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VERA LÚCIA SILVA

Teorias da História II
Vera Lúcia Silva

Teorias da História II

1a Edição
Sobral/2018
Sumário

Palavra do Professor auto


Sobre o autor
Ambientação
Trocando ideais com os autores
Problematizando

UNIDADE I: O MARXISMO COMO UMA ESCOLA HISTÓRICA


REVOLUCIONÁRIA

O Marxismo e o Materialismo Histórico


Desdobramentos da tradição marxista

UNIDADE II: UMA ESCOLA HISTÓRICA CONTEMPORÂNEA: A ESCOLA


DOS ANNALES

A Escola dos Annales


A Primeira Geração dos Annales (Marc Bloch e Lucien Febvre)
A Segunda Geração dos Annales (Fernand Braudel)
A Terceira Geração dos Annales

UNIDADE III: A HISTÓRIA SOCIAL E A HISTÓRIA VISTAM DE BAIXO

A perspectiva da história social


A História vista de baixo e sua contribuição para o estudo de sujeitos pouco
contemplados pela historiografia tradicional

UNIDADE IV: A NOVA HISTÓRIA CULTURAL E A MICRO HISTÓRIA


ITALIANA

Conceitos e abordagens da Nova História Cultural


Micro História Italiana e contribuições de Carlo Ginzburg
Explicando melhor com a pesquisa
Leitura Obrigatória
Pesquisando na Internet
Saiba mais
Vendo com os olhos de ver
Revisando
Autoavaliação
Bibliografia
Bibliografia Web
Vídeos
Palavra do professor autor
Olá estudante!

Seja bem-vindo à disciplina Teorias da História!

Na disciplina Teoria da História II, o estudante, terá a oportunidade de


conhecer como o marxismo e o movimento da Escola dos Annales contribuíram
para as transformações na História e na historiografia, influenciando, inclusive,
na formação de abordagens como da História Social, da História vista de baixo,
da Micro-História e da Nova História Cultural.

Com o intuito de facilitar a aprendizagem e contribuir para a formação do


posicionamento crítico do estudante, os conteúdos trabalhados, neste módulo,
são apresentados de forma clara e dinâmica. Tomam como suporte uma
produção historiográfica pertinente sobre cada um deles, bem como algumas
videoconferências e vídeoaulas.

Assim, espero que o estudo dos capítulos, as sugestões de livros e vídeos


contribuam para aprofundar seus conhecimentos sobre o processo de
transformação da História e da historiografia no século XX e início do XXI; bem
como para o seu processo de formação profissional, levando-o a se posicionar
de maneira crítica diante da produção historiográfica existente, das pesquisas
que você desenvolve e na sua própria escrita.

A autora
Sobre a autora

Vera Lúcia Silva é mestre em História Social pela


Universidade Federal de Uberlândia – UFU (2015),
especialista em História do Ceará pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú – UVA (2013), graduada em
História pela UVA (2011). Atualmente trabalha como
revisora de livros na Editora Sertão Cult e é aluna do
Curso de Doutorado da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP).
Ambientação à disciplina

Nesta disciplina, você vai estudar dois importantes movimentos que


contribuíram de forma decisiva para o processo de constituição da História
enquanto disciplina: o marxismo e o Annales. De forma diversa, eles
possibilitaram a superação da historiografia tradicional, que defendia uma
abordagem singular, centrada nos fatos, nas ideias e decisões dos sujeitos
históricos, em batalhas e em estratégias diplomáticas.

A mudança do foco político para o social e o econômico levou à


ampliação do conceito de fonte, a diversidade das evidências e o uso de novos
métodos para analisá-las e desenvolver a pesquisa histórica, bem como a
ampliação e diversificação dos objetos, temas, sujeitos e abordagens.

As fontes deixaram de serem apenas os documentos oficiais escritos.


