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Resenhas para trabalho de Educação Ambiental e

Ecopedagogia – Alienação e Pensamento Crítico


Trata-se de criar as condições para a ruptura com a cultura
política dominante e para uma nova proposta de sociabilidade
baseada na educação para a participação. Esta se concretizará
principalmente pela presença crescente de uma pluralidade de
atores que, pela ativação do seu potencial de participação, terão
cada vez mais condições de intervir consistentemente e sem tutela
nos processos decisórios de interesse público, legitimando e
consolidando propostas de gestão baseadas na garantia do
acesso à informação e na consolidação de canais abertos para a
participação, que, por sua vez, são precondições básicas para a
institucionalização do controle social.” (JACOBI in, 2003, p.203)

https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-ambiental/a-educacao-ambiental-na-
sociedade-atual-e-sua-abordagem-no-ambiente-escolar/

O desafio que se coloca é de formular uma educação ambiental que seja crítica e inovadora em
dois níveis: formal e não formal. Assim, ela deve ser acima de tudo um ato político voltado
para a transformação social. O seu enfoque deve buscar uma perspectiva de ação holística que
relaciona o homem, a natureza e o universo, tendo como referência que os recursos naturais
se esgotam e que o principal responsável pela sua degradação é o ser humano (JACOBI, 2003,
p. 189)

https://www.scielo.br/j/cp/a/kJbkFbyJtmCrfTmfHxktgnt/?lang=pt&format=pdf

Nesse sentido, a produção de conhecimento deve necessariamente contemplar as inter-


relações do meio natural com o social, incluindo a análise dos determinantes do processo, o
papel dos diversos atores envolvidos e as formas de organização social que aumentam o poder
das ações alternativas de um novo desenvolvimento, numa perspectiva que priorize novo
perfil de desenvolvimento, com ênfase na sustentabilidade socioambiental

a. Leff (2001) fala sobre a impossibilidade de resolver os crescentes e complexos


problemas ambientais e reverter suas causas sem que ocorra uma mudança radical
nos sistemas de conhecimento, dos valores e dos comportamentos gerados pela
dinâmica de racionalidade existente, fundada no aspecto econômico do
desenvolvimento.

O documento da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade, Educação e


Consciência Pública para a Sustentabilidade, realizada em Tessalônica (Grécia), chama a
atenção para a necessidade de se articularem ações de educação ambiental baseadas nos
conceitos de ética e sustentabilidade, identidade cultural e diversidade, mobilização e
participação e práticas interdisciplinares (Sorrentino, 1998).

A preocupação com o desenvolvimento sustentável representa a possibilidade de garantir


mudanças sociopolíticas que não comprometam os sistemas ecológicos e sociais que
sustentam as comunidades

https://jornalistaslivres.org/ailton-krenak-o-amanha-nao-esta-a-venda/
Quando a gente quis criar uma reserva da biosfera em uma região do Brasil, foi preciso
justificar para a Unesco por que era importante que o planeta não fosse devorado pela
mineração. Para essa instituição, é como se bastasse manter apenas alguns lugares como
amostra grátis da Terra. Se sobrevivermos, vamos brigar pelos pedaços de planeta que a gente
não comeu, e os nossos netos ou tataranetos — ou os netos de nossos tataranetos — vão
poder passear para ver como era a Terra no passado. Essas agências e instituições foram
configuradas e mantidas como estruturas dessa humanidade. E nós legitimamos sua
perpetuação, aceitamos suas decisões, que muitas vezes são ruins e nos causam perdas,
porque estão a serviço da humanidade que pensamos ser

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adiar-o-fim-do-mundo-1-34.pdf
Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estão totalmente alienados do
mínimo exercício de ser? A modernização jogou essa gente do campo e da floresta para viver
em favelas e em periferias, para virar mão de obra em centros urbanos. Essas pessoas foram
arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e jogadas nesse liquidificador
chamado humanidade. Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória
ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste
mundo maluco que compartilhamos.

