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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP

GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

VITÓRIA ANDRESSA CUNHA SANTANA

“NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA”...TINHA UMA PEDRA NO MEIO


DO CAMINHO DA HISTÓRIA: A LEITURA ACRÍTICA

MARÍLIA - SP
2023
VITÓRIA ANDRESSA CUNHA SANTANA

“NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA”...TINHA UMA PEDRA NO MEIO


DO CAMINHO DA HISTÓRIA: A LEITURA ACRÍTICA

Trabalho monográfico como primeiro relatório do 1°


semestre, demanda realizada pela Prof. Ana Carolina
de Carvalho Viotti, à obtenção de uma avaliação
introdutória do curso de 1ºano de graduação na
Universidade Estadual Paulista - UNESP.

MARÍLIA - SP
2023
RESUMO

Em suma, a partir da obra “Como se Escreve a História” de Paul Veyne, discorreu-se


relações com diferentes âmbitos de conteúdo e de autores, sob a égide da ideia do homem como
autor da narrativa histórica. Nesse percurso, tangencia a construção da história a partir do
esquema de “dialética’’, corroborando a tática dos historiadores voltada à busca da verdade,
nesse sentido, a obra do Foucault situa-se no desenvolvimento desse teor. Sobretudo, destinado
à conclusão de chancelar uma leitura acrítica por parte dos autores e consequentemente dos
leitores.

PALAVRAS-CHAVES: História; verdade; realidade; reflexão; poder; escrita; sistema de


exclusão;

ABSTRACT

In short, from the work "How History is Written" by Paul Veyne, we discuss relations
with different scopes of content and authors, under the aegis of the idea of man as the author of
historical narrative. In this path, the construction of history from the "dialectic" scheme is
tangential, corroborating the historians' tactics aimed at the search for truth; in this sense,
Foucault's work is situated in the development of this content. Above all, it is aimed at the
conclusion of sanctioning an uncritical reading by the authors and, consequently, by the readers.

KEY WORDS: History; truth; reality; reflection; power; writing; exclusion system;
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................................... 4
2. O MÉTODO DE CATEGORIA HISTÓRICA: MATERIALISMO HISTÓRICO-
DIALÉTICO........................................................................................................................................................................ 5
2.1. A SUBJETIVIDADE NAS PRODUÇÕES HUMANAS ........................................................................... 8
3. DADOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA NA PERSPECTIVA DE PAUL
VEYNE .................................................................................................................................................................................. 9
3.1. A VERDADE POR TRÁS DA VERDADE: FOUCAULT UTILIZA O MÉTODO QUE SUGERE
NO SEU LIVRO, PARA ENTENDER A ESCRITA DA HISTÓRIA ........................................................... 10
3.2. INCONSCIENTE OPACO EM FUNÇÃO DA TESE INICIAL.............................................................. 12
4. CONCLUSÃO ......................................................................................................................................................... 14
5. NOTAS ADICIONAIS SIGNIFICATIVAS ............................................................................................... 15
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................................. 16
1. INTRODUÇÃO

O itinerário a seguir apresenta sequências de citações como sustentáculo da discussão


abordada, em essência, do autor Paul Marie Veyne, historiador e arqueólogo francês, que
nasceu em 13 de junho de 1930, na cidade de Provença, ao longo da sua vida, tomou iniciativa
para carreira profissional aos quarenta e seis anos de idade, na década de setenta e seis, atuando
na área de Letras até seu falecimento na data de 29 de setembro de 2022, na região de Bédoin
- comuna francesa.
De início com esse advento, é importante enfatizar a alegação do autor em pauta: “[...]
os historiadores narram fatos reais que têm o homem como ator, a história é um romance real
[...] “1. Sem mais delongas, é crucial mentar essa afirmação ao longo da passagem, para
apreender os aspectos norteadores. Com base nisso, caracterizar a história como construção
feita pelo homem, sugere todas particularidades dele como aspectos de habilidade de edificá-
la.
Nesse viés, a obra de Veyne dialoga diretamente com historiadores irrepreensíveis,
Michel Foucault e Karl Marx, não os únicos curvados no livro, mas abordados no relatório
presente. Essa alusão, faz parte de uma complementação dirigida à definição de História, e aos
pressupostos do alcance dos historiadores na verdade discutível.
Para concluir o item, no próximo será arqueado a partir da perspectiva do Karl Marx, o
método utilizado para a escrita da história, em função de compreender o contexto histórico a
ser trabalhado, em prol da verdade alcançada, não absoluta. Por fim, aplicar um método, faz da
história uma ciência? A única verdade é científica? A história, se não uma verdade indiscutível,
por que uma leitura acrítica?

