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ISBN 978-65-5639-007-9
20-66965
CDD: 940.5421
CDU: 94(100)”1939/1945”
__________________________________________________________________
Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439
SUMÁRIO
GEORGY JÚKOV
A posição de Stalin, como se vê, tinha uma lógica, mas ela continha uma
contradição: ao não mobilizar as tropas para evitar a guerra, ele enfraquecia
a União Soviética e estimulava Hitler a iniciar a guerra.
***
Entre o nal de 1940 e junho de 1941, o Exército alemão formou 214
novas Divisões, com 3,5 milhões de novos soldados, o que elevou seus
efetivos totais a 8,5 milhões de homens. Ao mesmo tempo, o tráfego nas
ferrovias alemães foi reprogramado para aumentar a capacidade de
transporte de homens, blindados e outros equipamentos para o Leste.
Tamanha movimentação não podia ser feita em completo sigilo. A
inteligência alemã antecipou-se, elaborando um so sticado plano para
convencer os russos de que estavam em curso um adestramento e um
descanso de tropas que seriam lançadas contra a Inglaterra. Para dar
credibilidade a esta versão, os alemães aumentaram as ameaças contra a ilha,
vazaram informações sobre falsas operações, denominadas Tubarão e
Arpão, espalharam rumores sobre um corpo aerotransportado que não
existia, imprimiram e distribuíram, às tropas, mapas topográ cos da
Inglaterra, colocaram tradutores de língua inglesa em cada unidade,
simularam ações de cerco de áreas do litoral inglês e instalaram na região do
Canal da Mancha falsas baterias de mísseis. As forças blindadas, por sua vez,
foram estacionadas a 40 milhas da fronteira soviética.10
Foi a maior manobra de desinformação da história. Os alemães
conseguiram a proeza de deslocar mais de 100 Divisões para o Leste sem
provocar a reação de Stalin, que, não obstante, recebia relatórios de
inteligência sobre essa movimentação.
***
Júkov escreveu:
No nal de maio de 1941, eu e Timoschenko fomos convocados com
urgência ao Politburo. Acreditávamos que nalmente receberíamos
permissão para colocar em alerta máximo de combate as regiões
militares de fronteiras. Ficamos surpreendidos quando Stalin nos disse:
— O embaixador da Alemanha, Von Shulenburg, nos transmitiu o
pedido do governo alemão para autorizarmos a realização de uma
pesquisa nas sepulturas dos soldados e o ciais mortos na Primeira
Guerra Mundial nas batalhas contra o antigo Exército russo. Para
localizar os túmulos, os alemães criaram alguns grupos que visitarão os
pontos marcados neste mapa. [...] Deem ordens às regiões militares
para estabelecerem contatos com as nossas guardas de fronteira, que já
receberam instruções.
Recebemos com perplexidade as palavras de Stalin. Ficamos
surpresos, por um lado, com a arrogância e o cinismo do governo
alemão, que decidiu, sem cerimônia, realizar um reconhecimento nas
principais áreas de operações junto à fronteira e, por outro lado, com a
estranha ingenuidade de Stalin. [...]
— Os alemães simplesmente pretendem olhar o terreno por onde irão
nos atacar — eu disse. — A versão sobre busca de sepulturas é infantil.
Timoschenko acrescentou:
— Nos últimos tempos, os alemães têm violado nosso espaço aéreo
com muita frequência. Realizam voos em profundidade sobre nosso
território. Eu e Júkov acreditamos que é necessário abater esses aviões.
— O embaixador alemão nos garantiu, em nome de Hitler, que eles
agora têm muitos jovens mal preparados pro ssionalmente na aviação.
Os pilotos novos orientam-se mal em voo. O embaixador pediu para
não darmos muita atenção aos aviões que vagueiam — disse Stalin.11
***
Stalin queria acreditar nos alemães, mas os sinais se avolumavam.
Em 20 de março que 1941, a inteligência soviética transcreveu para as
lideranças a conversa informal de um o cial alemão com um agente cuja
identidade ele desconhecia:
Estamos alterando completamente os nossos planos. Vamos virar para o
Leste, contra a União Soviética. Colocaremos as mãos nos grãos, no
carvão e no petróleo. Então nos tornaremos invencíveis e poderemos
continuar a guerra contra a Inglaterra e os Estados Unidos.12
Stalin continuou aferrado em negar as evidências. Churchill (em quem
Stalin não con ava) reiterou enfaticamente que o ataque estava sendo
preparado. As redes de espionagem soviética em Tóquio e em Berlim deram
data e hora exatas, com um mês e uma semana de antecedência,
respectivamente.
Para demonstrar suas intenções pací cas, até o dia 21 de junho a União
Soviética continuou a entregar pontualmente, à Alemanha, as cargas de
carvão, grãos, derivados de petróleo e outros materiais estratégicos, tal como
previsto no acordo comercial entre os dois países. No mesmo dia, um
desertor alemão atravessou dois rios a nado para avisar os soviéticos do
ataque iminente.
Tendo recebido informações semelhantes de outras fontes, inclusive de
mais dois desertores, Stalin nalmente concordou em acionar o alerta de
combate. Era tarde demais.
***
A partir das 3:30h de 22 de junho, começaram as notícias sobre ações
militares alemãs, principalmente bombardeios. Às 4:30h, Júkov e
Timoshenko chegaram ao Kremlin, onde já estavam os membros do
Politburo. Júkov conta:
Stalin estava pálido. Sentado à mesa, segurava um cachimbo sem
tabaco. Informamos a situação. Ele disse, perplexo:
— Isso não é uma provocação dos generais alemães?
[...]
O primeiro-vice-chefe do Estado-Maior Geral, general Vatutin,
informou que forças terrestres alemães, depois de intenso fogo de
artilharia, haviam iniciado a ofensiva.
[...]
Em pouco tempo, Molotov [ministro das Relações Exteriores] entrou
no gabinete.
— O governo alemão declarou guerra contra nós.
Stalin sentou-se à mesa em silêncio e profunda re exão. Houve uma
longa e dolorosa pausa.
[...]
— Vamos à diretriz — disse Stalin. — As nossas tropas, com exceção
da aviação, não violarão em nenhum lugar as fronteiras alemãs.
Era difícil compreender Stalin. Aparentemente, ele ainda esperava
evitar a guerra, que se tornara um fato. A invasão já se desenvolvia em
todas as direções estratégicas.13
***
Somente às 8:00h da manhã de 22 de junho, o Estado-Maior Geral
conseguiu reunir dados para uma visão de conjunto preliminar.
Bombardeios e batalhas estavam em curso na Ucrânia, no Báltico, na
Bielorrússia e na base naval de Sevastopol, mas os comandantes russos ainda
não conseguiam identi car com clareza como se desenvolvia o ataque
inimigo.
Os alemães buscaram uma superioridade de quatro a seis vezes sobre os
efetivos soviéticos em cada ponto de ruptura. Como previam os manuais, a
ofensiva passava por quatro fases: preparação, ataque, consolidação e
aproveitamento do êxito.
A participação da artilharia e do apoio aéreo ocorria em todas as fases,
desde a preparação, com os bombardeios de mergulho acompanhando o
avanço da infantaria e dos blindados. A aviação também atuava como uma
espécie de artilharia de longo alcance, chegando na frente das demais armas
e indo mais longe que elas.
Depois de um golpe inicial impulsionado pelos blindados, o assalto era
conduzido pela infantaria, incluindo a motorizada, com grande
concentração de forças na direção principal do esforço. Se as resistências
perdurassem, os pontos fortes do inimigo eram anqueados, para a ofensiva
não se deter, cabendo aos escalões seguintes realizar novos ataques para
consolidar o terreno ganho pelos primeiros escalões. As fases seguintes
consistiam em enfrentar contra-ataques, destruir a segunda linha defensiva
e perseguir as tropas remanescentes. Tudo isso dependia de formações
dotadas de grande mobilidade.
Finalmente, começava o aproveitamento do êxito, com a penetração mais
profunda e a preparação de novos combates. A escala da movimentação era
medida em duas dimensões espaciais: a largura da frente e a profundidade
da penetração, que, conjugadas, de niam o tempo previsto para a operação.
***
Havia sido um êxito na Europa Ocidental, foi um êxito na União
Soviética. A posição de Hans von Seeckt — um rápido avanço com o uso
maciço de blindados para evitar uma guerra de posição — tornara-se quase
senso comum entre os Estados-Maiores, mas ainda não fora plenamente
assimilada pelas tropas. Muitos militares ainda reagiam com base nas
experiências da Primeira Guerra Mundial. Isso incluía a ideia de que uma
guerra começa com escaramuças e batalhas de fronteira que antecedem a
mobilização geral. Mas a doutrina de guerra alemã já era outra. Todas as
forças terrestres e aéreas eram lançadas de uma só vez, sem nenhum tipo de
aviso, com uma massa crítica de tropas e de poder de fogo até então
desconhecida.
Júkov comenta:
A súbita ofensiva com todas as forças disponíveis e o prévio
desdobramento em todas as direções estratégicas não estavam previstos.
Nem o comissário do povo para a Defesa [Timoshenko], nem eu, nem
os meus antecessores, B. M. Shaposhnikov, K.A. Meretskov, nem os
dirigentes do Estado-Maior Geral esperavam que o inimigo fosse
concentrar tamanha quantidade de tropas blindadas e motorizadas,
lançando-as, já no primeiro dia, em grupamentos compactos em todas
as direções estratégicas.14
***
O Exército alemão entrou na União Soviética, de supetão, com 190
Divisões de elite, somando 5,5 milhões de homens, 3,7 mil tanques, mais de
50 mil canhões e morteiros e cerca de 2 mil aviões. A isso somavam-se 12
Divisões romenas, 18 Divisões nlandesas, 3 Brigadas húngaras, 2 Divisões
eslovacas e a División Azur, da Espanha. Era inevitável que um ataque de tal
envergadura conseguisse ultrapassar as defesas.
As Forças Armadas soviéticas, vistas como um todo, não eram muito
inferiores a isso, mas estavam espalhadas desde o Extremo Oriente à Europa,
ao longo de milhares de km de fronteiras. No início da invasão, não haviam
sequer concluído a fase de reestruturação e reequipamento com armas mais
modernas e não estavam em prontidão de combate. Não tiveram tempo nem
espaço para realizar manobras que pudessem permitir uma defesa e caz.
Além de superarem os adversários em quantidade e qualidade nos locais
certos, as tropas invasoras, sempre apoiadas pela aviação, logo assumiram
forte iniciativa estratégica, que lhes deu grande impulso. Nas primeiras três
semanas, os alemães penetraram entre 500 km e 600 km em território
soviético, conseguindo sitiar 28 Divisões e impor pesadas perdas em 70
delas. Muitos comandantes perderam o contato entre si e com o Estado-
Maior Central. O coronel Kotov escreveu que sua base, a 140 milhas da
fronteira, foi atacada doze vezes nos primeiros dias, perdendo 30% dos
aviões no solo e outros 30% no ar.15
O comando soviético também errou ao avaliar a direção estratégica
principal do ataque alemão. Em vez de jogar mais peso contra a Ucrânia
(grãos e carvão) e o Cáucaso (petróleo), como se previa, no primeiro
momento o comando alemão concentrou suas melhores tropas na
Bielorrúsia, o caminho mais curto para Moscou. Queria terminar a guerra
rapidamente para só depois se apossar do butim.
***
O tenente-general Shilovsky, do Estado-Maior, escreveu:
Na primeira fase da guerra, o Exército Vermelho, forçado a recuar para
o interior, manteve a defensiva estratégica, buscando (a) ganhar tempo
para o desdobramento das principais forças, (b) embaraçar, gastar e
enfraquecer o inimigo, (c) criar condições para passar à ofensiva geral.
A defensiva foi ativa. Em cada linha houve luta feroz acompanhada de
poderosos contra-ataques.16
Tudo isso é verdade, mas não toda a verdade. O que houve na primeira
fase da guerra não foi uma retirada prevista e planejada. Houve uma
retirada, muitas vezes heroica, mas em larga medida improvisada, imposta
pelos reveses. Nos primeiros três meses de guerra, o Exército Vermelho
perdeu quase 2 milhões de homens, 2/3 dos blindados e 3/4 dos aviões que
estavam estacionados na Frente Ocidental. A sensação era de derrota.
Aqui, guardadas as proporções, a história se repetiu. A célebre defesa
comandada pelo general Kutusov contra o avanço de Napoleão, em 1812,
que tão fortemente marcou a história militar da Rússia, também nasceu da
percepção de uma derrota iminente. Somente depois de uma defesa inicial
atabalhoada essa percepção foi transformada em uma estratégia consciente
que resultou no esfacelamento do Exército francês.17
O Exército Vermelho havia estudado e atualizado essa situação. O último
Regulamento de Campanha publicado antes da guerra destacava a
importância da defesa móvel:
A defesa xa tem o propósito de manter determinado terreno,
quebrando o ímpeto da ofensiva inimiga e derrotando-o. Isto obtém-se
por meio de uma resistência obstinada, em combinação com contra-
ataques previamente planejados.
A defesa móvel tem como objetivo ganhar tempo, enfraquecer o
inimigo e preservar nossas próprias forças, tendo como contrapartida a
perda de espaço. Ela inclui fustigamento e contra-ataques constantes,
controle adequado da retirada e terra devastada, com destruição de
todos os recursos potencialmente úteis ao inimigo.
A defesa móvel é usada nos casos em que uma evidente superioridade
do inimigo exclui a possibilidade de uma defesa normal ou em larga
frente [...]. A defesa móvel é conduzida com uma série de contra-
ataques e de batalhas defensivas em linhas previstas com
antecedência.18
Na guerra real, porém, as coisas não se passam como nos manuais. A
retirada é a manobra militar mais difícil de ser executada, pois as tropas que
recuam permanecem acossadas pelo inimigo, o moral delas tende a cair, e
um mau passo provoca debandada.
O Alto Comando criou uma medalha especial, chamada Ordem de
Kutusov, que deveria ser conferida aos comandantes que se destacassem
nessa manobra. Foi insu ciente. Medidas extremas impuseram-se para
controlar esse movimento e conservá-lo nos limites de uma operação militar
organizada. Isso incluiu criar destacamentos especiais de segurança,
chamados “tropas Chon” [acrônimo de “elementos de designação especial”],
tanto para impedir a in ltração inimiga entre as colunas quanto para coibir
deserções. O Comissariado da Defesa estabeleceu que esses destacamentos
teriam efetivos equivalentes a 1/9 das forças, ou uma companhia por
batalhão.
***
Em 1941, Stalin e Hitler raciocinavam segundo parâmetros estratégicos
opostos. O primeiro precisava ganhar tempo, enquanto o segundo precisava
aproveitar a calmaria na Frente Ocidental, com a França derrotada e a
Inglaterra reduzida a uma posição defensiva, para se apropriar rapidamente
dos grandes recursos do Leste, de modo a voltar fortalecido e resolver em
seguida o problema inglês. Por motivos geográ cos, os Estados Unidos
cariam para depois.
A impetuosidade de Hitler, que se demonstrou desastrosa, naquele
momento tinha sentido. Por causa da posição geográ ca do país, a
necessidade de se preparar para uma guerra em duas frentes sempre esteve
presente no pensamento estratégico alemão, que, é claro, conhecia os
perigos dessa situação. Na preparação da Segunda Guerra, a solução
encontrada foi derrotar os inimigos alternadamente, em sucessão, evitando
guerras simultâneas de alta intensidade. A Alemanha precisava travar
guerras curtas e violentas, que causassem a destruição de um inimigo de
cada vez, se possível em poucas batalhas decisivas. Era o chamado “princípio
da aniquilação” [Vernichtungsprinzip].
O manual de combate H. Dv. 487 – Führung und Gefecht der verbundenen
Wa en [Comando e combate de armas combinadas] dizia expressamente
que uma situação como a da Primeira Guerra Mundial precisava ser evitada.
Nada de guerra de posição em trincheiras, mas guerra móvel, com a
combinação de muitas técnicas e táticas e aplicação rigorosa do
Vernichtungsprinzip. Primazia da ofensiva, com combinação de ação frontal
e cerco; defesa apenas como um interregno temporal.19
Em suma, as tropas de Hitler haviam inovado a arte da guerra ao
combinarem poder de fogo, rapidez, mobilidade e exibilidade. Ofensivas
súbitas com forças blindadas, apoiadas por bombardeiros de mergulho,
rompiam as defesas estáticas, cercavam as tropas atacadas, se desdobravam
em todas as direções estratégicas e desorganizavam rapidamente a
retaguarda inimiga.
***
Joachin Fest chega a inverter o raciocínio estratégico: “A guerra na Frente
Ocidental foi apenas um rodeio, tornado inevitável para eliminar a
eventualidade de uma ameaça na retaguarda, antes de empreender a grande
campanha do Leste.”20
Fest prossegue: Hitler considerava a guerra no Ocidente “absurda e
inoportuna”. Esperava, como disse abertamente, que a Inglaterra
concordasse com uma “paz razoável” para car livre para a sua tarefa
essencial, “a luta contra o bolchevismo”. Em 23 de julho de 1940, Hitler
transmitiu ao general Franz Halder, chefe do Estado-Maior da Wehrmacht,
alguns motivos para atacar no Leste:
A Inglaterra baseia toda as suas esperanças na Rússia e na América. Se a
esperança na Rússia desaparecer, desaparecerá também a esperança na
América, pois a eliminação da primeira acarretará um grande aumento
nas possibilidades do Japão no Extremo Oriente. [...] Se a Rússia for
batida, a última esperança da Inglaterra se desvanecerá. O senhor da
Europa e dos Bálcãs será a Alemanha. Conclusão: a Rússia deve ser
destruída no decurso deste con ito.21
Fest reitera:
Em 17 de dezembro [de 1940], expondo ao general Jodl suas ideias
operacionais a respeito da campanha, [Hitler] concluiu observando que
“era necessário resolver todos os problemas da Europa continental em
1941, pois a partir de 1942 os Estados Unidos estariam preparados para
entrar na guerra”.22
Sempre se considerou que a Alemanha evitaria de qualquer jeito uma
nova guerra em duas frentes — esta, como vimos, também era a posição de
Stalin —, mas ela atacou a União Soviética exatamente para se livrar dessa
ameaça. Pois, conforme Hitler dizia, não se tratava de guerrear em duas
frentes:
Temos a possibilidade de combater a Rússia no momento em que nossa
retaguarda está livre. Não aproveitá-la seria um crime contra o futuro
do povo alemão. Estaremos em Petersburgo [Leningrado] em três
semanas.23
***
A Alemanha tinha não só sua própria economia de guerra bem ajustada.
Também controlava todos os recursos econômicos e estratégicos de países
aliados, incluindo o petróleo da Romênia, e de regiões ocupadas, incluindo a
França. Além da vantagem militar inicial, a discrepância na produção de
insumos básicos era bem grande. A Alemanha e as áreas sob sua in uência
ou ocupação produziam 32 milhões de toneladas de aço e 439 milhões de
toneladas de carvão por ano, contra 18,3 milhões e 166 milhões de
toneladas, respectivamente, pela União Soviética. A capacidade produtiva
alemã havia sido totalmente direcionada para o esforço de guerra, com a
criação de mais de 300 grandes fábricas de artefatos militares. A produção
anual ascendia a 11 mil aviões, 5,2 mil blindados, 7 mil peças de artilharia e
1,7 milhão de fuzis.
