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ÉTICA E ÉTICA

PROFISSIONAL DO
SERVIÇO SOCIAL

Daniella Tech Doreto


O processo de construção
de um ethos profissional
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir o significado de ética em seu movimento histórico.


„„ Desvendar o sentido da ética para a sociedade contemporânea.
„„ Identificar o processo de construção do ethos profissional do Serviço
Social.

Introdução
A ética pode ser compreendida como um modo de ser socialmente
determinado e, por isso, pensar seus significados implica conhecer os
pressupostos que a embasam. A análise sobre a ética se inicia com a
fundamentação sobre a teoria social de Marx — ética como uma cons-
trução histórica, efetivada pela capacidade que os homens possuem de
executar ações de maneira consciente e racional. A constituição histórica
do ser social explicada por Marx direciona o entendimento atual que se
faz sobre a ética. Tão importante quanto delimitar conceitos, é refletir
sobre a ética na sociedade contemporânea e no contexto profissional
do Serviço Social.
Neste capítulo, vamos discutir a ética a partir do seu movimento
histórico, refletir sobre o significado na sociedade atual e identificar o
ethos profissional do Serviço Social.

Ética e seu movimento histórico


Iniciamos nossos estudos sobre a ética nos apoiando nos pressupostos ontoló-
gicos de Marx no que se refere especificamente à constituição histórica do ser
social, uma vez que tal consideração se faz necessária para situarmos a ética
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no cotidiano da vida e da profissão. E assim nos utilizamos das explicações


de Barroco (2009, p. 03):

Na gênese do ser social, estão dadas as bases de sua constituição ontológi-


ca: o ser social se humanizou em face da natureza orgânica e inorgânica,
transformando-a para atender necessidades de reprodução da sua existência
e nesse processo passa a se constituir como ser específico, diferente de outros
seres existentes.

Em outras palavras, podemos entender que, segundo Marx, os homens


possuem a capacidade de pensar e produzir os seus meios de vida e por isso
podemos inferir que passam a produzir a própria vida. É essa capacidade que
os diferencia dos outros animais. É pelo trabalho que o homem modifica a
natureza e coloca todos os seus saberes e conhecimento para transformá-la
em algo útil para sua vida. Neste sentido, o conhecimento surge como algo
essencial para apoiar escolhas e decidir como alcançar seus objetivos e satisfazer
necessidades. Conforme Barroco (2009, p. 04):

É o trabalho que instaura esse novo ser, na medida em que rompe com o padrão
imediato das atividades puramente naturais, estruturando uma atividade de
caráter prático-social: uma práxis que transforma a natureza e produzindo um
resultado antes inexistente: um produto material que responde a necessidades
sociais e as recria em condições históricas determinadas.

Há que se considerar ainda que ao transformar a natureza, o homem trans-


forma a si próprio e, no final desse processo, não se pode dizer que é o mesmo
homem. Isso porque ele passa a se utilizar de um novo conhecimento e abre-se
a novas perspectivas antes inexistentes.
Nas palavras de Barroco (2009, p. 04), por meio do trabalho e da criação
de novas alternativas para satisfação de suas necessidades e desenvolvimento,
o ser social amplia sua natureza e “[...] estabelece a possibilidade de uma exis-
tência social aberta para o novo, para o diverso, para o amanhã, instaurando
objetivações que permitem autoconstrução do ser social como ser livre e
universal”. E desta forma se origina a sociabilidade:

A sociabilidade é imanente à totalidade das suas objetivações: para transformar


a natureza reproduzindo a sua existência através do trabalho, é necessário agir
em cooperação, estabelecendo formas de comunicação, como a linguagem,
os modos de intercâmbio e de reciprocidade social, que tornam possível o
reconhecimento dos homens entre si, como seres de uma mesma espécie, que
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partilham uma mesma atividade e dependem uns dos outros para realizar
determinadas finalidades (BARROCO, 2009, p. 04).

