Você está na página 1de 63

Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado.

Este material pode ser protegido por


direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:26

(21) 3176-1072 ou 2203-1072

HISTÓRIA NAVAL II
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:26

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................................... 001

CAPÍTULO I - A HISTÓRIA DA NAVEGAÇÃO ................................................................................................................ 003


– Sinopse
– Os navios de madeira: construindo embarcações e navios
– O desenvolvimento dos navios portugueses
– O desenvolvimento da navegação oceânica: os instrumentos e as cartas de marear
– A vida a bordo dos navios veleiros

CAPÍTULO II - A EXPANSÃO MARÍTIMA EUROPÉIA E O DESCOBRIMENTO DO BRASIL ............................... 006


– Sinopse
– Fundamentos da organização do Estado português e a expansão ultramarina
– O reconhecimento da costa brasileira
– As expedições guarda-costas
– A expedição colonizadora de Martim Afonso de Sousa

CAPÍTULO III – INVASÕES QUE PODERIAM TER FRACIONADO O TERRITÓRIO BRASILEIRO ...................... 013
– Invasões francesas no Rio de Janeiro e no Maranhão
– Invasores na foz do Amazonas
– Invasões holandesas na Bahia e em Pernambuco
– Corsários franceses no Rio de Janeiro, no século XVIII
– Guerras, tratados e limites no Sul do Brasil.

CAPÍTULO IV – FORMAÇÃO DA MARINHA IMPERIAL BRASILEIRA ............................................................... 023


– Sinopse
– Vinda da família real
– Política externa de D. João e a atuação da Marinha
– Guerra de Independência
– O retorno de D. João VI para Portugal

CAPÍTULO V – A ATUAÇÃO DA MARINHA NOS CONFLITOS INTERNOS E EXTERNOS NO PERÍODO


DA REGÊNCIA .....................................................................................................................................................................029
– Conflitos Internos
– Conflitos Externos

CAPÍTULO VI – A ATUAÇÃO DA MARINHA NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O


GOVERNO DO PARAGUAI ............................................................................................................................................... 037
– O bloqueio do Rio Paraná e a Batalha Naval do Riachuelo
– Navios Encouraçados e a invasão do Paraguai
– Curuzu e Curupaiti
– Caxias e Inhaúma
– Passagem de Curupaiti
– Passagem de Humaitá
– O recuo das forças paraguaias
– O avanço aliado e a Dezembrada
– A ocupação de Assunção e a fase final da guerra

CAPÍTULO VII – A MARINHA NA REPÚBLICA ..........................................................................................................044


– Primeira Guerra Mundial
– Segunda Guerra Mundial

EXERCÍCIO .......................................................................................................................................................................... 057

GABARITO ........................................................................................................................................................................... 072


Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:26

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


e os peixes, que servem de alimento aos brasileiros e
INTRODUÇÃO proporcionam melhores condições de vida aos nossos
O mar sempre teve uma importância fundamental na pescadores.
história do Brasil. Do mar, de Portugal, veio Pedro Enfim, o mar é fundamental para a sobrevivência do
Álvares Cabral, em 1500, para encontrar o nosso País. País. Devemos cada vez mais desenvolver o nosso
Do mar, vieram as invasões francesas, holandesas e as Poder Marítimo para nos projetarmos no cenário
incursões inglesas nos séculos XVI e XVII. O mar internacional. Surge o segundo conceito de nossa
também foi o principal meio em que se transportaram discussão: o que vem a ser o Poder Marítimo de uma
colonos e funcionários administrativos portugueses para nação? Anote aí mais uma vez.
o Brasil durante o período colonial. Poder Marítimo é a capacidade que resulta da
Durante a Guerra da Independência do Brasil, a então integração dos recursos que dispõe o Brasil para a
recém-criada Esquadra brasileira teve papel primordial utilização do mar e também das águas interiores, quer
nas mãos do Primeiro Almirante Lorde Thomas como instrumento de ação política e militar, quer como
Cochrane, bloqueando os portos conflagrados e fator de desenvolvimento econômico e social, visando a
combatendo os lusitanos. As tropas de Dom Pedro I, que conquistar e a manter os objetivos nacionais.
lutaram contra as juntas governativas da Bahia, Esse conceito pode parecer teórico demais, mas não é.
Maranhão, Pará e Banda Oriental – aliadas das Cortes Vejamos agora quais os elementos constitutivos desse
(parlamento) portuguesas – foram transportadas pelo Poder Marítimo.
mar.
Esses elementos, que constituem o nosso Poder
No período regencial1 , o mar novamente foi o
Marítimo, são componentes das expressões do poder da
caminho natural para o transporte de tropas para as
Nação, relacionados com a capacidade de utilização do
províncias insurgentes que ameaçavam se separar do
mar e hidrovias interiores. Há situações em que um certo
Império. Naquela ocasião, as estradas que ligavam as
recurso ou organização é componente do Poder
principais cidades do Brasil eram muito rudimentares,
Marítimo quando vinculado ao uso do mar e deixa de
daí a enorme importância estratégica que o mar adquiriu
sê-lo fora dessa situação.
mais uma vez.
Com a Proclamação da República e o aumento da As sim, tudo ou quase tudo que se relaciona com o
tecnologia náutica, a importância do mar ficou ainda mar faz parte do Poder Marítimo.
mais evidente. Do mar aumentaram as nossas Quais os elementos que constituem o nosso Poder
importações e escoaram os nossos produtos para o Marítimo?
exterior. Também do mar vieram nossos inimigos: os – A Marinha Mercante, com suas facilidades, serviços e
submarinos alemães que atacaram os navios mercantes organizações relacionadas com os transportes marítimo e
que transportavam nossas mercadorias, tanto na Primeira fluvial. Dessa maneira, o navio mercante, a companhia
como na Segunda Guerra Mundiais. Naquela de navegação e os representantes marítimos fazem parte
oportunidade houve a necessidade premente de se desse Poder.
proteger as comunicações marítimas. – A infra-estrutura hidroviária, incluindo-se os portos, os
Aparece aqui o primeiro conceito importante. Procure terminais, os meios e as instalações de apoio e controle.
escrever em um papel à parte essa nova definição. Assim, todos os portos brasileiros fazem parte desse
Entende-se por comunicações marítimas os caminhos Poder.
existentes no mar para o comércio exterior ou interno,
– A indústria naval com seus estaleiros de construção e
isto é, as rotas por onde trafegam os navios, desde seus
reparos e setor de navipeças.
portos de origem até os de destino. Elas não são vias
físicas, somente se materializando quando existirem – A indústria bélica de interesse do aprestamento naval.
navios, tanto de transporte ou de guerra, navegando com – A indústria de pesca com suas embarcações, terminais
suas cargas. e indústrias de processamento de pescado.
Cada nação atribui determinada importância às – As organizações e os meios de pesquisa e
comunicações marítimas segundo o seu grau de desenvolvimento tecnológico de interesse para o uso do
dependência. Sua importância econômica e militar mar e águas interiores e de seus recursos, aí se incluindo
determinará o esforço a ser realizado para a manutenção as universidades e os centros de pesquisa voltados para o
dessas rotas abertas e livres de ataque do inimigo. Para o mar.
País a proteção dessas comunicações tem sido – As organizações e os meios de exploração (sondagem,
fundamental. pesquisa, estudo) e explotação (retirada de recursos para
Hoje em dia o mar assume uma importância cada vez fins de utilização) dos recursos do mar, seu leito e
maior para o Brasil. Nosso comércio é transportado subsolo, inclusive as que operam embarcações de apoio
quase que exclusivamente por ele. Do mar extraímos o offshore (movimento terra para o mar).
petróleo, tão importante para o desenvolvimento do País,
– O pessoal que desempenha atividades relacionadas
1
De 7 de abril de 1831, quando D. Pedro I abdicou do trono, até 23 com o mar e hidrovias interiores e os estabelecimentos
de junho de 1840, quando a Assembléia votou a maioridade de D. destinados à formação e ao treinamento.
Pedro II, aclamando- o Imperador do Brasil.

EA-HSG 1 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:26

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


– O Poder Naval. recebida. Por exemplo, um grupo de navios varredores
O que seria esse elemento? Anote mais um conceito pode limpar as minas de um campo marítimo, assim
no seu caderno de estudos. como pode, devido ao seu armamento, realizar uma
Você deve ter notado que mostramos os elementos patrulha no mar territorial reprimindo a pesca ilegal.
constitutivos sem apresentar o nosso elemento militar. Agora você já sabe o que é Poder Naval.
Dessa maneira, o Poder Naval é o componente Com esses conceitos bem estabelecidos, a partir desse
militar do Poder Marítimo, capaz de atuar no mar e nas momento você irá passear pela História Marítima
águas interiores na conquista e manutenção dos objetivos Brasileira.
estabelecidos pelo Estado brasileiro. Pronto, parece que Inicialmente vamos investigar a História da
conseguimos fechar todos os elementos, correto? Que tal Navegação, abordando a evolução dos navios, dos
discutirmos um pouco mais o Poder Naval? instrumentos náuticos e das chamadas cartas de marear.
O Poder Naval compreende os meios navais, Nos capítulos dois e três, discutiremos a expansão
aeronavais e de fuzileiros navais, as bases e posições de marítima européia e o descobrimento do Brasil,
apoio, suas estruturas de comando e controle, logística 2 e abordando a conjuntura político-social ibérica durante o
administração, bem como as forças e os meios de apoio chamado período colonial brasileiro. Nesses capítulos
não constitutivos da Marinha do Brasil, quando serão descritos o reconhecimento da costa brasileira
vinculados ao cumprimento da missão da Marinha e pelos primeiros navegadores que aqui chegaram, o envio
submetidos a algum tipo de orientação, comando ou de expedições guarda-costas ao litoral da terra
controle de autoridade naval. descoberta e a atuação de invasores que atacaram em
Podemos, assim, observar que um Poder Naval, para nossas costas. A reação a essas incursões dependeu do
ser eficaz, necessita ser capaz de atuar em grandes áreas, emprego do Poder Naval português, em alguns casos
por um período de tempo ponderável e nelas adotar com apoio espanhol.
atitudes tanto defensivas quanto ofensivas, com No capítulo quatro, iremos analisar a formação da
aproveitamento de suas características de mobilidade, Marinha Imperial e sua importância para o Brasil. Nesse
permanência, versatilidade e flexibilidade. ponto discutiremos a transmigração da Família Real
Vejamos o que significa cada uma dessas portuguesa para o Brasil, devido à invasão dos exércitos
características. de Napoleão Bonaparte na Península Ibérica, com a
A mobilidade representa a capacidade de deslocar-se conseqüente abertura dos portos e a discussão das
prontamente e a grandes distâncias, mantendo elevado questões de fronteira nas áreas das Guianas e da Banda
nível de prontidão em condições de emprego. Assim, Oriental. Em seguida, será apresentada a Guerra da
quando uma força naval se desloca rapidamente para Independência, sob o ponto de vista naval e suas
uma área conflagrada a característica por ela utilizada é a repercussões para a história do País.
mobilidade. O capítulo cinco discutirá a atuação da Marinha nos
A permanência indica a possibilidade de operar conflitos internos e externos, abordando a Guerra
continuamente por longos períodos em áreas distantes e Cisplatina, as revoltas regenciais e a guerra contra Oribe
de grandes dimensões com independência. e Rosas. No capítulo seguinte, será apresentada a Guerra
A versatilidade permite regular o poder de destruição da Tríplice Aliança contra o Governo do Paraguai,
e alterar a postura militar, mantendo a aptidão para conflito importante na história da Marinha do Brasil.
executar Nessa parte serão discutidas questões logísticas e
uma grande gama de tarefas. Um exemplo dessa estratégicas da guerra e suas conseqüências para o Poder
característica é a utilização de uma força naval como Naval brasileiro.
instrumento de No capítulo sete, serão analisados o panorama
combate, ao mesmo tempo em que ela pode transformar- político que levou à República e a situação da Marinha
se em instrumento da paz por meio de apoio a durante aquele episódio e, em seguida, discutidas
populações atingidas por sinistros naturais, como questões relativas à Marinha no final do século XIX e
furacões e tsunamis. meados do XX – incluindo nessa parte a atuação na
A última característica importante para um Poder Primeira Guerra Mundial, a Marinha entre guerras e, por
Naval com credibilidade é a flexibilidade, que pode ser fim, a participação na Segunda Guerra Mundial.
sintetizada pela capacidade de organizar grupamentos No capítulo oito, serão apresentadas considerações
operativos de diferentes valores, em função da missão sobre o emprego permanente do Poder Naval a partir da
Segunda Guerra Mundial e as principais tendências
2 seguidas pela Marinha até o final do século XX. Por fim,
Parte da arte da guerra que trata do planejamento e da realização
de: a) projeto e desenvolvimento, obtenção, armazenamento, serão discutidas as possibilidades de atuação do Poder
transporte, distribuição, reparação, manutenção e evacuação de Naval e os desafios que se apresentam para o
material (para fins operativos ou administrativos); b) recrutamento, desenvolvimento de nosso Poder Marítimo.
incorporação, instrução e adestramento, designação, transporte,
bem-estar, evacuação, hospitalização e desligamento de pessoal; c)
Comecemos a passear pela História Marítima com os
aquisição ou construção, reparação, manutenção e operação de olhos da Marinha.
instalações e acessórios destinados a ajudar o desempenho de
qualquer função militar; d) contrato ou prestação de serviços.
EA-HSG 2 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:26

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


CAPÍTULO I - HISTÓRIA DA NAVEGAÇÃO 2) OS NAVIOS DE MADEIRA: CONSTRUINDO
EMBARCAÇÕES E NAVIOS
1) SINOPSE O primeiro método de construção de embarcações,
Os rios, lagos, mares e oceanos eram obstáculos que utilizado desde a canoa de tábuas, foi o que agora é
os seres humanos do passado muitas vezes precisavam chamado de “costado rígido”. Construía-se primeiro o
ultrapassar. Primeiro, eles se agarravam a qualquer coisa costado da embarcação, juntando as tábuas pelas bordas
que flutuasse. Depois, sentiram a necessidade de e, depois, se acrescentava os reforços estruturais internos
descobrir como transformar materiais, para que estes, e externos. O costado podia ser liso ou trincado,
flutuando, pudessem os sustentar melhor sobre a água. conforme se juntava as tábuas topo a topo, ou
Assim, ao longo do tempo, em cada lugar, surgiu uma sobrepunha suas bordas. O resultado deste método é um
solução que dependeu do material disponível: a canoa casco muito resistente, com ênfase estrutural no costado,
feita de um só tronco cavado; a canoa feita da casca de portanto, muito bom para resistir a colisões e para
uma única árvore; a jangada de vários troncos encalhar, se necessário, nas praias. Ainda se constrói
amarrados; o bote de feixes de juncos ou de papiro pequenas embarcações assim e, na Antigüidade, era
(plantas que nascem junto aos rios e lagos); o bote de como se construíam as galés.
couro de animais; e outros. As galés eram embarcações movidas principalmente
Todas essas soluções simples, no entanto, não por remos, algumas com muitos remadores, embora
transportavam muita coisa, ou eram difíceis de manejar, pudessem também ter velas. Foram muito utilizadas por
ou mesmo perigosas em águas agitadas. Era necessário povos navegadores do passado, como os cretenses, os
desenvolver embarcações construídas a partir da junção gregos, os romanos, os bizantinos e os nórdicos, por
de diversas partes, para que elas fossem maiores e exemplo.
melhores.3 Chama-se de navio uma embarcação grande. Há mais
Durante o século XV, os portugueses 4 decidiram que de dois mil anos, já se construíam navios. Empregava-se
deveriam prosperar negociando diretamente com o a madeira, pois ela foi o primeiro material que se
5
Oriente através do mar. Para alcançar um bom êxito, mostrou mais adequado para a construção naval.
nesse ambicioso projeto de interesse nacional, foi Somente após o desenvolvimento industrial alcançado
necessário: explorar a costa da África no Oceano no século XIX, há uns 150 anos, é que o ferro e, depois,
Atlântico e encontrar a passagem, ao sul do continente o aço, passaram a ser as matérias-primas mais
africano, para o Oceano Índico; chegar à Índia e lá importantes para a construção naval.
negociar diretamente as mercadorias; trazê-las para 6
Chegou-se ao método de esqueleto rígido após uma
Portugal em navios capazes de transportar quantidades longa evolução que durou mais de mil anos, passando
relativamente grandes de carga; e defender esse por métodos chamados de híbridos, em que algumas
comércio. Isso exigiu desenvolvimentos científicos e cavernas eram montadas antes do costado, para
tecnológicos para os navios e para a navegação. possibilitar algum controle da forma final do casco.
Os portugueses desenvolveram e utilizaram: caravelas
para explorações; naus como navios mercantes para o
comércio; e galeões como navios de guerra. 5
A tecnologia da utilização da madeira é complicada. É preciso:
Mas isso só não bastava para chegar com sucesso ao saber que qualidade de madeira pode ser usada; obedecer à época e
porto de destino. A navegação, quando se mantém terra à à hora certa para cortar as árvores; armazenar as toras corretamente,
vista, é feita observando pontos geográficos de terra para secas ou submersas, e trabalhá-las conforme suas características
saber a posição do navio em relação à costa. Quando não físicas, como a direção das fibras, por exemplo. O construtor naval
se avista mais a terra, o mar e o céu se encontram no passeava pelas florestas escolhendo as árvores que tinham as curvas
adequadas para fazer os elementos estruturais e eram necessárias
horizonte a toda volta. Para navegar no oceano, portanto, centenas delas para construir um navio. Além disto, cada parte da
é necessário saber em que direção o navio segue e a embarcação precisava de uma espécie vegetal diferente e estas
posição em que se está em relação à superfície do globo espécies não eram as mesmas em cada região. A que servia para
terrestre. Foi necessário, portanto, desenvolver mastros não podia ser utilizada em costado, a que era boa para a
instrumentos capazes de indicar a direção (bússola) do parte submersa do casco nem sempre servia para conveses, por
exemplo.
navio, a latitude (astrolábio) e a longitude (cronômetro). As galés, no entanto, tinham as formas do casco muito
Veremos nesse capítulo o desenvolvimento dos semelhantes. Isto resultava do método empregado, de construir o
navios na época das “Grandes Navegações”, e os costado primeiro, que até nem precisava de um projeto. O problema
instrumentos utilizados para as singraduras realizadas. do método de “costado rígido”, portanto, é que ele não permite
construir um navio exatamente com a forma do casco desejada por
Sigamos, portanto, nessa derrota... um projetista, para que ele possa ter maior capacidade de carga e
suportar melhor a navegação no oceano.
6
Foi preciso desenvolver um método que permitisse controlar a
3
A canoa construída de diversas tábuas é um bom exemplo. Ela não forma do casco durante a construção, para que ele pudesse enfrentar
depende do tamanho de um único tronco, pode ser construída com a melhor as grandes ondas do oceano. Isso se resolveu construindo
borda mais alta para enfrentar as ondas e até pode ser reforçada primeiro a estrutura. A quilha e as cavernas do navio são montadas
internamente com elementos estruturais para ser mais resistente. em primeiro lugar, formando o que parece ser o “esqueleto” do
4
No século XV, Portugal era um pequeno país, que estava entre o navio. Depois é que se montam as tábuas do costado, fixando-as aos
reino de Castela, que mais tarde se tornou parte da Espanha, e o elementos estruturais. Este método, portanto, é chamado de
mar. “esqueleto rígido”.
EA-HSG 3 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:26

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Embora o método de esqueleto rígido tivesse se 4) O DESENVOLVIMENTO DA NAVEGAÇÃO
desenvolvido no litoral do Mar Mediterrâneo (fora de OCEÂNICA: OS INSTRUMENTOS E AS CARTAS
Portugal), ele foi empregado pelos portugueses para DE MAREAR
construir os navios que iniciaram, no século XV, a aventura Um dos instrumentos mais importantes que, no
das Grandes Navegações, que não somente levou ao passado, permitiram as Grandes Navegações foi a
achamento do Brasil, mas também transformou o mundo. bússola, inventada pelos chineses. A bordo ela é
Os oceanos, que antes eram obstáculos entre os povos da chamada de agulha magnética e, antigamente, de agulha
Terra, tornaram-se vias de comunicação entre eles.
de marear. Basicamente, ela consta de uma agulha
3) O DESENVOLVIMENTO DOS NAVIOS PORTUGUESES imantada que se alinha em função do campo magnético
As caravelas provavelmente tiveram sua origem em natural da Terra, podendo-se, então, saber a direção em
embarcações de pesca, que já existiam na Península que está o pólo norte magnético. Assim, é possível saber
Ibérica7 desde o século XIII. Tinham, em geral, velas a direção em que o navio segue, ou seja, seu rumo.
latinas 8. Essas velas são muito boas para navegar quase Para saber exatamente a posição em que se está em
contra o vento, contribuindo para que as caravelas fossem relação ao globo terrestre, é necessário calcular a latitude
muito úteis na costa da África. Foi principalmente com elas e a longitude do lugar. A longitude depende de se saber,
que os portugueses exploraram o litoral africano durante o com precisão, a hora. Porém, a inexistência de relógios
século XV. As caravelas foram os navios mais importantes (cronômetros) que não fossem afetados pelos
para Portugal até a descoberta do Cabo da Boa Esperança, movimentos do navio, causados pelas ondas, fez com
que permitiu contornar a África, passando do Oceano que a hora não pudesse ser calculada no mar até o século
Atlântico para o Oceano Índico. A partir de então, o XVIII, quando foram desenvolvidos cronômetros
transporte de mercadorias por naus passou a ser o mais adequados para serem utilizados a bordo dos navios,
importante. para o cálculo da longitude. A latitude não era difícil de
Existem provas de que a nau de três mastros, com o se calcular e era através dela e da estimativa de quanto o
velame completamente desenvolvido, já existia na navio havia se deslocado que os navegadores da época
Península Ibérica, inclusive em Portugal, desde o início do das Grandes Navegações sabiam aproximadamente onde
século XV.9
estavam. Evidentemente, erros de navegação ocorreram,
A nau era um navio mercante, com grandes espaços nos com conseqüências desastrosas.
porões para carregar as mercadorias do Oriente. Essa
ênfase na carga, no entanto, fazia com que as naus fossem No hemisfério norte, a estrela Polar, que ocupa uma
mal armadas. Levavam poucos canhões para carregar mais posição muito próxima do pólo norte celeste, permite
mercadorias e eram presas fáceis para os navios dos países nos crepúsculos – ao nascente e ao poente, quando se
que começariam a desafiar o monopólio português do avista ao mesmo tempo o horizonte e as estrelas de
comércio com o Oriente pelo Cabo da Boa Esperança, da maior brilho no céu – um cálculo mais seguro da
chamada Carreira da Índia. Até então Portugal vinha latitude. Basta medir sua altura em relação ao horizonte.
utilizando caravelas bem armadas como navio de guerra, Navegar mantendo a mesma altura significa manter a
mas, desde o início do século XVI, sentira a necessidade de mesma latitude. Rumando para o Sul ou para o Norte,
desenvolver o galeão, um navio de guerra maior e com essa altura varia. Foi assim, e com a ajuda de umas
mais canhões, para combater os turcos no Oriente e os pedras translúcidas que polarizavam a luz nos dias
corsários10 e piratas europeus ou muçulmanos no Atlântico. nublados, que os nórdicos navegavam sem agulha de
O galeão foi a verdadeira origem do navio de guerra para marear. Viajando para o Oeste, alcançaram a Islândia e a
emprego no oceano. Foi construído para fazer longas América do Norte (muitos séculos antes de Cristóvão
viagens e combater longe da Europa. Colombo).
No hemisfério sul, a estrela Polar, que marca o pólo
7
Península Ibérica representa hoje Portugal e Espanha.
norte celeste, não é visível e a estrela Alfa do Cruzeiro
8
A vela latina é a que tem a verga longitudinal à linha de centro do do Sul (a mais brilhante desta constelação), que ocupa a
navio, como as dos pequenos barcos a vela que atualmente posição no céu mais próxima do pólo sul celeste, não
competem nas regatas . está suficientemente próxima para ser uma referência
9
Suas velas principais têm as vergas transversais à linha de centro para a navegação. A melhor forma de calcular a latitude
do navio e têm a forma de um trapézio, mas são chamadas de nesse hemisfério era observando o Sol em sua passagem
redondas. O nome não tem a ver com seu formato, mas com o fato
de serem semelhantes às velas dos navios mercantes da
meridiana, ou seja, medindo em graus sua altura, quando
Antigüidade, chamados de navios redondos (que eram muito largos, ele passa pelo ponto mais alto do céu, no local onde se
ou, em linguagem marinheira, tinham uma boca grande em relação a está. Os navegadores da época das Grandes Navegações
seu comprimento). A vela redonda era boa com vento de popa, mas faziam isto muito bem, utilizando instrumentos náuticos.
exigia ângulos bem mais abertos do que a vela latina quando O astrolábio era o mais importante deles e servia, neste
navegando contra o vento.
10
Corsário – Navio, com manutenção, armamento e operação a
caso, para medir o ângulo entre o Sol em sua passagem
cargo de particular, que recebia autorização de um país em conflito, meridiana e a vertical. Outros instrumentos utilizados
através do documento chamado Patente de Corso, para operar sob mais tarde, como o quadrante e o sextante, mediam a
sua bandeira exclusivamente contra os inimigos do concedente, altura do Sol através do ângulo em relação ao horizonte.
atacando o comércio marítimo do adversário e, eventualmente,
depredando estabelecimentos terrestres. Sustentava-se com o que
fosse conseguido nos apresamentos, o que tornava a operação um
“negócio”.
EA-HSG 4 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:26

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


As cartas náuticas eram muito imprecisas e passaram A construção de navios cada vez maiores exigiu que a
por um difícil processo de desenvolvimento. As que tecnologia de construção naval passasse a utilizar um
foram inicialmente feitas pelos portugueses eram maior número de partes componentes. Juntar elementos
conhecidas como portulanos. A partir do final do século estruturais de madeira corretamente e fazer partes
XVI, passou-se a utilizar a Projeção de Mercator11. Esta compostas de vários pedaços foram um difícil desafio a
projeção é utilizada até os dias de hoje nas cartas ser vencido.
náuticas. Nela os meridianos e paralelos são
representados por linhas retas, que se interceptam 6) A VIDA A BORDO DOS NAVIOS VELEIROS
formando ângulos de noventa graus. Isto causa
consideráveis distorções nas latitudes mais elevadas, A vida a bordo dos navios veleiros era muito difícil.
porém tem a vantagem dos rumos e marcações de pontos A Idade da Vela representou para os marinheiros muito
sacrifício. O trabalho a bordo, com as manobras de pano,
de terra serem linhas retas, facilitando a plotagem nas
cartas. Como a Terra é aproximadamente esférica (na muitas vezes, durante tempestades, exigia bastante
esforço físico e era arriscado. A comida, sem
verdade um geóide), a distância mais curta entre dois
pontos não é uma linha reta na Projeção de Mercator, possibilidade de ter uma frigorífica, era deficiente,
mas isto é somente um pequeno inconveniente e a curva principalmente em vitaminas, o que causava doenças
como a beribéri (pela carência de vitamina B) e o
que representa a menor distância pode ser calculada pelo
navegador. escorbuto (carência de vitamina C). Durante os longos
períodos de mau tempo, não havia como secar as roupas.
A higiene a bordo também deixava muito a desejar.
5) O DESENVOLVIMENTO DOS NAVIOS Muitos morreram nas longas viagens oceânicas.
VELEIROS A PARTIR DO SÉCULO XVI Cabe, no entanto, observar que a vida em terra
Portugal definiu a matriz dos navios veleiros de também não era fácil. O trabalho podia ser fatigante e o
oceano nos séculos XV e XVI. A partir daí, ela foi ambiente insalubre. Desconhecia-se a causa de muitas
sofrendo alterações ao longo do tempo, em função do doenças, como a malária, por exemplo, que fazia vítimas
progresso científico e tecnológico que ocorreu em muitos lugares da Europa. Havia pouco
principalmente em países da Europa Ocidental 12 e nos conhecimento sobre uma dieta alimentar adequada, a
Estados Unidos da América. medicina da época era muito deficiente e os antibióticos
Durante o século XVII, houve uma verdadeira ainda não existiam. Morria-se por infecções causadas
revolução científica nos países europeus do hemisfério por bactérias, que seriam curadas sem grandes
norte. No século XVIII, iniciou-se a Revolução dificuldades nos dias de hoje.
Industrial. No século XIX, ocorreram freqüentes O escorbuto, no entanto, merece um destaque, pois
inovações tecnológicas, inclusive as que trouxeram o foi uma doença que causou a morte de muitos
navio com casco de ferro e propulsão por máquina marinheiros nas longas estadias no mar, quando a dieta
alternativa a vapor, terminando com elas a Idade da dependia apenas de peixe, carne salgada e biscoito (feito
Vela. de farinha de trigo, o último alimento que deteriorava a
O projeto de navios durante toda a Idade da Vela bordo dos veleiros). Ele é causado pela falta de vitamina
baseava-se em métodos empíricos, ou seja, métodos C na dieta. As gengivas incham e sangram, os dentes
desenvolvidos a partir da experiência. Os perdem sua fixação, aparecem manchas na pele, sente-se
desenvolvimentos foram obtidos, portanto, muito cansaço. Com o tempo, vem a morte. Em uma
gradualmente, sempre procurando superar as viagem da Marinha inglesa (força naval comandada pelo
dificuldades que apareciam, ou alcançar algum Comodoro George Anson), em 1741, dos dois mil
aprimoramento. homens que partiram da Inglaterra, somente 200
regressaram. A maioria morreu por causa do escorbuto.
Ele foi responsável por mais mortes na Idade da Vela do
que os combates, os naufrágios, as tempestades e todas
as outras doenças juntas.
11 A prevenção do escorbuto, que se dá bebendo
Gerardus Mercator, um importante fabricante de mapas e cartas
náuticas, nasceu em 1512, onde hoje é território belga, e faleceu em
frequentemente um pouco de suco de limão (que é rico
1594 . em vitamina C), como parte da dieta, surgiu no final do
12
Durante a Guerra Fria, quando a Europa Ocidental designava os século XVIII, tornando mais saudável a vida a bordo nos
países membros da OTAN e sob influência estadunidense, o termo navios.
era freqüentemente usado como contraponto a Europa de Leste, que
estava sob influência soviética. As fronteiras entre os países do
Ocidente e do Leste estavam muito bem defendidas, especialmente
do lado oriental. A estas fronteiras dava-se também o nome de
Cortina de Ferro. Até há pouco tempo, a Europa Ocidental
correspondia aos países da União Européia adicionando-se-lhes a
Islândia, Suíça, Liechtenstein, Andorra, Noruega, San Marino e
Mônaco. No entanto, muitos dos países que são (ou eram) incluídos
na Europa de Leste ou na Europa Central, como a Polônia ou a
República Checa, aderiram ou estão em vias de aderir à União
Européia.
EA-HSG 5 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:26

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


CAPÍTULO II - A EXPANSÃO MARÍTIMA início em meados do século XIII. Esta crise foi resultante
EUROPÉIA E O DESCOBRIMENTO DO BRASIL da relativa paz que vivia o continente europeu, que
permitiu a criação dos burgos (fora dos limites do senhor
1) SINOPSE feudal, que lhes dava proteção em troca da vassalagem),
O capítulo a seguir trata das condicionantes, físicas e que viriam se transformar em vilas ou cidades com relativa
políticas, que levaram os portugueses e espanhóis se autonomia. Isto provocou o enfraquecimento dos senhores
aventurarem pelo “mar tenebroso”, em busca de caminhos feudais, reduzindo o poder da nobreza e,
alternativos para o comércio com a Índia. Vimos no conseqüentemente, abrindo espaço para a retomada do
capítulo anterior o desenvolvimento da construção naval e poder político pelos reis.
dos instrumentos náuticos que permitiram tal feito. Agora, Os soberanos, à medida que obtinham recursos
vamos conhecer um pouco os navegantes que se financeiros, em troca de privilégios, fortaleciam seus
aventuraram e um pouco da história dos países de origem, exércitos e submetiam os antigos feudos e as novas vilas e
ou seja Portugal e Espanha. cidades à sua autoridade, incorporando esses territórios ao
O pioneirismo português, já no final do século XIV, que viria ser seus reinos. Era o embrião do futuro Estado
foi resultado de Portugal estar com suas fronteiras nacional.
estabelecidas e um poder estatal em processo de Intensas lutas precederam e consolidaram o Estado
centralização, possibilitando o incentivo, por parte do português. Iniciou com a expulsão dos mouros da
governo, à expansão ultramarina. A primeira conquista Península Ibérica em 1249, no movimento denominado
ultramar portuguesa foi a cidade de Ceuta, no Norte da Reconquista, quando Portugal consolida seu território e
África. Na seqüência, Diogo Cão explorou a costa firma-se como “o primeiro Estado europeu moderno”,
africana entre os anos de 1482 e 1885, depois foi a vez segundo o historiador Charles Boxer. Os mouros haviam
de Bartolomeu Dias que, atingindo o sul do continente, invadido a Península Ibérica no ano de 711 14. Mas,
passou pelo Cabo das Tormentas em 1487. Este cabo, somente após a vitória sobre os reinos de Leão e Castela,
após este evento, passou a ser denominado Cabo da Boa em 1385, na Batalha de Aljubarrota e a assinatura do
tratado de paz e aliança perpétua com o Reino de Castela,
Esperança.
em 1411, a paz foi selada.
Vasco da Gama, em 1498, chegou a Calicute,
Portugal iniciou seu processo de expansão ultramarina
sudoeste da Índia, estabelecendo a rota entre Portugal e o conquistando aos mouros a cidade de Ceuta, no Norte da
Oriente. Em 1500, a frota de Pedro Álvares Cabral África. A partir daí, virou-se para o mar, onde se tornou
chegou às terras do Brasil, estava formado o Império dominante. Como não poderia deixar de ser, esta
Ultramarino Português. empreitada envolveu somas altíssimas e, para financiá-las,
Já os espanhóis se aventuraram em busca do caminho a coroa portuguesa se valeu do aumento de impostos e
para a Índia na direção a oeste. Cristóvão Colombo recorreu a empréstimos de grandes comerciantes e
chegou à América em 1492 e Fernão Magalhães, banqueiros (inclusive italianos).
financiado pela Espanha, alcança em 1519 o extremo sul
3) LUSITÂNIA
do continente sul-americano, ultrapassa o estreito que
hoje leva seu nome e cruza o Oceano Pacífico, chegando Conhecido outrora pelo nome de Lusitânia, a região que
às Filipinas em 1521. hoje é Portugal foi originalmente habitada por populações
Tendo descoberto as terras que Portugal denominou iberas de origem indo-européia. Mais tarde, foi ocupada,
sucessivamente, por fenícios (século XII a.C.), gregos
Brasil, foi necessário reconhecê-la e povoá-la. Veremos,
(século VII a.C.), cartagineses (século III a.C.), romanos
a partir daqui, quais as expedições que reconheceram o (século II a.C.) e, posteriormente, pelos visigodos (povo
nosso litoral e as providências adotadas para povoá-lo.
germânico, convertido ao cristianismo no século VI), desde
Singramos portanto no reconhecimento da nova do ano de 624.
terra..... Em 711, a região foi conquistada pelos muçulmanos,
2) FUNDAMENTOS DA ORGANIZAÇÃO DO impulsionados por sua política de expansionismo, tendo
ESTADO PORTUGUÊS E A EXPANSÃO como base uma coligação formada por árabes, sírios,
ULTRAMARINA persas, egípcios e berberes, estes em maioria, todos unidos
pela fé islâmica e denominados mouros. Quase a totalidade
A condição fundamental para o processo de formação da península caiu em mãos dos mouros que, em seu
das nações européias13 foi a crise do feudalismo, que teve avanço, só foram bloqueados quando tentaram invadir a
França.
13
Até o final da Idade Média não existiam nações como Portugal,
Espanha, França e Inglaterra, por exemplo. Grande parte do
território europeu naquela época era dividido em feudos governados
14
por nobres (senhor feudal), onde os indivíduos (vassalos) A 30 de abril de 711, o exército de Tarik, general berbere
consideravam-se naturais da cidade onde haviam nascido, como muçulmano, desembarcou no rochedo que posteriormente se
Londres, Lisboa, Madri. É importante saber que o conceito de nação chamou Djebel el-Tarik, ou seja, Monte de Tarik, e que hoje é
e o de Estado não se confundem. O Estado é constituído por um conhecido como Gibraltar. Depois de ter todo o exército em terra,
conjunto de instituições e poderes políticos tendo como base um conta-se que mandou queimar os navios e disse aos seus soldados:
território. O conceito de nação pode ser definido como um "Irmãos pelo Islã! Temos agora o inimigo pela frente e o mar
agrupamento humano, em geral numeroso, cujos membros, fixados profundo por detrás. Não podemos voltar para o nosso lar porque
em um território, são ligados por laços históricos, culturais, queimamos os nossos barcos. Agora só nos resta derrotar o inimigo
econômicos e lingüísticos. Um Estado pode ser formado por várias ou morrer de forma covarde, afogando-nos no mar. Quem me
nações, como o caso da ex-União Soviética e da antiga Iugoslávia. seguirá?"
EA-HSG 6 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:26

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


A resistência aos invasores só ganhou força a partir do intuito de auxiliar os doentes e peregrinos que iam à Terra
século XI, após a formação dos reinos cristãos ao norte, Santa e, sobretudo, para combater militarmente os adeptos
como Leão, Castela, Navarra e Aragão. A guerra da fé mulçumana, participaram das batalhas contra os
deflagrada contra os mouros contou com o apoio de grande mouros na península ibérica.
parte da aristocracia européia, atraída pelas terras que a Seus contingentes, em muitos casos, formaram a base
conquista lhes proporcionaria. dos exércitos cristãos. Em conseqüência a essa atuação,
Durante o reinado de Afonso VI (1069-1109), de Leão e várias ordens receberam doações de terras nos reinos
Castela, a partir de 1072, dois nobres franceses – ibéricos. Em Portugal as ordens dos Templários, de Avis e
Raimundo e Henrique de Borgonha – receberam como de Santiago foram as mais beneficiadas por tais privilégios.
recompensa pelos serviços prestados na campanha, a mão As ordens, no entanto, não se destacaram apenas pelo
de suas filhas além de terras como dote. Dom Raimundo seu aspecto militar. Contribuíram muito no povoamento do
recebeu as terras a norte do Rio Minho, o condado de território português, a partir de regiões que lhes foram
Galiza, e Dom Henrique o condado Portucalense. Estas distribuídas. Em torno de castelos e fortalezas, com efeito,
terras não se constituíam em reinos independentes e seus desenvolveram atividades agrícolas que levaram à fixação
proprietários deviam prestar vassalagem ao rei de Leão. da população.
A origem do próprio Estado português se deu com a Além disso, foi igualmente importante nesse processo
formação do Condado Portucalense, sob o domínio de Dom de ocupação territorial a participação das ordens religiosas,
Henrique de Borgonha. Este nobre, tendo o senhorio de cujos membros não participavam das lutas militares. Os
ampla região entre os rios Minho e Mondengo, procurou mosteiros e capelas destas ordens, dentre as quais se
reforçar, através da luta contra os mouros, seu poderio destacou a dos beneditinos, tornaram-se pólos de atração
sobre os demais senhores de terras daquela área, bem como pela segurança que ofereciam a inúmeras famílias. Da
conseguir autonomia frente aos interesses do vizinho reino mesma forma, desde a Reconquista, as ordens tomaram a
de Leão, a cujo soberano, com já foi dito, devia peito a colonização de zonas desertas ou dizimadas pela
vassalagem. guerra, criando novos focos de povoamento e estimulando
O caráter inicial da formação dos reinos ibéricos, a exploração da terra.
definido pelos aspectos militar e religioso desenvolvidos
nas lutas contra os mouros, marcou as tendências principais 5) O PAPEL DA NOBREZA
da constituição desses Estados. Além de setores diretamente ligados à Igreja, assinala-se
De um lado, o processo de expulsão do inimigo também intensa vinculação da nobreza portucalense na
muçulmano deu prioridade ao aspecto militar, o que criou a formação do Estado nacional lusitano. Este setor social,
necessidade de unificação do comando das forças cristãs, cujo poder se originava na propriedade da terra, também
papel exercido pelos senhores de terras mais poderosos das participou de forma decisiva nas guerras da Reconquista,
diversas regiões da península. Por outro lado, o profundo apoiando o esforço militar da realeza. Esta, num primeiro
caráter religioso tomado pela Reconquista, identificada momento, concedeu privilégios bastante amplos à nobreza.
com as cruzadas contra os infiéis muçulmanos, fez com Mais tarde, contudo, pretendeu limitar tais privilégios,
que a Igreja de Roma tivesse grande interesse no sucesso impondo medidas que beneficiavam a centralização do
das forças cristãs. poder.
As vitórias alcançadas pelos exércitos de Dom Henrique Uma das providências tomadas nesse sentido foi a
mostraram à Santa Sé a importância que estes vinham autonomia concedida pelo poder central aos concelhos (que
adquirindo no sucesso das lutas militares. Assim, os correspondem aos municípios nos dias de hoje), onde
interesses do senhorio do condado e os do papado iam aos começavam a ter influência as aspirações de comerciantes
poucos convergindo para o reconhecimento da autonomia e mestres de ofício. O apoio do rei aos concelhos visava a
portucalense ante o Reino de Leão. enfraquecer o poder da nobreza fundiária em sua própria
base territorial, impedindo assim que os senhores de terras
O Tratado de Zamora, firmado em 1143 entre o Duque fizessem prevalecer livremente seus interesses nas áreas
portucalense Dom Afonso Henriques (1128-1185), filho de que comandavam, sem levar em conta as determinações
Henrique de Borgonha, e Dom Afonso VII, imperador de régias.
Leão, determinou o reconhecimento por parte deste último
da independência do antigo condado, agora Reino de Outro mecanismo de limitação do poder da nobreza foi
Portugal.15 o estabelecimento das inquirições. A partir de uma
interrupção nas lutas militares contra os mouros, entre os
4) ORDENS MILITARES E RELIGIOSAS séculos XII e XIII, a coroa portuguesa buscou avaliar a
Outro fator a se ressaltado diz respeito às ordens situação da propriedade de terras no reino.
militares (ordens de cavalaria sujeitas a um estatuto Durante a Reconquista, a nobreza laica e eclesiástica
religioso e que se propunham lutar contra os mulçumanos) aproveitou-se das falta de controle régio para alargar seus
no processo da Reconquista. Tais ordens, fundadas com o domínios territoriais e privilégios, prejudicando em alguns
15 casos os direitos e rendimentos da coroa. Para coibir tal
Uma carta régia de 13 de dezembro de 1143 colocou o novo reino
sob a proteção da Santa Sé, o que lhe garantia a mediação do papado situação, o poder real utilizou-se das inquirições, pelas
em caso de ruptura do tratado de Zamora e a criação de bispados quais se formavam comissões de inquérito (alçadas) a fim
sem interferência leonesa. Esse processo se concluiu em 1179, de investigar se os direitos reais devidos estariam sendo
quando o Papa Alexandre III, pela bula Manifestis Probatum, de 23 cumpridos e até mesmo verificar o direito legal às
de maio do mesmo ano, reconheceu Dom Afonso Henriques como propriedades.
rei de Portugal.
EA-HSG 7 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:26

