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MADAME SATÃ: RESISTIR PARA EXISTIR

Madame Satã: Resist to exist.

Andrey Ramos Travesani

Orientadores: Gustavo Fialho; Jussara Silva Santos.

Dedico este trabalho a todas as pessoas que desafiaram


e desafiam o sistema sexo-gênero, que num país tão
repressivo, enfrentam a violência contra esses corpos,
mas mesmo assim exigem o nosso direito de existir.

Agradeço a multi-artistas como Linn da Quebrada,


Liniker e Ventura Profana que me ajudaram me
entender como uma pessoa fora dos padrões do gênero
binários, me livrando da dominação colonial violenta.
Baseado em carne viva e fatos reais
É o sangue dos meus que escorre pelas marginais
E vocês fazem tão pouco, mas falam demais
Fazem filhos iguais, assim como seus pais
Tão normais e banais, em processos mentais
Sem sistema digestivo, lutam para manter vivo
Morto, vivo, morto, vivo, morto, morto, morto, viva!

Bomba pra caralho, bala de borracha, censura, fratura exposta


Fatura da viatura, que não atura pobre, preta, revoltada
Sem vergonha, sem justiça, tem medo de nós
Não suporta a ameaça dessa raça
Que pra sua desgraça a gente acende, (a) ponta, mata a cobra, arranca o pau.

Linn da Quebrada1

1
Trecho da música “Bomba Pra Caralho”
RESUMO
Madame Satã, filha de Iansã e Ogum, foi uma transformista emblemática e um dos
personagens mais representativos da vida noturna e marginal da Lapa carioca na primeira
metade do século XX, sendo uma representação subalternizada da fetichização do corpo
negro, que revelam um retrato cruel de solidão conferida a essas identidades na
sociedade segregacionista em que vivemos. A escolha da personagem Satã se deu em conta às
constantes violações de direitos humanos de travestis e transexuais pretas que vivem a
margem da sociedade, que não tem a atenção ou a proteção adequada e tampouco se sentem
seguras em existir e viver em uma sociedade cissexista, que desumaniza essas existências,
incluindo os crueldade. A conceder a homenagem a personagem, faz do que as lutas de
pessoas marginalizadas sejam reconhecidas, promovendo que seus direitos sejam respeitados.

PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Transformista. Travesti. Representatividade. Violência. Racismo. Transfobia.

ABSTRACT
Madame Satã, daughter of Iansã and Ogum, was an emblematic transformist and one of the
most representative characters of the nightlife and marginal life of Lapa in Rio de Janeiro in the
first half of the 20th century, being a subalternized representation of the fetishization of the
black body, which reveals a cruel portrait of loneliness conferred on these identities in the
segregationist society in which we live. The choice of the character Satã took into account the
constant human rights violations of black transvestites and transsexuals who live on the
margins of society, who do not receive adequate attention or protection nor do they feel safe
existing and living in a cissexist society, that dehumanizes these existences, including cruelty.
By granting the tribute to the character, the struggles of marginalized people are recognized,
promoting that their rights are respected.

KEYWORDS: Gender. Transformist. Transvestite. Representativeness. Violence. Racism. Transphobia.


SUMARIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 1

BIOGRAFIA................................................................................................................................ 4

RELAÇÃO DO PERSONAGEM COM A CULTURA E HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA........ 11

JUSTIFICATIVA........................................................................................................................ 14

REFERÊNCIAS.........................................................................................................................18
INTRODUÇÃO

João Francisco dos Santos, mais conhecida como Madame Satã,


sobrevivente das lutas de navalha e da valentia que liquidara a maioria dos
malandros de sua geração2, era um indivíduo representativo das bichas3 das
classes baixas que circulavam no meio social do Rio de Janeiro, boêmio da
década de 30 a 40. Madame Satã, transgrediu padrões de atuação que
privilegiavam a efeminação e uma imitação do comportamento associado a
mulheres, confundindo os estereótipos sociais reinantes (GREEN, 2003).

Madame Satã pode ser considerada uma personalidade queer4 ambígua,


uma figura brasileira mítica, sendo a primeira travesti artista do Brasil. Apesar
de ter reservado os momentos de feminilidade para o palco, rejeitando fora
dele qualquer rótulo que atestasse contra sua fama de “macho”, se
apresentava rebolando com uma saia vermelha em teatros da Praça Tiradentes
(DURST, 2005). Seu sonho era viver uma versão brasileira de sua diva
Josephine Baker e, para isso, assumia a alcunha de Mulata do Balacochê
(GREEN, 2003). Foi entre os bairros da Glória e da Lapa, conheceu e ficou
amigo da jovem Maria do Carmo Miranda da Cunha, a quem chamava de
Bituca e que, anos depois, se tornaria o fenômeno Carmen Miranda, uma de
suas principais inspirações para performances (KER, 2018).

