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Prof.

André de Freitas Barbosa Análise Literária

Machado de Assis
(1839-1908)
QUINCAS BORBA
(1891)
Considerações gerais – QUINCAS BORBA (1891)
É o mais objetivo dos romances machadianos e
pode ser lido como um desdobramento de Memórias
Póstumas de Brás Cubas (1881). Embora não tenha
todas as inovações formais deste, apresenta também
digressão, ironia e metalinguagem.
O principal ponto de contato é o fato de Quincas
Borba ser personagem de Memórias Póstumas de Brás
Cubas: antigo colega de escola do “autor-defunto”, o
excêntrico Quincas Borba tinha decaído da condição
de homem rico para mendigo, quando Brás o
reencontra por acaso; depois, ao receber uma herança,
Borba enriqueceu novamente e criou uma doutrina
filosófica, o Humanitismo.
O Humanitismo – “Ao vencedor, as batatas”
Trata-se de uma paródia às correntes científicas e
filosóficas do século XIX, pelas quais os estudiosos
pareciam ter explicações para tudo. No Humanitismo
predominam o pessimismo e o absurdo. O homem aparece
como um ser caracterizado por falsidade, fraqueza e
instabilidade; na luta pela sobrevivência, quem sempre
vence é simplesmente o mais forte.
A humanidade buscaria somente prazeres fáceis e
instantâneos, embora com uma fisionomia de falsa
seriedade. No fim, as glórias se mostrariam ilusórias.
No romance Quincas Borba, Machado de Assis
retrata o ambiente pequeno-burguês da Corte Imperial,
onde o importante eram somente as aparências e os
títulos honoríficos.
O narrador: principal elemento da narrativa
Em Quincas Borba, o narrador não é personagem;
embora narre predominantemente em 3ª pessoa, ele, às
vezes, assume o discurso de um “eu” (1ª pessoa):
“Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler (...)”.
É um narrador onisciente, que interfere na história e
faz comentários, dirigindo-se frequentemente ao leitor.

Espaço e tempo
A ação se passa no Rio de Janeiro do 2º Reinado,
havendo um recuo até Barbacena (MG), onde se passam os
fatos que dão origem ao romance. Na Corte é retratada a
vida de um grupo de burgueses hipócritas e ambiciosos.
A narrativa termina, novamente, em Barbacena, onde o
protagonista, Rubião, já louco, encerra o círculo da vida.
Personagens e enredo
Após a morte do filósofo Quincas Borba (narrada em
Memórias Póstumas de Brás Cubas), sua fortuna é herdada
pelo amigo Pedro Rubião de Alvarenga, um modesto
professor de crianças em Barbacena, cidade onde residia o
falecido. O dinheiro vem acompanhado do compromisso de
cuidar do cão do filósofo, também chamado Quincas Borba.
Subitamente rico, Rubião se muda para a capital do
Império e, já na viagem, conhece o jovem casal Sofia e
Cristiano Palha, que o introduz em seu círculo social. Logo
nasce o interesse afetivo de Rubião pela atraente Sofia.
Acreditando-se correspondido, o desajeitado milionário se
declara a ela durante um baile. Mais tarde, ao comentar
com o marido a ousadia do amigo, a mulher é encorajada a
alimentar aquele sentimento, para que eles possam
continuar a explorar o iludido ricaço.
Frustrada sua investida amorosa, Rubião decide deixar
o Rio de Janeiro. Cristiano insiste com ele para que fique;
acompanha-o nessa tentativa o Dr. Camacho, político
oportunista que também tira vantagem do amigo ingênuo.
Convencido, o ex-professor decide permanecer.
Rubião e Cristiano se tornam sócios em uma
importadora, Palha & Cia. Com o tempo, Cristiano passa
a administrar a fortuna do outro, que continua a
frequentar a residência do casal (do bairro de Santa Teresa
eles se mudam para a praia do Flamengo e de lá vão morar
num palacete em Botafogo). Rubião passa a sentir ciúmes
de Sofia, devido aos gracejos de um jovem, Carlos Maria.
Em desespero, chega a gritar com Sofia, insinuando
adultério. Ela, porém, comprova sua inocência,
confirmada com o casamento de Carlos Maria com Maria
Benedita, uma prima da própria Sofia.
Já estabelecido e independente, Cristiano rompe a
sociedade com Rubião, que, a essa altura, já estava
financeiramente arruinado. Sofia também se afasta do
amigo, recusando seus convites para passeios.
Inconformado, Rubião ainda a visita, mas é rejeitado;
humilhado, declara-se a ela outra vez, acrescentando
ser o imperador francês, Napoleão III, e ela, sua
amante. Fica evidente a demência de Rubião.
Por insistência de conhecidos, o casal Palha se
responsabiliza pelo doente, transferindo-o para uma
casa mais humilde e, depois, para um hospício, de
onde ele foge para Barbacena, acompanhado do cão
Quincas Borba. Em sua antiga cidade, ninguém o
recebe e, no dia seguinte, Rubião morre, ainda
acreditando ser o imperador francês...
PERSONAGENS E SEUS ATRIBUTOS
QUINCAS BORBA – Quem é o “Quincas Borba” do título?
Embora qualquer definição seja irrelevante, deve-se notar a
elevação do animal à categoria de personagem, como
projeção do filósofo morto. Ocorre, então, um processo
chamado metempsicose (“passagem da alma”);