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Tal mecanismo se completava com as confirmações, princípio, com a finalidade de criar uma barreira vegetal
processo pelo qual o rei sancionava não só a propriedade que protegesse as terras agrícolas do avanço das areias
da terra como o próprio título nobiliárquico do senhor em costeiras e, também, como reserva florestal para o
questão. Esses poderes submetiam, de certa maneira, a fornecimento de madeira destinada à construção naval e
nobreza eclesiástica e civil à coroa, já que passavam a exportação.
depender desta para a preservação tanto do título quanto da O cultivo era extremamente racional: sempre que havia
propriedade. corte de árvores, novas mudas eram replantadas de
imediato, recorrendo-se a enormes sementeiras17. Esta ação
6) A IMPORTÂNCIA DO MAR NA FORMAÇÃO DE manteve o pinhal praticamente intacto e foi bastante
PORTUGAL utilizado durante os séculos XV e XVI, no período dos
Paralelamente aos problemas político-territoriais descobrimentos marítimos. Além de fornecer madeira para
apontados, é digno de destaque que, além da agricultura, o construção naval, o pinho fornecia um subproduto
comércio marítimo e a pesca eram das mais importantes importantíssimo para conservação e calafeto dos cascos das
atividades praticadas em Portugal, país de solo nem sempre embarcações: o chamado pez, alcatrão vegetal de grande
fértil e produtivo. A atividade pesqueira destacou-se como poder de vedação. É notável que o Pinhal de Leiria exista
fundamental para complemento da alimentação de sua até os dias de hoje, constituindo uma das maiores manchas
população. naturais da região do norte da localidade de Leiria.
Situado em posição geográfica estratégica, a beira do No reinado de Dom Fernando I (1367-1383, último
Oceano Atlântico e próximo ao Mediterrâneo, era de se soberano da dinastia de Borgonha), foi baixada a lei de
esperar que desenvolvessem grande devotamento à Sesmarias, de 28 de maio de 1375. Tendo como medida
navegação e, conseqüentemente, à construção naval. coercitiva mais rígida a expropriação das terras não
Natural, também, que a Marinha portuguesa fosse utilizada produtivas, essa lei foi mais uma tentativa de solucionar a
em caráter militar, o que ocorreu a partir do século XII. carência de mão-de-obra no campo causada pela fuga das
No reinado de Dom Sancho II (1223-1245) podem ser populações para os centros urbanos, devido à peste negra18 .
assinaladas as primeiras tentativas de implantação de uma O resultado foi uma séria crise de abastecimento de
frota naval pertencente ao Estado, ordenando, inclusive, a gêneros alimentícios no reino.
construção de locais específicos nas praias para reparo de
embarcações.
17
Hoje, técnica muito parecida é defendida por ambientalistas para
7) DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL ser implantada na exploração de madeira da região amazônica,
Durante o reinado de Dom Dinis (1279-1325)16, sexto considerada internacionalmente como “ecologicamente correta”.
18
Durante o reinado de Dom Afonso IV (1325-1357), Portugal foi
rei de Portugal, (primeiro a assinar documentos com nome atingido pela peste negra (peste bubônica, transmitida pelas pulgas
completo e presumidamente, primeiro rei não analfabeto que infestam ratos). Esta foi a maior, a mais trágica epidemia que a
daquele país) iniciativas bastante relevantes foram adotadas História registra, tendo produzido um morticínio sem paralelo. Foi
para o fomento da cultura, da agricultura, comércio e chamada peste negra pelas manchas escuras que apareciam na pele
navegação. Denominado O Lavrador ou Rei Agricultor e dos enfermos. Como outras epidemias, teve início na Ásia Central,
ainda Rei Poeta ou Rei Trovador, Dom Dinis foi monarca espalhando-se por via terrestre e marítima em todas as direções. Em
1334 causou 5.000.000 de mortes na Mongólia e no norte da China.
essencialmente administrador e não guerreiro. Envolvendo-
Houve grande mortandade na Mesopotâmia e na Síria, cujas
se em guerra contra Castela em 1295, desistiu dela em estradas ficaram juncadas de cadáveres dos que fugiam das cidades.
troca das vilas de Serpa e Moura. Pelo Tratado de No Cairo os mortos eram atirados em valas comuns e em
Alcanizes (1297) formou a paz com Castela ocasião em Alexandria os cadáveres ficaram insepultos. Calcula-se em 24
foram definidas as fronteiras atuais entre os países ibéricos. milhões o número de mortos nos países do Oriente.
Em 1347 a epidemia alcançou a Criméia, o arquipélago grego e
Preocupado com a infraestrutura do país, ordenou a
a Sicília. Em 1348 embarcações genovesas procedentes da Criméia
exploração do cobre, estanho e ferro, fomentou as trocas aportaram em Marselha, no sul da França, ali disseminando a
comerciais com outros países, assinou o primeiro tratado doença. Em um ano, a maior parte da população de Marselha foi
comercial com a Inglaterra, em 1308, e instituiu a Marinha dizimada pela peste. Em 1349 a peste chegou ao centro ao norte da
Real. Nomeou-se então o primeiro almirante (que se tem Itália e dali se estendeu a toda a Europa. Em sua caminhada
conhecimento) da Marinha portuguesa, Nuno Fernandes devastadora semeou a desolação e a morte nos campos e nas
cidades. Povoados inteiros se transformaram em cemitérios.
Cogominho, para cuja vaga foi contratado o genovês
Calcula-se que a Europa tenha perdido a metade de sua população.
Pezagno (ou Manuel Pessanha) em 1317. Data desta época Em Portugal, o impacto da epidemia também foi muito grande,
a chegada dos portugueses às Ilhas Canárias. tendo como conseqüência natural, a drástica redução da mão-de-
Deve-se também a iniciativa sua a intensificação da obra em todos os níveis. Os trabalhadores que sobreviveram
monocultura do pinheiro bravo (Pinhal de Leiria), em exigiram salários superiores aos que vigoravam antes da peste
gerando forte reação dos proprietários de terras que apelaram para o
rei. Como resultado, o Rei Afonso IV (1325-1357), em 1349,
16
Durante seu reinado foi publicado código voltado para a proteção ordenou que os proprietários e autoridades competentes
das classes menos favorecidas contra abusos de poder, e estimulada determinassem as medidas necessárias: foram fixados salários
uma “reforma agrária” que incluiu a redistribuição de terras e abaixo do que os trabalhadores esperavam; tornaram obrigatória a
fundação de várias comunidades rurais. A cultura foi um de seus aceitação da proposta por todos os trabalhadores e também
interesses pessoais e, como apreciador da literatura, escreveu vários obtiveram o direito de recrutar a mão-de-obra à força. Apesar deste
livros abordando temas como administração e vários volumes de elenco de medidas, passados três anos, os proprietários de terras
poesia. Nesse período, Lisboa foi considerada um importante centro permaneciam insatisfeitos com as dificuldades de recrutar
cultural, culminando com a fundação da Universidade de Coimbra trabalhadores pelo salário fixado. Face ao insucesso das medidas
pela Magna Charta Priveligiorum. coercitivas, agravou-se a crise de abastecimento no país.
EA-HSG 8 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:55

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


A Lei das Sesmarias, que mais tarde seria aplicada no em prática da Lei Mental. Por meio dessa lei, baixada
Brasil, teve pouco efeito prático. Seus artigos, apesar de por Dom Duarte (1433-1438) em 8 de abril de 1434, os
conterem ameaças aos proprietários de terras, atuaram bens doados pela coroa à nobreza só poderiam ser
no sentido de fortalecê-los, pois obrigavam os herdados pelo filho varão legítimo mais velho. Isso
trabalhadores a permanecerem nos campos, mesmo em permitiu à coroa retomar uma série de propriedades
troca de baixa remuneração. antes doadas às famílias nobres, reforçando seu poder e,
Ainda, durante a reinado de Dom Fernando I, a de alguma maneira, minando as bases do poderio
construção naval recebeu grande incentivo, mediante a senhorial.
isenção de impostos e a concessão de vantagens e Tal processo de centralização do poder foi o elemento
garantias aos construtores navais. Como resultado, essencial que permitiu ao reino português lançar-se na
incrementou-se o comércio marítimo, a exportação de expansão ultramarina. Deve-se destacar ainda que os
produtos da agricultura e importação de tecidos e limites da extração das rendas obtidas com a agricultura
manufaturas. As rendas da Alfândega de Lisboa, fizeram a Coroa voltar seus olhos às atividades
considerado porto franco, aumentaram significativa- comerciais e marítimas.
mente e era intensamente freqüentado por estrangeiros. O monopólio exercido pelas cidades italianas de
Dom Fernando I envolveu-se em três guerras contra Gênova e Veneza sobre as rotas de comércio com a Ásia
Castela e passou a ser mal visto pela opinião pública por levou os grupos mercantis portugueses a procurar outra
seu casamento com Dona Leonor Teles (cujo casamento alternativa para a realização de seus negócios e,
anterior foi anulado). Após a morte de Dom Fernando, conseqüentemente, para obtenção de lucros. A saída seria a
os portugueses não aceitaram a regência da rainha viúva tentativa de contato direto com os comerciantes árabes,
em nome da filha, a Infanta Dona Beatriz, casada com evitando o intermediário genovês ou veneziano. Para isso
um potencial inimigo, o rei de Castela. Este fator muito contribuiu a estrutura naval já existente no reino,
somado a continuidade da crise de abastecimento cujo desenvolvimento foi estimulado pela coroa.
deflagraram a Revolução de Avis. A expansão marítima portuguesa caracterizou-se por
Após deliberação das cortes, foi aclamado rei o duas vertentes. A primeira, de aspecto imediatista,
Mestre da Ordem de Avis, Dom João I (1385-1433), realizada ao norte do continente africano, visava à
filho bastardo de Dom Pedro I (1357-1367), a que obtenção de riquezas acumuladas naquelas regiões
caberia inaugurar uma nova dinastia. através de prática de pilhagens. A tomada de Ceuta, no
norte da África (Marrocos), em 1415, seria um dos
Vitoriosa em Lisboa a revolta transformou-se em
movimento de fidalgos e plebeus em guerra contra exemplos mais representativos deste tipo de
Castela, cujo rei declarou pretensão à coroa portuguesa. empreendimento e marca o início da expansão
portuguesa rumo à África e a Ásia20 .
Os castelenses forma vencidos em várias batalhas e,
embora tenham bloqueado Lisboa, foram, afinal, Em menos de um século, Portugal dominou as rotas
fragorosamente derrotados na Batalha de Aljubarrota comerciais do Atlântico sul, da África e da Ásia, cuja
(1385). A paz só foi selada em 1411. presença foi tão marcante nesses mercados que, nos
Outra conseqüência importante dos fatos apontados foi séculos XVI e XVII, a língua portuguesa era usada nos
a renovação da aristocracia portuguesa. Os setores que portos como língua franca – aquela que permite o
haviam apoiado Castela tiveram seus bens confiscados pela entendimento entre marinheiros de diferentes
coroa, a qual os doou em parte aos seus aliados. Com tal
20
divisão na nobreza, houve até mesmo casos em que pais A mentalidade vigente na Europa no século XV se caracterizava
perderam os bens para seus próprios filhos. por uma visão do mundo desconhecido, como alguma coisa muito
perigosa. Acreditava-se que nos oceanos viviam monstros terríveis,
O apoio dos grupos mercantis a Dom João I, fez que correntes traiçoeiras e intransponíveis a espera dos marinheiros.
as aspirações de tais grupos passassem a ser valorizadas Uma mistura de conhecimentos geográficos com crendices e lendas
pelo poder régio. A situação econômica do reino, ao sair que atormentavam os homens do mar.Quando os navegadores
vitoriosa a revolução, era das mais graves. A alta do dobraram o Cabo Bojador no reconhecimento da Costa Africana,
isto foi considerado um grande feito, tendo em vista a visão
custo de vida e a queda do valor da moeda colocaram o existente do que existiria além naquele mar desconhecido. Doze
tesouro português em situação bastante difícil. 19 anos levaram os portugueses na tentativa de ultrapassá-lo. Os
A nobreza também teve suas bases de poder atingidas cronistas da época assim se referiam: “depois deste cabo não aí
pelo movimento de centralização régia, com a colocação gente ou povoação alguma; a terra não é menos arenosa que os
desertos da Líbia onde não há água, nem árvore, nem erva verde; e o
mar é tão baixo, que a uma légua de terra não há fundo mais que
19
Porém, o estabelecimento de um novo imposto, a sisa, ao incidir uma braça. As correntes são tamanhas que o navio que lá passe
sobre as trocas comerciais realizadas no Reino, constituiu a jamais nunca poderá tornar...Ora qual pensais que havia de ser o
principal fonte de recursos para o Tesouro Real. A coroa, em capitão de navio a que pusessem semelhantes dúvidas diante, e mais
conseqüência, estabeleceu uma política de incentivo às atividades por homens a que a razão de dar fé e autoridade em tais lugares, que
mercantis. No entanto, se esta política de fato beneficiou o setor ousasse de tomar tal atrevimento, sob tão certa esperança de morte
mercantil único capaz de, naquele momento, propiciar o sustento da como lhe ante os olhos se apresentaram?”Nessa época vivia-se
nobreza, por outro lado o subordinou aos próprios interesses do muito pouco se compararmos com os dias de hoje. A média de vida
Estado. Do mesmo modo, as decisões quanto aos investimentos na era de trinta anos e um homem saudável de sessenta uma raridade.
empresa mercantil marítima eram tomadas por funcionários Daí talvez o fato dos indivíduos assumirem a vida do mar motivados
reunidos nos diversos conselhos régios, e não pelos diretamente pelo espírito aventureiro e também conscientes da grande incerteza
envolvidos na questão. de retorno.
EA-HSG 9 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:55

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


nacionalidades. Na segunda vertente, o objetivo • Em 1498, Vasco da Gama chegou a Calicute, na costa
colocava-se mais a longo prazo, já que se buscava sudoeste da Índia, estabelecendo a rota entre Portugal e o
conquistar pontos estratégicos das rotas comerciais com Oriente
o oriente, criando ali entrepostos (feitorias) controlados Durante o reinado de Dom João II, iniciado em 1481,
pelos comerciantes lusos. Foi o caso da tomada das a expansão ultramarina atingiu o auge com os feitos dos
cidades asiáticas. Tal modo de expansão também ficou navegadores Diogo Cão e Bartolomeu Dias. Abrira-se
marcado pelo aspecto religioso (cruzadas), pois desse modo, novas e extraordinárias perspectivas para a
mantinha-se a idéia de luta cristã contra os nação portuguesa. O negócio das especiarias do Oriente,
muçulmanos.21 A expansão ultramarina permitiu, assim, trazidas para a Arábia e ao Egito pelos árabes e dali
uma convergência de interesses entre os setores transportadas aos países europeus, por intermédio de
mercantis e a nobreza, tendo o Estado o papel de Veneza – que enriquecera com o tráfico – vai se
controle e direção de tal empreendimento. O monopólio concentrar em novas rotas, deslocando o foco do
do comércio dos produtos asiáticos e o tráfico de comércio mundial do Mediterrâneo para o Oceano
escravos africanos (mão-de-obra para as regiões Atlântico.
produtoras de matérias-primas) enriqueciam não só os
Foi justamente um genovês, Cristóvão Colombo,
grupos mercantis, como geravam vultosas receitas para o
quem abalou as pretensões de Dom João II na sua
tesouro régio, as quais a coroa, em certa medida,
política expansionista, ao descobrir a América em 1492.
repassava à nobreza através da doação de mercês (bens
No retorno de sua famosa viagem, Colombo avistou-se
móveis e de raiz), bem como de privilégios.
com o rei de Portugal comunicando-lhe a descoberta.
Cronologicamente e resumidamente assim se deu o Anteriormente, o mesmo Colombo já havia oferecido
referido processo expansionista: seus serviços ao soberano português, que recusou a
• Entre 1421 e 1434 os lusitanos chegam aos oferta baseado em informações dada pelos cosmógrafos
arquipélagos da Madeira e dos Açores e avançam para do reino, levando o genovês a dirigir-se a Castela, onde
além do Cabo Bojador. Até esse ponto, a navegação era obteve apoio financeiro para sua famosa viagem.
basicamente costeira. Abalado com as notícias trazidas por Colombo, Dom
• Em 1436 atingem o Rio Douro e iniciam a conquista João II cogitou em mandar uma expedição em direção às
da Guiné. Ali se apropriam da Mina, centro aurífero terras recém-descobertas, convencido de que lhe
explorado pelos reinos nativos em associação aos pertenciam por direito. Pouco depois, a questão foi
comerciantes mouros, a maior fonte de ouro de toda a arbitrada por três bulas 22 do Papa Alexandre VI, que
história de Portugal. concederam à Espanha os direitos sobre as terras
• Em 1441, chegam ao Cabo Branco. achadas por seus navegadores a ocidente do meridiano
traçado a 100 léguas a oeste das Ilhas dos Açores e de
• Em 1444, atingem a Ilha de Arguim, no Senegal, onde Cabo Verde.
instalaram a primeira feitoria em território africano, e
Os portugueses discordaram da proposta e novas
iniciam a comercialização de escravos, marfim e ouro.
negociações resultaram na assinatura do Tratado de
• Entre 1445 e 1461, descobrem o Cabo Verde, navegam Tordesilhas (cidade espanhola) em 7 de junho de 1494,
pelos Rios Senegal e Gâmbia e avançam até Serra Leoa. que garantiu à coroa portuguesa as terras que viessem a
• Entre 1470 a 1475, exploram a costa da Serra Leoa até ser descobertas até 370 léguas a oeste do Arquipélago de
o Cabo de Santa Catarina. Cabo Verde. As terras situadas além desse limite
• Em 1482, atingem São Jorge da Mina e avançam até o pertenceriam a Espanha.
Rio Zaire, o trecho mais difícil da costa ocidental Dom João II morreu em 1495 e coube ao seu sucessor,
africana. O navegador Diogo Cão explorou a costa da Dom Manuel, dar continuidade ao projeto expansionista.
África Ocidental entre 1482 e 1485. Durante sua gestão aconteceu a famosa viagem de Vasco
da Gama, que partiu do Rio Tejo em julho de 1497, dobrou
• No período 1487/1488, Bartolomeu Dias atingiu cabo
o Cabo da Boa Esperança, transpôs o Rio Infante, ponto
das Tormentas, no extremo sul do continente – que extremo da viagem de Bartolomeu Dias; reconheceu
passou a ser chamado de Cabo da Boa Esperança – e Moçambique, Melinde, Mombaça e, em maio de 1498,
chegou ao Oceano Índico, conquistando o trecho mais após quase um ano de viagem, chegou a Calicute na Índia.
difícil do caminho das Índias.
A façanha de Vasco da Gama colocou Portugal em
contato direto com a região das especiarias, do ouro e das
21 pedras preciosas, e, como conseqüência, a conquista do
É necessário ressaltar a importante atuação das ordens militares
quase total monopólio de tais produtos na Europa abalando
no processo de expansão ultramarina, especialmente da riquíssima
Ordem de Cristo. Constituída em 1319, com os bens lusitanos seriamente o comércio das repúblicas italianas. A conquista
pertencentes à Ordem dos Templários¹ (1119-1311), a Ordem de da rota marítima para as Índias assumiu, na época,
Cristo tornou-se aos poucos, detentora de um grande poder no reino, importância revolucionária e suas conseqüências imediatas
o que despertou o interesse da Coroa em absorver suas posses, empalideceram até mesmo o maior acontecimento da
quando do movimento, já referido, de centralização político- história moderna das navegações: o descobrimento da
administrativa. Mais tarde, a obtenção do grão-mestrado da Ordem América por Cristóvão Colombo.
de Cristo por Dom João III (1521-1557) em 1522, permitiu ao
monarca garantir a si próprio os poderes oriundos da influência da
22
própria ordem. Documentos emitidos pelos papas de caráter internacional e oficial.
EA-HSG 10 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:55

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


8) A DESCOBERTA DO BRASIL No dia 2 de maio a frota de 11 navios levantou
Vasco da Gama retornou a Portugal em julho de 1499 âncoras rumo a Calicute, deixando na praia dois
sob clima de grande excitação motivado pela descoberta degredados, além de outros tantos grumetes, se não mais,
da nova rota para a Índia. Pouco depois, a 9 de março de que desertaram de bordo. Antes de atingirem o Cabo da
1500 partiu em direção ao oriente uma portentosa frota Boa Esperança, quatro navios naufragaram e desgarrou-
de treze navios (dez provavelmente eram naus e “três se a nau comandada por Diogo Dias, que percorreu todo
navios menores”, que seriam caravelas). o litoral africano reencontrando a frota na altura de Cabo
De seu comandante, Pedro Álvares Cabral, sabe-se que Verde quando esta retornou.
nasceu na vila de Belmonte em 1467 ou 1468, segundo Com seis navios, Cabral alcançou a Índia, em
filho de Fernão Cabral, senhor de Belmonte, e de Dona setembro de 1500. Em Calicute, as negociações foram
Isabel de Gouveia. Na juventude teria prestado bons difíceis, surgindo desentendimentos com os indianos,
serviços à coroa nas guerras da África e por isso recebia quando portugueses foram mortos em terra (inclusive os
13.000 réis anuais. De qualquer modo, sabe-se da dúvida escrivão da Armada, Pero Vaz de Caminha) e o porto
de Dom Manuel na escolha do comandante da expedição, bombardeado. Em seguida, a Armada ancorou em
que no primeiro momento recaiu sobre Vasco da Gama. Cochim e Cananor, onde foi bem recebida, abastecendo-
Cabral teria na época cerca de 30 anos e levava se de especiarias antes da viagem de retorno, iniciada no
consigo marinheiros ilustres, como Bartolomeu Dias e dia 16 de janeiro de 1501. Em 23 de junho, finalmente a
Nicolau Coelho, além de numerosa tripulação, perto de Armada adentrou o Rio Tejo concluindo sua jornada.
1.500 homens, oito frades franciscanos, os primeiros
religiosos mandados por Portugal a tais lugares. 9) O RECONHECIMENTO DA COSTA BRASILEIRA
Uma das recomendações feitas a Cabral é que tivesse
particular cuidado com o sistema de ventos nas 9.1) A EXPEDIÇÃO DE 1501/1502
proximidades da costa africana, fruto da experiência de Preocupado em realizar o reconhecimento da nova
Vasco da Gama. Na manhã do dia 14 de março, a frota terra, D. Manoel enviou, antes mesmo do retorno de
atingiu as Ilhas Canárias fazendo 5.8 nós de velocidade Cabral, uma expedição composta por três caravelas
média. No dia 22, avistou São Nicolau, uma das ilhas do comandas por Gonçalo Coelho, tendo a companhia do
arquipélago de Cabo Verde. Na manhã seguinte, florentino Américo Vespúcio23. A expedição partiu de
desgarrou a nau comandada por Vasco de Ataíde, que foi Lisboa em 13 de maio de 1501 em direção as Canárias,
procurada exaustivamente e dada como perdida. de onde rumou para Cabo Verde. Nessa ilha se
Prosseguindo a navegação sempre em rumo sudoeste, encontrou com navios da Esquadra de Cabral que
regressavam da Índia. Em meados do mês de junho,
foram avistadas ervas marinhas, indicando terra
próxima. No dia 22 de abril, foram avistadas a primeiras partiu para sua travessia oceânica, chegando à costa
aves e ao entardecer avistaram terra. Ao longe, um brasileira na altura do Rio Grande do Norte.
monte alto e redondo denominado Pascoal por ser Na Praia dos Marcos (RN), deu-se o primeiro
semana da Páscoa. Na manhã seguinte avançaram as desembarque, tendo sido fincado um marco de pedra,
caravelas sondando o fundo e fundeando a milha e meia sinal da posse da terra. A partir de então, Gonçalo
da praia próxima à foz de um rio mais tarde denominado Coelho deu partida a sua missão exploradora navegando
Rio do Frade. Após reunião com os comandantes, foi pela costa, em direção ao sul, onde avistou e denominou
decidido enviar a terra um batel sob o comando de os pontos litorâneos, conforme calendário religioso da
Nicolau Coelho para fazer contato com os homens da época24 . O périplo costeiro da expedição teve como
terra, quando se deu o primeiro encontro entre limite sul a região de Cananéia.
portugueses e indígenas.
Durante a noite soprou vento forte, seguido de 23
Américo Vespúcio (1454-1512) – Navegador italiano que estava a
chuvarada colocando em risco as embarcações. serviço de Portugal. Foi representante dos Médicis em Sevilha. Teve
em sua homenagem o novo continente batizado com nome de
Consultados os pilotos, decidiu Cabral sair em busca de
América pelo cosmógrafo Martin Waldseemüller em sua
local mais abrigado chegando no Porto Seguro, hoje
Cosmographie Introductio.
Baía Cabrália. Alguns tripulantes desceram à terra, não 24
16 de agosto (1501) Cabo de São Roque (RN)
conseguindo se fazerem entender nem serem entendidos 14 de setembro Cabo de São Jorge (PE)
pelos habitantes que falavam uma língua desconhecida. 29 de setembro Rio de São Miguel (AL)
4 de outubro Rio de São Francisco (SE)
No domingo de Páscoa, foi decidido mandar ao reino,
1 de novembro Baía de Todos os Santos (BA)
pela naveta de mantimentos, a notícia do acontecimento. 14 de novembro Rio de São João (BA)
Nos dias posteriores, os marinheiros ocuparam-se em 13 de dezembro Rio de Santa Luzia (BA)
cortar lenha, lavar roupa e preparar aguada, além de 21 de dezembro Serra de São Tomé (RJ)
trocar presentes com os habitantes do lugar. No dia 1o de 1 de janeiro (1502) Rio de Janeiro
6 de janeiro Angra dos Reis (RJ)
maio, Pedro Álvares Cabral assinalou o lugar onde foi
13 de janeiro Rio Jordão (RJ)
erigida uma cruz, próximo ao que hoje conhecemos 17 de janeiro Rio de Santo Antônio (RJ)
como Rio Mutari. Assentadas as armas reais e erigido o 20 de janeiro Porto de São Sebastião (RJ)
cruzeiro em lugar visível, foi erguido um altar, onde Frei 22 de janeiro Rio e Porto de São Vicente (SP)
Henrique de Coimbra celebrou a segunda missa. 17 ou 29 de fevereiro Rio de Cananéia (SP)

EA-HSG 11 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:55

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


9.2) A EXPEDIÇÃO DE 1502/1503 Notando que ainda era grande a presença de
Essa segunda expedição foi resultado do contrabandistas franceses, D. Manuel I resolveu enviar
arrendamento da Terra de Santa Cruz a um consórcio ao Brasil o fidalgo português Cristóvão Jaques 28, tendo
formado por “cristãos-novos”25 , encabeçado por como principal missão realizar o patrulhamento da costa
Fernando de Noronha, e que tinha a obrigação, conforme brasileira29 .
contrato, de mandar todos os anos seis navios as novas Cristóvão Jaques realizou viagens ao longo de nossa
terras com a missão de descobrir, a cada ano, 300 léguas costa entre os períodos de 1516 a 1519, 1521 a 1522 e de
a vante e construir uma fortaleza. 1527 a 1528, onde combateu e reprimiu as atividades do
Conforme o Almirante Max Justo Guedes26 , essa comércio clandestino.
viagem foi realizada no segundo semestre de 1502 e no Em 1528 foi dispensado do cargo de capitão-mor da
primeiro de 1503, e a rota traçada possivelmente seguiu Armada Guarda-Costa regressando para Portugal.
o percurso normal, de Cabo Verde, cruzou o Atlântico,
passando pelo arquipélago de Fernando de Noronha,
9.5) A EXPEDIÇÃO COLONIZADORA DE
concluindo sua navegação nas imediações de Porto
MARTIM AFONSO DE SOUSA
Seguro, na Baía Cabrália.
Em 1530 Portugal resolveu enviar ao Brasil uma
9.3) A EXPEDIÇÃO DE 1503/1504 expedição comandada por Martins Afonso de Sousa
Segundo as informações do cronista Damião de Góis, visando a ocupação da nova terra30 . A armada partiu de
essa expedição partiu de Portugal em 10 de junho de Lisboa a 3 de dezembro e era composta por duas naus,
1503 era composta por seis naus, e novamente sob o um galeão e duas caravelas que, juntas, conduziam 400
comando de Gonçalo Coelho. Ao chegarem em pessoas. Tinha a missão de: combater os franceses que
Fernando de Noronha, naufragou a capitânia. Neste local continuavam a freqüentar o litoral e contrabandear o
deu-se a separação da frota. Após aguardar por oito dias pau-brasil; descobrir terras e explorar rios; e o
o aparecimento do restante da frota, os dois navios (num estabelecimento de Mj ou mais núcleo de povoação.
dos quais encontrava-se embarcado Américo Vespúcio) Em 1532 fundou no atual litoral de São Paulo a Vila
rumaram para a Baía de Todos os Santos, pois assim
de São Vicente e logo a seguir – no limite do planalto
determinava o regimento real para qualquer navio que se que os índios chamavam de Piratininga – a vila de Santo
perdesse da companhia do capitão-mor. André da Borba do Campo. Da Ilha da Madeira, Martim
Havendo aguardado por dois meses e quatro dias Afonso trouxe as primeiras mudas de cana que plantou
sobre alguma notícia de Gonçalo Coelho, decidiram no Brasil, construindo na Vila de São Vicente o primeiro
percorrer o litoral em direção ao sul, onde se detiveram engenho de cana-de-açúcar.
durante cinco meses em um ponto que tudo indica ter Ainda se encontrava no Brasil quando, em 1532, Dom
sido no Rio de Janeiro, onde ergueram uma fortaleza e
João III decidiu impulsionar a colonização, utilizando a
deixaram 24 homens. Logo depois retornaram a Portugal tradicional distribuição de terras. O regime de capitanias
onde aportaram em 18 de junho de 1504. hereditárias consistiu em dividir o Brasil em imensos
Gonçalo Coelho com o restante da frota regressou a tratos de terra que foram distribuídos a fidalgos da
Portugal, ainda em 1503. pequena nobreza, abrindo à iniciativa privada a
colonização.
9.4) AS EXPEDIÇÕES GUARDA-COSTAS Martim Afonso de Sousa retornou a Portugal em 13
A costa do pau-brasil prolongava-se desde o Rio de de março de 1533, após ter cumprido de maneira
Janeiro até Pernambuco, onde foram sendo estabelecidas satisfatória sua missão de fincar as bases do processo de
feitorias27, nas quais navios portugueses realizavam ocupação das terras brasileiras.
regularmente o carregamento desse tipo de madeira para
o reino. Esse negócio rendoso começou a atrair a atenção
de outros países europeus que nunca aceitaram a partilha
do mundo entre Portugal e Espanha, dentre eles a
França.
Os franceses começaram a freqüentar nosso litoral
comercializando o pau-brasil clandestinamente com os
índios. Portugal procurou, a princípio, usar de
mecanismos diplomáticos, encaminhando varias
reclamações ao governo francês na esperança de que o
mesmo coibisse esse comércio clandestino. 28
O sobrenome de Jaques não é de origem francesa e sim devido
aos membros dessa família serem oriundos de Jaca, cidade
espanhola do alto Aragão.
25 29
Cristão-novo era o judeu que se converteu ao cristianismo por Uma de suas primeiras providências foi transladar, por motivo de
ocasião da Inquisição ocorrida na Europa. segurança, a feitoria do Rio de Janeiro para Itamaracá, em
26
Coleção História Naval Brasileira, I Volume – Tomo I. Pernambuco.
27 30
As feitorias foram os primeiros estabelecimentos europeus ao Martins Afonso de Sousa contou com a presença e o auxilio de
longo da costa brasileira, não constituíam núcleos de povoamento e seu irmão Pero Lopes de Sousa, que registrou em diário os
sim depósitos provisórios das riquezas retiradas da terra. principais acontecimentos da viagem.
EA-HSG 12 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:55

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


CRONOLOGIA CAPÍTULO III - INVASÕES QUE PODERIAM
TER FRACIONADO O TERRITÓRIO
BRASILEIRO
DATA EVENTO
1) SINOPSE
Conquista da cidade de Ceuta pelos Diversos intrusos e invasores desafiaram os interesses
1415 portugueses ultramarinos de Portugal durante os séculos XVI e XVII.
Os franceses foram os primeiros e, desde o início do
1421 Os lusitanos chegam aos arquipélagos da
Madeira e dos Açores e avançam para além século XVI, navios de armadores franceses
e do Cabo Bojador. Até esse ponto, a navegação freqüentavam a costa brasileira, comerciando com os
1434 era basicamente costeira. nativos os produtos da terra: pau-brasil31 ; peles de
animais selvagens; papagaios e macacos; resinas
Os lusitanos atingem o Rio Douro e iniciam a vegetais e outros. Portugal reagiu, como vimos no
conquista da Guiné. Ali se apropriam da
Mina, centro aurífero explorado pelos reinos capítulo anterior, enviando expedições guarda-costas e,
1436 nativos em associação aos comerciantes depois, iniciando a colonização do Brasil.
mouros, a maior fonte de ouro de toda a Esse início da colonização pelos portugueses criou
história de Portugal.
dificuldades para os franceses, mas logo eles tentaram
estabelecer duas colônias: em 1555, no Rio de Janeiro; e
1441 Chegam ao Cabo Branco.
em 1612, no Maranhão. Portugal reagiu às duas
Atingem a ilha de Arguim, onde instalaram a invasões, projetando seu Poder Naval, com bom êxito,
primeira feitoria em território africano, e para expulsar os invasores.
1444 iniciam a comercialização de escravos, Na foz do Amazonas, vamos encontrar ingleses,
marfim e ouro.
holandeses e mesmo irlandeses que haviam estabelecido
1445 feitorias privadas, e foi preciso empregar força para
Descobrem o Cabo Verde, navegam pelos Rios
e Senegal e Gâmbia e avançam até Serra Leoa. expulsá-los.
1461 O comércio holandês com o Brasil datava quase do
1470 início da colonização, da primeira metade do século
Exploração da costa da Serra Leoa até o Cabo
a de Santa Catarina XVI. Em 1580, ocorreu a união das coroas de Portugal e
1475 Espanha e o rei da Espanha, Felipe II, passou a ser,
1482 também, o rei de Portugal. Os holandeses iniciaram sua
O navegador Diogo Cão explorou a costa da
e África guerra de independência contra a Espanha no final do
1485 século XVI, mas, mesmo assim, esse comércio
Bartolomeu Dias atingiu cabo das Tormentas, continuou, no início do século XVII, intermediado por
no extremo sul do continente – que passou a comerciantes portugueses. Destacavam-se como
1487 ser chamado de Cabo da Boa Esperança – e mercadorias brasileiras o açúcar, o couro, o pau-brasil e
chegou ao Oceano Índico, conquistando o
o algodão.
trecho mais difícil do caminho das Índias.
A Holanda era um país de bons comerciantes e hábeis
1492 Cristóvão Colombo chegou à América. marinheiros. Os holandeses possuíam uma fortíssima
consciência marítima e utilizavam seu Poder Marítimo
1494 Assinatura do Tratado de Tordesilhas. com muita competência. Eles não pretendiam ficar sem o
rico mercado do açúcar brasileiro, devido ao conflito
Vasco da Gama chegou a Calicute, na costa com Espanha e conseqüentemente Portugal. Em 1621,
1498 sudoeste da Índia
eles criaram a West-Indische Compagnie, a Companhia
Descobrimento do Brasil por Pedro Álvares
das Índias Ocidentais. Logo, Salvador, capital da colônia
1500 Cabral. do Brasil, seria alvo de uma invasão desta companhia.
A Companhia das Índias Ocidentais holandesa
Fernão de Magalhães chegou às Filipinas invadiu primeiro Salvador, de onde foi expulsa por uma
1519 passando pelo extremo sul do continente
força naval luso-espanhola cerca de um ano depois, e,
americano.
em seguida, Olinda, de onde expandiu para boa parte do
Nordeste e permaneceu por 24 anos.
Ocorreram nesse período muitos combates no mar e
até mesmo uma grande batalha naval, a “Batalha de
1640”, onde um total de quase cem navios, entre
holandeses e luso-espanhóis, combateu intermitente-
mente durante cinco dias na costa do Nordeste.

31
A tinta vermelha e roxa tirada da madeira era utilizada para tingir
os tecidos.

EA-HSG 13 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:55

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Nessa luta para expulsar os holandeses o esforço em 2.1) RIO DE JANEIRO
terra foi fundamental, mas o poder naval português foi Em 1553, Nicolau Durand de Villegagnon foi
capaz de manter Salvador como base de operações e nomeado vice-almirante da Bretanha33 . Assim tomou
somente com a presença de uma força naval em conhecimento do comércio francês com o Brasil. Isso o
Pernambuco é que foi possível obter a rendição levou a desenvolver um plano para fundar uma colônia
definitiva dos invasores. na Baía de Guanabara, onde habitavam nativos da tribo
No século XVIII, com o envolvimento de Portugal na Tupinambá, aliados dos franceses. O Rei da França,
Guerra de Sucessão de Espanha, na Europa, o Rio de Henrique II, aprovou esse plano de iniciativa privada,
Janeiro foi atacado por dois corsários franceses. Com a prometeu apoio, forneceu financiamento e dois navios
descoberta do ouro das Minas Gerais, no final do século do rei para a viagem. Inicialmente não havia o cunho
XVII, o Rio de Janeiro vinha se tornando uma cidade religioso protestante, que apareceu bem depois com o
próspera durante o início do século XVIII. Mais tarde, apoio calvinista ao empreendimento.
ela se tornaria a capital da colônia, devido à mudança Villegagnon chegou à Baía de Guanabara em 1555.
econômica do Ciclo do Açúcar para o Ciclo do Ouro. Instalou o núcleo da colônia – que chamou de França
Por seu lado, os portugueses sempre ambicionaram Antártica34 – na ilha que atualmente tem seu nome,
atingir as riquezas existentes nas possessões espanholas construiu uma fortificação dando-lhe o nome de Forte de
do oeste sul-americano. Apossar-se da região do Rio da Coligny em homenagem ao almirante francês que lhe
Prata era uma meta, pois ela possibilitava o acesso às deu o maior apoio. Essa ilha era pequena e não tinha
minas de Prata de Potosi, na Bolívia. A ocupação água, mas era uma excelente posição de defesa. Em terra
espanhola dessa região foi, portanto, fundamental para firme, perto do atual Morro da Glória, instalou uma
deter os interesses portugueses. Mesmo assim, era por olaria para fabricar tijolos e telhas, fez plantações e deu
ela que a prata boliviana era contrabandeada para o início a uma povoação, que chamou de Henryville,
Brasil. homenageando o Rei da França Henrique II. A povoação
Buscando expandir seus domínios em direção ao sul em terra firme, porém, não teve bom êxito e o progresso
do Brasil e alcançar sua meta, Portugal rompeu da colônia, como um todo, deixou a desejar.
formalmente com o antigo Tratado de Tordesilhas, Villegagnon, que anteriormente já mostrara sua
assinado com os espanhóis em 1494, quando, em janeiro bravura e competência como militar em diversas
de 1680, o governador do Rio de Janeiro, D. Manuel ocasiões, encontrou muitas dificuldades para recrutar as
Lobo, fundou na margem esquerda do Rio da Prata a pessoas certas para sua colônia. Um núcleo de
colônia do Santíssimo Sacramento. Este fato colonização precisa de profissionais, como, por exemplo,
desencadeou uma série de desentendimentos, lutas e sapateiros, alfaiates, barbeiros, carpinteiros, oleiros,
tratados de limites com a Espanha que se estenderiam pedreiros, médicos, soldados e muitos outros. Sem eles,
por mais de um século, no qual o emprego do Poder haverá falta de coisas necessárias à sobrevivência na
Naval português foi muito importante, como veremos colônia. Além disso, é fundamental a presença de bons
neste capítulo 32. agricultores, que saibam plantar e cuidar de plantações,
Naveguemos, portanto, na luta de nossa integridade para que não faltem alimentos e produtos para o
territorial... comércio externo.
As pessoas que vieram com Villegagnon formavam,
porém, um grupo heterogêneo em muitos aspectos:
2) INVASÕES FRANCESAS NO RIO DE JANEIRO
católicos e protestantes (em uma época de sérios
E NO MARANHÃO
conflitos religiosos), soldados escoceses e ex-
Essas duas invasões não foram iniciativas do governo presidiários (caracterizando extremos de aceitação de
da França, cuja estratégia estava voltada para seus disciplina); e ninguém que soubesse produzir o açúcar da
interesses na própria Europa, mas sim iniciativas cana, que tornou viável a colonização portuguesa em
privadas, com autorização e até ajuda do rei. Em ambas, outros lugares da costa brasileira. A pior falha, no
faltou o apoio do Estado francês, no momento em que, entanto, foi a presença de poucas mulheres européias no
atacadas pelos portugueses, necessitaram de socorro. Por grupo, o que fez com que muitos colonos procurassem as
outro lado, a colonização do Brasil foi um interesse de moças índias para se relacionar com pessoas do sexo
Portugal, que pretendia proteger a rota de seu comércio oposto. Isto era difícil para Villegagnon entender, devido
com a Índia. Todos os recursos do Estado português à sua formação religiosa de Cavaleiro de Malta35, com
estavam disponíveis para expulsar os invasores e voto de castidade, que não admitia o sexo fora do
proteger os núcleos de colonização portuguesa. casamento.