1
VEYNE, Paul Marie. “Como se Escreve a História; Foucault revoluciona a história”. Trad. de Alda Baltar
e Maria Auxiliadora Kneipp. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982. p. 08
2. O MÉTODO DE CATEGORIA HISTÓRICA: MATERIALISMO HISTÓRICO-
DIALÉTICO

De início, para uma explicação e definição consistente da concepção filosófica


“materialismo histórico-dialético”, dado ao Karl Marx, é preciso entender o significado das
palavras. O termo “dialética” significa a arte do diálogo, isto é, o diálogo entre os diferentes,
uma vez que estes se compartilham, gera um movimento conforme o encontro das contradições,
resultando em um novo conteúdo; refere-se ao contato de diferentes contrários com finalidade
de um determinado produto final. Assim sendo, em congruência com o pensamento de
Heráclito, a realidade é configurada a partir da “síntese dos contrários”, isto posto, a sociedade
é formada diante o mesmo método (CORIOLANO, 2005).
Essa dinâmica, para o alcance do produto final, contém um esquema adaptado por três
etapas: tese, antítese e síntese. A tese é literalmente a hipótese (os elementos que serão
utilizados, portanto, é engendrar), a antítese antecede a síntese, por isto, é a realização física do
processo (junção entre os elementos), e, a síntese é a conclusão, a finalidade (resultado da
junção: produto).
Com base nessas informações, Karl Marx2 compreendia a dialética como uma
importante teoria para pensar as transformações na própria sociedade, e, na companhia do
revolucionário alemão, escritor, e filósofo Friedrich Engels, desenvolveu a teoria “materialismo
histórico-dialético”:

As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases reais
que só podemos abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, ação e suas condições
materiais de existência, tanto as que eles já encontraram prontas, como aquelas
engendradas de sua própria ação. Essas bases são pois verificáveis por via puramente
empírica.
A primeira condição de toda história humana é, naturalmente, a existência de seres
humanos vivos³. A primeira situação a constatar é, portanto, as relações que ele gera
entre eles e o restante da natureza. Não podemos, naturalmente fazer aqui um estudo
mais profundo da própria constituição física do homem, nem das condições naturais,
que os homens encontraram já prontas, condições geológicas, orográficas,
hidrográficas, climáticas e outras⁴. Toda historiografia deve partir dessas bases
naturais e da sua transformação pela ação dos homens, no curso da história". (MARX
& ENGELS, 1989, p. 10)

2
Filósofo e historiador de origem alemã, porém nasceu na Prússia em 1818, e faleceu em 1883 na cidade de
Londres.
O conhecimento sobre a história humana é oriundo da compreensão da relação do
humano com a natureza, em razão das transformações do meio ambiente e seus pertencentes
causadas pela ação do homem. As passagens dadas nessas modificações são traduzidas pelo
método de dialética, mas, com o vínculo do tempo e da sociedade, Marx e Friedrich adaptam
essa teoria na natureza e na história, nomeando-a "materialismo histórico-dialético": a
construção do mundo através de interações entre as matérias consequentemente históricas, em
virtude do movimento de dialética. Não obstante, retrata uma designação do mundo material, o
mundo real, onde as matérias se interagem, sejam elas naturais ou produzidas.
Ao longo dos anos, a sociedade passa a viver em um movimento de produção constante,
transformando não apenas o meio que vive, mas também sua vida. Os produtos, na medida que
são feitos pelos seres humanos por sobrevivência e garantia de sua existência, passam a ser
obras de planejamentos, justamente pelo homem ser racional, de possuir a habilidade de
racionalizar o que lhe convém; os seres humanos ao produzirem seus meios de existência,
constroem indiretamente sua vida material.
Por conseguinte, Marx passa a intervir a produção como segmento dessa teoria que
compõem a realidade social, consequentemente, a formação da história - contanto que ela seja
um produto engendrado pelo homem. Com essa base, Marx define as fases da dialética, sendo
a tese como identidade; a antítese, contradição ou negação; e, a síntese negação da negação 3.
De acordo com Egry (2006), Marx configura as duas últimas da seguinte forma:

O processo (a superação dialética), ou o movimento da realidade tem o sentido de


"suprimir", "negar", mas também tem o sentido de "conservar". A esses sentidos
acresceu-se um terceiro o de "elevar a um nível superior". Os exemplos a seguir
podem expressar melhor:
1. Quando um homem está esculpindo uma estátua de madeira, ele se encontra diante
de uma matéria-prima, a madeira, que depois é negada, isto é, destruída na sua forma
natural. Mas, ao mesmo tempo ela é conservada, pois a madeira continuará existindo
como matéria, só que modificada, elevada a um objeto qualitativamente diferente,
uma forma criada. Portanto, o trabalho nega a natureza, mas não a destrói. Antes, a
recria.
2. Da mesma forma, quando enterramos um grão de milho, ele desaparece enquanto
grão de milho (negação do grão de milho) para que a planta surja como pé de milho;
ao crescer e produzir a espiga de milho, o pé morre e permanecem outros grãos de
milho. Esse processo não é sempre idêntico, pois podem surgir alterações na planta
que resultam no aparecimento de novas espécies (evolução das espécies).4

3
Egry EY. Compreendendo a dialética na aproximação com o fenômeno saúde-doença. In: Egry EY, Cubas MR.
O trabalho da enfermagem em saúde coletiva no cenário Cipesc: guia para pesquisadores. Curitiba, ABEn-EEUSP,
2006. p.02
4
Egry EY. Compreendendo a dialética na aproximação com o fenômeno saúde-doença. In: Egry EY, Cubas MR.
O trabalho da enfermagem em saúde coletiva no cenário Cipesc: guia para pesquisadores. Curitiba, ABEn-EEUSP,
2006. p.02
Na concepção da escrita de uma história, a tese seria o objetivo do autor, isto é, o que
ele quer descobrir arquitetando uma ideia principal desejada; a segunda fase consiste no
conjunto de documentos selecionados pelo historiador, que ao serem examinados, será
manifestado as contradições, ou seja, as negações das ideias iniciais, porque com as junções
dos materiais novas informações são reveladas, ou/e, a hipótese de origem não é aplicável; e
por último, a terceira etapa é a compreensão do historiador a respeito das indagações retiradas
dos registros, a qual não se restringe ao raciocínio inicial do autor, por isso “negação da
negação”, a síntese, ou a história formalizada, desconsiderou muitos pontos cessados ao
decorrer do estudo.

Como romance, a história seleciona, simplifica, organiza, faz com que um século
caiba numa página, e essa síntese da narrativa é tão espontânea quanto a da nossa
memória, quando evocamos os dez últimos que vivemos (VEYNE, 1982, p. 11)

Ora, não é à toa que uma composição histórica estende milhares de acontecimentos em
grande escala de papel. A realização de cuja construção é fruto de uma dinâmica inicialmente
estratégica (ou pensada), e consequentemente contingencial, porque o que o autor encontra não
necessariamente é o que desejava; o conhecimento de história é “um caminho sem volta”,
quando acha que entendeu algo, novos apontamentos surgem:

Ora, quanto mais se alarga,a nossos olhos , o horizonte factual, mais ele parece
indefinido: tudo o que compõe a vida quotidiana de todos os homens [..] em que outra
região do ser que não na vida quotidiana, dia após dia, poderia refletir-se a
historicidade? [..] a experiência profissional provou que a descrição dessas visões
oferecia, ao pesquisador, matéria suficientemente rica e sutil” (VEYNE, 1982, p. 21-
22).