A guerra na Frente Ocidental só a fortalecera. Como ali a atividade militar
era de baixa intensidade, Hitler pôde concentrar contra a União Soviética a
mais poderosa força militar da história em um mesmo teatro de operações.
***
A ofensiva começou às 03:15h de 22 de junho. O primeiro golpe da
Lu wa e destruiu no solo a metade dos 10 mil aviões soviéticos. Blindados
cruzaram as fronteiras, rompendo defesas ou contornando tropas
estacionadas para pegá-las pela retaguarda. Na segunda leva vinham os
chamados “grupos de intervenção” das SS, cuja função era “extirpar
imediatamente a intelligentsia judaico-bolchevique”.
Em 30 de março de 1941, ainda antes da invasão, o diário do general
Halder registrou notas sobre uma fala de Hitler na Chancelaria do Reich:
Nossas tarefas na Rússia: esmagar o Exército, dissolver o Estado. Luta
entre duas concepções de mundo. O comunismo, terrível perigo para o
futuro. Abstrair qualquer ideia de camaradagem entre soldados. O
comunista não é um camarada. Esta é uma luta em que vale tudo. Nada
de julgamentos. Os chefes devem ter consciência do que está em jogo,
devem ser os guias. Os comunistas são criminosos e devem ser tratados
como tais. Os combates serão muito diferentes do que têm sido no
Ocidente. Os chefes devem dominar seus escrúpulos.24
Para garantir esta guerra de extermínio, Hitler não permitiu que a
Wehrmacht administrasse os territórios ocupados. Eles foram entregues aos
“comissários especiais do Reich”, subordinados às SS de Heinrich Himmler.
Um decreto legalizou a tortura e o fuzilamento sumário de resistentes nessa
que era, ao mesmo tempo, uma guerra ideológica e uma guerra colonial.
***
Em 27 de julho de 1941, um mês depois da invasão, Hitler escreveu:
Precisaremos dominar o Leste com 250 mil homens, mais um corpo de
bons administradores. Devemos seguir o exemplo inglês que, com um
total de 250 mil homens, dos quais 50 mil soldados, governam 400
milhões de indianos. O espaço russo será dominado pelos alemães para
sempre. Tomaremos o Sul da Ucrânia e a Crimeia para fazer ali uma
colônia exclusivamente alemã. Não será nada demais expulsar a
população que atualmente está lá. O colono alemão será um camponês-
soldado. Enviarei para lá soldados de carreira de todas as
especialidades. À disposição deles, o Reich colocará fazendas
totalmente equipadas. O solo não nos custará nada, precisaremos
construir somente as casas. Esses camponeses-soldados receberão
armas, para que ocupem seus lugares ao menor sinal de perigo. Era
assim que a antiga Áustria dominava os povos orientais.25
Em 17-18 de setembro seguinte, ele explicitou a importância que dava ao
Leste:
A luta pela hegemonia no mundo será decidida a favor da Europa com a
posse do espaço russo. Com ele, a Europa será uma fortaleza
inexpugnável, protegida de quaisquer ameaças de países ou blocos. Isso
abre perspectivas econômicas que, podemos supor, atrairão os
ocidentais mais liberais para a nova ordem. Neste momento, o essencial
é conquistar. Depois, tudo será simplesmente uma questão de
organização.26
Em 3 de outubro, fez uma Proclamação ao Povo Alemão:
Homens e mulheres alemães!
Desde 22 de junho, está em curso uma batalha de importância
decisiva para todo o mundo. Só a posteridade reconhecerá a grandeza
deste evento e suas implicações. Só a posteridade perceberá que ele
marcou o início de uma nova época. [...]
Em agosto e setembro do ano passado [1940], cou claro que uma
prova de força com a Inglaterra, que teria mobilizado a metade da
aviação alemã, não seria possível, pois atrás de nós havia um Estado que
aumentava cotidianamente sua preparação para um ataque à Alemanha.
Decidi dar o primeiro passo. [...]
Na madrugada de 22 de junho, começou a maior batalha da história
do mundo. Desde então, passaram-se cerca de três meses e meio. Posso
a rmar que tudo acontece de acordo com os nossos planos. Nunca
perdemos a iniciativa. [...]
Vocês conhecem as grandes linhas de desenvolvimento deste evento
único. Dois grandes grupos de Exércitos foram lançados para abrir uma
passagem no centro. A tarefa de um dos grupos era avançar até
Leningrado; a do outro, ocupar a Ucrânia. Essas tarefas já foram, em
grande parte, realizadas. [...] Estamos a milhares de km das nossas
fronteiras. Estamos a leste de Smolensk. Estamos diante de Leningrado
e chegando a Moscou. Estamos no mar Negro. Nós nos aproximamos
da Crimeia. Não são os russos que estão perto do Reno. [...] Atrás das
nossas tropas estende-se um território russo duas vezes maior que o
Reich alemão na época em que cheguei ao poder, em 1933, ou quatro
vezes maior que a Grã-Bretanha.
Os soldados alemães ganharam entre 800 km e 1 mil km de
profundidade, em uma linha de batalha de extensão gigantesca, lutando
contra um inimigo que, devo dizer, não é formado por seres humanos,
mas por animais ou bestas selvagens. [...]
Podemos esperar que a Providência continuará conosco.27
***
Foi Molotov, e não Stalin, quem comunicou a invasão ao povo soviético. O
comandante supremo cou em silêncio durante 15 dias, trancado com os
chefes militares, esperando para conhecer o resultado das primeiras batalhas
e sentir a reação do país. Quando falou, em 3 de julho, mostrou que havia
compreendido a extrema gravidade da situação. Pela primeira vez, começou
um discurso com as palavras “Irmãos e irmãs”:
O inimigo é cruel e implacável. Quer tomar nossas terras, regadas pelo
suor dos nossos rostos, tomar o trigo e o petróleo que resultam do
trabalho de nossas mãos. Quer restaurar o domínio dos latifundiários e
o czarismo, tornar os povos da União Soviética escravos dos príncipes e
dos barões alemães. [...] Não pode haver misericórcia com o inimigo.
Em nossas leiras não haverá lugar para chorões e covardes, alarmistas
e desertores.28
Então, veio o apelo impressionante, que foi levado ao pé da letra pelos
combatentes soviéticos:
Em caso de retirada forçada, deve-se evacuar todo o material circulante
e não deixar ao inimigo uma só máquina, um só vagão, um só quilo de
trigo, um só galão de combustível. Os agricultores devem levar todo o
trigo e todo o rebanho para a guarda segura das autoridades, para
serem transportados à retaguarda. Todos os bens de valor, inclusive
metais, trigo e combustível, que não puderem ser retirados, serão
destruídos, sem exceção. [...] Nas áreas ocupadas pelo inimigo, grupos
de sabotagem devem fomentar a guerra de guerrilhas por toda parte,
explodir pontes e estradas, dani car linhas telefônicas e telegrá cas,
incendiar orestas, depósitos e meios de transportes. Criaremos
condições intoleráveis para o inimigo e seus cúmplices. Eles devem ser
perseguidos e liquidados em cada passo, e todos os seus planos devem
ser frustrados.29
***
As falas de Hitler e de Stalin, embora antagônicas, explicitam uma questão
fundamental: a natureza da guerra no Leste, diferente de tudo o que estava
ocorrendo na frente ocidental. Ela rompeu radicalmente com o que o jurista
alemão Carl Schmitt, simpatizante do nazismo, veio a chamar de jus
publicum europaeum. Tratava-se de uma ordem espacial, constituída a partir
do século XVI, cujo grande feito foi a circunscrição da guerra e a
relativização da inimizade no espaço europeu, com a contenção do potencial
destrutivo dos con itos. Nesse espaço, desde então, a guerra passara a ser
exclusivamente negócio de Estados, envolvendo Exércitos pro ssionais, mas
preservando as sociedades.30
A partir de ns do século XIX, essa ordem começa a se dissolver, processo
que culmina justamente nas duas guerras mundiais. Ele completa-se no
con ito germano-soviético, em que a guerra se torna total e a inimizade,
absoluta. Uma grande potência europeia tradicional estava sob a ameaça de
ser exterminada.
A guerra no Leste não colocava em risco somente a União Soviética, mas a
Rússia, como povo, sociedade e cultura. Se o projeto de Hitler tivesse
vencido, as grandes cidades russas teriam deixado de existir, as terras do
Leste Europeu teriam sido distribuídas a agricultores-soldados “arianos”, e
os “eslavos” remanescentes teriam sido expulsos da Europa. Desprovidos de
Estado, se tornariam uma espécie de tribo asiática sem destino certo.
Nenhum outro grande povo já estabelecido territorialmente passou por esse
tipo de provação no mundo contemporâneo. O povo russo entendeu isso e
foi capaz de superar um desa o existencial radical.
Não devemos ironizar quando os russos se referem à Grande Guerra pela
Pátria. É uma expressão justa e adequada.
***
Depois da derrota inicial, restou aos soviéticos a estratégia de criar defesas
escalonadas em profundidade para desgastar o inimigo, impondo-lhe o
máximo de baixas e interrompendo seu avanço por algum tempo em cada
linha defensiva. Em Kiev e em Sevastopol, os soviéticos colocaram minas de
controle remoto que explodiam quarteirões inteiros depois que eles eram
ocupados pelos invasores.
Smolensk foi uma espécie de ensaio para Stalingrado. A luta, travada entre
10 de julho e 10 de setembro, custou a destruição de três Exércitos soviéticos
(um deles com apenas um sobrevivente), com 290 mil baixas. Mas exauriu
os alemães, que tiveram 250 mil baixas, e atrasou a ofensiva deles na direção
de Moscou, permitindo fortalecer as defesas da capital. Apesar da vitória
alemã, a estratégia de Hitler, de uma guerra-relâmpago, começou a ruir.
Enquanto isso, a base produtiva da União Soviética continuava a ser
sicamente transferida para regiões distantes, incluindo a Sibéria e a Ásia
Central. Nada menos que 1,5 milhão de empresas, muitas de grande porte,
foram transportadas para longe da frente ainda em 1941. Fábricas eram
adaptadas para a produção militar, e o que era produzido seguia diretamente
para as frentes de batalha. Grandes áreas do Cazaquistão, do Uzbequistão,
do Turcomenistão, do Tadjiquistão, do Quirguistão e do Azerbaijão foram
preparadas para o cultivo de alimentos, usando principalmente força de
trabalho feminina. Os homens estavam formando novos regimentos.
***
Tendo já feito 2 milhões de prisioneiros, destruído dezenas de divisões,
inutilizado milhares de tanques e aviões, em vão os comandantes alemães
esperavam o colapso iminente do Exército Vermelho. Quanto mais mortos,
feridos e prisioneiros, mais soldados russos apareciam nas frentes de
batalha.
Ao lado de Forças Armadas capazes de se expandir em quantidade e em
qualidade, incorporando sem parar novos contingentes e novos artefatos
industriais, a sociedade soviética contava com um Partido Comunista
mobilizado, vigoroso e capilarizado, fornecedor de quadros para as Forças
Armadas e organizador de uma gigantesca resistência civil que os alemães
nunca haviam enfrentado e nunca previram enfrentar. Às vésperas da
guerra, havia no Exército 563 mil comunistas, e mais de 1/3 de todo o
efetivo era liado ao Komsomol [Juventude Comunista]. Nos primeiros seis
meses de luta, chegaram às frentes mais 1,1 milhão de comunistas.31
Os soviéticos logo perceberam a importância da luta guerrilheira. Em 3 de
julho de 1941, menos de duas semanas após a invasão, o Comitê Central do
Partido Comunista baixou uma resolução especial, “Sobre a organização da
luta na retaguarda das tropas alemãs”. Os destacamentos guerrilheiros
caram em ligação com o marechal Voroshilov, do Estado-Maior, que
coordenava a logística de apoio.
Depois que a vanguarda alemã passava, militares remanescentes e
moradores civis organizavam exércitos guerrilheiros que, abastecidos por
aviões, chegaram a contar com 2 milhões de combatentes. Em 1942, os
alemães tiveram que usar 10% de suas forças contra as unidades
guerrilheiras, e em 1943 esse contingente aumentou com a chegada de 25
novas Divisões das SS e das SD, com 500 mil homens, imobilizados nos
territórios ocupados. Júkov diz que, somente em 1943, as unidades
guerrilheiras explodiram 11 mil trens, 22 mil veículos e 900 pontes
ferroviárias, entre muitas outras ações.32 O invasor não teve trégua.
***
À invasão, seguiu-se também uma reorganização institucional. Em 30 de
junho de 1941, criou-se o Comitê de Defesa Nacional (GKO, em russo),
órgão extraordinário, uma espécie de “gabinete de guerra”, com poderes
sobre todos os organismos ligados, direta ou indiretamente, à defesa
nacional. Che ado por Stalin e formado com integrantes do Politburo,
concentrou todo o poder, passando a controlar o desempenho de
instituições civis, inclusive empresas e canteiros de obras em todo o país.
Durante a guerra, o GKO emitiu cerca de 10 mil diretrizes e resoluções de
natureza econômica e militar.
Em 10 de julho, o Quartel-General do Alto-Comando foi transformado
em Comando Supremo e, a partir de 8 de agosto, em Quartel-General do
Comando Supremo (Stavka), com Stalin na posição de comandante e Júkov
como subcomandante, com mais 12 a 14 militares de alta patente, que
desenvolviam os planos estratégicos de alto nível para a condução da guerra.
O Estado-Maior das Forças Armadas passou a se subordinar diretamente ao
Stavka, provendo informações e detalhando as operações.
Assim, Stalin acumulou cinco funções de comando, algumas superpostas:
comandante supremo das Forças Armadas, através do Stavka, secretário-
geral do Partido Comunista, presidente do Conselho de Comissários do
Povo, presidente do Comitê de Defesa Nacional (GKO) e comissário do
povo para a Defesa. Instituiu uma rígida rotina de trabalho, recebendo duas
vezes por dia uma carta de situação elaborada pelo Estado-Maior, com
explicações anexadas. Controlava o que se passava em todas as frentes e na
retaguarda — muitas vezes cometendo erros — e trabalhava todos os dias
até a madrugada.
A ideia de que Stalin era um grande líder militar não se sustenta. Em
questões militares, Júkov e outros generais soviéticos eram pro ssionais
endurecidos, experimentados e completos, conhecedores do seu ofício e
capazes de manter o sangue-frio nas situações mais difíceis, enquanto Stalin,
o chefe de todos, estava em um nível claramente mais baixo. A diferença
aparecia, principalmente, no extremo cuidado dos generais antes de lançar
contraofensivas. No decorrer da luta, Stalin frequentemente se deixava
arrastar pela ansiedade e emitia ordens para contra-ataques prematuros, que
causaram muitos problemas ao Exército Vermelho.
***
Hitler precisava ganhar a guerra no Leste em poucas batalhas decisivas —
basicamente, a ofensiva inicial, Leningrado e Moscou —, pois a surpresa
produz uma vantagem transitória, não é um fator permanente. Só pode
decidir uma guerra se ela for rápida.
Em vez disso, criou-se uma situação extremamente complexa, de
combates em larga escala que se prolongavam, envolvendo todas as armas e
todas as formas de luta, espalhados por áreas muito extensas — campos,
orestas, pântanos e cidades, no ar, em rios, lagos, mares e oceanos. Passada
a primeira fase da luta, Stalin compreendeu que o tempo estava a favor da
União Soviética. Foi novamente certeiro em um discurso em 6 de novembro
de 1941:
Os alemães não possuem mais a vantagem militar que possuíram nos
primeiros meses da guerra por causa do seu ataque traiçoeiro. O
elemento surpresa e o caráter súbito do ataque já se esgotaram. Agora, o
desfecho da guerra não dependerá de questões fortuitas, e sim de
fatores permanentes: a estabilidade das retaguardas, o moral dos
Exércitos, a quantidade e a qualidade das Divisões e de seus
equipamentos e a habilidade dos comandos. Tudo isso está a nosso
favor.33
***
A imprensa alemã anunciara que a campanha duraria três meses. Mesmo
depois desse prazo, Hitler e seu Alto Comando continuavam transmitindo
otimismo, mas ele se tornou cadente conforme o tempo passava e as vozes
dos campos de batalha começavam a chegar. A Wehrmacht havia capturado
um grande território. Mas, como Clausewitz a rmava, o principal objetivo
de um Exército em guerra não é avançar sobre territórios, mas destruir os
Exércitos inimigos. O Exército Vermelho sofrera grandes baixas, humanas e
materiais, mas continuava ativo e se fortalecendo, graças às suas imensas
retaguardas.
O general Franz Halder, chefe do Estado-Maior alemão, se expressou
assim no seu diário:
22 de junho. Surpreendemos o inimigo ao longo de toda a linha. O
Grupo de Exércitos Centro informa a completa desorganização do
comando russo. As forças deles não haviam sido dispostas taticamente
para a defesa.
23 de junho. Duvido que o Alto Comando inimigo tenha controle
uni cado da situação. Limita-se a acompanhar os recuos locais, sob
pressão dos nossos avanços. É impossível falar de um movimento geral
e organizado de retirada.
24 de junho. Não há exagero em dizer que a guerra na Rússia estará
ganha em duas semanas.
25 de junho. A Força Aérea inimiga está completamente fora de ação
depois de suas perdas iniciais. Os relatos falam em 2 mil aparelhos.
8 de julho. O inimigo não está em condições de se estabelecer em uma
posição contínua, mesmo em terrenos favoráveis. O plano aparente do
Alto Comando do Exército Vermelho é controlar o avanço alemão de
modo ativo na medida do possível. Está esgotando sua capacidade em
contra-ataques incessantes com as reservas disponíveis.
16 de julho. Os ocupantes dos abrigos deixam-se fazer explodir, mas
não se entregam. [...] Os relatórios de todas as frentes con rmam que os
soviéticos estão lutando até o último homem. [...] Pela primeira vez,
nossas tropas enfrentam uma resistência tremenda.
18 de julho. O inimigo está combatendo com fanatismo e invulgar
determinação.
20 de julho. O inimigo conserva-se ativo em bolsões em nossas
retaguardas, um problema delicado.
10 de agosto. Subestimamos o inimigo. O colosso russo preparou-se
consistentemente para a guerra. [...] Quando a luta começou, entramos
em choque com 200 Divisões. Agora já estamos enfrentando 360.
Quando passamos por cima de uma dúzia delas, os russos colocam
outras tantas na luta. [...] Nossas últimas reservas já foram usadas.
Estamos fazendo a última tentativa para impedir que nossas frentes se
transformem numa guerra de posição.34
No dia 19 de agosto, o general Buhle informou a Halder que somente 60%
dos blindados do Grupo de Exércitos Centro permaneciam operacionais e a
artilharia tinha di culdades para acompanhar o avanço das tropas: “O
declínio do poder de combate das Divisões de Infantaria é da ordem de 40%
e o das Divisões Blindadas atinge 50%.” No dia 24, Halder anotou: “Nossas
divisões blindadas têm agora tão pequeno poder de combate que não
contam com pessoal para manter as áreas conquistadas.”
