produtor situado a uma. distância maior do mercado
ptccisará de mais tempo para realiiar seu produto, e, por c.onscguintc, seu capital
terá wn período de rendimento ma\or.
··- ...... !@L

Capítulo 29
A RENDA FUNDIÁRIA

A teoria da renda diferencial de Ricardo sofreu, ao longo do desenvolvi-


mento do pensamento econômico, muito menos alterações do que todas as suas
outras teorias. Atualmente ela é geralmente aceita por quase todos os economis-
tas das mais diversas tendências. Marx incorporaria seus traços básicos em sua
própria teoria da renda.
O segundo capítulo do livro de Ricardo, devotado à renda, é, em virtude
de sua simplicidade e da claridade de suas ideias básicas, um dos mais brilhan-
teS exemplos da aplicação do método da abstração na história da literatura
econômica. A partir de algumas poucas proposições iniciais e da aplicação ou im-
plicação de uma série de condições simplificadoras, Ricardo deriva toda sua teoria
da renda,• que desemboca diretamente em sua teoria do valor, por de desenvol-
vida no capítulo 1 de seu livro. Ele pergunra, já no começo de sua exposição, se
0 fato de o preço dos produtos agrícolas (em sentido amplo) incluir a renda não

conrradii a teoria do valor.


Antes de Ricardo, as investigações sobre a origem da renda receberam as
seguintes tespostas. Os fisiocratas (ver capítulo 14) disseram queª renda tem sua
origem na produtividade superior do trabalho agrícola, que, em colaboração co".'
as forças da natureia, rende um "produto líquido" acima dos produros consumi-

:---0- ' ·a11o· uim..escritor


Pl'CCunor da tc0ria ricardiana da renda diicrenci
do final do século
foi formulac:!.a cm 1815,
1

XVIII, Anderson. A lei da "fertilidade decrcsc:<nte do ';;~ [Sobre Aocic:rson - e


de tnodo praticamente simultâneo por West. Malthus e ::,_-·-ries 0 f turp/us 110/Jte,
o ale-" -, vu '~
k "'"'º plágio da te0ria de Anderson por Malthu.I "
II ll4-ZQ-N. c1oT.1.] .
....uncou: ProPrl"cc 'Pi11-..lic~ ...rc ""'idi.o ine::lesa. oartc • P· ...
334 0110.:10 itiCAllllOO

. . balhadores: a renda é criada pela natureza. Em Smith (ver


' .,..•.,.
""ºs r' proprios era háb" concramos várias so1uçoes
- embnonanas
. , . para 0
. ,o 23) como de ito, en
apitui '. . . d las 1 se apropria parcialmente da ideia fisiocrata de
problema. ~a primeira e ' e e .
• l d dutividade especial da agricultura, comparada com
ue a renda rcsu ta a pro . .
q . d 'ai· m se"'1!1do lu=. em sua ideia de que lucro e renda são
0 uabalho m usm , e o o ,.
ambos "deduções" do valor criado pelo trabalho do operano, ele reduz a renda
ao crabalho; finalmenie, há sua ideia de que o valor do produto é definido como
a soma de salários, lucro e renda, com a qual ele abriu o caminho para aquelas
ieoms que airibuem o valor maior dos produ1os agrícolas à necessidade de pagar
a renda ao proprieiário da 1erra. Se levada à sua conclusão lógica, esta última
ideia se converte numa reoria que explica a renda pelo status de "monopolista" do
proprieiário fundiário, que resulia na venda dos produtos agrícolas a preços que
excedem seu valor na mesma medida da renda.
Assim, do ponto de vista dos fisiocratas, a renda é um excedente in natura
de produtos superior ~ueles consumidos pelos trabalhadores. De acordo com
a teoria do "monopólio", a tenda é um incremento adicionado ao preço dos
produtos agrícolas, que são, então, vendidos acima de seu valor. A primeira
solução aparta a teoria da renda da 1eoria do valor, ao passo que a segunda vê a
renda como uma exceção ao princípio do valor-trabalho.
A teoria de Ricardo se direciona contra esses dois pomos de vista. Em
objeção aos fisiocmas, ele afirma que a produ1ividade excepcional do trabalho
agrícola- supondo-se que ela realmente exisia- é acompanhada de um aumento
no númeco de valores de uso ou de prod utos zn
· Mtura e, por conseguinte,
· deYC
resultar num declínio, e não num aumento em seu valor de troca. A fonte da
renda iem de ser .buscada nao • no excedente de produtos in natura, mas em seu
valor de. troca maior' que !Cm sua origem,
. ao contrário, na dificuldade de produzi· ·
1
• transfere o problema inteiro da esfera do valor de uso para a do vaior
•tkos. Ricardo
troca. Quando a !erra é . b dan •
rende qual mais ª un !e, mais produtiva e mais fértil, ela nao
quer renda; a d
menos em reiorn 1 pebnas quando sua força de produção decai e ela ren e
0 pe o ira alho nela d d'd , d toS
originais das porções mais fé . espen > o e que uma parte dos pro u
Temos ass· • ~ 15 é separada para a renda."'
.. ' un, • prunc1ra tese d Ricard du·
t1V1dadc especial da a ricul e o: a renda não vem. da pro
d'
con tç~s sob aJ quais
g b iura, mas ao contrar10,
1
" , · iío d41
resulta da aetertorllf
o tra a/hoiapl'icadº• ou da transferência de produção riil
, rr4
te
A REl\IOA FUl\l'OIÃAIA 335

b /;Jade superior para a de qualidade inferior. O valor do cereal é determinado


d~uantidade de trabalho despendido na produção na cerra de pior qualidade.•
~renda é a diferença entre o valor desse cereal (seu valor "socialmente necessário"
ou "de mercado", para usar a terminologia de Marx) e o "valor individuar de
um dado alqueire de cereal produzido na terra de mdhor qualidade. Essa renda é
chamada, por isso, de "renda diferencial" e surge onde os dispêndios de trabalho••
cêm diferences produtividades, seja em virtude de o trabalho ter sido realizado
em porções de cerra de fertilidade desigual (renda de fertilidade), seja em razão de
diferences distâncias de um mercado comum (renda de distância),••• seja porque os
uabalhos foram sucessivamente realizados numa mesma porção de cerra (renda
de intensidatk).
A teoria de que a renda é a margem entre o valor individ1111/ e o valor
socillÍmente necessário dos produtos**** liga a teoria da renda imediata e inseparavd-
mente à teoria do valor, aproximando o. fenômeno da renda de outros fenômenos
econômicos, especialmente do "lucro diferencial", ou "superl11cro". Este é rentávd
para aqueles empreendedores capitalistas que introduzem novas melhorias na
produção, particularmente novos métodos de produção, ecc. A diferença entre
0 superlucro e a renda é a seguinte: 1) o superlucro é um fenômeno temporário,

que desaparece tão logo a melhoria em questão é universalmente aplicada, dimi-


nuindo, assim, o valor socialmente necessário do produto, ao passo que a renda
diferencial, por depender de diferenças permanentes na fertilidade ou arren-

-
damento de cerras ou na produtividade de dispêndios sucessivos de trabalho, é

• Ricardo generaliza erroneamente essa lei, aplicando-a ao valor de uoca de rodos os


Produtos,
Ricardo fala de gastos de trabalho e capical, mas não faz qualquer distinção entre uma
~nomia simples de mercadorias, em que o trabalho é despendido e o prod.uro é ven-
dido por seu valor-trabalho; e uma economia ca.pltalista, em que o que é despen&do é
0 capital, e o produto é vendido por seu preço de produção (ou, na agriculru.ra, por seu

preço de produção mais a renda absoluta).


Aqui se trata de uma questão ele diferenças nos gascos não na produção, mas no uan.s-
POrte do produto para o mercado onde ele será vendido. Ricardo menciona essa forma de
renda apenas de passagem. A doutrina da renda de disrância foi desenvolvida por Thünen
•••• ;: ~ f.unoso livro, Di<isoliert• Staat (1827). . ..
nao haver explicação alguma do processo social pclo qual o uabalho Uld1v1dual é
transformado em trabalho socialmente necessário, Ricardo foi incapaz de dar a sua teoria
urna formulação precisa. embora ele a renha desenvolvido em sew poncos essenciais.
!
336 Q1"V10 RIC1"R00

• rlucro é obtido pelo capitalista, ao passo que a renda vai para


consfllntr. 2) o supe . d"
• . , . Co .deraremos esse ponto mais a iante.
oprol'JrittárioJundJarJD. ns1 • b ,.
r . ,•erlurro que 0 fuzendetro rece e por sua apücação da
O que c:Xphca que o su,
. . . da vá para 0 seu bolso, ao passo que o superlucro obtido
maqumana ma:is avança . . ,
com a fertilidade maior da cerra que ele culuva tenha de ser paga ao propnetario
fundiário, convertendo-se em renda? Se uma porção dessa renda ficasse com 0
fazendeiro, de estaria recebendo um superlucro (isto é, um lucro maior do que a
raxa média de lucro) somente em virtude do f.uo de estar produzindo numa terra
mais fértil. Nesse caso, todos os outros fazendeiros iriam querer arrendar essa terra,
aumentando 0 que eles pagariam como renda até que seu inteiro superlucro (a
renda) passasse para as mãos dos proprietários fundiários e restasse ao fazendeiro
apenas uma uxa média de lucro. Assim para explicar por que a totalidade da renda
1

diferencial é transferida ao proprietário fundiário, Ricardo avança uma segunda


premis.ça, que diz que há capitais suficientes no país procurando investir na agricul-
tura onde quer que eles possam ter a garantia tkz obtenção tkz taxa média de lucro.
A renda, portanto, é recebida não porque o preço do cereal excede seu valor 1

mas porque o valor do cereal particular em questão está abaixo do valor social-
mente necessário. Com essa explanação, Ricardo rejeita resolutamente a segunda
das teorias que mencionamos anteriormente, a saber, a teoria do "monopólio",
que vê a renda como um incremento adicionado ao valor do produco.

Assim, a produção agrícola cresce em valor comparacivo porque mais trabalho é


empregado na produção da úlcima porção obtida, e não porque uma renda é paga
ao proprietário rural. O valor do cereal é regulado pela quantidade de crabalho
empregado em sua produção naquela qualidade de terra - ou com aquela porção
de capital - que não paga renda alguma. O preço do cereal não é alco porque uma
renda é paga, mas uma renda é paga porque o preço do cereal é alco. 2

A renda não entra no vale ,;,, d .


dade d balh ( r pro uto, que é determinado pela quan°-
e rra o ouca ital) d
qualidad d .p espendido na terra de má qualidade. A cerra dessa
e ren e ao agncultor a ,
nenhum penas um lucro médio de capital, mas não prover.i.
extra que possa ser
pago como renda ao proprietário rural. Porém, corno

-
• Não obstante cssadi6
cando, as.sim, mudan:~ ~constantemente prescncc, sua magnitude fl.ucua, pro"o-
o ume da renda diferencial.
.....
...
A RENDA FUN01AR1A 337

e 0 ·fazendeiro obter uma tal área para o cultivo sem pagar uma renda ao pro-
Po~io fundiário? Ricardo presume, obviamente, a existência de terra de pior
p:alidade livremente acessível a qualquer um que queira nela trabalhar. Em outras
~vras. Ricardo ignora aquelas limitações que a propriedade privada na terra -
induindo a terra bastante pobre - impõe ao investimento do capital na agricul-
iur.1. Somente desse modo Ricardo pôde chegar à conclusão de que dreas de terra
IÍl qualidaJe inferior não geram rentÚl alguma.
A teoria da renda de Ricardo nos apresenta, então, as crês seguintes propo-
sições: 1) não existe renda absoluta (isto é, a renda paga para se cultivar uma cerra
da mais baixa qualidade); 2) a única renda que existe é a renda diferencial, que é
igual à diferença entre dispêndios individuais e socialmente neeessdrios de trabalho
(ou capical) e que cresce em virtude do fato de os fazendeiros cultivarem cada vez
mais terras de qualidade inferior; 3) a totalidade da renda diferencial é destinada
ao proprietdrio tÚl terra. A primeira tese de Ricardo, como vemos, é errada e
necessita de "correção. Sua doutrina da renda diferencial é, no geral, correta. É
ainda verdade que a teoria da renda diferencial, ral como Ricardo a desenvolve,
contém uma série de elementos supérfluos que precisam ser expurgados. Ricardo
amarrou sua teoria da renda à ideia equivocada de que, como os trabalhadores
cultivavam cerras de qualidade cada vez pior, a quantidade de trabalho necessária
para produzir um alqueire de cereal cresceria e haveria um aumento inevitável e
progressivo cm seu preço. De fato, Ricardo reconhece que o progresso da cccnolo-
gia agrícola reduz a quantidade de trabalho requerida para produzir cereal, porém
cJc pensa que tais avanços técnicos podem apenas retardar momentaneamente ou
atenuar a ação da assim chamada lei tÚl 'JertilidAde decrescente do solo", mas não
podem aboli-la.
A ideia errônea de Ricardo de que o progresso técnico na agricultura vai
na direção oposta à do descnvolvimemo industrial é apenas o reflexo cc6rico
~os fenômenos econômicos fortuitos que se manifestaram temporariamentt na
nglacerra no começo do século XIX. A indústria inglesa na época de Ricardo foi
:reada pela rápida introdução da produção mecanizada e pelo barateamento
mercadorias. Em sua teoria do valor, Ricardo generalizou esse fenômeno: ele
escava convencido de que

alteraçõc.ç na quantidade de trabalho necessária para produzir mercadorias ocorrem


diariamente. Toda melhoria na maquinaria, nas ferramencas, nos edifício.s, na
338 DAVID AICAR00

obtenção de matérias·primas, economiu trabalho e nos capacita a produzir C.O.rn


mais facilidade a mercadoria na qual a melhoria é aplicada, alterando, coriscquen-
ternente, seu valor.3

A indúscria se desenvolve numa atmosfera de progresso témico ininterrupto,


de crescimento na produtividade do trabalho e de barateamento dos produtos. Í\
agricultura se desenvolve numa direção diferenre - e aqui Ricardo generaliza,
uma vez mais, a partir das características previamente descriras da agricultura
inglesa do começo do século XIX (a lavoura de terras novas de qualidade mais
baixa, os custos crescentes da produção de cereais e o enorme aumento nos preços
dos cereais). Essas eram as condições transit6rias da agricultura inglesa durante 0
período entre 1770 e 1815, mas Ricardo as incorpora in roto em suas concepções
ce6ricas. De acordo com Ricardo, a agricultura se desenvoh·c sob a necessidade
inexoiávcl de passar das terras melhores para as piores, com um a11mento na
quantidade de trabalho necessária à produção de um alqueire de cereal na terra
de qualidade decrescente. A famosa lei ricardiana da ~fertilidade decrescente do
solo" foi formulada (e isso também foi feito por seus contemporâneos, Wesr e
Malthus) como uma generalização apress,\da e errônea dos fenômenos tempo-
rários que de testemunhava em seu tempo. Por causa da ação dessa lei, o cereal
"tem uma tendência a se tornar mais caro em decorrência da maior dificuldade
cm produzi-!o".4 O desenvolvimento da produtividade do trabalho, na indústria
e na agricultura, está subordinado a leis diferentes, daí resultando que os produtos
industriais e agrícolas se movam em direções opostas: "mercadorias manufatura·
das [são] sempre decrescentes, ao passo que a produção agrícola é sempre crescente,
com o progresso da sociedade".'
A partir daqui, Ricardo extrai uma série de conclusões acerca de como ª
renda da sociedade será distribuída entre suas diferentes classes. Com o preço do
cereal aumentando constantemente, os salários aumentarão (embora os salários
reais permaneçam invariáveis). O incremento nos salários nominais e o aumento
(tanto real como monetário) da renda cnam • · para a queda da caxa
· uma rendenc1a
de lucro. Í\ maior r-
no'"'c d b ,. . d •
• os cnencios o progresso econômico vai r - ~
· nora os pro-
prierários fundiári d • dºd rne11or.
os em emmento dos capitalistas e numa me 1 ª
também dos uabal.'lad .__. ' d" e11to da
. ores. ,,,,.un, em termos da distribuição do ren irn
sociedade, as rcndênci Ri . . urnento
as que cardo descreve são estas: pr1me1ro, urna
~ 111.ENDA "UNDI""'" 339

1 SS
coo
al no preço do cereal e da renda fundiária; '""'•ndo
-~... l
um aumen•"ºnos ~anos
__ ,,_.
-:nais
no,.... ' enquanto os salários reais permanecem constantes ou a··
."e mesmo caem;
e cc rceiro, uma taxa decrescente do lucro (isso será discutido mais adiante, no pro-•
ximO capimlo). Essa inteira teoria da distribuição parte da suposição de que os
preços dos cereais aumentarão inevitavelmente pela ação da lei da "fertilidade
decrescente do solo".
Cada uma dessas conclusões se baseia numa generalização precipitada de
uns poucos fatos extraídos da história da agricultura inglesa no começo do século
XIX. Em primeiro lugar, é historicamente incorreto que a melhor terra foi sempre
cultivada antes das áreas inferiores. Carey mostra, usando exemplos históricos,
que os agricultores frequentemente começavam a cuhivar terras que eram de pior
qualidade, porem mais acessíveis, e somente mais tarde passavam ao cultivo de
cerras de melhor qualidade (ver o capírulo 36, sobre Carcy e Bastiat, na parte 5).
Em segundo lugar - e este é o erro decisivo de Ricardo-, é falso que a cransição
gradual para o cultivo de terra inferior leve inevitavelmente a um aumento pro-
gressivo no preço dos cereais. Uma vez que novas melhorias técnicas são introdu-
zidas, o cereal pode ser produzido numa terra inferior com um custo de produção
mais baixo do que ele o podia antes numa terra de melhor qualidade. Os brilhan·
tes sucessos da tecnologia agríc:ola, em meados do século XIX, abaixaram pro-
gressivamente os dispêndios de trabalho e capital requeridos para produzir uma
unidade de cereal e superaram as previsões pessimistas de Ricardo e Malchus.
Em terceiro lugar, é incorreto que a renda só aumente quando haja um aumento
no preço do cercai. Se a diferença na produtividade das diferentes terras se amplia
• aumenta o número de alqueires de cereal colhido por acre, a renda pode crescer
mesmo com a queda no preço do cereal. Não menos errônea foi a tentativa de
Ricardo de explicai a taxa decrescente rk lucro com base num aumento no preço do
cereal: sua explicação repousa, na verdade, na crescente composição orgânica do
capital (ver capitulo 30). Qualquer uma dessas asserções cai tão logo removem~
sua premissa básica de um aumento inevitável e progressivo no preço dos cercais.
. falsas que possam ser as previsoes
Por mais · • de R'teardo sobre as tendências
dos rnovimentos
. do rendimento, isso nao - ·mval'd
1 a
em absoluto a importância
. .
te6ricade sua doutrina sobre a renda diferencial. Aceitemos que Ricardo foi his-
t · • l mpre começam cul-
oncamentc descuidado ao sustentar que os agncu cores se
ti•- d do às piores Digamos que sua
••n o as melhores cerras, apenas depois passan ·
_J 340 OAVID RLC::Alil00

) cen:eza de que 0 preço do cereal tem de aumenru progressivament .


e cst1Yess
....,uivocada. Independentemente desses fatos, isto é, não importando a ,_, e
/ -~ ptISJ11mos de algumas áreas de terra para outras, nem tampouco 0
'l~
L• e
º'"""""
P~do
cereal _ mesmo que ele seja um preço utltXO -, permanece rora de discu .
ssa0 q11e
0 rrabalho (e, numa economia capitalisra, também o capital) será des e .
d
simulta11tamt11tt em terras e cm t~ Hade l lº - fi p ndido
e oca izaçao geográ ca diferem., (ou
numa mesma porção de terra, mas em diferentes momentos). Se<>ue-s õ
.
e, então
que haverá diftrmças de longo prazo nas quantidades individutJis de trabalho (o~
capital) despendidas por unidade de produto, por exemplo, por um alqueire de
trigo {e não diferenças temporárias, como na indústria). Considerando-se qu.,
numa economia de mercadorias, os produtos são trocados de acordo corn seus
gastos socialmente necessários, produtores que operam sob condições mais fa.
voráveis receberão inevitavelmente da venda de produtos agrícolas uma quaD!ia
o:cedente em relação aos custos de produção e ao lucro médio do capital \isro é,
acima de seus preços de produção). Dado que capitalistas {agricultores) e pro-
prietários rurais são classes separadas, essa quantia excedente, ou superlucro, vai
para os proprietários e é transformada em mula, isto é, numa forma específica de
rendimento de uma classe social definida. Assim, mesmo com todas as correções
que têm de ser feitas na reoria ricardiana da renda diferencial, esta se mantém em
sua plena validade.
Sua teoria da renda precisa ser suplementada, no entanto, pela doutrina da
renda tJ6soluta. V-isto que toda terra é possuída privadamente, Ricardo está errado
ao supor que as piores terras cultivadas não geram renda alguma: o proprietário
fundiário preferiria deixar inculw suas piores áreas de terra do que dá-las gra-
tuitamente ao agricultor para o cultivo de modo que este possa obter um lucro
médio sobre seu capital. Onde toda terra é mantida como propriedade privada
e agricultores e proprietários fundiários existem como classes separadas• mesmo
as piores terras cultivadas renderão alguma renda, por menor que esta seja - é
por isso que ela é chamada de renda tJbso/uttJ. As melhores terras obrcrá0 ianto
uma renda absoluta quanto uma renda diferencial (o tamanho desta última d~
~ndendo da qualidade da terra em questão, isco é, de sua fertilidade ou proxi-
midade a um mercado). O desenvolvimento da teoria da renda absoluta coube 2
Rodbertus e a Marx.
341

Notas
Ricardo, Principies, p. 74.
2. Jbid., p. 75: grifos de Rubin.
}. Jbid., p. 36.
4. lbid., p. 93: grifos de Rubin.
5, lbid., p. 97: grifos de Rubin.
Capítulo 30
SALÁRIOS E LUCRO

Embora a doutrina de Ricardo sobre os salários ganhasse grande reper-


cussão sob o tírulo (dado por Lassalle) de "lei de ferro dos salários", ela é,
do ponto de vista teórico, uma das partes mais fracas e menos satisfatórias de
seu sistema.
Pior de tudo, Ricardo - e isso está de acordo com seu método geral -
não leva em consideraçáo o aspecto qualitativo ou social dos salários. Sob quais
condições socioeconômicas surgem os salários, que relações entre as classes sociais
eles pressupõem, com base em que leis ocorre a troca de salários por força de
uabalho? Ricardo não coloca nenhuma dessas questões. Por deixar de distinguir
entre força de trabalho e trabalho, ele é incapaz de explicar como o "trabalho"
(isto é, a força de trabalho) possui menos valor do que o valor que ele cria.
Para explicar isso, Ricardo precisaria distinguir entre as características sociais do
uabalho como mercadoria (isto é, o trabalho do operário assalariado, ou força
de trabalho) e as características sociais do trabalho que cria mercadoria (isto é,
o trabalho do produtor de mercadoria). No entanto, já observamos a descon-
sideração de Ricardo pelas características sociais do trabalho e do capital (ver
capírulo 28, seção 2).
Ignorando o aspecto qualitativo ou social dos salários, Ricardo concenrra
toda sua atençáo em sua dimensão quantitativa. Os escritos de Ricardo sobre a
rnagnuu· d e d os salários possuem tanto roemos
• · s1gm
· 'licarxvo
· s quanto enormes de- .
ficiências. Seu maior mérito é que Ricardo se esforça persistentemente em delirur
os saJár·los como uma magnitude 1:_,,1A , do · Ricardo rejeita a explana-
1 ~ ae mo preetso.
,.; rfi d 1 • entre oferta e demanda
,..o SUpe eia! do nível dos salários em termos a re açao l .d
de balh . Smith e que foi desenvo v1 a
tra o - explanação que já presenciamos em
7 .
/
..
344 DAVID 111.1CAA00

1830 pelos proponent


es da teoria dos "fundos salariais [wagesfa~_,,.
._,
nos anos • l '" sobre fundo salarial). Na visão de Ricardo ofê
. lo23eocap1ruo;n, ' •na
(vercapiru . nas 0 "preço tk mercado do trabalho", isco é, "o pr,.,..
e demanda inlluenc1am ape - .,.,.
rele a partir da ação natural da proporçao entre a ofe,-...
que é realmente pago Po ' ·"'
n mais que 0 preço de mercado do trabalho possa dive..,,;
e a demanda. [...J ,.or . • . -.,.r
de seu preço nacural, eIe cem• como as mercadonas, uma cendenc1a
. . a se ªJ. usrar a
ele". i Tal como as mercadorias, o preço de me~do do rrabal~o gua em torno de
um dererminado centro estável, que forma seu preço natural (ou valor).
Pelo que é determinado o "preço Mtural" do trabalho? "O preço natural do
crabalho", diz Ricardo

é aquele preço necessário para permitir que os trabalhadores, em geral, subsistam e


pcrpecuem sua descendência, sem aumento ou diminuição. r... ] o preço naruraJ
do crabalho, portanto, depende do preço dos alimentos, dos gêneros de primeira
necessidade e das comodidades exigidas para sustentar o trabalhador e sua família.
Com um aumento no preço dos alimentos e dos gêneros de primeira necessidade,
o preço na1ural do 1rabalho aumen1ará; com a queda no preço daqueles produ1os,
eaicl o preço narural do trabalho. 2

O preço natural do trabalho (o valor da força de trabalho, na terminologia


de Mane) é determinado pelo valor dos meios necessários de subsistênâa do traba-
lhador e sua família. Mais carde, Lassalle daria a essa teoria dos "meios mínimos de
subsistência" o nome de "lei de ferro dos salários", que ele usava como um instru-
mento de agitação para demonstrar aos trabalhadores a impossibilidade de obter
uma melhoria fundamental de sua situação no interior do sistema capitalista.
Embora possamos encontrar versões embrionárias da "lei de ferro" encre
cconomiscas dos séculos XVII e XVIII, foi Ricardo quem lhe conferiu sua formu-
lação clássica. Entre os mercantilistas (ver capítulo 3), a lei de ferro tinha o caráter
de uma prescrição prática: os salários tinham tk ser limitados ao mínimo neces·
• · a lim de cortar os custos de produçao
sário de meios de subsº15 tenc1a - e exr-·
nmdir a
ex~rtaçáo de mercadorias domésticas. Os fisiocracas (ver capítulo 13). encre os
quais Turgot é frequentemente rido como o autor da lei de ferro, não escabeleciaJ!l
~ual~uer distinção clara entre os salários do trabalhador, de um lado, e a subsis·
cencia do artesão ou rd com
d . . ' mesmo o 1ucro do empreendedor, de oucro: de aco 0 .
a oucrma fis1ocraca, todas ~ . rn"'°'
essas rormas de rendimento eram rescncas aos
ISAl.AAIOS e: l..UCAO

, . s de subsistência. O mérico de Ricardo é ter: 1) formulado a 1 ·d e


eeessanº e1 e rerrc
n . ,. especificamente aos salários e aos trabalhadores assalariados-. 2) d
aplica'"' . • tenta e
desVelar _embora sem sucesso, com~ veremos - o mecanmno que explica come
lei funciona; e 3) ligado sua teona dos salários à teoria do lucro. Mesmo com
:os os seus fracassos, a teoria ricardiana dos salários guarda enormes vantagem
sobre a teoria da oferta e da demanda tal como formulada por Smith (no qual
ela é misturada à teoria dos meios de subsistência), Malthus e os proponentes do
"fundo salarial"·
Como se sabe, podemos encontrar entre os economistas duas variantes
de teoria dos meios de subsistência: uma é a teoria de um "mínimo .6siológico" e
a outra é a teoria de um "mínimo cultural". Os proponentes da primeira dizem
que os salários dos trabalhadores se limitam à soma torai de meios de subsistência
Esiologicameme necessários para sustentar o trabalhador e sua fami1ia. Os parti-
dários da segunda teoria têm razões para estender o conceito de um mínimo de
meios de subsistência de modo a nele incluir tudo aquilo que for necessário para
manter o trabalhador em seu padrão habitual de vida em conformidade com as
condições sociais e culturais de uma dada população durante um período histórico
particular. À primeira vista, Ricardo parece mais próximo da formulação mais
larga e flexível de um mínimo culrural. Ele compreende que o "preço natural" do
trabalho "varia em diferentes épocas no mesmo país e apresenta muitas diferenças
materiais em países diversos, dependendo essencialmente dos hábitos e cosrumes
do povo". 3 Mais adiante, no entanto, ele normalmente esquece essas qualifica-
ções e se aproxima, ao fundamentar a lei de ferro dos salários, de uma teoria do
mínimo fisiológico.
Como Ricardo fimdamenta sua lei de ferro? Em ourras palavras, como ele
justifica o fato de que os salários gravitarão em corno de um nível que corres-
ponde ao valor dos meios de subsistência necessários ao trabalhador? Na visão de
Ricardo, o mecanismo que evita que o preço do trabalho no mercado se distancie
muito ou por muito tempo de seu preço natural são as mudanças no nívelpopu-
lacional. Quando os salários excedem o preço natural do trabalho, "a condição do
trabalhador é próspera e feliz" e ele é capaz "de manter uma família saudável e
numerosa. Mas quando, pelo encorajamento que os altos salários dão ao aumento
da população, o número de trabalhadores cresce, os salários voltam a cair ao seu
;,reço natural". 4 Eles não podem cair abaixo desse nível por muito rempo. pois'. se
so ocorrer, os trabalhadores serão privados de seus meios essenc1a1s de subs1scen-
/ 346 OAVIO RICARDO
)
_ _ ed · -0 seu número" e o aumento dos salários. A rápida .
eia. "as pr1vaÇOCS r uz1ra: ' . . 11\ul.'tl..
I plicação dostra
balhadores impede o aumento dos salanos
. .
por
.
muito tempo .
•cima
al do trabalho· quando eles se multtphcam mais vagarosamen
do preço nacur ' . . te ou
morrem, isso evita que os salários caiam por mu1to rempo aba1xo daquele nível
Se as consequentes privações levam a uma queda nos salários abaixo do p~
natural do trabalho, reduzindo o número de trabalhadores, é óbvio que 0 "preço
nacural" do trabalho inclui apenas aquele conjunto de meios de subsistência iJ\.
condicionalmente necessário para manter vivos o trabalhador e sua familia. Aqui,
a visão de Ricardo se aproxima da teoria de um mínimo fisiológico.
Desse modo, Ricardo fundamenta sua lei de ferro dos salários lançando
mão de uma /ti d4 reprodução hu71Z11.na, invariável e biológica, tal como formu-
lada por Malchus. Uma vei. que os movimentos dos salários são regulados pelas
mudanças "naturais" na população, toda e qualquer tentativa de aumentar .,
salários por meios artificiais, por exemplo, mediante grev.:s ou legislação fabril,
está condenada ao fracasso. Ricardo não entendeu que os trabalhadores, ao
inccnsificarcm sua lura econômica - ela mesma um reflexo de suas necessida-
des sociais crescentes -, podem provocar um aumento nos salários. Tampouco
pôde ele captar a importância da legislação fabril (que, em seu tempo, :ünda
não existia}. Em consonância com outros ideólogos da burguesia, ele proclamou
que "os salários deveriam ser deixados à justa e livre concorrência do mercado e
jamais ser conuolados pela interferência da legislação".' A única possibilidade de
uma melhoria mais ou menos duradoura na condição dos trabalhadores estaria.
para Ricardo, no caso de a lei da população ser incapaz de eKerccr sua influência.
Isso poderia acontecer, seja porque os trabalhadores, procurando preservar 0 alto
nível de subsistência que já atingiram, se absteriam de se reproduzir, seja pelo es-
tabelecimento de novas colônias com uma abundância de terras férteis e onde a
taXa de crescimento do capital superasse a tai<a de crescimento da população- No
primeiro ponto, Ricardo se baseia em Malthus; no segundo, em Smith. Todavia.
Ricardo não nutria grande fé na abstenção consciente dos trabalhadores e via no
rápido crescimento do capi"tal nao
- mais
· do que um fenômeno temporan ' ·o· p,,Sitn.
apesar dessas cxteçõcs, Ricardo continuou a sustentar sua lei de ferro e a expressa'
W::ª. visão. pessimista em relação à previsão de um aumento prolongado noS
sai.anos reais.
Sua teoria dos salá · ·111açáo à
. d nos padece, como j~ notamos, de sua aproXJ .
teoria e um minimofo· ló .
'º igzco~ por isso adquire traços de irrealism.0 e aniston·
SA'-A1t1os E '-UC1to 347

.
dSI"º· Tais caracterísricas da lei de ferro são intensificadas ainda ma'IS pelOS fi'-'-
IUSOS
fanbmentos com que ~cardo a justifi~. ~pecialmente falsa é a ideia de que se
pode considerar a velocidade ou a lenndão com que os trabalhadores se repro-
Jr1zem uma causa dos movimentos ascendentes ou descendentes nos sal:lrios. A
aparição ou desaparição de uma população trabalhadora excedente depende, na
economia capitalista, não do aumento absoluto ou do declínio no número de
trabalhadores, mas da expansão e contração periódicas da produção capitalista.
O exército de reserva de desempregados é uma guarnição necessária da economia
capitalista, que não deriva de modo algum do fato de os trabalhadores estarem
se reproduzindo com uma rapidez excepcional. Em períodos de expansão, a
indústria capitalista recruta novos trabalhadores desse exército de reserva: para
fat.ê-lo, ela não cem de esperar os vinte anos que, na suposição de Ricardo, devem
transcorrer até que um aumenco nos salários encoraje os trabalhadores a se mul-
tiplicarem e dê ao mundo trabalhadores genuinamente "novos". Se procurarmos
por aquele mecanismo que força os salários a gravitarem em corno do nível dos
meios habituais de subsistência~ não poderemos encontrá-lo na malthusiana ªlei
absoluta da população", mas numa "lei relativa".
Assim, a doutrina ricardiana do nível "estático,, dos salários, apesar do
núcleo saudável que ela esconde, foi desfigurada pela base biológica ou "natural"
que Ricardo lhe forneceu. Sua interessante doutrina da "dinâmica" dos movi-
mentos do salário sofre exatamente do mesmo defeito. Aqui Ricardo procura a
causa última dos fenômenos nas ações das leis natucais: a lei "flsico-química., da
fertilidade decresçente do solo e a lei "biológica" da população. Em nosso capítulo
sobre a renda, vimos que Ricardo, baseado numa crença err6nea da permanência
desta última lei, considerou como inevitável que os preços do cereal e de outros
produtos agrícolas crescessem progressivamente. Como o trabalhador requer dc-
ccrminada quantidade de gêneros alimcnticios para sobreviver, todo aumenta nos
seus preços provocará invariavelmente o aumenco no "preço natural" do trabalho,
ou nos salários nominais (mesmo que os salários reais permaneçam inalterados ou
arC mesmo caiam, corno veremos mais adiante). "A mesma causa que: devaª renda,
a saber, a dificuldade crescente cm prover uma quantidade adicional de alimentos
com a mesma quantidade pcoporcional de trabalho, cambém aumentará os salários
[... ].Mas há essa diferença essencial entre o aumento da renda e o aumento dos
salários."' A renda do proprietário fundiário crescerá canto em termos de cereal
(em Virtude da expansão do cultivo a terras de qualidade inferior e à disparidade
) 348 DA.V•O 1111c ... A.OO

"
> ·1·dade das áreas superiores e a das inferiores) quamo .
crescente entre a fen1 1 ~ . • ll\ais

I ainda, em <ermos de dinheiro (como uma consequencia do aumento, não s6 do


valor como rambém do preço de cada alqueire de cereal). "O destino do traba-
lhador será menos feliz; ele receberá maiores salários nominais, é verdade. rnas
•eus salários em cercais serão reduzidos."' Para entender por que, para Ricardo, 0
cereal ou os salários reais declinarão, é necessário olhar para as tendências por trás
dos movimentos nos lucros.
Já nos deparamos com a rcoria de Ricardo de que os lucros se movem
sempre invcrsamenre às mudanças nos salários. "Os lucros serão altos ou baixos
na proporção em que os salários forem baixos ou altos",• diz Ricardo, confun-
dindo, aqui - como em toda parre -, a wca de lucro com a ta:xa de mais-valor
(pois a raxa de lucro pode, de fato, cair mesmo com uma queda nos salários,
considerando-se que a quanridade total de capital investido cresça simultanea-
mente). Disso se segue que se os salários nominais '"'aumentarem juntamente com
o aumento do cereal [...},os lucros cairão necessariamence" ,9 uma vez que, com 0
vaior-t<abalho das mercadorias permanecendo inalterados, os manufaturadores as
venderão por seu preço anterior, apesar de os salários terem subido. •A tendincia
1U1t11ral dos lucros é, então, cair, pois, no progresso da sociedade e da riqueu, a
quantidade adicional de alimentos requerida é obtida com o sacrifício de cada vei
mais trabalho."'º Embora essa tendência seja suspensa de tempos em tempos por
causa dos avanços na técnica agrfcola e da livre importação de cereais estrangeiros
baracos, ela 1ança sua triste sombra sobre toda a economia capitalisra furura: ela
ameaça paralisar totalmente o progresso econômico e reduzir a sociedade a um
estado cm que "as taxas muito baixas de lucros impedirão toda acumulação. e
quase toda produção do país, depois de pagar os trabalhadores, será apropriada
pelos proprietários da terra".••
Embora a sociedade capitalista ainda não tivesse alcançado essa posição, 0
ritmo de seu progresso econômico se desacderava progressivamente co.m ª queda
no lucro. "O fazendeiro e o manufaturador podem viver sem o lucro ráo pouco
quanto 0 trabalhador sem o salário. Sua motivação para a acumulação diminuirá
na mesma medida da diminuição do lucro.»12 Assim, a lei narural da fertilidade
decrescente do solo resulta numa queda 1111 taxa da acumulação de capi111l. No
encanto. em virtude de nossa ~ei natural, isto é. da lei biológica da população, os
~balhadorcs continuarão a aumentar seus números na mesma tax:a que ante-
normente. Se 0 núme d b-'h rax• de
ro e tra õd.l adores cresce 2o/o por ano, enquantoª
.......
~

ª"'-ÃR•os E LUCRO 349

acumulação de capiral cai de 2% para 1o/o, a demanda por força de trabalho ficará
obviamente atrás de sua oferta; cm outras palavras, os salários reais cairão. De fato,

cm vr:r. [...J de os salários nominais do trabalho calrem, eles aumentado; mas


não aumentarão o suficiente para permitir ao trabalhador comprar todos os bens
e gêneros de primeira necessidade: que ele podia comprar antes do aumcnro nos
pccços dc<"'5 mercadorias. [... ) A condição do trabalhador declinará e a do pro-
prietário de terra se: tornará cada vez melhor. 1l

São essas, portanto, as conclusões pessimistas a que Ricardo chegou com


seus argumentos teóricos e que pareciam plenamente confirmadas pela situação
desesperada dos trabalhadores no começo do século XIX. Graças a essas conclu-
sões sombrias, os economistas da escola histórico~érica repreenderam Ricardo
por ser indiferente ao destino da classe trabalhadora. A crÍtica era complccamente
injusta: Ricardo, com suprema consciência científica e intrepidez teórica, foi sim~
p~esmente revelando o que para ele se evidendava como as tendências inevitavel-
mente inerentes à economia capitalista.
Agora, um século após a publicação da obra de Ricardo, é fácil provar que
ele escava errado em sua avaliação dessas tendências. A fertilidade decrescente do
solo, o aumento no preço dos cereais, o aumento nos salários nominais, a queda
no lucro, o ritmo cada vez mais lento da acumulação do capital, a queda na
demanda por trabalho e o declínio nos salários reais - tal era a cadeia de causas e
efeitos que Ricardo descreveu. Muitos dos elos dessa cadeia lógica se mostraram
fracos. O aumemo da produtividade do trabalho e os enormes avanços realiza-
dos na tecnologia e na agronomia mostraram o erro d.e sua ideia de um aumento
inevitável e progressivo no valor dos cereais. Não apenas os salários nominais,
mas também os salários reais cresceram como rcsulw:lo do aumento das neces-
sidades sociais e do poder social maior da classe rrabalhadora, ambos fatores que
ainda tinham pouca importância na época de Ricardo. O aumenro da produ-
tividade do trabalho ultrapassou o aumento dos salários reais; como resultado
disso, O mais-valor rela.tivo (que Ricardo chama de lucro) aumentou, cm vez de
cair. Apesar disso, a taxa de lucro caiu porque a composição orgânica crescente do
capital - isco é, precisamente porque a produtividade do trabalho aumentou, cm
Vez de cair. Em seus detalhes, o esforço de Ricardo para explicar com~ se movem
os rendimentos das diferentes classes sociais se mostrou incorreto. No cncanro,
350 OAV•O -.1CAROO

isso náo invalida de modo algum o imenso valor da teoria ricardiana da distribui-
ção, que marcou roda uma época na hiscória de nossa ciência.
Ricardo foi 0 primeiro a tratar do problema da distribuição em toda a SUa
crtensíio e a fazer dele 0 Ponto central de sua investigação. "Determinar as leis que
regulam essa distribuiçáo é o principal problema da economia política", escreve
ele no prefácio de seus Princípios. Numa carta a Malthus, Ricardo contrapõe sua
própria concepção da economia policio. como a ciência que se ocupa das leis
de distribuiçáo dos produtos entre as classes à concepção de Malthus, que vê a
economia pcliâca como a ciência da natureza e das causas da riqueza. Enquanto
os capitulas de Smith sobre a dimibuiçáo permanecem como uma coleçáo de
fatos e observações disparatadas, Ricardo apresenta um quadro compleco e teori-
camente estruturado das interdependências e dos movimentos dos rendlmentos,
o qual ele constrói com base num único principio. Tal principio é o do valor-
-uabalho. Em Smith, a teoria do valor e a teoria da distribuição permanecem
logicamente separadas: ele flutua constantemente entre dois pontos de vista, ora
afirmando seu ponto de partida, ora o rendimento. Embora tenha expressado
numa cana a visão de que uma resolução dos grandes p<0blemas da economia
política- renda, salários e lucro - não se ligava necessariamente à teoria do valor,
Ricardo baseou sua investigaçáo inteira no prindpw do valor-trabalho, sobre o
qual ele conmói, então, sua teoria da distribuição.
O segundo grande mérito de Ricardo é ter dado primazia ao problema
das participações relativas das diferentes classes sociais no valor do produto, mais
do que à distribuição, entre essas classes, de cotas absolutas nos produtos naturais
(o predominante ponto de vantagem encontrado em Smith e, em parte, apropria-
do por Ricardo). Suponhamos, diz Ricardo, que o trabalhador passe ª receber
urna vez. e meia mais alimento, roupas, etc. do que anteriormente. Se. ao mesmo
tempo, a produtividade do trabalho dobrasse (causando, assim, a diminuiçáO do
valor dos produtos pela metade), diríamos que a cota (ou "valor real") dos salários
diminuiu. Mesmo que o trabalhador obtenha, agora, um número maior de P'~
dt. º' Ri ~~
u 111 natura, sua cota relativa no valor do produto social diminuiu. cal'
opr:metroª
. .mero duz1r. na ciência esse mécodo de exposição do pro ble:rna que 1

foi subsequentemente desenvolvido por Rodberrus e por Mant - este último, e!1\
sua chamada "teoria do pauperismo"
. dis-
. Ao apresentar 0 problema da disuibuição relativa, Ricardo foi capaz de f,11\
ccrrur claramente a.s CfJntradições dos intereSJes de classe na sociedade capitalista·
SA.~ARIO$ E l.l.IC:Ro 351

pleno acordo com os traços característicos de sua época e com sua própria posição
social e de classe, Ricardo enfarizou especial e persistentemente o conA.ito entre
os interesses dos proprietários fundiários e os das demais classes da sociedade: a
queda na produtividade agrícola e o preço crescente dos cereais baixam a taxa de
lucro e estancam a acumulação do capital, causam a deterioração da siruação dos
trabalhadores e, ao mesmo tempo, tornam os proprietários rurais exorbitante~
mente ricos. No encanto, para1elarnent:e a essa contradição básica, que dominou
tanto a realidade da Inglaterra do início do século XIX quanto suas concepções
teóricas, podemos encontrar nos escricas de Ricardo as linhas gerais da grande
luta histórica que começava a ser cravada encre a burguesia e o proletariado. No
esquema de Smith, um aumenco nos salários não ameaça em nada os interes--
ses dos capitalistas, uma va. que ele causa um aumento no preço do produto e,
desse modo, é pago pelo consumidor. No esquema de Ricardo, um aumento nos
salários náo é acompanhado de um aumento geral no preço do produto1 mas
acarreta inevitavelmente uma queda no lucro: vemos, refletida nessa lei, a con-
tradição irreconciliável dos interesses de classe da burguesia e do prolerariado.
De fato, os trabalhadores podem receber uma quantidade maior de alimento,
roupa, etc. e, assim, melhorar sua situação ao mesmo tempo que os capitalistas
se tornam mais ricos. Os apologistas do capitalismo, Carey e Basciat, em sua
polêmica contra a doutrina de Ricardo (ver o capírulo 36, sobre Carey e Bas<iat},
consideraram apenas essa possibilidade de melhorar as condições dos trabalhado-
res. O que eles ignoraram, no entanto, foi a doucrina ricardiana d.a distribuição
relativa: a classe trabalhadora não pode aumentar sua cota relativa no valor do
produto social, a não ser que haja uma queda na coca relativa destinada aos capi-
talistas. Com Ricardo, a escola clássica abandonou as visões ingênuas de Smith
sobre ª harmonia de interesses entre as diferences classes e reconheceu aberra-
rncme a existência, no interior da economia capitalisra, de profundos conflitos
de classe. Mas quando, em meados do século XIX. ess.s contradições de classe
adquiriram uma tal força a ponto de ameaçar a própria existência do capitalis~o,
a ciência ewnômica burguesa rompeu com a teoria de Ricardo. Começava, enrao,
0 Período de desintegração da escola c/4ssica.

Notas

l. Ricardo, Principies. p. 94.


2· lbid,, p. 93.
352 OAVID RlçARDO

3. lbid.. p. 96-97.
4. Jbid .. p. 94.
5. Ibid., p. 105.
6. Ibid .. p.102.
7. lbid.; grifos de Robin.
s. lbid.• p. 110.
9. lbid.. p. 111.
10. lbid., p. 120: grifos de Rubin.
11. lbid., p. 120-121.
12. lbid., p. 122.
13. lbid., p. 101-102, 103.
Parte 5
A DESINTEGRAÇÃO DA ESCOLA CLÁSSICA
capítulo 31
MALTHUS E A LEI DA POPULAÇÃO

Thomas Malthus (1766-1834) nasceu no seio da aristocracia, mas, filho


mais novo, não herdou a propriedade da fam11ia e, em wa. disso, ingressou na vida
eclesiástica. Vigário e professor de economia política, conquistou uma imensa
fama com seu Ensaio sobre o princípio da população, cuja primeira edição foi
publicada em 1798.
Embora fosse um discípulo de Smith e seguisse a escola clássica numa
série de questões básicas, Malthus ocupou um lugar especial como defensor dos
interesses da aristocracia rural em oposição aos clássicos (Smith, Ricardo e seus
seguidores), que expressavam os interesses da burguesia industrial. Podemos
encontrar os clássicos e Malthus em discordância sobre uma série de questões
teóricas. Os clássicos defendiam um rápido desenvolvimento das forças produ-
tivas e uma redução do consumo improdutivo; Malthus considera essenciais o
consumo improdutivo e, por conseguinte, a existência da arisrocracia fundiária
e de seus criados domésticos. Para os clássicos (Ricardo, James Mill e Say), ª
;>ossibilidade de uma superprodução generalizada de mercadorias é inconcebível
(sobre isso, ver o capítulo 37, sobre Sismondi); Malthus argumenca que crises
generalizadas são possíveis. Em questões práticas, o problema que pro,·ocou
a maior controvérsia entre Yia1thus e os clássicos foi o àas rarifas cie imPortJ~
~o êos cereais: os clássicos rei\·indicavam firme-mente sua a~:içáo.: ~{alrhus as
c~ê.nCi . , ,h ' .J de muiros outros
ª como essendais. Por outro ~ao.o. ~fa1r. us. ao . a1..1.o J .
:C?rese.."l:- .. ' . . . . ' ..,-umiu uma at:iru ... e ma.:.s
. ~les ca anstocrac1a ing:esa daque...e rern?O~ a..~ .
5:::l:>ât .... . , ~ -- h ·1 • cua.1 se o....un.'12.ID os
_ • C2.em re:ação aos rudimentos C.a ~eg:1s.açao ra-. n,, ª · · . r ~ _; ,.:0
C'co::orni.sr- ,.. . , • • • .. • -:.un i.:oncr.l a mg~ren,._.J. '-
?oê. . :.as .i::i.era.!s e.a es~c.."'•ª c..as....;;:ca. que pro~e.!"ra.'
1

~ e: esta.ta: nas re:ações entre .:ap!ta:isras e tra~~J.C,.xes.


"oH"•" •""

356
·meira merade do século XIX a aristocracia~·-'
Todavia, se durante a pn . ._,..
. . ia! da Inglaterra cravaram uma acirrada luta uma concra
a bu~es1a mdustr • , . a
e " . pla ~m• de quescões em relaçao as quais as duas classe
outra, ainda havia urna am b-·- . . s
. ,. ·lhavam seus inceresses. Assim, canco os clássicos (Ricardo)
propnecar1as comparti . - d .
ram com i..ual zelo pela abohçao as velhas leis do paupc-
como ;.Malthus luta
.r15mo, que raz·1am da manutenção1;1 •

.. .
• •
dos pobres locais uma obngaçao paroquial
.
Também em questões doutrinárias havia pontos harmon1cos entre Malchus e os
clássicos. Em seus debates contra a teoria do valor-trabalho, Malthus desenvolveu
ideias formuladas pelo próprio Smith- ideias que formavam a parte mais frágil da
teoria smithiana. Malthus elegeu esse lado fraco da escola clássica como o suporte
ceórico para sua reação contra ela.
Em geral, a teoria da população de Malchus foi aceita pdos partidários
da teoria clássica, que a utilizaram para explicar uma série de fenômenos, como,
por demplo, os salários (ver o capítulo 30, sobre a teoria ricardiana do salário),
embora a teoria náo tivesse qualquer conexão com seus ensinamentos principais.
A primeira obra de Malchus sobre a população foi uma reação contra o
Iluminismo burguês e o radicalismo sociopolítico que encerrou o século XVIII.
Em 1793, foi publicado o livro de um inglês, Godwin, defensor milicance de uma
reforma social e política e oponente da propriedade privada, que ele via como
a causa primária da pobreza e da situação calamitosa das classes mais baixas da
população.' Godwin pensava que uma reforma das instituições sociais poderia
abrir à humanidade a possibilidade de uma melhora ilimitada de suas vidas -
uma ideia que, na França, era desenvolvida simulcaneamente por Condorcet. O
Ensaio sobre a população foi uma resposta a Godwin. 2 Malchus pretendia mostrar
queª verdadeira causa da pobreza reside não nas inadequações do sistema social,
mas nas contradições naturais e inexoráveis entre o ímpeto humano desenfreado
para multiplicar e os limites do aumento nos meios de subsistência. Malchus sinc<-
cizou essas ideias nas três proposições seguintes:

1. A população é necessariamente limitada pelos meios de subsistência.


2: Apopulação cresce invariavelmente onde crescem os meios de subsistên-
cia,ª menos que coibida por freios muito forces e evidentes.
3. Esses
• freios, e os fre·•os que reprimem
. o poder superior da popuJaÇlͺ e
mamem_scus cfcicos no mesmo nível dos meios de subsistência, consiscetll
na coerçao moral, no vício e na miséria. 3
....
·

MAl.T ... us e A 1.e1 º"' POPULAÇAo 357

Malthus raciocina da seguinte forma. Suponhamos que um país particu-


lar, num determinado mo~ento, tem uma população de J. A quantidade de
meios de subsistência no paIS é suficiente para alimentar sua população, sendo,
rambém, portanto, igual a !. Como demonstrado pela experiência dos Estados
Unidos, a população dobrará aproximadamente a cada 25 anos, isto é, crescerá
numa progressão geométricd. Sendo assim, em duzentos anos, a população do
país terá crescido 256 vezes seu número inicial(!, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256).
~o cncanco, essa população crescente cerá de extrair seus meios de subsistên-
cia do mesmo "território limitado" do país. Qualquer um familiarizado com a
agricultura sabe que cada nova aplicação de trabalho na mesma área de terra é
acompanhada por uma queda na sua produtividade (razão pela qual Malt:hus,
nas edições posteriores de seu livro, conjuga sua lei da população com a lei da
fertilidade decrescente do solo). Na melhor das circunstâncias, o crescimento dos
meios de subsistência a cada período de 25 anos igualará seu crescimento nos 25
anos precedentes. Isso significa que os meios de subsistência de um país crescerão
cm progressão aritmética e serão, depois de duzentos anos, nove vezes maior do
que sua quantidade original. É óbvio que essa quantidade de meios de subsistên-
cia não será capaz de suscencar uma população que terá crescido 256 vezes nesse
mesmo período.
Haverá uma aguda divergência entre o número de pessoas e a quantidade
de meios de subsisttncia, a menos que o aumento da população seja detido por
freios, tanto destnttivos quanto preventivos, o primeiro referindo-se a vários tipos
de calamidades (acima de rudo, a care~·tia), o último à abstinência e ao vicio, que
agem para retardar a taxa na qual a população se multiplica. Na primeira edição
de seu livro, Malrhus cita as calamidades e 0 vício - que, para ele, se fazem inevi-
tavelmente presentes em qualquer siscema social, mesmo o mais perfeito - como
os únicos freios ao crescimento populacional. Em edições posteriores, Malthus
reconheceu que as pessoas poderiam evitar as calamidades da superpopulação
com ª abstenção consciente em aumentar rapidamente seu número. Apenas ª
ameaça da pobreza futura e da incapacidade de alimentar uma numerosa prole
poderia inclinar as pessoas à abstinência. Numa sociedade socialisca, onde não
havera· propriedade privada, os membros da sociedade perderao
- to do incentivo
· · a'
. e onsequencemente, os reformadores soCiais
•bstinência. . . que deseJ·am a abolição.
da propriedade privada acabariam, juntamente com isso, por eliminar rodo fr~10
Preventivo ao crescimento da população, e, num curto espaço de cempo, a soae-
A ocs1NTE.OflAÇAO DA t:SC:O\.A ei.ASSICA
358

, . com 0 periuo extremo de uma escassez de meios de sub .


dade se conironcar1a o sis-
1ência para todos os seus membros. . •
Mah:hus exirai de sua ieoria uma variada gama de conclusoes práticas. Os
b . • qualquer motivo para se queixar de sua pobreza, pois ela não •
pores~= e
mais do que uma consequência necessária de eles terem se procriado com excessiva
rapidez; os pobres só podem melhorar sua siruaçáo evitando um casamento tem.
porão. Impostos em favor dos pobres são danosos, pois os encoraj.1m a se mul-
tiplicar, agravando, assim, sua pobreza no futuro. Tampouco se pode lamentar
os alros preços dos grãos, uma vez que estes apenas confirmam o fato de que 0
número de pessoas ultrapassou os meios de su'osist~ncia. As tarifas sobre o cereal
importado e os altos preços dos cereais são benéficos porque estimulam a agricul-
tura e, desse modo, aumentam a quantidade dos meios de subsist~nda.
A teoria da população de Malihus gerou uma enorme literatura: ela foi 0
objeto de um acirrado debate, sendo questionada do ponto de vista econômico e
religioso, entre outros, e assentou as bases para uma escola inteira, chamada "mal-
thusianismo". ii!os anos 1870, essa escola, sob o nome de "neomalthusianismo",
obteve um grande sucesso. Se o velho malthusianismo fora severo em sua hosti-
lidade à classe trabalhadora e em condenar os pobres como os únicos culpados
pela superpopulação, o "neomalthusianismo" atenuou o carárer reacionário de
sua douirina. Além disso, diferentemente do malthusianismo anterior, de não
propôs a abstinência, mas, antes, a redução artificial dos nascimentos por medidas
preventivas. Dos anos 1880 cm diante, o neomalthusianismo caiu em rápido
declínio, graças, antes de mais nada, ao impacto de uma aguda queda nos preços
dos cercais (os malthusianos viram no alto preço do cercai uma prova de que havia
uma escassez de meios de subsistência comparados ao tamanho da população) e,
cm segundo lugar, à queda na ta.xa de nascimentos nos países europeus, resulrado
de sua rápida industrialização e do crescimento de suas populações urbanas. No
final do · haVia
, .século XD(, nao · ma1S. o medo de uma superpopulaçao . absoluta:' ao
contrario, vous inquietas apontavam para o perigo de um declínio populacional·
A enorme popularidade de Malthus e o vivo interesse em sua teoria entre 0
público cm geral se cxpl"ica nao
. por sua importância teórica, mas por sua tenrari""
de resolver os probl . Mesmo
. emas t6picos da população, da pobreza, da gravidez. etc. .
que os admiradores ferv d ad0 uen!O·
l"dad d otosos • Malthus tenham sempre proclam ª" _,
i e e sua obra, a verdad , 'to iwe-
. . e e que suas conquistas teóricas foram mui
riores à influência que exe ode ser
reeram. A substância da teoria de MalthUS P
MAl..THus e. "'ll!I º"'POPULAÇA.o 359

reduzida às seguintes proposições: 1) a população tem uma <endência a se mul-


tiplicar muiro rapidamente (em progressão geomécrica): 2) há um crescimemo
muito mais vagaroso (cm progressão aritmética) na quantidade de meios de sub-
sisrê11da; e 3) a pobro1.a atual da ampla massa da população é, simultaneamente,
0 resultado de uma divergência entre a quantidade de meios de subsistência e 0
ta1113nho da população, e um meio Quntamente com o vício e a abstinência} de
diminar essa discrepância.
A primeira proposiçáo de Malthus afirma a exiscência de uma lei "nacural"
da população, que age cm todas as épocas e em qualquer sis<ema social. Na ver-
dade, a taxa e o caráter do crescimento populacional variam e deJl"ndem de rodo
um conjunto de condições econômicas e sociais. Há uma série de condições
sociais sob as quais a população exibe uma tendência a se multiplicar muito
vagarosamente (por exemplo, na França contemporânea e, em menor medida, na
Europa como um todo, a partir do final do século XIX), muito atr.ís do aumento
nos meios de subsistência.•
A segunda tese de Malrhus é ainda mais frágil. É verdade que muicos es-
rudiosos dirão que não se deve comar ao pé da letra as palavras de Malthus sobre
uma progressão aricmética. Mesmo assim, cabe a ele o ônus de provar que os meios
de subsiscência não podem se expandir tão rapidamente quanto a população.
Malthus não provou isso, uma vez que ignora, em seus argumencos, nada mais
nada menos do que o desenvolvimento da produtividade do trabalho e o progresso
da tecnologia agrícola. Com a exist<ncia do progresso <ecnológico, a asserção
de Malthus de que um número cada vez maior de pessoas será necessário para
produzir a mesma quantidade de meios de subsisrência (a chamada "lei da fertili-
dade decrescente do solo", de que Ylalthus é um dos autores} perde sua validade.
Ao contrário, o século XlX testemunhou um aumento colossal da produção
agrícola atribuível ao trabalhador individual. Não surpreende que Cannan, um
dos mais recentes estudiosos, tenha chegado a tal conclusão:

Desprovido da teoria de que as adições periódicas à produção média anual náo


podem ser aumentadas_ ou, como Malthus prefere diur, de que a produção dos
ltleios de subsistência só pode aumentar em proporção aritmética-, o Ensaio ;obrt

:-----:---- . r ão de ue a popufo.ç:io
Nao é necessário mençionar o foco ac Ma!chu:> tc:r baseado sua asse ç <:.
dobrará a. cada 25 anos em material fuccual não verificado.
0 prindpio dtt popu/açáJJ esd liquidado como argumento e se tran.forma num
CIOS de f:uos coletados para ilustrar o efeito de lei• que não mais existem. Além da
teoria da progiwão aritmética, não há nada no Ensaio que demonstre por que a
produção dos meios de subsistência do homem não possa ctesccr tá<> rapidamente
quanto uma população "incontrolada".•

Propriamente falando, é a ttreeira, e não a primeira das duas proposições


acima mencionadas qu• Malthus via como o ponto nodal dt sua obra. Aliás,
as duas primeiras já haviam sido formuladas tepetidamente antes de Malthus,
•nem m<Smo a f6rmula das progressões "aritmética" e "geométrica" é dt sua
própria lavra (pode-se encontrá-la. por exemplo, no economista italiano Ortes).s
O objetivo fundamental que Malth.us pusera a si mesmo não era o de provar a lei
da população cm si mesma, mas de investigar suas consequências sociais (acima
de tudo, a origem e as causas da pobreia e do desemprego). :-:uma passagem, ele
se cxpteSSa da seguinte forma:

Foi dito que eu mia escrito um quarto volume para provar que a população au·
menta numa proporção geométrica, ao passo que os alimenros, num• proporção
aritmética; mas isso não é verdade. A primeira dessas proposições considerei pro-
..da desde: o momcnm cm que o crcscimenm americano foi relatado. e a segunda.
logo depois de ter sido enunciada. O objeto principal de minha obra era indagar
sobre os efeitos que essas leis, que considcriei como estabelecidas nas primeiras seis
p;íginas !do primeiro capírulo de E"11lio sobrt0 Princípio da População - I.lt].

haviam prod112iclo e poderiam produ<ir na sociedade.•

Assim. ªparte mais importante da teoria de Malthus é sua doutrina de q~•


a pobreza.
l'l$ulta da superpopulação absoluta, que, por sua vez, é con•-.
..nuênC"1
das duas primeiras proposições.
.
O Pró ptHl· "·'th . esconde que a principal tatcfa que d ecolocou. a
"'"' us nao
51mesmo é ª de explicar e justific4r a pobreza das massas trabalhador2S na socie-
dade capitalion..

