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“QUINCAS BORBA” – MACHADO DE ASSIS

ANÁLISE DE ELLEN SEDLMAYER


15/08/2023
15/08/2023
MACHADO DE ASSIS

 Machado de Assis (1839-1908) foi um escritor brasileiro, um dos nomes mais importantes da literatura
brasileira do século XIX. Destacou-se principalmente no romance e no conto, embora tenha escrito crônicas,
poesias, crítica literária e peças de teatro.
 Machado de Assis escreveu nove romances. Os primeiros – Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá
Garcia -, apresentam alguns traços românticos na caracterização dos personagens.
 A partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas, teve início sua fase propriamente realista quando revelou seu
incrível talento na análise do comportamento humano, descobrindo, por trás dos atos bons e honestos, a
vaidade, o egoísmo e a hipocrisia.

15/08/2023
15/08/2023
O ROMANCE QUINCAS BORBA

 Quincas Borba foi publicado em 1891, entre o lançamento de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881,
e Dom Casmurro , de 1899, trilogia que inovou a literatura brasileira, introduzindo o Realismo. “Nesse
romance, Machado de Assis mostra pleno domínio da escrita. Constrói situações e personagens
inesquecíveis, como Sofia e Rubião, transitando pelo trágico e pelo cômico com toda a maestria”,
comenta Hélio de Seixas Guimarães, professor de Literatura Brasileira do Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “É um dos
pontos altos do romance brasileiro, escrito com sensibilidade, inteligência e talento raro em qualquer
tempo e lugar.”

15/08/2023
REALISMO E NATURALISMO

 O Realismo no Brasil teve início no ano de 1881, quando Machado de Assis (1839-1908), que, até então, era um
escritor romântico, publicou a obra realista Memórias póstumas de Brás Cubas. Dessa forma, o autor mostrava o seu
desencanto com a estética romântica e o conservadorismo que ela representava.
 Após a publicação desse romance, o escritor também publicou duas outras grandes obras realistas: Quincas
Borba e Dom Casmurro. Nelas o narrador empreende uma análise crítica da sociedade carioca e, sem idealizações
românticas, faz um retrato fiel e irônico da corrupta e hipócrita burguesia do século XIX no Brasil.

15/08/2023
 Na segunda metade do século XIX, a economia brasileira passava por grandes dificuldades. Com a proibição do
tráfico de escravos em 1850, o país precisava buscar outro tipo de mão de obra. No entanto, os conservadores
fazendeiros resistiam ao fim da escravidão, que só aconteceria em 1888.
 Além disso, com os gastos da Guerra do Paraguai, que durou seis anos, isto é, de 1864 a 1870, o país ficou ainda
mais endividado. Nesse contexto, o movimento republicano ganhou força, já que a monarquia representava um país
conservador, no qual os fazendeiros escravocratas eram os maiores beneficiados.
 Nas artes, como reflexo dessa situação, o Romantismo, que floresceu em meio ao conservadorismo monárquico,
entrou em decadência. Desse modo, a estética realista assumiu o protagonismo, pois contrariava a idealização
romântica para mostrar a realidade brasileira, de forma crítica e objetiva.
 O Realismo surgiu como forma de oposição ao Romantismo. Desse modo, esse antirromantismo levou os autores
realistas a rejeitarem a subjetividade e o sentimentalismo, recorrendo também a uma linguagem mais objetiva e
analítica. Portanto, eles abandonaram o teocentrismo e privilegiaram o antropocentrismo, isto é, valorizaram a
razão.

15/08/2023
CONTEXTO

 No Brasil, o Realismo também é caracterizado pela ironia, principalmente em relação aos costumes da burguesia,
classe social celebrada pelos românticos, mas atacada pelos realistas. Dessa forma, o narrador realista faz crítica
sociopolítica, centrada nos acontecimentos contemporâneos, e análise psicológica dos personagens.
 Os protagonistas, integrantes da elite burguesa, são descritos sem qualquer idealização. Comumente são retratados
como opressores, corruptos e hipócritas. Assim, o casamento, instituição burguesa, é colocado em questão quando o
narrador expõe o adultério feminino.

