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Marta Rovai

“Ah, é travesti, credo! Deixa morrer!”. (Luana)


Me remete muito a uma fala da Letícia

A afirmação “As vidas das mulheres importam” abrange mulheres transexuais e travestis?Quando afirmarmos
“Vidas negras importam”, estamos também nos referindo a mulheres e homens trans e travestis negras e
negros?Em “Vidas LGBTQIA+ importam”, o “T” da sigla realmente contempla a população trans?

Letícia Nascimento

É preciso sempre tensionar discursos pretensamente universalistas.


A Marta desde o início desse capítulo começa com uma DENÚNCIA aos crescentes homicídios de mulheres
trans e travestis porque as pessoas parecem indiferentes.
Ela começa falando do SOFRIMENTO ÉTICO POLÍTICO enfrentado por mulheres trans e travestis. Trata-
se, portanto, de um sofrimento gerado pelas relações do indivíduo com a sociedade, em que a potência de ação
individual é drenada em decorrência das situações de exclusão, desigualdade social, discriminação e preconceito.
Para a História Oral, toda a memória pode ser importante, depende da finalidade do pesquisador.
Mas, percebe na História recorrentemente Projetos de resgates de memórias de pessoas idosas, pois, com suas
trajetórias de vida são capazes de narrar as suas versões sobre determinados acontecimentos históricos, e com a
própria finitude da vida poderão ser perdidos se não forem devidamente colhidos.
Mas, aqui é diferente, e eu percebo a angústia da Marta, porque se tratam de pessoas relativamente muito jovens,
mas, cujas vidas podem ser ceivadas a qualquer momento, porque a expectativa de vida de mulheres trans e
travestis é muito curta, é difícil se falar em envelhecimento dessa camada da população, já que morrem muito
cedo.
É preciso registrar suas memórias, seus vestígios de existência nesse mundo.
Precisam ser lembradas, porque os registros dos seus testemunhos funcionam como ruptura às tentativas de
apagamento e de silenciamento histórico.
As falas em primeiro pessoa das entrevistadas são denúncias ao sofrimento, de violações, de resistências,
experiências, de vidas que tem que ser lembradas de mulheres trans e travestis.
MEMÓRIA IMPEDIDA: Um passado de apagamento, discriminação, silenciamento; de uma história cisgênera,
branca heteronormativa que recusa o direito à memória, daqueles e daqueles que tem identidades subjetivas e
orientações sexuais dissidentes.

MEMÓRIA SUBTERRANEAS: Ou seja memórias colhidas de pessoas cuja as vivências são subalternizadas,
mas, que não podem ser consideradas como pessoas SUBALTERNAS, porque estão lutando, resistindo contra
as diversas formas de opressão transfobia, racismo, sexismo.
A FALA MEDIATIZADA POR PESQUISADORES: Em consequência da grande evasão escolar de mulheres
transexuais e travestis que pode ser melhor observado através de dados da Associação Nacional de Travestis e
Transexuais (ANTRA) que apresenta que: “cerca de 0,02% estão na universidade, 72% não possuem o ensino
médio e 56% o ensino fundamental”, são dados parciais e que precisam ser melhor avaliados. Mas, infelizmente
ainda é uma realidade brasileira que são poucas as mulheres trans e travestis protagonizando pesquisas
acadêmicas, seja no âmbito na graduação, como pós-graduação, já que, muitas vezes elas aparecem através de
pesquisas de pessoas cisgêneras. Mas, é porque é emergencial pensar na condição dessa população. Até para se
questionar a falta de representatividade de mulheres trans e travestis nas pesquisas.
Mesmo que circule muita discriminação contra transexuais e travestis no ciberespaço, vale destacar que a internet
é um espaço aberto e democrático, em que esses indivíduos encontram liberdade para contar suas histórias de
superação e resiliência, trazer informações sobre suas identidades de gênero, documentar o seu processo de
transição de gênero e contribuir para a desestigmatização do universo transgênero.
PEDAGOGIA DO INSULTO: Uma mescla de práticas que podem ocorrer nos ambientes familiares, escolares,
nos espaços públicos que pretendem ridicularizar, diminuir, desprezar, desumanizar a comunidade LGBTQIA+.
E essa Pedagogia do insulto é muito comum entre as mulheres trans e travestis, porque a todo momento são
estigmatizadas, até se vão a padaria, são vítimas da chacota e inferiorizarão, uma prática que para pessoas
cisgêneras é comum e trivial. Muitas mulheres trans e travestis são tratadas como se fossem alienígenas, vem os
olhares de espanto, de reprovação, julgamento, ouvem xingamentos e ofensas, muitas tentativas de
assujeitamento. Inclusive de instâncias que deveriam zelar pela segurança e tratamento humanizado, como
delegacias.
Isso afeta a autoestima, causa complexos de inferioridade, depressão, não é à toa que o índice de suicídios entre
a população de mulheres trans e travestis é alto.
PRIVILÉGIO DA PASSABILIDADE: Uma pessoa trans que é percebida como cisgênero pode enfrentar
menos preconceito, assédio e risco de violência, bem como melhores oportunidades de emprego.
TRANSNORMATIVIDADE: Quanto mais passável numa leitura sócia mais valorizada você é. O que é muito
cruel, as mulheres não são iguais.
O FATO DE OCUPAREM AS RUAS: Expõe elas a violência. Mas, me trouxe uma reflexão. As cidades são
pensadas para as mulheres? Pois, as mulheres sofrem mais do que homens com assédios e agressões sexuais, a
falta de iluminação no espaço público, a existência de muitas ruas com fachadas cegas, opções insuficientes
de transporte público , praças e parques que não são desenhados para que se tenha segurança. Não são
preocupações aflitivas dos homens, que na maioria das vezes não tem o seu direito de ir e vir cerceado, mas, é
uma preocupação constante das mulheres, horário, qual o local que vai passar, de não irem sozinhas. Mas, quando
se tem um demarcador de feminilidades e mulheridades, essa violência já se recrudesce.