A partir daí, as tropas continuaram a avançar, mas as di culdades
aumentaram: em setembro, o Grupamento de Blindados n. 2 informou a
perda de 25% dos seus tanques, enquanto a Força Aérea reportava que
contava com somente 995 aviões em condições de voar, no lugar dos 1.900
originais. Em dezembro, quinto mês da invasão, os alemães registraram 830
mil baixas acumuladas, equivalentes a 25% de suas tropas no Leste. “As
tropas estão apáticas, a situação é desalentadora”, escreveu o general Von
Kluge.
Em maio de 1942, o general Buhle informou que “nossas reservas de
tanques terminaram”. Os problemas de logística aumentaram. Em 17 de
janeiro de 1942, Halder escreveu: “A situação das ferrovias é desastrosa. A
ação guerrilheira impede o deslocamento seguro das composições.”
***
Na época, a metade da população soviética ainda era formada por
camponeses, maioria nas Forças Armadas, especialmente na infantaria. O
tenente-general Martel, observador militar da Inglaterra no teatro de
operações, percebeu a importância disso:
Os homens [do Exército Vermelho] provavelmente são o melhor
material do mundo para se formar um Exército. Antes de tudo, são
camponeses acostumados a viver em campo aberto. Raramente perdem
a direção. Fazem uso adequado do terreno e se escondem com muita
facilidade. Ninguém deve duvidar de sua bravura no campo de batalha,
mas o mais impressionante é sua resistência. As tropas russas
executaram marchas forçadas para escapar da destruição pelas forças
alemãs no movimento de pinças de 1941, fazendo 30 a 40 milhas por
dia, durante muitos dias, carregando grande quantidade de material nas
costas. Se dermos um fuzil a um soldado russo e a mesma arma a um
alemão, o russo vencerá.1
O marechal de campo Paul Ludwig von Kleist, alemão, con rma a
impressão do colega inglês:
Os russos são atiradores de primeira linha. Com a experiência, tornam-
se soldados de primeira classe. Combatem mais resolutamente, com
mais resistência, e podem levar adiante certas iniciativas que em outros
Exércitos exigiriam mais recursos.36
***
As tropas soviéticas tinham outras vantagens. Combatendo durante quase
toda a guerra em seu próprio território, com apoio de seu povo e num teatro
de operações cada vez mais extenso, elas superavam as alemãs, de longe, nas
artes da camu agem e da dissimulação, na logística e nos trabalhos de
inteligência, sem falar na dimensão política e estratégica da luta, que os
invasores sempre subestimaram. Operando muitas vezes às cegas, os
comandantes alemães eram forçados a se preparar para as ações soviéticas
potencialmente mais perigosas, e não para as mais prováveis, o que
di cultava a otimização das decisões.
Os soviéticos usavam muita desinformação. As tropas da retaguarda eram
movimentadas numa direção e à noite marchavam para outra. Movimentos
de última hora frequentemente enganavam o inimigo em relação à direção
de um ataque. Relatório do Serviço Secreto Alemão sobre “Indícios de
Ataques Soviéticos” dizia:
Além de e ciente camu agem, os movimentos decisivos são realizados
à noite. As tropas usadas nunca são reunidas logo atrás do setor a ser
rompido, mas frequentemente junto a outros, de valor secundário ou
sem importância. O uso de ordens escritas nas operações é proibido
antes dos ataques. Os blindados cam em orestas, camu ados e
abrigados. A preparação de cada ataque inclui um plano de
dissimulação que ca a cargo do Estado-Maior. As posições de bateria
são preparadas em vários setores da frente e ocupadas por armas falsas,
e a partida das tropas para o ataque é disfarçada por meio de ruídos
falsos.37
Isso durou toda a guerra. O resultado das batalhas decisivas de
Stalingrado (julho de 1942-fevereiro de 1943) e de Kursk (julho-agosto de
1943) foi in uenciado por esse tipo de logro. Em Stalingrado, os alemães
não foram capazes de detectar a preparação de uma contraofensiva que
envolveu o deslocamento de 10 Exércitos combinados, 2 Exércitos
blindados, 4 Forças Aéreas, 3 Exércitos de cavalaria, mais de 15 mil peças de
artilharia e morteiros, 1,5 mil blindados e canhões autopropulsados e 1,4 mil
aviões de combate. Tudo movimentou-se sempre à noite, em segredo,
protegido dos voos de reconhecimento da aviação alemã.
Em Kursk, de acordo com o major-general Formichenko,
[...] no verão de 1943, quando as tropas soviéticas se preparavam para
repelir os ataques inimigos, camu aram suas posições de modo
perfeito. Os aviões de reconhecimento alemães só viam campos vazios,
mesmo voando baixo. Mas nessas áreas estavam regimentos soviéticos
inteiros, com artilharia, morteiros e blindados, muito bem escondidos.
[...] Quando os alemães desencaderam sua ofensiva em Kursk,
desconheciam a localização das defesas soviéticas. Os comandantes
russos enganaram o inimigo não somente com perfeita camu agem de
suas posições defensivas, mas também por terem construído posições
falsas — cerca de 1,5 mil falsas trincheiras, posições de baterias, postos
de observação, cerca de 900 blindados e 200 aviões, todos falsos. Os
alemães foram completamente enganados. Sua artilharia e seus aviões
bombardearam posições onde não havia nada.38
O Exército soviético fabricou 5 mil réplicas de blindados e 2 mil de aviões,
além de construir falsos hangares e aeroportos. Tiros diversionistas eram
muito usados para falsear um setor incumbido de um ataque e atrair o fogo
inimigo, revelando as posições dele. A proteção da noite e cortinas de
fumaça eram largamente usadas para encobrir o movimento de tropas,
como ocorreu na travessia do Donetz no verão de 1943. Tudo isso
contribuiu para aumentar as di culdades dos alemães.
***
Era uma luta de gigantes. Em novembro de 1942, os alemães mantinham
na União Soviética 266 Divisões, com 6,2 milhões de homens, quase 52 mil
peças de artilharia e morteiros, mais de 5 mil blindados e 3,5 mil aviões. Na
mesma época, a União Soviética tinha mobilizado 6,6 milhões de homens,
78 mil peças de artilharia e morteiros, 7,4 mil blindados e 4,5 mil aviões.
Dezenas de milhões estavam na retaguarda. No primeiro ano e meio de
guerra, as ferrovias transportaram 6,35 milhões de vagões com material
militar, enquanto os aviões conduziram 532 mil combatentes. É
extraordinariamente difícil manter Exércitos de 6 milhões de homens em
operação, sob fogo inimigo, como massas organizadas e móveis, compactas
em certas áreas, respondendo a comandos centralizados.
A Wehrmacht dispunha de uma doutrina tática e operacional muito
avançada, condensada, como vimos, na expressão Blitzkrieg [guerra-
relâmpago]. Foi um dos Exércitos mais e cientes de todos os tempos,
combinando blindados, forças motorizadas e aviões em manobras novas e
ousadas. Um dos conceitos-chave da organização militar alemã era o de
Au ragstatik, que não tem tradução exata, mas quer dizer aproximadamente
“ordem de tipo-missão”. Os comandantes deviam orientar os subordinados
sobre quais eram os objetivos e em que prazo eles deveriam ser atingidos,
sem necessariamente orientá-los sobre como atuar. Isso garantia a
exibilidade tática e incentivava o espírito de iniciativa dos comandos
intermediários.
Brilhantes nos aspectos táticos e operacionais, os comandantes alemães
falharam em aspectos estratégicos. Os soviéticos sempre consideraram que o
ponto fraco da Blitzkrieg era a desatenção dos alemães em relação às
reservas, como se fosse possível manter o ímpeto inicial até a vitória. Nesse
aspecto crucial, duas doutrinas se chocaram.
Em dezembro de 1942, os alemães ocupavam 1,8 milhão de km2 de
território soviético, onde antes da guerra viviam 80 milhões de pessoas. Mas
seu avanço já estava bloqueado em todas as direções. As baixas chegavam a
2,5 milhões de mortos, feridos e desaparecidos entre as melhores tropas da
Wehrmacht. Conforme ela avançava, suas manobras perdiam e ciência, pois
a aviação não conseguia mais garantir cobertura plena a linhas terrestres
bifurcadas demais e estendidas demais.
O Exército Vermelho, por sua vez, mantinha grandes reservas, justamente
o que as forças alemãs não tinham. Para os alemães, lançar tropas novas
numa batalha ou deslocar tropas de um ponto ao outro era lidar com um
cobertor curto. Para os soviéticos, não. Júkov é claro:
A principal ferramenta de combate, que mudava radicalmente uma
situação estratégica de forma inesperada pelo inimigo, era e continuou a
ser, durante toda a guerra, o uso das reservas do Quartel-General. O
engajamento das reservas estratégicas nas batalhas só ocorria quando
cava clara a direção principal.39
***
Grandes reservas têm um sentido estratégico — e não apenas tático —
fundamental. Elas dão, ao comando, os graus de liberdade que ele precisa
para de nir o golpe principal, aquele que ocorre onde e quando a derrota
inimiga é mais decisiva. Esse golpe exige mobilizar, de maneira combinada,
diferentes tipos de forças no local e no momento certos. Sua determinação
não é trivial. É o fundamento da própria estratégia.
Por isso, entre as três grandes frentes em que o Exército Vermelho estava
organizado em Moscou, uma delas era a Frente Reserva. Em novembro de
1942, ela reunia, disponíveis, 27 Divisões de Infantaria, 5 Corpos de
Exércitos blindados e mecanizados e 6 Brigadas independentes de
infantaria. Além delas, os soviéticos mantinham reservas táticas,
operacionais, organizadas no nível de Divisões ou mesmo de unidades
menores. Elas tinham três tarefas principais: (a) em situações de defensiva,
“costurar” as tropas, prenchendo lacunas e impedindo que o inimigo
conseguisse romper as formações; (b) em situações de ofensiva, repelir
qualquer tentativa de contra-ataque; (c) depois de uma vitória, garantir o
aproveitamento do êxito, consolidando posições ganhas e reforçando a
perseguição dos inimigos em retirada.
O Alto Comando alemão havia se preparado para uma guerra rápida. A
inesperada resistência soviética levou-o a uma posição errática. Vimos que a
dura batalha em Smolensk havia desviado para lá parte das tropas que
deviam seguir direto a Moscou. Veremos que, diante do impasse em
Leningrado, o Alto Comando alemão optou por retirar da Frente Norte
grande parte da Força Aérea e das tropas blindadas para reforçar o ataque a
Moscou, que antes havia sido desfalcado. A derrota em Moscou transformou
o petróleo do Cáucaso — leia-se, Stalingrado — em prioridade.
***
A derrota em Stalingrado prenunciou uma nova in exão estratégica, com
os soviéticos passando a lutar para a frente e os alemães para trás. Hitler
tentou retomar a ofensiva no saliente de Kursk, onde perdeu novamente.
Pesava decisivamente a desmedida extensão das linhas de um Exército cuja
doutrina sempre privilegiara a ofensiva. Se levarmos em conta todo o teatro
da guerra, essas linhas iam do Norte da África à Noruega e dos Bálcãs ao
Canal da Mancha, tangenciando Moscou, no interior, e incluindo o
Atlântico Norte.
O contrário ocorria com os soviéticos, detentores de reservas estratégicas
que eram lançadas na luta, em qualquer lugar, sem desfalcar as forças
combatentes. Não era um conhecimento empírico, feito de experimentação
e erro. Era doutrina. O Regulamento de Combate do Exército Vermelho
dizia:
É impossível lutar em toda parte com a mesma força. É preciso garantir
superioridade decisiva sobre o inimigo na direção fundamental por
meio de uma reorganização de forças e de meios. Nos pontos
secundários, cabe usar somente as forças indispensáveis à cobertura
exigida. O combate ofensivo exige a coordenação do maior número de
forças e de meios e a obtenção de uma superioridade esmagadora na
direção do esforço principal.40
À estratégia alemã de um único golpe devastador que depois se
desdobrava no tempo, restou aos soviéticos contrapor contragolpes
sucessivos, de intensidade crescente. O poderoso Exército alemão não
poderia ser aniquilado em uma ou poucas batalhas, mas, como o de
Napoleão, poderia ser minado em muitas campanhas.
Nas condições em que a guerra foi travada na frente ocidental, a doutrina
alemã foi e caz. No Leste, prevaleceu a estratégia soviética:
Nossa vitória nasceu de manobras bem-feitas com reservas estratégicas
e graças a um sistema muito bem estruturado de forças. As guerras não
são ganhas por quem lança todas as suas forças nas primeiras batalhas,
mas sim por quem as usa sucessivamente, depois de ter calculado a
derrota do inimigo.41
***
A primeira fase da invasão consumiu tempo e energia demais,
combatentes e equipamentos demais, o que tornou inviável levar o plano da
guerra-relâmpago até o nal planejado. Ao chegarem a Leningrado e a
Moscou, os alemães estavam exaustos. E encontraram duas fortalezas. Na
expressão de Júkov, a União Soviética tornara-se um grande acampamento
militar. O povo russo havia decidido não desaparecer.
Foram 900 dias de cerco em Leningrado (setembro de 1941 a janeiro de
1944), com a população dependendo, principalmente, de abastecimento
pelo ar. Mais de 640 mil pessoas morreram, principalmente de fome, mas a
cidade não se rendeu.
Com mais de 3 milhões de habitantes, Leningrado era a segunda maior
cidade da União Soviética, berço da Revolução, importante centro político,
econômico, cultural e industrial, além de porto marítimo e sede da poderosa
Frota do Báltico, que não poderia operar por muito tempo sem suas bases
em terra. Em caso de queda, os soviéticos haviam planejado explodir as
instalações militares e industriais da cidade.
O plano nazista era obter uma vitória rápida que lhes permitisse liberar
contingentes para criar, a partir do Norte, uma nova frente contra Moscou, o
que esgotaria as reservas estratégicas do Quartel-General Soviético. O plano
frustrou-se pela tenaz resistência contra as investidas por terra, os
bombardeios e a fome, com ampla participação da população civil. Os
homens formaram milícias, posicionadas em profundidade, enquanto
mulheres, crianças e idosos trabalhavam em funções de apoio e no manejo
da defesa aérea. Cerca de 400 grupos guerrilheiros atuavam na retaguarda
alemã.
Dois o ciais soviéticos descreveram a defesa da cidade:
Uma massa tremenda de canhões cava parcialmente disfarçada, todos
em boa posição para observar o inimigo e invulneráveis aos seus
obuses. Os canhões pareciam ter nascido do solo, envolvidos em
concreto e revestidos de aço. Os artilheiros, com auxílio dos
engenheiros, construíam abrigos e trincheiras com os materiais do
lugar. Canhões colocados em posição de tiro direto, dentro de pontos
fortes de defesas antitanques, preparavam-se para o tiro em massa
contra qualquer ponto da frente.42
Júkov, que também estava lá, escreveu:
Não raro, Divisões inteiras, incluindo regimentos de artilharia, foram
colocadas em posição de combate aberto, destruindo pelo fogo direto o
inimigo que avançava. Somente em Ligovo-Pulkovo, colocamos mais de
500 peças de artilharia em posição de tiro direto.43
Não foi uma situação única. O historiador francês Raymond L. Gartho
diz que, durante a guerra, aproximadamente 25% da artilharia soviética
foram usados em fogo direto, em distâncias de 20 a 900 metros,
principalmente nas batalhas defensivas, mas também, depois, em Berlim.
Em 9 de agosto de 1942, dia em que Hitler havia marcado um banquete
para comemorar a esperada queda da cidade, músicos militares e
sobreviventes da Orquestra da Rádio local, sob a direção do maestro Karl
Eliasberg, realizaram no Teatro Púshkin a primeira audição mundial da
Sinfonia n. 7 de Shostakovich, denominada Leningrado. Durante os ensaios,
os músicos frequentemente desmaiavam de fome, especialmente os que
tocavam instrumentos de sopro, e três deles morreram. Logo antes do
concerto, as forças soviéticas realizaram fortes bombardeios para forçar as
tropas alemãs a buscarem abrigo e carem em silêncio durante a
apresentação. A sinfonia foi transmitida às tropas soviéticas por rádio e à
cidade e às tropas alemãs por alto-falantes.
***
Os soviéticos não podiam romper o cerco e os alemães não conseguiam
entrar na cidade. Durante esse impasse, a aviação soviética de
reconhecimento identi cou um grande movimento de colunas motorizadas
e blindadas partindo de Leningrado na direção de Moscou. Os alemães
haviam decidido começar logo a nova fase da batalha pela capital.
A defesa de Moscou organizava-se em três frentes — Ocidental, Reserva e
de Bryansk —, que somavam 1,25 milhão de homens, 990 blindados, 7,6 mil
peças de artilharia e morteiros e 667 aviões militares. O comando soviético
identi cou corretamente a concentração dos destacamentos alemães e as
direções dos ataques principais, pelo norte e pelo sul. As principais unidades
de tanques foram dispostas nas direções mais sensíveis. Os moradores
formaram Divisões de milícias populares, com unidades especiais de
exploradores, sapadores e esquiadores que faziam a ligação com os grupos
guerrilheiros que atuavam na retaguarda.
Centenas de milhares de cidadãos trabalharam dia e noite na construção
de linhas defensivas em torno da capital. Somente no cinturão interno havia
250 mil pessoas, das quais 3/4 mulheres e adolescentes que cavaram 72 km
de valas antitanques, 80 km de fossos com escarpas, 52 km de obstáculos,
128 km de trincheiras, removendo 3 milhões de m3 de terra com pás e
carrinhos de mão. Fábricas de automóveis produziam metralhadoras,
fábricas de válvulas produziam rolamentos, fábricas de relógios produziam
detonadores de minas, o cinas de automóveis consertavam tanques, fábricas
de alimentos infantis faziam rações para soldados, e assim por diante. Stalin
e as demais lideranças permaneceram na cidade, mesmo quando a
vanguarda alemã já avistava, com binóculos, as torres do Kremlin.
Nas suas memórias, Júkov escreveu:
Em 1º de novembro de 1941, fui chamado ao Quartel-General do
Comando Supremo. Stalin me disse:
— Queremos realizar em Moscou uma parada militar para
comemorar a Revolução de Outubro. Você acha que a situação na frente
permitirá isso?
— Nos próximos dias — respondi —, o inimigo não lançará
nenhuma grande ofensiva. Ele sofreu grandes perdas nas batalhas
anteriores. Precisa se reabastecer e reagrupar as tropas. Podemos
reforçar a defesa aérea e trazer para Moscou a aviação de caça das
frentes vizinhas para se opor à aviação inimiga, que certamente vai
atuar.