E assim também, como parte da sociabilidade, o homem passa a fazer


escolhas baseadas em valores que representam e materializam a sua consciência
enquanto sujeitos de uma ação. Dessa forma, para toda ação humana propria-
mente dita e objetos a ela relacionados são atribuídos valores como válido/
não válido; bom/ruim; útil/inútil; certo/errado; justo/injusto. Tais avaliações
são resultados de uma ação humana consciente e proveniente da avaliação
subjetiva de cada indivíduo, destacando que os valores atribuídos estão sem-
pre interligados (BARROCO, 2009). No entanto, vale destacar, que além da
subjetividade humana, o valor é decorrente da práxis. Segundo a autora:

Vê-se, pois, que estamos diante de um ser capaz de agir eticamente, quer dizer,
dotado de capacidades que lhe conferem possibilidades de escolher racional
e conscientemente entre alternativas de valor, de projetar teleologicamente
tais escolhas, de agir de modo a objetivá-las, buscando interferir na realidade
social em termos valorativos, de acordo com princípios, valores e projetos
éticos e políticos, em condições sócio-históricas determinadas (BARROCO,
2009, p. 06).

Para Iamamoto (2011, p. 254), a práxis:

como qualquer ato social, é uma decisão entre alternativas efetuada


pelo indivíduo singular, que faz escolhas acerca de propósitos futuros
visados. Porém, não faz escolhas independentes das pressões que as
necessidades sociais exercem sobre os indivíduos singulares, interfe-
rindo nos rumos e orientações de suas decisões.

Como é possível observar, para Barroco (2009) a análise sobre a ética se


inicia com a fundamentação sobre a teoria social de Marx — ética como uma
construção histórica, efetivada pela capacidade que os homens possuem de
executar ações de maneira consciente e racional. Seguindo nessa perspectiva,
podemos concluir que os valores surgem das necessidades humanas que apa-
recem no decorrer dos tempos e tem a finalidade de regular o comportamento
das pessoas, nortear as ações e condutas.
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Apropriando-nos de algumas definições, temos o conceito de moral, defi-


nido por Forti (2005, p. 04), como “[...] conjunto de normas, valores, padrões
que regem a conduta e as relações dos homens em sociedade, origina-se no
momento em que o homem passa a ser membro de uma coletividade”. Segundo
ela, a “moral, portanto, é um meio de regulamentação das relações dos homens
entre si e destes com a comunidade, presente ao longo da História, com formas
várias nos diferentes modos de sociedade”.
Na visão de Barroco (2009, p. 08) “[...] a moral é histórica e mutável: são os
homens que criam as normas e os valores, mas a autonomia dos indivíduos em
face das escolhas morais é relativa às condições de cada contexto histórico”.
Ainda segundo a autora, a moral surge para cumprir uma “[...] função social
no processo de reprodução das relações sociais: contribui para a formação dos
costumes que se estruturam pelo hábito, orientando a conduta dos indivíduos,
em termos de normas e deveres”.
Já a ética, por sua vez, segundo Barroco (2009, p. 08), pode ser entendida
a partir da seguinte explanação:

[...] a ética dirige-se à transformação dos homens entre si, de seus valores,
exigindo posicionamentos, escolhas, motivações que envolvem e mobili-
zam a consciência, as formas de sociabilidade, a capacidade teleológica dos
indivíduos, objetivando a liberdade, a universalidade e a emancipação do
gênero humano.

Segundo Cardoso (2012, p. 04), o indivíduo é apto a agir eticamente e


decidir entre as possibilidades que possui, sejam elas éticas ou não. Para
tanto, antes de tomar uma decisão, pode preliminarmente refletir sobre
as suas ações e de forma consciente, avaliar suas consequências, aspectos
positivos e negativos, baseado na premissa de que sua escolha pode ou não
estar baseada em fundamentos éticos. A autora ainda complementa: “tais
escolhas são direcionadas para finalidades eleitas pelo próprio homem,
que para alcançá-las, objetivar-se-á na realidade social, de acordo com seus
princípios, valores e motivações que envolvem a consciência, as formas
de sociabilidade e suas capacidades teleológicas”. Dessa forma, pode-se
entender a ética, em sentido amplo, como uma “[...] categoria histórica
e social, que em relação às formas diferenciadas de cultura e princípios
valorativos de épocas e grupos sociais diferentes efetiva-se segundo o
conjunto de valores e princípios éticos diferenciados” (CARDOSO, 2012,
p. 08).
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O sentido da ética para a sociedade