Agora, diários, cartas, documentos orais, a arquitetura de uma casa, os
utensílios de torturas usados durante a escravidão, vestígios arqueológicos,
entre inúmeros outros podem ser considerados fontes de pesquisa do
historiador. Estas não constituem verdades absolutas sobre um determinado
acontecimento e não são neutras como outrora se afirmava quanto à
intencionalidade dos documentos. Passam a ser analisadas de forma crítica e
problematizadora, pois são carregadas de intencionalidades e trazem versões
diferentes do que aconteceu que, por vezes, são contraditórias.

Essas mudanças impulsionadas pela tradição marxista e pelos Annales


em torno dos objetos, sujeitos e das fontes influenciaram na formação da
História Social e na História Vista de baixo (que estudaremos no terceiro
capítulo), as quais direcionaram o olhar para o estudo de pessoas que não
faziam parte do grupo dos que controlavam o poder político, econômico e/ou
militar.

A crítica à terceira geração dos Annales por Roger Chartier e Jacques


Revel possibilitou a criação de outra perspectiva de produção do conhecimento
histórico que partia não mais do viés social ou econômico, mas do cultural – a
Nova História Cultural como verá no capítulo IV. Por sua vez, a crítica à
tradição marxista levou Carlo Ginzburg a propor uma nova abordagem
histórica, a Micro-História, que parte da análise do micro para chegar a uma
compreensão mais ampla da história.

Agora, convido você a avançar as próximas páginas e aprofundar o


estudo sobre os temas apontados acima.

Bons estudos!!!
Trocando ideias com os autores

Sugerimos que leia o livro O que é marxismo.


Nesta obra, José Paulo Netto, faz uma discussão
cuidadosa acerca das suposições da teoria social de
Marx, colocando-os dentro do contexto em que a
sociedade burguesa se firmava na Europa Ocidental.
Problematiza o que se convencionou a chamar de
“marxismo”.

PAULO NETTO, José. O que é Marxismo? 9. ed. Brasiliense: Rio de Janeiro,


2006. 85 pag.

Propomos a leitura da obra: A Nova História


Cultural, de Lynn Hunt, para aprofundar seus estudos
nessa área da história que vem ocupando espaços cada
vez maiores dentro e fora dos meios acadêmicos. Neste
livro, a autora faz uma apresentação dos domínios da
recente História Cultural, por meio de uma série de
ensaios escritos por pesquisadores do tema.

HUNT, Lynn. A nova História Cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes,
2001. 317 pag.

Guia de estudo: Após a leitura das obras faça um paralelo entre ambas,
produzindo um texto que aborde as contribuições dos autores para uma
sociedade transformadora. Compartilhe suas reflexões com seus colegas na
sala virtual.
Problematizando

Ao desenvolvermos nossas pesquisas nos posicionamos a partir de


determinadas teorias, selecionamos métodos e fontes. Que abordagem teórico-
metodológica você adota ao desenvolver suas pesquisas na área de História?

A História Social? A História vista de baixo? A micro-História? A nova


História Cultura?

Guia de estudo: Pesquise e responda em forma de texto dissertativo como se


deu o processo de constituição de cada uma delas e como elas contribuíram
para a renovação da produção historiográfica e a concretização da História
enquanto disciplina.
O marxismo como uma escola
histórica revolucionária
1

CONHECIMENTOS

Conhecer como se constituiu o pensamento original de Karl Marx e Friedrich


Engels e como suas obras foram interpretadas de forma equivocada pelo
marxismo vulgar.

HABILIDADES

Identificar a contribuição de Marx e Engels no desenvolvimento de uma


concepção de história que toma o homem concreto e suas experiências reais
como base.

ATITUDES

Desenvolver um posicionamento crítico em relação ao que se convencionou a


chamar de “marxismo” e seus desdobramentos.
Marxismo e o Materialismo Histórico

Iniciemos nossa discussão acerca do marxismo e o do materialismo


histórico pensando sobre as seguintes questões:

1) O que é o marxismo e qual seus inspiradores?