Num caso judicial, de 1946, quando Madame Satã foi apreendida por
perturbar a ordem, após ter sido barrada de entrar no Cabaret Brasil porque
não estava vestido apropriadamente, o comissário de polícia fez uma descrição
que era comum de se atribuir a ela:

“Desordeiro. Pederasta passivo. Usa suas sobrancelhas raspadas e adota


atitudes femininas, alterando até a própria voz. Entretanto, é um
indivíduo perigosíssimo, pois não costuma respeitar nem as próprias
autoridades policiais. Não tem religião alguma. Fuma, joga e é dado ao
vício da embriaguez. Exprime-se com dificuldade e intercala, em sua
conversa, palavras da gíria de seu ambiente. É de pouca inteligência.
Não gosta do convívio da sociedade por ver que esta o repele, dados

2
Frase que Green utiliza em sua obra, que descreve Madame Satã logo em seu prefácio.
3
O termo “Bicha” foi usado para referenciar gays afeminados e transformistas.
4
Identidades sexuais e de gênero que não são heterossexuais e cisgênero.

1
seus vícios. É visto sempre entre pederastas, prostitutas, proxenetas e
outras pessoas do mais baixo nível social.” 5

Além de malandro, pai, transformista e notável cozinheiro, João se


esforçava para que as prostituas, as bichas e os jovens da Lapa não sofressem
perseguição, nada acontecia na Lapa sem seu conhecimento ou sua permissão
(DURST, 2005). Ainda que Madame Satã exibisse uma imagem de valente, sua
reputação desafiava a associação tradicional do malandro com a masculinidade
rude da classe trabalhadora. Em vez disso, evocava uma figura sinistra e
misteriosa, um tanto andrógina (KER, 2018).

A travestilidade de Madame Satã fez dela uma figura intrigante, um


bicho raro – ou talvez uma bicha rara – que desafiava os estereótipos e
desestabilizava o que se acreditava ser o comportamento apropriado para os
homossexuais brasileiros (GREEN, 2003). Sua mistura enigmática do
masculino e do feminino atraía os editores de O Pasquim6, tanto quanto a
travesti imaculadamente construída, de genitais masculinos intactos, parece
tão atraente para tantos homens brasileiros que se autoidentificam como
heterossexuais (DURST, 2005).

Segundo Green (2003), atualmente não existe filme, livro, música ou


peça de teatro que consiga contar a história inteira e verídica de Madame Satã,
nem mesmo, em sua autobiografia narrada a Sylvan Paezzo7, em 1972,
conseguiu o feito: suas datas não batem com os poucos registros oficiais, suas
histórias mudam de versão com outras narrada por ele mesmo. Sua memória,
a essa altura, já se mistura entre a lenda criada em volta do mito e os poucos
traços que permanecem no conto passado boca-a-boca pela Lapa.

Em uma reflexão Ker8 (2018), ele fala que:

“Fato é que a história de Madame Satã se confunde com a do Brasil e a


dos brasileiros. Sabe-se lá até que ponto o convívio com o jovem João
não influenciou a pequena Bituca a se transformar em Carmen Miranda.
Ou Elba Ramalho, que era carregada por ele após suas apresentações

5
Cabral. Op. cit. p. 3.
6
O Pasquim foi um jornal da imprensa alternativa, que se opôs à ditadura brasileira pela crítica
dos costumes.
7
PAEZZO, Syvan. Memórias de Madame Satã, 1972.
8
KER, João. Madame Satã, Presente!

2
para cantar nos cabarés e bares da Lapa. Satã esteve sempre ali na
história, fosse brindando na Lapa madrugada afora com Chico Anysio e
Noel Rosa, fosse espreitando dos cabarés e dos becos do bairro.
Suspeito, tenho quase certeza, que se Satã não fosse preto, pobre e
travesti, a história teria lhe tratado com mais respeito, talvez ao ponto
de que ele conseguisse mudar a sua própria”.

Ao acompanhar os desfechos de histórias de pessoas pretas fora do


binarismo de gênero, são esclarecidas as múltiplas maneiras pelas quais as
noções de gênero, identidade sexual e racismo são incompreendidas no Brasil.
A visibilidade de histórias como a da Madame Satã, Cintura Fina e Xica
Manicongo, são responsáveis pelo combate da fetichização e invisibilidade
continua dos corpos de trans e travestis pretas que perdura até hoje.

Desse modo, proponho que o auditório da escola de tempo integral


CEEMTI “Paulo Freire” seja batizado de “Auditório Madame Satã”, a fim de que
histórias e conquistas de travestis pretas, a qual são as precursoras da “cultura
dos palcos”, sejam reverenciadas e apreciadas de modo que a população
desagreguem os estereótipos negativos atribuído aos corpos negros
marginalizados.

3
BIOGRAFIA

Madame Satã nasceu no dia 25 de fevereiro de 1900, na cidade de


Glória do Goitá, localizada no sertão de Pernambuco. Ele veio ao mundo como
João Francisco dos Santos, em uma família que contava com 17 filhos, entre
homens e mulheres. Sua mãe, sendo descendente de escravos, pertencia a
uma família humilde. Enquanto isso, seu pai, descendente de um escravo e
filho da elite latifundiária local, faleceu quando João Francisco tinha apenas
sete anos.