Sem mais rodeios, mesmo a escrita sobre a história sendo acidental, naturalmente segue
a teoria de Karl que submete à dialética: “a história seleciona”, indica a tese; “organiza, faz com
que um século caiba numa página”, sugere a antítese; e “essa síntese da narrativa é tão
espontânea quanto a da nossa memória”, síntese. E, afinal, resulta a espécie com narrativa
histórica (livro, artigo, etc.) em “materialismo histórico-dialético".
Todavia, apesar da teoria ser efetuada na realidade do mundo material, Karl sugere a
integração do “Materialismo histórico-dialético” no estudo das ciências humanas, o filósofo
considera que a sociedade não pode ser estudada com o mesmo método das ciências naturais,
emergindo o conceito “categoria histórica”. As Ciências Sociais descobrem elementos que não
necessariamente são evidenciais, diferente daquela que estuda a natureza, por comprovações
materiais. À vista disso, Marx propôs o método empregado em função de compreender o
contexto sociológico e histórico, com base nas transformações que a viabilizam na sociedade e
no mundo pelo movimento dialético das contradições.

2.1. A SUBJETIVIDADE NAS PRODUÇÕES HUMANAS

O conceito de “subjetividade” é enfatizado de forma significativa mais adiante desse


itinerário; embora seja salientado pelo Veyne e o Foucault explicitamente, a obra marxista
denota a inserção do mesmo. A princípio, o termo de subjetividade desencadeia em
características internas dos indivíduos (sentimento, pensamento e emoção), que geram e lidam
com a sua existência no mundo. Isto é, refere-se à singularidade de cada ser humano construída
por valores internos e externos decorridos ao longo da vida, e, acerca do conhecimento, a ideia
de subjetivo é manifestada por meio de ideias e significados relativamente à perspectiva de
mundo do sujeito - tendencialmente passa a disparar seus interesses e desejos individuais.
Perante o exposto, como elemento que constata a presença do indivíduo no mundo, por
consequência, impulsiona as produções, tornando-se presente nelas:

A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que são. O
que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem
quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto,
das condições materiais da sua produção. (MARX e ENGELS, 1989, p.13)

Vale ressaltar esse excerto porque nos próximos capítulos é versado com proeminência.
O homem é um ser individualmente social, é um indivíduo que vive em uma sociedade,
qualquer exposição feita por ele, refletirá ele mesmo, pois cada um interage com o exterior de
uma forma, de acordo com suas experiências e diferentes interações acessadas. E na construção
da história, cada historiador escreve de forma diferente, ou, em razão da sua singularidade
devido às diferentes realidades. Por esse motivo, a escrita não é válida para todos, e nem
absorvida da mesma forma, a subjetividade se submete a qualquer forma de afirmação da
existência do ser humano no mundo material. Sobretudo, ocasionando um ponto de vista
marxista, o que o autor escreve, reflete o que ele é.
3. DADOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA NA PERSPECTIVA DE PAUL
VEYNE

O ensejo a seguir parte de uma leitura fracionada de “Como se Escreve a História" no


entanto, é viável o encontro de possíveis precipitações e incompreensões. Preliminarmente,
como assentado inicialmente, Veyne afirma o homem como autor da história, este, constrói sua
narrativa pela junção de documentos, uma vez que apenas um deles não vai definir de fato o
contexto histórico, é impossível a história ser abrangida em apenas em um vestígio, até porque
a composição do quadro histórico é inesperada, por vias de múltiplos documentos. Esses
arquivos não persistem em fatos, mas em tramas, o acúmulo de informações contém a trama
como finalidade, pois “ não existem tantos fatos como grãos de areia” (VEYNE, 1982, p. 27).
Os historiadores, antes de qualquer feito, busca a verdade, embora os fatos sejam
considerados individualidades; isso significa que na narrativa histórica a verdade é discutível -
não absoluta - por partir de uma construção feita pelo homem, intervinda pela sua subjetividade,
revelando que as tramas5 por ele apreendida, é reproduzida a partir da perspectiva dele. Dessa
maneira, a história é literalmente uma narrativa composta pelo homem, não se repete e nem se
revive (VEYNE, 1982, p. 11).

Mas, o que é que individualiza os eventos? Não é a diferença de detalhes, sua


“matéria”, o que são, mas o fato de que acontecem, quer dizer, de que acontecem num
dado momento; a história nunca se repetiria, mesmo que vivesse a contar a mesma
coisa [...] Significa que a alma do historiador é semelhante à do leitor das páginas
policiais dos jornais; elas são sempre iguais e são sempre interessantes, pois o
cachorro esmagado hoje não é o mesmo de ontem, e , de uma maneira mais geral,
porque hoje não é ontem (VEYNE, 1982, p. 14-15).