15/08/2023
CARACTERÍSTICAS DO REALISMO

 - ironia;

 - antirromantismo;

 - linguagem objetiva;

 - antropocentrismo;

 - crítica sociopolítica;

 - ataque à burguesia;

 - análise psicológica;

 - ausência de idealizações;

 - temática do adultério.

15/08/2023
O QUE O REALISMO E O NATURALISMO TÊM EM COMUM?

• contrários ao Romantismo, negam a fuga da realidade;


• resgate do objetivismo com descrições detalhadas;
• sugerem a representação fiel da realidade;
• apontam falhas e propõem mudanças de comportamentos humanos e das instituições;
• substituem os heróis românticos por pessoas limitadas e comuns.

15/08/2023
QUAIS AS DIFERENÇAS ENTRE O REALISMO E O NATURALISMO?

Realismo
Linguagem direta;
Uso de adjetivos realistas. Heróis são mostrados como pessoas comuns, com defeitos, incertezas e manias;
Personagens com elaboração psicológica trabalhada;
Demonstração dos defeitos e detalhes da mulher.
Materialismo;
Universalismo;
Cientificismo.
Descrições de ambientes e personagens;
Narrativa lenta.

Naturalismo
Linguagem simples e com cientificismo;
Uso de regionalismos.
Ser humano é mostrado como animal; (zoomorfizado)
Personagens patológicas;
Impessoalidade.
Objetivismo científico;
Determinismo.
Demonstração de detalhes;
Harmonia e clareza na composição.
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“QUINCAS BORBA”

 Quincas Borba foi primeiramente publicado no periódico A estação, entre 1886 e 1891, e a ação da narrativa se passa
entre 1867 e 1871. A versão final em livro foi publicada em 1891, e operou um corte de muitas passagens que tornariam
claras ou explícitas as intenções dos personagens e das suas ações, transformando a versão final em um texto mais
ambíguo e aberto a muitas possibilidades interpretativas. Na sua fase madura, Machado decididamente optou pela
sutileza e pela sugestão, em vez da explicitação naturalista. O título do romance pode levar o leitor a supor que o
conteúdo seja uma narrativa sobre o personagem Quincas Borba, quando, na verdade, o foco estará em Rubião. O nome
Quincas Borba refere-se tanto ao cachorro herdado por Rubião, como parte do espólio do “filósofo” Quincas Borba,
quanto ao próprio personagem de um romance anterior de Machado. No tempo de Machado de Assis não era novidade a
presença de um personagem que já tivesse aparecido em romance anterior. Balzac já havia adotado o procedimento em
sua Comédie Humaine, e Machado foi leitor de Balzac . Assim, o narrador torna claro ao leitor a referência ao
personagem Quincas Borba, que já tinha aparecido em Memórias póstumas de Brás Cubas:

15/08/2023
15/08/2023
 “Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias Póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago
da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora em
Barbacena. Logo que chegou, enamorou-se de uma viúva, senhora de condição mediana e parcos meios de vida; mas, tão
acanhada, que os suspiros do namorado ficavam sem eco. Chamava-se Maria da Piedade. Um irmão dela, que é o
presente Rubião, fez todo o possível para casá-los.” (Cap. IV). A partir da segunda edição do livro (1896), o próprio
Machado de Assis escreve prólogos que reiteram a recorrência. No prólogo à segunda edição, ele não só afirma a ligação
com o romance anterior, como faz uma avaliação sobre esta: “Já na primeira edição se disse (capítulo IV) que o título do
livro é o nome de um personagem que aparece nas Memórias póstumas de Brás Cubas. Se lestes os dois livros, sabeis
que é o único vínculo entre eles, salvo a forma, e ainda assim a forma difere no sentido de ser aqui mais compacta a
narração.”

15/08/2023
 No prólogo da terceira edição, de 1899, Machado comenta a expectativa de que ele venha a fazer mais um romance, em
que a personagem Sofia seja protagonista: “Um amigo e confrade ilustre tem teimado comigo para que dê a este livro o
seguimento de outro. “Com as Memórias Póstumas de Brás Cubas, donde este proveio, fará você uma trilogia, e a Sofia
de Quincas Borba ocupará exclusivamente a terceira parte.” Algum tempo cuidei que podia ser, mas relendo agora estas
páginas concluo que não. A Sofia está aqui toda. Continuá-la seria repeti-la, e acaso repetir o mesmo seria um pecado.
Creio que foi assim que me tacharam este e alguns outros dos livros que vim compondo pelo tempo fora no silêncio da
minha vida.