2) O que propõe o materialismo histórico e em que ele contribuiu para
formar a concepção de história que temos hoje?

O sociólogo José Paulo Netto, um dos marxistas contemporâneos mais


renomados do país, faz uma discussão instigante em torno do conceito que se
convencionou a chamar de “marxismo” no livro O que é marxismo? Propondo
a tese de que não existe “marxismo”, mas “marxismos” – interpretações
diversas que tomaram por base o pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels
e que, em muitos casos, distorceram suas ideias originais –, ele vai trazendo
em seu texto elementos para que o próprio leitor reflita e faça suas próprias
considerações e não traz respostas para as questões postas.

No final da obra, considera que o leitor, a partir das indicações contidas


ao longo dela, conclua que “o marxismo" é uma série de interpretações e
acréscimos variados da obra de Marx, condicionados, cada um deles, por
injunções históricas, culturais, políticas etc.” (PAULO NETTO, 2016, p. 75)
Essas injunções variam conforme os interesses de quem se apropriam dos
temas e debates marxianos. Josef Stálin, por exemplo, assume a liderança da
União Soviética logo após a morte de Vladmir Lênin, um dos líderes da
Revolução Russa de 1917, e na Terceira Internacional reduz as teses
marxianas em seu benefício, institucionalizando as ideias de Karl Marx
(Marxismo) como oficial e único, o qual seria denominado de marxismo-
leninismo.

Marxiano: Termo usado para referir-se à obra original de Marx.


Terceira Internacional: organização comunista que existiu de 1919-1943.
Também conhecida como Internacional Comunista, foi criada com o objetivo
maior de uniformizar e homogeneizar o pensamento comunista conforme as
fórmulas do marxismo institucionalizado.
Consciente de que a obra de Marx fundou um estilo original de pensar a
sociedade burguesa e a sua dinâmica, que contém necessariamente a
alternativa da revolução socialista, Paulo Netto, afirma que o termo “marxismo
reduz a tradição marxista àquilo que um investigador ou uma instituição
reconhece como tal e obstaculiza a sua compreensão como um espectro
diferenciado de análises e propostas” (2006, p.77).

Tentando evitar esse reducionismo, procuro, nas próximas linhas, fazer


uma discussão sobre o materialismo histórico a partir do processo de
construção do pensamento de Marx e de seu amigo e companheiro de lutas,
Engels – conheça mais sobre eles no quadro abaixo. Antes, porém, é
importante salientar que a interpretação que ouso fazer aqui procurou se
diferenciar da análise stalinista que restringe a teoria marxiana a um
conhecimento científico geral do ser (o materialismo dialético) que pode ser
ampliada à sociedade (o materialismo histórico).

Karl Heinrich Marx: (1818-1883)-Filósofo, economista e político socialista


alemão, passou a maior parte da vida exilado em Londres. Doutorou-se em
1841 pela universidade de Berlim, com uma tese sobre Epicuro. Foi ligado à
esquerda hegeliana. Em 1847, com 29 e 27 anos, respectivamente, redigiram
o texto que transformou o mundo ao declarar a luta de classes como motor da
história: o Manifesto do Partido Comunista. Marx desenvolveu uma ideia de
comunismo ligada à sua concepção da história e a uma resoluta intervenção
na luta política, solidária com o movimento operário.

Friedrich Engels: (1820-1895) – Filósofo alemão, amigo e colaborador de


Karl Marx, com quem escreveu obras fundamentais como A sagrada família e
A ideologia alemã (1845-1846). Filho de um industrial rico tornou-se comunista
na juventude e uma liderança revolucionária mundial. Dedicou-se ao problema
da dialética da natureza e aos estudos sobre a classe trabalhadora na
Inglaterra. Algumas obras: A situação da classe trabalhadora na Inglaterra
(1845), a dialética da natureza (1883). Depois da morte de Marx, publicou A
origem da família, do estado e da propriedade privada (1884)...
Para chegar a uma nova concepção de materialismo, Marx e Engels
fizeram demorada investigação, analisaram as teorias sociais existentes e
romperam com o pensamento de vários teóricos. Dentre eles, do filósofo Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), do qual Marx teve contato com as obras
na Universidade de Berlim, durante o período em que cursava direito. Instigado
pelo materialismo idealista de Hegel, o jovem voltou-se para a área da filosofia,
onde posteriormente concluiu um doutorado.