32 33
O interesse no estudo desse período é que nele se definiram as Bretanha, região administrativa do Oeste da França, com uma
fronteiras sul do território brasileiro, que mudavam conforme a larga costa litoral entre o Canal da Mancha e o Oceano Atlântico.
34
força das armas e os tratados celebrados entre os portugueses e Atualmente é onde está instalada a Escola Naval.
35
espanhóis, como veremos a seguir. Ordem de Malta, ordem militar cristã, com sua origem nas
Cruzadas.
EA-HSG 14 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:55

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Houve, portanto, um excesso de conflitos, Estácio de Sá fundou a cidade de São Sebastião do
principalmente depois da chegada de um grupo de Rio de Janeiro, em 1565, entre o Morro Cara de Cão e o
protestantes calvinistas, que veio com o propósito de Pão de Açúcar40 . Era um local apertado, mas protegido
estudar a possibilidade de fazer da França Antártica uma pelos morros, de fácil defesa e de onde se controlava a
colônia protestante. entrada da barra da Baía de Guanabara. Sem dúvida, o
Os franceses contavam com a amizade dos melhor lugar para poder cumprir sua missão. Logo
tupinambás 36 . Eles comerciavam com os franceses por começaram a combater os franceses e os tupinambás.
meio de trocas (escambo) – recebiam machados, facas, Houve grandes combates, inclusive um de canoas nas
tesouras, espelhos, tecidos coloridos, anzóis e outros águas da baía e um ataque ao atual Morro da Glória,
objetos e forneciam o pau-brasil, que cortavam na onde Estácio de Sá foi ferido por uma flecha, no rosto,
floresta e traziam para a colônia, e outros produtos da vindo, depois, a falecer em conseqüência deste
terra e alimentos. Os tupinambás tinham grandes canoas ferimento.
feitas de um só tronco (igara) ou da casca de uma árvore Derrotados na Guanabara, os franceses e seus aliados
(ubá)37 . Eles lutaram bravamente ao lado dos franceses, tentaram, ainda, estabelecer uma resistência em Cabo
pois detestavam os portugueses, que eram amigos de Frio, mas acabaram vencidos. Os franceses que se
outros índios, seus inimigos. renderam foram enviados em navios para a França.
A reação portuguesa somente ocorreu por meio do
2.2) MARANHÃO
Governador Mem de Sá em 1560. Portugal desistira da
via diplomática para a solução dos problemas com os Os franceses continuaram com o tráfico marítimo na
franceses. costa brasileira. Seu eixo de atuação, porém, deslocou-se
para o Norte, ainda sem povoações portuguesas. Após
Mem de Sá atacou o Forte de Coligny com uma força
diversas ações na costa do Brasil, estabeleceram-se, em
naval (soldados e índios) que trouxera da Bahia e pequeno número, em diversos pontos do litoral norte.
arrasou-o. Depois partiu para São Vicente sem deixar
Desde o final do século XVI, o Maranhão passou a ser
uma guarnição na Guanabara. Os franceses fugiram para
um local regularmente freqüentado por navios franceses.
o continente, abrigando-se junto a seus aliados Na atual Ilha de São Luís havia uma pequena povoação
tupinambás e, logo depois que os portugueses se foram,
de franceses, em boa convivência com os índios,
restabeleceram suas fortificações. também tupinambás, que habitavam o local.
Mem de Sá concluiu que era necessário ocupar
Em 1612, partiu da França uma expedição, que
definitivamente o Rio de Janeiro para garantir a expulsão constituía uma tentativa séria de iniciativa privada para
dos invasores. Dessa vez enviou, em 1563, seu sobrinho
estabelecer uma colônia no Brasil. O destino era o
Estácio de Sá à testa da nova força naval, com ordens Maranhão. A expedição era chefiada pelos sócios
para fundar uma povoação na Baía de Guanabara e François de Razilly, Daniel de la Touche de la
derrotar definitivamente os franceses.
Ravardière e o Barão de Sancy, com poderes de
Estácio de Sá obteve a participação de uma tribo tupi tenentes-generais do rei da França. Quando chegaram,
inimiga dos tupinambás do Rio de Janeiro, os maracajás construíram o Forte de São Luís.
ou temiminós, liderados por Araribóia38 . Participaram, Os portugueses, no entanto, já planejavam expulsar os
também, como aliados dos portugueses, índios da tribo
franceses da pequena povoação inicial e, pouco tempo
tupiniquim de Piratininga, trazidos de São Vicente. depois, estavam presentes, fazendo reconhecimentos.
Os tupinambás, por sua vez, já tinham formado a
Logo, Razilly partiu para a França, em busca de mais
Confederação dos Tamoios39 , disposta a combater os recursos e reforços, deixando na chefia da colônia La
portugueses. Houve, portanto, uma maioria de guerreiros
Ravardière.
indígenas nos combates que ocorreram pela posse do Rio
de Janeiro, em ambos os lados. Na França, o bom relacionamento do momento com a
Espanha fez com que o governo não colaborasse
significativamente com recursos para o reforço da
colônia. Assim, La Ravardière retornou somente com os
reforços e colonos que conseguira por conta própria.
36 40
Os índios tinham diversas aldeias no litoral da Baía de Guanabara, Como havia pouco espaço para o desenvolvimento de uma cidade
inclusive na atual Ilha do Governador. no local de sua fundação, a sede do Rio de Janeiro foi, logo depois
37
Esses nomes ficaram em nossa nomenclatura de cidades, como da expulsão dos invasores, transferida para o morro que passou a ser
Ubatuba (muita ubá) e Igarassu (igara grande). A ubá era mais leve, chamado do Castelo. Era uma posição defensiva para a nova cidade.
porém afundava quando enchia de água. Os tupinambás Com o tempo, para cumprir sua função, com comércio e negócios, a
aventuravam-se fora da barra com suas canoas, às vezes em cidade ocupou a praia entre o Morro do Castelo e o Morro de São
incursões guerreiras contra tribos inimigas, navegando longas Bento, formando-se a Rua Direita. Passou a existir, portanto, uma
distâncias sem perder a terra de vista cidade baixa, em contraposição à cidade alta, no Castelo. Na parte
38
Araribóia em tupi guarani quer dizer “cobra feroz”. Araribóia baixa, ela se espalhou, aos poucos, surgindo outras ruas paralelas e
liderou a tribo tupi dos índios temiminós. Após a expulsão dos transversais e uma praça, a atual Praça Quinze de Novembro, que,
franceses, em gratidão, recebeu a sesmaria de Niterói e se converteu mais tarde passaria a ser o Centro da Cidade, ainda nos tempos de
ao cristianismo adotando o nome de Martim Afonso. colônia, com a residência do governador e outros prédios de
39
Dos “avós”, ou seja, aliança de diversas tribos do grupo tupi que administração.
tinham em comum os mesmos antepassados.
EA-HSG 15 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:55

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Em 1614, uma força naval comandada por Jerônimo 4) INVASÕES HOLANDESAS NA BAHIA E EM
de Albuquerque, nascido no Brasil, chegou ao Maranhão PERNAMBUCO
para combater os franceses. Este grupamento pode ser
considerado como a primeira força naval comandada por 4.1) HOLANDESES NA BAHIA
um brasileiro. A invasão holandesa de Salvador (BA) foi planejada
Chegando ao Maranhão, os portugueses iniciaram a pela Companhia das Índias Ocidentais com o propósito
construção de um forte, que chamaram Santa Maria. de lucro, a ser obtido, principalmente, com a exploração
Logo os franceses fizeram uma sortida e se apoderaram da agroindústria do açúcar. Levantado o capital para o
de três dos navios que estavam fundeados. Animados empreendimento, os holandeses reuniram uma
com o bom êxito alcançado, resolveram, uma semana relativamente poderosa força naval de 26 navios, com 46
depois, atacar o forte português. Planejaram um ataque canhões de bronze e 168 de ferro fundido, 1.600
simultâneo de tropas que desembarcariam e tropas que marinheiros e 1.700 soldados. O comando coube ao
atacariam o forte pela retaguarda, vindas de terra. Os Almirante Jacob Willekens.
portugueses, no entanto, foram mais rápidos e contra- Os navios dessa força partiram de diversos portos da
atacaram separadamente, com vigor, as duas forças Holanda e reuniram-se em uma das ilhas do Arquipélago
francesas, vencendo-as. de Cabo Verde. No dia 8 de maio de 1624, ela chegou à
Apesar de os franceses ainda terem um navio de Baía de Todos os Santos. No dia seguinte, iniciou o
maior porte, o Regente, e as três presas portuguesas, e ataque a Salvador. Os holandeses atacaram os fortes que
contarem ainda com os tupinambás, resolveram propor defendiam a cidade, e os navios que transportavam
um armistício, para conseguir reforços na França ou tropas se dirigiram para o Porto da Barra, onde, após
obter uma solução diplomática. Os portugueses calarem o Forte de Santo Antônio, desembarcaram um
aceitaram e comemoraram a trégua. contingente que avançou na direção da cidade.
A trégua era favorável aos portugueses que obtiveram O governador português resistiu, mas, como não tinha
reforços no Brasil. La Ravardière não conseguiu recursos suficientes e a população havia abandonado a
novamente o apoio de seu governo e o tratado de paz em cidade, acabou se rendendo. A cidade foi saqueada.
vigor, naquele momento, previa que, em casos como Somente alguns dias depois organizou-se a reação contra
esse os riscos e perigos cabiam aos particulares, sem que os invasores.
a paz entre os Estados fosse perturbada. Além do mais, o Estabelecidos em Salvador, os holandeses foram, aos
rei de Portugal41 não ratificou a trégua e ordenou que se poucos, diminuindo os efetivos de sua força naval, com a
expulsasse os franceses do Maranhão. Providenciou partida de diversos dos navios.
reforços e mandou, em seguida, o governador de Soube-se da perda de Salvador, cerca de dois meses e
Pernambuco organizar uma nova expedição. O comando meio depois, em Lisboa e Madri. As notícias chegavam à
coube a Alexandre de Moura, que partiu em uma força Europa levadas por navios. Logo, o governo luso-
naval. espanhol começou a preparar uma grande força naval
Os franceses foram cercados no Maranhão, por mar e para recuperar a colônia antes que a companhia
por terra, e, sem esperança de reforços, para evitar que holandesa consolidasse sua conquista.
os portugueses os tratassem como piratas, renderam-se, Na Holanda, sabendo-se dos preparativos espanhóis,
em 1615. acelerou-se a prontificação dos reforços que deveriam
garantir a ocupação da Bahia.
3) INVASORES NA FOZ DO AMAZONAS A preparação de forças navais que projetassem poder
Após a ocupação do Maranhão, os portugueses a tão longa distância exigia um enorme esforço42. Era
resolveram dirigir sua atenção para os invasores da Foz necessário um planejamento cuidadoso de consideráveis
do Amazonas, enviando uma expedição que fundou o recursos financeiros, materiais e humanos. A força
Forte do Presépio, origem da cidade de Belém, para deveria ser composta de navios de diferentes tipos. Os
servir de base para suas ações militares. De lá, eles galeões eram os principais navios de guerra da época43 .
passaram a atacar os estabelecimentos dos ingleses, As fragatas do século XVII eram navios de guerra
holandeses e irlandeses, enforcando os que resistiam e semelhantes aos galeões, porém, menos armados e mais
escravizando as tribos de índios que os apoiavam. Esta velozes. As naus e urcas44 eram navios mercantes
violência e a criação de uma flotilha de embarcações armados com 10 a 20 canhões, o que lhes possibilitava,
(que agia permanentemente na região apoiando as ações também, um emprego militar. As caravelas, pequenas,
militares e patrulhando os rios) garantiram o bom êxito e 42
As provisões necessárias para as longas travessias e estadias
asseguraram a posse da Amazônia Oriental para Portugal demoradas no mar incluíam animais vivos, peixes e carnes salgados,
e, futuramente, para formar parte do território brasileiro. legumes e frutas secos – como ervilhas, lentilhas e figos –, azeite,
vinagre, vinhos, e outros gêneros secos e molhados, dos quais se
destacava o biscoito. Este, na realidade, bolachas feitas de farinha
de trigo – era um dos alimentos mais resistentes à deterioração, se
bem confeccionado e armazenado.
43
Variavam em tamanho; os maiores com uns 60 canhões e os
menores com cerca de 20 canhões.
41 44
Também da Espanha, nesse período da História conhecido como As urcas, muito utilizadas pelos holandeses, tinham uma forma de
União Ibérica. casco específica, com a popa arredondada.
EA-HSG 16 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:55

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


nem sempre com canhões, eram muito empregadas para da armada que libertara a Bahia em 162548. Cabe
desembarcar tropas. Havia, também, diversos outros observar que era necessário proteger com escoltas as
navios menores, como patachos, iates velozes e frotas que levavam a produção de açúcar para Portugal e
embarcações que complementavam a capacidade das as que levavam a produção mineral das colônias
forças navais. espanholas para a Espanha. Entre 1631 e 1640, dentro do
Considerando as populações da época – Holanda teria período da união com a Espanha, foram enviadas três
cerca de 1,5 milhão de habitantes e Portugal ainda esquadras luso-espanholas ao Brasil:49
menos do que isto – não era fácil conservar em segredo a Os holandeses também enviaram forças navais, com
preparação de uma força naval. Espiões mantinham as reforços de tropas, para proteger suas conquistas no
cortes européias bem informadas e seus informes eram Brasil. Ocorreram, conseqüentemente, encontros que
avaliados e utilizados para preparar contra-ofensivas. resultaram em diversos combates navais de porte.
Ocorreram verdadeiras corridas de forças navais para Destacam-se, entre eles:
alcançar a costa brasileira. Chegar primeiro podia ser • o Combate Naval dos Abrolhos, em 3 de setembro de
uma decisiva vantagem. 1631; e
Os luso-espanhóis conseguiram, desta vez, ficar • os combates navais que ocorreram intermitentemente
prontos antes dos holandeses e, em 22 de novembro, durante cinco dias, a partir de 12 de janeiro, na Batalha
partiu de Lisboa uma armada composta por 25 galeões, Naval de 1640.
dez naus, dez urcas, seis caravelas, dois patachos e No Combate Naval dos Abrolhos, os luso-espanhóis,
quatro navios menores, tendo a bordo 12.500 comandados por D. Antônio de Oquendo de Zandátegui,
marinheiros e soldados. Como comandante-geral, ia D. tinham 17 galeões, 23 navios mercantes carregados com
Fradique de Toledo Osório, Marquês de Villanueva de açúcar, 12 caravelas com tropas e três patachos. Os
Valdueza 45. holandeses, comandados por Adriaen Janszoon Pater,
A armada luso-espanhola chegou a Salvador em 29 de lutaram com 18 navios.
março de 1625. Era a maior força naval que até aquela A missão de Oquendo era desembarcar as tropas que
data atravessara o Atlântico. Cerca de 20 navios trazia em Pernambuco e na Paraíba; comboiar os navios
holandeses se abrigavam sob a proteção dos fortes e a mercantes que levariam ao reino a produção de açúcar e
cidade estava defendida pelas tropas holandesas. Logo, outros produtos do Brasil, até que estivessem livres de
iniciou-se o ataque luso-espanhol, que, pela ataques das forças holandesas de Pernambuco; e alcançar
superioridade de forças, não poderia encontrar muita o Caribe para comboiar a Frota da Prata para Espanha.
resistência. Depois de escalar em Salvador, a força naval luso-
Com a rendição dos holandeses, a cidade foi ocupada, espanhola partiu para cumprir sua missão. Devido ao
em 1o de maio46 . vento contrário, navegou para sueste para depois rumar
4.2) A OCUPAÇÃO DO NORDESTE BRASILEIRO para Pernambuco. Foram interceptados pela força naval
Em 1629, a Companhia das Índias Ocidentais holandesa na altura do Arquipélago dos Abrolhos.
resolveu dirigir seus esforços para Pernambuco em lugar Oquendo formou seus galeões em coluna e deu ordem
de tentar reconquistar a Bahia. aos navios do comboio para se posicionarem fora do
A força naval holandesa enviada conquistou Olinda combate. Os holandeses tinham planejado abordar cada
em 1630. Era comandada pelo General-do-Mar um dos maiores galeões luso-espanhóis com dois navios.
Wendrich Corneliszoon Lonck e trazia, além de uma Seguiu-se, portanto, um terrível combate, com tentativas
tripulação de 3.500 homens, três mil soldados. e sucessos de abordagens e bordadas bem próximas de
Soube-se dos preparativos com antecedência em artilharia. Como resultado, os holandeses perderam dois
Madri e Lisboa. O General Matias de Albuquerque47 , navios, inclusive o capitânia, que incendiou e explodiu,
que então estava na Europa, regressou ao Brasil para morrendo Adriaen Pater, e um outro navio ficou
organizar a reação, mas pouco pôde ser feito de efetivo, seriamente avariado. Os luso-espanhóis tiveram dois
restando, para os defensores, iniciar a defesa em terra navios afundados, um navio foi apresado pelos
depois da ocupação. holandeses e outro regressou a Salvador devido às
As providências luso-espanholas para recuperar grandes avarias sofridas. Nesse combate, morreram ou
Pernambuco, durante o período de união das duas desapareceram cerca de 700 homens, aproximadamente
coroas, encontraram dificuldades crescentes de recursos 280 ficaram feridos e 240 foram aprisionados.
e não lograram a mobilização das forças necessárias. O
tesouro espanhol, cada vez mais debilitado, não foi 48
Na realidade, uma força naval de porte semelhante ao da Jornada
capaz de arcar com um empreendimento semelhante ao dos Vassalos, que restaurara a Bahia, poderia ter vencido os
holandeses e reconquistado Pernambuco. Além de forças
insuficientes, os luso-espanhóis não souberam aproveitar as
oportunidades que tiveram de surpreender Recife nas ocasiões em
45 que estava mal guarnecido.
Esta expedição foi denominada a Jornada dos Vassalos por ser
composta de vários fidalgos, tanto portugueses quanto espanhóis,
49
A primeira, comandada por Don Antônio de Oquendo, que
voluntários para defender a causa da coroa ibérica. chegou em 1631; a segunda, comandada por Don Lope de Hoce,
46
A força naval holandesa com os reforços chegou em maio, tendo como comandante da Armada de Portugal Don Rodrigo Lobo,
atrasada para qualquer ação eficaz. que chegou em 1635; e a terceira, comandada pelo Conde da Torre,
47
Ex-governador do Brasil (1624-5) e por muito tempo de Don Fernando de Mascarenhas, que chegou em 1639.
Pernambuco.
EA-HSG 17 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:12:55

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


A vitória estratégica coube aos luso-espanhóis, que Assim, ocuparam Sergipe e Maranhão, no Brasil, e
não foram impedidos de cumprir integralmente sua Angola e São Tomé, na África.
missão. Os holandeses, porém, não perderam o controle Após a Restauração de Portugal, foi enviado um novo
do mar na costa nordeste brasileira, que já vinham governador-geral para o Brasil, Antônio Teles da Silva.
exercendo antes da chegada de Oquendo e que Embora oficialmente o governo português respeitasse a
continuaram dominando após a partida da força luso- trégua, para evitar uma guerra declarada contra a
espanhola para cumprir o restante de sua missão. Holanda, sigilosamente aprovava a insurreição no Brasil,
Na Batalha Naval de 1640, 66 navios e embarcações e o novo governador desempenhou papel de destaque no
luso-espanholas, transportando tropas da força naval, apoio a essa causa, podendo-se identificá-lo como seu
comandada pelo Conde da Torre 50, combateram primeiro organizador chefe. Iniciou-se, assim, em Pernambuco, a
30, depois 35 navios holandeses, inicialmente coman- campanha da insurreição contra os holandeses.
dados por Willem Loos. Em 1644, Teles da Silva resolveu reunir uma força
O Conde da Torre saiu de Salvador com o propósito naval para auxiliar os revoltosos, com base no que havia
de desembarcar tropas em Pernambuco. Os holandeses disponível. Os três navios mais fortes eram naus,
pretendiam evitar que ocorresse esse desembarque. As armadas com 16 canhões cada. Tripulações bisonhas
forças navais se encontraram no dia 12 de janeiro e faziam com que dificilmente essa força improvisada
travaram combates durante cinco dias, tendo se pudesse fazer frente aos profissionais holandeses e
combatido, de fato, em quatro deles. A iniciativa coube mercenários51 . O comando foi dado ao Coronel Jerônimo
aos holandeses que visavam a atingir com seus tiros os Serrão de Paiva.
cascos dos galeões luso-espanhóis, que se defendiam Haviam chegado ao Brasil, em fevereiro de 1645,
atirando nos mastros e velas, procurando imobilizar os dois galeões portugueses, o São Pantaleão, de 36
inimigos. Dessa vez os holandeses evitaram as canhões, e o São Pedro de Hamburgo, de 26 ou 30
abordagens. canhões. Eram parte da escolta da primeira frota
O Almirante Loos, comandante holandês, teve a comboiada que, após carregar no Rio de Janeiro,
cabeça arrancada por um tiro de canhão logo no início da regressou a Salvador, com o propósito de, em seguida,
batalha e foi substituído pelo vice-almirante. partir para Portugal. O almirante dessa frota era Salvador
No intervalo dos combates, os holandeses foram Correia de Sá e Benevides, filho de um carioca com uma
abastecidos com pólvora e munições por embarcações espanhola, que tinha suas propriedades principalmente
vindas de terra. Também receberam reforços de mais no Rio de Janeiro.
cinco navios. Decidiu o Governador Teles da Silva executar, com
Para os luso-espanhóis, a batalha de 1640 foi uma auxílio de Salvador de Sá, um plano para ocupar o
derrota estratégica. Após cinco dias, não haviam Recife. Deveriam os galeões se juntar aos navios de
desembarcado as tropas em Pernambuco. Os combates Serrão de Paiva e, caso os holandeses fossem ingênuos o
levaram a força naval do Conde da Torre muito para o suficiente, ou se a população se revoltasse, tentar
norte, ao longo do litoral do Nordeste, e tinha, entre ela e desembarcar na cidade.
Pernambuco, a força holandesa muito pouco desfalcada. Na noite de 11 de agosto, 37 navios portugueses,
O desembarque das tropas acabou se realizando no atual incluindo os dois galeões, fundearam em frente ao
Estado do Rio Grande do Norte e o Conde da Torre Recife. Vigorava a trégua e, portanto, oficialmente, as
regressou a Salvador com sua força naval. hostilidades não estavam autorizadas. Os navios
Os holandeses, por sua vez, conseguiram manter o holandeses permaneceram no porto, aguardando os
domínio do mar e se aproveitaram dele para bloquear os acontecimentos e, em terra, estavam dispostos a resistir a
portos principais e atacar o litoral do Nordeste do Brasil, qualquer tentativa de desembarque.
expandindo sua conquista. Salvador de Sá, que estava com mulher e filhos a
4.3) A INSURREIÇÃO EM PERNAMBUCO bordo do São Pantaleão, mandou entregar uma carta sua
Em 1o de dezembro de 1640, ocorreu a Restauração e outra de Serrão de Paiva, alegando que estavam ali
para ajudar os holandeses no restabelecimento da paz em
de Portugal, sendo o Duque de Bragança aclamado rei,
Pernambuco. Não houve resposta imediata. Convocado
com o nome de D. João IV.
um conselho a bordo do São Pantaleão, concordaram os
Em junho de 1641, assinou-se uma trégua de dez anos comandantes dos navios portugueses que não havia
com os holandeses em Haia. Essa trégua interessava à condições favoráveis para atacar ou manter um bloqueio
Companhia, que via seus lucros consumidos pelas ações do Recife52.
militares, e aos portugueses, que, no momento, estavam
em guerra com a Espanha e precisavam reduzir as
frentes de combate. 51
Não eram só holandeses, havia muitos alemães e outros
protestantes do Norte da Europa nas forças da Companhia das Índias
Como sempre ocorre às vésperas de uma trégua,
Ocidentais.
trataram os holandeses de alargar suas conquistas. 52
É discutível a disposição de Salvador de Sá em se engajar nessa
aventura. Teles da Silva o acusou de não querer cooperar. Quando
se explicou com D. João IV, mais tarde, suas justificativas foram
50
D. Fernando de Mascarenhas, governador e capitão-general do aceitas, provavelmente porque estavam coerentes com a política do
Estado do Brasil (1631-1640). rei.
EA-HSG 18 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:22

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


No dia 13, o mau tempo obrigou os navios a governador e capitão-general do Estado do Brasil, em
buscarem o alto-mar. Durante todo o dia 12, no entanto, substituição a Teles da Silva. Compunha-se essa
tinham sido admirados pelo povo pernambucano e o que, esquadra de 20 navios: 11 galeões, uma urca, duas naus,
depois, ficou conhecido como A Jornada do Galeão, duas fragatas e quatro navios menores.
acabou sendo, somente, um ato de emprego político do Partiu o Conde de Vila Pouca de Aguiar de Lisboa,
Poder Naval pelos portugueses, influenciando as mentes em 18 de outubro de 1647, chegando a Salvador em 24
e as atitudes, sem uso de força. de dezembro.
No dia 14, chegou, em alto-mar, a carta-resposta Enquanto isso, em 7 de novembro, saía também de
holandesa. Estranhava o auxílio oferecido e pedia que se Lisboa, com destino ao Rio de Janeiro, uma força naval
retirassem do Recife. comandada por Salvador de Sá, com o propósito de
Durante o mau tempo, Serrão de Paiva separou-se de libertar Angola, na África.
Salvador de Sá e, depois de alguma insistência em A missão da esquadra do Conde de Vila Pouca de
permanecer em alto-mar no litoral de Pernambuco, Aguiar não era expulsar os holandeses de Pernambuco,
resolveu se abrigar na Baía de Tamandaré53 . Teria feito ou atacar Recife, mas, sim, proteger Salvador e expulsar
melhor se fosse para a Baía de Nazaré, já nas mãos dos os invasores da Ilha de Itaparica. A perda de Salvador
revoltados. Salvador de Sá seguiu para Lisboa com o seria, sem dúvida, desastrosa para Portugal e para a
comboio. causa dos revoltosos.
No dia 9 de setembro de 1645, o Almirante holandês Na Holanda, sabendo-se da Armada do Socorro do
Lichthardt resolveu atacar Serrão de Paiva. Os Brasil portuguesa, organizou-se uma força naval sob o
portugueses contavam com sete naus, três caravelas e comando do Vice-Almirante Witte Corneliszoon de
quatro embarcações, com uma tripulação de mil homens With. Os holandeses também encontraram dificuldades
aproximadamente, e estavam fundeados. Lichthardt de recursos para preparar essa força, composta de navios
investiu a barra com oito navios holandeses e foi abordar dos Estados Gerais e da Companhia. Houve até oposição
os navios portugueses dentro da baía. política a começar uma nova guerra.
A resistência se limitou ao bravo Serrão de Paiva e a Os navios holandeses saíram aos poucos dos portos e,
poucos homens de seu navio. A maioria dos marinheiros somente em março de 1648, alcançaram Recife.
e soldados portugueses, e provavelmente também alguns Encontraram uma situação muito desfavorável. As forças
brasileiros, se lançou ao mar, nadando para a praia. holandesas tinham se retirado de Itaparica e somente
Seguiu-se uma verdadeira carnificina de fugitivos e uma restava em poder da Companhia, além do Recife, a Ilha
conseqüente derrota fragorosa, com muitos mortos, de Itamaracá e os Fortes do Rio Grande do Norte e da
prisioneiros, inclusive o Serrão de Paiva ferido, e navios Paraíba.
queimados ou apresados e levados para Recife. Os Ao chegar ao Recife, De With encontrou indefinições
documentos e a correspondência sigilosa,
sobre a ação a tomar no mar. A decisão da Companhia
comprometedores quanto ao envolvimento das era lançar suas forças de terra, reforçadas pelas tropas
autoridades portuguesas na revolta, caíram, também, nas
trazidas por De With, para vencer os rebeldes luso-
mãos dos holandeses. brasileiros, aliviando a pressão que já exerciam sobre
Com o domínio do mar novamente assegurado, os Recife.
holandeses puderam movimentar suas tropas de reforço, Em 19 de abril de 1648, travou-se a Primeira Batalha
sem risco de oposição no mar. Assim, puderam dos Guararapes e os holandeses, mais numerosos e com
organizar ataques para diminuir a pressão que os a fama de estarem entre os melhores soldados da Europa
insurretos já exerciam sobre seus principais pontos de então, foram derrotados no campo de batalha
estratégicos. escolhido pelos luso-brasileiros.
Em fevereiro de 1647, os holandeses atacaram e Restava para a Companhia agir no mar, bloqueando
ocuparam a Ilha de Itaparica, com uma força naval os portos brasileiros, tentando capturar a Frota do
comandada pelo Almirante Banckert. O propósito era Açúcar e atacando pontos do litoral. O bloqueio, apesar
ameaçar Salvador. de exigir dos marinheiros longas estadias no mar, com
O ataque a Itaparica incentivou D. João IV a iniciar a conseqüentes problemas sanitários e alimentares, tinha
preparação de uma força naval para enviar ao Brasil. As como incentivo a possibilidade de fazer presas, havendo
dificuldades financeiras e materiais eram muito grandes participação da tripulação no resultado financeiro da
para o empobrecido Portugal. Foi necessário conseguir venda dos navios e das cargas apresadas.
empréstimos de particulares, a serem amortizados com o Fez-se ao mar De With, tendo atenção ao bloqueio de
imposto sobre o açúcar do Brasil. Salvador, onde a poderosa força naval do Conde de Vila
D. João IV designou Antônio Teles de Menezes Pouca de Aguiar se mantinha inativa. Em dezembro,
comandante da “Armada de Socorro do Brasil”, fazendo- aproveitou, também, para atacar os engenhos de açúcar
o Conde de Vila Pouca de Aguiar e nomeando-o situados no litoral da Baía de Todos os Santos, sem ser
molestado pela força naval portuguesa, que mantinha
53
Origem do nome do título do Patrono da Marinha, Joaquim seus navios protegidos pela artilharia das fortificações de
Marques Lisboa, naquele local seu irmão mais velho fora enterrado terra de Salvador.
por ocasião da Revolução Pernambucana.
EA-HSG 19 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:22

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Em novembro de 1648, chegou a notícia da vitória de Por décadas, o Poder Marítimo holandês havia
Salvador de Sá, com a rendição dos holandeses em preponderado nos oceanos, mas, em meados do século
Angola, no que poderia se chamar de primeira projeção XVII, reapareceu a concorrência séria da Grã-Bretanha,
brasileira de poder para o exterior, pois o Rio de Janeiro que teve como conseqüência a Guerra Anglo-Holandesa de
foi a base para a libertação de Angola e muitos 1652-54. Tornou-se, portanto, inviável para os holandeses
brasileiros participaram da luta, inclusive índios. Isso manter o domínio do mar permanente na costa do Brasil.
levantou o ânimo dos portugueses para continuar a luta Em dezembro de 1653, a quarta frota da Companhia do
no Brasil. Ficou evidente que somente com a Brasil portuguesa chegou ao Brasil. O comandante da frota,
organização de comboios, fortemente escoltados, seria Pedro Jaques de Magalhães, decidiu bloquear o Recife e
possível manter as rotas de navegação entre Portugal e apoiar os revoltosos luso-brasileiros. As posições
Brasil. Criou-se, então, a Companhia Geral do Comércio holandesas foram, sucessivamente, sendo conquistadas e a
do Brasil. rendição do Recife finalmente ocorreu no final de janeiro
de 1654.
Em fevereiro de 1649, a Companhia das Índias
O longo êxito dos holandeses no Brasil foi resultante do
Ocidentais resolveu repetir, em terra, o ataque às forças
domínio do mar esmagador que conseguiram manter
rebeldes, em Guararapes. Novamente os holandeses
durante quase todo o período da ocupação. Mesmo quando
foram derrotados, ficando óbvio para eles que sem um Recife já estava cercado e era inviável vencer em terra,
novo socorro da Europa nada mais poderia ser feito em ainda conseguiram, por longos anos, suprir a cidade por
terra. mar.
Poder-se-ia dizer que, na longa guerra mundial travada
4.4) A DERROTA DOS HOLANDESES NO entre holandeses e portugueses, os holandeses foram
RECIFE derrotados no Brasil, venceram na Ásia e houve empate na
Apesar de ainda terem o domínio do mar, iniciou-se África e Europa.
uma grande deterioração do ânimo do pessoal
embarcado, com motins, destituições de comandantes e 5) CORSÁRIOS FRANCESES NO RIO DE JANEIRO
navios que regressaram para a Holanda amotinados. NO SÉCULO XVIII
Queixava-se De With, em cartas para o governo A França utilizou a estratégia de empregar corsários
holandês, da dificuldade de realizar as manutenções para, através de ações que visavam ao lucro, causar danos
necessárias em seus navios, das condições precárias de nos mares a seus inimigos. Eles não eram piratas, pois
vida de seus marinheiros e da necessidade de reforços, tinham uma carta de corso, que lhes dava a autorização real
para que não se perdesse o Brasil. para agir. Tinham, portanto, o direito de serem tratados
No final de 1649, o próprio De With passou a como prisioneiros de guerra, enquanto os piratas podiam
solicitar seu regresso para a Holanda e, logo depois, ser enforcados se apanhados.
partiu, à revelia da Companhia das Índias. Em dezembro, As riquezas do Rio de Janeiro emergente atraíram a
os outros navios dos Estados Gerais se amotinaram e cobiça de dois franceses. O primeiro foi Duclerc, que
iniciaram o regresso para a Europa, sem autorização. acabou sendo derrotado depois de invadir a cidade. Preso,
Em fevereiro de 1650, a primeira frota da Companhia acabou assassinado, por alguma razão pouco esclarecida,
do Comércio do Brasil portuguesa, com 18 navios de mas não relacionada com seu ataque. O segundo foi
Duguay-Trouin, que veio com uma considerável força
guerra, chegou ao Brasil. Não tinha ordens para atacar
naval, conquistou a Ilha das Cobras, depois o Morro da
Recife. D. João IV ainda temia uma guerra com a Conceição e, de lá, logrou ocupar a cidade que, ameaçada
Holanda na Europa e preferiu manter a situação informal de ser incendiada, rendeu-se. Saqueou o Rio de Janeiro e
no Brasil, procurando obter resultados através de somente o deixou após receber um resgate.
negociações diplomáticas e da guerra de insurreição.
Perdia-se, novamente, uma oportunidade, pois os
holandeses, já sitiados em terra, não mais contavam com 6) GUERRAS, TRATADOS E LIMITES NO SUL
a força naval de De With. DO BRASIL
Em abril de 1650, Recife recebeu o reforço de 12 navios A fronteira do Sul do Brasil demorou para ser
holandeses, o que permitiu recuperar o domínio do mar e definida devido ao interesse, tanto de Espanha quanto de
bloquear o Cabo de Santo Agostinho, local por onde as Portugal, pelo domínio da região platina. Assim, vários
forças de terra luso-brasileiras recebiam suas provisões. A tratados foram assinados, e, na seqüência, descumpridos,
força do Conde de Vila Pouca de Aguiar ainda estava em ora por um ora por outro, sendo caracterizado esse
Salvador, porém com ordem de somente entrar em combate período como a fronteira do vai-e-vem.
se atacada. No final de 1650, partiu para Portugal,
escoltando a frota da Companhia do Brasil.
6.1) TRATADO DE LISBOA (1681)
Vieram ao Brasil outras frotas da Companhia
portuguesa e os holandeses conseguiram enviar outras Já no primeiro ano de sua fundação, a colônia de
forças navais, mas os dias do domínio holandês estavam Sacramento foi atacada e reconquistada aos espanhóis
contados. A Companhia das Índias Ocidentais não lograra pelo governador de Buenos Aires, sendo devolvida aos
alcançar um bom êxito econômico e financeiramente estava portugueses em 1683, após a assinatura, em 1681, do
muito mal. Recife continuava estrangulado pelos insurretos Tratado de Lisboa.
luso-brasileiros.
EA-HSG 20 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:22