15/08/2023
QUINCAS E BRÁS
 Em Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba é primeiramente apresentado como colega de escola de Brás
Cubas, que é narrador e personagem principal da estória. Quincas era um menino “gracioso, inventivo e travesso”, mimado
pela mãe, que andava sempre “com um vistoso pajem atrás”, marca de seu pertencimento à classe dominante. Nas
brincadeiras, ele só gostava de fazer papel de membro desta classe . Passam-se os anos, e Brás Cubas reencontra Quincas
Borba, agora “um homem de trinta e oito a quarenta anos, alto, magro e pálido”, com roupas velhas, largas e rotas. Brás
Cubas “não podia acabar de crer que essa figura esquálida, essa barba pintada de branco, esse maltrapilho avelhentado, que
toda essa ruína fosse o Quincas Borba. Mas era.” . Quincas Borba justifica-se dizendo que teve uma vida de misérias, de
atribulações e de lutas e termina rememorando o passado comum entre ambos: “Lembra-se das nossas festas, em que eu
figurava de rei? Que trambolhão! Acabo mendigo...” . Brás Cubas lhe diz que vá procurá-lo para arranjar emprego, mas
Borba descarta a possibilidade de trabalhar e pede dinheiro para comer. Depois que Brás Cubas lhe dá o dinheiro, ao
despedir-se o mendigo lhe furta o relógio. Tempos depois, Quincas Borba lhe escreve, dizendo que ficara rico (“ele herdara
alguns pares de contos de réis de um velho tio de Barbacena”), devolvendo-lhe o relógio e falando-lhe de um “um novo
sistema de filosofia”: “Chamo-lhe Humanitismo, de Humanitas, princípio das coisas. Minha primeira idéia revelava uma
grande enfatuação; era chamar-lhe borbismo, de Borba; denominação vaidosa, além de rude e molesta.” . O caráter
individualista e narcísico desta filosofia é retomado pelo mesmo personagem, no romance Quincas Borba, em que diz, no
capítulo VI: “... o Humanitismo é o remate das coisas; e eu, que o formulei, sou o maior homem do mundo”.
15/08/2023
15/08/2023
 O “filósofo”, então, cujas idéias foram reunidas em “quatro volumes manuscritos, de cem páginas cada um, com letra
miúda e citações latinas” , expõe seu pensamento, uma mistura das idéias cientificistas da época, articuladas de forma a
gerar efeitos humorísticos no leitor. Supostamente, o sistema explica tudo. Quando morre a noiva de Brás Cubas, em uma
epidemia de febre amarela, por exemplo, o “filósofo” explica que “(...) epidemias eram úteis à espécie, embora
desastrosas para uma certa porção de indivíduos; (...) por mais horrendo que fosse o espetáculo, havia uma vantagem de
muito peso: a sobrevivência do maior número.”. As guerras também teriam esta “vantagem”, e, de todo modo, trata-se de
uma “filosofia” que é centrada no próprio homem e que acredita que a terra foi “inventada unicamente para seu recreio,
como as estrelas, as brisas, as tâmaras e o ruibarbo”. “Uma vez que o homem se compenetra bem de que ele é o próprio
Humanitas, não tem mais do que remontar o pensamento à substância original para obstar qualquer sensação dolorosa. A
evolução, porém, é tão profunda, que mal se lhe podem assinar alguns milhares de anos.

15/08/2023
ENREDO
 Após a morte de Quincas Borba, narrada no livro Memórias póstumas de Brás Cubas, a fortuna herdada por
ele foi deixada para seu amigo Rubião, professor de Barbacena, cidade onde residia o filósofo. O dinheiro
vem acompanhado do compromisso de cuidar do cachorro, também chamado Quincas Borba.

 Subitamente enriquecido, Rubião se muda para o Rio de Janeiro e já na viagem conhece o casal Sofia e
Cristiano Palha, que se comprometem a apresentar-lhe a corte e cuidar para que ele não seja alvo de
aproveitadores. De fato, Sofia e Cristiano logo incluem Rubião em seu círculo de amizades. 