[...] Foi assim que, em 7 de novembro [data da Revolução pelo novo
calendário], houve a tradicional parada militar na Praça Vermelha. Os
soldados seguiram diretamente do des le para o front. Foi um evento
fundamental para o fortalecimento moral do Exército e do povo.44
***
Logo apareceram na batalha os novos tanques T-34, o que levou o general
Heinz Guderian a reconhecer que os alemães haviam perdido a
superioridade em blindados: “Desapareceram as perspectivas de sucesso
rápido”, escreveu. Tinha razão. Nos primeiros 20 dias da ofensiva, os alemães
perderam 155 mil homens, cerca de 800 blindados, centenas de peças de
artilharia e grande número de aviões.
Sobre o papel do clima, Júkov escreveu:
Obviamente, as condições do tempo desempenham seu papel em
qualquer ação militar, mas isso afeta ambos os lados. Se os nazistas
foram mais afetados foi porque o competente Estado-Maior do seu
Exército acreditou que derrotaria a União Soviética em uma campanha
de poucos meses, que no inverno já estaria encerrada. No mesmo
degelo e na mesma lama que afetavam os alemães estavam milhares de
moradores de Moscou, especialmente mulheres, cavando valas e
trincheiras, construindo cercas e transportando sacos de areia. A lama
grudava nos pés, nas pás e nas rodas dos carrinhos de mão.
Em outubro de 1941, o degelo começou a diminuir, e no início de
novembro vieram o frio e a neve, o que tornou as estradas transitáveis
novamente. Durante os dias da ofensiva geral de novembro, a
temperatura variou entre 7 e 10 graus negativos, o que acaba com a
lama.45
***
Com o impasse em Leningrado e a derrota em Moscou, os alemães foram
forçados a travar outro tipo de guerra. Apesar de ainda poderosa, a
Alemanha não tinha mais condições de atacar em todas as direções
estratégicas, como em 1941. Hitler decidiu, então, concentrar forças na
conquista de regiões economicamente relevantes, para só depois voltar a
pressionar Leningrado e Moscou.
Stalingrado tornou-se o alvo principal. O porto uvial controlava o
grande uxo de cargas pelo rio Volga e era local de passagem para o petróleo
do Cáucaso. Em 29 de agosto, Júkov voou para a cidade, já reduzida a um
monte de escombros pela aviação alemã. Em 3 de setembro, recebeu um
telegrama de Stalin:
A situação piorou. O inimigo está a 3 milhas da cidade, que pode cair
hoje ou amanhã se o destacamento de tropas do Norte não apoiá-la
imediatamente. Exija dos comandantes de tropas ao norte e ao noroeste
que ataquem imediatamente o inimigo e venham em apoio aos
habitantes. Qualquer atraso é inaceitável. Use toda a aviação no apoio à
cidade. A força aérea remanescente em Stalingrado é muito pequena.46
Júkov cumpriu a ordem, sabendo que as tropas lutariam quase sem
munição. Foi uma batalha feroz, casa a casa, em que as instalações
disputadas trocavam de mãos várias vezes num mesmo dia. Foi necessário
bastante tempo para romper o equilíbrio de forças, mas, a nal, com a
chegada de tropas de reserva, os soviéticos montaram um rolo compressor
com 2 para 1 na infantaria, em tanques e em aviões e quase 3 para 1 na
artilharia. Sobre o golpe nal, o coronel Zamiatin escreveu:
Se tivéssemos investido apenas em uma direção, os alemães teriam
podido, em dois dias, ter concentrado pelo menos seis Divisões,
inclusive quatro de tanques, contra esse local de ruptura. Como as
linhas foram rompidas em vários lugares de uma só vez, o Alto
Comando Alemão tornou-se incapaz de adotar boas manobras. Além
disso, em muitos lugares a nossa penetração atingiu 40 km, de modo
que as unidades do Exército inimigo perderam o contato entre si. E, por
termos organizado a nossa ofensiva ao longo de uma frente de 400 km,
impedimos que as unidades de reconhecimento do inimigo
percebessem alguma concentração de forças em um ponto qualquer.
Operamos na base do segredo e da surpresa.47
Entre 31 de janeiro e 2 de fevereiro de 1943, renderam-se os
remanescentes do VI Exército alemão, comandado pelo marechal de campo
Von Paulus. Deixara de existir o maior grupamento de forças reunido pela
Alemanha nazista: desapareceram 32 Divisões e 3 Brigadas, enquanto outras
16 Divisões perderam entre 50% e 75% dos seus combatentes. A Alemanha
perdeu 1,5 milhão de homens, 3,5 mil blindados, 12 mil peças de artilharia e
morteiros, 3 mil aviões e outros equipamentos. A situação estratégica da
guerra invertera-se.
***
A vitória em Stalingrado foi seguida de vitórias menores, mas
signi cativas, que forçaram um amplo recuo do Exército invasor. Nesse
contexto, o Alto Comando alemão organizou contra-ataques que
culminariam com a eliminação do saliente de Kursk. Em 8 de abril, Júkov
telegrafou a Stalin:
Em algum momento o inimigo desencadeará grandes operações
ofensivas contra as nossas Frentes Central e Sudoeste. Se derrotar
nossas forças nessa zona de ação, terá liberdade de manobra para
envolver Moscou pela rota mais curta. Aparentemente, na primeira fase
o inimigo reunirá o máximo de suas forças, incluindo 13 a 15 Divisões
Blindadas. Com apoio de grande quantidade de aviões, lançará um
ataque. Com seu destacamento de Orel-Krom envolverá Kursk pelo
Nordeste e com o destacamento de Belgorod-Kharkov virá pelo
Sudeste.48
A avaliação de Júkov era absolutamente certeira. Uma semana depois,
Hitler enviou uma mensagem ultrassecreta para os generais do Alto
Comando, tratando de uma ofensiva com o nome em código de Cidadela:
O objetivo da ofensiva é um ataque concentrado, rápido e decisivo, com
um Exército de assalto partindo de Belgorod e outro do Sul de Orel para
cercar e destruir as tropas em Kursk por meio de um duplo
envolvimento.49
***
Os dois lados avaliavam que esta batalha poderia rede nir a situação geral
do con ito. Um ataque bem-sucedido das forças alemãs tornaria possível a
preparação de nova contraofensiva na direção de Moscou, enquanto uma
vitória soviética criaria condições para libertar a região do Donbass, a
fronteira ocidental da Ucrânia e o Leste da Bielorrússia, tornando possível
planejar a tomada de Berlim. A segurança das duas capitais estava em jogo.
Cada lado concentrou lá a elite dos seus generais: Júkov, Vatutin,
Rokossovsky e Konev che avam as tropas soviéticas, enquanto Von
Manstein, Zeitzler, Hoth e Model comandavam os alemães.
Hitler mobilizou 900 mil homens para a operação Cidadela, divididos
entre as suas 50 melhores Divisões, sendo 16 delas blindadas e mecanizadas.
Completavam as tropas 11 batalhões blindados, 2,9 mil tanques e mais de 2
mil aviões, equivalentes a 60% do poderio aéreo alemão no Leste. Os
soviéticos não caram atrás: 940 mil homens, 3,2 mil tanques, 9,5 mil armas
pesadas e 2,1 mil aviões.
O movimento guerrilheiro foi mobilizado, primeiro fornecendo
informações sobre a localização e os movimentos de tropas, depois em ações
de sabotagem realizadas em grande escala. Júkov avalia que atrás das linhas
inimigas estavam ativos mais de 120 mil guerrilheiros, divididos em cerca de
650 grupos. Veio deles, em 2 de julho, a informação de que as tropas alemãs
haviam se posicionado para a ofensiva. Na madrugada de 5 de julho, os
soviéticos se anteciparam.
Júkov estava lá e conta:
Às 02:20h foi dada a ordem para iniciar a contrapreparação da
artilharia. Tudo revirou-se. Ecoou um terrível rugido. Começava a
grande batalha de Kursk. Ao som dessa sinfonia infernal, uniram-se os
disparos da artilharia pesada, explosões das bombas da aviação,
foguetes M-31 Katyusha e o ininterrupto ronco dos motores das
aeronaves. As forças inimigas estavam a menos de 20 km de distância
de nós. Ouvíamos e sentíamos os fogos pesados e, sem querer, pairava
em nossas mentes o terrível quadro que se instalou na cabeça de ponte
inimiga, atingida de maneira inesperada pelo furacão dos fogos da
contrapreparação.50
Na sequência dos acontecimentos, ocorreu nas regiões de Kursk, Orel e
Belgorod a maior batalha de tanques da história, entre 5 de julho e 23 de
agosto de 1943. A elite restante das forças alemãs foi derrotada.
***
Em dezembro de 1943, a liderança soviética analisou globalmente o
cenário, levando em conta meios materiais, localização das tropas, reservas e
moral, e concluiu que o ponto de in exão da guerra havia sido alcançado. A
União Soviética alcançara superioridade militar e econômica. Tratava-se,
agora, de transformar essa vantagem potencial numa estratégia segura, a ser
implantada no ano seguinte.
Alguns generais propuseram uma marcha mais ou menos direta em
direção a Berlim, mas Júkov foi contra, ainda temendo contra-ataques. O
Estado-Maior de niu, então, os dez passos que o Exército Vermelho deu, ao
longo de 1944, antes de conquistar a capital do Terceiro Reich:
1. A contraofensiva em Leningrado e Novgorod em janeiro, quando as
tropas soviéticas nalmente romperam o cerco e tomaram a iniciativa no
Báltico (em 18 de janeiro de 1944, dia em que o cerco de Leningrado foi
nalmente rompido, Júkov recebeu a patente de Marechal da União
Soviética).
2. A vitória nas operações ofensivas em fevereiro e março na fronteira
oriental da Ucrânia.
3. A libertação de Odessa, de Sevastopol e da Crimeia em abril e maio.
4. A libertação de grande parte da Karelia, que enfraqueceu as tropas
alemãs no Ártico e colocou a Finlândia (aliada da Alemanha) em posição
vulnerável.
5. A libertação da Bielorrússia, do Leste da Polônia e da maior parte da
Lituânia em junho e agosto, com a vitória sobre 20 Divisões de elite do
poderoso Grupo de Exércitos Centro do Exército alemão.
6. A passagem do rio Vístula, na região de Lvov, na Ucrânia, com o
estabelecimento de duas bases de operações no Sul de Varsóvia, pontos de
apoio para o futuro ataque a Berlim.
7. O cerco e a vitória sobre as forças alemãs na Moldávia e na Romênia,
com a destruição de 22 Divisões alemãs, e o apoio à revolução popular na
Bulgária.
8. A libertação da Estônia e de grande parte da Letônia no outono,
emparedando as tropas alemãs contra o mar Báltico e forçando a Finlândia a
assinar um cessar-fogo.
9. Entre agosto e dezembro, a ultrapassagem dos rios Tisza e Danúbio, na
Hungria, e o apoio direto à resistência iugoslava, que libertou Belgrado.
10. A expulsão das tropas alemãs do Ártico soviético e da região Nordeste
da Noruega em outubro.
***
Ao Terceiro Reich restava apenas uma opção: produzir em Berlim uma
“Stalingrado às avessas”, derrotando o Exército Vermelho na luta urbana
para poder barganhar uma rendição negociada, preferencialmente, com
americanos e ingleses.
Com a aproximação do Exército Vermelho, a população foi advertida da
iminência de intensos combates, que seriam travados nos subsolos, na
superfície e no ar. As redes de metrô e de esgotos teriam papel substancial
no deslocamento de tropas. As forças remanescentes da Wehrmacht e das SS
foram concentradas na cidade, acrescidas de unidades de Polícia e de 200
novos batalhões formados com população civil, inclusive idosos e
adolescentes. Mais de 400 mil pessoas foram mobilizadas, com bairros
residenciais transformados em fortalezas, abrigando tanques profundamente
entrincheirados. A Juventude Hitlerista foi armada com lança-rojões
antitanques. Toda a artilharia antiaérea disponível foi trazida, não só
apontada para o ar, mas também preparada para efetuar tiros diretos em
tropas de infantaria e em blindados nas ruas.
Contra isso, Júkov planejou um ataque devastador. O Regulamento de
Combate da Artilharia Soviética estipulava como norma de ataque
concentrar 60 a 80 canhões por km na largura da frente. Nas principais
batalhas, essas normas sempre foram ultrapassadas, com 365 peças por km
de largura em Stalingrado. Em Berlim, foram 670 peças por km de largura, o
que dá uma ideia da intensidade de fogo alcançada. Depois de todos os
cuidados na preparação da ofensiva, ela deveria irromper com força
máxima, com dezenas de milhares de canhões e morteiros, bem como suas
unidades de apoio.
O início da operação exigia que 7,1 milhões de projéteis de artilharia
estivessem disponíveis nas baterias. O esforço de logística foi sem
precedentes: “Se dispuséssemos em uma linha reta os trens com as cargas
embarcadas para esta operação, eles se estenderiam por mais de 1,2 mil
km.”51
Foram construídas 25 pontes e 40 passadeiras utuantes sobre o rio Oder:
“Os trabalhos de construção da engenharia realizavam-se muito próximos
das linhas de frente, sob disparos da artilharia e investidas da aviação
inimiga”, exigindo “cobertura de múltiplos fogos de baterias antiaéreas e
patrulhamento contínuo por dezenas de aviões de caça”. Em toda a batalha,
foram usados 8,4 mil aviões, que realizaram 70 mil saídas de combate.
***
Em 16 de abril, as tropas ouviram em silêncio a ordem do dia:
Soldados, sargentos, o ciais e generais. Queridos camaradas.
Chegou a hora da batalha decisiva, na capital do Estado fascista
alemão. [...] Suas unidades cobriram-se de glória eterna. Para vocês, não
houve obstáculos nos muros de Stalingrado, nas estepes da Ucrânia, nas
orestas e pântanos da Bielorrússia. Vocês também não foram detidos
pelas poderosas forti cações que superaram para chegar aqui.
Berlim encontra-se à sua frente, heróis soviéticos. [...] O Conselho
Militar acredita que os gloriosos militares da Primeira Frente da
Bielorrússia cumprirão honrosamente a missão que receberam e com
uma nova vitória erguerão a sua bandeira de batalha.
Avante, ao assalto a Berlim!
Marechal da União Soviética G. Júkov
Notas
1
Tukhachevsky, “O Exército Vermelho e a milícia”, janeiro de 1921, citado em Eric Wollemberg, O
Exército Vermelho. Londres, 1940, p. 171-173.
2
Stalin, Obras escolhidas, v. 4, 1947.
3
Trotsky, discurso em 21 de abril de 1918, Obras escolhidas, v. 17, Moscou-Leningrado, 1926, p. 236.
4
Mikhail Frunze, “A reorganização do Exército Vermelho”, citado por Georgy Júkov, Memórias e
re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
5
Truppenführung: On German Art of War. Londres, Lynne Rienner Publishers, 2001.
6
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
7
Raymond L. Gratho , A doutrina militar soviética, Biblioteca do Exército, 1957, v. 1.
8
R. J. Sontag J. S. Beddie (orgs.), Relações germano-soviéticas, 1939-1941, documentos de arquivos
alemães. Departamento de Estado, Washington D.C., 1948.
9
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
10
Ibid.
11
Ibid.
12
Ibid.
13
Ibid.
14
Ibid.
15
Raymond L. Gratho , A doutrina militar soviética, Biblioteca do Exército, 1957, v. 2.
16
E. A. Shilovsky, A arte militar do Exército Vermelho, FLPH, Moscou, 1944.
17
Carl von Clausewitz, A campanha de 1812 na Rússia. Martins Fontes, São Paulo, 1994.
18
Regulamento de Campanha de 1940, citado por Raymond L. Gratho .
19
5. Truppenführung: On German Art of War. Londres, Lynne Rienner Publishers, 2001.
5
Joachin Fest, Hitler. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1973.
21
Ibid.
22
Ibid.
23
Ibid.
24
Franz Halder, Kriegstagebuch, 1939-1942. Stuttgart, 1962.
25
Adolf Hitler, Hitler Tischgespräche, 27/06/1941, Athenäum-Verlag, Bonn, 1951.
26
Ibid.
27
Adolf Hitler, Völkischer Beobachter, 05/10/1941.
28
Isaac Deutscher, Stalin, uma biogra a política. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006.
29
Ibid.
30
Carl Schmitt, O nomos da Terra no jus publicum aeuropeum. Rio de Janeiro, Contraponto, 2016.
31
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
32
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 2.
33
Stalin, “Na guerra patriótica”, Obras escolhidas, v. 4, 1947.
34
Franz Halder, Kriegstagebuch, 1939-1942. Stuttgart, 1962.
35
Martel, “Um soldado falando francamente seus pontos de vista e suas memórias”, citado em
Raymond L. Gratho , A doutrina militar soviética.
36
Lidell Hart, Os generais alemães falam, citado em Raymond L. Gratho , A doutrina militar soviética.
37
Heinz Guderian, “Indicações de ataques russos de ruptura”, Exércitos estrangeiros no Oriente, n.
7.290/44, 28 de agosto de 1944.
38
Major-General Formichenko, O Exército Vermelho. Londres, Hutchinson & Co., 1945.
39
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
40
Regulamento de Combate do Exército Vermelho, 1936, citado por Raymond L. Gratho .
41
Major-General Talensky, Bol’shevik, n. 10, 1945, citado por Raymond L. Gratho .
42
N. I. Tikhonov, A defesa de Leningrado. Londres.
43
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
44
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 2.
45
Ibid.
46
Ibid.
47
Major-General N. M. Zamiatin, “O golpe do saliente”, Voenaia Mysl, n. 5, maio de 1945.
48
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 2.
49
Joachin Fest, Hitler. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1973.
20
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 2.
51
Ibid.
MOSCOU
Outubro de 1941 – Janeiro de 1942
1
O general Heinz Guderian foi um dos maiores defensores das forças mecanizadas. Em 1937, pubicou
Achtung Panzer, propondo a construção de uma força blindada importante. Esta força, que ele mesmo
comandaria, foi decisiva na campanha da França em 1940. Na verdade, Guderian defendia o binômio
blindado/avião, particulamente adaptado à guerra-relâmpago e à ofensiva. Combateu também na
Polônia e na Rússia, e foi o último chefe do Estado-Maior Geral do Alto Comando do Exército no
Terceiro Reich. [N.E.]
2
O Comitê de Defesa do Estado (GKO, em russo) foi um órgão extraordinário, criado uma semana
depois da invasão alemã, que centralizou o poder estatal na União Soviética durante a guerra. Foi uma
espécie de “gabinete de guerra”, presidido por Stalin. [N.E.]
3
As Frentes eram geralmente formadas por 5 Exércitos, com apoio de uma ou mais forças aéreas,
artilharia especial e formações blindadas. Uma Frente ativada abrangia mais de 1 milhão de homens.
Normalmente se estendia a 125 a 150 milhas de largura e a 250 milhas de profundidade, se incluirmos
as zonas de retaguarda das operações. O tenente-general Zlobin escreveu: “Na estratégia soviética, a
palavra Frente é usada para designar não somente a zona de desdobramento das tropas e a linha de
batalha em um teatro de operações, mas também é considerada como uma organização operacional
distinta, que reúne um grupo de Exércitos num teatro de guerra. Tal combinação operacional consiste
de alguns Exércitos de campanha, com tropas móveis e aviões de caça. Ela conduz operações
independentes, mas frequentemente age em articulação com outras Frentes.” Esta observação é
complementada pela do major-general Subbotin: “A Grande Guerra demonstrou que o papel da
Frente (Grupo de Exércitos) e do Exército, como o conjunto maior de combinação de tropas, nas
condições da guerra moderna, mudou muito. Agora, somente as forças combinadas de várias Frentes,
unidas sob a direção de um Alto Comando, executam operações de caráter estratégico. [...] O
Exército, agindo como elemento da Frente, tornou-se uma formação tático-operacional.” [N.E.]