Mas, Marx e Engels foram mais longe. Hegel concebia como discute
Marx na Contribuição à crítica da Economia Política, “o real como o resultado
do pensamento que se aspira em si, procede de si, move-se por si; enquanto o
método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a
maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para
reproduzi-lo mentalmente como coisa concreta”. (2008, p. 259). Nesta
perspectiva, as discussões desenvolvidas por eles partem da humanidade real,
das suas condições de vida e das suas relações materiais de produção.

No livro A ideologia alemã, eles deixam claro o método que estão


propondo para a história.

Não se parte do que os homens dizem, representam ou


imaginam, nem tampouco do homem predicado, pensado,
representado ou imaginado, para chegar, partindo daqui, ao
homem de carne e osso; parte-se do homem que realmente
atua e, partindo de seu processo de vida real, se expõe
também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos
deste processo de vida [...] Tão logo se expõe este processo
ativo de vida, a história real deixa de ser uma coleção de fatos
mortos, ainda abstratos, como o é para os empiristas, ou uma
ação imaginária de sujeitos imagináveis como o é para os
idealistas (MARX; ENGELS, 1986, p.37).

Analisando a história, as condições de vida da classe trabalhadora


operária e militando na Liga dos Comunistas, eles seguem o suposto de que
estão desenvolvendo um conhecimento que possibilita a transformação do real
e que não é meramente contemplativo. O real aqui é entendido como um
movimento contraditório, caracterizado por conflitos e interesses antagônicos.
Assim, o objetivo da ciência da história como denomina a história, é desvendar
esse movimento que é o alicerce para a compreensão do social, da economia,
da política ou de qualquer área de estudo.

Inversamente ao materialismo idealista de Hegel, o materialismo


histórico parte da concepção materialista da realidade. Lança mão do método
dialético para a análise dos mais variados fenômenos e para descobrir as leis
que regem a sua evolução. Nessa abordagem, o homem é visto como um
sujeito histórico que age em interação com a natureza e com o restante da
humanidade, construindo e transformando constantemente a história. Veja a
seguir esse processo como acontece:

As leis da dialética
Primeira Lei: a mudança dialética. A primeira lei da dialética começa
por constatar que “nada fica onde está nada permanece o que é”. Quem diz
dialética diz movimento, mudança. Por conseguinte, colocar-se do ponto de
vista da dialética significa colocar-se no ponto de vista do movimento, da
mudança. Quando quisermos estudar as coisas segundo a dialética, iremos
estudá-las nos seus movimentos, na sua mudança. [...]

Segunda Lei: a ação recíproca. O encadeamento dos processos. Ao


contrário da metafísica, a dialética não considera as coisas na qualidade de
objetos fixos, acabados, mas enquanto movimentos. Para ela, tudo está em
condições de se transformar, de se desenvolver. Nestas transformações, o
papel dos homens é o de acelerar as transformações, dar a elas um sentido,
uma direção.

Terceira Lei: a contradição. Vimos como a dialética considera as coisas


como em perpétua mudança. Isto é possível porque tudo é o resultado de um
encadeamento de processos. O desenvolvimento dos processos se dá num
movimento “em espiral”, resultado de um autodinamismo. Mas quais são as
leis do autodinamismo? A dialética ensina que todas as coisas não são
eternas. Elas têm um começo, uma maturidade, uma velhice e terminam em
um fim, que, por sua vez, gerará um novo começo. Por exemplo, observando
as células do corpo humano, veremos que estas se renovam continuamente,
desaparecendo e reaparecendo no corpo. Vivem e morrem continuamente no
ser vivo, onde existe, portanto, vida e morte. Assim, as coisas não só se
transformam umas nas outras, mas, ainda, uma coisa não é somente ela
própria, mas outra que é sua contrária. [...]