 Com a convivência, nasce o interesse de Rubião pela bela Sofia. Ela logo percebe a paixão que provoca,
utilizando-se disso para envolver ainda mais o milionário. Acreditando-se correspondido, Rubião se declara à
amada durante um baile. Sofia comenta com o marido a ousadia do convidado, mas Cristiano tenta diminuir a
ira da esposa, comentando que já devia muito dinheiro a Rubião. O marido ainda sugere que ela alimente
aquele sentimento, para que eles possam continuar a explorar o pobre milionário. 

15/08/2023
 Frustradas suas tentativas amorosas, Rubião decide deixar o Rio de Janeiro. Cristiano fica preocupado com
a notícia, que o afasta de sua principal fonte de renda. Por isso, insiste com o amigo para que fique,
acenando com futuros reencontros com Sofia. Acompanha-o nessa tentativa certo Camacho, político que
também tira vantagem da bondade e da ingenuidade de Rubião. Convencido, este decide permanecer no Rio
de Janeiro. 

 Rubião e Cristiano se tornam sócios em uma importadora, Palha & Cia. Com o tempo, o capitalista passa a
administrar os bens e a fortuna do mineiro. A condição de vida do casal Palha melhora a olhos vistos. Rubião
continua a frequentar-lhes a casa. Passa a sentir ciúmes crescentes do jovem Carlos Maria, que dirige
gracejos a Sofia. Atingindo o estado de desespero, Rubião chega certa vez a gritar com Sofia, insinuando o
adultério. A mulher contorna a situação e prova sua inocência, posteriormente confirmada com o casamento
de Carlos Maria com Maria Benedita, prima de Sofia.

15/08/2023
 Cristiano rompe a sociedade com Rubião, alegando a necessidade de desligar-se da empresa a fim de
capacitar-se a assumir cargos no sistema financeiro. Na verdade, já estabelecido, Cristiano quer continuar a
conduzir sozinho os seus negócios. Sofia também se afasta de Rubião, recusando seus insistentes convites
para passeios. 

 Enlouquecido de desejo, Rubião visita Sofia, mas a encontra de saída. Quando ela sobe na carruagem que a
espera, ele também entra, intempestivamente, baixando em seguida as cortinas. Mais uma vez, declara-se a
ela, desta vez acrescentando ser Napoleão III e ela, sua amante. Sofia percebe a demência de Rubião. 

 Logo, a notícia se espalha por toda a cidade. Seus delírios se acentuam à mesma proporção em que seu
patrimônio diminui. Por insistência de amigos, os Palha assumem a responsabilidade de cuidar do doente.
Como primeira providência, transferem-no para uma casa mais humilde. Os acessos de loucura continuam e
Rubião acaba internado em um hospício.

 Rubião foge e, acompanhado do cão, retorna a Barbacena. Ninguém os recebe e os dois acabam dormindo
na rua. No dia seguinte, Rubião morre, ainda acreditando ser um imperador francês.

15/08/2023
PERSONAGENS

• Angélica: comadre de Rubião, ganhou e perdeu o cachorro.


• Carlos Maria: amigo de Rubião, primo de Fernanda, conquistador, narcisista. Quis Sofia, casou com Maria Benedita.
• Deolindo: menino salvo por Rubião. Posteriormente, faz troça com homem.
• D. Fernanda: prima de Carlos Maria, bondosa, articula a ajuda a Rubião. Esposa de Teófilo.
• D. Maria Augusta: tia de Sofia, mãe de Maria Benedita. Gostava da vida na roça.
• Dr. Camacho: amigo de Rubião, político, interesseiro, publica ação heroica de Rubião. Posteriormente, destrata o
professor.
• D. Tonica: filha do major, com 39 anos, sonha em casar. Fica noiva do Rodrigues, que falece três dias antes do
casamento.
• Freitas: amigo de Rubião, levava charutos para a casa. Morre muito pobre, mas Rubião ajuda a mãe de Freitas e vai ao
enterro.
• Maria Benedita: prima de Sofia. Era considerada “roceira”, não tocava piano nem falava francês. Mas recebe “aulas” de
Sofia e casa-se com o homem mais cobiçado pelas primas.
15/08/2023
15/08/2023
• Maria da Piedade: irmã de Rubião. Provavelmente se casaria com Quincas Borba, mas falece antes.
• Palha: marido de Sofia. Sentia prazer em ostentar a beleza da mulher. Gastava mais que produzia. Aproveita-se de
Rubião e depois desvencilha-se dele.
• Quincas Borba: cão. Em alguns momentos, Rubião questionava se o cão tinha a alma do filósofo.
• Quincas Borba: filósofo, personagem de outra obra machadiana. Herda uma herança e passa tudo para o seu “enfermeiro-
cunhado”, Rubião, com a condição de cuidar do cão. Autor da filosofia Humanitismo.
• Rubião: ex-professor, herdeiro, vítima da sociedade hipócrita enlouquece e morre só, com o cão.
• Siqueira: o major, pai de D. Tonica. Falava muito, quando Rubião dá sinais de insanidade, despreza o “amigo”
• Sofia: esposa de Cristiano Palha. Mulher bela, bem vestida e fútil. Com o marido, aceita as investidas de Rubião por
questões de interesse financeiro.
• Teófilo: marido de D. Fernanda, político.

