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© Contraponto Editora, 2020

Vedada, nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro,


por quaisquer meios, sem autorização da Editora.
Os artigos originais de Júkov foram publicados em junho de 1965,
agosto, setembro e outubro de 1966, agosto e setembro de
1967 na revista Voyenno-Istorichskii Zhurnal, do Ministério
Defesa da antiga União Soviética, e em Salingradskaya Epopeya, Edições Militares de Moscou, 1968.
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1ª edição: novembro de 2020

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
__________________________________________________________________
J87d Júkov, Georgy (Zhukov, Georgiῐ Konstantinovich), 1896-1974
A decisão da Segunda Guerra Mundial : Moscou, Stalingrado, Kursk,
Berlim / Georgy Júkov. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Contraponto, 2020.
284 p. ; 23 cm.

ISBN 978-65-5639-007-9

1. Guerra Mundial, 1939-1945 - Rússia. 2. Moscou, Batalha de, 1941-1942.


3. Stalingrado, Batalha de, 1942-1943. 4. Kursk, Batalha de, 1943. 5. Berlim,
Batalha de, 1945. 6. Guerra Mundial, 1939-1945 - Causas. I. Título.

20-66965
CDD: 940.5421
CDU: 94(100)”1939/1945”
__________________________________________________________________
Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439
SUMÁRIO

A fênix russa • Cesar Benjamin

GEORGY JÚKOV

Moscou, outubro de 1941 – janeiro de 1942

Stalingrado, agosto de 1942 – fevereiro de 1943

Kursk, julho–agosto de 1943

Berlim, abril–maio de 1945

75 anos da Grande Guerra pela Pátria • Vladimir Putin


Finalmente recebi a tão esperada ligação de Kuznetsov: o
Reichstag havia sido ocupado. Nossa bandeira vermelha
tremulava no alto do prédio.
Que torrente de pensamentos encheu a minha mente naquele
momento! Revivi a batalha fundamental de Moscou, onde nossas tropas
haviam permanecido rmes em face da morte. Vi Stalingrado em ruínas,
mas não conquistada, a gloriosa cidade de Leningrado suportando seu
longo cerco de fome, milhares de cidades e vilas devastadas, os sacrifícios
de milhões de soviéticos que sobreviveram durante todos aqueles anos; a
celebração da vitória no saliente de Kursk... e agora, nalmente, o objetivo
pelo qual a nossa Nação havia suportado aqueles enormes sofrimentos: a
derrota absoluta da Alemanha nazista, a destruição do fascismo, o
triunfo de nossa causa justa.
MARECHAL GEORGY JÚKOV
A FÊNIX RUSSA
Cesar Benjamin

Nascido em 20 de novembro de 1896 na aldeia de Ugodsky Zavod (hoje


renomeada Júkov), Georgy Júkov viveu a primeira infância no limiar da
completa privação e da fome. Os rendimentos dos pais, camponeses pobres,
mal davam para comprar pão e sal. A alimentação da família era
frequentemente complementada por sopa e mingau doados por outros
moradores da aldeia. Depois do desabamento de sua choupana, foi morar
num celeiro, dependendo da caça, da pesca e de trabalhos ocasionais para
sobreviver.
Uma viagem solitária a Moscou lançou-o na vida adulta com doze anos de
idade. Tornou-se aprendiz em uma o cina de peles, morando nela,
maltratado pelos adultos e cumprindo jornadas de doze a quinze horas
diárias. Em julho de 1915, com dezenove anos, apresentou-se ao Exército
Imperial para lutar na Primeira Guerra Mundial.
Trinta anos depois, aquele antigo soldado raso, já marechal, entrou em
Berlim comandando a gigantesca máquina militar que derrotou o Terceiro
Reich e pôs m à Segunda Guerra Mundial, o acontecimento mais
importante na história do século XX. O evento que ligou decisivamente os
dois extremos dessa trajetória pessoal foi a Revolução de Outubro de 1917.
***
Muito ampliado por causa da guerra, o Exército Imperial foi um dos focos
da Revolução. Foi nele que Júkov teve contato com os ideais bolcheviques:
terra, paz e pão, todo o poder aos sovietes. Afastado do serviço ativo em
1917, gravemente acometido de tifo, ao retornar no ano seguinte alistou-se
como voluntário em um regimento de cavalaria da Guarda Vermelha.
Participou da Guerra Civil no embrião do Exército Vermelho, que, naquele
momento, reunia apenas 200 mil homens contra tropas de catorze países
que haviam se juntado à poderosa Guarda Branca, organizada para restaurar
o antigo poder.
Foi um Exército que se formou combatendo, muitas vezes em situações
parecidas com as que voltariam a ocorrer cerca de vinte anos depois. Pois,
no começo das décadas de 1920 e de 1940, por algum tempo as duas guerras
pareciam perdidas.
***
Em março de 1919, o sargento Júkov foi aceito como membro do Partido
Comunista. Durante a Guerra Civil, participou de combates intensos, foi
gravemente ferido, perdeu dois cavalos em um mesmo dia, atingidos pelo
fogo inimigo. Quase morreu esmagado e dilacerado por um deles, em
agonia, sendo salvo pela oportuna intervenção de seus companheiros de
armas.
Foi condecorado com a Ordem da Bandeira Vermelha, por bravura,
porque
[...] em 5 de março de 1921, em uma batalha nos arredores da aldeia
Vyazovaya Pochta, apesar do ataque de uma força oponente com 1,5 mil
a 2 mil cavalarianos, deteve a investida do inimigo com seu esquadrão
durante sete horas e, passando ao contra-ataque, aniquilou o bando
após seis horas de combates corpo a corpo.
Com o m da Guerra Civil em 1921, o Exército Vermelho liberou grande
parte dos seus soldados para tarefas civis, permanecendo com 562 mil
homens mobilizados, Júkov entre eles. Tornara-se um militar.
O poder passara aos conselhos. Os novos comandantes, inclusive no nível
de regimentos, eram referendados em assembleias gerais. Júkov foi nomeado
comandante do 39º Regimento de Cavalaria. Nessa condição, participou da
consolidação do Exército Vermelho dos Trabalhadores e Camponeses
(RKKA em russo), um processo longo e complexo.
***
Criar uma organização militar nova e e ciente não era tarefa simples. A
experiência pro ssional de militares do velho Exército Imperial e o ímpeto
renovador de operários e camponeses recém-emancipados de posições
subalternas tiveram que conviver, frequentemente em con ito, enquanto se
edi cavam novas estruturas de poder que afetavam também a relação entre
o ciais e soldados. Entre os debates novos, estavam o papel de uma gura
singular, a do comissário político, e a relação entre o Exército regular e as
milícias populares, formações voluntárias, vocacionadas para a guerra
irregular.
O posto de comissário político foi instituído depois da Revolução de
Fevereiro de 1917, pois o governo menchevique de Kerensky decidiu
scalizar a atuação dos o ciais do antigo Exército Imperial quando o general
Kornilov che ou uma tentativa de contrarrevolução. O posto foi con rmado
e fortalecido pelos bolcheviques depois da Revolução de Outubro. Desde
então, o papel e a importância dos comissários oscilaram em cada
conjuntura, mas sempre foram signi cativos. Talvez como herança da
prática dos velhos bolcheviques — que, incapazes de derrotar militarmente
o Exército Imperial, conseguiram desintegrá-lo por dentro —, o comando
soviético demonstrava preocupação especial com o trabalho político na
tropa.
Pressionadas pela Guerra Civil, todas as lideranças bolcheviques
concordaram em fortalecer o Exército regular, em detrimento da
mentalidade guerrilheira, que persistia. Tukhachevsky tratava a proposta de
um Exército de milícias populares como uma superstição:
Os traços característicos de um Exército de milícia são o grande
tamanho e a fraca e ciência na guerra. Grandes Exércitos sem um
núcleo de formações militares permanentes não podem receber
instrução completa em unidades regulares em tempos de paz, pois só se
reúnem quando há ordens de mobilização. A introdução do sistema de
milícias conduzirá à morte da União Soviética.1
Stalin seguia a mesma linha:
Um Exército de voluntários não basta. Nossa República não conseguirá
se defender com ele. Precisamos formar outro, regular, bem organizado,
com espírito de disciplina, capaz de enfrentar e deter um inimigo forte.2
Trotsky, também:
A m de treinar o Exército Vermelho, estamos trabalhando com alguns
dos melhores e mais honestos dos velhos generais. Não é perigoso? Há
perigo em tudo. Mas precisamos de professores que conheçam a
guerra.3
Mais de 30 mil o ciais foram aceitos no Exército Vermelho, entre os 216
mil militares oriundos do Exército Imperial. A in uência deles predominou
até 1924, mas se projetou além disso. Boris M. Shaposhnikov, por exemplo,
era coronel do Exército Imperial e se tornou um grande estrategista do
Exército Vermelho, chefe do Estado-Maior durante grande parte da Segunda
Guerra Mundial.
Na plenária de janeiro de 1925 do Comitê Central do Partido Comunista,
o general Mikhail Frunze alertou:
Muitos de nossos companheiros, especialmente aqueles que estiveram
nas frentes da Guerra Civil, pensam que ainda vivemos naquela época.
São sentimentos perigosos, pois a guerra que virá não será parecida
com aquela. [...] Os métodos serão outros. Teremos que enfrentar
excelentes Exércitos, armados com as técnicas mais recentes. Se não
dispusermos delas, as perspectivas serão adversas.4
***
A história mostrou que Frunze tinha razão. Logo se difundiu a
consciência de que era necessário estabelecer uma nova estratégia militar, na
qual o Exército regular, organizado em bases territoriais, teria papel
fundamental. Nesse ano adotou-se o princípio do comando uni cado nas
Forças Armadas. As milícias revolucionárias foram sendo desmobilizadas ou
absorvidas pelo Exército, até serem extintas em 1939 para serem recriadas,
na prática, depois da invasão alemã, com a missão de atuar na retaguarda
inimiga.
Como a jovem União Soviética não dispunha de indústria bélica, o
Exército Vermelho permaneceu vários anos equipado basicamente com o
armamento herdado do antigo Exército Imperial. Faltava tudo, e o que
existia precisava ser modernizado. O desenvolvimento da capacidade de
defesa andava em par com a industrialização, impulsionada
embrionariamente a partir de 1925. Os efeitos demoraram a chegar. Até o
nal da década, o Exército contava com apenas 100 blindados e 350
caminhões, e quase todas as suas 7 mil peças de artilharia eram canhões
leves. Praticamente, inexistia fogo antiaéreo.
***
Enquanto isso, os demais grandes Exércitos lançavam-se no estudo das
experiências da Primeira Guerra Mundial. Os alemães destacaram-se nisso,
talvez porque os vencidos tenham mais estímulos para inovar.
O general Hans von Seeckt, que reformou o Exército alemão na década de
1920, trabalhou sob as severas restrições impostas pelo Tratado de
Versalhes, que limitava o contingente a 100 mil homens com no máximo
288 peças de artilharia de calibre não superior a 105mm, proibindo muitos
tipos de armamento. Foi dele a concepção de um Eliteheer, ou seja, um
Exército pro ssional de alta qualidade que pudesse se desdobrar
rapidamente em um Exército maior no futuro, quando as condições
permitissem, o que de fato aconteceu. Também foi dele a intuição da
Blitzkrieg como nova maneira de operar. Ainda em 1926, escreveu
profeticamente: “A guerra do futuro usará forças móveis relativamente
pequenas mas de grande qualidade, que se tornarão muito mais efetivas com
o uso da aviação e a mobilização de todas as forças logo no início do
ataque.”5
***
A situação internacional deteriorou-se gravemente no início da década de
1930, no Leste e no Oeste. O Japão invadiu a Mandchúria em 1931, sem
declaração de guerra. Hitler chegou ao poder na Alemanha em 1933,
lançando um programa econômico que incluía amplo rearmamento. Na
segunda metade da década de 1930, os países fascistas estavam prontos para
uma nova guerra. A Alemanha contava com 1 milhão de homens nas Forças
Armadas e 2 milhões em organizações paramilitares, contingentes que
poderiam ser quintuplicados em caso de mobilização geral. A ordem
internacional estabelecida pelo Tratado de Versalhes já deixara de existir.
Em 1º de outubro de 1934, Hitler criou em segredo a Lu wa e,
inicialmente encoberta pela empresa de aviação civil Lu hansa. A existência
da nova aviação militar alemã só foi anunciada publicamente em 11 de
março de 1935, quando ela já operava 1.888 aeronaves, com mais de 20 mil
homens. No mesmo ano, entraram em operação as primeiras divisões
Panzer, de blindados, sob a liderança operacional do general Heinz
Guderian. Desenhava-se o Exército antevisto pelo general Von Seeckt.
Enquanto isso, a doutrina francesa ainda privilegiava a manutenção de
posições em uma linha defensiva e limitava a atuação dos blindados ao
acompanhamento de tropas de infantaria. A maior diferença entre os dois
Exércitos, em 1940, não foi o efetivo nem o armamento, equivalentes nos
dois casos, mas a doutrina.
***
A União Soviética reconheceu os riscos que corria, principalmente por
causa da evolução da situação na Alemanha. Em 1931, começou a ser
implantado o primeiro plano quinquenal de reestruturação militar, que
incluiu a criação da Força Aérea no ano seguinte. O número de alunos que
cursavam instituições militares de nível superior passou de 3,2 mil em 1928
para 16,5 mil em 1932, período em que as fábricas de artefatos de artilharia
cresceram mais de seis vezes. Entre 1933 e 1937, o número de militares em
serviço ativo passou de 885 mil para 1,5 milhão, e a quantidade de divisões
aumentou em dez vezes. A grande distância em tecnologia bélica entre a
União Soviética e as potências ocidentais começou a diminuir.
Júkov escreveu em suas Memórias que em 1937 o Exército Vermelho já
podia ser considerado moderno: “No que diz respeito às armas e aos
serviços, bem como à sua estrutura organizacional, a força terrestre
nalmente atingiu o nível dos Exércitos dos países capitalistas
desenvolvidos.”6 Mas o atraso do antigo Império ainda se fazia sentir. Júkov
enfatiza, por exemplo, que só nesse ano o Exército conseguiu completar a
alfabetização de 100% dos seus integrantes.
No ambiente paranoico de um sistema político fechado, com instituições
frágeis, 1937 foi também o ano dos grandes expurgos, baseados em delações
anônimas e legitimados por julgamentos ilegais, com condenações à morte,
à prisão ou ao degredo. Por causa da íntima ligação entre Partido e Exército,
herança da Revolução e da Guerra Civil, os processos atingiram grande
número de comandantes de tropas, integrantes de conselhos militares e
comissários políticos, muitos deles bolcheviques de primeira hora.
Em 1937 e 1938, foram expurgados 3 dos 5 marechais, 13 dos 15
comandantes de Exército, 57 dos 85 comandantes de Corpos, 110 dos 195
comandantes de Divisão e 220 dos 406 comandantes de Brigada.7 Não se
pode exagerar o impacto disso na capacidade de combate do Exército
Vermelho. Com a subsequente promoção de uma o cialidade inexperiente e
insegura, diminuíram o preparo e a iniciativa dos comandos.
***
Ainda relativamente desconhecido, Júkov escapou. Foi enviado para a
Mongólia, também ocupada pelo Japão, que se movia para criar uma base
continental com vista a um futuro ataque à União Soviética. Lá, o jovem
general se destacou no comando das tropas russas que lutaram ao lado do
Exército local. Ficou famosa a engenhosa combinação de camu agem,
artilharia, morteiros, blindados e apoio aéreo que Júkov usou na grande
batalha de Khalkhin-Gol, determinante na derrota japonesa.
De volta a Moscou, Júkov conheceu Stalin e recebeu dele a patente de
general de Exército, sendo nomeado comandante da importante Região
Militar de Kiev. Logo demonstrou preocupação com o fato de que as
forti cações na Ucrânia e na Bielorrússia estavam construídas muito
próximas das fronteiras, sem previsão de defesa em profundidade. Os
acontecimentos futuros demonstraram que ele tinha razão.
***
Era intensa a atividade diplomática de todas as potências, com interesses
cruzados, sigilo, intrigas, cartas embaralhadas e várias possibilidades de
recombinação. A falência da Liga das Nações produzira um vazio de
governança, sem instâncias coletivas de consultas e coordenação entre os
países. Acordos bilaterais eram assinados, mas não tinham credibilidade.
A proposta soviética de um pacto contra o nazismo não vingou. Em 5 de
agosto de 1939, em reunião com missões militares de alto nível da Inglaterra
e da França, o general B. M. Shaposhnikov apresentou o plano para o
posicionamento das forças soviéticas nas suas fronteiras ocidentais em caso
de con ito. Iriam para a frente de combates, sem contar as reservas, 120
divisões de infantaria, 16 de cavalaria, 5 mil armas pesadas, 10 mil
blindados, 5,5 mil aviões bombardeiros e caças, o que corresponderia a 70%
das forças conjuntas dos três países, se eles rmassem um acordo. Depois da
guerra, com a desclassi cação de documentos sigilosos, cou claro que as
delegações inglesa e francesa estavam instruídas a prolongar as negociações,
sem chegar a nenhuma conclusão. Em 23 de agosto, foi assinado o frágil
Pacto de Não Agressão Germano-Soviético. A União Soviética temia car
isolada.
A guerra estava no ar, mas não se sabia quando, onde e como ela
começaria. Começou em setembro de 1939, com a invasão alemã da
Polônia, seguida da queda da França (e de outros países) e da retirada das
tropas inglesas do continente. A Alemanha emergiu como potência
vitoriosa.
***
Em 31 de janeiro de 1940, Júkov foi nomeado chefe do Estado-Maior
Geral do Exército Vermelho. A União Soviética ainda precisava ganhar
tempo para ampliar e modernizar suas Forças Armadas e sua indústria de
defesa, e promover uma relocalização da sua indústria, quase toda
concentrada na área europeia do país. Além da produção de armamentos,
stricto sensu, altos-fornos, re narias, indústrias químicas, metalurgias,
indústrias de alumínio e de metais não ferrosos, montadoras de veículos,
tubulações, usinas elétricas, indústria pesada em geral e outras instalações
de valor estratégico começaram a ser criados nas regiões orientais ou
transferidos para lá, distantes do esperado teatro de operações.
No mesmo ano, o Comissariado do Povo para a Defesa divulgou o
documento “Sobre o adestramento de combate e de política das tropas”, que
dava um balanço das novas formas de guerra experimentadas na Europa
Ocidental e renovava as instruções de treinamento. Stalin aceitara
tardiamente a ideia de que a vitória tenderia para o lado que dispusesse de
mais e melhores tropas motorizadas. O choque das duas potências, se
acontecesse, envolveria Exércitos enormes deslocando-se rapidamente por
vastas áreas, com apoio de blindados e da aviação.
Entre 1939 e 1941, foram criadas 125 novas Divisões, elevando as forças
soviéticas de defesa a mais de 4,2 milhões de integrantes. Apesar desse
esforço, Stalin e o restante da liderança soviética cometeram muitos erros e
hesitações na fase anterior e no início da guerra. Havia lógica neles,
principalmente por causa da obsessão de Stalin em adiar (ou mesmo evitar)
o con ito armado. Talvez mais do que a Alemanha — como veremos —, a
União Soviética também tinha o problema da guerra em duas frentes, pois o
Japão era uma potência ascendente e extremamente agressiva. Os dois países
só assinaram um pacto de neutralidade em 13 de abril de 1941, o que
permitiu liberar signi cativas forças soviéticas que permaneciam
estacionadas no Extremo Oriente.
***
Stalin não sabia que a primeira e principal diretiva para a Operação
Barbarossa havia sido assinada por Hitler em 18 de dezembro de 1940,
classi cada como “altamente secreta”. A diretiva dizia o seguinte:
As Forças Armadas da Alemanha devem estar preparadas para esmagar
a Rússia Soviética numa campanha rápida mesmo antes da conclusão
da guerra contra a Inglaterra.
A massa do Exército russo, na Rússia Ocidental, deve ser destruída
em operações ousadas, lideradas por forças blindadas. Precisamos
evitar que as unidades russas consigam se retirar na vastidão do
território.
Em uma perseguição rápida, devemos chegar a uma linha a partir da
qual a Força Aérea russa não possa mais atacar o território do Reich. O
objetivo nal é estabelecer uma linha defensiva contra a Rússia Asiática,
passando pelo rio Volga e indo até Arcangel. Então, em caso de
necessidade, a última área industrial deixada aos russos poderá ser
destruída pela Lu wa e.
No decorrer dessas operações, a Frota do Mar Báltico [russa] perderá
suas bases [em Leningrado] e assim estará fora de combate.
Deve-se evitar a intervenção efetiva da Força Aérea russa por meio de
golpes poderosos desde o início das operações.8
***
A partir desta diretiva, o Estado-Maior alemão formatara o ataque. No
primeiro semestre de 1941, os sinais da invasão alemã se multiplicaram, mas
Stalin considerava que eles podiam ser parte de um plano inglês para
precipitar a guerra que ele desejava adiar. Contra as solicitações dos generais
Júkov e Timoshenko, retardou, por isso, a ordem de mobilização geral,
prevista nos planos do Estado-Maior, que incluíam prontidão geral de
combate e deslocamento de contingentes, entre outras medidas. Segundo
ele, tal movimentação poderia ser interpretada pelos alemães como o início
de um ataque.
Em 15 de junho, Júkov e Timoshenko pediram novamente autorização a
Stalin para deixar as tropas prontas para o combate. Nas suas Memórias,
Júkov conta o diálogo, que esclarece bem a preocupação de Stalin:
— Nós temos um tratado de não agressão com a Alemanha — disse
Stalin. — Não acredito que Hitler se atreva a criar uma segunda frente,
atacando a União Soviética. Ele não é tolo a ponto de não entender que
a União Soviética não é a Polônia, a França ou mesmo a Inglaterra.
Timoshenko tentou argumentar:
— E se isso acontecer? Em caso de ataque, não teremos forças
su cientes nas fronteiras nem mesmo para fazer a cobertura. Não
poderíamos repelir de forma organizada um ataque alemão, pois a
transferência de tropas para as fronteiras ocidentais, na situação atual
das ferrovias, é extremamente difícil.
— Então você propõe realizar a mobilização do país, aumentar as
tropas agora e movê-las para as fronteiras ocidentais? Isso já é a guerra!
Vocês não compreendem isso? — respondeu Stalin.9

A posição de Stalin, como se vê, tinha uma lógica, mas ela continha uma
contradição: ao não mobilizar as tropas para evitar a guerra, ele enfraquecia
a União Soviética e estimulava Hitler a iniciar a guerra.
***
Entre o nal de 1940 e junho de 1941, o Exército alemão formou 214
novas Divisões, com 3,5 milhões de novos soldados, o que elevou seus
efetivos totais a 8,5 milhões de homens. Ao mesmo tempo, o tráfego nas
ferrovias alemães foi reprogramado para aumentar a capacidade de
transporte de homens, blindados e outros equipamentos para o Leste.
Tamanha movimentação não podia ser feita em completo sigilo. A
inteligência alemã antecipou-se, elaborando um so sticado plano para
convencer os russos de que estavam em curso um adestramento e um
descanso de tropas que seriam lançadas contra a Inglaterra. Para dar
credibilidade a esta versão, os alemães aumentaram as ameaças contra a ilha,
vazaram informações sobre falsas operações, denominadas Tubarão e
Arpão, espalharam rumores sobre um corpo aerotransportado que não
existia, imprimiram e distribuíram, às tropas, mapas topográ cos da
Inglaterra, colocaram tradutores de língua inglesa em cada unidade,
simularam ações de cerco de áreas do litoral inglês e instalaram na região do
Canal da Mancha falsas baterias de mísseis. As forças blindadas, por sua vez,
foram estacionadas a 40 milhas da fronteira soviética.10
Foi a maior manobra de desinformação da história. Os alemães
conseguiram a proeza de deslocar mais de 100 Divisões para o Leste sem
provocar a reação de Stalin, que, não obstante, recebia relatórios de
inteligência sobre essa movimentação.
***
Júkov escreveu:
No nal de maio de 1941, eu e Timoschenko fomos convocados com
urgência ao Politburo. Acreditávamos que nalmente receberíamos
permissão para colocar em alerta máximo de combate as regiões
militares de fronteiras. Ficamos surpreendidos quando Stalin nos disse:
— O embaixador da Alemanha, Von Shulenburg, nos transmitiu o
pedido do governo alemão para autorizarmos a realização de uma
pesquisa nas sepulturas dos soldados e o ciais mortos na Primeira
Guerra Mundial nas batalhas contra o antigo Exército russo. Para
localizar os túmulos, os alemães criaram alguns grupos que visitarão os
pontos marcados neste mapa. [...] Deem ordens às regiões militares
para estabelecerem contatos com as nossas guardas de fronteira, que já
receberam instruções.
Recebemos com perplexidade as palavras de Stalin. Ficamos
surpresos, por um lado, com a arrogância e o cinismo do governo
alemão, que decidiu, sem cerimônia, realizar um reconhecimento nas
principais áreas de operações junto à fronteira e, por outro lado, com a
estranha ingenuidade de Stalin. [...]
— Os alemães simplesmente pretendem olhar o terreno por onde irão
nos atacar — eu disse. — A versão sobre busca de sepulturas é infantil.
Timoschenko acrescentou:
— Nos últimos tempos, os alemães têm violado nosso espaço aéreo
com muita frequência. Realizam voos em profundidade sobre nosso
território. Eu e Júkov acreditamos que é necessário abater esses aviões.
— O embaixador alemão nos garantiu, em nome de Hitler, que eles
agora têm muitos jovens mal preparados pro ssionalmente na aviação.
Os pilotos novos orientam-se mal em voo. O embaixador pediu para
não darmos muita atenção aos aviões que vagueiam — disse Stalin.11
***
Stalin queria acreditar nos alemães, mas os sinais se avolumavam.
Em 20 de março que 1941, a inteligência soviética transcreveu para as
lideranças a conversa informal de um o cial alemão com um agente cuja
identidade ele desconhecia:
Estamos alterando completamente os nossos planos. Vamos virar para o
Leste, contra a União Soviética. Colocaremos as mãos nos grãos, no
carvão e no petróleo. Então nos tornaremos invencíveis e poderemos
continuar a guerra contra a Inglaterra e os Estados Unidos.12
Stalin continuou aferrado em negar as evidências. Churchill (em quem
Stalin não con ava) reiterou enfaticamente que o ataque estava sendo
preparado. As redes de espionagem soviética em Tóquio e em Berlim deram
data e hora exatas, com um mês e uma semana de antecedência,
respectivamente.
Para demonstrar suas intenções pací cas, até o dia 21 de junho a União
Soviética continuou a entregar pontualmente, à Alemanha, as cargas de
carvão, grãos, derivados de petróleo e outros materiais estratégicos, tal como
previsto no acordo comercial entre os dois países. No mesmo dia, um
desertor alemão atravessou dois rios a nado para avisar os soviéticos do
ataque iminente.
Tendo recebido informações semelhantes de outras fontes, inclusive de
mais dois desertores, Stalin nalmente concordou em acionar o alerta de
combate. Era tarde demais.
***
A partir das 3:30h de 22 de junho, começaram as notícias sobre ações
militares alemãs, principalmente bombardeios. Às 4:30h, Júkov e
Timoshenko chegaram ao Kremlin, onde já estavam os membros do
Politburo. Júkov conta:
Stalin estava pálido. Sentado à mesa, segurava um cachimbo sem
tabaco. Informamos a situação. Ele disse, perplexo:
— Isso não é uma provocação dos generais alemães?
[...]
O primeiro-vice-chefe do Estado-Maior Geral, general Vatutin,
informou que forças terrestres alemães, depois de intenso fogo de
artilharia, haviam iniciado a ofensiva.
[...]
Em pouco tempo, Molotov [ministro das Relações Exteriores] entrou
no gabinete.
— O governo alemão declarou guerra contra nós.
Stalin sentou-se à mesa em silêncio e profunda re exão. Houve uma
longa e dolorosa pausa.
[...]
— Vamos à diretriz — disse Stalin. — As nossas tropas, com exceção
da aviação, não violarão em nenhum lugar as fronteiras alemãs.
Era difícil compreender Stalin. Aparentemente, ele ainda esperava
evitar a guerra, que se tornara um fato. A invasão já se desenvolvia em
todas as direções estratégicas.13
***
Somente às 8:00h da manhã de 22 de junho, o Estado-Maior Geral
conseguiu reunir dados para uma visão de conjunto preliminar.
Bombardeios e batalhas estavam em curso na Ucrânia, no Báltico, na
Bielorrússia e na base naval de Sevastopol, mas os comandantes russos ainda
não conseguiam identi car com clareza como se desenvolvia o ataque
inimigo.
Os alemães buscaram uma superioridade de quatro a seis vezes sobre os
efetivos soviéticos em cada ponto de ruptura. Como previam os manuais, a
ofensiva passava por quatro fases: preparação, ataque, consolidação e
aproveitamento do êxito.
A participação da artilharia e do apoio aéreo ocorria em todas as fases,
desde a preparação, com os bombardeios de mergulho acompanhando o
avanço da infantaria e dos blindados. A aviação também atuava como uma
espécie de artilharia de longo alcance, chegando na frente das demais armas
e indo mais longe que elas.
Depois de um golpe inicial impulsionado pelos blindados, o assalto era
conduzido pela infantaria, incluindo a motorizada, com grande
concentração de forças na direção principal do esforço. Se as resistências
perdurassem, os pontos fortes do inimigo eram anqueados, para a ofensiva
não se deter, cabendo aos escalões seguintes realizar novos ataques para
consolidar o terreno ganho pelos primeiros escalões. As fases seguintes
consistiam em enfrentar contra-ataques, destruir a segunda linha defensiva
e perseguir as tropas remanescentes. Tudo isso dependia de formações
dotadas de grande mobilidade.
Finalmente, começava o aproveitamento do êxito, com a penetração mais
profunda e a preparação de novos combates. A escala da movimentação era
medida em duas dimensões espaciais: a largura da frente e a profundidade
da penetração, que, conjugadas, de niam o tempo previsto para a operação.
***
Havia sido um êxito na Europa Ocidental, foi um êxito na União
Soviética. A posição de Hans von Seeckt — um rápido avanço com o uso
maciço de blindados para evitar uma guerra de posição — tornara-se quase
senso comum entre os Estados-Maiores, mas ainda não fora plenamente
assimilada pelas tropas. Muitos militares ainda reagiam com base nas
experiências da Primeira Guerra Mundial. Isso incluía a ideia de que uma
guerra começa com escaramuças e batalhas de fronteira que antecedem a
mobilização geral. Mas a doutrina de guerra alemã já era outra. Todas as
forças terrestres e aéreas eram lançadas de uma só vez, sem nenhum tipo de
aviso, com uma massa crítica de tropas e de poder de fogo até então
desconhecida.
Júkov comenta:
A súbita ofensiva com todas as forças disponíveis e o prévio
desdobramento em todas as direções estratégicas não estavam previstos.
Nem o comissário do povo para a Defesa [Timoshenko], nem eu, nem
os meus antecessores, B. M. Shaposhnikov, K.A. Meretskov, nem os
dirigentes do Estado-Maior Geral esperavam que o inimigo fosse
concentrar tamanha quantidade de tropas blindadas e motorizadas,
lançando-as, já no primeiro dia, em grupamentos compactos em todas
as direções estratégicas.14
***
O Exército alemão entrou na União Soviética, de supetão, com 190
Divisões de elite, somando 5,5 milhões de homens, 3,7 mil tanques, mais de
50 mil canhões e morteiros e cerca de 2 mil aviões. A isso somavam-se 12
Divisões romenas, 18 Divisões nlandesas, 3 Brigadas húngaras, 2 Divisões
eslovacas e a División Azur, da Espanha. Era inevitável que um ataque de tal
envergadura conseguisse ultrapassar as defesas.
As Forças Armadas soviéticas, vistas como um todo, não eram muito
inferiores a isso, mas estavam espalhadas desde o Extremo Oriente à Europa,
ao longo de milhares de km de fronteiras. No início da invasão, não haviam
sequer concluído a fase de reestruturação e reequipamento com armas mais
modernas e não estavam em prontidão de combate. Não tiveram tempo nem
espaço para realizar manobras que pudessem permitir uma defesa e caz.
Além de superarem os adversários em quantidade e qualidade nos locais
certos, as tropas invasoras, sempre apoiadas pela aviação, logo assumiram
forte iniciativa estratégica, que lhes deu grande impulso. Nas primeiras três
semanas, os alemães penetraram entre 500 km e 600 km em território
soviético, conseguindo sitiar 28 Divisões e impor pesadas perdas em 70
delas. Muitos comandantes perderam o contato entre si e com o Estado-
Maior Central. O coronel Kotov escreveu que sua base, a 140 milhas da
fronteira, foi atacada doze vezes nos primeiros dias, perdendo 30% dos
aviões no solo e outros 30% no ar.15
O comando soviético também errou ao avaliar a direção estratégica
principal do ataque alemão. Em vez de jogar mais peso contra a Ucrânia
(grãos e carvão) e o Cáucaso (petróleo), como se previa, no primeiro
momento o comando alemão concentrou suas melhores tropas na
Bielorrúsia, o caminho mais curto para Moscou. Queria terminar a guerra
rapidamente para só depois se apossar do butim.
***
O tenente-general Shilovsky, do Estado-Maior, escreveu:
Na primeira fase da guerra, o Exército Vermelho, forçado a recuar para
o interior, manteve a defensiva estratégica, buscando (a) ganhar tempo
para o desdobramento das principais forças, (b) embaraçar, gastar e
enfraquecer o inimigo, (c) criar condições para passar à ofensiva geral.
A defensiva foi ativa. Em cada linha houve luta feroz acompanhada de
poderosos contra-ataques.16
Tudo isso é verdade, mas não toda a verdade. O que houve na primeira
fase da guerra não foi uma retirada prevista e planejada. Houve uma
retirada, muitas vezes heroica, mas em larga medida improvisada, imposta
pelos reveses. Nos primeiros três meses de guerra, o Exército Vermelho
perdeu quase 2 milhões de homens, 2/3 dos blindados e 3/4 dos aviões que
estavam estacionados na Frente Ocidental. A sensação era de derrota.
Aqui, guardadas as proporções, a história se repetiu. A célebre defesa
comandada pelo general Kutusov contra o avanço de Napoleão, em 1812,
que tão fortemente marcou a história militar da Rússia, também nasceu da
percepção de uma derrota iminente. Somente depois de uma defesa inicial
atabalhoada essa percepção foi transformada em uma estratégia consciente
que resultou no esfacelamento do Exército francês.17
O Exército Vermelho havia estudado e atualizado essa situação. O último
Regulamento de Campanha publicado antes da guerra destacava a
importância da defesa móvel:
A defesa xa tem o propósito de manter determinado terreno,
quebrando o ímpeto da ofensiva inimiga e derrotando-o. Isto obtém-se
por meio de uma resistência obstinada, em combinação com contra-
ataques previamente planejados.
A defesa móvel tem como objetivo ganhar tempo, enfraquecer o
inimigo e preservar nossas próprias forças, tendo como contrapartida a
perda de espaço. Ela inclui fustigamento e contra-ataques constantes,
controle adequado da retirada e terra devastada, com destruição de
todos os recursos potencialmente úteis ao inimigo.
A defesa móvel é usada nos casos em que uma evidente superioridade
do inimigo exclui a possibilidade de uma defesa normal ou em larga
frente [...]. A defesa móvel é conduzida com uma série de contra-
ataques e de batalhas defensivas em linhas previstas com
antecedência.18
Na guerra real, porém, as coisas não se passam como nos manuais. A
retirada é a manobra militar mais difícil de ser executada, pois as tropas que
recuam permanecem acossadas pelo inimigo, o moral delas tende a cair, e
um mau passo provoca debandada.
O Alto Comando criou uma medalha especial, chamada Ordem de
Kutusov, que deveria ser conferida aos comandantes que se destacassem
nessa manobra. Foi insu ciente. Medidas extremas impuseram-se para
controlar esse movimento e conservá-lo nos limites de uma operação militar
organizada. Isso incluiu criar destacamentos especiais de segurança,
chamados “tropas Chon” [acrônimo de “elementos de designação especial”],
tanto para impedir a in ltração inimiga entre as colunas quanto para coibir
deserções. O Comissariado da Defesa estabeleceu que esses destacamentos
teriam efetivos equivalentes a 1/9 das forças, ou uma companhia por
batalhão.
***
Em 1941, Stalin e Hitler raciocinavam segundo parâmetros estratégicos
opostos. O primeiro precisava ganhar tempo, enquanto o segundo precisava
aproveitar a calmaria na Frente Ocidental, com a França derrotada e a
Inglaterra reduzida a uma posição defensiva, para se apropriar rapidamente
dos grandes recursos do Leste, de modo a voltar fortalecido e resolver em
seguida o problema inglês. Por motivos geográ cos, os Estados Unidos
cariam para depois.
A impetuosidade de Hitler, que se demonstrou desastrosa, naquele
momento tinha sentido. Por causa da posição geográ ca do país, a
necessidade de se preparar para uma guerra em duas frentes sempre esteve
presente no pensamento estratégico alemão, que, é claro, conhecia os
perigos dessa situação. Na preparação da Segunda Guerra, a solução
encontrada foi derrotar os inimigos alternadamente, em sucessão, evitando
guerras simultâneas de alta intensidade. A Alemanha precisava travar
guerras curtas e violentas, que causassem a destruição de um inimigo de
cada vez, se possível em poucas batalhas decisivas. Era o chamado “princípio
da aniquilação” [Vernichtungsprinzip].
O manual de combate H. Dv. 487 – Führung und Gefecht der verbundenen
Wa en [Comando e combate de armas combinadas] dizia expressamente
que uma situação como a da Primeira Guerra Mundial precisava ser evitada.
Nada de guerra de posição em trincheiras, mas guerra móvel, com a
combinação de muitas técnicas e táticas e aplicação rigorosa do
Vernichtungsprinzip. Primazia da ofensiva, com combinação de ação frontal
e cerco; defesa apenas como um interregno temporal.19
Em suma, as tropas de Hitler haviam inovado a arte da guerra ao
combinarem poder de fogo, rapidez, mobilidade e exibilidade. Ofensivas
súbitas com forças blindadas, apoiadas por bombardeiros de mergulho,
rompiam as defesas estáticas, cercavam as tropas atacadas, se desdobravam
em todas as direções estratégicas e desorganizavam rapidamente a
retaguarda inimiga.
***
Joachin Fest chega a inverter o raciocínio estratégico: “A guerra na Frente
Ocidental foi apenas um rodeio, tornado inevitável para eliminar a
eventualidade de uma ameaça na retaguarda, antes de empreender a grande
campanha do Leste.”20
Fest prossegue: Hitler considerava a guerra no Ocidente “absurda e
inoportuna”. Esperava, como disse abertamente, que a Inglaterra
concordasse com uma “paz razoável” para car livre para a sua tarefa
essencial, “a luta contra o bolchevismo”. Em 23 de julho de 1940, Hitler
transmitiu ao general Franz Halder, chefe do Estado-Maior da Wehrmacht,
alguns motivos para atacar no Leste:
A Inglaterra baseia toda as suas esperanças na Rússia e na América. Se a
esperança na Rússia desaparecer, desaparecerá também a esperança na
América, pois a eliminação da primeira acarretará um grande aumento
nas possibilidades do Japão no Extremo Oriente. [...] Se a Rússia for
batida, a última esperança da Inglaterra se desvanecerá. O senhor da
Europa e dos Bálcãs será a Alemanha. Conclusão: a Rússia deve ser
destruída no decurso deste con ito.21
Fest reitera:
Em 17 de dezembro [de 1940], expondo ao general Jodl suas ideias
operacionais a respeito da campanha, [Hitler] concluiu observando que
“era necessário resolver todos os problemas da Europa continental em
1941, pois a partir de 1942 os Estados Unidos estariam preparados para
entrar na guerra”.22
Sempre se considerou que a Alemanha evitaria de qualquer jeito uma
nova guerra em duas frentes — esta, como vimos, também era a posição de
Stalin —, mas ela atacou a União Soviética exatamente para se livrar dessa
ameaça. Pois, conforme Hitler dizia, não se tratava de guerrear em duas
frentes:
Temos a possibilidade de combater a Rússia no momento em que nossa
retaguarda está livre. Não aproveitá-la seria um crime contra o futuro
do povo alemão. Estaremos em Petersburgo [Leningrado] em três
semanas.23
***
A Alemanha tinha não só sua própria economia de guerra bem ajustada.
Também controlava todos os recursos econômicos e estratégicos de países
aliados, incluindo o petróleo da Romênia, e de regiões ocupadas, incluindo a
França. Além da vantagem militar inicial, a discrepância na produção de
insumos básicos era bem grande. A Alemanha e as áreas sob sua in uência
ou ocupação produziam 32 milhões de toneladas de aço e 439 milhões de
toneladas de carvão por ano, contra 18,3 milhões e 166 milhões de
toneladas, respectivamente, pela União Soviética. A capacidade produtiva
alemã havia sido totalmente direcionada para o esforço de guerra, com a
criação de mais de 300 grandes fábricas de artefatos militares. A produção
anual ascendia a 11 mil aviões, 5,2 mil blindados, 7 mil peças de artilharia e
1,7 milhão de fuzis.
A guerra na Frente Ocidental só a fortalecera. Como ali a atividade militar
era de baixa intensidade, Hitler pôde concentrar contra a União Soviética a
mais poderosa força militar da história em um mesmo teatro de operações.
***
A ofensiva começou às 03:15h de 22 de junho. O primeiro golpe da
Lu wa e destruiu no solo a metade dos 10 mil aviões soviéticos. Blindados
cruzaram as fronteiras, rompendo defesas ou contornando tropas
estacionadas para pegá-las pela retaguarda. Na segunda leva vinham os
chamados “grupos de intervenção” das SS, cuja função era “extirpar
imediatamente a intelligentsia judaico-bolchevique”.
Em 30 de março de 1941, ainda antes da invasão, o diário do general
Halder registrou notas sobre uma fala de Hitler na Chancelaria do Reich:
Nossas tarefas na Rússia: esmagar o Exército, dissolver o Estado. Luta
entre duas concepções de mundo. O comunismo, terrível perigo para o
futuro. Abstrair qualquer ideia de camaradagem entre soldados. O
comunista não é um camarada. Esta é uma luta em que vale tudo. Nada
de julgamentos. Os chefes devem ter consciência do que está em jogo,
devem ser os guias. Os comunistas são criminosos e devem ser tratados
como tais. Os combates serão muito diferentes do que têm sido no
Ocidente. Os chefes devem dominar seus escrúpulos.24
Para garantir esta guerra de extermínio, Hitler não permitiu que a
Wehrmacht administrasse os territórios ocupados. Eles foram entregues aos
“comissários especiais do Reich”, subordinados às SS de Heinrich Himmler.
Um decreto legalizou a tortura e o fuzilamento sumário de resistentes nessa
que era, ao mesmo tempo, uma guerra ideológica e uma guerra colonial.
***
Em 27 de julho de 1941, um mês depois da invasão, Hitler escreveu:
Precisaremos dominar o Leste com 250 mil homens, mais um corpo de
bons administradores. Devemos seguir o exemplo inglês que, com um
total de 250 mil homens, dos quais 50 mil soldados, governam 400
milhões de indianos. O espaço russo será dominado pelos alemães para
sempre. Tomaremos o Sul da Ucrânia e a Crimeia para fazer ali uma
colônia exclusivamente alemã. Não será nada demais expulsar a
população que atualmente está lá. O colono alemão será um camponês-
soldado. Enviarei para lá soldados de carreira de todas as
especialidades. À disposição deles, o Reich colocará fazendas
totalmente equipadas. O solo não nos custará nada, precisaremos
construir somente as casas. Esses camponeses-soldados receberão
armas, para que ocupem seus lugares ao menor sinal de perigo. Era
assim que a antiga Áustria dominava os povos orientais.25
Em 17-18 de setembro seguinte, ele explicitou a importância que dava ao
Leste:
A luta pela hegemonia no mundo será decidida a favor da Europa com a
posse do espaço russo. Com ele, a Europa será uma fortaleza
inexpugnável, protegida de quaisquer ameaças de países ou blocos. Isso
abre perspectivas econômicas que, podemos supor, atrairão os
ocidentais mais liberais para a nova ordem. Neste momento, o essencial
é conquistar. Depois, tudo será simplesmente uma questão de
organização.26
Em 3 de outubro, fez uma Proclamação ao Povo Alemão:
Homens e mulheres alemães!
Desde 22 de junho, está em curso uma batalha de importância
decisiva para todo o mundo. Só a posteridade reconhecerá a grandeza
deste evento e suas implicações. Só a posteridade perceberá que ele
marcou o início de uma nova época. [...]
Em agosto e setembro do ano passado [1940], cou claro que uma
prova de força com a Inglaterra, que teria mobilizado a metade da
aviação alemã, não seria possível, pois atrás de nós havia um Estado que
aumentava cotidianamente sua preparação para um ataque à Alemanha.
Decidi dar o primeiro passo. [...]
Na madrugada de 22 de junho, começou a maior batalha da história
do mundo. Desde então, passaram-se cerca de três meses e meio. Posso
a rmar que tudo acontece de acordo com os nossos planos. Nunca
perdemos a iniciativa. [...]
Vocês conhecem as grandes linhas de desenvolvimento deste evento
único. Dois grandes grupos de Exércitos foram lançados para abrir uma
passagem no centro. A tarefa de um dos grupos era avançar até
Leningrado; a do outro, ocupar a Ucrânia. Essas tarefas já foram, em
grande parte, realizadas. [...] Estamos a milhares de km das nossas
fronteiras. Estamos a leste de Smolensk. Estamos diante de Leningrado
e chegando a Moscou. Estamos no mar Negro. Nós nos aproximamos
da Crimeia. Não são os russos que estão perto do Reno. [...] Atrás das
nossas tropas estende-se um território russo duas vezes maior que o
Reich alemão na época em que cheguei ao poder, em 1933, ou quatro
vezes maior que a Grã-Bretanha.
Os soldados alemães ganharam entre 800 km e 1 mil km de
profundidade, em uma linha de batalha de extensão gigantesca, lutando
contra um inimigo que, devo dizer, não é formado por seres humanos,
mas por animais ou bestas selvagens. [...]
Podemos esperar que a Providência continuará conosco.27
***
Foi Molotov, e não Stalin, quem comunicou a invasão ao povo soviético. O
comandante supremo cou em silêncio durante 15 dias, trancado com os
chefes militares, esperando para conhecer o resultado das primeiras batalhas
e sentir a reação do país. Quando falou, em 3 de julho, mostrou que havia
compreendido a extrema gravidade da situação. Pela primeira vez, começou
um discurso com as palavras “Irmãos e irmãs”:
O inimigo é cruel e implacável. Quer tomar nossas terras, regadas pelo
suor dos nossos rostos, tomar o trigo e o petróleo que resultam do
trabalho de nossas mãos. Quer restaurar o domínio dos latifundiários e
o czarismo, tornar os povos da União Soviética escravos dos príncipes e
dos barões alemães. [...] Não pode haver misericórcia com o inimigo.
Em nossas leiras não haverá lugar para chorões e covardes, alarmistas
e desertores.28
Então, veio o apelo impressionante, que foi levado ao pé da letra pelos
combatentes soviéticos:
Em caso de retirada forçada, deve-se evacuar todo o material circulante
e não deixar ao inimigo uma só máquina, um só vagão, um só quilo de
trigo, um só galão de combustível. Os agricultores devem levar todo o
trigo e todo o rebanho para a guarda segura das autoridades, para
serem transportados à retaguarda. Todos os bens de valor, inclusive
metais, trigo e combustível, que não puderem ser retirados, serão
destruídos, sem exceção. [...] Nas áreas ocupadas pelo inimigo, grupos
de sabotagem devem fomentar a guerra de guerrilhas por toda parte,
explodir pontes e estradas, dani car linhas telefônicas e telegrá cas,
incendiar orestas, depósitos e meios de transportes. Criaremos
condições intoleráveis para o inimigo e seus cúmplices. Eles devem ser
perseguidos e liquidados em cada passo, e todos os seus planos devem
ser frustrados.29
***
As falas de Hitler e de Stalin, embora antagônicas, explicitam uma questão
fundamental: a natureza da guerra no Leste, diferente de tudo o que estava
ocorrendo na frente ocidental. Ela rompeu radicalmente com o que o jurista
alemão Carl Schmitt, simpatizante do nazismo, veio a chamar de jus
publicum europaeum. Tratava-se de uma ordem espacial, constituída a partir
do século XVI, cujo grande feito foi a circunscrição da guerra e a
relativização da inimizade no espaço europeu, com a contenção do potencial
destrutivo dos con itos. Nesse espaço, desde então, a guerra passara a ser
exclusivamente negócio de Estados, envolvendo Exércitos pro ssionais, mas
preservando as sociedades.30
A partir de ns do século XIX, essa ordem começa a se dissolver, processo
que culmina justamente nas duas guerras mundiais. Ele completa-se no
con ito germano-soviético, em que a guerra se torna total e a inimizade,
absoluta. Uma grande potência europeia tradicional estava sob a ameaça de
ser exterminada.
A guerra no Leste não colocava em risco somente a União Soviética, mas a
Rússia, como povo, sociedade e cultura. Se o projeto de Hitler tivesse
vencido, as grandes cidades russas teriam deixado de existir, as terras do
Leste Europeu teriam sido distribuídas a agricultores-soldados “arianos”, e
os “eslavos” remanescentes teriam sido expulsos da Europa. Desprovidos de
Estado, se tornariam uma espécie de tribo asiática sem destino certo.
Nenhum outro grande povo já estabelecido territorialmente passou por esse
tipo de provação no mundo contemporâneo. O povo russo entendeu isso e
foi capaz de superar um desa o existencial radical.
Não devemos ironizar quando os russos se referem à Grande Guerra pela
Pátria. É uma expressão justa e adequada.
***
Depois da derrota inicial, restou aos soviéticos a estratégia de criar defesas
escalonadas em profundidade para desgastar o inimigo, impondo-lhe o
máximo de baixas e interrompendo seu avanço por algum tempo em cada
linha defensiva. Em Kiev e em Sevastopol, os soviéticos colocaram minas de
controle remoto que explodiam quarteirões inteiros depois que eles eram
ocupados pelos invasores.
Smolensk foi uma espécie de ensaio para Stalingrado. A luta, travada entre
10 de julho e 10 de setembro, custou a destruição de três Exércitos soviéticos
(um deles com apenas um sobrevivente), com 290 mil baixas. Mas exauriu
os alemães, que tiveram 250 mil baixas, e atrasou a ofensiva deles na direção
de Moscou, permitindo fortalecer as defesas da capital. Apesar da vitória
alemã, a estratégia de Hitler, de uma guerra-relâmpago, começou a ruir.
Enquanto isso, a base produtiva da União Soviética continuava a ser
sicamente transferida para regiões distantes, incluindo a Sibéria e a Ásia
Central. Nada menos que 1,5 milhão de empresas, muitas de grande porte,
foram transportadas para longe da frente ainda em 1941. Fábricas eram
adaptadas para a produção militar, e o que era produzido seguia diretamente
para as frentes de batalha. Grandes áreas do Cazaquistão, do Uzbequistão,
do Turcomenistão, do Tadjiquistão, do Quirguistão e do Azerbaijão foram
preparadas para o cultivo de alimentos, usando principalmente força de
trabalho feminina. Os homens estavam formando novos regimentos.
***
Tendo já feito 2 milhões de prisioneiros, destruído dezenas de divisões,
inutilizado milhares de tanques e aviões, em vão os comandantes alemães
esperavam o colapso iminente do Exército Vermelho. Quanto mais mortos,
feridos e prisioneiros, mais soldados russos apareciam nas frentes de
batalha.
Ao lado de Forças Armadas capazes de se expandir em quantidade e em
qualidade, incorporando sem parar novos contingentes e novos artefatos
industriais, a sociedade soviética contava com um Partido Comunista
mobilizado, vigoroso e capilarizado, fornecedor de quadros para as Forças
Armadas e organizador de uma gigantesca resistência civil que os alemães
nunca haviam enfrentado e nunca previram enfrentar. Às vésperas da
guerra, havia no Exército 563 mil comunistas, e mais de 1/3 de todo o
efetivo era liado ao Komsomol [Juventude Comunista]. Nos primeiros seis
meses de luta, chegaram às frentes mais 1,1 milhão de comunistas.31
Os soviéticos logo perceberam a importância da luta guerrilheira. Em 3 de
julho de 1941, menos de duas semanas após a invasão, o Comitê Central do
Partido Comunista baixou uma resolução especial, “Sobre a organização da
luta na retaguarda das tropas alemãs”. Os destacamentos guerrilheiros
caram em ligação com o marechal Voroshilov, do Estado-Maior, que
coordenava a logística de apoio.
Depois que a vanguarda alemã passava, militares remanescentes e
moradores civis organizavam exércitos guerrilheiros que, abastecidos por
aviões, chegaram a contar com 2 milhões de combatentes. Em 1942, os
alemães tiveram que usar 10% de suas forças contra as unidades
guerrilheiras, e em 1943 esse contingente aumentou com a chegada de 25
novas Divisões das SS e das SD, com 500 mil homens, imobilizados nos
territórios ocupados. Júkov diz que, somente em 1943, as unidades
guerrilheiras explodiram 11 mil trens, 22 mil veículos e 900 pontes
ferroviárias, entre muitas outras ações.32 O invasor não teve trégua.
***
À invasão, seguiu-se também uma reorganização institucional. Em 30 de
junho de 1941, criou-se o Comitê de Defesa Nacional (GKO, em russo),
órgão extraordinário, uma espécie de “gabinete de guerra”, com poderes
sobre todos os organismos ligados, direta ou indiretamente, à defesa
nacional. Che ado por Stalin e formado com integrantes do Politburo,
concentrou todo o poder, passando a controlar o desempenho de
instituições civis, inclusive empresas e canteiros de obras em todo o país.
Durante a guerra, o GKO emitiu cerca de 10 mil diretrizes e resoluções de
natureza econômica e militar.
Em 10 de julho, o Quartel-General do Alto-Comando foi transformado
em Comando Supremo e, a partir de 8 de agosto, em Quartel-General do
Comando Supremo (Stavka), com Stalin na posição de comandante e Júkov
como subcomandante, com mais 12 a 14 militares de alta patente, que
desenvolviam os planos estratégicos de alto nível para a condução da guerra.
O Estado-Maior das Forças Armadas passou a se subordinar diretamente ao
Stavka, provendo informações e detalhando as operações.
Assim, Stalin acumulou cinco funções de comando, algumas superpostas:
comandante supremo das Forças Armadas, através do Stavka, secretário-
geral do Partido Comunista, presidente do Conselho de Comissários do
Povo, presidente do Comitê de Defesa Nacional (GKO) e comissário do
povo para a Defesa. Instituiu uma rígida rotina de trabalho, recebendo duas
vezes por dia uma carta de situação elaborada pelo Estado-Maior, com
explicações anexadas. Controlava o que se passava em todas as frentes e na
retaguarda — muitas vezes cometendo erros — e trabalhava todos os dias
até a madrugada.
A ideia de que Stalin era um grande líder militar não se sustenta. Em
questões militares, Júkov e outros generais soviéticos eram pro ssionais
endurecidos, experimentados e completos, conhecedores do seu ofício e
capazes de manter o sangue-frio nas situações mais difíceis, enquanto Stalin,
o chefe de todos, estava em um nível claramente mais baixo. A diferença
aparecia, principalmente, no extremo cuidado dos generais antes de lançar
contraofensivas. No decorrer da luta, Stalin frequentemente se deixava
arrastar pela ansiedade e emitia ordens para contra-ataques prematuros, que
causaram muitos problemas ao Exército Vermelho.
***
Hitler precisava ganhar a guerra no Leste em poucas batalhas decisivas —
basicamente, a ofensiva inicial, Leningrado e Moscou —, pois a surpresa
produz uma vantagem transitória, não é um fator permanente. Só pode
decidir uma guerra se ela for rápida.
Em vez disso, criou-se uma situação extremamente complexa, de
combates em larga escala que se prolongavam, envolvendo todas as armas e
todas as formas de luta, espalhados por áreas muito extensas — campos,
orestas, pântanos e cidades, no ar, em rios, lagos, mares e oceanos. Passada
a primeira fase da luta, Stalin compreendeu que o tempo estava a favor da
União Soviética. Foi novamente certeiro em um discurso em 6 de novembro
de 1941:
Os alemães não possuem mais a vantagem militar que possuíram nos
primeiros meses da guerra por causa do seu ataque traiçoeiro. O
elemento surpresa e o caráter súbito do ataque já se esgotaram. Agora, o
desfecho da guerra não dependerá de questões fortuitas, e sim de
fatores permanentes: a estabilidade das retaguardas, o moral dos
Exércitos, a quantidade e a qualidade das Divisões e de seus
equipamentos e a habilidade dos comandos. Tudo isso está a nosso
favor.33
***
A imprensa alemã anunciara que a campanha duraria três meses. Mesmo
depois desse prazo, Hitler e seu Alto Comando continuavam transmitindo
otimismo, mas ele se tornou cadente conforme o tempo passava e as vozes
dos campos de batalha começavam a chegar. A Wehrmacht havia capturado
um grande território. Mas, como Clausewitz a rmava, o principal objetivo
de um Exército em guerra não é avançar sobre territórios, mas destruir os
Exércitos inimigos. O Exército Vermelho sofrera grandes baixas, humanas e
materiais, mas continuava ativo e se fortalecendo, graças às suas imensas
retaguardas.
O general Franz Halder, chefe do Estado-Maior alemão, se expressou
assim no seu diário:
22 de junho. Surpreendemos o inimigo ao longo de toda a linha. O
Grupo de Exércitos Centro informa a completa desorganização do
comando russo. As forças deles não haviam sido dispostas taticamente
para a defesa.
23 de junho. Duvido que o Alto Comando inimigo tenha controle
uni cado da situação. Limita-se a acompanhar os recuos locais, sob
pressão dos nossos avanços. É impossível falar de um movimento geral
e organizado de retirada.
24 de junho. Não há exagero em dizer que a guerra na Rússia estará
ganha em duas semanas.
25 de junho. A Força Aérea inimiga está completamente fora de ação
depois de suas perdas iniciais. Os relatos falam em 2 mil aparelhos.
8 de julho. O inimigo não está em condições de se estabelecer em uma
posição contínua, mesmo em terrenos favoráveis. O plano aparente do
Alto Comando do Exército Vermelho é controlar o avanço alemão de
modo ativo na medida do possível. Está esgotando sua capacidade em
contra-ataques incessantes com as reservas disponíveis.
16 de julho. Os ocupantes dos abrigos deixam-se fazer explodir, mas
não se entregam. [...] Os relatórios de todas as frentes con rmam que os
soviéticos estão lutando até o último homem. [...] Pela primeira vez,
nossas tropas enfrentam uma resistência tremenda.
18 de julho. O inimigo está combatendo com fanatismo e invulgar
determinação.
20 de julho. O inimigo conserva-se ativo em bolsões em nossas
retaguardas, um problema delicado.
10 de agosto. Subestimamos o inimigo. O colosso russo preparou-se
consistentemente para a guerra. [...] Quando a luta começou, entramos
em choque com 200 Divisões. Agora já estamos enfrentando 360.
Quando passamos por cima de uma dúzia delas, os russos colocam
outras tantas na luta. [...] Nossas últimas reservas já foram usadas.
Estamos fazendo a última tentativa para impedir que nossas frentes se
transformem numa guerra de posição.34
No dia 19 de agosto, o general Buhle informou a Halder que somente 60%
dos blindados do Grupo de Exércitos Centro permaneciam operacionais e a
artilharia tinha di culdades para acompanhar o avanço das tropas: “O
declínio do poder de combate das Divisões de Infantaria é da ordem de 40%
e o das Divisões Blindadas atinge 50%.” No dia 24, Halder anotou: “Nossas
divisões blindadas têm agora tão pequeno poder de combate que não
contam com pessoal para manter as áreas conquistadas.”
A partir daí, as tropas continuaram a avançar, mas as di culdades
aumentaram: em setembro, o Grupamento de Blindados n. 2 informou a
perda de 25% dos seus tanques, enquanto a Força Aérea reportava que
contava com somente 995 aviões em condições de voar, no lugar dos 1.900
originais. Em dezembro, quinto mês da invasão, os alemães registraram 830
mil baixas acumuladas, equivalentes a 25% de suas tropas no Leste. “As
tropas estão apáticas, a situação é desalentadora”, escreveu o general Von
Kluge.
Em maio de 1942, o general Buhle informou que “nossas reservas de
tanques terminaram”. Os problemas de logística aumentaram. Em 17 de
janeiro de 1942, Halder escreveu: “A situação das ferrovias é desastrosa. A
ação guerrilheira impede o deslocamento seguro das composições.”
***
Na época, a metade da população soviética ainda era formada por
camponeses, maioria nas Forças Armadas, especialmente na infantaria. O
tenente-general Martel, observador militar da Inglaterra no teatro de
operações, percebeu a importância disso:
Os homens [do Exército Vermelho] provavelmente são o melhor
material do mundo para se formar um Exército. Antes de tudo, são
camponeses acostumados a viver em campo aberto. Raramente perdem
a direção. Fazem uso adequado do terreno e se escondem com muita
facilidade. Ninguém deve duvidar de sua bravura no campo de batalha,
mas o mais impressionante é sua resistência. As tropas russas
executaram marchas forçadas para escapar da destruição pelas forças
alemãs no movimento de pinças de 1941, fazendo 30 a 40 milhas por
dia, durante muitos dias, carregando grande quantidade de material nas
costas. Se dermos um fuzil a um soldado russo e a mesma arma a um
alemão, o russo vencerá.1
O marechal de campo Paul Ludwig von Kleist, alemão, con rma a
impressão do colega inglês:
Os russos são atiradores de primeira linha. Com a experiência, tornam-
se soldados de primeira classe. Combatem mais resolutamente, com
mais resistência, e podem levar adiante certas iniciativas que em outros
Exércitos exigiriam mais recursos.36
***
As tropas soviéticas tinham outras vantagens. Combatendo durante quase
toda a guerra em seu próprio território, com apoio de seu povo e num teatro
de operações cada vez mais extenso, elas superavam as alemãs, de longe, nas
artes da camu agem e da dissimulação, na logística e nos trabalhos de
inteligência, sem falar na dimensão política e estratégica da luta, que os
invasores sempre subestimaram. Operando muitas vezes às cegas, os
comandantes alemães eram forçados a se preparar para as ações soviéticas
potencialmente mais perigosas, e não para as mais prováveis, o que
di cultava a otimização das decisões.
Os soviéticos usavam muita desinformação. As tropas da retaguarda eram
movimentadas numa direção e à noite marchavam para outra. Movimentos
de última hora frequentemente enganavam o inimigo em relação à direção
de um ataque. Relatório do Serviço Secreto Alemão sobre “Indícios de
Ataques Soviéticos” dizia:
Além de e ciente camu agem, os movimentos decisivos são realizados
à noite. As tropas usadas nunca são reunidas logo atrás do setor a ser
rompido, mas frequentemente junto a outros, de valor secundário ou
sem importância. O uso de ordens escritas nas operações é proibido
antes dos ataques. Os blindados cam em orestas, camu ados e
abrigados. A preparação de cada ataque inclui um plano de
dissimulação que ca a cargo do Estado-Maior. As posições de bateria
são preparadas em vários setores da frente e ocupadas por armas falsas,
e a partida das tropas para o ataque é disfarçada por meio de ruídos
falsos.37
Isso durou toda a guerra. O resultado das batalhas decisivas de
Stalingrado (julho de 1942-fevereiro de 1943) e de Kursk (julho-agosto de
1943) foi in uenciado por esse tipo de logro. Em Stalingrado, os alemães
não foram capazes de detectar a preparação de uma contraofensiva que
envolveu o deslocamento de 10 Exércitos combinados, 2 Exércitos
blindados, 4 Forças Aéreas, 3 Exércitos de cavalaria, mais de 15 mil peças de
artilharia e morteiros, 1,5 mil blindados e canhões autopropulsados e 1,4 mil
aviões de combate. Tudo movimentou-se sempre à noite, em segredo,
protegido dos voos de reconhecimento da aviação alemã.
Em Kursk, de acordo com o major-general Formichenko,
[...] no verão de 1943, quando as tropas soviéticas se preparavam para
repelir os ataques inimigos, camu aram suas posições de modo
perfeito. Os aviões de reconhecimento alemães só viam campos vazios,
mesmo voando baixo. Mas nessas áreas estavam regimentos soviéticos
inteiros, com artilharia, morteiros e blindados, muito bem escondidos.
[...] Quando os alemães desencaderam sua ofensiva em Kursk,
desconheciam a localização das defesas soviéticas. Os comandantes
russos enganaram o inimigo não somente com perfeita camu agem de
suas posições defensivas, mas também por terem construído posições
falsas — cerca de 1,5 mil falsas trincheiras, posições de baterias, postos
de observação, cerca de 900 blindados e 200 aviões, todos falsos. Os
alemães foram completamente enganados. Sua artilharia e seus aviões
bombardearam posições onde não havia nada.38
O Exército soviético fabricou 5 mil réplicas de blindados e 2 mil de aviões,
além de construir falsos hangares e aeroportos. Tiros diversionistas eram
muito usados para falsear um setor incumbido de um ataque e atrair o fogo
inimigo, revelando as posições dele. A proteção da noite e cortinas de
fumaça eram largamente usadas para encobrir o movimento de tropas,
como ocorreu na travessia do Donetz no verão de 1943. Tudo isso
contribuiu para aumentar as di culdades dos alemães.
***
Era uma luta de gigantes. Em novembro de 1942, os alemães mantinham
na União Soviética 266 Divisões, com 6,2 milhões de homens, quase 52 mil
peças de artilharia e morteiros, mais de 5 mil blindados e 3,5 mil aviões. Na
mesma época, a União Soviética tinha mobilizado 6,6 milhões de homens,
78 mil peças de artilharia e morteiros, 7,4 mil blindados e 4,5 mil aviões.
Dezenas de milhões estavam na retaguarda. No primeiro ano e meio de
guerra, as ferrovias transportaram 6,35 milhões de vagões com material
militar, enquanto os aviões conduziram 532 mil combatentes. É
extraordinariamente difícil manter Exércitos de 6 milhões de homens em
operação, sob fogo inimigo, como massas organizadas e móveis, compactas
em certas áreas, respondendo a comandos centralizados.
A Wehrmacht dispunha de uma doutrina tática e operacional muito
avançada, condensada, como vimos, na expressão Blitzkrieg [guerra-
relâmpago]. Foi um dos Exércitos mais e cientes de todos os tempos,
combinando blindados, forças motorizadas e aviões em manobras novas e
ousadas. Um dos conceitos-chave da organização militar alemã era o de
Au ragstatik, que não tem tradução exata, mas quer dizer aproximadamente
“ordem de tipo-missão”. Os comandantes deviam orientar os subordinados
sobre quais eram os objetivos e em que prazo eles deveriam ser atingidos,
sem necessariamente orientá-los sobre como atuar. Isso garantia a
exibilidade tática e incentivava o espírito de iniciativa dos comandos
intermediários.
Brilhantes nos aspectos táticos e operacionais, os comandantes alemães
falharam em aspectos estratégicos. Os soviéticos sempre consideraram que o
ponto fraco da Blitzkrieg era a desatenção dos alemães em relação às
reservas, como se fosse possível manter o ímpeto inicial até a vitória. Nesse
aspecto crucial, duas doutrinas se chocaram.
Em dezembro de 1942, os alemães ocupavam 1,8 milhão de km2 de
território soviético, onde antes da guerra viviam 80 milhões de pessoas. Mas
seu avanço já estava bloqueado em todas as direções. As baixas chegavam a
2,5 milhões de mortos, feridos e desaparecidos entre as melhores tropas da
Wehrmacht. Conforme ela avançava, suas manobras perdiam e ciência, pois
a aviação não conseguia mais garantir cobertura plena a linhas terrestres
bifurcadas demais e estendidas demais.
O Exército Vermelho, por sua vez, mantinha grandes reservas, justamente
o que as forças alemãs não tinham. Para os alemães, lançar tropas novas
numa batalha ou deslocar tropas de um ponto ao outro era lidar com um
cobertor curto. Para os soviéticos, não. Júkov é claro:
A principal ferramenta de combate, que mudava radicalmente uma
situação estratégica de forma inesperada pelo inimigo, era e continuou a
ser, durante toda a guerra, o uso das reservas do Quartel-General. O
engajamento das reservas estratégicas nas batalhas só ocorria quando
cava clara a direção principal.39
***
Grandes reservas têm um sentido estratégico — e não apenas tático —
fundamental. Elas dão, ao comando, os graus de liberdade que ele precisa
para de nir o golpe principal, aquele que ocorre onde e quando a derrota
inimiga é mais decisiva. Esse golpe exige mobilizar, de maneira combinada,
diferentes tipos de forças no local e no momento certos. Sua determinação
não é trivial. É o fundamento da própria estratégia.
Por isso, entre as três grandes frentes em que o Exército Vermelho estava
organizado em Moscou, uma delas era a Frente Reserva. Em novembro de
1942, ela reunia, disponíveis, 27 Divisões de Infantaria, 5 Corpos de
Exércitos blindados e mecanizados e 6 Brigadas independentes de
infantaria. Além delas, os soviéticos mantinham reservas táticas,
operacionais, organizadas no nível de Divisões ou mesmo de unidades
menores. Elas tinham três tarefas principais: (a) em situações de defensiva,
“costurar” as tropas, prenchendo lacunas e impedindo que o inimigo
conseguisse romper as formações; (b) em situações de ofensiva, repelir
qualquer tentativa de contra-ataque; (c) depois de uma vitória, garantir o
aproveitamento do êxito, consolidando posições ganhas e reforçando a
perseguição dos inimigos em retirada.
O Alto Comando alemão havia se preparado para uma guerra rápida. A
inesperada resistência soviética levou-o a uma posição errática. Vimos que a
dura batalha em Smolensk havia desviado para lá parte das tropas que
deviam seguir direto a Moscou. Veremos que, diante do impasse em
Leningrado, o Alto Comando alemão optou por retirar da Frente Norte
grande parte da Força Aérea e das tropas blindadas para reforçar o ataque a
Moscou, que antes havia sido desfalcado. A derrota em Moscou transformou
o petróleo do Cáucaso — leia-se, Stalingrado — em prioridade.
***
A derrota em Stalingrado prenunciou uma nova in exão estratégica, com
os soviéticos passando a lutar para a frente e os alemães para trás. Hitler
tentou retomar a ofensiva no saliente de Kursk, onde perdeu novamente.
Pesava decisivamente a desmedida extensão das linhas de um Exército cuja
doutrina sempre privilegiara a ofensiva. Se levarmos em conta todo o teatro
da guerra, essas linhas iam do Norte da África à Noruega e dos Bálcãs ao
Canal da Mancha, tangenciando Moscou, no interior, e incluindo o
Atlântico Norte.
O contrário ocorria com os soviéticos, detentores de reservas estratégicas
que eram lançadas na luta, em qualquer lugar, sem desfalcar as forças
combatentes. Não era um conhecimento empírico, feito de experimentação
e erro. Era doutrina. O Regulamento de Combate do Exército Vermelho
dizia:
É impossível lutar em toda parte com a mesma força. É preciso garantir
superioridade decisiva sobre o inimigo na direção fundamental por
meio de uma reorganização de forças e de meios. Nos pontos
secundários, cabe usar somente as forças indispensáveis à cobertura
exigida. O combate ofensivo exige a coordenação do maior número de
forças e de meios e a obtenção de uma superioridade esmagadora na
direção do esforço principal.40
À estratégia alemã de um único golpe devastador que depois se
desdobrava no tempo, restou aos soviéticos contrapor contragolpes
sucessivos, de intensidade crescente. O poderoso Exército alemão não
poderia ser aniquilado em uma ou poucas batalhas, mas, como o de
Napoleão, poderia ser minado em muitas campanhas.
Nas condições em que a guerra foi travada na frente ocidental, a doutrina
alemã foi e caz. No Leste, prevaleceu a estratégia soviética:
Nossa vitória nasceu de manobras bem-feitas com reservas estratégicas
e graças a um sistema muito bem estruturado de forças. As guerras não
são ganhas por quem lança todas as suas forças nas primeiras batalhas,
mas sim por quem as usa sucessivamente, depois de ter calculado a
derrota do inimigo.41
***
A primeira fase da invasão consumiu tempo e energia demais,
combatentes e equipamentos demais, o que tornou inviável levar o plano da
guerra-relâmpago até o nal planejado. Ao chegarem a Leningrado e a
Moscou, os alemães estavam exaustos. E encontraram duas fortalezas. Na
expressão de Júkov, a União Soviética tornara-se um grande acampamento
militar. O povo russo havia decidido não desaparecer.
Foram 900 dias de cerco em Leningrado (setembro de 1941 a janeiro de
1944), com a população dependendo, principalmente, de abastecimento
pelo ar. Mais de 640 mil pessoas morreram, principalmente de fome, mas a
cidade não se rendeu.
Com mais de 3 milhões de habitantes, Leningrado era a segunda maior
cidade da União Soviética, berço da Revolução, importante centro político,
econômico, cultural e industrial, além de porto marítimo e sede da poderosa
Frota do Báltico, que não poderia operar por muito tempo sem suas bases
em terra. Em caso de queda, os soviéticos haviam planejado explodir as
instalações militares e industriais da cidade.
O plano nazista era obter uma vitória rápida que lhes permitisse liberar
contingentes para criar, a partir do Norte, uma nova frente contra Moscou, o
que esgotaria as reservas estratégicas do Quartel-General Soviético. O plano
frustrou-se pela tenaz resistência contra as investidas por terra, os
bombardeios e a fome, com ampla participação da população civil. Os
homens formaram milícias, posicionadas em profundidade, enquanto
mulheres, crianças e idosos trabalhavam em funções de apoio e no manejo
da defesa aérea. Cerca de 400 grupos guerrilheiros atuavam na retaguarda
alemã.
Dois o ciais soviéticos descreveram a defesa da cidade:
Uma massa tremenda de canhões cava parcialmente disfarçada, todos
em boa posição para observar o inimigo e invulneráveis aos seus
obuses. Os canhões pareciam ter nascido do solo, envolvidos em
concreto e revestidos de aço. Os artilheiros, com auxílio dos
engenheiros, construíam abrigos e trincheiras com os materiais do
lugar. Canhões colocados em posição de tiro direto, dentro de pontos
fortes de defesas antitanques, preparavam-se para o tiro em massa
contra qualquer ponto da frente.42
Júkov, que também estava lá, escreveu:
Não raro, Divisões inteiras, incluindo regimentos de artilharia, foram
colocadas em posição de combate aberto, destruindo pelo fogo direto o
inimigo que avançava. Somente em Ligovo-Pulkovo, colocamos mais de
500 peças de artilharia em posição de tiro direto.43
Não foi uma situação única. O historiador francês Raymond L. Gartho
diz que, durante a guerra, aproximadamente 25% da artilharia soviética
foram usados em fogo direto, em distâncias de 20 a 900 metros,
principalmente nas batalhas defensivas, mas também, depois, em Berlim.
Em 9 de agosto de 1942, dia em que Hitler havia marcado um banquete
para comemorar a esperada queda da cidade, músicos militares e
sobreviventes da Orquestra da Rádio local, sob a direção do maestro Karl
Eliasberg, realizaram no Teatro Púshkin a primeira audição mundial da
Sinfonia n. 7 de Shostakovich, denominada Leningrado. Durante os ensaios,
os músicos frequentemente desmaiavam de fome, especialmente os que
tocavam instrumentos de sopro, e três deles morreram. Logo antes do
concerto, as forças soviéticas realizaram fortes bombardeios para forçar as
tropas alemãs a buscarem abrigo e carem em silêncio durante a
apresentação. A sinfonia foi transmitida às tropas soviéticas por rádio e à
cidade e às tropas alemãs por alto-falantes.
***
Os soviéticos não podiam romper o cerco e os alemães não conseguiam
entrar na cidade. Durante esse impasse, a aviação soviética de
reconhecimento identi cou um grande movimento de colunas motorizadas
e blindadas partindo de Leningrado na direção de Moscou. Os alemães
haviam decidido começar logo a nova fase da batalha pela capital.
A defesa de Moscou organizava-se em três frentes — Ocidental, Reserva e
de Bryansk —, que somavam 1,25 milhão de homens, 990 blindados, 7,6 mil
peças de artilharia e morteiros e 667 aviões militares. O comando soviético
identi cou corretamente a concentração dos destacamentos alemães e as
direções dos ataques principais, pelo norte e pelo sul. As principais unidades
de tanques foram dispostas nas direções mais sensíveis. Os moradores
formaram Divisões de milícias populares, com unidades especiais de
exploradores, sapadores e esquiadores que faziam a ligação com os grupos
guerrilheiros que atuavam na retaguarda.
Centenas de milhares de cidadãos trabalharam dia e noite na construção
de linhas defensivas em torno da capital. Somente no cinturão interno havia
250 mil pessoas, das quais 3/4 mulheres e adolescentes que cavaram 72 km
de valas antitanques, 80 km de fossos com escarpas, 52 km de obstáculos,
128 km de trincheiras, removendo 3 milhões de m3 de terra com pás e
carrinhos de mão. Fábricas de automóveis produziam metralhadoras,
fábricas de válvulas produziam rolamentos, fábricas de relógios produziam
detonadores de minas, o cinas de automóveis consertavam tanques, fábricas
de alimentos infantis faziam rações para soldados, e assim por diante. Stalin
e as demais lideranças permaneceram na cidade, mesmo quando a
vanguarda alemã já avistava, com binóculos, as torres do Kremlin.
Nas suas memórias, Júkov escreveu:
Em 1º de novembro de 1941, fui chamado ao Quartel-General do
Comando Supremo. Stalin me disse:
— Queremos realizar em Moscou uma parada militar para
comemorar a Revolução de Outubro. Você acha que a situação na frente
permitirá isso?
— Nos próximos dias — respondi —, o inimigo não lançará
nenhuma grande ofensiva. Ele sofreu grandes perdas nas batalhas
anteriores. Precisa se reabastecer e reagrupar as tropas. Podemos
reforçar a defesa aérea e trazer para Moscou a aviação de caça das
frentes vizinhas para se opor à aviação inimiga, que certamente vai
atuar.
[...] Foi assim que, em 7 de novembro [data da Revolução pelo novo
calendário], houve a tradicional parada militar na Praça Vermelha. Os
soldados seguiram diretamente do des le para o front. Foi um evento
fundamental para o fortalecimento moral do Exército e do povo.44
***
Logo apareceram na batalha os novos tanques T-34, o que levou o general
Heinz Guderian a reconhecer que os alemães haviam perdido a
superioridade em blindados: “Desapareceram as perspectivas de sucesso
rápido”, escreveu. Tinha razão. Nos primeiros 20 dias da ofensiva, os alemães
perderam 155 mil homens, cerca de 800 blindados, centenas de peças de
artilharia e grande número de aviões.
Sobre o papel do clima, Júkov escreveu:
Obviamente, as condições do tempo desempenham seu papel em
qualquer ação militar, mas isso afeta ambos os lados. Se os nazistas
foram mais afetados foi porque o competente Estado-Maior do seu
Exército acreditou que derrotaria a União Soviética em uma campanha
de poucos meses, que no inverno já estaria encerrada. No mesmo
degelo e na mesma lama que afetavam os alemães estavam milhares de
moradores de Moscou, especialmente mulheres, cavando valas e
trincheiras, construindo cercas e transportando sacos de areia. A lama
grudava nos pés, nas pás e nas rodas dos carrinhos de mão.
Em outubro de 1941, o degelo começou a diminuir, e no início de
novembro vieram o frio e a neve, o que tornou as estradas transitáveis
novamente. Durante os dias da ofensiva geral de novembro, a
temperatura variou entre 7 e 10 graus negativos, o que acaba com a
lama.45
***
Com o impasse em Leningrado e a derrota em Moscou, os alemães foram
forçados a travar outro tipo de guerra. Apesar de ainda poderosa, a
Alemanha não tinha mais condições de atacar em todas as direções
estratégicas, como em 1941. Hitler decidiu, então, concentrar forças na
conquista de regiões economicamente relevantes, para só depois voltar a
pressionar Leningrado e Moscou.
Stalingrado tornou-se o alvo principal. O porto uvial controlava o
grande uxo de cargas pelo rio Volga e era local de passagem para o petróleo
do Cáucaso. Em 29 de agosto, Júkov voou para a cidade, já reduzida a um
monte de escombros pela aviação alemã. Em 3 de setembro, recebeu um
telegrama de Stalin:
A situação piorou. O inimigo está a 3 milhas da cidade, que pode cair
hoje ou amanhã se o destacamento de tropas do Norte não apoiá-la
imediatamente. Exija dos comandantes de tropas ao norte e ao noroeste
que ataquem imediatamente o inimigo e venham em apoio aos
habitantes. Qualquer atraso é inaceitável. Use toda a aviação no apoio à
cidade. A força aérea remanescente em Stalingrado é muito pequena.46
Júkov cumpriu a ordem, sabendo que as tropas lutariam quase sem
munição. Foi uma batalha feroz, casa a casa, em que as instalações
disputadas trocavam de mãos várias vezes num mesmo dia. Foi necessário
bastante tempo para romper o equilíbrio de forças, mas, a nal, com a
chegada de tropas de reserva, os soviéticos montaram um rolo compressor
com 2 para 1 na infantaria, em tanques e em aviões e quase 3 para 1 na
artilharia. Sobre o golpe nal, o coronel Zamiatin escreveu:
Se tivéssemos investido apenas em uma direção, os alemães teriam
podido, em dois dias, ter concentrado pelo menos seis Divisões,
inclusive quatro de tanques, contra esse local de ruptura. Como as
linhas foram rompidas em vários lugares de uma só vez, o Alto
Comando Alemão tornou-se incapaz de adotar boas manobras. Além
disso, em muitos lugares a nossa penetração atingiu 40 km, de modo
que as unidades do Exército inimigo perderam o contato entre si. E, por
termos organizado a nossa ofensiva ao longo de uma frente de 400 km,
impedimos que as unidades de reconhecimento do inimigo
percebessem alguma concentração de forças em um ponto qualquer.
Operamos na base do segredo e da surpresa.47
Entre 31 de janeiro e 2 de fevereiro de 1943, renderam-se os
remanescentes do VI Exército alemão, comandado pelo marechal de campo
Von Paulus. Deixara de existir o maior grupamento de forças reunido pela
Alemanha nazista: desapareceram 32 Divisões e 3 Brigadas, enquanto outras
16 Divisões perderam entre 50% e 75% dos seus combatentes. A Alemanha
perdeu 1,5 milhão de homens, 3,5 mil blindados, 12 mil peças de artilharia e
morteiros, 3 mil aviões e outros equipamentos. A situação estratégica da
guerra invertera-se.
***
A vitória em Stalingrado foi seguida de vitórias menores, mas
signi cativas, que forçaram um amplo recuo do Exército invasor. Nesse
contexto, o Alto Comando alemão organizou contra-ataques que
culminariam com a eliminação do saliente de Kursk. Em 8 de abril, Júkov
telegrafou a Stalin:
Em algum momento o inimigo desencadeará grandes operações
ofensivas contra as nossas Frentes Central e Sudoeste. Se derrotar
nossas forças nessa zona de ação, terá liberdade de manobra para
envolver Moscou pela rota mais curta. Aparentemente, na primeira fase
o inimigo reunirá o máximo de suas forças, incluindo 13 a 15 Divisões
Blindadas. Com apoio de grande quantidade de aviões, lançará um
ataque. Com seu destacamento de Orel-Krom envolverá Kursk pelo
Nordeste e com o destacamento de Belgorod-Kharkov virá pelo
Sudeste.48
A avaliação de Júkov era absolutamente certeira. Uma semana depois,
Hitler enviou uma mensagem ultrassecreta para os generais do Alto
Comando, tratando de uma ofensiva com o nome em código de Cidadela:
O objetivo da ofensiva é um ataque concentrado, rápido e decisivo, com
um Exército de assalto partindo de Belgorod e outro do Sul de Orel para
cercar e destruir as tropas em Kursk por meio de um duplo
envolvimento.49
***
Os dois lados avaliavam que esta batalha poderia rede nir a situação geral
do con ito. Um ataque bem-sucedido das forças alemãs tornaria possível a
preparação de nova contraofensiva na direção de Moscou, enquanto uma
vitória soviética criaria condições para libertar a região do Donbass, a
fronteira ocidental da Ucrânia e o Leste da Bielorrússia, tornando possível
planejar a tomada de Berlim. A segurança das duas capitais estava em jogo.
Cada lado concentrou lá a elite dos seus generais: Júkov, Vatutin,
Rokossovsky e Konev che avam as tropas soviéticas, enquanto Von
Manstein, Zeitzler, Hoth e Model comandavam os alemães.
Hitler mobilizou 900 mil homens para a operação Cidadela, divididos
entre as suas 50 melhores Divisões, sendo 16 delas blindadas e mecanizadas.
Completavam as tropas 11 batalhões blindados, 2,9 mil tanques e mais de 2
mil aviões, equivalentes a 60% do poderio aéreo alemão no Leste. Os
soviéticos não caram atrás: 940 mil homens, 3,2 mil tanques, 9,5 mil armas
pesadas e 2,1 mil aviões.
O movimento guerrilheiro foi mobilizado, primeiro fornecendo
informações sobre a localização e os movimentos de tropas, depois em ações
de sabotagem realizadas em grande escala. Júkov avalia que atrás das linhas
inimigas estavam ativos mais de 120 mil guerrilheiros, divididos em cerca de
650 grupos. Veio deles, em 2 de julho, a informação de que as tropas alemãs
haviam se posicionado para a ofensiva. Na madrugada de 5 de julho, os
soviéticos se anteciparam.
Júkov estava lá e conta:
Às 02:20h foi dada a ordem para iniciar a contrapreparação da
artilharia. Tudo revirou-se. Ecoou um terrível rugido. Começava a
grande batalha de Kursk. Ao som dessa sinfonia infernal, uniram-se os
disparos da artilharia pesada, explosões das bombas da aviação,
foguetes M-31 Katyusha e o ininterrupto ronco dos motores das
aeronaves. As forças inimigas estavam a menos de 20 km de distância
de nós. Ouvíamos e sentíamos os fogos pesados e, sem querer, pairava
em nossas mentes o terrível quadro que se instalou na cabeça de ponte
inimiga, atingida de maneira inesperada pelo furacão dos fogos da
contrapreparação.50
Na sequência dos acontecimentos, ocorreu nas regiões de Kursk, Orel e
Belgorod a maior batalha de tanques da história, entre 5 de julho e 23 de
agosto de 1943. A elite restante das forças alemãs foi derrotada.
***
Em dezembro de 1943, a liderança soviética analisou globalmente o
cenário, levando em conta meios materiais, localização das tropas, reservas e
moral, e concluiu que o ponto de in exão da guerra havia sido alcançado. A
União Soviética alcançara superioridade militar e econômica. Tratava-se,
agora, de transformar essa vantagem potencial numa estratégia segura, a ser
implantada no ano seguinte.
Alguns generais propuseram uma marcha mais ou menos direta em
direção a Berlim, mas Júkov foi contra, ainda temendo contra-ataques. O
Estado-Maior de niu, então, os dez passos que o Exército Vermelho deu, ao
longo de 1944, antes de conquistar a capital do Terceiro Reich:
1. A contraofensiva em Leningrado e Novgorod em janeiro, quando as
tropas soviéticas nalmente romperam o cerco e tomaram a iniciativa no
Báltico (em 18 de janeiro de 1944, dia em que o cerco de Leningrado foi
nalmente rompido, Júkov recebeu a patente de Marechal da União
Soviética).
2. A vitória nas operações ofensivas em fevereiro e março na fronteira
oriental da Ucrânia.
3. A libertação de Odessa, de Sevastopol e da Crimeia em abril e maio.
4. A libertação de grande parte da Karelia, que enfraqueceu as tropas
alemãs no Ártico e colocou a Finlândia (aliada da Alemanha) em posição
vulnerável.
5. A libertação da Bielorrússia, do Leste da Polônia e da maior parte da
Lituânia em junho e agosto, com a vitória sobre 20 Divisões de elite do
poderoso Grupo de Exércitos Centro do Exército alemão.
6. A passagem do rio Vístula, na região de Lvov, na Ucrânia, com o
estabelecimento de duas bases de operações no Sul de Varsóvia, pontos de
apoio para o futuro ataque a Berlim.
7. O cerco e a vitória sobre as forças alemãs na Moldávia e na Romênia,
com a destruição de 22 Divisões alemãs, e o apoio à revolução popular na
Bulgária.
8. A libertação da Estônia e de grande parte da Letônia no outono,
emparedando as tropas alemãs contra o mar Báltico e forçando a Finlândia a
assinar um cessar-fogo.
9. Entre agosto e dezembro, a ultrapassagem dos rios Tisza e Danúbio, na
Hungria, e o apoio direto à resistência iugoslava, que libertou Belgrado.
10. A expulsão das tropas alemãs do Ártico soviético e da região Nordeste
da Noruega em outubro.
***
Ao Terceiro Reich restava apenas uma opção: produzir em Berlim uma
“Stalingrado às avessas”, derrotando o Exército Vermelho na luta urbana
para poder barganhar uma rendição negociada, preferencialmente, com
americanos e ingleses.
Com a aproximação do Exército Vermelho, a população foi advertida da
iminência de intensos combates, que seriam travados nos subsolos, na
superfície e no ar. As redes de metrô e de esgotos teriam papel substancial
no deslocamento de tropas. As forças remanescentes da Wehrmacht e das SS
foram concentradas na cidade, acrescidas de unidades de Polícia e de 200
novos batalhões formados com população civil, inclusive idosos e
adolescentes. Mais de 400 mil pessoas foram mobilizadas, com bairros
residenciais transformados em fortalezas, abrigando tanques profundamente
entrincheirados. A Juventude Hitlerista foi armada com lança-rojões
antitanques. Toda a artilharia antiaérea disponível foi trazida, não só
apontada para o ar, mas também preparada para efetuar tiros diretos em
tropas de infantaria e em blindados nas ruas.
Contra isso, Júkov planejou um ataque devastador. O Regulamento de
Combate da Artilharia Soviética estipulava como norma de ataque
concentrar 60 a 80 canhões por km na largura da frente. Nas principais
batalhas, essas normas sempre foram ultrapassadas, com 365 peças por km
de largura em Stalingrado. Em Berlim, foram 670 peças por km de largura, o
que dá uma ideia da intensidade de fogo alcançada. Depois de todos os
cuidados na preparação da ofensiva, ela deveria irromper com força
máxima, com dezenas de milhares de canhões e morteiros, bem como suas
unidades de apoio.
O início da operação exigia que 7,1 milhões de projéteis de artilharia
estivessem disponíveis nas baterias. O esforço de logística foi sem
precedentes: “Se dispuséssemos em uma linha reta os trens com as cargas
embarcadas para esta operação, eles se estenderiam por mais de 1,2 mil
km.”51
Foram construídas 25 pontes e 40 passadeiras utuantes sobre o rio Oder:
“Os trabalhos de construção da engenharia realizavam-se muito próximos
das linhas de frente, sob disparos da artilharia e investidas da aviação
inimiga”, exigindo “cobertura de múltiplos fogos de baterias antiaéreas e
patrulhamento contínuo por dezenas de aviões de caça”. Em toda a batalha,
foram usados 8,4 mil aviões, que realizaram 70 mil saídas de combate.
***
Em 16 de abril, as tropas ouviram em silêncio a ordem do dia:
Soldados, sargentos, o ciais e generais. Queridos camaradas.
Chegou a hora da batalha decisiva, na capital do Estado fascista
alemão. [...] Suas unidades cobriram-se de glória eterna. Para vocês, não
houve obstáculos nos muros de Stalingrado, nas estepes da Ucrânia, nas
orestas e pântanos da Bielorrússia. Vocês também não foram detidos
pelas poderosas forti cações que superaram para chegar aqui.
Berlim encontra-se à sua frente, heróis soviéticos. [...] O Conselho
Militar acredita que os gloriosos militares da Primeira Frente da
Bielorrússia cumprirão honrosamente a missão que receberam e com
uma nova vitória erguerão a sua bandeira de batalha.
Avante, ao assalto a Berlim!
Marechal da União Soviética G. Júkov
Notas
1
Tukhachevsky, “O Exército Vermelho e a milícia”, janeiro de 1921, citado em Eric Wollemberg, O
Exército Vermelho. Londres, 1940, p. 171-173.
2
Stalin, Obras escolhidas, v. 4, 1947.
3
Trotsky, discurso em 21 de abril de 1918, Obras escolhidas, v. 17, Moscou-Leningrado, 1926, p. 236.
4
Mikhail Frunze, “A reorganização do Exército Vermelho”, citado por Georgy Júkov, Memórias e
re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
5
Truppenführung: On German Art of War. Londres, Lynne Rienner Publishers, 2001.
6
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
7
Raymond L. Gratho , A doutrina militar soviética, Biblioteca do Exército, 1957, v. 1.
8
R. J. Sontag J. S. Beddie (orgs.), Relações germano-soviéticas, 1939-1941, documentos de arquivos
alemães. Departamento de Estado, Washington D.C., 1948.
9
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
10
Ibid.
11
Ibid.
12
Ibid.
13
Ibid.
14
Ibid.
15
Raymond L. Gratho , A doutrina militar soviética, Biblioteca do Exército, 1957, v. 2.
16
E. A. Shilovsky, A arte militar do Exército Vermelho, FLPH, Moscou, 1944.
17
Carl von Clausewitz, A campanha de 1812 na Rússia. Martins Fontes, São Paulo, 1994.
18
Regulamento de Campanha de 1940, citado por Raymond L. Gratho .
19
5. Truppenführung: On German Art of War. Londres, Lynne Rienner Publishers, 2001.
5
Joachin Fest, Hitler. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1973.
21
Ibid.
22
Ibid.
23
Ibid.
24
Franz Halder, Kriegstagebuch, 1939-1942. Stuttgart, 1962.
25
Adolf Hitler, Hitler Tischgespräche, 27/06/1941, Athenäum-Verlag, Bonn, 1951.
26
Ibid.
27
Adolf Hitler, Völkischer Beobachter, 05/10/1941.
28
Isaac Deutscher, Stalin, uma biogra a política. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006.
29
Ibid.
30
Carl Schmitt, O nomos da Terra no jus publicum aeuropeum. Rio de Janeiro, Contraponto, 2016.
31
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
32
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 2.
33
Stalin, “Na guerra patriótica”, Obras escolhidas, v. 4, 1947.
34
Franz Halder, Kriegstagebuch, 1939-1942. Stuttgart, 1962.
35
Martel, “Um soldado falando francamente seus pontos de vista e suas memórias”, citado em
Raymond L. Gratho , A doutrina militar soviética.
36
Lidell Hart, Os generais alemães falam, citado em Raymond L. Gratho , A doutrina militar soviética.
37
Heinz Guderian, “Indicações de ataques russos de ruptura”, Exércitos estrangeiros no Oriente, n.
7.290/44, 28 de agosto de 1944.
38
Major-General Formichenko, O Exército Vermelho. Londres, Hutchinson & Co., 1945.
39
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
40
Regulamento de Combate do Exército Vermelho, 1936, citado por Raymond L. Gratho .
41
Major-General Talensky, Bol’shevik, n. 10, 1945, citado por Raymond L. Gratho .
42
N. I. Tikhonov, A defesa de Leningrado. Londres.
43
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 1.
44
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 2.
45
Ibid.
46
Ibid.
47
Major-General N. M. Zamiatin, “O golpe do saliente”, Voenaia Mysl, n. 5, maio de 1945.
48
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 2.
49
Joachin Fest, Hitler. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1973.
20
Georgy Júkov, Memórias e re exões, Biblioteca do Exército, 2015, v. 2.
51
Ibid.
MOSCOU
Outubro de 1941 – Janeiro de 1942