4
União Soviética e Japão só assinaram um pacto de neutralidade em 13 de abril de 1941, cerca de dois
meses antes da invasão alemã. [N.E.]
5
Boris Shaposhnikov (1882-1945) graduou-se na Academia Militar em 1910 e era coronel do Exército
Imperial em 1917, quando aderiu à Revolução. Foi o principal formulador da estratégia militar do
Exército Vermelho durante a Guerra Civil e um brilhante chefe do Estado-Maior durante parte da
Segunda Guerra Mundial. Gravemente doente, foi substituído em 1942 por seu ex-aluno Serguei
Júkov. [N.E.]
6
A ofensiva do Exército Vermelho contra Yelnya ocorreu entre 30 de agosto e 8 de setembro de 1941 e
foi parte da Batalha de Smolensky. A Wehrmacht tinha estendido um saliente de 50 km que serviria
de apoio a uma ofensiva contra Viazma e, depois, Moscou, mas foi forçada a se retirar com grandes
perdas. Foi a primeira derrota signi cativa das tropas alemãs em território soviético. [N.E.]
7
Assim como Júkov, Ivan Konev também começou sua carreira militar como soldado do Exército
Imperial, quando ingressou no Partido Comunista e no Exército Vermelho, participando da Guerra
Civil sob comando do futuro general Voroshilov. Foi membro do Comitê Central do Partido. Foi o
o cial soviético mais graduado que estava presente na junção dos Exércitos soviético e norte-
americano em 1945. Recebeu a medalha de Herói da União Soviética por sua participação na Segunda
Guerra Mundial. [N.E.]
8
No jargão militar soviético, “direção” era a designação para um setor ativo da frente. [N.E.]
9
As Batalhas de Khalkhin Gol, travadas entre 11 de maio e 16 de setembro de 1939, foram as
campanhas militares que decidiram o con ito entre a União Soviética e o Japão na Mongólia. Júkov
comandou as forças soviéticas vitoriosas. [N.E.]
10
O título honorário de “Guarda” foi concedido, por heroísmo e coragem coletivos, a unidades
inteiras das forças soviéticas, incluindo Exército, Marinha e Aeronáutica. [N.E.]
II
11
A Frente de Kalinin foi uma importante formação do Exército Vermelho. Seu nome faz referência a
uma região. Mais tarde reorganizada como Primeira Frente Báltica, ela participou das batalhas que
puseram m ao cerco de Leningrado e da conquista de Königsberg. Durante a guerra, suas perdas
totalizaram 43.551 mortos e desaparecidos, e 125.351 feridos e doentes. [N.E.]
12
A Batalha de Borodino, em 7 de setembro de 1812, foi a maior e mais sangrenta batalha, em apenas
um dia, em todo o período das Guerras Napoleônicas, envolvendo mais de 250 mil homens, com mais
de 70 mil baixas. Napoleão perdeu cerca de 1/3 do seu Exército. Do lado russo, as perdas, igualmente
grandes, puderam ser substituídas no decorrer da campanha por forças de reserva. Assim, Borodino
foi um ponto de in exão, pois representou a última ação ofensiva de Napoleão na Rússia. Ao se
retirar, o Exército russo conservou a sua força de combate, forçando Napoleão a sair do país
posteriormente. [N.E.]
III
13
Além de Moscou, Leningrado e outros centros industriais, a defesa aérea atuava principalmente na
preservação de ferrovias, usinas de produção de energia e centros de comunicação. O destacamento
mais poderoso estava baseado em Moscou, que em julho de 1941 já contava com 585 aviões de caça,
964 canhões antiaéreos e outros artefatos, inclusive grande número de balões de observação. Por isso,
a poderosa Força Aérea nazista não foi capaz de causar danos sérios à capital, conseguindo êxito em
apenas 2% a 3% de suas incursões. [N.E.]
14
Aqui aparece uma diferença entre os dois Exércitos. Na Alemanha, exercícios militares realizados
em 1933 haviam mostrado a inefetividade da combinação de cavalaria com tropas motorizadas, pois a
primeira não conseguia acompanhar as segundas, criando problemas insuperáveis de logística e de
coordenação. A cavalaria foi declarada obsoleta e levada a se adaptar ao transporte motorizado. Os
alemães haviam mecanizado todas as suas Divisões de Cavalaria antes de junho de 1941, com exceção
de uma. Mas o Exército Vermelho manteve de 30 a 50 Divisões de Cavalaria, usando-as
frequentemente de forma combinada, num total de 18 mil a 20 mil cavaleiros. Foi uma singularidade.
Durante a guerra, os soviéticos aumentaram cada Divisão de 4,5 mil para 5,5 mil cavaleiros, sem
diminuir sua mobilidade. A cavalaria soviética fazia incursões profundas e prolongadas nas
retaguardas alemãs. Nelas, destacaram-se as forças comandadas pelo general Belov, citado aqui.
Generais alemães deixaram vários registros de sua surpresa com esse desempenho. [N.E.]
IV
16
Defesa ativa: recuo com ações retardadoras do avanço adversário, com contra-ataques constantes;
contrasta com a defesa estacionária. [N.E.]
17
Golpe de saliente era o equivalente soviético à Blitzkrieg alemã, manobra ofensiva com ênfase no
ímpeto e na rapidez. [N.E.]
II
Com a nossa retirada forçada, o inimigo ganhou o controle das regiões ricas
do Don e da bacia de Donets. Estávamos enfrentando a ameaça imediata de
uma penetração inimiga no Volga e no Norte do Cáucaso, a perda das
planícies de Kuban e a ruptura de todas as linhas de comunicação com o
Cáucaso, uma região importante, que fornecia petróleo tanto ao Exército
quanto à indústria. Naquele momento, o comandante supremo emitiu a
Ordem 227, que implementava várias medidas para combater os que
semeavam o pânico e quebravam a disciplina, e condenou as inclinações
“derrotistas”. A Ordem 227 foi apoiada por intensas ações de propaganda
política e outras medidas por parte do Comitê Central do Partido.
As tropas da Frente Sudoeste sofreram pesadas baixas na retirada da área
de Kharkov e não conseguiram impedir o avanço do inimigo. A Frente Sul,
que também estava sofrendo perdas substanciais, não conseguiu conter o
avanço dos alemães em direção ao Cáucaso.
Em uma tentativa de impedir que os alemães chegassem ao rio Volga, o
Quartel-General Supremo estabeleceu em 12 de julho uma nova Frente de
Stalingrado, que incluía o LXII Exército, sob o comando do general V. Ya.
Kolpakchi, o LXIII Exército do tenente-general V. I. Kuznetsov, além dos
LXIV e XXI Exércitos da Frente Sudoeste, que deixara de existir. O
Comando Sudoeste foi dissolvido em 23 de junho.
Todo o Conselho Militar da antiga Frente Sudoeste passou para a nova
Frente de Stalingrado, que mais tarde foi reforçada com o I e o IV Exércitos
de Tanques, em processo de formação, e os elementos restantes do XXVIII,
do XXXVIII e do LVII Exércitos. A Flotilha do Volga também foi anexada
ao comando da Frente.
Foram construídas linhas defensivas e forti cações nas vias de acesso a
Stalingrado. Como na defesa de Moscou, milhares de cidadãos participaram
desse esforço e prepararam abnegadamente a defesa da cidade.
O comitê regional do Partido e o da cidade de Stalingrado organizaram a
criação e o treinamento de milícias populares e destacamentos defensivos
formados por trabalhadores e evacuaram da cidade as crianças, os idosos e
os bens mais valiosos.
Em 17 de julho, a Frente de Stalingrado apoiava uma linha defensiva que
corria ao longo da margem esquerda do rio Don, de Pavlovsk a
Seravimovich e Kletskaya, para depois continuar para o sul até Surovikino e
Verkhne-Kurmoyarskaya.
Enquanto isso, a Frente Sul sofria baixas insubstituíveis em sua retirada.
Seus quatro Exércitos tinham pouco mais de 100 mil homens. Na tentativa
de fortalecer o comando das forças localizadas no Norte do Cáucaso, o
Quartel-General Supremo eliminou a Frente Sul e transferiu todas as tropas
de que ela ainda dispunha para a Frente do Norte do Cáucaso, sob o
comando do marechal S. M. Budenny.
Ao XXXVII e ao XII Exércitos da Frente do Norte do Cáucaso foi
atribuída a cobertura do setor de Stavropol, e ao XVIII, LVI e XLVII
Exércitos a do setor de Krasnodar.
No nal de julho, a Frente de Stalingrado era formada por 38 Divisões,
metade das quais dispunha de 6 mil a 8 mil homens cada uma, e o restante
de 1 mil a 3 mil, o que corresponde a um total de 16 Divisões de
envergadura normal. Essas poucas forças tiveram que cobrir uma Frente de
530 km de comprimento. O total de forças da Frente durante esse período
consistia em 187 mil homens, 360 tanques, 337 aeronaves e 7,9 mil peças de
artilharia.
Contra essa Frente, o inimigo havia acumulado 250 mil homens, 740
tanques, 1,2 mil aeronaves e 7,5 mil canhões e morteiros, o que signi cava
uma proporção de 1,3 para 1 em efetivos, de 1 para 1 em peças de artilharia,
de 2 para 1 em tanques e de 3,6 para 1 em aviões. Por causa da resistência
soviética nas vias de acesso a Stalingrado, o inimigo deslocou
posteriormente o IV Exército de Tanques, do Cáucaso, para iniciar um
avanço a partir de Kotelnikovo e lançou tropas adicionais na batalha.
A Diretriz 45 do Alto Comando Alemão, de 23 de julho, ordenava que o
Grupo de Exércitos B cobrisse seu anco setentrional ao longo do curso
intermediário do rio Don (onde tomaram posição tropas húngaras, italianas
e romenas) para tomar Stalingrado e Astrakhan e obter uma praça forte no
rio Volga, isolando assim o Cáucaso do resto da União Soviética. Para
atingir esse objetivo, o Grupo de Exércitos contava com o apoio da Quarta
Frota Aérea, composta por 1,2 mil aeronaves.
Em 26 de julho, as forças blindadas e mecanizadas alemãs penetraram nas
defesas do LXII Exército na grande curva do rio Don e chegaram ao mesmo
rio na área de Kamensky, ao norte de Kalach. O Quartel-General Supremo
ordenou que a Frente fosse reforçada com o I e o IV Exércitos de Tanques,
que ainda estavam em fase de formação e tinham um total de apenas 240
blindados, e com duas Divisões de Fuzileiros. Essas forças adicionais foram
incapazes de impedir o avanço do inimigo, mas de certa forma contribuíram
para desacelerá-lo.
Naturalmente, não é desejável recorrer a unidades que ainda estão em
processo de formação, mas a estrada que levava a Stalingrado estava
bastante desprotegida e o Quartel-General Supremo não tinha alternativa.
Lutas sangrentas também foram travadas no setor do LXIV Exército, no Sul
de Kalach, e também ali o inimigo foi impedido de avançar em direção a
Stalingrado.
Com as tropas da Frente de Stalingrado agora se estendendo por uma
Frente de mais de 640 km, o Quartel-General Supremo decidiu, em 5 de
agosto, dividir a Frente em duas: uma Frente de Stalingrado e uma Frente
Sudeste.
O tenente-general V. N. Gordov, que havia substituído o marechal
Timoshenko em 23 de julho, continuou a comandar a Frente de Stalingrado,
com o major-general D. N. Nikishev como chefe do Estado-Maior. A Frente
contava com o LXIII, o XXI e o LXII Exércitos de Campanha, o IV Exército
de Tanques e o XVI Exército Aéreo,18 que estava em processo de formação
sob o comando do major-general S. I. Rudenko.
A Frente Sudeste contava com o LVII, o LI e o LXIV Exércitos, o I
Exército da Guarda e o VIII Exército Aéreo. Comandando a Frente estava o
coronel-general A. I. Yeremenko, com o major-general G. F. Zakharov como
chefe do Estado-Maior.
Em 12 de agosto, o Comitê de Defesa do Estado designou o coronel-
general A. M. Vasilevsky, então chefe do Estado-Maior Geral, para
coordenar as operações em Stalingrado. Do ponto de vista operacional, a
Frente de Stalingrado estava sujeita ao comando da Frente Sudeste.
Após ferozes combates, o XIV Corpo Panzer do inimigo trespassou a
linha defensiva soviética do rio Don em Vertyachi em 23 de agosto.
Dividindo o setor de Stalingrado em dois, alcançou o rio Volga na área de
Latoshinka e Rynok, exatamente ao norte de Stalingrado. Assim, o LXII
Exército foi isolado do resto da Frente e, consequentemente, transferido para
o comando da Frente Sudeste.
Bombardeiros alemães zeram incursões aéreas selvagens contra a cidade,
que foi transformada em uma pilha de escombros. Cidadãos pací cos
morreram e empresas, indústrias e instituições culturais foram destruídas.
Na manhã de 24 de agosto, alguns elementos do XIV Corpo Panzer do
inimigo lançaram um ataque contra a fábrica de tratores de Stalingrado, na
parte setentrional da cidade, mas sem sucesso. Trabalhadores das fábricas de
Stalingrado, armados e treinados, entraram na batalha.
Ao mesmo tempo, as tropas da Frente de Stalingrado, que haviam se
retirado para o nordeste, atacaram desde o norte a cunha que o inimigo
havia colocado no rio Volga, forçando-o a desviar uma parte signi cativa de
suas forças, cujo objetivo original era tomar Stalingrado. Essa manobra
soviética enfraqueceu bastante o ataque do inimigo à cidade. O XIV Corpo
Panzer cou isolado de suas unidades de apoio por alguns dias e teve que ser
abastecido por via aérea.
Mas, depois de atravessar o rio Don com a maior parte de suas forças, o
inimigo lançou uma ofensiva mais vigorosa contra a cidade, apoiada por
poderosos ataques aéreos.
Em 30 de agosto, sob pressão do inimigo, as tropas da Frente Sudeste
foram forçadas a recuar, primeiro para o anel defensivo exterior e em
seguida para o interior. O LXIX e o LXIV Exércitos tentavam defender uma
linha nos arredores de Stalingrado, pelo oeste, que corria por Rynok,
Orlovka, Gumrak, Peschanka e Ivanovka. O LXII Exército estava sob o
comando do tenente-general A. I. Lopatin, que fez tudo o que se esperava
dele e muito mais, pois estava claro que o inimigo atuava contra seu Exército
com grande superioridade de forças. Mas Lopatin decidiu reter o LXII
Exército para posicioná-lo dentro da cidade, onde as forças inimigas, em
última instância, seriam dominadas e destruídas.
Nos dias cruciais de Stalingrado, o Quartel-General Supremo ordenou a
realização de operações ofensivas de distração a oeste de Moscou, na
tentativa de reter ali as reservas inimigas e impedir que fossem deslocadas
para Stalingrado.
Na Frente Ocidental, que eu comandava na época, os eventos ocorreram
da seguinte forma: na ala esquerda, o XVI e o LXI Exércitos lançaram um
ataque em 10 de julho no setor Kirov-Bolkhov em direção a Bryansk. Na ala
direita, em Pogoreloye Gorodishche, o XX Exército reforçado, em
coordenação com a ala esquerda da Frente de Kalinin, realizou com sucesso
uma ofensiva em agosto, com o objetivo de derrotar o inimigo na área de
Sychevka-Rzhev.
A ofensiva foi freada quando atravessou as defesas alemãs e alcançou a
linha férrea que liga Rzhev e Viazma, mas a cidade de Rzhev continuou nas
mãos do inimigo. Os alemães sofreram pesadas baixas em combate. A m de
interromper o avanço das tropas da Frente Ocidental, o comando alemão foi
forçado a engajar um número substancial de Divisões que planejava usar
para a campanha de Stalingrado e do Cáucaso.
A esse respeito, o general alemão Kurt Tippelskirch diz o seguinte:
A penetração foi impedida porque três Divisões Panzer e várias
Divisões de Infantaria foram obrigadas a retroceder quando estavam
prontas para se deslocar para a Frente Sul. Foram lançadas na batalha,
em primeiro lugar para xar o avanço e em seguida para contra-atacar.
Se tivéssemos um ou dois Exércitos a mais, em conjunto com a Frente de
Kalinin, poderíamos ter derrotado o inimigo não apenas na área de Rzhev,
mas em todo o saliente de Rzhev-Viazma, o que teria melhorado nossa
situação operacional em toda a Frente Ocidental de Moscou. Naquele
momento, porém, nossas forças eram extremamente limitadas.
Em 27 de agosto, enquanto liderava a operação ofensiva na área de
Pogorcloyc Gorodishche, recebi uma ligação de A. N. Poskrebyshev.19 Ele
me disse que, diante da situação no Sul, o Comitê de Defesa do Estado havia
decidido no dia anterior, 26 de agosto, me nomear subcomandante supremo.
Poskrebyshev disse-me para estar no meu centro de comando às 14:00h e
esperar por um telefonema de Stalin. Ele parecia muito relutante em falar.
Respondia a todas as minhas perguntas, dizendo: “Eu não sei. Suponho que
ele mesmo lhe dirá.” Imaginei, no entanto, que o Comitê de Defesa do
Estado estivesse muito preocupado com a evolução das operações no
entorno de Stalingrado.
Pouco depois, Stalin estava do outro lado da linha de alta segurança.
Depois de me perguntar sobre a situação na Frente Ocidental, disse:
— É melhor você vir ao Quartel-General Supremo o mais rapidamente
possível. Deixe o seu chefe de Estado-Maior no comando. Sugira alguém
para ocupar sua posição atual.
Isso pôs m à conversa. Stalin não disse nada sobre haver me nomeado
subcomandante-chefe supremo. Obviamente, ele guardava a informação
para o nosso encontro pessoal. Em geral, Stalin costumava limitar suas
conversas telefônicas ao absolutamente essencial em cada momento. Ele
também esperava que fôssemos extremamente cautelosos ao usar o telefone,
especialmente na área de operações, onde não contávamos com dispositivos
de ruído.
Fui para Moscou sem retornar ao quartel-general da Frente. Cheguei ao
Kremlin no nal daquela mesma noite. Stalin estava trabalhando no
escritório, acompanhado por alguns membros do Comitê de Defesa do
Estado. Poskrebyshev anunciou minha chegada e eles me zeram entrar
imediatamente.
Stalin disse que a situação no Sul estava péssima e que os alemães
poderiam tomar Stalingrado. No Norte do Cáucaso, não estava melhor. O
Comitê de Defesa do Estado havia decidido me nomear subcomandante-
chefe supremo e me enviar para Stalingrado. Vasilevsky, Malenkov [membro
do Politburo] e Malyshev [comissário de armas] já estavam lá. Esperava-se
que Malenkov casse comigo. Vasilevsky deveria retornar a Moscou. Stalin
me perguntou:
—Quando pode decolar?