Fonte: PCB, Partido Comunista Brasileiro. Introdução ao materialismo histórico/dialético.


P. 9-10. Disponível em: < http://www.pcb.org.br/portal/docs/materialismo.pdf>. Acesso em: 19
dez. 2016.

Embora, Marx e Engels, reconhecem na filosofia de Hegel sua


importância, uma vez que foi o primeiro a apresentar as formas gerais do
movimento de modo amplo e consciente, a dialética hegeliana, como afirmou
Marx no Prefácio da segunda edição de sua principal obra: O Capital, “está de
cabeça para baixo”. “É necessário pô-la de cabeça para cima, a fim de
descobrir a substância racional dentro do revestimento, místico” (1998, p.29).
Desse modo, enquanto Hegel, entre outros de sua época, impetrava a crença
num Espírito Absoluto (ideias), Marx acreditava que a produção material de
uma época histórica é à base de toda a sociedade e, também, a criadora da
subjetividade dessa época.

Impetrava: Ajuizar; levar a juízo; demandar judicialmente: impetrou o divórcio.

Hegel defende que esse Espírito Absoluto se externalizava na natureza


e na cultura, o qual rege todo nosso conhecimento e a nossa razão. O seu
movimento, que constitui a dialética, é quem transforma o universo. A
transformação de tal espírito se percebe em suas obras e obtém uma maior
ciência de si e do mundo, chegando a um estágio superior de entendimento.

A história, nesse caso, é constituída não pela ação do homem sobre a


natureza e pelas relações que estabelecem entre si, mas pela ação do Espírito
Absoluto, que se manifesta por meio de suas obras (artes, ciência, técnicas) e
de suas instituições (religião, filosofia, leis etc.). Essa manifestação pressupõe
a contradição como condição para a existência e transformação da natureza e
do homem.

Marx e Engels superaram a concepção de dialética com base idealista


do início do século XIX. Eles defendiam que são as transformações ocorridas
no nível da realidade material que determinam as mudanças em nossas ideias
e não o contrário, como propunha Hegel. Não se trata, de acordo com a
proposição de Andre de Goes Cressoni, “de construir uma dialética que se
fundamenta na unidade dialética do Espírito que se envolve em contradições,
mas de uma dialética que se fundamenta na contradição da luta de classes”.
(2012, p. 21)

Discordando do idealismo de Hegel, Marx rever seus próprios princípios.


Nesse processo de revisão de seu pensamento, as Teses de Ludwig Andreas
Feuerbach (1804-1872), o principal expoente da filosofia neo-hegeliana
daquela época, permitiram que ele efetuasse sua inversão particular da
dialética de Hegel. Na percepção de Feuerbach, o ser é o sujeito, o
pensamento é o predicado. Este surge daquele e não o contrário, como
colocava a lógica filosófica de Hegel.

Feuerbach defende que a filosofia de Hegel é uma filosofia religiosa,


uma vez que não parte da objetividade das coisas para compreendê-las e repô-
las ao cérebro. Assim, sua crítica à religião começa por afirmar que Deus é
uma criação humana. Como é possível um ser imaterial criar um ser material
ou vice-versa? E prossegue tentando compreender a natureza em seus
elementos materiais para transformá-la em coisas que poderiam ampliar nossa
humanidade – como a criação do trem que potencializou a capacidade de
locomoção do homem e de mercadorias, por exemplo.