Quando me perguntam qual foi o fato mais memorável da guerra,


respondo: a Batalha de Moscou. Ali, o Exército Vermelho impôs
pesadas derrotas ao destacamento principal das forças de Hitler em seis
meses de guerra. Esta foi a nossa primeira vitória estratégica sobre a
Wehrmacht. [...]
Na guerra contra a União Soviética, apesar de uma cuidadosa
preparação, os nazistas enfrentaram uma circunstância imprevista.
Nunca imaginaram que teriam de lutar em duas frentes. De um lado,
contra o Exército Vermelho. De outro, contra poderosas forças
guerrilheiras que atuavam ativamente sob a liderança de muitas
organizações clandestinas in ltradas na retaguarda inimiga. [...]
GEORGY JÚKOV
I

Eu estava no comando das tropas da Frente de Leningrado no início de


outubro de 1941. Os dias tinham sido difíceis para todos os que havíamos
passado o mês de setembro lutando para preservar a cidade, mas nossas
forças estavam conseguindo frustrar os planos do inimigo. A tenacidade e o
heroísmo de soldados, marinheiros e subo ciais soviéticos, somados à
perseverança de comandantes militares e de comissários políticos, haviam
levantado defesas insuperáveis nos acessos à cidade.
No nal de setembro, a pressão já havia diminuído sensivelmente em
todos os setores. A linha de frente estabilizara-se. Este não é o lugar certo
para contar a história da Batalha de Leningrado, nem da tentativa de
conquistar a cidade que recebeu o nome do grande Lenin. Menciono esses
fatos apenas para enfatizar que todos nós, desde os integrantes do Conselho
Militar até os defensores nas trincheiras, compartilhávamos um único
pensamento: deter o inimigo a todo custo. Todos faziam tudo o que podiam
nas posições que lhes haviam sido designadas.
Na época, o Conselho Militar era composto pelos camaradas A. A.
Zhdanov, A. A. Kuznetsov, T. F. Shtykov, Ya. M. Kapustin e N. V. Solovyev,
que colaboravam entre si de forma harmoniosa e e caz. Todos deram
magní ca contribuição à causa comum, combatendo o inimigo e
defendendo Leningrado, que em setembro de 1941 esteve em perigo de
morte. Infelizmente, nenhum deles está vivo hoje.
Apesar da envergadura de nossos problemas mais imediatos, também nos
interessava a situação em outros setores da extensa frente germano-
soviética. Por minha condição de membro do Quartel-General Supremo, eu
recebia informações do Estado-Maior Geral que me permitiam avaliar como
era grave o perigo que ameaçava nossa pátria.
As forças alemãs haviam alcançado êxitos substanciais nos primeiros dois
meses e meio da guerra, tendo conseguido tomar a Bielorrússia e a
Moldávia, além de grande parte da Ucrânia, da Lituânia, da Letônia e da
Estônia. Haviam cercado Leningrado. No nal de setembro, deslocaram
grande quantidade de forças para os arredores de Moscou, com o objetivo de
tomar a capital.
O inimigo havia conquistado essas vitórias à custa de inúmeras baixas nas
melhores unidades de seu Exército terrestre e de sua Força Aérea. E quanto
mais as tropas nazistas se aprofundavam em nosso país, maior era a
resistência dos soldados soviéticos.
O comando alemão deu prioridade à tomada da Crimeia e da Bacia do
Donets. Antecipando-se a um ataque de nossas forças contra um anco do
seu Grupo de Exércitos Centro na Frente Sudoeste, o inimigo interrompeu
momentaneamente seu avanço em direção a Moscou e deslocou parte
signi cativa de suas tropas do Grupo de Exércitos Centro (incluindo as
forças blindadas de Guderian)1 para golpear com elas um anco e a
retaguarda da Frente Sudoeste.
Em setembro, pouco antes do início da batalha nas vias de acesso mais
remotas de Moscou, o inimigo in igiu uma tremenda derrota às nossas
forças no Sudoeste, ocupando Kiev. Embriagado pelo sucesso na Ucrânia, o
Alto Comando de Hitler superestimou a capacidade de seus Exércitos e
cometeu erros estratégicos e operacionais importantes no desenvolvimento
dos planos para a ofensiva contra Moscou. O inimigo pensou que as tropas
soviéticas estivessem enfraquecidas e desmoralizadas, incapazes de defender
sua capital.
O Comitê de Defesa do Estado,2 o governo soviético e o Partido
Comunista tomaram medidas decisivas para superar a grave situação que o
país enfrentava, especialmente no que se referia a Moscou.
Em outubro, o inimigo lançou uma ofensiva que deveria terminar com a
tomada da nossa capital. Havíamos estabelecido três Frentes3 nos acessos
mais remotos de Moscou: a Frente Ocidental, a Frente Reserva e a Frente de
Bryansk.
A Frente Ocidental (comandada pelo coronel-general Ivan S. Konev, com
Nikolai A. Bulganin como comissário político e o tenente-general Vasily D.
Sokolovsky como chefe do Estado-Maior) era composta por seis Exércitos
reforçados, com suas reservas, colocados em ambos os lados dos principais
acessos a Moscou, do lago Seliger até a cidade de Yelnya. Sua missão era
impedir que o inimigo avançasse em direção à capital.
A Frente Reserva (comandada pelo marechal Semyon M. Budenny, com
Sergei N. Kruglov como comissário político e o tenente-general A. F. Anisov
como chefe do Estado-Maior) adotou com suas tropas (XXXI, XXXII,
XXXIII e XLIX Exércitos) posições defensivas por trás da Frente Ocidental
ao longo da linha de Ostashkov, Selizharovo, Olenino, Spas-Demensk e
Kirov. O objetivo desses quatro Exércitos era repelir o inimigo, caso este
atravessasse as defesas da Frente Ocidental; eles compunham o segundo
escalão operacional das nossas defesas. Dois outros Exércitos, o XXIV e o
XLIII, cavam em posições defensivas nas imediações da Frente Ocidental,
entre Yelnya e Frolovka.
A Frente de Bryansk (comandada pelo coronel-general Alexei I.
Yeremenko, com P. L. Mazepov como comissário político, e o major-general
G. F. Zakharov como chefe do Estado-Maior) era formada por três Exércitos
e um grupamento operacional em posições defensivas, localizados na
margem oriental do rio Desna, de Frolovka a Putivl. Sua missão era deter o
inimigo, caso este tentasse avançar em direção a Bryansk e a Orel.
No nal de setembro, as três Frentes reuniam 800 mil soldados, com 770
tanques e 9.150 canhões, sem contar as unidades de reforço e de retaguarda.
A maior parte da força estava concentrada na Frente Ocidental.
Como sabemos atualmente, o Grupo de Exércitos Centro, dos nazistas,
tinha mais de 1 milhão de homens, 1,7 mil tanques e canhões
autopropulsados e mais de 19 mil peças de artilharia. Era apoiado pela
poderosa Quarta Frota Aérea, comandada pelo marechal de campo
Kesslring. Com sua ordem de 16 de setembro, Hitler atribuiu ao Grupo de
Exércitos Centro a missão de penetrar nas defesas soviéticas, cercar e
destruir as principais forças das Frentes Ocidental, Reserva e de Bryansk,
para, em sequência, perseguir as tropas restantes e tomar Moscou, cercando-
a de norte a sul.
No nal de setembro, nossos serviços de inteligência informaram que o
inimigo estava preparando uma grande ofensiva contra Moscou. O
Comando Supremo emitiu os avisos apropriados aos comandantes das
Frentes e orientou que montassem defesas sólidas, tendo em vista causar as
maiores perdas possíveis ao inimigo e impedir sua penetração.
Começou a construção de grandes forti cações nas entradas, próximas e
distantes, de Moscou. A própria cidade preparou-se para se defender.
Trabalhadores de Moscou e das oblasts [províncias] de Moscou, Kaluga, Tula
e Kalinin trabalhavam dia e noite, construindo forti cações nas ruas e nos
arredores da cidade.
Os engenheiros do Exército decidiram estabelecer campos minados e
instalar uma grande variedade de barreiras. A defesa aérea de Moscou
preparou-se com atenção especial. A pedido do Comitê da Cidade de
Moscou, do Partido Comunista, centenas de equipes de voluntários em
defesa aérea e em primeiros socorros foram criadas e treinadas. Um rigoroso
sistema de escurecimento foi instalado na cidade e em seus arredores. Os
principais alvos militares e muitos outros edifícios foram camu ados.
Nos acessos à cidade já havia 12 Divisões de Voluntários do Povo, criadas
a pedido do Comitê Central do Partido. Outras 5 Divisões concluíam seu
treinamento, enquanto o Comitê da Cidade de Moscou começava a criar
unidades voluntárias adicionais. A organização do Partido em Moscou
subordinou todas as suas atividades à defesa da capital. A cidade e seus
arredores foram transformados em um terreno forti cado.
O inimigo lançou sua ofensiva contra a Frente de Bryansk em 30 de
setembro e contra as Frentes Ocidental e Reserva em 2 de outubro. Os
ataques atingiram a intensidade máxima no norte de Dukhovshchina e no
leste de Roslavl, contra o XXX e o XIX Exércitos da Frente Ocidental, e o
XLIII Exército da Frente de Bryansk, respectivamente. As tropas alemãs
conseguiram romper nossas defesas. Grupos de choque inimigos competiam
entre si para avançar. A partir do norte e do sul, envolveram todo o
contingente de Viazma das Frentes Ocidental e Reserva.
A situação também era extremamente grave na Frente de Bryansk, onde o
III e o XIII Exércitos corriam o risco de car sob cerco. Sem encontrar
nenhuma oposição signi cativa, parte do Exército de Guderian avançava em
direção a Orel, que havia sido deixada sem proteção. Orel caiu em 3 de
outubro. A Frente de Bryansk desmoronou. Com grandes perdas, suas
tropas recuaram para o leste e o sudeste, criando uma situação ameaçadora
na área de Tula.
Por ordem do general Konev, comandante da Frente Ocidental, um grupo
de operações comandado pelo tenente-general I. V. Boldin contra-atacou as
forças inimigas que avançavam no norte, mas nada conseguiu. No nal de 6
de outubro, haviam sido cercados a oeste de Viazma uma parte signi cativa
das forças da Frente Ocidental (várias seções do XIX Exército, do tenente-
general M. F. Lukin, do XVI Exército, do tenente-general Konstantin K.
Rokossovsky, do XX Exército, do tenente-general F. A. Yershakov, e o grupo
de operações do general Boldin) e da Frente Reserva (XXXII Exército, do
major-general S. V. Vishnevsky, e XXIV Exército, do major-general K. I.
Rakutin).
Em 6 de outubro, o inimigo ameaçou continuar seu avanço pela estrada
de Minsk para Moscou, na direção de Mozhaisk, e pela estrada de Varsóvia
em direção a Maoyaroslavets. Naquele momento, as forti cações da linha
defensiva de Mozhaisk e dos acessos mais próximos a Moscou ainda não
estavam concluídas, e a linha defensiva estava desguarnecida. Pairava sobre
Moscou a séria possibilidade de um grande avanço inimigo.
O Comitê de Defesa do Estado, o Comitê Central do Partido e o
Comando Supremo tomaram medidas para deter este avanço. As tropas
tiveram que ser reposicionadas imediatamente ao longo das linhas
defensivas, especialmente na linha de Mozhaisk. Esses movimentos
começaram em 7 de outubro, quando 14 Divisões de Infantaria, 16 Brigadas
de Tanques, mais de 40 Regimentos de Artilharia e outras unidades foram
transferidos da reserva do Quartel-General Supremo e de Frentes
adjacentes. Todos sabiam que essas tropas eram inadequadas para executar
uma defesa efetiva, mas era tudo o que o Quartel-General Supremo podia
oferecer, pois a transferência de tropas do Extremo Oriente e de outros
territórios distantes estava atrasada.4
Na noite de 6 de outubro, recebi um telefonema de Josef Stalin,
comandante supremo, perguntando sobre a situação nos arredores de
Leningrado. Informei que o inimigo havia cessado os ataques. Segundo
militares alemães capturados, as forças atacantes haviam sofrido baixas
pesadas e estavam assumindo posições defensivas, a partir das quais
lançavam obuses e bombardeavam a cidade pelo ar. Nossas missões de
reconhecimento aéreo haviam detectado um movimento signi cativo de
colunas motorizadas e blindadas em direção ao sul, a partir de Leningrado.
O comando alemão parecia estar transferindo essas forças para Moscou.
Stalin ouviu o relatório, cou em silêncio por um momento e em seguida
disse que a situação havia se tornado crítica na região de Moscou,
especialmente na Frente Ocidental.
— Nomeie o general Khozin [chefe do Estado-Maior] para o comando
interino da Frente de Leningrado e pegue um avião para Moscou — ele me
ordenou.
Transmiti as ordens do comandante supremo a M. S. Khozin, despedi-me
dos membros do Conselho Militar e voei para Moscou. Nosso avião pousou
no aeroporto central no anoitecer do dia 7 de outubro. Fui imediatamente
para o Kremlin.
Stalin estava em seus aposentos, com gripe. Não se sentia bem. Saudou-
me com um gesto, apontou para um mapa e disse:
— Temos problemas muito graves na Frente Ocidental, mas não consigo
receber um relatório detalhado do que está acontecendo.
Pediu-me para seguir imediatamente para o quartel-general da Frente,
analisar a situação minuciosamente e telefonar para ele a qualquer hora da
noite.
— Aguardarei sua ligação — ele disse, para encerrar a conversa.
Quinze minutos depois, eu estava no escritório do chefe do Estado-Maior
para receber informações. O marechal Boris M. Shaposhnikov5 parecia
exausto. Ele disse que Stalin já lhe havia telefonado e dera instruções para
me entregar um mapa dos setores ocidentais.
— O mapa chegará aqui imediatamente — disse o marechal
Shaposhnikov. — O quartel-general da Frente Ocidental ca agora onde a
Frente Reserva cava em agosto, quando você dirigia as operações contra o
saliente de Yelnya.6
Depois de descrever a situação crítica em que estavam as Frentes, ele
acrescentou que na área de Mozhaisk e em outras áreas mais próximas a
Moscou a construção de linhas defensivas não havia sido concluída. Quase
não havia tropas nessa região. O Comitê de Defesa do Estado estava
tomando medidas para frear o avanço do inimigo, mas as tropas tinham de
ser colocadas às pressas nas novas linhas defensivas, especialmente na área
de Mozhaisk.
Assim que recebi o mapa, parti para o quartel-general da Frente
Ocidental. Ao longo do caminho, usando uma lanterna, estudei a situação e
as operações de ambos os lados. Eu estava começando a cochilar. Para evitar
adormecer, pedi que parassem o carro e caminhei duzentos ou trezentos
metros. Cheguei ao quartel-general no nal da noite. O o cial de serviço
informou-me que o Conselho Militar estava reunido no escritório do
comandante. O general Konev,7 Bulganin e o general Sokolovsky estavam
com o tenente-general G. K. Malandin, chefe das operações da Frente, na
penumbra de uma sala iluminada por algumas velas. Todos estavam
exaustos. Eu disse que cumpria uma ordem do comandante supremo.
Precisava estudar a situação e informá-lo por telefone.
—Acabei de falar com Stalin — disse Bulganin —, mas não pude lhe dizer
nada de concreto. Nem nós mesmos sabemos qual é a situação das tropas
que foram cercadas a oeste de Viazma.
Em resposta às minhas perguntas, o general Malandin conseguiu
adicionar alguns detalhes às informações que eu já tinha sobre os eventos
que haviam ocorrido entre os dias 2 e 7 de outubro. O resumo de sua
descrição era o seguinte.
Tendo reagrupado suas forças nas estradas de acesso a Moscou, o inimigo
superava a força combinada das Frentes Ocidental, Reserva e de Bryansk em
40% em infantaria, 120% em tanques, 90% em peças de artilharia e 160% em
aeronaves. Nossas defesas haviam sido incapazes de suportar a intensidade
dos ataques. Desde 7 de outubro, deixara de existir uma Frente contínua no
oeste. As grandes lacunas abertas não podiam ser fechadas, pois o comando
havia cado sem reservas.
De fato, no nal de setembro, nosso serviço de inteligência havia obtido
informações de que uma quantidade signi cativa de forças inimigas estava
se deslocando nas estradas de acesso a Moscou, sugerindo que o comando
nazista preparava uma grande ofensiva contra a capital. Em uma ordem de
27 de setembro, o Quartel-General Supremo havia avisado aos comandantes
das Frentes que uma ofensiva inimiga poderia ocorrer em poucos dias.
Por isso, a ofensiva não foi surpresa, como haviam sido os ataques alemães
no início da guerra. As Frentes nas imediações de Moscou tinham homens e
armas su cientes para repelir o inimigo. Realizar uma defesa bem-sucedida
só exigia uma avaliação adequada da situação, para de nir qual seria a
principal direção8 dos ataques e a concentração apropriada de forças para
contra-atacar nesses setores. Infelizmente, nada disso foi feito. Nossas forças
foram incapazes de suportar os golpes intensos e repetitivos do inimigo.
Telefonei para Stalin às 2:30h. Ele ainda estava trabalhando. Eu o informei
sobre a situação na Frente Ocidental:
— Agora, o principal risco é que o caminho para Moscou esteja quase
completamente desprotegido. As forti cações da linha de Mozhaisk são
frágeis demais para impedir o avanço dos blindados alemães. Devemos
concentrar forças na linha defensiva de Mozhaisk o mais rapidamente
possível com as tropas que pudermos reunir.
Stalin perguntou qual era a localização do XVI, XIX e XX Exércitos, do
grupo de Boldin na Frente Ocidental e do XXIV e XXXII Exércitos na
Frente Reserva.
Eu respondi que eles estavam cercados a oeste e a noroeste de Viazma.
— O que você planeja fazer?
— Vou visitar o marechal Budenny [comandante da Frente Reserva].
—Sabe onde está localizado seu quartel-general?
— Não, mas vou procurá-lo perto de Maloyaroslavets.
— Certo. Ligue-me quando chegar lá.
Chuviscava. Um denso nevoeiro estendia-se pelo chão. A visibilidade era
péssima. No amanhecer de 8 de outubro, quando nos aproximamos da
estação ferroviária de Obninskoye, cerca de 110 km de Moscou, vimos dois
soldados de comunicações colocando um cabo sobre uma ponte que
atravessava o rio Protva. Perguntados sobre onde o cabo terminava,
responderam bruscamente.
— Onde se espera que termine, exatamente ali —, disse um deles, um
enorme soldado que parecia estar resfriado.
Os soldados conheciam seu ofício. Não queriam dar informações a
desconhecidos. Eu me identi quei e disse que estava procurando o quartel-
general da Frente Reserva e o marechal Budenny. O soldado de
comunicações mais corpulento disse que tínhamos passado por ele.
Teríamos que voltar para o bosque que havia sobre uma colina, à esquerda
da ponte, e ali pedir mais informações.
Dez minutos depois, eu já estava no escritório de L. Z. Mekhlis,
comissário-chefe do Exército, junto com o general Anisov, chefe do Estado-
Maior da Frente. Mekhlis estava falando com alguém no telefone. Quando
terminou, anunciei o objetivo da minha visita. Expliquei que havia ido até lá
como membro do Quartel-General Supremo, com ordem de Stalin para
estudar a situação. Perguntei-lhe onde estava o comandante da Frente.
Budenny tinha ido visitar o XLIII Exército no dia anterior e seu paradeiro
era desconhecido naquele momento. No quartel-general, havia a
preocupação de que algo tivesse acontecido com ele. Os o ciais de
comunicações enviados para procurá-lo não tinham retornado. Nem
Mekhlis nem Anisov podiam dizer algo preciso sobre a posição das tropas
da Frente Reserva ou do inimigo.
— Esta é a situação em que estamos — disse Mekhlis. — Agora estou
reunindo as tropas que se retiraram em debandada. Pretendemos rearmá-las
nos pontos de reunião e criar novas unidades.
Não tive escolha senão tentar ir para Yukhnov, atravessando
Maloyaroslavets e Medyn, na esperança de esclarecer a situação o mais
rapidamente possível. Quando cruzamos Protva e passamos por
Obninskoye, não pude deixar de lembrar de minha infância e juventude. Por
aquela estrada de ferro minha mãe me mandara a Moscou como aprendiz,
para trabalhar com peles, com doze anos de idade. Quatro anos depois,
quando eu já era mestre peleteiro, frequentemente visitava meus pais na vila.
Eu conhecia a área em torno de Maloyaroslavets, pois a percorrera
inteiramente quando era criança. A apenas 10 km de Obninskoye, que na
época era o quartel-general da Frente Reserva, cava a vila de Strelkovka, no
distrito de Ugodsky Zavod, onde nasci e passei minha infância. Minha mãe
e minha irmã, com seus quatro lhos, ainda moravam lá. Eu estava
preocupado com o que poderia acontecer com elas se os nazistas
aparecessem. Imagine se descobrissem que eram mãe, irmã e sobrinhos de
Júkov. Três dias depois, providenciei para que fossem transferidos da vila
para o meu apartamento em Moscou.
A vila e todo o distrito de Ugodsky Zavod foram tomados pelos alemães
em outubro de 1941, mas os habitantes do distrito não caram de braços
cruzados. Organizaram um grupo de guerrilha liderado por Mikhail
Alekseyevich Guryanov, um valoroso combatente, presidente do governo do
distrito de Ugdsky Zavod. Os guerrilheiros zeram incursões ousadas contra
o quartel-general, a retaguarda e pequenas unidades do Exército alemão. Em
um desses ataques noturnos, destruíram o imenso quartel de um corpo do
Exército alemão na retaguarda, eliminando muitos o ciais nazistas.
Infelizmente, Guryanov, chefe local do Partido, foi delatado em novembro
de 1941. Os alemães capturaram-no, torturaram e enforcaram. Até hoje os
habitantes do meu distrito visitam o túmulo deste herói que deu a vida por
nosso país. Há um monumento sobre seu túmulo.
Toda a vila de Strelkovka, incluindo a casa de minha mãe, foi queimada
pelo inimigo durante a sua retirada.
Quando chegamos a Maloyaroslavets, não se via ninguém nas ruas. A
cidade parecia deserta. Mas em frente à Prefeitura havia dois veículos leves
com esteiras. Dentro de um deles, vi um motorista adormecido. Quando
acordou, ele nos disse que aquele era o veículo de comando de Budenny, que
havia chegado à cidade três horas antes.
Encontrei Budenny dentro do prédio e nos cumprimentamos
calorosamente. Era evidente que ele havia vivido uma in nidade de coisas
naqueles dias trágicos.
Quando contei sobre minha visita ao quartel-general da Frente Ocidental,
Budenny disse que havia perdido contato com Konev dois dias antes.
Enquanto visitava o XLIII Exército, todo o seu quartel-general havia se
mudado, e nesse momento ele não sabia onde estava.
Eu informei-o de que estava do outro lado da ponte ferroviária que
cruzava o rio Protva, a pouco mais de 100 km de Moscou, e que o estavam
procurando. Também lhe disse que a situação era muito delicada: a maior
parte das forças da Frente Ocidental estava cercada.
— As coisas não estão melhores aqui — ele respondeu. — O XXIV e o
XXXII Exércitos foram isolados. Não há mais uma frente de defesa. Quase
caí nas mãos do inimigo ontem, entre Yukhnov e Viazma. Grandes colunas
motorizadas e blindadas estão se movendo em direção a Viazma,
aparentemente para contornar a cidade pelo leste.
— Quem controla Yukhnov agora?
— Não sei. Acho que está nas mãos do inimigo. Temos um pequeno
destacamento no rio Ugra: dois regimentos de infantaria, mas sem
artilharia.
— Então, quem protege a estrada de Yukhnov a Maloyaroslavets?
— Quando passei por lá vi apenas três policiais em Medyn — disse
Budenny.
Concordamos em que ele deveria ir imediatamente ao quartel-general e
informar Moscou por telefone sobre a situação. Eu iria para Yukhnov e
depois para Kaluga.
A oeste de Maloyaroslavets, encontrei o coronel Smirnov, comandante da
área forti cada daquele local, que me informou sobre os progressos
realizados no trabalho de forti cação, a disponibilidade de batalhões de
trabalhadores e o equipamento necessário para que as unidades militares
pudessem defender os acessos a Maloyaroslavets. Depois de instruí-lo a
organizar missões de reconhecimento e preparar sua área forti cada para o
combate, dirigi-me a Medyn. Lá não encontrei ninguém, exceto uma idosa
que vasculhava o entorno de uma casa que havia sido atingida por uma
bomba.
— Vovó, o que está fazendo aqui? — perguntei.
Sem me responder, a mulher recomeçou a escavar.
Das ruínas surgiu outra mulher, seminua, com um saco meio vazio.
— Não se incomode em perguntar — ela disse. — Ela não vai lhe contar
nada. Perdeu a cabeça de tanto sofrer.
Disse-me que dois dias antes a aviação alemã havia bombardeado e
destruído a cidade, matando muitas pessoas. Os habitantes estavam se
preparando para partir para Maloyaroslavets. A idosa morava naquela casa
com uma neta e um neto pequenos. Quando o ataque começou, ela estava
tirando água do poço. Viu uma bomba atingir sua casa. Os corpos de seus
netos estavam soterrados sob as ruínas. A segunda mulher tinha que se
apressar; sua casa também havia sido destruída, e entre os escombros não
conseguia encontrar roupas ou sapatos. Lágrimas rolavam por sua face.
Quando perguntei se algumas de nossas tropas haviam atravessado a cidade,
ela me disse que à noite vários caminhões haviam passado na direção de
Maloyaroslavets, seguidos por carroças puxadas por cavalos, levando os
feridos. Desde então, ninguém havia passado. Despedi-me e segui em
direção a Yukhnov, lamentando profundamente que não houvesse nada que
eu pudesse dizer para confortar aquela mulher ou qualquer outra pessoa do
povo soviético, a quem a guerra trazia tanta dor.
Logo depois de deixarmos Medyn, vários homens do Exército Vermelho,
armados e vestidos com uniformes de blindados, nos detiveram em um
bosque. Um deles disse-nos que não podíamos ir adiante e perguntou de
quem era o carro. Eu me identi quei e perguntei onde cava o seu quartel-
general. Era o quartel-general de uma Brigada de tanques que estava no
bosque, a cerca de 100 metros.
Alegrei-me com o que ouvi e pedi que ele me levasse até lá. No bosque,
um o cial de blindados de estatura mediana e boas maneiras, vestindo
macacão azul e óculos de proteção sobre o capacete, levantou-se do toco de
árvore em que estava sentado. Pareceu-me familiar.
— Coronel Troitsky, comandante da Brigada de Tanques Reserva do
Quartel-General Supremo — disse ele, cumprimentando-me.
Então era ele! Conhecia bem I. I. Troitsky, de Khalkhin Gol.9 Em 1939, ele
havia servido como chefe do Estado-Maior da 1ª Brigada de Tanques. Sob o
comando de Yakovlev, herói da União Soviética, essa brigada derrotara a 23ª
Divisão de Infantaria da Guarda Imperial Japonesa nas proximidades da
colina de Bain-Tsagan.
Depois de uma saudação apressada, pusemos mãos à obra. O coronel
Troitsky me informou que o inimigo ocupara Yukhnov. As unidades
avançadas alemãs haviam tomado a ponte sobre o rio Ugra. Uma unidade de
reconhecimento que Troitsky enviara a Kaluga não havia encontrado
nenhum alemão na cidade, mas informava que não muito longe de Kaluga
estavam ocorrendo combates pesados, nos quais a 5ª Divisão de Fuzileiros
da Guarda10 e os efetivos restantes do XLIII Exército haviam entrado em
ação. Embora a brigada de Troitsky zesse parte da reserva do Quartel-
General Supremo, estava aguardando naquele local havia dois dias, sem
receber instruções de ninguém.
Ordenei que Troitsky enviasse soldados de comunicações ao quartel-
general da Frente Reserva, perto da estação de Obninskoye, para informar a
situação ao marechal Budenny. Parte da brigada teria que ocupar o terreno à
frente de sua posição e instalar barreiras defensivas para proteger os acessos
a Medyn. Também ordenei ao coronel que transmitisse minhas instruções
ao Estado-Maior Geral através do quartel-general da Frente Reserva e lhes
dissesse que eu estava a caminho de Kaluga para me encontrar com a 5ª
Divisão de Fuzileiros da Guarda. Despedimo-nos como dois velhos
camaradas.
Em 9 de outubro, um o cial do Estado-Maior do Quartel-General da
Frente Reserva chegou até mim e entregou uma mensagem telefônica do
marechal Shaposhnikov, chefe do Estado-Maior Geral. Dizia o seguinte: “O
comandante supremo [Stalin] ordena que se dirija para o quartel-general da
Frente Ocidental. O sr. foi nomeado comandante da Frente Ocidental.”
Assim terminou minha viagem de dois dias, como membro do Quartel-
General Supremo, para investigar a situação, por ordem de Stalin.
Na manhã de 10 de outubro, cheguei ao quartel-general da Frente
Ocidental, localizado em Krasnovidovo, 3 ou 4 km a noroeste de Mozhaisk.
Lá encontrei uma comissão especial do Comitê de Defesa do Estado,
formado pelo marechal Kliment Voroshilov, o general A. M. Vasilevsky,
Georgi M. Malenkov e V. M. Molotov. Não sei o que a comissão trazia, mas
o simples fato de ter chegado à Frente Ocidental em um momento de tanta
tensão sugeria que Stalin estava muito preocupado com a perigosa situação
dos acessos a Moscou. Minhas conversas con rmaram isso.
As tropas das Frentes Ocidental, Reserva e de Bryansk haviam sido
forçadas a retroceder penosamente nos primeiros dez dias de outubro.
Depois, cou claro que os comandantes dessas Frentes haviam cometido
graves erros: embora as forças das Frentes Ocidental e Reserva tivessem
mantido suas posições durante aproximadamente um mês e meio, ganhando
tempo para se preparar adequadamente antes de o inimigo iniciar a
ofensiva, as medidas necessárias não haviam sido tomadas. As Frentes
haviam sido incapazes de determinar, por meio de missões de
reconhecimento, qual a escala e a direção do ataque que o inimigo
preparava, mesmo quando o Quartel-General Supremo as alertou sobre a
concentração de numerosas tropas alemãs. Embora a ofensiva inimiga fosse
esperada, os setores ameaçados não receberam melhores defesas em
profundidade, especialmente barreiras antitanque. Nada foi feito para
extrair reservas das Frentes e organizar ataques aéreos e de artilharia contra
as áreas onde a maior parte das forças inimigas se concentrava para lançar
sua ofensiva. Quando o inimigo chegou perto de Viazma, o comando nada
fez para remover dali as tropas que corriam o risco de ser cercadas. Como
consequência de tudo isso, o XVI, o XIX, o XX, o XXIV e o XXXII Exércitos
foram capturados.
Depois de conversar com membros da comissão, pedi para falar com o
comandante supremo. Fui à sala de comunicações. O próprio Stalin
informou-me que me nomearia comandante da Frente Ocidental,
perguntando se eu tinha alguma objeção. Respondi que não. Ficou claro que
Stalin pretendia substituir todo o comando da Frente, o que, na minha
opinião, não era a melhor solução. Stalin concordou em deixar Konev como
subcomandante e con ar a ele o comando das forças que protegiam os
acessos a Kalinin. Esta área cava longe demais do quartel-general da Frente
e exigia atenção especial. Fui informado de que a Frente Ocidental
incorporaria o que restava da Frente Reserva. As tropas já estavam na linha
defensiva de Mozhaisk, e as reservas do Quartel-General Supremo estavam
sendo enviadas para reforçar essa linha.
— Recomponha a Frente Ocidental e entre em ação o mais rapidamente
possível — disse Stalin.
— Começarei a trabalhar imediatamente — respondi —, mas devo pedir-
lhe que comece a movimentar grandes reservas de tropas. A ofensiva
inimiga contra Moscou pode aumentar de intensidade proximamente.

1
O general Heinz Guderian foi um dos maiores defensores das forças mecanizadas. Em 1937, pubicou
Achtung Panzer, propondo a construção de uma força blindada importante. Esta força, que ele mesmo
comandaria, foi decisiva na campanha da França em 1940. Na verdade, Guderian defendia o binômio
blindado/avião, particulamente adaptado à guerra-relâmpago e à ofensiva. Combateu também na
Polônia e na Rússia, e foi o último chefe do Estado-Maior Geral do Alto Comando do Exército no
Terceiro Reich. [N.E.]
2
O Comitê de Defesa do Estado (GKO, em russo) foi um órgão extraordinário, criado uma semana
depois da invasão alemã, que centralizou o poder estatal na União Soviética durante a guerra. Foi uma
espécie de “gabinete de guerra”, presidido por Stalin. [N.E.]
3
As Frentes eram geralmente formadas por 5 Exércitos, com apoio de uma ou mais forças aéreas,
artilharia especial e formações blindadas. Uma Frente ativada abrangia mais de 1 milhão de homens.
Normalmente se estendia a 125 a 150 milhas de largura e a 250 milhas de profundidade, se incluirmos
as zonas de retaguarda das operações. O tenente-general Zlobin escreveu: “Na estratégia soviética, a
palavra Frente é usada para designar não somente a zona de desdobramento das tropas e a linha de
batalha em um teatro de operações, mas também é considerada como uma organização operacional
distinta, que reúne um grupo de Exércitos num teatro de guerra. Tal combinação operacional consiste
de alguns Exércitos de campanha, com tropas móveis e aviões de caça. Ela conduz operações
independentes, mas frequentemente age em articulação com outras Frentes.” Esta observação é
complementada pela do major-general Subbotin: “A Grande Guerra demonstrou que o papel da
Frente (Grupo de Exércitos) e do Exército, como o conjunto maior de combinação de tropas, nas
condições da guerra moderna, mudou muito. Agora, somente as forças combinadas de várias Frentes,
unidas sob a direção de um Alto Comando, executam operações de caráter estratégico. [...] O
Exército, agindo como elemento da Frente, tornou-se uma formação tático-operacional.” [N.E.]
4
União Soviética e Japão só assinaram um pacto de neutralidade em 13 de abril de 1941, cerca de dois
meses antes da invasão alemã. [N.E.]
5
Boris Shaposhnikov (1882-1945) graduou-se na Academia Militar em 1910 e era coronel do Exército
Imperial em 1917, quando aderiu à Revolução. Foi o principal formulador da estratégia militar do
Exército Vermelho durante a Guerra Civil e um brilhante chefe do Estado-Maior durante parte da
Segunda Guerra Mundial. Gravemente doente, foi substituído em 1942 por seu ex-aluno Serguei
Júkov. [N.E.]
6
A ofensiva do Exército Vermelho contra Yelnya ocorreu entre 30 de agosto e 8 de setembro de 1941 e
foi parte da Batalha de Smolensky. A Wehrmacht tinha estendido um saliente de 50 km que serviria
de apoio a uma ofensiva contra Viazma e, depois, Moscou, mas foi forçada a se retirar com grandes
perdas. Foi a primeira derrota signi cativa das tropas alemãs em território soviético. [N.E.]
7
Assim como Júkov, Ivan Konev também começou sua carreira militar como soldado do Exército
Imperial, quando ingressou no Partido Comunista e no Exército Vermelho, participando da Guerra
Civil sob comando do futuro general Voroshilov. Foi membro do Comitê Central do Partido. Foi o
o cial soviético mais graduado que estava presente na junção dos Exércitos soviético e norte-
americano em 1945. Recebeu a medalha de Herói da União Soviética por sua participação na Segunda
Guerra Mundial. [N.E.]
8
No jargão militar soviético, “direção” era a designação para um setor ativo da frente. [N.E.]
9
As Batalhas de Khalkhin Gol, travadas entre 11 de maio e 16 de setembro de 1939, foram as
campanhas militares que decidiram o con ito entre a União Soviética e o Japão na Mongólia. Júkov
comandou as forças soviéticas vitoriosas. [N.E.]
10
O título honorário de “Guarda” foi concedido, por heroísmo e coragem coletivos, a unidades
inteiras das forças soviéticas, incluindo Exército, Marinha e Aeronáutica. [N.E.]
II

Analisei a situação com Konev e com o general V. D. Sokolovsky, chefe do


Estado-Maior da Frente Ocidental. Decidimos transferir o quartel-general
da Frente para Alabino. Konev deveria reunir um grupo de o ciais e um
grupo de comando para coordenar as operações no setor de Kalinin.
Bulganin e eu deveríamos avançar na direção de Mozhaisk para, naquele
local, consultar o coronel S. I. Bogdanov, comandante da área forti cada de
Mozhaisk.
O quartel-general dessa área, onde chegamos na tarde de 10 de outubro,
estava localizado na Casa do Povo da cidade. Ouvíamos claramente, ao
longe, o fogo da artilharia e as detonações das bombas. O coronel Bogdanov
informou-nos que nas estradas de acesso a Borodino estavam ocorrendo
combates entre unidades mecanizadas e blindadas do inimigo e a 32ª
Divisão de Fuzileiros, apoiada por artilharia e por uma Brigada de tanques.
A Divisão estava sob o comando do experiente coronel V. I. Polosukhin.
Instruímos Bogdanov a resistir a qualquer custo e retornamos ao quartel-
general da Frente em Alabino. Ali, vimos que estavam em curso preparativos
para estabelecer uma sólida zona defensiva sobre uma linha que corria por
Volokolamsk, Mozhaisk, Maloyaroslavets e Kaluga. Era preciso equipá-la e
acumular reservas.
A linha de Mozhaisk tinha vantagens táticas evidentes. Estava protegida
pelos rios Lama, Moskva, Kolocha, Luzha e Sukhodrev, cujas margens
escarpadas representavam e cazes obstáculos antitanques. Na retaguarda da
linha de Mozhaisk havia uma densa rede de estradas e ferrovias, que oferecia
boas possibilidades para movimentarmos as tropas. A área era adequada
para a criação de sucessivas linhas defensivas interiores, que ofereceriam ao
inimigo uma oposição cada vez mais ampla.
Tínhamos poucas forças ao longo dos 220 km da linha de Mozhaisk. Este
era um grande problema. Em 10 de outubro, essas forças consistiam em
quatro Divisões de fuzis e de cadetes dos centros de formação de artilharia e
treinamento político-militar de Moscou, da Escola Militar batizada em
homenagem ao Soviete Supremo, da Escola de Metralhadoras e Artilharia de
Podolsk, 3 regimentos de fuzileiros da reserva e 5 batalhões de
metralhadoras. A linha era defendida por um total de 45 batalhões, em vez
dos 150 para os quais havia sido concebida. Isso signi cava uma densidade
muito baixa de tropas, com a média de um batalhão para cerca de 5 km de
frente. A estrada que levava a Moscou não estava completamente
guarnecida.
O Comando Supremo adotou medidas de emergência para afastar o
perigo que ameaçava a capital. Em 9 de outubro, o nome da zona defensiva
de Mozhaisk foi alterado para Frente Reserva de Moscou, sob o comando do
tenente-general P. A. Artemyev, com K. F. Telegin como comissário político
e o major-general A. I. Kudryashov como chefe do Estado-Maior. O
Comando Supremo reforçou-o com 5 batalhões de metralhadoras, 10
regimentos de artilharia antitanque e 5 brigadas de tanques, todos recém-
criados.
Em 11 de outubro, todas as forças da linha de Mozhaisk se haviam
fundido para formar o V Exército, sob o comando do major-general D. D.
Lelyushenko. Essa zona defensiva também foi reforçada pelas unidades em
retirada das Frentes Ocidental e Reserva, as unidades da ala direita da Frente
Ocidental, as Frentes Noroeste e Sudoeste, além de outras forças de reserva
do distante coração do país. Toda a nação, lhos e lhas de todas as
repúblicas da União, haviam atendido ao chamado do Partido e do governo
para defender Moscou.
Esperava-se que o comando da Frente Ocidental garantisse a disposição
adequada das tropas e dos equipamentos recém-chegados, sem desperdiçar
um minuto, a m de construir uma sólida linha defensiva em todos os
setores ameaçados. Ela deveria acumular reservas que pudessem ser
movimentadas rapidamente para os pontos mais vulneráveis.
Todos trabalhavam dia e noite. As pessoas, literalmente, desmoronavam
por fadiga e falta de sono, mas todos davam o melhor em seu posto. Às
vezes, faziam o impossível. Movidos pelo sentimento de responsabilidade
pessoal pelo destino de Moscou e da pátria, generais, subo ciais e
comissários políticos de todos os níveis exibiam uma energia e um
compromisso sem precedentes para tentar organizar as tarefas de
reconhecimento terrestre e aéreo, o controle rígido das forças e um uxo
contínuo de abastecimento, além de promover o trabalho político e
partidário para elevar o moral das tropas e insu ar em cada soldado a
con ança em suas próprias forças e na ideia de que o inimigo seria
derrotado nas vias de acesso a Moscou.
Por ordem do Quartel-General Supremo, que entrou em vigor às 23:00h
de 12 de outubro, todas as unidades e instâncias militares da Frente Reserva
de Moscou se incorporaram à Frente Ocidental renovada. Enquanto isso, a
situação militar tornava-se cada vez mais crítica. Isso re ete-se no relatório a
seguir, preparado em 12 de outubro pelo Conselho Militar da Frente e
endereçado ao Quartel-General Supremo:
O inimigo, com 2 Divisões Panzer, 1 Divisão motorizada e pelo menos
3 Divisões de infantaria, tomou Sychevka e Zubstov e continua a
avançar em direção a Kalinin.
As unidades avançadas de uma das Divisões Panzer, em movimento na
direção de Kalinin, atingiram às 9:35h de 12 de outubro um ponto
localizado a 25 km ao sul de Staritsa.
As seguintes ordens foram dadas:
1. Os comandantes do XXII e XXV Exércitos enviarão imediatamente
um regimento cada um para a zona leste de Staritsa, com canhões
antitanques montados sobre caminhões, para cobrir as vias de acesso a
Kalinin.
2. A 174ª Divisão de Fuzileiros, que se encontrava nas vias de acesso a
Rzhev, está sendo deslocada para Staritsa.
3. Foram dadas instruções ao comandante do XXII Exército para que
retire da linha de frente a 256ª Divisão de Fuzileiros e a envie em
marcha acelerada para Kalinin, tendo em vista defender a cidade a
partir do Sul.
4. Foi ordenado ao comandante da guarnição de Kalinin que posicione
destacamentos ao longo da linha Boriskovo-Pokrovskoye.
A defesa de Kalinin só pode ser garantida com o rápido envio para a
região de pelo menos uma Divisão de fuzileiros e uma Brigada de
tanques. A Frente não pode dispensar nenhuma delas.
Pedimos autorização para enviar essa Divisão rapidamente a Kalinin,
procedente das reservas do Comando Supremo.
As vias de acesso a Volokolamsk, cujas defesas são absolutamente
insu cientes, estão na mesma situação. Esta Frente não pode destinar
outras forças a esse setor.
Também é necessário enviar, no mínimo, 1 Divisão para essa área, com
urgência.
Em meados de outubro, os recém-constituídos XVI, V, XLIII e XLIX
Exércitos tinham um total de 90 mil homens, tropas que estavam longe de
ser adequadas para guarnecer uma linha defensiva ininterrupta. Assim,
decidimos concentrá-las nos principais setores: Volokolamsk, Istra,
Mozhaisk e Maloyaroslavets, além do setor de Podolsk e Kaluga. A maior
parte das forças de artilharia e antitanque também concentraram-se nessas
áreas.
Em 13 de outubro, as vias de acesso a Volokolamsk foram con adas ao
XVI Exército, sob o comando do general Konstantin K. Rokossovsky, de A.
A. Lobachev e de M. S. Malinin. Era formado por forças da área forti cada
de Volokolamsk e unidades recém-chegadas. O V Exército, sob o comando
do general Govorov, era formado por tropas da área forti cada de Mozhaisk,
pela 32ª Divisão de Fuzileiros do coronel Polosukhin e por unidades recém-
chegadas. O XLIII Exército estava sob o comando do major-general K. D.
Golubev e consistia em tropas da área forti cada de Maloyaroslavets. O
XLIX Exército era comandado pelo tenente-general I. G. Zakharkin e
abrangia a área forti cada de Kaluga.
Todos eram comandantes experientes, que conheciam seu ofício. Com as
forças que lhes haviam sido con adas, esperava-se que zessem o possível
para manter o inimigo longe da capital. Quero mencionar também o
trabalho e caz do Estado-Maior Geral da Frente, sob o comando do general
Sokolovsky, atualmente marechal, e a energia com que o major-general N. D.
Psurtserv, chefe das tropas de comunicação da Frente (atualmente, ministro
das Comunicações), garantiu a estabilidade das comunicações em todos os
setores.
Por trás do primeiro escalão da Frente Ocidental, estavam em andamento
extensos trabalhos de engenharia para garantir uma defesa em profundidade
e instalar barreiras antitanque em todos os setores potencialmente expostos
a ataques de blindados. Os principais setores também estavam respaldados
por reservas. O quartel-general da Frente foi transferido de Alabino para
Perkhushkovo, que tinha conexão telefônica e telegrá ca com todas as
unidades terrestres e aéreas. O quartel-general também tinha uma linha
direta, por cabo, com o Estado-Maior Geral e o Quartel-General Supremo.
O uxo de suprimentos foi organizado apressadamente, bem como o uxo
de instalações médicas e outros serviços de retaguarda. Tudo isso formou a
nova Frente Ocidental, encarregada de repelir o ataque a Moscou pelas
forças fascistas alemãs.
O Partido Comunista expôs ao povo soviético a gravidade da situação e a
ameaça iminente que pesava sobre Moscou. O Comitê Central apelou a
todos os cidadãos para que travassem uma batalha determinada contra a
apatia e o pânico e cumprissem honrosamente o dever para com a terra
natal, impedindo que o inimigo entrasse na capital.
Em meados de outubro, o mais importante para nós era ganhar tempo
para preparar a defesa. Avaliando-se sob este ponto de vista as operações de
algumas seções do XIX, XVI, XX, XXIV e XXXII Exércitos e do
agrupamento de Boldin, cercado a oeste de Viazma, é preciso reconhecer as
lutas heroicas dessas unidades. Embora isoladas na retaguarda do inimigo,
não se renderam. Continuaram combatendo bravamente, rompendo as
linhas inimigas para se encontrarem com o corpo principal das tropas do
Exército Vermelho. Essa junção permitiu-nos conter grandes formações
inimigas, que de outra forma teriam avançado sobre Moscou. O comando
da Frente e do Quartel-General Supremo apoiaram as tropas cercadas,
bombardeando unidades alemãs e fazendo remessas aéreas de alimentos e
de munições. Mas a escassez de efetivos e de armamento tornou impossível
que algo mais pudesse ser feito, naquele momento, pelas forças cercadas.
Em duas ocasiões, nos dias 10 e 12 de outubro, enviamos por rádio
mensagens codi cadas sobre o inimigo aos comandantes de Exército das
tropas cercadas, com informações e a proposta de romper o cerco sob o
comando global do general M. F. Lukin, comandante do XIX Exército.
Solicitamos aos comandantes que transmitissem um plano para essa
tentativa de romper o cerco e indicassem o setor em que o apoio aéreo
deveria se concentrar. Não recebemos resposta às nossas mensagens, que
chegaram tarde demais. Aparentemente, não havia mais controle global dos
Exércitos cercados. As tropas só conseguiam atravessar o cerco em grupos
muito pequenos.
De qualquer forma, a luta tenaz e obstinada das forças isoladas nas
proximidades de Viazma paralisou unidades importantes do inimigo
durante os dias mais críticos. Ganhamos um tempo precioso para organizar
nossas defesas ao longo da linha de Mozhaisk. O sacrifício feito pelas tropas
cercadas não foi em vão. Ainda não se escreveu um relato completo de sua
luta heroica, que ofereceu uma contribuição tão importante à defesa da
capital.
Em 13 de outubro, nossas forças abandonaram Kaluga, sob ataque. Nesse
dia, foram travados combates pesados em todos os setores, quando o
inimigo lançou numerosas forças motorizadas na direção de Moscou. De
acordo com os serviços de inteligência da Frente, em 15 de outubro
entraram em ação 50 tanques na área de Turginovo, 100 na de Lotoshino,
100 na de Vlakarovo e Karagatovo, 50 na de Borovsk e 40 na de Borodino.
Em vista da crescente ameaça que pairava sobre Moscou, o Comitê
Central do Partido Comunista e o Comitê de Defesa do Estado decidiram
evacuar para Kuibyshev uma série de organismos do Partido e do governo,
bem como todo o corpo diplomático e os bens mais valiosos do Estado. A
evacuação começou na noite de 15 para 16 de outubro. No geral, os
moscovitas reagiram a essas medidas com total compreensão. Porém, como
se costuma dizer, em todas as famílias há ovelhas negras. Também havia
covardes que se dedicavam a semear o pânico e egoístas que começaram a
fugir da capital em todas as direções, espalhando rumores precipitados
sobre uma rendição inevitável. Com o objetivo de mobilizar as tropas e a
população civil de Moscou para repelir o inimigo, bem como de impedir a
reincidência do pânico causado em 16 de outubro por indivíduos dedicados
à provocação, em 19 de outubro o Comitê de Defesa do Estado declarou
estado de sítio em Moscou e nos arredores.
A linha defensiva traçada entre Volokolamsk, Mozhaisk, Maloyaroslavets
e Serpukhov ainda estava guarnecida por forças débeis. O inimigo havia
aberto brechas em vários lugares. Para impedir que ele penetrasse na direção
de Moscou, o Conselho Militar da Frente decidiu estabelecer uma nova
linha defensiva a partir de Novo-Zavidosky através de Klin, dos depósitos de
Istra, das cidades de Istra, Zhavoronki, Krasnaya Pakhra e Serpukhov, até
Aleksin.
Dada a relevância dessa decisão, quero citar na íntegra o plano para a
retirada dos Exércitos da Frente Ocidental da linha de Mozhaisk. O plano,
aprovado por Stalin em 19 de outubro, continha as seguintes disposições:
1. Caso não seja possível deter a ofensiva do inimigo na linha de
Mozhaisk, enquanto a retaguarda continuar a oferecer resistência contra
o avanço do inimigo, os Exércitos da Frente retirarão suas forças
principais, especialmente sua artilharia, para uma nova linha de defesa
ao longo de Novo-Zavidovsky, Klin, reservatório de Istra, Istra,
Zhavoronki, Krasnaya Pakhra e Serpukhov até Aleksin. A retirada deve
receber apoio aéreo.
2. Dependendo da posição dos Exércitos na nova linha defensiva,
uma retaguarda bem abastecida de canhões antitanque e equipada com
forças motorizadas para realizar breves contra-ataques deve conter o
inimigo pelo maior tempo possível ao longo de uma linha intermediária
composta por Kozlovo, Gologuzovo, Yelgozino, Novo-Petrovskoye,
Kolyubakovo, Naro-Fominsk, Tarutino, Chernaya Gryaz e o rio Protva.
3. Os Exércitos se retirarão para o interior das suas atuais fronteiras
laterais, com exceção do XVI e do V Exércitos. Os novos limites entre
eles serão xados nos pontos de Zagorsk, lksha, Povarovo e
Tarkhanovo, todos em território do XVI Exército.
4. Os escalões da retaguarda dos Exércitos deverão retirar-se para o
leste, no interior de suas fronteiras, e suas posições de retaguarda terão
que cercar Moscou e o centro de transportes de Moscou. As forças da
retaguarda do V Exército se retirarão para o norte de Khimki e
Mytishchi e as do XXXIII Exército para o sul de Peredelkino e
Lyubertsy. Nenhuma carroça puxada a cavalo e nenhum caminhão
poderão atravessar a cidade de Moscou ou seu centro de transportes.
Isso exigirá controles de tráfego rigorosos e oportunos por parte do V e
do XXXIII Exércitos, com planejamento prévio das rotas de marcha. Os
escalões de retaguarda não essenciais devem retirar-se previamente.
5. Caso o V Exército seja incapaz de manter a linha principal que
atravessa Istra, Pavlovskaya Sloboda e Zhavoronki, não deverá retirar-se
até o anel forti cado em torno de Moscou, mas sim para o nordeste, ao
norte de Khimki e no anco esquerdo, para a posição defendida pelas
unidades do XXXIII Exército no sul de Peredelkino e Lyubertsy, de
modo que essas unidades possam se deslocar para a reserva do V
Exército, em torno da área forti cada de Moscou pelo sudeste e pelo
leste em direção à área de Pushkino.
6. O V Exército deverá se estabelecer na estação ferroviária de
Pushkino, e o XXXIII Exército em Ramenskoye. O XVI, o XLIII e o
XLIX Exércitos deverão se estabelecer nas estações de abastecimento,
sem sair de seus limites.
7. Para garantir a retirada planejada, os entroncamentos de Novo-
Petrovskoye, Kubinka, Naro-Fomins e Vorobyi deverão dotar-se
previamente de defesas antitanque que impeçam a penetração de
Panzers inimigos na retaguarda. Antes da retirada, algumas seções dos
Exércitos também deverão ocupar setores-chave da nova linha
defensiva com unidades de infantaria e, principalmente, destacamentos
de artilharia e corpos de comunicações. No setor do XVI Exército, o
que resta da 126ª Divisão de Fuzileiros ocupará a linha na área de Klin e
Troitskoye; no setor do V Exército, a 110ª ou a 113ª Divisão de
Fuzileiros ocupará a área de Davydkovo e Krasnaya Pakhra; no setor do
XLIII Exército, a 53ª Divisão de Fuzileiros cará posicionada a oeste de
Podolsk e Lopasnya.
8. Durante a retirada, o comando da Frente Ocidental manterá
contato com os diferentes Exércitos através do centro de comunicações
do Comissariado de Defesa Popular de Moscou, enquanto prepara um
novo centro de comunicações e um quartel-general na área de
Orekhovo-Zuyevo ou Likino-Dulevo.
GENERAL JÚKOV, Comandante da Frente Ocidental
BULGANIN, Comissário Político da Frente Ocidental
TENENTE-GENERAL SOKOLOVSKY, Chefe do Estado-Maior da Frente
Ocidental
19 de outubro de 1941
O plano foi comunicado secretamente aos comandantes dos Exércitos,
que a seguir elaboraram seus planos especí cos, seguindo as orientações do
comunicado. Embora a retirada da linha de Mozhaisk tivesse sido aprovada
pelo Comando Supremo, as tropas da Frente Ocidental retrocederam,
engajando-se em intensos combates na tentativa de paralisar o inimigo,
ganhando tempo para posicionar os reforços procedentes da reserva do
Quartel-General Supremo e fortalecer a linha de defesa da retaguarda.
O Conselho Militar da Frente Ocidental fez o seguinte chamamento às
tropas:
Camaradas! Nesta hora de grave perigo para o nosso Estado, a vida de
cada soldado pertence à Pátria. O país exige de cada um de vocês o
máximo esforço, valentia, heroísmo e rmeza. A Pátria convoca-nos a
nos erguermos como um muro indestrutível para repelir as hordas
fascistas e salvar a nossa amada Moscou. O que precisamos agora, mais
do que nunca, é de vigilância, disciplina, organização, ação
determinada, vontade inabalável de vitória e disposição plena para o
sacrifício.
Não acho necessário reconstruir o curso das operações militares, que
foram descritas em detalhes em muitos livros e narrativas históricas. O
resultado das operações defensivas de outubro é bastante conhecido.
Durante um mês de sangrentos combates, as forças alemãs avançaram no
total entre 230 km e 260 km, mas o plano de Hitler para conquistar Moscou
foi interrompido. As forças inimigas estavam esgotadas, e suas unidades de
choque haviam cado excessivamente dispersas. Perdendo a força
constantemente, a ofensiva alemã foi nalmente detida no nal de outubro
por uma linha traçada ao longo de Turginovo, Volokolamsk, Dorokhovo,
Naro-Fominsk, oeste de Serpukhov e Aleksin.
Naquele momento, as tropas da Frente de Kalinin11 haviam estabilizado a
situação em sua área. [Por causa da extensão da Frente Ocidental e do
problema de direcionar forças nas proximidades de Kalinin, o Quartel-
General Supremo decidiu em 17 de outubro fundir o XXII, o XXIX e o XXX
Exércitos na nova Frente de Kalinin, comandada pelo general Konev, com D.
S. Leonov como comissário político, até então comissário de um corpo do
Exército, e o major-general I. I. Ivanov como chefe do Estado-Maior.]
A Frente de Bryansk, que em 30 de outubro já havia retirado suas forças
até a linha formada por Aleksin, Tula, Yefremov e Tim, frustrara os planos
do inimigo de conquistar Tula e avançar em direção a Yelets e Voronezh.
Não é possível citar todos os heróis que se destacaram na defesa da capital
em outubro de 1941. Não obtiveram a glória militar por suas façanhas em
nome da Pátria somente os soldados individualmente, mas também
unidades inteiras, em todos os setores da Frente. No setor de Volokolamsk,
as tropas executaram uma defesa obstinada e a 316ª Divisão de Fuzileiros,
sob o comando do major-general I. V. Pan lov, recebeu uma distinção
singular. Mais tarde, tornou-se a 8ª Divisão da Guarda. Foi também nesse
setor que um regimento da Academia Militar, sob o comando do coronel S.
I. Mladentsev, lutou heroicamente, com o apoio de 3 regimentos de
artilharia antitanque.
A brigada blindada de M. Ye. Katukov, que havia se juntado ao XVI
Exército, exibiu uma bravura incomparável. Por causa de seus heroicos
combates de outubro em Orel e Mtsenks, essa unidade, então chamada 4ª
Brigada de Tanques, recebeu a grande honra de ser rebatizada como 1ª
Brigada de Tanques da Guarda. Seu comandante foi condecorado com a
Ordem de Lenin e promovido a major-general das forças blindadas. Em
novembro, esses operadores de tanques elevaram ainda mais sua reputação
com novos feitos. Durante os cinco dias de ações defensivas no setor de
Volokolamsk, emboscaram e destruíram mais de 30 tanques inimigos.
Uma das melhores unidades do setor de Mozhaisk foi a 32ª Divisão de
Fuzileiros, sob o comando do coronel Polosukhin. Quase 130 anos após a
campanha de Napoleão, essa Divisão voltou a combater um inimigo no
campo de Borodino, o sagrado campo de batalha nacional que se havia
convertido em um monumento imortal à glória militar russa.12 A Divisão
não fez nada que ofuscasse essa glória. Ao contrário, tornou seu brilho ainda
maior.
Nas vias de acesso a Maloyaroslavets, a 312ª Divisão de Fuzileiros e os
cadetes das Academias de Infantaria e Artilharia de Podolsk enfrentaram
uma batalha heroica. A área de Medyn foi defendida até a morte pelos
operadores de tanques do coronel Troitsky, que já mencionei. Em torno da
cidade antiga de Borovsk, os soldados e o ciais da Divisão de Fuzileiros e a
151ª Brigada Motorizada de Fuzileiros acrescentaram glória a seus
estandartes. Os homens do 127º Batalhão de Tanques lutaram ao lado deles,
ombro a ombro, para repelir o inimigo.
Os heroicos defensores da cidade de Tula escreveram episódios brilhantes
na crônica daqueles dias difíceis. Infelizmente, essa vertente da defesa ainda
não foi re etida adequadamente nas histórias de guerra soviéticas. Mas seria
difícil exagerar o papel que a defesa de Tula desempenhou na Batalha de
Moscou. A cidade foi defendida por destacamentos de trabalhadores
armados e unidades do XV Exército. Os regimentos de trabalhadores de
Tula, sob o comando de A. P. Goshkov, como comandante, e G. A. Ageyev,
como comissário político, demonstraram singular tenacidade e bravura. Os
regimentos sofreram grande número de baixas, mas não permitiram que o
inimigo entrasse na cidade. Os trabalhadores de Tula também não
desanimaram quando o inimigo praticamente fechou o cerco à cidade.
Continuaram a lutar até o m, ao lado das tropas do L Exército,
demonstrando alto grau de organização, rmeza e valentia. E resistiram.
Até 10 de novembro de 1941, Tula fazia parte do território da Frente de
Bryansk. As forças alemãs avançaram no território depois de tomar Orel.
Além das unidades de retaguarda do L Exército, não havia forças em Tula
capazes de defender a cidade. Na segunda quinzena de outubro, 3 Divisões
de fuzileiros haviam se retirado para aquela área, destroçadas, com
pouquíssimos sobreviventes. Um regimento de artilharia havia sido
reduzido a 4 canhões. As unidades estavam esgotadas. Precisavam de
equipamentos completamente novos, que não estavam disponíveis nos
depósitos da retaguarda. Os trabalhadores de Tula, sob a liderança das
organizações do Partido, trabalhavam dia e noite, costurando uniformes,
consertando materiais e reparando armamento para devolver capacidade de
combate a essas unidades.
O comitê de defesa de Tula, presidido por Vasily Gavrilovich
Zhavoronkov, secretário-regional do Partido, também conseguiu reunir e
armar um regimento de trabalhadores de 600 homens em pouco tempo.
Esse regimento guarneceu as vias de acesso à cidade nos arredores de
Kosaya Gora, ao lado das unidades do L Exército. O general V. S. Popov,
comandante do setor de Tula, reorganizou de improviso um regimento
antiaéreo para fazer a defesa antitanque.
Tula repeliu um ataque lançado pelo Exército de tanques de Guderian em
30 de outubro. O comandante alemão pretendia arrasar Tula (como zera
com Orel) e cercar Moscou pelo sul. Mas as unidades do setor de Tula,
incluindo o regimento de trabalhadores locais, combateram o inimigo com
bravura fabulosa, usando granadas e garrafas de gasolina para incendiar os
tanques invasores. Depois que o L Exército foi transferido para a Frente
Ocidental, obteve considerável reforço com os efetivos e o armamento
disponíveis para essa Frente.
Apesar dos seus esforços, o inimigo não conseguiu em novembro tomar
Tula e abrir caminho para Moscou a partir do sul. A cidade resistia como
uma fortaleza invulnerável. Tula imobilizou todo o anco direito das forças
alemãs. Quando o inimigo nalmente decidiu, em última instância,
contornar a cidade, o Exército de Guderian foi forçado a dividir suas forças,
perdendo a e cácia operacional que a concentração tática lhe
proporcionava. Por essa razão, Tula e seus cidadãos desempenharam um
papel tão marcante na defesa de Moscou.
Tula, antiga cidade de fábricas de canhões russos, tornou-se um
inexpugnável posto avançado da capital, graças à solidariedade e à
capacidade de sacrifício de seus cidadãos, que combateram diretamente ou
ajudaram nossos soldados de todas as maneiras imagináveis. Acho que não
me enganarei muito se disser que a glória concedida a Moscou como cidade
heroica também pertence a Tula e sua população.
Quando aqui falamos de façanhas heroicas, obviamente não estamos
pensando apenas em nossos soldados, comandantes e comissários políticos.
O que aconteceu na Frente em outubro e nas batalhas subsequentes foi
possível graças ao esforço comum e unido das tropas soviéticas e do povo de
Moscou e arredores, apoiado unanimemente por toda a Nação.
O amplo espectro de atividades para a organização da cidade de Moscou e
sua área metropolitana, realizado pelo Partido para concentrar a população
trabalhadora na defesa da capital, assumiu a forma de uma epopeia heroica.
Os apelos corajosos do Comitê Central e das organizações locais e regionais
do Partido despertaram uma profunda reação no coração de todos os
moscovitas, todos os soldados e todo o povo soviético. A população
trabalhadora de Moscou prometeu lutar até o m com os soldados, em vez
de permitir que o inimigo penetrasse na capital. E cumpriu honrosamente a
promessa.
Durante os meses de outubro e novembro, a população trabalhadora de
Moscou forneceu 5 Divisões de voluntários para apoiar a Frente. Sua
contribuição total desde o início da guerra havia chegado a 17 Divisões.
Além dessas divisões de milícias populares, os moscovitas criaram e
armaram centenas de unidades de combate e destacamentos especializados
em destruir tanques. Em 13 de outubro, os membros do Partido na capital
decidiram formar batalhões de trabalhadores em todos os distritos da
cidade. Em poucos dias, Moscou reuniu 25 companhias e batalhões, com
um total de 12 mil homens, a maioria dos quais membros do Partido ou da
Juventude Comunista. Outros 100 mil trabalhadores receberam treinamento
militar e logo se uniram às unidades militares. Cerca de 17 mil meninas e
mulheres receberam treinamento como enfermeiras e auxiliares de saúde.
Aqueles que ocupavam cargos civis em tempos de paz — trabalhadores
comuns, engenheiros, técnicos, professores e artistas — tinham, é claro,
pouco conhecimento militar. Tinham muito a aprender, mesmo durante as
batalhas. Mas todos se distinguiram pelas mesmas características:
patriotismo, determinação e con ança na vitória nal. Não por acaso, essas
unidades voluntárias se tornaram excelentes forças de reserva depois de
ganharem alguma experiência militar. Tendo formado muitas unidades de
esquiadores e de reconhecimento, os moscovitas lutavam a guerra de
guerrilhas.
Nunca poderemos esquecer a contribuição dos habitantes da capital, que
com as próprias mãos construíram linhas forti cadas para a defesa. Mais de
meio milhão de habitantes da cidade e da província de Moscou, a maioria
mulheres, ergueram forti cações nas estradas de acesso imediatas e mais
remotas da cidade.
Desde a guerra, muito se falou sobre as frequentes alusões, por parte dos
generais de Hitler e de historiadores burgueses, à lama, ao frio e às estradas
soviéticas intransitáveis. Essas versões já foram su cientemente
desacreditadas, mas eu gostaria de remeter o leitor mais uma vez ao que
Kurt Tippelskirch disse sobre isso em sua History of the Second World War:
“Tornou-se impossível avançar nas estradas, onde a lama grudava nas botas,
nos cascos dos animais e nas rodas dos carros e veículos motorizados. A
ofensiva cou empacada.”
Isso signi ca que os generais nazistas realmente esperavam avançar com
facilidade até Moscou, ir além da cidade, em estradas suaves e sem buracos?
Nesse caso, pior para eles e para as forças alemãs que, segundo Tippelskirch,
foram detidas nas estradas de acesso a Moscou por causa da lama. Naqueles
dias, vi milhares e milhares de mulheres moscovitas, que não estavam
acostumadas a trabalhos pesados e haviam abandonado seus modestos
apartamentos na cidade, trabalhando nessas mesmas estradas intransitáveis,
naquela mesma lama, cavando valas e trincheiras, levantando barricadas e
obstáculos antitanque e carregando sacos de areia. A lama também grudava
nas suas botas e nos carrinhos de mão que usavam para carregar terra, e
acrescentava enorme peso às pás, antes tão incomuns nas mãos das
mulheres. Creio que não faz sentido continuar com essa comparação. Eu
simplesmente acrescentaria, para benefício daqueles que usaram a lama para
camu ar as verdadeiras causas de sua derrota em Moscou, que as estradas
estiveram intransitáveis apenas por um período relativamente curto de
outubro de 1941. No início de novembro o frio chegou, a neve começou a
cair e tanto o terreno como as estradas se tornaram transitáveis. Nos dias de
novembro, os da “ofensiva geral” alemã, a temperatura variou de 7 a 10 graus
negativos. Sabemos que em tais condições não há lama.
Mesmo com esse frio, os moscovitas continuaram a trabalhar nas
forti cações. A construção do anel externo da zona defensiva de Moscou foi
concluída em 25 de novembro. Mais de 100 mil moscovitas, principalmente
mulheres, haviam trabalhado nela, construindo mais de 1,4 mil abrigos para
artilharia, 160 km de valas antitanque, 80 km de cercas triplas de arame
farpado e inúmeras outras barreiras. Sua contribuição para a nossa vitória
comum sobre o inimigo não terminou aí. A capacidade de sacrifício da
população trabalhadora em defesa de sua capital teve um imenso impacto
moral no espírito de combate das tropas, aumentando sua força e vontade de
lutar.
Todos os dias recebíamos relatos de moscovitas que haviam trabalhado
em quase todas as fábricas da capital e nos terrenos de indústrias evacuadas
para fabricar armas e munições para a Frente. A produção relacionada à
defesa continuou não apenas em grandes fábricas, mas também em o cinas
de pequenos artesãos locais e em cooperativas de produção.
Milhares de sentinelas em alerta contra incursões aéreas também
cumpriram sua obrigação dia e noite nos telhados da capital. Mulheres
jovens e adultas trabalharam como voluntárias em hospitais, oferecendo
carinho e atenção aos soldados feridos para restaurar sua saúde. E havia o
prazer proporcionado nas Frentes por cartas, telegramas e pacotes enviados
pelos moscovitas e pela população de toda a Nação. Durante o período da
Batalha de Moscou, as tropas receberam 450 mil pacotes e 700 mil agasalhos
de locais tão distantes quanto a fraterna República Popular da Mongólia, que
enviou até a nossa Frente uma delegação liderada pelo marechal Choibalsan.
Graças aos esforços do Partido Comunista, a Frente e a retaguarda
fundiram-se. Esse foi o fator-chave da nossa vitória em Moscou. Ainda
haveria muitas provas árduas diante de nós. A ofensiva inimiga em outubro
havia fracassado, mas a situação na Frente permanecia extremamente grave.
O espírito de luta das tropas soviéticas e sua con ança de que o inimigo
seria derrotado e expulso de Moscou permaneciam inabaláveis.

