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Memórias

Póstumas de Brás
Cubas – Machado
de Assis
Profª. Elissa Mazetti
“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do
meu cadáver dedico como saudosa lembrança
estas memórias póstumas."
Há três características fundamentais a serem observadas na epígrafe de nosso narrador-personagem:

• O óbvio: é evidente que, ao dedicar sua obra aos vermes, deixa claro a qualquer desavisado que o caráter
póstumo não é mera alegoria ou metáfora. O narrador é - como insiste em frisar - um defunto autor e não um
autor defunto;

• A ironia: de tantas pessoas que de alguma forma passaram pela vida de Brás, não é curioso que o mesmo ignore
a todas e eleja os vermes como merecedores de uma epígrafe? Afinal, poderia dedicá-lo tanto aos vivos que
sobraram - sua amante Virgília, por exemplo - quanto aos mortos; se ele era capaz de escrever do além, possível
que outros fossem capazes de ao menos ler. Ou seja: a verdade é que nosso protagonista não quis fazê-lo. Por
quê? Talvez pela forma como representa a cada uma daquelas figuras; talvez por puro egocentrismo que lhe é
característico; ou talvez por mero charme literário, por que não? Lembre-se de que o defunto compara sua obra
ao Pentateuco;

• O tom: a epígrafe já nos prepara de antemão para a verve que o livro terá. Após ler tal abertura, nenhum
sarcasmo, narcisismo, galhofa ou melancolia nos impressiona. Com "um piparote e um adeus" Machado nos
arremessa sem cerimônias à visão de mundo dessa peculiar personagem de nossa literatura.
Memórias Póstumas de Brás Cubas
• Realismo brasileiro;
• Publicado em 1881 – marco inicial do realismo no Brasil e do
realismo machadiano;
• A obra retrata a escravidão, as classes sociais, o
cientificismo e o positivismo da época;
• É considerada a primeira obra de romance psicológico do
Brasil;
• Primeira obra a “quebrar” a 4º parede narrativa.
Crítica Social - Realismo
• Com muitos capítulos curtos e de forma não linear, o protagonista,
representante da elite burguesa carioca do século XIX, narra a sua
trajetória desde o nascimento até a morte, tendo como fio condutor
o seu relacionamento extraconjugal com Virgília, casada com Lobo
Neves.
• O realismo no Brasil surgiu em um contexto político de tensão entre
progressistas e conservadores, o que levou à Abolição da
Escravatura (1888) e à Proclamação da República (1889). Nesse
contexto, coube a Machado de Assis – e ao seu livro Memórias
póstumas de Brás Cubas – mostrar, de forma realista e, portanto, não
idealizada, a decadente elite burguesa do Rio de Janeiro, ainda
atrelada ao conservadorismo. Assim, o escritor ironiza os costumes
burgueses de sua época, enquanto critica a hipocrisia e
futilidade dessa classe.
Contexto histórico
• No século XIX, com a proibição do tráfico negreiro, em 1850,
a economia brasileira entrou em decadência;
• Ideias progressistas e o movimento republicano, em oposição
ao conservadorismo vigente, ganharam força;
• Desgaste da monarquia brasileira, a Guerra do Paraguai
(1864-1870), devido aos seus altos gastos, acabou por
aumentar a dívida externa e a dependência do país em
relação a outras nações;
• Abolição da Escravatura, em 1888, e a Proclamação da
República, em 1889.
• Esse contexto histórico todo faz com que:
➢ Machado de Assis lance seu olhar crítico sobre a realidade
brasileira, que vinha sendo moldada pelos ideais de uma
burguesia em decadência, pois conservadora e em
dissonância com as mudanças econômicas, sociais e políticas
pelas quais passava o Brasil.
Romance Psicológico
• O foco da obra não gira em torno da descrição dos lugares,
mas sim a caracterização psicológica de suas personagens.
Ou seja, como elas veem e sentem o mundo ao seu redor.
• Machado investe na caracterização interior das personagens,
com suas contradições e problemáticas existenciais. Exemplo:
Virgília – apaixonada por Brás, mas casou-se com um político,
entretanto, manteve um relacionamento extraconjugal com
Brás Cubas.
Elementos da Narrativa
• 1º pessoa – protagonista = personagem
esférico;
• Personagem principal = sua visão de mundo e
dos acontecimentos;
• Defunto-autor = “Falo sem temer mais nada”
(imparcialidade narrativa (?));
• Defunto-autor-narrador = metáfora para o
Narrador Brasil escravista, contaminado por
contradições entre o velho x novo / arcaico x
moderno;
• Burguês do século XIX = infância abastada e
protegida -> jovem/adulto que procura tirar
vantagem das pessoas;
• Garantir perpetuidade = criar o emplasto.
• Monopólio da narrativa = mentiras, exageros,
ilusões e incongruências;
• Defunto-Autor-Protagonista = manipulação,
mania de grandeza, presunção.
➢ Exemplo: compara sua história ao Pentateuco
Narrador (livro religioso, histórico, sagrado que foi
atribuído ao profeta Moises), dizendo que a
diferença entre estes relatos é de que o de
Moisés narra a partir de seu nascimento,
seguindo a cronologia normal; enquanto o
dele começa a partir da morte.
• Digressão (recurso utilizado pelo narrador
para afastar a atenção sobre alguma ação
da história principal -> o narrador inicia um
tema secundário pouco importante para a
trama, ou reflete sobre um assunto que
foge da narrativa principal), flashback e
cronológico;
• Época do Primeiro ao Segundo Império =
Tempo escravidão;
• Brasil sustentado pela produção agrária, a
elite consumia estrangeirismos;