No ano seguinte, diante da responsabilidade de sustentar dezessete


bocas famintas, sua mãe decidiu entregar o menino a um negociante de
cavalos em troca de uma égua. Contudo, em um curto período de seis meses,
João Francisco conseguiu escapar dessa difícil realidade, fugindo com o auxílio
de uma mulher que ofereceu emprego para ele como ajudante em uma pensão
que ela planejava abrir no Rio de Janeiro.

Madame Satã, mais tarde, recapitulou a mudança:

“Fiquei com ela de 1908 a 1913 e a diferença entre Dona Felicidade e


seu Laureano é que, para ele, eu tomava conta dos cavalos o dia inteiro
e, para ela, eu lavava os pratos e lavava a cozinha e carregava as
marmitas e fazia compras no Mercado São José, que ficava na Praça XV.
Também o dia inteiro. E não tinha folga. E não ganhava nada. E não
tinha estudo e nem carinho. E era escravo do mesmo jeito. Sem ter
nada de que uma criança precisa.”9

Aos 13 anos, João Francisco deixou a pensão e foi viver nas ruas,
dormindo em degraus de casas de aluguel, na Lapa. Durante seis anos,
trabalhou em serviços esporádicos na vizinhança, desde carregar sacolas de
compras do mercado até vender potes e panelas de porta em porta. Em 1916,
quando o garoto tinha dezesseis anos, ocorreu a primeira gravação de um
samba, chamado Pelo Telefone.

Quando completou 18 anos, foi contratado como garçom em um bordel,


conhecido como Pensão Lapa. As donas de bordéis, em geral, contratavam

9
Machado, Elmar. “Madame Satã para O Pasquim: ‘Enquanto eu viver, a Lapa viverá’”. Pasquim,
n. 357, 30 de abril de 1976. p. 9.

4
jovens homossexuais para trabalhar como garçons, cozinheiros, camareiros e
inclusive como eventuais prostitutos, caso um cliente assim o desejasse
(GREEN, 2003). Muitos desses jovens haviam adquirido certos maneirismos
tradicionalmente femininos, supunha-se que eles podiam desempenhar tarefas
domésticas com facilidade e eficiência e viver entre as prostitutas sem criar
uma tensão sexual (DURST, 2005).

Em 1922, o sonho de ser artista começou a nascer dentro de Madame


Satã – tudo devido ao assistir ao espetáculo do teatro de revista da companhia
francesa Ba-ta-clan, que passava uma temporada na cidade apresentando seu
teatro de revista (GREEN, 2003). Anos depois, o jovem começou a trabalhar
como cozinheiro na Pensão do Cacete, local onde conheceu a atriz Sara Nobre,
artista que o apresentou ao mundo do teatro.

Durante sua juventude, além de realizar trabalhos temporários, Madame


Satã também conviveu com muitos malandros. Segundo Durst (2005), em
1923, o transformista já era conhecido como um malandro respeitado pelo seu
soco de esquerda, cujo apelido era Caranguejo da Praia das Virtudes. Madame
Satã havia sido treinado por Sete Coroa, um malandro e cafetão muito
conhecido na Lapa, o qual foi o responsável por introduzi-lo ao mundo da
malandragem e ensinar-lhe truques com a navalha10. O malandro Sete Coroas,
considerado por Madame Satã como o maior dentre todos os malandros que
ele conheceu, morreu em 1923, deixando Satã como seu substituto na Lapa
(KER, 2018).

No mesmo ano, Madame Satã começou a trabalhar como travesti-artista


no espetáculo, Loucos em Copacabana, assumindo a identidade de Mulata do
Balacochê. Na época, o transformista se sentia muito realizado com a
profissão, e desde que havia conseguido entrar para o teatro, Satã havia se
afastado da vida boêmia da Lapa (KER, 2018).

10
O Uso de navalhas debaixo da língua é comum entre as travestis e transexuais, sendo uma
forma delas se defenderem de ataques que podem sofrer diariamente nas ruas.

5
Sua identidade marginalizada, generalizada de forma anômala, coexistia
confortavelmente com as francesas, polacas e mulatas que trabalhavam nos
vários bordéis que funcionavam na Lapa (GREEN, 2003). Nos anos 20 e 30, a
topografia homoerótica do Rio de Janeiro estendia-se num semicírculo que
começava na praça Floriano Peixoto, passando pelo bairro boêmio e operário
da Lapa, até a praça Tiradentes, as duas pontas dessa longa área arqueada, a
Cinelândia e o antigo Largo do Rossio, ofereciam ambientes públicos para
interações homossociais e homossexuais (DURST, 2005).

Durst (2005) ainda fala que, a Lapa, com as pensões, edifícios de


aluguel, bordéis e quartos para alugar por hora, oferecia outros espaços para
interações com maior privacidade, tanto heterossexuais quanto homossexuais.
Os bares e cabarés da Lapa eram também lugares frequentados por homens
em busca de mulheres “fácies” para momentos de prazer, bem como por
homens desejosos de sexo com outros homens (GREEN, 2003). Funcionários
públicos, jornalistas, profissionais da classe média, intelectuais boêmios e
jovens de famílias tradicionais, amantes da aventura, misturavam-se
livremente com vigarista e ladrões de fim de semana, apostadores, cafetões,
bichas e prostituas.