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


6.2) TRATADO DE UTRECHT (1715) instabilidade que existia nas relações entre as duas
A morte do Rei da Espanha Carlos II, em novembro de colônias.
1700, levou as maiores potências européias a engajarem-se Procurando solucionar suas questões de limites,
no conflito que ficou conhecido como Guerra da Sucessão Portugal e Espanha resolveram assinar, em 1750, o
de Espanha, que durou quase 15 anos e teve seus reflexos Tratado de Madri que, dentre outras, estabeleceu a posse
estendidos para o continente americano. Nesse conflito, da Colônia de Sacramento para Espanha e a de Sete
Portugal e Espanha ficaram em lados opostos e, como Povos das Missões para Portugal. Esse tratado foi fruto
conseqüência, a Colônia de Sacramento foi novamente do trabalho de Alexandre de Gusmão, secretário de D.
ocupada pelos espanhóis em 1705. João V, junto ao qual teve grande influência. Foram
O Tratado de Utrecht – celebrado em 1715 entre as nomeadas duas comissões para demarcarem a fronteira,
duas nações – legitimou a presença portuguesa na região uma para o norte – onde Portugal teve como
do Prata com a restituição aos lusos da Colônia de representante Francisco Xavier de Mendonça Furtado
Sacramento. (irmão do Marquês de Pombal) – e outra para o sul,
sendo o representante português Gomes Freire de
6.3) TRATADO DE MADRI (1750)
Andrade. A troca estabelecida pelo tratado não foi
O conflito ocorrido entre as cortes portuguesa e
efetuada, pois os índios que viviam nas Missões se
espanhola entre 1735 e 1737 motivou a terceira investida recusaram a deixar o local, empreendendo uma
hispânica sobre a Colônia de Sacramento. Cumprindo
resistência armada, levando os luso-espanhóis a
ordem do governador de Buenos Aires, em junho de
responderem com uma ação militar conjunta que, em
1735, navios espanhóis já empreendiam um bloqueio 1756, por meio da força, ocuparam a região54.
marítimo à colônia lusa enquanto quatro mil soldados
realizavam um sítio por terra. 6.4) TRATADO DO PARDO (1761)
No Rio de Janeiro o governador interino, Brigadeiro Celebrado entre portugueses e espanhóis, anulou os
José Silva Paes, preparou e enviou, às pressas, uma força efeitos do Tratado de Madri e estabeleceu que a Colônia
naval para socorrer a colônia. Assim que chegou a região de Sacramento voltasse a ser de Portugal. Durante a
do Prata, essa força naval dissipou o bloqueio que os Guerra dos Sete Anos (1756-1763), Portugal e Espanha
navios espanhóis vinham impondo à Colônia de voltaram a ficar em lados opostos quando, em 1761, a
Sacramento. Espanha assinou um tratado de aliança com a França, o
Em Portugal, o recebimento da notícia do assédio que levou a Grã-Bretanha a declarar guerra aos
espanhol à colônia lusa levou o rei a ordenar o preparo espanhóis. Como conseqüência, Portugal, que apoiava os
de uma força naval que foi constituída de duas naus e britânicos, foi invadido, em 1762, por forças hispânicas e
uma fragata. Essa força suspendeu de Lisboa em março conseqüentemente a guerra se propagou para o Sul do
de 1736. Ao chegar ao Rio de Janeiro, recebeu reforços e Brasil.
a ela se juntou o Brigadeiro Silva Paes, contendo ordens Na região do Prata, o governador de Buenos Aires
de socorrer a Colônia de Sacramento, se possível ordenou ao comandante do bloqueio, que estava sendo
reconquistar Montevidéu (fundada e abandonada pelos feito à Colônia de Sacramento, que fosse restabelecido o
luso-brasileiros e novamente fundada pelos espanhóis) e tiro de canhão como limite reconhecido para a praça e
fortificar o Rio Grande de São Pedro. “convidasse” o governador da Colônia de Sacramento a
Em 1736, foi preparada por Gomes Freire de desocupar imediatamente as Ilhas de Martin Garcia e dos
Andrada, por ordem real, uma expedição para socorrer a Hermanos. Ainda delegou ao capitão Francisco Gorriti a
praça sitiada e, se possível, reconquistar Montevidéu. O incumbência de viajar até a Vila de Rio Grande para
comando dessa expedição coube ao Brigadeiro José da entregar, ao comandante da mesma, um ofício, em que
Silva Paes, que também tinha ordens para fortificar o exigia a desocupação daquelas terras, já que, com a
Rio Grande de São Pedro. nulidade do Tratado de Madri, as terras voltavam a
A força naval portuguesa no Prata combateu os pertencer à Espanha. O Governador de Buenos Aires, D.
espanhóis, apoiou a Colônia de Sacramento e estabeleceu o Pedro Antônio Cevallos, tinha ambicioso projeto de
domínio do mar na região. Após alcançar esses objetivos, dominação do Sul do Brasil, e preparou-se militarmente
parte dessa força regressou ao Rio de Janeiro. para atacar a Colônia de Sacramento, recebendo reforços
O Brigadeiro Silva Paes permaneceu no sul e, após da Espanha em navios, material de artilharia e munição.
ameaçar um ataque a Montevidéu – que não ocorreu A Colônia de Sacramento dispunha para sua defesa de
devido ao grande risco dos navios ficarem encalhados uma pequena tropa, que não excedia 500 homens, e o
naquela baía –, decidiu partir para o Rio Grande de São Governador Vicente da Silva Fonseca respondia às
Pedro e cumprir a missão de fortificá-la. Ao chegar, intimações de Cevallos procurando ganhar tempo,
tratou o Brigadeiro Silva Paes de organizar suas defesas enquanto aguardava reforços. Em outubro de 1762, a
e mandou construir o forte que denominou Jesus, Maria Colônia de Sacramento foi atacada pela quarta vez e, não
e José. Estavam assim criadas as condições para o início obstante a resistência oferecida pelos portugueses,
da povoação dessa região, que recebeu mais tarde casais capitulou.
açorianos para ocupar a terra.
Mesmo após a assinatura por portugueses e espanhóis
do armistício de 1737, o bloqueio terrestre a Colônia de 54
Esse conflito ficou conhecido como a Guerra Guaranítica (1753-
Sacramento continuou, demonstrando a grande 1756) e foi contada no poema O Uraguai, de José Basílio da Gama.
EA-HSG 21 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:22

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Os espanhóis continuaram avançando sobre terras O Tratado de Badajós pôs fim à guerra da França e
ocupadas pelos luso-brasileiros e com superioridade de Espanha contra Portugal, tendo a Espanha, por direito de
forças tomaram o Rio Grande de São Pedro em 1763. guerra, conservado a praça de Olivença, e Portugal
Apesar de ter sido restabelecida a paz entre as duas recuperado no sul da América o território dos Sete Povos
nações após a assinatura do Tratado de Paris, o das Missões Orientais do Uruguai.
governador de Buenos Aires restituiu a Colônia de CRONOLOGIA
Sacramento, mas continuou com a ocupação do Rio
Grande de São Pedro, que pretendia tornar definitiva DATA EVENTO
tendo como base o Tratado de Tordesilhas. Não obstante Chegada de Nicolau Durand de Villegagnon ao
a reclamação dos portugueses por via diplomática, foi 1555
Rio de Janeiro, instalação da França Antártica.
necessário empreender uma ação militar, na qual tropas Ataque da força naval portuguesa ao Forte
luso-brasileiras, comandadas pelo Tenente-General João 1560
Coligny.
Henrique Boehm (alemão a serviço de Portugal), Fundação da cidade de São Sebastião do Rio de
juntamente com o emprego da Esquadra portuguesa, 1565 Janeiro por Estácio de Sá. Expulsão dos
reconquistaram o Rio Grande de São Pedro em abril franceses do Rio de Janeiro.
1776. 1580
Em 1777, os espanhóis protestaram contra a tomada a União Ibérica.
do Rio Grande pelos portugueses e após insucessos 1640
diplomáticos decidiram enviar uma poderosa expedição Parte da França uma expedição com o intento
sob comando de D. Pedro de Cevallos, nomeado 1612 de fundar outra colônia no Brasil, desta fez no
primeiro vice-rei do Rio da Prata. Coube ao Marquês da Maranhão
Casa de Tilly o comando da força naval espanhola, que Formada a primeira força naval comandada
era composta de 19 navios de guerra e 26 de transporte. por brasileiro nato (Jerônimo de
1614
Embora providências tenham sido tomadas, no sentido Albuquerque), para combater os franceses no
de combater tal ameaça pelo Marquês de Pombal, os Maranhão.
espanhóis ocuparam a Ilha de Santa Catarina e pela 1615
Rendição e expulsão dos franceses no
quinta vez atacaram a Colônia de Sacramento. Maranhão pelas forças lusas.
Criação da Companhia das Índias Ocidentais
1621
6.5) TRATADO DE SANTO ILDEFONSO (1777) pelos holandeses.
Com a morte de D. José I, em fevereiro de 1777, 1624
Chegada da força naval holandesa a Salvador e
assumiu o trono de Portugal D. Maria I. Na tentativa de inicio do ataque.
resolver as questões de limites entre os dois países foi Chegada da armada luso-espanhola
assinado em 1o de outubro de 1777 o Tratado de Santo 1625 (denominada Jornada dos Vassalos) a Salvador
Ildefonso. Por este tratado, ficou estabelecido a e expulsão dos holandeses.
restituição a Portugal da Ilha de Santa Catarina, porém 1630 Invasão holandesa em Pernambuco.
os lusos perderam a Colônia do Santíssimo Sacramento 1631 Combate Naval de Abrolhos.
(atual Uruguai) e a região dos Sete Povos das Missões. Restauração Portuguesa.
Este tratado deixou os espanhóis com o domínio 1640
Batalha Naval de 1640.
exclusivo do Rio da Prata, sendo deveras desvantajoso Assinatura de Tratado de Trégua entre
para Portugal. 1641 Portugal e Holanda. Invasão holandesa em
Sergipe, Maranhão, Angola e São Tomé.
6.6) TRATADO DE BADAJÓS (1801)
1648 Rendição dos holandeses em Angola.
A estabilidade entre as relações luso-espanholas foi
1649 Holandeses são derrotados em Guararapes.
afetada quando Napoleão Bonaparte, desejoso de
castigar Portugal por participar, com seus navios, de 1652
cruzeiros ingleses no Mediterrâneo e visando a trazer os a Guerra Anglo-Holandesa
portugueses para zona de influência francesa, forçou a 1654
Espanha a declarar guerra a Portugal em 1801. O Rendição dos holandeses em Recife, término da
1654
rompimento das relações entre os dois países na Europa ocupação holandesa.
durou poucas semanas, sem ações militares dignas de 1681 Tratado de Lisboa
registro, ficando o episódio conhecido como a Guerra 1715 Tratado de Utrecht
das Laranjas. Na América, porém, a chegada da notícia
1750 Tratado de Madri
sobre o conflito entre as duas coroas desencadeou o
1756
rompimento de hostilidades entre as populações de Guerra dos Sete Anos entre Portugal e
fronteiras. No Rio Grande de São Pedro, tropas foram a
Espanha
aprestadas para defenderem as fronteiras, ainda em 1763
demarcação, e os luso-brasileiros invadiram e 1761 Tratado do Pardo
conquistaram Sete Povos das Missões, do lado espanhol, 1777 Tratado de Santo Ildefonso
e os hispano-americanos invadiram o Sul de Mato 1801 Tratado de Badajós.
Grosso.

EA-HSG 22 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:22

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


CAPÍTULO IV - FORMAÇÃO DA MARINHA famosa carta régia que abriu ao comércio estrangeiro os
IMPERIAL BRASILEIRA portos do país; e a 7 de março de 1808, D. João, à testa
de uma força naval composta por três naus, um
1) SINOPSE bergantim e um transporte60, entrou na Baía de
Emergindo das dificuldades do período Guanabara. A bordo também vinham os integrantes da
revolucionário (1789-1799), a França erguia-se perante a Brigada Real da Marinha encarregados da artilharia e
Europa aristocrática com o grande Exército chefiado por defesa dos navios.61
Napoleão Bonaparte. As notáveis vitórias militares Vamos ver neste capítulo o que ocorreu quanto ao
francesas subjugaram a maior parte do Velho Mundo e estabelecimento da Marinha na Corte e a política externa
esse expansionismo teve repercussões intensas na de D. João, caracterizada pela invasão da capital da
própria América, abrindo caminho para a emancipação Guiana Francesa, Caiena e a ocupação da Banda
política das colônias ibéricas. Oriental, atual Uruguai.
As guerras napoleônicas (1804-1815) foram No campo interno, veremos a Revolta Nativista de
caracterizadas por dois aspectos: o primeiro na luta de 1817, movimento separatista ocorrido em Pernambuco,
uma nação burguesa55 contra uma Europa aristocrática; e em que a Marinha atuou na sua repressão, bloqueando o
o segundo na luta entre França e Inglaterra. Com a porto de Recife.
derrota da Marinha francesa na Batalha de Trafalgar Com o retorno de D. João VI para Portugal,
(1805) para a Marinha inglesa, muito superior, decide permaneceu no Brasil seu filho D. Pedro I, que passou a
Napoleão investir contra seus inimigos continentais sofrer pressão das Cortes de Portugal para que
(Áustria e Prússia) e, ao tomar Berlim, iniciou uma regressasse a Lisboa. Como conseqüência, temos o Dia
guerra econômica à Inglaterra, estabelecendo, em 1806, do Fico (9 de janeiro de 1822) e posteriormente, após
o bloqueio continental 56. Os demais estados europeus novas pressões, D. Pedro I proclama a Independência do
foram concitados a aderir ao bloqueio, dentre eles Brasil.
Portugal. Para concretizar a nossa Independência e levar a
Portugal sempre manteve laços comerciais com a todos os recantos do litoral brasileiro a notícia do dia
Inglaterra e a sua não adesão ao bloqueio 57 foi Sete de Setembro, foi necessário organizar força naval
determinante para a decisão de sua invasão por Exército capaz de atingir todas as províncias e fazer frente aos
francês sob o comando do General Junot. Ao saber da focos de resistência à nova ordem.
chegada do exército invasor de Napoleão, o Conselho de Vamos então, iniciar esta viagem.....
Estado com o Príncipe Regente D. João 58 acordaram na
retirada para o Brasil de toda a família real. 2) VINDA DA FAMÍLIA REAL
A 29 de novembro de 1807, a família real embarca
rumo ao Brasil. O comboio de transportes que conduziu 2.1) A CORTE NO RIO DE JANEIRO
todo o aparato (15 mil pessoas, dentre militares e civis) Junto com a família real, todo o aparato burocrático e
era de 30 navios e várias embarcações 59. Este comboio administrativo foi transferido para o Rio de Janeiro.
era protegido por uma escolta inglesa composta por 16 Dentre as primeiras decisões de D. João, já no dia 11 de
naus. março de 1808, está a instalação do Ministério dos
A 22 de janeiro de 1808, a Nau Príncipe Real, onde o Negócios da Marinha e Ultramar, que continuou a ter o
Príncipe Regente D. João encontrava-se embarcado, mesmo regulamento instituído pelo Alvará de 1736 em
chegou à Bahia. A 28, D. João proclamava a Portugal.
independência econômica do Brasil com a publicação da A seguir, foram sucessivamente criadas ou
estabelecidas várias repartições necessárias ao
55
Com o desenvolvimento econômico e, conseqüentemente, o funcionamento do Ministério da Marinha, tais como:
aparecimento das cidades, surgiu na Europa uma classe social Quartel-General da Armada, Intendência e Contadoria,
composta por indivíduos que se caracterizavam pelas suas Arquivo Militar, Hospital de Marinha, Fábrica de
atividades lucrativas e por não exercer qualquer trabalho manual ou Pólvora e Conselho Supremo Militar62.
artesanal (o burguês). Gradativamente, infiltraram-se na aristocracia
e passaram a dominar a vida política, econômica e social a partir da
A Academia Real de Guardas-Marinha, que também
Revolução Francesa. acompanhou a família real, teve sua instalação nas
56
O Decreto de Berlim, assinado em 1806, estabelecia o bloqueio dependências do Mosteiro de São Bento, se tornando,
continental. Tratava-se de medidas protecionistas, pelas quais países desta feita, o primeiro estabelecimento de ensino
europeus associados e aliados à França deviam abster-se de importar superior no Brasil.
mercadorias inglesas.
57
Pela Convenção Secreta de Londres, de 1807, entre Inglaterra e
60
Portugal, decidiu-se dentre outras providências, a mudança da sede Naus Príncipe Real, Afonso de Albuquerque e Medusa, da Nau
da monarquia portuguesa para o Brasil e a assinatura de novo inglesa Bedford, da Fragata Urânia, do Bergantim Três Corações e
tratado de comércio quando da sua chegada. Transporte Imperador Alexandre.
58 61
A partir de 1799 até a sua ascensão ao trono, João governou o O desembarque no Rio de Janeiro da Brigada Real da Marinha,
país como regente em nome da sua mãe, Maria I, doente mental. em 7 de março de 1808, é considerado o marco zero da história dos
59
Charruas e algumas fustalhas (embarcação comprida e estreita, de Fuzileiros Navais. CURIOSIDADE
62
pequeno calado, proa lançada e armada de esporão, dotada de 10 a Salvo o Conselho Supremo, o Arquivo, a Contadoria e a Fábrica
26 bancos de remadores, mastro envergando vela bastarda, e tendal de Pólvora, as demais repartições citadas eram verdadeiro
à popa). desdobramento das já existentes em Portugal.
EA-HSG 23 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:22

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


No tocante à infra-estrutura já existente no Rio de A 1o de dezembro, nossas tropas desembarcaram no
Janeiro, observamos que o Arsenal Real da Marinha, território inimigo, ficando o comando da expedição
localizado então ao pé do morro do Mosteiro de São Bento, assim repartido: o Tenente-Coronel Manuel Marques
cuja criação data de 29 de dezembro de 1763, teve sua dirigiria as forças terrestres; os navios ficariam sob as
capacidade ampliada para poder apoiar a recém-chegada ordens do Comodoro Yeo. Este, com os navios menores
Esquadra63 . (os demais, foram bloquear Caiena por mar), subiu o
3) POLÍTICA EXTERNA DE D. JOÃO E A Oiapoque e foi dominando, sem maior resistência, os
ATUAÇÃO DA MARINHA pontos fortificados que ia encontrando. Quatro escunas
francesas foram aprisionadas, incorporadas e rebatizadas
3.1) A CONQUISTA DE CAIENA de Lusitana, D. Carlos, Sydney Smith e Invencível
Diante da invasão do território continental português Meneses.
pelas tropas do General Junot, D. João assinou, a 1o de O governador de Caiena, Victor Hughes, tratou, em
maio de 1808, manifesto declarando guerra à França, vão, de preparar a resistência, levantando baterias,
considerando nulos todos os tratados que o imperador dos fortificando os melhores pontos estratégicos e
franceses o obrigara a assinar, principalmente o de Badajó guarnecendo os fortes. As forças de ataque foram
e de Madri, ambos de 1801, e o de neutralidade, de 1804. ganhando terreno, apertando cada vez mais o cerco à
Os limites entre o Brasil e a Guiana Francesa voltaram a Caiena, até sua rendição final, a 12 de janeiro de 1809. A
ser questionados. importância dessa operação recai na condição de ter sido
Como a guerra não poderia ser levada a cabo no o primeiro ato consistente de política externa de D. João
território europeu, e sendo importante a ocupação de realizada por meio militar, contando com forças navais e
território inimigo em qualquer guerra, o objetivo ideal se terrestres anglo-luso-brasileira.
tornou a colônia francesa. Determinou então a Corte ao
Capitão-General da Capitania do Grão-Pará, Tenente- A ocupação portuguesa da Guiana Francesa durou
Coronel José Narciso Magalhães de Meneses, que ocupasse mais de oito anos. Embora temporária, esta ocupação foi
militarmente as margens do Rio Oiapoque. Ordem da maior valia para a fixação dos limites do País,
recebida, tratou de arregimentar pessoal e material, se porquanto, na ocasião de sua devolução, em 1817,
valendo inclusive (diante dos escassos recursos existentes ficaram tacitamente estabelecidos os limites do
nos cofres da capitania) de subscrição popular. Oiapoque.
Em outubro de 1808 a força estava pronta. Sob o 3.2) A BANDA ORIENTAL
comando do Tenente-Coronel Manuel Marques d’Elvas
Portugal, compunha-se de duas companhias de granadeiros, Outro movimento importante de D. João na política
duas companhias de caçadores e uma bateria de artilharia, externa foi a ocupação da Banda Oriental, com grande
totalizando 400 homens de armas. Para conduzir essa força destaque para o papel que desempenhou a Marinha, não
ao lugar de destino, aprestou-se uma esquadrilha composta só no transporte das tropas, desde Portugal66 (já liberado
por dez embarcações64. A 3 de novembro, a esquadrilha foi do domínio francês), como também em todo o desenrolar
acrescida de três navios vindos da Corte: Corveta inglesa da ocupação.
Confidence (comando do Capitão-de-Mar-e-Guerra James O movimento de independência da América
Lucas Yeo), Brigue Voador (comando do Capitão-Tenente espanhola provocou o aparecimento de novas nações
José Antônio Salgado), Brigue Infante D. Pedro (comando americanas, cada qual com lideranças individuais. Foi o
do Capitão-Tenente Luís da Cunha Moreira) 65. Juntos caso do Uruguai, então chamado de Banda Oriental, que
traziam um reforço de 300 homens. Tinham ordens de se recusava a fazer parte das Províncias Unidas do Rio
ocupar o território da Guiana Francesa e submeter da Prata, encabeçada por Buenos Aires. Seu líder, José
Caiena. Gervásio Artigas67 arregimentou as camadas populares
contra o domínio espanhol e também contra o ideal da
63 anexação promovido por Buenos Aires. Neste intento,
O primeiro estaleiro organizado oficialmente foi a Ribeira das
Naus de Salvador, depois Arsenal de Marinha da Bahia, fundada invadiu as fronteiras portenhas e brasileiras, o que
oficialmente no final do século XVI. Apesar das dificuldades, o ocasionou o acordo entre as duas últimas para uma ação
estaleiro de Salvador desenvolveu-se rapidamente, tornando-se o conjunta contra Artigas.
mais importante centro de construção naval do Brasil durante todo o
período colonial, e mesmo até meados do século XIX. Além de A 12 de junho de 1816, partiu do Rio de Janeiro uma
Salvador e do Rio de Janeiro, a construção naval desenvolveu-se divisão naval, composta de uma fragata, uma corveta,
também em vários outros pontos do nosso litoral: Belém, Recife, cinco naus (das quais uma era inglesa e outra francesa) e
Maranhão, Pernambuco, Alagoas, São Paulo e Santa Catarina; de seis brigues, capitaneada pela Nau Vasco da Gama,
sendo que os de Recife e Belém existiram como arsenais de onde achavam-se embarcados o Chefe-de-Divisão
Marinha.
64
Escuna General Magalhães (capitânia); Cúteres Vingança e Leão;
Rodrigo José Ferreira Lobo, responsável pelas atividades
três barcas-canhoneiras; Sumaca Ninfa; dois obuseiros; Iate Santo navais da expedição, e o Tenente-Coronel Carlos
Antônio; e a Lancha São Narciso.
65 66
O Almirante Luís da Cunha Moreira teve carreira brilhante, sendo De Portugal veio uma divisão de Voluntários Reais, sob o
após a proclamação da Independência nomeado ministro da comando do Tenente-Coronel Carlos Frederico Lecor, embarcados
Marinha, se tornando portanto o primeiro ministro brasileiro nato da em dez navios. O comboio, que entrou no Rio de Janeiro no dia 30
nossa Marinha. No combate de Caiena, praticamente seu batismo de de março de 1816, trazia a última tropa de Lisboa.
67
fogo, se destacou em combate, sendo ferido por golpe de sabre, cuja José Gervásio Artigas se intitulava Chefe dos Orientais e Protetor
cicatriz o acompanhou por toda vida. CURIOSIDADE dos Povos Livres.
EA-HSG 24 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:22

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Frederico Lecor, então nomeado governador e capitão- inestimável às forças de terra, tanto na tomada de Arroio
general da Praça e Capitania de Montevidéu. Foi se de La China, quanto na tomada de Calera de Barquin,
reunir com o 1 o escalão, composto por seis navios 68 , que Perucho Verna e Hervidero. Em Perucho Verna, doze
já havia seguido para Santa Catarina em janeiro. embarcações inimigas, uma lancha artilhada e um
Aportando a divisão na Ilha de Santa Catarina a 26 de escaler foram apresados.
junho, Lecor decidiu seguir por terra com sua tropa para No mar, o último episódio em que a força naval
o Rio Grande do Sul e, então iniciar a invasão, visto que atuou, ocorrido em 15 de junho de 1820, foi o
as condições climáticas só eram favoráveis à navegação aprisionamento do corsário General Rivera, com a
no Rio da Prata em outubro. Seguiu então à frente dos recuperação dos mercantes Ulisses e Triunfantes pela
seus 6 mil comandados, margeando o mar até as Corveta Maria da Glória, comandada pelo Capitão-de-
proximidades de Maldonado. A Esquadra, por sua vez, Fragata Diogo Jorge de Brito.
rumou em direção ao Rio da Prata, devendo antes A 31 de julho de 1821, em assembléia formada por
estacionar naquele porto. deputados representantes de todas as localidades
Do Rio de Janeiro, a 4 de agosto, partiu nova flotilha, orientais, foi aprovada por unanimidade, a incorporação
composta por quatro navios 69 com a missão de operar em da Banda Oriental à coroa portuguesa, fazendo parte do
combinação com a Divisão dos Voluntários Reais. A 22 domínio do Brasil com o nome de Província Cisplatina.
de novembro de 1816, deu-se o desembarque em
Maldonado pelas forças navais de Rodrigo José Ferreira
4) A REVOLTA NATIVISTA DE 1817 E A
Lobo. Com a ocupação da cidade, e a vitória pelas forças
ATUAÇÃO DA MARINHA
terrestres em Índia Morta, o caminho para Montevidéu
ficou livre. Lecor encontrava-se acampado no passo de Em paralelo ao que ocorria no sul, teve a Corte que se
São Miguel, quando recebeu uma deputação de mobilizar para fazer frente ao movimento separatista que
Montevidéu, que apresentou-lhe as chaves da cidade, seu eclodiu em Pernambuco, em março de 1817.
submisso respeito e completa adesão ao governo de D. As primeiras providências para o restabelecimento da
João VI. ordem legal em Pernambuco foram tomadas pelo Conde
Nessa época, o governo das Províncias do Rio da dos Arcos, Governador da Bahia, que fez armar em
Prata não mais apoiava a intervenção armada do Brasil guerra alguns navios mercantes e mandou seguir para
na Banda Oriental, deixando-nos em campo sozinhos. Pernambuco, sob o comando do Capitão-Tenente Rufino
Peres Batista. A esquadrilha era composta por três
Não foi imediata a completa submissão da Banda navios71 , e tinha como missão o bloqueio do porto do
Oriental. Ainda por alguns anos, José Artigas fez tenaz
Recife.
resistência à dominação portuguesa, até sua derrota final
na Batalha de Taquarembó, a 22 de janeiro de 1820. A 2 de abril partiu da Corte uma divisão sob o
comando do Chefe-de-Esquadra Rodrigo José Ferreira
Durante esse período, os partidários de Artigas Lobo, composta por três navios72, enquanto da Bahia
valiam-se de corsários que, com base na Colônia de seguiram por terra dois regimentos de cavalaria e dois de
Sacramento70, ocasionavam grandes prejuízos ao
infantaria. A 4 da maio, outra Divisão Naval, sob o
comércio da Marinha Mercante luso-brasileira. Com comando do Chefe-de-Divisão Brás Caetano Barreto
recursos navais reduzidos para liquidar a nova ameaça, o
Cogomilho, partiu do Rio de Janeiro 73.
comando português empregou tropas terrestres para
tentar destruir as bases inimigas. Assim, o Tenente- O cerco da cidade de Recife por terra e o bloqueio
Coronel Manuel Jorge Rodrigues, auxiliado por forças efetuado por mar fizeram com que os rebeldes
navais, atacou e conquistou Colônia, Paissandu e outros abandonassem a cidade a 20 de maio, dando fim ao
locais às margens do Uruguai, tendo conseguido movimento separatista.
aprisionar vários corsários que se encontravam em
Sacramento.
Para as operações realizadas no Rio Uruguai, foi
constituída uma pequena flotilha, sob o comando do 71
Corveta Carrasco, Brigue Mercúrio e uma escuna.
Capitão-Tenente Jacinto Roque de Sena Pereira, formada 72
Brigues Benjamin, comando do Capitão-Tenente Fernando José
pela Escuna Oriental e Barcas Cossaca, Mameluca e Melo; Aurora, comando do Capitão-de-Fragata José Felix Pereira de
Infante D. Sebastião. Esta flotilha prestou auxílio Campos; e pela Escuna Maria Teresa , comando do Capitão-Tenente
D. Nuno José de Sousa Manuel de Melo.
73
68
Era constituída pela Nau Vasco da Gama (capitânia), e dos
Fragatas Graça e Príncipe Real, Charrua Voador, Brigues Lebre, transportes Santiago Maior , comando do Capitão-Tenente José de
Providente e Atrevido . Oliveira; Almirante, comando do Segundo-Tenente Luís Antonio
69
Era composta da Corveta Calipso (capitânia), sob o comando do Ribeiro; Harmonia, comando do Primeiro-Tenente Isidoro da Costa
Capitão-de-Mar-e-Guerra D. José Manuel de Meneses; Escuna Chaves; Feliz Eugenia, comando do Segundo-Tenente Francisco
Tártara, comando do Primeiro-Tenente Vitorino A. J. Gregório; José Damásio; Joaquim Guilherme, comando do Capitão Bernardo
Brigue Real Pedro, comando do Segundo-Tenente José da Costa José Carreirão; Olímpia, comando do Capitão-Tenente José
Couto; e Transporte Patrimônio, comando do Mestre Antonio Domingues; Ateneu, comando do Primeiro-Tenente Estevão do
Francisco Firmo. Vale; Bela Americana, comando do Primeiro-Tenente Cipriano J.
70
Também nos portos de Buenos Aires e de Baltimore (EUA), Pires; e Bonfim, comando do Segundo-Tenente José da Fonseca
armaram-se a princípio muitos corsários contra nós; porém devido a Figueiredo. Mais tarde, a Divisão foi acrescida da Fragata Pérola,
reclamações do governo português, tal irregularidade cessou. comando do Capitão-Tenente José Maria Monteiro.
EA-HSG 25 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:22

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


5) GUERRA DE INDEPENDÊNCIA74 constitucionalista para Portugal78. Logo a revolução se
5.1) ELEVAÇÃO DO BRASIL A REINO UNIDO espalhou por todo o Portugal e foi instalada uma
Do mesmo modo que transferência para o Brasil da assembléia nacional constituinte (Cortes). O estado
sede do reino português foi motivada pela ameaça revolucionário da antiga metrópole provocou o retorno
representada pelo expansionismo francês na Europa, do Rei D. João VI. em 26 de abril de 1821, deixando seu
seria esperado o retorno do Rei D. João VI a Lisboa e a filho D. Pedro como príncipe regente do Brasil. Tentava,
restauração do pacto colonial 75 . Com a derrota da França assim, D. João manter sua dinastia, a de Bragança, no
nas Guerras Napoleônicas (1804-1815) e o movimento controle do Brasil e de Portugal, deixando as duas partes
conduzido pelo Congresso de Viena 76 para a restauração de seu reino longe dos ventos liberais.
das monarquias absolutistas, muitas delas derrubadas por Mesmo com o retorno do rei, as cortes reunidas em
Napoleão, os portugueses esperavam que seu rei Lisboa continuaram querendo impor uma monarquia
retornasse a Portugal e levasse a corte de volta para constitucional a D. João VI. Contudo, grande parte dos
Lisboa. Entretanto, o monarca permaneceu no Rio de membros das cortes defendia que o Brasil deveria
Janeiro. E para calar os que falavam que o rei ia ficando retornar a posição que se encontrava antes de 1808. Isto
na colônia, mas deveria estar em Portugal, já que lá era a é, muitos dos portugueses que defendiam mais liberdade
sede do Reino, elevou o Brasil a uma condição em sua terra gostaria que o Brasil voltasse a condição de
equivalente de Portugal com a formação do Reino Unido simples colônia de Portugal, queriam o retorno do pacto
de Portugal, Brasil e Algarves. colonial e do monopólio comercial.
Nesta condição e com a Abertura dos Portos às 7) DIA DO FICO
Nações Amigas, os comerciantes e fazendeiros A oposição que as cortes faziam à dinastia de Bragança
brasileiros passaram a desfrutar da mesma liberdade de em Portugal e suas crescentes imposições ao príncipe
comerciar com todos os países amigos de Portugal. A regente no Brasil, provocaram reações de D. Pedro I. As
vinda da corte portuguesa para o Brasil provocou cortes emanavam ordens para os governadores de cada
também uma série de modernizações na cidade do Rio província brasileira, mas D. Pedro determinava que as
de Janeiro, deixando nela um aspecto de capital do reino ordens de Portugal só poderiam ser cumpridas com a
e não mais uma simples cidade colonial. permissão dele, que afinal era o príncipe regente deixado
6) O RETORNO DE D. JOÃO VI PARA pelo rei de Portugal. Logo, as cortes ordenaram que D.
PORTUGAL Pedro retornasse a Portugal, como tinha feito seu pai. Em 9
Contudo, Portugal e os portugueses se sentiam de janeiro de 1822, no que ficou conhecido como Dia do
esquecidos pelo seu rei, com o território luso sendo Fico, D. Pedro declarou que permaneceria no Brasil apesar
da determinação das cortes para que retornasse a Lisboa.
administrado por estrangeiros, uma junta sob controle de
Ao mesmo tempo, o príncipe nomeou um novo gabinete de
um militar britânico e os comerciantes não podendo ministros sob a liderança de José Bonifácio de Andrada e
ganhar tanto com o fim do monopólio comercial. Silva, que defendia a emancipação do Brasil sob uma
Tal estado de abrasileiramento da monarquia monarquia constitucional encabeçada pelo príncipe
portuguesa não era bem visto por muitos portugueses. regente.
Alguns setores da sociedade portuguesa – comerciantes, A pressão das cortes pela restauração do pacto colonial,
intelectuais e alguns nobres – também não queriam que o com a conseqüente perda de poder de D. Pedro, levaram-no
poder do rei continuasse absoluto77 . Em 24 de agosto de a defender a autonomia brasileira perante Portugal. Se seu
1820, estourou na Cidade do Porto um movimento pai, D. João VI, não estava conseguindo impor seu poder
revolucionário liberal que reivindicava uma monarquia em Portugal, D. Pedro não descuidou de manter o Brasil
sob o governo de um Bragança.
8) A INDEPENDÊNCIA
74
Se Napoleão foi derrotado e Portugal estava livre da invasão Em 7 de setembro de 1822, o Príncipe D. Pedro
estrangeira, por que D. João continuava no Brasil? (olho)
75
declarava a Independência do Brasil. Porém, só as
Pacto Colonial foi o nome dado às relações entre a metrópole e a províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais
colônia, que implicavam sempre na subordinação da segunda à
primeira. O pacto colonial implicava que todo o comércio dos produtos atenderam de imediato à conclamação emanada das
produzidos na colônia só poderia ser feito com a metrópole. De maneira margens do Riacho Ipiranga. Até pela proximidade
inversa, todos os produtos que os colonos quisesse importar só poderia geográfica, estas mantiveram-se fiéis às decisões emanadas
ser vendido pela metrópole, isto se chama monopólio comercial ou do Paço79 mesmo após a partida de D. João VI. As capitais
exclusivismo mercantil.
76
O Congresso de Viena (1814-1815) foi a reunião dos representantes
das capitanias ao norte do País mantiveram sua ligação
dos países que derrotaram a França de Napoleão para restaurar a com a metrópole, pois as características da navegação a
organização política dos paises da Europa afetados pela Revolução vela e a falta de estradas as colocavam mais próximas de
francesa e pela invasão das tropas de Napoleão. Os principais objetivos Lisboa do que do Rio de Janeiro, sede do governo
dos representantes das grandes potências que derrotaram a França brasileiro.
(Inglaterra, Prússia, Áustria e Rússia) era refazer o mapa político
europeu, promovendo a volta do Antigo Regime, e com ele das 78
monarquias absolutistas derrubadas por Napoleão. O rei, para governar, tinha que obedecer às leis que eram
77
Absolutismo foi o regime político que caracterizou as monarquias da emanadas de uma carta constitucional, que seria feita por um
chamada Época Moderna, entre os séculos XVI e XVII. Nessa forma de conjunto de representantes do povo escolhidos em uma eleição
79
organização do governo de um Estado, o rei concentrava poderes Paço Imperial foi a sede administrativa do governo brasileiro
amplos. Dentro do regime monárquico, seu oposto era a monarquia durante o período de reinado de D. João VI e por todo o Império,
constitucional, onde o rei obedecia a uma constituição redigida pelos localiza-se na Praça XV de Novembro, no centro da Cidade do Rio
representantes eleitos pela sociedade. de Janeiro. (ILUSTRAÇÃO)
EA-HSG 26 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:22

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Mesmo com o grande número de patriotas no interior e os oficiais e praças da Marinha portuguesa que
destas províncias, nas capitais da Bahia, do Maranhão, aderiram a Independência.
do Pará e da Banda Oriental e nas suas poucas principais Durante todo este grande esforço de formação de uma
cidades as elites de comerciantes eram em sua grande força naval que pudesse garantir a Independência
maioria portuguesa e adepta da restauração colonial proclamada por D. Pedro, os navios foram reparados em
realizada pelo movimento liberal português. Durante a um intenso trabalho do Arsenal de Marinha do Rio de
queda-de-braço empreendida entre as cortes e D. Pedro, Janeiro e foram adquiridos outros, tanto pelo governo
foram reforçadas as guarnições militares das capitanias como por subscrição pública 80.
do Norte e Nordeste para manter a ligação dessas As lacunas encontradas nos corpos de oficiais e
províncias com Lisboa.
praças foram completadas com a contratação de
A resistência mais forte estava justamente em estrangeiros. Sobretudo os experientes marinheiros
Salvador, Bahia, onde essa guarnição era mais britânicos remanescentes das lutas da Marinha inglesa
numerosa. No sul, a recém-incorporada Província contra os navios de guerra da França durante as guerras
Cisplatina viu as guarnições militares que lá ainda napoleônicas.
estavam dividirem-se perante a causa da Independência,
Ter uma força naval forte, bem equipada de navios e
enquanto o comandante das tropas de ocupação, General homens e podendo operar em todo litoral brasileiro era
Carlos Frederico Lecor, colocou-se ao lado dos
um bom argumento para afastar as pretensões de
brasileiros, seu subcomandante, D. Álvaro da Costa de reconquista dos portugueses. Assim, além formar uma
Souza Macedo, e a maior parte das tropas defenderam o
Esquadra com navios de guerra reformados ou
pacto com Lisboa. A situação geral parecia cada vez pior
comprados, o governo imperial procurou um homem
para o processo de Independência. Mesmo que as forças com grande experiência em guerra naval para comandar
brasileiras no interior, constituídas de militares e milícias
o conjunto desses navios. Esse homem foi Lorde
patrióticas, atacassem as guarnições portuguesas, o mar Thomas Cochrane, um brilhante e experiente oficial da
era um caminho aberto para o recebimento de reforços
Marinha inglesa, contratado pelo governo brasileiro para
de outras capitais de províncias leais às cortes ou mesmo
exercer o comando-em-chefe da recém-criada
de tropas vindas de Portugal. Esquadra81 .
E assim foi feito, Portugal reforçou com tropas,
10) OPERAÇÕES NAVAIS NA BAHIA
suprimentos e navios de guerra a guarnição de Salvador,
comandada pelo Governador das Armas da Província, A 1o de abril de 1823, a Esquadra brasileira
Brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo. comandada por Cochrane deixava a Baía de Guanabara
com destino à Bahia, com a missão de bloquear o porto
9) A FORMAÇÃO DE UMA ESQUADRA de Salvador e dar combate às forças navais portuguesas
BRASILEIRA que lá se concentravam sob o comando do Chefe-de-
José Bonifácio, o chefe do Gabinete de Ministros, Divisão Félix dos Campos.
percebeu que só o domínio do mar manteria a unidade da A primeira tentativa de dar combate aos navios
ex-colônia portuguesa, pois as ligações entre as províncias portugueses foi desfavorável à Cochrane, tendo
litorâneas, onde estava concentrada a maior parte da enfrentado, além do inimigo, a indisposição para luta dos
população e da força produtiva brasileira, eram marinheiros portugueses que tinham optado por servir na
inteiramente feitas pelo transporte marítimo ao longo de Marinha brasileira depois da nossa Independência.
um extenso litoral de mais de 7 mil quilômetros. A rápida Muitos desses marinheiros portugueses guarneciam os
formação de uma Marinha de Guerra nacional era o meio canhões dos navios brasileiros. Quando chegou a hora de
mais eficaz de transportar e concentrar tropas brasileiras e disparar contra os navios portugueses, seus conterrâneos,
suprimentos para as áreas dominadas pelos portugueses
“erravam” o alvo. Houve até os que se rebelassem contra
com a rapidez e segurança que os caminhos terrestres não
permitiam. o comando dos navios e fechassem os paióis de
munição, impedindo novos disparos.
Este conjunto de navios de guerra, a Esquadra,
impediria que chegassem aos portos das cidades brasileiras 80
A população por meio da reunião de pequenas doações comprava
ocupadas pelos portugueses os reforços que Portugal
navios para a Marinha
enviasse, interceptando e combatendo os navios que os 81
Trecho da carta (4 de novembro de 1822) de Antônio Correa da
trouxessem. Privando as guarnições portuguesas de mais Câmara, representante brasileiro na Argentina, que foi encarregado
soldados e armas vindos por mar, as bombardeando com por José Bonifácio de convidar Lord Thomas Cochrane, que estava
canhões embarcados e transportando soldados brasileiros naquele momento contratado pela Marinha chilena, para servir na
para reforçar os patriotas que lutavam contra os Marinha brasileira:
portugueses no interior, a Marinha Brasileira contribuiu “Venha meu Lord. A Honra o convida, a Glória o chama. Um
generoso Príncipe e toda uma nação o esperam. Venha, Hércules
para a Independência do Brasil, permitindo que do
redivivo, e com seus nobres esforços, ajude a dominar a Hidra de
território da colônia portuguesa na América emergisse um cem cabeças de um terrível Despotismo. O Ocidente da América
só país, com um grande território. está salvo pela virtude de seu Braço...O Sagrado Estandarte da
A organização da Marinha Imperial se deu nesse Independência está vitoriosamente desfraldado dos Galápagos às
ilhas de Cedro na Califórnia! Venha já e proporcione às nossas
regime de urgência, aproveitando os navios que tinham Armas Navais a maravilhosa ordem e incomparável Disciplina da
sido deixados no porto do Rio de Janeiro pelos Poderosa Albion...” (Retirado de História Naval Brasileira, Terceiro
portugueses, que estavam em mal estado de conservação, Volume, Tomo I. p73-74)
EA-HSG 27 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:22

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Depois de reorganizar suas forças e retirar os 12) A CISPLATINA TAMBÉM FOI BRASILEIRA
portugueses que tinham demonstrado pouca vontade de As operações navais na Cisplatina foram parecidas
lutar contra seus patrícios, Cochrane colocou o porto de com as realizadas na Bahia, sendo feito um bloqueio
Salvador sob bloqueio naval 82 , capturando os navios que naval pela Marinha, enquanto as tropas fieis a D. Pedro
abasteciam a cidade. Salvador já estava sitiada por terra cercavam Montevidéu, a capital da Província Cisplatina,
pelas forças brasileiras desembarcadas de navios e isolando as tropas portuguesas comandadas por D.
vindas do interior comandadas pelo General Pierre Álvaro Macedo que lá estavam.
Labatut. Pressionados pela falta de alimentos e pela
O Capitão-de-Mar-e-Guerra Pedro Antônio Nunes
pressão das tropas e dos navios, as tropas portuguesas comandava a força naval no Sul quando os navios de
abandonaram a cidade em 2 de julho, em um comboio83
guerra portugueses tentaram romper o bloqueio em 21 de
de mais de 70 navios, escoltados por 17 navios de outubro de 1823. A batalha que se seguiu, embora
guerra. violenta, terminou sem a vitória de nenhum dos
O comboio português foi acossado pela Esquadra oponentes, isto é, nenhum dos lados conseguiu danificar
brasileira. Foi celebre a atuação da Fragata Niterói, ou afundar navios inimigos. Mas esse combate foi uma
comandada pelo Capitão-de-Fragata John Taylor, que, vitória estratégica das forças brasileiras, pois os navios
apresando vários navios, atacou o comboio português até portugueses foram impedidos de sair do porto de
a foz do Rio Tejo, em Portugal. Montevidéu e foi mantido o isolamento das tropas de D.
Álvaro Macedo naquela cidade. O desanimo das tropas
11) O BLEFE NO MARANHÃO E A CONQUISTA portuguesas com a falta de alimentos e armamento
DO PARÁ provocada pelo bloqueio e pelo cerco por terra foi
aumentado pela notícia que Montevidéu era o último
O próximo passo para expulsão dos portugueses do
ponto de resistência portuguesa na ex-colônia, pois as
norte-nordeste brasileiro era o Maranhão. Cochrane,
utilizando-se de um hábil ardil, comunicou à junta províncias do Norte e Nordeste do Brasil tinham aderido
à Independência. Completamente isolado, D. Álvaro
portuguesa que governava São Luís, capital da Província
do Maranhão, que a Nau Pedro I era a ponta de lança de Macedo ordenou às suas tropas a evacuação da
Cisplatina em novembro de 1823.
uma grande força naval que viria próxima, transportando
um grande Exército nacional que tomaria aquela 13) CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR 84
província. Porém, tudo não passava de um blefe para
Ainda no reinado de D. Pedro I, uma revolta na
levar à deposição dos portugueses que governavam o Província de Pernambuco colocou em perigo a
Maranhão e se mantinham fiéis a Lisboa, o que
integridade territorial do Império. A Marinha atuou
aconteceu em 27 de julho de 1823. contra a revolta em algumas províncias do nordeste,
Seguiu-se a utilização do mesmo ardil no Pará, principalmente em Pernambuco, chamada Confederação
conduzido pelo Capitão-Tenente John Pascoe Grenfell, do Equador, a partir de abril de 1824. Porém, o aumento
no comando do Brigue Maranhão. Tais blefes, que do combate à revolta só se deu com o envio da força
conduziram à aceitação da Independência brasileira naval comandada por Cochrane, onde foi embarcada a 3a
pelas juntas de governo, formada em sua maioria de Brigada do Exército Imperial, com 1.200 homens,
portugueses, em São Luís e em Belém não se deram tão comandada pelo Brigadeiro Francisco Lima e Silva. As
facilmente como pode parecer. A luta pelo poder nas tropas foram desembarcadas em Alagoas e seguiram por
províncias entre brasileiros nativos e portugueses recém- terra para a província rebelada, enquanto a força naval
adeptos da Independência fez com que os contingentes alcançou Recife em 18 de agosto de 1824, instituindo
da Marinha naquelas cidades, que representavam o severo bloqueio naval. Com a Marinha e o Exército
imperador, atuassem tanto tentando apaziguar as atuando conjuntamente, as forças rebeldes de Recife
disputas entre os dois grupos, brasileiros e portugueses, foram derrotadas em 18 de setembro.
como impondo a ordem pela força das armas.