contemporânea
Podemos inferir que a ética envolve as relações humanas em suas mais varia-
das dimensões, norteando condutas e direcionando ações dos indivíduos na
vida em sociedade. Dessa mesma forma, tanto a moral quanto a ética podem
assumir significados diferentes, dependendo do contexto histórico e da forma
como a sociedade está organizada.
Se pensarmos na sociedade capitalista em que tantas contradições são
evidentes, em que se registra a luta de classes, a ética se manifesta de forma
notadamente desigual, dada as particularidades do sistema vigente. Neste
sentido, Barroco (2009, p. 06) esclarece:

Na sociedade capitalista, organizada a partir da propriedade privada dos meios


de produção e das classes sociais, da divisão social do trabalho e da exploração
do homem pelo homem, a objetivação histórica da ética é limitada e desigual,
convivendo com sua negação, o que evidencia o fenômeno da alienação, que
expressa o antagonismo entre o desenvolvimento do gênero humano — em
termos do que a humanidade produziu material e espiritualmente — e sua
apropriação pela totalidade dos indivíduos.

Barroco nos aponta aqui algo mais complexo que envolve a ética, que é a
alienação que existe como pano de fundo das relações humanas na sociedade
capitalista. Isso porque se os valores éticos nos norteiam para refletirmos
sobre o certo ou o errado, o justo e o injusto, o bom e o mau, dentre tantas
outras oposições, a sociedade capitalista nos impõe uma situação que por si
só já se apresenta como contraditória, que é a apropriação privada dos bens,
concentradas em uma minoria, enquanto a maior parte se encontra distante
da apropriação do fruto do seu próprio trabalho.
Para a autora, a liberdade de escolha, as possibilidades existentes, o valor
dado a cada uma dessas possibilidades e a consciência que embasa a decisão
final são fatores intimamente relacionados. Na sociedade capitalista o desen-
volvimento do trabalho faz com que a decisão por uma ou outra alternativa
não se limite à escolha entre duas possibilidades, mas entre o que possui e o
que não possui valor (BARROCO, 2009, p. 05).
Observa-se ainda que na sociedade capitalista, a alienação existente na
contradição própria deste sistema faz com que os julgamentos de valores sejam
baseados em juízos que somente respondem às necessidades superficiais e
imediatas. De acordo com Barroco (2009), ao adotar comportamentos orien-
tados por juízos carregados de preconceitos e estereótipos, o ser humano se
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empobrece moralmente favorecendo a abertura de espaço para a vivência de


situações isentas de críticas. A autora conclui:

Embora limitada, a ética se faz cotidianamente através de atos morais singu-


lares, mais ou menos conscientes e livres; pode se objetivar através de ações
motivadas por valores e teleologias dirigidas à realização de direitos e con-
quistas coletivas; pode ser capaz de efetuar a crítica radical da moral do seu
tempo, oferecendo elementos para a compreensão das possibilidades éticas e
morais do futuro. Embora momentânea, pode se estabelecer como mediação
entre a singularidade de indivíduo moral e a sua dimensão humano-genérica,
objetivando-se como parte da práxis social (BARROCO, 2009, p. 03).