Eu disse a ele que precisava de um dia para estudar a situação. Voaria para
Stalingrado no dia 29.
— Bem, está certo — disse Stalin e acrescentou: — Você não está com
fome? Seria bom fazer um pequeno lanche.
Enquanto tomávamos chá, Stalin resumiu a situação como estava às
20:00h do dia 27 de agosto. Depois de me contar rapidamente sobre a
evolução das operações em Stalingrado, onde os alemães haviam
atravessado o Don com muitas tropas, Stalin disse que havia decidido
transferir o XXIV Exército, o I Exército da Guarda e o LXVI Exército para a
Frente de Stalingrado. O XXIV Exército era comandado pelo general Kozlov,
o I Exército da Guarda pelo major-general K. S. Moskalenko e o LXVI
Exército por Malinovsky.
O I Exército da Guarda deveria ser deslocado para Loznoye, no Norte de
Stalingrado, e iniciar um ataque em 2 de setembro contra a cunha dos
alemães no rio Volga, com a intenção de se conectar com o LXII Exército.
Então, Stalin disse:
— Com o fogo de cobertura do Exército de Moskalenk, você deve
envolver na batalha imediatamente o XXIV e o LXVI Exércitos. Caso
contrário, podemos perder Stalingrado.
Ficou claro para mim que a Batalha de Stalingrado era da máxima
importância militar e política. A queda da cidade permitiria ao comando
alemão isolar o Sul da União Soviética e o resto do país. Poderíamos perder
a grande via uvial do Volga, que transportava um uxo abundante de
mercadorias do Cáucaso.
O Comando Supremo havia transferido para a área de Stalingrado tudo de
que dispunha, exceto as reservas estratégicas recém-criadas, destinadas a
operações posteriores. Medidas urgentes estavam sendo tomadas para
acelerar a produção de aviões, tanques, canhões, munições e outros
suprimentos, a m de prepará-los a tempo de derrotar as tropas inimigas
que se dirigiam a Stalingrado.
18
O Regimento era a unidade básica da Força Aérea, com cerca de 40 aviões de caça, bombardeiros e
de reconhecimento. A Divisão Aérea combinava 3 a 4 regimentos, com um total de 120 a 150 aviões.
O Corpo Aéreo era formado por 3 a 4 Divisões, com 350 a 500 aviões. O Exército Aéreo era a maior
unidade da Força, com 1 mil a 1,4 mil aviões. Apoiava a ação de uma Frente, ou Grupo de Exércitos.
[N.E.]
19
Chefe de gabinete de Stalin. [N.E.]
III
20
Na hierarquia de unidades do Exército Vermelho, uma Divisão de Infantaria, em condições
normais, era formada por 3 regimentos de infantaria e 2 grupos de artilharia, além de destacamentos
de apoio, totalizando cerca de 19 mil homens. Um Corpo era formado por 3 Divisões, com artilharia
própria, além daquela incorporada às Divisões. Os Exércitos podiam ter entre 5 e 8 Corpos, também
com tropas próprias de artilharia, aviação e blindados. [N.E.]
IV
21
O tenente-general Zlobin de niu as Frentes da seguinte forma: “Na estratégia soviética, a palavra
Frente é usada para designar não somente a zona de desdobramento das tropas e a linha de batalha
em um teatro de operações, mas também é considerada como uma organização operacional distinta
num teatro de guerra, constituindo um laço de união controlador no sistema de direção operacional
das Forças Armadas do país. Tal combinação operacional consiste de alguns Exércitos de campanha,
É
com tropas móveis e aviões de caça. É ela quem conduz as operações independentes, mas
frequentemente em articulação com outras Frentes.” [N.E.]
22
O nome em código do plano era Urano. [N.E.]
23
As Orientações sobre Combate Ofensivo, documento do Exército Vermelho, descrevem assim os
deveres:
(a) dos comandantes de divisão e de regimento: 1. Executar o mais precisamente possível as tarefas de
combate e apoio às unidades; 2. Organizar as ações combinadas com as reservas, lançando-as na
batalha; 3. Organizar a direção centralizada;
(b) dos comandantes de batalhão: 1. Compreender a situação no campo de batalha; 2. Tornar cada vez
mas precisos os agrupamentos de batalha; 3. Localizar sua artilharia e suas reservas; 4. Reagrupar,
sempre que possível, sua força.
(c) dos comandantes de companhia: 1. Conduzir pessoalmente os reconhecimentos; 2. Conhecer cada
vez mais a situação no campo de batalha; 3. Organizar o fogo e a conquista dos objetivos. [N.E.]
V
Nº 4657
11 de novembro de 1942
Note-se que Stalin prestou muita atenção ao problema do apoio aéreo. Em
resposta a uma mensagem minha, reclamando que os preparativos para a
contraofensiva eram insatisfatórios nessa área, ele me enviou o seguinte
telegrama:
CAMARADA KONSTANTINOV
Nº 170686
12 de novembro de 1942, 04:00h
Após nossa análise dos planos de operações na Frente de Stalingrado,
Vasilevsky e eu telefonamos para Stalin em 12 de novembro e lhe dissemos
que precisávamos discutir pessoalmente vários aspectos da operação que
estava por acontecer.
Na manhã seguinte, estávamos no Kremlin. Stalin estava de bom humor.
Perguntou sobre a situação em Stalingrado e o andamento dos preparativos.
A essência do nosso relatório foi a seguinte:
No que dizia respeito à correlação de forças, tanto em qualidade quanto
em quantidade, notamos que as linhas contra as quais foi dirigida a maior
parte de nossos ataques das Frentes Sudoeste e de Stalingrado ainda eram
defendidos principalmente pelos romenos. Se pudermos con ar nas
informações obtidas no interrogatório dos prisioneiros, não eram tropas
com grande capacidade combativa. Teríamos superioridade numérica nesses
setores, a menos que o comando alemão decidisse reagrupar suas reservas.
Até agora, nossos serviços de inteligência não haviam detectado
movimentos deste tipo. O VI Exército de Von Paulus e a maior parte do IV
Exército Panzer permaneceram nas proximidades de Stalingrado, onde
continuaram a conter as tropas das Frentes de Stalingrado e do Don.
Nossas forças continuaram acumulando-se em áreas estabelecidas e, até
onde pudemos perceber, o inimigo não havia detectado a concentração das
tropas. Tínhamos tomado mais medidas de precaução do que o habitual
para ocultar os movimentos de tropas e de materiais.
Os planos de operações das Frentes, dos Exércitos individuais e de
unidades menores haviam sido meticulosamente revisados. A coordenação
entre os serviços havia sido resolvida no local. O lugar proposto para o
contato entre as forças de choque das Frentes Sudoeste e de Stalingrado
havia sido revisto com os comandantes e Estados-Maiores das duas Frentes,
bem como com seus Exércitos e unidades, com as quais eles deveriam fazer
contato efetivo nas proximidades de Sovetsky e Kalach. Aparentemente, os
Exércitos Aéreos não estariam prontos antes de 15 de novembro.
A formação das Frentes exterior e interior, que deveriam cercar e eliminar
as forças alemãs detidas em Stalingrado, havia sido revisada em detalhes.
O uxo de munição, combustível e uniformes de inverno havia diminuído
ligeiramente, mas foi con rmado que todos os suprimentos chegariam à
Frente em 16 ou 17 de novembro.
A contraofensiva poderia ser lançada nas Frentes Sudoeste e do Don em
19 de novembro e na Frente de Stalingrado um dia depois. A diferença entre
os dois tempos de lançamento se devia ao fato de que a Frente Sudoeste
enfrentaria uma tarefa maior. Estava mais distante da área de contato
proposta, Kalach e Sovetsky, e teria que atravessar o rio Don.
Stalin nos deu toda a atenção. Estava satisfeito, pois fumava
sossegadamente o seu cachimbo, alisando o bigode e nos ouvindo sem nos
interromper. A operação de Stalingrado signi cava que a iniciativa havia
passado para as forças soviéticas. Tínhamos con ança no sucesso e nas
consequências de longo prazo que ela poderia trazer para o nosso país.
Enquanto apresentávamos o relatório, alguns membros do Comitê de
Defesa do Estado e do Politburo se juntaram a Stalin e tivemos que repetir
alguns dos aspectos fundamentais que havíamos exposto na ausência deles.
Após uma breve discussão, o plano para a contraofensiva foi aprovado na
íntegra.
Vasilevsky e eu chamamos a atenção de Stalin para o fato de que, assim
que o inimigo estivesse com problemas em Stalingrado e no norte do
Cáucaso, o comando alemão seria forçado a transferir tropas de apoio de
outros setores, especialmente da região de Viazma, a oeste de Moscou. Para
impedi-lo, propusemos lançar uma ofensiva ao norte de Viazma contra o
saliente alemão em torno de Rzhev. Essa operação poderia ser realizada com
tropas das Frentes de Kalinin e Ocidental.
— Seria uma boa ideia — disse Stalin. — Mas qual de vocês cuidaria
disso?
Vasilevsky e eu já tínhamos conversado antes sobre esse ponto. Então,
respondi:
— Essencialmente, a operação de Stalingrado está preparada. Vasilevsky
poderia assumir os preparativos para a contraofensiva nas Frentes Ocidental
e de Kalinin.
Stalin aceitou dizendo:
— Voltem para Stalingrado amanhã de manhã e façam uma última
veri cação, para terem certeza de que as tropas e o comando estão prontos
para iniciar a operação.
Em 14 de novembro, eu estava de volta às forças de Vatutin, e Vasilevsky
às de Yeremenko. No dia seguinte, recebi um telegrama de Stalin:
CAMARADA KONSTANTINOV [Pessoal]
Pode de nir a data da viagem de Fedorov e Ivanov [as ofensivas de
Vatutin e Yeremenko] como achar mais oportuno e me diga quando
voltará a Moscou. Se considerar necessário que uma das viagens
aconteça um ou dois dias antes ou depois, eu autorizo você a decidir
sobre este assunto de acordo com seu melhor julgamento.
VASILYEV
13:10 h
15 de novembro de 1942
Depois de alguma discussão, Vasilevsky e eu de nimos o dia 19 de
novembro como a data da ofensiva da Frente Sudoeste e do LXV Exército da
Frente do Don, e o dia 20 de novembro para a Frente de Stalingrado. Stalin
aprovou essa decisão.
Em 17 de novembro, fui convocado novamente ao Quartel-General
Supremo para preparar o plano de operações para as Frentes Ocidental e de
Kalinin.
24
As Brigadas (e Divisões) Mecanizadas são mais balanceadas que as Brigadas (e Divisões) de
Tanques. Contam com mais elementos de infantaria e são mais capazes de realizar ações
independentes. [N.E.]
VI
23 de novembro de 1942
19:40h
Como consequência do sucesso da ofensiva do XXI Exército e de uma
série de medidas adotadas pelo comando da Frente do Don, a situação do
LXV Exército foi imediatamente resolvida. O XXIV Exército da Frente do
Don iniciou sua ofensiva três dias depois, avançando ao longo da margem
oriental do rio Don. Porém, em termos gerais, foi muito fraco e não
conseguiu grande coisa.
O LI, o LVII e o LXIV Exércitos da Frente de Stalingrado começaram sua
ofensiva em 20 de novembro, conforme programado. O LI Exército atacou
na direção de Plodovitoye e Abganerovo, o LVII em direção a Kalach e o
LXIV avançou de Ivanovka em direção a Gavrilovka e Varvarovka, em
conjunto com o anco direito do LVII Exército.
Depois que as tropas soviéticas esmagaram as defesas da 1ª, 2ª, 18ª e 20ª
Divisões romenas e da 29ª Divisão Motorizada alemã, a Frente de
Stalingrado lançou o IV Corpo Mecanizado, do general Volsky, na brecha
aberta pelo LI Exército e o XIII Corpo Mecanizado, do major-general T. I.
Tanaschishin, contra o setor do LVII Exército. O IV Corpo de Cavalaria do
general Shapkin também se juntou à ação, e naquele mesmo dia tomou a
estação ferroviária de Abganerovo.
O inimigo tentou impedir o avanço do LVII Exército em direção a Kalach,
desviando de Stalingrado suas 16ª e 24ª Divisões Panzer. Mas elas foram
deslocadas tarde demais e careciam da força necessária para deter os
poderosos ataques das Frentes Sudoeste e de Stalingrado, que chegaram à
região de Sovetsky com suas unidades blindadas ao longo do dia 23 de
novembro.
O IV Corpo de Tanques da Frente Sudoeste atravessou o rio Don, fez
contato em Sovetsky com o IV Corpo Mecanizado da Frente de Stalingrado
e fechou o círculo em torno das forças alemãs espremidas entre o Volga e o
Don.
Enquanto isso, o I Exército da Guarda e o V Exército de Tanques da
Frente Sudoeste e o LI Exército da Frente de Stalingrado, reforçados por
outras unidades blindadas, perseguiam o inimigo em retirada, na tentativa
de empurrá-lo para oeste e afastá-lo o máximo possível do grupo paralisado
em Stalingrado, de modo a formar a sólida frente exterior necessária para
eliminar o inimigo cercado.
Isso encerrou a primeira fase da contraofensiva. Nos primeiros dias de
dezembro, a corda foi apertada com força ao redor das forças alemãs, e
nossas tropas passaram para a fase seguinte: a eliminação dos grupos
cercados.
Durante todo esse tempo, Vasilevsky e o Estado-Maior Geral mantiveram-
me a par dos acontecimentos. A contraofensiva alcançou seu momento
crucial com o cerco do VI Exército alemão e de alguns elementos do IV
Exército Panzer. A próxima tarefa seria impedir que o inimigo cruzasse
nossas linhas.
Em 28 de novembro, eu estava no quartel-general da Frente de Kalinin
analisando a ofensiva proposta para o oeste do Moscou. No nal da noite,
Stalin me ligou e perguntou se eu tinha conhecimento das últimas notícias
de Stalingrado. Eu disse que sim. Então, ele me pediu para dar uma ideia de
como proceder para eliminar as forças alemãs cercadas.
Na manhã seguinte, enviei a Stalin o seguinte telegrama:
As forças alemãs cercadas di cilmente tentarão romper o cerco sem a
ajuda de tropas de apoio procedentes do eixo Nizhne-Chirskaya e de
Kotelnikovo.
O comando alemão tentará manter suas posições em Stalingrado,
Vertyachi, Marinovka, Karpovka e na granja estatal de Gornaya
Polyana. Acumulará forças de ajuda em torno de Nizhne-Chirskaya e
Kotelnikovo para atacar nossas forças na direção de Karpovka e abrir
um corredor através do qual tentará enviar suprimentos e, nalmente,
evacuar as forças cercadas.
Se bem-sucedido, esse corredor poderia ser aberto entre uma linha
correndo por Marinovka, Lyapichev e Verkhne-Chirsky, pelo norte, e
por outra composta por Tsebenko, Zety, Gnilovskaya e Shabalin, pelo
sudeste.
Para impedir que os agrupamentos Nizhne-Chirskaya e Kotelnikovo
entrem em contato com o grupo de Stalingrado e abram este corredor,
devem ser tomadas as seguintes medidas:
Os agrupamentos de Nizhne-Chirskaya e Kotelnikovo devem se
retirar o mais rapidamente possível. Deve ser levantada uma poderosa
linha defensiva a partir de Oblivskaya e Kotelnikovo, passando por
Tormosin. Nas áreas de Nizhne-Chirskaya e Kotelnikovo, devem ser
mantidos na reserva dois agrupamentos de tanques de, no mínimo, 100
unidades cada um.
O grupo detido em Stalingrado deve ser dividido em dois. Isso
exigirá a realização de uma ofensiva na direção de Bolshaya Rossoshka
e um contra-ataque na direção de Dubininsky e da colina 135. Em
todos os outros setores, nossas forças devem adotar posições defensivas
e atuar apenas em pequenos destacamentos, para desgastar e exaurir o
inimigo.
Uma vez que o grupo cercado tenha sido dividido ao meio, a parte
mais fraca deve ser eliminada primeiro. Só então deveremos atacar com
todas as nossas forças o grupo de Stalingrado.
JÚKOV
Nº 2
29 de novembro de 1942
Depois de enviar esta mensagem a Stalin, discuti minhas propostas com
Vasilevsky, que concordou com elas. Também discutimos operações futuras
na Frente Sudoeste. Vasilevsky concordou em adiar temporariamente a
Operação Grande Saturno25 e lançar nossas forças da Frente Sudoeste contra
o anco do agrupamento inimigo de Tormosin. O Estado-Maior Geral
também concordou com isso.
A Frente Sudoeste, sob o codinome Pequeno Saturno, recebeu a missão de
atacar com o I Exército da Guarda, o III Exército de Campanha da Guarda e
o V Exército de Tanques na direção de Morozovsk para esmagar as forças
inimigas daquela área. A ofensiva seria apoiada pelo VI Exército da Frente
Voronezh, que atacaria na direção de Kantemirovka.
Naquele momento, o comando nazista já precisava urgentemente de
reservas para corrigir a situação catastró ca em que suas tropas de
Stalingrado e do Cáucaso haviam sido colocadas.
Para impedir que os alemães deslocassem forças do Grupo de Exércitos
Centro, o Quartel-General Supremo havia decidido lançar uma ofensiva das
Frentes Ocidental e de Kalinin contra o saliente Rzhev (como já expliquei).
O planejamento e os preparativos para a ofensiva foram realizados no
período de 20 de novembro a 8 de dezembro.
Em 8 de dezembro, as seguintes orientações foram transmitidas às
Frentes:
As posições inimigas na área de Rzhev, Sychevka, Olenino e Bely devem
ser destruídas antes de 1º de janeiro de 1943 por ação conjunta das
Frentes Ocidental e de Kalinin, e suas tropas devem estabelecer uma
linha defensiva traçada através de Yarygino, Sychevka, Andreyevskoye,
Lenino, Novoye Azhevo, Dentelevo e Svity.
A Frente Ocidental deve orientar suas operações de acordo com o
seguinte:
1. Nos dias 10 e 11 de dezembro, devem atravessar as defesas inimigas
entre Bolshoye Kropotovo e Yarygino; Sychevka deve ser tomada até, no
máximo, o dia 15 de dezembro. Em 20 de dezembro, pelo menos duas
Divisões de fuzileiros devem deslocar-se para a área de Andreyevskoye
e, juntamente com o XLI Exército da Frente de Kalinin, cercar o
inimigo.
2. Depois que nossas forças penetrarem nas defesas inimigas e
chegarem à ferrovia, as forças móveis da Frente e pelo menos quatro
Divisões de fuzileiros devem dirigir-se para o Norte para atacar a
retaguarda do agrupamento inimigo na área de Rzhev-Chertolino.
O XXX Exército deve atravessar as defesas inimigas no setor de
Koshkino, passar o entroncamento a nordeste de Burgovo e chegar à
ferrovia Chertolino até, no máximo, 15 de dezembro. Lá, deve
coordenar suas operações com as forças móveis da Frente, atacando ao
longo da linha ferroviária em direção a Rzhev, com o objetivo de tomar
a cidade em 23 de dezembro.