Grenn (2003) afirma que personalidades literárias do movimento


modernista, artistas e estrelas em ascensão nos círculos intelectuais brasileiros
– tais como Jorge Amado, Cândido Portinari, Sérgio Buarque de Holanda e
Mário de Andrade – vinham aos bares e cabarés da Lapa para reunir-se com
nomes importantes da música popular brasileira – Noel Rosa, Cartola, Nelson
Cavaquinho, Chico Alves – e ouvir suas mais recentes composições.

Nesse meio, o jovem João Francisco tornou-se um malandro e um


prostituto eventual. O próprio João Francisco delimitava o malandro como
“quem acompanhava as serenatas e frequentava os botequins e cabarés e não
corria de briga mesmo quando era contra a polícia. E não entregava o outro. E
respeitava o outro. E cada um usava a sua navalha”.11

11
Paezzo. Op. cit. p. 17.

6
No Rio de Janeiro, onde o desemprego era elevado e a pobreza
disseminada entre as classes mais baixas, o malandro sobrevivia praticando o
jogo, a prostituição, a caftinagem, roubando, compondo sambas ou aplicando
eventualmente algum golpe. Sua imagem sugeria masculinidade e virilidade
(DURST, 2005). Sua arma, a faca, estava sempre pronta para acabar com o
destino de alguém que ofendesse a sua honra, o enganasse no jogo ou traísse
a sua confiança. Porém, em 1928, se meteu em uma confusão, que acabou
resultando na morte do vigilante noturno Alberto. Após o crime, Madame Satã
foi condenada a 16 anos, marcando o fim da sua carreira artística.

Entre 1928 e 1965, Madame Satã passou 27 anos e 8 meses


intercalados presa. O primeiro crime, que também marcou o fim da sua vida
artística e o início da vida marginal do transformista, ocorreu em 1928
(GREEN, 2003). Na época, Satã trabalhava no espetáculo Loucos em
Copacabana, interpretando a Mulata do Balacochê, e ao voltar do trabalho,
decidiu jantar no boteco perto onde morava. No local, encontrou Alberto, um
vigilante noturno, que provocou o artista por diversas vezes o chamando de
"viado".

Após sair da prisão, Madame Satã começou a trabalhar como uma


espécie de vigia em bares e botequins, e em troca, o malandro recebia
dinheiro, refeições e cafés (DURST, 2005). Além de proteger estabelecimentos,
impedia que outros malandros e moleques de rua fossem perseguidos, e zelava
para que meretrizes não fossem vítimas de agressão ou estupro (GREEN,
2003). Mesmo trabalhando como vigia, sua rixa com a polícia não havia
acabado. Depois do assassinato do guarda Alberto, muitas autoridades
prometeram se vingar dele.

No ano de 1938, João Francisco foi persuadido a participar de um


concurso de fantasias no baile de carnaval organizado pelo grupo Caçadores de
Veados no Teatro República. Naquela época, o concurso era muito renomado,
atraindo turistas do Brasil e do mundo, oferecendo oportunidades de trabalho
para as transformistas e concedendo prêmios generosos aos concorrentes.

7
Com inspiração em um morcego do Nordeste do país, precisamente da região
de Glória de Goitá, João Francisco recebeu o prêmio máximo do concurso: um
rádio e um tapete de mesa.

Poucos dias depois, a transformista e seus amigos acabaram sendo


detidos no conhecido Passeio Público, um parque do Rio de Janeiro frequentado
por homossexuais. Durante o registro da ocorrência, o delegado solicitou a
João que revelasse seu apelido, o qual afirmou não possuir e recusou-se a
revelar seu nome verdadeiro. Entretanto, o oficial reconheceu o malandro
como o vencedor do concurso do Teatro República. Fazendo uma conexão entre
a fantasia e o filme "Madam Satan" de Cecil B. de Mille, que havia recente
lançado no Brasil, o delegado decidiu apelidá-la.

Após serem libertos, os amigos de João difundiram a história pela


cidade - no começo, João não apreciava o apelido, mas gradualmente se
conformou. Em pouco tempo, Madame Satã já era uma lenda no Rio de
Janeiro. O apelido se espalhou rapidamente, levando inúmeros transformistas
a tentarem se autodenominar Madame Satã, mas o próprio João era muito
protetor de sua reputação e resguardava o apelido.

Ao sair da prisão, Madame Satã decidiu mudar de rumo, adotando seu


primeiro de seis filhos adotivos, Ivonete, e inaugurou seu próprio negócio: uma
lavanderia (DURST, 2005). Apesar das alterações, continuou a receber
ameaças. Logo em seguida, um homossexual foi assassinado próxima ao
antigo Teatro República, no Rio de Janeiro, e a culpa recaiu sobre João. Satã
era inocente, porém acabou sendo submetido a três dias de tortura para que
confessasse o crime e revelasse o paradeiro de seu cúmplice, além de passar
mais dois dias detido na delegacia da Esplanada do Castelo (GREEN, 2003).