82
Bloqueio naval – Impedir a entrada ou saída de navios mercantes
e de guerra de um porto, base ou área confinada, pela ameaça de
atacá-los com forças navais superiores. O bloqueio naval poderá ser
comercial ou militar. O bloqueio comercial, mais que isolar e não
permitir o abastecimento por via marítima do adversário, impede o
comércio marítimo no porto bloqueado. O bloqueio militar destina-
se a manter no porto ou confinada numa área restrita a força naval
adversária, sem que esta possa perturbar o bloqueio comercial.
83
Comboio é ainda hoje considerado o melhor meio de proteger os
navios mercantes de uma força naval inimiga. Seja essa força naval
atacante constituída de submarinos, como na Primeira e Segunda
Guerras Mundiais, seja ela uma Esquadra composta de navios de
guerra a vela, como era a força naval brasileira que atacou o
comboio que retornava para Portugal. O comboio é o agrupamento
84
de navios mercantes que, navegando juntos de um destino a outro, é Movimento revolucionário, de caráter emancipacionista e
acompanhado e protegido, isto é escoltado, por navios de guerra republicano, ocorrido em 1824 no Nordeste brasileiro. Tem raízes
amigos. na Revolução Pernambucana de 1817.
EA-HSG 28 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:54

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


CRONOLOGIA CAPÍTULO V - A ATUAÇÃO DA MARINHA NOS
DATA EVENTO CONFLITOS INTERNOS E EXTERNOS DA
REGÊNCIA
29/11/1807 Saída de Lisboa da Família Real.
1) SINOPSE
22/01/1808 Chegada da Família Real em Salvador. A peculiar Independência brasileira, que pôs a frente
29/01/1808 Abertura dos portos ao comércio estrangeiro. do processo de emancipação da ex-colônia o herdeiro do
– Chegada da Família Real ao Rio de Janeiro.
trono real português, produziu uma divisão na política
– Desembarque da Brigada Real de Marinha no brasileira que marcaria o reinado de D. Pedro I: a
07/03/1808
Rio de janeiro, marco zero da História dos separação entre brasileiros, liberais que defendiam a
Fuzileiros Navais. monarquia constitucional, e portugueses, que propunham
Instalação do Ministério dos Negócios da a maior concentração de poder nas mãos do imperador.
11/03/1808
Marinha e Ultramar no Rio de Janeiro.
O Imperador D. Pedro I tornava-se cada vez mais
D. João assina manifesto declarando guerra à
01/05/1808 autoritário, buscando o apoio da facção dos portugueses
França.
Desembarque das tropas luso-brasileiras em que defendiam maior poder ao monarca. Já a facção dos
01/12/1808
território da Guiana Francesa. brasileiros queria que o poder do Estado brasileiro fosse
12/01/1809 Caiena, capital da Guiana Francesa se rende. dividido entre o imperador e a Assembléia Legislativa,
constituída de representantes eleitos da sociedade, que
12/06/1816 Saída da Divisão Naval para a Banda Oriental.
redigiria a Carta Constitucional e faria as leis. Ou seja,
22/11/1816 Desembarque em Maldonado. defendiam que a monarquia de D. Pedro fosse uma
Parte da Corte Divisão Naval com a missão de monarquia constitucional.
02/04/1817 bloquear Recife, durante a Revolta Nativista de A Assembléia Constituinte foi reunida para redigir a
1817. primeira Constituição brasileira. Contudo, a maioria dos
20/05/1817 Fim do movimento Nativista de Pernambuco. deputados constituintes queria uma Constituição que
limitasse os poderes do imperador. Tal fato desagradava
26/04/1821 Regresso de D. João IV para Portugal.
o D. Pedro e os homens que o apoiavam, já que o
Incorporação da banda oriental à Coroa de monarca queria no Brasil uma monarquia absolutista,
31/07/1821
Portugal.
Dia do Fico – o Príncipe Regente D. Pedro como seu pai, D. João, reinou em Portugal.
declara que não obedecerá as determinações das O conflito entre D. Pedro e a os deputados
09/01/1822
Cortes portuguesas e que permanecerá no constituintes acabou quando o Imperador dissolveu a
Brasil. Assembléia Constituinte em 1823. Em seguida, nomeou
07/09/1822 Independência do Brasil. um Conselho de Estado composto por dez membros,
Primeira vez que é içada a Bandeira Imperial com a tarefa de redigir um projeto de Constituição. O
10/11/1822 em navio da nova Esquadra. Aniversário da resultado é que impôs uma Constituição, outorgada em
Esquadra. 1824, que praticamente resgatava o regime absolutista. A
A Esquadra brasileira sob o comando do atitude autoritária do Imperador aumentou em muito
1o /04/1823 Primeiro Almirante Cochrane deixou o porto do
Rio de Janeiro rumo a Bahia.
uma oposição liberal a ele, representada pelo Partido
Brasileiro85 .
02/07/1823 Larga do porto de Salvador comboio de navios Foram vários anos de disputa política entre os Partidos
levando as tropas portuguesas para Portugal.
Adesão a causa da Independência pela Província Português e Brasileiro, e de críticas cada vez mais violentas
27/07/1823 ao Imperador vindas dos políticos do Partido Brasileiro e
do Maranhão
Adesão a causa da Independência pela Província de todos que defendiam que o poder do Estado não ficasse
15/08/1823
do Pará. tão concentrado nas mãos de D. Pedro. Também
Tentativa de rompimento de bloqueio pelos desagradava muito aos brasileiros naturais a influência que
navios fieis a Portugal estacionados na Província os portugueses, que tinham aderido a nacionalidade
21/10/1823
Cisplatina. Vitória estratégica da Força Naval
brasileira. brasileira com a Independência, tinham junto ao Imperador.
Capitulação de Montevidéu e retirada das Logo os portugueses, que os nativos brasileiros acusavam
18/11/1823 de monopolizar o comércio com o exterior.86
tropas portuguesas da Província Cisplatina.
O conselho da Província de Pernambuco,
liderado pelo Presidente ilegal, Manuel de
Carvalho Pais de Andrade, resolve não dar
07/04/1824
posse ao Presidente da Província nomeado por 85
Esta divisão entre o imperador e o Partido Português e o Partido
D. Pedro I, Francisco Paes Barreto. Brasileiro se tornou mais radical pela crise econômica que o Brasil
(Confederação do Equador). tinha entrado logo no começo de sua história como Estado
17/09/1824 As forças rebeldes de Recife foram derrotadas. autônomo, causada pelos gastos com o reconhecimento da
Independência brasileira e com a guerra empreendida pela posse da
Província Cisplatina, da qual trataremos mais tarde.
86
Os donos das casas comerciais que tratavam do movimento de
produtos importados e exportados pelos portos brasileiros eram, em
sua grande maioria, portugueses de nascimento. Esses
estabelecimentos intermediavam a exportação da produção agrícola
das grandes propriedades, como o café, o algodão e o açúcar.
Também eram os intermediários na importação da mão-de-obra que
trabalhava nas plantações, os escravos trazidos da África.
EA-HSG 29 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:54

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


O embate entre portugueses e brasileiros na Assembléia Pernambuco (Revolta Praieira), esta já anos após a
Geral Legislativa transparece na imprensa, que ataca o coroação de D. Pedro II.
Imperador, e vai para as ruas, onde partidários do Em todas estas revoltas, a Marinha não enfrentou
imperador entram em choque com defensores do Partido nenhum grande inimigo no mar. Embora na Guerra dos
Brasileiro. Preocupava D. Pedro I não somente a oposição Farrapos os rebeldes tenham formado uma pequena flotilha
a seu reinado, que crescia entre os brasileiros, como a de embarcações armadas, que foi prontamente combatida e
situação política em sua terra natal, Portugal, onde ele vencida, a Marinha se fez presente no rápido transporte de
próprio e seus descendentes tinham direitos sobre o trono. tropas do Exército Imperial da Corte e de outras províncias
Em 7 de abril de 1831, D. Pedro I abdicou do trono87 em até às províncias conflagradas. Também dependeu do
favor de seu filho, D. Pedro de Alcântara, então com cinco transporte por mar, em grande parte realizado pela
anos de idade. Enquanto o herdeiro do trono não tinha Marinha, o abastecimento das tropas que lutavam nas
idade para assumir o trono, instalou-se no Brasil um províncias rebeladas, pois não existiam estradas que
governo regencial. O Poder Executivo seria composto por ligassem a Corte as províncias do Norte e do Sul.
três membros, uma regência trina, conforme determinava a A Marinha também cumpriu ações de bloqueio nos
Carta Constitucional. Posteriormente, a regência seria portos ocupados pelos rebeldes nas províncias, evitando
constituída de uma só pessoa, a regência una. que recebessem qualquer abastecimento vindo do mar,
No período regencial, o conturbado ambiente político da como armas e munições desviadas de outras províncias ou
Corte se refletiu nas províncias do Império, em compradas no estrangeiro. Finalmente, militares da
movimentos armados que explodiram por todos os Marinha Imperial atuaram diversas vezes em
principais centros regionais, desde 1831, até os anos de desembarques, lutando com grupos rebelados lado a lado
consolidação do reinado de D. Pedro II. A Marinha da com tropas do Exército, da Guarda Nacional e milicianos.
Independência e da Guerra Cisplatina, constituída por Os dois grandes conflitos externos que o Império
elevado número de navios de relativo grande porte, foi brasileiro se envolveu, desde sua Independência até o início
sendo transformada em uma Marinha de unidades menores, das hostilidades que levariam à guerra contra o Paraguai,
próprias para enfrentar as conflagrações nas Províncias, foram a Guerra Cisplatina, entre 1825 e 1828, e a Guerra
como também de acordo com as limitações orçamentárias. contra Manuel Oribe e Juan Manuel de Rosas, em 1851 e
Revoltas deflagradas em diversas províncias foram 1852. A área marítimo-fluvial que se desenrolaram a
abafadas pelo governo regencial com a utilização da grande maioria das operações navais destes dois conflitos,
Marinha e do Exército. A Marinha se fez mais presente nos separados no tempo por quase um quarto de século, foi a
combates no Pará (Cabanagem), no Rio Grande do Sul mesma, o grande estuário do Rio da Prata, que separa o
(Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha), na Bahia Uruguai da Argentina. Foi com as forças militares destas
(Sabinada), no Maranhão e Piauí (Balaiada) e em duas repúblicas que o Império brasileiro lutou.
87
Na Guerra Cisplatina, Brasil e as Províncias Unidas do
CRONOLOGIA Rio da Prata, atual Argentina, lutaram pela posse, ou
26 de abril de 1821 – partida de seu pai, D. João VI, para Portugal, influência no território uruguaio, ainda não independente.
declarando Pedro I regente do Brasil. Em conseqüência de sua
Nesta guerra, que custou muito à economia de um país
permanência do Brasil e por apoiar os constitucionalistas do Porto,
Pedro é destituído, mais tarde, da regência do Brasil. recém-formado como o Brasil, a Marinha lutou longe de
9 de janeiro de 1822 (Dia do Fico) – Pedro I vai contra as ordens sua base principal, o Rio de Janeiro, contra a Marinha
das Cortes Portuguesas e do próprio pai, que exigiam sua volta, argentina que, embora menor, atuava muito perto de sua
ficando no Brasil. principal base de apoio, Buenos Aires, e conhecendo muito
7 de setembro de 1822 – a notícia de destituição de Pedro I e de um teatro de operações repleto de obstáculos naturais à
nova ordem de D. João VI para regressar em vergonha a Portugal
navegação, o Rio da Prata.
chega até ele, que declara a Independência do Brasil.
1825 – João VI nomeia Pedro I seu sucessor, apesar da rebeldia A Marinha Imperial Brasileira, além das atividades de
demonstrada, numa tentativa de reunir Portugal e Brasil sob a abastecimento das tropas em combate, operou de modo
mesma coroa. ofensivo no Rio da Prata. A força naval brasileira efetuou
10 de março de 1826 – morre D. João VI e Pedro torna-se Pedro IV um bloqueio naval sobre Buenos Aires visando a isolar a
de Portugal, apesar de a constituição brasileira o proibir. Reina
capital adversária de abastecimento vindo do exterior e
durante um período de sete dias (entre 26 de abril e 2 de maio de
1826, abdicando da coroa de Portugal para a filha Maria da Glória impedir que embarcações argentinas transportassem tropas
(Maria II), ficando seu irmão Miguel como regente e noivo de sua e armamento para reforçar argentinos e orientais que
sobrinha. lutavam contra as tropas brasileiras no território uruguaio.
23 de junho de 1828 – Dom Miguel, absolutista, autoproclama-se rei Além do bloqueio, a força naval brasileira combateu a
de Portugal e anula a constituição emitida por seu irmão Pedro,
Esquadra argentina até seu desmembramento, privando o
desencadeando as Guerras Liberais entre seus partidários e os
constitucionalistas (liberais) de Dona Maria II e Pedro I. Enquanto adversário do principal e primeiro braço do Poder Naval.
isto, no Brasil, Pedro, por seu absolutismo, tornava-se cada vez mais Os navios da Marinha que não foram deslocados para
impopular. aquela guerra não deixaram de se envolver no conflito. A
7 de abril de 1831 – Tendo em vista a situação de Portugal, Pedro I Marinha defendeu as linhas de comunicação marítimas,
é forçado a abdicar para o filho Pedro II (com apenas cinco anos de dando combate aos corsários armados pela Argentina e
idade) e regressa a Portugal, onde se viviam as Guerras Liberais pelos rebeldes uruguaios que atacaram a navegação
entre os miguelistas, partidários do absolutismo defendido por
mercante brasileira ao longo de toda a nossa costa.
Miguel, que usurpara a coroa a Maria II, e os liberais, defensores do
constitucionalismo.
24 de julho 1834 – depois da Batalha de Lisboa, os liberais derrotam
os miguelistas e Pedro repõe a filha no trono português.
EA-HSG 30 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:54

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


A próxima guerra que o Brasil se envolveria no Rio Porém, na Guerra dos Farrapos os navios de guerra
da Prata seria contra Juan Manuel de Rosas, ditador estiveram envolvidos em pequenos combates navais com
argentino e Manuel Oribe, presidente da República os farroupilhas. Os combates não ocorreriam em mar
Oriental do Uruguai e líder do Partido Blanco uruguaio. aberto, mas em águas restritas, como as Lagoas dos
Tendo como seus aliados os governadores das províncias Patos e Mirim. O primeiro combate naval da Guerra dos
argentinas de Entre Rios e Correntes e o Partido Farrapos opôs o Iate Oceano, da Marinha Imperial, e o
Colorado uruguaio, o Império brasileiro se interpôs a Cúter Minuano, dos revoltosos, na Lagoa Mirim, quando
uma tentativa de união de seus vizinhos do Sul, que o navio rebelde foi posto a pique.
enfraqueceria a posição brasileira no Rio da Prata e se A pequena força naval que os farroupilhas mantinham
tornaria uma ameaça na fronteira do Rio Grande do Sul, na Lagoa dos Patos foi completamente vencida em
a pouco pacificado e impedido de se separar do Brasil na agosto de 1839, quando o Chefe-de-Divisão John Pascoe
Guerra dos Farrapos. Grenfell, comandante das Forças Navais no Rio Grande,
Coube à Marinha um grande momento neste curto apresou dois lanchões rebeldes em Camaquã. A rebelião
conflito: a Passagem de Tonelero. Pela primeira vez se rio-grandense estendeu-se para Santa Catarina, onde os
utilizando navios a vapor em um conflito externo, a farroupilhas formaram uma pequena força naval com
Força Naval brasileira ultrapassou em ávida troca de navios mercantes apresados e lanchões remanescentes
fogos o ponto fortificado adversário no Rio Paraná, o das operações na Lagoa dos Patos e Mirim, que foi
Passo de Tonelero, e conduziu as tropas aliadas rio vencida pela Marinha em um combate no porto de
acima para uma posição de desembarque favorável onde, Laguna. Foi neste conflito regional que pela primeira vez
foi possível o ataque e a posterior vitória sobre as tropas a Marinha brasileira empregou um navio movido a vapor
adversárias. em operações de guerra.
2) CONFLITOS INTERNOS 2.3) SABINADA
A Sabinada, revolta que eclodiu contra a autoridade
2.1) CABANAGEM
da Regência na Bahia, em novembro de 1837, foi
A primeira sublevação ocorrida contra a Regência foi combatida pela Marinha Imperial com um bloqueio da
a Cabanagem, no Pará, que se generalizou em 1835, com província, e o combate a uma diminuta força naval
a ocupação da capital da província, Belém. O governo montada pelos rebeldes com navios apresados. A revolta
central enviou uma força interventora constituída de foi finalmente sufocada em 1838.
elementos da Marinha e do Exército Imperial que, após
primeira tentativa frustrada de reconquistar a capital, 2.4) BALAIADA
desembarcou e a ocupou sem a resistência dos rebeldes. A Balaiada, agitação que tomou conta das Províncias
Contudo, os cabanos retomaram o fôlego para a luta com do Maranhão e do Piauí, entre 1838 e 1841, reuniu a
o crescimento da revolta no interior e retomaram a população pobre e os escravos contra as autoridades
capital em agosto de 1835. constituídas da própria Província. Em agosto de 1839,
Durante todo o conflito, as forças legais atuaram seguiu para o Maranhão o Capitão-Tenente Joaquim
contra focos rebeldes espalhados por um território Marques Lisboa, futuro Marquês de Tamandaré,
inóspito e desconhecido, a floresta amazônica. A nomeado Comandante da Força Naval em operação
Marinha bloqueou o porto de Belém, dificultando o seu contra os insurretos.
abastecimento, mas também bombardeou posições O após estudar a região, armou pequenas embarcações
rebeldes, desembarcou tropas do Exército e embrenhou- que, enviadas para diversos pontos dos principais rios
se nos rios amazônicos para dar combate aos mais maranhenses, combateriam os rebeldes isoladamente ou
isolados focos de revolta. O desgaste que as forças apoiando forças em terra. A partir de 1840 e até o final da
militares impuseram aos cabanos levou ao abandono da Balaiada, o Capitão-Tenente Joaquim Marques Lisboa
capital em maio de 1836. A luta se estendeu até 1840, atuaria em cooperação com o então Coronel Luís Alves de
com a ação conjunta da Força Naval e das tropas do Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, que comandava a
Exército debelando a resistência dos cabanos por todo o Divisão Pacificadora do Norte, reunida para debelar a
Pará. revolta. A união dos futuros patronos das forças singulares
de mar e terra no combate a Balaiada simboliza uma
2.2) GUERRA DOS FARRAPOS situação recorrente em todos os conflitos internos durante a
Regência e o Segundo Império: a atuação conjunta da
A Guerra dos Farrapos, rebelião no sul do Império Marinha e do Exército na manutenção da ordem constituída
que durou dez anos, de 1835 a 1845, atingiu uma região e da unidade do Império.
de fronteira já conturbada por conflitos externos. A
Marinha novamente atuaria em cooperação com o
Exército no transporte e abastecimento das tropas e
apoiando ações em terra com o fogo dos canhões
embarcados.

EA-HSG 31 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:54

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


2.5) REVOLTA PRAIEIRA o Estado nacional à época constituído que poderia
A Revolta Praieira estourou em Pernambuco em rivalizar com o Império brasileiro.
O Estado argentino, naquela época, era formado por
novembro de 1848. Iniciada na capital, tomou corpo nas
vilas e engenhos da zona da mata e interior várias províncias com alto grau de autonomia, que
reconheciam a liderança exercida pela província de
pernambucanos. Para combatê-la, tropas leais ao
governo provincial deixaram Recife, a capital da Buenos Aires. A confederação de províncias argentinas
província, para engajar as forças praieiras que estariam tinha um interesse comum na sublevação de cisplatinos
contra o Império brasileiro, visando a possibilidade de
no interior. Ao ver a capital desguarnecida, forças
praieiras atacaram-na, em 2 de fevereiro de 1849. O incorporar a Banda Oriental. Assim, imediatamente
deram apoio político, militar e financeiro à revolta,
pequeno contingente militar que guarnecia a cidade foi
imediatamente apoiado pela força naval fundeada no passando, posteriormente, a envolver-se oficialmente na
porto. Contingentes de marinheiros e fuzileiros navais luta.
Para se opor à sublevação, nitidamente suportada pela
desembarcaram dos navios para reunir-se aos defensores
da capital na batalha, enquanto os canhões da Marinha Argentina, o Brasil desenvolveu uma campanha militar
na Banda Oriental entre os anos de 1825 e 1828. Além
fustigaram as investidas dos revoltosos. A atuação da
Marinha nesta revolta, embora breve, evitou que a de tropas, deslocou vários meios navais da Esquadra
capital provincial caísse nas mãos dos rebeldes. recém-formada nas Guerras da Independência para o
estuário da Prata, comandadas pelo Vice-Almirante
3) CONFLITOS EXTERNOS Rodrigo Lobo. Com o fortalecimento das forças de
3.1) GUERRA CISPLATINA Lavalleja na Banda Oriental, as Províncias Unidas do
O Brasil recém-independente envolveu-se numa Rio da Prata oficializaram seu apoio à revolta,
guerra com as Províncias Unidas do Rio da Prata, atual declarando anexada a Banda Oriental ao território
Argentina, pela posse da então província brasileira da argentino, o que significava uma declaração de guerra ao
Cisplatina, atual República Oriental do Uruguai, anexada Governo Imperial.
ainda por D. João VI, em 1821. Esta guerra pouco Destacaremos aqui a participação brasileira na guerra
aparece nos livros de história e, mesmo tendo durado naval, que teve como seu principal palco o estuário do
quatro anos, entre 1825 e 1828, é desconhecida para a Rio da Prata. A ênfase no aspecto naval não indica que
maioria dos brasileiros. as operações de guerra conduzidas pelos Exércitos em
O interesse pelo domínio daquelas terras não era terra tenham sido menos importantes para a história da
novo, o Império do Brasil e a Argentina, herdaram as Guerra Cisplatina. O Exército Brasileiro e as forças de
aspirações e as disputas dos colonizadores portugueses e Lavalleja, somadas ao Exército argentino, confrontaram-
espanhóis pela margem esquerda do estuário do Rio da se em diversas batalhas, mas até o final da guerra, em
Prata. Nos séculos XVII e XVIII, o centro da disputa era 1828, nenhum dos oponentes alcançou uma nítida
a Colônia de Sacramento, o enclave português na região. vantagem na guerra terrestre.
No início do século XIX, com os movimentos de A batalha mais significativa da Guerra Cisplatina, a
independência na América espanhola e portuguesa, a Batalha do Passo do Rosário, ou Ituzaingó, como os
conflagração atingiu o Brasil e a Argentina, no conflito argentinos a chamam, ocorrida em 20 de fevereiro de
conhecido como Guerra Cisplatina. 1827, teve resultados tão indecisos como toda a guerra
A guerra não envolvia só a disputa pela posse do terrestre que se travou na Província Cisplatina. Nenhum
território da Província Cisplatina que, além do gado dos lados conseguiu impor-se sobre o outro, não sendo
criado nos pampas e de dois portos comerciais possível apontar vitoriosas nem derrotados. Contudo, a
importantes, Montevidéu e Maldonado, não continha função desta obra é destacar a participação da Marinha
recursos naturais de monta, mas tinha como objetivo o brasileira na nossa história. Assim, descreveremos as
controle do Rio da Prata, área geográfica de suma operações navais realizadas na Guerra Cisplatina.
importância estratégica desde o início da colonização A Marinha Imperial brasileira na Guerra Cisplatina
européia na América do Sul. No estuário do Rio da Prata lutou com a Força Naval argentina, mas também atuou
desembocavam dois grandes rios (Uruguai e Paraná), contra os corsários que, com cartas de corso emitidas
que constituíam o caminho natural para a penetração no pelas Províncias Unidas do Rio da Prata e pelo próprio
continente sul-americano, representando uma estrada Exército de Lavalleja, atacavam os navios mercantes
fluvial para a colonização, o acesso aos recursos naturais brasileiros por toda a nossa costa.
e a viabilização das trocas comerciais por todo interior O embate entre a Esquadra brasileira e a Esquadra
da América do Sul. Argentina teve lugar no estuário do Rio da Prata e suas
Apesar do controle português e, depois de 1822, proximidades, região com grande número de bancos de
brasileiro, a Cisplatina, ou Banda Oriental, mantinha areia que dificultava a navegação. O que ajudou os
uma população de ascendência e hábitos hispânicos, argentinos a desenvolver uma variação naval da guerra
logo culturalmente distantes dos brasileiros. Os de guerrilha. Os navios argentinos atacavam e, quando
cisplatinos, liderados por Juan Antonio Lavalleja, repelidos, escapavam da perseguição dos navios
iniciaram um levante buscando independência, brasileiros pelos estreitos canais que se formavam entre
procurando apoio das Províncias Unidas do Rio da Prata, os vários bancos de areia da região, em sua maioria
desconhecidos dos marinheiros brasileiros.
EA-HSG 32 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:54

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Como primeira ação de guerra, a Força Naval Contudo, o Vice-Almirante Rodrigo Lobo não acudiu
brasileira no Rio da Prata, comandada pelo Vice- de imediato a cidade acossada pelo inimigo. Na noite de
Almirante Rodrigo Lobo, estabeleceu um bloqueio naval 1 o de março, a Força Naval argentina, reforçada por seis
no Rio da Prata, pretendendo impedir qualquer ligação canhoneiras, tentou desembarcar 200 homens naquela
marítima entre as Províncias Unidas e os rebeldes de praça. Depois de severa luta, os atacantes argentinos
Lavalleja, e dos dois adversários com o exterior. O foram repelidos, com a perda de duas canhoneiras e
inimigo a ser confrontado pela Força Naval brasileira muitos homens, não sem antes conseguirem incendiar
deslocada para o estuário do Rio da Prata era liderado um dos nossos navios. Os navios argentinos só
pelo experiente irlandês William George Brown, que desistiram do cerco em 12 de março, escapando da
comandante da pequena esquadra sediada em Buenos Esquadra brasileira, que chegara com atraso em defesa
Aires desde as lutas pela independência daquele país. O de Sacramento.
adversário, apesar do menor número de navios de guerra, A força naval Argentina empreendia ações mais
tinha suas ações facilitadas não só pelo conhecimento da ousadas contra a Esquadra brasileira. De uma troca de
hidrografia 88 do estuário do Rio da Prata, como também tiros sem muitas conseqüências, em fevereiro, tentou a
por permanecer operando próximo seu porto base, o conquista de uma praça fortificada na margem esquerda
ancoradouro de Los Pozos, em Buenos Aires, onde seus do Rio da Prata, ponto que, se conquistado,
navios eram abastecidos e reparados. transformaria-se em um importante ponto de
Nos primeiros meses da guerra, o bloqueio naval abastecimento das tropas uruguaias e argentinas.
imposto pela Esquadra brasileira provocou o primeiro Uma das missões da Esquadra argentina era
embate entre as forças navais. O Combate de Colares justamente a manutenção do abastecimento dos exércitos
ocorreu em 9 de fevereiro de 1826, quando a Esquadra que lutavam na Província Cisplatina. Como obstáculo
argentina, composta de 14 navios, deixou seu antepunha-se a Esquadra brasileira comandada pelo
ancoradouro para empreender uma ação de desgaste à Almirante Rodrigo Lobo, que, apesar da ineficiência
Força Naval brasileira em bloqueio, também composta desse início de bloqueio naval – pelos primeiros embates
de 14 navios. As forças navais adversárias, dispostas em navais da guerra, observa-se que a Esquadra argentina
colunas, trocaram tiros de canhão a grande distância uma movimentava-se com relativa facilidade – mantinha-se
da outra, causando perdas humanas e avarias materiais superior em número as forças navais comandadas por
reduzidas de parte a parte. A Esquadra argentina se Brown.
retirou para o refúgio de Los Pozos e a Força Naval
O Comandante da Esquadra argentina, William
brasileira foi fundear entre os Bancos de Ortiz e Chico.
Brown, reuniu sua capitânia, a Fragata 25 de Mayo, e
O passo posterior do comandante das forças dois brigues em uma audaciosa ação para capturar
argentinas teria conseqüências muito mais significativas navios que se dirigissem a Montevidéu, tentando
para os destinos da guerra no mar e em terra se bem- aumentar o tamanho de sua Esquadra e tomar alguma
sucedido. Seu alvo era a Colônia de Sacramento, uma carga de valor em navios mercantes. Em 10 de abril de
praça fortificada situada na margem esquerda do Rio da 1826, conseguiu capturar a pequena Escuna Isabel
Prata e guarnecida por 1.500 homens chefiados pelo Maria. No dia seguinte, ao perseguir um navio mercante,
Brigadeiro Manoel Jorge Rodrigues, complementados a Fragata 25 de Mayo aproximou-se tanto do porto de
por uma pequena força de quatro navios, comandada Montevidéu que foi reconhecida por navios da Esquadra
pelo Capitão-de-Fragata Frederico Mariath. Sete navios brasileira, mesmo arvorando a bandeira francesa89 .
da Esquadra argentina, capitaneados pela Fragata 25 de Saiu em sua perseguição a Fragata Niterói,
Mayo, romperam o bloqueio brasileiro ao largo de comandada pelo hábil Capitão-de-Mar-e-Guerra James
Buenos Aires e fizeram vela para a Colônia de
Norton, ambos, navio e comandante, veteranos das
Sacramento, simultaneamente aquela praça era cercada Guerras da Independência e recém-chegados para
por tropas.
reforçar a Força Naval brasileira no Rio da Prata.
Devido ao maior poder de combate Força Naval Acompanharam a perseguição à capitânia Argentina
Argentina perante a flotilha brasileira que defendia a quatro outros pequenos navios, mas o combate se
Colônia, as tripulações e os canhões dos navios concentrou nos navios de maior porte, com a Fragata
brasileiros foram desembarcados e incorporados às Niterói trocando disparos com a Fragata 25 de Mayo e
defesas de terra. Em 26 de fevereiro de 1826, os navios com um dos brigues que a acompanhava. Com o cair da
argentinos e as tropas de cerco iniciaram o bombardeio, noite, os navios argentinos, com graves avarias,
respondido pelas fortificações da Colônia do retiraram-se para Buenos Aires, dando por encerrado o
Sacramento, que inutilizaram um dos navios adversários. embate que ficou conhecido como o Combate de
Repelido o primeiro ataque, os defensores da Colônia do Montevidéu.
Sacramento enviaram uma escuna para pedir auxílio às
forças navais brasileiras estacionadas em Montevidéu,
socorro que chegaria mais rápido àquela praça sitiada. 89
Expediente comum nas guerras no mar no tempo dos navios a
vela, utilizando-se da bandeira de outra nação um navio de guerra
ocultava sua identidade perante o inimigo. Este ardil foi utilizado
pelo Capitão-de-Fragata John Taylor quando no comando da
88
Hidrografia é a topografia marítima, ciência utilizada para a Fragata Niterói na épica perseguição aos navios portugueses em
produção de plantas da costa e ilhas, chamadas de cartas náuticas. retirada, na Guerra da Independência.
EA-HSG 33 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:54

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Após o malogro da tentativa de capturar navios ao pequenos navios adequados à navegação fluvial,
largo do porto de Montevidéu, Brown planejou outra defenderia a Colônia do Sacramento e patrulharia os rios
ação para reforçar sua esquadra com navios brasileiros Uruguai, Negro e Paraná, que formavam a fronteira
capturados. Tencionava abordar e capturar a Fragata natural entre as Províncias Unidas do Rio da Prata e a
Niterói, o mesmo navio que frustrou sua incursão Província Cisplatina, impedindo que as forças de
anterior. Na noite de 27 de abril, sete navios argentinos Lavalleja e o Exército argentino fossem supridos desde o
rumaram para próximo de Montevidéu, onde os navios território argentino. A 4a Divisão era formada por navios
brasileiros se reuniam, e tentaram identificar seu alvo. em reparo, e foi mantida em Montevidéu, para atuar
Enganados pela escuridão, investiram contra a Fragata como uma força de reserva. A reorganização das forças
Imperatriz que, tendo percebido a aproximação do navais brasileiras mostrou sua eficiência na contenção
inimigo, se preparara para o combate. Os navios dos movimentos da esquadra adversária.
argentinos 25 de Mayo e Independencia tentaram a No dia 15 de maio de 1826, as três linhas de bloqueio
abordagem, mas foram repelidos pela tripulação da determinadas pelo novo comandante da Força Naval
Imperatriz. O comandante do navio brasileiro, Capitão- brasileira no Rio da Prata já se achavam em posição. Em
de-Fragata Luís Barroso Pereira, liderou seus homens na 23 de maio, a Esquadra argentina decidiu testar a
renhida luta até tombar mortalmente ferido no convés, resistência da Força Naval brasileira responsável pelo
atingido por disparos do inimigo. Foi uma das duas bloqueio de Buenos Aires, a 2a Divisão da Esquadra
vítimas fatais da Imperatriz no combate. Imperial, chefiada pelo Capitão-de-Mar-e-Guerra James
A 3 de maio de 1826, a Esquadra comandada por Norton. Os navios brasileiros engajaram-se no Combate
Brown foi avistada pelos navios brasileiros quando das Balizas Exteriores, mesmo com o risco de
tentava escapar do bloqueio naval ao seu porto. Os encalharem nos bancos de areia em torno de Buenos
navios argentinos tentaram alcançar o Banco de Ortiz na Aires. Os navios argentinos perceberam a resolução da
esperança de atrair os perseguidores, que, com navios de força bloqueadora e voltaram ao seu ancoradouro, em
maior porte, encalhariam naquele banco de areia, Los Pozos. Dois dias depois, o navio capitânia da 2a
tornando-se alvos imóveis para seus canhões. Divisão, a Fragata Niterói, navegando sozinha, atraiu a
Contudo, no combate que ficou conhecido como o do Esquadra argentina para o combate, mas, novamente, a
Banco de Ortiz, foi justamente a Fragata argentina 25 de troca de tiros não causou danos significativos a nenhum
Mayo a primeira a ficar encalhada, logo seguida pela dos lados.
nossa Fragata Niterói. Os dois navios imobilizados Mesmo a nova estratégia de bloqueio, mais agressiva,
empenharam-se em um duelo de artilharia. A Niterói não se mostrava eficiente na destruição dos navios
conseguiu livrar-se do encalhe, logo a 25 de Mayo argentinos que se mantinham protegidos no ancoradouro
também escapou do Banco de Ortiz e se reuniu ao de Los Pozos.
restante da Esquadra Argentina. O Combate do Banco de No começo de junho de 1826, buscando um
Ortiz acabou sem grandes perdas para ambos os engajamento decisivo, o Almirante Rodrigo Pinto
adversários, mas mostrou o perigo que os bancos de Guedes planejou atacar a Esquadra inimiga dentro de
areia do estuário do Rio da Prata representavam para as Los Pozos. Para isso, a 2a Divisão foi reunida à 3a
esquadras em luta. Divisão da Esquadra Imperial, composta por navios
Em 13 de maio de 1826, o Almirante Rodrigo Pinto menores que poderiam transpor os bancos de areia que
Guedes, o Barão do Rio da Prata, substituiu o Almirante protegiam o ancoradouro de Buenos Aires.
Rodrigo Lobo, que tinha se mostrado pouco capaz no Em 7 de junho, antes que as duas forças brasileiras se
comando da Força Naval do Império do Brasil em reunissem, cinco navios de transporte argentinos,
operações de guerra no Rio da Prata. A primeira medida escoltados por navios de guerra, largaram de Buenos
tomada pelo Almirante Pinto Guedes foi estabelecer uma Aires com soldados e suprimentos para apoiar as tropas
nova disposição das forças navais que reforçasse o argentinas que lutavam junto aos cisplatinos. Ao mesmo
bloqueio naval. Dividiu suas forças em quatro divisões, tempo, o resto da Esquadra argentina, comandada por
sob o comando de oficiais capazes e experientes, Brown, fez vela para atrair a atenção da força brasileira.
devendo em todas oportunidades engajar o inimigo, Nem a 2 a Divisão, junto a Buenos Aires, nem a 3a, ainda
obrigando-o a aceitar a luta. A 1a Divisão, reunindo os em águas da Colônia de Sacramento, alcançaram os
maiores e mais poderosos navios que estavam no Rio da navios de transporte argentinos.
Prata, formaria a linha exterior do bloqueio, impedindo Em 11 daquele mês, as 2a e 3 a Divisões, comandadas
que navios entrassem no Rio da Prata para abastecer a por Norton, executaram o plano de ataque e investiram
Argentina e seu Exército lutando na Cisplatina e contra a Esquadra argentina em Los Pozos. Novamente,
tentando capturar os corsários que transitassem pela os bancos de areia protegeram os navios argentinos. O
região. A 2a Divisão, constituída de navios mais leves, comandante da Força Naval brasileira, Norton, desistiu
manobreiros e numerosos, operaria no interior do do ataque que seria infrutífero. Apesar dos insucessos da
estuário, efetuando um rigoroso bloqueio naval entre a ação planejada, a Escuna Isabel Maria, apresada pelos
Colônia de Sacramento, Buenos Aires e a Enseada de argentinos, foi recuperada.
Barregã, isolando a Esquadra argentina no seu
ancoradouro e tentando impedir o abastecimento por mar
da capital argentina. A 3a Divisão, composta de
EA-HSG 34 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:54

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Considerando o malogro do último ataque brasileiro à A Corveta Maceió, a capitânia e o maior navio da
Esquadra argentina como sua vitória, Brown preparou divisão, ficou isolada dos outros navios brasileiros perto
uma nova investida à 2a Divisão, determinado a livrar de um banco de areia conhecido como Playa Honda. A
Buenos Aires do bloqueio naval. Protegidos pela noite, Maceió era o alvo perfeito para as forças argentinas,
em 29 de julho de 1826, 17 navios da Esquadra sempre em busca de navios para reforçar sua já
Argentina tentaram surpreender os navios sob o diminuída Esquadra. Cinco navios inimigos
comando do Capitão-de-Mar-e-Guerra James Norton. aproximaram-se da corveta, que estava acompanhada
Porém, alertados por uma escuna que fazia a vigilância, apenas da escuna Dois de Dezembro, e tentaram a
os brasileiros responderam ao ataque. O combate tornou- abordagem. A tripulação da Maceió repeliu o inimigo
se confuso; a mesma noite que escondia os atacantes, com o fogo de seus 20 canhões. Por fim, os navios
prejudicava a precisão dos disparos e a identificação do argentinos recuaram, mas a missão da Divisão
inimigo. A possibilidade de atingir navios amigos Auxiliadora ainda não terminara. Os navios brasileiros
determinou que ambos os lados suspendessem a luta. da 3 a Divisão permaneciam presos no Rio Uruguai.
Ao alvorecer, o combate recomeçou. O Comandante No início de fevereiro de 1827, a 3a Divisão desceu o
da Esquadra argentina, Brown, conduziu seu navio Rio Uruguai para combater a Força Naval argentina que
capitânia, a Fragata 25 de Mayo, na direção dos navios a bloqueava. Com ajuda da Divisão Auxiliadora, a
brasileiros, mas só foi acompanhado pela Escuna Rio de planejou-se colocar o inimigo entre os canhões das duas
La Plata. Os dois navios argentinos receberam todo o divisões brasileiras.
peso dos disparos dos canhões brasileiros e ficaram Em 8 de fevereiro, começava o Combate de Juncal,
completamente inutilizados. O chefe das forças nome tomado da Ilha fluvial de Juncal, segmento do Rio
argentinas foi obrigado a transferir-se sob fogo para um Uruguai onde os navios da 3a Divisão foram derrotados
navio argentino que ousou aproximar-se. O restante da pela Força Naval argentina, pois não receberam o
Esquadra argentina retirou-se para a segurança de seu esperado apoio da Divisão Auxiliadora, que permaneceu
ancoradouro. O Combate de Lara-Quilmes foi a última longe do local da batalha.
tentativa da Esquadra argentina de destruir os navios da O bloqueio naval mais rigoroso realizado desde maio
2 a Divisão da Esquadra Imperial, desmantelando o de 1826 pela 2a Divisão da Esquadra Imperial mantinha
bloqueio naval brasileiro em torno de Buenos Aires. a maior parte do tempo a Esquadra argentina confinada
Depois dessa expressiva vitória das forças navais em seu ancoradouro. Porém, a Esquadra brasileira não
brasileiras, no começo do ano de 1827, a 3a Divisão, a conseguia uma vitória definitiva frente ao inimigo, não
composta pelos menores navios da Esquadra brasileira, evitando pequenas incursões que, algumas vezes,
comandada pelo Capitão-de-Fragata Jacinto Roque Sena mostravam-se desastrosas, como o combate fluvial em
Pereira, foi derrotada no Combate de Juncal. Juncal.
No final do ano anterior a 3 a Divisão recebeu ordens Já nesse período da guerra no mar, o governo de
de subir o Rio Uruguai para auxiliar as operações do Buenos Aires concentrava seu esforço na guerra de
Exército Imperial Brasileiro na Cisplatina. Sabendo corso, que afetava o comércio marítimo do Império
daquela movimentação, o comandante da Esquadra brasileiro. Mesmo a Esquadra argentina, já muito
argentina reuniu uma força composta de 16 navios debilitada depois do Combate de Lara-Quilmes, cedia
adaptados à navegação fluvial para destruir a 3 a Divisão seus navios para campanhas de corso na costa brasileira.
brasileira e permitir o livre trânsito de reforços vindos E foi com esse propósito que os quatro principais navios
das Províncias Unidas para os seus exércitos na argentinos tentaram romper o bloqueio brasileiro na
Cisplatina. noite de 6 de abril de 1827.
Em 29 de dezembro de 1826, a Força Naval argentina A Força Naval argentina, composta pelos Brigues
atacou a 3a Divisão, fundeada na foz do Rio Iaguari, mas República, Congresso e Independencia, e pela Escuna
foi repelida pelo intenso fogo da artilharia dos pequenos Sarandi, comandada pelo próprio comandante da Esquadra
navios de Sena Pereira e recuou, descendo o Rio argentina, William Brown, foi interceptada pelos navios da
Uruguai. Embora tivesse repelido o ataque argentino, a 2 a Divisão quando tentava contornar o bloqueio naval
3 a Divisão brasileira se viu presa dentro do Rio Uruguai, brasileiro.
uma vez que os navios inimigos postaram-se na foz Neste último grande encontro entre as forças
daquele rio. adversárias, conhecido como Combate de Monte Santiago,
Foi organizada uma força naval com unidades da 2 a a 2 a Divisão brasileira, reforçada pelos navios das outras
Divisão para combater os argentinos que bloqueavam da duas divisões bloqueadoras, fustigara os navios argentinos
3 a Divisão no interior do Rio Uruguai, chamada de com os seus canhões, que, encurralados entre a força
Divisão Auxiliadora. Apesar da urgência no socorro, a brasileira e os bancos de areia, foram sendo destroçados.
progressão desta força naval foi lenta e difícil devido ao Os Brigues República e Independencia foram abordados e
grande número de bancos de areia que tornavam aquelas capturados pelos brasileiros. O Brigue Congresso e a
águas pouco profundas e inadequadas para navios de Escuna Sarandi, navios menores e mais leves conseguiram
maior porte, como os que compunham a 2 a Divisão passar pelos bancos de areia e refugiaram-se em Buenos
brasileira. Aires, ainda sim bastante atingidos pelos canhões
brasileiros e com muitos mortos e feridos a bordo.