Que a pnncip
· · ai e mais permanente causa da pobreza tem Pouca ou nenh•""' ·-
1 d" rop•••
rc ação ''ti" com as formas de governo ou com a divisão desigual da p rego
dadc; e que, como o rico não põs5ui, cm realidade, o potkr de encontrar ernP
·----. ----~-- \" ... ·•
...ra ... _
MALTHUS I! A l.El DA POPl,/LAÇA,Q 361

e manutenção para o pobre, este não podei conforme a natureza das coisas, possuir
o áireitO de exigi-los do rico; essas são importantes verdades que resultam do
principio da população, que, q1mndo adequadamenre explicado, não é de modo
algum inacessível à compreensão do homem comum. E é evidente que todo
homem que, nas cL'\S..~es mais baixas da sociedade, romassc conhecimento dessas
vcrdadc.~1 estaria mais C.isposco a suportar com mai$ paciência os tormentos que 0
afügern, sencindo~se menos descontente e menos revoltado contra o governo e as
classes mais altas da sociedade a respeito de sua pobreza; ele se rornaria, em geral,
menos dispos[O à insubordinação e à turbulência; e se recebesse assistência, .stja
de alguma instituição pública, seja da caridade privada, ele a teeeberia oom mais
gratidão e apreciaria mais jwu.mentc seu valor.7

Seria difícil encontrar palavras que revelem mais vivamente a.i unáên-
cillS rtacio11árias de Malthus e seu desejo de provar a rodo cusro a necessidade
da pobreza e do desemprego. No entanro, de um ponto de vista re6rico, foi essa
tarefa de justificar as calamidades do capitalismo que Malthus cumpriu do modo
mais satisfatório. Mesmo aqueles economistas que se inclinam a uma concordân~
eia torai ou parcial com as duas primeiras proposições de Malchus percebem a
ftagrantc falsidade da terceira. A pobreza e o desemprego modernos resultam não
de qualquer escassez de meios de subsistência, mas, ao contrário, do aumenro
colossal das forças produtivas e da tecnologia rnc:cânica sob condições capita-
listas, Eles têm de ser reconhecidos como um produto de condições sociais,
mais do que naturais; como produto da "'superpopulação relativa" inerente
à economia capitalista, e não de uma "superpopulação absoluta" derivada da
Pl'Ópria natureza do homem. A r<ncativa de Malrhus de lançar a responsabili-
dade pela pobreza contemporânea em fatores biológicos e puramente técnicos
Íoi completamente fracassada.
Embora Ricardo renha compartilhado da teoria da população de Malrhus,
os do'lS fo Iam oponentes dirccos quanto à teoria '- "',,1o,· A visão de Malrhus. era a
· '"'
de l .~ donnnáa e dcrermmado,
que o valor das mercadorias é regulado pe a 0;•rt1r ' /
, • . é salários mais lucro ,e
Clb. condições normais, pelos crutos áe proa:tfll0 • lSto ' fo d
. 1 balho tal como rmu1a a
'<nela). Rejeitando resolutamente a teot1a do va or-tra d 1 Tal
Por "• . '
"'-lcardo, Malthus reteve o lado mais rraco
da teoria smichiana o va:or.
doria
co lho áiáa do valor de uma mcrca
mo Smith, ele considerou que a me r m• uocad 11 rém há uma
0
•ra a quantidade de trabalho que ela comprará quando a. '
A oe.s•NTl!.ORAÇAO OA ESCOLA cLASSICA
362

. h e Malthus. Smith, que combinou um ponto de


O'rande àiferença entre Smie
~ al" m "capitalista" (ver capitulo 22), falava ora de "trabalh
vista "arresan com u " . o
incorporado coman vedá l" (isto é produtos), ora de trabalho vivo comand ·_
, . a:
vel" ('1StO é, força de trabalho). Malthus adotou cons1Stentemente a peculiari-
dade do sistema capitalista e sempre assumiu que uma mercadoria é usada por
seu possuidor para comprar crabalho vivo, ou força de ~rabalho. Um capitalista
tem 100 libras, ou mercadorias nesse valor. Como medimos o valor dessa sorna
de dinheiro ou mercadorias? Pela quantidade de trabalho vivo que o capitalista
pode adquirir com ela. Suponhamos que, com essa soma, o capitalista contrate
dez trabalhadores por uma semana. Isso significa que o valor de seu dinheiro
{ou mercadorias) é medido por dez trabalhos semanais. Suponhamos, agora, que
0 produro manufaturado por esses dez homens seja vendido pc!o capitalista no

decurso de uma semana, com um lucro de 20 libras, isto é, por 120 libras. Com
essa soma de dinheiro, o capitalista pode, agora, contratar mais trabalhadores
do que antes, isto é, doze trabalhadores. Isso significa que o valor do que foi
produzido é medido pelos doze trabalhos semanais que ele pode comprar quando
crocado. O capitalista gasta na produção do produto uma quantidade definida
de trabalho (de seus trabalhadores) e pode comprar uma quantidade maior de
trabalho quando o produto final é trocado. De onde provém esse excesso que
forma o lucro? A essa questão, Malchus não dá qualquer resposta. Ele pensa ob-
viamente que o lucro é uma etiqueta de preço que o capitalista adiciona ao valor
de uma mercadoria a ser paga pelo consumidor. Desse modo, Malthus recua às
ultrapassadas concepções mercantilistas do "lucro sobre a alienação".
. De todo modo, quem são esses consumidores que pagam pelas meccadorias
m015 do que seu valor? Os trabalhadores podem comprar apenas uma porção das
mercadorias produzidas por seu trabalho, uma vez que o preço dessas meccado·
rias (120 llbras) é maior d0 que os saianos
. . rotais que eles receberam ( 100 l"b 1 ras ·
)
De modo similu' os caP1·tal"iscas, que aspiram, se possível, a reduzir seu propri • ·o
consumo pessoal corn o 0 b' . d . o-
. Jenvo e acumular capital, não podem consumlf ª t
talidade do produto exced O ___ ,. do
. ente. produto total produ7.ido não pode ser r=1za
sem a ajuda de compradores • . • ro-
prietários fu d'. . - terce1ros -, que não podem ser senão OS P
teoria dos m~~ios'.os funcionários do Estado, etc. A.sim, Malchus chega à sua
En ªº'e a sua doutrina da utz·L·zaaae
;_ , ao -·- .1 ·vo•
, conmmidor improuutz
quanto o objetivo que a 1 1• . . 0 do
crescimento u· . d d csco a e assica designava à economJa era .
irn1ca o a produção, cujo mocor é a classe dos capitalisras in-
MAl.T .. us E A l.EI OA POPUl.AÇAo 363

duscriais, Malthus defende a existência necessária das clasm improdutivas (a


aristocracia rural, a burocracia, o clero, etc.). Essas classes improdutivas apenas
compram produtos, mas não os vendem; consomem, mas não produzem. Assim
0 fazendo, das harmonizam a prod111ão e o consumo, a oferta e a demanda, e
salvam a economia de crises permanentes de superprodução. Os clássicos consi-
deravam que a produção geral não podia se dar sobre uma base na qual cada
producor é também o consumidor da soma cocal de sua própria produção. ~essa
questão, Malchus se encontra formalmente falando sobre um terreno mais firme
ao estabelecer que a acumulação ilimitada de capital e o crescimento igualmente
ilimitado da produção podem levar a crises. No debate sobre os mercados e as
crises, Ricardo e Say se posicionaram de um lado, e Malchus e Sismondi, de outro
{ver capítulo 37). Porém, aqui, a essência do argumento de Malchus é extre-
mamence fraca, girando em corno da ideia de que capitalistas e trabalhadores
são incapazes de consumir seu produw inteiro, uma porção da qual rem de ser
vendida às classes improdutivas. Sobre isso, Malchus diz o seguinte:

Em relação aos capitalistas r...~. des rC:m cercamente o poder de consumir seus
lucros ou o rendimento que eles obcêm pelo emprego de seus capitais; e, se eles
os consumissem [... ], haveria pouca necessidade de consumidores improducivos.
Mas tal consumo não se enquadra nos hábitos atuais da maioria dos capitalistas.
O grande objetivo de suas vidas é acumular uma fortuna, seja porque é seu dever
manter uma provisão para suas famílias, seja porque não podem gasear conforta-
velmente seu rendimento quando são obrigados a passar seis ou sete horas por dia
num escritório contábil[ ... ]
Deve haver, portanto, uma classe considerável de pessoas dotadas [anto de
vontade como de poder de consumir mais riqueza material do que elas mesmas
produzem, ou as classes mercantis não poderiam continuar a produzir lucrativa-
mente muito mais do que 0 que elas consomem. Nessa classe, os proprietários
rurais ocupam, sem dúvida, uma posição proeminente [. · .]
E no que diz respeito (aos] trabalhadores, deve-se admitir que, se eles possuem
a vontade, não possuem 0 poder de realizá-la [... ] Mas como um grande aumento
do consumo entre as classes crabalhadoras cem de aumentar em muito o custo
de produção, é preciso abaixar os lucros e diminuir ou desrruir a mocivaçáo de
acumular, antes que a agricultura, as manufaturas e o comércio renham alcançado
Df.SINTt:OA ... ÇÃO O .. ESCOLA CLÃSSICA
364

qualquer grau coniidcrável de prosperidade. Se cada trabalhador tivesse realmente


de consumir 0 dobro da quancidade de cercai que ele consome arnalmemc, urna
I tal demanda, cm vez de trazer um estímulo à riqueza, lançaria uma grande quan~
tidade de terra fora de cukivo e diminuiria imensamenrc o comércio, canto imcrno
quanto cxterno.8

Malthus náo percebeu que os capiralistas, que não podem de fato destinar
seu mais-valor inteiro ao consumo pessoal, ainda preferem não vende-lo aos pro-
prietários fundiários, mas acumulá-lo na forma d.e novas máquinas, fábricas, etc.,
de modo a txpandir a prodrirão. Os paitidários da burguesia industrial conside-
raram os métodos salutares de Malthus como altamente inviáveis. Um ricardiano
objetou a Malthus nos seguintes teimos: "Ficamos continuamente confundidos,
nessas especulações, entre o objetivo de aumentar a produção e o de refreá-la.
Quando um homem está à procura de uma demandd, o sr. Malthus o recomenda
que pague a outra pessoa para que esta compre seus produtos?".•
O choque entre Malthus e seus oponentes é ilustrativo da luta entre a
aristocracia rural ta burgrmia comerrial-industrial- uma luta que ocupou toda a
história da lnglare1ra durante a primeira merade do século XIX.

Notas

l. William Godwin, An ~nqniry amttming politi,al ju.stict, aná its injlumce on gmtral
vfrtUl anJ happinm.
2. "O grande erro que atravessa toda a obra do sr. Godwin é a auibuiçáo de quase
todos os vícios e da miséria que prevalece na sociedade civil às insdtuições humanas.
As regulações poUlicas e a administração da propriedade são. para ele, as fontes
de todo mal, 0 celeiro de todos os crimes que degradam a humanidade. Se isso
fosse realmcmc vacfo.dc, não pareceria ser uma tarefa absolutamente desesperada
remover complctamcme o mal da fuce da terra, e a razio parece ser o insuumcnto
próprio e adequado para a rea 1·1zaçao _ . M as a verdade é
- de um tão grande propos1to.
q~c, embora as insticuições humanas pareçam ser, e de faro o são, as causas óbvias
e mcomcstá.vcis de muitas falhas na sociedade elas são na realidade, 1evcs e su-
pcr6ciais cm compa - ' ' 1 al11 das
raçao com aquelas causas profundas do mal que resu t
leis da natureza d .• h ·nciplt
e as pa1xoes da humanidade" (Malthus An tssay on t. t í'''
o/population, reimpressão da terceira edição, Londres: ~ard, Lock & Co., 1a90,
MALTHL18 E A LEI OA. POPULAÇA.O 365

P· 207-208 [ed. bras.: Thomas Rohm Malrhus, Ensaio sobre apopulacão, 2. ed., São
Paulo: Abril Cultural, 1986, coleção Os Economisras]).
3. Mal1hus, An may 011 tht principie ofpopuliuion, 1890, p. 14.
4. Edwin Connan, A history of tht theories ofprodurtio11 and Jisrribution ;,, Eng/uh
politir11/ tco11omy,.from 1776-1848, Londres: P. S. King & Son, 1924, p. 144.
5. Marx, no livro 1 de O capital (Capital, edição da Pcnguin, p. 800), refere-se a Oncs
como "11111 dus gr:mJcs escricores econômicos do .século XVIII [que] consideram
o antagonismo da produção capitalis1a como uma lei narural universal da riqueza
social''. Ele cita a partir de D~l/a mnomia nazionak (1777), de Ones: "Na economia
de uma nação, as vantagens e os males .sempre se conu·.1halançam uns aos ourros: a
abundância de riqUL'U de algumas pessoas é .sempre igual à falta de riqueza de outras
[ .•. ].A grande riqueza de um pequeno número é sempre acompanhada da absolura
privação dos bens de primeira necessidade de mui1os ourros. A riqueza de uma nação
corresponde à sua população, e sua miséria corresponde à sua riqueza. A diligência
de alguns compele outros à ociosidade. O pobre e o ocioso são uma consequência
necessária do rico e do homem arivo [...]".
6. Malthus, An ""'"! on tht principkofpopulation, p. 552 e s.
7. lbid., p. 541-542; grifos de Malthus.
!-·
8. Malthus, Tht principies ofpolitirai tc0nomy, fac-símile da edição de 1836, reimpressa .,
pelo lnterna[ional Economic Circlc, Tóquio, em colaboração com a London School
~!
ofEconomics, Tóquio: Kyo bun Kwan, 1936, p. 399-405 [ed. bru.: Thom., Robert
Malthus, Princípios át 1co11omia política t amsidn-a(Õts sobre n111 aplicarão prd1ic11,
2. ed., São Paulo: Abril Cultural, 1986, coleção Os Economistas].
9. Passagem cilada por Marx cm 1T1torits ofsurplru valut, pane III, p. 60 e atribuída ao
autor anônimo de An int/1tiry ;mo 1host prinâpks, resp«ting tht natu" ofánnaná anti
the ntrtssity of rorurmrption, lattly adlHmlttd by mr. Mahhus, Londres, 1821, p. 55;
grifos de Marx.

·-·~
capítulo 32
O INÍCIO DA ECONOMIA VULGAR
say

A escola clássica estudou as formas sociais das coisas (valor, salários, lucro,
renda) sem perceber claramente que estas não são mais do que uma expressão
das relações sociais de produção entre pessoas. Daí decorre a dualidade nas con-
clusões da escola clássica. Uma vez que estudavam as formas sociais das coisas
como distintas delas mesmas (por exemplo, o valor do produto como distinto
do próprio produto como um valor de uso), eles as tomavam como o resultado
do trabalho humano (ainda que sem qualquer consciência dara da forma social
em que esse trabalho é organizado) e, desse modo, também da sociedade humana.
Desse ponto de vista do "trabalho", os economistas clássicos reduziram os salários,
o lucro e a renda ao valor, e este último ao trabalho. Eles encontraram no valor a
base profundamente oculta de todos os fenômenos econômicos e, com sua teoria
do valor-trabalho, assentaram as fundações da economia política como ciência
social. Por outro lado, visto que estudaram as formas sociais das coisas, os eco-
nomistas clássicos se inclinaram a buscar sua origem nas propriedades naturais
ou técnico-materiais das próprias coisas. Para eles, parecia perfeitamente natural
que os meios de produção (maquinaria, etc.) tivessem a forma social do capital.
Parecia não menos natural que 0 capital tivesse de obter um lucro. A partir daqui,
era fácil chegar à conclusão de que é o capital, em sua forma técnico-material
(maquinaria, etc.), que gera 0 lucro para seu possuidor. Tais visões escavam em
plena harmonia com as ideias triviais, "vulgares"' que reinavam no interior dos
círculos empresariais e entre 0 público geral, que se limitava à observação superfi-
cial dos fenômenos econômicos.
A dualidade entre os pontos de vista do "trabalho" e "vulgar" deixou suas
!\\artas no sistema de Smith. Onde escava tentando empregar uma análise teórica
º"' ESCOLA c1.AsS•CA
368 A 0ESll\IT1iGRf4ÇÃ0
I fe • enos econômicos, ele identificou o trabalh
desvelar as causas dos nom . . o
para rou esre último como a magmtude primária que se
como a fon« do valor e procu d .
sal , . lucro e renda. Por outro lado, on e Smith
resolve, encáo, em ar1os, '
se limitou
,_ ô econômicos tal como eles se apresentam a observaÇao·
descrever os rrn menos
ª .
el . valor como 0 resultado da adição de salários e lucro (e renda)
super6aal, e v1u o . ,
. d fo por sua vez, determinadas pela lei da oferta e da demanda
cuias gran ezas ram. . .
• . de vista levou Smith à teoria do valor-trabalho, e o segundo a
O pr1me1ro ponc0 p , • _ '

uma reoria vulgar dos cusros de produçao (que se baseava, em ultima instância,
na ceoria da oferta e da demanda).
Ricardo desenvolveu o lado mais valioso da doutrina de Smith, seu ponto
de vista do "rtabalho": ele aderiu coerentemente à teoria do valor-trabalho e fez
dela a base de sua reoria da distribuição. No entanto, mesmo na versão melhorada
formulada por Ricardo, a teoria do valor-trabalho se mostrou em contradição
com o &!o básico da economia capicalisra, a saber, o de que as mercadorias são
vendidas a preços que consistem nos custos de produção mais o lucro médio.
Os oponentes de Ricardo se aproveitaram dessa contradição: eles propuseram
descartar inreiramenre a teoria do valor-trabalho e se limitar à teoria vulgar dos
cuscos de produção, que apenas generaliza o ponto de vista do empreendedor
capiralisra. Esre último considera que o preço de sua mercadoria cem de, no
mínimo, compensá-lo por todos os seus gastos na produção (a contratação de rta·
balhadores e o capital consrance) e ainda render um lucro médio. Generalizando
essa visão, o economisra "vulgar" diz: o valor de uma mercadoria é determinado
por seus cusros de produção mais o lucro habitual sobre o capital. De onde vem
esse lucro (isro é, a quantia excedente para além dos custos de produção). por que
ele se esrabelecc nesse nível e o que determina o tamanho dos próprios custos
de produção (isto é, o valor das matérias-primas, da maquinaria e da força de
trabalho) são questões básicas que não atraem a atenção nem do empreendedor,
~ q~al elas de fato não concernem, nem do economista vul=. cujas análiseS
1arn:us ultrapassam a superfície dos eventos "
ll:o mesmo momento em que a escola · clássica dava seus primeiros y---"''°"
uma
. , corrcnce "vu).,,•
.,- • -·-' l ,
..-~e a a tendência principal que Ricardo represeº •
cava
Iª começava a se desenvolv · do-se sobre o lado fraco da teoria
· sm•"chiaDa.
Jª· sabemos que Malchus suber, apoian
· · · da ofertll
smuiu a teoria do valor-trabalho pela teoria
O INICIO OA. ECONOti!rA. VVL.GA.fiil 369

demanda (e a ceoria dos custos de produção) e se empenhou em desenvolver


•da. ivocada de Smith sobre o crabalho - o trabalho comandado em troca
a ideia equ .
uma mercadoria - como a medida do valor. Mas as ideias de Malrhus sobre 0
de d. . . d . b
valor eram confusas e contra ICOnas ema1s para o ter um sucesso geral. A honra
de fundador da "economia vulgar" coube, não a ele, mas ao francês Jean-Baptiste
Say (1767-1832).
Como Malrhus, Say teve seu livro impresso antes do livro de Ricardo. Seu
Traiti d'économie politique, publicado em 1803, obteve várias edições e gozou
de enorme sucesso. Uma superficialidade de ideias, claridade de construção e
um estilo fluente rornavam o livro acessível a um amplo círculo de leitores. Say
ajudou muito na difusão das ideias de Smith {mesmo que numa versão distor-
cida) por rodo o continente europeu e ainda em vida foi considerado um dos
maiores economista• de seu tempo. Essencialmente, porém, Say foi um estudioso
extremamente superficial, e seu único mérito foi ter fornecido uma exposição
popular das ideias de Smith. Foi Say, aliás, quem introduziu a classificação das
matérias que hoje é corrente na economia política burguesa. Ele dividiu a segunda
edição de seu Traité do seguinte modo: l) a produção de riqueza; 2) a distribui-
ção de riqueza; e 3) o consumo de riqueza. Em 1821, James Mill, obviamente
seguindo o exemplo de Say, dividiu seus Elementos de economia política em quatro
seções: 1) produção; 2) distribuição; 3) troca; e 4) consumo. Essa divisão, que
desfaz artificialmente a conexão entre aspectos do processo econômico que são
inseparáveis, seria amplan1ence praticada na ciência.
Say cercamente não se via como um popularizador de Smith, mas preten-
dia dizer algo cientificamente novo: a doutrina dos crês fatores de produção e
serviços produtivos, a teoria dos mercados {sobre sua teoria dos mercados, ver
0 capítulo 37, que trata de Sismondi). Para não mencionar sua extrema superfi-

cialidade , essa "u'l uma


· palavra• represencou um passo arcas
• se comparada com a
doutrina de Smith, fazendo de seu autor o pai da economia vulgar. Se Ricardo
desenvolveu os aspectos positivos da teoria smichiana, Say utilizou seus pontos
fracos para vulgarizar a teoria clássica.
Podemos obter uma ideia mais clara da doutrina de Say se a confrontarmos
Com as teses básicas de Ricardo:
A OESINTEGFIAÇÃ0 OA ESC:OL ... CLASSICA.
370

Riwdo Say
~llti.:"0~,~.,'-10-,-ce-m_d_e_se_r_fu_n-:d-am_e_n_i;-:-ilm-en-t-je 1. O valor é confundido com a ;;;;;;-
discinguido da ..riqueza" (valor de uso).

2. O valor é criado pelo tmbt1lho. 2. O valor é criado por m~


e rapitt1l.

3. o valor de um produco sr wolve em 3. A soma de sahírios, lucro ~:;~


saHrios e lucro. O tamanho do valor constitui o v~\lor de um produto, A
d.:termina o tamanho do rendimento. rnagniluc.h: do roulinwuo (ou a soma
dos custos de produç~to) determina a
magnitude do t•alor.

Como fica claro no primeiro ponro, a teoria do valor de Say diverge radi-
calmente das teorias de Smith e Ricardo. Na tradição da escola francesa (os fisio-
cratas, Condillac), ele confunde valor com valor de wo. Para Ricardo, a utilidade
de um produto é uma condição necessária de seu valor de troca. Para Say, isso
não é suficieme. De acordo com sua visão, "a tttilidt1de das coi~as é o fundamento
de seu valot - a magnitude da utilidttde subjetivt1nunte reco11heâtk1 de um arcigo
determina a magnitude de seu valor de troca objetivo. "O preço é a medida d.o
valor das coisas, e seu valor é a medida de sua utilidade. [ ... ] O valor de uoca. ou
prcço1 é um índice da reconhecida utilidade de uma coba." 1
Ricardo argumentou contra essa teoria subjetiva do valor, tanco em seus
Pritidpios (capítulo 20) como em sua correspondência com Say. Por que, pergunta
Ricardo, pagamos duas mil vezes mais por 1 libra de ouro do que por 1 libra
de ferro, embora os reconheçamos como igualmente úteis? Say poderia apenas
responder que 1.99912.000 da utilidade do ferro nos é dada gratuitamente pela
natureza •e temas apenas de pagar 112.000 por essa parttetpaçao
. . - em su a utilidade,.
o que correspond.e ao taman I10 d os gastos que uvcmos
. . Pª ra produII·
d e rea 11zar
-la. Com isso S · d . · dos CJiJfO!
' ay cranstta a teoria da utilidade subjetiva para a teoria
de prod1<pio.
Não prec's1 d fundido 0
amos nos surpreender, então, que Say, ten o con Jo
valor com o valor d . d cos seo
e uso, rc1cite a teoria do valor-trabalho. Os pro u ' as
valores de uso, só d . , . 'd das forÇ
d po cm ser cnados pelo trabalho se este e assisti 0 P ê-5
a nature7.a e p ·I . . I) "Essas tr
r e os metas de produção (que Say chama de capita · ·a
ronccs são ind' . . , a reorl
, . . ispensavc1s a criação de produtos", que, de acordo com . Je i
de Say, stgntfica a "cria ,. d 'lºd ,, S utiltd•
çao e UtJ 1 ade . 2 E uma vez que, para ay. a
371

. , guível do valor, é claro que não é apenas o trabalho que c . 1


indiscJP . ria va or, como
. h sinara, mas todos os tres fatores de prod1tçiio. 3 "Os vai .
Sm1t cn . • . . , . ores produzidos
da ação e ass1Stenc1a da mdusma, do capital e dos a•ent .
t<SU1tarn • • . " es natura15; [...]
nenhuma fonte alem dessas tres . pode produzir valor ou incrementar a nqueza
.
humana."' Say discorda de Ricardo quando este diz que os "agentes naturais,
embora incrementem em muito o valor de uso, jamais criam valor de troca".5
:\lo, responde Say, pois "a produção realizada pela natureza acrescenta aos rendi-
mentos dos homens não apenas valor de uso, o único valor que Smith e Ricardo
atribuem a ela, mas também um valor de troca" .6 Como isso ocorre é algo que
Say não demonstra. De modo precisamence idêntico, o seu único argumento
para a ideia de que o capital cria valor é aduzir o fato de que ele rende uma forma
especial de rendimento, o juro.
Assim, existem três fiuores de prodtt(áo: o trabalho, o capital e a natureia
(terra). No interior do processo de produção, cada um deles rende um "serviço
produtivo", pelo qual (com exceção daqueles serviços que a natureza presta gra-
tuiramenrc) seu possuidor recebe uma remuneração ou rendimento (salários, juro
'renda). Essa recompensa é extraída do valor do produto: cada um desses pos-
suidores recebe aquela porção do valor que foi criada pelo fator de produção que
lhe pertence. O trabalho cria s11Lírios (isto é, a porção do valor do produto que
é igual a salários), o capittz/ cria o juro e a terra cria a remia. Quando somadas, ª
quantia total desses três rendimentos determina o tamanho do valor do produto
i~teiro, Contrariamente à visão sustentada por Ricardo, um aumcnro nos preços
nao precisa necessariamente gerar uma queda no lucro: toda discussão sobre um
tonRito
. de mtcresses
· de classe ou sobre a exploração dos mt balhad0 rcs pelo capi-
lal1Sraesta• <mra de questão.
A do Utnna
· de Say que postula "três fatores de pro duça·o" tornou-se asn-
1
P•rnente a · dº qualquer manual
d. . . • cena na ciência burguesa e, mesmo cm nossos ias, .
t>idira sua • • trabalho e capital.
s scçao sobre a produção nas rrês subseçoes narureza. . •
ua dGutrina d u • ,, • mo sua teoria da pro·
..
dutivtd os scrvu;os produdvos (ou, o que e o mes '
d b i uai sucesso.
Pti . a e do capital", isto é, de que 0 capital cria valor) 0 teve g ·us-
tnc1rarne etia fornecer uma J
ti6ca . nte, em termos práticos, a teoria de Say pron• • ºd [ eamedl e
Çao para 1
dcrn ° ucro e a renda como rendimentos na-o adqum os "" a pani·
•nstrar ·1 . d balhadores por um
<ip'lã a t cgirimidade das reivindicações os era Ih ia apenas o
º"ºpr0 d ucorraba ocr
'>lor d llto além de seus salários (uma vez q É verdade que os
e Seus salários e não a totalidade do valor do produto).
DA ESCOi.A c1..AS8ICA
372
/
p objetivos dos apo1og1S
S
npo~
· taS mais ignóbeis ainda eram, até certo ponto, escran.i,
.
• sua doucrina foi mais carde usada precisamente para esses fins "-~
.. . ·
os a
-
) . do 1ugar, a "''rmula
seeun
"' da) parecia,
..rcn
ro
trinária" de Say (crabalho-salario, capital-juro, terra-
· com efeito ' fornecer um esquema baseante harmonioso que reu rua .
os fenômenos da produção, da croca e da distribuição: nela, o trabalho, a naiurcza
e 0 capital assumem simultaneamente os papéis de: 1) fatores da produção mate-
rial, 2) criadores de valor e 3) fontes de rendimento. Mas essa harmonia foj
obtida à custa de confundir o valor com a utilidade, por um lado, e 0 processo
de produção do valor com o processo de produção dos produtos, por outro.
Todos os fenômenos econômicos foram fetichizados e privados de todo conteúdo
social: a fonte do valor, a forma social do produto, foi identificada com os fatores
técnico-materiais como tais (maquinaria, agentes naturais). A teoria econômica
foi reàuzida a uma mera descrição da forma externa, material, dos fenômenos
econômicos. De acordo com Say, o capital rende juro; consequentemente, o juro
(como uma quantidade de valor) é criado pelo capital (constituído pela totalidade
dos meios de produção). Desse modo, ele rompe toda conexão entre o valor e o
juro, por um lado, e entre o trabalho humano e as relações de produção entre
pessoas. por outro. O valor e o juro são criados diretamente pelas coisas (capital),
ao pa.<sa que o valor do proàuto compõe-se de seus custos de produção ou seus
rendimentos (salários. lucro e juro). pensa Say, generalizando, no primeiro caso,
as noções vulg.trcs e cotidiana.~ do capitalista e, no segundo, as do manufaturador
• meo;:ador. Essa ideia errônea, que às vezes pode ser encontrada em Smith, de
que o valor depende do rendimento é conduzida por Say até sua conclusão lógica.
~o entanto, se a magnitude do valor de um produto é determinada pelo camanho
de seus salários, lucro e renda, o que determina a magnitude desses fatores? Aqui,
0 único recurso de Say é apelar à lei da oferta e da demanda.

Say obteve seu maior sucesso na França. Em razão do relativo arraso eco-
~õmico desse pais, 0 erro tradicional dos economistas franceses, em oposição aos
ingleses, foi sua inabilidade para formular um conceito claro de valor e sua incli·
nação a substitui-lo por um conceito · de valor de uso. Porém, mesmo na l n&"~!aterra.
1
•Ugar de seu nascimento,
ª escola c1ass1ca,
• .
mesmo que mais lentamente 0
d que na
França, enirou num período de dccl' . 1 . -
in10 e vu garizaçao.
o INICIO DA eco ... OMIA VULGAR
373

Notas
Jean-Baptiste Say, A treatise o~ political tconom~; or tht production, distribution and
!. ronsumption of wealth, tradu21do da quarta edição francesa por e. R. Prinsep, cm
dois volumes, Londres, 1821, p. 4.5 [Jean-Baptiste Say, Tratado duconomia politica,
2• cd .• São Paulo: Abril Cultural, 1986, coleção Os Economistas]; grifos de Rubin.
2. Jbid., p. 40.
3. t 0 que Say chama de "serviços produtivos" dos três fatores de produção.
4. Say, Trtatise (tradução de Prinsep), v. 1, p. 37-38. Por "indústria" (,focu/:I indus-
triilk), Say entende a força de trabalho humana; "trabalho" é a atividade ou o serviço
produtivo criado pelo fator "indústria".
5, Ricardo, Principies (edição de Sraffa), p. 285; grifos de Ricardo.
6. Jean-Baptiste Say, Traitl d'lconomie politiqut, 6. ed., Paris, 1841, livro I, v. 1, cap. 4,
p. 72 e s. Esta nota foi adicionada em edições posteriores do Traitl e não aparece na
tradução de Prinsep.
capítu:o 33
os DEBATES EM TORNO DA TEORIA
RICARDIANA DO VALOR

A teoria do valor consrirui a pedra de roque do sistema inteiro de Ricardo.


É, portanto, fácil de entender por que foi em torno dela que se travaram, ao longo
da década de 1820, os debates entre os seguidores de Ricardo e seus oponentes. O
próprio Ricardo abrira uma brecha em sua reoria do valor que permitia o ataque
de seus oponentes. Ele não soube como harmonizar a lei do valor-trabalho com a
lei da equalização da taxa de lucro (ver capítulo 28). Como podem dois produtos
manufaturados com idênticos dispêndios de trabalho ter valores desiguais se os
capitais investidos em sua produção circulam por períodos desiguais de tempo
(ou, o que resulta no mesmo, se capitais de diferences tamanhos são invesridos
pelo mesmo período de tempo)? Essa fora uma questão teórica problemática para
Ricardo, que a ela retornou constantemente e de modo extremamente conscien-
cioso cm sua correspondência com Malthus, McCulloch e outros. Ele admitiu
francamente que desistira de encontrar uma solução satisfatória para essa questão.
O próprio Ricardo indicara que essa era a parte mais vulnerável de sua
tco.ria, e foi contra ela que Malthus, Torrens e Bailey dirigiram seus ataques. Em
unissono, afirmaram que as "exceções" que Ricardo admitira desprovia sua lei
~ \'alor-crabalho de qualquer validade. ~as palavras de Malthus, cais exceções
s~o tão consideráveis - canto teórica quanto praticamente - que destroem in-
teiramente a posição de que a troca de mercadorias entre si se dá de acordo com
ªquantidade de trabalho que nelas foi empregada".' Essa proposição [de que os
Produtos são trocados por seus valores-trabalho - ~. do T.L; dificilmente poderia
ser aplicada . d . . .
1. • ª ma.is e um caso em quinhentos, uma vez que o progresso da C1Vl-
llaçao e da tecnologia provocará tanto um aumento no volume de capital fixo
<juanco diferenro• · dos d e rend'1menro d o cap1t
r - nos peno · al ; isto
· e,' criara
· ' con diçoes
-
'!U•violam
a troca de produtos de a<:ordo com seu va1or-trabalho.
º" e s c o l ... CLASS1CA
376

Tom:ns e Bailey rambém argumentaram que a lei do valor-trabalho não


cem validade na economia capitalista.
Com suas objeções à reoria de Ricardo, o que esses críticos propõem em.
seu lugar? Simplesmente descartar a teoria do valor-trabalho. Na opinião de
~al.dtus, 0 tamanho do valor de um produto é determinado pela relação entre
oforta e demanda, ao mesmo rempa que ele convida seus leicores a tomarem
como medida do valor de um produto a quantidade de trabalho que ele compraxá
quando trocado. Assim, ele propõe abandonar a teoria de Ricardo e retornar à
falsa rese smithiana sobre a medida de valor. Outra ideia errônea de Smith foi re-
cuperada porTorrens (cuja obra principal é seu Ensaio sobre a produção de riquaa,
de 1821), que afirmou que, enquanto a lei do valor-trabalho se aplica~ economia
pré-capitalista, a única lei que age na economia capitalista é a lei dos custos de
produção, de acordo com a qual, "quando capitais de igual quantidade {...) são
empregados, os artigos produzidos[...} serão iguais em seus valores de troca". 2
Finalmente, há Bailey,• que defendeu a renúncia ao conceito de valor
"absoluto" e a limitação ao estudo do valor "relativo", ou das proporções em que
as mercadorias são trocadas.
As contradições que despedaçaram a teoria de Ricardo seriam resolvidas
apenas muitos anos mais tarde por Marx com sua teoria dos preços de produção.
Marx mostrou que, numa economia capitalista, diferentemente de uma simples
economia de mercadorias, a lei do valor·trabalho não se afirma diretamente, mas
apenas indiretamenr.e por meio de um complexo processo social de formação da
i taxa média de lucro e dos preços de produção. Enquanto esse complexo processo

social não fosse examinado, persistiria uma contradição irreconciliávd entre ª


lei do valoMrabalho e o fato de que as mercadorias são vendidas pür seus preços
de produção (igual aos custos de produção mais o lucro médio). Os seguido--
res de Ricardo e os verdadeiros continuadores de sua tradição Games Mill•• '
McCulloch•••) remaram resolver em vão essa contradição. Ambos se mostraral1l

----

••
Sua principal obra é: A . . / d·
(1825)

....
fi. cntua mertation rm the nature, meas11re, and causts '1
0 t vafut

·-u Defi,q~~ Ol(C-:'trcmamcntc c:rltic::a a Malchus e longameme atacada por este últitnO e
n1t1ons •.:. do T.l.)
J1I

A principal obra econômica d . . ) mas de


também csc:rcvcu ob e. Mil~ e seu Elemellt:s ofpolitica! economy (1821 •
Um \'fi ru sobre h1st6n:i da filosofia. ;US
im::t: amor, seu Principie 0/ politr'cal economy (1825) é uma de suas obr.15 fJ1
os oe:aATES EM TOIU•O DA TEORIA RICAROIANA DO VALOR 377

ÍlllpG'ences para salvar da ruína a escola "ricardiana" que presidiam. Mill forneceu
uma c:Xposiçáo clara e sistemática da teoria de Ricardo, mas, por não ser um
pensador criativo, foi incapaz de fazer avançar a ciência econômica. Cega e dogma-
;amence fiel às palavras de Ricardo, ele se satisfez com uma cesoluçáo meramente
verbal das concradiçóes em que seu mestre se enredara. Ainda menos capaz de
soeorrer a teoria ricardiana era o presunçoso e irreverente McCulloch.
Tanto Mil! quanto McCulloch tentaram - sem nenhum sucesso- mostrar
que, apesar das "exceções" admitidas por Ricardo, a lei do valor-trabalho se
afirma diretamente quando as mercadorias são trocadas na economia capitalista.
O pcoblema da troca de mercadorias produzidas por capitais de composições
orgânicas desiguais foi facilmente resolvido por eles, com a simples afirmação de
que a maioria das mercadorias é produzida por capitais de composição orgânica
média e. portanto, são vendidas por seu valor-traba1ho. Mas, encáo, canto Mill
quonto McCulloch se defrontaram com uma segunda exceção mencionada por
Ricardo e que surge quando as roraçóes de capitais são de diferences períodos de
tempo. Como explicamos o valor maior de um produto produzido por um capital
investido por um período maior comparado a outros produtos que contêm uma
quantidade idêntica de trabalho? Em outras palavras, onde cscá a origem do lucro
total maior obtido por um capital que permanece cm drcuitt;ão por um período
maior de umpo? Este é um problema extremamente difícil, que diz respeito simul-
taneamente à teoria do valor e à teoria do lucro. Numa cana a McCulloch, Ricardo
reconhece ter falhado completamente em superar a dificuldade apresentada pelo
vinho que é mantido num porão por três ou quatro anos, ou pelo carvalho, que
CUsca 2 xelins de trabalho para ser plantado mas que alcança, mais tarde, o valor
~00 libras. Ricardo, como sabemos, não podia encontrar outra saída do que
arar esses casos como "exceções• à lei do valor-trabalho e reconhecer que o
valor do vinho ou do carvalho (cal como o de qualquer produco produzido por
um capical investido por um período maior) é determinado não simplesmente
pela quantidade de trabalho necessária para sua produção, mas também pela
duração do Umpo ao longo do qual o capital é invmido.
Essa explanação não satisfez a Mill, nem a McCulloch. "O cempo não faz
nada,, Corno pode ele criar valor?", J pergunta Mill. O trabalho somente, e não o
tcrnpo, cria valor - para os dois aurores, essa era a regra. Mas como, nesse caso,
P<>der-se-ia explicar o valor maior do vinho envelhecido? Obviamente, não rescava
llcnhurna outra saída senão supor que a afreraçáo à qual o vinho escava sujeito
0 no porão é equivalente a um dispêndio ad· .
éuranre seu armazt'namenc . . JCJona]
. uma suposição arriscada, expressa com mais caurel
de trabalho humano. Foi a Por
.d ulceriormente por McCulloch.
Mill. porém desenvo1v1 a
"Supúnhamos", diz McCulloch,

que um barril de vinho novo, que custa 50 libras, seja colocado nurn por.ia e
que, ao final de doze meses, ele valha 55 libras; a questão é se as 5 libras de valor
adicional acrescentado ao vinho devem ser consideradas como uma compensação
pelo ttmpo em que 0 capiral no valor de 50 libras ficou parado, ou como 0 valor
do crabalho adicional eferivamence realizado no vinho.

McCulloch responde que o valor adicional é resulcado desce último. Mas


como se pode mostrar que o trabalho adicional foi despendido no vinho? Muito
simplesmente:

se armazenarmos uma mercadoria, como um barril de vinho que ainda não atingiu
sua maturidade e no qual uma mudança ou efeito devem serproduzidos, ele receberá
um valor adicional ao final de um ano; ao passo que, se armazenássemos um barril
de vinho que jd tivesse atingido itut maturidade e no qual nenhum efeito benéfico
ou desejável pudesse ser produzido em cem ou mil anos, ele não poderia cer seu
valor aumentado nem mesmo infimamente. Isso parece provar indubitavelmente
que o valor adicional adquirido pelo vinho durante o período em que permaneceu
armazenado no porão é [... ] uma compensação pelo efeito ou mudança que nele
se produziu. 4

O absurdo dessa explicação "indubitável" é óbvio. Ela idencifica a ação dos


agentes naturais - que dão a um objeto uma utilidade: ou valor de uso maior -
como uma fonce do valor de troca, igualando-a ao trabalho humano. O que
mascara essa renúncia total da teoria do valor-trabalho é o ingênuo expediente de
chamar de "trabalho" a ação de forças naturais. Uma vez que as máquinas repre·
sentam "trabalho acumulado", elas não apenas transferem seu próprio valor 0 ª
novo valor. Isso significa que o lucro o n ° 5
produto, mas aind · b 'd obre o
. ª criam •
capaalfixo-ccuJ·aor• Ri d r d j próptt•
, • oem car o roi incapaz de esclarecer- é cria o pe ª
1
maquina. Isso não d" I . M culloch.
.. contra 12 a e1 do valor-trabalho? Não, responde l e 1
Porque os lucros do . ai • al, ios [do,
capn sao apenas um outro nome para os 5 ar
OS DESATES EM TORNO DA Te.ORIA RICAROIAlrilA OO VALOR
379

r.rabalho acumulado"' con'.idos na '.'1á~uina. ~rtamente, porém, 0 trabalho que


em seu pr6prio tempo crtou a maquina deixou há tempos de funcionar e de
!<Ceber sua remuneração, e o valor da máquina foi totalmente pago pelo manu-
faiurador que a comprou. Como pode ser que a máquina, nas mãos de seu novo
possuidor, não apenas transfira seu valor a~ produto, mas crie um novo valor ou
lucro? É óbvio que M1ll e McCulloch estao reconhecendo a capacidade que as
coisas mortas (máquinas) teriam de criar valor simplesmente em virtude do fato
de essas coisas terem sido criadas pelo crabalho humano.
Como podemos ver, a tentativa de Mill e McCulloch de provar a aplicabi-
lidade "direta" da lei do valor-trabalho na economia capitalista conduziu a resulta-
dos inesperados. Em seu desejo de permanecer verbalmente mais fiéis e coerentes
cm relação à teoria do valor-trabalho do que o próprio Ricardo, eles acabaram,
na verdade, por repudiar completamente sua ideia mais fundamental: a de que
apenas o trabalho humano cria valor. Ao reconhecer a operação das forças naturais
e das máquinas como uma fonte direta de valor, McCulloch (e, cm grau menor,
Mill) chegou, na verdade, muiro próximo da "economia vulgar" de Say, embora
suas palavras defendessem a aplicação mais estrita da lei do valor-trabalho. Mais
tarde, McCulloch identificou o trabalho, compleramente no espírito de Say,
como "rodo tipo de ação ou operação, seja realizada pelo homem, pelos animais
inferiores, pela maquinaria ou por agentes naturais". 6 Seria impossível conceber
uma distorção maior da teoria de Ricardo sob o pretexto de defendê-la contra os
ataques de seus oponentes.
Os adversários da teoria ricardiana foram perfeitamente corretos em julgar
as explanações de Mil! e McCulloch sobre o barril de vinho como uma rmúnda
do princípio do valor-trabalho. Bailey mostrou a Mil! que era impossível falar de
trabalho humano agindo sobre o vinho quando nem um único homem se apro-
ximara dele durante todo o tempo em que estivera no porão. 7 Malrhus dirigiu
um ácido escárnio a McCulloch quando este chamou de "trabalho" a operação
dos agentes naturais: "Não há nada que não possa ser provado por meio de urna
nova definição. Uma composição de farinha, leite, gordura e pedras é um pudim
de ameixas se, pela palavra pedras, entendemos ameixas". 8 Uma resenha do livro
de McCulloch revelou corretamente a falha básica em sua argumenração com as
seguintes palavras:

Estendamos o significado do termo "trabalho" a limites tais que ele ab3rque, além
do trabalho humano, o esforço do gado, a obra da m3quinaria e os processos da
380 A OIESINTIEORAÇÃ0

, bs I camence verdade que a quancidade de crabalho é 0


nacurcz..a e se coroara a o u .. .. que
~ula 0 valor; mas Jimicemos 0 significado do cermo trabalho ao sentido e.rn
0 , pre~do na vida real; reconheçamos que o processo d
que ele e comumente em o . e
fermencaçáo sofrido por um líquido num baml ou que o processo vegetativo que
leva uma irvore à maruridade são distintos do rrabalho humano e a teoria do valor
de Ricardo perde seu chão.9

Na realidade, a teoria do valor tal como formulada por Ricardo "perdeu


seu chão" porque foi incapaz de explicar os fenômenos da economia capitalista,
particuiarmence a tendência que capitais com composições orglnicas desiguais ou
períodos desiguais de rendimento tendem a obter taxas iguais de lucro. fu tenta-
tivas dos ricardianos ortodoxos de provarem que a lei do valor-trabalho opera
diretamente no interior da economia capitalista levou, na verdade, à renúncia
d.a ceoria do vaJ.or-trahalho e à capitulação diante da teoria vu!gar dos custos rk
produção.

Notas
1. Malchus, 7/u measureofvaluestated and il!ustTated, Londres, 1822, p. 12-13 e s. "Os
efeitos dos retornos lemos ou rápidos e de diferentes proporções de capicais fixos
e circulanres são distintamente considerados pelo sr. Ricardo; mas em sua última
edição (a cerceira, p. 32), ele subestimou muito sua quantidad~. Eles são teórica e
praricameme tão consideráveis a ponco de destruir imeiramence a posição de que as
mercadorias são trocadas umas pc:las outras de acordo com a quantidade de crabalho
que foi empregada cm cada uma delas; mas, até onde sei, ninguém jamais afirmou
queª quantidade diferente de trabalho empregado nas mercadorias não ~ja uma
fonte muito mais poderosa de diferenciação do valor."
Há, também, a passagem bastante conhecida de Malchus em Definitions in políti-
ca/ tconomy. Londres, 1827, p. 26-27: "Ora, essa proposição ~'de que as mercadorias
são uocadas umas pelas outras de acordo com a quantidade de rrabalho manual ndas
empregado' - N. do T.1.J é concradicada pela experi~ncia universal. A mais simples
observação servirá essóeS
paxa nos convencer de que, depois de fazer rodos as cone
necessárias para os desvios temporários do curso natural e ordinário das coisaS• a
classe das mercadorias · . . uemº•
SUJCltas a essa lei da troca é limitada do modo mais ex
ao passo que as classes - .. d ·as O
, . nao SUJenas a ela abarcam a grande massa das merca on ..
propno sr. Ricardo, de fato d . . . exanu-
ª mice cons1deravcis
1 exceções a essa regra; mas se
os oEeATES EM TOA:"'º DA TEORIA A:ICAA:PIANA ºº YALOFI 381

namos as classes que formam suas exceções - isto é, os casos em que as quantidades
de capital fixo empregadas são diferentes e de diferentes graus de duração e em que
os períodos de retorno do capital circulante empregado não são o mesmo-, veremos
que elas são tão numerosas que a regra pode ser considerada como a exceção, e as
cxccçócs, a regra".
2. Torrens, A11 esStty on t!Jt produclion ofwea/th, Londres, 1821, p. 28-29, apud Marx
em 1heorje5 ofiurplu.~ t111/ue, parrc III, p. 72.

3• Apud Marx, 7heories ofsurplus value, parte III, p. 86.


4. McCulloch, 711' pri11cipks ofpolitical tconomy, Edimburgo, 1825, p. 313, apud
Ma]thus, Definitiom, 1827, p. 102-103. Essa passagem é da primeira edição do livro
de McCulloch e foi eliminada nas edições subsequentes. O primeiro grifo é de
Rubin, e os dois últimos, de McCulloch.
5, McCulloch, Principks, p. 291, citado em 7heories ofsurplus wdue, parte III, p. 185.
G. lbid., p. 75 e s., citado em Marx, 7htorits ofsurplus valut, parte III, p. 179.
7. Samuel Bailey, A criticai dissertation on the nature, measures, and causes o/ tJa!ue,
Londres, 1825, p. 219-220; Marx cita essa mesma passagem de Bailey quando
discute a tentativa de Mil1 de deduzir o valor a partir do ªtempo,,, Ver 7heorjes o/
surplus value, parte III, p. 85-88.
8. Malthus, Definitions in politica/ tconomy, 1827, p. 100.
9. Traduzido do russo.
Capítulo 34
O FUNDO SALARIAL

Como vimos, mesmo no interior dos confins da escola ricardiana, James


Mill e McCulloch, que se consideravam os guardiões da tradição de Ricardo,
na verdade, vulgari7.aram e distorceram a teoria do valor-trabalho. Ainda mais
evidente foi o processo pelo qual a teoria clássica foi vulgarizada durante as dis-
cussões sobre o problema da distribuição, problema mais escreira e imediacamente
ligado aos interesses de cla.çsc da burguesia. Veremos, aqui, as forcunas da reoda
dos salários na era pós~ricardiana, a fim de passarmos à teoria do lucro.
Foi Ricardo quem levou a cabo a teoria dos meios de subsistência (ou a
lei de ferro dos salários), já esboçada pelos mercantilistas e ulteriormente desen-
volvida pelos fisiocratas (e, em pane, por Smith). Ele elaborou uma formulação
mais ou menos sucinta do problema quantitativo dos salários, mas nem mesmo
se perguntou em que medida era possível reconciliar a lei do valor·crabalho com
0 fato de que o "valor do trabalho" (isto é, os salários) é menor do que o valor
d~e 0 trabalho cria. Tanto James Mill quanto McCulloch tinham consciência das
ificuldades envolvidas na solução desse problema e, assim, decidiram romper de
urna vez por todas o cordão umbilical que, para Ricardo, ligava, mesmo que te-
~uarnente, a teoria dos salários à teoria do valor.
Decidiram construir a primeira
essas teorias sem o recurso à segunda, e avançaram numa tese segundo a qual
0
nível dos salários é determinado exclusivamente pela relação entre a oferta de
trabalho (isto é, o número de trabalhadores) e a demanda por trabalho (isto é, a
quantidade de capital destinada à contratação de trabalhadores).
d . As raízes dessa ideia já podem ser encontradas em Smith, mas foi apenas
cpois de Malthus que elas foram plenamente desenvolvidas. Malthus ensinara
qu., ern toeio pais· existe
· um fando determina
· do e 1·1m1ta
· do de meios
· ae
1
n1b'f1.Jt~11aa.
· • ·
A DESli'wTEORAÇAO DA IE,SCOLA CLASSICA
384

m pouquíssimos meios de subsistência, isso é apenas


Se: os uabalhadores recebe . , . o
ia multiplicação excessivamente rap1da: o fundo de meios
resu!cado de sua p~ÓPr
de subsistência da nação tem, agora. de ser dividido entre um número crescente
de uabalhadores. Em suma, os trabalhadores são os culpados por sua própria
inanição.
Assim, em qualquer momento dado, o fundo de meios de subsistência
designado à manutenção dos trabalhadores é de um tamanho estritamente deter-
minado e limitado, não podendo ser aumentado nem reduzido. Pori·m, os eco-
nomiscas da escola clássica equalizavam os meios de subsistência bz natura com o
capital investido na contratação de força de trabalho (capital variável, na termino-
logia de Marx). Desse modo, chegaram à conclusão de que o capital gasto na con-
uatação de trabalhadores é um capital estritamente determinado e de magnitude
limitada, que não pode ser aumentado ou reduzido a qualquer momento. Esse
"fundo salarial" é dividido entre todos os trabalhadores de um dado país, de
modo que o salário médio do trabalhador individual é igual à fração obtida ao se
dividir o juntÍJJ total de talários pelo número dt trabalhadores. Vm aumento nos
salários só é possível: 1) se a demanda pelo labor cresce, isto é, se há um aumento
na quantidade total de capital gasto na contratação de trabalhadores; ou 2) se a
•farta de trabalho é rtduzida, isto é, se há uma queda no número total de traba-
lhadores. Há apenas um modo de os trabalhadores assegurarem um aumento
nos salários: atendendo ao conselho de Malthus, deixando de ter filhos e, assim,
reduzindo 0 seu número. .& greves, em vez de tornar possjvel qualquer aumento
de longo prazo nos salários dos trabalhadores, só lhes faria mal, pois elas desacele-
ram ªacumulação de capital e, com isso, reduzem o fundo salarial. Mesmo se os
trabalhadores de um grupo conseguissem obter salários mais altos, isso s6 craria
sofrimento para outros grupos de trabalhadores, que, agora, seriam deixa · d os c:oin
uma cota menor no fundo salarial torai.
do A ideia de um fundo 5aiari·a1 Jlll ·, estava no ar, por assim dizer, no COme'""r
século XIX e foi ex
, d pressa, numa. versão moderada, por Malchus. Nutn 1"
r ro
popwar a sra. Mattet publi ad -~~­
vam • ela . ' e 0 cm 1816 (as teorias dos economistaS c>v-
' aqu cpoca, um tamanho . ui,._,
vezes t ~-- interesse entre o público geral que eram lI1
rara.,.. em obras de u, 1 · das
até mesmo nas las r . . erarura. eve, quase belecríscicas, e eram ens 1 ~
esco rcom•n1nas) muntc
conversação: ~ ' encontramos duas pessoas cravando a. sep-
O FUNDO SALARIAL 385

Caroline: O que é que determina a taxa de salários?


Srt1.B.: Ela depende da proporção de capital que chega à parte trabalhadora
da população do país.
Caroline: Ou, em outras palavras, da proporção de meios de subsistência que
chega ao número de pessoas que com eles se mantêm?
Sra. D.: Sim.'

Os fundadores originais da teoria do fundo salarial foram James Mill e


McCulloch. De acordo com Mill, o nível dos salários é determinado pela relação
entre a oferta e a demanda de trabalho. "Assim, parece que, se a população aumenta
sem um crescimento de capital, os salários caem; e que se o capital cresce sem
um crescimento da população, os salários aumenram." 2 Se a razão enue ca.pita!
e população permanecer em seu nível anterior, os salários se manterão os mes-
mos; se a ra1..ão do capital para a população aumenta, os salários aumentarão;
inversamente, se é a ra1.ão da população para o capita) que aumenta, então os
salários cairão.
Essas mesmas ideias são desenvolvidas ulteriormente por McCulloch, que
dá à teoria do fundo salarial sua formulação definitiva.

~ [... ) da quantidade de [...] capital aplicável ao pagamento de salários em seu


[erricório que cem de depender o poder de um país de suscemar e empregar era·
balhadorcs [... ].É uma consequência necessária desse princípio que a quamidade
de meios de subsiscência destinada a cada trabalhador, ou a caxa de salários, cem
de depender da proporção em que o capital total chega a toda a população traba-
lhadora [... ). Para ilustrar, suponhamos que o capital de um pais apropriado ao
pagamemo de salários formaria, se reduzido ao padrão do trigo, uma massa de 1O
milhôcs de quarters: se o número de crabalhadores nesse pais fosse de dois milhões,
é evidence que os salárjos de cada um. reduzindo-os ao mesmo padrão comom,
seria de 5 qt111rurs; e, além djsso, é evidence que essa wca de salários não poderfa
ser aumentada, a menos que a quancidade de capital aumenrasse numa propor-
ção maior do que o número de [tabaJhadores, ou que o número de trabalhadores
diminuísse mais do que a quantidade de capiml. 3

. Encontramos aqui todas as ideias básicas da rcoria do fundo salarial: uma


identificação do volume roral de capital com uma quantidade conhecida de meios
. • . . -
dt submrc·11t1tl e a asserça0
de que os salários do trabalhador individual é a P••fao.
. I b "d ·l divisão do número roral de trabalhadores de um país por urn
frt11·ww1 o [1 a pc a
volume já limitado de capital. .
A teoria do fundo salarial, tal como desenvolvida nos anos 1830 e 1840 ,
ganhou rapidamente popularidade, tanto nos círculos acadêmicos quanto cnrre
0 público geral. Por um lado, da foi compartilhada pelos mais proeminentes
economistas, incluindo John Stuart Mil!. Por outro, ela foi prontamente usada
por publicistas, jornalistas e empreendedores como uma arma na luta contra 0

movimcnro dos trabalhadores. Os economistas tentaram zelosamente inculcar na


classe trabalhadora a ideia de que ter menos filhos e aumentar rapidamente a acu-
mulação do capital empresarial - e não promover greues ou formar sindicatos -
eram os únicos meios pelos quais os trabalhadores podiam esperar melhorar sua
siruação. Mesmo McCulloch, que defendia que os trabalhadores deviam ser
livres para formar associações, não acreditava que elas pudessem trazer qualquer
benefício à classe trabalhadora:

,/ É uma loucura exrrema supor que qualquer associ~tção possa manter os salários
num patamar elevado arcificial. Não é do recurso perigoso e geralmente prejudiciaJ

) da associação, mas da previdência, da indústria e da frugalid:1dc dos trabalhadores


que seus salários e suas condições como indivíduos sempre dependem.~

Outros economistas e popularizadores do período propuseram essas mesmas


ideias com uma autoconfiança e um dogmatismo ainda maiores.
Até 0 fim dos anos 1860, a teoria do fundo salarial dominou soberana-
mente na literatura econômica inglesa, sendo ingenuamente ramada como
evangelho por eruditos e, também, pelo público em geral. "Não serve de nada
argumentar concra qualquer uma das quatro regras fundamentais da arí~médCJ.·
A questão dos salários é uma questão de divisão" 5 escreveu o economista Perry.
Foi na Alemanha que H ' b" ões à
• . ermann e Rodbcrtus levantaram as primeiras o JCÇ
teona do fundo salarial · • d ran-
1 porem atra1ram pouca atenção. 6 A cada greve eg
de escala, a cada grande A' 1 teoria
d fi con lto, ançava-se contra os trabalhadores a
o undo salarial, com s d Juca
. . cus proponentes censurando a futilidade e sua
econom1ca e o mal que ela . . egada
causava. Fm por essa razâo que a teoria foi empr
com tanto prazer em círculos b , . r parte
de t b Ih d urgueses, provocando um tamanho odw Pº
ra a a ores e socialistas. Os sucessos da luta econômica da classe crJba-
O FUNDO SALAFllAL 387

Ihado ra e 0 movimento sindical moscraram o quão absurda era,naverae,a dd


doucrina do fundo salarial. Nos anos 1860, a fé na validade da ceoria escava enfra-
quecida mesmo entre os escudiosos burgueses. As obras de Longe (1866) e 0 livro
de 1horncon, 011 Lt1bo11r ( 1869), desferiram-lhe um duro golpe. Logo depois da
publicação do livro de Thorncon, John Scuarc Mill declarou, num arrigo especial,
que ele reconhecia a validade do argumenco de Thormon e renunciaria doravance
à teoria do fundo salarial. A declaração de Mill produziu um forte abalo entre os
estudiosos burgueses. E embora vários dencre eles (Cairnes, por exemplo) con-
tinuassem a defender essa teoria, seu destino estava efetivamente selado com 0
juízo de Mill e o enorme prescígio de que ele usufruía. A teoria do fundo salarial
era, agora, descarcada como parenccmence falsa com quase a mesma unanimidade
com que anteriormente fora aceita por sua suposta correçáo. 7
A súbica derrocada de uma ceoria que por várias décadas havia gozado
da reputação de esrar acima de disputa represenca, nas palavras de um econo-
mista, uma das mais dramáticas páginas na história do pensamento econômico.
O surpreendence não é que a doucrina do fundo salarial renha sido rejeitada,
mas que tenha sido aceita como correta por várias décadas, apesar de sua óbvia
falca de base teórica e sua negação da realidade. A cada estágio de sua existência,
a economia capitalista fornece exemplos surpreendentes de expansão súbita do
capical produtivo (incluindo o capital variável) em períodos de prosperidade e
de comraçáo do capital em períodos de depressão. Depois disso, pode alguém
declarar que o capital variável é uma magnitude fixada ancecipadamente e estrira-
mence limitada? A ideia de que 0 tamanho do fundo salarial depende do tamanho
do escoque de meios de mbsistê11cia reservado à classe trabalhadora está errada;
ao contrário, é o estoque de meios de subsistência que depende do tamanho do
fundo. Se a classe trabalhadora consegue, com sua lura econômica, aumentar ª
quantidade tocai de seus salários, os trabalhadores reivindicarão uma quancidade
rnaior de meios de subsistência, e uma quantidade maior destes começará, então,
a ser produzida (ou imporcada do escrangeiro em rroca por bens de luxo, maqui-
naria e Outras mercadorias de produção doméstica). . .
Deixemos de lado, portanto, o fundo dos meios de subsistência e mvesn~
gucmos se o tamanho do capiral variável (o fundo salarial) é escreiramcnre 6x11do
ern algum ponco do cempo. Essa ideia se baseia em duas premissas, ambas falsas.
Ela d d • não podccmcer nem
presume: 1) que o capital rotai emprega o na pro uçao .
d. . d b li dores são exrra1dos
ecrescer em nenhum momento e que os saldnos os rra a 1a
. . I R cb<rrus J. á havia mostrado que os salários dos trabalhado
cesse capita . o 1 res
., - do capital do empreendedor, mas do va;or do produto q
são extrl.i\...OS nao ue
. . h:ôadores produziram. Se todos os capitalistas num dado P"'
os ?ro?nos traL · . <U.S
pagassem salários num total de 100 milhões de libras, ~pós a venda do produto
manufarurado por 150 milhões de libras, eles w:ebenam de volta seu capital
inteiro mais. além dele, um lucro de 50 milhões de libras (considerando-se,
a~ui. que nlo há capital constante). Os trabalhadores, port•lnto. rt'ú~berJ.m seus
sa.!.lrios não do capital empresarial, que permanece int;.Kto e incólume, m.as do
valor do produto cri.ldo pdo seu próprio trabalho. :\:.io !:lá absolut.1mente razão
alguma para ~nsar que, num dado momento, a parri..:ipaçlo dos trab;.1.lhadores
no produco nacional não possa aumentar. É fü.ci: im~lginar os s;.Lários dos craba·
lhadores aumentando para 11 O milhões de :ibras, com a cota do mais-valor (ou
luao) caindo para 40 milhões. ~esse caso, os capitalistas teriam de reduzir, seja
seu consumo pessoal, seja sua acumulação de novo capital. É c!aro que os capitalistas
terão, aqui, de avançar uma grande soma para o pagamento desses salários mais
altos, mas eles podem extrair essa soma aCicional C.as reservas da empresa, ou
obtê-la dos bancos, solicitando crédito.
A reoria do fundo salarial gowu por muito tempo de reconhecimento
científico, não por quaisquer qualidades teóricas, mas a despeito de sua falência
teórica. Sua grande popularidade vinha do fac o de que podia ser usada pela
burguesia para defender-se dos ataques dos rraba1hadores. Mesmo escudiosos
burgueses reconheceram esse faco: "Eu não concescaria a imparcialidade ciencífica
daqueles que foram os primeiros a elaborar, em sua forma clara, essa teoria dos
. . • escreveu Walker, "mas d.iria
salários" · ~ oueral
. que seu progresso rumo a' ace1taçao
foi mu1to favorecido pelo fato de que ela fornecia uma justificaçáo completa par•
: ordem vigente das coisas em relação aos salários". Com a ajuda dessa cearia,
ficava fácil responder às queixas ou protestos das classes trabalhadoras e dernons-
crar a futilidade dos sindicatos e das greves como meios de aumencar os salários".s
A história da dout · d fu d . . d Ricardo,
a teoria clássica nna 0 . n o salarial demonscra que, depois e . ·ro
1 r . enrrou num periodo de desintegração em dois sentidos: prunci '
e a ro1 fortemente "vuloari d ,, i· . super~
fi . . '° za ª tm1tando-se a oeneralizar os fenômenos
1

eia.is da economia capital' ( " , . lei da-


i; d isca no caso presente, aplicando aos salanos ª
o en:a e a demanda) e d . d funda de
su , . eixan ° de proceder a uma análise mais pro
as causas ultunas· em seru d l ntre :i
burgues' ' " n
ia e a e1asse trabalhad
° ugar, à medida que a luta de classes e .
fi . ôntica
ora 01 se tornando mais aguda, a teoria econ
0 f'"U'<:'.>O SAt.AA'A'- 38~

converceu-se cada vez mais num instrumento "apo!og~tico" cie defesa cios inte-
resses da burguesia. Paralelamente ao declínio no nivei teórico da doutrina ciássica.
suas implicações sociais pr1ític1zs se rornaram reacionárias. A economia "vu:~r"
tornou-se inseparável da "apoiogC:tica" burguesa. Veremos a confirmação diss: na
rcoria do lucro.