Após o fechamento da lavanderia, Madame Satã abriu um novo negócio


– uma pensão, oferecendo abrigo para as meretrizes e ainda conseguindo
lucrar com isso. Porém, devido ao sucesso do pequeno hostel, a polícia se

8
voltou a atentar novamente para Satã. As autoridades acreditavam que a
pensão, na verdade, seria um prostíbulo, sendo acusado de lenocínio.12

Satã muda-se para São Paulo e acaba sendo detida mais uma vez por
atirar em um policial, passando treze meses na prisão e foi obrigado a assinar
um termo de compromisso, afirmando que não voltaria ao estado nos
próximos dez anos. Aos cinquenta anos, retornou para o Rio de Janeiro e
começou a viver uma rotina mais tranquila, sem as malandragens da Lapa.

Nessa época, abria-se um novo teatro na cidade e Madame Satã decidiu


fazer o teste para participar do primeiro espetáculo, conseguiu e passou a
imitar Carmen Miranda na peça. Ao término da temporada, o espetáculo
decidiu viajar para São Paulo. Como havia sido expulsa da cidade, Satã não
quis acompanhá-los no início, mas mudou de ideia e decidiu se arriscar. Ao
chegar na capital, a peça – que até então estava sendo apresentada apenas no
interior do estado – chamou a atenção da polícia, que mandou buscar o
transformista e despachá-lo para o Rio de Janeiro (GREEN, 2003).

Anos mais tarde, após deixar a prisão pela última vez, a imitação de
Madame Satã da cantora Carmem Miranda virou show na boate Cafona’s. Em
1975, Madame Satã atuou no musical Lampião no Inferno, escrito por Jairo
Lima, e dirigido por Luiz Mendonça, onde interpretou o papel do próprio
Satanás, contracenando com Elba Ramalho (KER, 2018). Luiz Mendonça
convidou Madame Satã para fazer parte da peça, pois acreditava que ele era
“uma personalidade muito próxima de Lampião”, e que fosse “o Lampião
urbano” (GREEN, 2003).

Quando os despreocupados editores de O Pasquim13 entrevistaram


coletivamente Madame Satã, em 1971, catapultando o velho boêmio ao status
de culto da contracultura, ela pareceu ter um enorme prazer em moldar sua
história, afirmando desde cedo suas credenciais de autêntico malandro da

12
Prática criminosa que consiste em explorar, estimular ou facilitar a prostituição.

13
O Pasquim era um tablóide semanal, moldado no formato das publicações estrangeiras
underground voltadas para jovens dos anos 60 e que articulavam as aspirações de uma geração rebelde.

9
Lapa. Aos 71 anos, Madame Satã continuava um tipo interessante, com seus
cabelos brancos e pele escura, num intenso contraste com suas camisas de
seda colorida e suas joias reluzentes. Ela ainda podia contar histórias sobre o
uso de cocaína, os cabarés e os cassinos, que reviviam a Lapa decadente dos
anos 70 na imaginação da juventude e dos intelectuais da boemia carioca.

Green (2003) em sua obra retrata que Madame Satã era uma bicha,
uma travesti, e não tinha problemas para se referir a si mesma dessa forma,
naquela época, uma entrevista em O Pasquim14 era o caminho para a fama,
ainda que não para a fortuna. Madame Satã morreria cinco anos mais tarde,
de câncer no pulmão, famoso, mas sem um tostão.

14
O Pasquim tinha uma história complicada na sua relação com a homossexualidade, o
historiador de O Pasquim José Luiz Braga argumenta que o jornal popularizou a expressão “bicha” de
forma pejorativa no país inteiro.

10
RELAÇÃO DO PERSONAGEM COM A CULTURA E HISTÓRIA
AFRO-BRASILEIRA

Madame Satã nasce 12 anos após a abolição da lei escravocrata,


caracterizada pelo uso do corpo para sobrevivência, Satã se relaciona com
inúmeras histórias de outros corpos pretos, que são vitimas de uma política
colonial racista. João vivenciou as piores violências contra os corpos negros,
pobres e queer, disseminados pela sociedade brasileira.

A época que Satã vivia, havia o uso político da identidade desses povos
marginalizados, com a tentativa de criminalizar a sua existência, que datam
inúmeros casos assustadores de assassinatos que corroboram até hoje, o
funcionamento e a manutenção do projeto colonial arquitetado para aniquilar
essas existências, tendo a violência como a principal ferramenta na tentativa
de extinguir qualquer traço de dissidência social.

Ademais de ser negro, João era uma transformista, desse modo, além
de ser vítima do racismo instituído desde da invasão do Brasil, Satã sofre a
perseguição de sua existência alimentada pela ideologia cristã de família e
moral. Essa caçada segue em curso, tratando de um extermínio que conta com
a participação de agentes sociais importantes, como a família, representantes
de uma soberania instituída pela cisgeneridade heterossexual branca
(Fernanda Dantas VIEIRA, 2015, n.p.).