EA-HSG 35 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:54

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Foi o golpe final contra a Esquadra argentina e a 3.2) GUERRA CONTRA ORIBE E ROSAS
demonstração que o bloqueio naval organizado pelo Terminada a longa revolta que sublevou as Províncias
Almirante Rodrigo Pinto Guedes foi efetivo no combate do Rio Grande e de Santa Catarina, o Império brasileiro
ao inimigo. pôde retomar a vigilância na fronteira sul e ater-se ao
As grandes perdas argentinas no Combate de Monte conflito que crescia na área do Rio da Prata. Mesmo com
Santiago, em abril de 1827, ratificaram a opção pela o fim da Guerra Cisplatina e a independência da
guerra de corso. Durante todo o conflito, as Províncias República Oriental do Uruguai, as lideranças políticas
Unidas armaram corsários. Alguns corsários eram argentinas continuavam com a pretensão de restituir o
armados no porto de Buenos Aires e conseguiam romper mando de Buenos Aires sobre o território do Vice-
o bloqueio naval brasileiro; outros vinham das bases de Reinado do Prata.
corsários de Carmen de Patagones e San Blas, em O projeto de anexação do Uruguai ao território
território das Províncias Unidas do Rio da Prata, e havia argentino encontrou em Juan Manuel de Rosas, liderança
mesmo os que, recebendo as patentes de corso do máxima da Confederação Argentina desde 1835, e em
governo de Buenos Aires em portos do exterior, daí Manuel Oribe, líder do partido de oposição ao governo
largavam para acossar os navios mercantes nas costas uruguaio, o Partido Blanco, seus executores.
brasileiras. O Império brasileiro, que se opunha frontalmente à
anexação, apoiava o governo constituído do Uruguai,
A guerra de corso empreendida contra nosso exercido pelo Partido Colorado. A situação política no
comércio marítimo (à época, como hoje, essencial para
Uruguai aproximava-se a de uma guerra civil, com
economia nacional) foi mais efetiva contra o esforço de tropas partidárias de Oribe e apoiadas por Rosas
guerra brasileiro que a Esquadra argentina. A operação cercando a capital, Montevidéu.
ofensiva que a Marinha Imperial brasileira realizou com
Em 1851, o Governo brasileiro procedeu uma aliança
o bloqueio naval no Prata coexistiu com a ação defensiva com o governo legal uruguaio e com um oposicionista de
na vigilância das extensas águas territoriais brasileiras, Rosas, o Governador da Província argentina de Entre
defendendo nosso comércio marítimo dos corsários. Rios, Justo José de Urquiza, para defender o Uruguai do
Exemplos da ação da Marinha Imperial no combate ataque das forças de Rosas e Oribe.
aos corsários são as duas incursões da Esquadra sediada A ação da Marinha novamente seria realizada em
no Rio da Prata às bases corsárias de Carmen de estreita colaboração com o Exército Imperial. O
Patagones e San Blas, na região da Patagônia. Ambas comando da Força Naval foi entregue ao Chefe-de-
ocorreram em 1827 e pretendiam destruir esses Esquadra John Pascoe Grenfell, veterano das lutas na
verdadeiros ninhos de corsários e recapturar alguns dos Independência e na Cisplatina.
navios mercantes que estes tinham tomado. Somente com a intervenção da força terrestre, as
Contudo, as condições hidrográficas da costa tropas que cercavam Montevidéu capitularam, Manuel
argentina da Patagônia, completamente desconhecida Oribe estava derrotado. A Esquadra brasileira, disposta
dos brasileiros, e, na incursão a Carmen de Patagones, a ao longo do Rio da Prata, impediu que as tropas vencidas
falta de informação sobre as defesas a serem enfrentadas pudessem evacuar para a margem direita, o lado
determinou o fracasso das duas expedições. argentino.
Tendo pacificado o Uruguai, a força brasileira e seus
O combate aos corsários foi mais efetivo no bloqueio
naval empreendido a outra de suas “bases”, a localizada aliados platinos voltaram-se contra Rosas, que mantinha-
se como uma ameaça à estabilidade da região. Nessa
no Rio Salado. Outros corsários foram batidos no mar
nova ação militar coube à Marinha a tarefa de transportar
pela Marinha Imperial, como o Brigue Niger, capturado
em março de 1828; e o Brigue General Brandsen, as tropas aliadas pelo Rio Paraná até a localidade de
Diamante, para ali desembarcá-las.
destruído por navios brasileiros após longa campanha de
corso. A Força Naval brasileira composta por quatro navios
com propulsão a vapor e três navios a vela tinha como
A indefinição da campanha terrestre e o esgotamento
obstáculo o Passo de Tonelero, nas proximidades da
econômico e militar de ambos os contendores levou o
Brasil a aceitar a mediação da Grã-Bretanha para o fim Barranca de Acevedo, onde o inimigo instalara uma
fortificação guarnecida por 16 peças de artilharia e 2.800
da guerra. A Convenção Preliminar de Paz foi assinada
entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio homens. Devido à pouca largura do rio naquele trecho,
os navios brasileiros seriam obrigados a passar a menos
da Prata em 27 de agosto de 1828. O acordo estipulava
de 400 metros daquela fortificação, recebendo o peso da
que ambos os lados renunciariam a suas pretensões sobre
a Banda Oriental, que se tornaria um país independente, artilharia inimiga. A solução encontrada pelo Chefe-de-
Esquadra Grenfell foi o emprego conjunto dos navios a
a Republica Oriental do Uruguai.
vela e a vapor na operação de transposição daquele
O término da Guerra Cisplatina não seria o fim dos obstáculo.
conflitos na região. A Marinha Imperial brasileira Os navios a vela, mais artilhados (pois tinham
permaneceria guarnecendo a segurança do Império do artilharia postada por todo seu costado, substituída nos
Brasil no Rio da Prata. navios a vapor pelas rodas laterais), foram rebocados
pelos navios a vapor, mais rápidos e ágeis nas manobras.

EA-HSG 36 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:54

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Tonelero foi vencida em 17 de dezembro de 1851, CAPÍTULO VI - A ATUAÇÃO DA MARINHA NA
com as tropas desembarcando em Diamante com GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O
sucesso. GOVERNO DO PARAGUAI
Naquela localidade, os navios a vapor auxiliaram
também na transposição do rio pelas tropas oriundas das 1) SINOPSE
províncias argentinas aliadas que tinham marchado até A livre navegação nos rios e os limites entre o Brasil
aquela posição. e o norte do Paraguai eram motivos de discordância
O exército de Buenos Aires foi derrotado pelas tropas entre os dois países. Não se chegou a um acordo
brasileiras e de seus aliados platinos, em fevereiro de satisfatório até a conclusão da Guerra da Tríplice
1852, e a Passagem de Tonelero representou a única Aliança. Para os brasileiros, era muito importante
operação ofensiva realizada pela Marinha Imperial acessar, sem empecilhos, a Província de Mato Grosso,
naquele conflito. navegando pelo Rio Paraguai. Sabendo disto, os
Contudo, o emprego da força naval no transporte de paraguaios mantinham a questão dos limites, que
tropas para a área do conflito e, notadamente depois de reivindicavam associada à da livre navegação. O litígio
Tonelero, na transposição das tropas aliadas da margem existia, principalmente em relação a um território situado
uruguaia para território argentino, no Rio da Prata e Rio à margem esquerda do Rio Paraguai, entre os Rios Apa e
Paraná, constituiu fator essencial para o sucesso das Branco, ocupado por brasileiros.
ações militares desenvolvidas pelos aliados contra Rosas Apesar dessas questões, o entendimento entre o Brasil
e Oribe. e o Paraguai era cordial, excetuando-se algumas crises
CRONOLOGIA que não chegaram a ter maiores conseqüências.
Interessava principalmente ao Império que o Paraguai se
DATA EVENTO mantivesse fora da Confederação Argentina, que muitas
dificuldades lhe vinha causando, com sua permanente
10 de dezembro de 1825 a 27 Guerra Cisplatina
de agosto de 1828
instabilidade política.
Com a morte de Carlos López, ascendeu ao governo
7 de janeiro de 1835 a 1838
90
Cabanagem (Província. do do Paraguai seu filho, Francisco Solano López, que
Pará) ampliou a política externa do País, inclusive
91 estabelecendo laços de amizade com o General Justo
21 de setembro de 1835 a 28 Guerra dos Farrapos
de fevereiro de 1845
José de Urquiza, que liderava a província argentina de
(Província do Rio Grande)
Entre Rios, e com o Partido Blanco uruguaio. Essas
7 de novembro de 1837 a Sabinada (Província da alianças, sem dúvida, favoreciam o acesso do Paraguai
16de março de 1838 Bahia) ao mar.
Com a invasão do Uruguai por tropas brasileiras, na
13 de dezembro de 1838 a 9 Balaiada (Província do intervenção realizada em 1864, contra o governo do
de janeiro de 1841 Maranhão e Piauí)
Presidente uruguaio Manuel Aguirre, do Partido Blanco,
7 de novembro de 1848 a 10 Revolta Praieira (Província Solano López considerou que seu próprio país fora
de abril de 1849 de Pernambuco) agredido e declarou guerra ao Brasil. Aliás, ele havia
enviado um ultimato ao Brasil, que fora ignorado. Como
92
(30 de setembro de 1850 ) 18 Guerra contra Oribe e Rosas foi negada pelos portenhos permissão para que seu
de agosto de 185193 a
exército atravessasse território argentino para atacar o
fevereiro de 1852
Rio Grande do Sul, invadiu a Província de Corrientes,
envolvendo a Argentina no conflito.
O Paraguai estava se mobilizando para uma possível
guerra desde o início de 1864. López se julgava mais
forte – o que provavelmente era verdadeiro, no final de
1864 e início de 1865 – e acreditava que teria o apoio
dos blancos uruguaios e do argentino Urquiza. Tal não
ocorreu. Ele superestimou o poderio econômico e militar
do Paraguai e subestimou o potencial do Poder Militar
brasileiro e a disposição para a luta do Brasil.

90
Período de pacificação de focos rebeldes no interior da Província
do Pará.
91
Entrada das tropas farroupilhas em Porto Alegre.
92
Rompimento das relações diplomáticas entre o Império do Brasil
e a Confederação Argentina.
93
Declaração de guerra de Juan Manuel de Rosas ao Império do
Brasil.
EA-HSG 37 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:13:54

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Paraguai: da independência à Guerra da Tríplice Aliança A aliança com os argentinos era, na opinião de um
Ex-colônia espanhola na América do Sul, o Paraguai foi dos observadores estrangeiros, uma “aliança de cão e
diretamente beneficiado pela política expansionista de Napoleão
gato”. Havia muitas desavenças recentes e ao Brasil não
Bonaparte na Europa. A Espanha era aliada da França nas Guerras
Napoleônicas, inclusive permitindo que as tropas de Napoleão interessava subordinar sua Força Naval a um
atravessassem seu território para invadir Portugal, em 30 de comandante argentino. A Argentina possuía, durante
novembro 1807, um dia após a Família Real e a Corte portuguesa essa guerra, apenas uma pequena Marinha e o esforço
terem rumado para o Brasil. naval foi quase totalmente da Marinha do Brasil. O
Enquanto a invasão de Portugal se sucedia, Napoleão forçou a
Império não queria criar uma situação em que um
abdicação do Rei Carlos IV de Espanha e de seu herdeiro, D.
Fernando, conduzindo ao trono espanhol o seu irmão José estrangeiro pudesse decidir o destino de seu Poder
Bonaparte. Os espanhóis revoltaram-se contra os usurpadores Naval. Poder que sempre desempenhara um papel
franceses, obtendo apoio das tropas inglesas estacionadas no Norte importante, de diferenciador nos conflitos da região do
de Portugal. As tropas anglo-portuguesas expulsariam os franceses Rio da Prata.
em 1813 e Fernando VII restauraria o trono em 1814, pelo Tratado
de Valença. Isto significava, também que, no início da guerra, as
Neste ínterim, com o trono espanhol ocupado por estrangeiros, o operações envolvendo forças navais e terrestres seriam
isolamento da metrópole favoreceu aos patriotas hispano- operações conjuntas, sem unidade de comando95 .
americanos das colônias espanholas na América que desejavam a
independência das terras em que viviam. O Paraguai declara a sua
No início da Guerra da Tríplice Aliança, a Marinha
independência, derrubando as autoridades espanholas locais a 15 de do Brasil dispunha de 45 navios armados. Destes, 33
maio de 1811 e derrotando, neste mesmo ano, tropas argentinas que eram navios de propulsão mista, a vela e a vapor, e 12
queriam sua adesão às Províncias Unidas do Rio da Prata (atual dependiam exclusivamente do vento. A propulsão a
Argentina). Daí para a frente, as relações com a Argentina seriam vapor, no entanto, era essencial para operar nos rios.
complicadas.
Assumiu o governo do Paraguai uma junta composta por três
Todos tinham casco de madeira. Muitos deles já estavam
membros. Em 1817, um dos membros da junta, Dr. José Gaspar armados com canhões raiados de carregamento pela
Rodriguez de Francia, por maioria no Congresso, passou a ser o culatra96.
Ditador Perpétuo do Paraguai. O Dr. Francia adotou uma política de
Os navios brasileiros, no entanto, mesmo os de
isolamento em relação ao resto do mundo. Consolidou a
independência do país e, enquanto governou, ela não foi contestada propulsão mista, eram adequados para operar no mar e
oficialmente. O Brasil foi o primeiro país que a reconheceu. não nas condições de águas restritas e pouco profundas
Por seu turno, a Argentina não apenas não reconhecia a que o teatro de operações nos Rios Paraná e Paraguai
independência do Paraguai, como também não autorizava quaisquer exigia; a possibilidade de encalhar era um perigo sempre
relações exteriores através de território argentino. Mesmo os
presente. Além disso, esses navios, com casco de
estrangeiros em missão oficial eram obrigados a chegar a Assunção
sem transitar por território argentino. O acesso ao mar também era madeira, eram muito vulneráveis à artilharia de terra,
fundamental para o Paraguai. posicionada nas margens.
Em 1844, Carlos López foi aclamado Presidente da República Era uma época de freqüentes inovações tecnológicas
do Paraguai por um período de dez anos. Durante seu governo,
no hemisfério norte e a Guerra Civil Americana,
incentivou a abertura ao comércio internacional e o país começou a
participar dos acontecimentos políticos da região. Já no ano trouxera muitas novidades para a guerra naval e,
seguinte, firmou uma convenção de aliança ofensiva e defensiva especificamente, para o combate nos rios. Sua
com a Província de Corrientes, declarou guerra a Rosas e enviou 4 influência, logo depois dessa primeira fase de navios de
mil homens, comandados por um de seus filhos, o jovem Francisco madeira, na Guerra da Tríplice Aliança fez-se sentir,
Solano López, para Corrientes. Solano López viria a ser o ditador
principalmente, com o aparecimento dos navios
paraguaio que provocou a Guerra da Tríplice Aliança.
protegidos por couraça de ferro, projetados para a guerra
Os seguintes atos de hostilidade do Paraguai levaram fluvial e a mina naval.
à assinatura do Tratado da Tríplice Aliança Contra o
Governo do Paraguai, pelo Brasil, Argentina e Todos navios da Esquadra paraguaia, exceto um97 ,
Uruguai94, em 1 o de maio de 1865: eram navios de madeira, mistos, a vela e vapor, com
propulsão por rodas de pás. Embora todos eles fossem
• o apresamento do Vapor brasileiro Marquês de Olinda,
adequados para navegar nos rios, somente o Taquary era
que viajava para Mato Grosso, transportando o novo
um verdadeiro navio de guerra; os outros, apesar de
presidente dessa província, em 12 de novembro de 1864,
convertidos, não foram projetados para tal.
em Assunção;
• a invasão do sul de Mato Grosso por tropas paraguaias,
em 28 de dezembro de 1864; e
• a invasão de território da Argentina por tropas 95
Como, aliás, ocorrera na Campanha do Mississipi, durante a
paraguaias, em 13 de abril de 1865, ocupando a Cidade Guerra Civil Americana. No vale do Rio Mississipi, onde os rios
eram as principais vias de comunicação, houve semelhanças com o
de Corrientes e apresando os vapores argentinos conflito sul-americano.
Gualeguay e 25 de Mayo. 96
O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (Arsenal da Corte)
passara por uma modernização em meados do século XIX. Alguns
de seus engenheiros, como Napoleão Level e Carlos Braconnot,
haviam estagiado em estaleiros europeus e eram capazes de projetar
navios movidos por hélice e sistemas de propulsão a vapor.
94
Entre outros itens importantes, o Tratado da Tríplice Aliança Diversos dos navios do início da guerra foram projetados e
estabelecia que o Comando da Força Naval do Brasil em Operações construídos no País.
97
contra o Governo do Paraguai não ficaria subordinado ao Comando O Pirabebe, um pequeno navio fluvial, tinha a estrutura de ferro e
Geral. era a hélice.
EA-HSG 38 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:14:33

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Os paraguaios desenvolveram a chata com canhão Tirando o máximo proveito do terreno ao longo do Rio
como arma de guerra. Era um barco de fundo chato, sem Paraná, ele mandou, também, assentar canhões nas
propulsão, com canhão de seis polegadas de calibre, que barrancas da Ponta de Santa Catalina, que fica
era rebocado até o local de utilização, onde ficava imediatamente antes da foz do Riachuelo98 , e reforçar com
fundeado. Transportava apenas a guarnição do canhão e tropas de infantaria o Rincão de Lagraña99, que lhe fica a
sua borda ficava próximo da água, deixando à vista um jusante.
reduzidíssimo alvo. Via-se somente a boca do canhão Da extremidade sul do Rincão de Lagraña, que tem uma
acima da superfície da água. barranca mais elevada, os paraguaios podiam atirar, de
cima, sobre os conveses dos navios brasileiros que
Discriminadas as forças, sigamos então no conflito. A escapassem, descendo o Paraná. O local era perfeito para
seguir serão destacados os pontos de maior relevância da uma armadilha, pois o canal navegável era estreito e
nossa Força Naval... tortuoso, com risco de encalhe em bancos submersos, o que
forçava as embarcações a passarem próximo à margem
2) O BLOQUEIO DO RIO PARANÁ E A esquerda100 .
BATALHA NAVAL DO RIACHUELO Na noite de 10 para 11 de junho de 1865, a força naval
brasileira comandada por Barroso, constituída pela Fragata
O Paraguai enviou duas colunas de tropas invasoras,
Amazonas e pelos Vapores Jequitinhonha, Beberibe,
uma destinada ao Rio Grande do Sul e outra para o sul, Parnaíba, Mearim, Araguari, Iguatemi e Ipiranga, estava
em território argentino, acompanhando o Rio Paraná. fundeada ao sul da Cidade de Corrientes, próximo à
Foi designado comandante das Forças Navais margem direita, em um trecho largo do rio. De lá
Brasileiras em Operação o Almirante Joaquim Marques avistaram, pouco depois das oito horas da manhã, a força
Lisboa, Visconde de Tamandaré. A estratégia naval paraguaia comandada pelo Capitão-de-Fragata Pedro
adotada foi a de negar o acesso ao território paraguaio Inácio Mezza, com os navios: Tacuary, Paraguary, Igurey,
através do bloqueio. Tamandaré, logo no início, tratou Ipora, Jejuy, Salto Oriental, Marques de Olinda e Pirabebe;
também de organizar a difícil logística que o teatro de rebocando seis chatas artilhadas.
operações exigia. Os rios eram as principais vias de Mezza se atrasara devido a problemas na propulsão de
comunicação da região e, navios e embarcações teriam um de seus navios, o Ibera, que acabou sendo deixado para
que transportar os suprimentos para as tropas, o carvão trás. As chatas que rebocava tinham uma pequena borda-
para servir como combustível dos próprios navios e, livre, fazendo água quando os navios aumentavam a
muitas vezes, soldados, cavalos e armamento. velocidade procurando recuperar o tempo perdido.
Ele decidiu não largar as chatas, pois sua presença na
Com o avanço das tropas paraguaias ao longo do Rio batalha era uma determinação de López, e, chegando tarde,
Paraná, ocupando a Província de Corrientes, Tamandaré desistiu de iniciar o combate com a abordagem. Julgava
resolveu designar seu chefe de estado-maior, o Chefe- que não havia surpreendido os brasileiros e é acusado de
de-Divisão Francisco Manoel Barroso da Silva, para ter, assim, perdido sua melhor chance de vitória. A
assumir o comando da força naval brasileira, que subira surpresa, na realidade, foi maior até do que se poderia
o rio para efetivar o bloqueio do Paraguai. Ele queria supor. Era uma manhã de domingo, parte das guarnições
mais ação. Barroso partiu em 28 de abril de 1865, na estava em terra para trazer lenha, com o propósito de
Fragata Amazonas, e assumiu o cargo em Bela Vista. poupar carvão. É sempre difícil manter um estado
Sua primeira missão foi um ataque à Cidade de prolongado de alerta, quando as ameaças não se fazem
Corrientes, então ocupada pelos paraguaios. O freqüentemente sensíveis.
desembarque das tropas aliadas em Corrientes ocorreu Alertada, a força naval brasileira se preparou para o
com bom êxito, no dia 25 de maio. iminente combate, as tripulações assumindo seus postos,
Não era, sabidamente, possível manter a posse dessa despertando o fogo das fornalhas das caldeiras com carvão
cidade na retaguarda das tropas invasoras, e largando as amarras. Às 9h25min, dispararam-se os
principalmente naquele momento da luta, em que os primeiros tiros de artilharia. Passou, logo em seguida, a
força paraguaia, em coluna, pelo través da brasileira, ainda
paraguaios mantinham uma ofensiva vitoriosa, e foi
imobilizada, indo, logo depois, rio abaixo, para as
preciso, logo depois, evacuá-la. Mas, o ataque deteve o proximidades da margem esquerda, logo após o local onde
avanço paraguaio para o Sul. Ficou evidente que a estavam as baterias de terra. Fechou-se assim, a armadilha
presença da força naval brasileira deixava o flanco em uma extensão de uns seis quilômetros, ao longo de um
direito dos invasores, que se apoiava no Rio Paraná, trecho do Paraná, junto à foz do Riachuelo101 .
sempre muito vulnerável. Para os paraguaios, era
necessário destruí-la e isto levou Solano López a
planejar a ação que levaria à Batalha Naval do 98
17 quilômetros distante ao sul da Cidade de Corrientes, portanto,
Riachuelo.
em território argentino.
Os preparativos para o ataque aos navios brasileiros 99
Assim chamado porque era uma estância do Governador Lagraña
foram realizados sob a orientação direta do próprio 100
Existem, também, diversas ilhas nesse trecho do rio, as principais
López. O plano consistia em surpreender os navios são as Palomeras, baixas e cobertas com vegetação. Elas ficam entre
brasileiros fundeados, abordá-los e, após a vitória, o canal que era utilizado nessa época e a margem direita, que é
ocupada pelo Chaco, alagadiço e inóspito.
rebocá-los para Humaitá. Por isso, os navios paraguaios 101
Coube a iniciativa desse primeiro combate aos paraguaios. A
estavam superlotados, com tropas. força brasileira somente conseguiu pressão nas caldeiras para se
movimentar às 10h50min, aproximadamente.
EA-HSG 39 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:14:33

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Pouco tempo depois, a coluna brasileira, com o manobra que eu praticava e que eu estava disposto a
Belmonte à frente, seguido pelo Jequitinhonha e por fazer-lhes o mesmo, trataram de fugir rio acima. Em
outros navios, avistou as barrancas de Santa Catalina. seguimento ao terceiro vapor destruído, aproei a uma
Somente mais adiante, já com as barrancas pelo través, chata que com o choque e um tiro foi a pique.
era possível ter a visão completa da curva do Rincão de Exmº Sr. Almirante, todas estas manobras eram feitas
Lagraña, à jusante da foz do Riachuelo, onde estavam pela Amazonas, debaixo do mais vivo fogo, quer dos
parados os navios e as chatas da força paraguaia. A navios e chatas, como das baterias de terra e mosquetaria
vegetação impedia que se soubesse que as barrancas de de mais de mil espingardas. A minha tenção era destruir
Santa Catalina estavam artilhadas. por esta forma toda a Esquadra Paraguaya, do que andar
Barroso resolveu deter a Amazonas, reservando-a para baixo e para cima, que necessariamente mais cedo
para interceptar uma possível fuga dos paraguaios rio ou mais tarde havíamos de encalhar, por ser naquella
acima. Alguns navios brasileiros não entenderam a localidade o canal mui estreito.
manobra e ficaram indecisos. Como conseqüência, o Concluída esta faina, seriam 4 horas da tarde, tratei de
Jequitinhonha encalhou num banco, sob as baterias de tomar as chatas, que ao approximar-me d’ellas eram
terra, e o Belmonte, à frente, prosseguiu sozinho, abandonadas, saltando todos ao rio, e nadando para terra,
recebendo o fogo concentrado da artilharia do inimigo e que estava a curta distância.
tendo que encalhar, propositadamente, após completar a O quarto vapor paraguayo Paraguary, de que ainda
passagem para não afundar, devido às avarias sofridas não fallei, recebeu tal rombo no costado e caldeiras,
em combate. quando desceram, que foi encalhar em uma ilha em
Para reorganizar sua força naval, Barroso avançou frente, e toda a gente saltou para ella, fugindo e
com a Amazonas, assumiu a liderança dos navios que abandonando o navio”.
estavam a ré do Belmonte e, seguido por eles, completou Quatro navios paraguaios conseguiram fugir e, com a
a passagem, sob o fogo dos canhões paraguaios e da aproximação da noite, os navios brasileiros que os
fuzilaria de terra. Afastou-se, depois, descendo o Rio perseguiam regressaram, para evitar encalhes em
Paraná com apenas seis dos seus nove navios, porque o território inimigo. Além disto, apesar de não
Parnaíba, com o leme avariado, também não conseguira comentarem, na época, não seria sensato abordar um
passar. Completou-se assim, às 12h10min, a primeira navio lotado com tropas.
fase da batalha. Antes do pôr-do-sol de 11 de junho, a vitória era
Então, Barroso mostrou toda a sua coragem, brasileira. Foi uma batalha naval, em alguns aspectos,
decidindo regressar para o interior da armadilha de decisiva.
Riachuelo. Foi necessário descer o rio até um lugar onde
A Esquadra paraguaia foi praticamente aniquilada, e
o canal permitia fazer a volta com os navios e, cerca de
não teria mais participação relevante no conflito. Estava
uma hora depois, ele estava novamente em frente à da garantido o bloqueio que impediria que o Paraguai
ponta sul do Rincão de Lagraña.
recebesse armamentos e, até mesmo, os encouraçados
Até aquele instante, o resultado era altamente encomendados no exterior. Comprometeu, também, a
insatisfatório para o Brasil. O Belmonte fora de ação, o situação das tropas invasoras e, pouco tempo depois, a
Jequitinhonha encalhado, para sempre, e o Parnaíba guerra passou para o território paraguaio.
sendo abordado e dominado pelo inimigo, apesar de
Barroso, sem dúvida, foi o responsável pelo bom
resistência heróica de brasileiros, como o Guarda-
êxito de sua força naval em Riachuelo. O futuro Barão
Marinha Guilherme Greenhalgh e o Marinheiro Marcílio de Teffé declarou que o vira, da Araguari, em plena
Dias, que lutaram, até a morte.
batalha, destemido, expondo-se sobre a roda da
Tirando, porém, vantagem do porte da Amazonas e Amazonas, com a barba branca, que deixara crescer, ao
contando com a perícia do prático argentino que tinha a vento e sentira por ele um grande respeito e admiração.
bordo, Barroso usou seu navio para abalroar os A cidade de Corrientes continuava ocupada pelo
paraguaios e vencer a batalha. Foi um improviso, seu inimigo e a força naval brasileira, que mostrara sua
navio não tinha esporão, nem a proa propositadamente
presença, fundeada próxima a ela, precisou iniciar,
reforçada para ser empregada como aríete. alguns dias após o 11 de junho, a descida do rio, que
Repetindo aqui as próprias palavras do Chefe-de- estava baixando.
Divisão Barroso, na parte que transmitiu ao Visconde de Os paraguaios haviam retirado suas baterias, que
Tamandaré, assim se deu a batalha (grafia de época): estavam na Ponta de Santa Catalina, e as instalaram,
- “....Subi, minha resolução foi de acabar de uma vez, primeiro em Mercedes, depois em Cuevas, criando
com tôda a esquadra paraguaya, que eu teria conseguido dificuldades para o abastecimento dos navios brasileiros,
se os quatrovapôres que estavam mais acima não que era realizado pelo rio. Sob todos esses aspectos,
tivessem fugido. Pus a prôa sôbre o primeiro, que o incluindo a diminuição do nível do Rio Paraná, que
escangalhei, ficando inutilisado completamente, de agoa aumentava o risco de encalhe, a posição da força naval,
aberta, indo pouco depois ao fundo. Segui a mesma avançada em território ainda ocupado por tropas do
manobra contra o segundo, que era o Marques de Olinda, Paraguai, mostrava-se muito vulnerável102 .
que inutilisei, e depois o terceiro, que era o Salto, que
ficou pela mesma fórma. Os quatro restantes vendo a 102
Tamandaré explicou sua ordem de recuar a força naval pela
necessidade dela estar sempre próxima à frente do exército inimigo.
EA-HSG 40 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:14:33

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Barroso passou com seus navios por Mercedes e operações rio acima. Quatro dos encouraçados já
Cuevas, enfrentando a artilharia paraguaia, e somente estavam disponíveis nessa força. Um deles tinha o nome
regressou passados alguns meses, apoiando o avanço das de Barroso, e outro o de Tamandaré. Era uma grande
tropas aliadas, que progrediam aproveitando o recuo do homenagem, em vida, aos dois ilustres chefes.
inimigo103. A ofensiva aliada para a invasão do Paraguai
Tudo levava à ilusão de que a Tríplice Aliança necessitava de apoio naval. Passo da Pátria foi uma
venceria a guerra em pouco tempo, mas tal não ocorreu. operação conjunta de forças navais e terrestres. Coube,
O que parecia fácil estagnou. O Paraguai era um país inicialmente, à Marinha fazer os levantamentos
mobilizado para a guerra que, aliás, foi ele que iniciou, hidrográficos, combater as chatas paraguaias e
achando que tinha vantagens. bombardear o Forte de Itapiru e o acampamento inimigo.
Humaitá ainda era uma fortaleza inexpugnável Em março de 1866, já estavam disponíveis nove navios
enquanto não estivessem disponíveis os novos meios encouraçados, inclusive três construídos no Brasil:
navais que estavam em obtenção pelo Brasil: os navios Tamandaré, Barroso e Rio de Janeiro. A reação da
encouraçados. artilharia paraguaia ceifou vidas preciosas, como a do
Para avançar ao longo do Rio Paraguai, era necessário Tenente Mariz e Barros, comandante do Tamandaré.
vencer diversas passagens fortificadas, destacando-se, Houve, depois, perfeita cooperação entre as forças, na
inicialmente, Curuzu, Curupaiti e Humaitá. Navios grande operação de desembarque que ocorreu em 16 de
oceânicos de calado inapropriado para navegar em rios, abril de 1866. Enquanto parte da Força Naval
de casco de madeira, sem couraça, como os da Força bombardeava a margem direita do Rio Paraná, de modo
Naval Brasileira que combatera em Riachuelo, não a atrair a atenção do inimigo, os transportes avançaram e
teriam bom êxito. Era evidente que o Brasil necessitava entraram no Rio Paraguai.
de navios encouraçados para o prosseguimento das ações Os navios transportaram inicialmente cerca de 45 mil
de guerra. Os obstáculos e fortificações de Humaitá eram homens, de um efetivo de 66 mil (38 mil brasileiros, 25
uma séria ameaça, mesmo para estes navios. mil argentinos e 3 mil uruguaios), artilharia, cavalos e
3) NAVIOS ENCOURAÇADOS E A INVASÃO DO material. O General Osório foi o primeiro a desembarcar
PARAGUAI em território inimigo.
Eles começaram a chegar à frente de combate em Com a invasão, os paraguaios abandonaram Itapiru e
dezembro de 1865. O Encouraçado Brasil, encomendado Passo da Pátria e, após tentativas infrutíferas de derrotar
após a Questão Christie 104 na França, foi o primeiro que o invasor em Estero Bellaco e Tuiuti, concentraram suas
chegou a Corrientes em dezembro de 1865105. defesas nas fortificações que barravam o caminho:
Curuzu, Curupaiti e Humaitá.
No Arsenal de Marinha da Corte, no Rio de Janeiro,
iniciara-se a construção de outros navios encouraçados, 4) CURUZU E CURUPAITI
especificados para lutar naquele teatro de operações Em 31 de agosto de 1866, as tropas comandadas pelo
fluviais. O projeto e a construção estavam a cargo de Barão de Porto Alegre 106 desembarcaram na margem
brasileiros muito competentes, como os engenheiros esquerda para atacar Curuzu e, no dia seguinte, os navios
Napoleão Level e Carlos Braconnot. Destacou-se, começaram a bombardear a fortificação.
também, o Capitão-de-Fragata Henrique Antônio
Em 2 de setembro, o navio encouraçado Rio de
Baptista, especialista em armamento, que também
Janeiro foi atingido por duas minas flutuantes e afundou,
chefiara o recebimento e trouxera o Encouraçado Brasil
com perda de vidas humanas.
da França.
Curuzu foi conquistada por Porto Alegre, apoiado
Durante a guerra, foram incorporados à Armada
pelo fogo naval, em 3 de setembro.
brasileira 17 navios encouraçados, incluindo alguns
classificados como monitores, que obedeciam a O próximo ataque foi a Curupaiti. O Presidente
características de projeto inovadoras, desenvolvidas argentino, General Bartolomé Mitre, comandante das
poucos anos antes na Guerra Civil Americana. Forças da Tríplice Aliança, assumiu pessoalmente o
comando da operação. Apesar do intenso bombardeio
Em 21 de fevereiro de 1866, Tamandaré chegou a
naval, o ataque aliado, ocorrido em 22 de setembro,
Corrientes e assumiu o comando da Força Naval,
levou à maior derrota da Tríplice Aliança nessa guerra.
mantendo Barroso como seu chefe de Estado-Maior. Em
17 de março, os navios suspenderam para iniciar as Seguiram-se acusações e críticas, que causaram uma
crise entre Mitre e Tamandaré. O preparo da operação,
103
sem dúvida, fora insuficiente e as dificuldades do ataque
López ordenara o regresso da coluna que avançara junto ao Rio incorretamente avaliadas. Como Mitre permaneceria
Paraná, logo após a derrota das forças que invadiram o Rio Grande
do Sul, em Uruguaiana. Só então foi possível recuperar, exercendo o comando geral dos Exércitos Aliados, o
definitivamente, a cidade de Corrientes. Em dezembro de 1865, os governo brasileiro aceitou o pedido de afastamento feito
Exércitos Aliados estavam acampados em locais próximos a essa anteriormente por Tamandaré. Ele e Barroso foram
cidade e a Força Naval brasileira, sob o comando de Barroso, substituídos, não mais participando das operações dessa
também estava fundeada nas imediações. guerra.
104
Incidente com a Inglaterra, ocorrido em 1863.
105
O Encouraçado Brasil foi o primeiro navio encouraçado da
106
Marinha do Brasil. Tenente-General Manoel Marques de Souza.
EA-HSG 41 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:14:33

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


5) CAXIAS E INHAÚMA Em dezembro de 1867, os três primeiros monitores
O Marquês de Caxias, General Luís Alves de Lima e construídos no Arsenal de Marinha da Corte chegaram à
Silva, futuro Duque de Caxias e Patrono do Exército frente de combate. Esses monitores, por suas
Brasileiro, foi designado para o cargo de comandante- características, seriam importantes para o
em-chefe das Forças Brasileiras em Operações contra o prosseguimento das operações.
Governo do Paraguai. Já havia provado ser um excelente Em 14 de janeiro de 1868, Mitre precisou reassumir a
general e estadista; o homem certo para aquela ocasião presidência da Argentina e passou definitivamente o
difícil. comando-em-chefe dos Exércitos da Tríplice Aliança
O comando da Força Naval coube ao Chefe-de- para Caxias.
Esquadra Joaquim José Ignácio, futuro Visconde de
7) PASSAGEM DE HUMAITÁ
Inhaúma, que assumiu seu cargo, substituindo
Tamandaré, em 22 de dezembro de 1866. Ele estava Na madrugada de 19 de fevereiro de 1868, iniciou-se a
Passagem de Humaitá.
subordinado a Caxias, mas não a Mitre.
A força naval de Inhaúma intensificou o bombardeio e a
Caxias empregou com mestria a Força Naval de
Divisão Avançada, comandada pelo Capitão-de-Mar-e-
Inhaúma, para apoiar sua ofensiva ao longo do Rio Guerra Delfim Carlos de Carvalho, depois almirante e
Paraguai, até a ocupação da Cidade de Assunção; Barão da Passagem, avançou rio acima. Essa divisão era
bombardeando fortificações; fazendo reconhecimentos formada por seis navios: os Encouraçados Barroso,
pelo rio; transportando tropas de uma margem para a Tamandaré e Bahia e os monitores: Rio Grande, Pará e
outra, para contornar o flanco inimigo; e fazendo o apoio Alagoas.
logístico necessário107. Eles acometeram a passagem formando três pares
compostos, cada um, por um encouraçado e um monitor
6) PASSAGEM DE CURUPAITI amarrado ao seu contrabordo.
Há meses que a Força Naval bombardeava diariamente Após a passagem, três dos seis navios tiveram que ser
Curupaiti, tentando diminuir seu poder de fogo e abalar o encalhados, para não afundarem devido às avarias sofridas
moral dos defensores. no percurso. O Alagoas foi atingido por mais de 160
Em 15 de agosto de 1867, já promovido a vice- projéteis.
almirante, Joaquim Ignácio, comandou a Passagem de Estava, no entanto, vencida Humaitá, que aos poucos
Curupaiti, enfrentando o fogo das baterias de terra e seria desguarnecida pelos paraguaios. Solano López
obstáculos no rio. Pelo feito, recebeu, logo depois, o título decidiu que era necessário retirar-se com seu exército para
de Barão de Inhaúma. Participaram da passagem dez uma nova posição defensiva, mais ao norte.
navios encouraçados que, em seguida, fundearam um
pouco abaixo de Humaitá e começaram a bombardeá-la. 8) O RECUO DAS FORÇAS PARAGUAIAS
A posição desses navios, porém, expunha-os aos tiros Na madrugada de 3 de março de 1868, López se retirou
das fortificações paraguaias e Inhaúma considerava que de Humaitá, com cerca de 12 mil homens. Os aliados
ainda não era o momento de forçar Humaitá. Caxias apoiou fecharam o cerco.
esta decisão. Em 25 de julho, os últimos defensores abandonaram
O apoio logístico a essa força naval operando entre Humaitá, que foi ocupada pelos aliados. Era preciso
Curupaiti e Humaitá era muito difícil e exigiu que os reforçar o cerco para evitar que eles se juntassem ao grosso
brasileiros fizessem o caminho pela margem direita do Rio do Exército paraguaio. Para isso, os aliados criaram uma
Paraguai, no Chaco. Logo depois construiu-se uma flotilha de escaleres, lanchas e canoas para bloquear a
pequena ferrovia nesse caminho, para transportar as passagem dos fugitivos pela Lagoa Verá.
provisões necessárias. Os combates que ali ocorreram, corpo-a-corpo, entre as
Para apoiar o material das forças em combate, tripulações de embarcações, constituíram um dos conjuntos
construíra-se um arsenal em Cerrito, próximo à de episódios mais dramáticos da guerra. Participaram deles,
confluência dos Rios Paraguai e Paraná. Graças a ele, foi com grande bravura, jovens oficiais brasileiros, como os
Tenentes Saldanha da Gama e Júlio de Noronha, entre
possível fazer essa estrada de ferro.
outros. Ao final, renderam-se 1.300 paraguaios.
Ultrapassar Humaitá com uma força naval e mantê-la
rio acima exigiria também uma base de suprimentos rio
acima. Caxias, após reorganizar as forças terrestres 9) O AVANÇO ALIADO E A DEZEMBRADA
brasileiras, iniciou, em julho de 1867, a marcha de Superado o obstáculo de Humaitá, Caxias pode
flanco e ocupou Tayi, no Rio Paraguai, acima de avançar para o norte. Era necessário que a Força Naval
Humaitá, que serviria depois para apoiar os navios. acompanhasse o movimento das forças terrestres aliadas
e, no dia 16 de agosto de 1868, Inhaúma começou a
subir o Rio Paraguai. A partir de então, os navios
107
Caxias e Inhaúma eram amigos e sua amizade e confiança mútua participaram das operações, prestando o apoio determi-
contribuíram para o excelente resultado das operações combinadas. nado por Caxias.
Ambos possuíam, também, uma boa experiência política, o que
ajudou no, às vezes, difícil relacionamento com os aliados da
Tríplice Aliança.