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Estar com aquela turma me fez refletir sobre o mito da sustentabilidade, inventado pelas
corporações para justificar o assalto que fazem à nossa ideia de natureza. Fomos, durante
muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade. Enquanto isso —
enquanto seu lobo não vem —,

fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que
ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa
que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar
é natureza.

Tem uma montanha rochosa na região onde o rio Doce foi atingido pela lama da mineração. A
aldeia Krenak fica na margem esquerda do rio, na direita tem uma serra. Aprendi que aquela
serra tem nome, Takukrak, e personalidade. De manhã cedo, de lá do terreiro da aldeia, as
pessoas olham para ela e sabem se o dia vai ser bom ou se é melhor ficar quieto. Quando ela
está com uma cara do tipo “não estou para conversa hoje”, as pessoas já ficam atentas.
Quando ela amanhece esplêndida, bonita, com nuvens claras sobrevoando a sua cabeça, toda
enfeitada, o pessoal fala: “Pode fazer festa, dançar, pescar, pode fazer o que quiser”.

Enquanto a humanidade está se distanciando do seu lugar, um monte de corporações


espertalhonas vai tomando conta da Terra. Nós, a humanidade, vamos viver em ambientes
artificiais produzidos pelas mesmas corporações que devoram florestas, montanhas e rios. Eles
inventam kits superinteressantes para nos manter nesse local, alienados de tudo, e se possível
tomando muito remédio. Porque, afinal, é preciso fazer alguma coisa com o que sobra do lixo
que produzem, e eles vão fazer remédio e um monte de parafernálias para nos entreter.

Enquanto isso, a humanidade vai sendo descolada de uma maneira tão absoluta desse
organismo que é a terra. Os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados
nessa terra são aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens
dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina. São caiçaras, índios,
quilombolas, aborígenes — a sub-humanidade. Porque tem uma humanidade, vamos dizer,
bacana. E tem uma camada mais bruta, rústica, orgânica, uma sub-humanidade, uma gente
que fica agarrada na terra.

Parece que eles querem comer terra, mamar na terra, dormir deitados sobrea terra, envoltos
na terra. A organicidade dessa gente é uma coisa que incomoda, tanto que as corporações têm
criado cada vez mais mecanismos para separar esses filhotes da terra de sua mãe. “Vamos
separar esse negócio aí, gente e terra, essa bagunça. É melhor colocar um trator, um extrator
na terra. Gente não, gente é uma confusão. E, principalmente, gente não está treinada para
dominar esse recurso natural que é a terra.” Recurso natural para quem? Desenvolvimento
sustentável para quê? O que é preciso sustentar?

A ideia de nós, os humanos, nos descolarmos da terra, vivendo numa abstração civilizatória, é
absurda. Ela suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de
hábitos. Oferece o mesmo cardápio, o mesmo figurino e, se possível, a mesma língua para
todo mundo.

Marx considera o trabalho do homem sob dois aspectos: o trabalho em sua forma ontológica,
que realiza e concretiza todas as potencialidades humanas, quer dizer, o trabalho como um
meio para o homem transformar a 2 MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos [1844].
Trad. br. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004, p. 7. 3 natureza de modo
consciente; e o seu oposto, o trabalho maquinal e inconsciente, característico do modo de
produção capitalista, o qual é responsável pela alienação humana, uma vez que se resume em
uma atividade repetitiva e irrefletida 3 .

Para Marx, é no trabalho que o homem realiza seu potencial como homem, visto que é por
meio dele que se torna efetivo no mundo. O trabalho, considerado em sua forma ontológica, é
a verdadeira expressão da liberdade e o que faz do homem um ser genérico. Na concepção
marxiana, o trabalho tem como função transformar a natureza e, da mesma maneira,
desenvolver todas as potencialidades humanas, físicas e intelectuais. Portanto, o trabalhador,
como ser genérico, trabalha de forma livre e consciente, diferente dos animais que trabalham
apenas para sua própria conservação. Marx escreve: A vida genérica, tanto no homem quanto
no animal, consiste fisicamente, em primeiro lugar, nisto: que o homem (tal qual o animal) vive
da natureza inorgânica, e quanto mais universal o homem [é] do que o animal, tanto mais
universal é o domínio da natureza inorgânica da qual ele vive. (...) Que a vida física e mental do
homem está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza. (...) No
modo (Art) da atividade vital encontra-se o caráter inteiro de uma species, seu caráter
genérico, e a atividade consciente livre é o caráter genérico do homem. (...) O animal é
imediatamente um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz da sua
atividade vital mesma um objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital
consciente. (...) A atividade vital consciente distingue o homem imediatamen