Essa soberania, em nome da preservação de inúmeros valores


artificialmente construídos, “pode matar em qualquer momento ou de qualquer
maneira”. (MBEMBE, 2019, p. 36). Em nome de uma soberania, ainda que
parcializada, o racismo emerge, presente, na imposição de uma estética única
que toma a branquidade como padrão universal de beleza e de cultura,
produzindo apagamentos e silenciando vozes. (MBEMBE, 2019, p. 37).

Benevides15 (2023) afirma que:


15
BENEVIDES, B. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais
brasileiras em 2022. [s.l: s.n.]. Disponível em:
<https://antrabrasil.files.wordpress.com/2023/01/dossieantra2023.pdf>.

11
“Atualmente, se vê a insistência de negar ou criminalizar a existência de
pessoas trans, as colocando como responsáveis por uma suposta
“desordem moral”, e ao impedir a possibilidade da construção de
políticas públicas que atendam a reais necessidades dessa população, à
violência tem sido usada como o principal mecanismo de controle e
poder sobre esses corpos, colocando pessoas trans como antagônicas
aos direitos de pessoas cisgêneras”.

Travestis, Pessoas não Binarias e trans masculinas pretas tendem ter os


piores índices de violência e violações de direitos humanos quando comparado
a qualquer outro grupo que enfrenta sistemáticas violências vindas do estado.
Nessa perspectiva, Green (2003) faz uma reflexão sobre os corpos das bichas
pretas do século XX:

“Os criminologistas estudaram a homossexualidade e travestlidade no


Rio de Janeiro dos anos 30, um dos subtextos de seus trabalhos ligava a
etnia à transgressão sexual e ao comportamento patológico ou mesmo
assassino. Febrônio Índio do Brasil, um homem de origem africana e
indígena, acusado de molestar sexualmente meninos e depois matá-los,
personificava o suposto “pederasta” (termo comum no período) escuro,
negro e ameaçador, que estuprava crianças. A figura de Febrônio
permanecia como um tipo de bicho-papão, utilizado pelos pais para
disciplinar seus filhos: “Seja bonzinho ou o Febrônio te pega”, advertiam
os adultos às crianças mal comportadas.”

Através disso, entende-se que a figura do negro é sempre retratado nas


ideias estereotípicas sobre os aspectos potencialmente “selvagens” de suas
naturezas, que se percebe nessa reflexão que uma vez até servia para
aterrorizar as crianças (“brancas”) de classe média e alta.

Era uma prática comum para a polícia no Rio e em São Paulo perseguir
os homossexuais, malandros e prostitutas nas áreas do centro e detê-los
durante várias semanas, de modo que pudessem usar seus serviços para
limpar as delegacias de polícia (GREEN, 2003). Madame Satã se recusava a
submeter-se a tamanha humilhação e abuso, ultrajando seus inimigos e a
polícia, rendendo assunto para a imprensa precisamente porque ele não se
conformava ao estereótipo-padrão do homossexual (DURST, 2005). Ainda hoje,
Madame Satã é referência, inspira e incomoda, sua história foi utilizada pela
companhia mineira Grupo dos Dez16 para debater a homoafetividade da
população negra (KER, 2018).

16
Grupo teatral dedicado à pesquisa de linguagem acerca do teatro musical.

12
Oliveira (2023)17 traz a tona que:

O registro mais antigo da presença de uma pessoa trans em espaços


urbanos no Brasil data de 1591 e narra alguns episódios da vida da
travesti negra africana e escravizada Xica Manicongo. Uma história
marcada por violências, mesmo porque, no contexto da colonização, a
condição humana de Xica não era reconhecida, sua condição de
escravizada era o resultado de uma tripla perda: “perda de um “lar”,
perda de direitos sobre seu corpo e perda de status político. Essa perda
tripla equivale à dominação absoluta, alienação ao nascer e morte social
(expulsão da humanidade de modo geral)” (Achille MBEMBE, 2019, p.
27).

Xica, ao desafiar a cisgeneridade heterossexual do regime escravista,


saindo em trajes femininos pelas ruas e ladeiras de Salvador, reivindicava mais
que uma identidade de gênero: reivindicava sua humanidade roubada pelo
colonizador (Fernanda Dantas VIEIRA, 2015, n.p.). Vigiada constantemente,
por duas vezes foi denunciada aos tribunais do Santo Ofício.

A vigilância imposta ao corpo de Xica e o direito de decidir sobre sua


vida são formas de operação da biopolítica discutida por Michel Foucault.
Qualquer relato histórico do surgimento do terror moderno, o mesmo que
opera cotidianamente sobre a vida de travestis e mulheres transexuais,
especialmente negras, precisa tratar da escravização, “que pode ser
considerada uma das primeiras instâncias da experimentação biopolítica”.
(MBEMBE, 2019, p. 27).

Mbembe18 (2019, p. 30-31), faz uma indagação:

O racismo, somado à transfobia, potencializa a ação da biopolítica,


colocando sob suspeita, na sociedade atual, a humanidade das pessoas
trans, assim, suas “relações entre vida e morte, a política de crueldade e
os símbolos do abuso” , constitutivos do regime escravista, são
atualizados e instaura uma nova forma de terror. “A raça é, mais uma
vez, crucial para esse encadeamento”. Aos olhos daqueles que se
identificam com o conquistador, a vida de uma travesti e/ou mulher
trans negra “é apenas outra forma de vida animal, uma experiência
assustadora, algo alienígena além da imaginação ou compreensão,
(MBEMBE, 2019, p. 35), que pode e que deve ser eliminada.