Notas

1. Jane Man.:et, ConvaMtiom 011 po!itkal eco11omy, p. 117-118. apud Cannan, 7hton"ó·
ofproduction a11d di.·uribution ;,1 E11g/ish politkal t,·onomy, p. 24.2.
2. James Mill, Elements of policicaJ economy, in: Jam~ Mil!. Seltt"ted tl·onomh· writin...~.
introduzido e editado por Donald \V'inch, Edimburgo: Olivc:r & Boyd, 1966,
p. 230.
3. McCu!loch, Principies of po!itica/ eco11omy, Edimburgo: \~'illiam Tait, 1$43.
p. 379-380; grifos de .\l!cCu:loch.
4. McCulloch, Combinarion by work-people, Encyclopedia Brittlmrka, SO. ed.
5. A L. Peny, Elemencs of policical economy, p. 123, apud Francis A \V'alker, 'lhe
w11gesquestion, Londres: Macmillan, 1882, p. 143.
6. Diferentemente de Rodbenus, a obra de Hermann recebe um tratamento compa-
racivamenre escasso nas histórias marxistas do pensamento econômico. Uma boa
resenha de suas ideias e de seu livro Staatswirtfthaftliche Unteriuchungen, publicado
pela primeira vez em I 832, pode ser encontrada em Capital and interest, a criticai
history ofeconomic theory, de Eugen von Bõhm-Bawerk. Londres: Macmillan, 1890.
O livro de Bõhm-Bawerk é, no geral, uma excelente fonte de referência para a
maioria dos economistas de que Rubin trata nesta seção.
7. A afirmação de Mill foi feita numa resenha do livro de Thornron publicada na
Fortni'ghtly Review (maio de 1869), parte da qual é reproduzida no apêndicC" à edição
de W. J. Ashley de Principies ofpolitica/ economy, de Mil! (Londres: Longmans, Green
& Co., 1921, p. 992-993). Desses excertos, citaremos as passagens mais s.aliences:
"O preço do trabalho, em vez de ser determinado pela divisão dos processos encre O
empregador e os trabalhadores, determina ele mesmo essa divisão. Se de compra seu
trabalho mais barato, ele pode gastar mais consigo mesmo. Se de tem de pagar ma.is
pelo trabalho, o pagamento adicional é extraído de seu próprio rendimento [... ].
Não há nenhuma lei da natureza que coroe inerencc:menre impossível que os saláríos
aumentem até 0 ponto de absorver não apenas os fundos que ele pretendia aplicar
em seu negócio, mas a totalidade daquilo que ele reserva para seus gastos privados.
A gi;s1NTCGAA.ÇÃO OA ESCOLA CLASSICA
390

além dos gastos com 05 meios de suhsisrênda. O limite reoll do aumcmo é a consi·
Jcr.içio prádca de a partir de que valor de o arruinaria ou o k'Varia a ahandonar 0
negócio, e não os limitc:s incxm·jvcis do fundo salari:tl [ ... }.
A douuina até então professada por todos ou pela maioria dos economistas
(incluindo cu mesmo). doutrina 'lnc negava a po~sihilidadc de que ;1s associações
Jc uaba1hadores pudessem provocar um aumento nos sal:lrios, uu que limitava suas
ações, a esse respeito, à obtenção de um aumcmo que a con~om:ncia do mercado
teria produzido sem elas - tal doutrina é de~provida de fundamento cicmi6co e tem
de: ser dcscirtada. A correç-jo ou o erro dos procellimcmns dos sindko1tos se tornam
uma questão de prudência e dever social, e não uma quc\t;io pcrcmptoriamentc
decidida pc:las necessidades inHt'XÍvcis da economia política".
8. Francis A. ""'alkcr, 1'1e wagrs q11es1io11, Lmdrcs: Macmillan, 1882, p. 142.
Capítulo 35
A TEORIA DAABSTIN!ô:NCIA
Senior

Smith e Ricardo, como sabemos, chegaram muito peno de conceber o


lucro (que fo:qucnrcmcnte confundiram com o mais-valor como um todo) como
uma porção do valor criado pelo uabalho dos operários. Eles podem, ponanto,
ser considcrndos os pais da "teoria do mais-valor" (ou da assim chamada "teoria
da exploração") que Rodbenus e Marx desenvolveriam subsequentemente com
maior consistência. No entanto, os seguidores imediatos de Smith e Ricardo
abandonaram rnpi<lamcnce sua doutrina do mais-valor. James Mill e McCulloch,
pupilos de Ricardo, embora tenham permanecido verbalmente fiéis à dourrina do
valor-nahalho, designaram o lucro capitalista como uma compensação ou salário
pelo ..trabalho acumulado" contido na maquinaria e ourros meios de produc;.io.
O absurdo dessa "teoria do lucro-trabalho" (que: não deve ser confundida com a
teoria do valor-trabalho), 1al como desenvolvida por James Mill e McCulloch, ~
impediu sua ampla aceitação no âmbho da ciência burguesa ..Mais bem-sucedida \
foi a teoria da prod11tivid11de do capital elaborada por Say, que concebe o lucro
como algo originado da advidadc do capiml, o qual constimi um fator inde-
pendente de produção juntamente com o trabalho e as forças da natureza. Essa
teoria, útil como um meio de justificar o lucro do capital concra os araques socia-
listas, tornou-se amplamente aceita no âmbito da ciência burguesa. Não menos
bem-sucedida foi a "teoria da absrinência" desenvolvida por Senior em seu livro
Po/itica[ economy ( 1836).'
Senior aceita a doutrina de Say dos nis fotorts i11dt'ptt1dtt1tt'S de proá11f1io:
t':3~alho, agentes naturais e capital. No entanto, ele introduz uma emenda a essa
divisão, substituindo 0 "capital" pela "abstinência" do capitalisra. O capital não
pode ser considerado um fator primário de produção, uma vez que ele mesmo é
o resultado da atividade combinada de crabalho, agentes naturais e abstinência.
º"ESCOLA c1..t.ss1CA

392

1 _ • : •• cenior emende "a conduta de uma pessoa que ou se absrén-.


:>or au.•f:.f'ltndd, v •u
. , . . d quilo que ele pode comandar, ou prefere conscientement
..z 0 u."° .m. . . r.x,.umo a e
\,.. • :" , J • ows em vez de resultados irnediacos". Sem a ajuda da ab
ican~r rcsu.tauos rem • s-
cinCnda. no sentido aqui descrico, os dois outros facores de produção - trabalho
•5 não seriam capazes de exercer sua função. ~ popula"''5o
e ~entes narura1 - T"'

rna.;s ra:-.Oriosa. habitando o território mais fértil, se devotasse todo seu trabalho
J prOC.ução de resultados imediatos e consumisse sua produção assim que esta
fo~ co~ida, em pouco tempo se depararia com a insuficiência de seus esforços
extremos para produzir até mesmo os simples bens de primeira necessidade." Essa
população só será capaz de extrair o máximo benefício da atividade de seu próprio
rraba!ho e dos agentes da natureza se se "abstiver" de consumir imediatamente
uma dada parte da produção por ela criada e decidir cmprcgá~la como capital ou
"meios ce produção ulrerior". 2
A sociedade moderna deve sua imensa riqueza à abstirn.~·ncia das gerações
?recedentes.

As ferramentas de um carpinteiro estão entre as mais sim pie~ que nos ocorrem.
~3..\ que 1arriftrio tk usufruto presente teve de fai.er o capitalista que primeiro abriu
a mina da qual o prego e o martelo são os produtos~ Quanto tr11b11lho direcionado
11 multados distantes teve de ser empregado por aqueles que fabricaram os instru-
mentos com os quais essa mina foi trabalhada! [... ] Podemos concluir que não
há um só prego ~ ... ~ que não seja. num de{erminado grau, o produco de a/giim
trabaUio que visa it obtenção de um resultado distante, ou, em nossa nomenclatura.
de alguma abstinência sofrida ames da conquisca.3

· das palavras por nós grifadas, o modo como Senior


Fica claro • a parur ·
confunde a questão ao ide ·fi • b . • - .. "' visa à
. nu car a a stmcnc1a com o trabalho que
obtcnçao de um resultad0 d' • ai on-
. tstante . Em ourras passacrens, Senior ress ta e
s1stentemente que a abstin. . ' "' o #o da
natur •, D encta e um agente distinto do trabalho e da aça
C"la •
resu'tado d'
0 ponto de vista d

s · •
e enior, o trabalho que visa à obrença0
de urn -
l JStante deveria ser v· # união
de trabalh b . • . isto nao como abstinência, mas como uma
0 e a suncncia A d - ·<' ·o d3
parte do od · pro uçao de capital exige um duplo sacruici
pr utor: trabalho e ab . • . • b se de
um Usufruto • snncnc1a. Abstinência é sacrifício: ~ ster~
. que esta ao nosso ai va. de
1mediacos csti cance, ou buscar resultados discanres, ern
, o entre os mais dolorosos esforços da vontade humana."S
A TEORIA DA A8$TINE:NCIA 393

Quem é que, na sociedade contemporânea, realiza esse sacrifício da "abs-


cinência"? Claramente, são os capitd/istas, que evitam gastar a totalidade de seu
'uabalho" no consumo imediato e retêm os produtos desse "trabalho" na forma
de máquinas, algodão e outros "meios de produção ulteriores". Para a surpresa de
Senior, os 1rabalhadores não exibem tal desejo de se "abster" de gastar sua remu-
neração em "resultados imediatos", mas, em vez disso, compram pão e baracas
para des e suas familias. Senior está, no encanto, preparado para colocar a culpa
pela falia de abstenção dos 1tabalhadores cm sua pouca educação: "Entre as dife-
rences classes : ..•] aqueles que são os menos educados são sempre os mais impro-
videntes e, por conseguinte, os menos abstinentes" .6
Assim, a abstinência exige de uma pessoa o mesmo sacrificio penoso que
é exigido pdo trabalho. Os capitalistas fazem um sacrifício ao se engajar na abs-
tinência; por esse sacrifício, eles recebem uma recompensa na forma do lucro do
capit11! (Senior, cal como Say, designa o lucro empresarial como o salário que o
empresário recebe pdo trabalho de controlar a empresa), do mesmo modo como
o trabalhador r<-ccbe um salário em recompensa por ter sacrificado seu trabalho.'
"Salários e lucro devem ser considerados como as recompensas por sacrifícios
peculiares, o primeiro sendo a remuneração pelo ttabalho, e o segundo, pela abs-
iinência do usufruto imediato."• "A abstininda [.•. ] tem a mesma relação com o
lucro que o trabalho cem com os salários."9 Se o trabalhador recebe uma recom-
pensa por seu sacrifício, o capitalista cem de ser remunerado pelo sacrifício que
ele faz ao se abster. Assim, o capitalista inclui, desde o início, o lucro do capiial
como pane dos custos de produfdo da mercadoria, lucro que cem de ser pago com
uma pane do preço des..a mercadoria. Se 0 preço de uma mercadoria não é alto
0 suficiente para pagar o lucro do capi1al, o capicalisra in1errompe a produção

da mercadoria em questão e, assim, "'limitando a oferta", aumenta o preço até


0 nível exigido. Portanto, o lucro é, na visão de Senior, uma parte dos cusros de

Produção, e não um exceden1e além deles - excedente cuja origem imrigou ráo
persistentemente os economistas.
. A doutrina de Senior carrega a inconfundível marca de uma apologé-
tica: servindo para justificar o lucro do capiial, da não explica minimamencc sua
origem. Suponhamos que um capitalista realmente mereça um lucro como uma
recompensa por sua abstinência. De onde ele tira esse lucro? Senior não responde.
Certamente, o valor não pode ser criado passivamente pelo fato purammt~ ':j. .
<oWgi<o da abstinência. O próprio Senior reconhece a liaqueza de sua posiçao:
394
. bscinênda, sendo uma mera negação, não pode
.. _ 1 . Jizl!'r que a pur.\ a pro-
p,lUC'·)c!' . . . . , .. S·nior não encontra nenhuma resposta a essa obJ· _
J . um eteno posm' o . e "I •Çao
""' mesma coisa poderia valer para a ibcrdade" e a "int
. · Ji.:rcs-:c:ntar que: a . rc-
!it'RJO . nio esrns s;io aceitas muuo corretamente como "agent
·J,i'. e que, no c:ma • es
pi .. ~ . ~ i ninguém até o momento pensou em afirmar que a "i
Jdn~ . Sc:J.t como ro , n-
'J • r a fonte do valor de um produto. Say, de seu próprio ponto d
m~r 1 c:z possa se • _ e
vi~rJ, fora coc:rtn[e 30 examinar todos os tres f.uores de produçao em seu aspecro
rimir<>-miruriiil (trJbalho, natureza e capital no sentido de meios de produção);
Senior, por outro lado, destrói a validade desse esquema ao si mar o fato puramemt
psirológiro da abstinência ao lado do trabalho e da natureza.
Além de sc:r inútil como exphznaráo dos fenômenos econômicos, a teoria
d.t .ibslinência áe1rreve fa]samentc tanto como o capitalismo passou a existir
quanro as caraw:rísticas básicas desse sistema econômico. Ela supõe que o capital
foi acumulado por pessoas industriosas e de ampla visáo, que se abstiveram de
consumir diretamente os produtos criados por seu próprio trabalho. Também
encontramos esse ingênuo "como de fadas" cm Smith, e a ciência histórica
contestou-o mostrando que a fonte da acumulação primitiva do capital foi a
aprop1iação, pelos grupos mais elevados da sociedade, dos produtos do trabalho
de 011trns pessons. Se a "abstinência" desempenhou um papel insignificante mesmo
durante o período da acumulação primitiva do capital, é um absurdo vê-la como
uma fonte de lucro numa economia capitalista desenvolvida. L1ssallc (em seu
livro Kapiral 1111d Arbeit) avaliou com um ácido sarcasmo a afirmação de que "os
mais dolorosos esforços da vontade humanà' refreiam os capirnlistas da rentação
de dissipar suas fortunas inteiras de uma só vez:

O lucro do capital é o ..salário da abstinência". Que cxpn:ss~io feliz, e até mesmo


p.rcciosa! Os milionários as«[as da Europa! Como pcnirerues indianos, ou esriliras.
li (náo eles: sobre uma perna só, cada um no aho de sua coluna, com 0 br.tÇO
~ti:ndido, ocorpo em • d 1 dircÇ.io
30 pen u 0 e semblames p1ílidos. segur.tndo um prJ.rO crn
po\'o p.arn colc:rar 05 sal· · d . 1 Jtl que
toJ .1.nos e sua absdnênda. No meio dcks. m.us a u> ,
os os seus companheiros . . . R.tlrhsLhilJ.
Tal • . ·como pennc-nre e asccu supt"rmr, o 8;1r.10
e .a condição d.t SOcicd.lJc' e 1 ,,.
· omo pude eu me eng_J.nou rolllhJ .sohf(' (' •1·

O Jhsu1Jo de se f.ilJr cm ". h . . . • . < hcrJ.1


um CJis ou um . tl ª suncnc1.i . no cJ.so Jl' um. i:.1pi,.1hslJ•qu nu.·:'11'~'
c.1n. no \·.ilor de 'li .
nu lllCS Jl' ltht.IS n,ifl rl'1i.h.1 c."S'-".11'•1r l\C: Ili
395

uém como Scnior. Para superar essa dificuldade Sen' 1 .


lhar de alg ' ior ança mao
'º 0
de urn cuno
• so subterfúgio: ele afirma que o rendimento do capitalista . . ,
nno e mero.
m/1Jre11tÚ1.

0 rendimento obrido de um cscalciro, ou um cais. ou um canal, é lucro nas mãos


do construtor origi1111l. É a n:compensa por sua ah.~rinência ao ter empregado 0
ctpiial para o propc>sim da produção, cm vez de [ê-lo empregado para seu pr<íprio
usufruto. Porém, nas mãos de seu herdeiro o rendimcmo tem todos os atrihuros
da renda. Ele é, para o capirnlista, uma diídiva da forruna, n1ío o resultado de
um sacrifícío. 11

Para ser coerente, Scnior teria de ter reconhecido o rendimento de rodo


capitalista que herda propriedade como renda, em vez de lucro. O faro de que
uma tal porção enorme do rendimento capitalista não possa ser reconhecida como
lucro é por si só suficiente para indicar a falência de uma teoria que vê o lucro
como uma recompensa pela abstinência.
Mesmo com toda sua falta de fundamento, a doutrina da abstinência
conquistou 11mn amp/11 nceitapío científica, sendo até hoje veiculada por muitos
enudiosos burgueses. Mesmo um pesquisador como Bõhm-Bawerk, que dificil-
mente poderia ser suspeito de alimentar qualquer simpatia pelas ideias socialistas,
reconhece que o sucesso da teoria da abstinência veio não tanto de suas conquiscas
teóricas, mas de seu carácer apologético.

A teoria da ahsrinência de Scnior ol>te\·c grande popul.1riJ.1Je enrrc: aqud~ eco-


nomisras que se manifescam fa\·oravdmence cm rd.1ç.io aos juros. P.1.r1..-ce-me. no
cn1anro, que essa popularidade rcsuha n.io tanto dl' sua superioriJJ.J(' como tl.'O-
ria, mas do fato de ela ter servido p;.tr.i ;1. JdCs.i dos jun.ls contra os severos Jr.1.quõ
que esres \'inham sofrenJo. I .:!
396

•__ 1 7 do primeiro volume de O capita/1 3) que a totaJ·d


Por Mane no cap11:wO . "' . " 1 ade do
. • . de fábricas está cont1da na ultima hora de trabaJh
lucro dos propnetanos o do.
.. . eduça·0 da 1·ornada de trabalho, mesmo que por ape
operanos; assun, a r . . nas Urna
. s indusiriais com a ruina total. Felizmente, os exercícios fl
hora, ameaçaria 0 SO Sti-
. . -~m tio pouco efeiro em fazer retroceder o avanço da le'gls6"fio
cos de sen1or nv..... -..
../•.
.
fi~b,, quan
1 to os argumentos dos teóricos do fundo salarial o tiveram em detei 0
crescimento dos sindicatos. Do mesmo modo como, em seus anos de declínio
). S. Mill fora forçado a repudiar a teoria do fundo salarial, também Senior tov;
de mudar sua posição sobre as leis fabris e declarar seu apoio. Os sucessos efetivos
do movimento dos trabalhadores demonstraram, na prática, o erro das teorias
apologéticas dos plenipotenciários da escola clássica.

Notas
1. Nassau Senior, An outline ofthe scimce o/political economy, Londres: AJan & Unwin,
1951.
2. lbid., p. 58.
3. lbid., p. 68; grifos de Rubin.
4. lbid., p. 59.
5. lbid., p. 60.
6. lbid.
7. Ao longo dessa discus<io, Rubin u.<a a palavra protsmt ("juro") para se referir ao
lucro.
8. Senior, An outline or the scimct ofpolitical economy, P· 91.
9. lbid., P· 59; grifos de Rubin.
IO. Apud Bõhm-Bawerk, Capital and intemt, p. 276.
11. Senior An outl· .rthe ·
' meº' sczence ofpolitical economy, p. 129.
12. Bõhm-Bawerk, Capital and inttmt, p. 286.
13. Capítulo 9 da cd" • . gl
içao m csa, Penguin, p. 333-338.
capítuio 36
A HARMONIA DOS INTERESSES
carey e Bastiat

Embora já tenhamos sido levados a notar exemplos de apologéticas bur-


guesas ao tratar das obras dos sucessores imediatos de Ricardo, foi apenas no
período entre 1830 e 1848 que as condições sociais na Europa amadureceram
suficienremence para que ocorresse uma transformação decisiva na ciência eco-
nômica. Esta se tornou uma arma para a defesa da burguesia contra o acaque da
classe trabalhadora. A Revolução de 1830 na França e a reforma eleitoral inglesa
de 1832 haviam aberto à burguesia o caminho do poder político. A revogação
das leis dos cereais inglesas, em 1846, assinalou o fim de um século de lucas entre
a burguesia industrial e a classe fundiária. Por outro lado, o movimento cartísta
' as revoluções de 1848 mostraram que inimigo perigoso a burguesia tinha na
classe trabalhadora.

A partir desse momento, a luta de classes assumiu uma forma cada vez mais
explícita e ameaçadora, canto na prática como na teoria. Este foi o sinal para 0 sur-
gimento da economia ciencífica burguesa. Daqui em diante, não se tratava mais de
saber se este ou aquele teorema era verdadeiro ou falso, mas sim se ele era útil ou
prejudicial ao capital, conveniente ou inconveniente, de acordo com as regulações
vigentes ou conrrário a elas. ~o lugar de investigadores desinceressados. entra~
em cena espadachins mercenários; no lugar da genuína pesquisa cientifica, a ma
consciência e a má intenção da apclogécica. 1

A ofi . r um lado. e a crítica


·d . ensiva revolucionária da classe trabalhadora, Po , ,
' eologica d rocesso que ievou a
deeo 0
e parte dos socialiscas, por outro, aceleraram P 'b _. que
fllpo · -
StÇao da escola clássica. Em meados do século
XIX 10 rnou-se o
'

396

. . <0ria clássica que, adotando o pomo de vista da bu11ru .


io ha\'ena mais uma t o eslai
n mpo rea!i7.ar a obra monumental de proceder a uma inv
pudesse ao mesmo re . . dº es-.
. , . , __ , isdaeconomiacapitahsta.Daqu1em 1ante,osepí~onosd
ti~çio rc:onca U(C.) ,e . . o a
• , 1. . _ iam de escolher entre a segumte altc:rnativa: ou renunciar e
~-oia e assaca tl!l' _ . _ • • , m
nome da mais abjeta apologética, a fa7.er uma mvesngaçao sobria e desinteres-
sada das leis do capicalismo. ou tentar conciliar um liberalismo obsoleto com um
socia!ismo recém-nascido. Carey e Bastiat trilhar.am o primeiro caminho; John
Sruan Mil!, o segundo.
As obras do americano Henry Carey (1793-1879)* e do francês Frédéric
Bastiat (1801-1850)"" marcam o estágio final da dissolução da escola clássica:
primeiramente, porque em suas obras a tarefa da investigação teórica é total-
mente relegada a uma posição secundária em favor de uma detêsa apologética do
sistema capitalista contra os ataques dos socialistas e, em segundo lugar, porque
seu desejo de encontrar uma justificação para o capita!ismo a qualquer custo os
força a declarar guerra tota1 à teoria ricardiana, que era a formulação mais madura
da doucrina clássica. Tanto Carey como Bastiat foram diler.ntes, para quem a
invescigaçáo teórica era um objetivo secundário. Ambos negaram a existência de
profunda.< contradições de classe na sociedade capitalista, um ponto de visca que
os forçou ineviravelmence a falsificar a realidade. À concepção "pessimista" de
Ricardo e Malthus, eles contrapuseram uma doucrina "otimisca" que sustentava
que 0 livre desenvolvimento da sociedade capitalista conduz necessariamente à
reconciliação e à "harmonia de inceresses" encre todas as cJas.-çes que a com?óem..
Carey publicou um livro inticulado The hannony of intere#r, e Bastiac, o tratado
Ec~nomic harmonies. As similaridades entre suas doutrinas eram grandes o su·
fiaente. para que earey pudesse acusar Bastiat de plágio. :-;a realidade, D-- "
.,..,uat
apropnou muito pouco de Carey; este último, apesar do nível teórico excrcrna·
mente baixo de suas oh . d ,
. • tas, ª'"a possu1a urna inclinação e uma habilidade para ª
mvc.sc1gação teórica maior d0 b
que seu em-sucedido colega francês. 2

Sua.,. maiores obras são p,.,· . !.


(1851), 7lw past, tllt m;:c1p~s ofpolitica/ ttonomy (1845), 7'1e h11r111011y ofint~s/S
(1857-1860). p 1' and th, foturt: 0848) e 7h. principies o/ soâal ""'"'
... Su~ principais obras são Cobden et la /j Oe
:1nnnoniaiconomiq..,(l8SO) !As . p~(\84S),Sophism.,iconomiques(i837-184)
\ •ngl~ de Patrick James Stirlin~. u~;~ desta ú~tima obra são extraídas da uaduçáº
londl'C:!i, 1860- ~. doT.I.~ p cada com o titulo H11.nnoni~s o/politittJI t(OnofllY.
/
A ""ARMONIA DO$ lfrwTE:.~Ess1:.S-

Ricardo havia desvelado as contradições de classe básicas do sistema capita·


roprietários fundiários e capitalistas e entre capitalistas e trabalhado-
Jisra: enrre P
Embora fosse ele mesmo um ardente defensor da ordem burguesa, Ricardo
fores:ryou, na verdade, o arsenal teórico de que os socialistas fariam um grande uso.
Cart)' repudiou a doutrina de Ricardo exatamente por essa razão. Nas palavras
de Carey. 0 livro de Ricardo "é o verdadeiro manual do demagogo que quer
conquistar o poder por meio do agrarianismo, da guerra e da pilhagem".3 Para
matar a hidra revolucionária, Carey decidiu, primeiro, minar seus fundamen-
ws reóricos - a teoria ricardiana da distribuição dos rendimentos entre as classes
sociais. "Como um harmonista", escreveu Marx numa cana a Engels, "Carey
afirmou, primeiro, que não havia antagonismo entre o capitalista e o trabalhador
assalariado. O segundo passo foi mostrar a harmonia entre o proprietário fundiá-
rio e o capitalista"." Vejamos, então, como Carey busca realizar o primeiro desses
dois objetivos apolog<ticos.
Carey era pleno de fé otimista no poderoso desenvolvimento da produti-
vidade do trabalho. Com todo avanço na produtividade do trabalho, o estoque
inteiro de produtos acumulados terá seu valor diminuído, uma vez que esce
é determinado pela quantidade de trabalho necessária para reproduzir esses
produtos, e não pela quantidade atualmente gasta em sua produção. "A quanti·
dade de trabalho requerida para reproduzir o capital existente e para a ulterior
extensão da quantidade de capital dimin~ui] a cada estágio do progresso
alcançado." 5 Mas "toda redução no valor do capital existente [éJ adicionada ao
valor do homem",6 pois este pode, agora, criar o mesmo capital com mais facili·
dade do que antes. Assim, à medida que a tecnologia avança, "os trabalhadores
do presente tendem a adquirir poder às custas das acumulações do passado. "7 Por
isso, se a produtividade do trabalho aumenta? também aumenta o peso especí...
fico do "trabalho" vivo, ou do próprio "homem", em comparação com o estoque
acumulado de coisas inanimadas.
Até esse ponto, Carcy contrapôs uma à outra categorias abstratas, técnico·
·materiais: "coisas" versus "'trabalho". Mas esroques acumulados de coisas são, é
claro, "capital", ao passo que o trabalho rem a forma de "'trabalho assalariado".
Ao identificar categorias cécnico·materiais com categorias sociais, Carey chega
à conclusão inesperada de que o peso especifico do trabalho 11Ssalariado cresce
constam:emenre em relação ao capital "O trabalhador está em ascensão quando
comparado com 0 capitalista [isto é, o capital tem menos comando sobre 0
400
Ue anr<S _ N. do T.I.]. rendo uma facilidade cada v
cr•:;...ii•'h o •humJnO do q . ·fi ca que o «capital [ ,ez
um capiralisra. "• lsso s1gni
. d . rornJr de mesmo esraJ,1
rn.i1N e se . der sobre o trabalho, ao mesmo tempo que o trabalh
. d'minuinclo seu Po .. b o
enrJí\, 1 d •tirodução do capital . 9 Mas so essas condições 11
seu poder e rtr ' cora
Jumcnrnu ri . 1 roduco do rrabaJho creJcerá naruralmenre a exp
/,; . do rrdbd/11aaor no P ensas
rt f1VJ 1 • • ara 0 capitalista. Carey ilustra esse pensamento co
dl .:ora rc1anva que vaI p rn o
s.:guime esquema:

o esquema mostra o avanço da produtividade do trabalho ao longo de


quatro períodos consecutivos. À medida que nos movemos de um período para 0
outro, o produro bruto d.o trabalhador individual dobra, enquanro cresce a cota
do trabalhador no produto (tanto absoluta quanto relativa). No primeiro período,
o craba!hador recebeu apenas um quarm do produto; no último período, recebe
rrês quincos. E, embora a coca refaciva do capicalisca cenha caído gradualmente de
rrês quartos para dois quincos, ele não se sente de modo algum prejudicado por
isso e não rem motivos para reclamar: graças ao aumento na produtividade do
uabalho, o número absoluto de mercadorias que obtém cresceu de 3 para 12,80.

Assim, ambos lucram imcnsamcnre com as melhorias realizadas. Com cada mo-
"imemo realizado na mesma direção, os mesmotõ resultados conrinuam a ser
obtidos - ªcota do tr11baU111dor aumcnrando com rodo aumento da produtividade
ou do esforço, eª cota do capitalista diminuindo regularmente com o consrante
aumcnco da quantidttde e com a igualmcnce consranre tendência em direção à
e'f1111/iZa(âo das várias or ~ d .
P çoes as quais a sociedade é composta. 10

Isto é.com uma tendên · dº - ' . · · "Tal é


a grande 1 • eia em 1reçao a igualdade das classes soc1a1s.
ei que governa adi ºb . -
\ está registrado no r· da -~rn u1çao dos produtos do trabalho. De cudo o que
ivro acncia 1 • tal · de
da qual reina u 1 . ' e a e, vez, a lei mais bela: a lei em virru
ma P<rreita harmo · d .
nta os interesses reais e verdadeiros enrre
as
humanidade." 11 Carey considera que a t11X11 decmcente dt !t1cro
. . cJ.ss<s da • .
•""'"' 1 . de uma cora cap1rahsta decrescente na produção.
6rJ!lll3 Cl • •
.:on poder-se-ia dizer que a cadeia argumentanva de Carey contém tantas
uanro são os seus elos. Em primeiro lugar, o valor decrescente dos com-
Jacunas qmateriais individuais do capital, por exemplo, de uma máquina indivi-
.oncnres
r· . ais do que compensado pelo número crescente de máquinas; ocorre um
dual• cm .
enorme crescimento no volume tot11l de c11pttal, e, com ele, no poder do capiral
sobre 0 crabalho. Em segundo lugar, se o valor do capital (maquinaria, erc.) está
caindo porque menos trab11lho social é requerido para sua reprodução, isso não
implica um aumento no valor do trabaU10 como mercadoria, isto é, que os salários
possuam uma cora maior no produto nacional. Ao contrário, o declínio no valor
dos meios de subsistência do trabalhador na economia capiralisra produz uma
qutda no valor da força de trabalho, um aumento no mais-valor relativo e, conse-
qucnremenre, um aumento na proporção relativa do produto que vai para o ca-
pitalisra. Em terceiro lugar, que a cora dos capitalistas no produro nacional deva
aumentar juntamente com os avanços na produtividade do trabalho não é de
modo algum conresrada pela existência de uma raxa decrescente de lucro (cuja
explanação repousa no enorme crescimento do volume coral de capital que men-
cionamos acima). Carey comece um grave erro ao confundir a tax11 de lucro com
a cota dos capitalistas no produto (isto é, com a raxa de mais-valor).
Depois de ter provado que há uma harmonia de interesses entre trabalha-
dores e capitalistas, Carey ainda precisava demonstrar uma harmonia de interesses
entre capittJlistas e proprietários fandiários. Para fazê-lo, ele tinha de contestar a
1'oria ricardiana da renda: Ricardo, é claro, havia mostrado que os proprietá-
rios fundiários, mesmo sem realizar nenhum crabalho, apropriavam, no entanto,
uma cora cada vez maior da renda nacional em derrimenro das outras classes
da população. Não apenas pensadores socialistas, mas também economistas
moderados tais como John Sruarr Mill deduziram da reoria ricardiana da renda
a necessidade de nacionalizar a propriedade rural. Essa conclusão revolucionária
P<rturbou Carey, que colocou a si mesmo a rarefà de refurar o sistema de Ricardo,
de acordo com o qual "os interesses dos proprietários de rerra são constantemente
Opostos aos das outras classes da sociedade" e que "tende necessariamente à per-
turbação do direito de propriedade no campo". 12
Carey rejeita a concepção de Ricardo de que a produtividade do trabalho
agrícola é consranremenre decrescenre como resultado da necessidade inelutável,
. !cores de passar do cultivo das terras boas para
ue se impõe aos agncu , . as terras
q . b . C era essa ideia unilateral de Ricardo, Carey propõe um juízo
m111s po m. on . con-
. . . ai t unilateral: 13 os agnculcores sempre começaram por cu!.
traê1cóno, 1gu men e . . . twar
terra.." montanhosas e menos férteis, que e~am. mais acess1v~ls, e somente ma.is
. am a cultivar cerras mais férteis, situadas em pancanos e charn
mde começar ecas,
comando-as adequadas à agricu!tura. Esta se expande gradualmente à.s terras >na~
fartei>: além disso, a quantidade de crabalho necessária para tornar uma dada área
adequada para 0 cultivo será menor à medida que a tecnologia agrícola avança.
Segue-se, portanto, que nenhum agricultor concordará cm pagar uma renda ao
proprietário fundiário, uma vez que ele preferirá ocupar um terreno novo e mais
fértil. Se, apesar disso, um agricultor expressar sua vontade de arrendar a cerra,
isso será apenas pelo fato de a terra que ele está arrendando já estar pronta para 0
cultivo graças à prévia aplicação de trabalho e capital pe~o proprietário fundiário
e seus antepassados. O que o proprietário fundiário recebe i.:-omo pagamento pelo
arrendamento não é, portamo, renda fundiária, mas apenas um lucro do capital
que ajudou a melhorar esse terreno particular. A cerra que pode ser cultivada é
um produto do trabalho tanto quanto qualquer máquina; a renda é pura e simples-
mente lucro do capital e o proprietário fundiário não difere em nada de qualquer
capitalista. Mais ainda, o proprietário fundiário não recebe qua~quer lucro sobre
todo o capital que ele e seus antepassados investiram na terra. Se o total que eles
gastaram foi mil libras, então, dado o atual estado mais avançado da tecnologia,
a mesma terra poderia, agora, ser melhorada por um gasto de SOO libras. O valor
do capital investido na terra (tal como aquele investido na indústria) terá caído de
mil libras para 500 libras, de modo que, supondo-se uma caxa média de lucro de
5%, 0 legarásio pagará não mais do que 25 libras por ano.
_ _Não é por acaso que a teoria de Carey foi gerada na América durante a
pr,•_meira metade do século XIX- um país onde as contradições do sistema capi-
talista ainda não estavam desenvolvidas e as classes ainda não tinham se definido
nmdarneme urnas em rel - • 1·
açao as outras; onde havia uma abundância de terra ivre
acompanhada de uma au • . alh
d sencia quase total de renda e uma escassez de crab o;
on e os altos salásios e a o "d d ·b·
,_ porrum a e de se estabelecer em cerras livres possi i-
uravam que a maioria dos trabalh d .
d - . .
e1ros ou capitalistas. Se naAméri
ª ores
d
mdu.srriais se transformassem em fazen ..
. .
a imaru "dad das _ ca a oucrma da harmonia dos interesses rellet!•
n e relaçoes sociais F '1
para encobrir e l 1
na rança ª burguesia tratou de emprega- a
ocu tar a severidade d fl d
os con itos de classe que haviam coma 0 a
A HARMONIA 00 S 1 N TERES$ E S 403

1.. com força inédita durante a revolução de 1848. Enquanto 0 araq~


P o~
at<n• se voltara contra Rica~do e os outros 1"deo,ogos
'' da burguesia ing!esa
d•caier
,,,ais desenvolvida que h aviam
· · d o um quad ~o do sistema
pm'.a · capitalista pleno
diço'es - quadro no qual a JOVem burguesia americana não tinha vontade
deconcra . .
aJ.uma de reconhecer seu pr6pno futuro-, Basnat voltou sua artilharia principal-
º _contra os socialistas.
men.-
Anres da Revolução de 1848, Bastiat combatera fervorosamente os pro-
cecionistas numa série de engenhosos panfletos e ftuilletons e fora um defensor
apaixonado do livre-comércio no molde dos livre-cambistas ingleses. A Revolu-
ção de 1848 causou nele uma enorme impressão, levando-o, ap6s esse evento, a
direcionar sua paixão contra os socialistas. Em Bastiat, o núcleo da análise teó-
cica se encontra incciramence mergulhado num mar de frases vazias e declama-
ções alcissonanres; e, no entanto, suas obras gozaram de um enorme sucesso e
renderam a seu autor uma reputação absolutamente imerecida como um emi-
nente economista.
•Todos os interesses legítimos estão em harmonia. Essa é a ideia predomi-
nance de minha obra", diz Bastiat em seu Harmonies économiques. 14 A sociedade
capitalisca é uma imensa comunidade "natural", que, sendo superior a todas as
comunidades "artifciais" propostas pelos socialistas, assegura ao povo a liberdade
de cooperação e de mútua assist~ncia. As pessoas trabalham umas para as outras
e crocam seus respectivos serviços. A troca de produtos é uma troca de serviços.
O valor de um produto é determinado não pelo "trabalho realizado pela pessoa
que presta o serviço", como os clássicos haviam ensinado, mas pelo "trabalho
poupado para a pessoa que 0 recebe". 1s "O valor é a relação de dois serviços trocados
um pelo outro" - tal é a lei do serviço-valor de Bastiat, de grande importância em
seu pensamento.•• As relações entre 0 capitalista e o trabalhador, entre o proprie-
tário fundiário e 0 arrendatário e entre o credor e o devedor são todas subordi-
nadas à lei da troca de serviço por serviço. O direito do capitalista de receber lucro
está fora de questão.

Aqueles que possuem capiral chegaram a possuí-lo apenas por meio de seu trabalho
ou de suas privações. [... ] De sua parte, abrir mão desse capital seria privar a si
mesmos da vantagem especial que eles têm em vista, uansferir essa vantagem para
outros, prestar a outros um serviço. Não podemos, então, sem abandonarmos os
mais simples princípios da razão e da justiça, deixar de notar que os proprietúios
d. . de se recusar a efecuar essa transferência, anã
do capital rêm pleno ICe1ro . - o ser em
. r remente neaoc1ado
uoca de um outro serv1;0 iv o::i
e voluncanamenre consenfd 1
1 o. 7

se fundamenta o direiro do credor de receber 0 .


É sobre essa base que . , . ;uro.
, d para 1·usrificar o direiro do propnetano fundiário à rend.
A mesma base e usa a a,
. ( . d e rey) vê apenas como uma forma de lucro do capital
que Basnar seguin o a , , • - .. .
Basríat dedica menos atençao ao prob.ema do lucro. As vezes, ele atribui
. . rodurividade do próprio capital, como o fa Sav; com mais frc
suaongemap . . . : · -
• . porem,
quenc1a, , ele seaue
o::i
a doutrina de Semor_ e a ~Hnbu1 .t .1bqirn.'-ncia
_
do
capitalista. Para abrandar os trabalhadores, Basnar sc:guc: C.ut•y .,,~ tormul.i uma
lei "harmônican da distribuição: "Em proporçáo ao ..::rt·~..::im ..·tuo do capüal, a
cora absoluta do produto coral apropriada pc-!o c.:1.pir.1~ist.1 C .wm\.·nrada e sua
cora relativo. é dir.i.inuída; ao passo que, ao conrr.üio. a (\'ta dos trabalhadores
é aumentada ramo absoluta quanto re/11tivdmtnte". 1$. ?or üutro ~ado, os traba-
lhadores também se beneficiam como consumidorc~ J. mt"CiCa que os produtos
se tornam mais bararos com o desenvolvimt"nto Ca pruCurividadc do rraba~ho.
Com o avanço da tecnologia, cai o "v~or" C.o proC.uto (riaCo pe:o trabalho
"penoson, ao passo que aumenta progressivamcntt" a '"uti::ciadc:" que o homem
adquire da natureza, ' gratuiramente" e sem nen:ium es~-orço.
1
··os obstáculos,
ames onerosamente superados pelo rrabal~o. agora são gratuitamente superados
pela natureza; e isso, deve-se di1.er, não para o :ucro Co capita:ista, ma." para
o lucro da comunidade." 19 Todas as classes sociais se '.:l.:neflciam do desenvolvi-
mento da economia.
Basriat pede a seu leitor que "observe" essa lei "?adficadora, consoladora
e religiosa" de que os interesses estão em hannonia. Bastiat se tornou o advogado
zeloso da lei da harmonia não porque se recusou a va os conílicos de cla...se
que permeavam ªsociedade, mas porque foi muito afetado pelos choques que
esses confütos engendrar El -,
_ am. e Jª testemunhara o prob!ema que ameaçava a
sociedade, esse "fantasma d B . "
eh · d , e anquo no banquete de Macberh", já senura 0
ti;ro a polvora revolucionária" e vira "a construção das barricadas".20 Mas ele
a esperanças de que os crabalh d fi . . bdi-
cariam d l a ores con anam na lei da harmonia e a
a ura revolucionária O r dos
epigonos da e 1 ]' . · emor da revolução perturbou as cabeças
sco a e ass1ca, ruiand fez
negar as verdade 0 0 suas penas e cegando sua visão. Ele os
1 s que a escola clássica S . seu
Peno Borescimcnco, • com m1th e Ricardo, pronunciara ern
Notas
Do Posfácio de Marx à .<cgunda edição do volume l de O capital.
L Se houve "plágio" 1 ele foi em sentido inverso. Basciac já escava há muito tempo morto
2· antes da publicação da principal obra de Carey, Principies ofsocial science. As iius·

crações que Car<.·y emprega nesse livro para tentar provar os benefícios mútuos do
progresso econômico, canto p.ua o capital como para o trabalho, são muito similares
à.~ ilustrações cmprt'gadas por Basciat em seu Harmonfo· économiques.
). Carq, 7ht pa.<t, the pment, and the fi1trm (Filadélfia, 1843), p. 74-75. Carcy in-
corporou quJsc todo <.'.\se capitulo (capítulo 1. "Man and land") a seu último livro.
Prinrip/eJ· o/:•orit1! .~cience:. a frase aqui citada reaparece no v. 3, p. 154 dessa obra.
4. Marx, cana a Engels, de 26 de: novembro de 1869, in: Karl Marx e Friedrich Engels,
Selecud corrr.>f'ondence, .\10,cou, 1965, p. 227.
5. Carey, Prillcif'lei o/social ;cience, FiladC:lfia, 1858-1865, v. 3, p. 11 l.
6. lbid.; grifos de C>rey.
7. lbid., p. 113; grifos ée Rubin. t notável o ralemo de Carey em repetir a si mesmo
e rumin.ar o mc~mo argumento e a mesma fraseologia numa passagem após a outra.
Apc:nas corno um c-ntrc muitos exem?los, compare-se a frase aqui citada por Robin
com o seguinte trecho, na p. 132 do mesmo volume: "A cada estágio sucessivo de
melhoria, o valor do ~omc-m cresce em comparação com o capita! - o aabalho
presente adquirindo ?Oder a t:'xpensas das acumulações passadas".
8. lbid., p. 114-115.
9. lbid., p. 112; grifos de Carc-y.
IO. lbid., p. 113; grifos do Rubin.
11. lbid .• p. 113.
12. lbid., p. 168.
13· Aqui Rubin apc.·nas repete a esst·ncia do comemário de Marx na carta a Engels acima
citada (Seledetl correspondence, p. 228): "O único mérito de Carey é que ele é tão uni-
lateral ao afirmar a transição das terras piores para as melhores quanto o é Ricardo
ao afirmar o comrário. ~a realidade, porém, dift:'rentes tipos de terra, desiguais em
grau de fertilidade, são sempre cultivadas sirnulraneamente ~ ... :.e foi isso que, mais
tarde, tornou tão difícil o fracionamento das reeras comuns. :\o entanro, no que
diz respeito ao progresso do cultivo ao longo do curso da hiscória, este ocorre, a
depender das circunstâncias, em ambas as dir<çóes, mas muitas vl:ZC.S uma tendência
prevalece por um período, e depois outra".
14. B
astiat, Hannonies ofpolitical economy. p. l; grifos de Bastiar.
... or.s1NTtGA.llÇAO ;)A e:scOLA cLASSICA
406

! 5• J!,i~.• P· l ~4; grifos Jc Basriat.


16. lb;.l .• P· 108; gr;fos do Rubin.
17_ n,;<i .. r l6S-169: grifos de Bastiat.
\S. !!::iid.• p. 183; 0 primeiro grifo é de Bastiat, e o segundo, de Rubin.
:9. lbid.• ?· 181 .
.:o.!bid.. p. 9. '"Esses economisw são tão escravos de seus próprios sistemas que cerram
05 olhos para os fatos par medo de cn.~ergá~lo~. Diante de toda a pobre1.a, toda a
injwriça e todas as opressões que desolam a humanidade, eles negam friamente a
existência do mal. O cheiro de pólvora revolucionária não alcança se-us sentidos
em.bocados - a coni;trução das barricadas lhes é indiferente"~ e se a sociedade sedes-
pedaçasse c!ianre de seus olhos, eles concinuariam repetindo "tudo é da melhor forma
possível no melhor dos mundos possíveis'."'
capitu:o 37
SISMONDI COMO CRÍTICO DO CAPITALISMO'

Mostramos como a escola cldssittt se desintegrou internamente, como suas


doutrinas foram vulgari1~das e distorcidas nas obras de economistas que as
adotaram do pomo de vista da burguesia. O caminho de Smith até Bastiat na
economia política corre paraidam<:nte àquele trilhado nesse mesmo tempo pela
burguesia industrial, que, no final do sécuJo XVIII, travara uma luta contra a
velha ordem e os proprietários fundiários, mas que, em meados do século XIX,
passara a combater a classe trabalhadora. O produro da decomposição da escola
clássica não foi, no entanto, apenas a economia vulgar e apologética burguesa.
Assim como o radicalismo pequeno-burguês e o socialismo proletário haviam
emergido como correntes distintas a partir do movimenco revolucionário geral.
que unira o "'terceiro estado" contra a monarquia e a aristocracia no fim do sé-
culo XVIII, assim também surgiram tendências de dentro da escola clássica que
se posicionaram fundamentalmente contra as teorias dos clássicos. A oposição
pequeno-burguesa à doucrina clássica encontrou seu representante em Sismondi,
ªºpasso que a oposição prolecária foi representada pelos socialistas utópicos.
. Simonde de Sismondi (i 773-1842),' que viveu praticamente sua vida
inteira na cranqui!a Suíça, foi fortemente abalado pelo contraste entre a exis-
tência patriarcal dos prósperos camponeses e artesãos suíços e a situação inglesa

:---
fuas principais obras económicas são Nouveaux prindpes d'iro11omie polüique (1819)
:~: ~ras.: Jean-Charles Leonard Simonde de Sismondi, Novos princípios de e•o11omln
~ lfrca 0819-1827), Curitiba: Segc.sta, 2009] e Etr1de1 sur l'i•onomü po!itiqtu (1837).
ém. dessas, ele escreveu também uma série de notáveis obras histórica<;: l'l1útoire des
ripubliques italiemm dans /e Moyen A'ge, L'histoire des ft1111çais, cncre oum.s.
. . . . , .· menco do capicalismo e seu decorrente deslocamenc d
do fo:n~o('V ~<:Sl'fi''-"''\l • • o e
·am "-"ncsl>s, ru:na dos ri:cdões manuais e crescente paupcnsmo e desernprego.
' '. 1 ,1- !SIS que atinciram a indústria inglesa, arruinando os
A< cnst.• at l õ ) t l:) pr0-
. . . . , t-·;,ri -as e deixando os trabalhadores sem uma migalha de pao·
ont:"t.lrh. . ~ ae a... l ,
~auwlm uml profunda impressão em Sismondi, forçando-o a duvidar da vali-
ó~e da c<.-oria clássica que ele aceitara até então. Em seu livro Nouveaux príncipes
d'iconomie polirique (1819). ele rompeu definitivamente com a "doutrina orco-
C.oxa... dos clássicos e apresentou um quadro incisivo das contradições e calamidades
do ~i:m~ma capicalisra.
:\o prefácio à segunda edição de seu livro, Sismondi descreveu eloqueme-
menre a im?ressão que a Inglaterra capitalista lhe causou.

Xesse pais impressionante, que parece estar submetido a um grande experimento


para a instrução do resto do mundo, vi a produção crescer enquanto os usufruros
G.iminuíam. Aqui, a massa da nação, não menos do que os filósofos, parece esquectr
que: o aumento da riqueza não é o fim último da economia política, mas seu ins-
trumento na busca da felicidade de todos. Procurei essa felicidade em todas as
classes, mas náo consegui encontrá-la em nenhum lugar.
As crises estão deixando os mercadores e os proprietários de fábricas arrui-
nados, ao passo que a massa da população sofre com a fome e a privação.
O ?Ovo inglês está, agora, destituído de conforco e de segurança para o fucuro.
;ão há mais pequenos proprietários rurais; eles foram obrigados a se cornar uaba-
.n.adores jornaleiros. ~as cidades, não há mais pracicamente artesãos ou pequenos
~egociames independentes, mas apenas manufaturadores. O operador mecJniro
,opmitive:. pa.r.i. empregar uma palavra criada pelo sistema, não sabe 0 que é cc:r
~m ?O~to fi.<to de trabalho; ele apenas recebe salários e, como estes não são su-
hcic:ntes para cobrir tod a pedir
as as estações, ele é forçado quase codos os anos
c:smo\as ªº"fundos de · ·
ass1stcncia aos pobres ~oor-ratei]. 2

A passagem acirna car . . - socidl


d< Sismondi· l d acterrza de forma esplêndida a própria posiçao
. e e ecesta o capitali obrcccu
o ca..'llpesinaco e _ smo porque este é um sistema que emp ~
. os arcesaos, criou d' e fil . as hornº
gene:as dos pe uma 11erenciação de classe nas e1r ..
. quenos produtores ind d .. . b e" e o
nco mais rico".3 epen entes e tornou o pobre ma.1s Pº r
SISMOl\IOI COMO CA.IT1co DO CAPITALISMO 409

o capitalismo produziu uma "falsa prosperidade". O único meio pe!o qual


a "imensa acumulação de rique-la" por ele criada poderia contribuir para a felici-
r...
dade de rodos seria se ela fosse "disrribuída ~ em proporções que não pudessem
ser alteradas sem o risco de danos extremos - isto é, mais ou menos igualmente
entre diferences classes da sociedade."' A realidade, porém, é que 0 desenvol-
vimento capitalista levou a uma enorme concentração de riqueza nas mãos de
uns poucos e tendeu a "separar completamente todos os tipos de propriedade de
rodos os tipos de trabalho". 5 De acordo com a visão de Sismondi, a contradição
fundamental da economia capitalista é aquela entre o aumento febril na produção
de riqueza e a desigualdade crescente no modo como ela i distribuída. A contra-
ditoriedade de um sistema que busca a felicidade de poucos com o sofrimento
de muitos não provoca apenas a indignação moral de Sismondi, mas dilacera seu
"coração". Ele também quer mostrar, por meio da "razão", que essa contradição
mina a capacidade da economia de se desenvolver normalmente e provoca cons-
tantes choques que se manifestam na forma de crises. Para isso, Sismondi constrói
uma nova teoria dos mercados e das crises, em contraposição à dourrina clássica.
Para Sismondi, os clássicos converteram a economia política numa "cre-
maiística", ou ciência do aumento da riqueza. 6 Eles defenderam que a produção
devia se expandir sem limite, mas não mostraram nenhuma preocupação com
seu equi!íbrio e correra distribuição. "O sr. Ricardo [•..; desconsidera comple-
tamente o homem e vê no crescimento ilimitado da riqueza o único objetivo da
ciência."7 Mas, além de desconsiderar os interesses justos das massas exploradas,
os clássicos também cometeram um erro teórico fatal: fracassaram em perceber
que um aumento rápido na produção é impossível quando o poder de compra
(ou rendimento) das classes mais baixas está em queda. Sem compreender que a
produção depende do rendimento, os cJáiçsicos "anunciaram que, onde quer que
a abundância fosse produzida, ela sempre encontraria consumidores, e trataram
~e encorajar os produtores a causar aquela saturação nos mercados que, cm nossa
cpoc.a, atormenta o mundo civilizado".ª Sismondi tem em mentC', aqui, a célebre
~oria dos mercados de Say e Rict1rdo.
A teoria dos mercados foi formulada por Say (e James Mill) e, na forma
'.'°lllo é aceita por Ricardo, pode ser reduzida à seguinte proposição simples. ~
'"'possível falar de uma superprodução geral de mercadorias e de uma escassez
totaJ de demanda. Se uma mercadoria adicional qualquer - por exemplo, 0 ucido -
ªP•rece no mercado e tem um valor 1O mil libras, isso significa que, ao mesmo
410

r ·m 0
~ criad.i uma @·mitnda 11díd01MI de igual quantidade para o urras merca-
J~ri~. ·~um produro", diz Say, "n.áo é criado ~cm que, -n~·ssc mcnno insranre, e/e
dem;wde d1..· um nu:n:aJo 011 rros produros cu1.1 .sº:n.;itona ~e .valor roca/ é i=qui-
\·,ilcnce ao seu próprio valor". 9 De faro, o pmprierarm d~· fabrica, .:lo vender .~eu
tr:âdo, recebe 10 mil filims. Dessa soma, de cem um c;apH;1/ de 8 mil libras, que
ele inw:.ste novamente na produção de u:ciJo, isw ~. l.:onrrara rrah;11Judores (Say,
St!~uindo 0 exemplo deSmirl1, ignora os gasros do ctpíra/ con.~r.1nrc: e ;1s.~ume qut'
0 ~pical foreiro tf. rw final, gasto com salários), os quais. re1.:dwndo ;1s su;u: 8 mil
Jibra.s cm safarias, criam uma dem:mda por artigos de t:on.~umo, O lucro do pro-
pric:rJrio da fábrica é de 2 mil libras, que ele despende cm 1111._.im de rnnrnmo e
artigos de luxo. No final, é criada uma demanda roral Jc.· 1O mil /ibr.1s, c:xaramcnre
igual ao valor du reddo.
Nu c:nc:mro, o que aconceceri.1 se o propri<.·r;irio d.1 t:ibrica quisesse
acumular a metade de seu lucro em vez de ga:mi-lo inrcir.itlH:IH~ no consumo
pessoal? N!io seria enrão a demanda (8 mil libr.JS + mil /ibr.is) menor do que a
oferta (10 mil libras)? Os seguidores de Say e Ricardo diri.un que nâo, pois, ao
acumular, o proprietário da {Jbrica esrá adicionando mil /ihr.is <W seu c;ipiwl, isro
é, eni conrracando trabalhadores adicionais que criaâo um.1 Jcm;inda ulrerior
para os meios de consumo igual a 1O mil libtilS. A dem;mJ.1 ror.i/ scd. como
antes, igual a 10 mil libras (9 mil libras + mil libras), com a diferença de que
ª demanda dos trabalhadores por meios de consumo reri :iumc.·ntado em mil
lib~as, .ªºpasso que a demanda do propriecário d.1 f.ibrica por arrigos de luxo
cera caido na mesma proporção. O caráter da demanda terá se .ilrc.·rado. mas seu
:oral concinuará a ser determinado pdo valor do teciJo que {oj produzido. isro
e, pelo volume da produç<io. No final do processo, o tecido rerá sido trocado por
ourros produtos: OilS pala\Tas de Say, "um ripo de produro é trocado por ourro",
eª produçjo aumcncada de d · . co na
d d um pro uro será equilibrad:J. por um crcsc1mcn
r:man a porourros. ·~ mcr · • . /; ·media-
ramcnre "IJJ cima/ a 3 c1rcunsranc1a da oiilçdo de 11111 produto"' 'Ire 1 JS
pela/>'"' di - " p ra ourros producos", diz SJy. 'º''A demandt é limitada apen
o ll(ao , repete RJcardo J' A J J [ou no
modo de dizer f ., • prouuçdo cnit seu próprio 111ercaao '
gera• a aferra cr· , , bsurdo.
pon;mco, dizer 'ªsua proprfa demanda" - N. do T.I.}; e a
. que o vofumecot I d d 1 moda
0 ni'vr:/ geral da demanda. 3 a pro ução pode ultrapassar de a gum

lvf;is, nesse ca.m, como o . . es? oe


acordo com a rcoda de S . p demos cxplrcar o surgimenco de cr1s • -
ay e Ricardo, as crises nas vendas derivam de drcunscílfl
""SMONQI COMO º"''T•oo Do CAP!TAL19MD 411

ci:J.S contingenres (por exemplo, guerrns, fechamento de mercados estrangeiros,


rrcJ. Decerto, existe a possihilid,1dc da .mperprodupio pdrâal de dererminados
produws. nrns isso significa ínc:vit.:ivdmcnte que há subprudufiio de ourros. Se, por
e.'ic:mplo. os proprietários de f:íbricas que produzem anigos <le luxo errassem ao
J\';i/iar ;1s mt1Janç1-.; n;1 e ..;rrurura tb demanda que descrevemos acima e voltassem
a produr.ir arrigos d1.· luxo no valor de 2 mil libras, esse r..imo da indlísrria sofreria
de supt•rpmJw;;ío, Porém, ao mesmo tempo, seria sc:nrida uma sub produção dos
arrigo.~ de consumo dm rrab;ilhadores. Uma transferência de capital do primeiro
r.imo para o segundo dimi1mria rapidamente essa desproporção temporária na
pro<luc,;ío. Porrnnro, a ..; ünica ..; c:rises po!>síveis são crises parciaü, que derivam de
erros na adminiscr;1ç:ío da produção. Cris(·s gem:m/izadtu, em que rodos os ramos
da prodwi:;io .sofrem simulrnneamenre uma escassez de demanda, são impossíveis.
Tal tTa a (t•oria dlls mercadns formulada por Say e Ricardo; fofdizmcnce,
os faros a refuraram c:w:gorkamt·nrc: a Inglarerra cnfrenrou periodic::imeme o
d1oque de crises gt·nernlizadas em con.scqu~ncía de uma demanda inadequada
e a uma qut·da nos preços de roda mercadoria imporranre. Essa reoria era cega
às comradiçóes fonJamenrais da economia capiralisra, descrevendo-a, em vez
disso, como um rnJo unificado que se disringue por um perfeico ajusramenro
múruo e um dt".~cnvolvimcnro harmonioso de rodas as suas panes. Say esqueccu-
·se de que o reciJo n;ío é trocado diretamente por ourros producos, m3s cem,
primeiro, de ser vendido por dinhdro, e, mais ainJ;1, por uma soma definida
de dinheiro qut· cobrirá seus cu.sros de- produçáo mais o lucro. O retraro que
Say fornece do processo de produção erra ao ignorar os gasros com os meios de
produ1i-·ão. Desse moJo, de foi incapaz de apreender a inrerdcpend~ncia emre a
~roduçéio de meios de conslJmo e a produção de meios de produção ou a dispa-
nd;tde que exi.'ire em suas raxas de crescimenco. Ele subesrimou a anarquia da
produção, que torna impossível o dcscnvolvimcmo equilibrado e proporcional de
rodos os ramos da produção.
O grande mé1ito de Sismondi foi ter rejcit3do a rcoria dos mercados
da escola clássica. De 1819 a 1824, Sismondi tomou parre em crês acirrados
debates com os mdhorcs economistas da escola clássica: McCuiloch, Ricardo e
Say.1.2 Todos os três argumentaram que um crescimento ilimitado da produção
' j e que não conseguiria se impor contra uma escassez de dcman da.
s·craimpossJvc
Jsmondi, como l\1alchus, afirmou que o "consumo não é uma consequência
... ,, •ue um rápido crescimento da produção pr
. . ia da .,r. Xu\aO
. e '"i ovocará
nc(es..'1r r . de crises crenerali1.adas.
: viravc:mcnre- o ICrvmper o d J - " .
,n< . ' s· ndi é a de que o volume a proauçao e limitado l
A tl.'Ort.l ...e ... LSmo , pe a
. asso que a escala do consumo e, por sua vez, lim· da
O('.a!a co ~·onfumo) ao p . ita
, da d s membros da sociedade. Assim como o indivíduo tem d
x!a rendi agrega 0 e
' umo com sua renda, também a sociedade tem de obedece ,
seu cons
ecui~i'.,ur _ ,, 14 ra
• "'A nda nacional tem de regular a produçao total. Suponham
mesma regra. re os
de passar todas as classes da sociedade tenham recebi.d
no ano que! aCabou
<;_UI!. ' . . _ . o
uma soma definida de rendimentos, digamos, de 5 bilhoes de libras. É claro que
a demanda total por produtos que essas classes criarão no próximo ano não pode
u'.trapassar 5 bilhões de libras. Consequentemente, o volume de produção no
próximo ano náo pode exceder a renda agregada que foi acrescida a todas as classes
cia sociedade no ano que passou. "Assim, a renda e a produção nacional estão em
eq_uilíbrio uma com a outra e aparecem como quarn:idades iguais" . 15 "A renda
anual total destina-se a ser trocada pela produção anual total." 16 Se a produção no
ano seguinte aumentasse para 6 bilhões de libras, uma quantidJde de mercadorias
no valor rotal de 1 bilhão permaneceria claramente sem ser vendida. "Se a renda
anual náo comprasse a totalidade da produção anual, uma parte dessa produção
resraria sem ser vendida, abarrotando os armazéns dos produtores, paralisando
seus capitais e levando a uma detenção da produçáo." 17
Sismondi baseia seus argumentos num erro teórico monumental. Como
Smit.o e Say, ele ignora os gastos de capital constante. O valor do produto anual
se dissolve, na verdade, não apenas em rendimento (salários, lucro e renda), mas
tamb.l!m. numa porção destinada à reposição do capital constante gasto. Em con·
sequencia, 0 produto anual total tem de ser maior do que a renda anual total. Se
fosse correta a afirm . d s·1 . " . m ti
açao e smond1 de que o rendimento do ano anterior ce
de pagar
. ,.
pela produçao d0 ano corrente", 18 isso significaria que rrabalhadores e
cap1ta.1stas consumiriam tal d .
·d d d a to i ade do produto anual. Sismondi ignora a neces
si a e e repor o capital vo
. ,, constante gasto, sendo incapaz de explicar como 0 no
capitai e acumulado.
Sismondi porcan íb ·
na econo . to, parte da ideia errônea de que só pode haver equih rio
'. .
mia capltal1Sta se a prod - d . t do
ano anterior: ~ uçao o ano corrente for igual ao rendunen
.. o entaruo, roda cq ar . rcur·
°
bada: ,?Orque 0 v 1 u izaçao enrre eles é constantemente pe .
,. o ume de produção (g ' r , . • . capi-
raastas) e 0 proo . . raças a rrenenca concorrcnc1a encre
;:,resso tecn1co (a inrrod . ndir
uçao da maquinaria) tendem a se expd
limites, ocorrendo uma queda relativa na renda agregada da ampla massa
sem . , • d
da opulação. O campmnato e arruma o, seu poder de compra declina e sua
der!anda por produtos industriais é abalada. O rendimento e 0 poder de compra
dos trabalhadores caem exatamente do mesmo modo, uma vez que a introdução
da maquinaria agrava seu desemprego e, ao mesmo tempo, oferece aos capita-
listaS a oportunidade de baixarem os salários. "Os salários quase sempre caem
com um aumento na riqueza pública." 19 "Os aperfeiçoamentos na maquinaria e
as economias no trabalho humano provocaram uma redução direta no número
de consumidores de uma nação; porque todo trabalhador que foi arruinado era
um consumidor." 20
Contradições profundas e irremediáveis podem, assim, ser encontradas na
natureza mesma do capiralismo: ele expande a produção ao mesmo tempo que
reduz a renda (e o consumo) da grande massa da população. Assim, o subcon-
sumo da massa da população provoca inevitavelmente consrantes crises de super-
prod11çáo. Ao desenvolver sua teoria das crises, Sismondi não entendeu que uma
queda na demanda dos rrabalhadores por arrigos de consumo anda de mãos dadas
com um crescimento estupendo na prod11çáo de meios d• produção. Ao ignorar
o que é investido no capital consrante, Sismondi pensou equivocadamenre que
o único meio de se compensar a queda relativa na demanda dos trabalhadores
seria aumenrar a demanda dos capitalistas por produtos de luxo. Sismondi procurou
provar que esse ripo de compensação era impossível, mas a inconsisrência teórica
dos argumentos que ele usou é evidente. Às vezes ele condena colericamente o
·usufruco frívolo de artigos de luxo"; outras vezes argumenta que os capitalistas são
fisicamente incapa>.es de consumir rodos os arcigos de luxo que eles produzem e,
ainda em ourras ocasiões, aponta o quão difícil era passar da produção dos meios
de consumo dos rrabalhadores à produção de arrigos de luxo para os capiralistas.
De qualquer modo, Sismondi, escava convencido de que as crises que abalam a
indúsrria capiralisra tinham sua causa direra na renda e no poder de compra decres-
centes da massa da população, que estreitava o mercado interno dessa indústria. O
capitalismo só poderia se desenvolver rapidamente se pudesse vender suas merca-
dorias
. • · capn
nos mercad os escrangeiros. ~o momento em que as potencias · ai'iscas
tivessem dominado rodas as colônias e mercados estrangeiros, as crises ocorreriam
com uma frequência e uma severidade cada vez maiores. A doutrina de Sismondi
de que o desenvolvimento capitalista é impossível sem os mercados estrangeiros
seria aceita pelos narodniks russos nas décadas de 1870 e 1880.
escol.A c1.ASSICA

, seus erros teóricos, é ainda o grande mérito d


Y.esmo com t.:i.:.os os e
••· .. . . a colocar 0 probkma dos memtdos e das crises e
Sismondi ter s1ao o pnme1ro . - rn
, _ _ El w;onhcceu corretamente que as crises sao a companhia
todo o seu a.."'an'"e. e -
.. , . capitalista e, tentando encontrar as razoes por que elas
in~1tave: da economia . . '
estrutura interna do capuahsmo. Uma vez que se baseou
surg~m, procurou-as na . . A _

na err(>nea teoria smithiana da reprodução e ignorou a 1mportanc1a crescente que


a ?ro.:!ução dos meios de produção adquire na economia capitali~ta, Sismondi foi
in<a?az de fornecer uma solução correra para o problema das crises. Mas é ainda
seu mérito ter posto esse problema, tentando dar a ele uma resposta unitária e
razoável, e ter iluminado um aspecto do fenômeno, a saber: o de que o desen-
"ºl"imcnto do capitalismo depende do poder de compra da ampla massa da
população. Sismondi minou em suas bmes afé da escola cltissica na possibilidade de
um desenvolvimento capitalista suave e isento de crises. Ele refutou sua confiança
otimista de que todas as classes obtêm um rendimento com o funcionamento de
um sistema econômico baseado na livre concorrência. Se Carey e Basciat haviam
miuzido ao absurdo a ideia smithiana de uma harmonia de interesses entre todos
os membros da sociedade, Sismondi chega à triste conclusão de que "onde todos
os interesses estiverem em conflito uns com os outros, a injustiça frequente·
mente triunfará".21
Sismondi, considerando o sistema capitalista profundamente injusto, chegou
à conclusão de que ele não poderia ter qualquer pretensão à existência eterna.
Ele demonscrou corretamente que a convicção clássica de que o capitalismo é a
forma tttma e natural da economia era um produto de seus horizontes limitados.