http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/20908/1/2011_eve_elrocha.pdf
Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio
sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem
ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. E está cheio de
pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover. O tipo
de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta
fruição de vida.

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Se existe uma ânsia por consumir a natureza, existe também uma por consumir subjetividades
— as nossas subjetividades. Então vamos vivê-las com a liberdade que formos capazes de
inventar, não botar ela no mercado. Já que a natureza está sendo assaltada de uma maneira
tão indefensável, vamos, pelo menos, ser capazes de manter nossas subjetividades, nossas 15
visões, nossas poéticas sobre a existência. Definitivamente não somos iguais, e é maravilhoso
saber que cada um de nós que está aqui é diferente do outro, como constelações.

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Neste encontro, estamos tentando abordar o impacto que nós, humanos, causamos neste
organismo vivo que é a Terra, que em algumas culturas continua sendo reconhecida como
nossa mãe e provedora em amplos sentidos, não só na dimensão da subsistência e na
manutenção das nossas vidas, mas também na dimensão transcendente que dá sentido à
nossa existência. Em diferentes lugares do mundo, nos afastamos de uma maneira tão radical
dos lugares de origem que o trânsito dos povos já nem é percebido. Atravessamos continentes
como se estivéssemos indo ali ao lado. Se é certo que o desenvolvimento de tecnologias
eficazes nos permite viajar de um lugar para outro, que as comodidades tornaram fácil a nossa
movimentação pelo planeta, também é certo que essas facilidades são acompanhadas por
uma perda de sentido dos nossos deslocamentos.

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O que aprendi ao longo dessas décadas é que todos precisam despertar, porque, se durante
um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados de ruptura ou da
extinção dos sentidos das nossas vidas, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não
suportar a nossa demanda. Como disse o pajé yanomami Davi Kopenawa, o mundo acredita
que tudo é mercadoria, a ponto de projetar nela tudo o que somos capazes de experimentar. A
experiência das pessoas em diferentes lugares do mundo se projeta na mercadoria,
significando que ela é tudo o que está fora de nós. Essa tragédia que agora atinge a todos é
adiada em alguns lugares, em algumas situações regionais nas quais a política — o poder
político, a escolha política — compõe espaços de segurança temporária em que as
comunidades, mesmo quando já esvaziadas do verdadeiro sentido do compartilhamento de
espaços, ainda são, digamos, protegidas por um aparato que depende cada vez mais da
exaustão das florestas, dos rios, das montanhas, nos colocando num dilema em que parece
que a única possibilidade para que comunidades humanas continuem a existir é à custa da
exaustão de todas as outras partes da vida

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Porque, se nós imprimimos no planeta Terra uma marca tão pesada que até caracteriza uma
era, que pode permanecer mesmo depois de já não estarmos aqui, pois estamos exaurindo as
fontes da vida que nos possibilitaram prosperar e sentir que estávamos em casa, sentir até, em
alguns períodos, que tínhamos uma casa comum que podia ser cuidada por todos, é por
estarmos mais uma vez diante do dilema a que já aludi: excluímos da vida, localmente, as
formas de organização que não estão integradas ao mundo da mercadoria, pondo em risco
todas as outras formas de viver — pelo menos as que fomos animados a pensar como
possíveis, em que havia corresponsabilidade com os lugares onde vivemos e o respeito pelo
direito à vida dos seres, e não só dessa abstração que nos permitimos constituir como uma
humanidade, que exclui todas as outras e todos os outros seres. Essa humanidade que não
reconhece que aquele rio que está em coma é também 23 o nosso avô, que a montanha
explorada em algum lugar da África ou da América do Sul e transformada em mercadoria em
algum outro lugar é também o avô, a avó, a mãe, o irmão de alguma constelação de seres que
querem continuar compartilhando a vida nesta casa comum que chamamos Terra.