DIÁSPORA TRANS: A migração de pequenas localidades para grandes centros, para terem mais meios para a
construção da sua identificação de gênero e como alternativa para se afastar da vigilância e controle dos círculos
sociais que integram o seu lugar de origem ou, até mesmo, sendo expulsas pela família ao se revelarem
“desviantes” da norma.
Se tornam passiveis e vítimas das promessas e da exploração de cafetinas.
TRANSLABORAR: Voltamos ao título, onde a prostituição para essa população se torna compulsória.
CORPO DE MULHERES TRAN E DE TRAVESTIS: Como objetivado, espaço da permissibilidade sexual,
onde o sexo pode ocorrer sem retaliações. E trata-se também do corpo descartável. É o desejo e abjeção! Corpos
que são alvos do ódio androcêntrico.
A violência doméstica e familiar na qual estão expostas.
VIDAS PRECÁRIAS: Judith Butler pretende explicar o que torna determinadas vidas mais fáceis de serem
vividas que outras. Todas as vidas são precárias por natureza, entretando a precaridade designa a condição
politicamente induzida na qual certas populações sofrem com redes sociais e econômicas de apoio deficientes e
ficam expostas de forma diferenciada às violações, à violência e à morte. Essas populações estão mais expostas
a doenças, pobreza, fome, deslocamento e violência sem nenhuma proteção.
A vulnerabilidade social, o preconceito e discriminação ainda são barreiras encontradas por mulheres trans e
travestis, fora que o texto ressalta a associação constante entre essa população e o HIV/AIDS, é um estigma. A
imagem da promiscuidade e de pessoas pervertidas.
SÃO VIDAS ENLUTÁVEIS? Por quem eu choro? O choro é aquilo que mais humaniza. Quem chora pela
travesti? Quem chora pela transexual? (ANDRADE, 2017). Judith Butler: “De quem são as vidas consideradas
choráveis em nosso mundo público? Afirmamos que essas vidas eram valiosas, que deveriam ter tido a
oportunidade de viver. O ato do luto se conecta com o ato da justiça, porque não apenas estamos dizendo que
essa era uma vida que merecia ser vivida e que ninguém deveria tê-la destruído, como também que tal destruição
é injusta. E assim como nos opomos à violência através da nossa dor e da nossa raiva, estamos praticando a não-
violência.

As vidas de mulheres trans e travestis são reduzidas a registros, por órgãos não oficiais, pelos próprios
mecanismos necropoliticos da sociedade. Isso quando não se há subnotificações desses trans assassinatos.

Por isso a necessidade de trazer à tona as memórias dessas mulheres.

INTERCESSIONALIDADE DE RAÇA: A valorização da estética branca, eurocêntrica em detrimento da


negra. Racismo.

VELHICE TRANS: É difícil chegar a velhice. Os percalços da prostituição na velhice, do corpo que perde o
viço juvenil, a perda da beleza da juventude que enseja a procura pelos clientes, a solidão, o abandono.

O DIREITO AO GRITO: “O que queria dizer que apesar de tudo ela pertencia a uma resistente raça anã
teimosa que um dia vai talvez reivindicar o direito ao grito.”
A hora da estrela, Clarice Lispector

O silêncio da mulher, que na maioria das vezes não é voluntário, mas, trata de um silenciamento/apagamento
promovido por diversas instâncias.
O grito de recusa a uma subcidadania, a serem transformadas em mercadorias na prostituição, o grito de raiva
contra as injustiças experenciadas, o grito de inconformismo contra os direitos violados, contra a opressão, uma
raiva que se transmuta em ORGULHO pela autonomia de terem construído a sua identidade.

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