:-\ossos olhos se tornaram tão acoscumados a essa nova organização da sociedade, ª


essa concorrência universal que degenera em hosrilidade entre as classes abastadas
• •a.. trabalhadoras
.
q · d d ·
' uc nao po cmos mais conceber qualquer oucro modo e eXis·
tcnc1a, nem mesmo aquele d . 1 d lZ
mo o CUJOS escombros nos cercam por todos os a 05•

Como fica evidenciado n • • • · ·va


ao sisrcma . a1· essa u1tima frase de Sismondi, sua crítica incist
cap1t isra tem suas · . ·a
Sismondi b ratzes nos interesses e ideais da pequena burguesi ·
uscou salvar oca 1·ca1· • ttm•
ponesas , artesana. . P •smo da calamidade nas economias e
. " que amda flores · • • bros
atnda existiam. aré ciam. em sua Su1ça natal e cujos escoro
do capicalismo mas mesmo na lnglater El - aJéin
ra. e nao conclama a um avanço para
' ª um retrocesso paca •quem •
dele. Não pretende contr•Pº
r ao
capitalismo uma nova ordem, ~nd~da na ~ropriedade coletiva: "Quem poderia
ser capaz de conceber uma organizaçao que amda não existe, de visualizar 0 futuro,
uando nos é cão difícil ver o presente?". 23 Assim, Sismondi se distancia enfatica-
!ente dos socialiscas de sua época (Owen, Fourier, Thompson); em comcaste aos
esquemas de comunas socialistas concebidos por estes aurores, ele apresema da
seguinte forma seu próprio quadro de um sistema social desejável:

Gostaria que a fábrica, assim como a indústria agrícola, fosse dividida num grande
número de oficinas independentes, e não concentrada nas mãos de um único
empresário a supervisionar centenas de milhares de trabalhadores. Gostaria que
os capitais industriais fossem divididos entre um grande número de capicalisw
médios, e não concentrado nas mãos de uma pessoa que possui milhõcs. 24

Tal é o ideal econômico de Sismondi: uma sociedade formada de campo-


neses prósperos, artesãos independemes e mercadores de pequena escala.
Ao voltar as costas a qualquer alternativa fundamenral à sociedade capi-
talista e sua base no direito de propriedade privada, Sismondi não tinha outra
opção senão remar suavizar os desastres do capitalismo por meio de reformas
sociais. Sismondi não aceitou a doutrina clássica de que a inrervençáo estatal na
vida econômica é inadmissível. Ele se tornou um dos primeiros e mais ardenres
defensores da reforma social e, nesse sentido, um dos precursores da tendência
socioética que ganharia uma grande popularidade nos anos 1870. Vimos que,
para Sismondi, a conrradiçáo básica do capitalismo se manifesta (1) num cres-
cimento demasiadamenre rápido da produção, acompanhado de uma queda
no poder de compra da população, sendo esta última uma consequência da (2)
destruição dos pequenos produtores, especialmente do campesinato, e (3) do
declínio do padrão de vida dos trabalhadores. Sismondi dirigiu seus projetos de
reforma social a esses três alvos. Para melhorar a condição dos trabalhadores, ele
;m"'.enda (sendo, quanro a isso, um dos primeiros e mais fervorosos defensores
a legislação fabril) uma série de medidas legislativas: o direito dos trabalhadores
de formar associações, a proibição do trabalho infantil, um dia de descanso obri-
gatório aos domingos, a obrigação dos empresários de garantir o sustento de seus
trabalhadores em casos de doença, desemprego, etc. Além disso, Sismondi queria
SUstentar a economia camponesa de pequena escala e descreveu eloquentemente
as Vantagens desta última sobre as grandes propriedades e latifúndios. Ele não
416

ue "uma numerosa classe de proprietários camponese


esqueceu de acrc~scenrar q ~ s
. . muito forte para a manutençao da ordem estabclccida."2s
fornece uma garanua .
.
Os proiems e
d s·IS
mondi para a legislação fabnl revelam o lado progressista de
• ~
sua visão de mundo, mas sua simpatia entusiasmada pela populaçao camponesa
não está livre de uma conalidadc conservadora. Finalmente, suas aspirações 3

limitar 0 volume da produção indmtrial são inteiramente reacionárias. É verdade


que Sismondi rejeita a acusação, formulada por seus oponentes, de que ele seria
hostil ao progresso industrial e ao avanço tecnológico. "O mal de nossos dias
não é a inovação, mas a distribuição injusta que o homem faz dos frutos dessa
inovação'\ 26 responde Sismondi a seus inimigos. Mas, quamio diz que deve haver
uma introdução mais lenta da maquinaria a fim de impedir o deslocamento dos
artesãos e trabalhadores {"o tormento", afirma de, "alcançou uma cal profundi-
dade que se poderia começar a lamentar o progresso de uma civilização que [...]
só fez multiplicar a pobreza" 27 }, seu conselho se coma a um só cempo utópico e
reacio11drio. A doutrina ricardiana de que deve haver um crcscimcnco máximo
das forças produtivas cem um caráter mais progressivo do que os lamentos de
Sismondi acerca do crescimento excessivo da produção. Num dctcrminado ponto,
as limitações da crítica pequeno-burguesa do capitalismo, que encontrou sua
expressão nas obras de Sismondi, se tornaram abundantemente óbvias.

Notas

1. Não existe tradução inglesa da obra Nouveaux príncipes d'économie po/itique. As


citações do prefácio à segunda edição de Nouveaux principes (1827) baseiam-se na
tradução inglesa feita por M. Mignet incluída na coletânea de ensaios de Sismondi
publicada por Mignet sob o título de Political economy and the phi/osophy ofgOvtrn~
me~t(Lnndres, 18 47). O primeiro volume da segunda edição, juntamente com crês
arngos em resposta a McCulloch, Ricardo e Say, escrito por Sismondi enrre }819
e 1824 e, mais tarde incor d , di ão
d ' para 0 a segunda edição, foi republicado numa e ç
mo erna por Calmann-lév (P · · ~ es do
1A . _ Y ans, 1971), da qual foram extraídas as cuaço
v. · 5 cnaçoes do v. 2 fora , · · es.
de 18l 9. m extraidas da primeira edição de NouveattX princtp

2. P<efádo à segunda edição, in, Mi .. . vern·


ment, 1847, p. 115 _117. gnet, Polmca[ economyand the plnlosophy ofgo
3. lbid., p. lt4.
4. lbid., p. 114-118.
SISMONDI COMO CRITICO 00 CAPITALISMO 417

5. Sismondi, No1wra11x pri11ciprs. v. l, 1971, p. 356. Esse trecho é da resposta a Ricardo,


Sur la balance dcs consommmions avec les producrions, originalmente publicado na
Rtl'Ut Enryclopidiq11e cm maio de 1824.
6. O rcrmo usado por Rubin é styazha11ie, que significa aquisitividade [acq11isitivenm].
7, Sismondi, Mmve1mxpri11dpes, v. 1. 1971, p. 322.
8. Prefüdo à segunda edição, in: Mignet, Politkal rco11omy a11d thr philosophy ofgovern-
mmt, 1847, p. 119-120.
9. Say, Tmuisr 011 political rco11omy, tradução de Prinsep, v. 1, p. 167.
10. lbid., p. 167; grifos de Rubin.
11. Ricardo, Pri11ciples (edição de Sraffa), p. 288.
12. A resposta a McCulloch foi originalmente publicada em 1820, nos A11naln dt j11ris-
prudmct de Rossi, e foi uma resposta ao ataque de McCulloch a Sismondi e Owen
na Edi11burgh Rrview (outubro de 1819). Essa resposra a Ricardo nasceu de discus-
sões pessoais com ele quando de sua visita a Sismondi em Genebra, em 1823. Em
resposta ao arcigo de Sismondi sobre Ricardo na &vue Enryclopidique, Say publicou
sua própria resposta na edição de julho de 1824 da mesma revista (Balance des con-
summations avec les productions), a que Sismondi respondeu com um breve ensaio,
Notes sur l'articlt dt m. Say. intit1Jé "Balance rks cotUommations avec ks productio1u".
Ver a republicação de Calmann-Lévy do v. 1 dos NouvtatlX prinâpts e a nota I,
acima.
l3. Sismondi, Resposta a Ricardo, in: No11vta1.x prindpts, v. ], 1971, p. 343.
!4. ld., Nouvraux principes, v. ) , p. 125. "A rmda nacional deve regular o gasto nacional;
esta última deve absorver, por meio do fundo de consumo, a tom.lidade da produc;ão."
l 5. lbid., p. 120.
16. lbid., p. 121.
17. lbid.
l8. lbid., p. 129.
19· Sismondi, Resposta a McCulloch, in: Nouvraux principes, v. I, p. 336. "Não é o
trabalhador que ganha com a mulciplicaçáo dos produtos do trabalhai seus salários
não aumentam em nada com issoj o próprio sr. Ricardo afirma, em outra pane,
que eles não devem fazê-lo se não se deseja que a riqueza pública pare de crescer.
Ao contrário, uma longa experiência nos diz que os salários sempre a1em como
resultado de sua multiplicação."
º·
2 Sismondi, Nouveaux prinripts, v. 2, edição de 1819, P· 326.
2 1. lbid., v. 1, edição de 1971, p. 289.
... J iil' Notll'WIX pri11cipes. v. 1, P· 357; grifos de Rubin
,, SismonJi. Rcspo:>tJ a RllJr o, . .
2.1. lbiJ .. P· Jo4.
H. Tr.tJmiJo Jo russo.
d, da do índice para o livro lll, cap. 3 do v. 1. A passagem a
25. fase: é o texto e c:ntrJ
, . contra na p. !60 da edição de Calmann-Lévy: "A revolução
que de se: rcn·rc: se cn . •.
provocou um crcsdmc:mo prodigioso da classe de propnctarios camponeses, Hoje,
n.i Fr;rnç:t, coniam-se mais de rrês milhões de famílias que são senhores absolutos
Jl tcrra onde vi\'c:m, o que significa mais de quinze milhões de pessoas. Assim, mais
dl nlt'tadc da nação tem interesse em ter gar;uui<lo cada um de seus direitos. A
muhidio e o podcr de uso da força física estão do mesmo lado: o da ordem".
2.ú. Sismondi, Resposta a Ricardo, in: Nouve111tx principes, v. 1, edição de 1971, p. 356 .
.,":' Sismondi, Nom•ra11x prhlcipes, edição de 1819, v. 2, p. 328. "Quando a cada dia uma
nova máquina substitui o trabalho de várias famílias, sem o surgimenco de nenhuma
nova demanda que lhes proporcione emprego e meios de vida, os tormentos
atingiram tamanha profundidade que se poderia começar a lamcnt;U o progresso
de uma civiliz.aç.1.o que, reunindo um número cada vez maior de pessoas no mesmo
lugar da terra, fez apenas multiplicar sua pobreza, ao passo que cm regiões desérticas,
pdo menos, há apenas um número pequeno de vítimas."
capítulo 38
OS SOCIALISTAS UTÓPICOS

Se Sismondi criticou a escola cl:íssica do ponto de vista da peq11ena-b11r-


g11esia arruinada, os socialistas utópicos expressaram as demandas e aspirações da
jovem classe tmb11lhndorn. Essa crítica foi, por isso, mais profunda e fundamen-
tada do que a de Sismondi. Uma exposição detalhada do desenvolvimento das
ideias socialistas foge ao escopo de nosso trabalho. Procederemos apenas a uma
breve exposição de alguns dos socialistas ingleses pós-ricardianos que se ocuparam
de questões da teoria econômica e extraíram conclusões socialisias da doutrina da
escola clássica.
Entre esses economistas, podemos distinguir dois grupos. O primeiro inclui
Picrcy Ravenstone e Thomas Hodgskin. • Ambos foram influenciados, ao menos
parcialmente, pelas ideias de Godwin e sonharam em substituir o sistema capita-
lista, que arruinara as massas populares, por uma economia parriarcal de pequena
escala formada por camponeses e artesãos. Desse modo, eles consriruíram um
g~u~o de transição entre os críticos pequeno-burgueses do capitalismo e os so-
C1ahstas. O segundo grupo era de socialistas, formado por William 111ompson,
John Gray e John Bray. •• Combinando as ideias econômicas de Ricardo com as

:---
A principal obra de R.1vcnstune é seu Aftrv tlou/Jts 11s to the corrn:mess ofsoml' opi11io11s
gent'ra/ly t'lllt'rtained 011 the st1bject ofpolitkal eco11omy. publicada em 1821. 1110mas
Hodgskin nasceu cm 1787 e morreu en1 1869. Suas prindp:IÍs obras soio l11bo11rdtfr·m/l'á
(~ 82 5) [cd. br.is.: lho mas Hodgskin, A defi·sa do m1óalho comnz as prt'tensóes do tnpital.
Sao Paulo: Abril Cuhuml, 198.~. colc..-ção Os EconomisrnsJ, Pop11/ar politiml ero11011~J'
( 1~~7) e 1'1e nahmtl a11d artijiâal right ofproperry co11muted ( 1832).
~ilham Thompson nasceu cm 1785 e morreu cm 1833; suas principais obras são lnquiry
" 110 th~ prfoâples of the distributio11 ofwea/th most amdt1ctiue to hm111111 h11ppiness ( 1824)
420
. es propunham o escabdecimento de comu .
. ,. . de Owen, esses escncor n1-
socia.isus . ~ .d~ . ocialistas, no entanto, eram marcados por uma in-
dades scx:i~1scas. Seus I cais s . . , . . .
. bras connnham mumeros resqu1c1os dos ideais d
consiscCncia exrrema, e suas o . a
.· Como seus precursores, Godwm e Owen, rodos esses eco-
pc~uena-burgue~1a. . .. . . al. ,
nomiscas realizaram uma crícica mc1S1va da econom1~ capa_ isca, e essa e a parte
majs consiscence de suas obras, que se moscram muuo mais fracas ao dcsenvol-
vc:rem uma teoria econômica. Em essênciai todos eles aceitaram (e, às v~zes, sem
, · · ) os princípios básicos da teoria de Ricardo, ap<nas dando a ela
qua.iquer cntica . • . . .
urna inrerprecaçáo diference do ponto de vista de seus propnos 1dea1s socialis-
tas. Sempre que os clássicos colocavam um sinal positivo, os socialistas punham
um negativo; e, inversamente, onde os clássicos punham um sina~ ncg.uivo, eles
colocavam um positivo.
Em sua.filosofia social, os socialistas utópicos comparci:!'-taram, na maior
parte das vaes, as ideias do direito natural. A esse respeiro. e!C's n.ío se diferen-
ciaram dos primeiros represencames da escola clássica. :\"o entanto, eles diver-
giram radicalmence desces últimos ao responder à questão sobre ar~· que pomo
um sistema social podia ser considerado "natural", racional e jw•co. Smith havia
identificado a ordem capitalista como a natural. Os socialistas con~ideraram que
cal ordem se baseava na usurpação (a cerra, como meio de produção. tendo sido
apropriada pelos proprietários fundiários e pelos capitalistas), na viol~·n.:ia e no
desengano. Eles a designaram como um sistema "inarura!". É pos.!>ívd, pergunta
Hodgskin, reconhecer como "wn fenômeno natural a presente distribuição de
riqueza, sabendo que ela é, em todas as suas partes, uma violação evidente daquela
lei natural que dá a riqueza ao trabalho e apenas a ele, e sabendo que ela só é
manei~ mediante a força armada e por um sistema jurídico cruel e sangrenro"? 1
_ Ja podemos ver, por essa citação, por que os socialistas consideram que
º.sistema capitalista está em contradição com a lei natural: a seu ver, ele é um
SlStema que viola a lei "n ai" , lo ·a]
acur ao va r-trabalho. Aqui o sentido novo e especi
que os socialistas dão à lei do valor-trabalho se mostra de modo brilhante. Eles
aceitam essa lei plenamente tal Ri
· . ' como cardo a formulou. Os socialisras repetem
ins1sten1emence, junto com Ric d " ,,

-
ar o, que o trabalho é a única fonre de valor '

e labour rtwarded (1827)· J h G .


obra é Social system (lg31 ).: n_ ~nasceu em 1798 e morreu em 1850; sua princip~
'ntiedy (1839). ' principal obra de John Bray {: Labour's wrongi and fabours
os SOCIAl.ISTAS UTOP1cos 421

e não fazem nenhuma correção nessa fórmula. Mesmo Thompson, considerado


par muitos historiadores burgueses do pensamento econômico 0 precursor ime-
diato de Marx, falhou em diferenciar o trabalho concreto do trabalho abstrato
e confundiu valor de troca com valor de uso. Ele qualifica 0 trabalho não apenas
como a única fonte do valor de troca, mas tambc'm da riqueza: "Quando avaliamos
wn artigo da riquc1.a, o que estimamos é, na verdade, o crabalho concenrrado em
sua fabricação e na busca ou criação de sua macéria-prima." 2
Embora apropriem in toto a fórmula ricardiana do valor-trabalho, os so-
cialistas conferem a ela um sentido metodológico diferente. Ricardo viu nessa
fórmula uma lei 1"' fimciontl efetivamente {mesmo que com desvios) no interior
da economia capitalista. Os socialiscas afirmam que, na economia capitalisca, essa
lei é violada e não se .<u.<tenta. Eles tomam aquilo que para Ricardo era uma lei
teórica dos fenómeno)· reais da economia capitalista e a convertem num postulado
mor11l cuja realização aguardava a futura sociedade socialista. Eles substituem
a teoria do valor-trabalho pela doutrina do "direito do trabalhador ao produto
inteiro do trabalho". "Todo homem", escreve Bray, "tem um direito indubitável a
tudo aquilo que seu trabalho honesto pode lhe fornecer." 3
Metodologicamcnte, essa nova formulação da teoria do valor-trabalho signi-
ficou um passo atrás se comparada com Ricardo. Ela fàz lembrar o modo "norma-
tivo" pelo qual os pcnsadores da Idade Média haviam posto o problema do valor.
Enquanto para Marx (e, em menor medida, também para Ricardo) a teoria do
valor-trabalho serve como uma ferramenta para compreensão e explicação dos
fenômenos e categorias da economia capitalista, os primeiros .socialisras usaram a
categoria do valor-trabalho como um meio para rejeitar a esrranheza e a falsidade
de ouua'i categorias c.."Conômicas na forma como elas se apresentam na economia
capitalista (por exemplo, o dinheiro, o capital, o trabalho assalariado, etc.).
De fato, se o valor de uma mercadoria deve ser expresso em trabalho, por
que, então, exprt'ssá-lo em dinheiro? Os primeiros socialistas não tinham qualquer
entendimento de que, numa economia de mercadorias, o valor de um produto
não pode ser expresso de um modo que não o do dinheiro. Para eles, parecia
possível definir diretamente o valor de uma mercadoria em unidades dr trabalho.
<CO Padrão natural do valor é, em princípio, o trabalho humano", escrevt'U Owen
e~ assim, chegou à condusão de que "agora tornou-se absolutamente neccssá-
~10 reduzir esse princípio à prática imediata". 4 Seguindo o exemplo de Owen, a
ideia de "dinheiro-trabalho" e de "mercados de troca" tomou-se extremamente
ESCOLA CLÁSSICA
"r>(S•NltG"lACAO DA
422
.. 1. . Gray propôs a crhtção de um banco nacional 0 d
!Jr t'llUC~ os soc1.11sr,1s. n e
popu d rregar seu produrn e, cm troca, receber um ccnificad
··1JJ produwr pu esse en . o
'· . . d •terminado de untdades de trabalho. O possuidor d
pJr.t obter um numero e o
. . d . . direito a obter qualquer produto dos estoques do banco n
l:c:rntica o teria o . _ _ o
mesmo ,·alor das unidades de trabalho. Esse npo de transa~·ao nao monct;iria ga-
rantiria ao produror a capacidade de vender seu produro, a qu:tlqucr momento,
por St'U t!tlÍor-trabalho pleno. A categoria do dinheiro seria abolida a fim de realizar
m.i.is pknamcmc 0 princípio do valor-tr;1balho. Lunent.t\'<.:lme1m.:, os mcrcados
de: rroca e 05 bancos faliram rapidamente e demonstraram ser inl('(lssívcl abolir 0
dinheiro enqu.mto os produtos do trabalho retivessem Sl.'ll cir.ítLT de ml.'rcadorias
e ,·Jlores ...A troca organizada" em meio à proJuç:ío desorganizada Jc mcrcado-
ria.s moscrou-se um empreendimento utópico.
No entanto, para que o princípio do \'alor-u.1hallll) pu'-ksse triunfar cor-
rerJmenh:~. é cerco que não apenas o dinheiro raia de ser aholiJo, mas rodas as
categorias inerentes à economia rnpiralista. A troca de capit.11 por trabalho vivo
(força de trabalho) contradiz radicalmente a lei do ,·alor-tr.1h,1lho, uma vez que o
trabalhador recebe, nessa troca, menos valor do que o valor Je seu "crabalho". O
mérito dos primeiros socialistas foi ter des\'clado enfark.lll1L'nt'-· e. . s.1 conrradi~·jo
b.ísica na qual a teoria clássica havia se enredado. ~las resoh-er essa conrrotdi-
çjo, isto é, demonscrar como o mais-valor emerge da a~·;io <la ki Jo valor, é algo
que eles não sabiam como fazer. Eles insistiram (L', aqui. esr.1vam de ;Kordo com
MJlthuse outroscriti rns · d-.1 teoria · rh:~u
· d'1;111a do v.1lor) que o surgunento
· d0 nnis- •
.,·,lor .comr.1diz a 1e·i do v.1. 1or-tral1a li 10. A parur
. d.11,. condu1r;un
. qw: o cr.t. lnlho
·
~~sJbri;~Jo e 0 capitalismo <.ÍL'viam SL'r reconhecidos como insriwiçúl.'S danosas e:
111.uur.us. Se Ricardo for:.i.111 .. . - d , . . , . / ·1miui·
ri . . '-·1P·1Z e apreender o Clf<HLT h1swru:;11111.:mc 1'
o do c1p1tJlismo, os pri • .· 1·. - . . • capi·
c.1\ismo : 1. . mc1ros soc1a 1stas nao consegwram cnrendc.:r que o .
e 11s1onca1ncmc 11t' . • . A . . . .- é mais
do uc" . Cfl'Stlrro. seus olhos, o sistema c:ap1ralisca n.io ,.
q um s1s1cma econômi. 1· " .. l . Jc:gal .
Em sua inJ·, . . . . rn a ienanrc , <lc roubo descarado, cm HJíJ
ign.tçao Jllstificáv ·I · rsn os
primeiros 5 · 1. e com ;\s desigualdades da economia cnp1c~11 ''
oc1a istas perderam d . d srud;1.r
seus fenômenos . . ' e vista a necessidade de compreender e e e
n.:a1s. Sua rcjci :- . . c·1n1c:nre
transformad ç.io Ctlca do capitalismo foi muito pron •
d<=rna1s. em ca nurna. desconsideraçao . •. r
tconca de suas leis increntes. rco
. cupado5
. onstru1r planos do d . . d .Jjcar.tfll
muito pouco estudo que ever1a ser, os socialistas utópicos e
ao que de fato é.
os SOCIALISTAS UfOP1cos 423

Embora essa posição metodológica afrouxasse sua preocupação com 0

estudo teórico da economia capitalista, o ponto de vista proletário dos ptimeiros


socialistas lhes permitiu, ao analisar o problema do mais-valor, efetuar um avanço
real em relação aos clássicos. Eles entenderam o mecanismo da exploração capi-
talista de modo muito melhor e mais incisivo do que o haviam feito os clássicos.
A ideia de que os propriclários fundiários e os capimlislas excracm seu rendi-
mento do valor total da produção dos trabalhadores - ideia que já estava presente
cm Smith - foi enfaticamente encampada pelos primeiros socialistas. "No caso
presente, os trabalhadores devem compartilhar seu produto com ociosos im-
produtivos" ,S escreveu 1-lodgskin. Um enorme crédito é dado ao autor de um
paníleto socialista, publicado cm 1821, por ter reunido numa única categoria
todas as formas de renda imerecida [tmearned incomeJ, embora se deva admitir
que ele ainda a chame de juro, e não de mais-valor. "O juro pago pelos capita-
listas, adquira ele a forma da renda, do juro monetário ou do lucro empresarial,
é pago com recursos extraídos do trtzbalho de 0111ras pessoas.''6 Todos os tipos de
renda imerecida são, aqui, unidas ao mais-valor, cuja fome é reconhecida como
o "mais-trabalho [s11rp/11s /,1bo11r]"' dos trabalhadores. Encontramos praticamente
o mesmo conccim de mais-valor em Thompson: "N;.io pode haver qualquer ouua
forma de lucro que n;io a do valor que o trabalho, guiado por determinadas ha-
bilidades, imprime na m;u~ria-prima. Os materiais, os cditi'cios, a maquinaria, os
salários, 11;1da disso é c;.1paz de ;1dkionar valor. O valor adicional deriva unka-
nlcmc do trabalho". 7 O serviço teórico mais imporcantc dos primeiros socialisras
foi [Cr entendido a natureza do mais-valor- nesse âmbito. eles abriram o caminho
para Marx.
lnduimos essa an;.ilise das teori;1s econômicas dos primeiros soc:ialistas em
nossa seção sobre a derrocada da escola clássica n;io apenas porque esses amores
usaram a [Caria ricardiana do valor como umo1 base para formufor conclusões
pr-.ílicas e soci;disrns que divergem radicalmente da domrina da escola cl;.íssica.
Mesmo de um ponto de visla puramemc leórko, o modo como os sodalisras
colocaram os problemas econômicos ates[a o colapso da (eoria clássica. Ricardo foi
incapaz de reconciliar a lei do valor-trabalho com os fenômenos reais da economia
capitalista (a troca de capital por força de trabalho, a equalização da taxa de lucro
do capital). Alé que Marx pudesse eliminar essa con[radiçáo básicd, havia apenas
ª
dois modos de escapar dessa dificuldade. Ou era preciso rep11diar ttoria do valor-
-tTahaUio de modo a concentrar toda a atenção no estudo dos fenômenos super-
ficiais da economia capiraliS<a, ou se Podia conservar o princípio do valor-trabalho,
pcr<m:. cum de abandonar toda análise teórica dos fenômenos reais do capita-
'ismo. O ;>rimeiro carrünho foi tomado por Malthus, Torrens e outros críticos de
Ricardo, que declararam a teoria do valor-crabalho como uma ficção enganadora.
O se,,oUndo cami!ll'>o foi trilhado pelos socialistas utópicos, que dec1.araram que 0
engano e a ficç.áo eram o próprio sistema capitalista, baseado na uoca "desigual"
de capital por trabalho. Ambas as direções anunciavam o colapso da teoria clássica.

Notas
1. Thomas Hodgskin, Popular political econamy, Londres, 1827. p. 267.
2. William Thompson, An inquiry into the principies ofthe distribu.tion o/ wea!th, 3. ed..
1869, p. 67.
3. John Bray. ll1baurs wrongs and labours mnedy; ar the age of might and the age of
right, L:eds, 1839, p. 33; citado por Marx em The pauerty of philosoplry. Progress
Publishcrs. edição inglesa, Moscou, 19661 p. 61 (ed. bras.: Karl Marx, A müiria da
filosofia, São Paulo: Expr<ssáo Popular, 2009}.
4. Robert Owen, Reporc to the councy oflanark, in: Robert Owen. A new view of
society arid othu writingr, Londres: Everyman, 1927 • p. 250.
5. Hodgskin, Pop11/ar polirical "onomy. P· 245.
6. Traduzido do russo.
7 · Thompson,An inquiry into the principl.es ofthe distribution of wealth, 3. ed., P· 127.
Cap:!u'o 39
O CREPÚSCULO DA ESCOLA CLÁSSICA
John Stuart Mil/

O marco inicial da escola clássica é geralmente consiéerado a publica-


ção, em 1776, de A riqueza das nações, de Adam Smith, ao passo que seu final é
demarcado pelo aparecimenro, em I 848, de Princípios de economia política com
algumas de suas aplicações ""filosofia socittl, de John Stuart Mil!.
O livro de Smith cominha vastas e ocimiscas perspectivas do progresso
econômico. O sistema de Ricardo, que marcou o ponto alto do desenvolvimento
da escola clássica, lutou ao lado da burguesia conrra a classe dos proprietários
rurais e já exibia pressentimentos, mesmo que fracos, de sua lura iminente concra
ª classe trabalhadora. Depois de Ricardo, o pensamento econômico burguês
voltou-se cada vez mais para a defesa da propríedade burguesa (e fundiária) contra
os ataques dos socialistas: a escola clássica emrou num período de uulgariutçdo
e de apologética, enfrentando, ao mesmo tempo, uma cresceme oposição dos
Primeiros socialistas. Finalmente, a escola clássica, na pessoa de John Sruarc Mi;J,
reuniu suas últimas e melhores forças para se mostrar uma vez mais à altura de
seu tempo e fornecer uma resposta aos novos problemas enfrentados pela huma-
ni~ade. Foi uma tentativa atrasada, que serviu apenas para provar que os poderes
cnativos da escola clássica estavam excintos e que as ideias e teorias que ela dera à
luz J. á es .
tavam ultrapassadas e não eram ma.1s capazes e
d fornecer as bases para ª
construção de um novo e abrangente sistema de filosofia social ..
Co mo mostra o drulo de seu livro, Mil. I ( 1806- 1873) dedicou-se a erigir
I -
Uxn. si " . . r enos da sociedade na re açao
A

stema universal. Ele precendia ex1b1r os renom l


em. ·,'4 • • ~ do presente, cal como e e
[ que se encontram com as melhores r eras sotra1 Ia áo à filosofia
Adarn. Smith- N. de I.R.] o fez com cão admirável sucesso em re ç
426

Jr.: ~cu século".' Poderia parecer que Mill. com seu poder <lc pcnsamenro,• sua
univcr!io.ll _ e. podemos até di1.cr, sobre-humana - c<hu:aç:.io coordenada por seu
p:ii. j;imcs Mill. e, finalmente, com sua sensibilidade cm rchtçilo ;l!i corrcmcs soci;lis
m.ii\ progrcssisrns de sua época, csrnria melhor qualificado para a rc;tliz:1ç;lo dessa
grouulima t;m:fo do que omros crnnomis1as. No cmanto, Mill j;unais conseguiu
C\f.:n:vcr "uma obra similar, cm seu ohjcto e sua concepção gcr;.11, àqucl.1 de Adam
Smitl{,2 Embora seu livro tenha ohtido uma enorme fama e fos!ioc considcrndo
0 mdhor curso de economia política até o final do século XIX, tanrn su;1s idci;u
sodulilost'1fü:as quanto tct'>rico-cconbmkas continham fo1111;u/i,·,ks p:.1tcntcs e in-
solúveis. Adam Smhh expressara o ponro de vista da chls!<ie mai!'I progressista de
sua época, a burguesia indu~trial, de cuja pd.tica social de extraiu su;\ filosofia
social e sua tc.."Oria cconc"1mica, fundindo uma à outr;1. Em me~1do!<i do !.éculo XIX,
~ ideias do libem/iJmo econ<unico e polítko <]UC f\.till cxprcs.s;tra já est:n·am
defimrdas. As contradições da economia capitalist:1, a destimiç;io das massas mais
baixas da população, a luta de classes do proletariado e a crítica dos pensadores
socialinas já haviam minado a fé no sistema capitalisca como o portildor do bem·
·estar geral a harmonizar os interesses de todos os mcmhrus da socic..-dade. Mill
não permaneceu cego aos sinais dos tempos: ele mostrou uma ardente compaixão
pelo destino dos camponeses irlandeses, acompanhou com simpatia os sucessos
do movimento dos trabalhadores e estudou com inrcrcsse as ideias dos sJ.int·
..simonistas e fouricriS[as. Ele voltou as cosras às ideias do liberalismo burguês que
lhe haviam sido tão caras em sua infância e, em sua idade avanç11da, tornou·se
tada Yt.-z mais inclinado às ideias do socialismo. Mill, no entanto, jamais conseguiu
nansitar completamente 1>ara o pomo de vista da classe trabalhadora: tomado de
hesitação e dúvida, dctcve·se a meio caminho entre o /ihemlismo t o socialismo,
e é di!lso l\Ue rcsuha a profu:i.ãu de conmuliçócs que permeia sua filosofia social.J
. O tom básico das rcllcxócs sociofil<m'>ficas de Mill é o de profunda dtsilw
s11t1 cnm o siucma tal>italina e: sua incrente co11rnm:11da t luta enrre indivíduos e
O CRt.PUSCULO O.\ ESCOL.\ CLASSICA 427

cbs.u·s. O tempo cm l}lll' AJ01111 Smith podia cscn..'\·cr <Jllc 0 indivíduo, "ao huscar
pniprio inrcrcssc [... J. promove frcqucmcmemc o imcressc da sociedade de
st·U

mmln 111;1i!-> dl:rivo Jo c.111c o conseguiria CilSO quisesse promm·ê-lo reJlnu:Jfü•"


h.wia fic.1c.lo par.1 tds.'1 Agora Mill se contrilpunha aos ..economisras da \'dha
e~u!J" e C.!ot:l'c.•\'i;a:

Cunl~·''º 'llll' n.'iu ,i111p.11i1.0 curn o ideal de \'itb .~1i...tc.•nr;1Jo por .1q11dt:s quC"
pc.·m;1111 llllc,; o c.·,1.ul11 nurm.11 dos sc.·rc~ lrnrnanus é o da l111a pda supremacia. que.· o
c~t.tdu e.ln pi,otc.·in, e.ln c... magamcmo, do acoro,·douncmo e do l"Sp<.'linhar dos 1.:.1l-
ca11h;1rc.·!>, t]Ut' c.·1111,titui o tipo c:xi~rc111c da vida social, é a ccmdi\·;io mJis J~l'j.í\'t'I
p.ua J. t:',pCcic humana, ou <}UC não são mais do que os siniomas dc."SagrJ.d.i,ds de
uma c.l.1:0. t:N'' do proµrc.·"n imliMrial. o;

Noio era i1pen;1s a fC ingênua de Smith na harmonia uni,·ersal Jos inte-


l"l'Sses que Mill <ll'ixava <ll' companill1itr; o nu.-smo se aplicava à esperançJ mais
nmJestil de Ric.:.mlo Jl' que 0 sistema capitalista, "aunu:nr:mJo a mass;1 gl.'r:tl J;1s
pruJuçúcs l... J, difun<ll' o beneficio geral". 6 Evidl'nciar o podl'roso m:sdmcmo
dil.\ forças produtivas incrente ao c11pirnlismo era Je pouco consolo:

Acé o prcst:"nrc, é qucstion:iwl c.iuc as in\'Cnc;úes ntt."(ànkas j.i fdras tt'UhJ.m ~c:n·ido
para alh·i;ar a lalnua diária Jo ser humano. O que das fizt:"rJ.rn foi. anu.'S. pci~~i­
bili1ar a uma poimla'j';io maior \'i\-cr a mesma vida Jc mrina t' dt' prh."tu t:' ª um
nl1rnt:"ro maior tlt:" nmnuf:uur:idures acumular gr-.inJcs fonun.u. 7

Mas omlc esrnva a saída dc:ssa simação? Mill fora inHucndado pc:los socfa-
lista.li U[<'»pkos e n:io remia colocar a questão, seja de "uma rc.'('Ol1'1oitlcr:t\<ÍU !.:l'm~ ~e
todos os primeiros pri,,dpius"nos c.1uais a economia cs1:1v:t funJaJ:t, scj:t da po~\ih•­
lidaJe de .substituir o c;1pitalismo pelo soci11Íismo. Mill rejeita at1udcs ar~umcnrm
que pretendem provar que uma economia sodalin:t é impo!ISÍ'·d. "Se, pona1110,
uma escolha tivesse de ser fd1a emrc o comunhmo. com 10d.u. ili suas ch.inco. ,. 0
presente: C:Ui!do Ja srn.:iL.J;ule, com tudo!!. os sc"U.S !IOÍrimciuos e inju~dça.s f.•• J lUdJ~
as dificuldades, grnnJt'S Oll pequcllil.li, do CUll1llllj,111ll pc!o;lfi;UTI ;tpt:fl,I\ C'.111~0 ro
.. • . rtido pdo sm:i;1l1,r1u•.
na halan,·a." No c111:mw. r\'fill não mma dL·..:h1,·;1rncmc pa . 11
O . l I . ·· r •iuu: d;1 pmprin u e.·
. co1uuni!>mo é cert;tmt:'nte mdhor, diz e e. 'o tjllt • '~ • t'S - ou não rcf4-iJ\·.J
pra\'aJ;i 111/ ,·omo ekl i•': nm.s ainda n;iu poJcnuir. ~;tbt"r St: de o;cria p
OA ESCOLA. CLASSICA
428

. · ...:C' privad·i• r.tl como ela poderia vir 11 ser", se submerida a abrangcn-
.J. •~rl.""'?rtc..'\"..J
ce. .•rC"~•Mmas ~iais. A questão dos "méritos comparacivos" do comunismo versus
um lt1pitt:hmo reformado pc-rmanece irresoluta. "'Sabemos muito pouco sobre 0
que s.i<' .:arazes de o:.tli1.ar canto a ação individual em sua melhor forma quanro
0 soci.i'.ismo C'm sua mc!hor forma, de modo que não estamos em condições de
d,xidr ,,ua: da.< duas será a forma definitiva da sociedade humana." 8 Sendo assim,
3 (.nk;i. coi!'.l a fazc:r é submeter o socialismo ao "julgamento d.a experi~ncia,,, es-
ta1x!ccendo um .. númc:ro modestoª de comunidades socia?ista.~. Mali enquanto
a qu~tio das vantagens do socialismo permanece em aberco, "o objetivo a ser
bu~do é, no presente estágio do desenvolvimento humano, não a subversão do
sistem.i da propriedade individual1 mas sua reforma e a plena participação de: cada
membro da comunidade em seus benefícios" ,9
Portanto, sem rejeitar o socialismo em principio, Mill rc:m como objetivo
principal a imp?cmemação de uma série de reformas sociais que melhorarão a
condição das classes mais baixa<. Ele dama pela formação de 11ssod11çiíes de tra-
balhadores, tanco dentro como fora da produção, pela limitação do direito de
hmznça e por altos im?Ostos sobre a renda fundiária. Assim como Shmondi antes
àde, ~ill defende elo~uentemente a economia camponesa de pequena escala e
?Cde que as terras apropriadas pelos proprietários rurais sejam e11trt'g11es 1iq11e/eJ
que a.< cultivam. ;\;o papel e no discurso - como membro do parlamento -, Mill
defendeu corajosa e francamente a causa de rodos os desafonunados, Jurou pc-los
direito> do campesinato irlandês, protestou conrra a brutalidade colonial da
lnglaterra e travou uma apaixonada lura pela igualdade das mulheres. Moscrou·SC
cxrremam.enrc simpático cm relação aos avanços feitos pdo movimento operário
e s.ua. c~sccnte autoconsciência: os trabalhadores não sentem mais "qualquer
rc:ve.rcncia ou princípio religioso de obediência a mantê-los numa sujeição men·
ral 3 classe acima d 1 • A . dicali-
.J 1 e cs · o mesmo tempo, no encanto, Mill reme a ra
~•de da •Uta de classe Ih mo
SCrt\ racionais".10 s e aconse a os trabalhadores a "'comporrarem·SC' co

Assim, vemos que m · di~


tam:iou da\ ideias G ~ ~smo cm sua filosofia soda/, área em que m:us se
. . , e seu pai e de outros liberais do sl'Culo XIX, Mil! se dercve ª
meio carn1 nno entre o liberal is . . . r ·ra.<1
ele pô ~1 . mo e o soc1ahsmo. Como os primeiros soc1a is
i. o pro crna do socialismo d ~ . ' para o
pcnsaUor jul, .. , . e wna roema ut6pic11: o objeuvo e.
' gar os m.criros relativo " d . . cebc:r
o sisccma socia' 'dcal s 0 cap1cahsmo e do sociaJismo e con
' i que deveria ser estabelecido cm virtude da pt!'rÍCiçáo de su3S
O CREPÓSCULO DA ESCOLA CLA!:.S•CA
429

caracrerísticas inerentes. Embora renha aceitado a ideia de Augusre Comre éa


evolução histórica da soci..-dade !-iumana, isso não o capacitou a compreender 0
socialismo como uma fase necessária do desenvolvimento humano ou 0 resuirado
necessário do desenvolvimento da economia capiralisra e da luta de classes dos
trabalhadores. Para Mill, a questão náo era a da necessid11dedo socialismo, mas de
sua desejdbilit!dde e vidbilidatie. Porém, como alguém poderia aspirar a implantar
um sistema socia!isca, ou mesmo inrroduzir reformas sociais básicas, se, como
ensinavam os clássicos, a economia está subordinada a leis mtturais imutáveis?
Para pavimenrar o caminho da reforma social, Mill reria de derrubar a ideia
clássica de que as leis da economia são ecernas e imutáveis. Porém, também aqui
ele se deteve no meio do caminho, ao escabelccer sua estranha divisão das leis
econômicas em dois ripos: as leis da produçdo e as da di;tribuiçdo.

As leis e condições da produção da riquc."7.a possuem o caráter de verdades físicas.


~d~ náo há nada opcional ou arbitrário. [...:
O mesmo não acontt.>cc com a distribuição da riqueza. E.çra é uma qucscão que
diz respeito uni,amc:"ntc: à instiruiçáo humana. Estando as coisas criadas, as pessoas
podem fa1xr - individual ou coletivamente - com elas o que bem desejarem.
Podem pô-las à disposição de quem o quiserem e do modo como quiserern. 11

~o interior da produção, dominam leis 11dtrerais ecernas e inexoráveis;


no interior da distrihttiftÍfJ, 0 que domina é a voncõlde livre dos seres h111111111os,
que podem discribuir seus produtos corno lhes aprouver e realizar qualquer
reforma social.
O erro de Mil! ao ei;tabelecer essa divisão é evidence. Sob qualquer modo
de produção dado, estabelecem•se relações definida.• de dimibuição enrre pcssoo.<
que, por sua vez, influenciam esse modo de produção. Significa a introdução do
socialismo apenas uma reforma das relações de discribuiçáo e não do próprio
modo de produção? Podem as pessoas. como parricipances na produção, pôr
realmente seus produtos "à disposição de quem elas o quiserem e do modo <:orno
quiserem", sem, por esse mesmo aro, mudar o modo de produção? Em .,,'C!z de
compreender o processo econômico como um rodo uniEc:ido qlK" abarca ram~ a
.
Pro d uçao d ""li s afa.~ra uma da ourra arufi-
quanco a discribuiçáo dos pro ucos, ivJI a: • . . . • •
·a1 d ~ 0 a dismbu1çao à aç.10
ci mente. Em vez de subordinar tanro a pro uçao quant . . l
de Jcis que. sendo neceJ·sárias, são ao mesmo rempo hiJ"Joricomeiitt' 1111"Nl't'U, e e
"C>!:'~lf\l;Tt:OAAÇA.0 OA ESCOLA CLASSICA
430

suhürdina a ?rodução à ação de leis eternds, mas vê a distribuição como um reino


arbitrtirio no inn.·rior do qual as difcrl.!'nt(S força.~ <.."Conômicas náo demonstram
clu.1:qucr regu!aridade necessária determinada por leis.
Por tolos esses equívocos. Mill se viu forçado a dividir as !eis econômi-
cas d"'5< modo a fim de poder deixar aberta a porta P'"ª r~form.ts sociais ,._ ao
mt:smo tempo. prcS\!rvar intacto o sist~ma das lc:is 1.:conômicas n.uurais ral como
1..""St.tbclccido pela escola clá!isica. Esse dualismo c-ncr"· .1s !<.·is d.1 pn,ldth;.io <.' as d.t
distribuição reflete o dualismo fundamenta: d~ codo o sist1..·m.l d1..· ~!i?~: .1 irn..·so:ura
co11trndii;âo entre s11a filosofia social e s1111 teorit1 econômict1. Em !<ill.1 ti.\"'Sl.,fi.1 social,
de deixara seu pai para rrás; em sua teoria cconômkJ. P'-'\r...~m. t'-1...l t~·1 m~l.is do
que r<"pctir e sistemarizar as ideias dos <..-conomistas ric.udi.1n"'S i:: ? ...ls~ric.:i.rdianos.
Pü teorias econômicas que ele aceitara em seus di.:i.s di:: ju\"~ntu":"'· (qu.1nJo tinha
13 anos de idade, seu pai lhe dera um manual C.e ~conomia ?o:itka. juntamente
com as obras de Smith e de Ricardo) pcrmanecc-ram inJ.~h:ra'3.as até sua vC"lhicC" -
apesar da revisão completa ocorrida em sua visão sociofi:o~ófica. E.~s<..' fervoroso
advogado de reformas sociais defendeu, ao mesmo tc-mpo. a !ei ma:thusiana da
população, que afirmava que toda reforma da orC.c-m soda: êra a~go inútil. Esse
amigo dos sindicatos apoiou (até 1869) a teoria do funC.o sa'.arial. segundo a qual
travar uma lura econômica era algo infrutífero e pre;udiciai aos rraba!hadorcs.
Esse critico do capitalismo falhou em notar as contradições básica,!\ da economia
capitalista e apoiou a doutrina de Say sobre a impossibi!idadc- das crises gi:rais.
Em teoria econômica, Mill não foi um pensador original e n.ão introduziu
inovação alguma. Em sua obra de juventude, Ensaios sabre nlgu,,uu q11eJtóes mio
resolvid,is da economia política (escrita em 1830 e publicada em 1844), procurou
dar .algum tipo de contribuição ao desenvolvimento da teoria clá..""ica, particular..
mente à teoria do comércio internacional. Mas em sua principal e mais famosa
obra, os Princípios de economia política, abstraindo de suas ideias sociofilosóficas.
Mm. não fci. mais do que 6ornecer uma exposição plena, sistemáuca . e I'uci·da da
tcona G,Ue já fora desenvolvida pelos economistas clássicos anteriores. Embora
renha b~ado seu livro no sistema de Ricarda, seria difícil encontrar urn único
cconomma _ricardiano ou PÓS·ricardiano cujas teorias Mill não tenha aceita.do
e: desenvolvido no int · d , · ua
_ enor e seu proprio sistema. De Malthus ele aproprio
<eona da população· d
. • e ay.
s ªd ' '
ouuina das crises. Como Torrens. ele cransrorrn
r ou
a tcona do valor·trabalho nu . al ele
limitou su .,. ma teona dos custos de produç1ia; seguindo B ey.
a ana.i1se ao conceito de valor ..relativo.,. De James Mill e McCulloch·
O CREPÜSCULO DA ESCO~A CLASSICA
431

de aceirou a dourrina do fimdo .<olaria! (que ele repudiaria em J869) e de Scnior,


a reoria da obsti11ê11cio. Irrompendo no meio desse sistema de ideias dt'Senvolvido
pelos clássicos esravam a.< ideia.< que Mill apropriara dos oponentes dessa escola.
Seguindo o exemplo de Sismondi, Mill defendeu fervorosamente a economia
co111po11e.<11 de p~qucna escala; seguindo as pegada.< dos socialistas utópicos, desen-
volveu uma crític11 do sistc:ma capitalista.
A<>im, no que diz respeito à análise puramente teórica, Mill não abriu
qualquer horizonte científico, mas simplesmenre fez um apanhado do que já
havia .liiido d<..·~cnvo!vjdo antes. Ele não apenas se mosrrou incapaz de se mover
para além da circunÍ<..·rência das jdeias clássicas, como aceicou a maioria delas em
sua ver:.ão pós-ricardiana, isco é, no momento em que a escola clássica encon-
trava-se num estado de decadência e declínio. Mesmo absolutamenre livre dos
fins apo!ogéricos buscados pdos epígonos ela teoria clássica, o processo de vulga-
rização que essa teoria sofreu em suas mãos deixou suas marcas na apresencação
de Mill. A ríruJo de ex~mpio, volcemo-nos àqueles problemas cencrais da ceoria
econômica, o valor e o lucro: comparado a Ricardo, o desenvolvimenco que j'vfill
apresenta desses problemas foi um legitimo passo atrás.
Mill disringue três categorills de mercadorfalii: l) mercadorias cuja quanci-
dade é absolutamente limitada; por exemplo, estátuas amigas; 2) mercadorias
submetidas a um aumento ilimitado na quancidade sem que haja um aumr:nco
no custo de produção por unidad<: por exemplo, bens manufaturados; e 3) mer-
cadorias cuja qu.1midade pode ser aumemada, mas apenas com um aumento nos
cuscos de produção de uma unidade; por exemplo, os produtos agrícolas.
N'a.o; mt.·rcadorias na primeira cacegoria, o valor (ou, mais acurad.1mence,
0 preço) é estabelecido sobre a base da /,;da oferta e da dema11d11, que, na for-

mulação de MilJ, traz alguns valiosos rdinamencos se comparada com as de seus


Predecessores. Estes falavam equivocadamenre sobre a proporç1io entreª oferca e
a demanda, ao passo que se deveria realmente falar da igtinldt1de entre elas. "A
demanda e a oferca a quantidade demandada e a quancidad~ forn«ida serão
. sempre se estabefoce naquel~
Cornadas iguais ... 12 o' preço de uma rnercadona . nível
em que a quantidade de mercadoria.~ demandadas por um dado preço iguala 3
quamidade oferecida para a venda pelo mC'smo preço. Mill foi um dos primei~
a destacar vigorosamente quC', se o preço de uma mercadoria depender da relaçao
entre demanda e oferta então, inversamente, os níveis da demanda e ~ of~rca
• d . IJ
llludmo em resposta às Rutuaçóes no preço d~ uma merca or1a.
ESCOLA CLASSICA

432

No que diz respeito à segunda carc~o~ia de mercadorias, a~ ofcna e a


. apenas desvios temporanos dos preços em relaçao ao valor
dl.'manda deu:rrnmam • , , ·
• . .b. i'v-1'' entre a oferta e a demanda e posSJvd
L'm equ1 11 no es a e .
apenas quando 0
·a coincide com seu valor. A magnitude desse valor é
preço de uma me rcadorl • _ .. _ •
nesse caso, regulada pela /ei dos cwros de produçao. O que a produçao de uma
coisa custa a seu produtor ou a sua série de produtores é o trabalho gasco para
produzi-la." Disso se segue que '"o valor das mercadorias dcpend~ principalmente
[... ]da quantidade de trabalho requerido para sua produção". A primeira vis1a,
poderia parecer que Mill aceita, aqui, a lei do valor-trabalho de Ricardo. !\!as ele
prossegue: "Se consideramos como produtor o capitalista que faz os investimen-
tos, a palavra trabalho pode ser substituída pela palavra s11Ídrios: o que a produção
custa para ele são os salários que ele teve de pagar."l·• Assim, o "trab,1lho" foi im-
perceptivelmente convertido no "valor do trabalho" ou "sahirio~" - uma confusão
que encontramos em Smith e que Ricardo criticara e evitara. No lugar da fórmula
o valor é detem1inado pelo trabalho, temos: o valor é determinado pela quan-
tidade gasta em saldrios ou pelo tamanho dos custos de produpin ou do capital
invmido (uma vez que Mill dá continuidade ao erro de Smith cm ignorar os
gastos do capital constante e considerar o capital inteiro gasto, no final das conras,
com salários).
É claro que o valor de uma mercadoria não pode ser determinado simples,
mente pela quanrid;idc total gasta em salários, pois, se assim o fosse, o capitalista
não receberia lucro algum.

Em nossa análise l... J <los n:qui~itos <la produção, c!ll:ontrnmos, :1lêm do trabalho,
um outro deme1110 necessário: o capital. E e.\te sendo o rcçuhado da absrinên~
eia, 0 produto ou ~cu valor <leve ~cr suficicmc par.l rc111unc1ar nim apenas rodo
0
trabalh:i rc<1uerido, ma."> a ahninênda de todas as pcs.">oas que cfetuar;tm ª re~
muncraçao da~ diícrcntcs cl:l\\cs de trahalh:tdurcs. O retorno pela ab!itinC:nôa é
o lucru.•s

Comcqucnrcmcntc, o valor d. n~
li<la<l" d. l' . e uma mercadoria é (.lcrcrminado pcl;t qua
c Jtl tzrws ga.\ta cm sua ro 1 .' . a
A-. mrn.:adoria'!I \;io , ' P 'ui.;a() n1:11s o lucro médio sobre C.!oS:l som•·
n.1tural e pcrm·i I 1rr-1s
de ou. ord(J com 0 • ncnccrncncc trocadas umas pc as Ol •
pro<l111i-lt, e o mon1;1111c comparativo <lc sal;írio.!o que tem de ser pago par:l
. montante con1p;1rílliV<1 d . 1 . . 1 ·1pi-
c U<.:ros <Jllc deve ser ohmlo pc os e.
O CAEPUSCULO DA ESCOLA CLASSICA 433

talistas que pagam esses salários". 16 A teoria vulgar dos custos de produção subs-
timiu a teoria do valor-trabalho.
Mil! tinha de efetuar essa substituição caso pretendesse enfrentar aquelas
"exceções" à lei do valor-trabalho que Ricardo destacara e cuja explanação fora
buscada cm vão por James Mil! e McCulloch. Uma vez que o valor de uma merca-
doria é determinado pela soma de salários (ou custos de produção) mais 0 lucro,
não surpreende que o valor do vinho que ficou armazenado por dez anos no
porão sofra um aumento: um lucro é adicionado ao capital que foi investido
por dez anos e entra como um elemento independente no valor da mercadoria.
Em resumo, se o capital é investido por um período mais longo num ramo da
produção do que noucro (ou se a complexidade do trabalho ou outras circuns-
tâncias dão a esse ramo uma caxa de salários ou de lucro mais alta), o valor de
um prodmo produzido no primeiro ramo será maior do que o valor do produto
produzido no segundo - mesmo que quantidades iguais de trabalho sejam des-
pendidas cm sua produção. Do pomo de vista da teoria dos custos de produção,
não há problema algum em explicar essas "exceções".
O que resta, então, da lei do v1lfor-trab1dho? Ela tem validade apenas numa
tinica circunstimcia raramente encontrada. Se dois ramos da produção invesrem
seus capitais por períodos iguais de tempo e (êm níveis idê11tkos de salários e
lucros, cncão seus producos serão trocados um pelo outro quando manufacurados
com dispêndios iguais de crabalho. Jsso, é claro, faz pleno sentido: de acordo com
as suposições, um:i igualdade de trabalho despendido significa (uma vez que os
níveis de salário solo iguais) que há uma igualdade nos gastos rotais com salários e
que, consequentemente, há também uma igualdade no lucro tocai obtido (já que
tanto os níveis de lucro quanto os períodos de circulação do capital são idênticos).
E111 essência, o que Mill está dizendo é que as mercadorias serão uocadas uma
pela OUtra n;io porque tiveram quan,idades iguais de tmb11'ho despendidas cm
sua produção, mas porque têm iguais e11sto1 de produrão (isto é, os salários totais)
rnais o lucro.
Mill, como vemos, paga um caro preço por sua explanação das "exceções"
à lei do valor-(rabalho: uma rejeição completa (embora dissimulada) dessa lei,
que forma a parte mais valiosa do legado smid1iano e ricardiano. /\tfcsmu com
toda a semelhança supcrfidill entre os sistcnrns de Rit."':lrdo e /\.-fifi, há entre dcs
uina divergência fundamenttll e de princípio. Ricardo con~idcrou a /~; d11 va/or-
·trahalho <:orno a lei hoí.'iica. Seu erro foi pensar que, na economia c1pirnJisra, essa
tSCOl,li CLASSICA
O r S '-. T t.V" .,ç ... •> D A
434

;., .· ele identifica como excerões à lei do valor aqucl .


ki Sl' .1tirmc dira.munu. ~;,1111, . • .. cs
. . , . era! na ccononua capnal1sta - cm que as mcrca<lo-
·t o~ - que h>rm.un J ri.:gra g
'" . ,. , • "proi·os de prod11râo, e não por seu valor-trabalho. Ele
[iJS !<-Jll \"t'llUIUJS por Sc.:l • • •
1.. .. x·eçócs do ponto de vista de sua lei geral, e dai se segue
njo pllJt: cxp ll.lf e.»JS e. L
0 \.'.ol.ip~o1. . . d, ·u sim~ma. No cnrnnto, mesmo com ro<las as contradições
ogtLO c.: se.: • , .
i;:m sul cxpo.siç.io, Ricardo não ,,b,mdonou sua h:1 bastca do valor-trabalho e, com
hrn . .ihriu 0 caminho para o progresso cicndh(o futuro. Marx di.:monsuaria, mais
CJrdc, que a Jd do valor-tíJbalho regula os fenômenos da economia capitalista
indin:iamcntc, sem determinar direta e definitivamente os preços de pro<luç;io,
que. no sis.tcma de Ricardo, aparecem como exceções. Ou scja, ele demonstra-
ria que a lei dos custos de produrtio só pode ser cmcndida sobre a base da /d do
,.,1/or-m1b,1/ho. 1..,
~lill altera a doutrina de Ricardo na direção inversa. Como Ricardo, de se
propõe o objetivo errado: pretende descobrir sob que circunst:u11.:ias a lei do valor-
-trabalho regula direttlmeme a troca de mercadorias. Difcrcmcmcncc de Ricardo,
de vê corrctamcnce que, na economia capitalista, isso só pode ocorrer cm casos
mrvs. Mas, encão, Mill considera como regra geral a venda de mercadorias por
seus custos de produção mais o lucro médio, uma situação que, para Ricardo,
figurava apenas como uma exceção. Ele reconhece a lâ dos custos t!c· produpio
como a lei básica, e ni~so ele se assemelha aos oponentes de Ricardo (Torrcns, por
exemplo). Mas para preservar a continuidade de seu próprio sistL'lll<l com a teoria
de Ricardo, Mill começa por separar aqueles casos cm que a troca de mcre;1do-
rias escj subort.lin;ufa dirctamcruc à lá do 11t1/ur-trt1bt1!'1o ((1uanJo as condiçôes
nos Jois ramos da produção s:"10 plenamente cquivalcntl'~) e, num sl'gundo
momento, identifica o n.1halho nc<.:t:~s;írio p<tra a produção de uma mcn.:;1Jorh1
cm~o 0 "principal" elemento a afetar seu valor. Porém, nenhuma dl'ssas qu;ilili-
L.t\'.ltº.\ J\~era a t'\\ênda da <jllt'stfo, l·J;i outros dl'mcntos (Jifrrcnças nos períodos
t.le mvc~t1mc1no do c111it· 1I J'fi , .
' ' ' 1 crença.,, no 111vd dos sahírios e <lo lw.:ro) que,ptnttl-
mmte com o 1rt1btt/ho, dctt:ri . . . /. . )
0 1 J 11111 ' 1111 111Hpmd,•ntt'mt'lllr (l'mbora com menos fori,.a
v.t or t: uma mcrc;1doria. OI . . . /. . / · ·s
como um rmo . J~crv.unos a ,., 110 t111/ar-m1h11/ho opr.:rando ;1pr.: •1
11
esprr111/ d" ld dos rnsios f.. I . 1 · ns
cnudi~íws Jcfini I .· . t' prot upw a ser cnconcrado quam o ct:r •
A..,,.im .l .Js \.10 cornh1n:ulas umas com as outras.
R1Lardo declarou a 1 . d
sidt:r:uulo a I ·· d ci 0 valor-tr:thõtlho como a lei b1ísict1, con·
• c1 os CU\tos de produ ã - , . . 1· .' ·I.
Era 11npo~sívcl m . I . ç 0 corno uma excepw tconca rncxp u.:JVi.:
anicr ta smcrna cont . d' , . d "
r.t nono. A conrra<liç:ioentre essas u.t
O CREPUSCULO DA ESCOLA
435

leis icóricas só podia ser resolvida subordinando-se uma à ou1ra. Para Marx, 3
lei biísiat é a lei do valor-m1balho, da qual deve ser deduzida a lei dos custos de
produção. Mill identificou a lei dos custos de produção como a lei bdsica, da qual
ele detluz a lei do valor-trabalho como um exemplo ocasional. Mill conseguiu
eliminar a conrradiç:ío de Ricardo ao preço de repudiar a lei do valor-trabalho,
que funciona como o regulador básico e oculto da economia capitalista de merca-
dori;1s. Ele evitou conduzir uma an:.ílisc das leis internas da economia capitalista,
limitilndo-se a fazer generalizações sobre seus fenômenos externos. Nesse scmido,
se afastou de Ricardo e passou ao campo dos "vulgarizadores" pós-ricardianos.
Mill conquistou a harmonia de seu modelo a expensas de sua profundidade. A
fórmula de Mill csd de acordo com os dlculos do manufamrador: o valor de
uma mercadoria é dl.'tl.'rminado pelos custos de produç:.io mais o lucro. Mas como
determinamos o nível dos custos de produção? Não seria pelo valor da força de
trabalho, d;1s matérias-primas, crc.? Mas isso é cair num círculo vicioso, expli-
cando o valor de um produto (a mercadoria) pelo valor de outros (os meios de
produção).
Ainda mais importantes são as duas ouuas quesrões às quais MilJ não
furne<:c quall1uer rl.'sposta: qual é a 01'ign11 do lucro, e por que ele se encomra num
nível pankular? Ao passo que Ricardo se aproximilva da ideia do mais-valor e via
0 h1<:ro como uma pttrte do Vttlor criado pelo tmb11/ho do operário, o lucro emerge,
para lvlill, l·omo um valor 11tlidmuulo tto "v11'or tio tnt!Jttlho" (isro é, aos saloírios).
Nesse ponto, Mill não fui <:apaz de se livrnr da influênda dos vulgarizadores pós-
-ricardinos. Numa p;1ssagem, de declara, no cspírico de Ricardo, que "a causa do
hi<:ro é que o tr;1halho produz mais do que é requerido para sua manmenção". 18
Com mais frequência, no eru:.uno, ele explka o hu.:ro dr.indo a teoria da abs-
tinência de .Scnior: "Assim como os s:1l:írins do trahalhaJor são a rcmuneraç:io
do trnbalho, assim tilmbém os lu<:ros do rnpito11ist;1 s;.io, de acordo com a feliz
cxpres~;io do sr. Senior, a remuner;.u;áo da abstinêm:i:1".' 9
A obra de Mill. por ele coru:cbid:t como a inauguraç:.io de uma nova era
no <lcsenvolvimcmo do pcns:unemo econômico, foi apenas o sim1I de que a
escola d:.íssica cst:tva em seus est;ígios finais de dcsinrcgraç:io. Ele dcmonscrou
c~~c foto c.lc dt1is modos. A parcc da obra de Mill dc<lkada à filosojitt socit1/ deixa
claro lJUc as ideias do liberalismo econômico desenvolvidas pela escola doísska
haviam se tornado irrevogavelmente ohsolcras e não eram mais adcquad;Lli par.t
l\."solvcr a grande tarefa histórica de abolir um sistema social base-Jdo na expio~
436 " o~ :'.'"" T \. G A" ç "o D" E se o LA e L "s s 1 e A

ra\lC' C.o :'lom<m pe~o homi:m. A porção eco11ómic11 d'"° sua obra é a prova caba!
C.o ~4at\."i de qu< a ceoria dá..;;sica era impotente: c-iara desve~ar a inerente rcgu!ari 4