A Frente de Kalinin deve orientar suas operações de acordo com o
seguinte:
1. O XXXIX e o XXII Exércitos devem continuar sua ofensiva na
direção de Olenino, com o objetivo de destruir, até 16 de dezembro, o
agrupamento inimigo ali estacionado. Parte do XXII Exército deve
lançar um ataque auxiliar na direção de Yegory com o objetivo de
ajudar o XLI Exército a eliminar o agrupamento inimigo em Bely.
2. O XLI Exército deve interromper o avanço do inimigo em Tsytsyno
antes de 10 de dezembro e recuperar suas posições iniciais nas
proximidades de Okolitsa.
Até, no máximo, 20 de dezembro alguns elementos do XLI Exército
deverão criar uma linha que correrá por Molnya, Vladimirskoye e
Lenino, para fazer contato com elementos da Frente Ocidental e cercar
uma força inimiga a partir do Sul. Bely deve cair em nosso poder até 20
de dezembro.
QUARTEL-GENERAL SUPREMO
J. STALIN
G. JÚKOV
Nº 170700
Essa operação, realizada em conjunto pelas duas Frentes, foi essencial para
eliminar o saliente de Rzhev. Eu gostaria de falar sobre ela.
O comando da Frente de Kalinin, liderado pelo tenente-general M. A.
Purkayev, cumpriu perfeitamente a missão que lhe foi designada. Atacando
ao sul de Bely, suas tropas conseguiram penetrar nas defesas alemãs e
avançaram na direção de Sychevka. Por sua vez, as tropas da Frente
Ocidental deveriam romper as defesas alemãs e se juntar à Frente de Kalinin
para cercar as forças inimigas em Rzhev. Mas a Frente Ocidental não
conseguiu romper as defesas inimigas.
Stalin pediu-me para ir imediatamente ao quartel-general do general
Konev para veri car qual era o problema e, se possível, corrigir a situação.
Quando cheguei ao centro de comando da Frente Ocidental, percebi
imediatamente que não havia sentido em repetir a operação. O inimigo, sem
dúvida, adivinhara as nossas intenções e acumulara um número substancial
de forças, procedentes de outros setores, na área ameaçada.
Ao mesmo tempo, as forças da Frente de Kalinin que haviam conseguido
penetrar nas linhas alemãs que também estavam envolvidas em
complicações. Com uma poderosa ofensiva contra os ancos de nossas
tropas, o inimigo havia conseguido isolar e cercar um Corpo Mecanizado
sob comando do major-general M. D. Solomatin.
Conversamos com a reserva do Quartel-General Supremo para solicitar a
ajuda de um Corpo de Fuzileiros adicional para libertar as forças cercadas.
O Corpo do general Solomatin resistiu por mais de três dias, até que na
quarta noite os soldados siberianos do Exército de apoio conseguiram
alcançar seus homens e guiá-los para trás de nossas linhas. Os soldados e
o ciais do Corpo cercado estavam tão exaustos que tiveram que ser
enviados para a retaguarda, a m de descansar.
Mesmo que nossas tropas não tenham conseguido eliminar o saliente de
Rzhev, sua ofensiva impediu o comando alemão de mover importantes
reforços desse setor para Stalingrado. Na realidade, o comando nazista teve
que incorporar quatro Divisões Panzer adicionais e uma Divisão motorizada
para manter suas posições na área de Rzhev-Viazma.
Ao revisar o fracasso de nossa ofensiva na Frente Ocidental, percebemos
que subestimamos os problemas do terreno escolhido para dar o nosso
golpe principal.
A experiência ensina-nos que se o inimigo mantém posições em terrenos
facilmente visíveis, sem obstáculos naturais para protegê-lo, essas posições
podem ser facilmente esmagadas pelo fogo da artilharia e de morteiros, e a
ofensiva pode ser bem-sucedida. Porém, se as defesas do inimigo estiverem
localizadas em um terreno que di culte a observação e ofereça boa proteção
no lado oposto das colinas e em barrancos paralelos à linha de frente, a
artilharia não poderá romper facilmente as defesas e, provavelmente, a
ofensiva fracassará, especialmente se o uso de tanques for limitado.
Neste caso em particular, ignoramos a in uência do terreno, que oferecia
uma excelente proteção para a defesa alemã nas encostas opostas de uma
topogra a bastante recortada.
Outra razão para nosso fracasso em penetrar nesse território foi o
suprimento inadequado de tanques, artilharia, morteiros e suporte aéreo.
Voltemos às nossas operações em torno de Stalingrado. Essas operações,
projetadas para eliminar as forças cercadas, avançaram muito lentamente
durante a primeira metade de dezembro. O inimigo lutou tenazmente para
defender cada posição, con ando na chegada do reforço prometido por
Hitler. Nossas tropas ao redor do anel faziam pouco progresso e estavam
enfraquecidas, porque algumas unidades haviam sido deslocadas para
combater o envio de forças de apoio de Kotelnikovo.
Para os alemães, a derrota em Stalingrado ameaçava tornar-se uma
catástrofe de imensa magnitude estratégica. Para salvar a situação, o
comando nazista tentou, antes de tudo, estabilizar a frente em torno de
Stalingrado, para que o Grupo de Exércitos A pudesse ser removido do
Cáucaso.
Com esse objetivo em mente, os alemães criaram o Grupo de Exércitos
Don, sob o comando do marechal de campo Erich von Manstein. Na
opinião da liderança nazista, ele era o homem mais adequado para essa
tarefa e um dos comandantes alemães mais competentes. O novo grupo de
Exércitos foi criado com unidades deslocadas de outros setores da Frente
germano-soviética, bem como da França e da Alemanha.
Como sabemos agora, Von Manstein planejava formar dois grupos de
choque para tentar libertar as forças cercadas em Stalingrado. Uma delas iria
reunir-se em Kotelnikovo e a outra em Tormosin.
Mas o destino não sorriu nem para Von Manstein nem para as forças
cercadas. A Wehrmacht sofria de uma severa escassez de reservas.
Quaisquer que fossem as tropas a serem mobilizadas, elas avançavam muito
lentamente ao longo de linhas de comunicação excessivamente longas. Além
disso, nossos guerrilheiros sabiam qual era o destino das tropas alemãs que
avançavam apressadamente para o Sul e faziam o possível para sabotar os
movimentos do inimigo. Apesar das retaliações e precauções tomadas pelos
nazistas, os bravos patriotas conseguiram fazer descarrilar dezenas de trens
lotados de soldados alemães.
O tempo passava e o grupo de forças alemãs que deveria apoiar
Stalingrado continuava a demorar-se. Numa premonição da catástrofe
iminente, Hitler ordenou que Von Manstein iniciasse a operação sem
esperar que todas as suas tropas chegassem.
Von Manstein lançou a ofensiva em 12 de dezembro, avançando pela linha
ferroviária procedente de Kotelnikovo. Sua força de ataque era composta
pelas 6ª e 232ª Divisões Panzer, que mais tarde se juntaram à 172ª Divisão
Panzer, além de um batalhão independente de tanques pesados Tiger, quatro
Divisões de Infantaria, várias unidades de reforço e duas Divisões de
Cavalaria romenas. Após três dias, o inimigo conseguiu avançar 40 km em
direção a Stalingrado e atravessar o rio Aksai-Yesaulovsky.
Violentos combates começaram perto de Verkhne-Kumsky. Ambos os
lados sofreram pesadas baixas. O inimigo continuou pressionando para
avançar a todo custo. Mas as forças soviéticas, endurecidas pelas batalhas
anteriores, resistiram em suas linhas defensivas. Somente quando os alemães
lançaram ao combate sua 172ª Divisão Panzer e aumentaram
substancialmente o bombardeio aéreo, alguns elementos do LI Exército e
dos Corpos de Cavalaria do general Shapkin recuaram para trás do rio
Myshkova.
Naquele momento, as tropas de reforço do inimigo estavam a 40 km de
Stalingrado. A possibilidade de vitória parecia, à primeira vista, bastante real
para os alemães. Mas suas esperanças eram prematuras. Por ordem do
Quartel-General Supremo, Vasilevsky reforçou as tropas soviéticas em 29 de
dezembro com o II Exército da Guarda, do general Malinovsky. Bem
equipado com tanques e artilharia, este Exército nalmente inclinou a
balança a favor do lado soviético.
Enquanto isso, a Frente Sudoeste, reforçada com o VI Exército transferido
da Frente Voronezh, havia iniciado sua ofensiva em 16 de dezembro, com o
objetivo de esmagar as forças alemãs no curso médio do Don e avançar para
a retaguarda do grupo inimigo que estava em Tormosin. As forças de ataque
eram compostas pelo I Exército da Guarda, sob o comando do general
Kuznetsov, pelo III Exército da Guarda, sob o comando do general
Lelyushenko (naquela época, o I Exército da Guarda já estava dividido em
dois Exércitos) e pelo VI Exército, comandado pelo major-general F. M.
Kharitonov.
Essas tropas derrotaram o VIII Exército italiano e zeram um rápido
avanço na direção de Morozovsk, liderado pelo XXIV e XXV Corpos de
Tanques e pelo I Corpo Mecanizado da Guarda. À direita, o XVII e o XVIII
Corpos de Tanques avançavam em direção a Millerovo.
Von Manstein pretendia usar suas tropas da área de Tormosin para
realizar uma ofensiva em direção a Stalingrado, mas o rápido avanço da
Frente Sudoeste o forçou a usá-las para contra-atacar a ameaça no anco e
na retaguarda da totalidade do Grupo de Exércitos Don.
Em um relatório telegrafado para o Quartel-General Supremo em 28 de
dezembro, o general Vatutin descreveu assim a ofensiva:
Os contingentes inimigos que aguardavam a nossa Frente, umas 17
Divisões, foram completamente destruídos e seus depósitos foram
tomados por nossas tropas. Capturamos cerca de 60 mil prisioneiros e
quase o mesmo número de inimigos morreu, de modo que, com poucas
exceções, os remanescentes dessas forças destroçadas não opuseram
resistência. O inimigo continua resistindo rmemente em uma linha
que vai de Oblivskaya a Verkhne-Chirsky. Na área de Morozovsk,
aprisionamos a 11ª Divisão Panzer e a 8ª Divisão Aerotransportada, que
anteriormente lutaram contra o Exército de Romanenko. O Exército de
Lelyushenko e as forças móveis de nossa Frente encontram a maior
resistência nas unidades inimigas que atravessaram o rio Don a partir
da área de Kotelnikovo e se deslocaram para uma linha que atravessa
Chernyshkovsky, Morozovsk, Skosyrskaya e Tatsinskaya. Essas tropas
inimigas tentam defender essa linha para impedir novos avanços de
nossas forças móveis e, assim, permitir que outras forças alemãs se
retirem; ou talvez o inimigo, em circunstâncias favoráveis, tente
preservar inteiramente esse saliente para uma ofensiva posterior,
destinada a apoiar o grupo cercado em Stalingrado. Mas não vai
adiantar. Faremos tudo ao nosso alcance para eliminar esse saliente.
O relatório do general Vatutin prosseguia:
Nossos serviços de reconhecimento aéreo relatam a chegada diária de
tropas inimigas às áreas de Rossosh, Starobelsk, Voroshilovgrad,
Chebotovka, Kamensk, Likhaya e Zverevo. É difícil avaliar quais são as
intenções do inimigo, mas ele parece estar preparando sua principal
linha defensiva no Donets Setentrional. O inimigo primeiro terá que
fechar a brecha de 320 km aberta por nossas forças em suas defesas. [...]
Seria bom se pudéssemos manter uma pressão contínua, mas isso
exigiria reforços. Nossas forças atuais estão muito ocupadas, concluindo
a Operação Pequeno Saturno. Tropas adicionais seriam necessárias para
a operação Grande Saturno.
Stalin e eu respondemos:
Sua primeira tarefa é resgatar Badanov e correr para ajudar Pavlov e
Rusiyanov. Você fez bem ao permitir que Badanov deixasse Tatsinskaya
por causa de uma emergência. Seria bom que seu ataque contra
Tormosin com o VIII Corpo de Cavalaria recebesse o apoio de uma
unidade de infantaria adicional. Quanto ao IV Corpo de Cavalaria e à
Divisão de Fuzileiros enviados por Suvorovsky em direção a Tormosin,
foi muito oportuno. Nós já lhe demos o V e o XXIII Corpos de Tanques
para converter Pequeno Saturno em Grande Saturno. Dentro de uma
semana, receberá mais 2 Corpos de Tanques e 3 ou 4 Divisões de
Fuzileiros. [...] Temos algumas dúvidas sobre o XVIII Corpo de
Tanques, que você deseja enviar para Skosyrskaya, [...] seria melhor se o
lançasse e ao XVII Corpo de Tanques ao redor de Millerovo e Verkhne-
Tarasovsky. Você deve se lembrar que, em operações em de longas
distâncias, os Corpos de Tanques têm melhor desempenho em pares do
que sozinhos; caso contrário, correm o risco de ser deixados em uma
situação como a de Badanov.
— Onde se encontra agora o XVIII Corpo de Tanques? — perguntamos a
Vatutin.
— Está localizado exatamente a leste de Millerovo. [...] O XVIII não cará
isolado.
— Simplesmente, lembre-se de Badanov, não se esqueça de Badanov. Tire-
o de lá a qualquer custo.
— Farei todo o possível para libertar Badanov — assegurou Vatutin.
O XXIV Corpo de Tanques, sob o comando do general V. M. Badanov, se
distinguiu particularmente durante a ofensiva da Frente Sudoeste. Ele
avançou 200 km em cinco dias e tomou Tatsinskaya, interceptando a linha
ferroviária que ligava Likhaya a Stalingrado. O Corpo de Tanques de
Badanov cou então isolado pela superioridade das forças inimigas, que
haviam sido deslocadas de Kotelnikovo e Tormosin. Mas seus homens não
perderam a calma. Impuseram uma defesa tenaz e in igiram numerosas
baixas ao inimigo. Sob a hábil liderança de seu comandante, nalmente
romperam o cerco. Em vista de sua fabulosa contribuição para a derrota do
inimigo nas áreas do Volga e do Don, o XXIV Corpo de Tanques converteu-
se no II Corpo de Tanques da Guarda e seu comandante foi o primeiro no
país a receber a Ordem de Suvorov Segunda Classe. Muitos de seus
soldados, comandantes e comissários políticos também receberam
condecorações.
Os ataques vitoriosos lançados pelas Frentes Sudoeste e de Stalingrado
contra as forças inimigas nas áreas de Kotelnikovo e Morozovsk decidiram o
destino das forças de Von Paulus cercadas em Stalingrado. Executando
brilhantemente a missão designada, nossos soldados frustraram a tentativa
de Von Manstein de entrar em contato com os alemães sitiados.
No início de janeiro, as forças de Vatutin chegaram a uma linha formada
por Novaya Kalitva, Krizskoye, Chertkovo, Volshino, Millerovo e
Morozovsk, estabelecendo uma ameaça iminente a todas as forças alemãs do
Cáucaso.
No nal de dezembro, as tropas alemãs nas proximidades de Kotelnikovo
recuaram para uma linha formada por Tsimlyanskaya, Zhukovskaya,
Dubovskoye e Zimovniki. O agrupamento inimigo de Tormosin retirou-se
para uma linha que corria entre Chernyshkovsky, Loznoy e Tsimlyanskaya.
O esforço de Von Manstein para atravessar nosso limite exterior e libertar
as tropas cercadas em Stalingrado havia fracassado. Isso logo cou claro
para o comando e os soldados das unidades cercadas. O desespero e o
desejo de salvar-se da inevitável catástrofe se espalharam. Agora que suas
esperanças de ajuda haviam sido frustradas, uma profunda decepção tomou
conta da tropa inimiga.
Após o colapso de sua tentativa de penetração, a liderança nazista
interrompeu os esforços para salvar as forças encurraladas e, em vez disso,
ordenou que resistissem o máximo possível para manter as forças soviéticas
ocupadas. Os alemães precisavam de todo o tempo possível para tirar suas
tropas do Cáucaso e trasladar soldados de outras áreas para criar uma nova
Frente capaz de deter nossa contraofensiva.
O Quartel-General Supremo, por sua vez, tomou medidas para eliminar
as tropas alemãs cercadas com a maior rapidez possível e, assim, liberar mais
forças soviéticas para avançar contra o inimigo em retirada no Cáucaso e em
outros lugares do Sul.
Stalin estimulava continuamente os comandantes das Frentes. No nal de
dezembro, em uma reunião do Comitê de Defesa do Estado, ele propôs que
as operações para eliminar os alemães cercados fossem lideradas por um
único comandante. Os dois comandantes estavam começando a atrapalhar
um ao outro. Os outros membros do Comitê de Defesa aceitaram.
— A quem devemos con ar a destruição nal do inimigo? — Stalin
perguntou.
Alguém propôs Rokossovsky.
— Por que você não diz nada? — Stalin me perguntou.
— Na minha opinião, qualquer comandante é capaz de fazer esse trabalho
— respondi. — Se você transferir a Frente de Stalingrado para Rokossovsky,
irá com certeza ferir os sentimentos de Yeremenko.
— Não é hora de se preocupar em não ferir sentimentos — Stalin disse. —
Telefone para Yeremenko e comunique a decisão do Comitê de Defesa do
Estado.
Naquela mesma noite, liguei para Yeremenko pela linha de alta segurança
e lhe disse:
— Andrei Ivanovich, o Comitê de Defesa do Estado decidiu con ar a
Rokossovsky a eliminação nal do contingente inimigo de Stalingrado. Você
deve transferir o LVII, o LXIV e o LXII Exércitos da Frente de Stalingrado
para a Frente do Don.
— O que causou essa decisão? — Yeremenko perguntou.
Expliquei as re exões que haviam levado àquela decisão.
O Quartel-General da Frente de Stalingrado deveria passar a dirigir as
forças que atuavam na direção de Kotelnikovo. Pouco depois, a Frente de
Stalingrado mudou de nome para Frente Sudoeste e entrou em ação contra
as forças alemãs na área de Rostov.
Por ordem do Quartel-General Supremo, em 30 de dezembro, os três
Exércitos da Frente de Stalingrado foram transferidos para a Frente do Don.
Assim, a partir de 1º de janeiro, a Frente do Don passou a ter um total de
212 mil homens, 45,5 mil canhões e morteiros, 250 tanques e 300 aeronaves.
No nal de dezembro, Vasilevsky estava especialmente preocupado com
as operações dirigidas contra as forças alemãs em Kotelnikovo, Tomosin e
Morozovsk. O general Voronov foi nomeado representante do Quartel-
General Supremo na Frente do Don e, com o Conselho Militar, elaborou um
plano para a destruição nal das forças inimigas cercadas. Depois que o
plano foi encaminhado ao Quartel-General Supremo e ao Estado-Maior, a
seguinte recomendação foi enviada ao general Voronov:
Sua principal tarefa, na primeira fase da operação, deve ser isolar e
destruir o grupo inimigo do oeste ao redor de Kravtsov, Baburkino,
Marinovka e Karpovka. Isso deve ser feito direcionando o ataque
principal de nossas forças para o Sul, da área de Dmitriyevka, da granja
estatal nº 1 e de Baburkino, em direção à estação de Karpovka, e com
uma ofensiva auxiliar do LVII Exército da região de Kravtsov e Sklyarov,
para que as duas ofensivas façam contato no entorno da estação de
Karpovka.