No entanto, ele não avança mais do que isso, uma vez que não trabalha
com o elemento da historicidade. Despreza o homem em suas relações sociais
com os outros e com a natureza e ignora a capacidade dos homens de
produzirem sua própria história. Como melhor esclarecem Marx e Engels: “Na
medida em que Feuerbach é materialista, não aparece nele à história e, na
medida em que toma a história em consideração, não é materialista.
Materialismo e história aparecem completamente divorciados nele” (MARX;
ENGELS, 1986, p. 40).

Marx inclui em sua crítica a dimensão social e histórica que falta em


Feuerbach. Para aquele, o ser social se distingue porque contém atividade
prática sensível, ou seja, nós somos seres vivos atuantes (mas não aquele ser
vivo na concepção hegeliana, que é o conceito, a ideia na história). Marx nunca
parte da abstração, mas da atividade concreta objetiva. Enquanto Feuerbach
via o mundo apreendido pela consciência passiva dos homens e das mulheres
pelos sentidos. Marx, em 1844, começa a perceber que não é somente pelos
sentidos que apreendemos o mundo. O apreendemos também pela paixão,
pelo desejo, pelo querer, pela arte, por várias formas. Há uma multiplicidade de
captura do mundo e do saber.

Retomando o pensamento de Hegel, aquilo que ele reduz como o


produto final do espírito, o saber absoluto da história, aparece em Marx como
um dos elementos da vida, pois surge no mundo do trabalho. Este produz a
nós próprios porque somos seres sociais autoproducentes no processo real de
vida.

Enquanto em Hegel o trabalho é visto apenas em seu aspecto positivo,


Marx compreende essa lógica e avança, incluindo também o elemento negativo
ao trabalho. Em sua percepção, ele é positivo porque é idealizado de riquezas
genéricas humanas. Qualquer produção de qualquer trabalhador (intelectual,
manual ou outra) é uma extensão de nós. São as nossas capacidades
subjetivas estendidas para o mundo, exteriorizadas, que potencializam nossa
ação no momento em que a repomos em nós. O trabalho é negativo quando se
apresenta subordinado ao capital, no qual o homem é alheio a sua própria
criação e é explorado. Sua expressão máxima se revela na perda dos objetos
de trabalhos e no próprio ato da produção. Aqui o homem se sente fora de si,
subtraído.

Além de Hegel e Feuerbach, Marx faz também severas críticas a Pierre-


Joseph Proudhon (1809-1865), devido à sua pequena percepção burguesa,
analisa as relações sociais capitalistas como inabaláveis. Marx já expressava
sua crítica à obra Filosofia da Miséria de Proudhon antes mesmo de publicar a
Miséria da Filosofia, em 1847, em uma carta endereçada a P. V. Annenkow,
em 28 de dezembro de 1846. Vejamos um trecho:

[...] principalmente por falta de conhecimentos históricos, o Sr.


Proudhon não percebeu que os homens, aos desenvolverem
suas forças de produção, isto é, ao viverem, desenvolvem
certas relações entre si, e que o modo de ser dessas relações
muda necessariamente com a mudança e o crescimento
dessas forças de produção. Ele não percebeu que as
categorias econômicas são apenas abstrações dessas
relações reais e que elas são verdades apenas enquanto
perduram essas relações. Ele incorre, portanto, no erro dos
economistas burgueses, que veem leis eternas nessas
categorias econômicas, e não leis históricas, leis que só valem
para um determinado desenvolvimento histórico, para uma
determinada evolução das forças produtivas. Por conseguinte,
ao invés de considerar as categorias político-econômicas como
abstrações de relações sociais reais, históricas e transitórias, o
Sr. Proudhon, graças a uma inversão mística, vê nas relações
reais tão somente encarnações dessas abstrações. (MARX
apud FERNANDES, 1984, p. 436.)