C.J.6e dl ei:onomia capitalista e sofria um processo d.e vulgarização e retrocesso,


mesmL"' nas mãos de seus ?ensaclores mais progrc:ssistas. O c-normc: abismo entre a
n:oso5a socia! de Nm: e sua teoria t.~Onômica ~· arestado pi.::!o fato de que a teoria
~on3mka burgue~ nlo podia mais s~rvir, como anu:rionn\;'ntc, de base para

umaprdrica social progressista. A atividade prática de Mil~ foi !'upcrior à sua teoria
econVmka e, muitas \"C-«S, a comradissc.
~1;:; foi capaz de sup<rar o rorruranrt: abi~mo '-"ntrc t1..'0ria c pr.ícica ao dar
a pro°:)~ema.s sociais uma formulação utópir11. Ele anaHsou os prós e contras das
reformas wciais sc-m se perguntar cm que medida cs:rri.a.c.. rt.·formas eram o produto
necessário do descnvo!vimenco interno da soci\.~adc capica~i~ta. Foi apena.Ili por
essa ru.ão que, ao analisar a economia capitalista, de pôde se concc..·ntar com as
ultrapassadas teorias de seus predecessores. Em Mill, uma ti!o~ofia sociaI utópica
coexiste com uma teoria econômica antiquada. Abrir nova~ per!:opcccivas para ª
teoria econômica exigia, primeiramente, uma rcformulaç~\O do imdro problema
social. Quando Karl Marx operou a transição do sociali•mo utópico para 0 s<>-
ciaHsmo cientifico, ele se colocou a tarefa de demon~trar que o M>cialismo é 01113
fase necessária da história humana, sendo derivado do próprio dcsenvolvimcnco
interno da sociedade capitalista. Para que Marx pudesse assentar o socialism~
numa base ciemifica, ele teve de desvelar a regularidade govcrn.tda por leis por tra5
dodescnvoivimento
' · da economia capi[alista, que forma a base de tod a a soei«dad<
burguesa. Marx limpou a teoria econômica da excresci:ncia vulg.ir deixada ~la
quedadae~ola clássica: como ponto de partida de sua análise, ele tomou 35 ideias
mais vitais de Smh:h e Ricardo, reelaborou-as minuciosam(."nte e ~s ineorPorou
nurn sistema sociológico unificado e cocrence. Desse modo, Marx desenV'ol\ICU
as mai> voliosas das ·d · da
1 cias
\ . · aurou um•
csco a classica e, ao mesmo tt.•mpo. m.iueo- . ·-·J
nova era no desenvolvimento do pensamento econômico. Ele: cumpriu a di:11..1
tarefa que estava alé d 1 nô.rnicOS
. m o a cancc de Mill: aprt.·sentar os "fc:n'°'m~;nos eco ..
da !i.OC1cdadc na rela . .d .as 50c1JiS
d , .. çao em que eles se encontram com as mdhore.o; 1 ei . . 'li·
o pn.:sentc • Ec rcali1.ou a simcse do sociafümo âe111íjieo com d teorilt tco1101111t
Notas

1. John Stu.ut ~dl, Prinei l .I' . . . ... J;c,itio1JJ "


./ . P rs 6J pol11u:11/ ~co11omy u•il/r JOlll<' of t/N°1' 11PI"' ~
'"''" pln/osoplry. editado com uma introduç;i.o de \VJ. J. A~hlcy, Londres: LoJ\~rn;1n··
Grec:n & Co.• 1921, prefácio à primeira edição, p. xviii :oo. bras.: JoJin Sruan .Vtill,
Pri1Jcipio.c de ecrm(Jmitr polítictl com 11/g1tm11s tÍt SU.tl.' np/ica;óts iJ filosofia social, 2 v.,
2. ed., São P3ufo: AbrH Cu~rural, 1986, coleção Os Economisras:; grifos de Rubin.
2. Sru.trt Mil:, Pri11ciples, 1921, Po..'-Íácio à primeira edição, p. xxviii.
3. A Sl'gUinte o~sc:-rvaçúo de Bõhm-Bawerk é i!usrrariva: "Ainda mais noráveI é a com-
bin.1ç:10 d.t.' opiniões opostas c:m J. S. Mill. Observou-se com frc..-quência que Mili
a.c;.sume umJ posic;do intermediária cnrrc duas rend~ncias radicaimcncc divergentes
da c.""Conomi.i po:irica - a chamada escola de M311chcsrer, de um lado, e o socialismo,
de outro. e: fàdl coni.pr<:c:nder que ral compromisso não pode, habjrualmenre, ser
favc..,râvd à con~rru,·J.o de um sisrc.·ma completo e orgânko - e menos ainda na<:uda.
c:... K·r.1 c..·m que se rr.iva a principal baralha cncr(' socialismo e capitalismo: a reoria do
juro. O faro é que a rc.X>riJ do juro de MW encrou numa confusão rão grande que
kriJ um.1 sc.'.·riJ. injusriça com esse disrinro pL"nsador se rom:íssemos essa parte muiro
fo1ca!> ..ad;1 de su;.\ obra como detc.."rminance de sua posição cientifica na economia
po:irka" (Ct1piMÍ 1111tÍ illlarJt, p. 407-408). Bõhm-Bawerk prossegue, ra1 como o f.u.
Rubin m.lis adiante.', nc:src: capitulo, a fim de mo:o>trar a forçada rcncaciva de MiU de
rcconcili.u a rc:ori.i do valor-rrabalho de Ricardo com a cc:orfa dos custos de produção
b1•m "'"'"' com a tc.xlria da abMinC:ncia de Scnior.
4. Smirh, ~1drh ofmlfio11.,, Oxford: Oxford Universicy- Prcss, livro IV. cap. 2, P· 456.
5. Mil!, Prinâplt'S, livro 4, cap. 6, p. 748.
6. Ricardo. Prindple< (edição de Sralfa), p. 134.
7. Mill, Prinâ'plt!s, Jivro IV, cap. 6, p. 751.
8. lbid .• livro li. cap. l. p. 208-209.
9. lbid .• p. 216-217.
10. lbid., livro IV. cap. 7, p. 757. 758.
11. lbid .• livro li. cap. J, p. 199. 200.
12. lbid .• livro Ili, cap. 2. p. 448. .
13...A.,,.im, vemo..;, que: 3 idei;l de umJ. ,,1ritJ, ral como enrrc a demanda e a ofcna'.~ra
forJ. de lugar e n.io tem nc.•nhum.1 rd:u;;\o '-"Om a qu~.não: a an.Jc.,gia milrc:manca
apropri.tdôl é a de.• um.1 rqi"1;"rio. A demanda e a ofcrt.J. a quantidade Jcni.1nd.1d.1 '" 3
quan(iJ;.1dc fornc:dJ,1, !io.ÍO igu.11."td.1.'ri. Se ,i;;\O d<siguais num dado momcnro, .1 c..-onccir~
rC:nci.1 a... cqu.iliu e o modo c.."('lmo j,.;.so foi feire> í: mc..Ji.um.· o .1ju.!>1.uncntl) dc.1 v.úor.
.SC' ",fom;mJa "rc.•,.;.c<. o v;Jor aumll!'nt.1~ ~ 3. Jcm,mda diminui, o valc.lr c.~;;ti: do mc.-smo
modl.l, .!ioC' a ofcn.t CJ.i, o valor aumcnr.t: e .!>C .1 ofetrJ. .iunté'nt.1. 0 ,~.tlt.lt .:.1•." O ~umcnr;
e a quc:d.l .;oncinua.m ;UÍ: que a Jemanda e a okrr~ ,'iC'j;1m noVôlmcnrc: igu:us um.1
1JutrJ: e 0 \hal'-'r que um.\ m~rl.'.:~\Cori.l crarâ em çua]quer mercado náo t.'.· st•n;ío 0 valor
que. ncssl.!' mçn;~\dO, di uma dem.md.:i. rnfici'-·me para abar..:ar a oforra cxistcnre ou
csp~rada." (~1ili. Prinâplts, livro III. cap. 2. p. 44S; grifos d'-· ~1ili).
14. Y.iil, Prinâp/~J. livro III, .:ap. 3, p. 457-458.
15. 1bid., livr() III. cap. 4. p. 461-462.
!6. Jbid.. livro m. cap. 6. p. 479.
l 7. lºmadis.:u.s)ão cxcdcncc e muico acessívd do prob~~ma ~os pr~ços d'-· proCuçâo e sua
relação com a lei do valor é o ensaio de Rubin "Va!or e pr~ç0 dç;o proc'.uçáo" cm seu
livro ESStrys 01l M11r.ú rheory o/valut (Detroit, 1972) ~ed. bras.: A ttori,1 m,n:\·ista do
valor, São Paulo: Bra.<>iHcnse, 1980:.
18. Mil\, Principie<, livro 11, cap. 15, p. 416.
19. lbid.. p. 405.
Parte 6
CONCLUSÃO
Capitc1lo 4J
UMA BREVE REVISÃO DO CURSO

A economia polídca modr:rna nasceu e se dcsen\'oh·c:u p.tr.tld.tmeme ao


nascimento e desen\'olvimenro da economia capir.ilisra. seu objeco de e.srnJo. Em
sua evolução, ela rcAcriu a e\·oluçáo da economia capira1isra e a dJSSe dominante
dessa economia, a burguesia. A lirerarura mercanrilisra, por exemplo, expressou
claramente as preocupações e as exigências do capital mercanril e da burgut'sia
comercial.
A parcir de meados do século XVIII, quando a rígida regulação estatal e
os monopólios d;.ts companhias comerciais começaram a frear o crescimento do
c:apitalismo industrial, houve uma ampla oposição às ideias mercamiHsras. Na
França agrícola, foram os fisiocra.tas que travaram a luta contra o mercantilismo
sob 0 slogan do incem:ivo ao capital produdvo agrícola. Os esforços dos fisiocra-
tas resultaram num colapso prático - e, cm menor medida, ceórico.
Coube à escola clássica inglesa, que expressava fundamencalmence os ince-
l'CSses da burguesia industrial, realizar os principais avanços pr.íticos e ceóricos.
Na doutrina de Smith, a tarefa de travar uma luta contra as antiquadas restrições
que estorvavam 0 crescimento da economia capitalista acabou por esconder e
empurrar para o segundo plano os interesses conflitantes das diferentes classes que
formam a sociedade burguesa. A doutrina de Ricardo fonu..-ccu a fundamentação
teórica para a burguesia em seu choque de interesses com a classe dos proprietá-
rios rurais, choque que se revelou com mais intensidade na Inglaterra no começo
do século XIX.
Ao mesmo tempo, Ricardo não pôde deixar de reconhecer que a burguesia
e a classe trabalhadora também tinham interesses divergenres- uma admiss.ío que
já trazia consigo os germes da desintegração da escola clássica. Com a conclusão
442 c.:>NC!,.USÃO

vitoriosa _ nos anos 1830 - de sua lura contra os proprietários fundiários, a


burguesia começou a se sentir cada vez mais ameaçada pela crescente classe tra-
balhadora: a decomposição da escola clássica assumiu um ritmo mais acelerado.

1. Mercantilismo
A política mercantilista, que acelerou o rompimento com a economia
feudal e as oficinas artesanais, correspondeu aos interesses da burguesia comercial
e do carital mercantil. Seu principal objetivo foi fomentar um rápido crescimento
do comércio exterior (juntameme com os transportes e as indl1strias exportado-
ras, tais como a de têxteis de lfl), esforçando-se particularmente por imensificar
o fluxo de memis preciosos para dentro do país, o que, por sua vez, acelerou a
transição de uma economia natural para uma economia monet;iria. É, portamo,
compreensível que a literarum mercamilism renha focado sua atenção funJamcn-
t;tlmemc cm dois problemilS estreitamente inter-relacionados: 1) a questão do
comC:rdo exterior e da bitlilnça comercial; e 2) a questão da regulação da circula-
ção de dinheiro. Podemos distinguir três períodos cm que se buscaram soluções
p;tr;\ eSSl'S problemas: a) o período mercantilista inicial; b) o período e.la doutrina

mcrcantilisla desenvolvida; e e) os primórdios da oposição ancimcrc:unilist;t:


a) Os primeiros mercantilistas dedicaram sua arcnç;.io prim:ipalmciuc à
ârrnLis'áu do di11'1riro, que p;.tssou por um período de rotai desarrnnjo c.lur.mtc os
~écu1os XVI e XVII. Isso se deu, cm pane, em consequc!nda da "re\•oluçáo nos
prl!'ços" ocorrida naquela época e, cm parte, porque os sobcrnnos haviam JcpK-"
dado as moedas metálicas.
Ad·eprcciaçao
· - das moed:1s metálicas, a piora da taxa de cam
• bioeafu!l'.
de moedas de \'alor padronizado para outros países afetavam severamente os in·
tercsses da burguc..-s1a
· comercial. Os primeiros mcrcancilistas dos sec
- ulos )l.'\1 '
X\'U foram defensores do "sistema de equilíbrio monerário" e acredirararll qu~
seria possível
. cxtir par esses ma1cs por meio ~ governamenral..'" 711.
• de uma regularao
0
p11lsórra da circulaçao
- de d"mItc1ro.
. Em particular, reivindicaram urn a pro1b1çJ
. 0
ahmlma da expon - d caril 1SSº•
.. . . açao e moedas metálicas, na esperança de que,
equ1lílmo monetário" do país melhorasiçc, :Ui

H b). Os mcrcanuT1 ~ 1 as pcmcriorcs, do século XVII, comprccn J cr;'"'. queda.:


utuaçociç ."ª c.,fora da circulação monc1:íria (uma raxa ,Jc dunhi<> Jc,cr1ora .. .,,cl
a l"Xpon:u;::1u de moedas , 'I' . 1Jc..fa"or.1
d. • mc1:1 •ca.,) rc~uhav:un <1:1 balança comcri.:w . 1 ir"
e.: um p:11\. Por n:io :1«.:rc<I" . . •, c.lc J1n ic
li.ir na IUJ\'lllulid:ulc de i.c regular o lluxo
UMA BREVE REVISÃO DO
443

direramente, eles aconselharam os dccencores do poder a concemrarem suas


energias na regulação da balança comercial do país por meio do escímulo às ex-
porraçócs de mercadorias. Em panicular, recomendaram o desenvolvimento de
indústrias exporradoras (para que mais manufaruras industriais caras pudessem
ser exportadas no lugar de matérias-primas) e o comércio de transporte Jc merca-
dorias (isco é, a compra de mercadorias coloniais em países oceânicos, rnis como
a Índia, para vendt!-las nos países europeus a preços mais alros).
Na Ingl:ucrra, a teoria do "equilíbrio comercial" foi dc.~cnvolvida expressa-
mente na obra de Mun, Eng/111uli treasure byfamtig11 tmde [O cnriquccimcnco da
Inglaterra pelo comércio exterior), escrito nos anos 1630.
c) Com o fim do século XVII, uma oposiç;i.o ao mercrnrilisrno já começar;l
a se maniícsc;u. Nonh foi um dos primeiros livrc-c11nbis1;1s. Ele reivindicou que
o Estado deixasse de exercer uma regulaç;i.o compulsória, t;UHO sobre o fluxo Jc
dinheiro que entra e sai dos países, quanco sohrc a circulaçio de merc:ulnria cncre
eles. Norch dcfCndeu a plena liberdade de comén.:io cx!c.•rior, ;u.:rcdi1:111do que
seria benéfico q11e a circulaç:io monc1:íri:1ede111erc.-:1dorfas fosst' aucorregulada.
Os cconomiscas que deh:uernm os problemas do ctp1ilíhrio monc!;Írio e
da halani,·a comcrr.:i:al estavam intcrc.•ss;t<los íundame111almc.•nre naquelas tJUesrl1es
pdricas que rocav;un os inccrcsscs da burguesia comcrd.11. Par.i/d;unenre a essa
corrente "merc.·;unil" 110 pens:uncnco merc.-ouui/isca, surgiu, no fin;il Jo s~ulo À'VII,
uma tendC:ncia "filosófic.·a" cujos represenc:uues (Pett~·· lo'-·kc e Humc) exibiram
um grande interesse cm Jcscnvolvcr problemas rcóricos. em primeiro lug;irai.:cn..J
do valor e do dinheiro.
Tão logo dirigiram seu pensamt'nto par.1 a ;tn;ilise teóri'-J dos fonúmenos
econômicos, se confronrnram com o problema do \-Jlor.
Na Idade MC:dia, quando os preços erJm compulsorfameme fix.1dos pdas
autoridades das cidades e das guildas, 0 problema do \"a!or era enfrentado norma-
tivamente: os escrirores escolásricos dcfonJiam o "preço jusro" (ju.stum prrtium)
que precisava ser compulsoriamence escabdeciJo a fim de as.segurar ao arresáo seu
padrão habhual de vida. . • rc os da via da
Durante a era do capital mercantil, a formaçao dos P ç P
regulação c:edcu gradualmente à form:1ç;io c~pon1iinea dos preços pelo mer~do.
()\ cc:o11omh1:u do .\éwlo XVII se viram, ent:ío, Jiame de um novo problcm~
tdirko: <JUai\ .\:io a\ lei\ que gnvcrmun C.\\:l formaç;io dm preços no. mercado~
(j .·. i\ e imuc.u dc\cnvolvufa'>. John
A .. flº\JU'"ª\ a e\\a C/llC\l:ÍO aincfa er:un .mpcr 1c:1.1
444 CON<'".LUSAO

Lo..:kc, 0 0 ;1cbrc filósofo, respondeu que o 1110\'imcnto de preços dependia de


J\tcr;içõ1..·s na oferta e na demanda. Barbon, seu conccmporànco, apresentou a
rcMiJ <la "utilidade subjetiva": cm suas palavras, "o valor <lc wdas as mcrcado-
ri.is pro\'~m de seu uso" e depende <las "necessidades e desejos" da<1uclcs que as
consomcm. 1 Uma tcm;uiva mais profunda <lc enconrr~tr uma rL'gulari<ladc deter-
minada por leis ao movimenro aparememcntt.! <.ksordcnadn e conringt:ncc dos
preços foi realizada por James Sreuart, um dos últimos mercantilistas e defensor
da teoria dos "custos de produção''. Ni.:ssa vis:10, uma mcn:aJoria tem um "valor
rc.11" igual a seus custos de produção. O preço da merc1dnria tüo pode ser inferior
ao seu valor real, mas é normalincnte mais alto, e o excedente integra o "lucro" do
industrial. O lucro, ponanto, é algo a<lidonadn <lO valor d.1 mercadoria porque

o industrial conseguiu vendê-la. sob circunst<incia.s favor.íveis - ou st'ja, é ''lucro


sohre a alienaçâon. A i<lcia de que o lucro é criado no interior do proct's.so <lt' dn.:u·
laçá.o t'ncomra-se em quase todos os escritos men.:amilistas e rdlect' as condições
vigentes na era do capitalismo mercantil, quando hu.:ros colo . . sais eram obcidos
com o comércio exterior, particularmente com o comácio colonial. De um pomo
de vhta tcúrico, a doutrina do "lucro sobre a alienat;:10" significou um repúdio
completo de qualquer solução <lo problema do lucro e <lo nwis-valor cm geral.
A solução mais sofisticada para o problema do valor foi fi.lfmuhtda por
\\'illiam Pcny, o engenhoso pai d;i "teoria do valor-trabalho". De acordo com a
doutrina <lc Petty, o "preço natural" de um produto ou seu valor é detcnninJdo
pda. quantidade <lc trabalho <lr.:spcn<li<ln em sua pro<lw;áo. Quando um prod'.i~or
troca seu produto, ele recebe uma quantidade de prata (dinheiro) na qual foi in·
corporado tanto trabalho quanto ele mesmo gastou na produção do produto eiTl
questão. O valor de um produto, o pão, por exemplo, contém crn si dois ~om·
punentes: 1) sahhios, no nlc!:>mo valor dos meios necessoirios à subsiscêncaa do
trabalhador (Pt:tty e outros mr.:rcantilistols foram defensores da "lei de frrro dos
sJ.lârios'', no scn ·<l0 <l · . . .. . l ·illradores
• . ta e qut: recomendavam l11nuar os salarms dos era '' . i·
ª u_m muumo de mciüs de suhsi!-.tênda no interesse do dcsenvolvimcnco do ~p·a
t;1\Mno); e 2) renda fundiária. Coerentemente, Pccry identifica a renda fund1Ml
com o mais-valor t.!m .. 1 . . . d cnl q11e o
.. . ger.t •uma vi~ao amplamente ;tc.:eitil num peno 0 cc
capn.1h\mo ainda se desenvolvia e que, mais tarde, seria adorncfa expJidc:1nle11
pdos fisiocratas.
Ao Ev.cr ~a itlr.:mif - .· rtis·"·;1l11r;
u.:aç;.10, Peuy evitou trat~\t do problema do 11 ' . rf
no emamo, apt:....,t de uir cm inúmeras comradiçôcs cm sua formuhiç;\o, foi pc:-t
UMA BRIEVIE REVISÃO 00 CURSO 445

quem, com sua teoria do valor-uabalho, assentou as bases sobre as quais os


clássicos e Marx erigiriam, mais tarde, a teoria do mais-valor. É correto dizer que
a teoria do valor de l'etry foi o legado teórico mais valioso transmitido pela lite-
ramra mercantilista.
O oucro problema teórico que, além da teoria do valor, atraiu a atenção
dos merc~rntiliMas foi o d:1 mned:t. O corpo inteiro da velha literatura mercan-
tilista girara cm torno dos problemas pr.ícicos da circulação monetária: a depre-
ciaçfo de moeJas mct;ílicas, a exportaç;io de moeda, etc. No final do período
mcrcantilisrn. no encanto, ainda encontramos Hume e Sceuarr fazendo reflexões e
formulaçôcs mais ou menos maduras sobre as duas teorfas conflimnres da moeda
que concinuam a Jurar pda supremacia dcnrífica até os dias de hoje. O cc!Jehre
filt>sofo D1wiJ Hum!! clahorou um:t formulação explícita da "tt.•oria quomritouiva"
da moeda, de ~u.:ordo com a qu:rJ o valor de uma unid:1dc monetária depende
da qu1111tidadc de moeda cm circulac;1io: o valor do dinheiro varia na propor1r-.io
inver~il de s1111 c.1u1mciJ;1<fe. A "teori;t qmmririlriva" fora formufoJa pda primdra
vez no !<iél:ulo XVI. sob 0 impacco Ja "rcvoJuçiio nos preços" provocJda pela
inv;.1!'.;io c.lc- me1o1is prc"dosos vinc.los c.fa Amérk:t. 1-lume. no cnt:mro, aprofündou-a
e rcfinou-;1, () oponc-nte Jc Humc nessa ques11ío foi o já mencionado James
S1eu;lft, <111e :ugumcntou c.1ue a q11anrid;1Jc Je dinheiro cm circulação depcmfo
das necessidildc-s da circulaç;io Je mercadorias. lvfais tilrde. as ideias de Srcuar[
scriiun apropriadas por "Ihom;1s 10okc, na primeira mcrnJe do st.:Culo XIX e, em
seguida, desenvolvidas por M:nx.

2. Os fisiocratas
O termo "fi.siocrara.s" é aplicado a um grupo de economisrns surgido nos
anos 1760, fundamenrnlmente na França. O líder da escofa foi François Quesnay. 1
que reuniu cm torno de si um número de discípulos e apoiadorc:s. Após um.breve
período de brilhante sucesso. a doutrina 6siocrdta foi suplantada por r~omts da
nova escola "'clássica., que emergira na Inglarcrrd, passando, então, a ser v1sra. ~m
I
1
despre-.to e até mesmo escárnio. Moux foi um dos primeiros a no~r os me~uo~
c.:icncíficos dos fisiocraras, que, milis co1.rJc, g:1nhariam um n:conhec1menro c1en
f
1
tífico cada vez maior.
·r ra rcJlcdra as conej"iço~ cs econômiCIS
. Enquouno a doutrina mcrcanu 1 ~ 1 reoria lisim.:rara correspondia mais
111glcsas dumnre a era do capilal mercann • a d éc 1 XVIII. Essa /_.
às condic;itcs cconcimkas e sociais da frança de me:1Jos o s u o 1
446 CO,..CLUSAO

era uma época em que a França travava uma !uca global contra a Inglaterra pela
su?remacia naval, comercial e colonia.! e, depois d.e longas guerras, fora forçaêa
a c«ler 0 primeiro lugar a sua rival. A política mercanti~ista - implemenraCa
com especial determinação sob o ministério de Co:bert - de encorajamento da
inC.úmia, dos transportes e do comércio a expensas do Estado fracassara cm
atingir seus objetivos e devorara recursos enormes.
O efeito combinado da política mercantilista com os resc; uícios feudais
resultara na devastação da agricu!tura. Cma miríade C.e fatores agiram para deter
o cresdmento agríco~a: uma tecno:ogia agríco!a atrasada, acompanhada por más
co~~eitas; a po:ítica mercantl!ista de proi:,içáo das exportações de cereais, que
a~iuva os seus preços; e um sistema tributário cu;o ?eso inteiro recaía sobre os
ombros C.o cam~sinato e poupava a nobreza. Em seu programa de reformas eco-
nômkas, os 5siocratas ~uscavam e!iminar cacia um C.esses fatores. E!es defendiam
arC.en:ememe o ti?O C.e agric\L.tura radona! çue :ia,ia obtido sucesso notáve: na
:ng:a:erra. re<:omenê.anC.o çue a terra fosse arrenC.aia ?ara agrkU.:tores C.e grande
csc~a com ca?!ti. a~un6i.'1te. DemanC.a.vam o fim das proi:,ições das expor[açócs
~e cereJ.ls. ê.ern.o:uuanC." o beneficio C.os a:tos preços C.os cereais e C.os baixos
?:oreis C.os ?r0C.i.!':C'S lnC.usuia.:.s. R.n.imem:e, a iim C.e :ivrar os agricu~tores Gos
?CS-JC.os ;_"'n?'=>s::os. ê.e:enC.l.i..-n ..;ue toC.os os tri~utos recaíssem sobre a renda rCl.-C--
:,:.:.a_ r-e:os ?rO?rie~::os :i.:.."1C.i.árlos.
O ?rogta.rn..i C\Xl~ôm:co C.os :is:o..:ratas, es?«ia!mente seu es..:;_uerna ~e:
rc~n'!l.3. trf:oiut.ir.a. corrl!$:-o:\Cla aos in:ercsses Ca burruesia rura! e era 2.irigiCO
OO:i.":..."'a ª :io~rcza :euCà.. ;;o ema.."':.-:.o~ como não ~i: ~ ';,a..;;ear em ncn.'i.~ª
ir~uentc (u.."!la vez <:ue a :iurrues;arrura! na França d.e meJCos e.o
c.'o3SSC so..:ii.
sttu:.o ~"'\~: ainCa era mC.:to ~uena e i~i~i.:.'i.can;:e), os fi.~iocratas i,nvestl~
suas es?Cra.'lças ?r~nci?à.mcnte na Coroa, d;çuem esperavam a rea!iza\iº e.JS
re:ºormas Cc:s.eiaC.as É. . . , \.. _-. í. ito cu.:.o ~
.. ; · ?Qr-..a..'lto. ;,,astantc com?reens1\·c, c;,ue ten~w.w .e •
<;uc ?OCJ,am :>a:a amcnlzar as ~ Ce seu programa d.iriaidas conua a no~f(Zl
fcuc.a!cemvc:z.é:

• . 0
isso. ten...i.am ac1rraCo o ataque à po!itica mer\:.an
tilista-fles
atenuaram o caráter bu..~ês Cc seu programa e acentuaram enf.a.áca.mcntc slll
natUr~ agriria. O s~ogan da defesa da agricu!:cura contra as consequências danosas
da ;>o.inca :nercanti~ista tornou-se a palavra de ordem favorita dos fisiocratJS·
Os rnercanti!i h · rna.r un'l
. . sw aVlam sustentado que o melhor meio para to cas
palS ?ros~ro era d.cscnvo' . O fisio'ra()!o
, .ver cxtcns1vamente o comércio exterior. s
rcconncccram que a única fonte de riqueza de uma nação era a agricultut3· .
UMA BREVE REVISÃO DO CURSO 447

mercanti!iscas haviam vislumbrado no comércio excerfor uma fonte miracu!osa


do Ruxo de metais preciosos e de enormes lucros para o país. A fim de refurar essas
noções mercanti!iscas, os fisiocracas civeram de conscruir uma nova doucrina do
dinheiro e do mais-valor. Sua visão era a de que o dinheiro não é senão um awn1fo
conveniente para a circu!ação de produros: a riqueza de uma nação consiste de
produtos, não de dinheiro. Mas como os produtos indusrriaís não são mais do
que matérias-primas obtidas pela agriculrura e remodeladas pelo rrabaJho da
popu!ação industrial, e como esta úlcima também obtém sew meios de subsis-
tência da agricultura, a riqueza de uma nação consiste, em última instância, da
produção agrícola ou da subscáncia material que a população agrícola exrraía do
colo generoso da mãe na[Ureza. A riqueza é criada apenas no processo da produção
agrícola, e não no processo de circulação. Assim~ a política meccanr:ilista do enco-
rajamento uniiaceral e artificial do comércio e da indúsrria à cusra da agriculrura
era não s6 o cúmulo do absurdo, mas rambc!m prejudicial - pois ral política de
estreita reglliação e restrição estatal impõe barreiras à liberdade econômica indivi-
dual e~ com isso, viola as leis do "diedro natural".
Para dar a seu programa de polírka econômica um fundamento mais sólido,
os fu:iocrata.~ consrruiram seu sistema reórico, cujos prindp.iis pontos eram: J) 3
doutrina do "proCuro Hquido.. e 2) a reoria da reprod.u.;ão do capital social.
A fim de demonscrar a necessidade de rerir.ir o capical do comércio e da.
inC.úsuia e investi-lo na a.:rriculrura. os fisiocrar.u furmufaram a doutrina dC" que
. ~ . . .. .. Gi ro" (isro é, mais-
apcnas a agricu!tura cria um "produto liquido • ou ren mC"n
-valor). Xa produção a.:rriooia, a generosidade da naruraa foma=c ao homem
Urna quantidade de su~ânda m.ueria.1 m.J.ior do que 3 ncc('$5.irfa apenas r~ ~
. , d __ .J .- ~nabsrjndamarer1.u
;agricu.;,tor e- para a reposição de seus CU.'itOS C' pwuu'1 30• ~ d
CXccd · .irios fundiários como n'ft a
ente, ou "produto liquido", flui para os propr11:r . . fu "
de sua propriedade e forma a b.ase da riquez.i da naçiio. Ela ronsomi 0 ª"'º
que • a.i.tmenta.
•· . nas CJ'dªdC'S e cobre as d«p<W do •P"'"º
• a po!"lulação indwmaI Na.d ·
t- ' •• J é o únioo u-.1.b31ho \."C' c1-
CStatal. Assim, para os fisi<X"raras. o uaba.lho agn1.o a . . .. iJo de que
rarnentc "produtivo"; o trabalho indusuial i: trd.balho '"~ccni • ~o St'flt
nã0 d • . . • ai ai' dos cusros de produo;ao.
ren e produto liquido gum c:m . dll~$ d1>s pro-
Para ilustrar mais claramente a dC"pendc?ncia em q~c ~ lasse dos fazen-
p • •. . . cravam em relaçao .1. e
r~ctanos rurais e dos .indusmJ.1s ~ encon nre da pufaçáo agrioola incdr.i).
delros (que Ques:nav via corno a representa po seu Tüó/Mu "°""""
Quesnay criou sua Íamosa cc:oria da Kproduçáo, ex:posrJ. em
448 co .. C\ \ISAC-

. (l __ 81 No T.i/ilw•, Quesnay moscrou como se move o produto total da


m1q11e . ·' • d. ma nação. A colhena • de cerca 1 flui,· ames de m .
• •inteira
prodllÇJO ~rnua1 e u ais
d m ·os da população agricultora, que retém uma parte dela para sua
nJJ,p.líaas a• , . •. ,
. . 'são e paga uma outra pane a chisse do propnetano fundiario como
propna provi • , , . .
renda; uma torceira parte da produçao agncola (matcnas-pnmas para 0 pro-
ccssamenlO indusuial e meios de subsistência) passa às mãos da classe industrial,
que, por sua vcI, devolve produms acabados - cm pane, à classe dos agricul·
tores e, em parte, à dos proprietários fundiários. Paralelamente ao movimento
dos produtos entre as diferentes classes sociais, mas cm direção inversa, Oui 0

movimcnm do dinheiro, que funciona apenas como mediador da circulação das


mercadorias. Como descrito por Qucsnay, o inteiro processo de distribuição do
produto social entre as distintas classes sociais é tal que, no final, tod:is as classes
da sociedade têm suas necessidades de consumo satisfeitas e um novo ciclo de
reprodução tem início.
O Tabú-au iconomiq11e represcncou o mais importante legado teórico de
Quc'inay. Ele foi a primeira tent•ttiva engenhosa de capturar o prm:esso inrciro da
reprodução suda1, abarcando a produção, a circulação, a <lisnilmição e o consumo
do pmduw social no interior de um único esquema. Enquanto os mcrcandlistas
haviam M: ocupado com problemas isolados e pr;.Íticos, Qucsnay fez uma corajosa
tentativa de dc!iicohrir o mecanismo da reprodução capirnlista. como um mdo -
uma tentativa que lhe confere o direito de ser chamado o pai da economia política
contemporânea. Em sua teoria da reprodução, Quesnay estava muico à frente de
seu tempo. Mesmo os economistas clássicos se mostraram incapa1..cs de apreender
t!iisa conquista teórica; apenas Marx a desenvolveria ulteriormente.
Há, também, uma valiosa ideia teórica na doutrina fisiocrata do "produto
líquido",
. embora pc rmaneça ocu1ta sob uma capa fantasiosa. Para os roercanti·
\..,as, a fonte do lucr0 era o comerem,
. . ao passo que o lucro era o excedente que
rt:.'itava depois de cobenos os custos de produção. Os fisiocraras ensinaram
. que
C'ise excedente, ou rendimento líquido, é formado estritamente no interior do
processo de produção ª"rÍ 1 e fi 1e de
form • d . 0 co a. onscquentementc, eles transferiram a 00 •
Essa açao o ma1S-valor do processo de circulação
. para o processo de produça
0•
~.
º' uma nova formulaçã 0 d 0
maiores m· · d
bl
pro ema do mais-valor e const1tu
. 1. urn doS
emos os fisiocratas p , 1 ê·lo eP1
vinudc de: · orem, eles foram incapazes de reso v 1
seu naturalismo in "\ . do soo
no lugar da prod . ·c1a gcnuo, que pôs a produtividade física • .•
uuv1 de econ • . d bscanc1
omica o trabalho e a produção da su
UMA BREVE REVISÃO DO
CURSO 449

marerial no lugar da produção do valor. Era nc-cessário dar uma nova base à teoria
do valor rão vigorosamcnre avançada pelos fisiocratas, principalmente à reoria do
valor-trabalho formulada pelos mercantilistas, e por Pctty em particular. Coube a
Adam Smirh realizar essa tarefa.

3. Adam Smith
Os mcrcancilisrns agiram como defensores dos interesses do capital mer-
cantil. Porém, no século XVIII, a polícica mcrcantilisra já havia se tornado um
freio ao dcsenvolvimcnm do capirnlismo: ela retardava a transição do domínio
do capital mcrcanril para o domínio do capital industrial. Na França, a burguesia
rural, para quem os fisiocraras agiam como plcnipotendários, era numericamente
pequena e rinha pouca influência. Por isso, os fisiocraras eram impocenres para
derrubar a dominaç;.io do capiral mercantil. Apenas a burguesia industrial nas
cidades detinha o poder de esmagar o domínio do mercantilismo; de modo
similar, no plano da teoria econômica, foi somente graças aos esforços da escola
dois!ika, reprc..·scntando os interesses do capit;.11ismo industrial, que o mcrcand-
lismo fi1i vencido como doutrina. Adam Smith é considerado o pai fundador da
csc.:ola c.:l;ísska.
A primeira metade do século XVIII foi um período de transição na história
<la cc.:onomia inglesa. Embora as oficinas ancsanais ainda conservassem parcial-
mcme sua posição, elas cederam um espaço significmivo à indústria dumésrica.
Deu-se, também, a expansão mais modesta da manufatura.
Adam Smith pode ser considerado o economista do período da manufa-
ttua. O nascimento do capitalismo indusrrial de grande escala, na forma das ma-
nufaturas baseadas na divisão do trabalho, tornaram possível a Smich:

a) conceber a totalidade da sociedade como uma oficina gigancesca dorada


de divisão do trabalho (daí a dourrina smithiana da divisão do trabalho);
b) apreender a importância do trabalho indusrrial, juntamence com o
trabalho do comércio e da agricultura (graças a isso, Smith superou a uni-
lateralidade, tanto dos mercantilistas quanto dos fisiocracas);
c) conceber a troca entre diferentes ramos de produção como urna troca
de produtos equivalentes baseada em dispêndios iguais de trabalho (daí o
lugar central que a teoria do valor ocupa no sisccrna de Smith);
d) classificar correramente as diferences formas de rendimentos (salários,
lucro e renda) que Rui para cada urna das diferences dasscs sociais.
450 ;:,:ofiClUS,-.0

Smith inido\ sua obra dcscrcvt~ndo a divisão do traba!ho, que ele vê como
'-"' mc:Hlor mdo d.: a.umcnrar a produtividade do craba!ho. Ta} visão era um reflexo
Jas condiçfo< próprias do período da manufatura, quando ainda não havia uma
aplkaçjo difundida da maquinaria e a base do progresso tc'.-cnico era, acima de
ruJo, a divis:\o do trabalho. Por estar fundamcma:mcmc preocupado com as
van[.1gcns récnico·maceriais da divisão do rraba~ho e não com .sua forma social, é
P<'rfdtam,·ntc com;>rccnsivcl que Smith confundisse a divisão social do trabalho
,·nm: ~mprc.~a..ç diferences com a divisão rc'.:-cnica do craba1ho no interior de uma
única t·mprcsa. Apesar desse erro, a doutrina smithiana da divisão do trabalho é
extremamente valiosa. Partindo dela, Smith concebeu a totalidade da sociedade
como uma vasta sociedade laboral de pessoas que trabalham umas para as outras
e trocam mutuamente os produtos de seu traba!ho. A concepção da sociedade
como uma sociedade sjmukaneamente de trabalho e de troca entre indivíduos
pc:rmitiu a Smith capear a importância da indústria e conferir um Iugar central à
t<."Oria do va!or·rrabalho~
Smith concebeu a sociedade como um agrupamenco laboral de indivíduos
inc~rdcpenáences em virtude de sua atividade produtiva. Djferenremente dos
m1.:rcanti!isras, de compreendeu que a troca de uma mercadoria por dinheiro se
resume, em úlcima instância, na <roca de produtos do trabalho de diferentes pro-
durores. Por outro lado, ele superou a unilatera'.idade dos fisiocraras, que viam 0
movimento das mercadorias como um movimento da matéria, ou da substância
~arer'.al da narureza, da classe dos cultivadores para outras classes da sociedade
(isto e, para as classes dos proprietários fundiários e dos industriais). Por crás da
troca de produtos do trabalho, Smith percebeu uma troca de atividades labor3is
d~. diferences
. pro<!mores. se t odos os produtores dependem uns dos oucros, ;sso
ehmina. .ºb.viamcme a posição privilegiada que os merc.anraistas haviam conferld~
ao ,comercio exterior e os fi.slocratas à agricultura. Se a indústria depende da ª'!l1.
CUJtur~. cn~ão csca úlcima tem de depender da indústria exatamente na mestni1
exrcm.io. f. absurdo susr " u)açio
• 1 ·a1 entar que • população agrícola "sustenta a PoP
mc..ustrt • qu1: .s.erla. cm !ti m .. . "l" , . • rainos
d . · c~ma, otcn . A agriculcura e a indusrna sao
• produçao com igual , •
1: s 'fltll.,. a troca cnrre das é uma troca de equivalenres.
cndo superado o erro fi · · Ituta e
tnd · · 5 . h . siocrata quanto à inccr·relação entre agr1cu .
u~ma, m1t pode. então eh duc1·
vidadc do tr balh d . • cgar ªuma compreensão mai~ correra da pro .
a• oe ocap1tal
quando rende val . ·
Oca d0
CO•
S h < rodu""°
com mitb, todo crabal o e P . ·'·
or ou mais.valor n· · o-r1C1P
tur.l. ou na indUst . (S . h ' ao importando se ele é aplicado na 3 eo Ih
na ... lTIJt vacila em sua definição, ora definjndo o rraba o
produtivo como aqut·:e qu\:' aumenta o mais-v;J./or, ora i..:omo o rrahalho QUe !>i.:'

jncorpora t'ffi produtos mac~:riais que possw.:m valor). 1


AlC:m G(· csn.:ndcr o conc1...·iw dt.· trab:llho produtivo, Smich (,1m&1.~m ampliou
o concdto de capital. Durante o p~riodo mercancilisca, o qu~ se chamavJ ca.phal
<.·r,t nornuJm1.:ntc uma soma d~ dinheiro emprestada a juro~. Os JisiocrJr.1s sus-
í(.'ntaram que: o capiral (eles empregaram usualmenrc- o ramo !t:.< 1111rflll't'f) não
é o dinheiro real, mas os produros empregados como mdos de proJuçtio. No
topo desses m<.·ios, eles rinham em mente ap<:'nas aquele capital invcMido na
agriculrura e, mais ainda, o viam fundamt:ntalm<:nce como um meio para o
aumento do "produto líquido" (isco é, a renda). Smith ampliou o concc.:iro de
capita~ e estendeu-o igua!menre à indúsffia e ao comércio. Além di.~so, vinculou
inrjmamenrc o conceico de capjca! ao conceito de lucro, conc,:bcndo-o como
propriedade que rende lucro. Assim o fazendo, ele colocou ao lado do conccüo
"nacional-econômico" de capiral (no sentido de meios de produção) que encon-
rramos nos fisiocratas um conceito "privado-econômko" de capiral como um
meio de se cxrrair lucro.
Partindo de sua doucrina da divisão do crabalho. Smich siruou a rcori:I
do valor numa posição nova e central. Os fisiocraras, com sc.·u ponro de l'Üira
limicado e nacuraiisra, haviam confundido o valor com .a substância m.areri.1 1.
Smirh aceicou as ideias que já se encontravam de modo embrion.írio c.·ntr'-' 05
m.ercanrilisras (especialmente em Percy) e deu continuidade ao dc..""Sc-m'oh-imenro
da rcorfa do valor-craba!ho. O curso do pensamento de Smicb segu(.' aprox.im.idJ-
mente esse caminho: numa sociedadl." funda.da na divisão dü crJh.Uho. cJ.da pessv.1
produz para outras pessoas e. ao ingressar n.i rroca, r<;'ceb(' .iqude.s produro:-o ;ue
são necessários para sua própria sub:-ois[C:nôa. Ao adquirir <>.S produros do rrJbaJho
de Outrem, nosso produtor esr:í realmente dispi.."lndo JcJ craba!ho de oum:m.
ou "comandanào-o". Ma.;; como nosso producor der~rmina o valor do que de
b Ih d ras pessoas que de pode
mesmo produziu? Pefa quantidade de rra a 0 e out .
b d Smith Mas como dt"n:rrnmJr
0 cer em troca de seu próprio produco, respon e · . __
mo.s essa quantidade" de rra.balho? I"uma economi.i ::.imples de mercadoria::.. ·~('V
, d despende na ,...rodw.;:11)
sera igual .l. qu.:intidade di: trabalho que nosso pro uror l rd
de seus produtos. Aç.sim, Smith às vc:v:s dercrrnin;t corrt"tamcnce ova or ..: um.1
d .- ao pas...o que ,.-m ourros
rnerc.o.doria a pMtir do valor ga."ro em sua pro ui,.a~, do cmb:ilho qw: .1 na•r-
momencos de o d1..•rc..·rn1in.1 c.•quivoc;ldamcnrc
d
por meio • :
d F qu inru Sm1rh p...·rm.1nu.t
••. no!':
.
cadoria em quesrão comprará quan ° rroca ª·.
,n · _ nfu,,,lo rcórii.:; 1 11:1<'1 rr.1:
limites de uma economiJ. ~;imples de: mcrco1doriJS, t.:.'i\:l c..o .
452 co .... CLUSA.0

. ·. l ma vez que essas duas quancidotdl"s de trabalho coincidirão


gmn J i:s pri:1u1zos, 1 • • ~ • •
N.i i:comunia capiialista, no entanro, essa co1nc1dcnc1a dcsap~1rccc: o capitalisia
"'"'I"ª 0 tr.ihalho vivo do trabalhador (isto é, a força de trabalho), digamos, oito
lwr.L~ dl" Sl"ll mih;tlho, c:m croca de 11111 produto qul" contt~lll uma qu;tntidadc
nll"nor Ui: rmb;.1lho. Sendo incapaz de explicar as leis <.kss.1 tro(.t c 1.:;1pi1.1l por
forç.1de: uah.11hu, Smilh conclui c:rroncamemc que, numa <.'ú,110mi.1 t'apil.1lista, 0
,-,ilor Jo prtldum é mo1it1r do que a c.1uanridade de rr;.1\lallu11!.1st.t l'tn s11.1 p1l1tl11ç.l(1
t' i~u.11 ;1 sunl.1 que u c.1pi1.1lis1;.1 g;1s10u 1101 contr.1t.t\:ll1 til· tr.1h.1lh.1,l,1rt·s m.tiir; o
lu(ro mt:,lio (t'. t•m l.°l..·rus drcunst.\ndas, t.unht;m .1 Tl'lll"1'. 1... \,n:-.,·qut'IHt'lllt'lllt',

lp1.111th1 ..:hl·~.1 J t't""lH\Ullli.1 (.1pi1.11ist;1, Smith nt·~.t .1 .11,_.:hl d.1 J,·j d,l ,·,tlllr ·tr.1h.1lho:

.1q11i dt• St' h.t!<l'i.111.1 tt'lllÜ \'111~.tr thls l"ll~hlS ,h.· ('l"l1,iLh;.h'. l\1r ~ll.1:-. \',1dl.1,·()t•s no
.i.111l1ih' tl.1 h·,1ri.l d,l \·,1101, Smitl1 !<t' h'rn.ni.1 t1 pr;..·,·111,,1r ,l.1:-. ,lu.h n111t'l1lt'S t!.1
t'úllh1mi.1 p,1l1ti\,l Ih' inKi,1 ,ll1 !<t;..:ull1 \1\.: .1 1,·1hll~lll·i.1 ,-J.1~~il..l. l}llt' .1k.1m,;l1U
-'ll.l ll\.li!< .1h.1 l'\prt''-'·"' ú'lll Ril".u,f,l, l' .1 u111,·nh' n1l::.11. h'l'l"t"'t'llt.1,l.1 l'''r S.1y.
:\ il1ú 1 11!<i'h~nd.1 ,!.1 tl'l11i.1 ,f,, ,·.1!,11· ,f,· S111ith ll i111i•úliu ,f,· 1~1111l·, n 11111.1 tt·,tri.1
,l.t ,(i,11iltui,.h, pll'll,llHt'llll' d.1\1,11,1,l.1. f· w1,f.1,I,· , 111 ,. dl· t~·: 11 111 ~:1.111,lt· ,l\.,111\l' :o.t·
"'llll'·ll.l\ltl "'"' l'!< ti!<i11,·1.l1.I.\, l"lt• Mlh!<lituiu ,, 1:1h11 ,.,')lh·lll.I ,1.1~ ,-J.1!<.\\'S .\lld.1i!<
,1,,, li,ii'll.1\.1' l,l.1"'' ''''-' J1h'plit'l,lli\1!< li.11hli.11j,,,, ,l,l"t' p10,fut1\.l l" tl.l:O..\l' l".\h'ljl)

l''ll um l'''l'h'lll.l '''11,·111 ,fü·i,lhf,, t'IU l''''l'li1·t.ui'" rn1. 1i,, ,.111i1.1li~t.1:-. i11,l11.,t1i.ii!<
t' ll.ll'.llh.hf,iin ,l\\,\J,11i,1d, 1 ~. 1:1l' l'lllllllt'hlll lllllt'l,lllll"llt1..• ,1.\ llt~S 1~11111.1~ dt" lt'lhjj.
lfü'llh' '1 11 '' '·hl.1 um.1 ,f,·!<.,,h d.1:-..'t'!< rt'ú"bt·: s.11.i1i11:-., lun,1 l' 11·1hl.1. S111i1h 1u1·rt·,,·
'i,·,lu,, ''!<pn·i.ilnwtUt· l'L 1 r h'r di!<ti11g11i1lo d.H.lllll'nll' .1 l.·.1t 1 ·t~tllÜ dt• llll"lll imlus·
ni.11. '}111• ''-' li!<i,1\r.t1.1!< h,1\"i,uu il~lhn.1du. •
. ~h'-'lllll wm lolltl.\ l"'!<l'-' ,l\',111\0s rt·.1li1.11lo.\ por Smith 11.l 1t·11ria tl.1 tlbtri·
hm,.h,,:-;,·1111·111111,·1111 \· 11 · ) ,
• • l ''·''· Jllt'.\t.10 Pl'rn1.11tl'\l'U, no gnal, alt.1111L'llh.' int.""<11111' t'U '
L'lll p.irtt· l'°'l\lll' dt• 11 ·111 (Olbt"rvou o l'llllto lll· vist;.l da ll'Ori;t do v.1lor~tr;1ho 1 lho.
IH.b 0 .1h.11ulonu11 l'lll i; ,. I· . ·. J
. .
. . .
1 or t .1 h:on.1 os u1srns Je pruJuçiio. Se: U\''-'~Sl' lll•llW '
·J 1
.1 itumnn.1 de que o v.tlor J . . . e:
Ji,·idi 1 . . . . . . c um produto e cr1;t<lo pelo m1halho hurno1n<>
l u 1:ntrc.: \s li1k·~ntcs ·h . .. .
0 · · . J' ns
J .. 1.:: ·!rises soc1;.us, a mtcrJcpcnJCncia dos rcn m1cn '
.1) van.1s d1sses lhe teria salmJ . li . .· or
meio l · . 0 aos o tos e demandado umot duc1Jmro10 P
'e uma tl'ona dil distrihui ..· M · Jos
custo!ri Jc rod ..· 'iªº· as como Smich se baseou na tc!oria
P U'i,10, de ;1cordo com I J Ja
suma Jos v · ·
anos cusm~ de pru<lu ••
a qua o valor do produto é o resulrn
d . 01
°
na produção (sal. . 1 çao - ou o rendimenco daqueles que participa
anos, ucro e renda) -, esses diferentes rcndimenros condnuararn

I
UMA BREVE REVISÃO OO CURSO 453

a ser, par,1 ele. algo anterior ao valor e independentes uns dos outros. Em l'CZ de
considerar primiírio o valor do prodmo e S<."C:undoírio o rendimento, Smith \•is-
lumbrou no valor uma magnitude secundária, derivada do rendimenro. Mas se
l'!\Sl' ÍO!i>sc o ciso, a qucsc;lo surgiriil imediatamente: como o camanho desses rcn-
tlimcnws - isto é. sahírios e lucro - é determinado? Smith n;io cnconrrou uma
fl'S(lO!\t.1 melhor par;t essa <Jlll'St•io do que apelar à cearia da oferm e da demanda.
P.ir.1 ck·. o n ivd dos lucros depende da abund:incia de e;1piml ou, par•• ser mais
l'l'L'Cist), de !i>t1.1 1:1xa de acumulou,·oin: <zu;1ndt> o capital está crescendo mpid.1mentc,
.1 t;tx.1 de (uno L·;1i: quando o Gtpital rot;1I de um pais dt·dina, a mx•t de lucro sohe.
~1.ts um .111111t·mo no c1pical indka um cresdmL'IUO simulr;inco na dcmomda por
fu1\.t lll' tr.1h.1lhn l' l-, a.,sirn, ;Kom1Mnh.1do c.lc um ollll11l'ntO nos s;1Joirius. O inverso
Ol"lll"Ct" tJll:mdo o L.1piral ro1.1l 1.IL• 11111 p.tis l'Sl:Í diminuindo. Hnalml'nrc. 1.111;mJo
l'-'-'l" t-.1pit.1l t·st.l 1111111 l"Sl.lllll l' ... r.1don.írio, 1.111ro os ....11.irins t)llillllll os hKros Sl' l'.\-

1.1hdt'ú'l11 num nh-d h:1i,o. Dt•sst' mrnl<'• o nuwimL'lllO tios fl•ndimt'llltlS, 1:111ro
tios l·,1pi1.1li . . 1.1s tJtl.mto dos 1r.1h.1lh;idon·s, dt"('L'1tdL 0
do t•st:tdo d.1 t.'L·onomi;a ck
um.1 n.1,·.10: st.· d.1 l".\l.i 1111111.1 fasl" prtlglL'.\Si\";t, l'Sl.tt.·ionoiria ou dl·din.lllll'. Com
1.11 f'llSi,·.10, dilidl111l'l1lt.' podl"l"·Sl'~ht di1t•r l)lll.' .Smich rt•solVt'U o prohlt"lllil tfa dis-
trihui\.IO: d ..· .1pl'l1,1S l~'l"TIL"(l'll Ulllol dt·.\l·rh;.io f:tL·rn;1I - i.lt."lll11f'ol11h;1tf.t lft.• lllllõl l'X-

pl.111.1,-.1n -'lljll'l"lid.11 - ~"-"-'-'l'S fatos no t•spiri10 d.1 IL'Ori.11.!.i nl~·rt;1 e do1 dL'l11illltfa.
(.. '.011hl· .to Ollll"ll g1.u1lk· l'L"tlllOl11is1.1 d:l t'Sl"Ol:t 1..·l;ii.:sil.l, n,l\·id Rk:mlu, d.ir
o p.1 . . . .0 dl·dsi\"o t'll1 dil"l\·.io à. 11.·ori.1 ~tt db1rih11i1.;oio.

4. David Ricardo
A vid.1 lk· 1),l\'id llkomlo t.'oindde 111;1is ou menu!> nun o.1 L'l·.1 d.1 Rl•\·olu,·:io
lndu.\lri.tl i11glL·s.1, lJlll', ;ul i111n,..f111.ir ;t mw:t m:u111ini.lri.11.· ;to tlt•scn\'Oln·r r.tpid.i-
111L"llh: •t prollu,·:io l~1hril. <lL·sloi.:ou com SUL"l'S!ill as formas :uucriol"c's Jt.• imhisrrfa
(:ls olidn.1s i.lfll'S,lllilis, :.1 inJüsrrht Jomésrk;1 e: ;1s manufarurots). Sl' Smirh pode sL·r
dtounaJn o cconomisr;t do período Jo1 m:111ufomr.1, Riem.lo (: 0 eL·~uomisrol J;t
l"r;t dot Rcvolm;oit1 I11Jus1rial, cuj.u; L·;u:u.:tcrísckots b:isil·;1s serfam rcflcrid:L~ cm sua
teoria do v;.1Jor-m1bollho. Nela Rkardo generalizou os nnilriplos focos assoc:ia~os
ao bararl'amcnro drásrko e r:ípido d:is manufarnr:1s inJusrrfais que resulrou J:1 m-
J · iJ·iJe cr:c:nka do m1bo1lho.
tro d ução da nova maquinaria e do avanço na pro uuv ' . • I· •I .
F..ni sua teoria da disrribuiçáo, e mais nomvdmcnre cm sua doumna ~a ~-"'a, e t:
. b r ucsia e 05 propr1cranos fun-
rcffcnu o acirramenro da lura de classes corre a u g . . .
d.. . . .
lanos ocorrido junmmenrc com os prunc1ros s
ucessos da indusma fahr1I.
t) máiti) funll.rnwni.il tll' Ril.u ....lo ~ o dL· ILT lib1.:n.1dn .1 lL'o1ü do v.ilor-
-cr.ilullh) J.i~ (orm.iJii,·lit·::. intc:rn:ts dL' qul' l'l.1 \ofri.1 na l~irmul.11.;;io dt• Smiih e dt..•
lt'í tt·nr.iJi' U!>-.lf t'S.'.J tt·ori.1 p.1r.1 t'xplh:.u llS f1:11ú111t·1ws tl.l discribui~;hi.

Smirh fa\li;ira L'lll fazer uma <listinç<-IO sullL"iL'lltt'lllt'!lh.' d.1r.1 t'lllfl' a quan-
tid.ttk ik tr.ihalho tk'pl'ndi<la na pr11du~.hl Jl' um produh) t' .1 qu.wtid.i<lt• dl'
cr.ih.illw l}lll' e5se produ10 podL'd comprar q11a11Jo Crn(.ltln. :\1) 111.1111c1 t'\\t' ponto
Jc Yi~t•I Ju;tlístico, Smi1h rc:conhl'ú'LI que o v;tlor dt· um pr11duc1) pPtiL· mud.u
ramo como rc.:sulca<lo dl' mu<l.1nça\ na produri\'id.1dl' tl11 c1.1\),1ll111 c111111cg.1d 11 p.ira
pro<lui.i-lo, quanw cm coml'quênda de: ahL'raçúc., 1w "ulP1 \ln u ,1h.1\\10" (i,ro é,
n.i quanriJaJt: dt: s;1hírins mi cu~cos de produç;io).

Rilotrdo atacou esse erro comt:ci<lo por Smich t: lknwn,trou d.1r.1mt:nrc que:
a quantiJ,ulc.: de tr.1ha\ho que se poJL' adquirir l'lll trou lk dl'tcrr11in.1da mcrt."J-
Joria não pode servir como uma medida il\\·,1ri.h d lk !'il'U ',dor: l' tpil' pronirar
por uma tal mt:di<la inv<ui;ívd l-, t:m gt:r;t\. um.11.m·fa \;·1. 1'i1..,u~lo i..:011\iJcrJ uma
mudança na quantidade de trabalho gasto na proJuçjo dl.:" rncr1...1dori:1!> a única
fome (com cxceção dos ca!>OS apontado!. ..thaixo) Jt: nrntbni.;.i_, t:lll !'IL'll valor.
Ponamo, ele foz a mag1Jitude do vt1!or de uma mcrcJ.Jori.1 dc:pt:ndcr dir1..·tamcntc
do dc!.cnvolvimc11to da pmtlutivitl1u!t• tàui(il tio(1; 1/i,dho. Ao adt:rir comi~tcn­

tcnu:ntc a essa pmiçoio, Ril:ar<lo dl'u uma gr.11H.le contrihui~;-10 par.1 rc.~o!Vt:r o
prohlcma q1111mi111tit·o do valor, aindJ que, com seu horizontl· li mirado (como 0
de Smith) à economia capitalista, de ignora~se a naturoa tjfl•ili1 111ilot1 ou social do
vJlor wmo a expre~são cxccrna de um tipo determinado lk rdaçút·s <lc produção
~mrc as pessoas.

Smith nega que a lei do valor-trabalho ame no imerior <la econorni~1 c;tpi~
t.ili~t.~, ~cgunJo a qual o valor <lo produto n;io vai diretamente p•tra seu produtor.
mas e lr.igmcntado cm sahi.rim e lucro. Para rcfu1Jr radica.lmL'ntC essa falsa visão
de ~mi ih, leria sido ncces~;Íriu explicar as leis pelas quais o capical é trocado por
for~,1 de tr.1halho O · ·. <l d . ·· d ·!JS
. . .. . . · unico nrn o e explicar essas leis st:ria pela analise aquc
ri.:l.1'rocs soc1a1s de pro<l ..- ' do
d. _.. uçao que unem o trahalha<lor ao c1pitalisrn. Mas o meio
i.: .111ali~c das rdaçúcs de P <l • d h<-
cido d. Ir . d ro uçao como relações enrn: pessoas crn c.10 cscon
e ic1r o como o era d. S . 1 lt . -urso
\cn.io dt::ix;1r de lado a ' ues ~ . nrn 1. icar<lo, portanto, n;io tinha ourro_ ri:L. do
sua inv .. _ l tau colocada por Smirh. E assim o fez, resmngm
emgaçao, nesse ponto • - · Por
se tratar d . .. 'a qui:siao <lo valor "relativo" das mcrcadonas.
0 valor relativo" d d . · l ucr
niudanca 1. . e uas mercadonas A e B, é ôbvio qw: qu.t q
. nos ~a anos dos tr·1lnlh· d ·crça
mua inllu~ncia u ·ri ' ' '1 ores (um aumemo, por ext!mplo) que ex _
tu ornic nos custos totais de produç;io das duas mercadorias n:10
UJJIA DlitíV[ HLVISAO DO CUfl~O 455

,1 (~tomí cm nada seu valor "rdarivo". O rcsuhado de um aumento nos 5,1!.irios n;io
é um aumenrn no valor do prodmo, como Smid1 pensara, mas ;.ipcnas uma dimi-
nuição no níwl dos lucros. Não importa como o valor do produco é disrribuíJo
cnm: sal;irios e lucro, pois isso não afcra a magnirndc do valor do pro<hno. qut:,
na economia capitalisra, é determinado pda quantidade de crabalho necessária
pilra produzi-lo. A~suminJo a posição dt: lJUC: os sahírios e o lucro se convertem
rcciprrn:amcntc um no ourro, Ricardo forneceu a base para a visão de que 0 lucro
é 11111;1 porc;;io do valor do prodmo que os rrabalhadores criaram com seu rrahalho
e ljllC o capitaliM<t apropria para si.
Dc~\c modo, Ricardo rccificou o erro de Smich, que consistia cm negar
que a lei do valor-rrabalho opera na economia capiralista. Mas de não conseguiu
mo~trar <.::omo a lei do valor-trabalho, que n;.ío se manifcsra dirctamcnce nos
trahalhos da econmnia capirnlisca, pode regulá-la indiretamence por meio dos
preços de produção. Ricardo n;ío reve sucesso em explanar a aparencc conrradiçáo
entre a lei do valor-cr:1h;1Jho e os fenômenos observáveis da economia capiralisra.
Na verdade, Ricardo só pôde eliminar a inffuência das ffuruil.ções nos salários (e
as flutuaçôes correspondentes na caxa de lucro) sobre os valores rdacivos das duas
mt:rcadorias A e B nos casos em que os salários têm aproximadamence o mesmo
peso nos <.::UMos de produç:ío das duas mercadorias, isto é, quando cada um dos
dois ramos de produção emprega capitais com composições orgânicas idêncicas.
Se os c;.ipitais que produzem as mercadorias A e B têm composições org:\nicas
desiguais (ou períodos de rendimencos desiguais), rodo aumento nos salários (ou
queda na taxa de lucro) afetará mais perceprivclmcnce a mercadoria produzida
com o capi1al de composição orgânica menor, digamos, a mercadoria A. Para
preservar o mesmo nívd de lucro nos dois ramos da produção, o valor relativo
da mercadoria A terá de aumentar em comparação com a mercadoria B. Assim,
Ricardo chega a sua famosa "exceção" à lei do valor-trabalho. Os valores relativos
das mercadorias A e B ser..ío trocados não apenas com flucuações nas quantida-
des relativas de trabalho necessárias para sua prodm,õlo, mas tambc!m com uma
rnudança na taxa de lucro (ou com uma correspondente mudança nos sal:írio.!õ).
O lrtcro do capital é, com efeito, um fator indcpendcnre a regular o valor dos
producos juntamente com o trabalho.
Ao permitir essas "exceções" à lei do valor-trabalho, Rk;mJo abriu o c:1mi-
nho para que os economisras vulgares (lvtalrhus, James Mill, l'vlcCulloch, etc.)
abandonassem completamcme a teoria Jo valor-trabalho. O próprio Ricardo, no
entanto, considerou essas "exceções" de impominda secundária cm comparaç-.io
456 e 0 .. e ~ us .i. o

. .· . b · .·. do valor-trabalho - seu ponto de partida para a consrru-


n11n l) rnllLiplll J~ILO

t.;.ill liL" tolh su.\ lcoria da distribuição.