Por ser articulada como narrativa de eventos, ela não permite que estes sejam
vivenciados novamente, porque é desenvolvida espontaneamente, impossibilitando uma outra
narração igual, porque é naturalmente confeccionada. Na medida que o termo "narrativa" é
ponderado, advém no modelo estrutural do texto a ideia de romance, em ascensão; a história é
um romance real, de forma transcendente, tem que ser uma narrativa verdadeira6, e discorrer o
que realmente aconteceu, porém, uma vez que a subjetividade é imposta (sobreposto no
itinerário anterior), será que realmente discorre numa qualidade verdadeira?

5
“[...] o fato nada é sem sua trama [...]” (VEYNE, 1982, p. 28).
6
VEYNE, Paul Marie. “Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história”. Trad. de Alda Baltar e
Maria Auxiliadora Kneipp. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982, p.15.
3.1. A VERDADE POR TRÁS DA VERDADE: FOUCAULT UTILIZA O MÉTODO QUE
SUGERE NO SEU LIVRO, PARA ENTENDER A ESCRITA DA HISTÓRIA

Paul estabelece a obra foucaultiana no seu livro por motivos de complementos, ambos
filósofos apresentam os mesmos princípios quando se trata do homem como autor do evento
histórico, mas o Foucault adapta essa hipótese numa concepção voltada ao que há por trás dessa
narrativa, entretanto, um estende questões relacionadas o que é a história, e o outro pensa além
dessa definição, respectivamente. Entretanto, ao ler com exatidão a obra de Veyne, depara-se
que o historiador esboçou a crítica empenhada por Foucault, ele retrata a ideia foucaultiana de
forma não decifrada.
O historiador, sob a pauta, entende que os itens formulados na escrita são selecionados
pelo homem, com base não só nos objetivos dele, como também na sua subjetividade: “ a
história é o que é [..] porque escolheu um certo modo de conhecimento”7. Mas apesar disso, o
Michel percebe que diante desse discurso há uma relação de poder, em outros termos, existe
todo um entorno no que revela por meio das palavras, sucede uma espécie de encadeamento
social.

[...] a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada,


organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função
conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua
pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 1996, p. 8-9)

Por conseguinte, do mesmo modo que que o discurso é escolhido pelo homem, ele detém
o controle nas demais configurações da narração, nesse seguimento, desencadeia o cuidado de
manipulação. O Foucault constata que a partir dos discursos8 situa um caráter de exclusão, e
um dos índices desse procedimento é o que se denomina “interdição"9.

Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito


que fala: temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se
compensam, formando uma grade complexa que não cessa de se modificar. Notaria
apenas que, em nossos dias, as regiões onde a grade é mais cerrada, onde os buracos
negros se multiplicam, são as regiões da sexualidade e as da política. (FOUCAULT,
1996, p.09)

7
VEYNE, Paul Marie. “Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história”. Trad. de Alda Baltar e
Maria Auxiliadora Kneipp. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982, p.11.
8
Palavra usada pelo Michel, para representar os objetos de desejo do autor, seja no livro, em locução oral ou
qualquer outra forma de manifestação por palavras com viabilização de influência. No caso do relatório à vista,
refere-se a narrativa histórica - história.
9
“Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais
familiar também, é a interdição”. (FOUCAULT, 1996, p. 09)
O sistema de exclusão tende a marginalizar e omitir determinados grupos sociais no
discurso, por motivos de sexualidade, etnia, e contorno político10. A princípio, o Veyne aplica
essa discussão em sua obra, mas transmite uma justaposição “criticamente circunscrita", no
sentido de não conceber uma relação de poder, mas de “incoerência”. De forma mais explícita,
em contrapartida à obra foucaultiana, ele não busca o porquê dessa ausência de lógica nas
tramas:

[...] o número de páginas concedidas pelo autor aos diferentes momentos e aos
diversos aspectos do passado é uma média entre a importância que estes aspectos têm
aos seus olhos e a abundância da documentação; sabe que os povos ditos sem história
são, simplesmente, povos cuja história se ignora, e que os primitivos tem um passado,
como um todo mundo [...] todo livro de história é, nesse sentido, um tecido de
incoerência, e que não pode ser de outro modo. (VEYNE, 1982, p.18)