17
Megg Rayara Gomes de Oliveira é Travesti preta, Mestra e Doutora em Educação pela
Universidade Federal do Paraná; professora adjunta no Setor de Educação na Universidade Federal do
Paraná; Pesquisa e orienta pesquisas em relações étnico-raciais, gênero e diversidade sexual.
18
MBEMBE, Achille. Necropolítica – biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte.
São Paulo: N- 1 Edições, 2019.

13
JUSTIFICATIVA
Por que nomear o auditório com um nome de uma
transformista?

Desde muito cedo, a sociedade naturaliza os processos de exclusão


contra pessoas trans e nos ensinam a ter medo das travestis, e que não
devemos transitar pelas ruas onde trabalham ou evitar ambientes em que elas
estejam (BENEVIDES, 2019). O argumento é o de que elas representam um
alto risco as "pessoas de bem". Sua existência, marginal e marginalizada,
desperta ódio e desejo daqueles que se curvam diante da subversão que estes
corpos representam. Em uma pesquisa rápida no Google, 9 em cada 10
notícias utilizando o termo travesti apresentam notícias sobre crimes e as
exposições sempre se transformam em entretenimento sensacionalista com a
intenção de manter o arquétipo criado sobre nós (Atlas da Violência 2019).

A realidade é que pessoas trans não tem tido a atenção ou a proteção


adequada e tampouco se sentem seguras em existir e viver em uma sociedade
cissexista, que desumaniza essas existências, incluindo os crueldade
(NOGUEIRA, 2019). Onde o próprio Estado, governos e agentes público têm
sido parte do problema sob diversas óticas. Se faz urgente traçar estratégias
de fortalecimento das instituições de luta pelos direitos das pessoas
LGBTQIA+, pela garantia da sobrevivência de nossa comunidade em governos
patriarcais, machistas e contrário aos direitos das mulheres e das pessoas
LGBTQIA+ (BENEVIDES, 2019).

Benevides (2019) afirma que, muitas escolas não têm garantido o


direito ao uso do nome social e/ ou o respeito a identidade de gênero dessas
pessoas, alargando os motivos que propiciam à exclusão do ambiente escolar,
interrompendo o direito à Educação de uma parcela considerável da população.
Não existem centros especializados em saúde integral de crianças e
adolescentes trans, políticas públicas para crianças a adolescentes excluem
sistematicamente a juventude trans (CARRARA, 2004)19. Recentemente, temos
19
CARRARA, Sérgio; RAMOS; Silvia. Política, direitos, violência e homossexualidade: Pesquisa 9ª
Parada do Orgulho GLBT - Rio 2004. Rio de Janeiro: CEPECS, 2005. Disponível em:
<http://www.clam.org.br/pdf/paradario2004.pdf>. Acesso em 2 out. 2023.

14
observado uma intensa mobilização entre diversos grupos que, sob pretexto de
proteção da infância (cisgênera), violam direitos e deixam as crianças e
adolescentes trans desprotegidas (BENEVIDES, 2019).

Junqueira20 (2009) afirmou que

“O quadro mais evidente de exclusão no universo escolar refere-se às


experiências vividas por pessoas trans desencadeadas pelo alto índice
de humilhação, segregação e opressão às quais essas pessoas são
expostas. As formas de preservação da identidade física é uma questão
que incide de forma significativa nesse processo. Isso faz que
adolescentes e jovens estudantes queer são levados/as muitas vezes a
desenvolverem rendimentos escolares acima da média com o intuito de
amenizarem os processos de exclusão e violência pelos quais são
amiúde expostos/as no cotidiano escolar expressados nos processos de
intimidação, assédio, falta de acolhimento e desqualificações variadas”.

Travestis, mulheres trans e pessoas transformistas que vivenciam a


transgeneridade, constituem um grupo com mais alta vulnerabilidade à morte
violenta e prematura no Brasil. Tal situação decorre do discurso de ódio, que
incentiva a aniquilação de suas existências. É importante destacar que a
maioria dos assassinatos ocorre contra essas pessoas, e muitas vezes, ocorrem
durante o dia e em locais públicos. Dentro da comunidade LGBTQIA+, as
travestis e mulheres trans, especialmente as negras e periféricas, são as mais
marginalizadas e enfrentam os piores estigmas sociais. Elas também são a
parcela com maior taxa de desemprego e maior índice de abandono familiar.

No dossiê da ANTRA21 (2021) destaca-se um trecho

“A violência transfóbica, o discurso de ódio e uma ideologia antitrans


têm crescido e ganhado muita força nas redes sociais desde 2014,
fez-se mais presente em 2020 e em 2021, diante da crise política,
econômica e humanitária. Dentre eles, diversos ataques organizados
pela aliança entre grupos historicamente LGBTIfóbicos, políticos de
extrema-direita, grupos neonazistas que ganharam força desde a eleição
do antigo governo, líderes religiosos fundamentalistas e do feminismo
radical trans excludente 95 têm se mobilizado em torno de construir,
fortalecer e disseminar narrativas antitrans que incitam o ódio, o medo e
a desumanização de travestis e demais pessoas trans”.