11
A Frente de Kalinin foi uma importante formação do Exército Vermelho. Seu nome faz referência a
uma região. Mais tarde reorganizada como Primeira Frente Báltica, ela participou das batalhas que
puseram m ao cerco de Leningrado e da conquista de Königsberg. Durante a guerra, suas perdas
totalizaram 43.551 mortos e desaparecidos, e 125.351 feridos e doentes. [N.E.]
12
A Batalha de Borodino, em 7 de setembro de 1812, foi a maior e mais sangrenta batalha, em apenas
um dia, em todo o período das Guerras Napoleônicas, envolvendo mais de 250 mil homens, com mais
de 70 mil baixas. Napoleão perdeu cerca de 1/3 do seu Exército. Do lado russo, as perdas, igualmente
grandes, puderam ser substituídas no decorrer da campanha por forças de reserva. Assim, Borodino
foi um ponto de in exão, pois representou a última ação ofensiva de Napoleão na Rússia. Ao se
retirar, o Exército russo conservou a sua força de combate, forçando Napoleão a sair do país
posteriormente. [N.E.]
III

Em 1º de novembro, fui chamado ao Quartel-General Supremo, onde Stalin


disse:
— Queremos realizar o des le militar e a manifestação comemorativa da
Revolução de Outubro [7 de novembro]. O que você acha? A situação na
Frente nos permitirá celebrar essas festividades em Moscou?
Informei que o inimigo não estava em condições de lançar uma ofensiva
importante nos dias subsequentes. Ele havia sofrido grandes perdas nos
combates de outubro e agora estava reforçando e reagrupando suas tropas.
Mas suas forças aéreas provavelmente permaneceriam ativas mesmo durante
esse período.
Decidiu-se reforçar a defesa aérea da capital, deslocando esquadrões de
combate adicionais, provenientes de Frentes próximas.13 O tradicional
des le na Praça Vermelha foi realizado e tudo correu perfeitamente. As
unidades militares des lavam diante do Mausoléu de Lenin e seguiam direto
para a frente de combate. Aquele des le de novembro teve enorme
relevância política, dentro e fora do país.
Havia a expectativa de um avanço renovado do inimigo em direção a
Moscou. O Comando Supremo Soviético tomou todas as medidas possíveis
para inviabilizar uma nova ofensiva. Durante a primeira quinzena de
novembro, as tropas da Frente Ocidental continuaram a se reagrupar para
reforçar suas linhas. Às 18:00h de 10 de novembro, o Quartel-General
Supremo transferiu o L Exército e todas as defesas de Tula para a Frente
Ocidental e dissolveu a Frente de Bryansk (seu III e XIII Exércitos foram
transferidos para a Frente Sudoeste). A designação das tropas de defesa de
Tula e do L Exército para a nossa Frente aumentou a nossa linha defensiva,
mas as tropas transferidas estavam muito débeis. No entanto, continuamos a
receber reforços da reserva do Quartel-General Supremo, além de tanques,
armas, munições, equipamentos de comunicações e suprimentos. Nossos
intendentes receberam grande quantidade de jaquetas de couro, botas de
pano, roupas íntimas quentes, coletes acolchoados e gorros de pele. Em
meados de novembro, os soldados tinham roupas de inverno e estavam
muito mais confortáveis do que as tropas inimigas, que se vestiam com
roupas con scadas dos habitantes da região. Muitos soldados nazistas eram
vistos com volumosas botas de palha, improvisadas, que di cultavam
enormemente seus movimentos. Mas todos os relatórios indicavam que o
inimigo estava concluindo o reagrupamento de suas tropas. Podíamos
esperar outra ofensiva em breve.
As novas unidades de infantaria e de blindados procedentes da reserva do
Quartel-General Supremo estavam concentradas nos setores mais
vulneráveis, principalmente em torno de Volokolamsk, Klin e Istra, onde
esperávamos o principal ataque blindado inimigo. O XVI Exército foi
complementado pelas 17ª, 18ª, 20ª, 24ª e 44ª Divisões de Cavalaria do setor
de Volokolamsk e Istra. Forças adicionais também foram deslocadas para
Tula e Serpukhov, onde o II Exército Panzer e o IV Exército de Infantaria
alemães deveriam atacar. Em 9 de novembro, esse anco esquerdo de nossa
Frente foi reforçado pelos corpos de cavalaria do general P. A. Belov, pela
415ª Divisão de Fuzileiros, a 112ª Divisão de Tanques e a 33ª Brigada de
Tanques. Mesmo que a Frente Ocidental tenha recebido reforços
substanciais e mobilizado 6 Exércitos antes de meados de novembro, deve-se
notar que a quantidade de tropas não era signi cativa, especialmente no
centro, porque a linha de frente se estendia por 600 km. Por isso, tentamos
oferecer a melhor proteção para os setores mais vulneráveis, em nossos
ancos, e deixar algumas forças em reserva, para que pudéssemos manobrar
em caso de necessidade. No entanto, uma ordem do comandante supremo
provocou mudanças substanciais em nossos planos em 13 de novembro.
Stalin chamou-me por telefone.
— O que o inimigo está se preparando para fazer? — perguntou.
— Está concluindo os preparativos de seus grupos de choque e
provavelmente começará a ofensiva em breve — respondi.
— Onde você espera o golpe principal?
— Em Volokolamsk e Novo-Petrovskoye, na direção de Klin e Istra. É
provável que o Exército de Guderian tente cercar Tula para dirigir-se a
Venev e Kashira.
— Shaposhnikov e eu acreditamos — continuou Stalin — que devemos
impedir a ofensiva do inimigo com contra-ataques. Um contra-ataque
deveria cercar Volokolamsk ao norte e o outro deveria ser lançado de
Serpukhov contra o anco do IV Exército alemão. Essas parecem ser as
áreas onde as maiores tropas estão se juntando para o avanço contra
Moscou.
— Que forças devemos usar nesses contra-ataques? — perguntei. — A
Frente não dispõe de nada. Temos apenas o su ciente para defender nossas
posições atuais.
— Na área de Volokolamsk, poderiam usar as unidades do anco direito
do Exército de Rokossovsky, a 58ª Divisão de Tanques, um par de Divisões
de cavalaria e os corpos de cavalaria de Dovator. Em Serpukhov, podem ser
usados os corpos de cavalaria de Belov,14 a Divisão de tanques de Getman e
alguns elementos do XIV Exército — Stalin sugeriu.
— Não podemos fazer isso — respondi. — Não podemos usar nossas
últimas reservas em contra-ataques duvidosos. Não teremos nenhum
reforço quando o inimigo atacar.
— Mas você tem 6 Exércitos. Não me diga que não é su ciente.
Respondi que a linha defensiva da Frente Ocidental estava excessivamente
dispersa, estendendo-se por mais de 600 km. Tínhamos poucas reservas em
profundidade, especialmente no centro.
— Decida sobre a questão dos contra-ataques e me informe seu plano
antes de amanhã à noite — disse Stalin.
Insisti que seria um erro usar nossas únicas reservas em contra-ataques e
mencionei o quão desfavorável o terreno estava ao norte de Volokolamsk.
Mas ele já tinha desligado.
A conversa deixou-me abatido. Naturalmente, não porque o comandante
em chefe não tivesse levado em conta a minha opinião. Moscou, que os
soldados haviam jurado defender até a última gota de seu sangue, estava em
perigo de morte e agora recebíamos a ordem de lançar nossas últimas
reservas em contra-ataques extremamente duvidosos. Com essas reservas
esgotadas, seríamos incapazes de reforçar qualquer outro setor enfraquecido
de nossas linhas defensivas.
Quinze minutos depois, Bulganin entrou no meu escritório e disse:
— Eu também acabei de receber uma bronca.
— O que quer dizer?
— Stalin disse: “Você e Júkov parecem estar adquirindo uma opinião
elevada sobre si mesmos. Encontraremos uma forma de cuidar de vocês
também.” Ele ordenou que comecemos a trabalhar nos contra-ataques
imediatamente.
— Certo. Neste caso, é melhor você se sentar. Chamaremos Sokolovsky
[chefe do Estado-Maior] e avisaremos Rokossovsky e Zakharkin
[comandantes do XVI e do XLIX Exércitos].
Duas horas depois, o Quartel-General da Frente deu ordens a
Rokossovsky, Zakharkin e aos demais comandantes para lançar os contra-
ataques e informou o Quartel-General Supremo sobre as medidas tomadas.
Aqueles contra-ataques, realizados principalmente pela cavalaria, não
tiveram nenhum efeito signi cativo, o que não surpreende, pois não tinham
força su ciente para afetar o inimigo. As tropas de contra-ataque sofreram
baixas, e no momento-chave não estavam onde eram mais necessárias.
Uma vez rechaçados os nossos contra-ataques, o inimigo atacou dois dias
depois, em 15 de novembro, golpeando a con uência das Frentes Ocidental
e de Kalinin.
Nosso contra-ataque no setor de Serpukhov havia falhado em atingir seu
objetivo, ainda que para repeli-lo os alemães tivessem recorrido à parte das
reservas destinadas a avançar ao longo da estrada de Varsóvia. Mas quando
o Exército de Guderian começou a cercar Tula e avançar em direção a
Kashira, causando uma situação grave naquele setor, tivemos di culdades
enormes para afastar da batalha os corpos de cavalaria de Belov e a Divisão
de tanques de Getman e transferi-los para a área de Kashira.
Para a segunda fase da ofensiva contra Moscou, o comando alemão havia
providenciado novas forças. Em 15 de novembro, enfrentou a Frente
Ocidental com 51 divisões — 31 de infantaria, 13 de tanques e 7
motorizadas —, todas totalmente equipadas com efetivos, blindados e
artilharia. Nos setores de Volokolamsk-Klin e Istra, o inimigo concentrou os
3º e 4º grupos Panzer, compostos por 7 Divisões de Tanques, 3 Divisões
motorizadas e 3 Divisões de Infantaria, apoiados por mais de 1,9 mil
canhões e um poderoso grupo aéreo. No setor de Kashira, as forças de
choque inimigas consistiam no II Exército Panzer (4 Divisões Panzer, 3
Divisões motorizadas, 5 Divisões de Infantaria, 1 Brigada de Infantaria e o
Regimento de Infantaria Motorizada SS “Grossdeutschland”). Também
recebia o apoio de um poderoso grupo aéreo. O IV Exército de Infantaria
alemão, composto por 18 Divisões de Infantaria, 2 Divisões Panzer, 1
Divisão motorizada e 1 Divisão de segurança, foi lançado contra os setores
de Zvenigorod, Kubinka, Naro-Fominsk, Podolsk e Serpukhov. Esse Exército
tinha ordens para atacar as tropas defensivas da Frente Ocidental,
enfraquecê-las e então lançar um ataque contra o centro da Frente, na
direção de Moscou.
De acordo com o plano de operações alemão, cujo codinome era Tufão, a
segunda fase da ofensiva contra Moscou começaria em 15 de novembro com
um ataque ao anco direito do XIII Exército da Frente de Kalinin, que era
relativamente fraco ao sul do chamado “mar de Moscou”, o grande
reservatório de água represada no rio Volga. Ao mesmo tempo, o inimigo
atacou as tropas da Frente Ocidental no setor ao sul do rio Shosha, no anco
direito do XVI Exército. Um ataque complementar contra o XVI Exército foi
lançado próximo de Téryayeva Sloboda.
As defesas do XXX Exército cederam quando o inimigo lançou mais de
300 Panzers contra os seus 56 tanques leves. Na manhã de 16 de novembro,
o inimigo começou a direcionar seu ataque para Klin. Não tínhamos
reservas nesse setor porque o Quartel-General Supremo havia ordenado que
elas contra-atacassem no setor de Volokolamsk, onde ainda estavam retidas
pelo inimigo. Nesse mesmo dia, os alemães também atacaram em
Volokolamsk. Intensos combates foram travados quando 2 Divisões de
tanques e outras 2 de Infantaria avançaram em direção a Istra. Entre as
forças soviéticas que se destacaram no combate estavam a 316ª, 78ª e 18ª
Divisões de Fuzileiros, a 1ª Divisão da Guarda, a 23ª, 27ª e 28ª Brigadas
Independentes de Tanques e o agrupamento de cavalaria do major-general
L. M. Dovator. Em seu avanço em direção a Istra, o inimigo também lançou
mais de 400 blindados de tamanho médio contra nossos 150 tanques leves.
Em 17 de novembro, às 11:00h, o Comando Supremo ordenou a
transferência do XXX Exército da Frente de Kalinin para a Frente Ocidental.
Isso signi cava que a linha defensiva da Frente Ocidental seria ainda mais
expandida, chegando ao “mar de Moscou”. O Quartel-General Supremo
também retirou o major-general V. A. Khomenko do comando do XXX
Exército e o substituiu pelo general Lelyushenko.
Os combates travados de 16 a 18 de novembro foram uma experiência
difícil para nós. Na tentativa de penetrar em Moscou com suas cunhas
blindadas, o inimigo avançou sem se importar com baixas. Mas a
profundidade de nossas defesas, com sua artilharia e suas posições
antitanque bem dispostas, e suas operações bem coordenadas, frustrou seus
planos. Havia milhares de cadáveres alemães espalhados pelo campo de
batalha, e em nenhum momento o inimigo foi capaz de ultrapassar nossas
linhas. O XVI Exército retirou-se lentamente e de maneira absolutamente
ordenada para posições de artilharia previamente preparadas, onde suas
unidades renovaram sua rmeza, repeliram ataques ferozes e causaram um
crescente número de baixas no inimigo.
Enquanto isso, o Comitê de Defesa do Estado e alguns elementos do
Comitê Central do Partido e do Conselho de Comissários do Povo [o
governo] continuavam atuando em Moscou. Trabalhadores da capital
passavam entre 12 e 18 horas por dia fornecendo armamento, equipamentos
e munições e fazendo reparos para a Frente.
Pouco depois de os alemães terem realizado seu avanço tático no setor do
XXX Exército da Frente de Kalinin e no anco direito do XVI Exército de
Rokossovsky (não me lembro exatamente, mas creio que era 19 de
novembro), Stalin me chamou por telefone e perguntou:
— Você tem certeza de que seremos capazes de manter Moscou? Pergunto
isso com imensa dor no coração. Diga-me sinceramente, como membro do
Partido.
— Não há dúvida de que seremos capazes de preservar Moscou. Mas
precisaremos de pelo menos mais 2 Exércitos e 200 tanques — respondi.
— Fico feliz que você esteja tão seguro — disse Stalin. — Ligue para
Shaposhnikov e diga a ele onde você quer que os 2 Exércitos da reserva se
concentrem. Eles estarão prontos antes do nal de novembro, mas no
momento não temos nenhum tanque.
Meia hora depois, ele havia combinado com Shaposhnikov de posicionar
o I Exército de Choque, que estava em processo de criação, na área de
Yakhroma, e o X Exército nas proximidades de Ryazan.
Enquanto isso, o inimigo havia iniciado sua ofensiva de 18 de novembro
no eixo Moscou-Tula. Suas 3ª, 4ª e 17ª Divisões Panzer avançavam no setor
de Venev, onde a 413ª e 299ª Divisões de Fuzileiros do L Exército haviam se
entrincheirado.
Tendo rompido as defesas mais avançadas, o agrupamento Panzer do
inimigo havia tomado Bolokhovo e Dedilovo. Para interromper esse avanço,
rapidamente transferimos a 239ª Divisão de Fuzileiros e a 41ª Divisão de
Cavalaria para a área de Uzlovaya. As lutas ferozes continuaram dia e noite,
marcadas pelo heroísmo maciço de nossas tropas. As unidades da 413ª
Divisão de Infantaria distinguiram-se particularmente.
Em 21 de novembro, a maior parte do Exército Panzer de Guderian
conseguiu ocupar Uzlovaya e Stalinogorsk. O XLVII Corpo Motorizado
inimigo avançava em direção a Mikhailov. Uma situação muito séria estava
se formando em torno de Tula.
Nesse momento, o Conselho Militar da Frente Ocidental decidiu
fortalecer o setor de Kashira com a 112ª Divisão de Tanques, sob o comando
do coronel A. L. Getman, o setor de Ryazan com uma brigada de tanques e
outras unidades, o setor de Zaraisk com a 9ª Brigada de Tanques e o 35º e o
127º Batalhões Independentes de Tanques, e o setor de Laptevo com o 510º
Regimento de Fuzileiros e uma companhia de tanques.
Em 23 de novembro, intensos combates ocorreram ao redor de Venev.
Dois dias depois, após ter cercado Venev, a 17ª Divisão Panzer se
aproximava da cidade de Kashira, onde estava posicionado e reforçado o 1º
Corpo de Cavalaria da Guarda do general Belov, depois de ter sido
deslocado da área de Serpukhov. Em 26 de novembro, a 3ª Divisão Panzer
cortou a ferrovia que ligava Tula a Moscou e a estrada ao norte de Tula.
Nesse mesmo dia, o 1º Corpo de Cavalaria da Guarda, a 112ª Divisão de
Tanques e outras unidades concentradas na área de Kashira repeliram os
ataques do inimigo e o zeram recuar para o sul, em direção a Mordves.
Para fortalecer ainda mais o 1º Corpo de Cavalaria da Guarda, o Conselho
Militar da Frente decidiu transferir a 173ª Divisão de Fuzileiros e o 15º
Regimento de Morteiros da Guarda para o setor de Kashira.
Em 27 de novembro, o 1º Corpo de Cavalaria da Guarda, a 112ª Brigada
de Tanques, a 173ª Divisão de Fuzileiros e outras unidades lançaram um
poderoso contra-ataque à 17ª Divisão Panzer do inimigo, forçando-a a
recuar para o sul, a uma distância entre 10 e 15 km. Intensos combates
continuaram no setor de Kashira-Mordves até 30 de novembro, quando o
inimigo sofreu pesadas baixas e não obteve sucesso. Percebendo que era
impossível chegar a Moscou superando a resistência das tropas soviéticas na
área de Kashira-Tula, Guderian, comandante do II Exército Panzer alemão,
ordenou que suas forças assumissem posições defensivas. As tropas
soviéticas destacadas na área de Tula repeliram todos os ataques, causando
sérias perdas ao inimigo e impedindo seu avanço em direção à capital.
A situação era muito pior no anco direito de nossa Frente, nas
proximidades de lstra, Klin e Solnechnogorsk. Tanques inimigos entraram
em Klin em 23 de novembro. Para evitar que as unidades do XVI Exército
fossem isoladas, elas foram retiradas durante a noite na direção da linha
defensiva seguinte. Klin foi abandonada em 24 de novembro, após duros
combates. A perda de Klin produziu uma lacuna entre o XVI e o XVII
Exércitos, preenchida por um grupo de unidades fracas e improvisadas.
Em 25 de novembro, o XVI Exército foi forçado a se retirar de
Solnechnogorsk, o que desencadeou uma situação preocupante. O Conselho
Militar da Frente deslocou tudo o que tinha (incluindo grupos de soldados
com canhões antitanque, grupos isolados de tanques, baterias de artilharia e
divisões antiaéreas) em apoio ao XVI Exército de Rokossovsky. Era
necessário conter o inimigo até que a 7ª Divisão de Fuzileiros, procedente de
Serpukhov, 2 Brigadas de tanques e 2 Regimentos de artilharia antitanque da
reserva do Quartel-General Supremo pudessem deslocar-se para a área de
Solnechnogorsk.
Nossa linha defensiva começava a curvar-se para dentro, formando um
arco. Alguns setores estavam se enfraquecendo enormemente. Parecia que a
situação era irreparável. Mas não! Os soldados não estavam desanimados.
Assim que chegassem os reforços, o inimigo encontrou novamente uma
linha defensiva insuperável.
Na noite de 29 de novembro, uma unidade inimiga aproveitou a frágil
defesa de uma ponte que atravessava o canal do Volga em direção a Moscou,
perto de Yakhroma, tomou a ponte e atravessou para a margem leste. Ali, foi
detida por unidades avançadas do recém-criado I Exército de Choque, sob o
comando do tenente-general V. I. Kuznetsov, e forçada a retirar-se para o
outro lado do canal após combates violentos.
Em 1º de dezembro, as tropas nazistas lançaram um ataque-surpresa no
centro da Frente, entre o V e o XXXIII Exércitos, e depois avançaram pela
estrada de Minsk para Moscou, na direção de Kubinka. Foram detidos na
aldeia de Akulovo pela 32ª Divisão de Fuzileiros, que destruiu alguns
tanques inimigos com seu fogo de artilharia. Nos campos minados, também
foram pelos ares mais alguns tanques. Tendo sofrido perdas signi cativas, os
Panzers inimigos seguiram então para Golitsyno, onde foram nalmente
detidos pela reserva da Frente e por algumas unidades do V e do XXXIII
Exércitos. Em 4 de dezembro, essa penetração havia sido liquidada. O
inimigo deixou no campo de batalha mais de 10 mil mortos, 50 tanques
destruídos e uma grande quantidade de equipamentos. Foi a última
tentativa das tropas alemãs de avançar em direção à capital soviética.
A sequência de eventos foi igualmente tensa em outros setores atacados
pelas principais forças de choque inimigas. No anco direito do
agrupamento de Volokolamsk, em 2 de dezembro, as divisões inimigas
atingiram um ponto a 8 km a nordeste de Zvenigorod, mas no dia seguinte
foram impedidas de avançar. Para apoiar suas outras forças de ataque, o
inimigo também lançou uma ofensiva no dia 1º de dezembro no setor
inativo de Naro-Fominsk. Conseguiu atravessar a frente do XXXIII Exército
e avançou até Aprelevka. Mas, nos dias 3 e 4 de dezembro, algumas seções
do V, do XXXIII e do XLIII Exércitos revidaram, forçando o inimigo a
retirar-se para a margem ocidental do rio Nara.
Nos primeiros dias de dezembro, pela natureza das operações militares e
pela força dos ataques das forças inimigas, cou claro que a ofensiva estava
chegando a um ponto morto. Os alemães não tinham tropa, efetivos e armas
su cientes para continuar seu avanço.
Com o interrogatório de prisioneiros, concluímos que todas as forças
inimigas haviam sofrido baixas muito importantes, algumas companhias
haviam sido reduzidas a 20 ou 30 homens, o moral das tropas havia se
deteriorado muito e eles não tinham mais fé na possibilidade de conquistar
Moscou. Nossas tropas da Frente Ocidental também haviam sofrido sérias
perdas e estavam esgotadas, mas não permitiram uma penetração
signi cativa em nenhum lugar. Reforçadas pelas reservas e incentivadas
pelos chamamentos do Partido, multiplicaram por dez a força na luta contra
o inimigo em Moscou.
Nos vinte dias da segunda fase de sua ofensiva, os alemães perderam 155
mil homens, entre mortos e feridos, 800 tanques, pelo menos 300 canhões e
1,5 mil aviões. As imensas perdas, o colapso absoluto do plano de dar um
m relâmpago à guerra e o fracasso em atingir seus objetivos estratégicos
destroçaram o espírito das tropas alemãs e levantaram as primeiras dúvidas
sobre se, de fato, poderiam obter um resultado vitorioso na guerra. A
liderança político-militar nazista também perdeu sua reputação de
invencibilidade diante da opinião pública mundial.
Antigos generais e marechais de campo alemães tentaram culpar Hitler
pelo fracasso na tomada de Moscou e pelo insucesso dos planos de guerra
em geral, com o argumento de que, contrariando seus conselhos, em agosto
ele havia interrompido o avanço do Grupo de Exércitos Centro para Moscou
e desviado parte das tropas para a Ucrânia. F. W. Von Mellenthin, por
exemplo, escreve o seguinte em seu livro Panzer Battles:
O avanço em direção a Moscou, que era a opção preferida de Guderian
e que abandonamos temporariamente em agosto para tomar a Ucrânia
primeiro, poderia ter sido bem-sucedido se tivéssemos considerado
sempre a ofensiva principal que decidiria o desenlace da guerra. A
Rússia teria sido então ferida no coração.
Os generais Heinz Guderian, Hermann Hoth e outros atribuem a derrota
ao clima severo da Rússia (além dos erros de Hitler). Historiadores
burgueses e antigos generais nazistas tentaram convencer a opinião pública
de que os milhões de soldados alemães selecionados haviam sido derrotados
em Moscou não pela tenacidade, bravura e heroísmo dos soldados
soviéticos, mas pela lama, pelo frio e pela espessa camada de neve. Os
autores dessas desculpas parecem esquecer que as tropas soviéticas tiveram
que agir em condições idênticas.
No que se refere à interrupção temporária do avanço para Moscou em
agosto, os alemães não tinham outra opção. Precisavam desviar parte de
suas tropas para as operações da Ucrânia. Sem essas operações, o grupo
principal de forças alemãs poderia ter cado em uma situação ainda mais
desfavorável: em outras circunstâncias, as reservas do Quartel-General
Supremo da União Soviética, lançadas em setembro em direção às lacunas
operacionais no Sudoeste, teriam sido usadas contra o anco e a retaguarda
do Grupo de Exércitos Centro durante seu avanço em direção a Moscou.
Furioso com o desmoronamento da ofensiva-relâmpago planejada e
procurando bodes expiatórios, Hitler destituiu o marechal de campo
Walther von Brauchitsch do posto de comandante das forças terrestres
alemãs, o marechal de campo Von Bock do posto de comandante do II
Exército Panzer, o general Erich Hoppner do posto de comandante do 3º
Grupo Panzer, e muitos outros a quem ele generosamente havia concedido a
Ordem de Cavaleiro da Cruz de Ferro e outras altas insígnias um mês e
meio ou dois meses antes. O próprio Hitler assumiu o comando das forças
terrestres alemãs, aparentemente acreditando que isso teria um efeito
mágico em suas tropas e as encorajaria a lutar fanaticamente contra o
Exército Vermelho.
Há mais um ponto que eu gostaria de destacar. Algumas histórias
militares soviéticas, notadamente uma intitulada Razgrom
nemetskofashitskikb vaisk pod Moskvoi [A derrota das forças fascistas alemãs
em Moscou], argumentam que os combates de outubro, ocorridos nas
Frentes Ocidental, Reserva e de Bryansk, não faziam parte das operações da
Batalha de Moscou. O inimigo teria sido completamente detido na linha de
Mozhaisk no nal de outubro e início de novembro e o comando nazista
teria sido forçado a montar uma “ofensiva geral” inteiramente nova contra
Moscou. Não posso concordar com nenhuma dessas a rmações.
Quando o comando nazista lançou a Operação Tufão em outubro,
pretendia derrotar as forças soviéticas nos eixos Viazma-Moscou e Bryansk-
Moscou e, contornando Moscou pelo norte e o sul, conquistar a capital
soviética o mais rapidamente possível. Pela forma e pelo método das
operações, o inimigo tentou executar esse plano estratégico por meio de dois
movimentos de pinça. O primeiro cerco e a derrota das tropas soviéticas
estavam previstos para as áreas de Bryansk e Viazma, e o segundo cerco e a
tomada de Moscou seriam alcançados através do avanço de forças blindadas,
através do noroeste, passando por Klin, e pelo sul, por Tula e Kashir, para
em seguida fechar a pinça na área de Noginsk, no leste de Moscou.
No início de outubro, o inimigo conseguiu alcançar seu primeiro objetivo,
aproveitando a superioridade de efetivos e equipamentos e os erros
cometidos pelos comandos das Frentes soviéticas. Mas seu objetivo
estratégico nal, a tomada de Moscou, fracassou porque a maior parte das
forças inimigas foi repelida pelas tropas soviéticas cercadas na área de
Viazma (algumas seções do XVI, XIX, XX, XXIV e XXXII Exércitos e o
grupo de Boldin). As tropas limitadas, lançadas pelo inimigo contra a linha
de Mozhaisk com o objetivo de chegar a Moscou, conseguiram empurrar os
soldados soviéticos de volta a uma linha traçada entre Volokolamsk,
Dorokhovo, o rio Protva, o rio Nara, Aleksin e Tula. Mas elas não
conseguiram ultrapassá-la.
Na minha opinião, o fato de que no mês de novembro os alemães
deslocaram reforços importantes de suas tropas e equipamentos e
reagruparam suas forças blindadas no anco esquerdo não é motivo
su ciente para se chegar à conclusão apresentada no livro que analisamos.
Reforços e reagrupamentos são comuns em todas as operações estratégicas
ofensivas e não determinam o início ou o m desse tipo de operação.
Desde o nal da guerra, me perguntam com frequência como realmente
conseguimos deter o fortíssimo avanço alemão em direção a Moscou. Muito
já foi escrito sobre a batalha e, de maneira geral, as descrições estão corretas.
Mas, como ex-comandante da Frente Ocidental, gostaria de acrescentar
minha opinião.
Ao planejar a Operação Tufão, o comando supremo nazista subestimou
seriamente a força, a situação e o potencial do Exército Vermelho para a
Batalha de Moscou. Além disso, superestimou a capacidade de suas próprias
forças para atravessar nossas linhas defensivas e tomar a capital soviética.
Os alemães também cometeram erros ao organizar seus grupos de choque
blindados para a segunda fase da ofensiva. Os grupos situados em seus
ancos, especialmente os que operavam nas proximidades de Tula, eram
fracos e inadequadamente dotados de infantaria. A experiência deveria ter
demonstrado que con ar exclusivamente em forças blindadas era
insu ciente naquelas condições. As unidades blindadas estavam
desgastadas. Haviam sofrido perdas pesadas e perdido seu poder de
impacto.
O comando alemão também não conseguiu lançar a tempo o ataque
complementar no centro de nossa Frente, embora suas forças fossem
adequadas para esse m. Na ausência de ataques no centro, fomos capazes
de deslocar todas as nossas reservas, inclusive as de nossas Divisões, do
centro da Frente para impedir o golpe das forças inimigas nos ancos. As
numerosas baixas, a falta de preparação para as condições de inverno e a
resistência obstinada das tropas soviéticas in uenciaram a capacidade de
combate do inimigo.
Antes de 15 de novembro, nossos serviços de inteligência conseguiram
determinar que o inimigo estava acumulando forças de combate nos ancos
de nossa linha defensiva e estabelecer a direção exata dos principais ataques.
Enfrentamos esses ataques blindados com uma defesa em profundidade
relativamente bem provida de obstáculos antitanque e outros dispositivos de
engenharia, e ali concentramos as nossas principais forças blindadas. Nossos
soldados estavam plenamente conscientes de sua responsabilidade pessoal
pelo destino de Moscou, que selaria o destino de sua Pátria, e estavam
determinados a morrer antes de permitir que o inimigo entrasse na capital.
O decreto de 19 de outubro do Comitê de Defesa do Estado, declarando
estado de sítio em Moscou e áreas adjacentes, e o esforço determinado para
garantir disciplina e ordem estritas entre as forças que defendiam a capital
também tiveram um papel de primeira ordem. Qualquer infração era
imediatamente interrompida com medidas precisas. Conseguimos melhorar
o controle das forças em todos os níveis de comando e das tropas,
especialmente nos momentos mais intensos da batalha, garantindo assim o
cumprimento rigoroso das ordens.
A Administração Operacional do Estado-Maior Geral e, pessoalmente, o
tenente-general A.M. Vasilevsky, vice-chefe do Estado-Maior Geral, deram
uma contribuição muito importante à organização de nossas defesas.
Durante a semana de 2 a 9 de outubro, sua avaliação da situação nas vias de
acesso a oeste e suas recomendações estabeleceram as bases para as medidas
adotadas pelo Quartel-General Supremo. Os incansáveis o ciais do Estado-
Maior Geral seguiram dia e noite todos os passos das tropas inimigas e
deram sugestões construtivas nos momentos mais delicados.

13
Além de Moscou, Leningrado e outros centros industriais, a defesa aérea atuava principalmente na
preservação de ferrovias, usinas de produção de energia e centros de comunicação. O destacamento
mais poderoso estava baseado em Moscou, que em julho de 1941 já contava com 585 aviões de caça,
964 canhões antiaéreos e outros artefatos, inclusive grande número de balões de observação. Por isso,
a poderosa Força Aérea nazista não foi capaz de causar danos sérios à capital, conseguindo êxito em
apenas 2% a 3% de suas incursões. [N.E.]
14
Aqui aparece uma diferença entre os dois Exércitos. Na Alemanha, exercícios militares realizados
em 1933 haviam mostrado a inefetividade da combinação de cavalaria com tropas motorizadas, pois a
primeira não conseguia acompanhar as segundas, criando problemas insuperáveis de logística e de
coordenação. A cavalaria foi declarada obsoleta e levada a se adaptar ao transporte motorizado. Os
alemães haviam mecanizado todas as suas Divisões de Cavalaria antes de junho de 1941, com exceção
de uma. Mas o Exército Vermelho manteve de 30 a 50 Divisões de Cavalaria, usando-as
frequentemente de forma combinada, num total de 18 mil a 20 mil cavaleiros. Foi uma singularidade.
Durante a guerra, os soviéticos aumentaram cada Divisão de 4,5 mil para 5,5 mil cavaleiros, sem
diminuir sua mobilidade. A cavalaria soviética fazia incursões profundas e prolongadas nas
retaguardas alemãs. Nelas, destacaram-se as forças comandadas pelo general Belov, citado aqui.
Generais alemães deixaram vários registros de sua surpresa com esse desempenho. [N.E.]
IV

O inimigo havia sido incapaz de romper nossas linhas defensivas. Não


conseguiu cercar uma única Divisão ou disparar uma única salva de
artilharia contra Moscou. No começo de dezembro, estava exausto e
desprovido de reservas, enquanto nossa Frente Ocidental era reforçada com
dois Exércitos recém-criados, o I Exército de Choque e o X Exército, além de
outra série de unidades que se haviam fundido no XX Exército.
Isso permitiu ao comando soviético organizar uma contraofensiva,
planejada enquanto as operações defensivas em Moscou ainda estavam em
andamento. Os planos nais tomaram forma quando as forças alemãs, após
sofrer imensas baixas, estavam exaustas demais para resistir aos nossos
ataques. Assim, a contraofensiva de Moscou foi a continuação e o apogeu
lógico dos contra-ataques vitoriosos lançados por nossas tropas nos ancos
de nossa Frente nos últimos dias de novembro.
A m de aproveitar as condições favoráveis que nos haviam sido
apresentadas nas proximidades de Moscou, o Quartel-General Supremo
ordenou que as tropas da Frente de Kalinin (Konev) e o anco direito da
Frente Sudoeste (Timoshenko) iniciassem uma contraofensiva junto com a
Frente Ocidental. No nal de novembro e início de dezembro, o Comando
Supremo, em coordenação com o Conselho Militar da Frente Ocidental,
havia concentrado o I Exército de Choque a noroeste de Moscou e a leste do
canal do Volga. Ao mesmo tempo, o X Exército havia concentrado suas
tropas em torno de Ryazan.
O povo soviético e suas Forças Armadas estavam passando por uma
temporada difícil. Nossas tropas haviam frustrado o plano alemão de tomar
Leningrado e unir contingentes alemães e nlandeses. Em Tikhvin, o
Exército Vermelho passou à contraofensiva, derrotou o inimigo e recuperou
a cidade. No Sul, as tropas da Frente Sudoeste também haviam passado à
contraofensiva e libertado a cidade de Rostov do Don.
Em 29 de novembro, telefonei para o comandante supremo. Depois de
informá-lo sobre a situação, pedi que colocasse o I Exército de Choque e o X
Exército sob meu comando, para que pudesse golpear mais fortemente o
inimigo e fazê-lo retroceder, de modo a afastá-lo mais de Moscou.
Stalin ouviu atentamente o que eu tinha a dizer e depois perguntou:
— Você tem certeza de que o inimigo atingiu uma situação crítica e é
incapaz de trazer novas unidades para unir suas forças?
— O inimigo está exausto — eu lhe disse. — Mas sem a ajuda do I
Exército de Choque e do X Exército, os soldados da minha Frente não
conseguirão eliminar nenhum saliente perigoso. Se não eliminarmos esses
salientes agora, talvez mais tarde o inimigo possa reforçar suas unidades na
área de Moscou, trazendo grandes reservas do Norte e do Sul. Nesse caso,
nossa situação caria muito mais grave.
Stalin disse que estudaria o assunto com o Estado-Maior Geral.
Eu não queria falar com o Estado-Maior Geral por telefone e, para não o
fazer, pedi ao meu chefe de Estado-Maior, general Sokolovsky (que
concordava que havia chegado a hora de trazer o I Exército de Choque e o X
Exército para o combate), para chamar o Estado-Maior Geral e convencê-lo
a mobilizar imediatamente dois Exércitos de reserva. No nal da noite de 29
de novembro, o Quartel-General Supremo nos informou que havia decidido
transferir o I Exército de Choque e o X Exército para a Frente Ocidental. Ao
mesmo tempo, o Quartel-General Supremo pediu para conhecer nosso
plano para a utilização desses Exércitos. Esse plano, cujas características
fundamentais são apresentadas abaixo, foi submetido no dia seguinte.
Tendo eliminado a cabeça de ponte alemã na margem oriental do canal do
Volga para Moscou, o I Exército de Choque deveria concentrar suas forças
no setor Dmitri-Yakhroma e, em colaboração com o XXX e o XX Exércitos,
atacar em Klin e avançar na direção de Teryayeva Sloboda.
O XXX Exército seria responsável pela missão de derrotar o inimigo em
torno de Rogachevo e Borshchevo e, juntamente com o I Exército de
Choque, tomar Reshetnikovo e Klin, continuando o avanço em direção a
Kostlyakovo e Lotoshino.
O XX Exército, juntamente com o I Exército de Choque e o XVI Exército,
recebeu instruções para atacar as áreas de Krasnaya Polyana e Bely Rast em
direção a Solnechnogorsk, tomando-a a partir do sul e continuando o
avanço em direção a Volokolamsk. Além disso, a ala direita do XVI Exército
atacaria Kryukovo e Istra.
O L Exército de Tula atacaria na direção de Bolokhovo e Shchekino. O
grupo de operações de Belov em Mordves deveria avançar em direção a
Vener e depois em direção a Stalinogorsk e Dedilovo, em conjunto com a ala
direita do X Exército. O X Exército, que se separaria entre Serebryanye
Prudy e Mikhailov, atacaria em direção a Uzlovaya e Bogoroditsk,
continuando em direção ao sul do rio Upa.
A força conjunta dos três novos Exércitos (o I Exército de Choque, o X e o
XX) seria lançada contra os agrupamentos setentrionais e meridionais do
inimigo.
O objetivo imediato da contraofensiva era remover duas cunhas de
terreno nos ancos setentrional e meridional de nossa Frente. Operações
subsequentes seriam determinadas no curso da contraofensiva, dependendo
da situação vigente, com o objetivo geral de causar o maior número de
baixas ao inimigo e fazê-lo afastar-se o máximo possível de Moscou,
eliminando assim a ameaça imediata que pairava sobre a capital.
A Frente Ocidental não tinha recursos para alcançar objetivos mais
ambiciosos. Apesar da transferência dos 3 Exércitos de reserva, nossos
efetivos ainda eram inferiores aos do inimigo (exceto no ar), que nos
superava também em blindados e em peças de artilharia. Dadas essas
circunstâncias, na primeira fase da contraofensiva nossas forças do centro da
Frente Ocidental foram encarregadas da tarefa de imobilizar as forças
inimigas, realizando operações ativas de preparação para a ofensiva
posterior.
Não me lembro exatamente, mas acho que foi na manhã de 2 de dezembro
que Stalin, falando comigo por telefone, perguntou:
— Que avaliação você faz da situação do inimigo e de suas possibilidades?
Eu respondi que o inimigo estava completamente exausto. Parecia não ter
reservas para reforçar seus grupos de choque, sem os quais os nazistas não
poderiam continuar sua ofensiva. O comandante em chefe me respondeu:
— Certo. Ligarei de volta.
Deduzi que o Quartel-General Supremo estudaria as ações subsequentes
de nossas tropas.
Stalin ligou cerca de uma hora depois e perguntou minha opinião sobre o
que a Frente deveria fazer nos dias seguintes. Propus que as tropas se
preparassem para a contraofensiva, de acordo com o plano aprovado.
O Quartel-General Supremo estava avaliando que ajuda poderia prestar às
outras Frentes (a de Kalinin e a ala direita da Sudoeste), para dar o apoio
mais e caz possível à Frente Ocidental. Em 1º de dezembro, usando a linha
telefônica de segurança, Vasilevsky, vice-chefe do Estado-Maior Geral,
discutiu o assunto com o coronel-general Konev, comandante da Frente de
Kalinin:
— Esmagar a ofensiva alemã somente em Moscou não salvará a cidade.
Uma derrota importante do inimigo exige um combate ativo para alcançar
objetivos de nitivos. Se não começarmos logo, pode ser tarde demais. A
Frente de Kalinin, que ocupa uma posição muito e caz, não pode
permanecer ociosa.
Em uma conversa por telefone em 2 de dezembro, Stalin disse que a
Frente de Kalinin e a ala direita da Frente Sudoeste haviam recebido ordens
para nos apoiar. Nosso avanço seria sincronizado para coincidir com o
delas.
No nal da noite de 4 de dezembro, o comandante em chefe me telefonou
e perguntou:
— Você precisa de algo além do que lhe oferecemos?
Respondi que ainda precisava de apoio aéreo da reserva do Quartel-
General Supremo e das forças de defesa aérea e de pelo menos 200 tanques
tripulados. A Frente tinha poucos tanques. Precisávamos receber mais, para
que o avanço da contraofensiva fosse rápido.
— Não podemos fornecer tanques, pois não temos nenhum. — respondeu
Stalin. — Mas você terá apoio aéreo. Organize isto com o Estado-Maior
Geral. Vou ligar para eles agora mesmo. Lembre-se de que a ofensiva da
Frente de Kalinin começa em 5 de dezembro e a do grupo operacional da
direita da Frente Sudoeste, nas proximidades de Yelets, no dia 6.
Fazia um frio glacial. A espessura da cobertura de neve atrapalhava os
movimentos das tropas nos pontos de lançamento da contraofensiva.
Porém, apesar dessas di culdades, na manhã de 6 de dezembro todas as
forças estavam em seus postos.
Naquele dia, as tropas da Frente Ocidental, após um bombardeio de
artilharia muito intenso, passaram para a ofensiva ao norte e ao sul de
Moscou, enquanto as Frentes adjacentes iniciavam suas ofensivas em torno
de Kalinin e Yelets. A grande batalha havia começado, e a iniciativa havia
passado para o nosso lado.
Em 5 de dezembro, a Frente de Kalinin introduziu uma cunha na linha
inimiga ao sul de Kalinin, mas não conseguiu dividi-la. Até o dia 16, uma
vez que a ala direita da Frente Ocidental (o I Exército de Choque e o XXX, o
XX e o XVI Exércitos) havia derrotado o inimigo nas proximidades de
Rogachevo e Solnechnogorsk e tomado Klin, a Frente de Kalinin não pôde
avançar em direção à retaguarda alemã, que cobria a retirada da maior parte
das suas forças.
O I Exército de Choque chegou aos arredores de Klin no dia 13 e,
juntamente com o XXX Exército, iniciou a batalha pela cidade. Depois de
circundar Klin, as tropas soviéticas entraram na cidade e, após lutar
ferozmente na noite de 14 a 15 de dezembro, expulsaram dela o inimigo.
O XX e o XVI Exércitos também avançaram com sucesso. O XX,
vencendo a feroz resistência do inimigo, aproximou-se de Solnechnogorsk
no nal de 9 de dezembro, enquanto o XVI Exército, após tomar Kryukovo
no dia 8, avançou em direção ao depósito de Istra. O inimigo foi forçado a
deixar Solnechnogorsk em 12 de dezembro. A ala direita do V Exército
também avançou, em boa parte graças ao avanço do XVI Exército.
O avanço da ala direita da Frente Ocidental era continuamente apoiado
pelas unidades aéreas daquela Frente, pelas defesas antiaéreas e pelos aviões
de nossa força de bombardeiros de longo alcance, que naquele momento
estavam sob o comando do general A. Ye. Golovanov. Nossos aviões
atacaram instalações de artilharia, unidades blindadas e centros de
comando. Quando o inimigo começou a se retirar, os aviões bombardearam
e destruíram as colunas de infantaria, de blindados e de caminhões,
espalhando restos de veículos motorizados e outros equipamentos pelas
estradas do oeste.
O comando da Frente Ocidental enviou para a retaguarda do inimigo
unidades de esquiadores, de cavalaria e de paraquedistas, para perseguir
suas forças em retirada. Unidades guerrilheiras entraram em ação,
complicando bastante a situação do comando alemão.15
A experiência da guerra revelou-me a necessidade absoluta de o
comandante de uma Frente trabalhar com suas unidades militares até o
início de uma operação ou uma batalha. Para ajudar as tropas, é essencial
entender a situação e organizar sua ação. No início de uma operação e
durante seu curso, os comandantes devem estar com seus Estados-Maiores
em locais que lhes permitam conduzir as tropas.
Quando che ei as tropas na Batalha de Moscou, deixei-me guiar por esses
princípios. No momento da ação defensiva, a grande extensão da Frente
(mais de 600 km) e a situação complexa e crítica não permitiam que o
comandante da Frente se isolasse de seu Estado-Maior. Todas as
informações sobre as ações do inimigo, sobre nossas próprias tropas ou
Frentes vizinhas se acumulavam rapidamente no posto de comando, e
mantínhamos uma comunicação constante com o Quartel-General Supremo
e o Estado-Maior.
No entanto, em uma ocasião, durante as operações de defesa, fui forçado a
deixar meu Estado-Maior e fazer uma visita a uma das Divisões do XVI
Exército. Eis o que aconteceu.
De alguma forma, Stalin soube que nossas tropas haviam abandonado a
cidade de Dedovsk, a noroeste de Nakhabino. Essa cidade cava muito
próxima de Moscou (cerca de 15 km). É claro que o comandante supremo
cara muito afetado por tal informação, principalmente porque, em 28 e 29
de novembro, a 9ª Divisão de Fuzileiros da Guarda, sob o comando do
major-general A. E. Beloborodov, conseguira repelir os repetidos ataques do
inimigo na região próxima de Istra. No entanto, 24 horas depois, Dedovsk
parecia estar nas mãos dos alemães.
Stalin me chamou por telefone:
— Você sabia que tomaram Dedovsk?
— Não, camarada Stalin, não sabia.
O comandante em chefe não esperou para veri car por que eu não estava
ciente.
— Um comandante deve saber o que se passa na Frente! — gritou, furioso.
Ele ordenou que eu me dirigisse imediatamente ao local e organizasse
pessoalmente um contra-ataque para recuperar Dedovsk. Respondi que não
era prudente abandonar o quartel-general da Frente em um momento tão
delicado.
— Não importa — disse Stalin. — Nós administraremos a situação como
pudermos. Deixe Sokolovsky [chefe do Estado-Maior] no comando.
Peguei o telefone e falei rapidamente com o general Konstantin K.
Rokossovsky, do XVI Exército. Perguntei por que o Quartel-General não
havia sido informado da perda de Dedovsk. Ele explicou que os alemães não
tinham tomado Dedovsk. O local citado deveria ser a aldeia de Dedovo. A 9ª
Divisão de Fuzileiros da Guarda estava envolvida em combates pesados para
impedir que os alemães avançassem pela estrada de Volokolamsk em
direção a Dedovsk e Nakhabino. Ficou claro que as informações que Stalin
havia recebido estavam equivocadas. Decidi ligar para o Quartel-General
Supremo e explicar o mal-entendido. Mas era como tentar meter um prego
numa pedra. Stalin cou terrivelmente zangado. Exigiu que eu fosse ver
Rokossovsky imediatamente e zesse todos os esforços para recuperar
aquela aldeia miserável do inimigo. Além disso, ordenou que fosse
acompanhado pelo comandante do V Exército, general Leonid A. Govorov,
porque era “um homem de artilharia e poderia ajudar Rokossovsky a
organizar o fogo de artilharia em apoio ao XVI Exército”.
Não havia sentido em discutir. Quando liguei para o general Govorov, ele
protestou energicamente, dizendo que a viagem não tinha nenhum sentido.
O XVI Exército tinha seu próprio chefe de artilharia, o major-general V. I.
Kazakov; além disso, Rokossovsky sabia o que deveria fazer; por que ele,
Govorov, deveria abandonar seu Exército em um momento tão crítico? Para
encerrar a discussão, eu disse a Govorov que a ordem havia partido de
Stalin.
Fomos ver o general Rokossovsky e em seguida nos dirigimos à Divisão
de Beloborodov, que não cou exatamente feliz em nos ver. Ele já estava
sobrecarregado com seus próprios problemas, e agora lhe pediam para
explicar por que os alemães haviam tomado meia dúzia de casas na aldeia de
Dedovo, na extremidade mais remota de um barranco profundo. Ele
descreveu a situação e deixou claro que não havia qualquer razão tática para
tentar recuperar as casas.
Infelizmente, eu não podia explicar que os princípios táticos não tinham
nada a ver com a nossa presença ali. Então ordenei que Beloborodov
enviasse uma companhia de fuzileiros e dois tanques para expulsar os
alemães das casas. No amanhecer de 1º de dezembro, a ordem estava
cumprida.
Enquanto isso, aconteceu de me chamarem por telefone. A linha para o
Quartel-General do XVI Exército havia sido cortada, mas um o cial de
comunicações se apresentou na Divisão de Beloborodov com uma
mensagem, dizendo que eu entrasse em contato com meu posto de
comando. Quando consegui falar com meu chefe de Estado-Maior,
Sokolovsky me informou que Stalin havia ligado três vezes, perguntando:
“Onde está Júkov? Por que ele saiu?” Em 1º de dezembro, o inimigo havia
lançado uma ofensiva contra o XXXIII Exército em um local que até então
estava relativamente tranquilo.
Sokolovsky e eu acertamos as medidas a serem tomadas para eliminar essa
nova ameaça e entrei em contato com o Quartel-General Supremo.
Vasilevsky transmitiu-me as ordens de Stalin: retorno imediato ao Quartel-
General da Frente. Enquanto isso, o Comando Supremo decidiria como
fornecer reservas adicionais para frear o avanço do inimigo em direção a
Aprelevka.
Ao retornar ao meu Quartel-General, telefonei para Moscou e falei com
Stalin. Informei que estava ciente da situação e anunciei as providências em
curso para liquidar o avanço alemão no centro da Frente. Stalin não fez
referência à minha visita ao XVI Exército com Govorov, nem às razões pelas
quais ele havia ordenado que fôssemos até lá. Mas, no nal de nossa
conversa, perguntou: “Bem, o que está acontecendo em Dedovsk?” Respondi
que havia enviado uma companhia de fuzileiros apoiada por dois tanques
para expulsar os alemães da aldeia de Dedovo. Assim terminou uma das
minhas ausências do Quartel-General da Frente durante a defesa na Batalha
de Moscou.
Então, no curso da contraofensiva de Moscou, pareceu-me essencial fazer
uma viagem ao local onde estavam as tropas. Visitei o XVI Exército de
Rokossovsky, o V Exército de Govorov, o XLIII Exército de Golubev e o
XLIX Exército de Zakharkin. Isso era necessário, principalmente para ajudar
os comandos a coordenar melhor suas ações com as das unidades vizinhas,
alertá-los para o risco de ataques frontais e convencer as tropas a cercar os
pontos fortes do inimigo e persegui-lo sem parar.
Uma semana após o início da contraofensiva, emiti um aviso diretivo,
advertindo contra os ataques frontais. Eu baseava-me na experiência dos
primeiros dias da ofensiva. Em vários casos, os grupos de choque criados
especi camente para aquela missão haviam sido levados a executar ataques
frontais intensos e sangrentos. Na região de Klin, por exemplo, o avanço do
XXX Exército e do I Exército de Choque havia sido repelido dessa forma.
No decurso de um ataque realizado em 19 de dezembro na aldeia de
Palashkino, pouco mais de 20 km a noroeste de Ruza, o major-general L. M.
Dovator, comandante do II Corpo de Cavalaria da Guarda, perdeu a vida.
Seu corpo foi trasladado a Moscou para o sepultamento. A meu pedido, em
21 de dezembro, o Presidium do Soviete Supremo da URSS concedeu-lhe
postumamente o título de Herói da União Soviética, por sua coragem e
bravura. Dovator foi substituído no comando de sua unidade de cavalaria
pelo major-general I. A. Pliyev, que havia comandado a 3ª Divisão de
Cavalaria da Guarda.
Na ala esquerda da Frente Ocidental, unidades do L Exército e o corpo de
cavalaria do general Belov haviam lançado sua ofensiva em 3 de dezembro a
m de derrotar o Exército Panzer de Guderian nas proximidades de Tula. A
3ª e a 10ª Divisões Panzer e a 29ª Divisão Motorizada dos alemães
retiraram-se de Venev, abandonando 70 blindados no campo de batalha.
Na tentativa de cercar Tula, o II Exército Panzer, de Guderian, havia se
dispersado muito e estava sem reservas. Em 6 de dezembro, nosso novo X
Exército se juntou à batalha em Mikhailov, onde o inimigo levantou uma
defesa tenaz, com a intenção de cobrir o anco de retirada do II Exército
Panzer. Em 8 de dezembro, o L Exército lançou seu ataque a partir de Tula e
ameaçou interromper a retirada das forças inimigas em Venev e Mikhailov.
Tanto o comando da Frente Ocidental quanto o Quartel-General Supremo
ofereceram apoio aéreo constante para o avanço dos corpos de cavalaria de
Belov e do L e X Exércitos. O Exército de Guderian, ameaçado por
profundas incursões em seus ancos e com poucas tropas para repelir
ataques da Frente Ocidental e do grupo de operações fornecido pela Frente
Sudoeste, começou a se retirar rapidamente, através de Uzlovaya e
Bogoroditsk, na direção de Sukhinichi, deixando para trás armamento
pesado, caminhões, tratores e até mesmo tanques.
Ao longo de dez dias, tropas da ala esquerda da Frente Ocidental
in igiram uma derrota importante ao II Exército Panzer, liderado por
Guderian, e avançaram 140 km.
À esquerda da Frente Ocidental, as tropas da Frente de Bryansk, que
haviam sido reconstituídas em 18 de dezembro, também continuaram a
avançar. A primeira fase de nossa ofensiva terminou com tropas soviéticas
estacionadas em uma linha que se estendia ao longo de Oreshki, Staritsa,
dos rios Lama e Ruza, Maloyaroslavets, Tikhonova Pustyn, Kaluga, Mosalsk,
Sukhinichi, Belev, Mtsensk e Novosil.
Os Exércitos alemães, enfraquecidos e exaustos pelos combates, sofreram
numerosas baixas e se retiraram para oeste, sob pressão de nossas tropas.
Como membro do Quartel-General Supremo, fui convocado pelo
Comando Supremo na noite de 5 de janeiro para analisar os planos para
uma ofensiva geral. O marechal Shaposhnikov, chefe do Estado-Maior
Geral, apresentou um breve relatório da situação na Frente e expôs o esboço
de um plano para operações futuras. Então, Stalin disse:
— Os alemães parecem oprimidos pelo revés que sofreram em Moscou e
estão muito mal preparados para o inverno. Este é o momento de fazer uma
ofensiva geral.
O plano de Shaposhnikov consistia essencialmente no seguinte.
Em vista do sucesso da contraofensiva lançada na direção oeste da Frente,
forças de todas as outras Frentes também lançariam ofensivas. O objetivo de
tal contra-ataque geral era derrotar o inimigo em Leningrado, no Oeste e no
Sul de Moscou. O principal ataque deveria ser dirigido contra o Grupo de
Exércitos Centro. As forças combinadas das Frentes Noroeste, de Kalinin,
Ocidental e de Bryansk formariam pinças que prenderiam a maior parte das
forças inimigas em torno de Rzhev, Viazma e Smolensk.
As tropas da Frente de Leningrado, a ala direita da Frente Noroeste e a
Frota do Báltico derrotariam o Grupo de Exércitos Norte e romperiam o
cerco de Leningrado. Esperava-se que as tropas das Frentes Sudoeste e Sul
derrotassem o Grupo de Exércitos Sul e libertassem a bacia do Donets. A
ideia era que a Frente do Cáucaso e a Frota do Mar Negro libertassem a
península da Crimeia. A ofensiva geral deveria começar em um prazo muito
curto.
Solicitou-se a opinião de todos os que compareceram à reunião.
— Deveríamos continuar a ofensiva na Frente Ocidental — eu disse. —
Ali as condições são muito favoráveis e o inimigo não teve tempo de
recuperar a capacidade de combate de suas forças. Mas continuar a ofensiva
com êxito exigirá reforços de efetivos e equipamentos, especialmente
tanques, sem os quais não podemos con ar em fazer muito progresso.
Quanto às ofensivas nas imediações de Leningrado e do Sudoeste, ali as
tropas enfrentam formidáveis defesas inimigas. Sem uma artilharia
poderosa para apoiá-las, nossas tropas serão incapazes de ultrapassá-las, se
desgastarão e sofrerão perdas numerosas, absolutamente injusti cadas.
Sugiro reforçar nossas tropas na Frente Ocidental e lançar ali uma ofensiva
mais poderosa.
Pela reação de Stalin às minhas palavras, entendi que a decisão já havia
sido tomada e não se discutiria mais. No entanto, N. A. Voznesensky,
presidente da Comissão de Planejamento do Estado, que tomou a palavra
imediatamente depois de mim, também se manifestou contra a ofensiva
geral. Sustentava que não tínhamos recursos materiais su cientes para
manter ofensivas simultâneas em todas as Frentes.
Assim que ele terminou de falar, Stalin disse:
— Eu falei com Tymoshenko. Ele é a favor de atacar. Devemos esmagar
rapidamente os alemães, para que não possam nos atacar quando chegar a
primavera.
Stalin tinha o apoio de Malenkov e de Beria. Ambos disseram que
Voznesensky estava sempre procurando di culdades imprevistas que
podiam ser superadas. Ninguém mais quis falar. O comandante em chefe
concluiu dizendo:
— Isso parece encerrar a discussão.
Fiquei com a impressão de que Stalin não havia convocado seus generais
ao Quartel-General Supremo para discutir a conveniência da ofensiva
militar, mas para “dar um empurrãozinho no Exército”, como ele às vezes
gostava de dizer.
Quando saímos do escritório, Boris M. Shaposhnikov disse:
— Seria absurdo argumentar. O comandante em chefe já havia decidido.
As ordens já saíram para quase todas as Frentes. Elas lançarão as ofensivas
imediatamente.
— Então, por que Stalin pediu minha opinião?
— Eu simplesmente não sei, meu amigo. Não sei — disse Shaposhnikov
com um suspiro profundo.
O Quartel-General da minha Frente recebeu em 7 de janeiro a ordem para
passar à ofensiva. Consequentemente, o Conselho Militar atribuiu encargos
adicionais às tropas.
As forças da ala direita (o I Exército de Choque e o XX e XVI Exércitos)
deveriam continuar sua ofensiva na direção de Sychevka e, juntamente com
a Frente de Kalinin, buscar esmagar o inimigo no setor de Rzhev-Sychevka.
A zona central da Frente (V e XXX Exércitos) recebeu ordens de atacar
Mozhaisk e Gzhatsk; o XLIII, o XLIX e o L Exércitos deveriam avançar em
direção a Yukhnov, derrotar o inimigo no setor de Yukhnov-Kondrovo e
continuar o avanço em direção a Viazma.
Supunha-se que os corpos de cavalaria reforçados do general Belov
deveriam avançar em direção a Viazma para se juntar ao XI Corpo de
Cavalaria, sob o comando do major-general S. V. Sokolov, que atuava na
Frente de Kalinin, para realizar um golpe coordenado na retaguarda do
contingente inimigo de Viazma (naquele momento, também atuava na área
de Viazma um numeroso grupo de guerrilheiros).
O X Exército recebeu ordem de avançar em direção a Kirov, cobrindo o
anco esquerdo da Frente Ocidental.
Nosso vizinho da direita, a Frente de Kalinin, deveria avançar na direção
de Sychevka e Viazma, contornando Rzhev, enquanto seu XXII Exército
avançava em direção a Bely.
A Frente Noroeste foi incumbida de lançar sua ofensiva em duas direções
divergentes. Seu I Exército de Choque, sob o comando do tenente-general
M. A. Purkayev, deveria avançar em direção a Velikiye Luki, e o IV Exército
de Choque, sob o comando do coronel-general A. L. Yeremenko, em direção
a Andreapol, Toropets e Velizh.
Nosso vizinho da esquerda, a Frente de Bryansk, estava encarregado de
tomar Orel e Kursk. As tropas da Frente Sudoeste deveriam tomar Kharkov
e montar cabeças de ponte ao longo do rio Dnieper, perto de
Dnepropetrovsk e Zaporozhye.
Esse amplo plano ofensivo em todas as Frentes não contou com a
quantidade de efetivos nem com o armamento necessários, e a maioria das
incursões não teve êxito. A única exceção foi a Frente Noroeste, que
conseguiu avançar porque os alemães naquele setor não tinham uma linha
defensiva compacta. No início de fevereiro, o III e o IV Exércitos de Choque
da Frente Noroeste chegaram aos acessos a Velikiye Luke, Demidov e Velizh,
depois de avançar 240 km. O XXII Exército da Frente de Kalinin combatia
nos arredores da cidade de Bely e o 11º Corpo de Cavalaria havia alcançado
a área noroeste de Viazma. O XXXIX e o XXIX Exércitos da Frente de
Kalinin avançavam lentamente a oeste de Rzhev. As tropas da ala esquerda
da Frente de Kalinin encontraram poderosas defesas inimigas e não
realizaram nenhum progresso.
A Frente Ocidental (o XX Exército, algumas seções do I Exército de
Choque, o 2º Corpo de Cavalaria da Guarda de Pliyev, a 22ª Brigada de
Tanques e 5 Batalhões de Esquiadores) lançou sua ofensiva em 10 de janeiro,
após um fogo de artilharia de noventa minutos, e tentou penetrar nas linhas
inimigas perto de Volokolamsk. O inimigo cedeu depois de dois dias de
combates ferozes. O Corpo de Cavalaria, os 5 Batalhões de Esquiadores e a
22ª Brigada de Tanques se in ltraram por uma brecha aberta nas linhas
inimigas na direção de Shakhovskaya.
Como consequência dessa operação decisiva, a ala direita de nossa Frente,
com a ajuda dos guerrilheiros, tomou Lotoshino e Shakhovskaya nos dias 16
e 17 de janeiro, cortando a ferrovia que ligava Moscou e Rzhev. Porém, em
vez de incorporar tropas que nos permitiriam explorar esse sucesso, em 19
de janeiro o Quartel-General Supremo ordenou que o I Exército de Choque
voltasse a se juntar às reservas. A transferência do XXX Exército para a
Frente de Kalinin em 16 de dezembro e depois a retirada do I Exército de
Choque enfraqueceram gravemente o anco direito da Frente Ocidental.
Como me pareceu que naquele setor não se deveria relaxar a pressão sobre o
inimigo, Sokolovsky e eu telefonamos para o Estado-Maior Geral e
solicitamos permissão para manter o I Exército de Choque. A resposta foi
simples: era ordem do comandante em chefe. Liguei para Stalin. Ele me deu
sua resposta:
— Não discuta. Retire-o.
À minha argumentação de que o desaparecimento desse Exército
enfraqueceria nosso grupo de choque, ele respondeu:
— Vocês dispõem de uma in nidade de soldados. Reagrupe-os.
Eu disse a ele que nossa Frente era muito ampla e que em todos os setores
a severidade dos combates tornava impossível reagrupá-los. Implorei para
que ele mantivesse o I Exército de Choque na ala direita da Frente Ocidental
até que houvéssemos completado a ofensiva em andamento. Não queríamos
aliviar nossa pressão sobre o inimigo.
Em vez de responder, Stalin desligou. Aquilo signi cava que a conversa
tinha terminado.
Minhas conversas com Shaposhnikov sobre esse assunto também foram
infrutíferas.
— Meu caro colega — disse Shaposhnikov —, eu não posso fazer nada; é
uma decisão pessoal do comandante em chefe.
Quando as tropas enfraquecidas da ala direita se aproximavam de
Gzhatsk, foram paralisadas pela defesa organizada do inimigo e não
puderam avançar mais.
Em 20 de janeiro, o V e o XXXIII Exércitos, avançando pelo centro, já
haviam tomado Ruza, Dorokhoyo, Mozhaisk e Vereya. O XLIII e o XLIX
Exércitos haviam chegado a Domanovo e enfrentado o contingente inimigo
de Yukhnov.
Entre 18 e 22 de janeiro, dois batalhões da 201ª Brigada Aerotransportada
e do 250º Regimento Aerotransportado foram lançados perto de Zhelanye,
cerca de 40 Km ao sul de Viazma, para cortar as rotas de fuga do inimigo.
O XXXIII Exército recebeu ordens para ampliar a borda que havia criado
na direção de Viazma. Com o 1º Corpo de Cavalaria de Belov, as unidades
aerotransportadas, os guerrilheiros e o 11º Corpo de Cavalaria da Frente de
Kalinin assumiram o controle em Viazma.
Em 27 de janeiro, o corpo do Exército de Belov atravessou a estrada de
Varsóvia a cerca de 30 km ao sul de Yukhnov, e três dias depois somaram-se
a ele as unidades aerotransportadas e os guerrilheiros do sul de Viazma. Três
Divisões de fuzileiros (113ª, 338ª e 160ª) do XXXIII Exército também se
juntaram a eles em fevereiro, sob o comando do tenente-general M. G.
Yefremov. A batalha por Viazma começou. Para reforçar o 1º Corpo de
Cavalaria de Belov, da Frente de Kalinin, o Quartel-General Supremo
ordenou o lançamento do 4º Corpo Aerotransportado na área de
Ozerchnya, a oeste de Viazma. Porém, por causa da falta de aeronaves de
transporte, só poderia ser trasladada para a área do objetivo a 8ª Brigada
Aerotransportada, formada por 2 mil homens.
Neste ponto, eu gostaria de detalhar um pouco mais as operações do
Corpo de Cavalaria de Belov, das duas Divisões reforçadas do XXXIII
Exército e das unidades do 4º Corpo Aerotransportado na retaguarda das
linhas inimigas. No curso de seu avanço de Naro-Fominsk para Viazma, o
XXXIII Exército havia progredido rapidamente, antes de 31 de janeiro, para
a área de Shansky Zavod e Domanovo, onde encontrou uma enorme brecha
nas defesas inimigas. A ausência de uma linha de frente ininterrupta sugeria
que os alemães não tinham tropas su cientes para se opor a uma forte
defesa de Viazma. Por isso, decidimos avançar em direção a Viazma antes
que o inimigo tivesse tempo de deslocar suas reservas. Se eles tomassem a
cidade, colocariam o conjunto de nossas forças de Viazma em uma situação
muito grave. O general Yefremov decidiu encabeçar, ele mesmo, o grupo de
ataque de seu Exército.
Quando o contingente do general Yefremov alcançou os arredores de
Viazma, o inimigo comprimiu a base da brecha de sua Frente, impedindo a
passagem do grupo de Yefremov e restabelecendo a linha ao longo do rio
Ugra. O anco direito do XXXIII Exército estava então em Shansky Zavode,
enquanto seu vizinho da esquerda, o XLIII Exército, estava retido em
Medyn, impossibilitado de cumprir as ordens de ajudar o grupo de
Yefremov.
Quando os corpos de cavalaria de Belov chegaram à área de Viazma e se
juntaram a Yefremov, também caram isolados na retaguarda. No momento
em que a 8ª Brigada Aerotransportada pôde ser lançada para reforçar nossas
tropas nas proximidades de Viazma, os alemães já haviam conseguido fazer
chegar ao local grandes reservas da França e de outros lugares, fortalecendo
enormemente suas defesas. Fomos forçados a abandonar todo o grupo
isolado na retaguarda das linhas inimigas em uma área arborizada a
sudoeste de Viazma, onde estavam localizadas várias unidades guerrilheiras.
Nos dois meses seguintes, o Corpo de Cavalaria de Belov, o contingente de
Yefremov, as unidades aerotransportadas e os grupos guerrilheiros atuaram
na retaguarda inimiga, causando grande impacto em seus efetivos e
equipamentos.
Em 10 de fevereiro, por exemplo, a 8ª Brigada Aerotransportada e os
guerrilheiros ocuparam a área de Morshanovo e Dyaglevo, destruindo o
Quartel-General da 5ª Divisão Panzer e colhendo muitas vitórias.
Depois de estabelecer contato por rádio com Belov e Yefremov, o
comando da Frente fez todo o possível para suprir suas tropas, por via aérea,
com munição, remédios e suprimentos. Muitos feridos também foram
evacuados por via aérea. O major-general V. S. Golushkevich, chefe de
operações no Quartel-General da Frente, e muitos o ciais de comunicações
visitaram em várias ocasiões o grupo isolado. Porém, no início de abril, sua
posição se havia deteriorado seriamente. O inimigo havia reunido tropas
para remover esse “espinho” de seu anco antes da primavera. O degelo
ocorrido no nal de abril di cultou a mobilidade do grupo e suas conexões
com os guerrilheiros, que lhes haviam fornecido alimentos e forragem.
A pedido dos generais Belov e Yefremov, o comando da Frente autorizou
um plano para as tropas isoladas tentarem voltar a se juntar à maior parte
das forças. Deveriam avançar pelo território guerrilheiro em direção a Kirov,
onde o X Exército planejava penetrar nas defesas inimigas para encontrar-se
com eles.
Os Corpos de Cavalaria de Belov e as unidades aerotransportadas
executaram as ordens com precisão. Depois de percorrerem um longo
caminho cheio de rastros de cascos de cavalaria, chegaram ao setor do X
Exército no nal de maio e no início de junho.
O general Yefremov, por sua vez, analisou a rota de fuga de suas tropas já
esgotadas e solicitou ao Quartel-General Supremo, por rádio, que
autorizasse uma penetração direta através do rio Ugra. Stalin chamou-me
por telefone e perguntou se eu estava de acordo. Eu respondi com um
retumbante não. Mas o comandante em chefe sustentava que Yefremov era
um chefe experiente e seria capaz de avançar. Stalin ordenou um ataque para
penetrar na direção que haviam sugerido. O ataque foi realizado pelo XLIII
Exército, creio que nos dias 17 ou 8 de maio, mas não houve qualquer
movimento do outro lado.
Depois, descobrimos que os alemães haviam detectado os movimentos de
Yefremov em direção ao rio Ugra e interceptado a tentativa de penetração.
Yefremov, que lutou como um herói, morreu na batalha desigual que se
seguiu, e com ele um número signi cativo de heroicos soldados de seu
destacamento. O general Yefremov havia assumido o comando do XXXIII
Exército em 25 de outubro, quando os alemães avançavam em direção a
Moscou. Suas tropas lutaram bravamente e não permitiram que o inimigo
cruzasse suas linhas. Yefremov foi condecorado com a Ordem da Bandeira
Vermelha por bravura durante a Batalha de Moscou. Entre os que morreram
com ele estava o chefe de artilharia de suas tropas, o major-general P. N.
Ofrosimov, que foi meu companheiro de turma nos anos de 1929 e 1930 nos
cursos para o ciais superiores do Exército Vermelho. O general Ofrosimov
era um excelente o cial de artilharia, altamente treinado, e uma grande
pessoa.
O Exército de Belov percorreu um caminho longo e difícil, evitando
habilmente a maior parte das forças inimigas e destruindo pequenas
unidades no caminho, até reunir-se com a maior parte das tropas soviéticas
através da brecha aberta pelo X Exército. Durante suas operações na
retaguarda do inimigo, o grupo perdeu a carga com seu armamento e
equipamentos pesados, mas a maioria dos homens conseguiu regressar à
Frente principal. Quando nalmente zeram contato, em um alegre
encontro com as tropas que haviam iniciado o ataque para se juntar a eles,
estavam exaustos. Os soldados e os comandantes derramaram lágrimas sem
constrangimento; lágrimas de felicidade e de amizade fraternal de nossos
combatentes.
Analisando criticamente os eventos de 1942, acho que cometemos um
erro ao avaliar a situação nas proximidades de Viazma. Superestimamos a
capacidade de nossas forças e subestimamos as do inimigo. Aquele osso
mostrou-se mais difícil de roer do que esperávamos.
Em fevereiro e março, o Quartel-General Supremo nos pediu para
aumentarmos a frequência das operações ofensivas, mas o efetivo e os
equipamentos disponíveis na Frente se esgotaram. Sofríamos especialmente
com a escassez de munição. Em comparação com as entregas previstas
durante os primeiros dez dias de janeiro, a Frente recebeu 1% dos projéteis
de morteiro de 82mm e, entre 20% e 30%, de obuses de artilharia. Durante
todo o mês de janeiro, recebemos 2,7% dos projéteis de morteiros de 50mm;
36% dos projéteis de morteiros de 120mm; 55% dos projéteis de morteiros
de 82mm e 44% dos obuses de artilharia. As entregas previstas para
fevereiro também não foram cumpridas. Não recebemos nenhum dos 316
carregamentos de munição previstos para os primeiros dez dias. Como as
munições da nossa artilharia de foguetes estavam esgotadas, tivemos que
enviar essas unidades para a retaguarda. Pode ser difícil de acreditar, mas
tivemos que racionar o uso dos projéteis para um ou dois por arma ao dia. E
isso durante uma ofensiva!
Em um relatório que enviei a Stalin a esse respeito, em 14 de fevereiro de
1942, a rmei:
A escassez de projéteis impossibilita-nos realizar descargas de artilharia.
O sistema de fogo do inimigo ainda está intacto. Nossas tropas,
atacando sem o apoio da artilharia, sofrem numerosas baixas e não
conseguem o progresso esperado.
O Quartel-General Supremo decidiu fortalecer os setores que
compunham a Frente Ocidental, mas era tarde demais. Alertado pelo curso
dos acontecimentos, o inimigo havia reforçado bastante seu contingente em
Viazma. Apoiando-se nas posições anteriormente ocupadas, retomou os
ataques contra a Frente Ocidental e de Kalinin.
Excessivamente pressionadas e muito enfraquecidas, nossas tropas tinham
cada vez mais di culdades para superar a oposição inimiga. Sucessivos
relatórios e recomendações do comandante e do conselho militar sobre a
necessidade de interromper o avanço de nossas linhas e fortalecê-las foram
rejeitados. Stalin exigia que atacássemos.
— Se eles não obtiverem resultados hoje — dizia —, obterão amanhã.
Atacando, pelo menos podem conter o inimigo. Os resultados bene ciarão
outras áreas da Frente.
Em uma ordem datada de 20 de março, o comandante em chefe voltava a
exigir um esforço mais vigoroso para alcançar nossos objetivos.
No nal de março e início de abril, as Frentes ocidentais tentaram colocar
em prática a ordem que as obrigava a derrotar o contingente inimigo de
Rzhev-Viazma, mas os esforços fracassaram. O Quartel-General Supremo
viu-se nalmente forçado a aceitar nossa recomendação para que as tropas
soviéticas adotassem posições defensivas, seguindo uma linha traçada
através de Velikiye Luki, Velizh, Demidov, Bely, Dukhovshchina, Nelidovo,
Rzhev, Pogoreloye Gorodishche, Gzhatsk, o rio Ugra, Spas-Demensk, Kirov,
Lyudinovo, Kholmishchi e o rio Oka. Consequentemente, durante a ofensiva
de inverno, as tropas da Frente Ocidental avançaram entre 70 km e 100 km e
melhoraram um pouco a localização estratégica das operações no Oeste.
Ao mesmo tempo, as operações de Leningrado, Volkhov, Frente Sul e
Frente Sudoeste não alcançaram seus objetivos, pois as forças soviéticas
careciam de superioridade de efetivos e armamento e haviam encontrado
forte resistência inimiga.
Os fatos demonstravam o erro da decisão de Stalin de ordenar uma
ofensiva geral em janeiro. Teria sido mais prudente concentrar mais forças
no setor ocidental (Frentes Noroeste, Ocidental, de Kalinin e de Bryansk) e
ter executado um golpe devastador sobre o Grupo de Exércitos Centro, para
forçá-los à retirada para uma linha que passava por Staraya Russa, Velikiye
Luki, Vitebsk, Smolensk e Bryansk, antes de adotar posições defensivas para
a campanha de verão de 1942.
Se os 9 Exércitos da reserva do Quartel-General Supremo não estivessem
espalhados por toda a Frente, mas concentrados no Oeste, o grupo central
do inimigo teria sido esmagado e o curso da guerra como um todo poderia
ter sido afetado.
O resultado nal da grande batalha de Moscou mostrou-se exemplar para
o lado soviético e deprimente para o inimigo.
Ao descrever uma batalha, o general alemão Westphal reconheceu que “o
Exército alemão, antes considerado invencível, está à beira da destruição”.
Outros generais alemães manifestaram reconhecimento semelhante,
incluindo Tippclskirch, Günther Blumentritt, Fritz Bayerlein e F. von
Manteu el. São fatos irrefutáveis. Os alemães perderam mais de 500 mil
soldados, 1,3 mil tanques, 2,5 mil canhões, 15 mil caminhões e grande
quantidade de equipamentos adicionais. Foram repelidos para o oeste a uma
distância entre 160 km e 320 km de Moscou.
A contraofensiva soviética de 1941-1942 foi levada adiante sob as duras
condições de um inverno nevado e frio e, mais importante, sem
superioridade numérica sobre o inimigo. Além disso, nossas Divisões
mecanizadas e blindadas atuaram abaixo de sua força máxima. Sabemos, por
experiência, que em semelhantes condições não é possível realizar operações
ofensivas em larga escala. Somente com poderosas unidades mecanizadas e
blindadas é possível antecipar-se às manobras do inimigo, anquear suas
forças e interceptar suas rotas de fuga.
Na Batalha de Moscou, pela primeira vez em seis meses de guerra, o
Exército Vermelho impôs uma derrota importante às forças inimigas. Foi a
primeira vitória estratégica sobre a Wehrmacht desde o início da Segunda
Guerra Mundial. Antes da Batalha de Moscou, as Forças Armadas soviéticas
já haviam realizado uma série de operações importantes, que retardaram o
avanço da Wehrmacht nos três principais setores da frente soviética. Mas
nenhuma dessas operações igualou em envergadura nem em resultados a
grande batalha diante dos limites da capital soviética. A execução hábil de
operações defensivas, o lançamento bem-sucedido de contra-ataques e a
rápida transição para a contraofensiva enriqueceram imensamente a arte
militar soviética e demonstraram a crescente maturidade estratégica e tática
dos nossos comandantes militares, bem como o aprimoramento do domínio
militar pelos soldados soviéticos em todos os tipos de missões.
A derrota dos alemães em Moscou também teve enorme importância
internacional. A população de todos os países da coalizão antinazista
recebeu com entusiasmo transbordante a notícia da notável vitória das
armas soviéticas. Toda a humanidade progressista vinculou essa vitória à sua
esperança de uma rápida libertação do jugo fascista. Os fracassos das tropas
alemãs em Leningrado, em Rostov, na região de Tikhvin e na batalha de
Moscou tiveram grande impacto nos círculos reacionários do Japão e da
Turquia e os obrigaram a adotar medidas mais cautelosas em relação à
União Soviética.
Como consequência da derrota dos alemães diante de Moscou, a iniciativa
estratégica em todos os setores da Frente germano-soviética passou ao
comando soviético. Em um esforço para restaurar a capacidade de combate
de suas tropas, a liderança político-militar nazista teve que adotar uma série
de medidas de longo alcance e transferir várias tropas da França e de outros
países ocupados para a Frente germano-soviética. Os nazistas tiveram que
pressionar mais seus governos satélites para induzi-los a enviar tropas e
suprimentos adicionais para o Leste, o que agravou a situação política nesses
países.
Após a derrota dos nazistas em Moscou, não apenas os soldados rasos
alemães, mas também muitos o ciais e generais se convenceram do poderio
do Estado soviético e reconheceram que as nossas Forças Armadas
representavam um obstáculo insuperável para o sucesso dos objetivos de
Hitler.
Apesar de seus minuciosos preparativos, os alemães encontraram várias
circunstâncias importantes e imprevistas na guerra contra a União Soviética.
Nunca haviam imaginado, por exemplo, que teriam que lutar em duas
frentes: contra o Exército Vermelho e contra poderosas forças guerrilheiras
que participaram muito ativamente da guerra sob a orientação de
organizações partidárias clandestinas. Os nazistas também não esperavam
que suas forças fossem abatidas em 1941 sem haver alcançado um único
objetivo estratégico sequer. Elas tiveram que adotar posições defensivas em
toda a Frente germano-soviética, perdendo assim a iniciativa estratégica.
A derrota das tropas alemãs em Moscou deixou claro para todo o mundo
que os planos de Hitler de lançar uma guerra-relâmpago contra a União
Soviética haviam colapsado. A derrota das tropas fascistas alemãs havia
começado, e o Estado soviético era invencível.
Todas as unidades militares soviéticas lutaram com extraordinária
determinação e bravura durante a terrível batalha de Moscou. Todos, desde
os soldados rasos até os generais, exibiram enorme heroísmo no
cumprimento de dever sagrado para com a Pátria, sem poupar forças nem a
própria vida em defesa da cidade.
Expressando minha profunda gratidão a todos os sobreviventes da
batalha, curvo minha cabeça com a serena lembrança daqueles que se
ofereceram à morte, mas não permitiram que o inimigo penetrasse no
coração de nossa Pátria, em nossa capital, a heroica cidade de Moscou.
Muitas vezes me fazem a seguinte pergunta: “Onde estava Stalin durante a
Batalha de Moscou?”
Estava em Moscou, organizando as tropas e os meios para derrotar o
inimigo. Seu trabalho deve ser reconhecido. Como chefe do Comitê de
Defesa do Estado, com os membros do Quartel-General Supremo e os
líderes dos Comissariados do Povo, executou um trabalho de primeira
ordem na organização de reservas estratégicas e dos meios técnicos e
materiais essenciais para o enfrentamento militar. Com suas exigências
severas, pode-se que dizer que alcançou o que parecia ser quase impossível.
Na época da Batalha de Moscou, prestava muita atenção aos conselhos que
lhe davam, mas às vezes tomava decisões que não estavam de acordo com a
situação. Foi o que ocorreu nos casos da transferência do I Exército de
Choque para a reserva e da dispersão de ofensivas por todas as Frentes.
Quando me perguntam qual minha lembrança mais forte de toda a guerra
sempre respondo a mesma coisa: a Batalha de Moscou. Um quarto de século
se passou, mas os eventos históricos e as batalhas ainda permanecem em
minha memória. Sob condições exaustivas, difíceis e quase
catastro camente complexas, nossas tropas se fortaleceram, amadureceram
e acumularam experiência. Com apenas o armamento essencial,
abandonaram as manobras de retirada e defensivas para passar a uma
ofensiva contundente. Nossos descendentes, agradecidos, nunca esquecerão
os sacrifícios duros e heroicos realizados pelo povo soviético e os sucessos
militares alcançados pelas Forças Armadas soviéticas naquela época. A
Batalha de Moscou lançou as bases para a subsequente derrota da Alemanha
nazista.
15
O Regulamento de Campanha do Exército Vermelho, de 1942, dizia: “Com o aniquilamento da
posição defensiva do inimigo, deve-se passar imediatamente ao cerco das unidades que tenham
escapado, iniciando-se uma perseguição tenaz, com o uso de todas as forças. A perseguição requer
grande iniciativa dos comandantes. A espera pela chegada de novas unidades é inadmissível. A
perseguição deve prosseguir sem pausa até o completo aniquilamento do inimigo que se retira.
Somente o Alto Comando pode fazer cessar a perseguição. O propósito básico de cada batalha não
será plenamente atingido se o inimigo batido puder retirar-se.” [N.E.]
STALINGRADO
Agosto de 1942 – Fevereiro de 1943