Sem a pretensão de esgotar as discussões sobre a ética na sociedade capi-


talista e após termos pontuado alguns elementos importantes para disparar
reflexões sobre alguns aspectos relacionados, vamos agora pensar a questão
ética a partir de uma situação bastante observada na sociedade atual, que são
resultados das diversidades, também sobre a ótica de Maria Lucia Barroco.
O Brasil é um país bastante desigual e com uma diversidade muito grande,
que envolve crenças, culturas, etnia, valores os mais variados. Dessa forma,
ao mesmo tempo em que similaridades aproximam determinados grupos
sociais, diferenciando-os de outros, situações de exclusão, desigualdade
ou preconceito também se tornam evidentes. Conforme observa Barroco
(2003, p. 01):

[...] quando isto ocorre é porque suas diferenças não são aceitas socialmente e
neste caso estamos entrando no campo das questões de ordem ética e política,
espaço da luta pelo reconhecimento do direito à diferença, uma das dimensões
dos direitos humanos.

Barroco (2003, p. 03) considera a diversidade como algo positivo, assim


como valores como a liberdade, a tolerância, a equidade. Aponta que é im-
portante refletirmos que a ética não se refere apenas a valores positivos ou
apenas ao “bem”. Para a autora, a negação dos valores citados — intolerância,
desigualdades, desrespeito, não liberdade também são importantes de serem
considerados do ponto de vista ético, pois a simples “afirmação e a negação de
valores é muito mais complexo que parece ser”. A autora aponta também para
a importância de se resgatar os valores éticos na sociedade atual, referindo-
-se não apenas a ética profissional, mas aquela que envolve a relação entre
os indivíduos em suas mais variadas manifestações. Nesta perspectiva, cita
a ética como:
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[...] uma ação prática consciente, que deriva de uma escolha racional entre
alternativas e orienta-se por valores que buscam objetivar algo que se considera
“valoroso”, “bom”, “justo”, contêm algumas mediações essenciais: a razão, as
alternativas, a consciência, o projeto que queremos realizar, os valores éticos,
a responsabilidade em face das implicações objetivas da ação para os outros
homens, para a sociedade. A questão da responsabilidade é, pois, central na
ação ética, uma vez que ela dá sentido à sociabilidade e à liberdade inerente
às escolhas (BARROCO, 2003, p. 08).

Na citação anterior a autora chama a atenção para a questão da responsa-


bilidade que envolve a ética, uma vez que o indivíduo possui liberdade para
escolher aquilo que está de acordo com seus valores, objetivos, enfim, tendo a
liberdade de escolha, também deve ter a responsabilidade pelo resultado desta.
Assim, a ética envolve liberdade de escolha e autonomia e possui um “[...]
caráter universalizante porque sua razão de ser é exatamente a de estabelecer
a conexão entre a singularidade e genericidade do homem” (BARROCO,
2003, p. 09).

O processo de construção do ethos profissional


do Serviço Social
Antes de adentrarmos no Serviço Social propriamente dito, precisamos enten-
der ao que nos referimos quando falamos em ethos profissional. Vocábulo de
origem grega, ethos refere-se a características culturais de um determinado
grupo e aquilo que este grupo considera como sendo correto, justo, honesto
e que norteia a vida de indivíduos ou dos próprios grupos e suas relações
(HOUAISS, 2001).
No Serviço Social falaremos em ethos profissional nos referindo ao modo
de ser do assistente social, entendendo ser este um conceito amplo que en-
volve a profissão nos seus aspectos técnico-operativo, teórico-metodológico
e ético-político.
Baseado em Machado (2011), consideraremos o ethos profissional em
duas vertentes: o ethos da perfectibilidade e ethos da mobilidade. Segundo
o autor, o ethos da perfectibilidade se apresenta como idealista e distante da
forma como as intervenções profissionais acontecem na atualidade. O ethos
da perfectibilidade aparece atrelado ao primeiro Código de Ética do Assistente
Social e reproduz o conservadorismo vivenciado pela profissão, sua ligação
com a igreja católica e o status quo presente na sociedade da época. Machado
(2011) nos aponta ainda que o ethos em questão expressa a distância entre a
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teoria e a prática, uma vez que a teoria não consegue desenvolver uma visão
de totalidade. Na origem da profissão, portanto, o ethos profissional representa
a imagem do Serviço Social tradicional e uma profissão baseada em valores
humanistas, em que não se registra a existência de um debate ético crítico,
estando a elaboração teórica da ética limitada ao Código de Ética.
Para Machado (2011, p. 36):