A uoriil dt1 distrilmiçâo de Ricardo tinha dois objetivos a perseguir: pri-
mdr.lmL"ntt:, rinha dt: ser derivada de sua teoria do valor e, cm segundo lugar,
Jl'.vi.l t.·xplicar os fenômenos reais da distribuição que Ricardl) estava observando
nn inicio J.o s~culo XIX. A teoria smithiana da distribuiçáo dL·scmbocara numa
ccori;\ \•ulg.u dos cusws de produç.fo: a soma <lc salários, lucro <.' r...'nJa forma
0 \'alor da mercadoria. Já vimos como Ricardo eliminou a contr,u.liçáo entre a
cxisc~ncia efetiva do lucro e o principio do valor-trabalho: de vl- o lucro como a
porç.lo do valor do produto que resta após a dt:duçáo cfos sabrios kmbora Ricardo
:-e inclinas.si:. cm suJs "exceçôcs", a tratar o lucro como um fatnr independemi:
n.1 fornlJçáo do \'alor). Agora Ricardo se defrontava com a t.m.:fa de remover a
comradição emre esse mesmo princípio do valor-trabalho e a cxistl-ncia efl-riva
d.i renda, qui:, à primdr.1 vista, tt.:m a apar~nda de.: ter sido adidonaJ.1 ao valor
d.1 mcn.:.1doria. Enquanrn se tratava de ri:1H.h "difl-ri:ndal", Ricardo conseguiu
n:solver a contradição com suprema arte. A renda surge porque Jifc.:rentcs ;ire.is
de terra têm diferi:mes pro<lutivi<l<.ldt.:s <li: tr.lbalho. O valor dt: um alqudrt.: de
C<:re:il ~ deti:rminado pela quanci<la<li: de trJbalho nc.:cess<.lria para sua produç;ío
nas terras mais infi:riorcs sob cultivo. A diferi:nça cncre i:ssi: v<.1lor social do ci:ri:al
e seu vJ.lor individual em áreas de maior fc.:rrilidadc.: (ou em <.i.rC<.lS simadas mais
próximas dos mercados e que, por isso, exigi:m ga.scos mi:norcs com transpone)
forma ª renda paga ao proprietário fundiário. De acordo com Ricardo, as piores
terras sob culcivo não geram absolutamente nenhuma rt:nJJ (uma visáo t:rrôni:a,
rois supõe que não haja algo como a renda absoluta). À medida que as pi:ssoas
pa}.s.uem a cultivar terras novas, e.ada v~z mais f~nds, o valor de um alqueire de
ce~1.-.il aumentará. Do me'>mo modo, aumi:mará a ri:nda, canto cm ci:rn105 de:
graos .(uma vez que [L"rá cn..•\ddo a diferença na produtividade entre as mclhorc:s
e:ª~ piores terra\), como, mais ainda, cm [ermos nominais, moni:drios (uma vez
llllt o valCJr de cada alqui:ire dt: grão terá aumcma<lo).

Ao !ratar da renda n · 1 s
comi) a d"fi· . . ª0 como uma a<liçáo ao valor soda) do cerca , ma
\· , 1 er~n'ia cmre seu valor soda! e o valor do cercai na ári:a de terra pardcup
.ir crn 11uc,t;.m, Ricardo púde tor . · .' "o
J.c> v.il11Mrabalho nar sua tcona da renda cocrentc com o prmupl
\
1 · Ao mesmo tempo e! • • d . . d ·nda
aquela, ccmclu\ô 1• . ' e [Cntou i:nvar de sua teoria a rc

'
l.r e<; ogicas que se h·1 • • • A era
....,
.
da Revolução ln<l . . 'rmoni1...1nam com os eventos ri:a1s.
U\Ul;tl ingle\a eira .• · . d os
ctcrtzou-si: nao apenas pela force que ª n
,.,;:r·
UMA BREVE REVISÃO DO
eu teso 457

Preços
.
das manufaturas industriais ocorrida com a introdu .- d
• . .
.
çao a nova maqu1-
nar1a, mas tambcm, Juntamente com isso ' por um enorme au mcnro no preço
dos cereais. "foi aumento se explicava, em pane, pela rápida industrialização do
país, pelo bloqueio continental de Napoleão e pelas altas tarifas de imponação
de cercais que haviam sido aplicadas em beneficio da aristocracia inglesa. Era um
fenômeno tempodrio, mas Ricardo fez dele uma lei permanente da economia
capicalista. A seu ver, o crescimento da população tomaria cada vez mais necessá-
rio transtCrir o cultivo para terras cada vez piores, o que provocaria um atamcnro
nos prc~·os dos cercais e uma tendência ascendente no valor da renda fundiária,
tanto a real como a nominal. Assim, todas as vantagens da industrialização do
país bcncfic.:fariam a classe dos proprietários rurais. Os trabalhadores não teriilm
nenhuma participaç;ío nos benefícios porque, apesar de seus salários nominais
crescerem com o aumento nos preços dos cereais, seu salários reais permanece-
riam. na melhor das hipóteses, esracion:irios, isto é, no nível mínimo dos mcfos
de subsistência requeridos para o trabalhador e sua família (o que Lassalle viria a
chamar de "lei de ferro dos sal;írios")_ Já o lucro, exibiria uma tendência de queda
inexorável. graças ao aumento inevitável nos salários nominais. A queda nos
lucros frearia o ímpcco capitalista para acumular capit;1J, e o progresso econômico
da nação seria incviravclmcnce desacelerado, aproximando-se cada vez mais da
estagnação tocai.
O quadro inteiro dos movimentos de rendimento encre as diferences
classes sociais exposto por Ricardo parte da suposição de que os preços dos grãos
concinuarão necessariamente a aumentar. Ricardo subestimou as possibilidades
de um fone crescimento na producividade do crabalho agrícola. Sua doucrina de
um aumcnco necessário e inexorável no prc:ço do cercai, bem como as conclusões
daí extraídas, não foi confirmada pelos facos. Apesar disso, sua teoria da discri-
buiçáo represencou um enorme avanço ciencífico. EJa retrarou o vasro alcance
dos rnovirncncos no rendimenco de todas as classes sociais e sua íncima inrer-
conexáo, descreveu essa dinâmica como uma consequência necessária da Jci do
valor-trabalho e revelou claramence os conflicos que cxiscem enrrc os inrcresses
das classes individuais.

5. A desintegração da escola clássica


. nhecer aberrn e direcamenre
Ricardo fora corajoso o suficiente para re<."O Q J luta entre
o conffico de interesses enrre capiralisras e rr.1balhadorcs. uan o a
,it'.

458 coN~LusAo

,. d fl d e empurrou a lura entre os capiralistas e a aristo-


i:~~ JUJs dasses 1tn e agra ª
·· J 1 os economistas burgueses abandonaram progressi-
a.1da p.ua o segun o p ano, . . . .. . .
. .-
\._1111 i:mc: a J e.scriçao e a
explanação obienvas da economia cap1tal1Sta, passando
a uma justific.lçáo para ela. A economia política burguesa tornou-se progressi-
\";unem(' 11po/ogética (passou a ter como objetivo a justificaç~o do c1pitalismo) e
,·ulgn (restringiu sua in\•estigação ao estudo superficial dos fonômcnos tal como
dl; .ip.m:..:c!m para 0 caritalista, cm \'CZ de investigar as conrxôcs inrernas entre

eks\. Por \"oha dos anos 1830. iniciou-se o período de "di:simi:graçáo" da escola
lljssko1. Osc:conomistolS burgueses de então repmliaram a h:ori.1 do v.1lor-tr.abalho
Jc)cn\"oh·id.1 por Smith e Ricardo. A fim de mostrar que o lucro n;ío é uma pane
Ju \"Jlor criado pelo tr;1halho dos operários, eles forjamm 110\";lS ti:orias sohre
sua origem. A doutrina de Say foi a de que o lucro é criado pela prodmiviJou.le
dos mdos de produção pcncncemes ao capit;.11ista (a ti:oria <la "pro<lmivida<lc do
capiran: Senior viu o lucro como a recompensa pda "ahstinl-nciot" <lo c.1pit11lista
que acumula capital ao deixar de satisfazer dirct;.m1c111c suas ni:ccssi<lades pessoais
(a teoria da "ahstinência"). À medida que a economia politka se torna apolo-
g~tka e vulgar, surge t~1mhém uma oposição a ela. Comrn a economia política
estavam os representantes da classe dos propriet;írios fundiários, empurrados p;ua
º.segundo plano pda burgue.~ia (~·lalthus, para quem apen;:1s a existência de uma
nca classe de proprict;Írios rumis poderia criar um mercado para as m;111ufarnr.1s
indumi~bi,): ~s defensores da pequena burguesia, <lo campcsinato e das oficinas
art~anais (Sismondi, que afirmou que o capirnlismo, causando a ruína <lo cam-
pcsm~t~ e das oficinas, reduz o poder de compra da população e, com isso, cria as
condiçoes para consramcs e · ) fi 1
h· li rises ; e, na inemc, os primeiros defensores da classe
tra a tadora (os socialistas utópicos).

Nota
l. '.'Jichul.i\ l\arhon Adis
J\fllcrQ(f . , crnmroftmdr(l.ondrcs, 1690),p.13-15. "Ovalordc1odas
onas nasce de seu uso· coisas
{...) O U\U d . ' ~m qualquer uso não possuem valor algum.
ª~ coi~~ dl"\"e suprir a 5 Jixó . .
p.11-:i11:·. 1iuc são inatas : .. , . P cs e as nc.-ccss1JaJcs do homem: ha duas
p.ua ~uprir c.,~as d~ a i:~pcc1~ humana: as paixões do corpo e as paixões do espírito;
.u ncecss1dadcs, todas . .
P0 rca111n, possuem um vai 35 coisas sob o sol se tornam úteJS e,
n.uur.1lmcn1c reni . . or. (...) As paixões do espírito são infinit·15· o homem
. ª'P•raçoti e, à medida •. ' ' .
torn.'.rn rn:us rclinados e mais capazes de que ~u csp1rno se deva, seus senudos se
p41"<ol"!i a11mc:111;arn iunt dclenc: seus desejos liát> alargados e suas
amcmc com seus anseios."
POSFÁCIO Á EDIÇÃO INGLESA

AlJlldL'.' que l.'onhco.:m a ohr<l Em,Jios sobrt• 11 fl'oria mrnxÍiffl do v11'or, di.:
haac Ilich Rubin, j;í c~t;ío familiarizaJos com o nodvd conhcdmcnro que o ;tu-
tor po.s.,ui do p1..·n . . ouncnw de ~ 1arx. l lúttiri11 do pcm11m1·ntn rconr;,nico é a primeira
tradw,:úo inglesa lk· uma obra que consricui um importantt: complcmcnro a
Emaios. Ela t'.- <ll.'dil:ada ao cscudo das doutrinas cconômic1s anrcriorL's a O c11piMI,
doutrinas l}UC foram, portamo, estudadas e discutidas por lvfarx. N;io se rr~Ha,
por~m. de um simpll.'s manual conveniente, limitado a cratar com uma sistcma-
tkidadc m;tior os dcnu:ntos da an;i(bc espalhados cm Contrílmi{'1ÍlJ à crírica d11
economia poltíiett, O c11pitt1! e Tt:ori11s da m1zis-v11/it1. Ao concrário, ela comt'.-m con-
tribuiçócs originais, tais como os oiro primeiro c;tpírulos sobre o mcrcancilisrno,
uma domrina que Marx invoca com frequência, que ele conhecia muico bem,
mas que jamais foi o objeto de um estudo ordenado cm seus tcxcos. Além do
mais, e isso distingue a presenre obra das "histórias do pensamento econômko"
tradicionais, Rubin se dedicou a situar em seus respectivos contexrns as rcorfos de
que trata. Geralmeme com grande sabedoria, ele mostra como as particularidades
de cada teoria refletem a simação social e econômica do país no período cm que
foi formulada. Obviamcme, essa pr.:rspcctiva histórica n:ío está ausente nos rextm
de Marx - como prova o exemplo nocávcl do esmdo <la corrente fisiocrarn (!vbrx,
l 969, p. 44-68). Mas Marx nonnalmcmc roma a discussão das teses dL· seus
predecessores como um pretexto para o desenvolvimento de suas próprias con~
ccpçües, de modo que sua abordagem sobre essas teses pcm:nce mais à crfric:i
"interna", e suas referências ao contexto histórico ocupam apenas uma posiç.io
subordinada r.:m comparação a essa críti1:a.
p[NSA"'ENlO c:coNôMICO
460

A / listóritt de Ruhin é, porcanco, uma obra original, mas qrn: deve muito
J.s análise!> de Marx, rnm;uH!o cmprcstado delas sua cstrurnra. O conhcciml'nto
· 1 que Rlibin po~sui lh• obr;J. de Marx n;ío deve .ser l'ntl'tH.litlo nll110
cxccpc1onil
enu.liçáo acadêmica. Por ra1.ôcs que sáo perfeitamente daras p.1r.1 qu.tlqun um,
a obra de ?\farx, m;lis do que a de qualquer outro l'Conombt.1 .11111.: . . Pll dq,l1i~
dele_ e sil igu;it1da por pouquíssimos filósofos-. atraiu um 11Ú1Hl'r11 \ t 111,i1ll'1.íwl

de exegetas honcscos e dcdicados que náo se ddxaram inti111i1l.tr 111.:m i11·Jl, l~'1ki~o
de seus escritos, nem pda frequente tt:cnicidadc- de seus 1Jbil'l1''· \ 1.t, ·'' 1\llilul-
dadcs peculiares a seu pensamento, tais como a amhip1i1Lhk' 11u .1 t·,t1.mht'f,l de
alguma de suJ.s fórmulas e o pc.:so J;ts qucstôc.:s trJJii..:illll,Ü'.'> J.t l·1.:1.11h1rni.1 pPlitit.:.1
acad~mica - à qual sua teoria devia sc.:r uma r1..·spll~tJ - (llmbin.1111-.-.c p.1r.1 l~1rm.1r
um obsüculo à efetiva apropriaçáo do próprio quc~tiL'll.lllh.'IH'l que d.i :-.cntido
e cocr~ncia ao projcco de O Ctlpit11/. Ruhin dominou iu'.'>t.ln11..'lltl' l'"e quc~tion.1-
mento. o grau desse domínio é mostrado pd.t~ expl.m.t~ÓL'~ que de rropóc. t.'111
Emaim, dus conceitos fundamentais da tcori.1 m,1r\i.rn.1 Jo \",tllH. conc1..·ito~ muito
frequentemente invocados de modo mistt:rioso ou qu.bc: mi'.'>tico: conteúdo e
forma do valor, trabalho igual, trabalho social, trJbJ!ho J.h..,tr.tto. n~1b.1lho sodal-
mente nt:cess.irio, etc. É muito claro que cncontn:mos e~"C me~mo domínio na
pc.:r~pcctiva de Rubin sobre as doutrinas econômicas anteriores a ~ 1.1rx. r.1áo pda
qual~ .presente obra é particularmt"nte adt"quadJ a t:\clan.:u.:r m principais remas
J.1 crmca que Marx ft"Z <l . ..
. · ªeconomia po11uca em geral e do!:! escritores clássicos cm
p.uucular, crítica na qu· I
. ª se mostra sua verdadeira originali<lJ.Jc.
E na originali<la<le de lvt- . . . .
\'d J arx, em seu propno entendimento de~.<.a ongrna-
1 a e e na eventual <li!.t·inci . d
f . I ' a entre as uas - entre o que ~forx pcn ....lva e~tar
all.:nt u e o que ele reJlmeme fez - .. ~ .
. •que encomramo1> o cnmpkxo de qu~.,wcs .ts
qn.Hs a exegese m.irxisrn. recente se\' 1 . "
<l ·o . . lQ 0 ta quando apresenta o probli.:ma do "ohJcto
..: wp1111 • uai é a rdaçáo encr . ..
poliüc . e a perspectiva de l\farx ao tratar da cconon11·1
a e a pcr':ipccuva (ou
continuid.idc ou de ru
ª" pcrs le. . .. ') .
l cti\as, de seus predecessores? lrata-se c
d.
fun<l.tmcntal d ptura, de ruptura parcial no interior de uma concinuid•tde
, e ruptura inco1nph:ta o "' d
l\U<!..!.tão nes\cs tcrn . . ' u 0 que: Obviamente, Rubin não tr•Ha 3
. . lns, que ainda não es . . , .
prcol:upaçao cin atrib . 1 . tavam em voga aquela epoca. Em sua
P·\fcxe, acima <lc tud u1r e og10 ou culpa a cada autor numa base imparcial, de
o, e~tar .ttcn10 à .
e outro, ao progn:.;,sivo cnt ·I conunui<la<le proclamada entre um autor
i\ -;.íntc\t: <lclinitiv.i no . • rc açamcmo dos temas que serão organizados numa
s1s1cn1a completo ofo .· . /
\ TCl:ido pela exposição de O c1lf11' 1 •
' ...,
J
POSFA.CIO A EDIÇA.O INGlESA 46"

Com os fisiocr.n.1s. de dl·rcrc.1 o primdro esrudo do proec..·sso de rl'produç.io social


como um;l wt.llid.tdL'. a l.'llll'í~l~nda do Loncdco de rxl.'cdcnrc e o dL·slocamcnro
ti.1 ori!!L'lll do mais-v.1lor da t.'!<-ÍL·ra d;1 rroca (na '-Jllill os mcrc111rilisr.1s a haviam
,;11wl11) p.1r.1 a l'sf~·r.1 da produç.ío. Ele atribui a Smith, apesar das ambiguidades
dl· Mia ohr.1, o U'l.;diw dL.· tl'r \'Ísco a rrol"a de tr.1halho por tfiÍs da Crol.'a Jc pmduros
011 1t·r tll''l rito t.orn:1.1111t·111c a di\'is;io de das.ses e as form;1s de ganho car.1crcrís-
riLas d.1 l"t:o1111mia capicalist.t. E lli1o é ncccss;,írio dizer que os méricos que cll'
l'lll'o111rou l'lll Rit.1rJo l~n.un imímcros: ter con.'icruído sua invcscigaç;io inrdm
rum h;t'l' 110 co11cci10 de rr.1halho dl'spcndido na produç;ío de mcrc.1dorias; Cl"r
fdto da livre t.:ompcri~:u> o trai;o determinante: das rdaçé>es l't'onômkas que de es~
tudou: ll'r ankulaJo ~1111 ceoria da discribui1r·ão com a reoriil do valor-rrahaJho, ccc.
Em sumil, ll'm-.r;;e a imprc~s;ío de que f\.forx, cm () t"tlf'illll, rc:scringl·-sc: a coJerJr e
coordenar os ccm;1s dcscnvulvidos por muros ;UH<.'S dele. De: acordo com Ruhin,
hll'!oilllo a forma racional do discurso de /\ofarx 1 que possibilicou a es~c discur.-.o
ser considerado cicncítico, já havia sido adquirida com Ric:ardo. J\l1s dL·vcmos
acreditar que uma obra significanrcmenre barizada de Crithw dt1 eco110111i11 pahiictl
por seu autor não tenha oucro objt:civo senão opt:rnr raJ símese mcdiame a correi;::io
dos erros pomuais comeciJos por esse ou aquele aucor sohre problemas p11rri-
cularcs? E. no emamo. a generosidade de Rubin com rcspeiro às dourrinas pré-
·marxiarrns apl'OilS reproduz a prôpria generosidade: de Marx. Dir-se-á, é verJ;1Je,
que isso n;ío é uma jusrificacÍ\'il, porque a consciência rcffc:xiva de h.farx pode não
ter escado à ahum &1 rc\•olu1r·•io ceórka que de estava realiz.amJo. 1~ comum que
pensadores inovadores .se esforcem ao máximo para apagar a n;nurc:za r.1Jical de
SU;t ruptura, inst:rcvendo suas obras numa tmdiç;.ío que as lcghim•t pcr..mrc .-.cus
comcmpor;,incos. f..fos Marx não cosrum:1Va [L'r receio de exibir o carátt.>r subver-
sivo de seus ohjetivos, sejam práticos ou teóricos. Ademais, sua crirka Jos econo·
mistas burgucsL·s é sufü:icnccmcnre complexa para que pensemos du&1s \'C'".ll'S ames
de considerá-la ap~ssadamen[e pouco penincnre ou superficial. E. como Ruhin
dcmonMrou, cm seu /;i1s,1ios. que comprccndcu o L's.sencfal J;1 cririca de J\forx,
ralvc...-z com mais clareza do que qualquer outro comcnraJor, .segui~mo.s, por um
momento, a lcimra que de propõe dos r<.·úricos pn:-marxianos. /vfos não Jl•\·emos
deixar de lado a hipóresc dt: que as ambiguidades Jc Rubin .sejam hcnfaJ;1s
diretamente de Marx e de que 0 práprio M<trX - podL·mos ousar formufar t;1J
blasf~mia? - renha. de fato, compartilhado com seus p~d<.'t."essorr:s uma pressupo-
sição funJamcnml que, 110 final J;.1.s contas, õlS)('~urou a cxistCnda de um e"p;u;o
PCNSA"'(l\ITO ECONÕMICO
462

· · do qual foi possível mann:r um diá~ogo r:nue sua teo-


ceórko comum no intcnor
ria l' as rt·orias econbmit.'d.' que lhe antecederam e suced~.:ram.

1. A concepção normativa e a concepção prática do objeto da econom<a


politica: a busca por uma medida invariável de valor
:\ão há dúvida de que Rubin contribui para o esc~;.Ht'Ôffh:ntl' 1..~l' J.'íL'~: ..·rn.1
do vator quando observa que, de acordo com os aucon.~. dois ,,~,;l..'.[iv1,1:-. 1..~i .. (inw~
foum identificados sob esse único drnio, implicanCo, ?Or :-.u,1 WJ, 1..JU,l' 1.."l'n.:q:-i-
ções complcrnmeme diferentes das finalidades que in:-.pir.un .i 1..·~.1~,,r,h,<1n J1..· um.1
teoria econômica: Um objetivo pode ser qua!ih..:ado cümo 1:urn1,lfir 0 ('U pr..itico. 1

Ele preccnde forn~cer soluções ao problem.i do e~ui'.íbrio ?1..1::.ro p1..1r ro~o :.i.<>t1.:ma
de produção; para fazê-lo, procura dete-rmlnar as. rehçt'('S fl.'("Íf'rll(.\~ l~U.: t0m de
ser respeitadas pelos elementos que entram e sat>m do proce.;.so ~:c1'::"1.1'. de n.:·pro-
dução. Ele propõe, assim, uma norma idea! de funcionJ.mtnto do:- !-.i:-tt,;m.ls cco--
nômicos. &se procedimcnco exige que objeto~ mareria'.ment.: difçrcnt1.'S sej.im
com.parados e reci?rocamente medidos. especia~mt'nte os sal.trios. o pro~uto so-
cial e, no imerior do produro social, as mercaCorias hett'rog_~neas. E].: só pode
ser realiudo, porcanto, sob a condição de que seja con!ootirui'6o um insrrum1.·nro
artificial que torne possível a quantificação com?arariva dos objetos t'm questão.
Tal instrumento não deve ser entendido como tma,;mente arbitrário, mas deve. ao
contr.írio, satisfazer certo número de condições, sendo a principal delas a de que
0 próprio instrumento não esteja sujeito às causas da variação p.tra cuja medida
dl' mesmo foi criado. !\:essa perspectiva, a teoria do valor se roma a elaboração
C.e um pndriío invariávrl de valores, que é, primeiramente, um instrum~nro para a
homogenei1.açâo dos bens h • d ·
eterogcneos encontrados num processo de pro uçao
e de troca; e, cm segundo l 0 • • - s
f. uoar, um instrumento para a medida das vanaçoc
so nda.s pelas rn..xas de câ.mbi d b ~ .
d. . _ 0 os 1.:ns emre dois estados sucessivos do processo

t= i~c.produçao social. A essa primeira concepção da tarefa teórica da economia


po11tu:.a contrapõe-se radicalme ·d
sarnente 0 - nte a segunda concepção, que proclama rui o-
ao C$tar preocupada c d "
isto é, com 0 C! d d . om 0 que eve ser, mas apenas com o que e,
!".tu 0 35 leis objetivas que operam nos sistemas existentes, ou.

-• Cí. c:i.pítulo 22, p. lR6. e c:i. Ítulo 2


lGl
p. 125·127; cc:i.p. 1), p. 8 • P· 2 48-249. Ver também Rubin, 1972. c<lP· 13 '

-~?v.,
POSFACIO A EDIÇAO /NG1.ESA 463

ainda mais daramenre, com o esclarecimenro da ordem dn1 tdlt$/IJ e doi efeitoJ
cnn·dados nos inúmeros processos que conscicut"m o real. Para os represt"ncan-
res dessa segunda conc~pção, os modelos normativos propostos pelo primeiro
pro..:<.·<.fimC"nco p.areccm objcros imagfoários. Em parcicular, a conscruçáo de uma
mcdid.1 in.vJri;ivcl de valor designada a tornar possível a homogenci7.ação de bc:ns
hr:r~rogi?nt'os é denunciada como uma busca absurda. A equaJfaaçáo das merca-
doria~. objt:r.un de!., é d11tl11 de fato na cquival~·ncia das mt"rcadorias csrabelecida
espontancamt"ncc no processo de croca. A tarefa reórica é explicar essa equiva-
lência. i::.ro é, exibir a lei que govc:rna suas variações. A aurêncica análise reótica
é um escudo da." cau.'i.as efetivas dos fenômenos reais. É unicamente essa segunda
incerprc.•ração do objt'to da economia polírica e, como resulcado, do conteúdo da
teoria do valor que Rubin considera perrinenre. "No entanro, a reoria do valor
não se prc.'Ocupa com a análise ou com a procura de um padrão oper11cio1111/ de
equalização; ela busca uma explanação "'""''do processo objetiuo de equalização
das diferenres formas de trabalho que efetivamente têm lugar numa sociedade
capitalista de m<rcadorias" (Rubin, 1972, p. 169). Essa éa visão peremptória de
Rubin em Ensaios.
A concepção norm.niva do discurso da economia política dominou :i
prárica no sl'Culo XX e não enconrrou uma oposição séria. O ideal de um predo-
mínio maremárico de modelos abscratos foi imposco à comunidade cientifica em
geral na esreira dos brilhantes sucessos obridos pela formalização da macem.ácic:i
e da lógica e na cstejra das. esperanças ocasionalmencc falsas que ela alimentou.
A principal preocupação dos economisras foi canalizada para a construção de
modelos formalmente satisfatórios em decrimenro de qualquer ceHexão sobre a
relação problemática encce esses modelos e os rcferences dos quais eles, apesar de
cudo, afirmavam oferecer uma explanação. Não é evidenre, porém, que a incer-
Vençáo desse novo paradigma econômko renha significado uma mutação inespe-
rada no objeto ela economia política. Ao contrário, Rubin mostra que a tentação
normativa já estava latente em doutrinas muito anteriores, precisamente na forma
da busca por uma medida invariável de valores. De acordo com ele, a concepção
smithiana do valor, em particular, apresenta uma tensão intc."cna que resulra da so-
breposição da rarefa prática da determinação de uma medida invariável de valores,
de um lado, e da pesquisa dentífica das causas objedvas das v~riações n~. valor
das mercadorias, de outro. Podemos identificar a fonte dos deslizes da análise de
S.rnirh nessa ambiguidade merodoJógica fundamenral, t'<}uivocos que: são n:gisrra-
PENSAMENTO ECONÔMICO
464 t<ISTOAIA 00

.i .1 histiirhs d·is doutrinas econômicas. Eles inducm


uus por (Ouas as . • • .
a i<lcmific:ição
crrôm·a do tr.thi1lho expcndido na prodm;ão de urna mcrG.u.lona (lrahalho incor-
por.u.lo) com 0 tr;ihalho <iuc essa mcrcac.lnrht pode compr;.tr (uahalho i.:omanc.l;í-
vd), uma itlcntificaçim que Ricardo já llilvia notilc.lo e dcn\1nd:1tl1> \•i1~c>r<>~.1nwn1c.
nc acure.lo com Ruhin, o mérho de Ric:m.lu l'M:i cm ll'T ilGthado l"OIH l'"'ª a111hi-
guil1i1tlc, pondo incquivocamen1c o prol>k·ma do valtir l'lll ll'rltt1>!'1 dL· i.:;1u!'\:1litl:1tll·
e:, i.:om i?o,.O, dcv;1mlo o discurso ci.:onl>rnko a um nívd ;n11c..·mii.:.111wlllL' dt·mitin>.
Tudo o que Marx tinha a fa1.cr, pnnanto, l'r~1 ;u.:olhL·r fidnwnh.' o h·g.1du ril.u-
lliann. O pomo de vista hist(JTicn que ele i.l!l.SUmiu ~nhl'L' a!'I n.·h.;m·.; dl· prmluçán
cstmladas pcl:1s tl·nrias ccont"Jmkas lhe pl·rmitiu prl'l'ndwr .ll~uma~ l.h.:u11:1s e
corrigir ccmu. fraqul'z;\S das Lk·duçtll"s de Rk.trllo. ~l.1s o tl"rrl'llO ll.l im·estigaç;"in
cien1ifü:a for;1 claramente c.lclimi1ado por Rk;trlltl; n:Ítl l'l"'t.l\';1 n1.1is nadil il fazer
do que aperfeiçoar sua organi1.oiçáo interna.
A c.liMinç;'in entre uma concepç.io norm.lti\':1 e oun.1 ohjcti\';l - um termo
llllc preferimos a "1cllrk"lt 1 us;uln por Ruhin• - no~ parn·c l'Xtrl·m.1111ente lnil.
llm:t de su:1s prindpais \•;uuagcns é quc cb llll!\ pcrmite refutar r.1pilt1111entc 11111:1
nhjl·ç:io tradicion;tl à ll'<nia marxian41 do v.1lor formul.l~l.1 por crítkus •ll'.llll-micos.
Referimo-nus. aqui, ao famoso problema <l:1 "n.·Juç.io do cr.1halho complexo ;10
lr;1ho1lho simpll·s", <1uc, tlcpois Lia uhk:1 Jc B'ihm-BJwerk a () ,·11pittt!, li.li con-
sillcr;tllo um;1 das <1ucstÍll'S t'spinhosas de <]Uilll1ucr tl.'nti1ti\'a de <ll"h.~rmirlitÇ•iO do
v.ilor pdo trilhallm. •• Noio nus surprcendc <1uc ccontlmist;1s at:o1JL-n1icos tcnh;un
rcgul.mncmc ;11.:cito essa ohjl'Çáo, porque su;t ftlflll.l\.io n;io os prc:<lispôc: a ctnlp
sitlt'l.tr l\Ue o pnlprio uhje10 da economia pulítka ro~~d Sl.'r dist:uci<ln. Pt.líõl dcs.
"06F4CJO 4 lOIÇAo !N0l1:'8/> 465

as qttl'S(Ôcs às qt1ais uma rcoria deve rcsponJcr scio consideradas auwcvi<lcmes.


Pam que urna rcoria pos.lia ser levada a sério, ela deve ser capaz de rc~pondcr 3

e.~ . . as quc.-;róc.'i l'"pcdfo.:as - tais como as n:grns que governam a dc!crmínação


dos prl·1.;o.o;, a magnirudc do cxt:cdcnrc cm rclaç1ío ao e;1pi1al invcsrido ou a <lh[ri-
lmi1J10 dm rcn1r... os. lvtis o faro mais significarivo .mbrc a confu..,ão cm wrno ela
quc'l1:10 d.1 lc:oria do v;dor é <JllC se podiam - e ainda se podem - t•ncontr;ir eco-
nomi ... ras de éJli/i.u;:ío manci.o;ra que aceitam como bcm-fimd:imentada a exigência
de '\.:odicil'lllC.\ de rl·du\•Ío do rrahalho complcxo ao trabalho simples'\ isro é, que
fazrm ;i validade da lcoria nwrxh111a do valor-crahalho depender da possibilidade
dc produzir [ilis col'fidcnre.... • Rubin tem plena razão ao enfatizar, cm Emaio1,
que uma ral cxig~nda é, cm parte, ligada à concepção normativa de economia
polirica. Uma vrz que se procura determinar as proporções de acordo com as
quais di(crcntcs hrns tln1em ser trocados in<lcpcndenrcmcmc de qualquer con-
sidt.:raçío sohn: o processo efetivo de rroca, surge a necessidade de uma esc1la
<.:omp<1rariva de <lifrrcnrl'S rrabalhos (Rubin, J972, cap. J 5). Para um :tutor que,
como 1\farx, procura explicar o processo real, não há necessidade alguma de tal
arrifício. Longe de esperar que a ingenuidade do economisra crie as condiçóes
para sua consecução, a reduç:l.o dos diferentes rrabalJios concretos a um substraro
homogênt:o - o que lvfarx chamou de equalizaçáo dos m1balhos - pode serdes-
cohcn<1 nas rclaçôcs de rroca como um processo jd ret1liZ11do. Nada é mais estmnho
a uma conccpçáo normativa da teoria do valor do que as primeiras páginas de
O capital (0.1 "an.ílise" do valor de troca), ou, um exemplo ainda melhor, os argu-
mentos sobre a forma-valor que nos convidam a examinar - a fim de desvelar
seus signifi.caJos implídrns _ a rdaç;ío de igualdade consriruída na rclaç:ío de
troca. A linguagem das mercadorias é muito pouco dara, mas é, ainda assim, uma

:--- . fi "s Cario Bcneni demonme uma


Por ~xcmplo, embora o e~o~omisra m~ncJ_s:~ ranc:~i do ,.,i/or, de aCJ:b.a afirmando
rd.Hl\'a compreensão do s1gmfic.ado ,socwlogi_co ~a do \'alor do tempo de cr-.ihalho
~ue ~rna das difi.cul_dades coloc.adas a de_rc:~nu~c:Ç"~:hi/iJ:idcs ~sados na produç.io de
consme na av;tl1:içao de rrahalh~s de difcrcr_•e a rcdu .. 0 do mih.ilho comple"o :m
mercadorias". E acrcscenr:i que Marx ~ro~: dcccrmíi~dos pelos cusros de form.:u,:.io
6
crahalhn .simpll'S f... J .s~hre a b~e de cocfic~en ) km mo~cr.i rer-/he ocipado a c1meçio
~o trabalho complexo (Bcnem. 1.975. ~: 3 u~ Õm ila/fa:l nesse pomo (A-farx, 1974,
a Comribuirtio à crltiaz da ~conomra ~o/mca q m.:1is a~anrc.
v. 1, p. 51, n. 2), corrq:ão da qual trararcmos
~\3Ô ., 1 ,~'~'" Oú p[N$14.MLt<TO CCONôMICO

\in\!u.ig('m ('fll que é <lira algo que o {CÓrico {em de elucidar.• Isso que é "dito" é
\,,t;.1ç:10 Jc toda~ as c.uactcrí~tkas concretas de atos de trabalho, a redução do
J •1

{[.\b ..lho concreto ao tr.1\"11\ui abstrato, da qual a redução do trabalho qualificado


.hl rr.lh.,\ho simples é apenas um momento subsidi;Írio. "Que essa redução ocorre
u1n,t.mtcnu:mc é :1lgo mostr;1Jo pda experiência. Mesmo que uma mercadoria
~cj;1 o produto do tr.ibalho mais complexo, seu valor a equipara ao produto do
u.1h.1lho mab i;.impll"s l", <lc::.'ic modo, representa de próprio uma quancida<lc de~
tnrnin.1<!.i de tr.1halho simples" (Marx, 1974, v, l, p. 51 [cd. bras.: Marx, 2013,
p. 12~~). A critica aG1dl:mka viu nc~sa asserção o sinal de uma circularidade no
pcll\,ullcntn de ~brx. T.1! seria o caso, de fato, se Marx tivesse o objecivo de
form:ccr um in::.uumcTHo ou um critério que permitisse a 1mtecipaçtio das rdaçôcs
<le trolJ da~ mcrc;idoria!<.. 1v\as esse não é seu projeto, como fica claro na seguinte
c·1t.HJ10 dJ st:g,umb edição alemã, cm que Marx torna a questão mais precisa.

P< 1na1110, os homem. nfm relacionam entre si seus produtos do traba\ho como
v.1lur~·\ por 1..umhlcrarc1n c!.~:ts coi!-<l~ meros invlilucrus maccriais de crnbalho
hum.um de lllc\1110 tipo. Ao contr:\rio. Pon1uc equiparam cnirc ~i seus produtos
th: <lili:rcntt..:\ tipo~ na troca, como valores, cl1.:s t.:<luipar;un cntrc si seus diferentes
u.iliJ\ho\ Lomo tr.1halho l1111n:rno. (lvbrx, 1974, v. 1, p. 78 lctl. br~ls.: ~for.<, 20t3.
p. 1·1 11:1
P os.~ Ai: 'o 1'. ' o '~ 1'. o '"1 o Lt s. Jt 46

O n:suhado é que é impos'"iÍvrl dcccrminar a priori, i~to é, anccs Je ft:'jli:t,;tda


a troca, a 'luanriJa<lc dc crabalho soda( r1.·prl':".ent1&1 por uma dl·ccrminada ma~sa
de prodwos. S;ío as reL!(J>l'S de uoc:a de mcrcJdori;1s, c.\tahdccid.1s no ml'fcJdo
pdos mecanismos de compc:ciçáo - i.~w é, num processo sobre o qual nenhum
agente conscict1h: h:m controle-, <Jtlt: i;on.,rirncm o índice J:is propon/>t's t'Jll que
os difCrcnrcs rrahalhos cont.:reros s;ío equali:t.o.\dos.
1vlas nossa accnç;ío deve se volc~\r p;1r:1 um nutro pomo, que t'xplicJ, i:m
pane, o persistente equívoco ()llC se pode enrnnrr:1r, sohrc es\a qucs[:ÍO, 1anco
enm.: os críticos "burgueses" quanto entre o:i prtiprim econnmiscas manci\las.
A111cs de chegar à formulaçi.o da tl'oria do \',1Jor, que dis.~olvc o problt:ma da
rcL1u'7-;ío <lo trabalho complexo ao rrab.1lho simpll's no problema mais geral do
prm;:1..·...,so dr.: ahscr:t\'õ.\o de diJ~n..'nh.:s aio., 'onr.:rr.:tos de crahalho, T\.farx buscou
n:solvê-l.1 invoC'anJo o valor JitCrr.:nrc poSJ11id/) por drios tipos de crab.:J.lho dl'
;a:ordo com seu grau de Jcs1raa, i!>to é, ol.'i diti:rl'llif;I~ nos s.11.:irios à medida que

t."bs sancionam diferenças fl':tis de forma,·;io e n;io apcn;l.) a\"alia\·Üt!$ suhjt:d·


va.\. E.\sa tclll;h;;io é manili:sta 11'\ Gmtrilnú1;io .i aitiei1 rl.1 f(t11u.mui1 polititil, na
qual, ao lado do argumento scgundo o qu.d a liomogcnci1..J.\·;io dos tr.tbjlhos dt'
complcxid;Hles diír.:renlcs é daJa na pr;iciL·.1 di.iri.1. enr.:ofHr;mms a alus.i~ ls "l~i.~
que govcrnam l'.\~;t n.:du,·;í.o fdo lr;lh. 1lho 'm,1is compll'xo' ao 'craball10 s1mplc:s J
(Marx, 1970, p.•~ 1). O cs[udo dc.,\;I!> lei~ é tlá\.1do p.1r;1 um momento pus!erinr.
A alu..,á11 dc~a11arl'1.:c no tl'XIO de O n1p1úl. cm ljlll' ,\f.ux ,hc~j a se d;ir 0 lrJh.illio
de cnforii'.ar, numa now, que "náo \C trara .1qui J.1 íl'llHH1c:r.1\··ín ou do ,..,,Jor 411 '' 0
. . 1 J. tr'lli ilho lllJ..l .sim do \'jlnr J.l}
tra 1>allw<lor rc:o.:be por, <l1i.::m\u5, uma 1nrn.H .1 e: • • •
. . . 1 ...... ( \! rx ! '17·i, v. l. p. 51. n. 2 [cd.
mercadona!. na.\ <.Jllal~ 1orn:ul.1~l· 01 /1:11\.I ' '1 ·' . . 1 . de: Jifl:rt>ntCS
.'IU;l
br;I\.: Mmx, 2013, p. 122. 11 • 1-;J), Em ~um.1. o prohlt·mJ d.i m ca
..
,.
. . J . rr·1!1 ilho 'lue J e\t.:;1JJ dt· ul.1nm
<
valorc:.s de: troca pomuilos pord1krt•1fü'~ fur..,..l.'I c: ' ' ' 1
dL'vC ra1ifi,ar, é Jiqinlo do proh\l'111;1 do~ difort·fHC:.'J v.1lort~prod11zirlmpo~~q1'.c: .l}
. .· . o ·1 imlk;i\·.io de um cs..:bn.."\.JJmnto
forças 1.k· cr.1halho. [..,a rdorrnul.1\·ll' e: t.ull • . um;i
Hl um;i aúica a otnros .1uron:.\ ou
ljllC 1'.1arx fl·.ili1..J cm \t·U pt'IJ\,U1tc:nlll çon I · nwmc: ri~owm.
, . . . ic:r ircn út•s. P.1r-.1 ser comp c:rJ
pít'CaU~.ÍO (Olllf.l ro\.\l\'Cl.'I fll.l!> Jll f '\ J J . u/qm·r nJC:fl~,iO .l
' . 1· . 1 d . \ll' lf\;i!he do \',\ ur w J e: qt -
"•lar'< dt·n·r1.1 tt·r e 1111111.H o c: · • ' d ·. ··ht·r unia ~1J/uç:iu
. .. de um prohlcnJ.11.111c: t•v1;1 n·ti:
t·\..,c prulilc:nu. prn~ n;10 ~e trJIJ J d noHl.\ ,·1m1cúdos 11t1t.'
origin.11 t·m ,u,1 obra. m.1.~ ,j[ll Je uma quc\r,í.o qut.'. ;1 m 05
ele d:í J tt·ori;1 do v,1lor. njo tt•IJI .<;cJltillo :il!!um.
468 HISTORI ... DO rc ... s ... 1.1c ... TO ECO ... OMICO

Qu,110 in11:rL"SSL" que essas discussôes detalhadas sobre a exegese <los rcxtos
Je Marx tl-m para nosso ohjL"tivo geral, isto é, para a an~ílisc da rdaçáo emre Marx
e 01s dou1ri1101s econúmkolS ou11criorl's? Como dissl'mos - e, nesse p<lnro, apenas
ri:prtimos a Jl·mmhtra~·:io convincL"ntc de Rubin -, fozt'r da n:duc;:ío <lo trabalho
compkxo .10 tr.1h.1\ho simples a condiç;h> de v.11idoulc da teoria marxian;l do valor·
·tr.1h.1lho é rcvd.1r unu i1u:omprccn~áo dos termos nos quai~ o pmhlema é pusm
por M.ux. U lllt'-\11\0 v.1ll· p.1r;1 tt·oria ricomlia1101 llt1 \'al0Mr.1b.1\ho? P.uccc·nos que
J. rt... poq.1, .ttpli. tt'lll Je ~t·r nt·g.uiv.1. Pois ?-.forx herdou unw a prúpri.1 q11t·st;io
qu.11110 .1 tr.:111.1~·.io <le fl'.~ponJC-l.1 in\'oc-.rndo as dil~·rcn~·,1s nos s.11.irios formu!J.·
J.1~ rdo pnipri11 Ric.udo. 1:oi Ric.mlo l}lll\ St'guindn Smith. in1rod111.iu a t'St'.lb
J11~ ~.11.itios - .H11t1nutic.1memc c·st.1hc•ledd.1. t: daro, pd.1 compctiç;h1 - conw
um wm:ci"o l}Ut' tinh.1 Jc sc·r le\',hlo c·m 1.:0111;1 a fim de su,qt•nt•1r o princípio Jc:
J(mJu ..:om o l}u.1\ os \',tlorc•s rc·cipro..:os s:10 prnpor..:ionais J.s quantidoulc·s n:l.11h-.t.~
r1:1\lll'riJ.1~ p.u.1 prnd111i-los (Ric.1rdo, l lr::-'ia, p. 20·21 ). E, cm 1\Jfréri,11/.tfilosif.r.
~1.1rx n10m11u-se um ric.mli.mo ortodoxo, com sua atirma~·;to Je que "os v.1lorl'S
pollcm Sl'f mcditlos pdo tc·mpo de iraha\ho", m;1s quc·, "par;t :1plil·;1r uma r;il
mcilid.1, kmos de ter uma csl".1la comp•lr•Uiv:t Je diforentl'S dias <le cr.1hJlhit
(~l.irx, 193(i, P· 46). ?-.bs ;\ teori;t propriamente marxiana do v.1lor, d.1hor.id:i.
nm Gno1tlriJJe, cm seguida na Comrilmiçtio à crítim d11 economia polítka, e ad-
quirindo sua forma definitiva crn O mpit11/, é o rcsuhaJo da rec11pcr.1ç;io Ja cen-
ir.ilidJik da concc:pçjo ricmliana, a fim de deter as uwpias iguali1;irias que cerias
cmremes sociali~ias (Proudhon, Darimon, etc.) pensavam podcr erigir sobre:
c'\'.l lOIHepç.in. l\fas essa ohra dL" rcmodclaç:io levou a mais do que uma simples
tcli~ca<,..io. NJ verdade, da culminou numa mutaç;io rndic:1l no significaJo dl
lcoria <lo valor-irahalhu, a 1al pomo que a identidade terminológica e analogia ª
que: alguma!> de fnrm 11 1 .- d d ru rJo
d açocs e Marx oíerccem com as proposições e ca
~"~ 111 !>cr 11 \idcrattl'. ba.,1ame mistificadoras. O rnrdio abandono da rcfcr<!n·

eia a c~cala do~ salário\ . O . inda
ligavun a . t:lll ''1/'''''' rompeu um dos l1himos nexos que 3
r~\~n - dlcoria do v.1\ur de Marx à prohlemoilica ricardiana. E, invcrs:uneucc:. a
~hihi \<!.: ~S\~ rcfcrén,ia cm Princ~1itJ1, de Ricmlo, contrari:11nen1c ao q11c afir~J
n, e lcm.:munha Jo f:uo d c' ·.io
pr;i1ic..a d· f; ' e que 0 rompi111e1110 de Ri,arJo colll a cone 1\
a lati: a colocada à lt:O . <l . I . lu sc:rTl
qu.ilific.i\ão. 113 11 v.1 or-1rab.11ho noio pode ser st1!>le111.ll

(:, no c111.inco, inc ávd l . .· Ull eco


dos c:lo~io d . . g !llc O\ clogms que Ruhin foz a Ricmlo !>;Hl 1 .
\ o prupuo Marx. A aprov.11,ão do mê1odo rkarJi;1110 por r..t1rx 11Jº
•I
POSFACIO A llDIÇAo rNCl(S1'o 469

é, em sua essência, conrraditada emre Aihàia da fi/1Jsofi11 e Tt.·ori1n da mais-Mlia.


Conrra a i<lcia de Proudlwn de consm1ir um novo mundo com ha~c na ClJuaçío
rempo de trabalho = valor de rroca, Marx enfatizou em Alúlri11 da filosofa que.
cm Ric.mlo, a rcoria do valor n;fo é uma "ideia rt•gc11cr.1dor.l", mas '3. exprcs.'IJo
Ct'l)rica do movimcmo real", "a imcrpn.·t•t\·áo cicmífica da vida cconômic.a atual"
(íl.brx, l 9J6. p. 4J). A rcoria do ,·:dor é. elH;io, .1 formubç.io ct·iirk.i J:1 ld im.mt'n-
ce ao mundo real. E se mais tarde, t'lll ];·orús d.1 m,1ü-mlt~1. ,\ f.trx no1;1 ct"rras
in;idt'ljll<l\'Ôt'S nas dedt1\'Ôcs que Rk;mlo rt-.1li1.1 cm I'r-i111-ffii1s, d.is n.ill s.io, J scu
wr. sutidentt•s par.1 t·ompromt•rt•r a li;tsc- s~ilitl.1 Jc sua .1bllr<l.1~cm gt•r..11. que nos
;1prt'St'1H;t "o sis1c-m.1 t•o,;onômil·o burgut~s inteiro i:tm10 submt·riJo .t um.t k·i ti.111-
J.uncm.d" t' l}llt' l'Xtr.1i "$u.1 quintl'-"-"êncb J.1 Jin.·'Ft'.-nâ;1 t' J.1 Jin~~iJ.lllt· Jc ,-irios
íl·nômt·nos" l.\ l.1rx. J'1(19, '" 2. p. l (lll). Cmn rl'.'rcih' j qut·.,do m.tis t'Spt'l..·iti~:1 d.1
husl·a P('r um.t mt·Jid.1 im·.1ri.í\"d Jl• \":.llort':s, :-..t.irx l·t'rt.mll'rHt' n.h, ..:onhrmou o
rompimt'nto dt• Rk;1nfo t·om l'S."-l probkm.tri~:1 Jl, nwJo pcn:mpcório lJUt' Rubin
o faz. mas é prt-ciso rt>cm1hn:t>r, ip1.1ltnt>ntl!'. quc !ill.L.~ ohk'f\~t.;õcs a ô.."-t' mpeiw
súo inc(!llÍ\'n1::.1.s. N;t \"erdadc. l\.brx. moscr.1mfo 11111.1 çc:gul'ir.1 1.:011111111 a muiws
qul' e.sm&un os mesmos t-scriros por um tt>mpo muito longo. jamais ciptou o
(}lle estava cspt·dfü·amt·mc- c-m qut•st;io na hu.Ka p(1r um.1 "mcdid.1 irw:.iriã\·d dt•
valnr... Ele persistiu em vê-la como a express;io inJ.dl·qu;1J.1 de um problem:.i re.i.l. o
mesmo t}UC de próprio havia posto e pJ.r.l cuja rcsoluç.io de- subn:rteu fond.imen-
talmence o significado da teoria do valor - o problcmJ. da narnrez.;i do ''.ilor. ou,
ainda, o problema do comcúJo expresso nas rdações de troCl e cm suas variações.

O problema de uma "medida i1w.iriân:I de \·.1/ur~ n.io era mais do que- um nomc-
cspúrio p:1.ra a busca do conccim, da n.nurt"Ll. do nzlor- propriamente dito. cuja
de6ni<j<io não podia consiuir cm muro ,;iJore. come11ucnremcmc. n.io podfa est21'
sujeira a variaçôe:; como valor. fuce cr:1. o umpo tÚ mibalho, o tr11baU10 soci11/ raJ
como de se aprcscnra c.\pccifü-;imenrc na produç.lo de mercadorias. (Marx, 1969.
v.3.p. IJ4-1.l5;cf.Marx, J96'J.v. l,p.150-15J;v.2,p.202)

Em ra;-~io des~a ldrura distorc:ida, que o levou a irm:rpremr cuc "foho pro-
blema" dos cconomhras como uma ahordagcm equivocada, Marx jamais qucs-
rionou a~ fin:llidadcs da teoria econ6mic.:i acarrc1;1d;u pda lnm:.1 de um p 3 dr-.io
invariável. Como vimos, Ruliin dirigiu sua atenção à forma aMUmid;1 pda eco·
nomia política ac."ldêmka no século )()( e foi, nesse pnmo, mais peupicai: do
47Q HISTO~IA DO PEt.ISAMEt.ITO EC0t.IÔM1CO

que Marx. Mas a convicção com a qual Rubin conclui que Ricardo "rejeitou de-
cisivamente toda e qualquer tentativa de encontrar uma medida invariável de
valor, mostrando repecidas vezes que cal medida não podia ser encontrada" (ver
capítulo 28) deixa perplexo mais de um lcicor conccmporàneo. Pois os esforços
de Sraffa em publicar o úlcimo cexco de Ricardo, Vitlor absoluto e valor de troca,
trouxeram à luz evidências de que a determinação de uma medida invariável de
valores estava longe de ser algo esrranho às preocupações de Ricardo, mas, ao
contrário, tornou-se o principal objeto de suas reAcxõcs até o fim de sua vida.
Alêm disso, a linha geral de sua obra final {suas questões e suas respostas) já
estava comida em Prfocípios, panicularmente no capítulo 1, seção 6, cujo título
é "Sobre uma medida invariável de valores". Contrariamente à tese de Rubin - e
Rubin cercamente conhecia bem esse texto -, Ricardo não questiona de modo
algum o principio da busca por um padrão invariável, mas apenas sublinha as
dificuldades da tarefa e põe as condições que tal instrumento teria de sadsfozer.
E a .solução que ele esboça é idCntica àquela que ele dest!nvolveria mais carde em
\-ã/or abJoÍuto e valor de troca. Ele argumenra que não é possível enconrr3 r um
instrumento perfeito de medida, mas apenas "a máxima aproximação possi"d de
um padrão de medida de valor que possa .ser ceoricamente concebido" (Ricardo,
197Sa, P· 45}. Ele prossegue considerando o ouro uma mercadoria que, ..por ser
produzida com tais proporções dos dois cipos de capital, aproxima-se 0 m:íxifllO
possível da quamidade mC:dia empregada na produção da maioria das mercado·
rias" e sugere que essas proporções poderiam ser "praticamente equidi.sc;mces dos
dois extremos - o polo em que pouco capital fixo é usado e o polo em que pouc~
uabalho é empregado -, de modo a formar um justo meio-termo cnrre eles
(RimJo, 1975a, p. 45-46).
. A"lnkrprctaçáo da prohlcm;ícica de Ricardo mais comumcnce ac ~- . a
dias de hoje tem origem nos comentários e nos e.scricos de Srafía, que ediiou
publica ' d 0 b "d r< qu''
çao as ras completas de Ricardo. Para de, é algo auroevl cn . rttl
busca por um padrão invariável de: valores é "uma parte r:.ío centr-.11 do sistc:. e
de Ricardo" (Sra.ffa 19 -, . d .- 0 0 pL·rn1 11
' ' · • '5, P· xhx) que apenas o domínio desse: Pª r.i -0 t
fundament:u sua te . d d" . . . . crprcc.tÇ.I
d . ona a 1stnbu1çáo. E fácil perceber que essa rnr un1J.
iamctralmcme oposta. d R b" . • iluntinJ
J· . . a eu m.Elaédcnossoinct:rc.s,~eporquc: . . 1·.i.i.j
•m~n~ao da teoria ricardiana que os marxistas, em sua pressa cm assuu• J. (Jr
tcona•n.tarxiana, geralmcnrc deixaram de considerar. M;ls da nos parece pro\: P
um seno dano ao pensamcmo de Ricardo. Sraffa acredita poder soJudonJ
POSl"ÃCIO A [OIÇA.O ' " G L t S ... 471

quesróes não resolvidas por Ricardo ao elaborar um "padrão de mercadorias"


que não inclui mai$ qualquer referência ao tempo de rrabafho, mas que: sarisfaz
às condições que derivam da função insrrumenral arribuída a e.ssa "medida".
Ora, Ricardo também estava preocupado em esrabelecer 11ma relação de caUJa e
efeito entre as variações na produtividade nos diferentes ramos da produção e as
variações nos preços. É esse aspecro de suas preocupações que atraíram a atenção
de lvfarx e a de rodos os comentadores marxisras depois dde; raJ aspecro desapa-
rece complecamenre na análise de Sratfa.
Como devemos interprerar o faro de que represenranres dessas duas con-
cepções antagonistas da economia polírica reivindiquem a herança ricardiana?
Poder-se-ia simplcsmcnre dizer que a disrinçio enrre uma concepção '"objeriva"'
e uma concepção "pr.írica." da reoria do \-alor ainda não ha\·ia sido feira por
Ricardo e que, tanro em Ricardo como em Smith, a concepção objeciwi foi so-
brecarregada com resíduos de uma problem:írica ancerior à quaJ ele infdizmenre
retornou no final de sua vida. Isso significa que o juízo de Ruhin de,·e ser quali-
ficado: as concepções normativa e objeriva do discurso econômico ainda escavam
misruradas cm Prindpio1, de modo que Marx e Srnlfa., a panir de suas respec-
rivas posiçóe.s, puderam desenvolver uma das virtualidades exiscenres de modo
conrraditório no pensamcnro de seu mestre. Mas e$S3 resposta, embora sedutora
em sua simplicidade, perde um elc:menro que é crucial para a compreensão da
teoria ricardiana e sua relação com a cearia marxiana. Na \"erdade, a busca por
uma medida invariável de valores, sendo distinta da tenrariva de determinar sua
causa, não é algo excrínseco à lógica de Pri11cipios. algo indcpendence da decer-
minação das variações de preço pelas modificações na producividade do trabalho.
Ao conrcirio, a busca dc:riva do modo como Ric.ardo concebe a rdaçiio de c:zusa-
lidade que liga o dispêndio de trabalho à fixação dos ,-aJores de troca. De acor~o
com ele, as relações de troca encre as mercadorias .s;ío estabelecidas cm propor:o
às respecch·as quancidadc.s d~ trabalho efltivammre gastas em sua produ~o,
com a condição desca únic:a corrcçio: a homogcni:iz.aç.fo de mibalhos de dife-
rentes níveis de destreza.. As \•arfaçóc:s na produrMdadc por diferentes cn;;as: a
principal delas sendo a inov:uf:ío técnica. afer:im difercnres r.i:mos da pro u~o
. nvoh-em modificações nos termos a
de modo irregular e, consequcncc~cnrc. cetc.3doria A requer 3 merade do tempo
troca. Se, no momcnco r2 • a produç.ao da m d .- d.'.l mcrcdoria
rc,1ucrido cm ti' ao p.1SSO que o tempo necessário ~ara a ~ro uÇJ; pefa merCJdi>-
B permanece o me.~mo. então a mercadoria A sera rroca a em
472 $T~ ... A 00 P~"'SAUE"ITO EC0"1Ôt,11CO

rü B numa. rdação que ea metade daquela e.xistente em t 1• Por maiores que sejam
JS prc:J.u~óes que devemos tomar ao formular esse principio - a fim de csc~tpar
da obitç.áo de que ele propõe uma esquematizaçáo excessiva d.os processos re.lis -,
permane..::e \'ilido que sua aceitação implica que a \·ariaç:w lk produtiviJaJc num
ramo de produção afeta diret.zmeme, com os demais faton.·s pcrm;.rncccndo iguais,
o valor da mercadoria produzida naquele ramo, e apenas de. As variações na pro-
dufr.id.ade provêm do tempo de trabalho d~tivamente ga.."'to na produção, isto é,
do trabalho concreto. Para Ricardo. são as d1m1çó,-s respeaitas do rempo de mzbalho
coro-"Te:o que governam as rdaçóc:::s de uoca de mercadorias. É n~rdade que Marx
a.firrr:.a que.. embora a economia política clássica jamais tenha feito explicitameme
a cb:inç.ão emre o trabalho concreto e o abstrato, ela o fez, no entanto, íncons-
c:e~terr:.:::nte, a par.:ir do momento em que atribuiu ao trabalho a propriedade de
ser a fo:-i;e d.e valor í~farx, 19-:-4, v. 1, p. 8-i-85,i. Essa ali.rmaç.á.o não invalida nossa
t::-,.e.. 'onsid:rando-sc que a terminolog:a usada se rorne mais precisa. É correto
d:u:r qce. para Ricardo, quando, por ext:mplo, 0 produto de um dia de trabalho
de um joalh:::iro é trocado pelo produto de um dia de trabalho de um grande
cm~móo, a equivalência entre e..ses produtos s.ó é uma função do tempo de
trdba!ho sob a condição de uma identidade de destreza dos trabalhos em questão.
.~ formas particulares que t:<:.ses trabalhos assumem não intervêm na determina·
~ relações de troca, mas é a igualdade das durações reais do rrabalho - ou
çáo
~ duraçóes do tempo de trabalho real - que é a base da relação de equivalt!ncia
dos pmducos. Es!.a versão do princípio da dccc:rminaçáo do valor pelo tempo de
tr,a~alho ga~to na produção das mercadorias confere a ele um cscacuco episccmo·
lo.gic.:o particular: na teoria, ele e<>tá aberro à verificação empírica. O que querernos
d11J.:r, alJlÜ, é que na pc . . dº rndo
d ' n.pccuva ncar 1ana, deve ser possível mostrar, por
e exemplo~. que uma m· d . A . ·J mo o
dobro do preço médio de erca on~ , cu!º preço médio é c..o;mbelcc1 o cora ser
produ7.ida. De modo si . uma mercadoria B, requer o dobro do tempo Pª·o no
tem) d milar, d<..'Vc ser poso;ívcl mostrar que uma modificaça
1o e tmhalhu neccw' · · é ex·
pre~m ano para a produçáo de uma dada mercadoria
e'>sa vc~~ .º~ª modificação proporcional cm seu valur de rroca. E. no cnt•u1tO·
dif1luldad:~a~1.' ~1uc náo é cxduí<la crn princípio, cncontm certo núnu:ro Jc
ljllandu 1. tct:111c;u .<111a11do se con~itlcra sua implcmcnt:IÇ•ÍO pr:ítica. De f;iti>•
ent:unos e~tnuar a'> vari:i -(i , d. !· n ·as rt:l
pro<lmivi<ladc d ç es e preço <1uc ~e seguem da.!> mu< ·1 \ . 1
cinpíric.•: ~ d'~~i trahallio, cn<.:ontramos uma série de ub.~t:kulns :i vcrífi~ç.t<,
1 cremes propnrçócl! nas <juai~ os c1pit;1i~ fixos e os <.::1pit;ais cir'll
POSFAC:IO A ED•ÇAO •lfG~E.SA 473

lantes são distribuídos de acordo com seus ramos de produção e as difer<nças


no tempo de rendimento dos capit;tis, combinadas com a igualdade das taxJS
de lucro que Ricardo aceita como um dado no funcionamenro do sisrema. E é
predsamenre aqui que surge a necessidade de um instrumc:nro capaz de isolar os
efdros das variações na produtividade do traballio das circunnândas que acom-
panham essas manifestações, que, para nosso autor, são secundárias.
Para Ricardo, consequenremenre. a teoria do \'alor com:sponde a duas
questões distimas, porém relacionadas. A primeira é dcrcrmindr as t'lll1s1zs dJS
proporções de valor entre as mercadorias e suas \"ariaçõcs. A segunda qucnão é
munir-se de um insrrumemo de medida que, dada cerra alreraçáo nos ri:::rmos de
uma relação de troca, permita-nos identificar qual mercadoria é "re-;pomofrcl .. por
ela e, no caso de que cada mercadoria considerada renha sofrido uma mudJnç.a
em suas condições de produção, determinar a quanridade de: \-aria~o na rc!:;,.;jo de
troca que de1:e ser atribuída a uma e a outra mi:::rcadoria. E.ss.u a':ui q:1emJes tJo
distintas. A segunda é um problema técnico induido nas condi"çó;S dJ. primeira.
É por isso que a impossibilidade de consrruir com succs~ um padr;io CJfJZ. di:::
cumprir de um modo satisfatório a função a de designada njo compromete a
teoria do valor-trabalho mais do que as dificuldades em criar um disposici\'O ex-
perimental compromete o valor de verdade de uma teoria ti"sk.a. Supondo·se quc-
essas dificuldades sejam solucionadas, estaríamos ob\•iamentc- em condições de
submeter a ccoria a um teste que poderia ranto rcfiná·fa quanto corrohor;i-la. Até
lá, porém, ela está aberta para que desenvolvamos as implica~·óo da tc:oria que
contém a proposição que é, cm princípio, tc..sroh'CI. A dhtin~-:io c:nrrc a questão
teórica e a pr-.ítica fica clara. no úhimo texto de R.;carJo. no <JUaJ sua discmívcl
rcclahoraçfü> da dcfinic;.ío de uma medida hl\'ari:ívd de: v-Jlor não implica de modo
algum o abandono da t1..-oria do valor-1mhall1o, vhto c1ue esrnbek-cc a ra11kl do
valor, Rkardo afirma ,111 e, "na 1..-ccmomia polícka, <111crcmos alb'<l mais; desejamos
sal>cr se é por algum novo instnuncnco ui.ado na manufo1ura de t1.."(ido c111c se tem
poder diminuído de comandar dinheiro, ou se de rcsulrn. dL· alguma nova dilicul·
Jade cm produzir dinheiro" (RicarJo, J975h. p. 37'i). Para Rkardo, a í'llttJll Jc.•
urna modifit:a~·oi.o na rclaç:ío de tmc.·3 deve, de foto, ser cn'"·unrrada n;is tram:for·
maçf>cs da proclurivid:ide do 1rah:1lho nos r:unos cm c111c.s1;io e nas conscc111cr110
n1odificaçclcs nn tempo de trabalho rc:c111cridn para a produção de mcro1Jorfas.
O <Jue n;io cncontr:unos é o cri1érin c1uc no.s pcrmim cliuinguir induhir:n-dmcnfL"
CJUa) rncrcaduria _ t'-"t:ido ou dinhdro - ll."\'C seu v:1lur mmlilic.aJo. um cricério
474

.. d'_ . . · l do cesre de wrificaçáo cmplrica da proposição teórica. As


qul' e 10 1~nn~u1vc , .
• . . - 0 •llf1mto /i11ttd11.•. Se a rarc.fo cccntca de c\aborar um padrão
du1L• qu<'.•'/Vb (~f1W, 1J ' ' .:> _ •
invuii\'d de ,~,t\Ml'S n.áo ~ id~nti.ca à formulaçao da le1 que governa as relações
de mxa. tal tardJ decorr~. no entanto, de um traço particular da forma dessa
lei; é por<tue l'SS:t \d pode ser, ao menos em princípio, submetida a um controle
empirico que a ô:igência de um insrrumento prático d.e medida que atenda a
.:ond.içócs precisa..., se torna significativo. lsso nos kva a suspdtar que a inabili-
dade de \farx cm apr~x:nder o que ~stá especificamente cm questão na busca
por um ?ad.r.io invariávd de valor deriva do fato de que, para ele, a lei do valor,
cm'::>ora ocasionalmente expre.5Sa em fórmulas compará.veis às ricardlanas, ~1ão tem
o e;liltuto dr zamJ proposição empírica verificávl·Í.