A Batalha de Stalingrado foi particularmente violenta. Só pode ser


comparada à Batalha de Moscou. De 19 de novembro de 1942 a 2 de
fevereiro de 1943, foram dizimadas 32 Divisões e 3 Brigadas inimigas,
enquanto outras 16 Divisões restantes perderam entre 50% e 75% de
seus combatentes.
As perdas totais das forças inimigas nas regiões do Don, Volga e
Stalingrado chegaram a 1,5 milhão de homens, 3,5 mil blindados, 12
mil peças de artilharia, 3 mil aviões e muitos outros equipamentos. Tais
perdas em homens e meios in uíram drasticamente na situação
estratégica geral e abalaram a base de toda a máquina militar da
Alemanha nazista. O inimigo perdeu a iniciativa estratégica.
GEORGY JÚKOV
I

A situação interna e internacional da União Soviética melhorou um pouco


no nal da primavera de 1942. A frente antifascista expandiu-se e se
fortaleceu. Em janeiro, 26 nações assinaram uma declaração, pela qual
aceitavam usar todos os meios disponíveis na luta contra os agressores e não
concordar com um cessar-fogo ou um acordo de paz em separado. A União
Soviética chegou a um acordo com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha para
abrir uma segunda frente na Europa em 1942. Esses e outros fatores,
especialmente a derrota das tropas alemãs diante de Moscou e a falência dos
planos de Hitler de realizar uma guerra-relâmpago, deram novas energias às
forças antifascistas em todos os países.
Um período de calma havia começado na frente germano-soviética, pois
ambos os lados haviam assumido posições defensivas. Soldados cavavam
trincheiras, construíam abrigos, minavam os acessos às suas posições
avançadas, colocavam cercas de arame farpado e executavam outras tarefas
de proteção. Os comandos e o pessoal dos quartéis-generais resolviam
problemas dos sistemas de ataque, de coordenação entre diferentes Corpos e
de outros tipos.
O Quartel-General Supremo e as unidades militares individuais
analisavam a primeira fase da guerra, revisavam e recapitulavam as
operações exitosas e as fracassadas, dedicando bastante tempo ao estudo das
táticas e das capacidades operacionais e estratégicas do inimigo, de seus
pontos fortes e fracos.
A grande vitória do Exército Vermelho nas proximidades de Moscou
havia preparado um ponto de virada fundamental. Encorajado, o povo
soviético concluiu a reorientação da economia de guerra. Um número
crescente de novos tanques, aviões, peças de artilharia, projéteis e munições
começou a chegar às Forças Armadas.
No interior do país, novas reservas estratégicas de todos os tipos estavam
sendo criadas. A crescente capacidade produtiva da indústria soviética de
blindados e de artilharia permitiu ao Comando Supremo iniciar a criação de
Corpos e Exércitos de tanques independentes, armados com os
equipamentos mais modernos da época.
As Forças Armadas começaram a receber canhões antitanque
modernizados de 45 mm e novos canhões de 76 mm. Novas Brigadas e
Divisões antitanque foram criadas para combater grandes unidades
blindadas do inimigo.
Foram tomadas medidas para melhorar a defesa aérea das Forças
Armadas e do país como um todo. A Força Aérea começou a criar Corpos
independentes. Em junho, o país possuía oito. A força de bombardeiros de
longo alcance e a reserva aérea do Comando Supremo receberam reforços.
O Exército soviético contava com 5,5 milhões de homens, 5 mil tanques, 41
mil canhões e morteiros e 2,5 mil aeronaves. As Forças Armadas
expandiram o treinamento militar para dominar a recente experiência de
guerra e as novas armas.
Após analisar o trabalho político, o Comitê Central adotou uma série de
medidas para melhorar a estrutura do Partido e a propaganda nas Forças
Armadas. Na che a da Administração Política Central das Forças Armadas,
L. Z. Mekhlis foi substituído por A. S. Shcherbakov, um dos secretários
nacionais do Partido. O Comitê Central solicitou aos conselhos militares de
cada uma das Frentes e Exércitos que melhorassem o trabalho entre os
soldados e os o ciais, para reforçar a disciplina e fortalecer a resistência e a
capacidade de combate das tropas.
O comando alemão também preparava-se para a campanha de verão,
sempre considerando a frente soviética como seu principal teatro de
operações. A liderança nazista continuou a enviar forças-satélites para a
frente oriental. Ao longo da totalidade da frente, desde o mar de Barents até
o mar Negro, a Alemanha nazista e seus aliados haviam colocado 217
Divisões e 20 Brigadas, das quais 178 Divisões, 8 Brigadas e 4 Frotas Aéreas
eram alemãs. Dada a ausência de uma segunda frente, a Alemanha
conseguia manter apenas 20% de suas Forças Armadas em outras frentes e
nos países ocupados.
Em maio de 1942, o total de forças inimigas na frente germano-soviética
consistia em um Exército de 6,2 milhões homens (incluindo 810 mil
soldados de países aliados), 3,2 mil tanques e canhões autopropulsados, 57
mil canhões e morteiros e 3,4 mil aeronaves. Portanto, os alemães
continuavam sendo superiores em efetivos, artilharia e morteiros. Tínhamos
uma leve superioridade numérica em tanques, mas a maioria dos nossos
cava atrás dos alemães em termos de qualidade.
Em linhas gerais, a estratégia política e militar de Hitler para 1942 buscava
a derrota das tropas soviéticas no Sul, a conquista do Cáucaso, um avanço
em direção ao rio Volga e a tomada de Stalingrado e Astrakhan, preparando
o cenário para a destruição do Estado soviético.
Embora o comando alemão continuasse a manter superioridade sobre as
Forças Armadas soviéticas em efetivos e em material, seus planos para a
ofensiva de 1942 precisavam levar em conta o fato de que seu Exército não
era mais capaz de lançar ofensivas simultâneas em todos os setores
estratégicos, como havia feito em 1941 com a Operação Barbarossa.
A dispersão das tropas alemãs do mar de Barents até o mar Negro fez
diminuir a densidade de operações ao longo de toda a Frente.
Por meio de uma série de medidas, o comando alemão conseguiu
reconstituir o Grupo de Exércitos Sul, concentrando-o no setor sudoeste da
frente com forças muito superiores às nossas.
A Diretriz nº 41 de Hitler, de 5 de abril de 1942, instava as Forças
Armadas alemãs a assumir o controle das regiões industriais e agrícolas mais
ricas da União Soviética para bene ciar-se de recursos econômicos
adicionais (principalmente, o petróleo do Cáucaso) e obter uma posição
estratégica dominante, necessária para atingir seus objetivos militares e
políticos.
Hitler e seus generais esperavam que as Forças Armadas alemãs pudessem
atacar Leningrado e Moscou novamente tão logo obtivessem a vitória no Sul
da União Soviética.
Ao planejar seu avanço no Cáucaso e na direção do Volga, os alemães
também pretendiam privar a União Soviética de linhas de comunicação com
seus aliados.
Na primavera de 1942, passei muito tempo no Quartel-General Supremo
e sabia como Stalin avaliava a situação e as perspectivas. Ele não acreditava
nas garantias oferecidas por Churchill e Roosevelt de que uma segunda
frente seria aberta na Europa, mas não havia perdido a esperança de que
tentassem abri-la em outro lugar. Stalin con ava mais em Roosevelt que em
Churchill, a quem considerava falso e profundamente antissoviético.
Stalin supunha que, no verão de 1942, os alemães seriam capazes de
lançar grandes ofensivas em dois setores estratégicos, muito provavelmente
na região de Moscou e no Sul. Stalin não esperava nenhuma atividade alemã
relevante no Norte e no Noroeste. Acreditava que nessas áreas, no máximo,
o inimigo tentaria corrigir a linha de frente e melhorar a disposição de suas
tropas.
Dos dois setores em que Stalin esperava grandes ofensivas inimigas,
Moscou era o que mais o preocupava, porque ali os alemães haviam
acumulado 70 Divisões.
Quanto aos nossos planos para a primavera e o verão de 1942, ele
considerava que não tínhamos tropas nem material para lançar operações
ofensivas de grande alcance. Acreditava que, no futuro mais imediato, as
Forças Armadas soviéticas deveriam se limitar a uma defesa estratégica
ativa16 e realizar algumas ofensivas restritas na península da Crimeia, em
torno de Kharkov e nos setores de Lgov-Kursk e Smolensk, bem como em
torno de Leningrado e Demyansk.
Eu sabia que o marechal Shaposhnikov, chefe do Estado-Maior,
concordava com Stalin em linhas gerais, com a ressalva de que, para ele, o
plano de operações soviético deveria prever uma defesa estratégica ativa
para exaurir o inimigo no início do verão, preparando-se para empreender
operações contraofensivas generalizadas quando houvesse reservas
disponíveis. Eu julgava essencial adotar medidas no início do verão para
eliminar o agrupamento inimigo de Rzhev-Viazma, onde os alemães
mantinham um grande saliente com tropas poderosas. O Quartel-General
Supremo e o Estado-Maior Geral estavam mais preocupados com os setores
de Orel-Tula e Kursk-Voronezh, com a perspectiva de um possível ataque
inimigo que contornasse Moscou pelo sudoeste. Consequentemente, foi
tomada a decisão de concentrar grande parte das reservas do Comando
Supremo na Frente de Bryansk antes do nal da primavera. Em meados de
maio, a Frente de Bryansk recebeu 4 Corpos de Tanques, 7 Divisões de
Fuzileiros, 11 Brigadas de Fuzileiros independentes, 4 Brigadas de Tanques
independentes e grande quantidade de artilharia. Além disso, o V Exército
de Tanques do Quartel-General Supremo assumiu posições por trás da
Frente de Bryansk para lidar com um forte contra-ataque, caso o inimigo
golpeasse essa Frente. Eu concordava essencialmente com as previsões
estratégicas e operacionais de Stalin, mas não podia concordar com ele sobre
o número proposto de operações ofensivas independentes; elas absorveriam
nossas reservas e di cultariam ainda mais a preparação de uma ofensiva
geral.
De minha parte, propus que lançássemos uma ofensiva intensa contra o
saliente inimigo de Rzhev-Viazma,17 com tropas das Frentes Ocidental e de
Kalinin, apoio aéreo de unidades do Comando Supremo e das forças de
defesa aérea de Moscou e com parte das tropas da Frente Noroeste.
Para mim, essa incursão contra os alemães a oeste de Moscou
enfraqueceria muito o inimigo e o forçaria a abandonar grandes operações
ofensivas, pelo menos em futuro imediato. Pensando em retrospectiva, isso
pode parecer discutível, mas naquele momento, na falta de informações
completas sobre as intenções do inimigo, eu estava convencido de que tinha
razão.
Dada a complexidade do problema, Stalin convocou uma reunião para
analisar a situação geral e as várias alternativas apresentadas para a
campanha de verão. A reunião, realizada no Comitê de Defesa do Estado no
nal de março, contou com a minha presença e a de Voroshilov,
Timoshenko, Shaposhnikov, Vasilevsky e Bagramyan.
Shaposhnikov ofereceu um relatório detalhado, que, em termos gerais,
con rmava as previsões de Stalin. Mas, tendo em vista a superioridade
numérica do inimigo e a ausência de uma segunda Frente na Europa,
Shaposhnikov propôs que no futuro imediato nos limitássemos à defesa
ativa. Estava inclinado a concentrar a maior parte das reservas estratégicas
na seção central da Frente, incluindo a área de Voronezh, onde o Estado-
Maior Geral esperava que a ação principal ocorresse no verão de 1942.
Shaposhnikov estava estudando alguns dos problemas organizacionais do
plano de uma ofensiva, elaborada pelo Comando do Sudoeste, de
Timoshenko (que incluía tropas das Frentes de Bryansk, Sudoeste e Sul),
quando Stalin o interrompeu.
— Não podemos car na defensiva e cruzar os braços até que os alemães
deem o primeiro golpe! Devemos lançar ataques preventivos em uma frente
ampla e sondar as intenções do inimigo.
E imediatamente acrescentou:
—Júkov propõe que lancemos uma ofensiva nos setores ocidentais e
continuemos na defensiva nos demais locais. Eu acho que são meias
medidas.
Então, Timoshenko falou. Disse que os soldados do Comando do
Sudoeste estavam prontos e deveriam iniciar um ataque preventivo contra os
alemães para frustrar seus planos ofensivos contra as Frentes Sul e Sudoeste.
Caso contrário, o inimigo repetiria o que havia alcançado no início da
guerra. Com relação a uma ofensiva nos setores ocidentais, ele apoiava
minha opinião de que isso comprometeria as forças do inimigo.
Tomei a palavra novamente para me opor ao plano de realizar várias
ofensivas. Embora eu acreditasse que Shaposhnikov também se opunha a
realizar várias operações independentes, ele cou calado nessa ocasião. A
reunião foi concluída com uma ordem de Stalin para iniciar operações
ofensivas num futuro próximo na península da Crimeia, em Kharkov e nos
demais locais. Todos voltamos aos nossos postos.
Os acontecimentos de maio e junho con rmaram os erros de cálculo do
Quartel-General Supremo. Nossas Forças Armadas foram novamente
submetidas a severas provas no Sul. A ofensiva lançada no nal de abril na
Crimeia fracassou. Os soldados da Frente da Crimeia, liderados pelo
tenente-general D. T. Kozlov, não alcançaram seus objetivos e sofreram
numerosas baixas. O Quartel-General Supremo ordenou que o comando da
Frente assumisse sólidas posições defensivas.
Mas, em 8 de maio, após concentrar suas forças de choque e providenciar
amplo apoio aéreo contra a Frente da Crimeia, o inimigo penetrou em
nossas defesas. Encurralados em uma grave situação, nossos soldados foram
forçados a abandonar Kerch.
Essa derrota complicou bastante a situação em Sevastopol, que resistia
obstinadamente desde outubro. Tomando Kerch, o comando alemão
poderia concentrar suas forças contra Sevastopol.
Em 4 de julho, após um cerco e combates encarniçados que se
prolongaram por nove meses, nos quais marinheiros e soldados soviéticos
obtiveram glória imortal, nossas forças abandonaram Sevastopol. Isso
signi cava a perda de toda a península da Crimeia, o que complicava
bastante a perspectiva global e melhorava a posição do inimigo, que agora
tinha um Exército adicional para reforçar outras posições.
Em 3 de maio, a Frente Noroeste lançou uma ofensiva contra o XVI
Exército Alemão em Demyansk. A batalha, que durou um mês inteiro, não
nos deu a vitória, mesmo com numerosas baixas sendo in igidas ao inimigo.
Mais ou menos naquela época, conversei com Stalin por telefone sobre a
Frente da Crimeia e a situação do Comando Sudoeste.
— Veja para onde a defesa está nos levando — ele disse. — Deveríamos
punir severamente Kozlov, Mekhlis e Kulik por seu descuido, para que os
outros parem de perder tempo. Timoshenko logo começará sua ofensiva. E
você? Você ainda não mudou de ideia sobre nossa tática no Sul?
Eu disse que não. Ainda acreditava que deveríamos perseguir o inimigo
no Sul com ataques aéreos e fogo de artilharia, desgastá-lo com ações
defensivas e só então passar para a ofensiva.
No entanto, as tropas de Comando Sudoeste lançaram uma ofensiva no
dia 12 de maio na direção de Kharkov, realizando dois ataques, um deles na
área de Volchansk e outro do saliente de Barvenkovo. A Frente Sudoeste foi
encarregada da operação no saliente de Barvenkovo. Mas o Comando
Sudoeste ignorou a ameaça representada por uma grande concentração de
tropas alemãs na área de Kramatorsk, na base do saliente.
Depois de lançar sua ofensiva no saliente de Barvenkovo, as forças de
Comando Sudoeste penetraram nas defesas inimigas e avançaram de 25 km
a 50 km em três dias, mas a operação só conseguiu isto.
Na manhã de 17 de maio, 11 Divisões do Grupo de Exércitos Kleist
passaram à ofensiva no setor Slavyansk-Kramatorsk, na base do saliente de
Barvenkovo, contra o IX e o LVII Exércitos da nossa Frente Sudoeste. O
inimigo rompeu as defesas soviéticas, avançou 80 km em dois dias e inseriu
uma cunha no anco da ala esquerda da Frente Sudoeste, em Petrovskoye.
Estive presente durante uma conversa entre Stalin e Timoshenko, em
meados de maio, e lembro claramente que Stalin expressou profunda
preocupação com a ameaça representada pelo agrupamento inimigo que
estava em Kramatorsk.
Timoshenko informou que seu Conselho Militar considerava que essa
ameaça havia sido exagerada e não havia motivos su cientes para
interromper a operação de Kharkov. Naquela mesma noite, Stalin analisou o
assunto com N. S. Krushchev, membro do Conselho Militar do Comando
Sudoeste, que expressou a mesma opinião de Timoshenko. O Comando
Sudoeste manteve essa opinião até 18 de maio. Naquela noite, a deterioração
da situação começou a causar profunda preocupação no general Vasilevsky,
vice-chefe do Estado-Maior Geral, que apelou para que Stalin interrompesse
a operação de Kharkov e usasse nossas forças no saliente de Barvenkovo
para repelir o ataque do agrupamento inimigo de Kramatorsk.
Stalin rejeitou a proposta de Vasilevsky, citando as recomendações do
Comando Sudoeste. A versão de Krushchev, de que o Conselho Militar do
Comando Sudoeste havia advertido Stalin para abortar a operação de
Kharkov, não corresponde aos fatos. Posso dizer isto porque estive presente
nessas conversas com Stalin.
Em 19 de maio, o Conselho Militar do Comando Sudoeste nalmente
entendeu a situação e começou a tomar medidas para repelir o ataque
alemão, mas era tarde demais. Em 22 de maio, o VI e o LVII Exércitos,
partes do VIII Exército e o agrupamento do general L. V. Bobkin já estavam
completamente cercados. Muitas unidades romperam as linhas, mas outras
não conseguiram e lutaram até o m, sem se render.
Entre os que perderam a vida nessa batalha estava o general E. Ya.
Kostenko, subcomandante da Frente Sudoeste, herói da Guerra Civil e ex-
comandante do 19º Regimento Manych da 4ª Divisão de Cavalaria, que tive
sob meu comando de 1932 a 1936. Também faleceram o general K. P.
Podlas, comandante do LVII Exército, o general A. M. Gorodnyansky,
comandante do VI Exército, e o general Bobkin. Este último havia sido meu
companheiro em cursos de atualização para comandantes veteranos. Todos
eram homens de destaque, excelentes comandantes e lhos leais do nosso
Partido e do nosso país.
É fácil perceber a razão fundamental do fracasso da operação de Kharkov:
subestimamos a séria ameaça ao Comando Sudoeste e erramos ao não
posicionar as reservas do Quartel-General Supremo na região. Se tivéssemos
colocado vários Exércitos de reserva na retaguarda da Frente, poderíamos
ter evitado a catástrofe da operação de Kharkov no verão de 1942.
Intensos combates continuaram a ser travados no setor sudoeste durante o
mês de junho. Sob forte pressão do inimigo, nossas forças recuaram,
sofrendo numerosas baixas nas proximidades do rio Oskol, onde tentaram
levantar linhas defensivas.
Em 28 de junho, o inimigo lançou uma ofensiva mais ampla, atacando da
área de Kursk em direção a Voronezh, contra o XIII e o XIV Exércitos da
Frente de Bryansk. No dia 30 de junho, o VI Exército alemão, do setor de
Volchansk, lançou uma ofensiva em direção a Ostrogozhsk, rompendo as
defesas dos nossos XXI e XXVIII Exércitos. Na área de Voronezh, a situação
de nossas forças constantemente se deteriorava e algumas delas estavam
paralisadas.
Vejamos como o marechal Vasilevsky avaliou a situação em suas
memórias:
A situação na área de Voronezh havia se deteriorado tremendamente no
nal do dia 2 de julho. O inimigo havia atravessado nossas linhas numa
área de 80 km na con uência das Frentes de Bryansk e Sudoeste. As
reservas da Frente disponíveis nesse setor foram lançadas à batalha.
Havia o risco evidente de que as forças de choque inimigas
atravessassem o rio Don e tomassem Voronezh. Para impedir o inimigo
de pressionar o Don e impedir seu avanço, o Quartel-General Supremo
designou dois de seus Exércitos terrestres de reserva [o VI e o XVI, G.
Júkov] para comandar a Frente de Bryansk e ordenou que eles se
posicionassem ao longo da margem direita do rio Don, entre Zadonsk e
Pavlovsk. Ao mesmo tempo, o V Exército de Tanques foi transferido
para a Frente de Bryansk, com o objetivo de unir-se às unidades
blindadas da própria Frente em contra-ataques contra o anco e a
retaguarda das forças alemãs que avançavam em direção a Voronezh.
[...] Uma ação decisiva e imediata do V Exército de Tanques poderia ter
inclinado a situação a nosso favor. [...] No entanto, o Exército de
Tanques não recebeu nenhuma instrução do comando da Frente em 3
de julho. Depois de haver ordenado aos comandantes do Exército e aos
da Frente de Bryansk que se preparassem para contra-atacar
imediatamente, eu mesmo fui a Yelets com ordens do Quartel-General
Supremo para acelerar o movimento do V Exército de Tanques. Apesar
da assistência prestada pelo Quartel-General Supremo e pelo Estado-
Maior Geral, a situação na Frente de Bryansk continuou se
deteriorando, em grande parte por causa de erros de comando
cometidos na Frente e nos Exércitos. Assim, o Quartel-General
Supremo ordenou que a Frente de Bryansk fosse dividida em duas, com
uma nova Frente de Voronezh sob o comando de N. F. Vatutin e com K.
K. Rokossovsky substituindo F. I. Golikov no comando da Frente de
Bryansk.
A participação do VI e do XVI Exércitos de Campanha e do V Exército de
Tanques reforçou nossas defesas na área de Voronezh, mas não erradicou
completamente o perigo de uma penetração do inimigo através do Don e
um avanço pelo rio em direção a Stalingrado.
Como consequência de nossas baixas na Crimeia e da derrota das tropas
soviéticas no saliente de Barvenkovo, na bacia de Donets e nas proximidades
de Voronezh, o inimigo havia retomado a iniciativa estratégica. Com a ajuda
de tropas de suporte, iniciou um rápido avanço em direção ao rio Volga para
entrar no Cáucaso. Em meados de julho, os alemães haviam levado nossas
tropas a retroceder ao rio Don, desde Voronezh até Kletskaya e desde
Surovikino até Rostov, e haviam iniciado uma batalha na grande curva do
rio Don com a intenção de chegar a Stalingrado.

16
Defesa ativa: recuo com ações retardadoras do avanço adversário, com contra-ataques constantes;
contrasta com a defesa estacionária. [N.E.]
17
Golpe de saliente era o equivalente soviético à Blitzkrieg alemã, manobra ofensiva com ênfase no
ímpeto e na rapidez. [N.E.]
II

Com a nossa retirada forçada, o inimigo ganhou o controle das regiões ricas
do Don e da bacia de Donets. Estávamos enfrentando a ameaça imediata de
uma penetração inimiga no Volga e no Norte do Cáucaso, a perda das
planícies de Kuban e a ruptura de todas as linhas de comunicação com o
Cáucaso, uma região importante, que fornecia petróleo tanto ao Exército
quanto à indústria. Naquele momento, o comandante supremo emitiu a
Ordem 227, que implementava várias medidas para combater os que
semeavam o pânico e quebravam a disciplina, e condenou as inclinações
“derrotistas”. A Ordem 227 foi apoiada por intensas ações de propaganda
política e outras medidas por parte do Comitê Central do Partido.
As tropas da Frente Sudoeste sofreram pesadas baixas na retirada da área
de Kharkov e não conseguiram impedir o avanço do inimigo. A Frente Sul,
que também estava sofrendo perdas substanciais, não conseguiu conter o
avanço dos alemães em direção ao Cáucaso.
Em uma tentativa de impedir que os alemães chegassem ao rio Volga, o
Quartel-General Supremo estabeleceu em 12 de julho uma nova Frente de
Stalingrado, que incluía o LXII Exército, sob o comando do general V. Ya.
Kolpakchi, o LXIII Exército do tenente-general V. I. Kuznetsov, além dos
LXIV e XXI Exércitos da Frente Sudoeste, que deixara de existir. O
Comando Sudoeste foi dissolvido em 23 de junho.
Todo o Conselho Militar da antiga Frente Sudoeste passou para a nova
Frente de Stalingrado, que mais tarde foi reforçada com o I e o IV Exércitos
de Tanques, em processo de formação, e os elementos restantes do XXVIII,
do XXXVIII e do LVII Exércitos. A Flotilha do Volga também foi anexada
ao comando da Frente.
Foram construídas linhas defensivas e forti cações nas vias de acesso a
Stalingrado. Como na defesa de Moscou, milhares de cidadãos participaram
desse esforço e prepararam abnegadamente a defesa da cidade.
O comitê regional do Partido e o da cidade de Stalingrado organizaram a
criação e o treinamento de milícias populares e destacamentos defensivos
formados por trabalhadores e evacuaram da cidade as crianças, os idosos e
os bens mais valiosos.
Em 17 de julho, a Frente de Stalingrado apoiava uma linha defensiva que
corria ao longo da margem esquerda do rio Don, de Pavlovsk a
Seravimovich e Kletskaya, para depois continuar para o sul até Surovikino e
Verkhne-Kurmoyarskaya.
Enquanto isso, a Frente Sul sofria baixas insubstituíveis em sua retirada.
Seus quatro Exércitos tinham pouco mais de 100 mil homens. Na tentativa
de fortalecer o comando das forças localizadas no Norte do Cáucaso, o
Quartel-General Supremo eliminou a Frente Sul e transferiu todas as tropas
de que ela ainda dispunha para a Frente do Norte do Cáucaso, sob o
comando do marechal S. M. Budenny.
Ao XXXVII e ao XII Exércitos da Frente do Norte do Cáucaso foi
atribuída a cobertura do setor de Stavropol, e ao XVIII, LVI e XLVII
Exércitos a do setor de Krasnodar.
No nal de julho, a Frente de Stalingrado era formada por 38 Divisões,
metade das quais dispunha de 6 mil a 8 mil homens cada uma, e o restante
de 1 mil a 3 mil, o que corresponde a um total de 16 Divisões de
envergadura normal. Essas poucas forças tiveram que cobrir uma Frente de
530 km de comprimento. O total de forças da Frente durante esse período
consistia em 187 mil homens, 360 tanques, 337 aeronaves e 7,9 mil peças de
artilharia.
Contra essa Frente, o inimigo havia acumulado 250 mil homens, 740
tanques, 1,2 mil aeronaves e 7,5 mil canhões e morteiros, o que signi cava
uma proporção de 1,3 para 1 em efetivos, de 1 para 1 em peças de artilharia,
de 2 para 1 em tanques e de 3,6 para 1 em aviões. Por causa da resistência
soviética nas vias de acesso a Stalingrado, o inimigo deslocou
posteriormente o IV Exército de Tanques, do Cáucaso, para iniciar um
avanço a partir de Kotelnikovo e lançou tropas adicionais na batalha.
A Diretriz 45 do Alto Comando Alemão, de 23 de julho, ordenava que o
Grupo de Exércitos B cobrisse seu anco setentrional ao longo do curso
intermediário do rio Don (onde tomaram posição tropas húngaras, italianas
e romenas) para tomar Stalingrado e Astrakhan e obter uma praça forte no
rio Volga, isolando assim o Cáucaso do resto da União Soviética. Para
atingir esse objetivo, o Grupo de Exércitos contava com o apoio da Quarta
Frota Aérea, composta por 1,2 mil aeronaves.
Em 26 de julho, as forças blindadas e mecanizadas alemãs penetraram nas
defesas do LXII Exército na grande curva do rio Don e chegaram ao mesmo
rio na área de Kamensky, ao norte de Kalach. O Quartel-General Supremo
ordenou que a Frente fosse reforçada com o I e o IV Exércitos de Tanques,
que ainda estavam em fase de formação e tinham um total de apenas 240
blindados, e com duas Divisões de Fuzileiros. Essas forças adicionais foram
incapazes de impedir o avanço do inimigo, mas de certa forma contribuíram
para desacelerá-lo.
Naturalmente, não é desejável recorrer a unidades que ainda estão em
processo de formação, mas a estrada que levava a Stalingrado estava
bastante desprotegida e o Quartel-General Supremo não tinha alternativa.
Lutas sangrentas também foram travadas no setor do LXIV Exército, no Sul
de Kalach, e também ali o inimigo foi impedido de avançar em direção a
Stalingrado.
Com as tropas da Frente de Stalingrado agora se estendendo por uma
Frente de mais de 640 km, o Quartel-General Supremo decidiu, em 5 de
agosto, dividir a Frente em duas: uma Frente de Stalingrado e uma Frente
Sudeste.
O tenente-general V. N. Gordov, que havia substituído o marechal
Timoshenko em 23 de julho, continuou a comandar a Frente de Stalingrado,
com o major-general D. N. Nikishev como chefe do Estado-Maior. A Frente
contava com o LXIII, o XXI e o LXII Exércitos de Campanha, o IV Exército
de Tanques e o XVI Exército Aéreo,18 que estava em processo de formação
sob o comando do major-general S. I. Rudenko.
A Frente Sudeste contava com o LVII, o LI e o LXIV Exércitos, o I
Exército da Guarda e o VIII Exército Aéreo. Comandando a Frente estava o
coronel-general A. I. Yeremenko, com o major-general G. F. Zakharov como
chefe do Estado-Maior.
Em 12 de agosto, o Comitê de Defesa do Estado designou o coronel-
general A. M. Vasilevsky, então chefe do Estado-Maior Geral, para
coordenar as operações em Stalingrado. Do ponto de vista operacional, a
Frente de Stalingrado estava sujeita ao comando da Frente Sudeste.
Após ferozes combates, o XIV Corpo Panzer do inimigo trespassou a
linha defensiva soviética do rio Don em Vertyachi em 23 de agosto.
Dividindo o setor de Stalingrado em dois, alcançou o rio Volga na área de
Latoshinka e Rynok, exatamente ao norte de Stalingrado. Assim, o LXII
Exército foi isolado do resto da Frente e, consequentemente, transferido para
o comando da Frente Sudeste.
Bombardeiros alemães zeram incursões aéreas selvagens contra a cidade,
que foi transformada em uma pilha de escombros. Cidadãos pací cos
morreram e empresas, indústrias e instituições culturais foram destruídas.
Na manhã de 24 de agosto, alguns elementos do XIV Corpo Panzer do
inimigo lançaram um ataque contra a fábrica de tratores de Stalingrado, na
parte setentrional da cidade, mas sem sucesso. Trabalhadores das fábricas de
Stalingrado, armados e treinados, entraram na batalha.
Ao mesmo tempo, as tropas da Frente de Stalingrado, que haviam se
retirado para o nordeste, atacaram desde o norte a cunha que o inimigo
havia colocado no rio Volga, forçando-o a desviar uma parte signi cativa de
suas forças, cujo objetivo original era tomar Stalingrado. Essa manobra
soviética enfraqueceu bastante o ataque do inimigo à cidade. O XIV Corpo
Panzer cou isolado de suas unidades de apoio por alguns dias e teve que ser
abastecido por via aérea.
Mas, depois de atravessar o rio Don com a maior parte de suas forças, o
inimigo lançou uma ofensiva mais vigorosa contra a cidade, apoiada por
poderosos ataques aéreos.
Em 30 de agosto, sob pressão do inimigo, as tropas da Frente Sudeste
foram forçadas a recuar, primeiro para o anel defensivo exterior e em
seguida para o interior. O LXIX e o LXIV Exércitos tentavam defender uma
linha nos arredores de Stalingrado, pelo oeste, que corria por Rynok,
Orlovka, Gumrak, Peschanka e Ivanovka. O LXII Exército estava sob o
comando do tenente-general A. I. Lopatin, que fez tudo o que se esperava
dele e muito mais, pois estava claro que o inimigo atuava contra seu Exército
com grande superioridade de forças. Mas Lopatin decidiu reter o LXII
Exército para posicioná-lo dentro da cidade, onde as forças inimigas, em
última instância, seriam dominadas e destruídas.
Nos dias cruciais de Stalingrado, o Quartel-General Supremo ordenou a
realização de operações ofensivas de distração a oeste de Moscou, na
tentativa de reter ali as reservas inimigas e impedir que fossem deslocadas
para Stalingrado.
Na Frente Ocidental, que eu comandava na época, os eventos ocorreram
da seguinte forma: na ala esquerda, o XVI e o LXI Exércitos lançaram um
ataque em 10 de julho no setor Kirov-Bolkhov em direção a Bryansk. Na ala
direita, em Pogoreloye Gorodishche, o XX Exército reforçado, em
coordenação com a ala esquerda da Frente de Kalinin, realizou com sucesso
uma ofensiva em agosto, com o objetivo de derrotar o inimigo na área de
Sychevka-Rzhev.
A ofensiva foi freada quando atravessou as defesas alemãs e alcançou a
linha férrea que liga Rzhev e Viazma, mas a cidade de Rzhev continuou nas
mãos do inimigo. Os alemães sofreram pesadas baixas em combate. A m de
interromper o avanço das tropas da Frente Ocidental, o comando alemão foi
forçado a engajar um número substancial de Divisões que planejava usar
para a campanha de Stalingrado e do Cáucaso.
A esse respeito, o general alemão Kurt Tippelskirch diz o seguinte:
A penetração foi impedida porque três Divisões Panzer e várias
Divisões de Infantaria foram obrigadas a retroceder quando estavam
prontas para se deslocar para a Frente Sul. Foram lançadas na batalha,
em primeiro lugar para xar o avanço e em seguida para contra-atacar.
Se tivéssemos um ou dois Exércitos a mais, em conjunto com a Frente de
Kalinin, poderíamos ter derrotado o inimigo não apenas na área de Rzhev,
mas em todo o saliente de Rzhev-Viazma, o que teria melhorado nossa
situação operacional em toda a Frente Ocidental de Moscou. Naquele
momento, porém, nossas forças eram extremamente limitadas.
Em 27 de agosto, enquanto liderava a operação ofensiva na área de
Pogorcloyc Gorodishche, recebi uma ligação de A. N. Poskrebyshev.19 Ele
me disse que, diante da situação no Sul, o Comitê de Defesa do Estado havia
decidido no dia anterior, 26 de agosto, me nomear subcomandante supremo.
Poskrebyshev disse-me para estar no meu centro de comando às 14:00h e
esperar por um telefonema de Stalin. Ele parecia muito relutante em falar.
Respondia a todas as minhas perguntas, dizendo: “Eu não sei. Suponho que
ele mesmo lhe dirá.” Imaginei, no entanto, que o Comitê de Defesa do
Estado estivesse muito preocupado com a evolução das operações no
entorno de Stalingrado.
Pouco depois, Stalin estava do outro lado da linha de alta segurança.
Depois de me perguntar sobre a situação na Frente Ocidental, disse:
— É melhor você vir ao Quartel-General Supremo o mais rapidamente
possível. Deixe o seu chefe de Estado-Maior no comando. Sugira alguém
para ocupar sua posição atual.
Isso pôs m à conversa. Stalin não disse nada sobre haver me nomeado
subcomandante-chefe supremo. Obviamente, ele guardava a informação
para o nosso encontro pessoal. Em geral, Stalin costumava limitar suas
conversas telefônicas ao absolutamente essencial em cada momento. Ele
também esperava que fôssemos extremamente cautelosos ao usar o telefone,
especialmente na área de operações, onde não contávamos com dispositivos
de ruído.
Fui para Moscou sem retornar ao quartel-general da Frente. Cheguei ao
Kremlin no nal daquela mesma noite. Stalin estava trabalhando no
escritório, acompanhado por alguns membros do Comitê de Defesa do
Estado. Poskrebyshev anunciou minha chegada e eles me zeram entrar
imediatamente.
Stalin disse que a situação no Sul estava péssima e que os alemães
poderiam tomar Stalingrado. No Norte do Cáucaso, não estava melhor. O
Comitê de Defesa do Estado havia decidido me nomear subcomandante-
chefe supremo e me enviar para Stalingrado. Vasilevsky, Malenkov [membro
do Politburo] e Malyshev [comissário de armas] já estavam lá. Esperava-se
que Malenkov casse comigo. Vasilevsky deveria retornar a Moscou. Stalin
me perguntou:
—Quando pode decolar?
Eu disse a ele que precisava de um dia para estudar a situação. Voaria para
Stalingrado no dia 29.
— Bem, está certo — disse Stalin e acrescentou: — Você não está com
fome? Seria bom fazer um pequeno lanche.
Enquanto tomávamos chá, Stalin resumiu a situação como estava às
20:00h do dia 27 de agosto. Depois de me contar rapidamente sobre a
evolução das operações em Stalingrado, onde os alemães haviam
atravessado o Don com muitas tropas, Stalin disse que havia decidido
transferir o XXIV Exército, o I Exército da Guarda e o LXVI Exército para a
Frente de Stalingrado. O XXIV Exército era comandado pelo general Kozlov,
o I Exército da Guarda pelo major-general K. S. Moskalenko e o LXVI
Exército por Malinovsky.
O I Exército da Guarda deveria ser deslocado para Loznoye, no Norte de
Stalingrado, e iniciar um ataque em 2 de setembro contra a cunha dos
alemães no rio Volga, com a intenção de se conectar com o LXII Exército.
Então, Stalin disse:
— Com o fogo de cobertura do Exército de Moskalenk, você deve
envolver na batalha imediatamente o XXIV e o LXVI Exércitos. Caso
contrário, podemos perder Stalingrado.
Ficou claro para mim que a Batalha de Stalingrado era da máxima
importância militar e política. A queda da cidade permitiria ao comando
alemão isolar o Sul da União Soviética e o resto do país. Poderíamos perder
a grande via uvial do Volga, que transportava um uxo abundante de
mercadorias do Cáucaso.
O Comando Supremo havia transferido para a área de Stalingrado tudo de
que dispunha, exceto as reservas estratégicas recém-criadas, destinadas a
operações posteriores. Medidas urgentes estavam sendo tomadas para
acelerar a produção de aviões, tanques, canhões, munições e outros
suprimentos, a m de prepará-los a tempo de derrotar as tropas inimigas
que se dirigiam a Stalingrado.

18
O Regimento era a unidade básica da Força Aérea, com cerca de 40 aviões de caça, bombardeiros e
de reconhecimento. A Divisão Aérea combinava 3 a 4 regimentos, com um total de 120 a 150 aviões.
O Corpo Aéreo era formado por 3 a 4 Divisões, com 350 a 500 aviões. O Exército Aéreo era a maior
unidade da Força, com 1 mil a 1,4 mil aviões. Apoiava a ação de uma Frente, ou Grupo de Exércitos.
[N.E.]
19
Chefe de gabinete de Stalin. [N.E.]
III

Decolei do Aeroporto Central de Moscou em 29 de agosto. Quatro horas


depois, aterrissei em uma pista próxima de Kamyshin, junto ao Volga, no
Norte de Stalingrado. Vasilevsky recebeu-me e me atualizou sobre os
últimos acontecimentos. Após uma breve conversa, fomos para o quartel-
general da Frente de Stalingrado, em Malaya Ivanovka.
Chegamos lá aproximadamente à meia-noite. O general Gordov estava em
algum lugar perto da linha de frente. Nikishev, chefe do Estado-Maior, e
Rukhle, chefe de operações, nos informaram da situação. Ao ouvi-los, tive a
impressão de que não estavam totalmente informados sobre a situação e não
tinham certeza de que o inimigo poderia ser detido em Stalingrado.
Falei com o general Gordov por telefone no quartel-general do I Exército
da Guarda, do general Moskalenko, e lhe disse que esperasse por mim e por
Vasilevsky lá. Quando chegamos, encontramos os generais Gordov e
Moskalenko. As notícias eram muito animadoras. Pareceu-me que eles
sabiam em detalhes quais eram as forças do inimigo e qual a capacidade de
suas próprias tropas.
Após uma análise da situação e do estado dos nossos soldados,
concordamos que a força combinada dos três Exércitos não estaria pronta
para contra-atacar antes de 6 de setembro. Liguei imediatamente para Stalin
pela linha de alta segurança e o informei da nossa decisão. Ele disse que não
tinha nenhuma objeção.
Vasilevsky recebeu ordens de retornar a Moscou e partiu logo depois,
creio que em 1º de setembro.
O I Exército da Guarda não era capaz de iniciar a ofensiva ordenada pelo
Quartel-General Supremo em 2 de setembro. Por causa da escassez de
combustível e de atrasos durante o transporte, seus integrantes ainda não
haviam chegado aos centros de operações. A pedido do general Moskalenko,
adiei o ataque para o dia seguinte. No meu relatório ao Quartel-General
Supremo, informei:
O I Exército da Guarda não pode lançar sua ofensiva em 2 de setembro,
pois suas unidades não conseguiram chegar aos centros de operações,
aprovisionar-se de munição e combustível e organizar-se para a batalha.
Em vez de enviar tropas desorganizadas para o combate e correr o risco
de sofrer baixas injusti cadas, após inspecionar a situação do terreno,
adiei o ataque para as 05:00h de 3 de setembro. O ataque do XXIV e do
LXVI Exércitos cou marcado para 5 ou 6 de setembro. Os comandos
estão desenvolvendo agora um plano de operações detalhado e estamos
adotando medidas para garantir o uxo contínuo de suprimentos.
Na manhã de 3 de setembro, após o bombardeio da artilharia, as tropas do
I Exército da Guarda atacaram, mas não avançaram mais de 2 km ou 3 km
em direção a Stalingrado, causando apenas um pequeno contratempo para o
inimigo. Ataques aéreos contínuos dos alemães e contra-ataques com
tanques e infantaria, apoiados por artilharia, impediram maiores progressos.
Naquele dia, recebi o seguinte telegrama com a assinatura de Stalin:
A situação em Stalingrado deteriorou-se ainda mais. O inimigo está a 3
km da cidade. Stalingrado pode cair hoje ou amanhã se o grupo de
forças do Norte não oferecer ajuda imediatamente. Cuide para que os
comandantes das tropas localizadas ao norte e noroeste de Stalingrado
ataquem o inimigo simultaneamente e apoiem os habitantes da cidade.
Não podemos admitir nenhuma demora. Atrasar-se agora equivale a
um crime. Use toda a sua Força Aérea para ajudar Stalingrado. A cidade
tem poucos aviões.
Telefonei para Stalin imediatamente e lhe disse que poderia ordenar que a
ofensiva começasse na manhã seguinte, mas, nesse caso, soldados de três
Exércitos teriam que iniciar a batalha quase sem munição, pois ela não
chegaria às posições da artilharia antes do anoitecer. Além disso, as
operações da infantaria com a artilharia, tanques e apoio aéreo não
poderiam ser coordenadas até a noite, e sem essa coordenação a ofensiva
não daria frutos.
— E você acha que o inimigo vai esperar enquanto você se organiza? —
disse Stalin. — Yeremenko insiste que o inimigo tomará Stalingrado de uma
vez só, a menos que você o ataque a partir do norte.
Respondi que não compartilhava desse ponto de vista e pedi permissão
para iniciar a ofensiva no dia 5, conforme planejado. Quanto ao apoio aéreo,
foram imediatamente emitidas ordens para bombardear o inimigo com toda
a força que possuíamos.
— Certo, de acordo — disse Stalin. — Mas se o inimigo iniciar uma
ofensiva geral contra a cidade, ataque imediatamente. Não espere até que as
tropas estejam totalmente preparadas. Sua principal missão é impedir que os
alemães tomem Stalingrado e, se possível, eliminar o corredor alemão que
separa Stalingrado e as Frentes do Sudeste.
No amanhecer de 5 de setembro, a ação da artilharia avançada, dos
morteiros e da Força Aérea começou em toda a Frente do XXIV Exército, do
I Exército da Guarda e do LXVI Exército. Mas a densidade do fogo de
artilharia era insu ciente, mesmo nos setores dos principais ataques, e não
produziu o resultado necessário. Um ataque terrestre seguiu-se às salvas dos
foguetes Katyusha. Eu assisti à ofensiva no posto de observação do I Exército
da Guarda. A julgar pela força do fogo de resposta do inimigo, o
bombardeio de nossa artilharia não tinha sido e caz. Não se deveria esperar
que nossas tropas conseguissem uma penetração profunda.
Foi exatamente o que aconteceu. Depois de uma hora e meia ou duas
horas, os relatórios dos comandantes deixaram claro que o fogo inimigo
havia retardado o nosso avanço em vários setores e que ele estava contra-
atacando com a infantaria e os Panzers. As missões de reconhecimento
aéreo indicavam que grandes grupos de tanques, artilharia e infantaria
motorizada estavam se deslocando para o norte de Gumrak, Orlovka e
Bolshaya Rossoshka, nos arredores da cidade, pelo oeste. Bombardeiros
também começavam a atacar nossas posições.
Os reforços inimigos entraram na batalha na segunda metade do dia, e em
alguns setores empurraram nossas forças de volta às posições iniciais.
A batalha foi se extinguindo à noite, quando demos um balanço dos
resultados. Nossas tropas haviam avançado pouco mais de 2 km ou 3 km, e
o XXIV Exército permanecia praticamente em sua posição original.
À noite, nossas tropas receberam obuses, minas e outras munições
adicionais. Usando informações atualizadas sobre o inimigo, coletadas pelo
serviço de inteligência durante o dia, decidimos reagrupar nossas forças
durante a noite da melhor maneira possível e preparar um novo ataque para
a manhã seguinte.
No nal da noite, recebi uma ligação de Stalin.
— Como estão as coisas em Stalingrado? — ele queria saber.
Informei sobre a intensa batalha travada ao longo do dia e lhe disse que o
inimigo havia deslocado algumas de suas forças de Gumrak para a Frente
situada ao norte de Stalingrado.
— Isso é muito bom — disse Stalin. — É de grande ajuda para a cidade.
Eu prossegui:
— Nossas forças não avançaram muito e em alguns setores permaneceram
nas posições originais.
— Por que isso aconteceu?
— Porque não tivemos tempo su ciente para preparar a ofensiva e fazer o
reconhecimento das posições da artilharia inimiga. Portanto, não fomos
capazes de direcionar nosso fogo preparatório da maneira mais e caz.
Quando as forças terrestres atacaram, o inimigo conseguiu detê-las com seu
fogo e seus contra-ataques. Além disso, as aeronaves inimigas têm
superioridade no ar e bombardearam nossas posições durante todo o dia.
— Limite-se a prosseguir com os ataques — ordenou Stalin. — Sua missão
é desviar de Stalingrado o maior número possível de forças inimigas.
No dia seguinte, a batalha foi retomada com maior ferocidade. Durante a
noite, nossos aviões haviam bombardeado posições do inimigo. Além de
nossa força aérea tática, juntou-se a esses ataques a força de bombardeiros
de longo alcance, liderada pelo tenente-general A. Ye Golovanov, que esteve
comigo no centro de comando do I Exército da Guarda.
Em 6 de setembro, o inimigo incorporou novas forças e implantou
tanques e canhões autopropulsados nas elevações mais importantes, onde se
tornou forte. Isso só poderia ser neutralizado por um poderoso fogo de
artilharia, mas naquele momento tínhamos poucos canhões. No terceiro e
no quarto dias, a batalha foi razoavelmente limitada a trocas de fogo de
artilharia e combates aéreos.
Em uma visita às unidades da primeira linha, em 10 de setembro, concluí
que com as forças de que dispúnhamos não conseguiríamos romper as
linhas alemãs e eliminar o corredor do inimigo. Os generais Gordov,
Moskalenko, Malinovsky e Kozlov concordavam com essa avaliação.
Ao fazer o relato do dia a Stalin, eu disse:
— Com as forças que temos na Frente de Stalingrado, não poderemos
atravessar o corredor inimigo e reunir a Frente Sudoeste. Os alemães
reforçaram muito a Frente Setentrional com unidades procedentes de
Stalingrado. Continuar a atacar com as forças atuais seria inútil e resultaria
em pesadas baixas. Precisamos de reforços e de tempo para nos reagrupar e
realizar um ataque frontal com maior concentração de tropas. Ofensivas de
Exércitos individuais não são su cientes para colocar o inimigo na
defensiva.
Stalin solicitou que eu pegasse um avião para Moscou e o informasse
pessoalmente da situação.
Voei para Moscou em 12 de setembro e cheguei ao Kremlin depois de
quatro horas. Vasilevsky, que também havia sido convocado, relatou o
movimento de novas tropas alemãs para Stalingrado a partir da área de
Kotelnikovo, os combates perto de Novorossisk e o avanço alemão em
direção a Grozny.
Stalin ouviu atentamente e respondeu:
— Eles querem conseguir o petróleo de Grozny a todo custo. Bem, agora
vamos ver o que Júkov tem a dizer sobre Stalingrado.
Repeti o que havia dito por telefone, acrescentando que o XXIV Exército,
o I Exército da Guarda e o LX Exército, que haviam participado da batalha
nos dias 5 a 11 de setembro, eram boas unidades de combate. Sua principal
debilidade estava na ausência de reforços e na escassez de peças de artilharia
e tanques necessários para apoiar a infantaria. O terreno na Frente de
Stalingrado era extremamente desfavorável para nós: descoberto e cortado
por barrancos profundos, que haviam proporcionado excelentes refúgios ao
inimigo. Tendo ocupado uma série de pontos proeminentes, os alemães
agora eram capazes de manobrar o fogo de artilharia em todas as direções.
Além disso, a partir da área de Kuzmichi, Akatovka e da granja estatal
experimental também podiam direcionar armas de longo alcance contra as
nossas forças. Nessas condições, o XXIV Exército, o I Exército da Guarda e o
LXVI Exército da Frente de Stalingrado eram incapazes de romper as
defesas inimigas.
— O que a Frente de Stalingrado precisaria para eliminar o corredor
inimigo e entrar em contato com a Frente Sudeste? — Stalin perguntou.
— Pelo menos um Exército de campanha com força total, um Corpo de
Tanques, três Brigadas de Tanques e 400 peças de artilharia. Além do apoio
de, pelo menos, um Exército aéreo durante a operação.20
Vasilevsky disse que concordava com minha estimativa.
Stalin foi buscar seu mapa, em que aparecia a disposição das reservas do
Quartel-General Supremo. Estudou-o por bastante tempo. Vasilevsky e eu
saímos da mesa e, em voz baixa, falamos da necessidade de encontrar outra
saída.
— Que outra saída? — Stalin exclamou de repente, levantando a vista do
mapa.
Eu nunca havia percebido que ele tinha um ouvido tão bom. Voltamos à
mesa do mapa. Ele continuou.
— É melhor voltar ao Estado-Maior Geral e pensar um pouco sobre o que
podemos fazer em Stalingrado. De quantas reservas precisamos e onde
podemos buscá-las para reforçar o agrupamento da cidade. E não esqueça
da Frente do Cáucaso. Voltaremos a nos reunir amanhã à noite, às 21:00h.
Vasilevsky e eu passamos o dia seguinte analisando possíveis alternativas.
Focamos na possibilidade de realizar uma única operação de envergadura
que evitasse o esgotamento de nossas reservas em várias operações isoladas.
Em outubro, a criação de reservas estratégicas que incluíssem novas forças
blindadas bem equipadas deveria estar concluída. Nessa época, a indústria
soviética também teria aumentado a produção de aviões com projetos novos
e munições para a artilharia.
Depois de discutir as diferentes alternativas, Vasilevsky e eu decidimos
apresentar a Stalin o seguinte plano:
1. continuar a desgastar o inimigo, opondo uma defesa ativa;
2. preparar em Stalingrado uma ofensiva de tal magnitude que pudesse
reverter de nitivamente a situação estratégica no Sul a nosso favor.
Obviamente, não conseguiríamos realizar em um só dia os cálculos
necessários para detalhar tal contraofensiva, mas parecia claro que os
principais ataques deveriam ser dirigidos contra os ancos do contingente
de Stalingrado, defendidos pelos romenos. As primeiras aproximações
indicavam que uma ofensiva dessa natureza não poderia estar pronta antes
de meados de novembro. Nossa estimativa baseava-se no pressuposto de que
os alemães não estavam em condições de executar logo seus planos
estratégicos. As forças de que dispunham no outono de 1942 não seriam
su cientes para alcançar seus objetivos, nem no norte do Cáucaso nem no
Don e no Volga.
Todas as forças que o comando alemão havia enviado ao Cáucaso e
lançado na direção de Stalingrado se haviam desgastado bastante e estavam
debilitadas. O inimigo era claramente incapaz de mover tropas adicionais
para o Sul e, em última instância, teria que se colocar na defensiva em todos
os setores, exatamente como havia acontecido depois da Batalha de Moscou.
Sabíamos que duas das forças de choque mais e cazes da Wehrmacht, o
VI Exército de Infantaria, de Von Paulus, e o IV Exército Panzer, de Hoth,
haviam cado tão enfraquecidas nos extenuantes combates em Stalingrado
que seriam incapazes de concluir a tomada da cidade.
As tropas soviéticas, por sua vez, haviam sofrido baixas tão severas nos
atrozes combates travados nos acessos à cidade e dentro dela que seriam
incapazes de derrotar o inimigo com as forças disponíveis. As grandes
reservas estratégicas, equipadas com novas armas, ainda não estavam
preparadas. Mas, em novembro, o Quartel-General Supremo teria novas e
poderosas forças mecanizadas e blindadas, equipadas com os mundialmente
famosos tanques T-34, o que nos permitiria iniciar missões de maior
alcance. Além disso, nossos comandantes veteranos haviam aprendido
muito na fase inicial da guerra e, por meio de experiências difíceis diante de
um inimigo contundente, haviam se tornado mestres da arte militar. Os
comandantes, comissários políticos e simples recrutas do Exército Vermelho
também haviam aprendido, em experiências amargas, como enfrentar o
inimigo em qualquer situação.
Com base nos relatórios da linha de frente, o Estado-Maior Geral havia
estudado os pontos fortes e fracos das tropas alemãs, húngaras, italianas e
romenas. As forças-satélites não estavam tão bem armadas, tinham menos
experiência e eram menos competentes, inclusive em tarefas defensivas, que
as unidades alemãs. Mais importante: seus soldados, e até muitos de seus
o ciais, não tinham a menor vontade de morrer por outras pessoas nos
campos remotos da Rússia, para onde haviam sido enviados por Hitler,
Mussolini, Antonescu, Horthy e outros líderes fascistas.
A situação do inimigo tornava-se mais complicada pelo fato de ter poucas
tropas em sua reserva operacional no setor do Volga e do Don. Não tinham
mais que 6 Divisões, dispersas em uma frente muito ampla. A nosso favor,
também tínhamos a própria con guração operacional da Frente. As forças
soviéticas defendiam posições envolventes em relação ao inimigo e podiam
avançar com relativa facilidade suas cabeças de ponte ao sul do rio Don, em
Sera movich e Kletskaya.
Na noite de 13 de setembro, Vasilevsky telefonou para Stalin e disse que
estávamos prontos para informá-lo. Stalin disse que caria ocupado até as
22:00h. Deveríamos ir vê-lo nessa hora. Chegamos ao seu escritório no
horário combinado.
Ele nos cumprimentou com um aperto de mão (o que raramente fazia) e
disse em tom irritado:
— Centenas de milhares de soviéticos dão a vida no combate contra o
fascismo e Churchill regateia por vinte Hurricanes. E os Hurricanes não são
tão bons assim. Nossos pilotos não gostam deles.
Então, adotando um tom mais sereno, prosseguiu:
— No que vocês pensaram? Quem apresentará o relatório?
— Qualquer um dos dois — disse Vasilevsky. — Temos a mesma opinião.
Stalin inclinou-se para ver nosso mapa.
— O que é isso que vocês trouxeram? — perguntou.
— São as nossas observações preliminares para a contraofensiva de
Stalingrado — respondeu Vasilevsky.
— O que são essas tropas em Sera movich?
— Esta seria uma nova Frente. Teremos que criá-la para lançar um
poderoso ataque contra a retaguarda das forças alemãs de Stalingrado.
— Não dispomos agora de forças para uma operação tão grande.
Respondi que, de acordo com nossos cálculos, teríamos as forças
necessárias e poderíamos preparar a operação completa em 45 dias.
— Não seria melhor nos limitarmos a lançar uma ofensiva de norte a sul,
e do sul novamente na direção norte seguindo o curso do Don? — Stalin
perguntou.
Expliquei que, nesse caso, os alemães poderiam mover suas forças
blindadas de Stalingrado e repelir nossos ataques. Um ataque a oeste do Don
impediria o inimigo de manobrar rapidamente suas tropas e incorporar suas
reservas, pois o rio seria um obstáculo.
— Vocês não estão equivocados sobre suas forças de choque? — Stalin
perguntou.
Vasilevsky e eu explicamos que a operação ocorreria em duas fases: depois
de penetrarmos nas defesas alemãs, as forças inimigas em Stalingrado
estariam cercadas. Criaríamos uma frente exterior sólida, que isolaria essas
forças cercadas. Impediríamos todas as tentativas de receberem ajuda e os
destruiríamos.
— Teremos que pensar um pouco mais sobre isso e ver quais são os
nossos recursos — disse Stalin. — Agora, nossa principal tarefa é defender
Stalingrado e impedir que o inimigo avance em direção a Kamyshin.
Naquele momento, Poskrebyshev entrou e disse que Yeremenko estava na
linha telefônica.
Depois de conversar com Yeremenko, Stalin disse:
— Yeremenko a rma que o inimigo está se aproximando da cidade com
forças blindadas. Espere um ataque para amanhã.
Dirigindo-se a Vasilevsky, acrescentou:
— Emita ordens, imediatamente, para a 13ª Divisão da Guarda de
Rodimtsev atravessar o Volga e pense no que mais você pode enviar amanhã
para o outro lado do rio.
Então, Stalin me disse:
— Ligue para Gordov e Golovanov e diga a eles para iniciarem seus
ataques imediatamente. A primeira coisa que Gordov terá que fazer amanhã
de manhã é atacar para manter o inimigo ocupado. É melhor você voltar à
Frente de Stalingrado e avaliar a situação nos arredores de Kletskaya e
Sera movich. Em alguns dias, Vasilevsky terá que visitar a Frente Sudeste e
estudar a situação de sua ala esquerda. Falaremos sobre nosso plano mais
tarde. Ninguém, além de nós três, deve saber sobre ele no momento.
Uma hora depois, peguei meu avião e voltei para o quartel-general da
Frente de Stalingrado.

