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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
LITERATURA BRASILEIRA III
PROF.ª: DR.ª WILMA MARTINS DE MENDONÇA

Comentário
O cortiço

Emília Querino Celestino


Matrícula: 11400061

JOÃO PESSOA
2017
1. O DETERMINISMO SOCIAL

O cortiço, de Aluísio Azevedo, traz uma narrativa que reflete o Brasil de seu
tempo, final do século XIX. Trata-se de um romance de tese, construído sob a visão
cientificista do Naturalismo. Para os naturalistas, assim como os outros seres biológicos
observados em laboratório, nós respondemos aos estímulos do ambiente. Assim, o
cortiço, lugar que assume o papel de protagonista da história, determina o
comportamento de seus moradores. Esse determinismo social é evidenciado em toda
obra.

O determinismo social pregado pelos naturalistas defende que o homem é


produto do seu meio, raça e época, rumo à degradação. Ao contrário dos românticos que
idealizavam o homem e a natureza, os naturalistas pensavam o homem segundo a sua
hereditariedade e lugar social. Eram trazidas para o texto literário as mazelas da
sociedade, os tabus e a imoralidade. Para mostrar isso, Aluísio Azevedo escolhe
personagens que sirvam de representações da sociedade brasileira. Entre as personagens
mais recorrentes e seus tipos sociais temos: João Romão, o capitalista explorador que
visa apenas o lucro e a acumulação; Bertoleza, a escrava; Miranda, o comerciante
aristocrata; Jerônimo, o homem europeu; Piedade, a mulher européia e Rita baiana, a
mulata brasileira.

João Romão traduz o capitalismo selvagem, a busca pela acumulação do capital.


O desejo de lucro não permite que o proprietário do cortiço usufrua de seu dinheiro. Já
Bertoleza é determinada por sua raça que, mesmo depois da suposta alforria, continua
sendo escrava. Em uma das passagens do romance Bertoleza revela seu orgulho por se
relacionar com alguém de raça “superior” a dela.

Miranda representa a nobreza, o homem que busca o poder a qualquer custo.


Esse respeito, na verdade, é conquistado através da hipocrisia, de um matrimônio
mantido por seu interesse nas posses da mulher. Pelo dinheiro, Miranda submete-se às
traições da esposa.

O português Jerônimo, ao se instalar no cortiço e se apaixonar pela mulata Rita


Baiana, sofre uma aculturação, abrasileirando-se conforme os costumes locais. O
cavouqueiro muda seu gosto musical, passa a consumir café e cachaça e a reclamar da
esposa que não tomava banho com a frequência brasileira. O comportamento europeu
de Jerônimo é alterado pela sua nova realidade social.

A lavadeira Rita Baiana traduz o estereótipo da mulata brasileira, sedutora,


voluptuosa, associada ao desejo dos homens. Em contraste com Piedade, essa mulher
européia dedicada à família, Rita Baiana é de relacionamentos instáveis, independente e
despreocupada. A paixão que Jerônimo desenvolve pela mulata é estreitamente carnal.
O desejo levou esse homem disciplinado a matar e a abandonar sua família. Como
resultado, o desprezo do marido leva Piedade ao alcoolismo. Há ainda a virgem
Pombinha, descrita com grande pureza, mas que seu destino culmina na prostituição. É
um quadro de total degradação moral das personagens.

Ao mostrar perfeitamente o homem na coletividade e sua formação a partir dela,


O cortiço tornou-se a grande obra do naturalismo brasileiro. Compreender se os
indivíduos estão mesmos condenados a serem bons ou maus é uma discussão que
perdura até hoje sem consenso. Alguns garantem, por exemplo, que um menino pobre e
negro de uma periferia não está fadado a ser um criminoso. Outros pensam ser essa a
rara exceção de inúmeros garotos que são condicionados a esse fim, em outra palavras,
determinados socialmente a reproduzirem as mesmas práticas de onde vivem. Sobretudo
nesse aspecto, O cortiço é uma obra que ainda reflete bastante o Brasil.

2. RITA BAIANA: A REPRESENTAÇÃO DA MULATA

O Naturalismo surge provocando uma grande mudança no modo de representar a


figura feminina na literatura. Se antes o Romantismo descrevia uma mulher idealizada,
com o advento do Naturalismo sua caracterização torna-se baseada na realidade com
todas as suas imperfeições. O cortiço apresenta várias personagens femininas que
distorcem a imagem romântica sobretudo pelos desvios morais. Na obra está presente a
mulher sensual, adúltera e homossexual. Rita Baiana ganha destaque entre essas
personagens com a representação da mulata brasileira, cujo estereótipo é marcado pelo
discurso da mulher atraente e sexualmente disponível.

Rita Baiana é a mulher cujas formas seduzem através da dança e da provocação.


No cortiço ela é atração, espetáculo e desejo dos homens. Sua reação frente ao
tratamento masculino é sempre conivente. É satisfeita em ser desejada, feliz em ser
solteira e independente: “Casar? Protestou a Rita. Nessa não cai a filha de meu pai !
Casar? Livra! Pra quê? Para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o diabo; pensa
logo que a gente é escrava! Nada! Qual! Deus te livre! Não há como viver cada um
senhor e dono do que é seu!” Nessa fala de Rita Baiana podemos perceber seu ideal de
liberdade, mas desse mesmo pensamento surge a visão de mulata como a mulher que
“não é para casar” e somente para o prazer sexual. É interessante notar que Bertoleza é
caracterizada como negra, ao passo que Rita é a mulata. Esse fato traduz um paralelo
entre a mulher que é escravizada, feia e submissa e que portanto é negra, e aquela
mulher que é atraente e livre e que por isso é a mulata.

Solidária, alegre, bela e, como diz o autor, de “movimentos de cobra


amaldiçoada”, são características da Rita Baiana que servem de encantamento para
corromper o português Jerônimo. A união estabelecida pelos dois não é legalizada e
nem passa pela a aliança religiosa. É a lavadeira quem assim prefere por enxergar no
matrimônio uma prisão. Ela não é a mulher exemplar da época, antes provoca a
desordem moral que tanto enfatiza o Naturalismo.

Diante disso, a representação da mulata brasileira em O cortiço aparece como


um tipo social estereotipado, mas que não pode deixar de ser entendido como a visão de
uma época e um discurso retomado na contemporaneidade. Essa personagem mostra-se
determinada não só pelo seu espaço, mas também por sua raça. De fato, uma
contribuição enriquecedora para o romance.

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