Desse modo, na perspectiva materialista histórica, a história humana


não possui caráter determinista ou está presa a algo como o destino, por
exemplo. Para Marx e Engels, a história é um campo aberto para o fazer
humano, é um fazer-se dialético constante. É importante salientar que esse
fazer é histórico e não ocorre de um modo aleatório, à revelia humana. Em
outras palavras, a história é constituída com base em como o modo de
produção da vida está organizado. Como Marx discute no capítulo introdutório
ao O 18 Brumário, “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem
arbitrariamente, nas condições escolhidas por eles, mas nas condições dadas
diretamente e herdadas do passado.” (apud FERNANDES, 1984, p. 48.)

De acordo com Alex de Novais Dancini e José Joaquim Pereira Melo,


este é o aspecto básico e central para entender o materialismo histórico, pois é
a partir da maneira como o homem satisfaz a sua primeira necessidade, ou
seja, manter-se vivo que Marx e Engels procuram entender as demais relações
existentes na sociedade (2011, p.10). Mas isso não significa a primazia do
econômico em relação às outras dimensões da vida – a política, a social, a
cultural etc. –, como propagaram interpretações distorcidas dos textos destes
autores. A teoria marxista toma a sociedade como um todo: não como um
conjunto de partes que se integram funcionalmente, mas como um aparelho
dinâmico e contraditório de relações articuladas que se implicam e se explicam
estruturalmente.

Assim, em O Capital – volume I (publicado em 1867 e numa versão


modificada pelo próprio Marx em 1872); volumes II (1885) e III (1894),
publicados por Engels –, Marx e Engels fazem uma discussão rigorosa acerca
da sociedade capitalista, dando ênfase a sua dinâmica, contradições e dos
futuros possíveis e, sobretudo, desejáveis que poderiam e deveriam causar as
lutas sociais.

Posicionando-se politicamente a partir do seu tempo presente – período


em que a classe operária já se colocava como antagônica à burguesia
industrial – as obras de Marx e Engels não só contribuíram para a criação de
um novo método de pesquisa e interpretação da sociedade a partir do real
como também para a possibilidade de transformação social.

No Manifesto do Partido Comunista (1848), suas propostas não partem,


como afirma José Paulo Netto, “de uma prospecção utópica de um futuro a ser
construído pela dedicação eticamente generosa de uma vanguarda ilustrada,
mas da análise das possibilidades concretas postas na dinâmica histórica pelo
desenvolvimento real da situação presente.” (2013, p. 24)

Com essa breve análise procurou demonstrar a vitalidade das obras de


Marx e Engels para a compreensão que temos hoje de história como processo,
o modo como os seres humanos constroem socialmente a sua vida, ligando-se
ou opondo-se entre si, de acordo com sua disposição nas relações de
produção na sociedade e no Estado de forma dinâmica.

Ainda que haja críticas negativas em relação à teoria marxiana por parte
de grupos conservadores, é inegável a importância e eloquência de suas
discussões, dentro e fora dos muros acadêmicos, na análise da sociedade e na
proposição do materialismo histórico como um ponto de partida para o
conhecimento das relações sociais, políticas, econômicas e culturais que os
homens estabelecem entre si no processo de produção dos bens materiais;
bem como, para a transformação da sociedade em que vivemos.
Desdobramentos da tradição marxista

Atualmente existe uma grande produção em diversas áreas do


conhecimento sobre o que Marx e Friedrich Engels escreveram. Muitas dessas
produções fizeram uma análise apressada e distante e, às vezes, até
divergente daquilo que eles estavam nos propondo.

Paradoxalmente, os equívocos de interpretação de suas obras foram


feitos tanto por seus próprios seguidores quanto por seus adversários. “Uns e
outros, por razões diferentes, contribuíram decisivamente para desfigurar o
pensamento marxiano” (PAULO NETTO, 2011, p.11-12), dando origem a
diferentes vertentes e alternativas de uma larga tradição teórica e política
chamada de marxismos.