Com essa passagem da citação do arqueólogo francês, emerge a característica de história


lacunar; na fase de junção de documentos para a articulação da escrita, o historiador não capta
uma lógica ("tecido de incoerência”) imediatamente, é um processo lento e longo, e no
transcorrer do desenvolvimento reunirá lacunas, as quais são inevitáveis (VEYNE, 1981, p.18).
Apesar das lacunas gerarem vazios nas ideias, o homem é capaz de supri-las com reflexões que
tendem à inimagináveis conhecimentos, e, “A Ordem do Discurso” disserta essa dinâmica.
Destarte, Paul anuncia que Foucault é o primeiro historiador a ser completamente
positivista (no âmbito de historiador), logo, condiz a condição do Michel como autor de
revolução científica11, por propor um método na escrita da história, apesar de não afirmar
diretamente a história como ciência. Segundo a exclusão supracitada, o discurso ampara uma
objetificação voltada à dominação, ou, para a luta12, isto é, serve tanto para abrir, quanto para
fechar os olhos do interlocutor, e o perigo é este último porque ele não o acrescenta, mas o
detém. Por essa razão a importância de refletir no que é dito, para atinar o que lhe influencia. À
vista disso, Foucault não se deixa cair em uma descoberta, para ele há uma descoberta por trás
de certa revelação, desse modo, o método a ser aplicado na escrita vai depender do que
encontrou, em função disso a prática para Michel, contém “contorno inimitável” (VEYNE,
2014, p. 251).

10
Tudo que predomina no âmbito político: fatores econômicos, locacionais e materiais.
11
VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Foucault revoluciona a História. 4ª. Edição. Brasília, Ed. UnB,
2014. p. 239
12
FOUCAULT, Michel. A ORDEM DO DISCURSO: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em
2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 1996. p.10.
Vocês podem continuar a explicar a história como sempre o fizeram: somente,
atenção: se observarem com exatidão, despojando os esboços, verificarão que existem
mais coisas que devem ser explicadas do que vocês pensavam; existem contornos
bizarros que não eram percebidos [...] unicamente, ele nos convida a observar, com
exatidão, o que assim é dito. Ora, essa observação prova que a zona do que é dito
apresenta preconceitos, reticências, saliências e reentrâncias inesperadas de que os
locutores não estão, de maneira nenhuma, conscientes. (VEYNE, 2014, p.252)

De acordo com a análise da obra foucaultiana feita por Veyne, o discurso não é
ideologia, é o que realmente é dito, os locutores dominantes emitem orações livremente, sem
se importar com verificações gramaticais impróprias, viabilizando a imposição de idealizações
ou racionalizações com intuito estratégico. Por um lado, as palavras são camufladas de poderes
políticos, de desejos, de más intenções, de preconceitos, e de desumanização. Os seus receptores
são influenciados, acreditando em fatores não correspondentes à realidade. Esse quadro são
criações da história, não são fatos de razões e de consciência, todavia, o Foucault absolutamente
revoluciona a história ao preconizar a exatidão na reflexão sobre leituras e recepções.

3.2. INCONSCIENTE OPACO EM FUNÇÃO DA TESE INICIAL

Não obstante, a verdade não é mascarada somente por determinados discursos, mas pelo
próprio objetivo do autor. Cabe à adesão, no processo da escrita manifesta-se ideias
contingenciais, e tendencialmente o autor se acorrenta-se a elas, ao que destina encontrar,
tornando todo o ramo um ato planejado, convertendo a uma formação de conteúdo histórico
muito mais subjetivo em relação ao autor, do que a própria realidade tratada. Não somente, o
Veyne (2014) denomina esse cenário como "parte oculta do iceberg ":

[...] a parte escondida de um iceberg não é uma instância diferente da parte emersa: é
de gelo, como esta, também não é o motor que faz movimentar-se o iceberg; está
abaixo da linha de visibilidade, e isso é tudo . Ela se explica do mesmo modo que o
resto do iceberg. (p. 251 252)