15/08/2023
15/08/2023
15/08/2023
NARRADOR – TERCEIRA PESSOA, ONISCIENTE

Em "Quincas Borba", Machado de Assis deixa de lado a liberdade formal que havia empregado em "Memórias Póstumas de
Brás Cubas", seu romance anterior e marco do início do Realismo no Brasil.
Desta vez, ele optou por narrar os
fatos em terceira pessoa, isto é o narrador não participa daquilo que narra. Ao contrário,
mantém-se distante, apenas observando o que acontece. É como o diretor de um filme de cinema, que
não mostra ao longo das cenas.

De qualquer modo, há uma pequena relação entre "Quincas Borba" e o romance que o precedeu: o humanitismo, filosofia
com a qual Quincas Borba, personagens das "memórias Póstumas", tenta incutir, antes de morrer, em seu enfermeiro Rubião,
na cidade de Barbacena (MG), para onde se mudou. Professor primário provinciano e enfermeiro do rico filósofo, Rubião
torna-se seu herdeiro e parte para a Corte, no Rio de Janeiro para usufruir da vida

15/08/2023
TEMPO – CRONOLÓGICO +PRESENÇA DE FLAHSBACK

 A narrativa se passa na segunda metade do século XIX, mas o narrador especifica apenas estes anos:

• 1844: Camacho se forma em Direito.


• 1864: Cristiano Palha “adivinhou as falências bancárias”.
• 1867: período da enfermidade de Quincas Borba, o filósofo.
• 1870: Rubião recebe, em casa, um barbeiro que lhe deita abaixo as barbas “para lhe deixar somente a pera e os bigodes
de Napoleão III”.

15/08/2023
ESPAÇO

 A ação acontece em Barbacena, no estado de Minas Gerais, e, principalmente, no bairro de Botafogo e do Flamengo, na
cidade do Rio de Janeiro.

15/08/2023
15/08/2023
15/08/2023
CRÍTICAS
 Quincas Borba é um livro considerado Realista, mas com traços marcantes românticos, pois Rubião declara
incessantemente seu amor por Sofia e a idealiza, mas ao mesmo tempo a deseja como mulher, e as
falcatruas do casal Palha que começam como amigos de Rubião e terminam como enganadores fazem com
que ele empobreça e enlouqueça. O mais forte sobrevive, e esse não foi Rubião.

 Em Quincas Borba, as injustiças são inúmeras. Ressaltamos o abandono da sociedade que Cristiano Palha
mantinha com Rubião. Depois de satisfazer sua vontade e sentir-se seguro, uma vez que já era comerciante
próspero, Palha descarta a parceria com o professor, que já estava doente. O fato de Cristiano ter lesado
Rubião financeiramente já seria uma injustiça, diante do estado demente do professor, mostra-se uma
injustiça ainda maior.
 Rubião (...) quis abraçar o Palha. Este apertou-lhe a mão satisfeitíssimo; ia ver-se livre de um sócio, cuja
prodigalidade crescente podia trazer-lhe algum perigo. A casa estava sólida; era fácil entregar ao Rubião a
parte que lhe pertencesse, menos as dívidas pessoais e anteriores. Restavam ainda algumas daquelas que o
Palha confessou à mulher, na noite de Santa Teresa, cap. L (p. 161).