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Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos,


considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que
se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e
interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que
em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos.
Tomara que estes encontros criativos que ainda estamos tendo a oportunidade de manter
animem a nossa prática, a nossa ação, e nos deem coragem para sair de uma atitude de
negação da vida para um compromisso com a vida, em qualquer lugar, superando as nossas
incapacidades de estender a visão a lugares para além daqueles a que estamos apegados e
onde vivemos, assim como às formas de sociabilidade e de organização de que uma grande
parte dessa comunidade humana está excluída, que em última 24 instância gastam toda a
força da Terra para suprir a sua demanda de mercadorias, segurança e consumo.

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Como reconhecer um lugar de contato entre esses mundos, que têm tanta origem comum,
mas que se descolaram a ponto de termos hoje, num extremo, gente que precisa viver de um
rio e, no outro, gente que consome rios como um recurso? A respeito dessa ideia de recurso
que se atribui a uma montanha, a um rio, a uma floresta, em que lugar podemos descobrir um
contato entre as nossas visões que nos tire desse estado de não reconhecimento uns dos
outros?

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Se já houve outras configurações da Terra, inclusive sem a gente aqui, por que é que nos
apegamos tanto a esse retrato com a gente aqui? O Antropoceno tem um sentido incisivo
sobre a nossa existência, a nossa experiência comum, a ideia do que é humano. O nosso apego
a uma ideia fixa de paisagem da Terra e de humanidade é a marca mais profunda do
Antropoceno.

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O desconforto que a ciência moderna, as tecnologias, as movimentações que resultaram


naquilo que chamamos de “revoluções de massa”, tudo isso não ficou localizado numa região,
mas cindiu o planeta a ponto de, no século XX, termos situações como a Guerra Fria, em que
você tinha, de umado do muro, uma parte da humanidade, e a outra, do lado de lá, na maior
tensão, pronta para puxar o gatilho para cima dos outros. Não tem fim do mundo mais
iminente do que quando você tem um mundo do lado de lá do muro e um do lado de cá,
ambos tentando adivinhar o que o outro está fazendo. Isso é um abismo, isso é uma queda.
Então a pergunta a fazer seria: “Por que tanto medo assim de uma queda se a gente não fez
nada nas outras eras senão cair?”

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Qual é o mundo que vocês estão agora empacotando para deixar às gerações futuras? O.k.,
você vive falando de outro mundo, mas já perguntou para as gerações futuras se o mundo que
você está deixando é o que elas querem? A maioria de nós não vai estar aqui quando a
encomenda chegar. Quem vai receber são os nossos netos, bisnetos, no máximo nossos filhos
já idosos. Se cada um de nós pensa um mundo, serão trilhões de mundos, e as entregas vão
ser feitas em vários locais. Que mundo e que serviço de delivery você está pedindo? Há algo de
insano quando nos reunimos para repudiar esse mundo que recebemos agorinha, no pacote
encomendado pelos nossos antecessores; há algo de pirraça nossa sugerindo que, se fosse a
gente, teríamos feito muito melhor.

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adiar-o-fim-do-mundo-1-34.pdf
Assim como nós estamos hoje vivendo o desastre do nosso tempo, ao qual algumas seletas
pessoas chamam Antropoceno. A grande maioria está chamando de caos social, desgoverno
geral, perda de qualidade no cotidiano, nas relações, e estamos todos jogados nesse abismo.