RUBIÃO – O professor provinciano é ingênuo, obsessivo e


influenciável. Sua megalomania (que o levará à loucura) se
desenvolve sutilmente ao longo da narrativa, aumentando à
medida que o dinheiro desaparece. No fim, ele se imagina o
imperador francês Napoleão III;

SOFIA – Mulher ambígua, é um típico perfil feminino


machadiano. Em linhas gerais, é vaidosa e dissimulada,
fazendo lembrar a ambivalência de Capitu, famosa
personagem do romance Dom Casmurro (1899);
CRISTIANO PALHA – Egocêntrico e bajulador, é o
arquétipo do parasita social. Manipula o poder sedutor
da própria esposa para obter prestígio na Corte. Ao
lado de Sofia, o negociante segue a máxima segundo a
qual “Humanitas precisa comer”.
Vitorioso numa sociedade corrompida, o casal
explora a fortuna de Rubião: “Ao vencedor, as
batatas”. O ingênuo ex-professor, por sua vez, é o
grande derrotado: nada em sua vida foi obtido com
planejamento, mas por acaso; logo, ele perde tudo tão
repentinamente como quando ganhara. Sua loucura
gradativa confirmou o destino de quem se deixou
levar pelas aparências: Rubião morreu sem saber
quem era, pois acreditava ser Napoleão III...
DEMAIS PERSONAGENS
Na composição dos tipos humanos da Corte
Imperial – todos bajuladores ou arrogantes – há
destaque para o fútil galanteador Carlos Maria,
que desposa a submissa Maria Benedita
(intimamente desprezada pelo marido) somente
para ser adorado por ela.
Há outros arquétipos, como o parasita que
vive para desfrutar de bons charutos e jantares
(Freitas), o político demagogo e interesseiro (Dr.
Camacho), a solteirona invejosa e frustrada (D.
Tonica, filha do falastrão Major Siqueira) e a boa
senhora da alta sociedade, que gosta de ostentar
ares de nobreza (D. Fernanda).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trama de Quincas Borba gira em torno das
relações sociais: a falsa amizade do casal Palha só é
real para a ingenuidade do protagonista. Mas Rubião
não é uma simples caricatura do “caipira” enganado
na cidade grande: sua relação com o filósofo Quincas
Borba também era interesseira (desde a época em que
a irmã do professor, Piedade, quase havia casado com
Borba – Rubião já lhe desejava a fortuna).
A crítica machadiana se dirige a uma sociedade
parasitária, dissimulada sob as máscaras de
duvidosas transações financeiras e falsos elogios; uma
sociedade na qual o jogo de aparências exerce a ação
mais poderosa e irresistível.
Prof. André de Freitas Barbosa Análise Literária

Aluísio Azevedo
(1857-1913)
O CORTIÇO
(1890)
Dados estruturais
Narrador - 3ª pessoa onisciente (com relativo
afastamento em relação aos fatos narrados);
Tempo - Fim do século XIX, ainda na vigência
da escravidão;
Espaço - Os episódios ocorrem no bairro de
Botafogo, capital do Império, no precário
meio urbano carioca.
Os 23 capítulos são lineares e apresentam dois
conjuntos sociais:
Conjunto 1 (o cortiço) – define-se por sua composição
animalesca. Seus elementos se ligam à natureza e ao instinto;
Conjunto 2 (o sobrado) – define-se pela presença de outros
interesses (como a manutenção de aparências sociais).
ZOOMORFIZAÇÃO NATURALISTA
As personagens são impessoais e primitivas,
quase brutais. Assim, a lavadeira Leandra tem “ancas
de animal do campo”; Neném é uma “enguia”;
Botelho tem “expressão de abutre”... João Romão e
Bertoleza trabalham como uma “junta de bois”; o
cortiço exala um “fartum de besta no coito”...