15/08/2023
 “Rubião encontra um mundo muito diferente daquele da sua província natal”, conta Guimarães. “Na
condição de novo-rico, ele começa a alimentar sonhos de grandeza e torna-se vítima tanto da sua
própria ambição e da sua imaginação desenfreada como da avidez e da crueldade dos falsos amigos
que o cercam.” – Hélio Seixas
   “Há a história do triângulo formado por Rubião e pelo casal Cristiano e Sofia Palha, que se baseia na
sedução de Rubião por Sofia e no adultério que não se realiza. O casal Palha é movido pela ambição
material e pelo desejo da ascensão social.”
 Outro nível a ser observado é a história dos usos do amor e da sedução para fins de exploração moral e
material do outro. “E assim se dá, porque depois de ter toda sua fortuna sugada pelo casal Palha e por
outros falsos amigos, Rubião é descartado por todos.”

15/08/2023
PODER – NAPOLEÃO III

 O próprio delírio de Rubião vai além de uma simples encarnação progressiva da figura histórica de Napoleão III, com a
convocação de um barbeiro francês a fim de “deitar abaixo as barbas de Rubião, para lhe deixar somente a pêra e os bigodes de
Napoleão III”20. Ao imaginar-se como o imperador francês, Rubião torna claro um desejo de poder, configurado no imperador,
e acrescido do prestígio e status então vigentes da cultura francesa no Brasil. Se, como assinala Gilberto Pinheiro Passos, alçar-
se à condição de imperador dos franceses é trazer à cena a paródia da necessidade nacional de integração ao mundo ocidental
“civilizado”, situação que o Brasil – sobretudo após a independência – perseguiu com denodo
 Rubião encenar-se como Napoleão III também significa incorporar o perfil de grande amante daquele estadista. Assim, em
momento de manifestação expressa de seu estado patológico, ao invadir a carruagem de Sofia, Rubião – que de fato nunca
conseguiu consumar sua paixão por ela – projeta-se como se ambos estivessem vivendo uma “insaciável paixão”, que, devido
às contingências de serem casados, precisaria de maior discrição, situação que se refere a Napoleão III, inclusive quando
afirma que vai fazer de Palha embaixador, senador ou duque, como se tivesse poder de fazer isto para agradar a Sofia

15/08/2023
FILOSOFIAS
 Entre as influências filosóficas sofridas por Machado de Assis, é evidente a de Arthur Schopenhauer. Por meio de um sistema
filosófico – o Humanitismo – posto na boca de um louco, o autor de Quincas Borba satiriza a ideia da existência do “melhor mundo
possível” e penetra no pensamento do filósofo alemão, que acreditava que “o universo é vontade, cega, obscura e irracional
vontade de viver” (Merquior: 1977, 171). Segundo Schopenhauer, o mundo é mera representação. Nessa há dois polos
inseparáveis: o objeto que se dá no tempo e no espaço; e o sujeito que se constitui a partir da consciência do mundo. Para o
filósofo alemão, o homem consciente de si percebe que é constituído pela vontade, formada por seus interesses e paixões. A
vontade seria a coisa-em-si.
 A vontade não é uma manifestação racional. Na verdade, é uma manifestação impulsiva que visa à preservação da espécie. Para o
filósofo, todo ser deseja perpetuar-se. Como a vontade nunca será satisfeita – pois quando uma é satisfeita, outra surge –, o
mundo é marcado pela insatisfação, pela dor. O único momento de prazer é a supressão da dor, que, contudo, é evanescente. A
afirmação e a negação da vontade são fundamentais para a definição do homem. Afirmar a vontade é imanente à natureza
humana, fazendo saltar aos olhos seu lado cruel, egoísta e mal. Para o pensador, negar a vontade seria um ato de santidade, uma
vez que o homem agiria contra sua natureza. Schopenhauer é pessimista. Sua filosofia versa sobre a oscilação do homem entre a
dor e o tédio. O que aproximaria o seu pensamento do sistema filosófico que tem por propósito a extinção da dor? “A frase
faceira”. Debaixo dos signos escritos, Machado demonstra todo o seu descontentamento com a sociedade e deixa patente seu
pessimismo.