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É um homem de uns
setenta e poucos anos, chamado Wakya Un Manee, também
conhecido
como Vernon Foster. (Vernon, que é um típico nome americano,
pois
quando os colonos chegaram na América, além de proibirem as
línguas
nativas, mudavam os nomes das pessoas.) Pois, repetindo as
palavras de um
ancestral, ele dizia: “Quando o último peixe estiver nas águas e a
última
árvore for removida da terra, só então o homem perceberá que ele
não é
capaz de comer seu dinheiro”.
Quem sabe a própria ideia de humanidade, essa totalidade que
nós
aprndemos a chamar assim, venha a se dissolver com esses
eventos que
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Página 8 do livro – A vida não é útil

Quem sabe a própria ideia de humanidade, essa totalidade que nós aprndemos a chamar
assim, venha a se dissolver com esses eventos que 8 estamos experimentando. Se isso
acontecer, como é que os caras que concentram a grana do mundo — que são poucos — vão
ficar? Quem sabe a gente consiga tirar o chão debaixo dos pés deles. Porque eles precisam de
uma humanidade, nem que seja ilusória, para aterrorizarem toda manhã com a ameaça de que
a bolsa vai cair, de que o mercado está nervoso, de que o dólar vai subir. Quando tudo isso não
tiver sentido nenhum — o dólar que se exploda, o mercado que se coma! —, aí não vai ter
mais lugar para toda essa concentração de poder. Porque a concentração, de qualquer coisa,
só pode existir num determinado ambiente. Até a poluição, se ela se espalhar, sem contenção,
o que vai acontecer? O ar vai passar por um processo de limpeza. O ar das cidades não ficou
mais limpo quando diminuímos o ritmo? Acredito que essa ilusão de uma casta de humanoides
que detém o segredo do santo graal, que se entope de riqueza enquanto aterroriza o resto do
mundo, pode acabar implodindo. Talvez a pista mais recente sobre isso seja aquela história
dos bilionários que estão construindo uma plataforma fora da Terra para irem viver, sei lá, em
Marte. A gente deveria dizer: “Vão logo, esqueçam a gente aqui!”. Deveríamos dar um passe
livre para eles, para os donos da Tesla, da Amazon. Podem deixar o endereço que depois a
gente manda suprimentos.

p. 8/9

Parece que a ideia de concentração de riqueza chegou a um clímax. O poder, o capital


entraram em um grau de acúmulo que não há mais separação entre gestão política e
financeira do mundo. Houve um tempo em que existiam governos e revoluções. Na América
Latina houve muitas; o México, nos séculos XIX e XX, foi um verdadeiro laboratório delas. Hoje
essa cultura de revoluções, de povos que se movem e derrubam governos, criam outras
formas de governança, não tem mais sentido. Nem na América Latina, nem na África, nem em
continente nenhum. Isso porque os governos deixaram de existir, somos governados por
grandes corporações.

p.9

Estamos viciados em modernidade. A maior parte das invenções é uma tentativa de nós,
humanos, nos projetarmos em matéria para além de nossos corpos. Isso nos dá sensação de
poder, de permanência, a ilusão de que vamos continuar existindo. A modernidade tem esses
artifícios. A ideia da fotografia, por exemplo, que não é tão recente: projetar uma imagem para
além daquele instante em que você está vivo é uma coisa fantástica. E assim ficamos presos
em uma espécie de looping sem sentido. Isso é uma droga 10 incrível, muito mais perigosa que
as que o sistema proíbe por aí. Estamos a tal ponto dopados por essa realidade nefasta de
consumo e entretenimento que nos desconectamos do organismo vivo da Terra. Com todas as
evidências, as geleiras derretendo, os oceanos cheios de lixo, as listas de espécies em extinção
aumentando, será que a única maneira de mostrar para os negacionistas que a Terra é um
organismo vivo é esquartejá-la? Picá-la em pedaços e mostrar: “Olha, ela é viva”? É de uma
estupidez absurda

p. 10/11

A maioria das pessoas não só come coisas aparentemente envenenadas, tipo morangos e
tomates, como também consome muita coisa que nem sabe o que é. Tem uma composição lá
qualquer, cheia de nomes que não sabemos o que significam. Ora, como é que você vai
acreditar naquilo? Podem ter processado qualquer lixo e estarem te dando para comer. Por
isso, seria muito melhor a gente cuidar da nossa sementinha, ver ela brotar, acompanhá-la,
para então colher. Só assim você vai saber de onde vem o que come