20
Na hierarquia de unidades do Exército Vermelho, uma Divisão de Infantaria, em condições
normais, era formada por 3 regimentos de infantaria e 2 grupos de artilharia, além de destacamentos
de apoio, totalizando cerca de 19 mil homens. Um Corpo era formado por 3 Divisões, com artilharia
própria, além daquela incorporada às Divisões. Os Exércitos podiam ter entre 5 e 8 Corpos, também
com tropas próprias de artilharia, aviação e blindados. [N.E.]
IV

Os dias 13, 14 e 15 de setembro foram muito difíceis para Stalingrado. O


inimigo continuou avançando passo a passo pelas ruínas da cidade em
direção à margem do Volga, sem levar em conta as grandes baixas que
sofria. Parecia que não poderíamos detê-los, mas os homens do LXII e do
LXIV Exércitos defenderam o terreno e transformaram a cidade em uma
fortaleza minada.
O ponto de virada naqueles dias, no que pareciam ser as horas nais, foi a
entrada na batalha da 13ª Divisão da Guarda, de Rodimtserv, que havia sido
transferida da reserva do Quartel-General Supremo. Ela atravessou o Volga
e imediatamente contra-atacou o inimigo no que pareceu ser um golpe
inesperado. Em 16 de setembro, recuperamos a colina de Mamayev Kurgan.
Os defensores de Stalingrado também foram auxiliados por ataques aéreos
da força de bombardeiros de longo alcance de Golovanov e pelo XVI
Exército Aéreo de Rudenko, bem como por ataques e por fogo de artilharia
que as tropas da Frente de Stalingrado dirigiam no Norte contra os
elementos do VIII Corpo de Exército dos alemães.
É preciso reconhecer o enorme mérito dos soldados do XXIV Exército, do
I Exército da Guarda, do LX Exército da Frente de Stalingrado, dos
aviadores do XVII Exército Aéreo e da força dos bombardeiros de longo
alcance. Sublimando qualquer sacrifício, todos prestaram uma ajuda
inestimável ao LXII e ao LXIV Exércitos da Frente Sudeste para defender
Stalingrado.
Vejamos o que escreveu Joachim Wieder, um o cial alemão que combatia
no Exército de Von Paulus:
Ao mesmo tempo, nossas tropas sofreram numerosas baixas em
setembro ao repelir os ataques ferozes do inimigo, que tentava
atravessar nossas linhas no Norte. As Divisões daquele setor caram
tremendamente enfraquecidas. Os efetivos de muitas companhias
foram reduzidos a 30 ou 40 homens.
Por volta dessa época, o general Yeremenko, com a autorização de Stalin,
visitou o posto de comando do I Exército da Guarda para analisar a situação.
Eu e o general Golovanov também comparecemos. Gordov e Moskalenko
expuseram a Yeremenko todos os detalhes.
Como Stalin havia me dito para não falar de nosso plano contraofensivo, a
discussão se concentrou principalmente nos reforços para as Frentes Sudeste
e de Stalingrado. Quando Yeremenko perguntou se havia perspectiva de
contra-ataques mais fortes, eu lhe disse que o Quartel-General Supremo
esperava lançá-los adiante, mas no momento não havia tropas disponíveis.
No nal de setembro, Stalin voltou a me convocar a Moscou para discutir
o plano da contraofensiva. Nessa ocasião, Vasilevsky também havia
retornado a Moscou de sua visita à Frente Sudeste. Nós nos encontramos
para conversar antes de irmos para o Quartel-General Supremo.
Lá, Stalin me perguntou o que eu pensava do general Gordov, comandante
da Frente de Stalingrado. Eu disse que era um homem muito capacitado
para as operações, mas que parecia incapaz de se dar bem com seu Estado-
Maior e seus comandos.
Stalin disse que, nesse caso, seria melhor procurarmos outro comandante
para essa Frente. Sugeri o nome de Rokossovsky. Vasilevsky concordou.
Também decidimos mudar, a partir de 28 de setembro, o nome da Frente de
Stalingrado para Frente do Don e da Frente Sudeste para Frente de
Stalingrado, para re etir com mais precisão a localização geográ ca de cada
uma. Rokossovsky foi nomeado comandante da Frente do Don, com M. S.
Malinin como chefe do Estado-Maior. O tenente-general N. F. Vatutin foi
indicado como candidato ao comando de uma recém-criada Frente Sudeste.
O Quartel-General do I Exército da Guarda serviria como núcleo de um
Quartel-General para a nova Frente Sudeste.21 O general Moskalenko,
comandante do I Exército da Guarda, foi transferido para o XL Exército.
Após uma análise cuidadosa do nosso plano de contraofensiva, Stalin me
disse:
— É melhor você voltar para a Frente e tomar as medidas necessárias para
desgastar o inimigo. Dê outra olhada nas áreas propostas para concentrar as
reservas e os centros de operações da Frente Sudeste e a ala direita da Frente
de Stalingrado, especialmente em torno de Sera movich e Kletskaya. O
camarada Vasilevsky terá que dar uma outra olhada na ala esquerda da
Frente Sudeste.
Depois de examinar novamente, no terreno, todas as condições para a
contraofensiva, Vasilevsky e eu voltamos ao Quartel-General Supremo para
outra rodada de conversas. Naquela ocasião, o plano foi o cialmente
aprovado. Vasilevsky e eu assinamos o plano da contraofensiva no mapa e
Stalin acrescentou a palavra APROVADO e sua assinatura.22
Então, Stalin disse a Vasilevsky:
— Sem divulgar nosso plano, devemos procurar a opinião dos outros
comandantes das Frentes em relação às operações futuras.
A Frente de Stalingrado tornou-se Frente do Don a partir de 28 de
setembro. Eu havia recebido instruções para relatar pessoalmente as
operações futuras ao Conselho Militar da Frente do Don. Ainda me lembro
daquela conversa de 29 de setembro na trincheira de um barranco ao norte
de Stalingrado, onde o general Moskalenko havia instalado seu centro de
comando.
Em resposta às minhas instruções de manter as operações ativas para
impedir que o inimigo movesse forças da Frente do Don para o ataque a
Stalingrado, Rokossovsky disse que nossa capacidade de ataque havia se
esgotado e não havia muito o que fazer. Ele estava certo, é claro. Eu tinha a
mesma opinião, mas, sem a nossa ajuda, a Frente Sudeste (então de
Stalingrado) não seria capaz de defender a cidade.
Em 1º de outubro, voltei a Moscou para continuar trabalhando no plano
da contraofensiva. Voei com o general Golovanov, comandante da força de
bombardeiros de longo alcance, que pilotava o avião. Era um prazer voar
com tão bom piloto. Ainda estávamos a alguma distância de Moscou,
quando o avião fez uma curva repentina e começou a descer. Imaginei que
estávamos mudando de rumo. Mas, poucos minutos depois, Golovanov
pousou o avião em uma pista desconhecida.
— Por que pousamos aqui? — perguntei.
— Tivemos sorte de estar tão perto desta pista. Caso contrário, teríamos
caído.
— O que aconteceu?
— Gelo.
Enquanto conversávamos, meu próprio avião, que vinha atrás, também
pousou e segui voando para o Aeroporto Central de Moscou.
Naturalmente, nem todos os voos precipitados, realizados em condições
difíceis, acabavam bem. Lembro-me de outro incidente de aviação que quase
me custou a vida. Foi em um voo de Stalingrado para Moscou pouco tempo
depois. Chovia. Moscou informou que havia neblina e visibilidade reduzida,
mas tivemos que voar. Stalin havia me chamado.
O voo para a área de Moscou não foi ruim, mas a visibilidade na capital
havia sido reduzida para 300 pés. O controle de voo da Força Aérea ordenou
que meu piloto aterrissasse em outra pista. Se zesse isso, eu chegaria
atrasado ao Kremlin, onde Stalin me esperava.
Assumindo a responsabilidade, ordenei que o piloto aterrissasse no
Aeroporto Central e quei com ele na cabine de comando. Quando
estávamos sobrevoando Moscou, de repente vimos o topo de uma chaminé
de fábrica a 10 ou 15 metros da asa esquerda do avião. Eu olhei para o piloto.
Ele levantou o avião levemente, sem piscar, e dois ou três minutos depois,
estávamos em terra, em segurança.
— Foi por pouco — eu disse ao piloto.
— Quando as regras de voo são desobedecidas, tudo pode acontecer —
ele respondeu.
— A culpa foi minha — eu disse, enquanto apertava sua mão com força.
Com o passar dos anos, esqueci o nome do piloto. Acho que era Belyayev,
um homem fabuloso, extraordinariamente experiente. Devo ter voado
dezenas de horas com o camarada Belyayev. Lamento dizer que ele morreu
mais tarde em um acidente de avião.
Em outubro, o Quartel-General Supremo ordenou que seis Divisões
reconstituídas atravessassem o Volga para entrar em Stalingrado e reforçar o
LXII Exército, que estava reduzido a pouco mais que o quartel-general e
algumas unidades de apoio. A Frente do Don também havia recebido algum
reforço de efetivos e equipamentos.
O Quartel-General Supremo e o Estado-Maior deram atenção especial à
investidura da recém-constituída Frente Sudeste.
Durante o mês de outubro, continuaram combates muito intensos dentro
de Stalingrado e em áreas adjacentes. Hitler deu ordens ao comando do
Grupo de Exércitos B e a Von Paulus, comandante do VI Exército, para
tomar logo a cidade.
Para seu avanço decisivo, o comando alemão deslocou as forças dos
ancos e as substituiu por tropas romenas, enfraquecendo muito suas
posições defensivas nas proximidades de Sera movich e no Sul de
Stalingrado.
Em meados de outubro, o inimigo lançou mais uma ofensiva, na
esperança de liquidar Stalingrado de uma vez por todas. Mais uma vez, as
tropas soviéticas mantiveram-se rmes no terreno. As unidades que se
distinguiram especialmente foram a 13ª Divisão da Guarda, de A. I.
Rodimtserv, a 95ª Divisão, de V. A. Gorishny, a 37ª Divisão, de V. D.
Zholudev, a 112ª Divisão, de I. Ye. Yermolkin, o Exército de S. F. Gorokhov, a
138ª Divisão, de I. I. Lyudnikov e a 84ª Brigada de Tanques, de D. N. Bely.
A batalha intensi cou-se por vários dias e noites nas ruas da cidade, em
casas, prédios, fábricas, nas margens do Volga, em todos os lugares. Nossas
forças sofreram numerosas baixas, mas se apegaram a algumas poucas
“ilhas” na cidade.
Tendo em vista aliviar um pouco Stalingrado, os soldados da Frente do
Don lançaram uma ofensiva em 19 de outubro. Para enfrentar a nova
ofensiva, os alemães foram novamente forçados a desviar da batalha pela
cidade uma parte substancial da Força Aérea, da artilharia e dos Panzers. Ao
mesmo tempo, o LXIV Exército lançou um contra-ataque contra o anco
inimigo no setor de Kuporosnoye e Zelenaya Polyana, exatamente na parte
sul do centro de Stalingrado.
A ofensiva da Frente do Don e o contra-ataque do Exército do LXIV
Exército aliviaram até certo ponto a situação em que o LXII Exército se
encontrava na cidade e frustraram os planos do inimigo. Sem essa manobra
de alívio, o LXII Exército não conseguiria preservar a cidade, e os alemães
certamente a teriam tomado.
No início de novembro, os alemães tentaram, em várias ocasiões, remover
os ninhos de resistência da cidade. Em 11 de novembro, quando nossas
forças estavam concluindo os enormes preparativos para a contraofensiva, o
inimigo atacou de novo, novamente sem resultado.
Naquele momento, os alemães estavam usando suas últimas forças. Os
interrogatórios dos prisioneiros revelavam que as tropas do inimigo estavam
esgotadas, o moral e a convicção política tanto de soldados como de o ciais
estavam baixos e poucos esperavam escapar vivos do inferno de Stalingrado.
Entre os meses de junho e novembro, na região do Don, do Volga e de
Stalingrado, o inimigo havia perdido 600 mil homens, 1 mil tanques, 2 mil
peças de artilharia e 1,4 mil aviões. A situação operacional das forças alemãs
no Volga havia se deteriorado. As reservas dos Corpos e das Divisões
haviam se esgotado, e a defesa dos ancos do Grupo de Exércitos B estava a
cargo de tropas romenas, italianas e húngaras, pouco con áveis, que
começavam a entender sua situação desesperadora.
As forças soviéticas localizadas no Don estavam em uma posição favorável
para lançar uma contra-ofensiva pelas Frentes Sudoeste e do Don. No Sul de
Stalingrado, em um contra-ataque local, o LI Exército havia expulsado o
inimigo do des ladeiro dos lagos e controlado completamente a linha
defensiva favorável formada pelos lagos de Sarpa, Tsatsa e Barmantsak. Por
recomendação de Vasilevsky, a ala esquerda da Frente de Stalingrado havia
escolhido essa linha como o centro de operações da contra-ofensiva de
novembro.
A feroz batalha por Stalingrado estava no quarto mês. O mundo inteiro
seguia suas evoluções, prendendo a respiração. O sucesso das tropas
soviéticas e sua valente luta contra o inimigo encorajaram toda a
humanidade e inspiraram con ança na vitória nal sobre o fascismo.
A Batalha de Stalingrado também proporcionou às nossas tropas uma
educação fabulosa para a vitória. Os quartéis-generais e os Estados-Maiores
das unidades adquiriram prática na coordenação da infantaria, de tanques,
da artilharia e da força aérea. Nossas tropas aprenderam a opor feroz
resistência nas ruas de uma grande cidade, combinando-a com manobras
nos ancos do inimigo. O moral de nossas tropas elevou-se
substancialmente. Tudo isso proporcionou condições favoráveis à
contraofensiva.

Os combates defensivos, em meados de novembro de 1942, no entorno de


Stalingrado e no Norte do Cáucaso, marcaram o m do primeiro período da
Grande Guerra Patriótica, que desempenhou um papel tão especial na vida
do povo soviético. Foi um período extremamente difícil para a Nação e suas
Forças Armadas, pois as tropas alemãs, semeando morte e destruição,
haviam avançado para os arredores de Leningrado e de Moscou e ocupado a
maior parte da Ucrânia.
Em novembro de 1942, as tropas inimigas haviam ocupado uma parte
imensa da União Soviética e se espalhado por um território de 1,8 milhão de
km2, que, antes da guerra, abrigava uma população de 80 milhões de
habitantes. Milhões de soviéticos viram-se forçados a abandonar suas
cidades, vilas e fábricas e se deslocar para o Leste para evitar a captura pelo
inimigo. As tropas soviéticas foram forçadas pela situação militar a se retirar
para o interior, sofrendo muitas baixas e com perda substancial de material.
Porém, nem mesmo durante esse período difícil, a Nação soviética ou suas
Forças Armadas perderam a fé na possibilidade de derrotar as hordas
inimigas. O perigo de morte contribuiu para unir ainda mais o nosso povo
ao redor do Partido Comunista. Apesar de todas as privações, o inimigo foi
nalmente detido em todos os setores.
O primeiro período da guerra foi um importante treinamento para a luta
armada contra um inimigo forte e experiente. O Comando Supremo
Soviético, o Estado-Maior Geral e os comandantes e Estados-Maiores das
unidades adquiriram uma experiência inestimável na organização e na
condução de batalhas defensivas e contraofensivas.
O heroísmo dos soldados soviéticos e a bravura de seus comandantes
tornaram-se particularmente evidentes durante os ferozes combates daquele
período. O exemplo pessoal dos membros do Partido e das Juventudes
Comunistas, que se sacri cavam pela vitória, teve um papel muito positivo.
A resistência heroica das fortalezas fronteiriças de Brest e de Leningrado,
Moscou, Odessa, Sevastopol, Stalingrado, Liepaja, Kiev e do Cáucaso
também escreveu páginas brilhantes na crônica dessa história.
O primeiro período da guerra também testemunhou a criação das guardas
soviéticas. O título honorário de “Guarda” foi concedido, por heroísmo e
coragem coletivos, a 4 Corpos de Cavalaria, 36 Divisões de Fuzileiros, 27
Brigadas de Tanques, 32 Regimentos Aéreos e outras unidades. Na Marinha,
foi concedido o título de “Guarda” a 2 barcos-patrulha, 4 submarinos, 1
destroier e 1 caça-minas. Entre as primeiras unidades a receberem esse título
estavam a 1ª Divisão de Fuzileiros Motorizada “Moscou”, do coronel A. I.
Lizyukov; o II Corpo de Cavalaria, do general P. A. Belov; o III Corpo de
Cavalaria, do general L. M. Dovator; a 4ª Brigada de Tanques, do general M.
Ye. Katutov; o 26º Regimento de Aeronaves de Combate, do major A. P.
Yudakov; o 31º Regimento de Bombardeio de Mergulho, do tenente-coronel
F. I. Dobysh; o 215º Regimento de Aviação de Assalto, do tenente-coronel L.
D. Reino; o 440º Regimento de Artilharia, do major A. I. Bryukhanov; e o
289º Regimento de Artilharia Antitanque, do major M. K. Yeremenko.
O tenso confronto armado contra as forças alemãs exigiu um grande
dispêndio de armas, munições e suprimentos. Apesar da perda de regiões e
fábricas importantes do ponto de vista econômico, o povo soviético fez um
grande esforço para fornecer o equipamento de guerra necessário às Forças
Armadas. No nal da primeira fase da guerra, o país havia se convertido em
um acampamento militar. O povo considerava um dever fazer tudo ao seu
alcance para obter a vitória sobre o inimigo.
Os membros dos serviços de apoio do Exército Vermelho também
realizaram um trabalho heroico. No primeiro ano e meio de guerra, nada
menos que 64 milhões de remessas de suprimentos militares passaram pelas
linhas ferroviárias. O Exército foi abastecido com 113 mil carregamentos de
munição, 60 mil carregamentos de armas e equipamentos e entre 210 e 400
carregamentos de combustível e lubri cante. Em 1942, apenas os caminhões
transportaram 2,7 milhões de homens, 12,3 milhões de toneladas de
suprimentos e 1,9 mil tanques. Aviões de transporte conduziram 532 mil
homens, incluindo 158 mil feridos.
A reorganização dos serviços de apoio, empreendida no início da guerra,
foi um sucesso absoluto. A nova estrutura organizacional e a seleção hábil de
comandantes,23 comissários políticos e líderes de unidades partidárias
garantiram o uso adequado dos gigantescos recursos disponibilizados às
Forças Armadas.
Qual a envergadura do inimigo que as tropas soviéticas enfrentaram
durante esse primeiro período?
Esta questão precisa ser respondida, mesmo que apenas para alertar as
gerações mais jovens para a gravidade da luta empreendida pelo povo
soviético para defender sua Pátria. Nem sempre as memórias e obras de
cção mostram a preparação, a experiência e o poderio inimigo que os
soldados soviéticos tiveram que enfrentar.
Antes de tudo, vamos pensar na simples massa de tropas alemãs, os
soldados e os o ciais.
As forças alemãs invadiram a União Soviética motivadas por suas vitórias
confortáveis sobre os Exércitos da Europa Ocidental. Haviam sido
envenenadas pela propaganda de Goebbels, que as convenceu da
possibilidade de obter uma vitória igualmente confortável sobre o Exército
Vermelho, por causa da superioridade alemã sobre as outras nações. Os
soldados e o ciais mais jovens de forças blindadas e de unidades aéreas
adotaram um tom particularmente arrogante. Nos primeiros meses da
guerra, tive a oportunidade de interrogar prisioneiros e devo dizer que eles
realmente acreditavam nas promessas aventureiras de Hitler.
Não havia dúvida de que sua capacidade de combate, treinamento especial
e doutrinação militar estavam em um nível muito alto, especialmente nas
unidades blindadas e na Força Aérea. O soldado alemão sabia o que fazer na
batalha e nos serviços em terra. Era inabalável, autocon ante e muito
disciplinado.
Em suma, o soldado soviético enfrentava um inimigo experiente e
poderoso, que não seria fácil derrotar.
As forças do Quartel-General alemão e as unidades militares menores
haviam sido treinadas em todas as técnicas da guerra moderna. A
comunicação com as unidades de combate durante a batalha era garantida
principalmente pelo rádio, que estava disponível em abundância em todos
os níveis de comando. As forças terrestres esforçavam-se ao máximo para
alcançar seus objetivos, bene ciando-se de um suporte aéreo preciso, que
muitas vezes lhes abria o caminho.
Nesse período inicial da guerra, também formei uma opinião bastante
favorável aos níveis mais altos do comando alemão. Era evidente que eles
haviam planejado e organizado meticulosamente suas ofensivas iniciais em
todos os setores estratégicos; haviam selecionado comandantes experientes
para Exércitos e outras unidades importantes e avaliado corretamente a
direção, a quantidade de efetivos e a composição das tropas necessárias para
os ataques contra as seções mais fracas de nossas linhas defensivas.
Apesar de tudo isso, a estratégia militar e política do fascismo alemão
mostrou-se profundamente errônea e míope. Aconteceram erros de cálculo
e falhas gritantes nas estimativas políticas e estratégicas. As forças que a
Alemanha possuía, mesmo incluindo reservas de países-satélites, eram
claramente inadequadas para lançar operações simultâneas nos três
principais setores da frente germano-soviética.
Desta forma, o inimigo foi forçado a deter seu avanço em direção a
Moscou e adotar posições defensivas nessa Frente, a m de desviar parte das
forças do Grupo de Exércitos Centro em apoio ao Grupo de Exércitos Sul,
para enfrentar nossas tropas das Frentes Central e Sudoeste.
De forma similar, antes que pudessem continuar sua ofensiva em
Leningrado, os alemães foram forçados a desviar daquela cidade as forças
aérea e blindada, reagrupando-as no oeste de Moscou para apoiar o Grupo
de Exércitos Centro. Em outubro e novembro de 1941, o Exército alemão
estava em posição de concentrar sua ofensiva em um único setor, o de
Moscou, mas mesmo ali a crescente resistência soviética demonstrou que o
inimigo não tinha forças su cientes para atingir os objetivos da Operação
Tufão. Esse mesmo erro gritante de cálculo estratégico foi cometido no
planejamento da campanha de verão de 1942.
Na base desses erros de cálculo, havia uma óbvia desvalorização da força
de nossa terra socialista e de seu povo, sob a orientação do Partido de Lenin,
bem como uma supervalorização da força e da capacidade dos próprios
alemães.
Ao planejar a invasão da União Soviética, Hitler e seus parceiros
pretendiam lançar todas as forças disponíveis contra nós. Esse foi um erro
de cálculo típico de um jogador imprudente. Apesar da traição do governo
de Pétain, os trabalhadores da França não abaixaram a cabeça para a
ocupação alemã. Tampouco o zeram os povos amantes da liberdade da
Iugoslávia, Polônia, Tchecoslováquia e de outros países. Todos se levantaram
em luta armada contra as forças de ocupação. Assim, o inimigo se viu
confrontado com um imenso movimento de resistência. A Grã-Bretanha
também entrou no combate, mesmo não usando sua capacidade total.
Apesar dos sucessos iniciais até a Batalha de Moscou, as forças alemãs
enfrentaram uma série de circunstâncias imprevistas no início da invasão à
União Soviética. Não haviam imaginado ter que lutar ao mesmo tempo com
o Exército Vermelho na frente e com um poderoso movimento guerrilheiro,
liderado por unidades clandestinas do Partido, na retaguarda.
Também não imaginavam que seria impossível alcançar um único
objetivo estratégico, o que em 1941 os forçaria a adotar posições defensivas
em toda a Frente soviética. Eles perderam a iniciativa estratégica e suas
tropas caram esgotadas e desmoralizadas. O mesmo aconteceu em
Stalingrado no nal de 1942.
As tropas inimigas sofreram tremendas baixas nos primeiros 16 meses de
combate na Frente germano-soviética. Em novembro de 1942, suas baixas
ultrapassavam a cifra de 2 milhões entre mortos, feridos e desaparecidos em
combate. Entre as baixas, estavam os melhores elementos do Exército
alemão e, no nal dessa primeira fase da guerra, o comando nazista não
tinha substitutos para elas.
O inimigo também não esperava que o povo soviético, aglutinado em
torno do Partido, zesse tão rapidamente a mudança para uma economia de
guerra em todo o país e iniciasse a produção em massa de tanques, aviões,
artilharia, munição e todos os outros suprimentos necessários para o
Exército Vermelho adquirir superioridade sobre as forças alemãs e obter a
vitória nal.
Apesar dos contratempos da primeira fase da guerra, o Exército Vermelho
não desmoronou com o ataque alemão, como aconteceu com os outros
Exércitos ocidentais. Em vez disso, as condições difíceis da guerra serviram
para fortalecer e amadurecer os nossos soldados. Quando receberam as
armas necessárias, eles foram capazes de transformar um Exército defensivo
em uma força ofensiva.
A organização e o apoio do Partido como um todo produziram resultados
brilhantes tanto no campo de batalha quanto no interior do país. O povo
soviético rapidamente se mobilizou para fornecer materiais e suprimentos
para a luta do Exército Vermelho contra as forças alemãs.
Assim, o primeiro período da Grande Guerra Patriótica terminou com o
colapso iminente de todos os planos estratégicos do comando nazista e o
desgaste substancial de toda a força e capacidade disponíveis para a
Alemanha. Este resultado básico da guerra até aquele momento
predeterminou em grande parte o curso subsequente da Segunda Guerra
Mundial em sua totalidade.

21
O tenente-general Zlobin de niu as Frentes da seguinte forma: “Na estratégia soviética, a palavra
Frente é usada para designar não somente a zona de desdobramento das tropas e a linha de batalha
em um teatro de operações, mas também é considerada como uma organização operacional distinta
num teatro de guerra, constituindo um laço de união controlador no sistema de direção operacional
das Forças Armadas do país. Tal combinação operacional consiste de alguns Exércitos de campanha,
É
com tropas móveis e aviões de caça. É ela quem conduz as operações independentes, mas
frequentemente em articulação com outras Frentes.” [N.E.]
22
O nome em código do plano era Urano. [N.E.]
23
As Orientações sobre Combate Ofensivo, documento do Exército Vermelho, descrevem assim os
deveres:
(a) dos comandantes de divisão e de regimento: 1. Executar o mais precisamente possível as tarefas de
combate e apoio às unidades; 2. Organizar as ações combinadas com as reservas, lançando-as na
batalha; 3. Organizar a direção centralizada;
(b) dos comandantes de batalhão: 1. Compreender a situação no campo de batalha; 2. Tornar cada vez
mas precisos os agrupamentos de batalha; 3. Localizar sua artilharia e suas reservas; 4. Reagrupar,
sempre que possível, sua força.
(c) dos comandantes de companhia: 1. Conduzir pessoalmente os reconhecimentos; 2. Conhecer cada
vez mais a situação no campo de batalha; 3. Organizar o fogo e a conquista dos objetivos. [N.E.]
V

Após fortes combates no Sul, em torno de Stalingrado e no Norte do


Cáucaso, a liderança militar nazista acreditava que as tropas soviéticas não
estavam em condições de realizar uma grande ofensiva de inverno na região.
Para confundir o inimigo, durante o verão e o outono de 1942, dirigimos
as operações contra o Grupo de Exércitos Centro, localizado a oeste de
Moscou. O Quartel-General Supremo pretendia dar a impressão de que,
naquele local, e em nenhum outro, estávamos preparando uma ofensiva de
inverno.
Assim, em outubro, o comando nazista começou a concentrar várias
forças diante de nossos setores ocidentais. Uma Divisão Panzer, uma Divisão
Motorizada e uma Divisão de Infantaria foram deslocadas de Leningrado
para Velikiye Luki. Sete Divisões, procedentes da França e da Alemanha,
apareceram na área de Vitebsk e Smolensk. Duas Divisões Panzer,
previamente detectadas em Voronezh e Zhizdra, foram movidas para a área
de Yartsevo e Roslavl. No início de novembro, um total de 9 Divisões e
outros reforços haviam sido deslocados para reforçar o Grupo de Exércitos
Centro.
Esses erros de cálculo dos alemães foram agravados por serviços de
inteligência de cientes. Eles não foram capazes de detectar os preparativos
de nossa contraofensiva em Stalingrado, que envolveu 11 Exércitos, vários
Corpos de Exército, Brigadas e outras unidades mecanizadas, de cavalaria e
blindadas, 13,5 mil canhões e morteiros, 1,1 mil canhões antiaéreos, 115
destacamentos de artilharia lança-foguetes, 900 tanques e 1,1 mil aviões.
No início de nossa contraofensiva, a disposição estratégica e operacional
do inimigo, no Sul da União Soviética, era a seguinte:
A maior parte das forças do Grupo de Exércitos B operava na área do
curso médio do Don, em Stalingrado e mais ao sul, seguindo a linha traçada
pelos lagos de Sarpa, e incluía o VIII Exército Italiano, o III e o IV Exércitos
romenos e o VI e o IV Exércitos Panzer alemães. Em média, o setor ocupado
por cada Divisão cou entre 15 km e 25 km.
Esse grupo de Exércitos tinha mais de 1 milhão de homens, 675 tanques e
canhões autopropulsados e 10 mil canhões e morteiros. Numericamente, os
dois lados eram praticamente iguais, exceto por uma ligeira superioridade
soviética no número de tanques.
O Grupo de Exércitos B foi apoiado pela IV Frota Aérea e pelo VIII
Corpo Aéreo.
Ao desenvolver seu plano para a contraofensiva, o Comando Supremo
soviético supôs que in igir uma derrota ao inimigo em Stalingrado também
colocaria seriamente em perigo as forças inimigas do Norte do Cáucaso e as
forçaria a recuar às pressas se não quisessem correr o risco de ser
capturadas.
Desde a morte de Stalin, tem havido alguma confusão sobre o verdadeiro
autor do plano da contraofensiva, cuja envergadura e resultados seriam tão
transcendentais. Embora a questão da autoria não seja tão importante no
socialismo e já tenham sido descritas aqui as diferentes etapas da
formulação do plano, gostaria de fazer alguns comentários adicionais.
Aceita-se que os primeiros esboços foram feitos no Quartel-General
Supremo não antes de agosto de 1942. A primeira versão procurava realizar
uma contraofensiva bem mais limitada.
Na realidade, esse não era o plano para a grande contraofensiva, mas um
dos contra-ataques concebidos para impedir que o inimigo se aproximasse
de Stalingrado. Naquele momento, ninguém no Quartel-General Supremo
sequer sonhava em realizar uma grande contraofensiva, pois nos faltavam as
tropas e o material para realizar uma operação tão maciça.
Também foi dito que o Conselho Militar da Frente de Stalingrado [antiga
Frente Sudeste] recomendou ao Quartel-General Supremo, em 6 de outubro
e por sua própria iniciativa, a organização e a execução de uma
contraofensiva. A isso, Vasilevsky deu a seguinte resposta:
No amanhecer de 6 de outubro, N. N. Voronov, V. D. Ivanov e eu
visitamos o posto de observação do LI Exército [próximo ao lago
Tsatsa]. Lá, o comandante do Exército N. I. Trufanov nos informou da
situação. Naquela mesma noite, em uma reunião realizada no quartel-
general da Frente com seu comandante [Yeremenko] e seu comissário
político [Krushchev], discutimos novamente o plano de contraofensiva
do Quartel-General Supremo. Como o comando da Frente não levantou
nenhuma objeção fundamental ao plano, durante a noite preparamos o
relatório correspondente para o comandante supremo. No dia seguinte,
pedi ao comandante da Frente do Don para preparar um relatório
semelhante sobre sua própria Frente para o Quartel-General Supremo.
Não creio que haja algo a acrescentar a isso. Vasilevsky demonstra, de
forma convincente, que foram o Quartel-General Supremo e o Estado-
Maior Geral que desempenharam o papel principal no planejamento da
contraofensiva.
Algumas versões da história a rmam que o general Vatutin, comandante
da Frente Sudoeste, apresentou depois um plano para uma contraofensiva.
Isso provoca as seguintes perguntas: Quanto tempo depois? Qual era o
plano? Era um plano para a sua Frente ou um plano geral para uma
contraofensiva?
Sabemos que a Frente Sudoeste não foi criada até o nal de outubro,
quando os efetivos e o material para a nova Frente já estavam sendo
organizados de acordo com o plano da contraofensiva geral que o Quartel-
General Supremo já havia aprovado.
Talvez seja necessário salientar tão somente que, de acordo com as
práticas e os regulamentos vigentes, todos os comandantes das Frentes
deveriam preparar seu próprio plano de operações e enviá-lo para a
aprovação do Quartel-General Supremo ou do representante deste na área.
Obviamente, nesse processo, o comandante da Frente podia expressar sua
opinião sobre a coordenação com as Frentes vizinhas e fazer outras
recomendações.
A magnitude da contraofensiva de Stalingrado exigia um plano que não se
baseasse apenas em considerações operacionais, mas também em
estimativas claras de suprimentos e materiais.
Quem poderia fazer as estimativas necessárias para uma operação de tal
magnitude? Naturalmente, apenas as instâncias que controlavam os efetivos
e o material: o Quartel-General Supremo e o Estado-Maior Geral. Devemos
lembrar que o Estado-Maior Geral foi o aparato criativo e operacional do
Comando Supremo durante toda a guerra. Nenhuma operação estratégica
poderia ser realizada, a menos que tivesse sido iniciada e organizada pelo
Estado-Maior Geral.
O Quartel-General Supremo e o Estado-Maior Geral analisavam, de
forma rotineira, todas as informações sobre o inimigo enviadas pelos
serviços de inteligência de todas as Frentes e Exércitos, a m de determinar
quais eram as intenções do inimigo e a natureza de suas operações militares.
Antes de tomar uma decisão, eles também avaliavam as propostas
formuladas pelos diferentes Estados-Maiores, comandantes de Frente e de
serviços.
Consequentemente, um plano para qualquer operação estratégica em
larga escala só poderia prosperar se fosse fruto do esforço conjunto de todos
os serviços, Estados-Maiores e comandantes.
Mas a responsabilidade nal e decisiva pelo planejamento e pela
organização de uma operação estratégica tão importante cabe, sem dúvida,
ao Quartel-General Supremo e ao Estado-Maior Geral. É igualmente
evidente que a verdadeira derrota do inimigo foi obra daqueles que
arriscaram suas vidas, esmagando-o com ofensivas ousadas, disparos
precisos, bravura e destreza militar. Re ro-me aos nossos gloriosos
soldados, sargentos, o ciais e generais que, depois de passarem no teste da
primeira fase da guerra, estavam agora preparados para tomar a iniciativa e
in igir uma derrota catastró ca aos alemães.
O mérito do Quartel-General Supremo e do Estado-Maior Geral deve ser
reconhecido, pois eles analisaram todos os fatores dessa grande operação
com precisão cientí ca e conseguiram prever a evolução e a conclusão da
batalha. Mas a autoria da totalidade do plano para a contraofensiva não
pode ser atribuída a nenhuma pessoa em particular.
A principal função da primeira fase da contraofensiva deveria ser
desempenhada pela Frente Sudoeste, sob o comando do general Vatutin.
Essa Frente deveria lançar golpes contundentes, com grande penetração de
suas cabeças de ponte na margem meridional do Don, na região de
Sera movich e em Kletskaya. A Frente de Stalingrado deveria atacar a partir
da área dos lagos de Sarpa, ao sul de Stalingrado. As forças de choque das
duas Frentes deveriam car nas proximidades de Kalach e Sovetsky, detendo
a maior parte das forças inimigas em Stalingrado.
A Frente Sudoeste, com uma força de choque formada principalmente
pelo XXI Exército de Campanha, o V Exército de Tanques e alguns
elementos do I Exército da Guarda, deveria partir de suas cabeças de ponte,
esmagar as defesas do III Exército inimigo e avançar com suas unidades
móveis para o Sudeste até chegarem ao Don, entre Bolshe-Nabatovsky e
Kalach. Isso colocaria as tropas da Frente Sudoeste na retaguarda das forças
inimigas de Stalingrado e cortaria as comunicações destas com o Oeste.
Esse avanço deveria ser protegido pelo sudoeste e pelo oeste por uma
Frente exterior formada pelo I Exército da Guarda, sob o comando do
general Lelyushenko e, mais tarde, pelo V Exército de Tanques, sob o
comando do tenente-general P. L. Romanenko. No terceiro dia de operações,
essas forças, avançando para oeste, sudoeste e sul, deveriam alcançar uma
linha traçada entre Veshenskaya, Bokovskaya e, seguindo o curso do rio
Chir, Oblivskaya.
As forças terrestres da Frente Sudoeste deveriam receber apoio do II e do
XVII Exércitos Aéreos, comandados pelos generais de Divisão K. N.
Smirnov e S. A. Krasovsky.
A Frente do Don deveria lançar dois ataques auxiliares. Um deles,
coordenado com a Frente Sudoeste, constava de uma ofensiva do LXV
Exército desde a cabeça de ponte a leste de Kletskaya, com o objetivo de
fazer retrocederem as defesas inimigas ao longo da margem meridional do
rio Don. O outro exigia um ataque do XXIV Exército a partir da área de
Kachalinskaya em direção ao Sul, seguindo a margem oriental do Don em
direção a Vertyachi, com o objetivo de isolar as tropas de Stalingrado e as
forças inimigas na pequena curva do Don.
O LXVI Exército, ao norte de Stalingrado, deveria enfrentar o inimigo
para impedir que manobrasse com suas reservas. As operações terrestres da
Frente do Don deveriam ser apoiadas pelo LXVI Exército Aéreo, sob o
comando do general Rudenko.
A Frente de Stalingrado lançaria uma ofensiva com a maior parte de suas
forças, incluindo os LI, LVII e LXIV Exércitos, em um setor que abrangia
desde Ivanovka, no sul de Stalingrado, até o extremo setentrional do lago
Barmantsak. Seu objetivo era romper as defesas inimigas e avançar para o
noroeste para fazer contato com as forças da Frente Sudoeste perto de
Kalach e Sovetsky, fechando assim o cerco às forças alemãs em Stalingrado.
O LI Exército, sob o comando do major-general N. I. Trufanov, tinha a
missão de romper as defesas inimigas a partir das cabeças de ponte situadas
nas faixas de terra localizadas entre os lagos de Sarpa, Tsatsa e Barmantsak e
avançar para o sudoeste, na direção de Abganerovo.
O LVII Exército, do general Tolbukhin, e o LXIV Exército, do general M.
S. Shumilov, deveriam atacar da área de Ivanovka em direção ao oeste e
noroeste, a m de cercar as forças inimigas no sul de Stalingrado.
As tropas do LXII Exército, do general Chuikov, deveriam conter as forças
inimigas na cidade e se preparar para passar à ofensiva.
O avanço da Frente de Stalingrado seria protegido pelo sudoeste,
mediante a criação de uma Frente exterior pelo LI Exército, incluindo o IV
Corpo de Cavalaria, do general T. T. Shapkin, que avançaria para o sudoeste
na direção de Abganerovo e Kotelnikovo. Todas essas operações seriam
apoiadas pelo VIII Exército Aéreo, sob o comando de T. T. Khryukin.
Os preparativos para a contraofensiva envolveram o transporte de grande
número de soldados e de suprimentos para todas as Frentes, especialmente
para a recém-criada Frente Sudoeste. Devemos reconhecer o mérito do
Estado-Maior Geral e do Estado-Maior pelos serviços de apoio ao Exército
Vermelho. Eles zeram um trabalho brilhante, reunindo homens e
suprimentos para a operação. Foram usados 27 mil caminhões para
transportar homens e mercadorias. As ferrovias entregavam 1,3 mil
remessas por dia. Os homens e os equipamentos para a Frente de
Stalingrado eram transportados de barco pelo rio Volga, sob as duras
condições de um gélido outono. De 1º a 19 de outubro, as balsas do Volga
transportaram 160 mil soldados, 10 mil cavalos, 430 tanques, 600 canhões,
14 mil caminhões e 7 mil toneladas de munição.
Vasilevsky e eu, juntamente com outros representantes do Quartel-
General Supremo, passamos os últimos dias de outubro e os primeiros dias
de novembro na Frente, repassando o plano de operações com os
comandantes e os Estados-Maiores. As reuniões de supervisão realizadas no
quartel-general das Frentes, Exércitos e unidades menores demonstraram
que os comandantes e comissários políticos haviam realizado o complexo
trabalho de planejamento com alto grau de responsabilidade e iniciativa.
Os planos de operação para a Frente Sudoeste foram revisados e
supervisionados entre 1º e 4 de novembro, seguidos de uma análise
semelhante pelo XXI Exército de Campanha, pelo V Exército de Tanques e
pelo I Exército da Guarda. Participei desses preparativos juntamente com
outros representantes do Quartel-General Supremo, coordenando de perto
os planos operacionais da força aérea, da artilharia, das forças blindadas e da
engenharia militar.
Em 4 de novembro, revisamos os planos do XXI e do LXV Exércitos em
uma reunião realizada no quartel-general do XXI Exército. Estiveram
presentes os comandos da Frente do Don e do LXV Exército. Ao mesmo
tempo, Vasilevsky revisava os planos com o LI, o LVII e o LXIV Exércitos.
Eu me juntaria a eles depois.
Em nossa preparação, primeiro focamos no inimigo, aprendendo tudo o
que podíamos sobre ele, sobre a natureza de sua defesa, a disposição da
maior parte de suas forças e sistemas de fogo em geral, bem como sobre a
localização das defesas e das barreiras antitanque.
Também lidamos com os preparativos da nossa artilharia: a densidade de
disparos que seriam necessários, a probabilidade de destruir alvos inimigos
e a coordenação, durante a ofensiva, entre forças terrestres e artilharia.
Também trabalhamos na coordenação de apoio aéreo e artilharia, marcando
os alvos e coordenando-os, por sua vez, com as forças blindadas durante e
após o avanço. Também era necessário coordenar as operações entre
Exércitos vizinhos, especialmente no caso de forças móveis que se
aprofundariam nas defesas do inimigo. No decorrer dessa revisão,
formulamos recomendações práticas, sugerindo tudo o que havia para saber
sobre o inimigo, sobre os outros planos que deveriam ser elaborados mais
tarde e o trabalho que ainda estava por fazer.
Comandantes e comissários políticos concentraram-se na necessidade de
uma rápida penetração nas defesas táticas do inimigo, primeiro
surpreendendo-os com um golpe contundente, para em seguida incorporar
rapidamente o segundo nível de ataque, de modo a transformar o avanço
tático em uma ofensiva operacional.
Tudo aquilo envolvia um trabalho minucioso por parte de comandantes e
comissários políticos, que se mostrou compensador durante a
contraofensiva real.
Como Vasilevsky e eu combinamos, cheguei ao centro de comando do
LVII Exército, em Tatyanovka, na manhã de 10 de novembro, para
supervisionar os preparativos nais. Além dos membros do Conselho
Militar da Frente, entre os presentes estavam M. M. Popov, M. S. Shumilov,
F. I. Tolbukhin, N. I. Trufanov, os comandantes de Corpos do Exército V. T.
Volsky e T. T. Shapkin e outros generais da Frente. Antes da reunião, demos
uma última olhada no território por onde as forças da Frente de Stalingrado
atacariam.
Após esse trabalho de reconhecimento, analisamos os problemas de
coordenação com a Frente Sudoeste, os detalhes do contato proposto para a
área de Kalach e outros aspectos da operação iminente. Depois de discutir
os problemas no mais alto nível de comando, revisamos os planos de
operações para os Exércitos individuais, conforme apresentados pelos
diferentes comandantes de Exércitos e Corpos.
Na noite de 11 de novembro, enviei a Stalin a seguinte mensagem
telegrá ca:
Acabo de passar dois dias com Yeremenko. Examinei pessoalmente as
posições inimigas que enfrentarão o LI e o LVII Exércitos e revi
detalhadamente com os comandantes das Divisões, Corpos e Exércitos
suas missões durante a Operação Urano. Percebi que os preparativos de
Tolbukhin para Urano são os mais avançados. [...] Dei instruções para
realizarem mais tarefas de reconhecimento e trabalharem nos planos de
operações com base nas informações obtidas. O camarada Popov parece
estar fazendo bem o seu trabalho.
Existem duas Divisões de Fuzileiros designadas pelo Quartel-General
Supremo a Yeremenko (a 87ª e a 315ª) que ainda não chegaram, por
causa da falta de transporte e de cavalos. Apenas uma das Brigadas
Mecanizadas24 chegou até o momento. Consequentemente, a operação
não será totalmente organizada no prazo previsto. Dei ordens para
estarem preparados antes de 15 de novembro.
Devemos fornecer imediatamente 100 toneladas de anticongelante
para Yeremenko, caso contrário ele não poderá mobilizar suas unidades
mecanizadas. O transporte deve ser prontamente fornecido para a 87ª e
a 315ª Divisões de Fuzileiros. Há necessidade urgente de que o LI e o
LVII Exércitos recebam agasalhos e munições até 14 de novembro.
KONSTANTINOV [meu nome em código]

Nº 4657
11 de novembro de 1942
Note-se que Stalin prestou muita atenção ao problema do apoio aéreo. Em
resposta a uma mensagem minha, reclamando que os preparativos para a
contraofensiva eram insatisfatórios nessa área, ele me enviou o seguinte
telegrama:
CAMARADA KONSTANTINOV

Se o apoio aéreo a Yeremenko e Vatutin for insatisfatório, a operação


como um todo fracassará. A experiência mostra que só podemos
derrotar os alemães com superioridade aérea. Nossa Força Aérea deve
fazer o seguinte:
Primeiro, concentrar seus ataques na área de ação de nossas forças de
choque, atacar unidades aéreas alemãs e dar cobertura aos nossos
soldados.
Em segundo lugar, abrir caminho para o avanço de nossas forças com
bombardeio sistemático de posições alemãs.
Em terceiro lugar, perseguir o inimigo em retirada com bombardeios
e ataques sistemáticos para desorganizá-lo e impedir que ele ocupe
posições em outra linha defensiva.
Se Novikov [o comandante da Força Aérea] acha que nossa Força
Aérea ainda não está pronta para desempenhar essas funções, é melhor
adiar a operação até que tenhamos acumulado mais Exércitos Aéreos.
Discuta isso com Novikov e Vorozheikin [subcomandante da Força
Aérea] e digam-me o que pensam.
VASILYEV [um dos nomes em código de Stalin]

Nº 170686
12 de novembro de 1942, 04:00h
Após nossa análise dos planos de operações na Frente de Stalingrado,
Vasilevsky e eu telefonamos para Stalin em 12 de novembro e lhe dissemos
que precisávamos discutir pessoalmente vários aspectos da operação que
estava por acontecer.
Na manhã seguinte, estávamos no Kremlin. Stalin estava de bom humor.
Perguntou sobre a situação em Stalingrado e o andamento dos preparativos.
A essência do nosso relatório foi a seguinte:
No que dizia respeito à correlação de forças, tanto em qualidade quanto
em quantidade, notamos que as linhas contra as quais foi dirigida a maior
parte de nossos ataques das Frentes Sudoeste e de Stalingrado ainda eram
defendidos principalmente pelos romenos. Se pudermos con ar nas
informações obtidas no interrogatório dos prisioneiros, não eram tropas
com grande capacidade combativa. Teríamos superioridade numérica nesses
setores, a menos que o comando alemão decidisse reagrupar suas reservas.
Até agora, nossos serviços de inteligência não haviam detectado
movimentos deste tipo. O VI Exército de Von Paulus e a maior parte do IV
Exército Panzer permaneceram nas proximidades de Stalingrado, onde
continuaram a conter as tropas das Frentes de Stalingrado e do Don.
Nossas forças continuaram acumulando-se em áreas estabelecidas e, até
onde pudemos perceber, o inimigo não havia detectado a concentração das
tropas. Tínhamos tomado mais medidas de precaução do que o habitual
para ocultar os movimentos de tropas e de materiais.
Os planos de operações das Frentes, dos Exércitos individuais e de
unidades menores haviam sido meticulosamente revisados. A coordenação
entre os serviços havia sido resolvida no local. O lugar proposto para o
contato entre as forças de choque das Frentes Sudoeste e de Stalingrado
havia sido revisto com os comandantes e Estados-Maiores das duas Frentes,
bem como com seus Exércitos e unidades, com as quais eles deveriam fazer
contato efetivo nas proximidades de Sovetsky e Kalach. Aparentemente, os
Exércitos Aéreos não estariam prontos antes de 15 de novembro.
A formação das Frentes exterior e interior, que deveriam cercar e eliminar
as forças alemãs detidas em Stalingrado, havia sido revisada em detalhes.
O uxo de munição, combustível e uniformes de inverno havia diminuído
ligeiramente, mas foi con rmado que todos os suprimentos chegariam à
Frente em 16 ou 17 de novembro.
A contraofensiva poderia ser lançada nas Frentes Sudoeste e do Don em
19 de novembro e na Frente de Stalingrado um dia depois. A diferença entre
os dois tempos de lançamento se devia ao fato de que a Frente Sudoeste
enfrentaria uma tarefa maior. Estava mais distante da área de contato
proposta, Kalach e Sovetsky, e teria que atravessar o rio Don.
Stalin nos deu toda a atenção. Estava satisfeito, pois fumava
sossegadamente o seu cachimbo, alisando o bigode e nos ouvindo sem nos
interromper. A operação de Stalingrado signi cava que a iniciativa havia
passado para as forças soviéticas. Tínhamos con ança no sucesso e nas
consequências de longo prazo que ela poderia trazer para o nosso país.
Enquanto apresentávamos o relatório, alguns membros do Comitê de
Defesa do Estado e do Politburo se juntaram a Stalin e tivemos que repetir
alguns dos aspectos fundamentais que havíamos exposto na ausência deles.
Após uma breve discussão, o plano para a contraofensiva foi aprovado na
íntegra.
Vasilevsky e eu chamamos a atenção de Stalin para o fato de que, assim
que o inimigo estivesse com problemas em Stalingrado e no norte do
Cáucaso, o comando alemão seria forçado a transferir tropas de apoio de
outros setores, especialmente da região de Viazma, a oeste de Moscou. Para
impedi-lo, propusemos lançar uma ofensiva ao norte de Viazma contra o
saliente alemão em torno de Rzhev. Essa operação poderia ser realizada com
tropas das Frentes de Kalinin e Ocidental.
— Seria uma boa ideia — disse Stalin. — Mas qual de vocês cuidaria
disso?
Vasilevsky e eu já tínhamos conversado antes sobre esse ponto. Então,
respondi:
— Essencialmente, a operação de Stalingrado está preparada. Vasilevsky
poderia assumir os preparativos para a contraofensiva nas Frentes Ocidental
e de Kalinin.
Stalin aceitou dizendo:
— Voltem para Stalingrado amanhã de manhã e façam uma última
veri cação, para terem certeza de que as tropas e o comando estão prontos
para iniciar a operação.
Em 14 de novembro, eu estava de volta às forças de Vatutin, e Vasilevsky
às de Yeremenko. No dia seguinte, recebi um telegrama de Stalin:
CAMARADA KONSTANTINOV [Pessoal]
Pode de nir a data da viagem de Fedorov e Ivanov [as ofensivas de
Vatutin e Yeremenko] como achar mais oportuno e me diga quando
voltará a Moscou. Se considerar necessário que uma das viagens
aconteça um ou dois dias antes ou depois, eu autorizo você a decidir
sobre este assunto de acordo com seu melhor julgamento.
VASILYEV
13:10 h
15 de novembro de 1942
Depois de alguma discussão, Vasilevsky e eu de nimos o dia 19 de
novembro como a data da ofensiva da Frente Sudoeste e do LXV Exército da
Frente do Don, e o dia 20 de novembro para a Frente de Stalingrado. Stalin
aprovou essa decisão.
Em 17 de novembro, fui convocado novamente ao Quartel-General
Supremo para preparar o plano de operações para as Frentes Ocidental e de
Kalinin.

24
As Brigadas (e Divisões) Mecanizadas são mais balanceadas que as Brigadas (e Divisões) de
Tanques. Contam com mais elementos de infantaria e são mais capazes de realizar ações
independentes. [N.E.]
VI

Às 7:30h de 19 de novembro, as tropas da Frente Sudoeste penetraram com


força nas defesas do III Exército romeno em dois setores: o V Exército de
Tanques, do general Romanenko, avançou a partir da cabeça de ponte
situada a sudoeste de Sera movich e o XXI Exército, do major-general I. M.
Chistyakov, a partir da cabeça de ponte de Klestkaya.
As tropas inimigas não conseguiram resistir e se retiraram aterrorizadas
ou se renderam. As forças alemãs situadas atrás das forças romenas tentaram
impedir nosso avanço com um rme contra-ataque, mas foram esmagadas
por nosso I e XXVI Corpos de Tanques. Um grande avanço tático foi
alcançado no setor da Frente Sudoeste.
O general Romanenko estava lá. Era um o cial aguerrido e um
comandante muito competente. Seu caráter era especialmente adequado
para esse tipo de operação móvel.
A princípio, o inimigo esperava que o ataque principal ocorresse no setor
do XXI Exército e lançou suas reservas, compostas pela 1ª Divisão Blindada
Romena, a 14ª e a 22ª Divisões Panzer e a 7ª Divisão de Cavalaria alemã,
contra as tropas do general Chistyakov. Mais tarde, porém, a 22ª Divisão
Panzer e a 7ª Divisão Blindada romena foram lançadas contra o I Corpo do
V Exército de Tanques, sob o comando do major-general V. V. Budkov.
O XXVI Corpo de Tanques, sob o comando do major-general A. G.
Rodin, in igiu uma derrota retumbante à 1ª Divisão Panzer e tomou o
quartel-general do V Corpo de Exército romeno. Alguns romenos fugiram
em pânico, mas a maioria se rendeu.
Assim que nossas tropas apareceram no teatro de operações, a maior parte
da força do III Exército romeno e as reservas alemãs que tinham corrido em
seu auxílio foram totalmente esmagadas e praticamente deixaram de existir.
O XXVI Corpo de Tanques, do general Rodin, e o IV Corpo de Tanques, de
A. C. Kravchenko, continuaram seu avanço em direção a Kalach, para o
contato planejado com o IV Corpo Mecanizado da Frente de Stalingrado.
Durante a noite de 22 a 23 de novembro, um destacamento avançado do
XXVI Corpo de Tanques, liderado pelo tenente-coronel G. N. Filippov,
tomou uma ponte sobre o rio Don em um combate sangrento. Assim, ele
conseguiu fazer com que todo Corpo de Tanques cruzasse rapidamente o rio
e tomasse a cidade de Kalach. Por esta façanha, o tenente-coronel recebeu o
título de Herói da União Soviética e seus homens foram condecorados com
várias ordens e medalhas.
Em 24 de novembro, o XXI Exército de Campanha e o V Exército de
Tanques capturaram mais de 30 mil soldados de um Exército inimigo
cercado.
À esquerda do XXI Exército, o LXV Exército da Frente do Don passou à
ofensiva sob o comando do tenente-general P. I. Batov.
Stalin, que estava muito preocupado com as operações no anco direito
da Frente do Don, enviou a seguinte mensagem ao general Rokossovsky na
noite de 23 de novembro:
CAMARADA ROKOSSOVSKY

Cópia para o camarada Vasilevsky


Vasilevsky informa que os alemães deslocaram parte ou a totalidade da
sua 3ª Divisão Motorizada e da 16ª Divisão Panzer. Elas saíram da
Frente que você comanda e estão se movimentando na direção do XXI
Exército. Isso representa uma situação favorável para o aumento da
atividade de todos os Exércitos de sua Frente. Galanin [comandante do
XXIV Exército] é muito lento; diga a ele que deve tomar Vertyachi até
24 de novembro.
Diga também a Zhadov [comandante do LXVI Exército] para iniciar
operações mais ativas e manter o inimigo ocupado.
Você também tem que dar um empurrão em Batov. Ele poderia ser
muito mais enérgico na situação atual.
STALIN

23 de novembro de 1942
19:40h
Como consequência do sucesso da ofensiva do XXI Exército e de uma
série de medidas adotadas pelo comando da Frente do Don, a situação do
LXV Exército foi imediatamente resolvida. O XXIV Exército da Frente do
Don iniciou sua ofensiva três dias depois, avançando ao longo da margem
oriental do rio Don. Porém, em termos gerais, foi muito fraco e não
conseguiu grande coisa.
O LI, o LVII e o LXIV Exércitos da Frente de Stalingrado começaram sua
ofensiva em 20 de novembro, conforme programado. O LI Exército atacou
na direção de Plodovitoye e Abganerovo, o LVII em direção a Kalach e o
LXIV avançou de Ivanovka em direção a Gavrilovka e Varvarovka, em
conjunto com o anco direito do LVII Exército.
Depois que as tropas soviéticas esmagaram as defesas da 1ª, 2ª, 18ª e 20ª
Divisões romenas e da 29ª Divisão Motorizada alemã, a Frente de
Stalingrado lançou o IV Corpo Mecanizado, do general Volsky, na brecha
aberta pelo LI Exército e o XIII Corpo Mecanizado, do major-general T. I.
Tanaschishin, contra o setor do LVII Exército. O IV Corpo de Cavalaria do
general Shapkin também se juntou à ação, e naquele mesmo dia tomou a
estação ferroviária de Abganerovo.
O inimigo tentou impedir o avanço do LVII Exército em direção a Kalach,
desviando de Stalingrado suas 16ª e 24ª Divisões Panzer. Mas elas foram
deslocadas tarde demais e careciam da força necessária para deter os
poderosos ataques das Frentes Sudoeste e de Stalingrado, que chegaram à
região de Sovetsky com suas unidades blindadas ao longo do dia 23 de
novembro.
O IV Corpo de Tanques da Frente Sudoeste atravessou o rio Don, fez
contato em Sovetsky com o IV Corpo Mecanizado da Frente de Stalingrado
e fechou o círculo em torno das forças alemãs espremidas entre o Volga e o
Don.
Enquanto isso, o I Exército da Guarda e o V Exército de Tanques da
Frente Sudoeste e o LI Exército da Frente de Stalingrado, reforçados por
outras unidades blindadas, perseguiam o inimigo em retirada, na tentativa
de empurrá-lo para oeste e afastá-lo o máximo possível do grupo paralisado
em Stalingrado, de modo a formar a sólida frente exterior necessária para
eliminar o inimigo cercado.
Isso encerrou a primeira fase da contraofensiva. Nos primeiros dias de
dezembro, a corda foi apertada com força ao redor das forças alemãs, e
nossas tropas passaram para a fase seguinte: a eliminação dos grupos
cercados.
Durante todo esse tempo, Vasilevsky e o Estado-Maior Geral mantiveram-
me a par dos acontecimentos. A contraofensiva alcançou seu momento
crucial com o cerco do VI Exército alemão e de alguns elementos do IV
Exército Panzer. A próxima tarefa seria impedir que o inimigo cruzasse
nossas linhas.
Em 28 de novembro, eu estava no quartel-general da Frente de Kalinin
analisando a ofensiva proposta para o oeste do Moscou. No nal da noite,
Stalin me ligou e perguntou se eu tinha conhecimento das últimas notícias
de Stalingrado. Eu disse que sim. Então, ele me pediu para dar uma ideia de
como proceder para eliminar as forças alemãs cercadas.
Na manhã seguinte, enviei a Stalin o seguinte telegrama:
As forças alemãs cercadas di cilmente tentarão romper o cerco sem a
ajuda de tropas de apoio procedentes do eixo Nizhne-Chirskaya e de
Kotelnikovo.
O comando alemão tentará manter suas posições em Stalingrado,
Vertyachi, Marinovka, Karpovka e na granja estatal de Gornaya
Polyana. Acumulará forças de ajuda em torno de Nizhne-Chirskaya e
Kotelnikovo para atacar nossas forças na direção de Karpovka e abrir
um corredor através do qual tentará enviar suprimentos e, nalmente,
evacuar as forças cercadas.
Se bem-sucedido, esse corredor poderia ser aberto entre uma linha
correndo por Marinovka, Lyapichev e Verkhne-Chirsky, pelo norte, e
por outra composta por Tsebenko, Zety, Gnilovskaya e Shabalin, pelo
sudeste.
Para impedir que os agrupamentos Nizhne-Chirskaya e Kotelnikovo
entrem em contato com o grupo de Stalingrado e abram este corredor,
devem ser tomadas as seguintes medidas:
Os agrupamentos de Nizhne-Chirskaya e Kotelnikovo devem se
retirar o mais rapidamente possível. Deve ser levantada uma poderosa
linha defensiva a partir de Oblivskaya e Kotelnikovo, passando por
Tormosin. Nas áreas de Nizhne-Chirskaya e Kotelnikovo, devem ser
mantidos na reserva dois agrupamentos de tanques de, no mínimo, 100
unidades cada um.
O grupo detido em Stalingrado deve ser dividido em dois. Isso
exigirá a realização de uma ofensiva na direção de Bolshaya Rossoshka
e um contra-ataque na direção de Dubininsky e da colina 135. Em
todos os outros setores, nossas forças devem adotar posições defensivas
e atuar apenas em pequenos destacamentos, para desgastar e exaurir o
inimigo.
Uma vez que o grupo cercado tenha sido dividido ao meio, a parte
mais fraca deve ser eliminada primeiro. Só então deveremos atacar com
todas as nossas forças o grupo de Stalingrado.
JÚKOV

Nº 2
29 de novembro de 1942
Depois de enviar esta mensagem a Stalin, discuti minhas propostas com
Vasilevsky, que concordou com elas. Também discutimos operações futuras
na Frente Sudoeste. Vasilevsky concordou em adiar temporariamente a
Operação Grande Saturno25 e lançar nossas forças da Frente Sudoeste contra
o anco do agrupamento inimigo de Tormosin. O Estado-Maior Geral
também concordou com isso.
A Frente Sudoeste, sob o codinome Pequeno Saturno, recebeu a missão de
atacar com o I Exército da Guarda, o III Exército de Campanha da Guarda e
o V Exército de Tanques na direção de Morozovsk para esmagar as forças
inimigas daquela área. A ofensiva seria apoiada pelo VI Exército da Frente
Voronezh, que atacaria na direção de Kantemirovka.
Naquele momento, o comando nazista já precisava urgentemente de
reservas para corrigir a situação catastró ca em que suas tropas de
Stalingrado e do Cáucaso haviam sido colocadas.
Para impedir que os alemães deslocassem forças do Grupo de Exércitos
Centro, o Quartel-General Supremo havia decidido lançar uma ofensiva das
Frentes Ocidental e de Kalinin contra o saliente Rzhev (como já expliquei).
O planejamento e os preparativos para a ofensiva foram realizados no
período de 20 de novembro a 8 de dezembro.
Em 8 de dezembro, as seguintes orientações foram transmitidas às
Frentes:
As posições inimigas na área de Rzhev, Sychevka, Olenino e Bely devem
ser destruídas antes de 1º de janeiro de 1943 por ação conjunta das
Frentes Ocidental e de Kalinin, e suas tropas devem estabelecer uma
linha defensiva traçada através de Yarygino, Sychevka, Andreyevskoye,
Lenino, Novoye Azhevo, Dentelevo e Svity.
A Frente Ocidental deve orientar suas operações de acordo com o
seguinte:
1. Nos dias 10 e 11 de dezembro, devem atravessar as defesas inimigas
entre Bolshoye Kropotovo e Yarygino; Sychevka deve ser tomada até, no
máximo, o dia 15 de dezembro. Em 20 de dezembro, pelo menos duas
Divisões de fuzileiros devem deslocar-se para a área de Andreyevskoye
e, juntamente com o XLI Exército da Frente de Kalinin, cercar o
inimigo.
2. Depois que nossas forças penetrarem nas defesas inimigas e
chegarem à ferrovia, as forças móveis da Frente e pelo menos quatro
Divisões de fuzileiros devem dirigir-se para o Norte para atacar a
retaguarda do agrupamento inimigo na área de Rzhev-Chertolino.
O XXX Exército deve atravessar as defesas inimigas no setor de
Koshkino, passar o entroncamento a nordeste de Burgovo e chegar à
ferrovia Chertolino até, no máximo, 15 de dezembro. Lá, deve
coordenar suas operações com as forças móveis da Frente, atacando ao
longo da linha ferroviária em direção a Rzhev, com o objetivo de tomar
a cidade em 23 de dezembro.
A Frente de Kalinin deve orientar suas operações de acordo com o
seguinte:
1. O XXXIX e o XXII Exércitos devem continuar sua ofensiva na
direção de Olenino, com o objetivo de destruir, até 16 de dezembro, o
agrupamento inimigo ali estacionado. Parte do XXII Exército deve
lançar um ataque auxiliar na direção de Yegory com o objetivo de
ajudar o XLI Exército a eliminar o agrupamento inimigo em Bely.
2. O XLI Exército deve interromper o avanço do inimigo em Tsytsyno
antes de 10 de dezembro e recuperar suas posições iniciais nas
proximidades de Okolitsa.
Até, no máximo, 20 de dezembro alguns elementos do XLI Exército
deverão criar uma linha que correrá por Molnya, Vladimirskoye e
Lenino, para fazer contato com elementos da Frente Ocidental e cercar
uma força inimiga a partir do Sul. Bely deve cair em nosso poder até 20
de dezembro.
QUARTEL-GENERAL SUPREMO
J. STALIN
G. JÚKOV