• Envelhecimento das personagens e
destruição das ilusões = uma das estruturas
centrais
• Brás Cubas: narrador, morto aos 64 anos.
Infância – mimado pelo pai; Adolescência –
irresponsabilidade; Adulto – homem
egoísta. Tinha uma irmã, Sabina, casada
com Cotrim, com quem teve uma filha,
Venância. Em seu enterro compareceram
11 pessoas, sendo 3 mulheres – Sabina,
Personagens Venância e Virgília.
• Virgília: filha do comendador Dutra,
casou-se com Damião Lobo Neves por
puro interesse. Chamada também de “Ursa
Maior”, é ambiciosa, bonita e realmente
gosta de Brás, mas prefere se casar por
status.
• Damião Lobo Neves: marido de Virgília,
frio e calculista. Político, integrado ao
sistema, ambicioso, mas supersticioso –
recusou a presidência de uma província
porque a nomeação aconteceu num dia
13.
• Quincas Borba: filósofo (criou o
Personagens Humanitismo*), mendigo e amigo de
infância de Brás Cubas. "Esse específico
personagem teve seu próprio romance
também publicado por Machado de Assis
• Marcela: segundo amor de Brás, prostituta
de elite. “Marcela amou-me durante
quinze meses e onze contos de réis; nada
menos.”
Humanitismo
Trecho do livro em que o mesmo explica sua filosofia ao personagem Rubião:
- Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a
supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é
princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de
batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos que assim
adquire forças para transpor a montanha e e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se
as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem
de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a
outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos
os demais feitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-
se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo
motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido,
ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
- Mas a opinião do exterminado?
- Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás
de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os
indivíduos são essas bolhas transitórias.
Quincas Borba, Capítulo VI
Humanitismo
• O "Humanitismo" do filósofo Quincas Borba expõe as dúvidas e perguntas do discípulo e as
respostas rápidas e prontas do mestre, em oposição à maiêutica socrática. Surge pela
primeira vez na prosa machadiana no Capítulo 157 de Memórias Póstumas de Brás Cubas,
recebendo um adendo no Capítulo 141, para comentar uma briga de cães (também é
comentada bem antes, no Capítulo 109, numa conversa entre Quincas Borba e o próprio Brás
Cubas). A partir disso, as ideias humanitistas acompanham Brás Cubas até o final do livro. A
exposição é retomada, para um novo interlocutor e de forma mais explícita, no Capítulo 6 de
Quincas Borba. Rubião, este novo interlocutor, ao contrário de Cubas, que era adepto da
filosofia e sempre procurava questioná-la, não compreendia suas concepções e considerava
Borba um doido—passando a entender a fórmula "ao vencedor, as batatas" só ao retornar a sua
cidade natal no fim de sua vida.
• Os críticos notam que o "Humanitismo" de Machado não passa de uma sátira ao positivismo
de Auguste Comte e ao cientificismo do século XIX e à teoria de Charles Darwin acerca da
seleção natural. Desta forma, a teoria do "ao vencedor, as batatas" seria uma paródia da
ciência da época de Machado e sua divulgação, uma forma de desnudar ironicamente o
caráter desumano e antiético da "lei do mais forte".
Humanitismo
• A filosofia de Quincas Borba afirma que a substância da qual emanam e para qual convergem
todas as coisas é Humanitas, e que a inveja não passa do "nobre sentimento" de contemplação,
nos outros, das qualidades de Humanitas. O "Humanitismo", enxerga a guerra como forma da
seleção dos mais aptos. Humanitas se projetam por meio de quatro fases: a estática, anterior à
criação; a expansiva, início das coisas; a dispersiva, surgimento do homem, e a contrativa,
absorção do homem na substância original. A filosofia exclui o sexo e o sofrimento,
considerando o Cristianismo uma "moral de fracos" (clara intertextualidade às teorias de
Nietzsche), a mulher um ser inferior, e tudo no mundo como algo bom, sendo a única coisa ruim
o não nascer. No Capítulo 157 de Memórias Póstumas de Brás Cubas, o "Humanitismo" se
proclama "a única verdade", negando a verdade essencial do Budismo, Bramanismo, Islamismo,
Cristianismo e de todos os sistemas e crenças da história da humanidade.
• Sabina: irmã de Brás Cubas, casada com
Cotrim.
• Cotrim: marido de Sabina e tio de Nhã-
Loló.
• Nhã-Loló: sobrinha de Cotrim e
pretendente de Brás Cubas.
Personagens • Luís Dutra: primo de Virgília.
• Dona Plácida: empregada de Virgília e álibi
da relação de Virgília com Brás Cubas.
• Conselheiro Dutra: político e pai de
Virgília.
• D. Eusébia: amiga da família de Brás Cubas.
• Prudêncio: escravo de Brás Cubas.
• Eugênia: fruto de um relacionamento
proibido – “Flor da Moita” (desprezo por ter
nascido fora do casamento). Mulher manca e
filha de D. Eusébia e Vilaça. Chamada de
“Coxa”, “Ponto e vírgula”. Seu nome pode ser
associado à Eugenia, termo criado por Francis
Galton. Nobre em seu caráter, mas é “Coxa” –
ignorada na sociedade por ter um defeito
Personagens físico (pensamento vigente no século XIX –
PcD = danos irreversíveis à sociedade)