2. O significado sociológico da lei marxiana do valor-trabaiho


O próprio Mao: fornece a seus leitores urna indícaçáo de que ele conside-
ra\'a ~ua c:xplicaçáo do caráter dual do trabalho - isto é, a distinção encre trabalho
concreto e uab-alho absuaco - um dos aspectos mais originais de seu pensamento
'-\~ao., 1974, v. 1, p. 49; Marx e Engels, 195?, p. 232). O uaba\ho absuato, n:ío
0 trabalho concreto, constitui, a seu ver, a sub,çtáncia do valor. Se temos de fa\ar

d.e cau'.-a, é 0 tempo de trabalho socialmente necessário, a manifescaçáo quanüta-


uva do' tr.iba~ho abMrato, que desempenha esse papel com respeito às magnitudcs
~o~ va1orc~ das mercadorias. Aqui não nos ocuparem.os com a ingenuid:ide da
~nrcrpr<-'taç.âo "fo.iológicà' da noção de trabalho abstrato. Suas deficil-ncias e su:i
m..:om~atibilidadc com o sentido geral da teoria marxiana do valor foram adequa-
<lamt!ntc apontada.s R b. •
.7 . por u m em Ensaios (Rubi.n, 1972, cap. 14; Rubin et :11 ..
P e~.). Via.\ Rubm a no - - • • · is·
tcmoló i. . 1• ' sso ver, nao da atenção suficic:me às consequ~nc1as ep
g ~ \mp.icada.\ na recusa · · . · raçáO·
Se o tr.ibaiho ab.,crato n5.o . . cm aceitar essa car1carura de uma ~nt:~rpre , •e\.
cncào ~ua d : _ dc.<;igna qualquer realidade dada à. expc-rienc1:1 senS1'
por que 3 vc~~~lO na~ pode ser ob;cco de uma medida direta. Essa é a raz.:ío
,\o m:i.rx.1ana da e. ·. d . - d ordo
con1 a qua\ 0 trab 1h . rnna o valor-trabalho - a propos1çao e ac .
ç.io do mc\nl Íi· ª'. o abm:..uo é a substáncia do valor, ou, o que é a decerm1n:J.·
o cnomeno ,.0 b um· . · ,. s.lo
UQC.ld.1":.proporcion.a.lrncntc d a perspc-cnva quamitativa, as mercad~r.l3! Jfl
0
\Ua produç.\o _ nã.o {:cm .. p rempo de traba!ho soá.'1mcoce nc-ces..-.;U'JO P
Pa.r-.i nos p1r1camcntc tc.\távcl,
pcd . convencermo~ dis.~ . in.li l
r:\ angular da teoria m:arxia o, temos de rctorn.J.r Jqui\o que co~~~ Ôô
. nJ. do valor-crab:i!ho, a -saber, a prob!crnar1c.t
fetichismo. Aqui, novamente, os Em11ios de Rubjn, e panicularmentc o primdro
capitulo dessa. obra, lorn''C(:m uma chave fundamc.:ntal. Sua imcrprccaçáo vai,
sem dúvida, na contramão da interprt"tação filosófica acuaJmc:nte cm moda. Ta1
interpretação bu!;C3. cxduir a "teoria do fetichismo" do conteúdo autt"ntkamente
denrífico de O ettpitd!, argumentando que c..'SS.1 ceori2 se ocup.1 de um rema "pré·
-marxista", centrado na crítica humanista da aHenaçáo do individuo no mundo
das coisas.• Mas o interesse dos remas tratados sob a rubrica do fetichi~mo não

Sabemos que essa é a posiçoi.o adorada pdo filósofo ÍrJ.n,ês Louis Althus..,er ~ seus dii.ci-
pulos.. BaHbar d~sl.'n\'olvc.•u sistcma.cicamc."nce c.ssc ponto de vista em c;,,q irudts t/11 m11-
1irittlim1e his1oriq11t', de I 974. Ele atirm;\ que o texro que Marl( Jc.-dica ao foci.chismo da
mercadoria (Marx, I 974, v. l, p. 76 e s.) foi fo.-qucnremcnre tornado como o ponto de
parcida dõt daborJ.c;âo de uma ..teoria do fcrichi:-mo"', cntendiJa ~orno um dcmenro de
uma rc.-oria ,,fa_., iJ\.-ologias m.otis geral, e are! mc.-.smo de um.t reori.:t. Jo 'onhedmenro. Após
uma ;1.n:.\lise do rcuo cm qucMão, de conclui que ~\..t." difcn:mo cc:macivas baseadas na
an;Hise do fetichismo produzirõAm apenas "filo)Qfot..;. Go cc.,nhc..-cimenro ou amropok1gias
idca!i.sras· (Balibar, 1974. p. 2\S). entre as. quais ele inclui os escritos de lukics e:m
Hütúri11 r eo11Jdê,,cit1 d~ r/1/fft' (\ 971) e, mmbém, .1lgum;U análises de Ro!>a Luxemburg.o
cm lmrod11rtin iJ «0110111id polítfrw. De acordo i:om de. cs!>a..;, incerprcmçõc~ n;lo são
simple.;. erro.<;; ela... de)cnvvlwm algo latente no1 própria prob:emátiCl. de Marx, porém
\art·nce o;om\!'n11: porque "c.-s..;..'\ problemoirk.t é, em últim.l .in;\li~e. 01pcn.i.' uma variante
C:ipccífic;1 de uma prob\cmãckaji/01ôjic·t1 prc..":..marxi)t,it' (&:ibar, 1974'. p. 220). ~;\o
podemoi.., aqui, \!'ntt.ir no debate sobn: as condições ?.lra .l consrru.;iio de uma teoria
mouer\ali~ta d:t,,. ldc..-ologia~. Sobre is.'iO. c;-.1.bc apcn.'\s um.l ob)c,'fYJ\âi>: n;io se pode negar
que o conceito de '"fotichismo da mcrc;.\dori.1". junt:lme!ltc com a.s dabora'fÕCi; qut:!'acom-
panham c."!r.!r.:l tCOri3, ;\.'i.\im CQIUO ~US rrc."!r...;UpO.~tC.l!r. g_nosiolc.igicos ,\ CC!l.pdtO da "ilus.i.O da
com}kriçáo" (Marx, l 974, v. 3~ p. 852. e :i.), !oen.·i:im. na vii...io de: M.1.tx, pa,..1. explicar ois
mi:.tificaçóc..-.,; (ou ~ c:feito.o; d:i m;{ cc.m1pr\'Cn.s;"10) cm que .i a.-onomia polirica burguc.'S:l
gc:ralruentc se move. Or.i, eo;~a:.. prcMupo:oiçôi..., ~no.\io\(\gic.u, en1 panic:ular .1 opoi.i.;lo
aparência-c..sêricia da socie<fadc ca"irafora, d'-·tcrmino1rn .i (')Colha que MaD. faz no ord.c-
namc:m:o dci....1 exposição da... carc.-g,,na.' cm O ct1pi1,,/, i"'~º é, <k·tc.•rminam o pl.1.no de.;.\:&
obra. R.27..âo pc:fa qua! m\o ,: i:orrc:to rc:futoi-:.b rur.1 e.• simplc."'lonu:nte t:omo n;io m.lf('ri.llis-
tas )Cm k pergunrar pe!.1~ con~cqu\·nd.l"' qui.· t;1l n:fut.1ç~10 poJ" ter p:lr3. ª"' jusrilica\"ÕCS
d:i ordem demon ..tr.triva de O (tJ/'iftll
M:u h;i m.lis a .sc:-r d iro qu;1ntc> a i~ CQmO mo~u·.in1~ ao nos fi'Íe-rirmoloo l .Jn;iliM." de"
Ruhin \Obre l'\\t' ª'~unto, .apc.·n.i' a ten1.íric.1 do f~tichíi.mo pcrmifL' opcra-r .1. i.ubveNo d('
:.ignilicado a que .\fan: i..ubinete .i lei do ,~.ifor. Sc-m c:.~;1 ~uln·c~10, concdto" t'iio impor-
tami.::' ..:orno tr.1h.1Jho '<!eia!.. tt.1h.l'ho ~C"ra? ou tr.Jba.lho roc-ia:mcntC" nc."«'.4.;.Ú'io ~o v.v.iO!i
de 'l.CntiJ(l. De.-..~ pumo Jc \'l\t,1, parc.·..:c.."-nôlo dc....onc."\to& 3 refc."~n.;ia de Bollibat ;io (".;1.pirulo
"' d.J /111r11dlf(•i11 il e••1,1onti41 P'Jlitioz, de Rrua. Luxemburgo. cm que cfa im.i.gin.J. uma
\O\:i\.'\!.1Je fic.:tic.:i.1 onde() tr.l~.1.!ho ..~ p!.anej.1dl) e org.tni1..ido ªE'C""ª"' p.i.r.i ,.çr ~ub)tiruido,
ªf't'" o dC''·•l'ªr"-c.:"ncnro .abf\1pto d:i .1dminbu·.1.;:io cc-ntr.J.?iud..a d;i ptodu.;:to, pcl:i rroc;:1
<'t.NSAMCNTO ECONÔMICO
476

·
s.: ':'<-".iicnns<" . . ~-,rn··im<ntO do (discutívei) primeiro esboço G.e uma exp!anação
J.\. ..... 1: ...
m.ir.:ri.i.:~:o.ta da..~ formJ.-" da ideo:ogia burguesa. ~a verdade, a comparação entre
J. . .'JÇ:lo de mc:rcaCorias e formas de produção não !::>ascadas na mercadoria
·)r. "...-'
(~1..··;~;nsün Crusoé em sua il'.ia, as rdações ?essoais de uma sociedade feudal, uma
s. . . . (i<.·(..1(.e rural ?ªtriareal e uma "associação de homens !ivres que trab~ham com
m~i0s de ?roC.ução coletivos", na qual podemos recon~-i<:"cer, em linhas gerais, a
Ct.'OriJ. socialista do futuro) é desenvo~vida por meio da aná!ise do "fetichismo"
(Y.m. 1974, v. l, p. 76 e s. '.ed. bras.: Marx, 2013, p. 153:), e a?enas da pode
exercer a função social gera! que Marx atribui à lei d.o valor. Mesmo que Marx
n.io tivesse feito essa comparação explicitamente, seus leirores teriam de reconhe-
cer sua ?resença tácita desde o início de sua interrogação e reinterpretação da lei
C.o valor. O objerivo dessa comparação é, de faro, indicar que a forma-valor dos
prOCutos do crabafüo desempenha, de um modo historicamenr<: sem preceden-
tes, uma função necessária em toda sociedade humana. Os modos de realização
podem mudar, mas a função propriamente dica é invariável. Tal função consisce
na distTibuiçiio proporcional, en/Te os diferentes ramos de produção, tÍll totalidade das
forças de trabalho disponíveis, de tal modo que se roma possível a reprodução de
todas as conC.içóes da produção. A famosa cana de Marx a Kugd man, de l l de
ju~ho G.c l868, enfatiza claramente aquilo que é, de faro, o ponto de parrida de seu
~tuC.o da relação de troca.

Qualquer criança .-.abe que uma nação que deixasse de trabalhar, não digo por
um ano, mas mc!imo por algumas semanas, pereceria. Qualquer criança sabe.
também, que :l!. ma.\sa.s dos produtos correspondentes às diferences necessidades
rcqu('rcm ma.\\a.'> diforcntc.s e quantitativamente determinada.e; do crabalho tocai d:i
\OC.icódc. Q_uc C\\a, flt'<eJsid11dt• da dütribuiçâo do trabalho social en1 propcr~óCS
dctínid;i_\ nio pode .. . d .- 0 50cial.
~r e11m 1nad:i por uma farnlll p11r1im!t1r da pro uya
m~ apcn;t\ mudar ~cu rm,d11de11p11riçiio, é. algo evidente por si mesmo. E a formª
pc1a qual cs~a dimibuiç:10 proporcion.:il do traba{ho St" afirm;t nurna sociedade
onde a intercon~xão Co [taOa..'ho social se manifcsca na "º'"" prif, u/d de proéuco."
1

individuais de traba!~o é precisameme o 1111/or dt troca desses proCucos. (.\.farx e


Engels, 195?, p. 251-252)

Em sociedades de não mercadorias, essas condições quantitativas da re-


produção da totalidade social são normalmente garanrida.< pela designação com-
pulsória de determinado trabalho concreto a cada pessoa. O peso do costume
ou da in[erv~nçáo au[orfrária dos poderes insritucionalfaados de[ermina, aqui,
a alocação dos producores encre ramos disdnguidos por uma situação histórica
definida da divisão social do trabalho. Numa sociedade socialista possível, caberia
a um corpo de administração central efetuar essa indispensável disrribuição de
um modo racional. Porém, uma das caraccerísricas sociais específicas mais im-
portantes das relações de produção de mercadorias - da.< quais as relações de
produção capicaJiscas são a forma mais desf"nvolvida - é a ausência de qualquer
inscáncia que assegure a renovação proporcional da divisão social do crabalho. O
caráter privado da produção significa a independC:ncfa rc:ciproca dos agentes eco-
nômicos. Como pode a unidade de produção surgir da conjunção de várfa.,. inida-
tiV"ds descoordenadas dos agentes econômicos? Para ent('nder como isso é possfvel,
Marx nos convida a considerar a única relação que esses agences estabelecem encre
si: a troca de mercadorias. Isso, (:claro, não diz n:spcico a um aro isolado de croca.
mas à relação de troca na medida em que esta se coroou a forma social do processo
de produção; isco é, diz ~speito à coralidade da produção realizada para a criação
de valores de troca, e não para a criação de bens para consumidores cujas necessi-
dades quaHcacivas e quancitacivas foram especifi,adas de ancemão. Os Fenômenos
complexos que ocorrem na relação de croca. por exemplo, a abstração e a igualiza·
ção dos diferentes trabalhos concrecos, são os meios graças aos quais a unidade da
produção social (uma condição da reprodução) é realizada sem o conhecimento
dos producorcs. Por mC'io da confrontação das mercadorias no aro da croca..
poctanco, dá·sc um processo que, de acordo com uma. modalidade particular, é
comum a todas as sociL·dadc:"s, a saber: o processo de distribuição do craOOlho social
entre os diferences ramos que formJ.m a cocalid:ide da produção. Quesci~n~da
sobre umJ. pi:rspc.'Ctiva que j\.farx enfacizou muitas vr'llS como uma c..""ar-.Jcterr.!>CIC:l
cruciaJ de .!>U;l abon:l."lgi:m (cf. Marx, J9,36, p. 28-31: 1974, v. 1. P· 84. º". 1). ª
lei do valor-craba.lho adquire um significado .!>ociol6gi<:o que da n.ío possuia nas

·.,,/'
478 HISTORIA 00 PENSAMENTO ECONÕMICO

outras doutrinas econômicas em que foi tratada. Ela é um meio particular para
a rea\ii.ação de uma função social universal, promovendo a coesão social numa
sociedade que não é unificada por nenhuma instância jurídico-po!ítica. E isso
não significa di 7.er que tal instância não exista, mas que seu modo cspccífico de
intervenção consiste em não intervir, ou em suspender toda rt·gulaçáo que possa
apresentar um obstáculo à produção ou ao comércio dos ag\:."'.ntt·s-produtorcs.
Assim, Marx lança mão da teoria do valor·trabalho ap..:nas porque vê nela
a possibilidade de indicar a presença, por trás da estrutura das proporções da
troca de mercadorias, de uma segunda estrutura sobre a qua! a primeira está
assentada, a saber: a distribuição, entre os vários ramos da produção, da força
de trabalho socialmente disponível. Em seu próprio vocabulário, a troca de mer·
cadorias converte o trabalho privado em trabalho social. Mas essa interpretação
da lei do valor·traba\ho constitui rea~mente uma subversão total do significado e
do objetivo da lei cm comparação com seu tratamento nas doutrinas burguesas,
incluindo a teoria ricardiana. E ela imiica que, em.re o trabalho e o valor, existtlm
relações estruturais muito mais complexas do que relações mecânicas unilaterais que
temos em mente, mais ou menos conscienÚmente, quando falamos de uma relação
de caiisa e efeito. Pois as relações de troca de mercadorias não são simplesrocntc
0 resultado da distribuição proporcional do tempo de trabalho social global;

elas são, também, um dos momentos essenciais da realização dessa distribuição.


Ao oferecer sua mercadoria para a venda, o produtor antecipa, no preço que
ele anuncia - isto é, na cqualiz.ação de sua mercadoria com o equivalente: geral
(dinheiro) -, a conversão de seu tempo de trabalho efetivo numa quantidade
determinada de trabalho abstrato (tempo de trabalho socialmente necessário).
O fracasso em vender pe1o preço que de estipulou* provará seu erro e, eomo
resultado, o levará ou d"fi
a mo 1 car suas técnicas de produção, ou a rnu
dar a
nacurcz.a de sua produção, isto é, a passar para outro ramo de produção. ~ ex--
tremamentc difícil con · . l adas
( d' . cen:uar essa mcerconexão de duas estruturas entre aç
a iscnbui.ção de cem d do~
po e trabalho social e as equações da troca de mera

-• tornamos o cxc:rnplo rnai,. sirn 1 . . 1qi.ie (


mniordo que o preço irnpo,.to p•\t'S, ~saber, o exemplo d~ um cálculo ind1v1d~ri;1.qdl:
lcv:L'lo.'icrno~ cm conta a mobi\id~= lei do mercado. A an;ílisc do ca."'o opo~to c_" 1 ~s de 1,111"'

.·· ...
,. ,
ramo a outro. gcr.1.l do trabalho ou os movimentos de co1.ptr.i

'•,.
POSFACIO A ED•ÇAO lf!IC~E:SA 47

rias). Marx apenas a designa como uma dilicu!dade em Co11tribuiçáo iJ (rltka da


economia política e especifica [a; dHicu:dade nos scguimcs [ermos: "Xo processo
de troca, a mercadoria, como valor de troca, tem de se cornar um equiva!en[e
universal, tempo de traba!ho geral marerializado, l...; por outro lado, 0 rem?O
de trabalho dos indivíduos se roma rempo de crabalho universal macerializado
apenas como resultado do processo de troca" (Marx, l 970a, p. 45). Ele rema
rcso!ver essa dHicu!dade apelando à oposição fi!os61ica enrre as duas cacegorias de
ntun!idnde e virtun!idnde {Marx, l 970a, p. 44). O processo de troca é conside-
rado como a acualizaçáo do trabalho social abstrato que existe apenas potencial~
mente, ou !arentemenre, nas mercadorias anres de sua venda. Não discutfremos
aqui a eficácia operariva dessas caregorias. Para nossos propósitos, é suficiente
mostrar que a interpretação sociológica da lei do valor afeta a forma precisa do
víncu?o causal anteriormente estabelecido por Ricardo entre trabalho (tempo
de trabalho) e valor (magnitude de valor). Disso se seguem duas importances
consequências. Primeiramente, a cqualização de diferences trabalhos concretos
é eferuada por meio da equalizaçáo dos produtos desses trabalhos, e a conversão
do rraba!ho concreco em crabaJho abscraco não tt'm, portanto, ourro conteúdo
empírico do que o da troca de mercadorias por seu tquivalence geral. É por isso
que a conversão não pode ser o objeto de uma avali3ção quantitativa distinta
daquela que é csponcaneamence estabelecida no processo dt' croca de mercado-
rias. Em segundo lugar. roda alcerac;ão na produrividade de um ramo de produção
só é exprt'ssa por uma mudança no valor de uma mercadoria produzida nesse
ramo quando provoca uma modificação na distribuiç.io da roralidade de força
de trabalho numa dada sociedade. Nesse caso. porc.~m. da age sobn" rodo o leque
de valores, e não apena.~ sobre o valor dC"m mercadoria singular. A incC'rprcraçáo
sociológico-funcionafisca da lei do valor dimina roda 2 pc.•rrinência de quc~cõcs
sobre a relação entre dois demcnros isolados que pcrcc.·n,c.•m rC"Spc.·crivamcnre ,\
cscrurura dos preços médios(= valores), por um lado, e oi esrrucura da produção,
por oucro. Essas duas consequl-ncias se" combinam (cada uma scri.1. sulicic.·nrc por
si mesma) para privar de sc:-nrido qualquer rc.·ncadva de rt'srnr cmpirkamcnce a
teoria marxiana do valor-trabalho.
A que devt"mos arribuir o faco de Rubin n~igcnciar toralmcnce a diferença
de csracuto epistemológico encre as versões rk;trdiana e marxfana da dertrmin.Jç.i.O
do valor pelo ccmpo de trabalho? Antes de mais nada, há uma ra1.ão mecodo16gica
.. ,•.T/:;OllA ºº .. c .. :;,. ... c .. TO EC.O .. OM•CO

~iJ.r.i i!"--.o. A o:ios:ção c;uc e!c es[a':>elecc enue uma determinação "prática" e uma
6c:tcrm:.naçáo "[eórica" C.os fins da economia poh'.tica - uma oposição que [Cm
~m ~mcre'!.sc: in~iscudvc! como ddimitaçáo preliminar de objetivos - não é sufi-
ciente para cc;gotar as várias !mp!icaçóes dos diferentes entendimentos da teoria
Go va!or. ~uma palavra. as concepções epistemo?ógicas de Rubin nos parecem ser
cara\:teri1.ac!a"' ?OC um excessivo esquematismo, no qual ele obviamente imagina
que o conceito de "t"'-oria" possuiu um significado inequívoco. Ele atribui a toda
aborci.agcm que vise à descoberta das causalidades que regem a realidade o quali-
h..:.atívo de ..teoria" ou "ciência" - ambos os termos, para ele, são sinônimos. Ele
jamais duvida que a própria noção de causalidade possa ser problemática e ter
difcrc.·nte'!. aceitações de acordo com a nature-1.a dos objetos entre os quais a exis-
tência de uma relação causal é investigada. Ele não suspeita, portanto, que a c:au-
salid.adl! pos."'3. não ser a mesma coisa numa teoria que faz do tempo de trabalho
concreto a causa da magnitude do valor (a teoria ricardiana) e numa outra te0ria
que trata o trabalho concreto como a substânda do valor (a teoria de Marx). Mas
C!I~'\ ra1.áo metodológica não é a única coisa que explica a negligência de Rubin.
Sua cegueira para a incompatibilidade irredutível entre as teorias marxiana e ri·
cardiana também deriva da indiscutível ambiguidade, tanto dos cextos quanto,
provavc\mcncc, também, do pensamento de Marx. Pois não se pode negar que
0 ti..>xto de O (llpi111/ n;\o é inteiramente livre de elementos lieados à versão ricar·

diana, iuo é, ao conceito de uma relação causal direta encre: cempo de crabalho
rfet~vtJmentt de..pcndido na produção de uma mercadoria e o valor dessa mera.·
don.;\, F.n~ntramos uma claro. indicação disso, por exemplo, nas linhas que Marx
dc.-d.Lca " alguma\ proposições que :i;e seguem da redução do valor de uoca :10
tempo de uaba\ho.. {M 1970
'-.feito da <."V 1 ~· . ' arx., . . ª· P· 37). Sob essa rubrica, Marx tem em vista 0
.1 . 0
uç.\o da pmduuvidadc do trabalho no valor de croc:a. Marx diz essen·
eia mente que, i.c o valor de ti' d . -•o
pelo d oca e uma mercadoria é efetivamente deteraunau
tempo e tr.1balho necc"irio . r r'!'li:
pr.)duüv , • para prodm·.1-lo, cmáo a estagnação das ior.,-
ª' 1.:, por Cl\ni.cg,uintc do pc.· • d0 d od · d<
uma mer.,·.ac.\oria t. d ' no e tempo neces..o;;\rio para a pr uçao
n.l rrnJutiviJad \:: e 1'.'!.ultolr na e'tabilidad(' dl!~'i!.!' valor de uoc3. Urn aumento
( e.: tr,1hotlho no nm b . . da no
VJ.\or c.\.\:1. unic.hJ. d. ' 0 so con:;adc.•r.içlo provoc:.u.1 que •
rrov,1i.:.tr,i, ao ~ll::r' t. R\t•ri.;;\dc.iri.i., J.O p;l~\() que Unl J('dinio nJ pí\.""lfundiJ.tJ~
.i.r~\\nl\'n1.1.,_.\" J. ·lr~'· ·Ul~lc.'nto nc)l,M.: valor. Enl.'.c.\ntr.i.mo.~ .i mcsm.1 forn1.i de:"
. .: "'º o ma1)o :<i.U-.:i.nto, l'nt O r11ri111/ (M.mc.. 1974.. v. 1. P· 2(.,_.~7).
P08'1ACIO A .EDIÇÃO IHGi.cs... 481

Sua validade depende do significado da noção de tempo de tra6"1ho soda/menu


nemsdrio, à qual retornaremos mais adiante. Mas a dificuldade do raciocínio já
pode ser indicada em termos simples. Um aumento ou queda na produtividade
do trabalho afCt"a direwnente a duração efeti1111 do trabalho concreto no interior
de um ramo de produção, e apenas no interior desse ramo. Se, portanto, é verdade
que "se a produção do trabalho crescer" (num determinado ramo de produção),
então "o mesmo valor de uso será produzido em menos tempo" (Mane, 1970.,
p. 37)- e vice-versa-, esse faro não nos diz absoiucamcnte nada sobre a evoJução
proporcional da quantidade total de trabalho concreto auibuída a esse ramo de
produção em relação à distribuição da totalidade do trabalho social. Este último
ponto de vista, no encanto, é o único pertinente no âmbito d.e uma intcrpreração
sociológica do fenômeno do valor. A afirmação de que "a quanridade de tempo
de trabalho comida numa mercadoria [...] é, consequentemente, uma quantidade
variável, crescendo ou caindo na proporção inversa ao aumento ou queda da pro--
dutividade do trabalho" (Mane, 1970a, p. 37) resulta de uma identificação im-
pr6pria do tempo de trabalho abstrato (socialmente necessário) que decermina o
valor, por um lado, e o trabalho concreto, o único trabalho imeái11111mmte afetado
por uma mudança na produtividade do trabalho, por outro.
Todavia, we exemplo característico da influência persistente da problcmá·
rica ricardiana no pensamento de Marx, mesmo nas obras cm que ele alcança a
maior lucidez sobre as implicações de seu pr6prio ponro de visra, não é o único
nem o mais significativo. Muito mais interes.sance para n6s ~ o ressurgimento
dos temas ricardianos nos textos em que Marx trata da relação entre o valor de
mercado e o preço de mercado (Mane, 1974, v. 3, p. 173 e s.; 1936, v. 2, cap. 10
A-5). Esse ressurgimento é óbvio quando Marx se refere ao conceito de "'valor in-
dividual". que assume uma correlação direta cncre o rcmpo de crabalho t'llnrreto e
o valor. Aqui parece, de faro, que a r«arrência das concepções de Ricardo é mais
do que um resíduo do qual 0 pensamento de Marx poderia ser ~ncilhado
sem muito esforço. Na verdade, cais concepções emergem - como pseucJ.osso..
luçõcs - precisamente onde o pensamento de Mane tropeça em seus próprios
Urnices internos. E a teimosia com que Rubin swrenta a conrinuidade fundamen·
tal entre Ricardo e Marx, a despeito de sua apreensão excepcional da problcrnádc:a
rnarxia.na, rorna-se plenamente sincomácica sob esse prisma. Apenas pagando esse
Preço ele pode, calvez inconsciencemence, esperar superar as dificuldades incrínsc-
cas da abordagem "sociológica".
HtSTOtUA DO PENSÃMENTO ECON0MICO
482

3. As dificuldades internas da concepção de Marx


,. · nao
Este pos1ac10 • pode fornecer a estrutura para uma an:ílisc exaustiva de
cud;\S as dimcnsôcs de um problema <1uc foi inadcqmufamcntc identificado pelos
..:rlticos de M:trx.• Devemos, pommm apenas evocar, cm linhils gerais, os pontos
1

cegos c;mu:tcrísdcos da abordagem nmrxhm;1 dos processos de rcprmlu1:.·fm social.


Deixaremos para depois, ou para outros críticos, a discussão dc1;.1lhado1 daquch1s
tcmativas de resolver os problemas aprcscnto1dos, seja pelo pri1prio Marx. seja
por seus comentadores. As diflculdades intrínsecas à 01hordagcm marxiana estão
concentradas na definição do conceito que deveria explicar as rdaçôcs múmas
de troca das mercadorias e suas variações. Referimo-nos ao conceito de tempo de
tmbalho socialmente necessdrio. Já mencionamos que a interpretação funcionalisra-
-sociol6gica da teoria do valor-trabalho via a estrutura da relação de troca de mer-
cadorias tanto como o efeito quanto o meio de realização de uma estrutura oculta,
a saber: a divisão social do trabalho, ou, para ser mais preciso, a distribuição da co-
talidade de trabalho social entre os diferentes ramos de produção. Na arquitetura
da terminologia de Marx, o conceito de tempo de trabalho socialmente necessário
é usado para assegurar o vínculo entre essas duas estruturas. Suas ambiguidades
são proporcionais à importância de seu papel. Se elas escaparam à maioria dos co-
mentadores, é porque estes se limitaram normalmente às fórmulas simplificadoras
e~!~c:adas no início de O c11pila/. Lá, o "tempo de trabalho socialmente necessá-
rio e ~quele requerido para produzir um valor de uso qualquer sob as condições
".ormais para uma dada sociedade e com o grau social médio de destreza e inten-
Sldade do trabalho" (M
. arx, 1974,v. l,p.47 [ed. bras.: Marx,2013, p. 117]). Mas
precisamos apenas nos d .
t" . cmorar um pouco mais nessa definição - e nos comcn-
anos que a acompanham
co · ' - para per\:c:bcrmos que ela não autori1.a Marx a usar 0
nceno em questão do d . I
{ou da e .6 . . . mo 0 como ele o faz. O primeiro capímlo de O capita
onm u1rao a tritica dtt economia política) dota o conceito de "tenlpo de

~
lcitorcsconttmporãncos ral
definições do conceito d ~ mente não arentam para as dificuldades geradas pelas duas
. . e tempo de trabalho socialmente necessário" de que ua1arnos
• bºd•
rrJ4k· entanto, destacam-se por terem pero: ~
Stru~:!,º~ M.arx~ Capi1al (l 9GB, v. l. do concci~o: por exemplo, Rosdolsk~, /,rtJ
de 1 ~ &pirallugnffi bei /(ar{ M. cap. 3) e, cspcc1almcntc, Rcichclt, Zur fogue. .
cmpo dc1r:i.halho SOcialrn .arx 0974, v. 3, A-4: "Digressão sobre o concc1to
cn1cnCCcssário").
POSF AC 1 O A E OI Ç AO 1 N OL ESA 48~

trabalho socialmcnre necessário" de um conteúdo exdusivamcme tecnológico.


Ele é "o tempo de trabalho requerido, sob as condições de produção geralmenie
prevalecentes, para produzir outra unidade da meJma mercadoria" (Marx, l 970a,
p. 31; grifo 110.!lso), isto é, uma norma técnica c1uc a uunpctiç:ío ímp6c: a cada
rnmo de produçil<>. Ora, a "normalidade" elas condições lécnka.!1 de produç.ío
fozcm sentido apenas para cada ramo mmado scpamdarncmc, cm cada qual as
técnicas são homogêneas. Essa definição, porcomco, n;io nos dá <JUah111er direito
de invocar o conccico que ela explica a fim de considerar a.s proporçôcs nas quais
as mercadorias de diferentes naturezas são rrocadas. No entanto, Marx a urili1.a
para esse propósito sem qualquer jusrificariva. 0 valor de uma mercadoria está
11

para o valor de q ualquc:r outra mercadoria assim como o tempo de trabalho nc~
cessário para a produção de uma esrá para o tempo de trabalho necessário para
a produção da outra" (Marx, 1974, v. 1, p. 47 [ed. bras.: Marx, 2013, p. 117]).
Leremos e releremos essas páginas em vão se quisermos entender como Marx
atribui tal poder operarivo ao conceiro de "rernpo de rr.1halho socialmcnre neces-
sário". As razões por que ele dá a esse conceito tamanha importância devem ser
buscadas em ourro lugar. Por "outro lugar", emendemos uma outra definição do
mesmo conceito. E isso só é formulado expliciramente no volume 3 de O c11pit11l

Mas se o valor de uso de: mercadorias particulares depende de elns souisfozerem


uma necessidade parrkular, enráo o valor de uso Ja n14US3 do proJu10 soc;io1I
depende de ela s:uisfa;o.cr a m."C;cssidade social <1m111rit;itiv-Jmcnrc dcfini<fa parJ
cada cipo particular de produto Jc uma maneira adL"<Jllada, e de o rrJballm sc:"r,
porrnnto, Jisrribuítlu proporcionalmente enm: as Jifcrcnres e.sícr:L~ p;u-;1 a s;uis-
façáo dessas OL'CCSSidaJt.'S Sociais, que são quantimtiVilllleJUC drcunscrirns. (... J
A nt."C;cssidadc social, iuo é, o valor de uso nurn;1 CSL'itJa wcial, :tparcce, ac111i, umm
fator dc1erminanrc para a quamidadc de 1cmpo de trabalho social rural c111c é
g:lSla cm várins esfcr.is cspcc:ífiCJ.s da prmluç:io. r... J Esse /i111iu qua111it111ivn d'º'''
de tempo de 1n1balho social áisponiwl pt1rr1 as várias oftnu f"'Tlimlam dt1 prod11pio
não i mais do que mntt apmsáo mais áesmvo/viJa Ja ki áo valor em geral em6on1
o tempo r.k tmba/ho neassdrio ass11ma, aq11i, um signifiatlo áiftm1t,. ApC'll:tS uma
<)Uamidade lhnirada desse rempo é rc(JUcriJa parn ôl s.·uisfaçlo da!. nL-cc.uid;uf,"S
sociais. A Jimhaçáo que aqui oc:orrcé resuhado do valor de uso. (M:irx, 1,74, v. 3,
p. 635-636; grifos nossos)
484 H 1 5TOl'llA
ºº PENSAM!i:NTO e:coNOMICO

Essa passagem faz uma referência explícita à distribuição de trabalho social


encre ramos particulares de produção, uma disrribuição que tem de ser proporcio-.
nal à esrrurura das neassidades sociais para que a reprodução ocorra sem difiatl-
dades. A partir do momento em que adoramos o ponto de vista de olhar para 0
processo geral da produção, a totalidade do tempo de trabalho gasto num ramo de
produção é reconhecida como ..socialmente necessária" apena." se ele "corresponde"
à necessidade social existente para as mercadorias daquele ramo. Evidentemenre,
Marx também diz que o "tempo de trabalho necessário" tem, aqui, um significado
diference. Mas é preciso esclarecer essa questão. Estamos falando de uma segunda
propriedade do conceito inicial, uma propriedade que pode ser inferida da definiçío
puramente tecnológica encontrada no início de O capital? É bastante claro que a
resposta é negativa. Além disse» e este é o ponto principal, a inteligibilidade do
início de O capital é condicionada pela segunda definição do "tempo de trabalho
socialmente necessário". Esta é, na verdade, a única definição capaz de conferir a
esse conceito o papel que Mane. lhe atribui desde o começo de SUl1 obra, a saber: o de
indicar o processo social que, desconhecido das panes que realizam a troca, opera
pelas relações de valor entre as mercadorias.
Vale notar que o capítulo de Ensaios de Rubin que trata do tempo de trabalho
socialmente necessário não se pronuncia sobre essa segunda deflnição (Rubin,
1972, c.ap. 16). Rubin se detém na exposição tecnológica da noção, isto é, ele vê
nela, acima de rudo, um meio de explicar a identidade do preço de cada mercadoria
de determinada variedade, apesar da diversidade das condições técnicas sob as quais
elas podem ter sido produzidas. O silêncio que ele observa com respeito às impli·
ações ma;, amplas da noção em questão pode parecer paradoxal da parre de um
a~tor que: cm outros lugares, demonstra plena consciência do significado socioló-
gic.o da lei do valor, Mas a polêmica que ele de.~envolve nesse e no capítulo seguintt

contra os partidários da concepção que ele chama de "economicista" lança lUJ. sobre
os profundos motivos d · . bef11
d. e sua pos1çao. De fato, ele compreendeu perfeicamence
que cocar qualquer espa fc ~ • • • d 6 içáO
do conceito seria arn ço para rc erenc1as que não sejam tecnologu:<tS na e n ns#
forma;ots _ eaçar 0 papei exclusivo da produtividade do trabalho e dm 174
qur ek sofre na de. . ~ · pi/OI
(cf. R b· urmmaçao tÍIJs valores das mercadorias e seus movim
• U ID, 1972, p. 195-206) S J6 ·ça do
uabalti .1 · · omente uma definição puramente tecno gi
0 SOC1a mente necessári. . oduco
como uma vari. e! . 0 pcmuce tomar a unidade de valor de um pr
av independente da d .L d rnofl.S#
ttaç.ão nos cap'tul emanua, e essa é a parte vital de sua e
J os16cl7deEn.saios.
POSIFAC!O À ISDIÇÃO '"'OLC~A 465

É isso que está crucialmence em questão no problema que discutimos aqui,


e um dos maiores méritos da obra de Rubin é o de rer trazido isso à Juz, mc:..~mo
que as soluções que ele propõe permaneçam in$atisfarórias. Vimos que levar em
conca a segunda definição do conceito de tempo de trabalho socialmente necessá-
rio é indispensável caso se queira assegurar a correlação entre esse conceito e 0 sia-
nificado funcional (ou sociológico) da lei do valor. Ao mesmo tempo, no enranr:.
essa definição nos força a uma confromação com os aspeccos mais contenciosos
da Iógica interna de O capital, mais precisamente o do lugar exato 0C11pndo pela
refab1d11 its neceJ"sidddes. A lei do valor é a Jei imanente de regulação de uma
sociedade de produtores privados, uma vez que ela estipula que, por meio de
ajustes recíprocos dos valores de croca das mercadorias, impõe-se por si mesma,
espontaneamente, uma divisão social do trabalho adequada à estrutura das neces-
sidades sociais. Em conformidade com essa lei geral, o rempo de trabalho gasro na
produção de rodo o espectro de mercadorias de decermínada variedade é reconhe-
cido como socialmente necessário unicnme!Jte .sob a co11diçíio de que o volume 101al
dessas mercadorias "co"esponda" it necessidade social (e aqui escá o nó da qucsrão)
da exútb1da dessas mesmas mercadorias. Disso se segue que não se podem definir
os conceitos fundamentais da teoria marxiana do valor sem uma referência preli-
minar a dada estrutura das necessidades sociais ou da demanda por mercadorias.
Ora, essa hipótese implícita pode ser considerada comprometedora da teoria
marxisca sob dois pomos de vista. Se a abordamos sob o ângulo de seus pressu-
postos filosóficos, a problemádca do discurso econômico parece ser suspensa numa
antropologia anistórica. Se, em vez disso, focamos nossa atenção na coerência
interna da teoria, as determinações causais que ela propõe parecem consciruir um
círculo e, como resultado, a teoria pode ser acusada de incoerência formal.
Vejamos, primeiramence, a abordagem .filosófica da reoria marxista. O faro
de que uma teoria econômica rraca do conteúdo e da organização das necessida~
des ames mesmo de iniciar 0 escudo das formas de produção Foi frequenrememe
considerado sinal de um fundamental anrropologismo na rafa dessa teoria.•
Essa antropologia é suspeita de oculcar, desde o início, o carárer hisrórico dos
fenômenos econômicos, uma vez que as necessidades mencionadas no começo

Sobre c~s.i qu~c;\o, as obras de Louis Nchus.o;er apenas aruafilà'.lf'Jm uma tese dís.sici. da
cxcge~ marxista: cf. Alchus.o;er, 1970, cap. 2, B e 9.

ç;.·
._,,.
486

, . necessariamente ter de receber determinações independentes


oa teoria pa.rec~m
das condiç&s de produção, isto é, de ser definidas de acordo com uma hipo-
tc'tica natureza humana intocada por toda especificaçáo histórica. E é inegável
que :\fane criticou essa ideologia do Homo economicus, enf~tizando em mais de
uma ocasião que 0 conteúdo das necessidades humanas varia de acordo com os
períodos históricos, e até mesmo que são determinadas pelas formas de produçáo:
tanto porque essas formas de produção influenciam as formas de satisfação das
necessidades naturais (e cria novos desejos), como porque as únicas necessidades
economicamente significativas numa sociedade producora de mercadorias são
aquelas para cuja satisfação é necessário pagar. "O sistema inteiro das necessidades
é fundado na estimação individual ou na organização inteira da produção?", já
perguntava Marx em Miséria da filosofia: "com muita frequência, as necessidades
surgem diretamente da produção ou do estado de coisas baseado na produção"
(Marx, 1936, p. 37). Em particular, elas dependem da distribuição e do nível de
ganhos, que são, eles mesmos, uma função da produção. Ora, o modo como a
exposição teórica de O capital foi organii.ada visava reproduzir a suposta ordem
real das determinações, segundo a qual a distribuição dos produtos e o consumo
dependem da produção, sendo esta última "o pomo de partida real e, por con-
seguinte, o momento preponderante" (Marx, l 973b, p. 94), razão pela qual a
produçáo deve ser estudada em primeiro lugar. Mas esse texco famoso, no qual
a preeminência do momento da produção em relação aos outros momentos do
funcionamenco do sistema econômico - consumo, distribuição e troca - é con·
firmada desse modo, também contém uma série de observações que excluem uma
concepção linear da ordem de causalidades em ação. Em particular, ele enfatiza
que o consumo "medeia a produção" do mesmo modo como "a produção medeia
o consumo", e esdarece essa fórmula com o seguinte comentário: "um produco se
torna um produto real apenas ao ser consumido. Por exemplo, uma peça de roupa
se torna uma peça de roupa real somente no ato de ser usada; uma casa onde não
vive ninguém não él na verdade, uma casa real; assim, o produto, diferentemente
de um mero objeto natural, demonstra que é, torna-se um produto apenas por
meio do consumo" (Marx, J973b, p. 91).
. . A diferença que Marx introduz aqui entre produto e objeto natural, por
enviai que possa parecer, é, na verdade. o cerne das mais importances dificul~
dades _estruturais em O capital. Assim o é porque ela implica que um produto
que nao encontra nenhum consumidor - isto é, numa sociedade produtora de
mercadorias, nenhum comprador - tenha negada sua qualidade de valor de uso
487
nsequentemence, também, sua qualidade d ,
e, eo dº - 1 e Va.or. A rea:· .
ven
da é a única con 1çao na qua se considera que a mercadoria·17.açao eferiva éa
(um valor de uso e, portanto, um valor); daí se segue que os con?Ossua
.
um valor
·dos na seção sobre a produção (Marx, 1974 v I) «•tos desenvo:.
vi . • • · pressuj>Óem a . . . .
a necessidade sansfazivel para o espectro inre· d CX!!tencia.,.
um iro as mercadorias . •
d'visão de ganhos e uma série de acos de troca (a escru d d • ISto e, uma
1 tura a emanda) lo
a demanda de mercadorias tem de ur regulada. Não se d pe, 'quais
. po e, ponanro, entend
s questões elementares d a economia política de Marx . er
a . . .. . ' nem seus conccuos fun.
damencais, sem situar a extscenc1a de uma comunidade h
. . . umana que, por uma
oruanizaçáo especifica de sua anv1dade produtiva, garante a . faç· ,_
o sacis ao \i.C uma
rocalidade articulada de necessidades de um modo tal que as e nd' • ,_
• . . o 1çoes ue per-
petuação (ou expansao) dessa anv1dade produtiva sejam reproduzidas. Essa é a
conclusão a que já havíamos chegado com a análise do conceito de tempo de
trabalho socialmente necessário. O conteúdo "antropológico" dessa hipótese, no
encanto, permanece baseante limitado. ~verdade que a existência de necessi-
dades é posta no começo da análise, mas sua natureza não é especificada de
modo algum; tampouco se precisa de cal especificação, visto que não tentamos
traduzir numa interpretação quanricaciva concreta o modo de funcionamento do
sistema econômico formulado pela teoria. O conteúdo preciso de nossas pressu-
posições iniciais é simplesmente o seguinte:: existe uma esrrurura de necessidades
composta conjuntamente pela demanda das indústrias (consumo produtivo) e
pela demanda dos indivíduos privados, e, graças a uma regulação imanente, ª
produção rende a se ajustar a ela espontaneamente. Essa esrrurura é ela mesma 0
. anterior
resu1tado d o c1clo • do mesmo mod0 queo ciclo de produção
. de produçao,
que agora se abre determinará, por sua vez, a d1sm . 'buiçao
· • das necessidades para
• . ,_, , d. HmillllfÚ'S- a esrrurura
0 prox1mo ciclo. Na verdade, essa reciprociaaat at ' ' . ad la
da ªIocação do trabalho entre os ramos de produçao • sendo decermm. .ª pe
. d !aprime1ra-ev1raque
escrucura da demanda e esta última sendo determma a pe de
se h d ' . tido estriro. D< outro ponro
ten a e recorrer a uma antropologia em sen ·de mo dotad• de
vi n d mos collS1 rar co
Sta, no entanto, ela coloca um problema. 'º
e . ralidade par ela
um 1 '. z de ISOiar, na to
va or explanatório uma teoria que e incapa . sal implicad• em
est dacl d tida da cadeia cau
u a, um elemento como o ponto • par
seu funcionamento? da ieoria de Mao: que as
.,, d'fi Idades internas d [êrn quandº· embor.1
.e. nessa interpretação das l cu
leit • . l !mente se e
uras economicistas" de O capita norma
- nao
isso - "")
..·a comum' elas avançam a ponto de perceber o significado funCJonaJ .
da lei do valor. Um exemplo desse tipo de interpretação é oferecido numa obra
coletiva publicada por Cucler, Hindess, Hirst e Hussain: O capital de Mane e
0 capitalismo de hoje. Essa obra apresenta uma das críticas mais pertinentes à
sistemácica de O capital. Sua inegável superioridade em relação às críticas tradi-
o
cionais de capital feicas por economistas acadêmicos vem do fato de que seus
aucores não exigem da ceoria de Marx resposcas para objecivos escranhos a essa
teoria- cais como sua capacidade de fornecer uma base imediata para a teoria dos
preços -, mas, antes, respeita seu sentido original, o que se dá p.irticul.umcntc
nos momentos em que se baseiam nos En_.;aios de Rubin. St•guinJo r..•su.• último,
os aurores reconhecem o conceito de fetichismo àa m"·r..:-~\d""'rla. como a chave
da problemática marxiana e, por conseguinte, são cap.tzes dt• t-;_,rmular inequi-
vocamente o problema ao qual a teoria do va!or em sua versáo marx.iana afirma
ter a resposta. "Qual é a relação entre as ratios do rr-.i~a1!-io a~srr-..uo escabdeci-
das no processo de troca e a distribuição da procuçáo, e c.ua~ é a r<lação dessas
duas com a composição do produco expressa na cemanda?" (Cuúr ec al., 1977,
p. 88). Melhor ainda, eles percebem com abso:u:a c'.areza c;ue a formulação da lei
do valor está essencialmenre ligada à ideia normariva C.e um equililirio expresso
pelo conceico de "cempo de crabalho socia!mente ne.:essário" (Cuc!cr ec ai., 1977,
p. 81-83) e chegam inevicavelmente à questão c!o pa;ie: e C:. cererminaçáo das ne-
cessidades sociais nessa represencaçáo do siscema econômico. E!es percebem cor-
recamence que a posição de Rubin decém-se nessa ciificu:dac!e: que o valor parece
depender da demanda por ser necessário invocar uma c!ecermini;.da composição de
necessidades sociais a fim de explicar as proporções nas quais as mercadorias são
crocadas. Nacuralmente, Rubin sente o peso dessa consequência e procura evicá-la
moscrando que a proporção do equil1brio é, ao contrário, <'Xc:usivamence uma
função da producividadc relaciva entre ramos de produção e entre empresas indi-
viduais no incerior de cada ramo. Porém, como afirmam os aucores de O capical
de Marx e o capitalismo de hoje, as demonstrações de Rubin a esse respeito não
podem ser consideradas satisfatórias. Temos de concluir, assim, que: "a ceoria do
valor-crabalho, para não ser uma simples teoria do crabalho-como-subscânci•
[isto é, uma ceoria do crabalho incorporado no sentido ricardiano;, deve admitir
0 papel cniCial da demanda se ela é (como cem de ser) combinada com uma

noção de composição necessária do produco social" (Cutler ec al., I 977, P· 93 ;


grifos nossos). Mas acribuir à composição da demanda um papel na decercnin•·
··•·.
POSFA.1:10 A. l!.DIÇA,o '"'C~IE:So\ 469

ção dos valores totalmente independente d od . .


. . .
coerenc1a interna da teoria de Oca• "t L 0
ª pr uuv1dade do trabalho ameaça a
• ,.1 a ra, qualquer que possa d"6
d.e obJetos entre O rapital e as teorias cc • . "b ser a 1crença
- . . .. . onom1cas urgucsas"' a coer(ncia inter
consnru1 uma ex1genc1a elememar que e d . na
o a teoria tem de satisfazer se não .
se converter em puro nonsense. Parece-nos p . ' quiser
. . , orcanco, que e nesse ponto central -
a ddiniçao do estado de equilíbrio ao qual corresponde a v d da d .
. . en a merca ona
por seu valor - que idenuficamos a falha fundamemal que compromete definiti-
vamente a validade da teoria de O capital.
Devemos dizer que, assim como os aurores de O capital de Marx e 0 ca-
pitalismo de hoje, estamos convencidos de que tanco a interpretação de Rubin
expressa fielmente o pensamento de Marx quanto sua laboriosa obra fracassa ao
fv.cr a demanda depender da produtividade do trabalho. Mas queremos esclarecer
melhor alguns pontos que dizem respeito à consciência que Marx possuía das difi-
culdades internas de sua obra. Uma das fraquezas de sua construção reside, como
indicamos, na definição de valor de uso. Os autores de O capital de Mane e o capi-
talismo de hoje afirmam que Marx faz uso de seu conceito como se ele tivesse um
11
sentido não comparativo e não qualitativo"; e que, na interpretação de Rubin,
podemos ver que o valor de uso também possui decerminaçócs quantitativas na
teoria marxista (Cuder et ai., 1977, p. 91). É verdade que, nos primeiros capítulos
de O capital, Marx não faz qualquer menção a nenhuma condição quanticariva a
fim de atribuir um valor de uso a um produto, mas isso já não ocorre no volume
3. Todos os textos em que aparece a dimensão sociológica do tempo de trabalho
socialmente necessário parecem deixar claro que temos de admitir uma determi-
nação quancitativ-i dos valores de uso (Cf. a ciração feita anteriormente - Marx.
1974, v. 3, p. 635-636). A,,aora que isso ocorre, Marx viu queestecalvez fosse o elo
fraco de sua exposição. Temos em mente, aqui, uma passagem muito estranha -~os
Gr11ndris:lt, em que, ao menos por uma página, ele parece duvidar da convem_cn·
eia da ordem na qual ele incrodu1. (ou imagina introduúr) os diferences cone<1tos
de sua teoria. Ele acabou de realizar o escudo da circulação do capital e mostra
d • aparece lá de uma forma
que a "contradição entre valor de uso e Vaior e troca 'dad
• . l - simples De faro, a necess1 e
absolutamente original se comparada a circu açao ·
que existe de um determina. do produco nu m dado mercado

. , como muliJ11 desse produto como valor


aparece. aqui [na circulação do capnat. r 1 O que é posto

de uso e, consequencementc, tam cm co
mo valor dt rrora. ....;
é qu~ a mnlidd de sua disponibilidade {seines VorhanJ~nsdnsJ é dada crn ~ua
.li::C'lr.i

. _ . . ..,,,r.-./ rseiner 11att'irlkhm Bnchaffenhe1t]. Para ser trans6o··-


própnJ compo11rao 11.. .... ~
madona forma geral ~dinheiro!, o valor de uso tem de estar presente numa quan-
tidade limittda e específica; uma quantidade cuja medida não reside na quantidade
de 1To'1alho objetitNltÍa no produto, mas que surge de sua natureza como IJtl/or rk uso
P""' º""""· (Marx. I973a. p. 406)
E, algumas linhas adiante, ele acrescenta: "A indiferença do valor como
tal cm relação ao valor de uso é levada, assim, a uma posição [PfJsition] tão falsa
quanto, por outr0 lado, a da substância do valor e sua medida objetivada no
trabalho em geral" (Marx, 1973a, p. 407).
Por(m~ poder-se-ia perguntar: por que é imporrante se Marx teve ou não
um.i per,c-pção da incoc-rê-ncia que forma o obstáculo im:vicávd de sua tc.."Oria do
valor? Xo fim. de n.io atentou para isso e. ao longo dos anos, dedicou todo seu
csforçl' par.i cons[ruir uma tt-oria sobrt' bases cuja fragilidadt· de já havia testado.
É o produto finJI que [l"mos de julgar, e náo as !i.esitaçõcs quase esquecida... de
sl"u J.U[Or. :\lo lt'ffiO.." dificuldade alguma t•m concordar com isso, mas p:.trt'Ct.~nos
imcx>nJ.ntc: dc:Ji..::J.r .1lguns momcm:os à.~ r:.tzõcs pela... qu.lis a rt.-ciprodd:.tdt' possível
d.t r<"phx!uçio social. O'~tsil,na!mc:mc pcr~cbida por Marx, não o levou a um
quc..-srh.,n.tm('nto gcr.a! de sua... tCS('S, pois ta! rc.."\:'ipro('id.tdc n.ío l- imrinsccamt·ntc
Cl'ntr-.1dirôria. X.ão ~ aut~\'id.em:e que essa.~ mud.mças duradoura." no sist('ma
(ml~ifi..:aç"\es n.i." rdaçõt's dt• troca dos produtos, na distribuiçáo da força de
cr.1.ba!:to enm:· r.unos de prOCução e na estrutura da dcmJ.nda) possam, ('m última
anã?ise. ser imr:-ur.1.d.is a um.i única causa singu!ar. An[criorni.c:-ntc:-, rc:-forimo-nos
a cc:-rw p.i.~gens 6. Tntroi:.uçáo de 1857 sobre esse mesmo conceito de va!or de
U.((), ('m "1,UC ~farx considerou que um sistema. que indui uma fase de proéução,

uma fase de distribuição> uma fase de troca e uma fue de consumo podia pôr em
mo,·imenro uma p1uralidade Ce causalidades recíprocas. Além disso, ao final da
segunda parrc dessa obra, ~farx prevê que essa reciprocidade de determinações
talva derive c!o paradigma ci(nti.fico imp~ícito que inspirou sua reinterpretação
da !~i ~o va!or. Ta.1 p.uac!igma consis[e em comparar a esfera das relações sodrr
~conom:cas com km org1111ümo cujo processo vital é inteiramente ordenado pelos
impera.th·os da sobrevivência.

Está claro, no emanco, que a proc!ução, em sua forma uni/aura/, é ela mesma de--
terminada pelos outros momentos. Por exemplo, se o mercado, isro é, a esfera da
..... ,

tr_oca <."Xpandc·sc, então a produção cresce cm quantidade, e l l divjVJ<:\ cmrc seu...


diferentes ramos~ tornam mais profunda\, Uma mudança na distribuiç;f.o alfcra
a produção {..•~ Finalmente, a.-. ncces!oidadcs de coruumo determinam a produçlo.
A jnteraçáo mútua ocorre entre diferente.\ momentos. F.srt I 0 CtlSo tm todtJ ~ qua/-
qu~r totalidad~ orgânica, (Marx, l 973b, p. 99-100; 0 segundo grifo é n<m0)

Aqui não é o lugar adequado para tratar da extensão da inAuência do


paradigma organicista na elaboração de Marx,• tampouco da questão de como tal
paradigma pôde modelar seu pensamento. Devemos apenas mencionar que a in-
fluência do conceito biológico de organi1.ação estava amplamente difundido nas
mais diversas áreas de pesquisa no final do século XVlll e inicio do século XIX,
e que o domínio que Marx tinha da obra de Hegel seria mais do que o necessá-
rio para explicar a operatividade oculta desse con~c:ito na abordagem m.arxiana
da totalidade social. Sabemos bem que o organicismo biológico .\COmpanha as
metáforas com a.~ quais Hcgd descreve o processo da ra1.ão história ou o processo
do conceito. F...~'llias questões de fili;tção tc:órica poderiam forn«er um amplo
material para um estudo particular, mas temos de dcixá-la.'lli de lado e nos limitar-
mos, aqui, a aponrn.r para dois futo.'i dirt~camence rdacionados ;.\nosso argumc:nco.
Primdramc."nte, a presença latente do paradigma orgânico "'-xplk:i por que a con-
cepção marxiana da coralidade t.~onl>mka pode dar a impressão de ser tdcológka.
Os autores de O capital dt /\l/11rx e o c11pirt1lümo de hojt retornam .\ eSS.\ caractc·
rização do sistema em duas ocasiões (Cutler et ai., 1977, p. SI. 87). Mas não<
d.e modo algum uma questão de um;.\ finalidade p•utlcular sendo imposta de fora
ao processo de reprodução social. A expressão '"rdeológko-fundonalista" (Curlcr
er al .• 1977, p. 81) é, na verdade, redundante. O fundonam.:nro de um organismo

A inAu~ia da biologi3. é pcrccpcivcl n:is: merát'°i."lr.is a que ~:irx ~\°l~rc nu~ f"?"oso
taco (Marx, 1969, v. 2. p. 1S2-l S9). cm que ele comparJ. os respccuv~ ~ctOC<>$ de
Srnic."i. e Ricardo. ~ele, Smith é criti..:ado por oscilar em constante ambigwdade entre
dois planos hctcrogc!noos de ano\!ise, o das "ap-.a.r(-nda.o;. de competiçlo" e um ou~~·
situado sob o primeiro, no qual são articuladas "as rc~açõcs- internas do s~c~ma ~urguc:s_'
sua ..escrucura oculta", sua '"6.siologi.i incern:i' ou suas ·relações org.uu~ 1 ~t~r~ 35· •
O mérito de Ricardo é, por outro lado, daramc::nte ter mostrado a ·\·eN!ai:~irJ. ;o;.:o.~u.
da sociedade burguesa•. A metáfora orgânica é ainda mais 6b'ia. na ~"la. ª cnt!:
russa, que descreve o método de Marx; ele a cita com aprovaç.io no PostJ.Oõ .i scgun
edição alemã (Marx, 1974, v. !, p. 26).
rüo ~,.,.J.,,· ~r ((.'n.:c.·hido .,c.·m um fim, e tal fim não é senão a reprodução de su~
...·onc..1 i..;~\C'' inct'rn.l.' de.· n:i~tl·nda, ou ...cja, da vida. Dcvc-.\e c.c,clar<:ccr ao máximo
<°''<." p-.:.•nttl .imc' de p\ir <."m quc.,r:lo o prindpio geral de interrogação de Marx. Se
<i1')l"l.im._..., ,1 c., ..c.· prin(Ípio c,;m nome do., impa.,.,c., a que de no\. par<.·cc conduzir,
c,l so.: quc,ti ..-..n.im<>... n;\o {: c.·.,ra ou .-~quda .fin.11id.1Jc, arríbuída arbitrariamente ao

rrí~cv.o Jc rqm.Juç;'io ..,ocial, mas aftrti/id1ul~ fJperatit}(L tÍo f'tlrt1dign111 hifJMgicq


no tÍom/nio tÍdS tihitia.> JotíniJ. f..,\a qucsr:10 é importante para díscíplina-s que,
.irê no"'º' di.i...,, c... t.lo longe de dc ..envolvcr _.,ua pr6pría mccodologia e, por i.,so,
ain6 c:... rão longe de poder di.\pen'>ar ~ mulet:<Ut mccodol6gica.s tomadas de cm-
orótimo de ouua.-. ciências.
. Em .sc..--gunGo :ugar. parece que ver a sociedade como um organismo é ju.s-
tamencc- o que apn:5'enta um ob5táculo à construção de uma teoria cm que a
orC.em das cau5i:idades é linear. A deficiência da teoria marxista e a ra1.ão de sua
circuiaridadc não residem nem na reciprocidade das determinações necessaria-
mente implicadas ?Or seu modelo metodológko, nem no fato de Marx persistir
em manter um moniJmo causal incompatível com esse modelo. Por monismo
causal entendemos o desejo de atribuir à produtividade do rrabalho a responsa-
bilidade exclusiva pelo equilíbrio da proporções entre a produção e a troca numa
sociedade capicalista produtora de mercadorias. Pois essa tese, à qual Rubin
confere enorme impoHâ.ncia, pertence inquestionavelmente ao pensamento do
próprio Marx. C'ma prova convincente disso pode ser encontrada na leicura,
entre outros, dos capfrulos de O capital em que Marx trata da taxa média de
lucro (Marx, 1974, v. 3, cap. 9-12, 50). Por essa razão, uma crítica de O capital
que apenas mencione a circularidade de sua abordagem não atinge, por mais
pertinente que ela possa ser, a profundidade com a qual a problemática geral de
Marx é engendrada, nem aquele ponto em que as dificuldades que terminam por
enredá-lo sã.o inicialmente amarradas umas às outras. A questão crucial que uma
critica exaustiva de O capital deve tentar responder consiste em compreender por
que, ª?csar de sua comparação da estrucura social com uma esrrurura orgânica,
Marx insistiu em manter a narureza unitária do princípio de equilíbrio - e de
transformação - dessa estrutura. :
Pondo a questão de oucro modo, as análises rcali7.adas em O capital de
Marx e 0 capitalisml} de hoje aponcam muito corretamente para os impasses da
demonstração de O e4·•-, / EI ·
14 r • as sao, portanto, suficientes do ponto de visttt da
...... ~. ~."'

eCflllflmia 1111/ltir.11, ma.\ náQ no\ pcrmh:m a.. ·. . .