EA-HSG 42 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:14:33

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Logo Caxias alcançou Palmas e iniciou seus planos CRONOLOGIA
para atacar a nova posição do inimigo, em Piquissiri. Ele
DATA EVENTO
próprio efetuou vários reconhecimentos empregando os
navios e decidiu por não realizar uma ação frontal. Para 03/09/1866 Tomada da Fortaleza de Curuzu.
A Esquadra bombardeou pesadamente o Forte de
atacar os paraguaios pela retaguarda, era preciso utilizar Curupaiti, enquanto as tropas comandadas pelo
a margem direita, onde se situava o Chaco, um alagadiço Visconde de Porto Alegre tentavam conquistá-lo.
22/09/1866 Percebendo a impossibilidade de tomar a praça,
quase intransponível, exposto às inundações.
ordenou a retirada. Foi a maior derrota da Tríplice
A genial manobra do Piquissiri, que contornou a Aliança nessa guerra.
posição do inimigo, foi uma operação em que a Força O Chefe-de-Esquadra Joaquim José Ignácio
22/12/1866 recebeu, do Almirante Tamandaré, o comando da
Naval exerceu um papel relevante. Foi construída uma Esquadra Brasileira em Operações no Paraguai.
estrada pelos pântanos do Chaco, ultrapassando diversos A Esquadra brasileira iniciou os bombardeios ao
13/01/1867
cursos d’água, para que as tropas, que cruzaram o rio nos Forte de Curupaiti.
navios, avançassem pela margem direita até um ponto O Vice-Almirante Joaquim José Ignácio comandou
15/08/1867
a 1a Passagem de Curupaiti.
em que podiam embarcar novamente, para serem Os Monitores Pará, Rio Grande e Alagoas,
transportadas para a margem esquerda, acima das 13/02/1868
forçaram durante a noite a Passagem de Curupaiti,
posições inimigas. Em 4 de dezembro, a Força Naval indo reunir-se aos encouraçados que se destinavam
a passar Humaitá. (2ª Passagem de Curupaiti )
apoiou o desembarque das tropas em Santo Antônio, Iniciou-se a Passagem de Humaitá. (1a Passagem de
19/02/1868
sobre a retaguarda paraguaia. Humaitá)
21/03/1868 A Fortaleza de Curupaiti foi conquistada.
O ataque de Caxias para o sul é conhecido como a
A Divisão avançada da Esquadra, composta dos
Dezembrada. Ocorreu uma sucessão de combates Encouraçados Bahia, Barroso e Tamandaré e dos
terrestres, dos quais se destacam Itororó, Avaí e Lomas 02/05/1868
Monitores Rio Grande e Pará, transportou para a
Península do Araça as tropas que cortariam as
Valentinas. Ao final, as forças paraguaias estavam comunicações do inimigo concentrado em Humaitá,
derrotadas e López fugiu. impedindo o recebimento de socorro.
Não se rendendo, apesar de seu exército estar Os Encouraçados Cabral, Silvado e Piauí forçaram
21/07/1868 a Passagem de Humaitá, para se reunirem à Divisão
praticamente aniquilado, ele conseguiu prolongar a do Chefe Delfim. ( 2ª Passagem de Humaitá )
guerra por mais de um ano, na região montanhosa do 25/07/1868
As tropas aliadas conquistam a Fortaleza de
norte de seu país, na chamada Campanha da Cordilheira, Humaitá.
Combate na Lagoa Verá entre chalanas paraguaias
causando enormes sacrifícios a todos os envolvidos, 01/08/1868
e escaleres dos navios brasileiros.
principalmente ao povo paraguaio108 . 16/08/1868 Início da Dezembrada
O Barão da Passagem, Chefe-de-Divisão Delfim
Carlos de Carvalho, comandando uma divisão
10) A OCUPAÇÃO DE ASSUNÇÃO E A FASE 30/08/1868
composta do Encouraçado Bahia, e dos Monitores
Alagoas, Ceará, Pará, Piauí e Rio Grande, entrou
FINAL DA GUERRA pelo Rio Tebiquari, para proteger a passagem do
Como não havia mais obstáculos até Assunção, ela Exército.
foi ocupada pelos aliados e a Força Naval fundeou em Os Encouraçados Bahia, Barroso, Tamandaré e
Silvado forçaram as baterias de Angostura, ao
frente à cidade, em janeiro de 1869. 01/10/1868
mesmo tempo que os encouraçados restantes
Em fevereiro, o Chefe-de-Esquadra Elisário Antônio bombardeavam o acampamento inimigo.
A Esquadra bombardeou as fortificações de
dos Santos assumiu o comando da Força Naval. Ficaram 19/11/1868
Angostura – manobra do Pissiquiri.
no Paraguai os navios de menor calado, mais úteis para A Esquadra iniciou a passagem do Exército do
04/12/1868
atuar nos afluentes. Uma força naval subiu o Rio Chaco para a Barranca de Santo Antônio.
Tropas brasileiras, sob o comando o Coronel
Paraguai até território brasileiro, em Mato Grosso. 01/01/1869 Hermes da Fonseca, ocuparam Assunção, que se
Houve um último combate no Rio Manduvirá. Seguiu-se encontrava deserta.
a Campanha da Cordilheira, em que a Marinha não mais O Vice-Almirante Joaquim José Ignácio,
gravemente enfermo, deixou o comando da
confrontou o inimigo. 16/01/1869
Esquadra brasileira em Operações no Paraguai e
Em 1870, o Paraguai estava derrotado e seu povo regressou ao Rio de Janeiro.
dizimado. O Chefe-de-Esquadra Elisário Antônio dos Santos
06/02/1869
assume o comando da Força Naval
A Guerra foi muito importante para a consolidação Foi nomeado Comandante-em-Chefe da Forças de
dos Estados nacionais na região do Rio da Prata. Foi 22/03/1869 Terra e Mar, em operações contra o Paraguai, o
Príncipe Conde d’Eu.
durante o conflito que a unidade da Argentina se O Comandante-em-Chefe da Esquadra no Paraguai
consolidou. Para o Brasil, foi um grande desafio, que 18/04/1869 ordenou a perseguição e a captura de embarcações
mobilizou o País e uniu sua população. Foi lá que os paraguaias no Rio Manduvirá e afluentes.
Uma Força, composta dos Encouraçados Barroso,
brasileiros das diferentes regiões do País se conheceram Bahia, Colombo e Silvado, Monitores Santa
melhor, passando a se respeitar e a se entender. 17/05/1869 Catarina e Pará e canhoneiras Belmonte e Henrique
Martins, transportou para a Vila do Rosário as
tropas do General Câmara.
O General Câmara, depois Visconde de Pelotas,
01/03/1870 terminou a Campanha do Paraguai, derrotando o
resto do exército de Solano López.
108
A Guerra da Tríplice Aliança contra o governo do Paraguai só foi
superada na América em número de mortes pela Guerra Civil
Americana.
EA-HSG 43 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:14:33

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


CAPÍTULO VII - A MARINHA NA REPÚBLICA aperfeiçoamentos que a ciência e a indústria adaptavam
aos navios. O couraçado era o pesado e bem artilhado
1) SINOPSE navio de linha, o cruzador era a leve e ligeira fragata e o
Os primeiros anos da República foram marcados pela torpedeiro era o brulote111, destinado a incendiar as
progressiva desmobilização da Esquadra brasileira. As antigas naus.
revoltas que assolaram a Nação e o desgaste econômico O Programa de 1904, chamado de Júlio de Noronha,
conhecido como encilhamento 109 provocaram o apresentava a vantagem de ser um plano de conjunto, ou
gradativo desmantelamento das unidades da Força seja, incluía a criação de um moderno arsenal e um porto
Naval. A situação interna do país se refletia nos militar, que juntamente com os navios formaria um tripé
orçamentos insuficientes que negavam à Marinha os de sustentação da Marinha brasileira. Foi o Almirante
recursos necessários à modernização dos meios Júlio de Noronha quem fez nascer a campanha de
flutuantes e à criação de uma infra-estrutura de apoio. remodelação da Esquadra, que deveria impressionar
Essa situação se manteve por toda a década final do principalmente a opinião pública e que gerou os
século XIX – a sucessão de quatro ministros da Marinha resultados necessários para a reforma da nossa Marinha.
em apenas seis anos, contribuiu negativamente para a O programa incluía os modelos de navios que no
elaboração de um programa naval condizente com o momento equipavam as melhores Esquadras do mundo,
litoral e os interesses a serem defendidos. logo a seguir empregados nas Batalhas de Port Artur e
Em 15 de novembro de 1902, o Almirante Júlio de Tsushima, travadas durante a Guerra Russo-Japonesa.
Noronha110 assumiu a pasta da Marinha, encontrando Mas o estudo estratégico das experiências
uma Força Naval composta de navios reformados, sendo proporcionadas por essas batalhas (1905) e o lançamento
na sua maioria modelos obsoletos frente às classes mais do Encouraçado Dreadnought112 , pela Marinha britânica
modernas que estavam em processo de construção pelas (1906), que aparecia como o navio mais poderoso do
potências industriais da época. mundo, inspiraram debates em torno do Programa de
Em 1904, o Ministro das Relações Exteriores, Barão 1904. O Deputado José Carlos de Carvalho e o
do Rio Branco, percebendo que a Marinha, apesar de Almirante Alexandrino Faria de Alencar, então senador,
querer se armar com os melhores meios, não alcançava foram os grandes defensores da remodelação do
um nível aceitável de uma Força Armada para o porte do Programa Júlio de Noronha.
Brasil, apresentou ao Almirante Júlio de Noronha Em 15 de novembro de 1906, assumiu a Presidência
pessoas interessadas em oferecer navios ou indicar da República o Conselheiro Afonso Pena e, com ele, o
estaleiros para a construção daqueles que fariam parte do seu novo ministério, sendo a pasta da Marinha ocupada
Programa Naval que o almirante elaborava. pelo Almirante Alexandrino Faria de Alencar. Não
Procurando satisfazer a justa aspiração brasileira em demorou que este conseguisse do Congresso a reforma
constituir uma Marinha bem aparelhada para a defesa do Programa de 1904. A alteração mais marcante trazida
nacional, o Deputado pelo novo programa do Almirante Alexandrino foi o
Dr. Laurindo Pitta apresentou à Câmara, em julho de adicionamento de três novos encouraçados do tipo
1904, um projeto que continha o programa naval de dreadnought de 20 mil toneladas, cuja aprovação
construções do Almirante Júlio de Noronha, o qual resultou no Decreto no 1.567, de 24 de novembro de
poderia atender tais expectativas. Em um discurso 1906.
entusiasmado, propôs a aprovação de orçamento que Nesse programa, foi cancelado o projeto de um novo
financiasse os navios requisitados. Pitta encabeçou uma arsenal. Em seu lugar, optou-se por modernizar as
grande luta nos bastidores da política nacional com a instalações da Ilha das Cobras. Porém, admitia-se a
finalidade de obter a aprovação, no Congresso Nacional, construção de bases secundárias em Belém e em Natal, e
do projeto que reorganizaria toda a Esquadra brasileira. um porto militar de pequeno porte em Santa Catarina.
Sendo o projeto finalmente aprovado, quase que por Como conseqüência direta do Programa Alexandrino, a
unanimidade, se transformou no Decreto no 1.296, de 14 Esquadra de 1910, assim chamada por haver chegado no
de novembro de 1904. Brasil nesse ano a maior parte de seus componentes,
Segundo o próprio Laurindo Pitta, em seu discurso, representou um verdadeiro revigoramento militar e
por ocasião da apresentação do seu projeto de tecnológico da Marinha brasileira. Dessa forma, o Brasil
reaparelhamento naval, couraçados, cruzadores, passou a possuir uma frota de alto-mar ofensiva, podendo
torpedeiras não eram invenções modernas, eram levar ao longe o Pavilhão Nacional e principalmente apoiar
a ação diplomática do governo brasileiro, e flotilhas
109
defensivas, necessárias para a defesa do imenso litoral.
Encilhamento se refere ao processo especulativo que ocorreu na
Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, porém podem ser incluídos no
111
encilhamento outros problemas econômicos que ocorreram no Brulote – Embarcação carregada de matérias inflamáveis e
período, especialmente a brusca desvalorização cambial, explosivas e destinada a levar fogo aos navios inimigos.
112
provocando grande número de falências e recessão econômica. Essa Encouraçado Dreadnought – Idealizado pelo Almirante Lord
política foi idealizada por Rui Barbosa, ministro da Fazenda de Fisher, Primeiro Lord do Mar da Marinha britânica. Tinha como
então. características forte armamento com canhões de até 16 polegadas,
110
O Almirante Júlio de Noronha assumiu o Ministério da Marinha grande deslocamento, motores de propulsão mais eficientes e
em 1902, durante o governo de Rodrigues Alves, passando a pasta, poderosa blindagem. Foi realmente uma grande inovação na
em 1906, ao Almirante Alexandrino Faria de Alencar. construção naval mundial.
EA-HSG 44 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:14:33

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


A incorporação de navios como os Encouraçados Para acomodar a situação, em 1885, foi realizada a
Minas Gerais e São Paulo, pertencentes à classe dos Conferência de Berlim, quando 14 nações industriais da
dreadnoughts mais poderosos do mundo, encheu de Europa, além dos Estados Unidos e Rússia, dividiram
orgulho e confiança os cidadãos brasileiros. Além dessas entre si o continente africano. Esta política ficou
embarcações, também chegaram os Cruzadores Bahia e conhecida como neocolonialismo, mas tal acordo não
Rio Grande do Sul, os Contratorpedeiros Amazonas, impediu inúmeras disputas por esses territórios africanos
Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, ou por possessões na Ásia. Como exemplo: na África do
Sergipe, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso. Sul, colonos ingleses e holandeses travaram a Guerra dos
Posteriormente ao ano de 1910, o Contratorpedeiro Bôeres; no Mar Mediterrâneo, a Questão Marroquina, o
Maranhão, os Submarinos F1, F3, F5 e Humaitá, o estreito de Gibraltar sendo disputado pela França e
Tender Ceará e outros navios auxiliares Alemanha; no Egito, o Canal de Suez, importante pólo
complementaram os efetivos navais da Marinha. petrolífero, disputado pela Inglaterra e França, e muitos
O terceiro encouraçado previsto pelo Programa outros conflitos.
Alexandrino foi o Rio de Janeiro, lançado ao mar em 22 Naquele ano de 1914 vigorava a Paz Armada, uma
de janeiro de 1913. A demora de sua construção se situação em que todas as nações procuravam se armar
deveu à necessidade de se introduzir novas modificações para inibir o adversário de atacá-las. Duas grandes
que o tornassem ainda mais poderoso. Este navio não alianças político-militares predominavam: Tríplice
chegou a ser incorporado à Armada brasileira. Foi Aliança: formada pelo Império Austro-Húngaro, Itália e
adquirido pela Marinha turca e depois pela Marinha Alemanha, e a Tríplice Entente, formada pela França,
inglesa, tendo participado da Batalha da Jutlândia 113. Inglaterra e Rússia. Mas, pequenas frentes de luta
A Esquadra brasileira passou a ser organizada surgiam nas áreas em disputa. Todos queriam se apossar
essencialmente em divisões de encouraçados e de territórios. Até que um terrorista sérvio mata o
cruzadores, e flotilhas de contratorpedeiros e de arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono
submarinos. Porém, com o início da Primeira Guerra austríaco. Esta morte imediatamente causou a guerra
Mundial (1914-1918), o Ministro da Marinha, entre a Áustria e a Sérvia; a Rússia inicia um confronto
Alexandrino de Alencar, determinou que as principais com a Áustria, provocando os interesses alemães e
unidades operativas de superfície fossem reorganizadas unindo a França e a Inglaterra. Aliados de um ou outro
em três divisões a fim de patrulhar as águas costeiras lado entram na briga. Todos brigam. Começou a
dentro de cada área de responsabilidade 114. Primeira Guerra Mundial.
Dessa forma a Marinha iria enfrentar os seus dois Bem preparada, na frente oeste, a dominação alemã
grandes desafios no Século XX. As duas grandes guerras estava clara; na frente leste, a vitória cabia aos russos.
mundiais. Nesta época, entre 1914 e 1915, a Itália mudou de lado e
declarou à guerra contra seus antigos aliados, passando a
integrar a Entente. De 1915 até o seu final, a guerra
2) PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL assumiu seu lado mais cruel. Milhões de vidas foram
No ano de 1914, as relações entre as principais nações ceifadas na chamada guerra de trincheiras, quando as
européias estavam tensas. Nos últimos 60 anos havia tropas limitavam-se a defender determinadas posições
acontecido a Segunda Revolução Industrial e várias estratégicas.
potências industriais surgiram ameaçando a supremacia Em 1917, os EUA entram na guerra. Eles temiam
da Inglaterra, com destaque para os Estados Unidos, que, com a derrota dos seus aliados da Entente, os
Itália Rússia, Alemanha e Japão. Isto significava que empréstimos que fez nunca fossem pagos. No mesmo
todos esses países tinham como produzir, mas ano, eclode a revolução socialista na Rússia e seus
precisavam de matérias-primas e de mercado para dirigentes assinam o Tratado de Brest-Litovsky, saindo
vender a sua produção. da guerra.
Se na primeira Revolução Industrial o grande fato Em 1918, o Brasil entrou no conflito, quando a
impulsionador foi a invenção do vapor, na segunda a campanha submarina alemã atingiu nossos navios
eletricidade foi mecanismo que revolucionou os meios mercantes, em razão do que o Brasil enviou uma força
de produção. Outro grande fator de crescimento naval para patrulhar a costa africana entre Dakar e
econômico foi o aumento da disponibilidade de ferro e Gibraltar, a Divisão Naval em Operações de Guerra –
aço. A mecanização da indústria se elevou, levando ao DNOG –, composta por dois cruzadores, quatro
conseqüente aumento do número de máquinas e motores contratorpedeiros, um tender e um rebocador, que partiu
menores, que viriam dotar as utilidades domésticas, bens em julho de 1918.
de consumo duráveis, os maiores símbolos da sociedade
moderna. Nesse ano, a Alemanha ficou sozinha no front, com a
saída de seus aliados, e em janeiro foi divulgado um
plano de paz "sem vencedores e vencidos" pelos EUA
que gerou uma rebelião popular, inclusive de soldados e
113
Recebeu o nome de Agincourt na Marinha Britânica, sob as marinheiros, paralisando o Exército alemão, derrubando
ordens do Almirante Sir John Jellicoe nessa batalha. o Kaiser e instituindo um governo provisório social-
114
Foram criadas as Divisões Navais do Sul (São Francisco do Sul), democrata, que assinou o Armistício com os aliados.
Centro (Rio de Janeiro) e Norte (Belém).
EA-HSG 45 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:14:33

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


3) O PREPARO DO BRASIL como os 45 navios arrestados. Antes de ser abordada por
A disposição do Brasil em manter-se neutro no autoridades brasileiras e percebendo essa medida, os
conflito foi evidenciada desde o primeiro minuto de tripulantes queimaram esse vaso de guerra e
combates na Europa em 1914. Naqueles dias conseguiram se transferir para outro navio mercante que
conturbados, prevalecia no País uma tendência natural se evadiu dos portos nacionais com o armamento e os
de simpatia a favor dos aliados, principalmente porque a homens especializados, que seriam ainda úteis à Marinha
elite nacional via na educação e na cultura francesas seus alemã no conflito.
principais paradigmas. A neutralidade foi a marca Quatro meses se passaram até que novo navio brasileiro
brasileira nos três primeiros anos de guerra, mesmo fosse atacado e afundado, dessa feita foi o vapor Tupi nas
quando Portugal foi a ela arrastada em março de 1916. mediações do Cabo Finisterra. O caso tornou-se grave na
O bloqueio sem restrições firmado pelo governo medida em que o comandante e o despenseiro foram
alemão em 31 de janeiro de 1917 trouxe não só mal-estar aprisionados por um submarino alemão e nunca mais se
teve notícia de seus destinos. Oito dias depois, 26 de
a todos os neutros, mas também preocupação ao governo
outubro de 1917, o Brasil reconhecia e proclamava o
brasileiro que dependia fundamentalmente do mar para
estado de guerra com o império alemão.
escoar a produção de café para a Europa e os Estados
Unidos, nossos principais compradores. Ademais, Como estava o Brasil naquela oportunidade para
importávamos muitos produtos da Inglaterra, que enfrentar os germânicos?
naquela altura lutava desesperadamente nos campos O governo brasileiro tinha consciência de que a grande
franceses e enfrentava com preocupação os ataques dos ameaça seria o submarino alemão, ávido por atacar os
submarinos alemães a seu tráfego marítimo. nossos navios mercantes que mantinham o comércio com
O Brasil apresentou, inicialmente, seu protesto formal outros países em pleno desenvolvimento. Além disso,
à Alemanha, sendo logo depois obrigado a romper naquela oportunidade, não existiam estradas ligando o sul e
relações comerciais com esse país, mantendo-se, sudeste com o norte e nordeste116 . Todas as comunicações
contudo, ainda, na mais rigorosa neutralidade. entre essas regiões eram feitas por mar, daí nossa grande
vulnerabilidade estratégica. Tanto a Marinha Mercante
O que veio a modificar a atitude brasileira foi o
como a de Guerra seriam as grandes protagonistas
afundamento do navio mercante Paraná ao largo de brasileiras nesse confronto.
Barfleur, na França, apesar de ostentar a palavra Brasil
pintada no costado e a Bandeira Nacional içada no A Marinha Mercante brasileira era modesta, no entanto,
mastro. Naquela oportunidade, a população na capital desde os primeiros anos do século, os governos que se
Rio de Janeiro atacou firmas comerciais alemãs, criando sucederam procuraram aparelhá-la, o que foi auspicioso,
grande desconforto para o governo de Wenceslau pois teríamos na guerra um teste fundamental para a
Braz115. Seguiu-se então o rompimento das relações manutenção de nosso fluxo comercial. No início do
diplomáticas com o governo alemão em 11 de abril de conflito – quando o Brasil ainda mantinha irrestrita
neutralidade, diversos países envolvidos na guerra, ávidos
1917. Um fato importante que influiu também na decisão
para cobrir as perdas provocadas por afundamentos,
de se romper relações com o Império Alemão foi a
ofereceram propostas de compras de muitos de nossos
atitude de protesto dos Estados Unidos com o bloqueio mercantes.
irrestrito, tendo sofrido por isso o torpedeamento de dois
de seus navios. Tais acontecimentos motivaram a Propostas de compras do Lloyd Brasileiro foram
declaração de guerra norte-americana. Mantínhamos até comuns. Entretanto, o governo nacional, premido pela
esse ponto laços comerciais profundos com esse país e necessidade de manter o comércio com outros países e de
claras simpatias com os aliados. escoar o nosso principal produto, o café, principalmente
para os Estados Unidos, impediu todas essas tentativas de
No mês de maio, o segundo navio brasileiro, o Tijuca, arrendamento. Ao final essa ação veio a ser fundamental
foi torpedeado nas proximidades de Brest na costa para o Brasil.
francesa. Seis dias depois seguiu-se o mercante Lapa.
Antes ele fora abordado por submarino alemão, Nossa Marinha de Guerra era centrada na chamada
mandando que a tripulação deixasse o vapor para depois Esquadra de 1910, com navios relativamente novos
torpedeá-lo. Esses três ataques levaram o Presidente construídos na Inglaterra sob o Plano de Construção Naval
Wenceslau Braz a decretar o arresto de 45 navios dos do Almirante Alexandrino Faria de Alencar, ministro da
Marinha de então, como anteriormente mencionado. Eram
impérios centrais aportados no Brasil e a revogação da
ao todo dois encouraçados tipo dreadnought, o Minas
neutralidade. Muitos deles encontravam-se danificados
Gerais e o São Paulo, dois cruzadores tipo scouts117 , o Rio
por sabotagem dos próprios tripulantes. Isso não impediu Grande do Sul e o Bahia, que viria a ser perdido
que o Brasil utilizasse 15 deles e repassasse 30 por tragicamente na Segunda Guerra Mundial, e dez
afretamento para a França. Um fato curioso foi o arresto contratorpedeiros de pequenas dimensões. Esses meios
da Canhoneira alemã Eber, surta no porto de Salvador. eram todos movidos a vapor, queimando carvão.
Tratava-se de navio militar e não de vapor mercante,

115 116
O Presidente Wenceslau Braz assumiu o governo em 15 de Não existiam estradas ligando os principais centros do País.
117
novembro de 1914 e o transferiu quatro anos depois ao Vice- Cruzadores leves e velozes que tinham a tarefa de esclarecer em
Presidente Delfim Moreira, que substituiu o titular Rodrigues Alves, apoio a linha de batalha formada por encouraçados e cruzadores de
doente e que viria a falecer pouco tempo depois. batalha.
EA-HSG 46 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:14:33

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Desde o início da participação brasileira no conflito, o o Acari. Depois de atingidos, os seus comandantes
governo nacional decidiu-se pelo envio de uma divisão conseguiram os encalhar, salvando-se a carga, não
naval para operar em águas européias, o que impedindo, no entanto que vidas brasileiras fossem
representaria um grande esforço para a Marinha. perdidas.
Uma outra contribuição significativa foi a designação O ataque, já no ano de 1918, aconteceu ao mercante
de 13 oficiais aviadores, sendo 12 da Marinha e um do Taquari da Companhia de Comércio e Navegação, na costa
Exército para se aperfeiçoarem como pilotos de caça da inglesa. Desta feita o navio foi atingido por tiros de canhão,
Royal Air Force no teatro europeu. Depois de árduo tendo tempo de arriar as baleeiras que, no entanto, foram
adestramento em que dois pilotos se acidentaram, sendo metralhadas, provocando a morte de oito tripulantes.
um fatal, eles foram considerados qualificados para Esses ataques insuflaram ainda mais a opinião pública
operações de combate, tendo sido empregados no 16 o brasileira que, influenciada por campanhas jornalísticas e
Grupo da RAF com sede em Plymouth em missões de declaração de diversos homens públicos, exigiu um
patrulhamento no Canal da Mancha. comprometimento maior com a causa Aliada, com a
A propósito, a Escola de Aviação Naval Brasileira participação efetiva no esforço bélico contra as Potências
Centrais118.
localizada na Ilha das Enxadas, na Baía de Guanabara e
a Flotilha de Aviões de Guerra haviam sido criadas no Desde o início do conflito, a participação da Marinha no
dia 23 de agosto de 1916, comportando inicialmente confronto baseou-se no patrulhamento marítimo do litoral
apenas três aviões Curtiss que chegaram ao Brasil dois brasileiro com três divisões navais, como já mencionado,
meses antes. A Aviação Militar, por outro lado, operava distribuídas nos portos de Belém, Rio de Janeiro e São
Francisco do Sul. Esse serviço tinha por finalidade colocar
no Campo dos Afonsos, onde funcionava a Escola de
a navegação nacional, a aliada e a neutra ao abrigo de
Aviação Militar.
possíveis ataques de navios alemães de qualquer natureza
Um fato inusitado e curioso que na época provocou o nas nossas águas.
maior sucesso promocional foi o primeiro vôo do A Divisão Naval do Norte era composta dos
Presidente da República Wenceslau Brás em hidroavião Encouraçados guarda-costas Deodoro e Floriano, dos
da Armada, em 2 de abril de 1917, um dia antes do Cruzadores Tiradentes e República, dois contrator-
torpedeamento de primeiro navio brasileiro, o Paraná, pedeiros, três avisos e duas canhoneiras. Sua sede era
nas costas francesas. O mais interessante foi que Belém.
Wenceslau havia comparecido à formatura dos novos A Divisão Naval do Centro compunha-se dos
pilotos na Ilha das Enxadas e não estava previsto o vôo Encouraçados Minas Gerais e São Paulo e seis
realizado com o primeiro mandatário da República. Ao contratorpedeiros, com sede no Rio de janeiro.
ser provocado pelo Ministro da Marinha, Wenceslau
Por fim, a Divisão Naval do Sul era composta dos
Brás aceitou o convite para um vôo sobre o Rio de
Cruzadores Barroso, Bahia e Rio Grande do Sul, um iate e
Janeiro e Niterói. Imediatamente colocou o capacete e a
dois contratorpedeiros, com sede em São Francisco do Sul.
túnica a ele oferecida e se posicionou no avião para
A Marinha possuía também três navios mineiros; uma
início da aventura. Por cerca de 30 minutos, o Presidente
flotilha de submersíveis, com um tender, três pequenos
se deliciou com aquele sobrevôo, para o espanto dos
submarinos construídos na Itália e uma torpedeira; as
repórteres que esperavam o seu regresso.
Flotilhas do Mato Grosso, Amazonas e de aviões de guerra;
No principal porto do país, o do Rio de Janeiro, e, por fim, navios soltos.
centro econômico e político mais importante, instituiu-se
uma linha de minas submarinas cobrindo 600 metros 4) A DIVISÃO NAVAL EM OPERAÇÕES DE
entre as Fortalezas da Laje e Santa Cruz. Duas ilhas GUERRA
oceânicas preocupavam as autoridades navais de então O governo de Wenceslau Braz decidiu enviar uma
devido a possibilidade de serem utilizadas como pontos divisão naval para operar sob as ordens da Marinha
de refúgio de navios inimigos. As de Trindade e britânica, na ocasião a maior e mais poderosa do mundo.
Fernando de Noronha. A primeira foi ocupada Logicamente, os navios escolhidos deveriam ser da
militarmente em maio de 1916 com um grupo de cerca Esquadra adquirida oito anos antes na própria Inglaterra,
de 50 militares. Uma estação radiotelegráfica mantinha pois eram os mais modernos que o Brasil possuía. No
as comunicações com o continente e freqüentemente entanto devido aos avanços tecnológicos provocados pela
Trindade era visitada por navios de guerra para o seu própria guerra, esses navios se tornaram obsoletos
reabastecimento. Quanto a Fernando de Noronha, lá rapidamente. Em que pese tal fato, a escolha da alta
existia um presídio do Estado de Pernambuco. A administração naval recaiu nos dois cruzadores (Rio
Marinha, então, passou a assumir a defesa dessa ilha, Grande do Sul e Bahia), em quatro contratorpedeiros
destacando um grupo de militares para guarnecê-la. Não (Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Santa Catarina), um
rebocador (Laurindo Pitta) e um cruzador-auxiliar
houve nenhuma tentativa de ocupação por parte dos
(Belmonte)119, ao todo oito navios.
alemães.
Com o estado de guerra declarado, os ataques aos 118
As potências centrais eram compostas pelo Império Alemão, pela
mercantes brasileiros continuaram. Em 2 de novembro Austro-Hungria e pela Turquia.
nas proximidades da Ilha de São Vicente na costa 119
O Cruzador Auxiliar Belmonte fora um dos navios alemães
africana foram torpedeados mais dois navios, o Guaíba e apresados logo após a declaração de guerra pelo Brasil. Levava o
nome de Valesia.
EA-HSG 47 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:14:33

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Contra quem iríamos lutar? A Alemanha, apesar de No dia 1o de agosto a Divisão unida suspendeu de
possuir um a Esquadra menor que a Inglaterra, possuía Fernando de Noronha com destino a Dakar, passando
uma frota muito agressiva e motivada, que se batera com por Freetown.
valentia até aquele momento. O propósito dessa primeira derrota até Freetown era
No início da guerra os alemães se lançaram a guerra destruir os submarinos inimigos que se encontravam na
de corso utilizando navios de superfície, no estilo de rota da DNOG. O armamento naquela ocasião para se
corsários independentes que atacavam os mercantes neutralizar esses submarinos era bastante primitivo, não
navegando solitários. Essa estratégia, com o decorrer da se comparando com nada que se viu na Segunda Guerra
guerra, foi abandonada. Preferiu-se a guerra submarina, Mundial. Existiam hidrofones primitivos e bombas de
que mostrou-se muito mais eficiente. Esses submarinos profundidade de 40 libras, que eram lançadas pela borda
não chegaram a atuar nas nossas costas como aconteceu no local provável onde se encontrava o submarino. É
na Segunda Guerra Mundial, no entanto atacaram nossos interessante mencionar que o próprio submarino naquela
navios nas costas européias e os afundaram sem trégua. oportunidade possuía pequena capacidade de permanecer
Há que se notar que a Marinha brasileira era mergulhado durante longo período de tempo, o que era
dependente de suprimentos vindos do exterior. Não uma grande limitação. Normalmente, os ataques contra
existiam estaleiros capacitados, nem fábricas de munição mercantes eram realizados utilizando-se os canhões
e estoques logísticos adequados. Dessa forma, a localizados em seus conveses. A maior possibilidade de
preparação da Divisão Naval em Operações de Guerra se destruir esses submarinos acontecia quando o inimigo
(DNOG), como ficou conhecida essa pequena força, foi vinha a superfície para destruir o alvo ou por canhão ou
muito dificultada por limitações que não eram só da mesmo com o uso de torpedos. Nessa travessia inicial,
Marinha mas também do Brasil. Como critério de alguns rebates de “prováveis submarinos” foram dados,
escolha, abriu-se o voluntariado para os seus porém não tiveram confirmação.
componentes e foi escolhido um contra-almirante ainda Outro ponto interessante na travessia Fernando de
muito jovem, com 51 anos de idade, muito habilidoso, Noronha–Dakar, era a faina de transferência de carvão
com grande experiência marinheira, na ocasião em alto-mar. Esses recebimentos de combustível
comandante da Divisão de Cruzadores com base no aconteciam em quaisquer condições de tempo e de mar e
porto de Santos, o Almirante Pedro Max de Frontin, obrigavam a atracação dos navios ao Cruzador-Auxiliar
irmão do engenheiro Paulo de Frontin 120. Belmonte e a utilização do Rebocador Laurindo Pitta
A principal tarefa a ser cumprida por essa divisão para auxílio nas aproximações. Foram fainas perigosas
seria patrulhar uma área marítima contra os submarinos que demandaram muita capacidade marinheira dos
alemães, compreendida entre Dakar no Senegal e tripulantes, além da natural vulnerabilidade durante os
Gibraltar na entrada do Mediterrâneo, com subordinação abastecimentos, quando os submarinos inimigos
ao Almirantado inglês. poderiam aproveitar a baixa velocidade dos navios para
o ataque torpédico. A tensão reinante durante esses
A preparação dos navios ainda no Brasil requereu
muitos recursos de toda a ordem. Entre os pontos a eventos era enorme, sem contar com as difíceis
condições em que eram realizadas. Os navios ficavam
serem corrigidos estava a deficiência de abastecimento,
literalmente negros de carvão e todos trabalhavam do
principalmente a escassez de combustível, o carvão.
Dava-se preferência a um tipo de carvão proveniente da nascer do sol até o término do abastecimento.
Inglaterra, o tipo cardiff ou dos Estados Unidos da Depois de oito dias de travessia a DNOG, chegou ao
América. O carvão nacional, por possuir grande porto de Freetown, onde se agregou ao esquadrão
quantidade de enxofre, era contra-indicado e esse ponto Britânico. Nessa cidade, os navios permaneceram por 14
nevrálgico preocupou os chefes navais durante toda a dias, reabastecendo-se e sofrendo os reparos necessários
comissão da DNOG. a continuação da missão.
Depois de três meses de adestramento contínuo com No dia 23 de agosto de 1918 a Divisão suspendeu em
as tripulações, os navios suspenderam do Rio de Janeiro direção a Dakar, tendo essa derrota sido muito
em grupos pequenos para se juntarem na Ilha de desconfortável para as tripulações dos navios devido ao
Fernando de Noronha. Inicialmente, os contratorpedeiros mau tempo reinante. Na véspera da chegada a esse porto
deixaram a Guanabara no dia 7 de maio de 1918, africano, no período noturno, foi avistado um submarino
seguidos no dia 11 pelos dois cruzadores. Em 6 de julho, navegando na superfície. Imediatamente foi atacado pela
suspendeu do Rio de Janeiro o Cruzador Auxiliar força brasileira, no entanto o submarino conseguiu
Belmonte e dois dias depois o Rebocador Laurindo Pitta. lançar um contra-ataque contra o Cruzador Belmonte,
Esses navios ficaram responsáveis de transportar o quase atingindo seu intento, uma vez que a esteira
carvão necessário para a DNOG, daí sua grande fosforescente do torpedo foi perfeitamente observada a
importância logística. 20 metros da popa do navio brasileiro. No dia 26 de
agosto os navios aportavam em Dakar e aí começariam
as grandes provações dos tripulantes nacionais.
120
O Engenheiro Paulo de Frontin teve destacado papel nas
reformas urbanas empreendidas pelo Prefeito Pereira Passos, no Rio
de Janeiro, tendo sido nomeado chefe da Comissão Construtora da
Avenida Central em 1903.
EA-HSG 48 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:15:16