p. 12

Em diferentes lugares, tem gente lutando para este planeta ter uma chance, por meio da
agroecologia, da permacultura. Essa micropolítica está se disseminando e vai ocupar o lugar da
desilusão com a macropolítica. Os agentes da micropolítica são pessoas plantando horta no
quintal de casa, abrindo calçadas para deixar brotar seja lá o que for. Elas acreditam que é
possível remover o túmulo de concreto das metrópoles. Penso muito na música “Refazenda”,
do Gilberto Gil, naqueles versos que dizem: “Abacateiro/ acataremos teu ato/ nós também
somos do mato/ como o pato e o leão”. O tempo passou, as pessoas se concentraram em
metrópoles e o planeta virou um paliteiro. Mas agora, de dentro do concreto, surge essa
utopia de transformar o cemitério urbano em vida. A agrofloresta e a permacultura mostram
aos povos da floresta que existem pessoas nas cidades viabilizando novas alianças, sem aquela
ideia de campo de um lado e cidade do outro.

P, 12

Naquele tempo, a Nasa representava um projeto comum do Ocidente ao especular sobre o


espaço, mas, ultimamente, ela fez uma parceria públicoprivada com os bilionários que ficam
com essa maluquice de criar uma biosfera, uma cópia da Terra. Essa cópia vai ser tão medíocre
quanto eles. Se uma parte de nós acha que pode colonizar outro planeta, significa que ainda
não aprenderam nada com a experiência aqui na Terra. Eu me pergunto quantas Terras essa
gente precisa consumir até entender que está no caminho errado. Também não sei como
vamos fazer para decifrar esse enigma “BHP-Samarco-Vale”, o complexo que envolve a
extração, o processamento e o despacho, para outros cantos do planeta, das nossas
montanhas. Aquelas pelas quais o Milton Nascimento chora em suas canções ao vê-las sendo
devoradas. Em algum ponto os poemas do Drummond e as canções do Milton se encontram.

p. 14

Duas barragens, uma em Mariana e outra em Brumadinho, derramaram ferro em cima da


gente. O longo processo de desenvolvimento dessas tecnologias que nos enchem de orgulho
também encheu os rios de veneno. Eu falei de esquartejar a Terra, mas nem será preciso: a
maquinaria que esses caras enfiam nas montanhas, o que ocorreu na bacia do rio Doce — esse
rio cauterizado pela lama da mineração —, é uma sondagem tão invasiva da Terra que já a
dilacerou.

p. 15

O agronegócio invadiu o cerrado, o Xingu virou uma pizza. Uma pizza não, uma empadinha
cercada de soja por todos os lados, com tratores cortando tudo

P.20

Foi esse ponto de observação que me fez afirmar que nós não somos a 22 humanidade que
pensamos ser. É mais ou menos o seguinte: se acreditamos que quem apita nesse organismo
maravilhoso que é a Terra são os tais humanos, acabamos incorrendo no grave erro de achar
que existe uma qualidade humana especial. Ora, se essa qualidade existisse, nós não
estaríamos hoje discutindo a indiferença de algumas pessoas em relação à morte e à
destruição da base da vida no planeta. Destruir a floresta, o rio, destruir as paisagens, assim
como ignorar a morte das pessoas, mostra que não há parâmetro de qualidade nenhum na
humanidade, que isso não passa de uma construção histórica não confirmada pela realidade.