20
JUNQUEIRA, Rogério Diniz. "Educação e homofobia: o reconhecimento da diversidade sexual
para além do multiculturalismo". In: ______. Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a
homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2009a. p. 367-444.

21
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais é uma instituição brasileira voltada a suprir as
necessidades da população de travestis e transexuais, assim como combater a transfobia.

15
Diante da grave situação causada pela conjunção do racismo com a
transfobia, a situação das pessoas trans negras acaba sendo ainda mais
agravada em relação às violações às quais estão submetidas. Principalmente
porque, em nossa perspectiva, não é possível analisar como essas opressões
afetam de forma isolada os corpos trans. Ser transexual significa enfrentar
todos os estigmas possíveis em um país considerado como o da diversidade,
do acolhimento, mas que não possui políticas efetivas para sua população.
Imagine ser uma negra e ainda trans? É saber que eu preciso lutar duplamente
para conseguir políticas efetivas (Paulett Furacão, Salvador, 2018).

Sendo assim, a sociedade precisa repensar a ideia de gênero com base


apenas nas experiências de pessoas cisgêneras, para podermos ser
verdadeiramente inclusivos. Ninguém deveria ser prejudicado por esses
rótulos, suas tecnologias e exclusões. A igualdade de gênero, ao incluir
pessoas transgêneras, não é uma tentativa de eliminar a noção binária. O
objetivo não é eliminar o masculino e o feminino, mas sim ampliar essa
concepção para incluir outras identidades que vão além dessas categorias.

Nesse sentido, a fim de validar o esforço em viabilizar os corpos, as


identidades e subjetividades de travestis e transexuais, pessoas
transmasculinas e não binárias, avançando com a luta antirracista no Brasil.
Deve-se problematizar discursos acerca do genocídio da juventude negra no
Brasil que apenas discorrem sobre o gênero masculino, deixando de
aprofundar a análise e levar em conta a orientação sexual e/ou identidade de
gênero (BENEVIDES, 2019). Acredita-se que as múltiplas violências que
atingem a população negra não são motivadas única e exclusivamente pelo
racismo, deve-se considerar outros fatores determinantes na escolha das
vítimas e na forma com que os crimes são ocorridos.

Pesquisas mostram que travestis, mulheres transexuais, homens trans,


pessoas transmasculinas e não binárias negras/os/es determinam a
potencialidade da construção de uma frente antirracista (OLIVEIRA, 2018).
Desse modo, percebe-se a que em discutir o racismo, implica-se que uma

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forma de operação diferente, pois envolve questões de gênero, identidade de
gênero e orientação sexual, dentre outros, da mesma maneira que discutir
políticas de enfrentamento da transfobia exige pautar questões de etnias.

Ao batizar o auditório com um nome de uma transformista, contribuirá


para que a sociedade entenda a importância de conhecer e documentar a
história de mulheres trans e travestis. Percebe-se a importância de uma
representação no ambiente escolar, visto que são elas o alvo do maior índice
da exclusão do ambiente escolar, vítimas de ataques preconceituosos e de
invisibilidade social. Vê-se a necessidade de aprender a construção histórica e
social dessas identidades, que são sujeitas de implementação de possíveis
novas pedagogias. A trajetória e a luta das mulheres trans e travestis no
Brasil está muito ligada ao movimento antirracista, sendo impossível separar
as coisas.

“A Transfobia é um vício Branco. Precisamos retirá-la de nossos espaços."

— Erica Malunguinho

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REFERÊNCIAS

BENEVIDES, B. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais


brasileiras em 2022. [s.l: s.n.]. Disponível em:
<https://antrabrasil.files.wordpress.com/2023/01/dossieantra2023.pdf>.

BENEVIDES, B.; NOGUEIRA, S. B. DOSSIÊ: ASSASSINATOS E VIOLÊNCIA


CONTRA TRAVESTIS E TRANSEXUAIS BRASILEIRAS EM 2019. [s.l: s.n.].
Disponível em: <https://static.poder360.com.br/2020/01/levantamento-antra.pdf>.
Acesso em: 8 out. 2023.

FRANCO, N.; CICILLINI, G. A.. Professoras trans brasileiras em seu processo de


escolarização. Revista Estudos Feministas, v. 23, n. 2, p. 325–346, maio 2015.

GREEN, J. N. O Pasquim e Madame Satã, a “rainha” negra da boemia brasileira. Topoi


(Rio de Janeiro), v. 4, n. 7, p. 201–221, dez. 2003.

KER, J. Madame Satã, Presente! Disponível em:


<https://revistahibrida.com.br/revista/edicao-3/inspiracao-madame-sata-a-bicha-pret
a-mais-temida-do-brasil/>. Acesso em: 8 out. 2023.

PASSOS, M. C. Pedagogias das travestilidades. [s.l.] Civilização Brasileira, 2022.

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