O ethos da perfectibilidade supervaloriza aspectos normativos em detrimento


ao próprio cotidiano de intervenção do assistente social. De modo que é o
profissional que tem de adequar sua ação à norma e não o inverso. Daí a
valorização da racionalidade expressa na norma do Código em detrimento
à ação do assistente social em seu próprio cotidiano. O ethos que visa tal
atitude é um ethos dado à reprodução e, portanto, um ethos inflexível diante
das múltiplas facetas da própria questão social (grifos do autor).

O autor complementa ainda que o ethos da perfectibilidade sempre objetiva


alcançar uma finalidade específica como alvo de suas ações. No entanto,
esta finalidade específica e a forma utilizada para se alcançar este fim são
preestabelecidos, imutáveis, contínuos. A busca pelo fim específico da ação
influencia a busca pela perfeição na forma de agir do profissional do Serviço
Social (MACHADO, 2011).
Seguindo no trabalho realizado por Machado (2011), destacaremos agora
o ethos da mobilidade, que considera a realidade concreta e um modo de ser
histórico, diferentemente do ethos da perfectibilidade, em que evidencia-se,
além de uma finalidade específica, a ideia da ação perfeita para que haja
harmonia na vida em sociedade.
O ethos da mobilidade não se utiliza de ideias preestabelecidas por parte
do profissional para a execução da ação, como ocorre no ethos da perfectibili-
dade, ao contrário, situa-se na ação do assistente social a própria constituição
de sua atuação (MACHADO, 2011). Em outras palavras, o autor nos mostra
que o ethos da mobilidade “[...] proporciona, à ação, um desinteresse tal que
o agente tem a possibilidade de construir seus próprios valores ao se deparar
com o cotidiano singular de sua ação. Por esse motivo o ethos é móbil, ou seja,
possui movimento, não é estático” (MACHADO, 2011, p. 38).

Lógico que o assistente social ao intervir na realidade social por meio de um


ethos da mobilidade, não agirá de forma neutra, sem nenhum valor. Ao con-
trário, toda ação humana, seja qual for o ethos fundamentado, é uma ação que
possui valores a priori. A questão que se apresenta é: ao intervir, na realidade
social, o assistente social não deve trazer valores predeterminados que não
possam ser reconstruídos. Se isso ocorrer, este mesmo assistente social estaria
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em ambiente dogmático — aquele ambiente em que o pensamento construído


não pode ser mudado ou transformado — do próprio ethos da perfectibili-
dade. Ora, o simples motivo de permanência do modo de agir apresentado
pelo assistente social é desencadeador de verificar que sua ação é carregada
de dogmatismo, portanto, de determinismo, e onde há a perenidade de ação,
há também a imutabilidade de maneiras de intervir no mundo. Daí advém
a reprodução e nunca uma construção ou reconstrução do modo de ser no
mundo, enquanto espaço profissional (MACHADO, 2011, p. 38).

Há que se considerar ainda, no que se refere ao ethos da mobilidade,


algumas características diretamente ligadas à ação profissional do assistente
social. Nesse modo não há uma dicotomia entre a percepção que o indivíduo
é um ser único e a universalidade da norma. Isso porque a ação profissional se
efetiva a partir de um pensar crítico no sentido de responder às necessidades
cotidianas (MACHADO, 2011). Ainda segundo o autor:

Não há, portanto, na ação do assistente social, um distanciamento das multi-


faces da questão social e muito menos um afastamento do cidadão de direitos.
Assim, a subjetividade deste é enriquecida pela presença do profissional
interventor de políticas sociais, que não está condicionado simplesmente a
seguir uma norma esquecendo-se do motivo principal de sua ação, a saber:
o cidadão sedento por efetivação de seus direitos (MACHADO, 2011, p. 41).