Nº 170700
Essa operação, realizada em conjunto pelas duas Frentes, foi essencial para
eliminar o saliente de Rzhev. Eu gostaria de falar sobre ela.
O comando da Frente de Kalinin, liderado pelo tenente-general M. A.
Purkayev, cumpriu perfeitamente a missão que lhe foi designada. Atacando
ao sul de Bely, suas tropas conseguiram penetrar nas defesas alemãs e
avançaram na direção de Sychevka. Por sua vez, as tropas da Frente
Ocidental deveriam romper as defesas alemãs e se juntar à Frente de Kalinin
para cercar as forças inimigas em Rzhev. Mas a Frente Ocidental não
conseguiu romper as defesas inimigas.
Stalin pediu-me para ir imediatamente ao quartel-general do general
Konev para veri car qual era o problema e, se possível, corrigir a situação.
Quando cheguei ao centro de comando da Frente Ocidental, percebi
imediatamente que não havia sentido em repetir a operação. O inimigo, sem
dúvida, adivinhara as nossas intenções e acumulara um número substancial
de forças, procedentes de outros setores, na área ameaçada.
Ao mesmo tempo, as forças da Frente de Kalinin que haviam conseguido
penetrar nas linhas alemãs que também estavam envolvidas em
complicações. Com uma poderosa ofensiva contra os ancos de nossas
tropas, o inimigo havia conseguido isolar e cercar um Corpo Mecanizado
sob comando do major-general M. D. Solomatin.
Conversamos com a reserva do Quartel-General Supremo para solicitar a
ajuda de um Corpo de Fuzileiros adicional para libertar as forças cercadas.
O Corpo do general Solomatin resistiu por mais de três dias, até que na
quarta noite os soldados siberianos do Exército de apoio conseguiram
alcançar seus homens e guiá-los para trás de nossas linhas. Os soldados e
o ciais do Corpo cercado estavam tão exaustos que tiveram que ser
enviados para a retaguarda, a m de descansar.
Mesmo que nossas tropas não tenham conseguido eliminar o saliente de
Rzhev, sua ofensiva impediu o comando alemão de mover importantes
reforços desse setor para Stalingrado. Na realidade, o comando nazista teve
que incorporar quatro Divisões Panzer adicionais e uma Divisão motorizada
para manter suas posições na área de Rzhev-Viazma.
Ao revisar o fracasso de nossa ofensiva na Frente Ocidental, percebemos
que subestimamos os problemas do terreno escolhido para dar o nosso
golpe principal.
A experiência ensina-nos que se o inimigo mantém posições em terrenos
facilmente visíveis, sem obstáculos naturais para protegê-lo, essas posições
podem ser facilmente esmagadas pelo fogo da artilharia e de morteiros, e a
ofensiva pode ser bem-sucedida. Porém, se as defesas do inimigo estiverem
localizadas em um terreno que di culte a observação e ofereça boa proteção
no lado oposto das colinas e em barrancos paralelos à linha de frente, a
artilharia não poderá romper facilmente as defesas e, provavelmente, a
ofensiva fracassará, especialmente se o uso de tanques for limitado.
Neste caso em particular, ignoramos a in uência do terreno, que oferecia
uma excelente proteção para a defesa alemã nas encostas opostas de uma
topogra a bastante recortada.
Outra razão para nosso fracasso em penetrar nesse território foi o
suprimento inadequado de tanques, artilharia, morteiros e suporte aéreo.
Voltemos às nossas operações em torno de Stalingrado. Essas operações,
projetadas para eliminar as forças cercadas, avançaram muito lentamente
durante a primeira metade de dezembro. O inimigo lutou tenazmente para
defender cada posição, con ando na chegada do reforço prometido por
Hitler. Nossas tropas ao redor do anel faziam pouco progresso e estavam
enfraquecidas, porque algumas unidades haviam sido deslocadas para
combater o envio de forças de apoio de Kotelnikovo.
Para os alemães, a derrota em Stalingrado ameaçava tornar-se uma
catástrofe de imensa magnitude estratégica. Para salvar a situação, o
comando nazista tentou, antes de tudo, estabilizar a frente em torno de
Stalingrado, para que o Grupo de Exércitos A pudesse ser removido do
Cáucaso.
Com esse objetivo em mente, os alemães criaram o Grupo de Exércitos
Don, sob o comando do marechal de campo Erich von Manstein. Na
opinião da liderança nazista, ele era o homem mais adequado para essa
tarefa e um dos comandantes alemães mais competentes. O novo grupo de
Exércitos foi criado com unidades deslocadas de outros setores da Frente
germano-soviética, bem como da França e da Alemanha.
Como sabemos agora, Von Manstein planejava formar dois grupos de
choque para tentar libertar as forças cercadas em Stalingrado. Uma delas iria
reunir-se em Kotelnikovo e a outra em Tormosin.
Mas o destino não sorriu nem para Von Manstein nem para as forças
cercadas. A Wehrmacht sofria de uma severa escassez de reservas.
Quaisquer que fossem as tropas a serem mobilizadas, elas avançavam muito
lentamente ao longo de linhas de comunicação excessivamente longas. Além
disso, nossos guerrilheiros sabiam qual era o destino das tropas alemãs que
avançavam apressadamente para o Sul e faziam o possível para sabotar os
movimentos do inimigo. Apesar das retaliações e precauções tomadas pelos
nazistas, os bravos patriotas conseguiram fazer descarrilar dezenas de trens
lotados de soldados alemães.
O tempo passava e o grupo de forças alemãs que deveria apoiar
Stalingrado continuava a demorar-se. Numa premonição da catástrofe
iminente, Hitler ordenou que Von Manstein iniciasse a operação sem
esperar que todas as suas tropas chegassem.
Von Manstein lançou a ofensiva em 12 de dezembro, avançando pela linha
ferroviária procedente de Kotelnikovo. Sua força de ataque era composta
pelas 6ª e 232ª Divisões Panzer, que mais tarde se juntaram à 172ª Divisão
Panzer, além de um batalhão independente de tanques pesados Tiger, quatro
Divisões de Infantaria, várias unidades de reforço e duas Divisões de
Cavalaria romenas. Após três dias, o inimigo conseguiu avançar 40 km em
direção a Stalingrado e atravessar o rio Aksai-Yesaulovsky.
Violentos combates começaram perto de Verkhne-Kumsky. Ambos os
lados sofreram pesadas baixas. O inimigo continuou pressionando para
avançar a todo custo. Mas as forças soviéticas, endurecidas pelas batalhas
anteriores, resistiram em suas linhas defensivas. Somente quando os alemães
lançaram ao combate sua 172ª Divisão Panzer e aumentaram
substancialmente o bombardeio aéreo, alguns elementos do LI Exército e
dos Corpos de Cavalaria do general Shapkin recuaram para trás do rio
Myshkova.
Naquele momento, as tropas de reforço do inimigo estavam a 40 km de
Stalingrado. A possibilidade de vitória parecia, à primeira vista, bastante real
para os alemães. Mas suas esperanças eram prematuras. Por ordem do
Quartel-General Supremo, Vasilevsky reforçou as tropas soviéticas em 29 de
dezembro com o II Exército da Guarda, do general Malinovsky. Bem
equipado com tanques e artilharia, este Exército nalmente inclinou a
balança a favor do lado soviético.
Enquanto isso, a Frente Sudoeste, reforçada com o VI Exército transferido
da Frente Voronezh, havia iniciado sua ofensiva em 16 de dezembro, com o
objetivo de esmagar as forças alemãs no curso médio do Don e avançar para
a retaguarda do grupo inimigo que estava em Tormosin. As forças de ataque
eram compostas pelo I Exército da Guarda, sob o comando do general
Kuznetsov, pelo III Exército da Guarda, sob o comando do general
Lelyushenko (naquela época, o I Exército da Guarda já estava dividido em
dois Exércitos) e pelo VI Exército, comandado pelo major-general F. M.
Kharitonov.
Essas tropas derrotaram o VIII Exército italiano e zeram um rápido
avanço na direção de Morozovsk, liderado pelo XXIV e XXV Corpos de
Tanques e pelo I Corpo Mecanizado da Guarda. À direita, o XVII e o XVIII
Corpos de Tanques avançavam em direção a Millerovo.
Von Manstein pretendia usar suas tropas da área de Tormosin para
realizar uma ofensiva em direção a Stalingrado, mas o rápido avanço da
Frente Sudoeste o forçou a usá-las para contra-atacar a ameaça no anco e
na retaguarda da totalidade do Grupo de Exércitos Don.
Em um relatório telegrafado para o Quartel-General Supremo em 28 de
dezembro, o general Vatutin descreveu assim a ofensiva:
Os contingentes inimigos que aguardavam a nossa Frente, umas 17
Divisões, foram completamente destruídos e seus depósitos foram
tomados por nossas tropas. Capturamos cerca de 60 mil prisioneiros e
quase o mesmo número de inimigos morreu, de modo que, com poucas
exceções, os remanescentes dessas forças destroçadas não opuseram
resistência. O inimigo continua resistindo rmemente em uma linha
que vai de Oblivskaya a Verkhne-Chirsky. Na área de Morozovsk,
aprisionamos a 11ª Divisão Panzer e a 8ª Divisão Aerotransportada, que
anteriormente lutaram contra o Exército de Romanenko. O Exército de
Lelyushenko e as forças móveis de nossa Frente encontram a maior
resistência nas unidades inimigas que atravessaram o rio Don a partir
da área de Kotelnikovo e se deslocaram para uma linha que atravessa
Chernyshkovsky, Morozovsk, Skosyrskaya e Tatsinskaya. Essas tropas
inimigas tentam defender essa linha para impedir novos avanços de
nossas forças móveis e, assim, permitir que outras forças alemãs se
retirem; ou talvez o inimigo, em circunstâncias favoráveis, tente
preservar inteiramente esse saliente para uma ofensiva posterior,
destinada a apoiar o grupo cercado em Stalingrado. Mas não vai
adiantar. Faremos tudo ao nosso alcance para eliminar esse saliente.
O relatório do general Vatutin prosseguia:
Nossos serviços de reconhecimento aéreo relatam a chegada diária de
tropas inimigas às áreas de Rossosh, Starobelsk, Voroshilovgrad,
Chebotovka, Kamensk, Likhaya e Zverevo. É difícil avaliar quais são as
intenções do inimigo, mas ele parece estar preparando sua principal
linha defensiva no Donets Setentrional. O inimigo primeiro terá que
fechar a brecha de 320 km aberta por nossas forças em suas defesas. [...]
Seria bom se pudéssemos manter uma pressão contínua, mas isso
exigiria reforços. Nossas forças atuais estão muito ocupadas, concluindo
a Operação Pequeno Saturno. Tropas adicionais seriam necessárias para
a operação Grande Saturno.
Stalin e eu respondemos:
Sua primeira tarefa é resgatar Badanov e correr para ajudar Pavlov e
Rusiyanov. Você fez bem ao permitir que Badanov deixasse Tatsinskaya
por causa de uma emergência. Seria bom que seu ataque contra
Tormosin com o VIII Corpo de Cavalaria recebesse o apoio de uma
unidade de infantaria adicional. Quanto ao IV Corpo de Cavalaria e à
Divisão de Fuzileiros enviados por Suvorovsky em direção a Tormosin,
foi muito oportuno. Nós já lhe demos o V e o XXIII Corpos de Tanques
para converter Pequeno Saturno em Grande Saturno. Dentro de uma
semana, receberá mais 2 Corpos de Tanques e 3 ou 4 Divisões de
Fuzileiros. [...] Temos algumas dúvidas sobre o XVIII Corpo de
Tanques, que você deseja enviar para Skosyrskaya, [...] seria melhor se o
lançasse e ao XVII Corpo de Tanques ao redor de Millerovo e Verkhne-
Tarasovsky. Você deve se lembrar que, em operações em de longas
distâncias, os Corpos de Tanques têm melhor desempenho em pares do
que sozinhos; caso contrário, correm o risco de ser deixados em uma
situação como a de Badanov.
— Onde se encontra agora o XVIII Corpo de Tanques? — perguntamos a
Vatutin.
— Está localizado exatamente a leste de Millerovo. [...] O XVIII não cará
isolado.
— Simplesmente, lembre-se de Badanov, não se esqueça de Badanov. Tire-
o de lá a qualquer custo.
— Farei todo o possível para libertar Badanov — assegurou Vatutin.
O XXIV Corpo de Tanques, sob o comando do general V. M. Badanov, se
distinguiu particularmente durante a ofensiva da Frente Sudoeste. Ele
avançou 200 km em cinco dias e tomou Tatsinskaya, interceptando a linha
ferroviária que ligava Likhaya a Stalingrado. O Corpo de Tanques de
Badanov cou então isolado pela superioridade das forças inimigas, que
haviam sido deslocadas de Kotelnikovo e Tormosin. Mas seus homens não
perderam a calma. Impuseram uma defesa tenaz e in igiram numerosas
baixas ao inimigo. Sob a hábil liderança de seu comandante, nalmente
romperam o cerco. Em vista de sua fabulosa contribuição para a derrota do
inimigo nas áreas do Volga e do Don, o XXIV Corpo de Tanques converteu-
se no II Corpo de Tanques da Guarda e seu comandante foi o primeiro no
país a receber a Ordem de Suvorov Segunda Classe. Muitos de seus
soldados, comandantes e comissários políticos também receberam
condecorações.
Os ataques vitoriosos lançados pelas Frentes Sudoeste e de Stalingrado
contra as forças inimigas nas áreas de Kotelnikovo e Morozovsk decidiram o
destino das forças de Von Paulus cercadas em Stalingrado. Executando
brilhantemente a missão designada, nossos soldados frustraram a tentativa
de Von Manstein de entrar em contato com os alemães sitiados.
No início de janeiro, as forças de Vatutin chegaram a uma linha formada
por Novaya Kalitva, Krizskoye, Chertkovo, Volshino, Millerovo e
Morozovsk, estabelecendo uma ameaça iminente a todas as forças alemãs do
Cáucaso.
No nal de dezembro, as tropas alemãs nas proximidades de Kotelnikovo
recuaram para uma linha formada por Tsimlyanskaya, Zhukovskaya,
Dubovskoye e Zimovniki. O agrupamento inimigo de Tormosin retirou-se
para uma linha que corria entre Chernyshkovsky, Loznoy e Tsimlyanskaya.
O esforço de Von Manstein para atravessar nosso limite exterior e libertar
as tropas cercadas em Stalingrado havia fracassado. Isso logo cou claro
para o comando e os soldados das unidades cercadas. O desespero e o
desejo de salvar-se da inevitável catástrofe se espalharam. Agora que suas
esperanças de ajuda haviam sido frustradas, uma profunda decepção tomou
conta da tropa inimiga.
Após o colapso de sua tentativa de penetração, a liderança nazista
interrompeu os esforços para salvar as forças encurraladas e, em vez disso,
ordenou que resistissem o máximo possível para manter as forças soviéticas
ocupadas. Os alemães precisavam de todo o tempo possível para tirar suas
tropas do Cáucaso e trasladar soldados de outras áreas para criar uma nova
Frente capaz de deter nossa contraofensiva.
O Quartel-General Supremo, por sua vez, tomou medidas para eliminar
as tropas alemãs cercadas com a maior rapidez possível e, assim, liberar mais
forças soviéticas para avançar contra o inimigo em retirada no Cáucaso e em
outros lugares do Sul.
Stalin estimulava continuamente os comandantes das Frentes. No nal de
dezembro, em uma reunião do Comitê de Defesa do Estado, ele propôs que
as operações para eliminar os alemães cercados fossem lideradas por um
único comandante. Os dois comandantes estavam começando a atrapalhar
um ao outro. Os outros membros do Comitê de Defesa aceitaram.
— A quem devemos con ar a destruição nal do inimigo? — Stalin
perguntou.
Alguém propôs Rokossovsky.
— Por que você não diz nada? — Stalin me perguntou.
— Na minha opinião, qualquer comandante é capaz de fazer esse trabalho
— respondi. — Se você transferir a Frente de Stalingrado para Rokossovsky,
irá com certeza ferir os sentimentos de Yeremenko.
— Não é hora de se preocupar em não ferir sentimentos — Stalin disse. —
Telefone para Yeremenko e comunique a decisão do Comitê de Defesa do
Estado.
Naquela mesma noite, liguei para Yeremenko pela linha de alta segurança
e lhe disse:
— Andrei Ivanovich, o Comitê de Defesa do Estado decidiu con ar a
Rokossovsky a eliminação nal do contingente inimigo de Stalingrado. Você
deve transferir o LVII, o LXIV e o LXII Exércitos da Frente de Stalingrado
para a Frente do Don.
— O que causou essa decisão? — Yeremenko perguntou.
Expliquei as re exões que haviam levado àquela decisão.
O Quartel-General da Frente de Stalingrado deveria passar a dirigir as
forças que atuavam na direção de Kotelnikovo. Pouco depois, a Frente de
Stalingrado mudou de nome para Frente Sudoeste e entrou em ação contra
as forças alemãs na área de Rostov.
Por ordem do Quartel-General Supremo, em 30 de dezembro, os três
Exércitos da Frente de Stalingrado foram transferidos para a Frente do Don.
Assim, a partir de 1º de janeiro, a Frente do Don passou a ter um total de
212 mil homens, 45,5 mil canhões e morteiros, 250 tanques e 300 aeronaves.
No nal de dezembro, Vasilevsky estava especialmente preocupado com
as operações dirigidas contra as forças alemãs em Kotelnikovo, Tomosin e
Morozovsk. O general Voronov foi nomeado representante do Quartel-
General Supremo na Frente do Don e, com o Conselho Militar, elaborou um
plano para a destruição nal das forças inimigas cercadas. Depois que o
plano foi encaminhado ao Quartel-General Supremo e ao Estado-Maior, a
seguinte recomendação foi enviada ao general Voronov:
Sua principal tarefa, na primeira fase da operação, deve ser isolar e
destruir o grupo inimigo do oeste ao redor de Kravtsov, Baburkino,
Marinovka e Karpovka. Isso deve ser feito direcionando o ataque
principal de nossas forças para o Sul, da área de Dmitriyevka, da granja
estatal nº 1 e de Baburkino, em direção à estação de Karpovka, e com
uma ofensiva auxiliar do LVII Exército da região de Kravtsov e Sklyarov,
para que as duas ofensivas façam contato no entorno da estação de
Karpovka.
Além disso, o LXVI Exército deve atacar através de Orlovka na
direção do assentamento Krasny Oktyabr e seguir acompanhado de
uma ofensiva do LXII Exército, para isolar as tropas inimigas que estão
no distrito industrial e a maior parte do grupo, situado na cidade.
O Quartel-General Supremo ordena que revise o plano de acordo
com essas diretrizes. Sua programação para o início da operação está
autorizada. A primeira fase deve ser concluída em cinco ou seis dias.
Antes de 9 de janeiro, envie através do Estado-Maior Geral um plano
de operações para a segunda fase que inclua os resultados da primeira
fase.
J. STALIN
G. JÚKOV

Nº 170718
28 de dezembro de 1942
Em janeiro, as tropas das Frentes Sudoeste e de Stalingrado zeram
retroceder a Frente exterior na área do Don entre o zoológico e 250 km a
oeste. A situação das forças inimigas presas no anel deteriorou-se
tremendamente. Elas não tinham expectativa de libertação. Os suprimentos
estavam prestes a acabar. Os soldados estavam passando por severo
racionamento de alimentos. Seus hospitais de campo estavam lotados. A
mortalidade e as doenças entre os feridos aumentavam dramaticamente. A
catástrofe aproximava-se.
Em uma tentativa de acabar com a sangria, o Quartel-General Supremo
ordenou ao comandante da Frente do Don que oferecesse ao VI Exército um
ultimato para se render sob condições unilaterais. O comando nazista
rejeitou o nosso ultimato e ordenou aos soldados que combatessem até a
última bala, prometendo-lhes uma ajuda que as tropas sabiam que não
chegaria.
Em 10 de janeiro, após um poderoso ataque de artilharia para enfraquecer
as forças inimigas, a Frente do Don lançou uma ofensiva para esmagar e
destruir os pequenos agrupamentos, mas nossas forças não alcançaram um
sucesso completo.
Uma ofensiva começou em 22 de janeiro, após preparativos adicionais.
Desta vez, o inimigo foi incapaz de resistir ao golpe e começou a recuar.
Em suas memórias, um o cial do serviço de inteligência do VI Exército de
Von Paulus oferece a seguinte descrição da retirada das forças alemãs:
Fomos forçados a recuar em toda a Frente. [...] A retirada transformou-
se em fuga [...]. Em alguns lugares, o pânico se alastrou [...]. A estrada
estava lotada de cadáveres que a neve logo cobria, como se ela sentisse
pena de nós. Já nos retirávamos sem ordem.
Ele prossegue:
Numa corrida contra a morte, que não tinha di culdade em nos
alcançar e arrancava suas vítimas de nossas leiras em grandes grupos,
o Exército estava cada vez mais encarcerado em um canto estreito do
inferno.
Em 31 de janeiro, o grupo meridional das forças alemãs nalmente partiu
e os integrantes que sobraram, liderados pelo marechal de campo Von
Paulus, comandante do VI Exército, renderam-se às nossas tropas.26 O que
restava do agrupamento setentrional rendeu-se em 2 de fevereiro. Isso
marcou o m da grande batalha junto do Volga, que teve um nal tão
desastroso para esse imenso agrupamento de forças nazistas e de países-
satélites.
A batalha por Stalingrado foi extremamente dura. Eu comparo-a apenas à
batalha por Moscou. De 19 de novembro a 2 de fevereiro, destruímos 32
Divisões e 3 Brigadas, e as 16 Divisões restantes das forças alemãs perderam
entre 50% e 75% de sua capacidade.
O total de baixas inimigas nas regiões do Don, do Volga e de Stalingrado
chegava a 1,5 milhão de homens, 3,5 mil tanques e canhões
autopropulsados, 12 mil canhões e morteiros, 3 mil aviões e equipamentos
adicionais. Essa magnitude de perdas teve um efeito catastró co sobre a
situação estratégica geral e abalou toda a maquinaria militar da Alemanha
nazista.
Nossa vitória em Stalingrado marcou um ponto de virada na guerra a
favor da União Soviética e o começo da expulsão das forças inimigas do
nosso território.
Foi uma vitória gloriosa e esperada durante muito tempo, não apenas por
nossas forças, que haviam participado diretamente dela, mas por todo o
povo soviético, que havia trabalhado dia e noite para suprir a Frente com
tudo o que era preciso. Os lhos leais da Rússia, Ucrânia, Bielorrússia,
Báltico, Cáucaso, Cazaquistão e Ásia Central ganharam glória imortal por
sua perseverança e heroísmo coletivo.
O ciais e generais das forças alemãs, assim como o próprio povo alemão,
começaram a exibir sentimentos cada vez mais hostis em relação a Hitler e à
liderança nazista como um todo. O povo alemão começou a perceber que
Hitler e seus parceiros haviam arrastado o país para uma aventura. As
vitórias prometidas haviam acabado nos desastres do Don, do Volga e do
norte do Cáucaso.
“A derrota em Stalingrado assustou o povo alemão e seu Exército”,
escreveu o general Westphal. “Nunca antes na história da Alemanha um
número tão grande de soldados havia sofrido um destino tão terrível.”
O esmagamento das forças alemãs, italianas, húngaras e romenas no Volga
e no Don também reduziu bastante o prestígio da Alemanha entre seus
aliados. Isso deu origem a discussões e atritos, à perda de con ança na
liderança nazista e a um certo desejo, por parte dos satélites, de sair da
guerra para a qual Hitler os havia arrastado.
A vitória soviética também in uenciou os países neutros e os que haviam
adotado táticas de espera, forçando-os a reconhecer o grande poderio da
União Soviética e a inevitável derrota da Alemanha nazista.
Todos se lembram da onda de alegria que varreu o mundo com a notícia
da derrota alemã em Stalingrado, que encorajou as nações ocupadas a
continuar com a resistência.
A defesa de Stalingrado, os preparativos para a contraofensiva e minha
contribuição para as demais operações no sul também signi caram muito
para mim. Representaram uma experiência na organização de uma
contraofensiva muito maior do que aquela que eu havia adquirido em 1941
durante a Batalha de Moscou, na qual as forças à nossa disposição eram
inadequadas para cercar as tropas inimigas.
Pela supervisão geral da contraofensiva de Stalingrado e seus resultados,
fui um dos condecorados com a Ordem de Suvorov Primeira Classe. A
concessão da primeira dessas ordens não apenas representou uma grande
honra, mas foi um símbolo das expectativas que o país depositou em mim
para que me entregasse ainda mais para alcançar a hora da vitória absoluta.
Vasilevsky recebeu a segunda ordem. Outros que também foram
condecorados com a Ordem de Suvorov Primeira Classe foram Voronov,
Yeremenko e Rokossovsky. Inúmeros generais, o ciais, sargentos e soldados
também receberam altas condecorações.
A derrota das forças alemãs em Stalingrado, no Don e no Cáucaso criou
condições favoráveis para expandir nossa ofensiva em todas as Frentes do
Sudoeste.
As operações nas áreas do Don e do Volga foram seguidas do sucesso nas
de Ostrogozhsk-Rossosh e Voronezli-Kastomoye. As forças soviéticas,
pressionando na direção oeste com sua ofensiva de inverno, tomaram
Rostov, Novocherkassk, Kursk, Kharkov e alguns outros locais importantes.
A situação estratégica e operacional geral das tropas nazistas deteriorou-se
em toda a Frente germano-soviética. Encorajado por essas vitórias históricas
de nossas forças, o povo soviético adotou medidas enérgicas para fornecer
ao Exército Vermelho armas e equipamentos ainda melhores, a m de
alcançar a vitória absoluta sobre a Alemanha nazista.

25
Para aproveitar o êxito da Operação Urano, em Stalingrado, o Exército Vermelho planejava uma
série de outras operações ofensivas no Norte do Cáucaso e na bacia do Donets, que tinham o nome
em código de Saturno. Conforme a versão, eram chamadas de Pequeno Saturno e Grande Saturno.
[N.E.]
26
Até então, nenhum marechal de campo alemão havia se rendido ao inimigo, em toda a história.
Para encobrir este fato inédito, a imprensa alemã anunciou a morte de Von Paulus e o governo lhe
prestou homenagens póstumas. Na verdade, o marechal cou preso na União Soviética até 1954,
quando foi libertado. Em A epopeia de Stalingrado, Rokossovsky descreveu assim a rendição do
marechal Von Paulus: “Tropas do LXIV, do LVII e do XXI Exércitos forçaram o inimigo a baixar as
armas em 31 de janeiro. O marechal de campo Von Paulus foi feito prisioneiro com seu Estado-Maior
e levado imediatamente para o nosso quartel-general, onde estávamos eu, o marechal N. N. Voronov e
um intérprete. A sala tinha luz elétrica. Estávamos sentados diante de uma pequena mesa. A porta
abriu-se e o o cial de plantão conduziu o marechal de campo à sala. Diante de nós estava um homem
alto, magro e atarracado, vestindo uniforme de general, de pé e parecendo severo. Seu
comportamento denotava uma tensão enorme que ele não podia esconder. Um tique nervoso contraía
seu rosto. Parecia que ele estava esperando algo muito ruim acontecer. Convidei calmamente Von
Paulus a sentar-se à mesa. Depois de olhar para a esquerda e para a direita, ele se sentou timidamente.
Sobre a mesa havia charutos e cigarros. Eu estava fumando e o convidei a acompanhar-me. Ele fez isso
imediatamente, e com um gole só bebeu uma xícara de chá quente. Estava febril. O movimento do
rosto e o tremor das mãos não paravam.” [N.E.]
KURSK
Julho–Agosto de 1943

As batalhas nas regiões de Kursk, Orel e Belgorod guram entre as


maiores da Grande Guerra Patriótica e de toda a Segunda Guerra
Mundial. Foram derrotados não apenas os destacamentos mais seletos e
poderosos dos alemães, mas também foi irremediavelmente
comprometida a con ança do Exército e do povo alemão nas lideranças
nazistas e na capacidade de a Alemanha resistir ao crescente poder da
União Soviética.
A derrota do grupamento principal das forças alemãs em Kursk
preparou o caminho das forças soviéticas para as operações ofensivas
seguintes, de grande envergadura, e para a completa expulsão dos
alemães do nosso território, em seguida da Polônia, Tchecoslováquia,
Hungria, Iugoslávia, Romênia e Bulgária, culminando com a derrota
nal da Alemanha nazista.
GEORGY JÚKOV
I

A batalha do saliente de Kursk foi um dos maiores e mais decisivos eventos


da Segunda Guerra Mundial. Depois dela, a iniciativa estratégica passou
de nitivamente para as Forças Armadas soviéticas. Na luta por Orel,
Belgorod e Kharkov, golpes devastadores foram in igidos à maquinaria
militar nazista, forçando o comando alemão a abandonar sua estratégia
ofensiva e a passar, de uma vez por todas, a adotar uma estratégia defensiva.
O interesse na batalha do saliente de Kursk continua sendo enorme. Qual
era a situação no verão de 1943 e como ela se apresentava nos planos de
ambos os lados? Qual foi a contribuição da Batalha de Kursk para a ciência
militar soviética? Esses e outros aspectos requerem um estudo cuidadoso.
Na qualidade de subcomandante supremo (posição que assumi em agosto
de 1942), participei diretamente do planejamento da batalha e da
coordenação das operações da Frente na área do saliente de Kursk, tanto na
fase defensiva como durante a contraofensiva.
Na narrativa a seguir, concentrei-me em aspectos que até o momento não
foram analisados adequadamente na literatura.
Após a derrota das forças alemãs, romenas, italianas e húngaras no rio
Volga, no rio Don e no Norte do Cáucaso, em meados de março, o inimigo,
que havia sofrido imensas baixas, retirou-se para uma linha que corria por
Sevsk, Rylsk, Sumy, Akhtyrka, Krasnograd, Slavyansk, Lisichansk e
Taganrog. Um período de calma havia sido estabelecido em 15 de março na
maioria das Frentes. Os combates violentos continuavam apenas em parte
das Frentes Voronezh, Sudoeste e Sul, bem como nas planícies de Kuban.
Uma vez reagrupadas suas forças, e para evitar maior deterioração da
posição delas no setor meridional da Frente, o Alto Comando alemão
lançou uma contraofensiva na Frente Sudoeste na segunda metade de
fevereiro. Seu objetivo era provocar o deslocamento das tropas soviéticas
para além do rio Donets Setentrional, estabelecer uma linha defensiva ao
longo do Donets e, em seguida, atacar as forças da Frente Voronezh, com o
objetivo de tomar Kharkov e Belgorod. Como sabemos hoje, graças aos
documentos que apreendemos, o comando nazista acreditava que, em
condições favoráveis, isso permitiria expandir a operação e eliminar o
saliente de Kursk.
No início da primavera de 1943, eu estava na Frente Noroeste, cujo
comandante, na época, era o marechal S. K. Timoshenko. As tropas da
Frente estavam envolvidas em combates ferozes com a intenção de eliminar
a cabeça de ponte de Demyansk, a oeste de Staraya Russa. Nossas forças
haviam chegado ao rio Lovat e estavam se preparando para atravessá-lo.
Não lembro da data exata, embora acredite que tenha sido no dia 13 ou 14
de março, em que Stalin me telefonou no Quartel-General da Frente
Noroeste.
Informei sobre a situação na linha de Lovat e lhe expliquei que, como
aquela primavera incomumente precoce di cultava a travessia do rio, talvez
as tropas da Frente Noroeste tivessem que interromper temporariamente sua
ofensiva. Stalin concordou com esta avaliação. Ele me fez outras perguntas
sobre as perspectivas futuras da Frente Noroeste e depois concluiu:
— Retorne ao Quartel-General Supremo. Temos que analisar a situação
nas Frentes Sudoeste e Voronezh. Talvez você precise visitar a área de
Kharkov.
Voltei a Moscou naquela noite. Quando telefonei para o Kremlin, soube
que Stalin havia convocado um grande grupo para analisar problemas de
combustível para a indústria do ferro e do aço, as centrais elétricas e a
produção de aviões e de tanques. O comandante em chefe havia ordenado
que eu participasse da reunião assim que chegasse a Moscou. Depois de uma
refeição rápida, dirigi-me ao Kremlin.
No escritório de Stalin, conheci membros do Politburo, ministros,
engenheiros e diretores de várias fábricas importantes. Pelos relatórios que
estavam sendo apresentados, cou claro que a indústria ainda tinha grandes
di culdades para trabalhar, entre outras coisas por causa de problemas em
fábricas essenciais de aeronaves, tanques, artilharia e munições. A chegada
da ajuda prometida por empréstimo e arrendamento, procedente dos
Estados Unidos, havia sido adiada.
A reunião prolongou-se até as 03:00h. Depois que todos se foram, Stalin
me perguntou:
— Você já jantou?
— Não —respondi.
— Então, venha comigo. Poderemos analisar imediatamente a má situação
de Kharkov.
Enquanto jantávamos, um o cial do Estado-Maior Geral nos trouxe um
mapa da situação das Frentes Voronezh e Sudoeste. O o cial do Estado-
Maior responsável pela Frente Voronezh informou que a situação havia se
deteriorado bastante, especialmente no sudoeste de Kharkov. As tropas
inimigas também haviam lançado uma ofensiva perto de Poltava e
Krasnograd, pressionando nossas forças e criando uma situação grave na
con uência de duas de nossas Frentes.
Terminamos de jantar (ou melhor, de tomar café da manhã) por volta das
05:00h. Duas horas depois, eu estava no Aeroporto Central, pronto para
embarcar em um avião com destino ao centro de comando da Frente
Voronezh. Esperava-se que eu descobrisse qual era a situação e tomasse as
medidas adequadas no local. Assim que me sentei no avião, adormeci e não
acordei até pousarmos.
Naquele mesmo dia, falei pela linha de segurança com o comandante
supremo e expliquei a situação da Frente Voronezh. Depois de ter tomado
Kharkov, as tropas inimigas continuavam avançando em direção a Belgorod,
sem encontrar oposição signi cativa. Já haviam tomado Kazachya Lopan.
Eu disse a Stalin:
— É essencial que mobilizemos o máximo possível da reserva do Quartel-
General Supremo e das Frentes adjacentes. Caso contrário, os alemães
tomarão Belgorod e continuarão avançando em direção a Kursk.
Uma hora depois, soube por uma conversa com A. M. Vasilevsky, chefe do
Estado-Maior, que Stalin já havia emitido ordens para transferir o XXI e o
LXIV Exércitos e o I Exército de Tanques para a área de Belgorod. O
Exército de Tanques deveria permanecer na reserva.
Em 18 de março, tanques alemães atingiram Belgorod, mas não
conseguiram avançar mais para o norte. O general N. D. Kozin, comandante
da 52ª Divisão da Guarda, me informou que o general I. M. Chistyakov,
comandante do XXI Exército, havia enviado um destacamento avançado a
Belgorod, sob o comando do tenente-coronel G. G. Pentyukhov,
comandante do 155º Regimento de Fuzileiros da Guarda, com o objetivo de
enfrentar o inimigo e fazer prisioneiros. O destacamento atacou em uma
emboscada a Divisão Panzer SS Totenkopf nas imediações de Shapino, ao
norte de Belgorod, e fez prisioneiros. Então, soubemos que os alemães
estavam se dirigindo para Oboyan.
Antes do nal do dia, posicionamos a maior parte da 52ª Divisão de
Fuzileiros da Guarda ao norte de Belgorod. O inimigo foi incapaz de
deslocar os nossos guardas de sua linha defensiva.
Em 20 ou 21 de março, a maior parte das forças do XXI Exército havia
levantado uma sólida defesa ao norte de Belgorod, e ao sul de Oboyan partes
do I Exército de Tanques estavam na reserva. No nal de março, o inimigo
fez tentativas repetidas e malsucedidas de penetrar em nossas defesas perto
de Belgorod e ao longo do rio Donets setentrional, onde o LXIV Exército
havia se posicionado. Depois de sofrer numerosas baixas, as tropas alemãs
começaram a fortalecer suas linhas. A partir de então, a situação no saliente
de Kursk se estabilizou. Os dois lados preparavam-se para travar a batalha
decisiva.
Stalin nomeou o general N. F. Vatutin como novo comandante da Frente
Voronezh, para reforçá-la. Com sua energia característica, Vatutin
imediatamente começou a trabalhar, criando um sistema defensivo em uma
faixa muito ampla de terreno.
No nal de março e início de abril, ele e eu visitamos quase todas as
unidades da Frente. Ajudamos os comandantes a avaliar a situação,
expusemos seus objetivos e dissemos qual o melhor caminho para alcançá-
los, caso o inimigo lançasse uma ofensiva. Eu estava particularmente
preocupado com a situação da 52ª Divisão de Fuzileiros da Guarda, cujo
setor visitei duas vezes nesse período. Parecia-me que aquela Divisão seria a
mais castigada durante um ataque. Vatutin e o general Chistyakov,
comandante das forças locais, concordaram comigo. Todos decidimos
reforçar esse setor ao máximo, usando artilharia.
Com a participação do marechal Vasilevsky e dos comandantes das
Frentes, o Estado-Maior Geral adotou uma série de medidas para obter
ótimas informações sobre os setores das Frentes Central, Voronezh e
Sudoeste, por meio do serviço de inteligência. Vasilevsky emitiu as ordens
apropriadas aos quartéis-generais das Frentes e a outras instâncias para
obter informações sobre a disponibilidade e a localização das reservas
inimigas na retaguarda, bem como sobre as áreas de concentração de tropas
onde as forças transferidas da França, da Alemanha e de outros países
estavam se reunindo.
Todos os comandos da Frente também realizaram trabalhos sistemáticos
de reconhecimento aéreo e terrestre. No início de abril, havíamos obtido
informações bastante completas sobre as forças inimigas localizadas nas
imediações de Orel, Sumy, Belgorod e Kharkov. Depois de analisar as
informações dos serviços de inteligência com os comandantes das Frentes
Central e Voronezh, e mais tarde com Vasilevsky pela linha direta de
comunicação, em 8 de abril enviei o seguinte relatório ao comandante
supremo:
CAMARADA VASILYEN [nome em código de Stalin]
05:30h, 8 de abril de 1943
Anexo aqui meu relatório sobre possíveis operações inimigas na
primavera e verão de 1943, bem como minhas conclusões sobre nossas
operações defensivas em um futuro imediato:
1. Depois de ter sofrido grandes perdas durante a campanha de
inverno de 1942-1943, parece que, antes da primavera, o inimigo não
será capaz de reunir reservas su cientemente grandes para voltar a
penetrar no Cáucaso e em direção ao Volga, com a intenção de
contornar Moscou por meio de uma manobra de profundidade.
Em vista da falta de grandes reservas, o inimigo terá que limitar sua
ofensiva na primavera e na primeira parte do verão de 1943 a uma
Frente mais reduzida. Terá que elaborar seus planos na medida em que
avança, passo a passo, com o objetivo nal de tomar Moscou em 1943.
Dada a disposição atual das forças inimigas diante de nossas Frentes
Central, Voronezh e Sudoeste, imagino que elas dirigirão suas
principais operações ofensivas contra estas Frentes, na esperança de
derrotar nossas tropas nessa área e conquistar terreno su ciente para
manobrar até circundar Moscou.
2. Na primeira fase, parece que o inimigo tentará acumular a máxima
força possível, composta de até 13 ou 15 Divisões Panzer com uma
grande quantidade de apoio aéreo, e atacar com seu contingente de
Orel-Kromy para cercar Kursk pelo nordeste, e com seu agrupamento
de Belgorod-Kharkov para cercá-la pelo sudeste. Um ataque
complementar pode ocorrer, com o objetivo de dividir nossa Frente em
duas a partir do oeste, nas proximidades de Vorozhba, entre os rios
Seim e Psel, direcionando-se contra Kursk a partir do sudoeste.
Com esse ataque, o inimigo tentaria cercar os nossos XIII, XVII, LXV,
LX, XXXVIII, XL e XXI Exércitos. O objetivo nal dessa fase seria uma
linha ao longo do rio Korocha, da cidade de Korocha, da cidade de Tim,
do rio Tim e de Droskovo.
3. Na segunda fase, é provável que o inimigo ataque o anco direito e
a retaguarda da Frente Sudoeste, na direção de Valuiki e Urazovo.
Talvez tente acompanhar esse avanço com outro ataque a partir da área
de Lisichansk, a partir do norte em direção a Svatovo e Urazovo. Nas
demais áreas, o inimigo deve avançar em direção a uma linha composta
por Livny, Kastornoye, Stary Kskol e Novy Oskol.
4. Numa terceira fase, depois de realizar o reagrupamento apropriado,
o inimigo poderia tentar alcançar a linha composta por Liski, Voronezh
e Yelets para, coberto seu anco sudeste, tentar anquear Moscou por
Ranenburg, Ryazhsk e Ryazan.
5. Podemos crer que para as operações ofensivas deste ano o inimigo
depositará toda a con ança em suas Divisões Panzer27 e em sua Força
Aérea, pois sua infantaria parece estar muito menos preparada do que
no ano passado para realizar operações ofensivas. Diante de nossas
Frentes Central e Voronezh, o inimigo tem agora até 12 Divisões Panzer
posicionadas. Se deslocar 3 ou 4 Divisões adicionais de outros setores,
poderia lançar contra o nosso agrupamento de Kursk nada menos que
15 ou 16 Divisões Panzer, com uma força conjunta de 2,5 mil blindados.
6. Em vista dessa ameaça, devemos reforçar as defesas antitanques das
Frentes Central e Voronezh, reunir o mais rápido possível 30
regimentos de artilharia antitanques da reserva do Quartel-General
Supremo para implantá-los nos setores ameaçados,28 concentrar todos
os regimentos de artilharia autopropulsada ao longo da linha que corre
por Livny, Kastornoye e Stary Oskol na retaguarda, disponibilizando
imediatamente alguns desses regimentos para Rokossovsky e Vatutin, e
concentrando toda a força aérea possível da reserva do Quartel-General
Supremo, de forma que ataques aéreos maciços, juntamente com
unidades de tanques e de fuzileiros, possam atingir as forças de choque
inimigas e frustrar seus planos ofensivos.
Desconheço a disponibilidade nal de nossas reservas operacionais,
mas, na minha opinião, elas devem reunir-se nas áreas de Yefremov,
Livny, Kastornoye, Novy Oskol, Valuiki, Rossosh, Liski, Voronezh e
Yelets. A maioria delas deve ser posicionada em torno de Yelets e
Voronezh. Reservas maiores devem ser posicionadas em Ryazhsk,
Ranenburg, Michurinsk e Tambov. Nas áreas de Tula e Stalinogorsk,
também se deveria posicionar um Exército de reserva.
Considero pouco prudente iniciar um ataque preventivo nos
próximos dias. Seria melhor esgotar primeiro o inimigo com nossas
defesas e destruir seus tanques. Só então, depois de termos deslocado as
forças da reserva, passaríamos a uma ofensiva geral e, nalmente,
destruiríamos a maior parte de suas forças.
KONSTANTINOV [meu nome em código]

Em 9 ou 10 de abril, não lembro exatamente, o marechal Vasilevsky


chegou ao Quartel-General da Frente Voronezh. Ele e eu revisamos os
detalhes do meu relatório, analisando a disposição das reservas estratégicas e
operacionais e a natureza das operações futuras. Não houve diferença de
opinião entre nós. Elaboramos uma diretriz do Quartel-General Supremo
sobre a disposição das reservas e a criação de uma nova Frente das Estepes
[na retaguarda do saliente de Kursk] e a enviamos ao comandante supremo
para assinatura. O documento especi cava a localização dos Exércitos e os
reforços da Frente. O Quartel-General da nova Frente das Estepes seria
estabelecido em Novy Oskol, o centro de comando em Korocha e o centro
de controle auxiliar em Veliki Burluk. Solicitou-se aos comandantes e
Estados-Maiores de todas as Frentes que enviassem ao Estado-Maior Geral
sua opinião sobre as operações iminentes. Essas recomendações começaram
a chegar em seguida.
Em 10 de abril, o general Malinin, chefe do Estado-Maior da Frente
Central, enviou o seguinte relatório ao Estado-Maior Geral:
DA FRENTE CENTRAL 10 DE ABRIL DE 1943
PARA O CORONEL-GENERAL ANTONOV, CHEFE DE OPERAÇÕES DO ESTADO-
MAIOR GERAL DO EXÉRCITO VERMELHO
Em resposta à diretiva Nº 11.990
[...] 4. Coordenadas objetivas e mais prováveis de uma ofensiva
inimiga durante a primavera e o verão de 1943:
a) Tendo em vista a distribuição de forças e, sobretudo, os resultados
das operações ofensivas de 1941-1942, podemos crer que o inimigo
limitará sua ofensiva da primavera e verão de 1943 à orientação
operacional de Kursk-Voronezh. É improvável que haja ofensivas
inimigas em outros setores. Em vista da situação estratégica geral da
atual fase da guerra, os alemães se bene ciarão se conseguirem
consolidar seu controle sobre a península da Crimeia, a bacia do Donets
e a Ucrânia, o que exigirá que eles avancem sua linha em direção a
Shterovka, Starohelsk, Rovenki, Liski, Voronezh, Livny e Novosil. Para
atingir esse objetivo, o inimigo precisará de pelo menos 60 Divisões de
Infantaria com suporte aéreo, tanques e artilharia. O inimigo tem essas
forças orientadas nessa direção. Por isso, a direção de Kursk-Voronezh
se torna tão importante.
b) Com base nessas supostas operações, podemos esperar que o
inimigo ataque com a maior parte de suas forças simultaneamente ao
longo de um raio exterior e interior. (1) Ao longo do raio interior a
partir de Orel, através de Livny até Kastronoye, e de Belgorod, passando
por Oboyan, até Kursk; (2) Ao longo do raio exterior, de Orel, passando
por Kromy, em direção a Kursk, e de Belgorod, passando por Stary
Oskol, em direção a Kastornoye.
c) A menos que combatamos esses movimentos, o sucesso do inimigo
nessas operações pode se traduzir na derrota das forças das Frentes
Central e Voronezh e na conquista da linha férrea que liga Orel, Kursk e
Kharkov, e pode colocá-lo na linha geográ ca necessária para garantir o
controle da península da Crimeia, da bacia do Donets e da Ucrânia.
d) Logo após o m do degelo e das inundações da primavera, o
inimigo poderá começar a reagrupar suas forças e se concentrar para
lançar uma ofensiva nessas direções, criando as reservas necessárias.
Portanto, espera-se que a ofensiva ocorra aproximadamente na segunda
metade de maio.
5. Em vista desta situação operacional, eu recomendo as seguintes
medidas:
a) A força combinada das Frentes Ocidental, de Bryansk e Central
deve atingir os grupos inimigos nas proximidades de Orel, impedindo
sua ofensiva desde Orel, passando por Livny até Kastornoye, tomando a
ferrovia que liga Mtsensk, Orel e Kursk , que é tão essencial para nós, e
privando o inimigo do uso do entroncamento ferroviário e rodoviário
de Bryansk.
b) Isso exigirá o reforço das Frentes Central e Voronezh com apoio
aéreo, especialmente com aviões de combate e, pelo menos, com 10
Regimentos de Artilharia antitanques em cada Frente.
c) Para esse m, robustas reservas do Quartel-General Supremo
devem ser posicionadas nas áreas de Livny, Kastornoye, Liski, Voronezh
e Yelets.
TENENTE-GENERAL MALININ
Chefe do Estado-Maior, Frente Central
Nº 4203
O comando da Frente Voronezh também enviou suas recomendações ao
Estado-Maior Geral:
AO CHEFE DO ESTADO-MAIOR 12 de abril de 1943
DO EXÉRCITO VERMELHO

As forças inimigas atualmente posicionadas diante da Frente


Voronezh são as seguintes:
1. Nove Divisões de Infantaria de vanguarda (26ª, 68ª, 323ª, 75ª, 255ª
57ª, 332ª, 167ª e outra não identi cada). Essas divisões formam uma
linha que corre por Krasno-Oktyabrskoye, Bolshaya Chernetchina,
Krasnopolye e Kazatskoye. De acordo com os interrogatórios dos
prisioneiros, a Divisão não identi cada está avançando em direção a
Soldatskoye. Supõe-se que deva substituir a 332ª. Esta informação está
sendo veri cada. Segundo informações não veri cadas, o segundo
escalão é composto por 6 Divisões de Infantaria. Sua localização não foi
determinada e essa informação está sendo veri cada. Nosso serviço de
inteligência de rádio detectou o quartel-general de uma divisão húngara
nas proximidades de Kharkov. Ela pode ser transferida para um setor
secundário.
2. Seis Divisões Panzer (Grossdeutschland, Adolf Hitler, Totenkopf,
Das Reich, 6ª e 11ª), incluindo três de vanguarda e outras três
(Grossdeutschland, 6ª e 11ª) na segunda linha. De acordo com nosso
serviço de inteligência de rádio, o quartel-general da 17ª Divisão Panzer
está sendo transferido de Alekseyevskoye para Taranovka, sugerindo
uma mudança de toda a Divisão para o Norte. A julgar pela disposição
das forças, o inimigo pode ser capaz de mover 3 Divisões adicionais
Panzer do setor da Frente Sudoeste para a área de Belgorod.
3. Assim, podemos esperar que o inimigo acumule ao longo da Frente
Voronezh uma força de ataque de não menos que 10 Divisões de
Tanques e pelo menos 6 Divisões de Infantaria ou, o que resulta no
mesmo, um total de 1,5 mil tanques, que seriam concentrados em torno
de Borisovka, Belgorod, Muron e Kazachya Lopan. Essa força de ataque
poderia receber um poderoso apoio aéreo, de aproximadamente 500
bombardeiros e pelo menos 300 aviões de caça.
O inimigo pode estar planejando atacar em golpes concêntricos da
área de Belgorod para o Nordeste e da área de Orel para o Sudeste, com
o objetivo de cercar nossas forças a oeste da linha de Belgorod e Kursk.
Em seguida, podemos supor que o inimigo atacará pelo Sudeste, no
anco e na retaguarda da Frente Sudoeste, para poder avançar para o
Norte adiante.
No entanto, existe a possibilidade de o inimigo não se deslocar para o
Sudeste neste ano, mas adotar outro plano, realizando uma ofensiva em
direção ao Nordeste para cercar Moscou, depois de concentrar seus
ataques nas áreas de Belgorod e Orel. Devemos ter em mente essa
possibilidade e providenciar reservas adequadas.
Em suma, o mais provável é que o inimigo, ao longo da linha da
Frente Voronezh, execute seu golpe principal na área de Borisovka e
Belgorod, na direção de Stary Oskol, direcionando parte de suas forças
para Oboyan e Kursk. O inimigo ainda não está pronto para lançar uma
grande ofensiva. O início de tal ofensiva não deve ser esperado para
antes de 20 de abril, mais provavelmente para os primeiros dias de
maio. No entanto, ataques isolados podem ocorrer a qualquer
momento. Nossas tropas devem estar constantemente vigilantes.
FEDOROV [ V ]
NIKITIN [ K ]
FEDOTOV [ F. K.
K , E -M ]
Nº 55/k
Em outras palavras, entre 8 e 12 de abril, o Quartel-General Supremo
ainda não havia adotado um plano de ação para nossas forças na área do
saliente de Kursk na primavera e no verão de 1943. Naquela época, não
havia planos para nenhuma ofensiva na área de Kursk, pois nossas reservas
estratégicas ainda estavam em processo de formação e as Frentes Central e
Voronezh, tendo sofrido baixas em combates anteriores, precisavam de
reforços em efetivos, armamento e equipamentos. Por causa dessa situação,
os comandantes das Frentes haviam recebido ordens do Quartel-General
Supremo para prepará-las para a defesa.

27
As Divisões Panzer foram introduzidas no Exército alemão em 1935. Ao contrário do que
normalmente se pensa, eram mais do que Divisões de Tanques. Sua efetividade vinha da capacidade
de usar armas de maneira combinada. [N.E.]
28
O Exército soviético havia retirado um regimento de artilharia de cada Divisão para criar uma
poderosa reserva nas mãos do Alto Comando. [N.E.]
II

Recebi uma ligação de Stalin em 10 de abril em Bobyshevo (o Quartel-


General da Frente Voronezh), pedindo que eu voltasse a Moscou no dia
seguinte para discutir os planos da campanha de primavera e verão de 1943,
especialmente para o saliente de Kursk.
Em 11 de abril, eu estava novamente em Moscou.
Vasilevsky disse-me que Stalin havia pedido que preparássemos para a
noite seguinte um mapa da situação, com estimativas e recomendações.
Durante o dia 12 de abril, Vasilevsky, Antonov e eu preparamos os
materiais para a reunião. Começamos a trabalhar cedo pela manhã e, como
todos estávamos de acordo, tínhamos tudo pronto no início da noite. O
general Antonov era um mestre na apresentação do material e, enquanto
Vasilevsky e eu escrevíamos o relatório para Stalin, Antonov preparava o
mapa da situação e um mapa do plano de operações para o saliente de
Kursk.
Todos concordávamos que a Alemanha só seria capaz de abastecer seus
Exércitos e se preparar para uma ofensiva de primeira linha em um dos
setores estratégicos. A maior ameaça parecia recair sobre o saliente de
Kursk. Concluímos que, por considerações estratégicas, políticas,
econômicas e militares, os nazistas tentariam manter a qualquer preço sua
linha de frente do golfo da Finlândia ao mar de Azov e lançariam uma
grande ofensiva no saliente de Kursk com o objetivo de esmagar as tropas
das Frentes Central e Voronezh. Isso poderia inclinar o equilíbrio estratégico
a favor dos alemães, pois a eliminação do saliente fortaleceria a Frente e
aumentaria a densidade operacional geral das defesas deles. A situação no
saliente permitia que os alemães atacassem Kursk a partir de duas direções:
para o sul, a partir da área de Orel, e para o norte, a partir de Belgorod.
Assumimos que os Exércitos alemães permaneceriam na defensiva em todos
os demais locais da linha de Frente germano-soviética, pois, segundo as
informações do Estado-Maior Geral, eles não tinham forças para realizar
outras ofensivas.
No nal da tarde de 12 de abril, fomos para o Quartel-General Supremo.
Stalin ouviu com mais atenção do que nunca tudo o que tínhamos a dizer.
Aceitou que concentrássemos a maior parte de nossas forças em torno de
Kursk, mas continuava preocupado com o setor de Moscou.
Após discutir o plano de ação, decidimos apresentar uma defesa em uma
faixa muito ampla de terreno, cobrindo todos os setores ameaçados e o
saliente de Kursk. Era necessário repassar ordens adequadas aos
comandantes das Frentes. As tropas deveriam entrincheirar-se em uma
ampla faixa defensiva. As reservas do Quartel-General Supremo, em
processo de formação ou que ainda seriam criadas, não deveriam se
deslocar para a Frente naquele momento, mas se concentrar nas imediações
dos setores ameaçados.
Assim, já em meados de abril, o Quartel-General Supremo adotou uma
medida preliminar sobre o plano de defesa proposto. Voltamos a esse
assunto em várias ocasiões. O Quartel-General Supremo tomou uma
decisão de nitiva no nal de maio e princípio de junho, quando
conhecíamos praticamente todos os detalhes do plano inimigo de atacar as
Frentes Central e Voronezh com forças blindadas de primeira classe, usando
os novos tanques Tiger e canhões autopropulsados Ferdinand.
O Quartel-General Supremo considerava que as Frentes Voronezh,
Central, Sudoeste e de Bryansk eram os setores principais na primeira fase
da iminente campanha que se avizinhava. Esperava-se que a ação principal
se desenrolasse nesses locais. O plano era responder à ofensiva alemã com
uma defesa rme, desgastar o inimigo e passar à contraofensiva, até que a
vitória de nitiva fosse alcançada. Ao mesmo tempo, elaboramos um plano
de operações ofensivas, caso o ataque inimigo se prolongasse.
Nosso plano defensivo, preparado com bastante antecedência, não foi
imposto pelos acontecimentos, mas o cronograma de nossa ofensiva
dependeria da situação na época certa. Não queríamos atrasar o início da
ofensiva nem queríamos nos apressar. Também estabelecemos a área básica
de concentração das reservas do Quartel-General Supremo. Elas se
agrupariam em torno de Livny, Stary Oskol e Korocha, dispostas para
formar uma linha defensiva caso o inimigo conseguisse penetrar no saliente
de Kursk. No anco direito da Frente de Bryansk, se situariam outras
reservas, ao redor de Kaluga, Tula e Yefremov. Na con uência das Frentes
Voronezh e Sudoeste, em torno de Liski, o V Exército de Tanques da Guarda
e algumas outras unidades estariam prontos para agir.
Vasilevsky e Antonov foram instruídos a começar a elaborar a
documentação de suporte para esses planos a tempo de realizar outra
reunião no início de maio. Enquanto isso, o Comitê Central do Partido, o
Comitê de Defesa do Estado, o Quartel-General Supremo e o Estado-Maior
Geral trabalharam duramente para preparar o Exército Vermelho para a
campanha de primavera-verão de 1943.
Os preparativos para uma ação em larga escala exigiam uma série de
melhoras na organização das forças e no fornecimento de equipamentos
modernos. O Estado-Maior Geral tomou medidas para melhorar a estrutura
de comando do Exército. O código de organização das Frentes e Exércitos
foi revisado e aprimorado. Houve reforço com unidades adicionais de
artilharia, antitanques e morteiros. Os contingentes de comunicações
também foram reforçados. As Divisões de Fuzileiros foram equipadas com
melhor armamento automático e antitanques e se converteram em Corpos
de Exército, para dotar de maior e cácia a estrutura de comando e dar mais
potência aos Exércitos. Novas unidades de artilharia e morteiros foram
criadas e equipadas com armamento de qualidade superior. Brigadas,
Divisões e Corpos de Artilharia foram formados no interior da reserva do
Comando Supremo para dotar os principais setores de uma densidade de
fogo superior. As Divisões Antiaéreas começaram a incorporar-se às
diferentes Frentes e às forças de defesa aérea da Nação. Nossa defesa aérea
melhorou enormemente.29
O Comitê Central e o Comitê de Defesa do Estado prestaram atenção
especial à produção de tanques. A Frente também recebeu os primeiros
canhões autopropulsados projetados e fabricados pela indústria soviética.30
No verão de 1943, além de Corpos mecanizados e tanques especí cos,
tínhamos 5 Exércitos de Tanques bem equipados, cada um deles consistindo
em 2 Corpos de Tanques e um Corpo Mecanizado. Além disso, 18
regimentos de tanques pesados foram criados para reforçar os Exércitos de
campanha e garantir a penetração nas defesas inimigas.
Também trabalhou-se muito para reorganizar a Força Aérea, que estava
começando a se equipar com aeronaves recém-projetadas, incluindo o LA-5
modi cado e o Yak-9. Além de novos equipamentos para toda a Força
Aérea, criamos novas unidades, incluindo 8 Corpos de Bombardeiros de
longo alcance, integrados à reserva do Quartel-General Supremo. A Força
Aérea soviética agora superava a alemã em número de aviões. Cada uma das
Frentes tinha sua própria Força Aérea, com 700 a 800 aviões.
Convertemos a artilharia para tração motorizada. Também fornecemos
caminhões aos engenheiros do Exército e ao Corpo de Comunicações, e
oferecemos uma imensa frota de veículos a motor para apoiar as unidades
em todas as principais Frentes. Colocamos dezenas de novos batalhões e
regimentos motorizados à disposição dos serviços de retaguarda do
Comando Supremo, aumentando assim a capacidade de manobra e atuação
de todos os serviços de apoio.
Demos muita atenção ao treinamento de novos efetivos. Em 1943,
treinamos e equipamos centenas de milhares de soldados em diferentes
centros e os organizamos em importantes reservas estratégicas. Em 1º de
julho, a reserva do Quartel-General Supremo continha vários Exércitos de
Campanha, dois Exércitos de Tanques e um Exército Aéreo. A fabulosa
quantidade de trabalho realizado pelo Partido e pelo Comitê de Defesa do
Estado para fortalecer e reciclar as forças soviéticas com base na experiência
acumulada aprimorou fantasticamente a capacidade de combate das tropas
em todas as Frentes.
Demos especial atenção à melhora no trabalho político. Milhares de novos
membros do Partido foram apresentados às tropas, elevando ainda mais o já
alto moral dos soldados. Em 1943, as Forças Armadas tinham 2,7 milhões
de militantes do Partido e um número aproximado de membros das
Juventudes Comunistas.
As instâncias políticas do Exército, as organizações do Partido e suas
juventudes esforçaram-se ao máximo para elevar o moral e a consciência
política das tropas. Essa tarefa foi facilitada por um decreto do Comitê
Central, de 24 de maio de 1943, sobre a reorganização da estrutura do
Partido e de suas juventudes no Exército Vermelho, que atribuía um papel
mais importante aos periódicos do Exército. De acordo com o decreto,
organizações do Partido deveriam ser criadas no nível de batalhões, não de
regimentos. Os escritórios do Partido nos regimentos deveriam se tornar o
equivalente aos comitês do Partido. Essa estrutura permitiu um controle
mais efetivo dos membros do Partido em unidades de classi cação inferior.
O trabalho político de comandantes, comissários políticos e organizações e
juventudes do Partido na efetivação do decreto de maio foi um fator decisivo
para aumentar o nível de preparação militar das Forças Armadas soviéticas
às vésperas do confronto em larga escala com o inimigo na campanha de
primavera-verão de 1943.
Mais de 200 mil guerrilheiros operavam na retaguarda inimiga. Eram
dirigidos por um Quartel-General Central e por comitês clandestinos nas
cidades, nos bairros e nas províncias.
No verão de 1943, antes da Batalha de Kursk, as Forças Armadas
soviéticas eram superiores às forças fascistas alemãs, quantitativa e
qualitativamente. Agora, o Comando Supremo Soviético dispunha de todos
os meios necessários para conservar a iniciativa estratégica em todos os
setores e impor sua vontade ao inimigo.
O comando alemão, ao descobrir que havia perdido a superioridade em
relação ao Exército Soviético, adotou uma série de medidas para deslocar
todas as forças disponíveis para a Frente germano-soviética. Aproveitando-
se do fracasso da abertura de uma segunda Frente na Europa Ocidental, o
comando nazista movimentou suas melhores unidades para o Leste. A
indústria de guerra alemã, que trabalhava 24 horas por dia, se apressou em
fornecer às tropas os novos tanques Tiger e Panzer e os canhões
autopropulsados Ferdinand. A Força Aérea alemã recebeu novos aviões
Focke-Wulf-190A e Henschel-129. As forças de infantaria receberam
efetivos e suprimentos adicionais.
A capacidade de combate da Alemanha na Frente soviética consistia em
232 divisões alemãs e de países-satélites, chegando a um total de 5,3 milhões
de homens, 56 mil canhões e morteiros, 5,85 mil tanques e canhões
autopropulsados e 3 mil aviões. Os quartéis-generais de todos os níveis de
comando estavam muito ocupados com os planos para a ofensiva iminente.
Para operações dirigidas contra o saliente de Kursk, o comando alemão
pretendia usar pelo menos 50 Divisões, incluindo 16 Divisões de Tanques e
Divisões Motorizadas, 10 mil canhões, 2,7 mil tanques e 2 mil aviões. Hitler
e sua camarilha não tinham a menor dúvida de que teriam sucesso. A
propaganda nazista esforçava-se para incutir con ança em suas tropas e
prometia que a batalha que se aproximava resultaria na vitória indiscutível,
que Hitler queria alcançar a todo custo.
Mais uma vez, os planos arriscados do imperialismo alemão seriam
frustrados.
No início de maio, voltei ao Quartel-General Supremo, depois de fazer
uma viagem à Frente do Norte do Cáucaso. Naquela época, o Estado-Maior
Geral havia concluído a fase fundamental dos planos para a campanha de
primavera-verão. Um intenso trabalho de coleta de informações na
retaguarda do inimigo pelos serviços de inteligência e pela Força Aérea
havia deixado claro que o uxo principal de tropas e de materiais inimigos
era direcionado a Orel, Kromy, Bryansk, Kharkov, Krasnograd e Poltava.
Isso con rmou o nosso prognóstico feito em abril. Tanto o Comando
Supremo quanto o Estado-Maior Geral começaram a suspeitar que os
alemães lançariam sua ofensiva em poucos dias.
Stalin pediu que as Frentes Central, de Bryansk, Voronezh e Sudoeste
fossem avisadas e mantivessem as tropas em alerta máximo para responder
ao ataque previsto. O Quartel-General Supremo emitiu diretriz sobre isso
em 8 de maio. Ao recebê-la, os comandantes das Frentes tomaram medidas
adicionais para fortalecer seus sistemas de fogo, defesas antitanques e
obstáculos de engenharia.
Em resposta a esta diretriz, um informe do comando da Frente Central
dizia o seguinte:

1. Depois de receber a diretriz do Quartel-General Supremo, foram


emitidas ordens para que todos os Exércitos e Corpos independentes da
Frente Central mantenham suas tropas em alerta de combate durante a
manhã de 10 de maio.
2. Nos dias 9 e 10 de maio, foram adotadas as seguintes medidas:
a) As tropas foram informadas de uma possível ação ofensiva do
inimigo em futuro imediato.
b) As unidades do primeiro e segundo escalões defensivos e as
forças de reserva foram colocadas em alerta máximo. Os comandos e
os quartéis-generais das unidades estão veri cando no terreno o grau
de alerta das tropas.
c) Os serviços de inteligência em terra e a artilharia intensi caram
suas atividades em diferentes setores, especialmente na direção de
Orel. A con abilidade do controle de fogo está sendo veri cada, na
prática, pelas unidades de primeira linha. As unidades de segunda
linha e de reserva realizam reconhecimento adicional na direção mais
provável das operações e estão coordenando os planos com as
unidades de primeira linha. Suprimentos de munição adicionais estão
sendo deslocados para posições de disparo. Os obstáculos terrestres
foram reforçados, especialmente nos setores mais expostos ao ataque
dos Panzers. As zonas defensivas estão sendo minadas em larga
escala.31 Os sistemas de comunicação foram testados e operam
perfeitamente.
3. O XVI Exército Aéreo intensi cou seus esforços de
reconhecimento e está observando minuciosamente o inimigo nas
áreas de Glazunovka, Orel, Kromy e Komarichi. As unidades aéreas e
os soldados do Exército estão em alerta máximo para repelir ataques
da aviação inimiga e desbaratar todas as suas operações ofensivas.
4. Para frustrar qualquer operação ofensiva do inimigo na direção
de Orel e Kursk, toda a artilharia do XIII Exército e os aviões do XVI
Exército Aéreo foram alertados para possíveis preparativos em outra
direção.
Relatórios semelhantes foram recebidos de outras Frentes.
Embora não negassem a necessidade de medidas defensivas, o general
Vatutin, comandante da Frente Voronezh, e N. S. Krushchev, seu o cial
político, em relatório ao comandante supremo propuseram que um ataque
preventivo fosse lançado contra o contingente inimigo de Belgorod-
Kharkov. Vasilevsky, Antonov e os outros o ciais do Estado-Maior Geral
não apoiaram a ideia. Eu concordei com o Estado-Maior Geral e informei
isso a Stalin.
Mas o comandante em chefe ainda tinha dúvidas sobre se deveria esperar
a ofensiva do inimigo ou fazer um ataque preventivo. Stalin temia que
nossas defesas não resistissem a um ataque, como havia acontecido em 1941
e 1942. Ao mesmo tempo, ele não tinha certeza se nossas tropas seriam
capazes de superar as poderosas defesas inimigas. Esta dúvida prolongou-se,
se bem me lembro, até quase meados do mês de maio.
Como consequência das reiteradas discussões e das evidências que
fornecemos, Stalin nalmente decidiu enfrentar o ataque alemão com fogo
de artilharia, ataques aéreos e contra-ataques com nossas reservas
estratégicas e operacionais. Então, tendo desgastado o inimigo, deveríamos
lançar uma contraofensiva contundente na direção de Belgorod-Kharkov e
Orel, seguida de operações ofensivas de penetração em todas as direções
importantes.32
Depois de derrotar os alemães no saliente de Kursk, o Quartel-General
Supremo planejava liberar a bacia do Donets e toda a Ucrânia a leste do rio
Dnieper, eliminar a cabeça de ponte do inimigo na península de Tamal, no
Norte do Cáucaso, chegar à parte mais oriental da Bielorrússia e preparar o
caminho para a expulsão de nitiva do inimigo do território da União
Soviética.
A maior parte das forças alemãs no saliente de Kursk deveria ser
derrotada de acordo com o seguinte plano do Quartel-General Supremo: tão
logo fossem detectadas as principais concentrações de forças inimigas nos
centros de operações para a ofensiva, todas as unidades de artilharia e
morteiros deveriam abrir fogo em coordenação com os ataques aéreos. Para
apoiar as operações de defesa em terra, nossa Força Aérea deveria conseguir
supremacia absoluta no ar. Este objetivo dependeria da ajuda de unidades
aéreas das Frentes adjacentes e da força dos bombardeiros de longo alcance
do Comando Supremo.
Quando o inimigo lançasse sua ofensiva terrestre, as tropas das Frentes
Voronezh e Central deveriam defender todas as posições, todas as linhas de
fogo e lançar contra-ataques com as reservas disponíveis, incluindo os
Corpos de Tanques individuais e todos os Exércitos de Tanques. E assim que
o inimigo se enfraquecesse e fosse detido, as forças das Frentes Voronezh,
Central, das Estepes e de Bryansk, a ala esquerda da Frente Ocidental e a ala
direita da Frente Sudoeste deveriam lançar uma contraofensiva de primeira
magnitude.
Para complementar este plano de ação geral, uma diretriz do Quartel-
General Supremo para cada uma das Frentes explicava as seguintes missões
especí cas: a Frente Central deveria defender a parte setentrional do saliente
de Kursk, desgastando o inimigo com operações defensivas e, em seguida,
em conjunto com as Frentes de Bryansk e Ocidental, lançar uma
contraofensiva para derrotar as forças alemãs nas proximidades de Orel.
A Frente Voronezh, que defendia a parte meridional do saliente de Kursk,
causaria o maior número de baixas no inimigo em operações defensivas
para, em seguida, passar à contraofensiva, em coordenação com a Frente das
Estepes e a ala direita da Frente Sudoeste, tendo em vista esmagar as forças
inimigas em torno de Belgorod e Kharkov. O principal esforço dessa Frente
deveria estar concentrado na ala esquerda do setor do VI e do VII Exércitos
da Guarda.
A Frente das Estepes, localizada atrás das Frentes Central e de Bryansk, ao
longo de uma linha que corria por Izmalkovo, Livny, o rio Kshen e Bely
Kolodez, deveria se preparar para defender essa linha em caso de penetração
nessas Frentes e estar pronta para participar das operações da
contraofensiva.
As tropas da Frente de Bryansk e a ala esquerda da Frente Ocidental
deveriam atuar em conjunto com a Frente Central para reprimir a ofensiva
inimiga e estar prontas para passar à contraofensiva na direção de Orel.
O Quartel-General Central da guerrilha recebeu instruções para organizar
na retaguarda do inimigo ações de distração generalizadas contra todas as
principais linhas de transporte de Orel, Bryansk, Kharkov e outras regiões,
além de coletar e transmitir informações para o serviço de inteligência.
Em uma série de setores no Sul e no Noroeste, estavam previstas ações
ofensivas isoladas para comprometer as forças inimigas e impedir o
movimento das suas forças de reserva.
Nossas tropas começaram a se preparar para a Batalha de Kursk na
segunda metade de abril. Passei todo aquele período com as tropas das
Frentes de Voronezh e Central, analisando a situação e os preparativos para
as operações planejadas.
Em 22 de maio, enviei o seguinte relatório a Stalin, dirigindo-me a ele
pelo codinome de Ivanov:
Camarada Ivanov, em anexo envio meu relatório sobre a situação na
Frente Central em 21 de maio.
1. Nosso serviço de inteligência estabeleceu que, em 21 de maio, o
inimigo tem na primeira linha 15 Divisões de Infantaria e outras 13 na
segunda linha diante da Frente Central, incluindo 3 Divisões Panzer.
Além disso, temos informações de que a 2ª Divisão Panzer e a 36ª
Divisão Motorizada estão se concentrando no sul de Orel. A
informação sobre essas duas Divisões ainda requer veri cação. A
Divisão Panzer inimiga, que estava a oeste de Sevsk, foi transferida para
outro lugar. Existem também 3 Divisões, duas delas Panzer, nas áreas de
Bryansk e Karachev. Consequentemente, o inimigo tem um total de 33
Divisões em 21 de maio, 6 delas Panzer.
O trabalho de reconhecimento instrumental e visual identi cou 800
canhões, especialmente de 105 mm e 150 mm. A maior parte da
artilharia aponta para o nosso XIII Exército, para o anco esquerdo do
XLVIII Exército e o anco direito do LXVI Exército, seguindo uma
linha que passa por Trosno, Pervoye e Pozdeyevo. Atrás dessa linha,
principalmente de artilharia, existem de 600 a 700 Panzers entre
Zmiyevka e Krasnaya Roshcha, e um Exército Blindado que, na maior
parte, está concentrado a leste do rio Oka.
O inimigo acumulou entre 600 e 650 aviões nas proximidades de
Orel, Bryansk e Smolensk. A maior parte dessa força aérea está
concentrada em torno de Orel.
Nos últimos dias, o inimigo tem se mostrado passivo em terra e no ar,
limitando-se a realizar missões ligeiras de reconhecimento aéreo e,
ocasionalmente, pequenas incursões de bombardeio. Tem se
entrincheirado ao longo da linha de frente e em áreas mais atrasadas,
especialmente diante do setor do XIII Exército, entre Krasnaya
Slobodka e Senkovo; uma segunda linha defensiva além do rio Neruch
já foi detectada e uma terceira linha está sendo escavada 3 km ou 4 km
ao norte de Neruch.
Os interrogatórios de prisioneiros indicam que o comando alemão
está ciente de nosso agrupamento de tropas no sul de Orel e de nossos
preparativos para uma ofensiva. As unidades alemãs foram avisadas. Os
pilotos capturados a rmam que o comando alemão está planejando
uma ofensiva própria e está acumulando força aérea para este m.
Visitei pessoalmente a linha de frente do XIII Exército, observei as
atividades do inimigo de diferentes pontos e, depois de várias
discussões com os comandantes das divisões do LXX e do XIII
Exércitos e com Galinin, Pukhov e Romanenko, comandantes de
Exército, concluí que não há evidências de preparativos para uma
ofensiva imediata em toda a linha de frente inimiga. Posso estar
equivocado, e talvez o inimigo esteja escondendo habilmente esses
preparativos, mas, com base na análise da disposição das unidades
Panzer, da baixa densidade das unidades de infantaria e da ausência de
artilharia pesada, acredito que não serão capazes de lançar uma
ofensiva antes do nal de maio.
2. As defesas do XIII e do LXX Exércitos estão bem organizadas e
escalonadas em uma ampla faixa de terreno. A defesa do XLVIII
Exército é mais inconstante e está equipada com uma baixa densidade
de artilharia. Portanto, se o inimigo atacar o Exército de Romanenko [o
XLVIII] e tentar cercar Maloarkhangelsk pelo leste com a intenção de
circundar a maior parte das forças de Kostin [codinome de
Rokossovsky], Romanenko talvez não consiga deter o avanço inimigo.
As reservas da Frente, posicionadas principalmente atrás de Pukhov [o
XIII Exército] e Galanin [o XVII Exército], talvez não consigam ajudar
Romanenko a tempo. Romanenko deveria receber o reforço de 2
Divisões de Fuzileiros, 3 Regimentos de Tanques T-34, 2 Regimentos de
Artilharia Antitanques e 2 Regimentos de Morteiros ou artilharia da
reserva do Quartel-General Supremo. Com essas forças adicionais,
Romanenko seria capaz de melhorar suas defesas e, quando necessário,
passar à ofensiva com um agrupamento muito denso de forças.
A principal falha nas defesas de Pukhov e Galanin e dos outros
Exércitos da Frente é a escassez de regimentos de artilharia antitanques.
Atualmente, a Frente possui um total de 4 desses Regimentos, 2 dos
quais estão em posições de retaguarda e não possuem veículos de
tração. Por causa da escassez acentuada de canhões de 45 mm nos
batalhões e regimentos, as defesas antitanques da primeira linha são
fracas. Parece-me que Kostin deveria receber o mais rapidamente
possível mais 4 Regimentos de Artilharia Antitanque (com os dois de
Romanenko, perfazendo um total de seis) e 3 Regimentos de Artilharia
autopropulsada de 152 mm.
3. Os preparativos de Kostin para uma ofensiva ainda não estão
concluídos. Depois de analisar esta questão, Kostin, Pukhov e eu
decidimos que o setor proposto para a penetração deveria se mover 2
km ou 3 km na direção oeste do setor originalmente previsto, isto é, até
Arkhangelskoye, inclusive. Um Corpo de Exército reforçado com um
Corpo de Tanques deve ser posicionado na primeira linha, a oeste da
linha férrea. Não se deve tentar fazer a penetração com a artilharia que
está disponível agora para Kostin, pois o inimigo reforçou muito suas
defesas em uma ampla faixa de terreno nessa direção. Se quisermos ter
certeza de que seremos capazes de penetrar nas defesas, mais um Corpo
de Artilharia terá que ser designado para Kostin. O suprimento de
munição da Frente equivale, em média, a uma dotação e meia
completas. Por favor, cuide para que Yakovlev [chefe da artilharia
soviética] forneça à Frente, nas próximas duas semanas, mais três
dotações dos calibres fundamentais.
4. Pukhov conta agora com 12 Divisões, 6 delas integradas a 2 Corpos
de Exército e as outras 6 sob seu comando pessoal. Facilitaria muito se
você pudesse criar imediatamente 2 comandos de Corpos e atribuí-los a
Pukhov, bem como 1 comando de Corpo adicional para Galanin, que
também possui 5 Divisões Independentes, além de 1 Corpo de
Fuzileiros.
Por favor, tome as decisões necessárias.
YURYEV [nome de código de Júkov]

Da mesma forma, informei sobre a situação na Frente Voronezh.