“A eugenia é a seleção dos seres humanos com base em suas


características hereditárias com objetivo de melhorar as
gerações futuras. A palavra eugenia deriva do grego e significa
"bom em sua origem ou bem nascido".”
• Ironia: tom de comicidade, Machado escreveu sobre
traição em: “– Você janta conosco, doutor, disse-me Lobo
Neves. – Veio para isso mesmo, confirmou a mulher; diz
que você possui o melhor vinho do Rio de Janeiro”. Ironia
machadiana pura. Com efeito, Lobo Neves possuía o
melhor vinho para Brás Cubas: sua mulher Virgília, que os
dois (o marido e o amante) bebiam na mesma taça.
Técnicas • Digressão: quando as narrações das personagens são
interrompidas pelo autor para que este se dirija ao leitor
Machadianas com algum comentário marginal à história.
• Metalinguagem e experimentação: frustração em não se
tornar ministro = capítulo 139 em branco, ai, apenas no
capítulo 140 temos uma explicação: “Há coisas que melhor
se dizem calando; tal é a matéria do capítulo anterior”
• Críticas ao Romantismo: “Marcela amou-me durante
quinze meses e onze contos de réis (...)”
• Quebra da 4º parede: “Veja o leitor a
comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não
esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não
chegámos à parte narrativa destas memórias. Lá
iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão,
como os outros leitores, seus confrades, e acho que
faz muito bem. Pois lá iremos.” Capítulo IV
• Capítulos Curtos;
Técnicas • Eufemismo: “Há tempos, no Passeio Público, tomei-
lhe de empréstimo um relógio. Tenho a satisfação de
Machadianas restituir-lho com esta carta. A diferença é que não é o
mesmo, porém outro, não digo superior, mas igual ao
primeiro.”
• Metáforas: "é que eu não sou propriamente um
autor defunto, mas um defunto autor, para quem a
campa foi outro berço"
• Vocabulário elegante;
• Pessimismo
➢ Existem pessoas felizardas, mas não
personagens verdadeiramente felizes
ou sinceros;
Técnicas
➢ Sofrem pelo egoísmo, vaidade,
Machadianas exploração...
➢ Há uma insistência na dor, no fracasso,
na inevitável passagem do tempo.
Por hoje é só,
pessoal
Vídeos que podem ajudar...

• https://youtu.be/d4Ig1ACfkCI - CAPACITISMO dentro da


LITERATURA (By Profª Elissa)
• https://youtu.be/8k0wMMudlJA - MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE
BRÁS CUBAS Machado de Assis
• https://youtu.be/xSslDWThd0Q - Memórias Póstumas de Brás
Cubas | Análise da Obra - Brasil Escola

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