O entorno preso ao objetivo, representa o gelo, algo duro, sem condições de locomoção,
apenas a restrição sob uma ideia. Se libertar dessa “bolha” daquilo que está visível no instante,
induz o encontro do que está por fora desse “aquário”, o inconsciente - além do que se vê. Não
é à toa que Foucault alcançou essa área avante da visibilidade, e descobriu novas instâncias,
novas ideias que antes não foram captadas, o esforço é correspondente ao além. O intuito não é
engrandecer o “revolucionário científico”, mas registrar dados, sobretudo, tanto ele quanto o
arqueólogo francês redigem a história como instrumento árduo:
A consciência espontânea não possui noção de história, que exige uma elaboração
intelectual. O conhecimento do passado não é um dado imediato, a história é um
domínio onde não pode haver intuição, mas somente reconstrução, e onde a certeza
racional dá lugar ao saber real cuja fonte estranha à consciência. (VEYNE, 1982, p.
43)
4. CONCLUSÃO

Desde a dialética, surge o produto intitulado “história” manifestado em narrativas


escritas, conforme sua utilidade, adquire sua simbologia dada ao “materialismo histórico-
dialético”, uma matéria de significado social, que consequentemente é ponderada pela
habilidade humana de racionalização: objetificando por vias de dominação e luta. Salientando
diante desse panorama, a subjetividade é intervinda em todos os feitos portados do livro “Como
se Escreve a História”, entre eles obra foucaultiana e marxista.
O contexto de subjetividade enfatizados nas discussões dos historiadores, emite,
sobretudo, uma insegurança aos leitores a respeito do que se declara “verdade”. Espera-se que
através da leitura contemplada, o contato com esse adjetivo seja aguçado, de modo que o sujeito
averigue de modo escrúpulo. À obtenção de transcender o norte pontuado, em um mundo onde
os seres são influenciados pela verdade que se perpassa absoluta, antes, baseada na concepção
do homem (orientada pelo caráter subjetivo), é imprescindível reparar o enfoque de uma
narrativa, por essa razão, Foucault trata-se da “verdade discutível”, a qual é repensada; ela pode
não estar no que é dito, mas no que reflete.

[...] Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a


teias de significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas
teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de
leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do significado. (GEERTZ,
1978, p. 15)

Dado o folheamento do itinerário presente, conclui-se que a problematização tracejada


abarca na ausência de questionamentos em leituras, constatando a “parte oculta do iceberg”,
melhor dizendo, um estado onde “o homem é um animal amarrado a teias de significado que
ele mesmo teceu”, resultando o conhecimento e a compreensão em elementos estáticos.
Todavia, se o arqueólogo francês destaca “já que tudo é histórico, a história será o que nós
escolhemos”13, a leitura acrítica - por historiadores, estudantes, universitários, policiais,
repórteres [...] enfim, humanos - faz os indivíduos (como um todo) de marionete dos locutores
e dos autores. Com base nisso, qual o sentido da existência desses seres no mundo material?

13
VEYNE, Paul Marie. “Como se Escreve a História; Foucault revoluciona a história”. Trad. de Alda Baltar
e Maria Auxiliadora Kneipp. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982, p. 33
5. NOTAS ADICIONAIS SIGNIFICATIVAS

O historiador e arqueólogo Paul Veyne, afirma que a história não segue um modelo, não
é uma ciência: “A história não é uma ciência e seu modo de explicar é de “fazer compreender”,
de contar como as coisas se passaram” (VEYNE, 1982. p.73); apesar de sua obra obter uma
conexão com Marx e Foucault, autores que sublinham um método no âmbito da narrativa da
história. Permita-se o desfecho de setas interrogativas: “O primeiro dever do historiador é
estabelecer a verdade e o segundo, explicar a trama: a história tem uma crítica, mas não há
método para compreender”. (VEYNE, 1982, p. 105)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORIOLANO, Ericsson Venâncio. “O absoluto enquanto Processo em Heráclito e Hegel


(Uma leitura a partir dos fragmentos de Heráclito e do prefácio da Enciclopédia das
Ciências Filosóficas de Hegel) ”. FORTALEZA, VOL.I, N º1, 2005, p. 30. POLYMATHEIA
- REVISTA DE FILOSOFIA

Egry EY. Compreendendo a dialética na aproximação com o fenômeno saúde-doença. In:


Egry EY, Cubas MR. O trabalho da enfermagem em saúde coletiva no cenário Cipesc: guia
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