As ações profissionais guiadas pelo ethos da mobilidade são comprometidas


com a transformação social, ainda que esta mudança ocorra lentamente e
dentro de um espaço pequeno de atuação. O que merece ser enfatizado é que
aquela ação foi movida pelo ethos da mobilidade, que é comprometido com
a ruptura dos valores tradicionais (MACHADO, 2011).
Com base no exposto, podemos inferir que o ethos profissional presente
no início da profissão e no momento de constituição do primeiro Código de
Ética profissional era o ethos da perfectibilidade, voltado para um posicio-
namento acrítico, predeterminado e que preservava o caráter conservador da
profissão. O modo de ser que impulsiona o Serviço Social até os dias atuais
é o ethos da mobilidade, uma vez que o modo de ser do profissional está
pautado no Projeto Ético-Político do Serviço Social. Este ethos fica evidente
ao se afirmar o compromisso com os direitos dos indivíduos, a liberdade, a
busca por uma ação pautada na pela emancipação do sujeito. Nas palavras de
Machado (2011, p. 153):

O modo de ser do assistente social está voltado, a partir do Projeto Ético-


-Político do Serviço Social, para o ethos da mobilidade. Tal ethos é verificado
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na defesa intransigente da liberdade como valor central, também na defesa dos


direitos humanos, da cidadania, da equidade, da justiça social, da diversidade,
do pluralismo, da universalidade de acesso aos bens e serviços das políticas
sociais e da nova ordem societária. Enfim, o modo de ser deste profissional
está direcionado contra qualquer forma de preconceito e discriminação.

A afirmação do ethos da mobilidade e a permanência do Projeto Ético-Político


se constitui em um desafio para os profissionais que acreditam na possibilidade
da construção coletiva e gestão democrática e o “[...] ethos da mobilidade sempre
se fará presente de forma hegemônica na categoria profissional do Serviço Social,
quando os princípios fundamentais do Código de Ética do Assistente Social
forem respeitados e vivenciados” (MACHADO, 2011, p. 161).

Machado (2011, p. 160) destaca, no entanto, que o projeto ético-político, assim como
o ethos da mobilidade do assistente social, tem o risco de perder a hegemonia na
contemporaneidade não só por vertentes conhecidas como conservadoras (p.ex.,
neotomismo, o positivismo, o funcionalismo, o personalismo, a fenomenologia e a teoria
dos sistemas), mas justamente dentro do próprio materialismo, com interpretações
do marxismo ortodoxo e ultrapassado, que, em vez de aglutinar profissionais apenas,
desune e fortalece grupos conservadores da própria categoria.

BARROCO, M. L. S. Ética, direitos humanos e diversidade. Revista Presença


Ética, Recife, n. 3, 2003.
BARROCO, M. L. S. Fundamentos éticos do Serviço Social. In: CONSELHO FEDE-
RAL DE SERVIÇO SOCIAL. Serviço Social: direitos sociais e competências profissio-
nais. Brasília, DF: CFESS, 2009. Disponível em: <http://www.cressrn.org.br/files/
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CARDOSO, M.S. Ética no Serviço Social: questões e dilemas para o exercício profis-
sional. Belo Horizonte: Conselho Regional de Serviço Social de Minas Gerais,2012.
Disponível em: <http:// http://www.cress-mg.org.br/arquivos/DE%201.pdf>. Acesso
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FORTI, V. Ética e Serviço Social. Cadernos Especiais, n. 27, nov./dez. 2005.
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HOUAISS, A. Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva,


2001.
MACHADO, L.A.R. Ethos profissional, hegemonia possível? 2011. 182 f. Dissertação
(Mestrado em Serviço Social) - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
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Leituras recomendadas
IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho
e questão social. São Paulo: Cortez, 2011.
FORTI, V.; GUERRA, Y. (Org.). Projeto Ético-Político do Serviço Social: contribuições à sua
crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.

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