Depois de ter observado, em primeira mão, o trabalho dos comandantes
das Frentes e dos quartéis-generais inferiores, bem como do Estado-Maior
Geral, devo salientar que seus incansáveis esforços desempenharam um
papel fundamental nas batalhas do verão. Os Estados-Maiores trabalharam
dia e noite para reunir e analisar informações sobre as forças inimigas, seu
potencial e suas intenções. A informação processada era rapidamente
transmitida ao comando superior, permitindo que fossem tomadas decisões
bem fundamentadas.
Tendo começado com bastante antecedência, nossas forças conseguiram
estabelecer uma poderosa zona defensiva. Os conselhos militares de cada
uma das Frentes e Exércitos, os comandantes, os Estados-Maiores dos
quartéis-generais e os comissários políticos realizaram um grande esforço
para garantir a provisão de uma defesa rigorosa em uma faixa muito ampla
de terreno e um sistema de ataque exível, para dispor as tropas da maneira
mais e ciente possível, treinar os soldados em ágeis combates defensivos e
ofensivos e garantir controle con ável das tropas durante a batalha.
29
Na linguagem do Exército soviético, Formação designava forças de campanha do tamanho de
Brigadas, Divisões ou Corpos. As pequenas forças eram chamadas de unidades. A Divisão de
Infantaria, principal grande-unidade de armas combinadas, era constituída de três regimentos de
infantaria, dois regimentos de artilharia, batalhões antiblindado, antiaéreo, de reconhecimento, de
sapadores e de comunicações, unidades logísticas e destacamentos de retaguarda. Em tempo de
guerra, cada Divisão deveria reunir em torno de 14,5 mil homens, com canhões de campanha e
antiaéreos, armas antiblindados, morteiros, blindados leves e cerca de 3 mil cavalos. A Divisão
Mecanizada era a mais fraca das duas espécies de Divisões blindadas, com 175 a 200 tanques. A
Divisão de Tanques era mais móvel e mais forte, com cerca de 250 a 300 tanques. [N.E.]
30
A artilharia autopropulsada é bem mais barata e mais fácil de produzir que os blindados. [N.E.]
31
Em algumas áreas do teatro de operações em Kursk, 1,7 mil minas pessoais e 2 mil minas
antitanques foram colocadas por km2. [N.E.]
32
Na maneira-padrão de preparar uma ofensiva, a Artilharia lançava uma poderosa barragem de
meia hora a seis horas de duração. No momento do assalto, ela alongava seus tiros para atingir a
retaguarda do inimigo, em lances de 100 metros. A infantaria avançava sob esta proteção. [N.E.]
III

Como já escrevi, o plano de operações era continuamente corrigido de


acordo com as mudanças que ocorriam. Para elaborar um plano de ação no
saliente de Kursk, o Quartel-General Supremo e o Estado-Maior Geral
tinham que coletar informações dos serviços de inteligência sobre a
disposição das tropas inimigas, os movimentos de forças blindadas, de
artilharia, de unidades de bombardeiros e de aviões de caça e, mais
importante, sobre as intenções do comando inimigo.
Para chegar às conclusões apropriadas, o Estado-Maior Geral teve que
analisar com atenção uma enorme quantidade de dados, alguns dos quais
inevitavelmente errôneos, já que as informações eram coletadas por
inúmeras pessoas, tanto dos diferentes serviços de inteligência quanto das
guerrilhas.
Naturalmente, o inimigo tentava esconder suas intenções. Realizava
movimentos espúrios de tropas e outras manobras enganosas. Esperava-se
que nossos Estados-Maiores separassem o falso e o autêntico. Em vez de
depender de intuições ou suposições individuais, só a centralização de
diretrizes e a coordenação de esforços podiam garantir que descobríssemos
as maneiras adequadas de proceder. O Comando Supremo dependia das
informações coletadas pelos serviços de inteligência para tomar suas
decisões sobre as possibilidades e intenções do inimigo em qualquer setor
estratégico.
Com base na avaliação da situação, o Quartel-General Supremo e o
Estado-Maior Geral concluíram que o inimigo estava acumulando suas
tropas mais poderosas diante da Frente Central, em volta de Orel. De fato,
como soubemos mais tarde, as forças posicionadas diante da Frente
Voronezh provaram ser as mais importantes. O inimigo havia reunido ali 9
Divisões Motorizadas e Panzer (1,5 mil tanques), em comparação com as 7
Divisões (1,2 mil tanques) dispostas ao longo da Frente Central. Isso explica
em grande parte por que a Frente Central teve mais sucesso do que a Frente
Voronezh em repelir o ataque inimigo.
Preciso dizer algo mais sobre nossas reservas. Ao planejar a operação de
Kursk, o Quartel-General Supremo fez um esforço especial para ter à sua
disposição reservas abundantes. Ao longo da linha que ligava Livny a Stary
Oskol [por trás do saliente de Kursk], o Comando Supremo concentrou as
tropas da nova Frente das Estepes (reestruturada a partir do Distrito Militar
das Estepes), cuja missão era deter o inimigo em caso de emergência ou
reforçar nossas tropas de ataque no caso de uma contraofensiva
generalizada. A Frente das Estepes era composta pelo V Exército de
Campanha da Guarda e pelos XXVII, LIII e XLVII Exércitos de Campanha,
V Exército de Tanques da Guarda, I Corpo Mecanizado da Guarda e o III, o
V e o VII Corpos de Cavalaria. Era apoiada pelo V Exército Aéreo. A Frente
estava sob o comando do general Konev, com o tenente-general L. Z.
Susaikov como comissário político e o tenente-general M. V. Zakharov
como chefe do Estado-Maior.
A Frente das Estepes, que representava essencialmente a reserva
estratégica do Quartel-General Supremo, recebeu uma missão
extremamente importante na batalha que se avizinhava. Esperava-se que ela
interrompesse qualquer penetração do inimigo em profundidade, e na
contraofensiva planejada fortalecesse o nosso poder de ataque,
incorporando-se pela retaguarda. A localização dessa Frente, a certa
distância do inimigo, havia sido concebida para dar espaço para manobras.
Portanto, o objetivo da Frente das Estepes diferia substancialmente
daquele da Frente Reserva, que havia atuado nos acessos a Moscou no
outono de 1941. A Frente Reserva era, em essência, uma segunda linha de
defesa, operando na retaguarda da Frente Ocidental.
No nal de junho, a situação cou nalmente bastante clara: em poucos
dias o inimigo lançaria uma ofensiva na região de Kursk.
Naquele momento, eu estava na Frente Central com Rokossovsky,
visitando o XIII Exército, o II Exército de Tanques e os Corpos da reserva.
Em 30 de junho, recebi uma ligação do comandante supremo. Ele ordenou
que eu permanecesse no setor de Orel para coordenar as operações das
Frentes Central, de Bryansk e Ocidental.
— Vasilevsky assumirá a Frente Voronezh — disse Stalin.
Tínhamos preparado uma densidade extremamente alta de fogo de
artilharia no setor do XIII Exército, onde esperávamos receber o golpe
principal do inimigo, com até 92 peças de artilharia por km de linha de
frente.
Em uma tentativa de impedir um ataque inimigo massivo com seus
Panzers, havíamos implantado nossas defesas antitanques em uma faixa
muito ampla de terreno, cuja maior concentração de artilharia, tanques,
minas e outros obstáculos de engenharia ocorria nas Frentes Central e
Voronezh.
As mais poderosas defesas antitanques da Frente Central concentravam-se
no setor do XIII Exército e nos ancos adjacentes do XLVIII e do LXX
Exércitos, e as da Frente Voronezh no setor do VI e do VIIExércitos da
Guarda. Neste local a densidade chegava a 15 canhões por km e, incluindo a
segunda linha defensiva, a nada menos que 30 canhões por km.
As defesas antitanques nesse setor foram ainda mais reforçadas com dois
regimentos e uma brigada de tanques. A densidade da artilharia antitanques
no setor do XIII Exército superava 30 canhões por km.
Haviam sido estabelecidos pontos e zonas de defesa antitanques mais
sólidos em todos os setores suscetíveis a ataques dos Panzers. Além de
artilharia e tanques, nossas defesas antitanques também incluíam extensos
campos minados, valas, parapeitos e outros obstáculos de engenharia.
Também preparamos destacamentos de obstáculos móveis e reservas
antitanques. Todas essas medidas provaram ser bastante e cazes. A
signi cativa derrota sofrida pelas forças blindadas do inimigo no curso da
batalha contribuiu grandemente para a derrota geral dele.
Nossos serviços de inteligência concluíram que estavam ativas diante das
Frentes Central e Voronezh a I, a IV e a VIII Frotas Aéreas, com um total de
2 mil aviões sob o comando do marechal de campo Von Richthofen. A
partir de março, os aviões inimigos intensi caram progressivamente as
incursões em nossos entroncamentos ferroviários, rodovias, cidades e
principais alvos na retaguarda. No início de junho, os ataques aéreos se
concentraram cada vez mais em nossas tropas e unidades de apoio ao longo
da Frente. O II, o V e o XVI Exércitos Aéreos assumiram a cobertura de
nossas forças no saliente de Kursk. Nossas defesas antiaéreas foram
extraordinariamente reforçadas contra a ofensiva inimiga em
desenvolvimento. No mês de julho, a Frente Central havia implantado 5
Divisões Antiaéreas da reserva do Quartel-General Supremo, 5 Regimentos
de Artilharia de médio calibre e 23 outros Regimentos de pequeno calibre. A
Frente Voronezh tinha 4 Divisões Antiaéreas da reserva do Quartel-General
Supremo, 25 Regimentos Antiaéreos, 3 Divisões Antiaéreas e 5 Baterias
Antiaéreas. Essas forças permitiram às Frentes atingir uma grande
quantidade de alvos com fogo duplo, triplo, quádruplo e até quíntuplo. As
unidades antiaéreas estavam intimamente ligadas aos aviões de combate e
aos serviços de observação, de alerta precoce e de comunicações. Esse
sistema de defesa aérea, meticulosamente organizado no saliente de Kursk,
nos permitiu oferecer uma boa cobertura a nossas forças e in igir pesadas
perdas à Força Aérea inimiga.
Nossa área de forti cação tinha mais de 160 km de largura, incluindo a
linha de defesa ao longo do rio Don, com uma profundidade entre 240 km e
280 km. Assim, as Frentes estavam bem preparadas para dar às tropas uma
cobertura que lhes permitiria enfrentar a ofensiva do inimigo com grande
efetividade.
Os serviços da retaguarda das Frentes, Exércitos e unidades menores
também realizaram grandes esforços. Pouco se escreveu sobre os membros
dos serviços de apoio que, com trabalho e iniciativa, ajudaram
tremendamente as tropas e comandantes em todos os níveis hierárquicos e
contribuíram muito para a nossa vitória.
Os serviços de retaguarda da Frente Central eram liderados pelo General
N. A. Antipenko e os da Frente Voronezh pelo general N. P. Anisimov. Eu
conhecia bem os dois generais. Antipenko havia estado no comando dos
serviços da retaguarda do XL Exército da Frente Ocidental durante a Batalha
de Moscou, onde demonstou ser um organizador muito competente. E eu
teria a oportunidade de conhecer Anisimov ainda melhor durante meu
trabalho como comandante da Primeira Frente Ucraniana.
Fornecer à Batalha de Kursk mais de 1,3 milhão de soldados, 3,6 mil
tanques, 20 mil canhões e 3,1 mil aviões, incluindo bombardeiros de longo
alcance, exigia um esforço enorme. Apesar das condições difíceis, os
serviços da retaguarda realizaram seu trabalho de maneira brilhante e
garantiram um uxo contínuo de suprimentos, tanto durante a fase
defensiva da batalha quanto na rápida transição para a contraofensiva.
Os habitantes do saliente de Kursk também foram de grande ajuda para os
serviços da retaguarda e as tropas. As fábricas próximas à linha de frente
consertavam tanques, aviões, caminhões, peças de artilharia e outros
equipamentos, além de confeccionar uniformes e material para os hospitais.
A população colaborou enormemente na construção de forti cações e
estradas, bem como em sua reparação. A frente e a retaguarda trabalharam
unidas. Todos zeram o máximo possível para alcançar a vitória, uma prova
da comunhão de objetivos de nosso povo e das Forças Armadas em defesa
de sua Pátria socialista.
Devo acrescentar que os generais Vatutin e Rokossovsky lidaram
pessoalmente com muitos problemas nos serviços da retaguarda, o que
explica em grande parte a excelente situação dos suprimentos no início da
batalha.
Durante os meses de maio e junho, foram realizados trabalhos intensivos
de treinamento militar e formação política em todas as unidades terrestres e
aéreas, enquanto cada um dos soldados e comandos se preparavam para
enfrentar o inimigo. Eles não tiveram que esperar muito tempo. Por meio
dos serviços de inteligência, o Quartel-General Supremo e cada uma das
Frentes foram capazes de determinar o momento exato da ofensiva inimiga.
Em 2 de julho, o Quartel-General Supremo alertou os comandantes das
Frentes de que se esperava que o inimigo avançasse entre os dias 3 e 6 de
julho.33
Em 4 de julho, eu estava no Quartel-General da Frente Central. Em uma
conversa por telefone através da linha de segurança com o general
Vasilevsky, que estava no Quartel-General de Vatutin, eu soube do resultado
de um confronto com destacamentos inimigos avançados perto de Belgorod.
Também me disseram que, nesse mesmo dia, um soldado alemão capturado,
da 168ª Divisão de Infantaria, havia passado a informação, depois
con rmada, de que a ofensiva inimiga seria lançada ao amanhecer em 5 de
julho. De acordo com o plano do Quartel-General Supremo, a Frente
Voronezh estava pronta para abrir fogo preliminar no contra-ataque com
suas unidades de artilharia e aéreas.
Transmiti essa informação para Rokossovsky e Malinin. Depois das
02:00h de 5 de julho, o general Pukhov, comandante do XIII Exército,
telefonou para Rokossovsky para informar que um sapador capturado, da 6ª
Divisão de Infantaria, havia dito que as tropas alemãs lançariam sua ofensiva
aproximadamente às 03:00h.
Rokossovsky perguntou-me:
— O que vamos fazer? Informaremos ao Quartel-General Supremo ou
daremos as ordens para o bombardeio preliminar?
— Não temos tempo a perder —eu disse. — Você dá a ordem de acordo
com o plano e eu ligo para Stalin para informá-lo sobre a situação.
Fui imediatamente colocado no telefone com o comandante supremo. Ele
estava no Quartel-General Supremo e havia acabado de falar por telefone
com Vasilevsky. Contei a ele sobre a informação obtida do prisioneiro e
sobre a decisão de iniciar o bombardeio do contra-ataque preliminar. Stalin
aprovou a decisão e me pediu para mantê-lo informado. Ele estaria no
Quartel-General Supremo, esperando o desenvolvimento dos
acontecimentos.
Tive a impressão de que ele estava nervoso. Na realidade, todos estávamos
em um estado de grande tensão, apesar da profundidade de nossas defesas,
bem preparadas, e do nosso fabuloso potencial de ataque. Era noite, mas
nenhum de nós tinha vontade de dormir.
Como costumava acontecer nessas situações, Rokossovsky e eu estávamos
no escritório do chefe do Estado-Maior Geral, general Malinin. Eu o
conhecia desde a Batalha de Moscou, onde ele havia sido chefe do Estado-
Maior do XVI Exército. Era um homem de Estado-Maior, muito hábil e bem
treinado. Ele e seus camaradas, todos soberbamente organizados,
desempenharam suas funções de maneira brilhante. Um de seus colegas
mais e cientes foi o general I. V. Boikov, seu braço direito e chefe de
operações, um o cial modesto, esforçado e criativo.
Também esteve presente o chefe do Estado-Maior da Artilharia da Frente,
coronel G. S. Nadysev. Volta e meia, ele desaparecia para conversar por
telefone com os comandantes das unidades de artilharia da reserva do
Quartel-General Supremo e com o general V. I. Kazakov, comandante da
Artilharia da Frente, que estava com o IV Corpo de Artilharia. Os Estados-
Maiores de artilharia e todos os comandantes de artilharia da Frente, dos
Exércitos e das unidades de nível inferior zeram um excelente trabalho de
coordenação do fogo de artilharia, tanto na fase defensiva quanto durante o
bombardeio que precedeu a contraofensiva.
Às 02:20h, o chão tremeu quando a imponente sinfonia da batalha do
saliente de Kursk começou. Era possível ouvir claramente os estampidos da
artilharia pesada e as explosões dos foguetes M-31.
No meio do bombardeio preliminar, Stalin telefonou.
— Então, vocês começaram?
— Sim, começamos.
— O que o inimigo está fazendo?
Eu disse a ele que o inimigo estava tentando responder, direcionando fogo
a algumas baterias.
— Certo. Voltarei a ligar — disse Stalin.
Ainda não podíamos avaliar o resultado de nosso bombardeio preliminar,
mas o fato de que a ofensiva alemã, lançada às 05:30h, não estava bem
organizada nem totalmente coordenada sugeria que eles haviam sofrido
perdas signi cativas. Posteriormente, os prisioneiros relataram que nosso
bombardeio de desgaste havia sido inesperado. A artilharia alemã havia
sofrido muito. Os sistemas de comunicação, observação e controle haviam
sido interrompidos em praticamente todos os lugares.
No entanto, deve-se notar que nosso plano preliminar de bombardeio não
foi executado em todos os detalhes antes do início da ofensiva inimiga.
Nossa artilharia não possuía informações precisas sobre a concentração de
tropas nos centros de operações, bem como sobre a localização exata dos
alvos durante a noite de 4 para 5 de julho. Naturalmente, com os serviços de
inteligência disponíveis na época não era fácil determinar a localização dos
alvos, porém muito mais poderia ter sido feito. Consequentemente, nosso
fogo foi direcionado a grandes áreas, e não a alvos especí cos. Isso permitiu
que o inimigo evitasse um número excessivo de baixas. Ele também
conseguiu lançar sua ofensiva após duas ou duas horas e meia. Apesar da
tremenda densidade de fogo de nossas defesas, ele avançou entre 3 km e 6
km no primeiro dia. Poderíamos ter evitado isso com um melhor fogo
preliminar de contra-ataque.
Também devemos lembrar que, como o bombardeio preliminar ocorreu à
noite, o apoio aéreo era insigni cante e, na verdade, ine caz. Nossos ataques
aos aeroportos inimigos ao amanhecer chegavam tarde demais; naquele
momento, os aviões alemães já estavam no ar, apoiando suas forças
terrestres. Nossos ataques aéreos foram muito mais e cazes contra unidades
militares táticas e colunas inimigas que tentavam se reagrupar no decurso da
batalha.
Nosso bombardeio preliminar causou perdas signi cativas no inimigo e
desorganizou seu controle da ofensiva, mas não se pode negar que
esperávamos melhores resultados. Depois de observar o desenrolar da
batalha e interrogar os prisioneiros, concluí que tanto a Frente Central
quanto a Frente Voronezh haviam começado a atirar cedo demais, quando
os alemães ainda estavam dormindo nas trincheiras, abrigos e valas, e seus
tanques ainda estavam escondidos nas áreas de espera. As perdas alemãs de
tanques e efetivos poderiam ter sido maiores se o bombardeio preliminar de
contra-ataque tivesse começado um pouco mais tarde, por exemplo, meia
hora antes do início de sua ofensiva.
Entre as 04:30h e as 05:00h, os aviões inimigos saltaram para o céu e,
simultaneamente, começaram os disparos de artilharia contra as posições da
Frente Central, especialmente no setor do XIII Exército. Minutos depois, o
inimigo iniciou sua ofensiva com 3 Divisões Panzer e 5 Divisões de
Infantaria em sua primeira linha de ataque. Essas forças atingiram o XIII
Exército e os ancos adjacentes do XLVIII e do LXX Exércitos. O ataque foi
respondido pelo poderoso fogo de todo o nosso sistema defensivo e
repelido, causando abundantes baixas no inimigo.
Durante todo o dia 6 de julho, os alemães realizaram cinco ataques ferozes
com a intenção de penetrar em nossas forças, mas sem obter resultados
substanciais. Os soldados soviéticos resistiram em quase todos os setores da
Frente. Parecia não haver nada que pudesse movê-los. Somente no nal do
dia, algumas unidades inimigas conseguiram introduzir cunhas de 4 km ou
5 km em nossas defesas na área de Olkhovatka, e de 2 km ou 3 km em
outros setores.
Os soldados do XIII Exército, especialmente a 81ª Divisão (sob o
comando do general A. B. Barinov), a 15ª Divisão (sob o comando do
coronel V. N. Dzhanzhgava), a 307ª Divisão (sob o comando do general M.
A. Yenshin) e a 3ª Brigada Antitanques (sob o comando do coronel V. N.
Rukosuyev) travaram um combate particularmente corajoso. Uma bateria
comandada pelo capitão G. I. Igishev foi a mais afetada pelo ataque e perdeu
19 tanques ao longo do dia. Todos os homens da bateria morreram
heroicamente na batalha, mas não deixaram os fascistas passarem. Também
lutou um bom combate o LXX Exército, do general Galanin, formado por
guardas de fronteira do Extremo Oriente, Transbaikalia e Ásia Central.
Naquela noite, foi tomada a decisão de mover na manhã seguinte o II
Exército de Tanques e o XIX Corpo de Tanques da reserva para contra-
atacar em conjunto com o XIII Exército. Eles deveriam fazer o inimigo
retroceder às posições originais e restabelecer todo o sistema defensivo no
setor do XIII Exército.
Apesar da disposição consciente de nossas defesas e da magní ca coragem
e heroísmo coletivo de nossos soldados, nos dias 5 e 6 de julho o inimigo
conseguiu avançar até 10 km, não sem pagar um preço alto em baixas.
Naqueles dois dias, os aviões alemães semearam a confusão, mas o inimigo
foi incapaz de romper nossas defesas táticas.
Com suas forças blindadas de choque reagrupadas, o inimigo lançou um
ataque feroz contra Ponyri na manhã de 7 de julho. O calor da batalha
envolveu a terra e o ar durante todo o dia. Embora o inimigo continuasse a
adicionar unidades blindadas à batalha, nesse momento foi novamente
incapaz de conseguir uma penetração.
No dia seguinte, o ataque alemão se intensi cou na direção de
Olkhovatka, mas, novamente, o inimigo viu seus planos frustrados pela
resistência heroica das tropas soviéticas. Os artilheiros da 3ª Brigada
Antitanques, sob o comando do coronel Rukosuyev, se destacaram
particularmente em uma batalha desigual contra 300 tanques inimigos.
As tentativas subsequentes do inimigo, de ultrapassar a defesa soviética,
foram igualmente infrutíferas. Os alemães perderam grande número de
tanques (em cujo sucesso Hitler tanto con ava) e não puderam avançar nem
1 km até 10 de julho.
Durante a batalha, em 9 de julho, Stalin me chamou para o centro de
comando da Frente Central e, analisando a situação, propôs:
— Você não acha que chegou a hora de ordenar que a Frente de Bryansk e
a ala esquerda da Frente Ocidental entrem em ação, como estava planejado?
Eu disse a ele que o inimigo não tinha mais forças para romper nossas
defesas na Frente Central e que, a menos que quiséssemos dar-lhe tempo
para organizar as posições defensivas para onde estava sendo forçado a
recuar, deveríamos imediatamente passar à ofensiva com todas as forças da
Frente de Bryansk e da ala esquerda da Frente Ocidental. Sem elas, a Frente
Central seria incapaz de realizar a contraofensiva prevista.
Depois de me ouvir, Stalin disse:
— Muito bem, nesse caso vá ver Popov e ordene à Frente de Bryansk que
entre em ação... Quando você acha que a Frente de Bryansk poderá iniciar
sua ofensiva?
— No dia 12 — respondi.
— De acordo — disse Stalin.
Não precisei perguntar a ele sobre a situação na Frente Voronezh, pois
mantinha contato direto tanto com Vasilevsky como com seu Estado-Maior.
Sabia que ali também se estava travando uma intensa batalha.

33
O nome em código da ofensiva alemã era Operação Cidadela, como aparecerá adiante. [N.E.]
IV

Em 9 de julho, seguindo as instruções de Stalin, eu estava no Quartel-


General da Frente de Bryansk, onde me encontrei com o comandante,
general M. M. Popov, seu comissário político, L. Z. Mekhlis, e seu chefe do
Estado-Maior, general L. M. Sandalov. Eles já haviam recebido ordens do
Quartel-General Supremo para passar à ofensiva.
Devo mencionar aqui a extraordinária destreza do general Sandalov nas
operações, bem como sua capacidade de planejar ações ofensivas e organizar
um sistema de controle das tropas. Eu o conhecia desde a Batalha de
Moscou, na qual ele havia servido como chefe do Estado-Maior do XX
Exército. Era um chefe de Estado-Maior excepcionalmente competente e
absolutamente familiarizado com questões operacionais e estratégicas.
A ofensiva havia sido planejada com antecedência. Os Exércitos da Frente
de Bryansk eram comandados por generais muito experientes e muito bem
preparados. O III Exército estava sob o comando do general A. V. Gorhatov;
o LXI sob o comando do general P. A. Belov; e o LXIII sob o comando do
general V. Ya. Kolpakchi. O XI Exército da Guarda, da Frente Ocidental, que
deveria se juntar à ofensiva, estava sob o comando do general I. Kh.
Bagramyan. Fiz uma visita a todos e a cada um desses Exércitos e, dentro
das minhas possibilidades, ajudei com meu assessoramento.
Por coincidência, acabei envolvido especialmente nas operações do
exército de Bagramyan. Nós desfrutávamos de uma antiga e excelente
camaradagem. Naquela época, também estavam com esse Exército da
Guarda o tenente-general V. D. Sokolovsky, comandante da Frente
Ocidental, e N. N. Voronov, um representante do Quartel-General Supremo
que se ocupava de assuntos de artilharia.
Em função de um relatório sobre os preparativos da Artilharia, elaborado
pelo general P. S. Semenov, chefe de Artilharia do Exército, nos indagamos
se não deveríamos usar alguma técnica com a qual o inimigo não estivesse
familiarizado. Após uma longa discussão, decidimos iniciar a ofensiva não
após a descarga da artilharia, como de costume e como o inimigo esperava,
mas durante a descarga, em um momento em que o ritmo e o poder de fogo
dos canhões estivessem aumentando. O método provou ser um sucesso
absoluto.
As tropas da Frente de Bryansk e o XI Exército da Guarda, da Frente
Ocidental, iniciaram sua ofensiva em 12 de julho. Já no primeiro dia, nossas
tropas penetraram nas defesas alemãs, dispostas conscienciosamente em
uma faixa muito ampla de terreno, e começaram a avançar em direção a
Orel.
Como era de se esperar, o inimigo se posicionou para manter o controle
da cabeça de ponte de Orel e começou a movimentar forças da área da
Frente Central para a Frente de Bryansk e o XI Exército da Guarda. A Frente
Central usou essa trégua para iniciar sua contraofensiva em 15 de julho.
Foi assim que a ofensiva alemã na zona de Orel, preparada com tanta
antecedência, nalmente veio abaixo. As tropas alemãs viveram a angústia
de uma derrota retumbante, sentindo o poder das armas soviéticas, que
haviam sido forjadas com o objetivo explícito de derrotar seu inimigo
poderoso, experiente e odiado.
Em 12 de julho, Stalin me chamou ao centro de comando de Bryansk e
ordenou que eu pegasse um avião para o setor de Prokhorovka, ao norte de
Belgorod, onde estava ocorrendo uma feroz batalha de blindados. Eu
deveria analisar a situação e assumir a coordenação das Frentes Voronezh e
das Estepes.
No dia 13 de julho, cheguei ao centro de comando do general Vatutin,
onde me encontrei com o marechal Vasilevsky. Depois de me atualizar sobre
as operações do inimigo e de nossas tropas, concordei plenamente com as
medidas que Vasilevsky já havia tomado. Stalin havia ordenado que ele
avançasse em direção à Frente Sudoeste para preparar a ofensiva, que
deveria coincidir com o que havia sido planejado pelas Frentes Voronezh e
das Estepes.
Decidimos intensi car o contra-ataque que já estava em andamento para
tomar as linhas defensivas alemãs nas imediações de Belgorod, não dando
trégua ao inimigo em retirada, pavimentando assim o caminho para a
contraofensiva geral em todas as Frentes.
Aquele dia marcou o ponto de virada na batalha do setor de Belgorod.
Depois de sofrer numerosas baixas, as tropas alemãs haviam perdido a
esperança na vitória e decidido adotar posições defensivas. Em 16 de julho,
os alemães pararam de atacar e começaram a recuar em direção aos escalões
da retaguarda, em direção a Belgorod. No dia seguinte, seus elementos mais
avançados também se retiraram, embora com resistência tenaz ao nosso
avanço.
Em 18 de julho, Vasilevsky e eu zemos uma visita ao LXIX Exército,
comandado pelo tenente-general V. D. Kryuchenkin, ao V Exército da
Campanha da Guarda, comandado pelo tenente-general A. S. Zhadov, e ao
V Exército de Tanques da Guarda, comandado pelo tenente-general P. A.
Rotmistrov. Observamos os encarniçados combates travados perto da granja
estatal de Komsomolets e da vila de Ivanovskiye Vyselki, onde estavam
atuando o XXIX e o XVIII Corpos de Tanques. Ali o inimigo opôs uma
resistência feroz e até lançou alguns contra-ataques. Durante todo o dia, os
Exércitos de Rotmistrov e Zhadov conseguiram empurrar os alemães para
trás apenas cerca de 4 km ou 5 km, e o VI Exército da Guarda, sob o
comando do general I. M. Chistyakov, não fez nada além de tomar uma
colina perto de Verkhopenye. As tropas de Chistyakov estavam claramente
esgotadas, lutando sem dormir ou descansar desde 4 de julho. Precisávamos
de tropas adicionais para interromper a retirada planejada do inimigo.
Fizemos contato com o XVIII Corpo de Tanques, comandado pelo major-
general B. S. Bakharov, o XXIX Corpo de Tanques, comandado pelo major-
general I. F. Kirichenko, e algumas frações do LIII Exército, sob o comando
do general I. M. Managarov.
Gostaria de responder aqui às a rmações de que, ao contrário do que
aconteceu na Frente Central, o comando da Frente Voronezh foi incapaz de
determinar a localização exata do principal ataque inimigo e, portanto,
dispersou suas forças por uma área de 160 km de extensão, em vez de
concentrá-las. A obra A grande guerra patriótica da União Soviética, 1941-
1945, publicada em Moscou em 1965, também publicou que o VI Exército
de Tanques, o mais afetado pelo principal impacto do ataque alemão a Kursk
pelo sul, teve que defender um setor mais extenso (65 km) do que seus
vizinhos (que tiveram que lidar com cerca de 50 km) e que a densidade
média da artilharia no setor do VI Exército de Tanques era de 25 canhões e
2 tanques por km, ao contrário da média de 35 canhões e 7 tanques por km
do conjunto da Frente Voronezh.
De acordo com a análise da situação anterior ao ataque, o Quartel-
General Supremo, o Estado-Maior Geral e o comando da Frente Voronezh
esperavam que o ataque principal do inimigo fosse lançado não apenas
contra o VI Exército de Tanques, mas contra este e o VII Exército da Guarda
ao mesmo tempo. No que diz respeito à extensão dos setores, o VI e o VII
Exércitos defendiam um setor conjunto de 110 km, diferentemente dos 130
km do setor defendido pelos outros dois Exércitos da Frente, o XXXVIII e o
XL.
A densidade média da artilharia e blindados também foi calculada
incorretamente. O XXXVIII e o XL Exércitos tinham uma densidade
insigni cante de artilharia, com apenas alguns tanques em seu setor. Quase
todas as unidades de artilharia da reserva do Quartel-General Supremo e
todas as unidades blindadas e as reservas da Frente estavam concentradas no
setor do VI e do VII Exércitos da Guarda. Além disso, o VI Exército de
Campanha da Guarda estava respaldado pelo I Exército de Tanques, que
havia erguido sua própria linha defensiva, e por trás da con uência do VI e
VII Exército da Guarda estava o LXIX Exército, também em uma linha
defensiva forti cada. Finalmente, tínhamos as reservas da Frente,
constituídas pelo XXXV Corpo de Fuzileiros da Guarda e pelo II e pelo V
Corpos de Tanques da Guarda, localizados na área de operações atrás do VI
e do VII Exércitos da Guarda.
Em outras palavras, a crítica feita contra o general Vatutin, comandante
da Frente Voronezh, baseia-se em um erro de cálculo da densidade das
forças nas condições especí cas daquela situação operacional e estratégica. É
um cálculo baseado apenas na densidade tática dos Exércitos e não inclui a
artilharia da reserva do Quartel-General Supremo do setor do VI Exército
da Guarda. Quanto à densidade de blindados, o comandante da Frente
dependia principalmente do I Exército de Tanques e do II e do V Corpos de
Tanques. Para ser preciso, qualquer cálculo das forças necessárias para
grandes batalhas deve incluir não apenas as defesas táticas, mas também as
forças posicionadas em profundidade.
Quanto ao resultado da fase defensiva da Batalha de Kursk, devemos
lembrar que, no primeiro dia, o inimigo lançou contra o VI e o VII Exércitos
da Guarda quase 5 Corpos de Exército (o II Corpo Panzer das SS, o III
Corpo Panzer, o XLVIII Corpo Panzer, o LII Corpo de Exército e parte do
Corpo de Exército Raus), diferentemente dos três Corpos que lançou contra
a Frente Central. Assim, houve uma diferença signi cativa na força dos
avanços alemães nas proximidades de Orel e Belgorod.
Em relação à capacidade pessoal do general Vatutin em questões
operacionais e estratégicas, devo a rmar com toda objetividade que se
tratava de um líder militar corajoso e muito bem preparado.
Como disse antes, preparamos nossa contraofensiva no saliente de Kursk
muito antes de o inimigo começar sua ofensiva. O plano de operações
estudado no Quartel-General Supremo, no mês de maio, contemplava
direcionar uma contraofensiva contra Orel, sob o codinome Kutuzov. Seu
objetivo era atacar as forças inimigas nas proximidades de Orel a partir de
três direções convergentes, com as tropas das Frentes Central e de Bryansk e
com a ala esquerda da Frente Ocidental.
A rmei anteriormente que as ofensivas das Frentes Ocidental e de
Bryansk começaram em 12 de julho e a da Frente Central em 15 de julho,
com a qual se lançou uma poderosa ofensiva em três Frentes, com o objetivo
imediato de esmagar as forças inimigas na região de Orel.
Essa contraofensiva e o esgotamento das forças inimigas nas imediações
de Belgorod forçaram o comando alemão a reconhecer que sua Operação
Cidadela havia fracassado. Na tentativa de salvar suas tropas da derrota
absoluta, o comando alemão decidiu deslocar as forças do marechal de
campo Von Manstein na direção das linhas defensivas, a partir das quais eles
haviam lançado sua ofensiva.
Com o esgotamento do nosso I Exército de Tanques, do VI e do VII
Exércitos de Campanha da Guarda, o inimigo conseguiu recuar a maior
parte de suas forças para a linha defensiva de Belgorod antes de 23 de julho.
Quando chegaram ao contorno da frente da linha defensiva alemã
naquela data, as tropas das Frentes Voronezh e das Estepes não conseguiram
passar imediatamente à contraofensiva. Antes de fazê-lo, era necessário
reabastecer os depósitos de combustível, munição e outros suprimentos,
estabelecer a coordenação de todos os serviços, fazer um trabalho de
reconhecimento e organizar certos reagrupamentos, especialmente de
artilharia e de tanques. Tudo isso demandaria 8, ou no mínimo, 7 dias de
trabalho.
Após várias discussões e com grande relutância, o comandante supremo
nalmente aprovou a nossa decisão, pois não havia outra saída. A operação
seguinte estava programada para avançar em profundidade. Para não
fracassar, exigia uma preparação minuciosa, com garantia de abastecimento
de suprimentos. Uma ofensiva adequadamente preparada deve não apenas
garantir a penetração nas defesas táticas e operacionais com alguma
profundidade, mas também de nir uma nova linha que forneça apoio
adequado para as operações ofensivas subsequentes. No entanto, Stalin
continuava a nos pressionar. Vasilevsky e eu tivemos que fazer grande
esforço para convencê-lo da necessidade de evitar a precipitação e não
iniciar a operação até que estivesse absolutamente pronta, sob todos os
pontos de vista. Stalin nalmente concordou com nossos argumentos.
Desde a morte de Stalin, se diz que ele jamais ouvia ninguém e tomava
decisões políticas e militares por conta própria. Não é verdade. Se os
argumentos fossem apresentados a ele de maneira convincente, ele os
escutava. Conheço casos em que ele abriu mão de suas próprias opiniões e
posições, como, por exemplo, quando tratamos das datas de início das
ofensivas propostas.
O plano básico da contraofensiva, elaborado e aprovado pelo comandante
supremo no mês de maio, foi corrigido e analisado desde o início no
Quartel-General Supremo durante a fase defensiva da Batalha do Saliente de
Kursk. Tratava-se de um plano para a segunda fase da derrota das forças
alemãs nas áreas de Orel, Belgorod e Kharkov, e, sendo assim, fazia parte do
plano geral da campanha de verão e outono de 1943.
A primeira fase, a defensiva, foi concluída pelas forças soviéticas na Frente
Central em 12 de julho e na Frente Voronezh em 23 de julho.
A diferença de tempo entre as duas operações decorre das diferenças na
envergadura dos combates e do fato de a Frente Central ter recebido o apoio
das Frentes de Bryansk e Ocidental, que passaram à ofensiva contra as
tropas inimigas ao redor de Orel no dia 12 e obrigaram os alemães a retirar
7 Divisões que estavam atuando contra a Frente Central.
A segunda fase da batalha, a contraofensiva, também começou em
momentos diferentes nas duas Frentes. As tropas próximas de Belgorod não
começaram sua ofensiva até 3 de agosto, 20 dias após as Frentes Central, de
Bryansk e Ocidental.
Essas três Frentes prepararam-se em um tempo menor porque suas
ofensivas já haviam sido planejadas e todos os suprimentos distribuídos
durante a fase defensiva da batalha. As forças próximas a Belgorod
precisaram de mais tempo porque as tropas da Frente das Estepes não
tinham um plano totalmente desenvolvido quando foram lançadas na
contraofensiva. Como haviam permanecido na reserva do Quartel-General
Supremo, não tinham sido de nidos previamente seus objetivos, seus
centros de operações ou as forças inimigas especí cas que precisariam
enfrentar.
Enquanto a contraofensiva estava sendo preparada, passei a maior parte
do tempo nas Frentes Voronezh e das Estepes, exceto nos dias 30 e 31 de
julho, quando visitei o IV Exército de Tanques da Frente Ocidental, a pedido
de Stalin.
De acordo com o plano de operações das Frentes Voronezh e das Estepes,
batizado com o nome de Rumyantsev, o principal avanço da área de
Belgorod deveria ser realizado pelos ancos adjacentes entre si na direção de
Bogodukhov, Valki e Novaya Vodolaga, circundando Belgorod pelo oeste.
Assim que nossas forças chegassem à área de Kharkov, a Frente Sudoeste
deveria passar à ofensiva. Seu LVII Exército, sob o comando do general N.
A. Gagen, havia sido encarregado de cercar Kharkov pelo sudoeste.
A contraofensiva das tropas da Frente Voronezh foi lançada em condições
mais difíceis do que o ataque nas proximidades de Orel. Durante os
combates defensivos, este contingente havia sofrido pesadas perdas de
efetivos, materiais e suprimentos. O inimigo havia conseguido recuar para
suas linhas defensivas reforçadas, e, por isso, estava mais preparado para
enfrentar a nossa ofensiva. Tudo indicava que havia perspectiva de intensos
combates, especialmente para as tropas da Frente das Estepes, que deveriam
atacar a linha defensiva forti cada de Belgorod.
Aqui eu gostaria de fazer uma breve digressão. Às vezes, os historiadores
soviéticos me perguntam se a Frente das Estepes foi usada adequadamente
durante a Batalha de Kursk. Aparentemente, a pergunta parece bastante
legítima. É verdade que grande parte da Frente das Estepes dispersou suas
unidades durante os combates defensivos, e sua participação na
contraofensiva foi restrita.
Mas não há motivo para dúvidas. O Quartel-General Supremo fez um uso
adequado da Frente das Estepes. Se suas forças não tivessem sido usadas
para apoiar a Frente Voronezh durante a fase defensiva, esta última poderia
ter cado em uma situação complicada. Obviamente, não poderíamos
tolerar este cenário. Não é difícil adivinhar como isso terminaria.
No que diz respeito à alternativa de lançar na contraofensiva todas as
forças da Frente das Estepes de uma única vez, deve-se notar que a situação
ainda não estava su cientemente madura para isto. Naquela época, parte de
seus Exércitos ainda deveria reforçar a Frente Voronezh. As perspectivas de
êxito da contraofensiva no setor de Belgorod-Kharkov não eram claras até
20 ou 23 de julho, e ainda era necessário realizar exaustivos preparativos
antes que a contraofensiva verdadeira pudesse ser lançada. Mas voltemos à
nossa narrativa.
Em 23 de julho, as tropas soviéticas, em perseguição ao inimigo,
alcançaram as linhas ao norte de Belgorod e restabeleceram as posições
defensivas essenciais que a Frente Voronezh usava até 5 de julho.
Depois de analisar a situação com os comandantes das Frentes, com o
Estado-Maior Geral e com Stalin, decidimos interromper o avanço e iniciar
os meticulosos preparativos para as operações seguintes.
Antes que pudéssemos passar à ofensiva, era necessário que as Frentes
reagrupassem forças e equipamentos, organizassem um trabalho minucioso
de reconhecimento de alvos para a artilharia e o apoio aéreo, substituíssem
perdas sofridas nas diferentes unidades, especialmente no VI e no VII
Exércitos de Campanha da Guarda e no I Exército de Tanques e outras
unidades de artilharia, e reabastecessem as reservas de combustível, os
estoques de munição e demais suprimentos essenciais para realizar uma
ofensiva em profundidade. Além disso, a Frente das Estepes teve que
elaborar seu próprio plano para a contraofensiva e garantir o uxo
necessário de suprimentos.
O plano geral da ofensiva era o seguinte: a Frente Voronezh deveria dar
seu golpe principal com o V e o VI Exércitos de Campanha da Guarda, o V
Exército de Tanques da Guarda e o I Exército de Tanques, na direção de
Akhtyrka. A densidade de fogo de artilharia no setor proposto para a
penetração do V e VI Exércitos de Campanha da Guarda deveria aumentar
para 217 peças de artilharia por km de linha de Frente, e o número de
tanques para 44. A extensão dos setores para cada Divisão foi reduzido para
4 km.
Para a penetração, era necessária uma concentração extremamente
massiva, pois planejávamos avançar com 2 Exércitos de Tanques completos
pela brecha aberta no primeiro dia da ofensiva. À direita desse setor, o XL e
o XXXVIII Exércitos deveriam avançar na direção de Graivoron e depois na
direção de Trostyanets. O apoio aéreo seria fornecido pela II Exército Aéreo,
sob o comando do general S. A. Krasovsky.
A Frente das Estepes, sob o comando do General Konev, composta pelo
LIII e pelo LXIX Exércitos, pelo VII Exército da Guarda e pelo I Corpo
Mecanizado, tinha como objetivo imediato tomar Belgorod e realizar um
avanço posterior em direção a Kharkov em coordenação com a maior parte
das forças da Frente Voronezh. A Frente das Estepes deveria ser apoiada
pelo V Exército Aéreo, sob o comando do general S. K. Goryunov.
Durante a preparação para a ofensiva da Frente das Estepes, tive a
oportunidade de me reunir com o general I. M. Managarov, comandante do
LIII Exército. Ele causou-me muito boa impressão, ainda que eu tenha
passado muito tempo lhe explicando o plano de operações. Concluído o
trabalho, ele pegou um acordeão e tocou lindamente algumas músicas muito
animadas, o que imediatamente nos fez sentir rejuvenescidos. Olhei para ele
e pensei: “Os soldados adoram comandantes alegres e os seguem até o m
do mundo.”
Agradeci a Managarov por sua excelente apresentação e expressei minha
esperança de que ele se saísse igualmente bem com os alemães na abertura
de artilharia de 3 de agosto.
Ele sorriu e disse:
— Nós faremos o melhor possível. Temos bons instrumentos.
Também gostei do chefe de Artilharia do Exército, tenente-general N. S.
Fomin, que era especialista em lidar com grandes quantidades de artilharia
em uma ofensiva. Ele trabalhou com o coronel-general M. N. Chistyakov,
representante do Quartel-General Supremo, para distribuir adequadamente
a artilharia e fornecer todas as munições e informações necessárias para que
a ofensiva fosse e caz.
V

A contraofensiva de Belgorod começou na manhã de 3 de agosto. As


missões de reconhecimento haviam determinado que o inimigo estava
aproximando rapidamente Divisões motorizadas, blindadas e outros
reforços de diferentes setores para apoiar suas tropas na área de Belgorod-
Kharkov.
Os ataques aéreos e de artilharia mais fortes haviam sido lançados da
Frente Voronezh para abrir caminho a uma rápida penetração pelo V e pelo
VI Exércitos da Guarda, reforçados com grande quantidade de tanques. Na
segunda metade do dia, o I Exército de Tanques e o V Exército de Tanques
da Guarda foram lançados na batalha. Suas unidades de vanguarda
avançaram nada menos que 32 km antes do nal do dia, com o que
completaram uma penetração na totalidade da defesa tática dos alemães.
A Frente das Estepes não possuía a poderosa artilharia ou o apoio aéreo
da Frente Voronezh, e por isto a sua ofensiva progrediu mais lentamente. No
nal do primeiro dia, as unidades que lideravam a Frente das Estepes
haviam avançado quase 16 km. Consideramos uma grande conquista, já que
a Frente das Estepes enfrentava uma defesa muito mais sólida e escalonada
que a Frente Voronezh.
No dia seguinte, a defesa alemã endureceu, e a ofensiva da Frente das
Estepes diminuiu o ritmo. Isto não nos perturbava, pois as forças de choque
da Frente Voronezh avançavam rapidamente e ameaçavam ultrapassar
Belgorod pelo oeste. No nal de 4 de agosto, o inimigo começou a recuar,
percebendo uma armadilha, o que permitiu à Frente das Estepes acelerar o
avanço.
Às 06:00h de 5 de agosto, o 270º Regimento de Fuzileiros da Guarda da
89ª Divisão de Fuzileiros da Guarda foi o primeiro a entrar na cidade de
Belgorod, junto com alguns elementos da 305ª e da 375ª Divisões de
Fuzileiros. Outras unidades que se destacaram na conquista da cidade foram
a 93ª e a 94ª Divisões de Fuzileiros da Guarda e a 111ª Divisão de Fuzileiros.
Depois de eliminar da cidade grupos isolados de inimigos, as tropas da
Frente das Estepes retomaram o avanço em coordenação com a Frente
Voronezh.
Naquela noite, Moscou disparou uma salva para homenagear as tropas das
Frentes de Bryansk, Ocidental e Central pela tomada de Orel, e as tropas das
Frentes das Estepes e Voronezh pela tomada de Belgorod. Foi a primeira
salva de artilharia da guerra em homenagem a uma vitória do Exército
Vermelho. Como resultado, o moral dos soldados se elevou bastante. Seus
rostos irradiavam alegria, galhardia e con ança em suas próprias forças.
Depois de revisar a situação, o comando da Frente das Estepes e eu
redigimos um relatório para Stalin em 6 de agosto, sugerindo as futuras
operações contra os alemães no setor de Belgorod-Kharkov.
Da Frente 6 de agosto de 1943
PARA O CAMARADA IVANOV [nome em código de Stalin]
Em conexão com o sucesso do avanço na Frente e nossa ofensiva no
setor de Belgorod-Kharkov, propomos as seguintes operações para o
futuro:
1. O LIII Exército e o I Corpo Mecanizado, do tenente-general M. D.
Solomatin, atacarão seguindo a estrada de Belgorod para Kharkov,
fazendo seu principal avanço na direção de Dergachi. Este Exército deve
alcançar a linha que corre de Olshany a Dergachi, deixando nela os
elementos do exército de Zhadov.
O LXIX Exército atacará à esquerda do LIII Exército na direção de
Cheremoshnoye. Uma vez atingido esse objetivo, o LXIX Exército
transferirá um par de suas melhores divisões para o LIII Exército e se
juntará às reservas da Frente na reconstituição da área de Mikoyanovka,
Cheremoshnoye e Gryaznoye. O LXIX Exército deve ser reforçado o
mais rapidamente possível com 20 mil homens.
O VII Exército da Guarda atacará da área de Pushkarnoye na direção
de Brodok e depois em direção a Bochkovka, fazendo retroceder as
linhas inimigas de norte a sul. Além disso, elementos do VII Exército da
Guarda atacarão do setor Cheremoshnoye-Zaborovka na direção de
Tsirkuny para alcançar uma linha que passa por Cherkasskaya,
Lozovaya, Tsirkuny e Klyuchkin. Parte de suas forças de Zaborovka
atacará na direção de Murom e depois Ternovaya, para ajudar o LVII
Exército a atravessar o rio Donets setentrional, entre Rubezhnoye e
Stary Saltov.
2. O LVII Exército, da Frente Sudoeste, deve ser transferido para a
Frente das Estepes para avançar do setor de Rubezhnoye e Stary Saltov
em direção a Nepokrytaya e depois em direção à Granja Estatal Frunze.
Este Exército alcançará, assim, a linha que atravessa a Granja Estatal de
Kutuzovka, a Granja Estatal Frunze e Rogan Severnaya. Se ele
permanecer sob o comando da Frente das Estepes, deve ser instruído a
passar à ofensiva na direção indicada assim que o VII Exército da
Guarda chegar à área de Murom.
3. Numa segunda fase (por exemplo, a operação de Kharkov), o V
Exército de Tanques da Guarda, que defende uma linha que corre por
Olshany, Stary Merchik e Ogultsy, deve ser transferido para a Frente das
Estepes.
A operação de Kharkov poderá ser organizada de maneira ampla,
conforme segue:
a) O LIII Exército e o V Exército de Tanques da Guarda tomarão
Kharkov a partir do oeste e do sudoeste.
b) O VII Exército da Guarda atacará na direção sul a partir da linha
Tsirkuny-Dergachi.
c) O LVII Exército atacará na direção oeste a partir da linha formada
pela Granja Estatal Frunze e Rogan, e tomará Kharkov pelo sul.
d) O LXIX Exército (desde que esteja reforçado) ocupará posições em
Olshany entre o V Exército da Guarda e o LIII Exército e avançará para
o sul para apoiar a operação de Kharkov a partir do sul. O LXIX
Exército deve alcançar a linha que corre por Snezhkov-Kut, Minkovka,
Prosyanoye e Novoselovka.
e) O anco esquerdo da Frente Voronezh deve avançar para uma
linha formada por Otrada, Kolomak e Snezhkov-Kut. Esta missão deve
ser con ada ao V Exército da Guarda e ao anco esquerdo do XXVII
Exército. O I Exército da Guarda deve chegar à linha formada por
Kovyagi, Alekseyevka e Murafa. A Frente Sudoeste atacará de Zamostye
na direção de Merefe, seguindo as duas margens do rio Mzha, e alguns
de seus elementos avançarão por Chuguyev em direção a Osnova.
Outros expulsarão o inimigo das orestas localizadas ao sul de
Zamostye e alcançarão a linha formada por Novoselovka, Okhochaye,
Verkhni Bishkin e Geyevka.
4. Além dos reforços de 20 mil homens para o LXIX Exército, a
operação de Kharkov exigirá mais 15 mil homens para reforçar o LIII e
o VII Exércitos da Guarda, além de 200 tanques T-34, 100 T-70 e 35 KV,
para reforçar as forças blindadas da Frente. Além disso, serão
necessários 4 Regimentos de Artilharia Autopropulsada e 2 Brigadas de
Sapadores. A Força Aérea da Frente também precisará ser reforçada
com 90 aviões de combate, 40 bombardeiros leves PE-2 e 60 aviões de
ataque terrestre IL-2.
Pedimos con rmação.
JÚKOV
KONEV
ZAKHAROV

Nº 64
Uma vez alcançado o controle sobre Belgorod, as forças soviéticas
começaram a lançar sua ofensiva na direção de Kharkov. Para evitar o cerco,
o inimigo começou a remover suas tropas de Kharkov em 22 de agosto. Na
manhã seguinte, depois de alguns confrontos com a retaguarda do inimigo,
as tropas da Frente das Estepes entraram na cidade e tiveram uma calorosa
recepção de seus habitantes.
Imediatamente, uma grande concentração foi realizada em toda a cidade,
levando ao palanque representantes do Exército Soviético, de agências
governamentais e de organizações do Partido na Ucrânia. A concentração
foi seguida por imensas demonstrações de entusiasmo, com as quais os
trabalhadores de Kharkov celebraram sua libertação. Moscou disparou uma
salva em homenagem às bravas tropas que libertaram Kharkov, aquela
gloriosa cidade da Ucrânia. A manifestação foi seguida de um jantar, onde I.
S. Kozlovsky, o famoso artista, entoou canções russas e ucranianas. Sua
interpretação emocionada levou todos às lágrimas. Ele cantou durante
muito tempo e todos nós, que durante tantos meses havíamos sentido a falta
de bons artistas, camos muito gratos.
Enquanto isso, as tropas da Frente das Estepes haviam se envolvido em
combate com o inimigo ao sul de Kharkov, na direção de Merefa. Por seu
lado, a Frente Voronezh repeliu os contra-ataques alemães em Bogodukhov
e Akhtyrka, e em 25 de agosto foi assegurado o controle de uma linha que
corria por Sumy, Gadyach, Akhtyrka e Konstantinovka, onde se iniciaram os
prepartivos para uma ofensiva em direção ao trecho intermediário do rio
Dnieper. Essa mesma missão foi designada para a Frente das Estepes.
Tropas das Frentes Ocidental, de Bryansk e Central continuaram a
ofensiva na área de Orel. Em 18 de agosto, já haviam alcançado uma linha
que percorria o leste de Lyudinovo, 25 km a leste de Bryansk e através de
Dmitrovsk-Orlovsky.
Isso encerrava as grandes operações nas áreas de Kursk, Orel, Belgorod,
Kharkov, Bogodukhov e Akhtyrka. Elas terminaram com a derrota completa
da maioria das forças do Exército alemão, nas quais Hitler havia con ado
para alcançar seus principais objetivos políticos e estratégicos.
Essa atroz confrontação de tropas soviéticas e alemãs durou 50 dias.
Terminou com uma vitória soviética sobre 30 seletas Divisões alemãs,
incluindo 7 Divisões Panzer, que perderam mais da metade de seus efetivos.
Durante essa batalha, as baixas do inimigo chegaram a 500 mil homens, 2
mil tanques e canhões autopropulsados (incluindo muitos Tiger, Panzer e
Ferdinand), 3 mil canhões e uma grande quantidade de aviões. A liderança
nazista foi incapaz de substituir essas baixas, mesmo adotando medidas
radicais.
A notável vitória de nossas tropas em Kursk mostrou o crescente poderio
do Estado soviético e de suas Forças Armadas. Tanto na frente quanto na
retaguarda, a vitória foi forjada através dos esforços de todos os povos
soviéticos sob a liderança do Partido Comunista. Nos combates de Kursk, as
tropas soviéticas demonstraram uma coragem excepcional, um heroísmo
generalizado e grande mestria militar. Para reconhecer esses êxitos, o
Partido Comunista e o governo homenagearam com condecorações e
medalhas mais de 1 mil soldados, o ciais e generais, muitos dos quais
receberam o título de Herói da União Soviética.
A vitória de Kursk teve enorme relevância internacional e elevou ainda
mais o prestígio da União Soviética.
Agora pairava a sombra de uma catástrofe iminente sobre a Alemanha
nazista. O confronto do verão de 1943 na Frente germano-soviética forçou
os nazistas a transferir 14 Divisões e outras forças de reforço de diversas
Frentes, enfraquecendo signi cativamente sua presença na Itália e na
França.
A tentativa de Hitler de arrebatar a iniciativa estratégica do comando
soviético terminou em completa derrota. Desde então e até o nal da guerra,
as forças alemãs caram limitadas a operações defensivas. Isso mostrava que
a Alemanha estava se enfraquecendo. Sua derrota de nitiva era questão de
tempo.
Os comandos estratégicos e tático-operacionais soviéticos amadureceram
enormemente. A contraofensiva de Kursk envolveu tropas de tamanho
muito maior do que as de operações ofensivas anteriores. Por exemplo, a
defesa de Moscou envolveu 17 Exércitos de Campanha enfraquecidos, sem
unidades blindadas especiais; na Batalha de Stalingrado, participaram 14
Exércitos de Campanha, 1 Exército de Tanques e vários corpos mecanizados;
mas das operações em Kursk participaram 22 Exércitos de Campanha com
força total, 5 Exércitos de Tanques, 6 Exércitos Aéreos e numerosas unidades
de bombardeiros de longo alcance.
Na contraofensiva de Kursk, usamos pela primeira vez de forma
generalizada unidades blindadas e mecanizadas especiais, que em algumas
manobras operacionais foram o fator decisivo para penetrar profundamente
nas linhas inimigas e inserir cunhas na retaguarda de suas unidades
militares.
Os Exércitos de Tanques, as Divisões e Corpos de Artilharia e os
poderosos Exércitos Aéreos alteraram radicalmente nossas possibilidades e,
consequentemente, o caráter das operações da primeira linha, não apenas
em tamanho, mas também em seus objetivos. Comparadas à primeira fase
da guerra, as tropas soviéticas adquiriram muito mais mobilidade,
aumentando signi cativamente o progresso médio diário. A densidade de
artilharia e de tanques por km de Frente aumentou bastante. Na ofensiva de
verão, conseguimos acumular uma densidade entre 155 e 185 canhões e
entre 15 e 20 tanques por km de Frente.
Um dos fatores decisivos na vitória de Kursk foi o elevado moral e a
convicção política dos nossos soldados. Isso foi alcançado através de uma
intensa e vigorosa campanha de propaganda política, realizada por
comandantes, comissários políticos e organizações do Partido e do
Komsomol,34 tanto durante a fase de preparação como durante a própria
batalha.
Os guerrilheiros que atuavam na retaguarda do inimigo também
contribuíram para a vitória soviética em Kursk, Orel e Kharkov. A “guerra
ferroviária” travada pelos guerrilheiros da Bielorrússia, Smolensk e Orel,
bem como os do vale do Dnieper, foi particularmente e caz no corte das
linhas de suprimento do inimigo. Os guerrilheiros explodiam trens, estações
e armazéns e forneciam ao comando soviético informações de inteligência
que lhe permitiam avaliar a situação estratégica e as intenções do inimigo no
verão de 1943.

34
Juventude Comunista. [N.E.]
BERLIM
Abril – Maio de 1945

Incomum e tremendamente complexa, a ofensiva contra Berlim


exigia a preparação mais minuciosa possível em todos os níveis da
Frente e dos Exércitos. Esperava-se que as tropas da I Frente Bielorrussa
atravessassem uma zona defensiva formada por muitos escalões e que se
estenderia ininterruptamente do rio Oder até Berlim.
A experiência da guerra nunca nos havia colocado diante da tomada
de uma cidade tão grande e tão forti cada. Sua área total era de 565
km2. O metrô e outras redes de engenharia subterrâneas, muito
extensas, ofereciam grandes possibilidades para movimentos de tropas.
A própria cidade e seus arredores haviam sido cuidadosamente
preparados para a batalha. Todas as ruas, praças, avenidas, edifícios,
canais e pontes constituíam baluartes no sistema defensivo.
Aviões de reconhecimento soviéticos realizaram seis inspeções aéreas
de Berlim, observando e fotografando acessos e zonas defensivas. [...]
Os engenheiros do Exército construíram uma maquete perfeita da
cidade e de seus arredores para ser usada no planejamento do ataque
nal.
GEORGY JÚKOV
I