15/08/2023
HUMANITISMO

 Para muitos críticos, o Humanitismo é uma pura e simples sátira do Humanismo ou de outras correntes filosóficas
do século XIX, como o Positivismo ou o Evolucionismo darwinista. O Humanitismo é uma análise do visto, do real
sensível. Soa, às avessas, como uma manifestação do desprezo pela defeituosa natureza humana, que para
Machado, como para Montaigne, era “apenas resultado da simples constatação de uma realidade” (Coutinho: 1959,
82). Realidade que é repensada e recriada por Machado. Ao explicar sua teoria a Cubas, Quincas Borba cria uma
alegoria a partir do frango que come. Questiona: que importa o processo de produção dos alimentos, quando os
temos para comer? A satisfação do eu nada tem a ver com a dor do outro. Em suma, a alegoria tem por tema
central o sofrimento alheio, que existe “com o único fim de dar mate ao meu apetite”. Machado demonstrou o pior
do humano e fez aparecer todo o egoísmo. Em suas obras, fica clara sua visão do comportamento do homem. Para
o autor, “todos querem tudo para si, todos querem possuir tudo, pelo menos governar tudo; e tudo que se lhes
opõe, eles quereriam poder aniquilá-lo” (Schopenhauer: 2007, 348).

15/08/2023
AO VENCEDOR AS BATATAS

 “Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das
tribos que assim adquire forças para transpor a montanha e e ir à outra vertente, onde há batatas em
abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se
suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das
tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas
públicas e todos os demais feitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não
chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou
vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao
vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.

15/08/2023
15/08/2023
 O herói que quer conquistar a grande cidade mostra-se incapaz de decifrar seus códigos e é devorado
por ela. Nem mesmo chegará a desvendar o enigma ocultado na filosofia que o amigo Quincas Borba
lhe deixou como herança: “Ao vencedor as batatas!”. A solidão será seu prêmio por uma luta sem
sentido, em que a sobrevivência do mais apto não trará glória a nenhum dos combatentes, apenas
“batatas”.
 Vencido pelos mais fortes, Rubião perdeu-se entre as engrenagens da máquina da vida moderna e,
instintivamente, busca seu primitivo lugar no mundo, o espaço das suas origens. No retorno para a sua
provinciana Barbacena, no interior de Minas Gerais, irá procurar o acolhimento que a cidade grande lhe
negou. 

15/08/2023
REFLEXÃO

 O romance suscita alguns questionamentos. O que o casal Cristiano e Sofia representa? Qual é a
simbologia do cão Quincas Borba no romance? O professor Hélio de Seixas Guimarães cita um dos
primeiros leitores de Quincas Borba, o crítico Araripe Júnior, que, em 1893, lançou uma pergunta,
referindo-se a Rubião: “Quem nos diz que esse personagem não seja o Brasil?”.
 Associando o romance ao momento atual, Guimarães observa que a ingenuidade associada aos delírios
de grandeza, a ignorância e confusão mental e o modo como Rubião se deixa explorar por interesses
escusos podem ser lidos como alegorias do País. “Nessa linha de leitura, os conectadíssimos e
inescrupulosos Cristiano e Sofia Palha representariam uma modernização que se aproveita de tudo o
que há de pior na velha ordem”, comenta. “O cachorro Quincas Borba, que aparece como o guardião
das ideias do seu finado dono, o filósofo amalucado Quincas Borba, chama a atenção para os absurdos
contidos na filosofia do ‘Humanitismo’, criada por Quincas Borba, que é uma mistura brasileira de
teorias importadas, tais como o darwinismo social, o positivismo e várias formas de determinismo que
serviram, e ainda hoje servem, para justificar e naturalizar grandes barbaridades.”
15/08/2023
 Na visão de Hélio de Seixas Guimarães, “o romance é muito atual na medida em que mostra como os
indivíduos se relacionam uns com os outros como coisas, números, cifras e, mais recentemente, como
algoritmos”. Guimarães destaca: “A combinação disso com outras  modalidades de exploração e
violência ainda tem muito a dizer nos dias atuais”.

15/08/2023
OBRIGADA, VENCEDORES!

 BEIJOS E BATATAS!

 ELLEN – 98326 - 3663

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