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Em 1935, foi iniciada grande reforma no A verdade é que não se equipam e treinam forças
Encouraçado Minas Gerais, que constou da substituição navais sem verbas condizentes que eram seguidamente
de suas caldeiras e do aumento do alcance de seus preteridas pelo governo getulista.
canhões 305 mm. As grandes preocupações do nosso Estado-Maior da
As atividades de minagem e varredura tinham sido Armada eram defesa de nossa enorme e desprotegida
mantidas em segundo plano desde o fim da Grande costa marítima e fundamentalmente a proteção das linhas
Guerra, utilizando-se navios mineiros varredores de comunicação, vitais para a conservação de nossas
improvisados. Em 1940, obedecendo ao novo programa artérias comerciais com o exterior e para manutenção
naval então aprovado, decidiu-se pela construção no das linhas de cabotagem 126. Devemos observar que no
Brasil de uma série de navios mineiros varredores 125 . ano de 1940 esse tipo de transporte era fundamental,
Em 1940, a nossa Força de Alto-Mar era assim pois não existia uma única comunicação terrestre entre
constituída: Belém e São Luís, entre Fortaleza e Natal e entre
Salvador e Vitória.
Esquadra:
Nossa Esquadra despreparada pouco podia fazer para
– Divisão de Encouraçados: Minas Gerais e São Paulo.
enfrentar uma Esquadra como a alemã, por exemplo.
– Divisão de Cruzadores: Rio Grande do Sul e Bahia.
– Flotilha de Contratorpedeiros: Maranhão, Piauí, Rio
Grande do Norte, Sergipe, Santa Catarina e Mato 7) SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Grosso. Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha
foi obrigada a restituir a Alsácia e a Lorena à França;
– Flotilha de Submarinos: Humaitá, Tupi, Timbira e
ceder as minas de carvão, suas colônias, submarinos e
Tamoio.
navios mercantes, pagar aos vencedores uma
– Trem: Tenderes Belmonte e Ceará; Navios-Tanques indenização em dinheiro, ficar proibida de possuir Força
Novais de Abreu e Marajó; Rebocadores Aníbal de Aérea, de fabricar alguns tipos de armas e de ter um
Mendonça, Muniz Freire, Henrique Perdigão e DNOG. Exército superior a 100 mil homens.
Flotilha de Navios-Mineiros Varredores: Estas medidas do Tratado de Versalhes atingiram
– dez navios duramente a economia alemã, afligindo seu povo, que
Flotilha da Diretoria de Hidrografia e Navegação: passou a nutrir um sentimento de aversão às principais
– três navios hidrográficos e dois navios faroleiros. potências da época. Estava constituído o caldo que os
nazistas necessitavam para alcançar o poder. Muitas
Navio isolado:
dessas restrições, sob o comando de Hitler, começaram a
– Navio-Escola Almirante Saldanha ser ignoradas. A Alemanha crescia e, por isso,
Flotilha Fluviais necessitava de mercado para os seus produtos e de
Dispondo o Brasil de imensas bacias potamográficas, colônias onde pudesse adquirir matérias-primas.
as forças fluviais sempre representaram papel importante Por outro lado, também dispostos a destruírem a
em nossa concepção estratégica. Em 1940, elas eram ordem colonial vigente, Japão e Itália adotaram, na
assim constituídas: década de 30, uma política expansionista contra a qual a
– Flotilha do Amazonas: Canhoneira Amapá e Liga das Nações mostrou-se impotente. Cobiçando as
Rebocador Mário Alves. matérias-primas e os vastos mercados da Ásia, o Japão
– Flotilha de Mato Grosso: Monitores Parnaíba, reiniciou sua investida imperialista, em 1931,
Paraguaçu e Pernambuco; Avisos Oiapoque e conquistando a Manchúria, região rica em minérios que
Voluntários; e Navio-Tanque Potengi. pertencia à China. Em outubro de 1935, a Itália de
Mussolini invadiu a Etiópia. Em 1936, a Alemanha
Pode-se perceber, claramente, a vulnerabilidade de nazista começou a mostrar suas garras ocupando a
nosso Poder Naval para o enfrentamento da guerra A/S Renânia (região situada entre a França e a Alemanha),
(anti-submarino). Não possuíamos sensores adequados, indo juntar-se à Itália fascista e intervir na guerra civil
nem adestramento para a luta contra os submarinos. A espanhola a favor do General Franco. Neste ano de 1936,
doutrina A/S era baseada ainda nas lições apreendidas na Itália, Alemanha e Japão assinaram um acordo para
Primeira Guerra Mundial, muito diferente do que vinha combater o comunismo internacional (Pacto Anti-
ocorrendo nas águas do Atlântico Norte e Mediterrâneo Comintern), formalizando o Eixo Roma-Berlim-Tóquio.
desde 1939.
Em agosto de 1939, a Alemanha e a União Soviética
firmaram entre si um pacto de não agressão, que
6) A SITUAÇÃO EM 1940 estabelecia, secretamente, a partilha do território polonês
Como vimos, o nosso Poder Naval possuía limitações entre as duas nações. Hitler se sentiu à vontade para agir,
operacionais importantes. No início da guerra na Europa, invadindo a Polônia e dando início à Segunda Mundial,
o Brasil contava com praticamente os mesmos navios da que se alastrou por toda a Europa.
Primeira Guerra Mundial.

126
Linhas de cabotagem – Linhas de comunicação marítima ao
125
Os seis navios da classe Carioca. largo da costa, geralmente ligando portos nacionais.
EA-HSG 50 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:15:16

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


8) INÍCIO DAS HOSTILIDADES E ATAQUES AOS costa norte-americana ou no Mar das Antilhas, área que
NOSSOS NAVIOS MERCANTES os submarinos alemães atuaram no início do
A Marinha Mercante brasileira somava 652.100 envolvimento dos Estados Unidos no conflito, quando
toneladas brutas de arqueação no início da guerra. ainda eram precárias as patrulhas anti-submarinas norte-
Mesmo pequena e composta de navios antiquados, se americanas.
comparada com as grandes potências de então, ela A única exceção nesse período foi o NM Comandante
exercia papel fundamental na economia nacional, não só Lira, torpedeado no litoral brasileiro, ao largo do Ceará,
no transporte das exportações brasileiras, mas também pelo submarino italiano Barbarigo. Foi o único navio a
na navegação de cabotagem que mantinha o fluxo ser salvo, graças ao pronto auxílio dado pelo Rebocador
comercial entre as economias regionais, isoladas pela da Marinha brasileira Heitor Perdigão e por alguns
deficiência das nossas redes rodoviárias e ferroviárias. navios norte-americanos.
No decorrer da guerra, foram perdidos por ação de O NM Barbacena e NM Piave, torpedeados pelo
submarinos alemães e italianos 33 navios mercantes, que submarino alemão U-155 ao largo da Ilha de Trinidad,
somaram cerca de 140 mil toneladas de arqueação (21% em 28 de julho de 1942, foram as últimas perdas
do total), com a morte de 480 tripulantes e 502 ocorridas por ação do inimigo enquanto o Brasil ainda se
passageiros. mantinha formalmente como país neutro.
Os primeiros ataques à nossa Marinha Mercante Em 28 de janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações
ocorreram quando o Brasil ainda se mantinha neutro no diplomáticas com os países que compunham o Eixo. A
conflito europeu. Em 22 de março de 1941, no Mar colaboração militar entre o Brasil e os Estados Unidos,
Mediterrâneo, o navio mercante (NM) Taubaté foi que desde meados de 1941 já era notória, intensificou-se
metralhado pela Força Aérea alemã, tendo sido avariado com assinatura de um acordo político-militar em 23 de
apesar da pintura em seu costado da Bandeira Brasileira. maio de 1942.
Com a entrada dos Estados Unidos da América naquele Neste período deslocava-se para o saliente nordestino
conflito, os submarinos alemães passaram a operar no brasileiro a Força-Tarefa 3 da Marinha norte-americana,
Atlântico ocidental, ameaçando todos os navios de tendo o governo Vargas colocado os portos de Recife,
bandeiras neutras que tentassem adentrar portos norte- Salvador e posteriormente Natal à disposição das forças
americanos. norte-americanas.
A primeira perda brasileira foi o NM Cabedelo, que As atitudes cada vez mais claras de alinhamento do
deixou o porto de Filadélfia, nos Estados Unidos, com a Brasil com os países aliados levaram o alto comando
carga de carvão, no dia 14 de fevereiro de 1942. Ainda alemão a planejar uma operação contra os principais
não existia o sistema de comboios nas Antilhas. O navio portos brasileiros. Posteriormente, por ordem de Hitler,
desapareceu rapidamente sem dar sinais, podendo ter esta ofensiva submarina foi reduzida em tamanho mas
sido torpedeado tanto por um submarino alemão ou não em intensidade, com o envio de dez submarinos ao
italiano. Ele foi considerado perdido por ação do litoral com ordens para atacar nossa navegação de longo
inimigo, uma vez que o tempo reinante era bom e claro. curso e de cabotagem.
Seguiu-se o torpedeamento do NM Buarque, em 16 No cair da tarde de 15 de agosto de 1942, o
de fevereiro de 1942, pelo submarino alemão U-432, Submarino alemão U-507, comandando pelo Capitão-de-
comandado pelo Capitão-Tenente Heins-Otto Schultze, a Corveta Harro Schacht, torpedeava o Paquete Baependi,
60 milhas do Cabo Hatteras, quando levava para os que navegava ao largo da costa de Alagoas com destino
Estados Unidos 11 passageiros, café, algodão, cacau e ao Recife. O velho navio foi ao fundo levando 270 almas
peles. O navio, do tipo misto, era do Lloyd Brasileiro, de um total de 306 tripulantes e passageiros embarcados,
tendo se salvado toda tripulação de 73 homens127. inclusive parte da guarnição do 7 o Grupo de Artilharia de
Em 18 de fevereiro de 1942, foi a vez do NM Olinda, Dorso do Exército Brasileiro que iria reforçar as defesas
torpedeado pelo mesmo U-432, ao largo da Virgínia, do saliente nordestino.
Estados Unidos. O submarino veio a superfície, Algumas horas depois, o U-507 encontrou o Paquete
mandando o mercante parar, dando ordem de abandonar Araraquara navegando escoteiro e inteiramente
o navio. Esperou que todos embarcassem nas baleeiras e, iluminado e o afundou com dois torpedos, vitimando 131
a tiros de canhão, pôs a pique o Olinda. A tripulação, de das 142 pessoas a bordo.
46 homens, foi salva pelo USS Dallas.
Na madrugada do dia 16, foi a vez do Paquete Aníbal
Seguiram-se, em 1942, os torpedeamentos do NM Benévolo, também utilizado nas linhas de cabotagem.
Arabutã, em 7 de março; NM Cairu, em 8 de março; NM
No dia 17 de agosto, na altura o Farol do Morro de
Parnaíba, em 1o de maio; NM Gonçalves Dias, em 24 de São Paulo, ao Sul de Salvador, o U-507 torpedeou o
maio; NM Alegrete, em 1o de junho; NM Pedrinhas e
Paquete Itagiba, que tinha, entre os seus 121 passageiros,
NM Tamandaré, em 26 de junho, todos ocorridos ou na
o restante do 7o Grupo de Artilharia de Dorso.
127
No torpedeamento desse navio aconteceu um fato inusitado: Nesse mesmo, dia o NM Arará foi torpedeado quando
segundo relato do comandante, às 19h30min, um avião sobrevoou o recolhia náufragos dos primeiros alvos do submarino
navio para iluminá-lo. Hoje, sabe-se que os alemães tinham uma germânico.
aeronave espiã, com base em território norte-americano, para
orientar os submarinos para os ataques.
EA-HSG 51 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:15:16

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


A última vítima do Comandante Schacht foi a 9) A LEI DE EMPRÉSTIMO E ARRENDAMENTO
Barcaça Jacira, pequena embarcação que foi posta a E MODERNIZAÇÕES DE NOSSOS MEIOS E
pique em 19 de agosto. DEFESA ATIVA DA COSTA BRASILEIRA
A ação de cinco dias do submarino alemão U-507 A Lei de Empréstimo e Arredamento – Lend Lease –
levou a pique seis embarcações dedicadas as linhas de com os Estados Unidos da América permitia, sem
cabotagem, vitimando 607 pessoas, chocando a opinião operações financeiras imediatas, o fornecimento dos
pública brasileira e levando o governo de declarar o materiais necessários ao esforço de guerra dos países
estado de beligerância com a Alemanha em 22 daquele aliados. Ela foi assinada a 11 de março de 1941.
mês e, finalmente, o estado de guerra contra esse país, a Em acordo firmado a 1o de outubro de 1941, o Brasil
Itália e o Japão em 31 de agosto de 1942. obteve, nos termos dessa lei, um crédito de 200 milhões
Com comboios organizados ainda de maneira de dólares, o qual, por ordem do presidente da
insipiente, foram afundados os navios mercantes Osório República, coube ao Exército 100 milhões e à Marinha e
e Lages, em 27 de setembro de 1942, seguindo-se à Força Aérea 50 milhões cada. Da cota destinada a
afundamento do pequeno NM Antonico, que navegava Marinha, um total de 2 milhões de dólares foi
escoteiro ao largo da costa da Guiana Francesa. Este despendido com o armamento dos navios mercantes.
ataque alemão ficou tragicamente gravado na mente dos Ao rompermos relações diplomáticas como Eixo, a
protagonistas, pois o U-516 com sua artilharia metralhou Marinha do Brasil desconhecia as novas táticas anti-
os náufragos nas baleeiras, após o pequeno navio ter sido submarino e estava, conseqüentemente, desprovida do
posto a pique, matando e ferindo muitos deles. Ainda em material flutuante e dos equipamentos necessários para
1942, foram perdidos os NM Porto Alegre e Apalóide. executá-las como bem mostramos anteriormente.
A organização dos comboios nos portos nacionais, Os progressos verificados nos entendimentos entre o
que reuniam navios mercantes da navegação de longo Brasil e Estados Unidos, depois dos torpedeamentos dos
curso e de cabotagem, escoltados por navios de guerra primeiros navios na costa leste norte-americana e nas
brasileiros e norte-americanos e a intensa patrulha anti- Antilhas, permitiram incluir na agenda das discussões o
submarino empreendida pelas forças aeronavais aliadas fornecimento ao Brasil de pequenas unidades de
levaram a uma drástica diminuição nas perdas dos proteção ao tráfego e de ataque a submarinos.
navios de Bandeira Brasileira, com oito torpedeamentos, Os primeiro navios recebidos pelo Brasil, depois da
comparados aos 24 ocorridos ao longo do ano anterior. declaração de guerra, foram os caça-submarinos da
A maioria dos navios mercantes brasileiros vitimados classe G (Guaporé e Gurupi), entregues em Natal, a 24
de setembro de 1942.
por submarinos alemães em 1943 navegava fora dos
comboios. O NM Brasilóide navegava escoteiro quando Em seguida foram incorporados à Marinha do Brasil,
foi torpedeado em 18 de fevereiro de 1943; já o NM em Miami, oito caça-submarinos da classe J (Javari,
Afonso Pena, indevidamente, abandonou o comboio do Jutaí, Juruá, Juruema, Jaguarão, Jaguaribe, Jacuí, e
qual fazia parte e foi afundado em 2 de março; o NM Jundiaí). No ano de 1943 foram entregues mais seis
Tutóia foi atingido em 20 de junho, também viajando unidades da classe G (Guaíba, Gurupá, Guajará, Goiana,
isolado. O NM Pelotaslóide, fretado ao governo norte- Grajaú e Graúna).
americano para transporte de material bélico, foi Nos anos de 44/45, mais oito unidades foram
afundado na entrada do canal para o Porto de Belém entregues, dessa vez os excelentes contratorpedeiros-de-
quando esperava o embarque do prático, estando escolta que já operavam em nossas águas (Bertioga,
escoltado por três caça-submarinos da Marinha Beberibe, Bracuí, Bauru, Baependi, Benevente,
brasileira. Babitonga e Bocaina).
Em 22 de julho o Pesqueiro Shangri-lá foi afundado Após o término da guerra na Europa, a Marinha
ao largo de Arraial do Cabo, provocando a morte de recebeu dos Estados Unidos, a 16 de julho de 1945, em
todos os seus tripulantes. Tampa na Flórida, o Navio-Transporte de Tropas Duque
de Caxias.
O NM Bagé compunha um comboio quando, na tarde
A 15 de abril de 1948, o Brasil e os Estados Unidos
de 31 de julho, foi obrigado a seguir viagem isolado,
firmaram acordo sobre o pagamento do Lend Lease. O
pois suas máquinas produziam fumaça em demasia,
fazendo com que o comboio pudesse ser localizado por valor do aluguel dos navios incorporados à Marinha
brasileira, que deveriam ser restituídos ao final da
submarinos do Eixo a grandes distancias, colocando em
risco os outros navios comboiados. Naquela mesma guerra, não foram incluídos como acordado.
noite foi torpedeado. Os dois últimos torpedeamentos de Mais tarde, a cessão desses navios ao Brasil foi
navios mercantes brasileiros foram o Itapagé, em 26 de tornada permanente, com o compromisso de não os
setembro e o Campos, em 23 de outubro de 1943, todos entregarmos a outros países, sendo então fixado o seu
os dois navegando escoteiros. aluguel em 5 milhões de dólares, descontando-se o que
nos era devido pelo arrendamento de navios brasileiros
aos Estados Unidos, pela cessão do mercante misto
alemão Windhunk aos norte-americanos e pelos navios
perdidos durante a guerra.

EA-HSG 52 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:15:16

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Nada se conhece se houve indenizações norte- Foram instalados os seguintes os comandos:
americanas, em troca das facilidades concedidas à sua Comando Naval do Norte, com sede em Belém,
Marinha em nossos portos, nem pelo uso do território abrangendo os Estados do Acre, Amazonas, Pará,
nacional para instalação de suas bases aéreas e navais. Maranhão e Piauí.
Simplesmente, ficamos de posse das benfeitorias Comando Naval do Nordeste, com sede em Recife,
realizadas e dos materiais existentes em seus armazéns. abrangendo os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte,
Quanto às construções navais aqui no Brasil, tivemos Paraíba, Pernambuco e Alagoas.
a incorporação de contratorpedeiros da classe M (Mariz Comando Naval do Leste, com sede em Salvador,
e Barros, Marcílio Dias e Greenhalgh) e das Corvetas abrangendo os Estados de Sergipe, Bahia e Espírito Santo.
Matias de Albuquerque, Felipe Camarão, Henrique Dias, Comando Naval do Centro, com sede no Rio de
Fernando Vieira, Vidal de Negreiros e Barreto de Janeiro, abrangendo os Estados do Rio de Janeiro e São
Menezes. Paulo.
Comando Naval do Sul, com sede em Florianópolis,
Declarada a guerra, foi desenvolvido um trabalho
abrangendo os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio
intenso para adaptar nossos antigos navios, dentro de
Grande do Sul.
suas possibilidades, para a campanha anti-submarino. Os
Comando Naval do Mato Grosso, com sede em
seguintes serviços foram executados: Ladário, abrangendo as Bacias Fluviais de Mato Grosso e
– Cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul: instalados Alto Paraná.
sonar e equipamento para ataques anti-submarino (duas Esses Comandos, ordenando suas atividades conforme a
calhas para lançamento de bombas de profundidade de concepção estratégica da guerra no mar (da preparação
300 libras); logística e do emprego das forças ou outros elementos de
– Navios-mineiros varredores classe Carioca: defesa nas zonas que lhes eram atribuídas, e obedecendo às
reclassificados como corvetas. Retirados os trilhos para diretrizes gerais estabelecidas pelo Estado-Maior da
lançamento de minas e instalados sonar e equipamentos Armada, a quem se achavam subordinadas), constituíram
para ataques anti-submarino (dois morteiros K e duas organização da maior importância na conduta eficaz das
calhas para lançamento de bombas de profundidades de operações navais. Sua existência facilitou o
300 libras); desenvolvimento dos recursos disponíveis nas respectivas
áreas de influência, mobilizando elementos para o apoio
– Navios-Hidrográficos Rio Branco e Jaceguai: mesmas logístico e para a defesa local.
instalações das corvetas classe Carioca e mais duas
O chefe do Estado-Maior da Armada entrou em
metralhadoras de 20mm Oerlikon; entendimento com seus colegas do Exército e da
– Navio-Tanque Marajó: instalado um canhão de 120mm Aeronáutica para organizar um serviço conjunto de
na popa e uma metralhadora de 20mm Oerlikon; vigilância e defesa da costa, tendente a prevenir a
– Tender Belmonte: reinstalados dois canhões de 120 possibilidade de aproximação e desembarque inimigos.
mm; 10) DEFESAS LOCAIS
– Contratorpedeiros classe Maranhão e restante de classe Desde julho de 1942, por meio da Circular no 40, do dia
Pará: instaladas duas calhas para lançamento de bombas 14, em atendimento às Circulares Secretas nos 9 e 33,
de profundidade de 300 libras; e respectivamente de 22 de janeiro e 12 de junho de 1942, o
– Rebocadores e demais navios-auxiliares, armados com Estado-Maior da Armada determinou que se observassem
uma ou duas metralhadoras de 20 mm Oerlikon. as instruções que orientavam as atividades de cada
capitania de porto ou delegacia, em benefício da Segurança
Essas aquisições pelo Lend Lease e os aperfeiçoa-
Nacional.
mentos impetrados em nossa Força Naval vieram
A ação do Estado-Maior da Armada estendeu-se ao
aumentar em muito nossa capacidade de reagir de forma serviço de carga e descarga dos navios mercantes nos
adequada aos novos desafios que se afiguravam. Seria portos, tendo, para esse fim, coordenado sua ação com a do
injusto não mencionar que o auxílio norte-americano foi Ministério da Viação e Obras Públicas e com a Comissão
vital para que pudéssemos nos contrapor aos submarinos de Marinha Mercante. Preocupou-se, também, com as luzes
alemães. das praias e edifícios próximos aos portos, ou em regiões
Além disso, algumas providências de caráter que pudessem silhuetar os navios no mar, alvos dos
administrativo, de treinamento e modificações materiais submarinos inimigos.
foram se tornando necessárias. Imaginava-se que o Alto Comando alemão traçaria
Como primeira medida de caráter orgânico, foram planos para realizar ataques maciços a portos brasileiros.
instalados os Comandos Navais, criados pelo Decreto n o Em agosto de 1942, chegou a ser ventilada pelo Alto
10.359, de 31 de agosto de 1942, com o propósito de Comando Naval alemão a autorização para investida em
prover defesa mais eficaz da nossa fronteira marítima, nossas águas de vários submarinos. No entanto, somente o
orientando e controlando as operações em águas a ela U-507 foi designado para operar em nossas águas. A 20 de
agosto de 1943, pela Circular no 5, o Comando da Força
adjacentes, não só as relativas à navegação comercial,
Naval do Nordeste alertou para a possibilidade de
como às de guerra propriamente ditas e de assuntos desembarque de elementos isolados, tendo como objetivo
correlatos. A área de cada Comando abrangia realizar atos de sabotagem contra portos, depósitos,
determinado setor de nossas costas marítimas e fluviais. comunicações e outros pontos vitais do território brasileiro.

EA-HSG 53 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:15:16

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


11) DEFESA ATIVA As minas encontradas à deriva eram destruídas pelos
Na História, há numerosos exemplos de navios navios de patrulha com tiros de canhão. O Terceiro
corsários surgirem de surpresa diante de um porto, para Grupamento Móvel de Artilharia de Costa e o Segundo
danificarem suas instalações ou amedrontarem suas Grupo do Terceiro Regimento de Artilharia Antiaérea do
populações128 . Do ponto de vista militar, os efeitos Exército coordenavam-se com os elementos da Marinha,
dessas incursões são reduzidos, sendo a ação, na maioria o que permitia uma coberta completa da costa;
das vezes, executada para desorganizar a vida da Salvador – A defesa principal do porto cabia ao
localidade e obter efeitos morais. Encouraçado Minas Gerais, com sua artilharia
Com o advento do submarino, o perigo tornou-se controlada em conjunto com as baterias do Exército,
maior, com a possibilidade de torpedeamento de navios situadas na Ponta de Santo Antônio e na Ilha de
surtos nos portos. Por esses motivos, foi organizada a Itaparica. Em abril de 1943, os Monitores Parnaíba e
defesa ativa, atuando em pontos focais da costa, com a Paraguaçu foram movimentados de Mato Grosso para
finalidade de repelir qualquer ataque aéreo ou naval Salvador, por solicitação do Comandante Naval do
inimigo, por meio de ações coordenadas da Marinha de Leste. Depois de sofrerem algumas modificações no Rio
Guerra, do Exército e da Aeronáutica. Foram essas as de Janeiro (em especial no armamento), ficaram em
seguintes medidas de defesa ativa adotadas: condições de operar na Baía de Todos os Santos.
Rio de Janeiro – Colocada uma rede de aço protetora Aparelhos de radiogoniometria de alta freqüência
no alinhamento Boa Viagem – Villegagnon e cruzavam as marcações com equipamentos semelhantes
coordenado o serviço de defesa do porto com as no Recife, a fim de localizar submarinos;
fortalezas da barra. A rede era fiscalizada por lanchas Natal – Os serviços de proteção do porto estavam a
velozes, e a sua entrada aberta e fechada por
cargo do Comando da Base Naval de Natal. Também
rebocadores. O patrulhamento interno cabia aos navios eram acionadas unidades do Exército (que mantinham
da chamada Flotilha João das Botas (constituída de
baterias na barra) e da Força Aérea Brasileira;
navios mineiros de instrução), rememorando a flotilha de
pequenas embarcações comandada pelo Segundo- Vitória – A proteção do porto ficou entregue ao
Tenente João Francisco de Oliveira Bottas, que fustigou Exército, havendo a Marinha cedido alguns canhões
os portugueses encastelados em Salvador e na Baía de navais de 120mm, para artilhar a barra;
Todos os Santos na Guerra da Independência. Ilhas oceânicas – Na Ilha da Trindade foi
Externamente, ou onde fosse necessário, atuavam os estacionado um destacamento de fuzileiros navais, em
antigos contratorpedeiros classe Pará, oriundos do 20 de março de 1942, levados pelo Navio-Transporte
programa de reaparelhamento naval desde de 1906, José Bonifácio.
recebidos em 1910, com mais de 30 anos de intensa A defesa do Arquipélago de Fernando de Noronha,
operação. A responsabilidade da defesa ficou afeta ao situado em ponto focal da cintura estreita do Atlântico,
Comando da Defesa Flutuante, subordinado ao Comando ficou entregue ao Exército, que a artilhou fortemente,
Naval do Centro. levando contingentes em comboios escoltados por
Em junho de 1944, afastado o perigo de um ataque de navios da Marinha. A ocupação se deu logo depois que o
submarinos aos navios surtos no porto, suspendeu-se a Brasil rompeu relações diplomáticas com o Eixo, sendo
patrulha externa feita pelos veteranos contratorpedeiros, o primeiro grupo de militares transportados, junto com
sendo mantida apenas a vigilância interna, a cargo de um material de guerra, em um comboio, em 15 de abril de
rebocador portuário. 1942;
Um especialista norte-americano, o Tenente Santos – Os Rebocadores São Paulo (eram dois com
Jacowski, estabeleceu planos para a utilização de bóias o mesmo nome, sendo um chamado de iate) foram
de escuta submarina, a serem adotadas de acordo com as artilhados; outras embarcações menores, requisitadas,
necessidades. Em julho de 1943, teve inicio o serviço de faziam serviço de vigilância; e
varredura antiminas do canal da barra, realizada pelo
USS Flincker, substituído mais tarde pelo USS Linnet. Rio Grande – Foi artilhado o Rebocador Antonio
Observamos aí mais uma vez o auxílio direto norte- Azambuja.
americano ao nosso plano de defesa local; Como reforço às defesas locais, foram criadas
Recife – O Encouraçado São Paulo, amarrado no Companhias Regionais do Corpo de Fuzileiros Navais
interior do arrecife, provia a defesa da artilharia e em Belém, Natal, Recife e Salvador.
supervisionava a rede antitorpédica. A varredura de Ao se lembrar da participação da Marinha na Segunda
minas era feita por navios mineiros varredores norte- Guerra Mundial, a primeira imagem que surge é a
americanos. Estava estacionado no Recife um grupo de conhecida Força Naval do Nordeste. Como era afinal a
especialistas em desativação das minas, as quais, por sua composição e tarefas?
vezes, davam à costa, sendo estudadas cuidadosamente
antes de serem destruídas.

128
Um desses exemplos foi Duguay-Trouin em 1711, na Baía de
Guanabara.
EA-HSG 54 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:15:16

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


12) A FORÇA NAVAL DO NORDESTE por outros dois navios da Marinha, o Javari e o Mariz e
A missão da Marinha do Brasil na Segunda Guerra Barros. Morreram nesse ataque 99 militares.
Mundial foi patrulhar o Atlântico Sul e proteger os Quarenta e oito horas após o torpedeamento do Vital
comboios de navios mercantes que trafegavam entre o de Oliveira, a cerca de 12 milhas a nordeste da barra de
Mar do Caribe e o nosso litoral sul contra a ação dos Recife, perdeu nossa Marinha a Corveta Camaquã,
submarinos e navios corsários germânicos e italianos. afundada devido a violento mar. Discute-se até hoje os
Luta constante, silenciosa e pouco conhecida pelos motivos que levaram esse navio a seu afundamento. O
brasileiros. Comandante Antônio Bastos Bernardes, sobrevivente do
A capacidade de combate da Marinha do Brasil no sinistro, afirmou alguns anos após esse acidente que o
alvorecer do conflito era modesta se comparada com as emborcamento se deu por “fortuna do mar”. Seja como
grandes Esquadras em luta do Atlântico Norte e no for, pereceram nessa oportunidade 33 pessoas.
Pacífico, e o nosso pessoal e os nossos meios não Por fim, o pior desastre enfrentado pela Marinha
estavam preparados para se engajar com o inimigo durante a Segunda Guerra Mundial foi a perda do
oculto sob o mar, que assolava o transporte marítimo em Cruzador Bahia, no dia 4 de julho de 1945. Essa tragédia
nosso litoral. foi exacerbada pelo conhecimento dos terríveis
Ingressaríamos em uma guerra anti-submarino sem sofrimentos dos náufragos, abandonados no mar durante
equipamentos para detecção e armamento apropriados, muitos dias, por incompreensível falha de comunicações.
porém este obstáculo não impediu que navios e Três infortúnios e cerca de 469 mortos, sem contar os
tripulações estivessem patrulhando nossas águas, mesmo cerca de 23 falecidos em outros navios e em navios
antes do envolvimento oficial do governo brasileiro no mercantes afundados, elevando o total a 492, mais que
conflito, apesar de todos os perigos. os mortos brasileiros em combate na Força
A criação da Força Naval do Nordeste (FNNE), pelo Expedicionária Brasileira.
Aviso no 1.661, de 5 de outubro de 1942, foi parte de um Um ponto pouco discutido em nossa historiografia
rápido e intenso processo de reorganização das nossas compreende a atuação da Quarta Esquadra Norte-
forças navais para adequar-se à situação de conflito. Sob Americana, subordinada ao Vice-Almirante Jonas
o comando do então Capitão-de-Mar-e-Guerra Alfredo Ingram. Figura notável, de grande afabilidade e
Carlos Soares Dutra, a recém-criada força foi realmente um grande chefe naval que teve o mérito de
inicialmente composta pelos seguintes navios: congregar forças heterogêneas em um único comando
Cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul, Navios Mineiros unificado, eficiente e coeso, auxiliado pelos Almirantes
Carioca, Caravelas, Camaquã e Cabedelo Oliver Read e Soares Dutra, comandantes das principais
(posteriormente reclassificados como corvetas) e os forças-tarefas.
Caça-Submarinos Guaporé e Gurupi. Essa força norte-americana compreendeu, em seu
Ela seria posteriormente acrescida do Tênder maior efetivo seis cruzadores, 33 contratorpedeiros,
Belmonte, caça-submarinos, contratorpedeiros-de- diversas esquadrilhas de patrulha, bombardeiros e
escolta, contratorpedeiros classe M, submarinos classe T, dirigíveis, além de caça-submarinos, patrulheiros,
constituindo-se na Força-Tarefa 46 da Força do tênderes, varredores, auxiliares e rebocadores.
Atlântico Sul, reunindo a nossa Marinha sob o comando Um dos principais pontos desse relacionamento
operacional da 4a Esquadra Americana. Brasil-EUA foi a integração operacional entre as duas
A atuação conjunta com os norte-americanos trouxe Marinhas. Foram aperfeiçoados procedimentos comuns e
novos meios navais e armamentos adequados à guerra táticas eficazes na luta anti-submarino.
anti-submarino, bem como proporcionou treinamento Em 7 de novembro de 1945, concluída a sua missão, a
para o nosso pessoal. FNNE regressou ao Rio de Janeiro em seu último
O combate, porém, nos custou muitas vidas. As cruzeiro. A curta, árdua e intensa vida operativa da
perdas brasileiras na guerra marítima somaram 30 navios FNNE contribuiu para a livre circulação nas linhas de
mercantes e três navios de guerra, tendo a Marinha do navegação do Atlântico Sul e certamente em muito
Brasil perdido 486 homens. Nesse ponto seria somou para o esforço de guerra Aliado.
interessante descrever em maiores detalhes as perdas de
nossas unidades de combate durante a Batalha do 13) E O QUE FICOU?
Atlântico.
Não se pode analisar a participação da Marinha de
A primeira perda da Marinha de Guerra foi a do Guerra Brasileira na Segunda Guerra Mundial sem
Navio Auxiliar Vital de Oliveira, torpedeado por apontar alguns dados que delimitam todo o seu esforço
submarino alemão pelo través do Farol de São Tomé no para manter nossas linhas de comunicação abertas.
dia 19 de julho de 1944. As 23h55min, foi sentida forte
Foram comboiados cerca de 3.164 navios, sendo
explosão na popa, abrindo grande rombo, por onde 1.577 brasileiros e 1.041 norte-americanos em 254
começou a entrar água em enormes proporções. Segundo
comboios. Considerando esse número de navios e as
algumas testemunhas, o afundamento do navio deu-se
perdas em comboios, chegamos a conclusão de que cerca
em apenas três minutos. A maior parte dos sobreviventes de 99,01% dos navios protegidos atingiram os seus
foi resgatada no dia seguinte por um barco pesqueiro e
destinos.
EA-HSG 55 CURSOASCENSAO.COM.BR
Impresso por Edna Novelino, E-mail edna1406novelino1@gmail.com para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por
direitos autorais e não pode ser reproduzido ou repassado para terceiros. 30/10/2023, 01:15:16

HISTÓRIA NAVAL II CURSO ASCENSÃO


Foram percorridos pelos escoltas, sem contar os Militar com esse país em 1977, quando optamos por uma
ziguezagues realizados para dificultar a detecção tecnologia relativamente autóctone.
submarina e o tiro torpédico, um total de 600.000 milhas E, por fim, a guerra no mar mostrou que no caso do
náuticas, ou seja, 30 voltas em redor da Terra pelo Brasil, em uma conflagração generalizada, as nossas linhas
equador. de comunicação serão os alvos prioritários. Assim
A Esquadra americana comboiou no Atlântico 16 mil aconteceu em 1917 e 1942. Somos ainda dependentes do
navios, o que corresponde a 16 mercantes por cada navio comércio marítimo. Não podemos estar despreparados mais
de guerra. a Marinha do Brasil comboiou 3 mil navios, o uma vez. Devemos estar preparados.
que corresponde a 50 mercantes por cada navio de CRONOLOGIA
guerra brasileiro. DATA EVENTO
Foram atacados 32 navios brasileiros, com um total Apresentação na Câmara de programa
de 972 mortos ou desaparecidos na Marinha Mercante. Julho de 1904
de reaparelhamento naval do Alte.
Em navios, foram perdidos 21,47% da frota nacional. Júlio de Noronha pelo Deputado
Laurindo Pitta.
A Marinha de Guerra perdeu três navios e 492 mortos.
Aprovação do programa de
O navio de guerra que mais tempo passou no mar foi reaparelhamento naval do Almirante
Novembro de 1906
o Caça-Submarinos Guaporé, num total de 427 dias de Júlio de Noronha modificado pelo
mar, em pouco mais de três anos, o que perfez uma Almirante Alexandrino de Alencar.
média anual de 142 dias de mar. Como comparação, hoje Agosto de 1914 Começa a Primeira Guerra Mundial.
em dia um navio da Esquadra que realize anualmente 70 A Alemanha estabelece bloqueio sem
dias de mar pode ser considerado um navio com boas 17 /01/ 1917 restrições ao comércio marítimo com
os Aliados.
condições operacionais.
Rompimento das relações diplomáticas
O navio que participou no maior número de comboios 11 /04/ 1917
entre o Brasil e a Alemanha.
foi a Corveta Caravelas, com 77 participações. Declaração de guerra entre o Brasil e a
26 /10/ 1917
Com todos esses dados, o que efetivamente significou Alemanha.
para a Marinha de Guerra a sua participação no último 01/08/ 1918
DNOG suspende de Fernando de
conflito mundial? Noronha com destino à África.
9 /11/ 1918 Termina a Primeira Guerra Mundial
A primeira conclusão foi que adquirimos maior
capacidade para controlar áreas marítimas e maior poder 9/06/1919 DNOG regressa ao Rio de Janeiro.
dissuasório. No entanto deve ser admitido que tal 1/09/1939 Começa a Segunda Guerra Mundial.
Assinatura da Lei de Empréstimos e
situação foi fruto do auxílio norte-americano. Se
11/03/1941 Arrendamentos – Lend Lease – com os
estivéssemos sozinhos nessa empreitada, poderíamos Estados Unidos da América.
ficar em uma situação muito delicada, principalmente na Brasil rompe relações diplomáticas
manutenção segura de nossas linhas de comércio 28/01/1942
com os países do Eixo.
marítimo. – Declaração de guerra entre o Brasil e
A segunda conclusão aponta para uma mudança de 31/08/1942
a Alemanha.
mentalidade na Marinha, com a assimilação de novas – Criação dos Comandos Navais na
técnicas de combate e a incorporação de meios costa brasileira e Mato Grosso.
modernos para as forças navais. Essa mudança de 5/10/1942 Criação da Força Naval do Nordeste.
mentalidade fez a Marinha tornar-se bem mais Torpedeamento do Navio Auxiliar
19/07/1944 Vital de Oliveira no través do Farol de
profissional.
São Tomé.
A terceira conclusão foi a oportunidade da Marinha Afundamento da Corveta Camaquã
“sentir o odor do combate”, participar de ações de guerra 21/07/1944
próximo a Recife.
e adquirir experiências da refrega, das adversidades, do 8/05/1945 Termina a Segunda Guerra Mundial.
medo e da dor com a perda de navios e companheiros. Afundamento do Cruzador Bahia entre
4/07/1945
Essa experiência de guerra foi fundamental para forjar os o Nordeste e a África.
futuros almirantes, oficiais e praças da guerra, 7/11/1945
A Força Naval do Nordeste regressa ao
acostumados com a vida dura da guerra anti-submarino e Rio de Janeiro.
da monotonia e do estresse dos comboios.
A quarta conclusão foi a percepção de que a logística
ocupa um lugar de suma importância na manutenção de
uma força combatente operando eficientemente. Esse
tipo de percepção refletiu-se na construção da Base
Naval de Natal e outros pontos de apoio logístico no
nosso litoral. Nisso os EUA foram os grandes mestres.
A quinta conclusão foi a nossa aproximação franca com
a grande nação do norte. Essa associação nos alinhou
diretamente com as doutrinas norte-americanas e com uma
ênfase exacerbada na guerra anti-submarino. Essa
percepção só foi mudada a partir da denúncia do Acordo
EA-HSG 56 CURSOASCENSAO.COM.BR

Você também pode gostar