A operação de Berlim fez parte do ataque nal contra a Alemanha nazista. A


participação da maior parte das Forças Armadas soviéticas nessa ofensiva
precipitou o m da guerra e a capitulação incondicional da Alemanha.
Dada a sua condição de operação de encerramento da Segunda Guerra
Mundial na Europa, Berlim tem uma relevância estratégica especial, pois
encaminhou a solução dos principais problemas militares e políticos para a
organização da Alemanha do após-guerra e seu lugar na vida política da
Europa.
Na preparação para o combate nal contra o fascismo e o assalto a Berlim,
as Forças Armadas soviéticas aplicaram com rigor as medidas que o grupo
de aliados havia aceitado e proclamado: a rendição incondicional — política,
militar e econômica — da Alemanha. A União Soviética buscou o objetivo
de eliminar completamente o sistema político e social nazista e
responsabilizar os principais criminosos por seus crimes asquerosos,
atrocidades, assassinatos em massa, destruição e ultrajes contra os povos dos
países ocupados, incluindo o de seu próprio território.
Boa parte do plano estratégico para as operações nais da guerra havia
tomado forma em novembro de 1944, depois que as tropas soviéticas
alcançaram a fronteira da Prússia Oriental e os rios Narew e Vístula, em
uma frente muito ampla. A primeira formulação dos aspectos estratégicos
do plano permitiu aos conselhos militares de cada uma das Frentes prestar
atenção minuciosa em todos os problemas operacionais, políticos e
logísticos. De acordo com o plano estratégico, o ataque nal a Berlim seria
precedido por duas operações ofensivas principais: uma na Prússia Oriental,
pelas forças da II e da III Frentes Bielorrussas; e a outra, oportunamente
batizada como Operação Vístula-Oder, na direção de Varsóvia e Berlim,
realizada pelas forças da I Frente Bielorrussa e da I Frente Ucraniana.
De acordo com o plano, a I Frente Bielorrussa deveria atacar na direção de
Poznan, enquanto a II Frente Ucraniana tinha como objetivo o rio Oder a
noroeste de Glogau, em Breslau e em Ratibor. A II Frente Bielorrussa se
ocuparia inteiramente das tropas inimigas da Prússia Oriental. A maior
parte de suas forças, que deveriam isolar o contingente inimigo localizado
na Prússia Oriental, combateria ali antes do início de fevereiro, e sua ala
esquerda, tendo atingido o curso inferior do rio Vístula, ao norte de
Bydgoszcz (Bromberg), deveria adotar posições defensivas.
O objetivo imediato da I Frente Bielorrussa era romper as defesas
inimigas em dois setores. Depois de derrotar as forças alemãs em torno de
Varsóvia e Radom, ela deveria avançar para uma linha que corria através de
Lodz. Consequentemente, a Frente deveria avançar para Poznan e alcançar a
linha que partia de Bydgoszcz, passar por Poznan e, mais ao sul, chegar a um
ponto onde se conectaria com a I Frente Ucraniana.
Não havia como o Quartel-General Supremo prever a situação que
ocorreria além desse ponto. O avanço da II Frente Bielorrussa poderia ser
adiado, caso em que as tropas soviéticas seriam incapazes de isolar a Prússia
Oriental, como planejado. Então, a I Frente Bielorrussa seria forçada a
desviar parte substancial de suas forças, ou mesmo sua investida principal,
na direção Norte. Todas essas eventualidades foram consideradas no
planejamento e na execução da operação.
Quanto ao nosso vizinho do Sul, tínhamos certeza de que não caria para
trás. Por sua força, a I Frente Ucraniana estava quase no mesmo nível da I
Frente Bielorrussa. Além disso, as duas Frentes deveriam realizar avanços
adjacentes. Assim, presumimos que não haveria necessidade de a I Frente
Bielorrussa se preocupar com seu anco meridional. Nem mesmo o
Quartel-General Supremo previu qualquer necessidade de lançar tropas da I
Frente Bielorrussa para o Sudoeste e o Sul. Na verdade, não havia como o
Quartel-General Supremo ter previsto tal modi cação em uma operação
com várias centenas de km de profundidade, na qual o comando inimigo
tinha espaço para manobrar com as reservas. O inimigo estava em posição
de movimentar forças adicionais da Frente Ocidental, de eliminar as tropas
de seu agrupamento isolado do Báltico e, manobrando ao longo de toda a
Frente, acumular suas forças onde fosse necessário, diminuindo o ímpeto do
nosso avanço. No entanto, o comando nazista foi incapaz de aproveitar
plenamente essas oportunidades, o que lhe custou muito caro: no momento
crítico, ele não possuía as reservas necessárias para retardar nosso avanço.
O Quartel-General Supremo acreditava que as futuras operações da I
Frente Bielorrussa, quando ela tivesse alcançado a linha de Bydgoszcz-
Poznan, deveriam ser decididas com base na situação daquele momento. No
entanto, no curso real da ofensiva, as forças da I Frente Bielorrussa
alcançaram seu objetivo antes do previsto. Já no dia 23 de janeiro, haviam
tomado Bydogszcz com sua ala direita e avançavam para noroeste na direção
de Schneidemühl e Deutsch Krone. Em 25 de janeiro, o setor central da
Frente cercou um agrupamento inimigo em Poznan, e a ala esquerda, em
estreita coordenação com a I Frente Ucraniana, chegou a Jarocin.
Por volta do meio-dia de 25 de janeiro, recebi um telefonema de Stalin.
Falei sobre a situação e ele perguntou quais seriam os nossos próximos
passos. Eu disse que, como o inimigo estava desmoralizado e incapaz de
oferecer uma resistência signi cativa, continuaríamos o avanço em direção
ao rio Oder para tomar uma cabeça de ponte em Küstrin. A ala direita de
nossa Frente avançaria para o Norte e o Noroeste contra as forças inimigas
posicionadas no leste da Pomerânia Oriental, que não pareciam representar
uma ameaça séria para nós.
Stalin respondeu:
— Quando chegar ao Oder, terá posicionado suas unidades mais
avançadas a cerca de 160 km do anco da II Frente Bielorrussa. Não pode
fazer isso. Espere até que a II Frente Bielorrussa conclua sua operação na
Prússia Oriental e reagrupe suas forças no Vístula.
Perguntei quando isso iria acontecer. Stalin disse:
— Em dez ou quinze dias. Também tenha em mente que a I Frente
Ucraniana não pode avançar para cobrir seu anco esquerdo, porque estará
ocupada varrendo o inimigo das proximidades de Oppeln e Katowice.
Pedi a Stalin que não interrompesse nossa ofensiva naquele momento,
porque depois seria mais difícil vencer a área forti cada inimiga de
Meseritz. Também pedi mais um Exército para proteger nosso anco direito.
Ele prometeu pensar a respeito, mas naquele dia não tive mais notícias suas.
Em 26 de janeiro, algumas unidades de reconhecimento do I Exército de
Tanques da Guarda chegaram à área forti cada de Meseritz e zeram vários
prisioneiros. Os interrogatórios revelaram que a área forti cada não estava
totalmente guarnecida em vários setores, e as forças alemãs ainda estavam se
movimentando.
Com base nessa informação, dei ordens para acelerar o avanço da maior
parte de nossas forças em direção ao rio Oder e tomar as cabeças de ponte
na margem oeste. Para proteger o anco direito das tropas que avançavam
em direção ao Oder (o I e o II Exércitos de Tanques da Guarda, o V Exército
de Choque, grande parte do VIII Exército da Guarda e o LXIX e o XXXIII
Exércitos), ordenei ao III Exército de Choque, ao I Exército Polonês, ao
XLVII e ao LXI Exército e ao II Corpo de Cavalaria que se movessem para o
Norte e o Noroeste contra as forças inimigas da Pomerânia Oriental.
Algumas seções do VIII Exército da Guarda e do I Exército de Tanques da
Guarda deveriam subjugar as guarnições cercadas em Poznan. A princípio,
pensávamos que apenas 20 mil homens haviam cado retidos no local, mas
na verdade eram 60 mil. A eliminação das forças da praça forti cada
prolongou-se até 23 de fevereiro.
Pelos nossos cálculos, as tropas inimigas da Pomerânia Oriental não
seriam capazes de atacar nossas forças antes de estas chegarem ao Oder. Se
houvesse um contra-ataque inimigo, teríamos tempo de mover parte delas
da linha do Oder para atacar o contingente da Pomerânia. Foi o que
aconteceu.
Depois de várias conversas, Stalin nalmente concordou com a avaliação
da situação feita pela Frente, mas insistiu que deveríamos proteger nosso
anco direito sem usar forças adicionais. Sua preocupação com o anco
direito revelou-se bem fundada. O curso dos acontecimentos mostrou que a
ameaça inimiga da Pomerânia Oriental aumentava constantemente.
Enquanto isso, nossa ofensiva continuava. A maior parte das forças da I
Frente Bielorrussa penetrou na área forti cada de Meseritz, e em 3 de
fevereiro realizou um brilhante avanço para o rio Oder, onde tomou uma
pequena cabeça de ponte na margem ocidental, perto de Küstrin.
Naquele momento, a pressão inimiga contra o nosso anco direito havia
aumentado enormemente. As missões de reconhecimento aéreo indicavam
que várias forças inimigas haviam se acumulado na Pomerânia. Uma ação
rápida foi necessária para responder à ameaça procedente do Norte. O I e o
II Exércitos de Tanques da Guarda receberam ordens de transferir seus
setores do Oder para as unidades vizinhas e empreender marchas forçadas
para o Norte, em direção a Arnswalde. O VII Corpo de Cavalaria, reforçado
com artilharia, unidades de sapadores e suprimentos, também foi movido
para Arnswalde pelo anco esquerdo.
À nossa direita, ao norte de Bydgoszcz, as tropas da II Frente Bielorrussa
deveriam cumprir uma diretriz do Quartel-General Supremo datada de 8 de
fevereiro, ordenando que uma ofensiva começasse em 10 de fevereiro ao
longo da linha que corria de Grudziadz a Ratzebur, com o objetivo de
eliminar o inimigo de toda a Pomerânia Oriental entre Danzig e Stettin e
chegar à costa do mar Báltico.
A ofensiva começou pontualmente, mas não conseguiu atingir seus
objetivos. Assim que o XIX Exército, de suporte, foi deslocado da reserva do
Quartel-General Supremo, a II Frente Bielorrussa retomou sua ofensiva em
24 de fevereiro. A I Frente Bielorrussa juntou-se à ofensiva contra a
Pomerânia Oriental em 1º de março com o I e o II Exércitos de Tanques da
Guarda. Isso contribuiu para que o anco esquerdo da II Frente Bielorrussa
acelerasse seu avanço. Ela chegou à costa do Báltico e tomou Koslin em 5 de
março, depois moveu todos os seus Exércitos para o leste em direção a
Gdynia e Danzig. O Quartel-General Supremo transferiu provisoriamente o
I Exército de Tanques da I Frente Bielorrussa, que operava nas proximidades
de Kolberg, para a II Frente Bielorrussa, a m de apoiar as operações contra
Gdynia. As outras forças da ala direita da I Frente Bielorrussa começaram a
limpar o resto da costa do Báltico e a margem esquerda do baixo rio Oder.
Este parece um bom momento para abordar uma questão levantada por
alguns memorialistas, especi camente o marechal Chuikov: por que a I
Frente Bielorrussa, tendo chegado ao Oder no início de fevereiro, não
recebeu autorização do Quartel-General Supremo para avançar em direção a
Berlim sem interromper seu movimento?
Em suas memórias, publicadas na revista Oktyabr e também na revista de
história Novaya i Noveishaya Istoriya, o marechal Chuikov a rma que
“Berlim poderia ter sido tomada em fevereiro e isso, é claro, teria posto m à
guerra mais cedo”.
A a rmação de Chuikov já foi contestada por vários camaradas em artigos
publicados na revista Voyenno-Istoricheskii Zhurnal. O marechal respondeu
que
[...] essas objeções não procedem de pessoas que participaram
ativamente da operação do Vístula e do Oder, mas daqueles que
intervieram na redação das ordens do Quartel-General Supremo e da
ordem da [I] Frente [Bielorrussa] para deter o avanço na direção de
Berlim e levar a cabo a operação na Pomerânia Oriental, ou dos autores
de certas obras históricas.
Devo dizer que o avanço para Berlim não foi tão simples quanto Chuikov
acredita.
No dia 26 de janeiro, quando cou claro que o inimigo não conseguiria
deter nossa ofensiva nos acessos forti cados do rio Oder, zemos uma
recomendação ao Quartel-General Supremo no seguinte sentido: no dia 30
de janeiro, nossas tropas chegariam a uma Frente que passava por
Berlinchen, Landsberg e Grätz, iriam implantar unidades de apoio, repor
suprimentos e, na manhã de 2 de fevereiro, retomariam a ofensiva com a
intenção de cruzar o Oder sem paradas e avançar para Berlim com
movimentos envolventes em direção ao Nordeste, ao Norte e ao Noroeste.
Essa recomendação foi aprovada pelo Quartel-General Supremo em 27 de
janeiro. No dia seguinte, o marechal Konev, comandante da I Frente
Ucraniana, enviou sua recomendação para a eliminação do contingente de
Breslau e a realização de um avanço sustentado que alcançasse o rio Elba
entre 25 e 28 de fevereiro, enquanto a ala direita atuaria em conjunto com a I
Frente Bielorrussa na tentativa de tomar Berlim. Esta recomendação
também foi autorizada pelo Quartel-General Supremo em 29 de janeiro.
Como a rma Chuikov, é verdade que o inimigo possuía forças muito
limitadas nos acessos a Berlim e suas defesas eram bastante fracas. Porém,
como observei antes, nesse momento o contingente inimigo na Pomerânia
Oriental começou a representar uma grave ameaça ao anco e à retaguarda
das forças que avançavam em direção ao Oder. Vejamos o que o marechal de
campo Keitel disse após o m da guerra: “Em fevereiro e março de 1945,
tínhamos previsto realizar uma contraofensiva contra as forças que
avançavam em direção a Berlim, e para isso pretendíamos usar a cabeça de
ponte da Pomerânia.” O plano era que as tropas do Grupo de Exércitos do
Vístula, cujos ancos ocupavam as imediações de Grudziadz, cruzassem a
Frente russa e avançassem em direção a Küstrin, na retaguarda, pelos vales
dos rios Warta e Netze. Este plano também foi con rmado pelo general
Guderian, antigo chefe do Estado-Maior das forças terrestres alemãs. Em
seu livro Memórias de um soldado, ele escreveu que o comando alemão
pretendia lançar um poderoso contra-ataque com as tropas do Grupo de
Exércitos Vístula “na velocidade do raio, antes que os russos pudessem
deslocar forças ou adivinhar nossas intenções”.
Este testemunho de líderes militares alemães não deixa dúvidas quanto à
ameaça que as forças inimigas na Pomerânia representavam para nós. No
entanto, o comando soviético se antecipou às intenções do inimigo e tomou
as medidas necessárias contra elas.
No início de fevereiro, os alemães haviam posicionado seu II e XI
Exércitos entre o Oder e o Vístula: um total de 16 Divisões de Infantaria, 4
de Panzers e 3 Divisões Motorizadas, 4 Brigadas e 8 Grupos de Combate.
Nossos serviços de inteligência relataram a existência de um uxo contínuo
de tropas para a área. Além disso, os alemães tinham seu III Exército Panzer
perto de Stettin para possível uso em torno de Berlim ou para reforçar as
tropas da Pomerânia Oriental (o que realmente aconteceu). Poderia o
comando soviético arriscar um avanço sustentado em direção a Berlim em
face dessa ameaça vinda do Norte?
Chuikov escreveu:
[...] em relação ao risco, na guerra geralmente é necessário. Neste caso
especí co, o risco era justi cado. Nossas tropas já haviam avançado 500
km na operação Vístula-Oder, e a partir do Oder faltavam apenas 50 a
80 km para chegar a Berlim.
Com certeza, poderíamos ter ignorado a ameaça e lançado ao mesmo
tempo os Exércitos de Tanques e 3 ou 4 Exércitos de Campanha diretamente
para Berlim. Mas, com um ataque vindo do Norte, o inimigo teria
conseguido romper nossos ancos, nos isolar do rio Oder e deixar em uma
situação precária as tropas que estivessem nas proximidades de Berlim.
A história demonstra que riscos devem ser assumidos, mas não
cegamente. A marcha do Exército Vermelho em direção a Varsóvia em 1920
oferece-nos uma lição valiosa, pois ali um avanço imprudente e sem
garantias transformou um sucesso em uma grave derrota.
“Uma avaliação objetiva da força das tropas alemãs na Pomerânia teria
mostrado que qualquer ameaça às nossas tropas que viesse daquela direção
poderia ter sido reduzida pela II Frente Bielorrussa”, argumenta Chuikov. Os
fatos não sustentam esta a rmação. A tarefa de eliminar a ameaça inimiga
na Pomerânia Oriental foi inicialmente atribuída à II Frente Bielorrussa,
cujas forças revelaram-se bastante inadequadas. A ofensiva lançada por esta
Frente, em 10 de fevereiro, progredia muito lentamente. Em dez dias, suas
tropas não avançaram mais de 50 km ou 60 km. Ao mesmo tempo, as tropas
alemãs posicionadas ao sul de Stargard iniciaram uma contraofensiva e
empurraram nossas tropas para o Sul, entre 8 e 13 km. Em vista da situação,
o Quartel-General Supremo decidiu enviar 4 Exércitos de Campanha e 2
Exércitos de Tanques da I Frente Bielorrussa para enfrentar as forças da
Pomerânia Oriental, que naquele momento somavam 40 Divisões. De fato, a
força inimiga na Pomerânia Oriental conseguiu resistir a ambas as Frentes
soviéticas até o nal de março. Comprovou ser um osso duro de roer.
Chuikov argumenta que a I Frente Bielorrussa e a I Frente Ucraniana
poderiam ter contribuído com 8 a 10 Exércitos, incluindo 3 ou 4 Exércitos
de Tanques, para lançar uma ofensiva contra Berlim em fevereiro de 1945.
Também não posso concordar com isso. No início de fevereiro, a I Frente
Bielorrussa tinha no Oder apenas 4 Exércitos enfraquecidos (o V Exército
de Choque, o VIII Exército da Guarda e o LXIX e o XXXIII Exércitos), com
um total de 8 Exércitos de Campanha e 2 Exércitos de Tanques. As demais
forças da Frente haviam se movido para enfrentar o inimigo da Pomerânia
Oriental. Um Corpo do VIII Exército da Guarda e outro do LXIX Exército
ainda estavam ocupados com as forças alemãs cercadas em Poznan. Quanto
à I Frente Ucraniana, entre 8 e 24 de fevereiro, ainda estava realizando uma
ofensiva a noroeste de Breslau com 4 Exércitos de Campanha, 2 Exércitos de
Tanques e o II Exército Aéreo. O inimigo havia reunido um número
substancial de forças naquele local e oferecia tenaz resistência. A I Frente
Ucraniana nalmente alcançou o rio Neisse, depois de ter avançado 100 km
em um período de dezessete dias. Suas forças tentaram cruzar o rio, mas não
tiveram sucesso, tendo que assumir posições defensivas.
Também é preciso levar em conta que nossas forças sofreram pesadas
baixas durante as operações do Vístula e do Oder. A dotação média das
Divisões de Fuzileiros, antes de 10 de fevereiro, era inferior a 5,5 mil homens
e a do VIII Exército da Guarda era de apenas 3,8 mil a 4,8 mil homens. Os
dois Exércitos de Tanques dispunham de um total de 740 tanques, com uma
média de 40 por brigada e apenas 15 ou 20 deles em muitas brigadas. A
situação era praticamente a mesma na I Frente Ucraniana.
Em suma, a I Frente Ucraniana e a I Frente Bielorrussa não estavam em
condições de realizar a operação de Berlim em fevereiro de 1945. Exagerar a
capacidade das próprias forças é tão perigoso quanto subestimar a força do
inimigo. Isso foi demonstrado pela experiência da guerra e não deveria ter
sido ignorado.
Por m, não devemos esquecer a situação de abastecimento de nossas
forças, que haviam avançado 500 km em vinte dias. Com um ritmo de
avanço tão grande, era natural que as unidades de apoio cassem para trás e
as tropas sofressem falta de suprimentos, especialmente de combustível. A
Força Aérea também não havia tido tempo de mover seus aviões para bases
mais avançadas.
Sem analisar os problemas dos serviços de suporte nessas condições,
Chuikov escreve:
Se o Quartel-General Supremo e o Quartel-General da Frente tivessem
organizado adequadamente o uxo de suprimentos e tivessem sido
capazes de distribuir a quantidade necessária de munição, combustível e
alimentos no Oder a tempo, e se nossa Força Aérea tivesse sido capaz de
voltar a ter bases em aeroportos próximos do Oder, e se nosso trabalho
na construção de pontões e pontes tivesse conseguido fazer nossas
forças cruzarem os rios, 4 de nossos Exércitos (o V Exército de Choque,
o VIII Exército da Guarda e o I e o II Exércitos de Tanques) poderiam
ter continuado a ofensiva contra Berlim no início de fevereiro,
avançando outros 80 km ou 100 km. Teriam concluído esta operação
gigantesca com a tomada imediata da capital alemã.
Não se pode levar a sério todas essas a rmações “hipotéticas”, nem
mesmo quando procedem do autor de memórias. Na verdade, quando o
próprio Chuikov reconhece que os serviços de apoio, a Força Aérea e as
unidades de construção de pontões haviam cado para trás, ele sugere que,
nessas condições, um avanço em direção a Berlim teria sido a mais arriscada
das aventuras.
Chuikov escreve:
Em 4 de fevereiro, o comandante da I Frente Bielorrussa [Júkov]
convocou uma reunião no Quartel-General do LXIX Exército, da qual
ele próprio, Berzarin, Kolpakchi, Katukov, Bogdanov e eu participamos.
Estávamos sentados a uma mesa com mapas, discutindo o plano da
ofensiva contra Berlim, quando tocou o telefone direto de Moscou. Eu
estava sentado ao lado dele e podia ouvir tudo. Stalin estava ligando.
Perguntou a Júkov onde estava e o que estava fazendo. O marechal
respondeu que havia reunido seus comandos do Exército no Quartel-
General de Kolpakchi e estava discutindo a ofensiva contra Berlim.
Quando Júkov acabou de informá-lo, Stalin exigiu, para surpresa do
comandante da Frente, ao que me pareceu, que parasse com aquele
planejamento e se ocupasse da operação contra as forças inimigas do
Grupo de Exércitos do Vístula, na Pomerânia.
Nunca houve tal reunião no Quartel-General do LXIX Exército. Nos dias
4 e 5 de fevereiro, eu estava no Quartel-General do LXI Exército, que
ocupava a ala direita da Frente, para se preparar para as operações contra as
forças inimigas na Pomerânia. Portanto, a conversa com Stalin, mencionada
por Chuikov, não ocorreu.
Chuikov também a rma que a possibilidade de que Berlim tivesse sido
tomada em fevereiro de 1945 foi levantada em uma reunião militar realizada
depois do m da guerra, mas que a questão não foi mais discutida porque,
implicitamente, teria sido uma crítica aos atos de Stalin. É verdade que esta
questão foi levantada na reunião, mas foi um representante do Estado-Maior
Geral, major-general S. M. Yenyukov, quem o fez, e não Chuikov. Pelo que
me lembro, Chuikov não mencionou o assunto, em absoluto.
Passemos para a operação de Berlim.
A ideia e o plano original para a operação em Berlim foram desenvolvidos
no Quartel-General Supremo durante todo o período da operação no
Vístula e no Oder. A princípio, o Quartel-General Supremo planejava iniciar
a operação com três Frentes simultâneas, mas a II Frente Bielorrussa não
estaria pronta para cruzar o rio Oder antes de 20 abril, pois, após a operação
na Prússia Oriental, ela teve que deslocar suas forças da área de Danzig-
Gdynia para as seções do curso inferior do Oder.
Dada a situação militar e política existente, o Quartel-General Supremo
decidiu lançar a operação de Berlim com duas frentes, o mais tardar, em 16
de abril. No início de abril, o marechal Konev, comandante da I Frente
Ucraniana, e eu fomos chamados pela última vez ao Quartel-General
Supremo para revisar o plano nal de operações de nossas duas frentes. O
principal ataque a Berlim e a tomada da cidade foram con ados à I Frente
Bielorrussa. A partir do rio Neisse, a I Frente Ucraniana deveria atacar as
forças inimigas posicionadas no sul de Berlim e isolar a maior parte do
Grupo de Exércitos Centro das tropas inimigas de Berlim, a m de garantir
as operações da I Frente Bielorrussa no Sul.
Nessa reunião, Stalin também deu ordens a Konev para que se preparasse
para atacar Berlim pelo sul, caso o inimigo conseguisse opor forte
resistência nos acessos orientais da cidade e retardar o avanço da I Frente
Bielorrussa.
Como a II Frente Bielorrussa não seria capaz de cruzar o Oder antes de 20
de abril, a I Frente Bielorrussa teve que avançar sem cobertura pelo anco
direito nos primeiros e cruciais dias da operação. O inimigo fez uma
tentativa de tirar vantagem disso.
O general Alfred Jodl, chefe do Alto Comando da Wehrmacht, fez as
seguintes declarações durante um interrogatório:
O Estado-Maior Geral sabia que a Batalha de Berlim seria decidida no
Oder. Por isso, a maior parte do IX Exército, que estava defendendo
Berlim, havia sido transferida para as primeiras linhas. No norte de
Berlim, deveriam concentrar-se algumas reservas criadas às pressas
para atacar o anco das forças do marechal Júkov.
Incomum e tremendamente complexa, a ofensiva contra Berlim exigia a
preparação mais minuciosa possível em todos os níveis da Frente e dos
Exércitos. Esperava-se que as tropas da I Frente Bielorrussa atravessassem
uma zona defensiva formada por muitos escalões e que se estenderia
ininterruptamente do rio Oder até Berlim.
A experiência da guerra nunca nos havia colocado diante da tomada de
uma cidade tão grande e tão forti cada. Sua área total era de 565 km2. O
metrô e outras redes de engenharia subterrâneas, muito extensas, ofereciam
grandes possibilidades para movimentos de tropas. A própria cidade e seus
arredores haviam sido cuidadosamente preparados para a batalha. Todas as
ruas, praças, avenidas, edifícios, canais e pontes constituíam baluartes no
sistema defensivo.
Aviões de reconhecimento soviéticos realizaram seis inspeções aéreas de
Berlim, observando e fotografando acessos e zonas defensivas. Para
confeccionar os mapas de ataque fornecidos a todos os comandos, até o
nível das companhias, usamos essas fotogra as aéreas, documentos
apreendidos e informações obtidas em interrogatórios de prisioneiros. Os
engenheiros do Exército construíram uma maquete perfeita da cidade e de
seus arredores para ser usada no planejamento do ataque nal.
Comandantes dos Exércitos, chefes dos Estados-Maiores Gerais,
integrantes dos conselhos militares, comissários políticos das Frentes, chefes
das unidades de artilharia de cada um dos Exércitos, todos os comandantes
de Corpos de Exército e chefes de serviços das Frentes zeram uma reunião
entre 5 e 7 de abril para realizar jogos de simulação, usando mapas e
maquetes. Também esteve presente o comandante dos serviços de apoio da
Frente, que fez um estudo detalhado do problema de garantir um uxo
contínuo de suprimentos. De 8 a 14 de abril, foram realizadas simulações
mais detalhadas de todos os serviços em cada um dos Exércitos, Corpos de
Exército, Divisões e unidades de menor porte, bem como nas Forças Aéreas.
Por causa do excesso de comunicações e da grande demanda de
suprimentos na operação imprevista da Pomerânia Oriental, a I Frente
Bielorrussa ainda não estava totalmente abastecida no início da operação de
Berlim. Foi necessário que nossos serviços de suporte realizassem um
trabalho heroico para movimentar, a tempo, os depósitos essenciais. Como
sempre, eles se saíram à altura da missão.
No curso dos preparativos, foi levantada a questão de reforçar o efeito de
choque sobre o inimigo. Como normalmente as tropas cam mais
impressionáveis à noite, decidimos lançar a ofensiva duas horas antes do
amanhecer. Para evitar acidentes por causa da escuridão, planejamos
iluminar as posições inimigas com 140 re etores. Durante as simulações
preliminares, a e cácia dos re etores havia sido comprovada, e todos os
participantes eram favoráveis ao seu uso.
O uso de nossas forças blindadas também foi muito discutido. Em vista
das poderosas defesas táticas que o inimigo tinha nas colinas de Seelow,
decidimos introduzir os dois Exércitos de Tanques somente depois de
tomarmos essas colinas.35 Não havíamos previsto a penetração dos Exércitos
de Tanques em terreno aberto de operações depois da nossa penetração
tática, como havíamos feito nas operações do Vístula, do Oder e da
Pomerânia Oriental. Porém, no decorrer da batalha, quando o ataque de
nossa Frente ao primeiro escalão defensivo se mostrou insu ciente para
romper as linhas inimigas, temeu-se que a ofensiva tivesse demorado
demais. Depois de discutir o assunto com os comandantes dos Exércitos, no
nal do dia 16 decidimos reforçar o ataque dos Exércitos de Campanha com
um poderoso golpe desferido por todos os nossos aviões e pelos Exércitos de
Tanques.
O inimigo lançou à batalha tudo o que tinha, mas, na noite do dia 17 e na
manhã do dia 18, conseguimos superar as defesas das colinas de Seelow e
retomar nosso avanço. Os alemães haviam concentrado em Berlim uma
quantidade substancial de forças, incluindo artilharia antiaérea, o que
retardou a ofensiva. Se não encontrássemos uma forma de superar a
resistência daquelas forças adicionais, caríamos para trás novamente.
Naqueles dias, Stalin estava muito preocupado com a possibilidade de
nossa ofensiva car comprometida. Por essa razão, ordenou ao comandante
da I Frente Ucraniana que atacasse Berlim pelo sul, de acordo com o plano
de operações aprovado em 3 de abril. Depois de intensos combates, as
defesas inimigas nos acessos a Berlim nalmente cederam em 20 de abril.
O general Helmuth Weidling, comandante do LVI Corpo Panzer, declarou
durante um interrogatório:
20 de abril foi o dia mais difícil para meu Corpo e, provavelmente, para
todas as tropas alemãs. Elas haviam sofrido grande número de baixas
em combates anteriores. Estavam debilitadas e exaustas. Não eram mais
capazes de resistir ao terrível ataque das forças russas superiores.
Às 13:50h de 20 de abril, a artilharia de longo alcance do LXXIX Corpo de
Fuzileiros do III Exército de Choque,36 comandado pelo coronel-general V.
I. Kuznetsov, foi a primeira a abrir fogo contra Berlim, lançando as bases
para o ataque histórico à capital alemã. No dia seguinte, elementos do III
Exército de Choque, do II Exército de Tanques da Guarda e do XLVII
Exército chegaram aos arredores de Berlim e iniciaram a batalha na cidade.
Além desses três Exércitos, também decidimos lançar na batalha o I e o II
Exércitos de Tanques da Guarda, com a intenção de minar o moral e a
vontade de lutar do inimigo, para dar o máximo de apoio aos nossos
debilitados Exércitos de Campanha e acelerar a tomada de Berlim. Em todo
caso, não tínhamos, naquela época, nenhuma outra missão operacional que
exigisse a manobrabilidade especial das forças blindadas.
A batalha logo atingiu seu clímax. Todos queríamos que terminasse antes
da festa do Primeiro de Maio, para oferecer ao nosso povo algo adicional
para comemorar. Mas, em sua agonia, o inimigo ainda se agarrava a cada
edifício, porão, andar e telhado. As forças soviéticas avançavam lentamente,
bloco a bloco, construção a construção. As tropas dos generais Kuznetsov,
Berzarin e Bogdanov aproximavam-se cada vez mais do centro da cidade.
Finalmente, recebi a tão esperada ligação de Kuznetsov: o Reichstag havia
sido ocupado. Nossa bandeira vermelha havia sido hasteada nele e
tremulava no alto do edifício.
Que torrente de pensamentos encheu minha mente naquele momento
radiante! Revivi a batalha fundamental de Moscou, onde nossas tropas
haviam permanecido rmes em face da morte. Vi Stalingrado em ruínas,
mas não conquistada, a gloriosa Leningrado suportando o longo cerco de
fome, milhares de cidades e vilas devastadas, os sacrifícios de milhões de
soviéticos que sobreviveram durante aqueles anos, a celebração da vitória no
saliente de Kursk... e agora, nalmente, o objetivo pelo qual nossa Nação
havia suportado aqueles enormes sofrimentos: a derrota absoluta da
Alemanha nazista, a destruição do fascismo, o triunfo de nossa causa justa.
A maioria dos colaboradores de Hitler, incluindo Bormann, Göring,
Himmler, Keitel e Jodl, conseguiu fugir de Berlim; mas Hitler e Goebbels,
não encontrando outra saída, acabaram com suas vidas, cometendo suicídio.
Como jogadores apaixonados, haviam acreditado até o último momento
que um golpe de sorte poderia salvá-los e à Alemanha nazista. Entre 30 de
abril e 1º de maio, os líderes nazistas ainda tentavam ganhar tempo,
iniciando negociações para um cessar-fogo em Berlim e instando o recém-
proclamado governo do almirante Dönitz a negociar uma rendição alemã. O
general Krebs, diplomata e militar experiente, tentou por todos os meios
distrair o general Chuikov com longas e polêmicas discussões, mas esse ardil
também não funcionou. O general Sokolovsky, encarregado das
negociações, disse categoricamente a Krebs que as ações militares só seriam
interrompidas mediante a rendição completa e incondicional das forças
alemãs perante todos os aliados. Os nazistas recusaram-se a aceitar esta
rendição e as negociações foram interrompidas.
Nossas forças receberam ordens de acabar com o inimigo. Lançaram o
ataque nal contra o centro de Berlim às 18:30h. O general Weidling,
comandante de Berlim, se rendeu com seus generais e o ciais às 06:00h de 2
de maio e informou que suas forças estavam dispostas a capitular.
Por volta das 15:00h, o resto da guarnição de Berlim, num total de 70 mil
homens, havia se rendido. Tudo estava acabado. E no Reichstag tremulava a
bandeira vermelha, símbolo da liberdade e do poderio do povo soviético, da
terra dos sovietes.
Haviam sido necessários apenas dezesseis dias para que as tropas das três
Frentes (a I Frente Bielorrussa, a I Frente Ucraniana e a II Frente
Bielorrussa) destroçassem as forças inimigas na zona de Berlim e tomassem
a capital alemã. A vitória havia sido possível graças ao fato de que o Exército
Soviético se aproximou do m da guerra em uma situação material e
psicológica de que nunca havia desfrutado antes, superando
substancialmente o inimigo em domínio militar, habilidade operacional e
estratégia.
Para a operação de Berlim, o país havia fornecido, ao Exército, forças e
suprimentos que teriam sido adequados para mais uma operação da mesma
magnitude. O Partido de Lenin havia feito todo o possível para encorajar os
homens em combate em sua difícil missão, bem como para incutir neles a fé
no sucesso de nossa causa justa. Todos os soldados, comandantes e
comissários políticos haviam se comprometido a perseguir o inimigo até a
vitória nal, e todos haviam sido movidos por um único desejo: chegar a
Berlim o mais rapidamente possível e forçar o inimigo a pagar pelo
sofrimento do povo soviético. O soldado soviético, que havia percorrido o
íngreme caminho dos acessos a Berlim, estava consumido pelo ódio ao
inimigo. Tudo o que queria era liquidá-lo, o mais rapidamente possível, e
livrar a humanidade da ameaça da escravidão fascista.
Todas as boas pessoas do mundo que se lembram daqueles dias atrozes da
guerra, em que o destino da humanidade esteve em jogo, se lembrarão com
respeito e carinho daqueles que não pouparam as próprias vidas lutando
pela causa comum, pelo destino de seu país, pela liberdade e independência
de todas as nações.37
Acho difícil fazer elogios especiais a alguém em particular ao tratar deste
último confronto com o inimigo. Todos os que participaram da operação de
Berlim corresponderam às expectativas, como soldados soviéticos, e
exibiram alto grau de habilidade militar e heroísmo. A pátria-mãe valoriza
enormemente suas façanhas. E agora eles carregam orgulhosamente no peito
a medalha que diz: “Pela ocupação de Berlim.” Dezenas de milhares de
soldados, o ciais e generais foram condecorados com medalhas, enquanto
as unidades militares que participaram diretamente do ataque à capital
inimiga receberam o título honorí co de “Berlim”.
A queda de Berlim e o encontro do Exército Soviético com as tropas de
nossos aliados levaram ao colapso de nitivo da Alemanha nazista e de suas
Forças Armadas. O desorganizado Exército alemão não foi mais capaz de
resistir. Em todos os lugares, na Itália e na Europa Ocidental, as tropas
alemãs começaram a capitular. Em 8 de maio, os representantes do comando
alemão assinaram o Ato de Rendição Incondicional, no qual reconheceram
sua derrota absoluta.

35
As formações blindadas começaram a ser lançadas nas operações a partir da Batalha de Stalingrado,
acompanhando diretamente a infantaria e a cavalaria. Depois da Batalha de Kursk, em 1943, o uso de
tanques em massa tornou-se normal. Criaram-se Exércitos de tanques, com 3 a 4 Divisões Blindadas,
que somavam mais 1 mil tanques sob um só comando. Tais grandes formações desempenharam papel
preponderante nas seis grandes operações na última parte da guerra: Stalingrado (1942), Kursk-Orel
(1943), Korsum-Scheverchenkovsky (1944), Bielorrússia (1944), Varsóvia (1945) e Berlim (1945).
[N.E.]
36
A infantaria nunca perdeu o papel de “arma básica” na doutrina militar soviética. Os Regulamentos
diziam explicitamente: “A infantaria é a tropa principal” (1936), “A infantaria determina a conclusão
da batalha” (1940), “A ação combinada de todas as espécies de tropas organiza-se segundo o interesse
da infantaria, que trata da tarefa mais importante no combate” (1942). A Tática de Aviação dizia: “O
uso de outras tropas, participando do combate com a infantaria, tem em vista sempre agir segundo os
interesses desta última, garantindo o seu avanço na ofensiva e na sua rmeza na defensiva.” [N.E.]
37
A Batalha de Berlim custou 305 mil baixas ao Exército Vermelho, entre mortos, feridos e
desaparecidos. [N.E.]
ANEXO

75 ANOS DA GRANDE GUERRA PELA PÁTRIA38


Vladimir Putin

Costuma-se dizer que a guerra deixou uma marca profunda na história de


todas as famílias. Por trás destas palavras, estão os destinos de milhões de
pessoas, os seus sofrimentos e a dor da perda. Mas também estão o orgulho,
a verdade e a memória.
Para meus pais, a guerra foi vivida nos terríveis sofrimentos do cerco de
Leningrado, onde morreu meu irmão Vitya, de dois anos. Minha mãe
conseguiu sobreviver milagrosamente. Meu pai, apesar de dispensado do
serviço ativo, ofereceu-se como voluntário para defender sua cidade natal.
Tomou a mesma decisão de milhões de cidadãos soviéticos. Lutou no
Nevsky Pyatachok e foi ferido com gravidade.
Quanto mais o tempo passa, mais sinto saudades de conversar com meus
pais e aprender sobre os tempos de guerra e de suas vidas. Mas já não é
possível perguntar nada. Por isso, guardo no coração as conversas que tive
com eles sobre este assunto e as suas emoções.

As pessoas da minha idade e eu acreditamos que é importante que nossos


lhos, netos e bisnetos entendam a dor e as di culdades que seus
antepassados suportaram. Como conseguiram resistir e vencer? De onde
surgiu a poderosa força de espírito que surpreendeu e fascinou todo o
mundo?
Sim, eles estavam defendendo seu lar, seus lhos, seus entes queridos e
suas famílias. Mas o que os unia era o amor pela Pátria, pela terra natal. Este
sentimento profundo e pessoal re ete-se em toda plenitude na própria
essência do nosso povo e se tornou um dos fatores determinantes em sua
luta heroica, cheia de sacrifícios, contra os nazistas.
Muitas vezes as pessoas perguntam: o que faria a geração atual? Como ela
agiria em uma situação crítica? Vejo jovens médicos e enfermeiros, recém-
formados, que vão para zonas de perigo salvar vidas. Vejo nossos militares
lutando contra o terrorismo internacional no Norte do Cáucaso e aqueles
que morreram de pé na Síria, tão jovens! Muitos combatentes do lendário e
imortal 6º Batalhão de Paraquedistas tinham dezenove, vinte anos de idade.
Mas todos mostraram que são dignos do feito dos soldados da nossa Pátria,
que a defenderam na Grande Guerra.
Cumprir o dever e não pensar em si mesmo, quando as circunstâncias
assim o exigem, fazem parte do caráter dos povos da Rússia. Valores como
espírito de sacrifício, patriotismo, amor por sua terra, por sua família e pela
Pátria seguem sendo fundamentais para a sociedade russa. Eles são, no
fundo, a base da soberania de nosso país.
Hoje, surgiram em nosso país novas tradições, que o povo criou, como o
“regimento imortal”. É uma marcha da memória. Simboliza a nossa gratidão,
a conexão viva e os laços de sangue entre as gerações. Milhões de pessoas
saem às ruas com fotogra as de parentes que defenderam a Pátria e
derrotaram os nazistas. Isto signi ca que suas vidas, suas provações e
sacrifícios, bem como a vitória que deixaram para nós, não serão
esquecidos.
Nossa responsabilidade é fazer tudo para impedir que estas tragédias se
repitam. Por isso, considerei meu dever publicar um artigo sobre a Segunda
Guerra Mundial e a Grande Guerra pela Pátria. Eu discuti a ideia em
diversas ocasiões com os líderes mundiais, e eles mostraram sua
compreensão. Na cúpula dos líderes da Comunidade dos Estados
Independentes, realizada no nal do ano passado, todos fomos da mesma
opinião: é essencial transmitir às gerações futuras a lembrança de que a
vitória sobre os nazistas foi alcançada em primeiro lugar pelo povo soviético,
de que os representantes de todas as Repúblicas da União Soviética lutaram
juntos neste combate heroico, tanto na linha de frente quanto na retaguarda.
Durante a cúpula, conversei também com meus colegas sobre o desa ador
período de antes da guerra.
Este tema causou grande impacto na Europa e no mundo. Portanto,
abordar as lições do passado é realmente necessário e atual. Ao mesmo
tempo, houve muitas emoções, complexos maldisfarçados e acusações.
Como é costume, alguns políticos rapidamente a rmaram que a Rússia
estava tentando reescrever a história. No entanto, eles não conseguiram
refutar um único fato ou argumento apresentado. É difícil, é mesmo
impossível, argumentar contra documentos originais conservados não
apenas em arquivos russos, mas também estrangeiros.
Por isso, é preciso continuar analisando as razões que levaram à guerra
mundial e re etir sobre seus complexos eventos, tragédias e vitórias, bem
como sobre suas lições, tanto para nosso país quanto para o mundo todo.
Repito: é fundamental basearmo-nos exclusivamente em documentos de
arquivo e em testemunhos de pessoas dessa época, para evitar quaisquer
especulações ideológicas ou politizadas.

O Tratado de Versalhes

Recordo novamente uma coisa óbvia: as causas profundas da Segunda


Guerra Mundial decorrem em grande parte das decisões tomadas após a
Primeira Guerra. Para a Alemanha, o Tratado de Versalhes se tornou um
símbolo de uma grande injustiça. Basicamente, ele foi um assalto ao país,
forçado a pagar enormes reparações de guerra aos aliados ocidentais, que
drenaram sua economia. O marechal francês Ferdinand Foch, comandante
das forças aliadas, fez uma descrição profética do Tratado: “Isso não é a paz.
É uma trégua por vinte anos.”
A humilhação nacional formou o terreno fértil para sentimentos radicais e
revanchistas na Alemanha. Os nazistas jogaram habilmente com estas
emoções e elaboraram sua propaganda, prometendo libertar a Alemanha do
“legado de Versalhes” e restaurar o antigo poderio do país, enquanto, na
verdade, estavam empurrando os alemães para uma nova guerra.
Paradoxalmente, os países ocidentais, particularmente o Reino Unido e os
Estados Unidos, contribuíram direta ou indiretamente para isso. Seus
círculos nanceiros e industriais investiram ativamente em fábricas alemãs
que desenvolviam equipamentos militares. Além disso, entre a aristocracia e
o establishment político havia muitos apoiadores dos movimentos radicais,
de extrema-direita e nacionalistas que estavam em ascensão na Alemanha e
na Europa.
A “ordem mundial” de Versalhes causou inúmeras controvérsias ocultas e
con itos abertos. Na sua base, estão as fronteiras dos novos Estados
europeus, estabelecidas aleatoriamente pelos vencedores da Primeira Guerra
Mundial. A delimitação das fronteiras foi quase imediatamente seguida por
disputas territoriais e reivindicações mútuas, transformando-se em uma
bomba-relógio.
Um dos resultados mais importantes da Primeira Guerra Mundial foi a
criação da Liga das Nações. Existiam grandes expectativas de que esta
organização internacional garantiria a paz e a segurança coletiva no longo
prazo. Era uma ideia progressista que, caso fosse realizada de maneira
consistente, poderia realmente impedir que os horrores de uma guerra
mundial ocorressem novamente.
No entanto, a Liga da Nações, dominada pelos poderes vitoriosos da
França e do Reino Unido, mostrou ser ine ciente e afundou em conversas
inúteis. A Liga das Nações e o continente europeu em geral não escutaram
os repetidos apelos da União Soviética para estabelecer um sistema
igualitário de segurança coletiva e concluir os pactos da Europa Oriental e
do Pací co para impedir qualquer agressão. Estas propostas foram
desconsideradas.
A Liga das Nações também não conseguiu impedir os con itos em
diversas partes do mundo, como o ataque italiano contra a Etiópia, a Guerra
Civil Espanhola, a agressão japonesa contra a China e a anexação da Áustria.
Além disso, no Acordo de Munique, que, além de Hitler e Mussolini, teve a
participação dos líderes britânicos e franceses, a Tchecoslováquia foi
desmembrada com total aprovação da Liga das Nações. Gostaria aqui de
ressaltar que, diferentemente de muitos dos chamados líderes europeus da
época, Stalin não se manchou e não se encontrou pessoalmente com Hitler,
conhecido então nos círculos ocidentais como um político respeitável e um
convidado estimável nas capitais europeias.

O papel da Polônia

A Polônia também participou no desmembramento da Tchecoslováquia,


junto com a Alemanha. Eles decidiram, antecipadamente, quem caria com
as terras da Tchecoslováquia. Em 20 de setembro de 1938, o embaixador
polonês na Alemanha, Jozef Lipski, informou o ministro das Relações
Exteriores da Polônia, Jozef Beck, sobre as garantias de Hitler: “No caso de
um con ito entre a Polônia e a Tchecoslováquia sobre nossos interesses em
Cieszyn, o Reich cará do nosso lado.” O líder dos nazistas até aconselhou a
Polônia a agir “só depois que os alemães ocupassem os Sudetos”.
A Polônia sabia que, sem o apoio de Hitler, seus planos de anexação
fracassariam. Cito um registro da conversa entre o embaixador alemão em
Varsóvia, Hans-Adolf von Moltke, e Jozef Beck, ocorrida em 1º de outubro
de 1938, focada nas relações entre Polônia e Tchecoslováquia e na posição
dos soviéticos sobre este assunto. A matéria diz:
O sr. Beck expressou grande gratidão pela lealdade aos interesses
poloneses na Conferência de Munique, bem como pela sinceridade das
relações durante o con ito tcheco. O governo e o povo [polonês]
apreciam muito a atitude do Führer e do Chanceler.
O desmembramento da Tchecoslováquia foi cruel e cínico. Munique
destruiu até as garantias frágeis e formais que tinham permanecido no
continente, mostrou que os acordos mútuos eram inúteis. O Acordo de
Munique foi o estopim que tornou inevitável a grande guerra na Europa.
Hoje, políticos europeus e especialmente os líderes poloneses desejam
varrer o Acordo de Munique para baixo do tapete. Por quê? O motivo não é
somente por seus países terem rompido compromissos e apoiado o Acordo,
com alguns inclusive participando do saque, mas também porque é
incômodo lembrar que, durante os dias dramáticos de 1938, a União
Soviética foi a única a defender a Tchecoslováquia.
A União Soviética, de acordo com suas obrigações internacionais,
incluindo os acordos com a França e a Tchecoslováquia, tentou evitar a
tragédia. Enquanto isso, a Polônia, defendendo seus interesses, estava
fazendo de tudo para evitar a criação de um sistema de segurança coletivo
na Europa. Jozef Beck escreveu sobre isso diretamente em sua carta de 19 de
setembro de 1938 ao embaixador Jozef Lipski antes do encontro com Hitler:
“No ano passado, o governo polonês rejeitou quatro vezes a proposta de se
juntar à intervenção internacional em defesa da Tchecoslováquia.”
O Reino Unido e a França, que na época eram os principais aliados dos
tchecos e eslovacos, preferiram desistir de suas garantias e abandonar o país
do Leste Europeu. Não só abandonar, mas atrair a atenção dos nazistas para
o Leste, para que a Alemanha e a União Soviética colidissem e se
enfraquecessem mutuamente.
Nisso consistia a política ocidental de “paci cação”, que visava não apenas
ao Terceiro Reich, como também a outros integrantes do chamado Pacto
Anticomintern, incluindo a Itália fascista e o Japão militarista. No Extremo
Oriente, essa política culminou na conclusão do Acordo Anglo-Japonês no
verão de 1939, dando a Tóquio total liberdade na China. As principais
potências europeias não queriam reconhecer o perigo mortal, para o
mundo, representado pela Alemanha e seus aliados, pois esperavam que a
guerra não as atingisse.

O Acordo de Munique

O Acordo de Munique mostrou à União Soviética que os países ocidentais


iriam lidar com as questões de segurança sem considerar os interesses da
União Soviética e, se possível, formariam uma frente antissoviética.
No entanto, a União Soviética tentou até o m usar qualquer chance para
criar uma coalizão anti-Hitler, apesar da duplicidade dos países ocidentais.
Através dos serviços de inteligência, as autoridades soviéticas recebiam
informações detalhadas sobre contatos de bastidores entre britânicos e
alemães no verão de 1939. Estes contatos eram conduzidos com muita
frequência, de forma quase simultânea com as conversações trilaterais entre
os representantes da França, do Reino Unido e da União Soviética, que eram
arti cialmente prolongadas pelos parceiros ocidentais.
Citarei um documento dos arquivos britânicos, que contém instruções à
missão militar britânica que chegou a Moscou em agosto de 1939. O
documento a rma explicitamente que a delegação deveria prosseguir com as
negociações “de maneira bastante lenta” e que “o governo britânico não está
pronto para assumir obrigações detalhadas que possam limitar nossa
liberdade de ação sob quaisquer circunstâncias”. Sublinho ainda que, ao
contrário de britânicos e franceses, a delegação soviética era liderada pelo
alto comando do Exército Vermelho, que tinha a autoridade necessária para
“assinar um acordo militar sobre a organização de defesa militar do Reino
Unido, da França e da União Soviética contra a agressão na Europa”.
A Polônia, que não queria ter obrigações com os soviéticos, desempenhou
seu papel no fracasso das negociações. Mesmo sendo pressionada pelos
aliados ocidentais, a liderança polonesa rejeitou a ideia de uma ação
conjunta com o Exército Vermelho para combater a Wehrmacht. E foi
somente depois de saber da chegada de Ribbentrop a Moscou que J. Beck, a
contragosto e indiretamente, através de diplomatas franceses, noti cou o
lado soviético: “No caso de ações conjuntas contra a agressão alemã, não é
descartada a cooperação entre a Polônia e a União Soviética, sob condições
técnicas a serem determinadas.” Ao mesmo tempo, explicou a seus colegas:
“Concordei com isso apenas para facilitar a tática. Nossa posição inicial em
relação à União Soviética é de nitiva e permanece inalterada.”
Nestas circunstâncias, a União Soviética assinou o pacto de não agressão
com a Alemanha, sendo o último país a fazê-lo entre os países europeus. O
acordo foi rmado diante de uma ameaça real de guerra em duas frentes,
uma com a Alemanha a oeste e outra com o Japão a leste, onde ocorriam
intensas batalhas no rio Khalkhin Gol.39
Stalin e seu círculo próximo merecem muitas acusações justas.
Lembramo-nos dos crimes cometidos pelo regime contra seu próprio povo e
o terror das repressões em massa. Repito: os líderes soviéticos podem ser
criticados por muitas coisas, mas não por não compreenderem o caráter das
ameaças externas. Eles viram como tentavam deixar a União Soviética
sozinha com a Alemanha e seus aliados. Tendo esta ameaça real em mente,
procuraram ganhar tempo para fortalecer as defesas do país.
Hoje, há diversas especulações e acusações contra a Rússia ligadas ao
pacto de não agressão assinado na época. Sim, a Rússia é o Estado sucessor
legal da União Soviética e do período soviético, que, com todas as vitórias e
tragédias, é parte da nossa história milenar. Contudo, recordo que a União
Soviética realizou uma avaliação geral e moral do chamado Pacto Molotov–
Ribbentrop. Em uma resolução do Soviete Supremo, de 24 de dezembro de
1989, denunciou o cialmente os protocolos secretos como “ato de poder
pessoal”, que não re etia a “vontade do povo soviético, que não é
responsável pelo pacto”.
Entretanto, outros países preferem esquecer os acordos assinados por
políticos nazistas e ocidentais, sem falar na avaliação jurídica ou política de
tal cooperação, incluindo o consentimento tácito, ou mesmo o
encorajamento direto, de alguns políticos europeus aos planos bárbaros dos
nazistas. Basta recordar a frase do embaixador polonês na Alemanha, J.
Lipski, durante conversa com Hitler em 20 de setembro de 1938: “Por
resolver a questão judaica, nós [os poloneses] colocaremos uma bela estátua
sua em Varsóvia.”
Não sabemos se havia um “protocolo secreto” ou anexos aos acordos de
diversos países com os nazistas, restando apenas acreditar nas palavras deles.
Re ro-me, principalmente, aos materiais sobre as negociações secretas
anglo-alemãs, que não foram desclassi cados. Instamos a todos os países a
intensi carem o processo de abertura de seus arquivos, publicando
documentos anteriormente desconhecidos dos tempos pré-guerra, da
mesma maneira que a Rússia tem feito nos últimos anos. Nesse contexto,
estamos prontos para cooperar em projetos conjuntos de pesquisa,
envolvendo historiadores.
Retomemos os eventos que antecederam a Segunda Guerra Mundial.
Seria ingênuo acreditar que Hitler, após invadir a Tchecoslováquia, não faria
novas reivindicações territoriais, desta vez em relação a seu recente cúmplice
no desmembramento da Tchecoslováquia, a Polônia. Aqui, o legado de
Versalhes também foi usado como pretexto, o destino do chamado corredor
de Danzig. A tragédia da Polônia, que se seguiu, é de total responsabilidade
dos líderes poloneses, que impediram a formação de uma aliança militar
entre o Reino Unido, a França e a União Soviética, contando com a ajuda de
seus aliados ocidentais, e deixaram seu próprio povo à mercê da máquina de
destruição de Hitler.
A ofensiva alemã foi montada de acordo com a doutrina Blitzkrieg. Apesar
da violenta e heroica resistência do Exército polonês, em 8 de setembro de
1939, apenas uma semana após o início da guerra, as tropas alemãs estavam
se aproximando de Varsóvia. Em 17 de setembro, os líderes militares e
políticos da Polônia haviam fugido para a Romênia, abandonando seu povo,
que continuou a lutar contra os invasores.
A esperança da Polônia na ajuda de seus aliados ocidentais não deu
resultado. Depois que a guerra contra a Alemanha foi declarada, as tropas
francesas avançaram apenas alguns quilômetros no território alemão. Tudo
parecia uma simples demonstração de ações de combate. Além disso, o
Conselho Supremo de Guerra Anglo-Francês, realizando seu primeiro
encontro em 12 de setembro de 1939 na cidade francesa de Abbeville,
decidiu suspender a ofensiva, tendo em vista os rápidos desenvolvimentos
na Polônia. Foi quando começou a chamada “guerra de mentiras”. Esta foi
uma traição direta da França e do Reino Unido às suas obrigações para com
a Polônia.
Posteriormente, durante os julgamentos de Nuremberg, os generais
alemães explicaram seu rápido sucesso no Leste. O ex-chefe da equipe de
operações do Alto Comando das Forças Armadas alemãs, general Alfred
Jodl, admitiu:
Só não sofremos derrotas desde 1939 porque aproximadamente 110
Divisões francesas e britânicas, que estavam no Oeste contra 23
Divisões alemãs durante nossa guerra com a Polônia, permaneceram
absolutamente inativas.
Pedi a recuperação dos arquivos de toda a diversidade de materiais dos
contatos entre a União Soviética e a Alemanha naqueles dias dramáticos de
agosto e setembro de 1939. De acordo com os documentos, a cláusula 2 do
Protocolo Secreto do Pacto de Não Agressão entre a Alemanha e a União
Soviética, de 23 de agosto de 1939, estabelecia que, em caso de
reorganização político-territorial dos distritos que compõem a Polônia, a
fronteira das esferas de interesse dos dois países seria “aproximadamente ao
longo dos rios Narew, Vístula e San”. Em outras palavras, a esfera de
in uência soviética incluía não apenas os territórios que abrigavam
principalmente a população ucraniana e bielorrussa, como também as terras
polonesas entre o Vístula e o Bug. Poucos sabem deste fato.
Da mesma forma, pouquíssimos sabem que, logo após o ataque à Polônia,
nos primeiros dias de setembro de 1939, Berlim insistiu que Moscou se
juntasse às ações militares. No entanto, a liderança soviética ignorou estes
apelos. Até o último momento, não queria se envolver nos acontecimentos
dramáticos.
Somente quando cou absolutamente claro que o Reino Unido e a França
não ajudariam seu aliado e que a Wehrmacht poderia rapidamente ocupar
toda a Polônia, chegando às proximidades de Minsk, é que a União Soviética
decidiu enviar, na manhã de 17 setembro, unidades do Exército Vermelho
para as chamadas fronteiras orientais, que hoje fazem parte dos territórios
da Bielorrússia, Ucrânia e Lituânia.
Obviamente, não havia opção. Caso contrário, a União Soviética estaria
em risco. Pois, repito, a antiga fronteira entre a Polônia e a União Soviética
passava a apenas alguns quilômetros de Minsk. A inevitável guerra com os
nazistas começaria a partir de posições estratégicas extremamente
desfavoráveis. Nesse meio-tempo, milhões de pessoas de diferentes
nacionalidades, incluindo os judeus que moravam perto de Brest e Grodno,
Przemysl, Lvov e Wilno, seriam exterminados nas mãos dos nazistas e de
seus subordinados locais, antissemitas e nacionalistas radicais.
O fato de a União Soviética ter tentado evitar o con ito o maior tempo
possível e não estar disposta a lutar lado a lado com a Alemanha foi a razão
pela qual o primeiro confronto entre as tropas soviéticas e alemãs ocorreu
mais a leste da linha especi cada no protocolo secreto. Não foi ao longo do
rio Vístula, mas mais próximo da chamada Linha Curzon, que em 1919 foi
recomendada pela Tríplice Entente40 como a fronteira oriental da Polônia.
Como se sabe, quase não faz sentido usar o subjuntivo quando falamos
dos eventos passados. Posso dizer que, em setembro de 1939, a liderança
soviética teve a oportunidade de mover as fronteiras ocidentais da União
Soviética ainda mais para ocidente, até Varsóvia, mas decidiu não o fazer.
Os alemães sugeriram xar o novo status quo. Em 28 de setembro de
1939, Joachim von Ribbentrop e V. Molotov assinaram em Moscou o
Tratado de Fronteira entre a União Soviética e a Alemanha, bem como o
protocolo secreto sobre a mudança da fronteira nacional, reconhecendo a
linha de demarcação onde estavam os dois Exércitos.

A União Soviética e estratégias militares

No outono de 1939, a União Soviética, elaborando suas estratégias militares


defensivas, iniciou o processo de incorporação da Letônia, Lituânia e
Estônia. A adesão delas à União Soviética foi implementada com base em
acordos, com o consentimento das autoridades eleitas, de acordo com as leis
nacionais e internacionais da época. Além disso, em outubro de 1939, a
cidade de Vilnius e a área próxima, que anteriormente faziam parte da
Polônia, foram devolvidas à Lituânia. As Repúblicas bálticas da União
Soviética mantiveram seus órgãos governamentais, seu idioma e passaram a
ter representação nos mais altos órgãos estatais da União Soviética.
Durante todos esses meses, continuava uma imperceptível luta
diplomática e político-militar, além de um trabalho de inteligência. Moscou
entendeu que estava enfrentando um inimigo implacável e cruel, e que uma
guerra oculta contra o nazismo já estava em andamento. E não há razão para
encarar as declarações o ciais e notas formais de protocolo da época como
prova de “amizade” entre a União Soviética e a Alemanha. A União Soviética
mantinha contatos comerciais e técnicos ativos não apenas com a
Alemanha, mas também com outros países. Hitler tentou repetidamente
atrair a União Soviética para o confronto da Alemanha com o Reino Unido,
mas o governo soviético permaneceu rme.
Hitler fez a última tentativa de convencer a União Soviética a participar de
ações conjuntas durante a visita de Molotov a Berlim, em novembro de
1940. Mas Molotov seguiu com precisão as instruções de Stalin, limitando-
se a uma discussão geral sobre a ideia alemã de a União Soviética ingressar
no Pacto Tripartido, assinado pela Alemanha, Itália e Japão em setembro de
1940 e dirigido contra o Reino Unido e os Estados Unidos. Não é à toa que,
já em 17 de novembro, Molotov instruiu Ivan Maisky, o enviado soviético
em Londres:
Para sua informação: nenhum acordo foi assinado ou pretendia ser
assinado em Berlim. Acabamos de trocar nossas opiniões em Berlim e
isso foi tudo. Aparentemente, alemães e japoneses parecem ansiosos em
nos mandar para o Golfo e a Índia. Recusamos discutir sobre esse
assunto, pois consideramos inadequados esses conselhos por parte da
Alemanha.
Em 25 de novembro, a liderança soviética colocou um ponto nal na
questão: apresentou o cialmente a Berlim condições inaceitáveis para os
nazistas, incluindo a retirada das tropas alemãs da Finlândia, um acordo de
assistência mútua entre a Bulgária e a União Soviética, e vários outros,
excluindo deliberadamente qualquer possibilidade de aderir ao Pacto.
Essa posição reforçou de nitivamente a intenção do Führer de
desencadear uma guerra contra a União Soviética. Já em dezembro,
deixando de lado as advertências de seus estrategistas sobre o perigo
desastroso de ter uma guerra em duas frentes, Hitler aprovou a Operação
Barbarossa. Fez isso sabendo que a União Soviética era a principal força que
se opunha a ele na Europa e que a próxima batalha no Leste iria decidir o
resultado da guerra mundial. Ele estava certo de seu sucesso na campanha
contra Moscou.
Eu gostaria de destacar o seguinte: os países ocidentais, na prática,
concordaram na época com as ações soviéticas e reconheceram a intenção
da União Soviética de garantir sua segurança nacional. De fato, em 1º de
outubro de 1939, Winston Churchill, chefe do Almirantado na época, em
seu discurso na rádio, disse: “A Rússia segue uma política fria de interesse
próprio. [...] Para dar segurança ao país diante da ameaça nazista, os
Exércitos russos deveriam permanecer nessa linha [a nova fronteira
ocidental].” Em 4 de outubro de 1939, falando na Câmara dos Lordes,
Halifax, disse:
Deve-se lembrar que as ações do governo soviético consistiam em
mover a fronteira para a linha recomendada na Conferência de
Versalhes por Lord Curzon. Estou apenas citando fatos históricos e
acredito que são inegáveis.
O famoso político britânico D. Lloyd George enfatizou:
Os Exércitos russos ocuparam territórios que não são poloneses e foram
conquistados pela Polônia após a Primeira Guerra Mundial. Seria um
ato de insanidade criminosa comparar o avanço russo com o dos
alemães.
Em conversas informais com o representante soviético I. Maisky,
diplomatas britânicos e políticos de alto nível falavam ainda mais
abertamente. Em 17 de outubro de 1939, R. A. Butler, vice-ministro
britânico das Relações Exteriores, a rmou que nos círculos governamentais
britânicos a questão da devolução da Ucrânia Ocidental e da Bielorrússia à
Polônia não se colocava. Segundo ele, se fosse possível criar uma Polônia
etnográ ca de tamanho modesto, com garantias não apenas da União
Soviética e da Alemanha, mas também do Reino Unido e da França, o
governo britânico caria muito satisfeito. Em 27 de outubro de 1939, H.
Wilson, conselheiro-chefe de Chamberlain, disse que “a Polônia precisava
ser restaurada como um Estado independente em sua base etnográ ca, mas
sem a Ucrânia Ocidental e a Bielorrússia”.
Vale a pena ressaltar que, no decorrer das conversas, as possibilidades de
melhorar as relações entre o Reino Unido e a União Soviética também
estavam sendo exploradas. Esses contatos estabeleceram as bases para
futuras alianças e coalizões anti-Hitler. Churchill destacou-se entre outros
políticos responsáveis e perspicazes. Apesar de sua conhecida aversão à
União Soviética, era a favor de cooperar com ela. Em maio de 1939, ele
disse: “Estaremos em perigo mortal se não criarmos uma grande aliança
contra a agressão. Seria uma estupidez recusar a cooperação natural com a
Rússia soviética.” Após o início das hostilidades na Europa, em sua reunião
com Maisky em 6 de outubro de 1939, ele a rmou que não havia sérias
contradições entre o Reino Unido e a União Soviética e, portanto, não havia
razão para relações tensas ou insatisfatórias. Também mencionou que o
governo britânico gostaria de desenvolver relações comerciais e estava
disposto a discutir quaisquer outras medidas que pudessem melhorar as
relações.

Lições da Segunda Guerra Mundial

A Segunda Guerra Mundial não aconteceu da noite para o dia, nem


começou inesperadamente. A agressão alemã contra a Polônia também não
foi repentina. Resultou de várias tendências e fatores da política mundial da
época. Todos os eventos anteriores à guerra levaram a uma cadeia de
acontecimentos fatal. Mas, sem dúvida, os principais fatores que
determinaram a maior tragédia da história da humanidade foram o egoísmo
nacional, a covardia, a indulgência para com o agressor que estava ganhando
força e a falta de vontade das elites políticas em buscar um compromisso.
É injusto a rmar que a visita de dois dias do ministro das Relações
Exteriores nazista Ribbentrop a Moscou foi a principal razão para o início
da Segunda Guerra Mundial. Todos os países líderes são, de uma forma ou
outra, culpados pelo episódio. Todos cometeram erros cruciais, acreditando
arrogantemente que poderiam tirar proveito dos outros, garantir vantagens
unilaterais para si ou car longe da tragédia iminente no mundo. Essa falta
de visão, junto da recusa em criar um sistema de segurança coletivo, custou
milhões de vidas e perdas.
Não pretendo, de maneira alguma, assumir o papel de juiz, acusar ou
absolver alguém, muito menos iniciar uma nova espiral de confronto de
informações no campo histórico que poderia colocar países e povos em
confrontação. Acredito que a ciência acadêmica e cientistas conceituados de
diferentes países do mundo devem procurar fazer uma avaliação equilibrada
dos fatos. Todos precisamos de verdade e objetividade. Da minha parte,
sempre incentivei meus colegas a construir um diálogo calmo, aberto e
baseado na con ança, a olhar o passado comum de maneira autocrítica e
imparcial. Essa abordagem ajudará a não repetir os erros cometidos no
passado e a garantir um desenvolvimento pací co e bem-sucedido
futuramente.
No entanto, muitos de nossos parceiros não estão prontos para o trabalho
conjunto. Pelo contrário, buscando seus objetivos, aumentam o número e a
escala de ataques contra nosso país no terreno da informação, querendo nos
culpar, adotando declarações completamente hipócritas e politicamente
motivadas. Por exemplo, a resolução sobre a importância da memória
histórica para o futuro da Europa, aprovada pelo Parlamento Europeu em 19
de setembro de 2019, acusou diretamente a União Soviética, juntamente
com a Alemanha nazista, de desencadear a Segunda Guerra Mundial.
Naturalmente, não há nenhuma menção a Munique.
Acredito que “papéis” como esse — pois não posso chamar esta resolução
de documento, já que claramente pretende provocar um escândalo — estão
repletos de ameaças reais e perigosas. De fato, foi adotado por uma
instituição altamente respeitável. O que isso signi ca? Lamentavelmente,
revela uma política deliberada, destinada a destruir a ordem mundial do
após-guerra, cuja criação era uma questão de honra e responsabilidade dos
países cujos representantes votaram hoje a favor desta resolução enganosa.
Assim, eles desa aram as conclusões do Tribunal de Nuremberg e os
esforços da comunidade internacional para criar instituições internacionais
após a vitória de 1945. Permitam-me lembrar a esse respeito que o próprio
processo de integração europeia, que levou à criação de estruturas
relevantes, incluindo o Parlamento Europeu, só se tornou possível pelas
lições aprendidas no passado e por sua precisa avaliação jurídica e política.
Aqueles que conscientemente questionam esse consenso estão minando os
fundamentos de toda a Europa do após-guerra.
Além de ser uma ameaça aos princípios fundamentais da ordem mundial,
isso também levanta questões morais e éticas. Profanar e insultar a memória
é uma infâmia. A infâmia pode ser deliberada, hipócrita e totalmente
intencional quando, nas declarações sobre o 75º aniversário do m da
Segunda Guerra Mundial, são enumerados todos os países da coalizão
antinazista à exceção da União Soviética. A infâmia pode ser covarde
quando os monumentos erigidos em homenagem àqueles que lutaram
contra o nazismo são demolidos e esses atos vergonhosos são justi cados
por falsos slogans da luta contra uma ideologia indesejável e uma suposta
ocupação. A infâmia pode ser sangrenta quando aqueles que se opõem aos
neonazistas e aos sucessores de Bandera são mortos e queimados. Repito, a
infâmia pode ter manifestações diferentes, mas isso não a torna menos
repugnante.
Esquecer as lições da história inevitavelmente leva a um duro retorno.
Defenderemos rmemente a verdade com base em fatos históricos
documentados. Continuaremos a falar de forma honesta e imparcial sobre
os eventos da Segunda Guerra Mundial. Isso inclui um projeto de grande
escala para estabelecer a maior coleção de documentos de arquivo, lmes e
materiais fotográ cos da Rússia sobre a história da Segunda Guerra Mundial
e o período pré-guerra.
Este trabalho já está em andamento. Muitos materiais novos,
recentemente descobertos ou desclassi cados também foram usados na
preparação deste artigo. Neste sentido, posso a rmar, com toda a
responsabilidade, que não existem documentos de arquivo que con rmem a
intenção da União Soviética de iniciar uma guerra preventiva contra a
Alemanha. Sim, a liderança militar soviética adotou uma doutrina segundo
a qual, em caso de agressão, o Exército Vermelho prontamente enfrentaria o
inimigo, passaria à ofensiva e travaria a guerra no território inimigo. No
entanto, esses planos estratégicos não signi cam que houvesse intenção de
atacar a Alemanha primeiro.
Os documentos de planejamento militar, as instruções dos Estados-
Maiores soviético e alemão estão disponíveis para os historiadores. Sabemos
como os eventos ocorreram. Desse ponto de vista, muitos discutem sobre as
ações, erros e julgamentos precipitados da liderança militar e política do
país. Sobre isso, direi uma coisa: junto com um enorme uxo de
desinformação de diversos tipos, os líderes soviéticos também receberam
informações verdadeiras sobre a preparação da agressão nazista. Nos meses
antes da guerra, tomaram medidas para melhorar a prontidão de combate
do país, incluindo a convocação secreta para treinamentos de cidadãos
sujeitos a obrigações militares e a realocação de unidades e reservas de
distritos militares do interior do país para as fronteiras ocidentais.
A guerra não foi uma surpresa. As pessoas esperavam por ela e se
prepararam para ela. Mas o ataque nazista foi verdadeiramente sem
precedentes em termos de poder destrutivo. Em 22 de junho de 1941, a
União Soviética enfrentou o Exército mais poderoso, mais mobilizado e
mais quali cado do mundo, para o qual trabalhava o potencial industrial,
econômico e militar de quase toda a Europa. Não apenas a Wehrmacht, mas
também os países-satélites alemães, contingentes militares de muitos outros
Estados do continente europeu, participaram dessa invasão.
As graves derrotas militares em 1941 levaram o país à beira do desastre. A
capacidade de combate e de controle teve que ser restaurada por meios
extremos, mobilização nacional e intensi cação de todos os esforços do
Estado e do povo. No verão de 1941, milhões de cidadãos, centenas de
fábricas e indústrias começaram a ser evacuados, sob fogo inimigo, para o
Leste do país. A fabricação das armas e munições, que começaram a ser
fornecidas à frente já no primeiro inverno da guerra, foi lançada o mais
rapidamente possível e, em 1943, a produção militar da Alemanha e de seus
aliados foi ultrapassada. Durante um ano e meio, o povo soviético fez algo
que parecia impossível, tanto nas linhas de frente quanto na retaguarda. Até
hoje é difícil perceber, entender e imaginar os esforços incríveis, a coragem,
a incrível dedicação que esta grande conquista exigiu.
O tremendo poder da sociedade soviética, unido pelo desejo de proteger
sua terra natal, se ergueu contra os poderosos, armados até os dentes, contra
a máquina invasora nazista. Levantou-se para se vingar do inimigo, que o
havia destruído, esmagando a vida pací ca, os planos e as esperanças das
pessoas.
É claro que o medo, a confusão e o desespero tomavam conta de algumas
pessoas durante essa guerra terrível e sangrenta. Houve traição e deserção. A
violenta divisão causada pela Revolução e a Guerra Civil, o niilismo, a
maneira de zombar da história, das tradições e da fé que os bolcheviques
tentaram impor, especialmente nos primeiros anos após a chegada ao poder,
tudo isso teve seu impacto. Mas a atitude da maioria absoluta dos cidadãos
soviéticos e de nossos compatriotas que se encontravam no exterior era
diferente, era a de defender e salvar a Pátria. As pessoas procuravam apoio
nos verdadeiros valores patrióticos.
Os “estrategistas” nazistas estavam certos de que um enorme Estado
multinacional poderia ser facilmente esmagado. Acreditavam que o início
repentino da guerra, a sua crueldade e as di culdades insuportáveis
exacerbariam as relações interétnicas, e o país poderia ser dividido em
partes. Hitler declarou: “Nossa política em relação aos povos que vivem nas
vastas áreas da Rússia deve promover qualquer forma de desacordo e
divisão.”
Mas, desde os primeiros dias, cou claro que o plano nazista fracassaria. A
Fortaleza de Brest foi protegida até a última gota de sangue por soldados de
mais de trinta etnias. Durante toda a guerra, o povo soviético esteve unido,
tanto em grandes batalhas decisivas quanto na proteção de cada posição de
combate, de cada metro da Pátria.
A região do Volga e os Urais, a Sibéria e o Extremo Oriente, as repúblicas
da Ásia Central e do Cáucaso tornaram-se o lar de milhões de pessoas
evacuadas. Seus habitantes compartilharam tudo o que tinham e forneceram
todo o apoio que podiam. A amizade dos povos e a ajuda mútua tornaram-
se uma verdadeira fortaleza indestrutível para o inimigo.
A União Soviética e o Exército Vermelho deram uma contribuição crucial
à derrota do nazismo, não importa o que estejam tentando provar hoje.
Estes foram os heróis que lutaram até o m, cercados pelo inimigo, nos
arredores de Bialystok e Mogilev, Uman e Kiev, Vyazma e Kharkov. Eles
desencadearam ofensivas nas áreas próximas a Moscou e Stalingrado,
Sevastopol e Odessa, Kursk e Smolensk. Eles libertaram Varsóvia, Belgrado,
Viena e Praga, tomaram de assalto Koenigsberg e Berlim.
Nós defendemos a verdade, uma verdade genuína, não embelezada. Esta
verdade dura, amarga e impiedosa, em grande parte nos foi transmitida por
escritores e poetas que atravessaram o fogo e o inferno da linha de frente.
Para a minha geração, assim como para outras, histórias honestas e
profundas, romances, prosa penetrante e poemas deixaram sua marca em
minha alma para sempre. Honrar os veteranos, que zeram tudo o que
podiam pela vitória, e homenagear aqueles que morreram no campo de
batalha são nosso dever moral.
Hoje, as linhas simples e grandes em um poema de Aleksander
Tvardovsky “Eu fui morto perto de Rzhev ...”, dedicado aos participantes da
sangrenta e brutal Guerra pela Pátria no centro da linha de frente soviética,
são surpreendentes. Somente nas batalhas por Rzhev e montes de Rzhev, de
outubro de 1941 a março de 1943, o Exército Vermelho perdeu 1.342.888
homens, incluindo feridos e desaparecidos. Pela primeira vez, chamo esses
números, coletados de fontes de arquivo, de terríveis, trágicos, embora
distantes de representarem o total. Presto homenagem à memória dos heróis
conhecidos e desconhecidos.
Citarei outro documento, um relatório de fevereiro de 1954 da Comissão
Aliada de Reparação da Alemanha, che ada por Ivan Maisky. A tarefa da
Comissão era de nir uma fórmula segundo a qual a Alemanha derrotada
teria que pagar pelos danos causados às potências vitoriosas. A comissão
concluiu que
[...] o número de dias de soldado gastos pela Alemanha na frente
soviética é pelo menos dez vezes maior do que em todas as outras
frentes aliadas. A frente soviética também teve que lidar com 4/5 dos
tanques alemães e cerca de 2/3 das aeronaves alemãs.
No geral, a União Soviética sustentou cerca de 75% de todos os esforços
militares empreendidos pela coalizão anti-Hitler. Ao longo dos anos de
guerra, o Exército Vermelho dizimou 626 Divisões dos países do pacto
Tripartido, das quais 508 eram alemãs.
No dia 28 de abril de 1942, Franklin D. Roosevelt a rmou em discurso à
nação americana: “As tropas russas destruíram e continuam destruindo mais
tropas, aviões, tanques e armas de nossos inimigos, do que todas as outras
nações somadas.” Winston Churchill, em sua mensagem a Joseph Stalin, de
27 de setembro de 1944, escreveu: “O Exército russo arrancou as entranhas
da máquina militar alemã.”
Esta avaliação repercutiu no mundo todo, porque são palavras
verdadeiras, das quais ninguém duvidava. Quase 27 milhões de soviéticos
perderam a vida nas frentes, nas prisões alemãs, morreram de fome e sob
bombardeios, morreram em guetos e em campos de extermínio nazistas. A
União Soviética perdeu um em cada sete de seus cidadãos, o Reino Unido
perdeu um em cada 127 e os Estados Unidos perderam um em cada 320
habitantes. Infelizmente, esse número das perdas da União Soviética é
inconclusivo. O trabalho meticuloso deve prosseguir para restaurar nomes e
destinos de todos os que morreram, soldados do Exército Vermelho,
guerrilheiros, combatentes clandestinos, prisioneiros de guerra em campos
de concentração e civis atingidos pelos esquadrões da morte. É o nosso
dever. E aqui, membros dos movimentos de busca, associações militares-
patrióticas e voluntárias, projetos como o banco de dados eletrônico Pamyat
Naroda, que contém documentos de arquivo, desempenham um papel
especial. Certamente, é também necessária uma cooperação internacional
estreita em uma tarefa humanitária como essa.
Os esforços de todos os países e povos que lutaram contra um inimigo
comum resultaram na vitória. O Exército britânico protegeu sua terra natal
da invasão, lutou contra os nazistas e seus satélites no Mediterrâneo e no
Norte da África. As tropas norte-americanas e britânicas libertaram a Itália e
abriram a segunda frente. Os Estados Unidos zeram ataques poderosos e
esmagadores contra o agressor no oceano Pací co. Ressaltamos os
tremendos sacrifícios feitos pelo povo chinês e seu grande papel na derrota
dos militaristas japoneses. Não esqueçamos os combatentes da França Livre,
que não aceitaram a rendição e continuaram a lutar contra os nazistas.
Também seremos sempre gratos pela assistência prestada pelos aliados no
fornecimento de munições, matérias-primas, alimentos e equipamentos ao
Exército Vermelho, ajuda que foi signi cativa, equivalente a cerca de 7% da
produção militar total da União Soviética.
O núcleo da coalizão anti-Hitler começou a tomar forma imediatamente
após o ataque à União Soviética, com os Estados Unidos e o Reino Unido
apoiando incondicionalmente a luta contra a Alemanha de Hitler. Na
conferência de Teerã em 1943, Stalin, Roosevelt e Churchill formaram uma
aliança de grandes potências, concordaram em elaborar a diplomacia de
coalizão e uma estratégia conjunta na luta contra uma ameaça comum. Os
líderes dos Três Grandes entendiam que a uni cação das capacidades
industriais, de recursos e militares da União Soviética, dos Estados Unidos e
do Reino Unido daria uma vantagem incontestada sobre o inimigo.
A União Soviética cumpriu suas obrigações com seus aliados, sempre
oferecendo ajuda. Assim, o Exército Vermelho apoiou o desembarque das
tropas anglo-americanas na Normandia, realizando a Operação Bagration
em grande escala na Bielorrússia. Em janeiro de 1945, tendo atravessado o
rio Oder, pôs m à última ofensiva poderosa da Wehrmacht na Frente
Ocidental nas Ardenas. Três meses após a vitória sobre a Alemanha, a União
Soviética, em total conformidade com os acordos de Yalta, declarou guerra
ao Japão e derrotou o Exército de Kwantung, com 1 milhão de soldados.
Em julho de 1941, a liderança soviética declarou que o objetivo da guerra
contra os opressores fascistas não era apenas a eliminação da ameaça que
pairava sobre o nosso país, mas também a ajuda a todos os povos da Europa
que sofriam sob o jugo do fascismo alemão. Em meados de 1944, o inimigo
foi expulso de praticamente todo o território soviético, mas teve que ser
eliminado em seu covil. Assim, o Exército Vermelho iniciou sua missão de
libertação na Europa. Ele salvou nações inteiras da destruição, da
escravização e do horror do Holocausto. Eles foram salvos à custa de
centenas de milhares de vidas de soldados soviéticos.
É importante não esquecer a enorme assistência material que a União
Soviética prestou aos países libertados na eliminação da ameaça da fome e
na reconstrução de suas economias e infraestrutura. Isso estava sendo feito
no momento em que as cinzas da guerra se estendiam por milhares de
quilômetros, desde Brest até Moscou e o Volga. Por exemplo, em maio de
1945, o governo austríaco pediu à União Soviética assistência em alimentos,
pois “não sabia como alimentar sua população nas próximas sete semanas
antes da nova colheita”. O chanceler do governo provisório da República
Austríaca, Karl Renner, descreveu o consentimento da liderança soviética
em enviar comida como um ato de salvação que os austríacos nunca
esqueceriam.
Os aliados criaram em conjunto o Tribunal Militar Internacional
destinado a punir criminosos de guerra e políticos nazistas. Suas decisões
continham uma quali cação legal clara dos crimes contra a humanidade,
como genocídio, limpeza étnica e religiosa, antissemitismo e xenofobia. O
Tribunal de Nuremberg condenou os cúmplices dos nazistas e colaboradores
de diversos tipos.
Esse fenômeno vergonhoso manifestou-se em todos os países europeus.
Figuras como Petain, Quisling, Vlasov, Bandera e seguidores, embora
tenham sido disfarçados de combatentes pela independência nacional ou
pela liberdade do comunismo, são traidores e assassinos. Muitas vezes
excederam seus senhores na desumanidade. No desejo de servir, como parte
de grupos punitivos especiais, executaram voluntariamente as ordens mais
desumanas. Foram responsáveis por eventos sangrentos como os tiroteios de
Babi Yar, o massacre de Volhynia e Khatyn, atos de destruição de judeus na
Lituânia e na Letônia.
Nossa posição permanece inalterada: não há justi cativa para os atos
criminosos de colaboradores nazistas, e seus crimes não prescrevem. É
desconcertante quando em certos países aqueles que caram manchados
pela colaboração com os nazistas são repentinamente equiparados aos
veteranos da Segunda Guerra Mundial. É inaceitável equiparar libertadores
e ocupantes. E só posso considerar a glori cação dos colaboradores nazistas
como uma traição à memória de nossos pais e avós. Uma traição aos ideais
que uniram os povos na luta contra o nazismo.
Na ocasião, os líderes da União Soviética, dos Estados Unidos e do Reino
Unido enfrentavam uma tarefa histórica. Stalin, Roosevelt e Churchill
representavam países com diferentes ideologias, aspirações de Estado,
interesses e culturas, mas demonstraram grande vontade política, superando
as diferenças e preferências. Colocaram os verdadeiros interesses da paz em
primeiro plano. Como resultado, conseguiram chegar a um acordo e
alcançar uma solução da qual toda a humanidade se bene ciou.
As potências vitoriosas deixaram um sistema que se tornou a
quintessência das pesquisas intelectuais e políticas por séculos. As
conferências de Teerã, Yalta, São Francisco e Potsdam lançaram as bases de
um mundo que durante 75 anos não teve guerra, apesar das diferenças.
A revisão histórica, cujas manifestações são observadas no Ocidente,
principalmente em relação ao tema da Segunda Guerra Mundial e seus
resultados, é perigosa porque distorce a compreensão dos princípios do
desenvolvimento pací co, estabelecidos nas conferências de Yalta e de São
Francisco em 1945. A principal conquista histórica de Yalta e de outras
decisões da época é o acordo de criar um mecanismo que permita que as
principais potências permaneçam no âmbito da diplomacia na resolução de
suas diferenças.
O século XX trouxe con itos globais de grande escala, e em 1945
entraram em cena armas nucleares capazes de destruir a Terra. Em outras
palavras, a solução de disputas pela força se tornou muito perigosa. Os
vencedores da Segunda Guerra Mundial entenderam isso. Entenderam e
estavam cientes de sua própria responsabilidade para com a humanidade.
A triste experiência da Sociedade das Nações foi levada em consideração
em 1945. A estrutura do Conselho de Segurança da ONU foi projetada para
tornar as garantias de paz mais concretas e e cazes. Foi assim que surgiu a
instituição dos membros permanentes do Conselho de Segurança e o direito
de veto como seu privilégio e responsabilidade.

O Conselho de Segurança da ONU

O que é o veto no Conselho de Segurança da ONU? Para ser sincero, é a


única alternativa razoável a um confronto direto entre os grandes países. É
uma a rmação de um dos cinco poderes de que uma decisão é inaceitável e
contrária aos seus interesses e ideias sobre a abordagem correta. E outros
países, mesmo que não concordem, aceitam essa posição como certa,
abandonando qualquer tentativa de realizar esforços unilaterais. Então, de
uma maneira ou de outra, é necessário buscar acordos.
Um novo confronto global começou quase imediatamente após o m da
Segunda Guerra Mundial e às vezes era muito violento. Mas o fato de a
Guerra Fria não ter se transformado na Terceira Guerra Mundial
demonstrou a e cácia dos acordos concluídos pelos Três Grandes. As regras
de conduta acordadas durante a criação das Nações Unidas permitiram
minimizar os riscos e manter controle sobre o confronto.
Certamente, podemos ver que o sistema da ONU sofre certa tensão e não
é tão e caz quanto poderia ser. Mas a ONU ainda desempenha sua função
principal. Os princípios do Conselho de Segurança são um mecanismo
único para impedir uma grande guerra ou um con ito global.
Os apelos que têm sido feitos com bastante frequência nos últimos anos
para abolir o poder de veto, para retirar os poderes especiais dos membros
permanentes do Conselho de Segurança, na verdade são irresponsáveis.
A nal, se isso acontecer, as Nações Unidas se tornarão uma Liga das Nações,
uma reunião para conversas inúteis, sem in uência nos processos mundiais.
Todos sabemos como isso terminou. Por isso, as potências vitoriosas
abordaram a formação de um novo sistema da ordem mundial com mais
seriedade, para evitar a repetição dos erros do passado.
A criação de um moderno sistema de relações internacionais é um dos
principais resultados da Segunda Guerra Mundial. Mesmo as contradições
mais inconciliáveis, geopolíticas, ideológicas e econômicas não nos
impedem de encontrar formas de convivência e interação pací ca, se houver
desejo e vontade de fazê-lo. Hoje, o mundo está passando por um período
bastante turbulento. Tudo está mudando, desde o equilíbrio global de poder
e in uência até os fundamentos sociais, econômicos e tecnológicos das
sociedades, nações e continentes. No passado, mudanças dessa magnitude
quase sempre ocorreram com grandes con itos militares, com luta pelo
poder para construir uma nova hierarquia global. Graças à sabedoria
política das potências aliadas, foi possível criar um sistema que impedia
manifestações extremas de tal objetivo, historicamente inerente ao
desenvolvimento mundial.
É um dever nosso, de todos os que assumem a responsabilidade política e
principalmente dos representantes das potências vitoriosas na Segunda
Guerra Mundial, garantir que esse sistema seja preservado e aprimorado.
Hoje, como em 1945, é importante ter vontade política e discutir o futuro
juntos. Nossos colegas, Xi Jinping, Macron, Trump e Johnson, apoiaram a
iniciativa russa de realizar uma reunião dos líderes dos cinco Estados com
armas nucleares e membros permanentes do Conselho de Segurança.
Agradecemos a eles por isso e esperamos que este encontro possa ocorrer o
mais rapidamente possível.
Qual é a agenda da próxima cúpula? Em primeiro lugar, acredito que seja
útil discutir etapas para desenvolver princípios coletivos nos assuntos
mundiais, falando francamente sobre as questões de preservação da paz,
fortalecimento da segurança global e regional, controle estratégico de armas,
bem como esforços conjuntos para combater o terrorismo, o extremismo e
outros grandes desa os e ameaças.
Um tópico importante na agenda é a situação da economia global,
superando a crise econômica causada pela pandemia de coronavírus. Os
países estão adotando medidas sem precedentes para proteger a saúde e a
vida das pessoas e apoiar os cidadãos que estão em situações difíceis. Nossa
capacidade de trabalhar em conjunto, como verdadeiros parceiros, de nirá o
tamanho do impacto da pandemia e com que rapidez a economia global
emergirá da recessão. Além disso, é inaceitável transformar a economia em
um instrumento de pressão e confronto. Outras questões relevantes incluem
proteção ambiental e combate às mudanças climáticas, além de garantir a
segurança do espaço global de informações.
A agenda proposta pela Rússia para a próxima cúpula dos “cinco” é
extremamente importante e relevante para os nossos países e para o mundo.
Temos ideias e iniciativas especí cas para cada tópico.
Não há dúvida de que a cúpula da Rússia, China, França, Estados Unidos
e Reino Unido pode desempenhar um papel importante na busca de
respostas para os atuais desa os e ameaças e pode demonstrar o
compromisso comum com o espírito de aliança, contando com os altos
ideais e valores humanitários pelos quais nossos pais e avós lutaram ombro a
ombro.
Com base na memória histórica comum, podemos e devemos con ar uns
nos outros. Isso servirá de base sólida para negociações exitosas e ações
concertadas com o objetivo de melhorar a estabilidade e a segurança do
planeta, bem como a prosperidade e o bem-estar de todos. Este é nosso
dever e responsabilidade comum em relação ao mundo, em relação às
gerações presentes e futuras.

38
Artigo divulgado no site o cial do governo russo, em 9 de maio de 2020, para comemorar os 75
anos da vitória contra o nazismo. [N.E.]
39
Júkov participou ativamente dessas batalhas, nas quais ganhou grande prestígio militar. [N.E.]
40
Aliança formada em 1907 pela Inglaterra, Rússia e França para contestar a Tríplice Aliança, que
reunia Alemanha, Império Austro-Húgaro e Itália. [N.E.]

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