Além disso, o LXVI Exército deve atacar através de Orlovka na
direção do assentamento Krasny Oktyabr e seguir acompanhado de
uma ofensiva do LXII Exército, para isolar as tropas inimigas que estão
no distrito industrial e a maior parte do grupo, situado na cidade.
O Quartel-General Supremo ordena que revise o plano de acordo
com essas diretrizes. Sua programação para o início da operação está
autorizada. A primeira fase deve ser concluída em cinco ou seis dias.
Antes de 9 de janeiro, envie através do Estado-Maior Geral um plano
de operações para a segunda fase que inclua os resultados da primeira
fase.
J. STALIN
G. JÚKOV
Nº 170718
28 de dezembro de 1942
Em janeiro, as tropas das Frentes Sudoeste e de Stalingrado zeram
retroceder a Frente exterior na área do Don entre o zoológico e 250 km a
oeste. A situação das forças inimigas presas no anel deteriorou-se
tremendamente. Elas não tinham expectativa de libertação. Os suprimentos
estavam prestes a acabar. Os soldados estavam passando por severo
racionamento de alimentos. Seus hospitais de campo estavam lotados. A
mortalidade e as doenças entre os feridos aumentavam dramaticamente. A
catástrofe aproximava-se.
Em uma tentativa de acabar com a sangria, o Quartel-General Supremo
ordenou ao comandante da Frente do Don que oferecesse ao VI Exército um
ultimato para se render sob condições unilaterais. O comando nazista
rejeitou o nosso ultimato e ordenou aos soldados que combatessem até a
última bala, prometendo-lhes uma ajuda que as tropas sabiam que não
chegaria.
Em 10 de janeiro, após um poderoso ataque de artilharia para enfraquecer
as forças inimigas, a Frente do Don lançou uma ofensiva para esmagar e
destruir os pequenos agrupamentos, mas nossas forças não alcançaram um
sucesso completo.
Uma ofensiva começou em 22 de janeiro, após preparativos adicionais.
Desta vez, o inimigo foi incapaz de resistir ao golpe e começou a recuar.
Em suas memórias, um o cial do serviço de inteligência do VI Exército de
Von Paulus oferece a seguinte descrição da retirada das forças alemãs:
Fomos forçados a recuar em toda a Frente. [...] A retirada transformou-
se em fuga [...]. Em alguns lugares, o pânico se alastrou [...]. A estrada
estava lotada de cadáveres que a neve logo cobria, como se ela sentisse
pena de nós. Já nos retirávamos sem ordem.
Ele prossegue:
Numa corrida contra a morte, que não tinha di culdade em nos
alcançar e arrancava suas vítimas de nossas leiras em grandes grupos,
o Exército estava cada vez mais encarcerado em um canto estreito do
inferno.
Em 31 de janeiro, o grupo meridional das forças alemãs nalmente partiu
e os integrantes que sobraram, liderados pelo marechal de campo Von
Paulus, comandante do VI Exército, renderam-se às nossas tropas.26 O que
restava do agrupamento setentrional rendeu-se em 2 de fevereiro. Isso
marcou o m da grande batalha junto do Volga, que teve um nal tão
desastroso para esse imenso agrupamento de forças nazistas e de países-
satélites.
A batalha por Stalingrado foi extremamente dura. Eu comparo-a apenas à
batalha por Moscou. De 19 de novembro a 2 de fevereiro, destruímos 32
Divisões e 3 Brigadas, e as 16 Divisões restantes das forças alemãs perderam
entre 50% e 75% de sua capacidade.
O total de baixas inimigas nas regiões do Don, do Volga e de Stalingrado
chegava a 1,5 milhão de homens, 3,5 mil tanques e canhões
autopropulsados, 12 mil canhões e morteiros, 3 mil aviões e equipamentos
adicionais. Essa magnitude de perdas teve um efeito catastró co sobre a
situação estratégica geral e abalou toda a maquinaria militar da Alemanha
nazista.
Nossa vitória em Stalingrado marcou um ponto de virada na guerra a
favor da União Soviética e o começo da expulsão das forças inimigas do
nosso território.
Foi uma vitória gloriosa e esperada durante muito tempo, não apenas por
nossas forças, que haviam participado diretamente dela, mas por todo o
povo soviético, que havia trabalhado dia e noite para suprir a Frente com
tudo o que era preciso. Os lhos leais da Rússia, Ucrânia, Bielorrússia,
Báltico, Cáucaso, Cazaquistão e Ásia Central ganharam glória imortal por
sua perseverança e heroísmo coletivo.
O ciais e generais das forças alemãs, assim como o próprio povo alemão,
começaram a exibir sentimentos cada vez mais hostis em relação a Hitler e à
liderança nazista como um todo. O povo alemão começou a perceber que
Hitler e seus parceiros haviam arrastado o país para uma aventura. As
vitórias prometidas haviam acabado nos desastres do Don, do Volga e do
norte do Cáucaso.
“A derrota em Stalingrado assustou o povo alemão e seu Exército”,
escreveu o general Westphal. “Nunca antes na história da Alemanha um
número tão grande de soldados havia sofrido um destino tão terrível.”
O esmagamento das forças alemãs, italianas, húngaras e romenas no Volga
e no Don também reduziu bastante o prestígio da Alemanha entre seus
aliados. Isso deu origem a discussões e atritos, à perda de con ança na
liderança nazista e a um certo desejo, por parte dos satélites, de sair da
guerra para a qual Hitler os havia arrastado.
A vitória soviética também in uenciou os países neutros e os que haviam
adotado táticas de espera, forçando-os a reconhecer o grande poderio da
União Soviética e a inevitável derrota da Alemanha nazista.
Todos se lembram da onda de alegria que varreu o mundo com a notícia
da derrota alemã em Stalingrado, que encorajou as nações ocupadas a
continuar com a resistência.
A defesa de Stalingrado, os preparativos para a contraofensiva e minha
contribuição para as demais operações no sul também signi caram muito
para mim. Representaram uma experiência na organização de uma
contraofensiva muito maior do que aquela que eu havia adquirido em 1941
durante a Batalha de Moscou, na qual as forças à nossa disposição eram
inadequadas para cercar as tropas inimigas.
Pela supervisão geral da contraofensiva de Stalingrado e seus resultados,
fui um dos condecorados com a Ordem de Suvorov Primeira Classe. A
concessão da primeira dessas ordens não apenas representou uma grande
honra, mas foi um símbolo das expectativas que o país depositou em mim
para que me entregasse ainda mais para alcançar a hora da vitória absoluta.
Vasilevsky recebeu a segunda ordem. Outros que também foram
condecorados com a Ordem de Suvorov Primeira Classe foram Voronov,
Yeremenko e Rokossovsky. Inúmeros generais, o ciais, sargentos e soldados
também receberam altas condecorações.
A derrota das forças alemãs em Stalingrado, no Don e no Cáucaso criou
condições favoráveis para expandir nossa ofensiva em todas as Frentes do
Sudoeste.
As operações nas áreas do Don e do Volga foram seguidas do sucesso nas
de Ostrogozhsk-Rossosh e Voronezli-Kastomoye. As forças soviéticas,
pressionando na direção oeste com sua ofensiva de inverno, tomaram
Rostov, Novocherkassk, Kursk, Kharkov e alguns outros locais importantes.
A situação estratégica e operacional geral das tropas nazistas deteriorou-se
em toda a Frente germano-soviética. Encorajado por essas vitórias históricas
de nossas forças, o povo soviético adotou medidas enérgicas para fornecer
ao Exército Vermelho armas e equipamentos ainda melhores, a m de
alcançar a vitória absoluta sobre a Alemanha nazista.
25
Para aproveitar o êxito da Operação Urano, em Stalingrado, o Exército Vermelho planejava uma
série de outras operações ofensivas no Norte do Cáucaso e na bacia do Donets, que tinham o nome
em código de Saturno. Conforme a versão, eram chamadas de Pequeno Saturno e Grande Saturno.
[N.E.]
26
Até então, nenhum marechal de campo alemão havia se rendido ao inimigo, em toda a história.
Para encobrir este fato inédito, a imprensa alemã anunciou a morte de Von Paulus e o governo lhe
prestou homenagens póstumas. Na verdade, o marechal cou preso na União Soviética até 1954,
quando foi libertado. Em A epopeia de Stalingrado, Rokossovsky descreveu assim a rendição do
marechal Von Paulus: “Tropas do LXIV, do LVII e do XXI Exércitos forçaram o inimigo a baixar as
armas em 31 de janeiro. O marechal de campo Von Paulus foi feito prisioneiro com seu Estado-Maior
e levado imediatamente para o nosso quartel-general, onde estávamos eu, o marechal N. N. Voronov e
um intérprete. A sala tinha luz elétrica. Estávamos sentados diante de uma pequena mesa. A porta
abriu-se e o o cial de plantão conduziu o marechal de campo à sala. Diante de nós estava um homem
alto, magro e atarracado, vestindo uniforme de general, de pé e parecendo severo. Seu
comportamento denotava uma tensão enorme que ele não podia esconder. Um tique nervoso contraía
seu rosto. Parecia que ele estava esperando algo muito ruim acontecer. Convidei calmamente Von
Paulus a sentar-se à mesa. Depois de olhar para a esquerda e para a direita, ele se sentou timidamente.
Sobre a mesa havia charutos e cigarros. Eu estava fumando e o convidei a acompanhar-me. Ele fez isso
imediatamente, e com um gole só bebeu uma xícara de chá quente. Estava febril. O movimento do
rosto e o tremor das mãos não paravam.” [N.E.]
KURSK
Julho–Agosto de 1943
27
As Divisões Panzer foram introduzidas no Exército alemão em 1935. Ao contrário do que
normalmente se pensa, eram mais do que Divisões de Tanques. Sua efetividade vinha da capacidade
de usar armas de maneira combinada. [N.E.]
28
O Exército soviético havia retirado um regimento de artilharia de cada Divisão para criar uma
poderosa reserva nas mãos do Alto Comando. [N.E.]
II
33
O nome em código da ofensiva alemã era Operação Cidadela, como aparecerá adiante. [N.E.]
IV
Nº 64
Uma vez alcançado o controle sobre Belgorod, as forças soviéticas
começaram a lançar sua ofensiva na direção de Kharkov. Para evitar o cerco,
o inimigo começou a remover suas tropas de Kharkov em 22 de agosto. Na
manhã seguinte, depois de alguns confrontos com a retaguarda do inimigo,
as tropas da Frente das Estepes entraram na cidade e tiveram uma calorosa
recepção de seus habitantes.
Imediatamente, uma grande concentração foi realizada em toda a cidade,
levando ao palanque representantes do Exército Soviético, de agências
governamentais e de organizações do Partido na Ucrânia. A concentração
foi seguida por imensas demonstrações de entusiasmo, com as quais os
trabalhadores de Kharkov celebraram sua libertação. Moscou disparou uma
salva em homenagem às bravas tropas que libertaram Kharkov, aquela
gloriosa cidade da Ucrânia. A manifestação foi seguida de um jantar, onde I.
S. Kozlovsky, o famoso artista, entoou canções russas e ucranianas. Sua
interpretação emocionada levou todos às lágrimas. Ele cantou durante
muito tempo e todos nós, que durante tantos meses havíamos sentido a falta
de bons artistas, camos muito gratos.
Enquanto isso, as tropas da Frente das Estepes haviam se envolvido em
combate com o inimigo ao sul de Kharkov, na direção de Merefa. Por seu
lado, a Frente Voronezh repeliu os contra-ataques alemães em Bogodukhov
e Akhtyrka, e em 25 de agosto foi assegurado o controle de uma linha que
corria por Sumy, Gadyach, Akhtyrka e Konstantinovka, onde se iniciaram os
prepartivos para uma ofensiva em direção ao trecho intermediário do rio
Dnieper. Essa mesma missão foi designada para a Frente das Estepes.
Tropas das Frentes Ocidental, de Bryansk e Central continuaram a
ofensiva na área de Orel. Em 18 de agosto, já haviam alcançado uma linha
que percorria o leste de Lyudinovo, 25 km a leste de Bryansk e através de
Dmitrovsk-Orlovsky.
Isso encerrava as grandes operações nas áreas de Kursk, Orel, Belgorod,
Kharkov, Bogodukhov e Akhtyrka. Elas terminaram com a derrota completa
da maioria das forças do Exército alemão, nas quais Hitler havia con ado
para alcançar seus principais objetivos políticos e estratégicos.
Essa atroz confrontação de tropas soviéticas e alemãs durou 50 dias.
Terminou com uma vitória soviética sobre 30 seletas Divisões alemãs,
incluindo 7 Divisões Panzer, que perderam mais da metade de seus efetivos.
Durante essa batalha, as baixas do inimigo chegaram a 500 mil homens, 2
mil tanques e canhões autopropulsados (incluindo muitos Tiger, Panzer e
Ferdinand), 3 mil canhões e uma grande quantidade de aviões. A liderança
nazista foi incapaz de substituir essas baixas, mesmo adotando medidas
radicais.
A notável vitória de nossas tropas em Kursk mostrou o crescente poderio
do Estado soviético e de suas Forças Armadas. Tanto na frente quanto na
retaguarda, a vitória foi forjada através dos esforços de todos os povos
soviéticos sob a liderança do Partido Comunista. Nos combates de Kursk, as
tropas soviéticas demonstraram uma coragem excepcional, um heroísmo
generalizado e grande mestria militar. Para reconhecer esses êxitos, o
Partido Comunista e o governo homenagearam com condecorações e
medalhas mais de 1 mil soldados, o ciais e generais, muitos dos quais
receberam o título de Herói da União Soviética.
A vitória de Kursk teve enorme relevância internacional e elevou ainda
mais o prestígio da União Soviética.
Agora pairava a sombra de uma catástrofe iminente sobre a Alemanha
nazista. O confronto do verão de 1943 na Frente germano-soviética forçou
os nazistas a transferir 14 Divisões e outras forças de reforço de diversas
Frentes, enfraquecendo signi cativamente sua presença na Itália e na
França.
A tentativa de Hitler de arrebatar a iniciativa estratégica do comando
soviético terminou em completa derrota. Desde então e até o nal da guerra,
as forças alemãs caram limitadas a operações defensivas. Isso mostrava que
a Alemanha estava se enfraquecendo. Sua derrota de nitiva era questão de
tempo.
Os comandos estratégicos e tático-operacionais soviéticos amadureceram
enormemente. A contraofensiva de Kursk envolveu tropas de tamanho
muito maior do que as de operações ofensivas anteriores. Por exemplo, a
defesa de Moscou envolveu 17 Exércitos de Campanha enfraquecidos, sem
unidades blindadas especiais; na Batalha de Stalingrado, participaram 14
Exércitos de Campanha, 1 Exército de Tanques e vários corpos mecanizados;
mas das operações em Kursk participaram 22 Exércitos de Campanha com
força total, 5 Exércitos de Tanques, 6 Exércitos Aéreos e numerosas unidades
de bombardeiros de longo alcance.
Na contraofensiva de Kursk, usamos pela primeira vez de forma
generalizada unidades blindadas e mecanizadas especiais, que em algumas
manobras operacionais foram o fator decisivo para penetrar profundamente
nas linhas inimigas e inserir cunhas na retaguarda de suas unidades
militares.
Os Exércitos de Tanques, as Divisões e Corpos de Artilharia e os
poderosos Exércitos Aéreos alteraram radicalmente nossas possibilidades e,
consequentemente, o caráter das operações da primeira linha, não apenas
em tamanho, mas também em seus objetivos. Comparadas à primeira fase
da guerra, as tropas soviéticas adquiriram muito mais mobilidade,
aumentando signi cativamente o progresso médio diário. A densidade de
artilharia e de tanques por km de Frente aumentou bastante. Na ofensiva de
verão, conseguimos acumular uma densidade entre 155 e 185 canhões e
entre 15 e 20 tanques por km de Frente.
Um dos fatores decisivos na vitória de Kursk foi o elevado moral e a
convicção política dos nossos soldados. Isso foi alcançado através de uma
intensa e vigorosa campanha de propaganda política, realizada por
comandantes, comissários políticos e organizações do Partido e do
Komsomol,34 tanto durante a fase de preparação como durante a própria
batalha.
Os guerrilheiros que atuavam na retaguarda do inimigo também
contribuíram para a vitória soviética em Kursk, Orel e Kharkov. A “guerra
ferroviária” travada pelos guerrilheiros da Bielorrússia, Smolensk e Orel,
bem como os do vale do Dnieper, foi particularmente e caz no corte das
linhas de suprimento do inimigo. Os guerrilheiros explodiam trens, estações
e armazéns e forneciam ao comando soviético informações de inteligência
que lhe permitiam avaliar a situação estratégica e as intenções do inimigo no
verão de 1943.
34
Juventude Comunista. [N.E.]
BERLIM
Abril – Maio de 1945
35
As formações blindadas começaram a ser lançadas nas operações a partir da Batalha de Stalingrado,
acompanhando diretamente a infantaria e a cavalaria. Depois da Batalha de Kursk, em 1943, o uso de
tanques em massa tornou-se normal. Criaram-se Exércitos de tanques, com 3 a 4 Divisões Blindadas,
que somavam mais 1 mil tanques sob um só comando. Tais grandes formações desempenharam papel
preponderante nas seis grandes operações na última parte da guerra: Stalingrado (1942), Kursk-Orel
(1943), Korsum-Scheverchenkovsky (1944), Bielorrússia (1944), Varsóvia (1945) e Berlim (1945).
[N.E.]
36
A infantaria nunca perdeu o papel de “arma básica” na doutrina militar soviética. Os Regulamentos
diziam explicitamente: “A infantaria é a tropa principal” (1936), “A infantaria determina a conclusão
da batalha” (1940), “A ação combinada de todas as espécies de tropas organiza-se segundo o interesse
da infantaria, que trata da tarefa mais importante no combate” (1942). A Tática de Aviação dizia: “O
uso de outras tropas, participando do combate com a infantaria, tem em vista sempre agir segundo os
interesses desta última, garantindo o seu avanço na ofensiva e na sua rmeza na defensiva.” [N.E.]
37
A Batalha de Berlim custou 305 mil baixas ao Exército Vermelho, entre mortos, feridos e
desaparecidos. [N.E.]
ANEXO
O Tratado de Versalhes
O papel da Polônia
O Acordo de Munique
38
Artigo divulgado no site o cial do governo russo, em 9 de maio de 2020, para comemorar os 75
anos da vitória contra o nazismo. [N.E.]
39
Júkov participou ativamente dessas batalhas, nas quais ganhou grande prestígio militar. [N.E.]
40
Aliança formada em 1907 pela Inglaterra, Rússia e França para contestar a Tríplice Aliança, que
reunia Alemanha, Império Austro-Húgaro e Itália. [N.E.]