Albino: “Fechava a fila das primeiras


lavadeiras o Albino, um sujeito afeminado,
fraco, cor de aspargo cozido e com um
cabelinho castanho, deslavado e pobre (...).”
(cap. III)
CRÍTICA AO CAPITALISMO
O tema fundamental do livro é a exploração do
homem pelo homem. De um lado, João Romão aspira
à riqueza e Miranda, já rico, à nobreza. Do outro, os
trabalhadores do cortiço movem-se pelo instinto:
“E naquela terra encharcada e fumegante,
naquela umidade quente e lodosa, começou a
minhocar, a fervilhar, a crescer um mundo, uma
coisa viva, uma geração que parecia brotar
espontânea, ali mesmo, daquele lameiro e
multiplicar-se como larvas no esterco.”
A narrativa destaca, ainda, a falência da
sociedade patriarcal e a ascensão dos comerciantes.
A EMBRIAGUEZ DO SEXO
O sexo é uma força mais intensa e degradante que a
ambição. O narrador explora inúmeras variedades ou
patologias sexuais, incluindo a prostituição e o
lesbianismo. Observe a descrição de Rita Baiana e o
fascínio exercido sobre o português Jerônimo:
“Naquela mulata estava o grande mistério, a
síntese das impressões que ele recebeu chegando
aqui. Ela era a luz ardente do meio-dia (...); era a
cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, e
muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo
em torno do corpo dele (...), picando-lhe as artérias
(...).”
(cap. VII)
FUNÇÕES DA MULHER
A mulher é descrita como simples fêmea, acasalando-se,
em geral, por motivações físicas. Reconhecemos na
narrativa três categorias ou funções da mulher:
a. Mulher sujeito-objeto: aceita as regras do sistema
social, mas impõe certas condições em benefício próprio
(Estela, por exemplo, manipula o marido, Miranda);
b. Mulher-objeto: exemplifica-se em Bertoleza, que se
associa a Romão na criação do cortiço. Outro exemplo é a
jovem Zulmira;
c. Mulher-sujeito: de modo semelhante ao de Romão,
impõe-se dentro dos padrões possíveis (Léonie e Pombinha
desprezam a dependência ao macho e exercem poder,
utilizando o sexo como instrumento de ascensão).
LÉONIE e POMBINHA: o sexo como mecanismo
de ascensão social
Como mulher de cortiço que “evoluiu” para a
prostituição de elite, Léonie circula tranquilamente
entre um meio e outro. Sua vida repete-se em
Pombinha, que assume a imagem determinista da
“presa” devorada pela “leoa” mediante a iniciação
sexual.
O modelo se repete com a filha de Jerônimo e
Piedade (Senhorinha), atraída por Pombinha: “a
cadeia continuava e continuaria interminavelmente;
o cortiço estava preparando uma nova prostituta
naquela pobre menina desamparada (...).” (cap. XXII).
RELAÇÃO DE TROCAS E OPOSIÇÕES
I. OPOSIÇÕES PESSOAIS
a. João Romão x Miranda: conflito entre o dinheiro e a
nobreza, gerador de inveja e admiração mútuas;
b. Jerônimo x Firmo: luta de identidades (muito intensa
no século XIX) entre portugueses e brasileiros;
c. Rita Baiana x Piedade: revisão dos conflitos Brasil x
Portugal e mulatos x brancos;

II. OPOSIÇÃO ESPACIAL


Verticalidade x Horizontalidade: o imponente e vertical
sobrado de Miranda se opõe ao rastejar progressivo do
cortiço São Romão; o muro entre eles simboliza a
separação entre “cultura” e “primitivismo”.
UM DESFECHO CARICATURAL
Delatada pelo velho Botelho (que auxiliava João Romão),
Bertoleza protagoniza a cena final do romance (cap. XXIII):
“A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de
peixe, (...) olhou aterrada para eles (...).
Os policiais (...) desembainharam os sabres.
Bertoleza, então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia,
recuou de um salto, e antes que alguém conseguisse
alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o
ventre de lado a lado.
E depois emborcou para a frente, rugindo e
esfocinhando moribunda numa lameira de sangue.
João Romão fugira até o canto mais escuro do
armazém (...). Nesse momento parava à porta da rua uma
carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que vinha
(...) trazer-lhe (...) o diploma de sócio benemérito.
Ele mandou que os conduzissem para a sala de
visitas.”

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