p. 22/23
Isso que as ciências política e econômica chamam de capitalismo teve metástase, ocupou o
planeta inteiro e se infiltrou na vida de maneira incontrolável. Se quisermos, após essa
pandemia, reconfigurar o mundo com essa mesma matriz, é claro que o que estamos vivendo
é uma crise, no sentido de erro. Mas, se enxergarmos que estamos passando por uma
transformação, precisaremos admitir que nosso sonho coletivo de mundo e a inserção da
humanidade na biosfera terão que se dar de outra maneira. Nós podemos habitar este
planeta, mas deverá ser de outro jeito. Senão, seria 23 como se alguém quisesse ir ao pico do
Himalaia, mas pretendesse levar junto sua casa, a geladeira, o cachorro, o papagaio, a
bicicleta. Com uma bagagem dessas ele nunca vai chegar. Vamos ter que nos reconfigurar
radicalmente para estarmos aqui. E nós ansiamos por essa novidade, ela é capaz de nos
surpreender. Terá o sentido da poesia de Caetano Veloso na música “Um índio”: nos
surpreenderá pelo óbvio. De repente, vai ficar claro que precisamos trocar de equipamentos. E
— surpresa! — o equipamento que precisamos para estar na biosfera é exatamente o nosso
corpo.

p. 23/24

Mas, nos últimos quarenta anos, a luta para conter o desmatamento já virou até programa do
Banco Mundial, da ONU, e tudo se mostrou ineficaz. Não conseguimos frear o desmatamento
no planeta. As únicas florestas plantadas com muita competência e capacidade de volume são
as de vida curta, que em seis, oito anos são cortadas para virar celulose. O que estou tentando
dizer é que a minha escolha pessoal de parar de derrubar a floresta não é capaz de anular o
fato de que as florestas do planeta estão sendo devastadas. Minha decisão de não usar
automóvel e combustível fóssil, de não consumir nada que aumente o aquecimento global,
não muda o fato de que estamos derretendo. E, quando alcançarmos mais um grau e meio de
temperatura no planeta, muitas espécies morrerão antes de nós. Aquele urso branco que
passeia no Ártico já está parecendo um cachorro que se perdeu. Está morrendo de fome, a cor
dele mudou, está doente, dá dó ver aquele urso. Não acho que foi apelação publicitária usar a
imagem dele para mostrar como nós predamos a vida no Ártico.

p.30

A ecologia nasceu da preocupação com o fato de que o que buscamos na natureza é finito,
mas o nosso desejo é infinito, e, se o nosso desejo não tem limite, então vamos comer este
planeta todo.

p. 53

Nós estamos, devagarzinho, desaparecendo com os mundos que nossos ancestrais cultivaram
sem todo esse aparato que hoje consideramos indispensável. Os povos que vivem dentro da
floresta sentem isso na pele: veem sumir a mata, a abelha, o colibri, as formigas, a flora; veem
o ciclo das árvores mudar. Quando alguém sai para caçar tem que andar dias para encontrar
uma espécie que antes vivia ali, ao redor da aldeia, compartilhando com os humanos aquele
lugar. O mundo ao redor deles está sumindo. Quem vive na cidade não experimenta isso com a
mesma 53 intensidade porque tudo parece ter uma existência automática: você estende a
mão e tem uma padaria, uma farmácia, um supermercado, um hospital.

p. 53/54

Por isso acho que seria irresponsável ficar dizendo para as pessoas que, se nós economizarmos
água, ou só comermos orgânico e andarmos de bicicleta, vamos diminuir a velocidade com que
estamos comendo o mundo — isso é uma mentira bem embalada.

p. 56

O pensamento vazio dos brancos não consegue conviver com a ideia de viver à toa no mundo,
acham que o trabalho é a razão da existência. Eles escravizaram tanto os outros que agora
precisam escravizar a si mesmos. Não podem parar e experimentar a vida como um dom e o
mundo como um lugar maravilhoso. O mundo possível que a gente pode compartilhar não tem
que ser um inferno, pode ser bom. Eles ficam horrorizados com isso, e dizem que somos
preguiçosos, que não 59 quisemos nos civilizar. Como se “civilizar-se” fosse um destino. Isso é
uma religião lá deles: a religião da civilização. Mudam de repertório, mas repetem a dança, e a
coreografia é a mesma: um pisar duro sobre a terra. A nossa é pisar leve, bem leve.

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https://www.youtube.com/watch?v=K7RC5FTa0Es

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