_ . ' ,.,rcc.1u r, .,1gri;f.r... c!..-, C::.c..-.c•, írn ..
cm rclaç<ir, ar, P''JJCtO crlticfl de Marx. ~,ur;r., . , . • . . 7-td.:.,
;.:., 'J.' t'L cririt_:;,, a tet.. ria rr1~r1i•ra
cnq.u:tnl<J tC''.ría dr.1.~t.:j'J.i!11-1rir1 dr., •.í•,ttrr.a de pri.>dur,ãr, ba·.t.:.,r!r, ri:. tri~..;, ~e rr,r;;,...;,~
d1Jr1a.\, P'J\\UJ Gcfii:.11.·nc1:t.o., dt: Cher(·nda ÍMr·ma .,, rr r& • • • • , •
. . • 1 .,. i · / ''= '1 • 1 ~1J•ll'.:tt:;,'.it:1a•.t;a·.rrJJria...
uolir:ari .. ca.. ar.1 v~J,,r, r. V<.'rd;,or;, rn:...o., •.1: nr1 • rJ,.terr1r. • • , .
' ' • • ' ' rar_\,a Cf1f1t;1U'1:t<1, 11 c.rr,,,,,

permanece ahcrt<.1 p:mr pr1•,o.,ívcí., tcm;,~ÍV'd', de r1:v1r,·.uu-;.:lri •i<Jhrc a bav.: r!i; 'Jrtia
tooría emendada do va!r.1r-m1.ba!h1), O•J ·.rhrc <.11Jr:ra ba.-..c q•Ja!qucr. Ora, <.a.hcmrJ',
que tai~ tentativas ~io juc,tamente aqui!r., que a pcv11..1ha :i.ca~émia. aG,r,ra, ma.e,
elas são a <..-vidência de que toda'!> a'!> Hçf..>e\ dr.1 fraa.sv., de O capiuz/ não foram 3.\-
similadas. As plenas implicações de~o;e fraca..'iso W ?Odcm ser ª?rcciadas em \Ua
totalidade com uma reconsideração do conteúdo que ~arx conferiu a seu projeto
critico e, em particular, por uma investigação do papel nele desempenhado pelo
conceito de um equilíbrio da reprodução social que, por intermédio do mercado,
é realiudo por detrás dos agentes econômicos.

4. O que está em jogo na ·critica" da economia política


Marx registrou claramente a ausência de uma perspectiva histórica nos
escritos dos economistas burgueses como a causa mais fundamental de inúmeros
erros ou lacunas em suas doutrinas. A crítica da economia política, sua verdadeira
ambição, devia devolver aos sistemas econômicos a historicidade que as doutrinas
econômicas convencionais lhes haviam roubado. Na mente de seu autor, essa
crítica tinha dois aspectos. Antes de mais nada, ela devia de.velar as pressuposi-
ções tácitas sobre as quais as teorias econômicas estavam fundadas, isto é, mostrar
que essas teorias não consistiam, como afirmavam, num estudo da racionalidade
econômica em geral, mas nos modos de regulação peculiares a uma forma parti-
cular de produção e de troca, que descansa sobre relações específicas de produção:
relações de mercadoria entre proprietários privados. Porém, Marx afirmou, mais
adiante. que, uma ve-t que ele trouxera à luz a especificidade das condições paraª
produção de mercadorias, ele podia mostrar que as leis de regulação interna desse
modo de produção fornecem a base para uma forma particular de desenvolvi-
mento. Não se pode esperar que tal desenvolvimento seja uma reprodução suave,
indefinidamente renovada do mesmo sistema (mesmo numa base alargada): ele
tem, ao contrário, de se desdobrar de um modo caótico - o desequilibrio sc~do
tanto uma parte de sua essência quanto o equihbrio - e tem de trazer consigo
494
Oi' • [ N 5A\tl. °" T._, t..,; lo> .. "'"-' i.: ._,

05 ,,.,rm« d< umJ indurfrei desesrrururação linal. • A reprodução do modo de


". - - •- , como a form• desenvolvida da produção de m.·rcadoria.< -
prc..~UÇJ.ô i.:'Jf'iCJ.ilS(o1. -

dc."viJ. St.'t ,·i~ta "ºm"' um processo neces..c;ari:unence perturbado e ameaçado num


ptaz'I.." mJ.is ""U m.:no.s lõngo pdac; fracura"i inserira.o; em sua ordem incrfoscca.
Considcr:.içô<s h:inórk:ts s:ío, então, convocadas para sustentar o estudo
..._..., 0 ,\m ic"O. Elas aparec"m no começo do csrudo, com o modo de produção

.w..1;isado dirccameme 11tt h;1rdrit1 e pondo-se a ênfase em suas características pe-


cu !iJ.rt's; e:as ap..m:c:em espontaneamente no fim do escudo, depois de desvelada
a l""i de desenvolvim~nco inerente ao modo de produção. Há, no encanto. uma
roncinuidade nesse esrudo, pois as formas àistinrivas de um modo de organi1.a-
çáo da produ~ão e da rroca se fundem essencialmente com as leis que presidem
seu dc:senvolvimenro e sua transformação final. É significativo, nesse sentido.

Os dcsequil1brios correspondem a crises econômicas, estanJo a ine\'ir.ivcl d~c:.o.t1·urutJÇilo

... final prevista na lei da queda tendencial da raxa de lucro e nos meios. de dcitos contra-
ditôri~ que os proprierários de capira.is põem cm obra. J. hm de aliviar cs..,;a caxa di..'4..'rl"!i·
j. ccnre (conci:ntraçâo e ccncraJizaçio cn.>sccntes de capital). E..-.;tricamentc falando. essa tei
conscirui a lei do descnvolvimcnro do sistema de produç;io 'ªPitafoi;ra. Aférn do mai.~. as
cri5c$ cidiças e a tendência dc..-crescente da taxa de rucro C)tão ligadas (Marx. 1974, v. 3.
p. 256-257). Mas as crises podem ~er concebida...; como momentos inseridos n:1 rcgufaç:i:o
do sistema, visto que. no final, das re~tauram um novo equifrbrio i.."X<tl•lnlencc no ponto
em que permitiram o colapso do equilíbrio am~rior. Ao conuário, o fenómeno da caxa
deck'SCCntc de lucro nos dá, de acordo com Marx, uma ch;1.vc para a comprcensJo dos
limite.~ da pr0duçã:o capicalisra. Pois a '"r.axa de lucro", e noío a produção de vak~tc:!ri de
uso. é a '"força que mociva a produção capiralisra" (Marx, 1974. v. 3. p. 259), .'\ua queda
cnfr.1.quc.-ce a principal força mocriz da acumulação, dcsencorai.i a consriruição de novos
capicais aucônomos e parece ameaçar, numa data fucurJ, o dc.scnvolvim<!ncO da.iiô forças
producivas (Mane, 1974, v. 3. p. 260-261). f: por isso que, diz .'vfarx, os economj!J,cas
rêm um genuíno "horror" quando notam esse fenômeno, pois a produçJ.o capirafüca
se mostra, aqui, noío como a forma absolura do desenvolvimento das forças produriva.llõ,
mas como uma forma cransjcória que um dja impt."<lirá eSS"e ~envolvimento, d.::pois de
cê-la ajudado incomen~uravdmcoce cm comparaçoio com rdaçõcç de produção am~riorcs
(~farx, 1974, v. 3, p. 241-242, 260-261). É, ral~1.. surpn.'Cndc:nce que, ao lid:u com a
crítica manãana da economia polfrica, foquemo~ nos.<a acenção na ccoria da$ crisC'$., mais
do que na lei da qut.-da (cndcndal da cllxa de lucro. A ra1.ão é que esm.mos intc:res~.1dos na
inrcrprctaçJ.o de O eupi1t1/ realizada por Rubin. a qual rem co.mo eixo cc:ntral o problema
do \'alor, de modo que ele.: raramence tl'3'3 do.\ temas do volume 3 de O t't1pitttl. A reoria
da\. ~ri'IC.~. ~o entanto, dii rcspeico dirctamcnce a uma quesc:\o que a intcrpreraç;io de
Ruom traz para o primeiro plano da análise, a saber, o papel da.~ hipóteses do equilibrio
na conwuç.i.o de O t11pi1ttl - o que explica a ênfu$e que aqui damo.s a ess:t questão.
.. c.'"''"r.•o" r.01ç1.'"J ,,.,_ll;A. 49;S

que Marx ligue a recusa dos econom. . b


. . .. i.sras urgu~s (R· '
ace1car a po!ls1bd1dadc: de crises ºcrafs f: icarco c..·m particul.u) cm
·fi . d o ao racasso dc~scs auto . , .
c:~pl'..'CI C1da C' da produção capitalista .. I . . rc.s cm r1..-.;ernocccr J.
. · s.~o 1mpl1ca que 1·n .
mufaçáo da lCJ do valor com ba~ num .J· ' vcr~amcntc, a rc~Or-
•• cot<:"nt..1menco corret d . .
hi..,conco tt>nha d(· levar a uma ,ondu~ão 0 e !t.CU significado
. opn~ta, que mostre que o 6 • ,
crisc..'S - t:, ,.m p.uricular, a cri.se geral da prod . • cnomcno \!.-u
. •. . uçao- e .a manifestação ln · • .'à
um dcf(m> gc:n..::nco no !lr.çtcma di: produção fi d d . \.'VlCav(.:i ·e
. • .d r - un a o ncs.~ let. A~sim, a cadeia
d~uc1va qu<=• vai .1 rormulaçao 1 • . . das condições
do concc..·jrn d.li: va,or a cxp1.IC1taçao
• •
n:is qu..us o ~1.0,rc:mJ se romana dc~.'Jcrururado dLw sc organi1.ar numa série inin~
n:rrupra de cios.
O primeiro a~pc.-cto da C<irc..·fa crfrica foi ~tisfaroriamll!mc rcali7.a.do na r'--oria
do fll!ckhbmo. Mas o mesmo não se deu com o segundo aspecto, pois Matx nunca

Com rc.·~pl'ico à lei da qu1.-da ccndcncial da c.u.a de luc:ro, um;1. cricic.1 f!'X.'.luscíva de
.\1Jrx njo poderi.1, e.~ d.iro. evir,u um;t inrcrro,g.içiio do c.r.uuto e d.t va!idadcd:i. lkiMns-
tm1f:io que: .\far.\ ÍJz d1."i\J lei. :\'os conrcm.m.·me)) com ~uhlinhJI o S\.~uime ponto: a
dcmon~cr JÇ.iô de Mal":\ da lei da qu\.~a rcnd.:ncfal da tan de lucro nos pan.'C'e deri~·Jr d.i
'oncc.•plf:l,> ri..:'ardfan.i da t1.'0riJ d.o valor. Uma afirm~lo ª""im /.:,sem Jú,•ida, par.tdoxal
par:i. .lqudL·s que ,abcm que Ricardo propõe uma demoni.trni.·J.o do m~mo fenômeno ro-
c,1lmc:-ncc- <.!i~cinc.i. dilqud;1 de ,\.fane.. :vfa.,. lembrc.•me)) que L~Mmos con.,idcr3ndo como um
c."k·01cnr~' rkMJi.cno no pen..,.\menco de .\farx a l:'oncc:pçjo Je .lCordo com a qual ;t pro-
Cucí\·ióde d-0 trJb.dho - e 5Uõl.S varia\"Õcs-é a causa dín:r.i. C' txelusiva da m:tgnicudedo
va!or do pn,,c!utll-m~·rc:11fori.1. t' da." mucfanç.l.~ quçck sofre. Ora, de faro, c.'ffltlconccp.;jl.'I
da rdJÇ[10 cr.ib;lthofvalor qut' ~usccnc.i a dcmonscrJçáo marxiana da t.ua dccn:.M:cnri: Jc
lucro, um.1 w.7. qot' y.\ cc.•ndi·nd.1 pro,g.n.-.~.,iva dC' um.a queda na caxa gcr.11 de- lucro é,
pon.1mô, Jpt'n,1~ mn11 c-xpm.,1io pn.wlittr 110 111odr1 de prod1tf1in e11pi1t1/i1111 do dc.,cn\•oM-
mcnci..-.. progre.~:,.i\'O éa pwJudviJade .r.o..:ial do tro1:b.1lho.. (~fan:. 1974, v. $, p. 2B). Ao
comr.irii.', a ade.·'·~º ~·llcrit.1 ''º signi6cado ~ociohlgico J.i ld do valor. i~ro é. seu signiticado
PWi"ri.m1cntc.' m;ir.,.i.ino, que o converte numa ld que rc,gub a distribuição do rr.1.balho
sod;il cncrc LlS difcrc.·nrc:s r:.\n10.~ de produç.í.o. priva de ~ignific.1Jo qu.tlqul'1' qw.ncificõ1çlo
glnh11/ do valM (ou do m.tb-valor) produúdo pcfa cocalidaJe dos r.imos no i:ur51) de.· um
cido dL" prWuç{ro. Esse.• !'li~nihcaJo marxiano põe t.'m çuc:~táo. conR"qucn11:ml•nsc. cod.ts
3.1' tt.'l\C.iÚva.' de c~timJr ;, vari.ii.·õcs qoantiwívJ!i d.1 mõbsa c:lt.' m.u.vvJlor produr.id.1.
asi.im .;(1mo da t.\x.1: de lucro. ls.o;o .;onllrma .1qui/o que:' di~~mo.~ an[criorml"Dte. que 0
C<lnCL·ito ricardi.mo de mais-valor c:merg.: pred!'lal'TTL'nt~ etndc o pc.'m.irncnto de .\fan: )C'
~cpara com sua,, prÓpri.1.s difii:ul~ad~ int~rnaç. . • • . i s eraill. n m-st" tC)J,l:' as
Par.\ proV'df que a rrodu\lO 'ªpnafo•ra n,l('I pode 1~,~~ ~ !,;Í St.'~3.~c."Cc."fÍ~t: l'.'P'-"<:ílios-
SU;\$ l:'ondii.·ôcs. e ~orma.' di~cinca.~, t~~ os se~s pn~l'~ª~. e ."sol: ct: ;\1.i.rx. ;%9. v. 2.
~m suma. a propnJ pr11duft/ll 1wp1111/11111 (~fdrx. J9(: ~. · P
p. '2~1.
496 HISTOR•" ºº l"CNSAMCNTO ecoNOM•CO

checrou ao fundo de sua teoria das crises. Sem dúvida, uma afirmação cão peremp-
tóri: como essa encontraria muitos economistas marxistas prontos a contradizê-
-la. A maioria está de acordo com o fato de que a teoria da.-. crises está incompleta
em o capital, mas muiros a consideram, apesar disso, uma base sólida para uma
elaboração ulterior. ~ós, no enranco, pensamos que as hipóteses constitutivas de
O(apitai são um obsráculo a isso. Não podemos, no âmbito rescrito deste posf.í.cio,
enfrencar as várias teses formulada.iç sobre essa questão e antecipar todas as pos.sivcis
objeções à nossa posição. Devemos restringir-nos a jndicar o probh:m.1 dl'cisivo
que é, a nosso ver, o obstáculo inevitável para todas as tc:'\lrht.c: que.· pr"·t"·ndt"m. dar
continuidade a O capital. tentando estabelecer uma ponte- (,,'ntrc.• o plan"\ .th.suato
no qual i;uas anáJisei; se desdobram e o escudo de conjunturas (,,. . . . n~r"·r.1:-0.
É verdade que, tanto nos Grundrissê como cm O ''lfi:d!, ou nJs 1i•ori11s
áa m11is-ualia1 encontramos os elementos cspJ.rsos d.e: um c~tudo das 'rbcs.
A parce 2 das Teorias da mais-valia chega a nos dprcsencJ.r umJ. .sinr"·sc- suficien-
temente completa para que possamos nos basear nela intdr.amC"nce. Entre outros.
dois estágios sucessivos nesse estudo podem ser idc:ntificados. como j:i era o caso

.
,1,
cm O capital {Marx, 1974, v. 1, p. 145). O primeiro ~onsistc: c:m n:vdar. passo a
passo com o aumento na compreensão da., regu~J.rid.a.dcs pccu!iares ao i;iscc..·mJ àe
l produção capitalista, as formas que já trazem consigo a j>O.'Jibilitlr1de de: di!lun-

O primeiro capitulo dos Grtmdri~e mo~tr.i 'ºm total clarc1.J. que a rcorg;.mizaçào
marxiana da reoria ricardiana do valor foi mocivaCa ?Or sua ?rcocu~~ào cm diminar a
possibilidade de uma interpretação utópica de.~~ tooria, imerprctaç;io que j.i. era reali1.J.d.1
pelos parcidárjos dos cenilicados de tr.1balho :Jabour 1uk~11J:. O ponto <!cci:-i\•o dcs~a
critica era mostrar que o tempo de trabalho efetivamente ga...;.:o na produção de men:ado-
ri~ não poderia, de modo algum, servjr como medic!a direta c!oi. valorc:.1o, ncnl t.lmpouco
como o prindpio de distribuição do ganho sociai. A "gênese" do dinheiro - isto~. a
dcmo~traçâo de que a ~nerali7.ação da. forma·mcrcadorid do produto implitw .1 c:o.pc·
cia.!il.1.ç.i.O de uma mercadoria particular na função de cquiva:cnre univerc.a.l - adquire
significado no âmbito des.\a polêmica. Sua realização é suii,icntc para c.1ota~·lccc:r que o
sucesso do ato de troca depende de outros fatores. Pois a exi:-tc?nôa do dinheiro di~:..ocia
a unidade da. troca.- que existia na ~rmura - em doii. aros distinto!.: compr.i e venda,
~ue "pode~ ser com:sponGentc=s ou não, podem se t.-quilíbrar ou não e podem cntrJr cm
OC$proporçao um com o oucro. Ccrc.unente. eles sempre tentarão cquali7.ar um .:om o
outro.; m~, no lugar da antiga iguoUdade im1.>diara, emerge o movimento constame de
e~uali 7..açao, que pressupõe, c:vidcnrcmcnrc, uma mio equivalência constante. Agora é in·
~irarn~nt~ ~ivel que a consonância s6 possa ser alcançada passando pda mais extrema
di~nancaa (Marx, 1973a. P• 148). E as.sim está dada a forma mais dementar da crise.
·-.....__ ....
497

ções. Isso equivale a mostrar como a pote . \" J _d


- neta lo..'\ e das crbes é dada n· • .
formulaçao das condições de rcoulação do . O . . a pro?na
. . . . o s1stcma. primeiro estágio é, por s
vez, d1v1d1do cm diferentes momentos ordenad d d ua
. - • os e acor o com um princípio de
concreuzaç.ao crc:scente. Assim, entre as várias f; b
. . .. ormas a stratas - embora em graus
diferentes- de poss1b1!1dade de crise, são mencionadas
• · . 1) a separa\.'iO
as segumccs:
encre a venda e a compra; 2) a função do dinheiro como · de
. . meio pagamento; e 3)
a J.utonom17.açao da fase da t:irculação cm rdacão à f:asc d d - d .
• • • T • e pro uçao o capital.
~ra Mane, porem - e isso e crucial -, roe primt'iro estágio é insr1firientt.
Ele precisa ser comp1eotado por uma análise da realitlt1dt' das crises, isto é, das
condições que convertem uma crise potenci11/ numa crise atual (Marx, 1969, v. 2,
p. 51 S). De fato, enquanto nos restringimos a apontar os elementos que tornam
as crises po!iosÍveis e nada mais, os economistas burgueses podem continuar a dar
va;1.i10 a seu otimismo, visco que a atualidade das crises conserva seu caráter con-
tingente. O reconhecimento do fato de que a crise é possível, se a reftexáo se
dctC:m ne.ssc ponw. pode ser corretamente considerado uma linha de defesa para
os economistas burgueses. já convencidos de que seria ingênuo continuar a negar
a existência de crises econômicas. '"Isso mostra o quão insípidos são os economis-
tas que, quando não são mais capv.es de explicar os fenômenos da superprodução
e das crises, contentam-se em dizer que essas formas concêm a possibilidade de
crises, de modo que é acidenta! se as crises ocorrem ou não, sua ocorrência sendo,
consc.-qut"ntc.·mente, apenas uma questão de acaso"' (Marx, l 969, v. 2, p. S12).
E..~se segundo estágio no escudo das crises permanece apenas um esboço
de projeto nos textos de :vlarx. É possível dizer, sem dúvida, que isso pode ser
acribuido à nJ.[ureza inacabada da obra. E podemos in'l.aginar o prccn..::himcnto
dessa lacuna com a combinação d.o estudo de formas de possibilidaàe das crises
com o prob!c:ma. da n:a1izaç;"\o do majs-valor ou .da queda [t.'ndc:ncial da taxa de
lucro. Para estimar as chances de sucesso de um projeto 1..-omo esse. é inscru-
civo h:mbrar c:m que momento~ no plano de sua obra, Marx adiou o tratamento
da rc..~a~id.ide das crises. É na seção sobre a competição e o cn.~ico, no qual "o
movimt:nco real da produçáo capitalista" tc:m finalmente de ser c:nfrcm.1.do, que
se dcvc:m eni:aixar os elementos necessários a esse estudo...A crise real só pode ser
solucionada a partir do movimento rl!al da proCuçáo. da competição e do cii-dlco
capita:ista ~ ...)" (Marx, 1969. v. 2, P· 512). E: "se as crises nascem das mudanças
. . "d as nmdttn~'ds 11os 11/1/om
nos preços e as revoluções nos preços nao comcl em com
das mercadorias, elas naturaJmente não podem ser investigadas durantl! 0 exame
DO PCNSA~ENTO ECONOMICO
498

· 1 em gc•ral
d o c;1pu;1 • os preços das mercadorias são considcrildo~
• , no qual . como
idémicos aos valom das mercadorias" (Marx, 1969, v. 2. p. 51 5). Sabemos <]Uc 0
plano da obra sofreu inl1mcrns modificaçôcs no curso de sua longa e trabalhosa
elaboração. O que foi fdro da seção sobre a compcciçáo no eshoi;o fi11;1I desse
plano? Rosdolsky apresenta uma discuss;io dcrnlhada desso1 <]Ul'StÚl> l'lll ~ll•l <11,r,1

exegética dedicada aos Gr1111dtisse. Ele chega à condu~ão - a nosso \'l'r, L"n1win-
cen1c-dc que Marx, à época cm que escrevia O c11pi111!, l.·m p.1niL"ular '' \t1l1111ll.: .\,
abandonou a principal disrinç:io por ele cstahclc<.:id;t na lnrr,ll..l111,.·.il1d1.·18"7 l'lllrc
a an;ilise do ..capilal cm geral" e a da compcti\·jo (Ro:-.1.h1l:-.ky. l lJhX. '" 1. p. Jc, c
n. 35). Uma gmn<lc p;1rtc dos tem;1s ;.uneriormcnh: dl·111..:.11J)s s,1h l'~~.1 !ll'gund;1
rubrica foi absorvida na an;ilisc do ..C•tpirnl cm gL-r.11". Apen.1s .1lf_1111s prohlcm;1s
cspL-cífic.:os, entre eles o do "mo\'imcmo n:.1! dos pr1.:\l)S dc lllt'r(.1,lo", IC.ir.un pm-
tergados, desse modo, para um futuro cstudo ~obre J. comp1..·tiç.io. ~las ~larx rüo
considcmva a nccc.'i'ii<ladc dl'ssc csmdo algo ..:rudal p.1r.1 su.1 obra. "() mm·iml'IUO
amai da competição C!ltá fora de llOSSO cscopo. Jc mOdll quc prl'..:i:-..1111os ;1pen;t!I
apn:scnmr a organiz;1ção intl.'rnil <lo modo dl.' pwllu~jo ..:.1pitalist.1 l.'m Mlil m~Jia

ideal. por assim dizer" (~farx. 1974. V. 3. r· SJ 1). 1:. Pº''Í\"d. no l"ntanto. (011..:t.'<lcr
que Marx limitou suas :.unbic;ól.'s inidais e dn.:um..:rl.'\"CU sua uhr.1 ao c:-.tudo <lo
"c;,1pital cm gcral", acre!l.cemanJo a is'o ;1lg.uns tl.'lllil!I que: n;io pcrccndam origi-
nalmente a esse co;;mJo. É igualmente possí\"cl !tu..r1.:mar, ao mc~mo tempo, qul.'
náo há nada <.JllC lltlS impl.'Çil de realizar o l"!'!CUJo do ''mu,·imcnto real Jo3 prl'c.;os
de mercado", que. segundo a pr<Ípria 3\'i.lliaçáo de ~1arx, é indi.,pcn..,1ivcl para um
entcndimcmo completo do!t ICnômcnos d;ls crises. ~la!t é cxatamcnh.: aqui qul.'
rcsidt: a dificuldade. Sc:ria possível, sobre a base dil ccoria marxiana do \";l)or ou
dos custos de produção, construir um novo est;,ígio qul.' indua urna tl.'oria dos
preços? Ou, formulado de outro modo: p<>dl.' o procc3SO dl.' connctizaç:10 aludido
c~pcdalmcntc no começo do volume 3 de O mpirt1/ - um procc~~o quc no!t é
l.'xpmto "passo a pa!tsu" sob a forma que ele a~sume "na superfídl.' da sociedade,
na ação de diferentes capitais uns sobrl.' os outros, na compl.'tiçáo e 11;1 consciência
comum dos préiprios ílgcml.'s <ll' produção" (~farx, 1974. v. 3, p. 25)- transcorrer
sem qualquer imerrupçáo, pcb adição dc novos parâmetros e sl.'nllo conduzido
à explicação das cau~as dos movimentos dos prcço.!t? É preciso observar o que
aqud~s aurnrc~ que idcnrifirnm as particularidades mctodolcígic;.1s da abordagcm
marxiana - referimo-nos, aqui, 110 "méwdo de st: dcvar do abMraco ao concreto"
(M:lrx, ) 973b, P· 1O1) - têm cm ntl.'OC!.! quando invo..:arn os novos p;,u;imcuos
...... _

499

que devem ser levados em consideração no tr 1_ • d b


a .tmcnto o pro lema dos preços
de mercado. Posto de modo simples 0 que eles 1' • •
.. . ~ . • cm em mcme e a compcuçáo
e, partu::ul.trmcnte, seus efeitos: flutuações consmmes na relação cmre a ofcna
e a demanda.
_ Eles tomam . · 1em geraI"
_ como um dado que o estudo do •c,\lHta
prcssupoe <)UC as flunmçoes, na ofcna e na demanda, sâo, por assim dizer, postas
entre parênteses - uma abstração teórica legítima como primeiro passo, mas que
tem nccc!tSariamcnte de ser abandonada mais tarde. Nesse pomo, eles dispõem de
citaçôcs suficientes de Marx para garantir a onodoxia de sua intcrpret:tção. A..~im,
no capímlo 1O do volume 3 de O capital, volume fundamental para o escudo
dessa questão, Marx reafirma sua firme convicçlo de que é impossível cxplk.1 r
as leis da produção capitalista pela interação cmrc oferta e demanda. Ele lança,
cntáo, a tc!tc que é normalmente tomada como a chave de sua metodologia:

e!tlloas leis não podem ser observadas cm seu C.'ilado puro ,,,; tj11e a oferta e a de-
mantÍlt deixem tk agir, isto é, sej11m igr,,1/adt11. Na realidade, a oforta e a deman-
da nunca coincidem. [... ) Mas a economia polhica supõe que uma coincide com a
omra. Por quê? Para poder estudar os fcniJmcnos em suas rdaçôes fundamc:"ncais,
na forma que corresponde a sua conc.:epçlo, i!tto é, para esmJâ-los indc:"pc:"ndcn1c-
mcnrc das aparêndas cau!riadas pelo movimc1110 da oferta e da Jcmand.1. A outra
ra1.:io é c1u.:ontrar as tcndêndas atuais de M:US movimentos e, cm c:crtJ. me<liJ.1,
registrá-las. (~farx, 1974, v. 3. p. 189-190)"

Aqui a i,;:~ms~1 parece ser compn:endida. O cstudo do ..,~1pital cm geral", ou


seja, das leis que governam o funcionamento e o de!tenvolvimento do modo de
produção capicalista, requer que os efeitos da relação c:ntre oferta e demanda sejam
conceitualmente suspensos, uma vez que esses efdms possuem uma a~an':nda
cngan;1dorJ. na armadilha cm que os economistas vulg;ucs caem cão facilmente.
Se, tendo cm mente os objccivos crítifoS da teoria mar.dana. n:Rctirmos sobre essa
.
afirmação, veremos daramente que e1a 1e\'anta uma
considcr.ívd dificuldade. A

d. de: a •ir e por ena r.11.âo, as mercJJoriJ.S


Cf. "Se a oferta é iguoil à demanda, d.u cix.un g d f; operem em Jin·çõe:s
são vendidas a seus \•alures de mcrculo. Onde quer que: Lla5I or~. ti ~nóa c:''ttcma e
•o t-xco:cm nen mma m uc
opostas, c)~ Se equilibmm 111\llUolmentc•. ::ns1âncias Jc\'Clll ser cxrlicaJus pliT OUtrólS
todos os fenômenos que oc.:orrcm nessa.Oi CI ·ou"' (~larx, 1974 , v. 3, p. H~Cl).
causas (}llC n:io a dos cfci1os dt·s::;as duas ÍUT\
aná!isc do '"capi[aI em geraln. •em sua média ideal", supõe uma idenddade entre
os va!ores e os preços das merc.adorias, a venda das mercadorias por seu valor, ou.
num esquema mais complexo, por seus cuscos de produção, e isso conscirui uma
condição sufidente para assegurar o equiübrio do sistema de produção. Porém. a
partir do momenco em que deslocamos os facores de desequihbrio (a constante
discrepância entre a ofcrr.a e a demanda, ou. o que é o mesmo, a divcrgi-ncia entre.•
preço e valor) para o reino das "aparências", não está condenado ao fr.tc~t'~!<r.o, de.!>dc
seu início, o projeto que pretende demonstrar a presença de dcscquil1brio). ('<'mo
um elemento essencial desse sistema de produção? Se canto Ri"·.uJ-." \.·om1..\ ~1.ux
viram os desvios na relação do preço com o valor como um ~fC"iC\."'1 J.t rc.•:.tç:10 \.'nrr~
oferta e demanda. Marx, diferencemente de seu prt-d1.X"C::\."i(\r, .ii:~ntU\'IU ..:onstJntc.'-
meme O fato de que tais desvios não são acidC"ntt.'S OU c.'!C'ment1.lS 1.~UC: p.:rturh.im
o estado normal de equilíbrio, mas são o próprio pr... . ~c."ss1..,. no qu.tl o v~or é de-
terminado pelo tempo de trabalho. Em Prindp:·o.,·. Rk.tr~1.... rewrna du.ts vezes à
•·
.(
divergência emre o preço corrente e o preço ..n.ttura!" çui: rc."su~ta d.as P.ucuaçóc:s na
oferca e na demanda: no capítulo 4. "Sobre o preço n.trur~ e: o prc.-ço d1..• mc:n.:~tdo",
e no capítulo 30, "Sobre a inAut-ncia da dC'manC.a. e Ca o:erta sobre os prc.-ços".
Em ambos os capítulos, no final, ele põe de !ado a.~ va!"iaçõcs cie preço ..;ue c:!c:
considera como "acidentais e temporárias" (Ri,arCo. : 975b. ?· 1 r !). A ?Osição de
Marx é. nessa questão, muito diferente. Já em ldiiériJ dd filo...ofin, de afirma. que
os "desvios" dos preços em relação aos valor~ não são aciCC'mes. mas a rcgr.i. E se.
com Ricardo, de reconhece que é apenas "quané.o a oferta C' a d.em.mda são cq_ui-
libradas" que 110 valor relativo de qualquer produto é CevlC..;,mc-ntt" C.eterminado
pela quantidade de trabalho nele incorporada" (.V:arx, 1936, ?· 52), e:c não tarda
em acrescentar que esse equilibrio jamais é produ1ic:io, que não há, na VC"rdade,
"nenhuma 'relação proporcional' pronta de antemão", mas a_?t"na.' um movimento
constituinte, e que apenas esse movimenco flutuante" torna "o rraba:ho a m<..-dida
11

do valor" (Marx, 1936, p. 56). Claramemc, a si[Uação ideal ou a "mú'.ia ideal"


que somos convidados a considerar sob o conceito de "capita! em gc:ral" resu!ra
das correções que respondem automaticamc."nte às discrepâncias exi~tc:ntc-.!I entre a
oft"rca e a demanda; e isso de tal modo que tanto as correções quanto as próprias:
discrepâncias podem ser igualmente consideradas efeitos pecu!iares da compc:ti-
çáo. A função que a competição assume em relação à abstração "capital em gera!"
se torna. assim. extremamente problemática. A esse respeito, é sintomático que
esse extrato de O capital em que enconrramos expressa a oposição crua e exrre-
._,
................
PQSFA.e10 "IEO•ÇA.Q ... Gct;s ... 501

mame~te simpliflcada entre conceito e aparência se· a se . . .


uma passagem em que a ambiru·d d d ) guido 1mcd1atamc.nce ?Or
.:- 1 a e 0 papddescm h d
aparece com toda a clareza. De fato M _e. pen ª 0 pela competição
' • arx ;uirma que as d. .
entre a oferta e a demanda produ7.em . iscrepanci3.5 constantes
para compensá-las. E é precisamcnt~ d ~ucom~ti<arncmc processos econômicos
a mteraçao desses mov·
rios que surge a tendência a uma siruação d .1 ~ • imentos comraditó-
. . e equ1.1tmo... Uma vez ue
of(.·rta e a demanda Jamais se ioualam uma à nh q • ponamo, a
• o outra em ne um ~o. suas diferen
st·guern uma a outra de um modo tal - e 0 resul d d d . ças
. . ra o e um csv10 numa dlre io é
o qut' provoca um desvio na direção oposta_ que a f, d 1
o erta e a emanda são sempre
i~ualadas quando o todo é visto ao lonoo de certo · d • (M
.. , . º
peno o ;. arx., 1974,v.3,
p. I 90). Se M.·guJmos Marx nesse raciocínio somos levad · ! _
. . ' os a invocar a re açao de
oferta e demanda a fim de explicar dois fenômenos diretaml!ntc opostos: de um
lado, a lacun~ entre ~ prcç~ d~ mercado e o valor de mercado _e, consequcnte-
m<:nte, a persistente ducrepmma entre a realidade e a hipótese teórica-, e de outro,
a tc:nd~·ncia igua!mente persistente a uma redução dessa lacuna _ e, consequen-
temente, a proximidade com que a ab.<tração te6rica se harmoni7.ll com a realidadt
llJeima. Marx n:fcre-se diretamente à ambiguidade do papel conferido à relação
c:ntrc ofcrca e demanda: "'Por um lado, a relação de demanda e oft:rta explica
apenas os C.esvios dos preços de mercado em relação aos valores de mercado. Por
outro, ela exp~ica a tend~ncia de eliminar esses desvios, isto é, de eliminar o efeito
da relação de demanda e ofmâ (Marx, 1974, v. 3, p. 190).
Para formu~ar mais rigorosamente, é falso dizer que os efeitos da competi-
ção são provisoriamente suspensos nas análises de O capital. Se sua aç:io não fosse
supo::,ta, o estado de ..:-s_ui:1brio ao qual se reporta o '"conceito de capital" seria um
puro produto da imaginação. ~a aus~ncia de algum corpo p~ane)ador, é essa ação
ocu~ta que ..::orn•rrJ.ngt: os possuidores de capital a alterar a distribuição de seus
in"'-'scim(,.·ncos dt: tal modo que o rrabalho social é distribuído entre: os dif~remes
ramos dt· produção ~m proporções adequadas à estrutura das necessidades sociais.
Essa .1ç~10 oculta da competição~ a mediação indispensáve~ para a reali1.ação da lei
do vJ.lor no sentido em que Marx a entendeu - como um princípio imanente de
org.mizaçáo da totalidade produtiva. O pomo principal sobre isso foi estabdecid.o
nos Grundrisse.

. 1 d • ia hur('l'uc~a· e:a não cstabdcce


a competição c:rn gc-ral ~o motür cruc1J.• a t"\.Onom ~ .:- - · _ J
, ' . d mistas "re~upor, como Rican..o
suas leis) mas as executa ....... ':\o caso os econo 'r ,.... ·
. . . ·1· - . ; ~ r a rea:idade pknJ. e a rea,11.•1\ao
o faz, que exista a compctlç;10 1.1m1rada e.: pre~ upo
502

Ja..~ rdJç~ l'ourgu\!S.U de pl\."ldução em sua diferença específica. A compeciçáo,


p:irc.inc..,, n.io expli-:a css:is leis:: ela .as torna visíveis, mas não as produz. (Marx,

l"r:-;.J, p. (w'>-6~:!)

Os meios pelos quais a.< leis peculiares às relações burguesas de produção


se im?'1em podem sc:r encontrados nas escolhas .. livres" e individuais foicas pelos
mú~tip!os protagonista.li no cabuleiro econômico. toda.li essas escolhas sendo go-
vt:rnld.lS por uJ113. raciona1idade imanentC' que assegura sua interconexão sem o
'"n~c:dmcnto dos sujeitos. Marx acribui à competição e às fluruações na oferta e
na demanda - manifesraçõcs concreras da especificidade do modo de produçi10
C3;"ira!isca - um papel que pode ser comparado àquele desempenhado pela.<
paixões na concepção hegeliana da história. Eles são meios a serviço de uma fina-
lidade que eles mesmos dcsconhc..~c:m: ma.li, longe de obsuuí-la, eles ajudam cm
sua realização.•
Perguntamo-nos, antc-riormente, se podíamos imaginar conduzir a obra
critica de Marx à completude demonstrando, tal como de o quc:ria, que a con-
wrsão da possibi!idade das crises em realidade é inevitável em virtude das leis
que governam o sistema capitalista de produção. Parece que a resposta tc-m de
ser negativa, pois a competição não pode a~sumir, sem contradiçfto, o papel

Cf. nossa interpretação do papel da compe[içlo na relação da.-. leis do modo de pr<.~uçáo
capitalista com seu tratamento cm Hegel: '"Es.o;e.s va.,.to.s agn:gados de voliçócs, imcrcs-
ses e acividades con~titucm os ins.crumc:ntos e os meios do Espírito do Mundo p.ira a
obtenção de scu objetivo; tornando-o consciente e realizando-o. ~ ... ~ Ma.s que aquda.s
manifo~caçócs de vitalidade por parte dos indivíduos e dos povos, em que ele) procuram
e !)itisf.u.cm seus próprios propósiros, sejam, ao mesmo tempo. os meios e os instrumen-
tos c!.c um propósito maior e mais amplo do qual eles nada sabem - que eles realizam
inconscic:ntcmcnte-é o que poderia ser questionado'" (Hegel, 1956, p. 25). A inAu~nda
q~c õ\.3. ~brade Hegel e, ra.lve-1. mais ainda, a lógka CX('rceu na constituição de O c11pital
ainda esta, ('m nossos dias, 1ong(' de ser perfdrnmcme elucidada, apesar das inúmeras
obra.~ invcst'.gativas que a.s relações entre Marx e Hegel in5pir.tram. A ra7.âO é que poucos
auco~ dedicaram uma atenção sh.tcmárica às rstruttmts da obra, salvo algumas raras
excc:çuc:.s. dentre as quais estão R. Rosdol,..ky e H. Rcichclt. A afirmação de Reichelt de
que a lei do valor é ..um tipo de !oÍnCC$C' cransccndcntal, um prindpio unificador que age
sem ~osw conhccimcnco no plano d.o trabalho social" (Reichelc, 1970, p. 144), causaria
.trrc:f10s cm muito'> marxistas persuadidos do materialismo da gnosiologia marxiana. Mas
ª su~screvcmo:i..sem hesitar, por ra1.õcs que se mostram de: modo suficiemementc claro a
partir de no:i.~a interprctaç:lo do signiJicado particular que Marx acribui à "lei do valor".
PO!r."AC10 A t:oo..,A.o ''"<>~e-..,. S03

dual atribuído a ela pelas formulaçoes • d e .v1arx.


" Se as co _
cica." induzidas pelos mecanismos d . _ . mpemaçocs automá-
. . . _ e compeuçao impõem u .
d1scnbu1çao do capital que atende às . ': . da m ªJUStamcnro da
ex1gcnetas estrutura l" .
ticariva das necesi,idades sociais é imposs' 1 . d . qua itauva t qual"I-
, ivc mtro u1.1r as A.utuações na oferta e
na demanda como um novo fator que nos ···
,. permmna passar do csmdo do "ca im\
em
. geral para o escudo da competição , pois a cxistc.:nc1.a
., . d essas Auruações toi
• P ta-
citamente
. . . pressuposta ao longo da obra sobre 0 •capita· 1em gcrill
··'" . A h1potes.e
.• do
equ1h~r10 sobre o qual repousa a formulação da lei do valor ou da venda de mer-
cadorias por seus custos de produção abre o caminho, enrão, para uma teoria das
condições de surgi~~mo d.as crises. ~áo há. é claro, nada que impeça a rcali7.ação
de um estudo empmco sobre essa questão. Mas o hiato que separa a economia
política da história econômica não pode ser abolido. As crises estão destinadas a
pcrmancc<.'rt.·m como um fenômeno contingente para a teoria.

5. Conclusão: os limites da critica marxiana da economia política


A in.ibi1idadc da teoria marxista, tal como apresentada em O capital. em
dar conta daquilo que Marx chamou de a "realidade das crises" lança uma nova
luz sobn.· o prohlema clássico da cpistt.·mo!ogia da economia poHtica. Referimo·
·nos ao carácer op~rativo dos modelos de equilíbrio para a compreensão do real
funcionJ.menco do siM~ma capica1ista de produção. Os modelos matemáticos con·
crolávcls -que, para a maior parte da economia politica acad~mica do século XX,
rt.'prcst.·nt.:i.m a norma ideal à qual a economia política, por ser ..científicâ, deve
tendt'r - foram frcquentt'mt:nte o objero de criticas, seja pelo caráter ilusório do
entt"ndimt."nto que eles propõem, seja, ainda mais radica\mencc, pelo estigma da
função idc..-ológica que eles desempenham.· Ao oft'rccer o quadro satLo;facório àc

- --u~~~~'ª do primeiro tipo padc sc:r enconrrada no próprio Keynes, em conex.io


com a hipórcsc esP'-~ifica do pleno emprego: ..Os teóricos dâssicos se parecem ~~m
gl'Ômecras eudidianoi; num mundo não euclidiano. que, ao descobrir que, na expcm:n~
eia, Hnho1i; retas e apan·memcntc: paraldas ft\.'quentemence se cnconmlm, rc:prc:~~cm "''
linhas por não i;e mantef(m retas - como o único remédio para as infelizes 1..""0hsocs que
d ·p de criei'ª cf.. entre outros.
°
CMáo ocom:ndo" (Keynes, 1974.. p. 16). Para o scgun 0 0 • ,. 'da truç·10
Badiou: .. Falando de modo geral, a economia polirica burguesa e rcaii 7.a nalCO~$ ·
... . . . mais. o modelo se vo ta ...onm. a
de modelo!. de c-xpansão t.-qu1hbr~a. Aqui, uma va. nsjo de su:i. C\w;a (isto(, a ciência
"desordc:m" capitalista não por meio de uma co~p7lurJ de da.cs). mas pela incc:gr.lc:b
marxista das formações sociais e sua comprccnsao d
504 MIS'l'ô<l;l/I\ 00 F>ElllSAMENTO ECONÔMICO

uma produção cujos parâme[roS foram rndos comrolados, eles negam a desordem
consdwríva da produção capfralis[a de mercadorias. Mui[o an[es que a ideologia
ciemlfica formalis[a dvesse aler[ado para essa concepção de discurso econômico,
a nJwra.a dos problemas posrns pelas doutrinas econômicas "burguesas" havia
preparado o terreno que seria subsequentemente ocupado pelos modelos mare-
m.i.cicos. Marx denunciou esse princípio quando criticou, como um sinal caracce-
risrico da abordagem apologética, o faro de ela assimilar a produção de mercadoria
à produção "social", de modo que a "sociedade, como se de acordo com um
plano, distribuísse seus meios de produção e suas forças produtivas no grau e na
medida requeridos para a satisfação das várias necessidades sociais, fazendo com
que cada esfera da produção receba a cota de capital social requc:rida para satisfa-
zer a necessidade correspondente" (Marx, 1969, v. 2, p. 529). Visto que concebia
sua abordagem como crlcica, o próprio Marx esperava pôr a questão inicial da
economia política de um modo diference.

Ao contrário, a questão que tem de ser respondida é: uma vez. que, com base na
produção capitalista, cada um trabalha para 5-i mesmo e um rrabalho parcicular

... tem ao mesmo tempo de aparecer como 5eu oposto, como rrabalho geral ab.1otrato
e, sob essa forma, como trabalho social - como é pos.1oívd adquirir o c:qui~íbrio e a

l interdependência necessários entre as váriJ.s esferas da ?roduçáo, 1-ua:; dimensões e


as proporçóes entre elas, senão por uma consume neucr.alizaç:to e uma conscante
dmrmonia? (Marx. 1969. v. 2. p. 529)

Vimos, no entanto, que as representações do sistt"ma de: produção dabo-


radas na hipótese da venda de mc-rcadorias por seu valor ou por seus custo.1o de
produção estão longe de cumprir o programa anunciado por essa qu<."stâo. Na
wrdade, cais representações, assim como a.o;; rcorias burguesas, ~upõem que adis-
tribuição dos meios de produção e da força de trabalho, ou a discribuiçáo do
capital social entre os vários ramos de produção, é adequada à estrutura das ne-
cessidades sociais, uma condição que tem de ser satisfeita c-spc:cialmentc: para que
o conceito de tempo de trabalho socidfmentt neces..o;;ário cenha sentido. As~im, a

ima~em_ técnica dos interesses de classe da burguesia. ~ ... ] Modelos de expansão em equi-
libno v1.1oam aos objetivos de classe sob o pretexto de pensar seu objeto (a economia das
alegadas 'sociedades induscriais') [... ]" (Badiou, 1969, p. 16).
505
teoria marxista parece constituir uma prova direta da i . .
menta te6rica fornecida pelo mod l d ·1 . ndependcnc1a da ferra-
. . eo ocqu1 ibnonaeconom·1 l .
1deolog1a que justifique 0 sistema • . . acm rc açaoatoda
econom1co ex.mente
Temos aqui um tipo de demonstração ada~ d
concluir que o sistema capitalista de produ - . 1 'SU7i um ~uc nos força a
. çao e rea mente um sistema cm e ui
librio e que as reviravoltas que o afetam p · d' :q •
eno icamente podem ser atribuídas
a fatores externos a sua lógica intrínseca? Na v d d . . .
. er: a e. ta1 cone1usao s1gmficaria
mc~~rer no mesmo erro daqueles que empregam modelos abstratos na economia
polmca: o erro de confundir as capacidades operativas do modelo teórico com
as propriedades do objeto real. Pensamos que é possível e legítimo int.erpretar os
impasses da teoria marxista de outro modo. O centro de interesse dessa teoria é.
obviamente, diferente daquele da maioria das doutrinas econômicas burguesas:
compreender as Autuações conjunturais nos preços é de pouca importância para
a teoria marxista. Como vimos, a lei do valor, cm sua versão marxiana, é. ames,
um princípio de organização no sentido que esse conceito tem para a biologia da
primeira metade do século XX- uma estrutura invisível que assegura a indepcn-
dt-ncia recíproca das estruturas visíveis e que, garantindo o ser, anima a própria
possibilidade da exist~·ncia. Mas, por mais diferente que o paradigma impliciro
da abordagi:m marxiana possa ser, em comparação com os modelos formais que
inspiram a economia polidca amalmente, ele compartilha com elas uma hipótese
principal. Quando aplicado à esfc:ra das relações socioeconômicas, o paradigma
marxiano impõe-lhes a forma de uma totalidade fechada dotada de leis "na<urais".
isto é, leis independ~m:es de possíveis intervenções de instâncias políticas, jurídicas
ou sC'lciais. Marx acolheu, sem hesitar, o postulado da economia política burguesa
de acordo com o qual o mundo das relações sociocconômicas é habitado por uma
dinâmica espontânea, regulado por uma ordem imanente.
A análise de Rubin ainda l-, uma vez mais, altamente instrutiva. Sua fi-
delidade a Marx, mesmo naquilo que era, talvez, um prc..·i.::oncdro a limitar seu
pensamt:nto crítico, se mostra nos comtntários que ele dedica aos concdtos d.e
"direiros naturais" e "lei natural" tais como empregados, respectivamente, pelos
.
fisiocrataç e por Smith. ~esse ponto, o leitor pode consu1tar os capítulos 11e17.
.,
. .. . ratas e capitulo ko, no
que tratam do cerna dos "direitos naturais nos 6SlOC ' 0 ral"
. . bre o concdro de "natu
qual encontramos observações mu1to pcmnences so .
. h a1 o nos 6.siocrar.is, o con.:c1ro
em Smith. Rubin afirma que, em Sm1t • t com . • . funde
d la óes soc1oecononucas •
de uma "naturalidade" peculiar ao campo as re ç
506

11111 ,.j .. mli1..·.iJl, tc.'tlrk'l, ..:om um signifü:aJo axiológko: tc~íri~o ".ª medida em
"!m· ,, :., 111 l·c:im Jl~ignJ um.1 rcguharidadc cxprimiv_cl cm lei~ _cu!nt~fic.:;u.• uma ~·
~ul.iriJJ.J,· c:.. pimi.mc.uuenre po~rn cm ;tç.il> pela ll\'rC m;m1tcst~ç:.10 dos dcscios
e inin.niY.b iiH.li\·j,fu.ib; axiolligka pun1uc c.·:i;sa urdem, s.:n<lo mdcpcndcrne de
"'•LI intcm:nlj.ill institudono1I, dc.·,·c trou.cr o máximo de hem.estar, tanto para 0
inJi\iJuo , 11111 ,l p.u.1 a sodcdaJc.• ~l.1s s1• Smith 01inJ;1 jll!'.t:tpôc ns usos tClÍrico e
i.lt-.ilii·•iúJ 110 tC"rmu "n;uumr, de nornmlmcntc n;io os confum1c. De acordo com
Ru'1in~Smith foi 0 primeiro a limp;ir o terreno par;t um csmdo prm1m1•me l1•1írirn
tL·nium:nos n.uur;1is. MA tr.msi\-.ÍO JL' Smith de um entcmlimcmo \',1lur;.nivo
1..f11,

r.1u um L'nlL'mlimL'ntO rcl1rko Jo rermo 'namral' signilkou um grt11u/,· p11un rm


timy.io olll ('J/tu/11 p111;11urlllt' lt'tiricn. ,·kmíjii"tJ-('tllmll tios fi·mimt'm•s t'<'tnltimims .....
~larx ('SfJ\\1, de foco. profunJ.1mcnrc convencido <lc que deveria ~cr pm1'oívd, cm
prin,ípio, c.·!!d.11L'(c.·r o c•unpo sc.·111;º111tico cm turno do concciro de "n;nural- e i!>(1lar
um ~i~niliL"ado pm-,,mmrt tt'tírfro <lc imcrprcraçf>cs apologétk;1s. P;1r;1 de, o gramlc
màito J.1 t"L"unumia político1 d.l!>sica foi ter reconhecido a M111trtt•1'i.d1$ig~·á1• • • dm
proi.:r:~'rn. da ('CUnurnia dc produçáo de merco1<lorias, e seu prindp;il dcf'citn foi ter
ii;.nor.ulo ~'-'li ,,ir.i1cr hi~1lirko. ~-fas rcmus de c.·nfotizoir C.)UC a N.11urwitd1.•ig~·1•it. a
qu.1liJ.1Jc rcculfar dos fenômenos da ccunomia de proJm;:in c.le 1nerc1d11ri.i~. é o
meio pelo qual e\!IC."!\ fcninncnos 11oc.lcm se mrn;1r o lema <lc rctlcx;lo no illlcrior
de um -;.hi...·rna fcd1mlo de leis cicntíficils. Ou, novamente, a form;1 <)Ue o c:~rndo
d . . . mili..:o 1/1•r•eri,1 ttsmmir - o dc~cnrular <la cxp1ic:u;;io p;mindo de um;1 únic1 lei
fun<l.mtc.· - é dc1crmina<lo pel;1 supmt:t pm(lfic.•cl:tde <lo uhjc.·rn que 1\,1.lrs. d1.1ma
Jc: ~UJ ;\:1111rwiid1s(~~·c·it. (:omo re~ullaJo, rc."COllht.'CCT CS!iõl pnlprieJ;11.{e signifo.:;l\';1

~.l.1i' dl· 11111 ~":'"ulo dl·pui,, e num l:11111cxto hi.,t<'1rku nmitu <liíl..'fl'lltc, os h:liric.:u!> J,,
l·..:onumi.1 pur.t rcmm.mun Jt.._,.i,·crgunli;1tl,1111c111c, uma vc1. mah, C\!l,l!o bd.ts hipt.UC:!IC!I
'.Himi''.·1~. l'.1m d,.,, 1:1! como p.ua Smi1h, m. sil~nilit·.ulrn, ,,pnlo~Ctku e rr·árfrn !IC
llll~J.l'u~m cm'"ª dcfini~o do nbjc1u da 1c:uria et:1111l1111ka. A c.:omp;u,1 ~·.iu 1.l.1)>. Jifcn:ntl:S
ddmu""º de cconomi.t pum propo,ta por \"X Jlro1o;, 'lllC clc ulwiamc.·111c consiJcr•l como
0

0 1un·.ik·n1c\, C nmi10 duquc111c:. l'Jimc:im, l'lc Ji1 <JUc a cc.:on11mi;1 pma é "o c,cuJu Jc

lei\ de alg,~rn tno~u n.nurais e llc:"(tº\~âri.t\ de ac.:cm.1n com as qu.ii~ a UUL'õl, a produ,.io, a

c.ipu.ili~.:i~.1n_c d cucul.\1,jo Ja ric111c.·1.;1mc.ial1c11dc a op..:rar !i.nb um rl·i;imc hipotéric.:o Jc


~ 11111 ~ 1.'-' 11 ~.io ll\'tt• l' nrg.mi 141d.in (\X~ilr;c.\, 1909). M.1h.1anlc. ele di1. 'lllC: "a c.·..:onomia pura
,J. ',' 1 ~ 1 " 1 ~ <JUC: l'rtt\"J que 3 Jlcrfoira compctiçoin g;1m111c a ~;Ui\Í,t\âO m;ixima ,l,1s n..:t:C1'o\i·
J.l e\ (\\ .1.lr .. ~. l 'J5.\),

\~r finJ~ do L".1.pir~lo ~O, P· .222; grifo~ da cdiç.io ins.Jc,a.


N.1.rur.1l1d.11lc (ou (HllUor<liJlicl.1.Jc") (N. do T.l\.).
507
reconhecer a limilai,:áu, desde o início, das possibi\idadcs d ..
política. Sem dúvida, essa crítica pôde rc..-vc\ar os . ª CTltita ~"' economia
. , prcssupm.tos socui\ói;icos da
teoria econom1ca hurguesa. Não havia nenhuma grande dificuld:ule cm momar
que os comport~\~cntos dos. agentes econômicos, que C%a tcoria aceitava como a
expressilo ~e pa1xoes naturais {em par~ic~lar, a bu\ca da maximil.açio do \ucro),
lhes eram mi.postos pcl~\S es.trucur~s hl.\tor~c:uo e'>pecific.as da proJ.uç~o capitalista
de mc~ca.J~n;.ts. ~as nau cr~ p~s .. wd Ir alem desse estágio de pôr numa pcrspcc-
tiva lustonc.1 o sistema capnalma de pro<luçáo e os arranjos imcrnos da teoria
ct:onômka que tal sistema permite. Em panir.:ular, depois de ter afirmado que 0
sistema capit;.1\isrn de mercadorias é dmado de uma \ci de regulação interna, em.va
h.H;.1\mcnte for;.\ <le qucst;,\o demonstrar que sua dcscsmuur;,1,ção era incvitávd.
Pcrgunca-sc se a suposta autonomia do campo econômico, bto é, a aui-
buiç;lo à esfr.:ra lb!'! n:la~út;!) econômic1s de uma \cg.llid.ldc iimímcca que a isola
de u1n modo ;1bsu.tto de outras mod;\lida<lcs de relações sociais km particu-
lar, ~l:. m1Hhlitladcs juridit.:a e política), n;i,o scri~l uma imcrprctaç:lo excessiva-
mente t:!'!lrcita lL\!) tc~cs do materialismo histórico tais l..'.omo e\.\S se apresentam
na priml·ir.1 p.mc Jc A idmlogia 11b11ci ou na chi!)~kJ. formulação do Prcfoí.do à
Contrilmiçiio ii aítinz r!d l'Ccmomid politiü1:

N.l prnJw.;:m s.od.11 de \Ua viJ,i, U\ homem. est.ihc\~"t;o;:m rcl.içô~-s. J.ellniJ..l-\ q\Lc ~io
imli .. p1.:n.,.ivl·i:. e i1Hll'pcmh:ntc.'! Jl! sua VntU.\Jc, rd.lçt"K·~ d.e proJuç.io ll,lll! corrc:.-
pO!Hh:m a um nt;Ít~io ddlnido Jc su.ls forças prnd\ltiv.is m.ucdab. A somJ. una\
lln,.1.., rel.11,úl'.:. <lc pro<luç;lO cumtitui a estrulura l!lOllÔmiw d.i. sodc.:d..uli:, a b~c
n-.ll ">uhr1.· a qual ~l! ergui! uma 11upcresm11ura lq~.ll e política e à <1u.il corre~pon·
<lcm forma'> <lclini1.h111.k c:on:)ciênda ..oda\. (~\J.rx., 19".'0h. P· \81)

Ora, c:::.:::.as rdaçôcs de produção s;io dd1nidJ.s l..'.omo rdaçúes q~c _acarreta~
tanto condiçói:s juriJko-poHticas (e mc~mo ilko1ógit.:as.) como condiço~s ccono-
micas. Os suicitos Hvrcs que se encontram no arn de troca de mcrcadonas ou ~o
contrato <lc uabalho (uma forma particular da uoca) s:io livres apcnas·p·cla açio
arecem ser cond1c10nantes
de uma legislação e de um poder que, sob essa 1uz., P .
•• • • 1 • 0 casiona\mcntc que certos upm.
e condtc1onaJos. Na vcnh<l.c, Marx rc1,;on \cce • • 0
- . tos exm1ccononucos com
de rdaçücs de produçáo podem ter comuangimen . . s
. - . . . . . l "' ro<lução comunal mais ou mcno
sua cond1çao de ex1stcnc1a: por cxcmp 01 na P . _ como na Ásia,
prirnitiva" na Índia. ou quando o próprio Estado possul ªterra,
508 .. tSTÕH.lA 00

, , · . t>rev·mente no capítulo de O copital dedicado à


ut'I\ cx,;:om?·º qu~
e.e in\lOCJ t:
· d • ,. · · p"ralistâ (Marx 1974, v. 3. p. 782-813). Exemplos
'"g~m.-se ca rrn a tun1...1J.na ca 1 i ' •
• . . J rados na longa pas.<agem dos Grundrisie, que rrara
'""'lmpôlrJ.VC:iS ?Ot...em SCt enCOnt' • . n

d.u "Form.15 <;u< prca:dem a produção cap1tal1sra (Marx, 197:•·.P· 471~. Sem
dú\•ida, algun.o; argumentarão que a atitude de ~\1arx cm relaçao as relaçoes de
pro~:iu\io :uio úmtiulas na mercadoria não contradiz sua abordagem das relações
d., produ.;io tk mirrddnrim realizada cm O capital l'aia ele, de faro, a auronomia
das !eis econômicas não é urna lei geral, válida para todas as formas hístórica' da
,rOOu.;ão social, mas, ao contrário, urna propriedade caractcristica apenas da'i
~:ações de produção de mercadoria.•. É apenas essa propriedade que, a seu ver,
c:xp;ica e justifica o nascimento e o desenvolvimento da teoria econômica, um
dcSC"nvo!vimento que segue passo a passo o aparecimento dos vários elementos
que foram integrados ao modo de produção capjtalista plenamente desenvolvido
- comércio, trabalho assalariado, cooperação na manufatura, mecanização, ecc.
Sio essas condições da produção de mercadorias, e apenas elas, e.que se afirmam
sem entrar na consciência dos participantes e que só podem ser ahstrtrídas da prá-
dta tlidria por meio de uma laboriosa investigarão teórk11; condições que agem,
portanto, como leis natrtrtLis, tal como Mar,.· tlemo11itrou decorrer 11etrs.tt1riame11te d11
nanireza tia produrão rk mercmlorias" (Engels, !974, v. 3, p. 899).
O conceito de fetichismo da mercadoria, uma ve-l mais, tinha a rart"fa de dar
conta da mistificação rcificante sofrida pefas relações de produção na economia
de: produção de mercadoria.ç. !\!o entanto, como dcvcmo.ç enrendt:"r css3 mistifi..
cação? Se a "naturalidade" das Jeis cconômicaç é definitivamente jfosórfa, a crfrica
da 1 ~nom~a política tem de negar a própria exisrl·ncia do objeto da economia
po,1tica e nao apenas sua p;erensão de va!idade para todas as épocas históricas. Ao
contrário, ao conferir uma validade objetiva - mesmo que refativa - àc; catego~
rias d. economia burguesa (Marx, l 974, v. 1. p. 80-81), é possível que o próprio
.V.arx tenha, no final, caido na armadilha da ideologia monrada pelo funciona-
~nco da sociedade capitalista, uma ideologia que designa à esfera economia pre-
ci~mcnte aquele lugar no qual o discurso de O c1Jpitt1/ ainda está situado.
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