Entre os marxistas, as deformações e os equívocos tiveram por base as


influências positivistas, vindas dos principais pensadores da Segunda
Internacional, Georgi Plekhanov e Karl Kautsky. Paulo Netto discute que essas
influências não foram superadas, pelo contrário, tornaram-se ainda mais
intensas, inclusive com incidências neopositivistas, no desenvolvimento
ideológico da Terceira Internacional, culminando na ideologia stalinista. (2011,
p. 12)

Delas resultou um reducionismo da obra marxiana que define o


materialismo dialético como uma espécie de conhecimento geral, articulado
sobre uma teoria total do ser, e o materialismo histórico como a sua
particularização em face da sociedade. Sobre esta base, de acordo com o
entendimento de Paulo Netto, “surgiu farta literatura manualesca, apresentando
o método de Marx como resumível nos ‘princípios fundamentais’ do
materialismo dialético e do materialismo histórico” (2011, p.12). Defendia-se,
assim, a aplicação da lógica dialética a natureza e a sociedade, sem nenhuma
distinção, sendo necessário apenas o conhecimento das suas leis (as célebres
“leis da dialética”) para garantir o bom andamento das pesquisas.

Neste sentido, o conhecimento da realidade não demandaria os árduos


esforços investigativos de sempre, “substituído pela simples ‘aplicação’ do
método de Marx, que haveria de ‘solucionar’ todos os problemas: uma análise
‘econômica’ forneceria a ‘explicação’ do sistema político, das formas culturais
etc.” (PAULO NETTO, 2011, p. 13)

O historiador Eric Hobsbawm (1917-2012) faz uma discussão acerca da


influência de ideias marxistas entre os historiadores, as quais foram associadas
a Marx e aos movimentos inspirados por seu pensamento, mas que não são
marxianas. Ele denomina esse tipo de influência de “marxismo vulgar” e afirma
que é necessário separá-la do componente marxista na análise história. Com
esse propósito sugere que o “marxismo vulgar” abarca principalmente os
seguintes elementos:

1. A “interpretação econômica da história”, ou seja, a crença de que “o fator


econômico é o fator fundamental do qual dependem os demais” (para usar
a frase de R. Stammler); e, mais especificamente, do qual dependiam
fenômenos até então não considerados com muita relação com questões
econômicas. Nesse sentido essa interpretação se superpunha ao
2. Modelo da “base e superestrutura” (utilizada mais amplamente para explicar
a história das ideias). A despeito das próprias advertências de Marx e
Engels e das observações sofisticadas de alguns marxistas iniciais como
Labriola, esse modelo era usualmente interpretado como uma simples
relação de dominância e dependência entre “base econômica” e
“superestrutura”, na maioria das vezes mediada pelo.
3. “Interesse de classe e a luta de classes”. Têm-se a impressão de que
diversos historiadores marxistas vulgares não liam muito além da primeira
página do Manifesto Comunista, e da frase “a história [escrita] de todas as
sociedades até agora existentes é a história das lutas de classes”.
4. Temas específicos de investigações históricas derivavam dos próprios
interesses de Marx, por exemplo, na história do desenvolvimento capitalista
e da industrialização, mas também, por vezes, de comentários mais ou
menos casuais.
5. “Leis históricas e inevitabilidade histórica”. Acreditava-se, acertadamente,
que Marx insistira sobre um desenvolvimento sistemático e necessário da
sociedade humana na história, a partir do qual o contingente era em grande
parte excluído, de qualquer maneira, ao nível de generalização sobre os
movimentos de longo prazo. Daí a constante preocupação nos escritos
históricos dos primeiros marxistas com problemas como o papel do
indivíduo ou do acidente na história. Por outro lado, isso podia ser – e em
grande parte era – interpretado como uma regularidade rígida e imposta,
como, por exemplo, na sucessão das formações socioeconômicas, ou
mesmo como um determinismo mecânico que às vezes se aproximava da
sugestão de que não havia alternativas na história.
6. Temas específicos de investigação não derivavam tanto de Marx quanto do
interesse dos movimentos associados a sua teoria, por exemplo, nas
agitações das classes oprimidas (camponesas, operárias), ou nas
revoluções.
7. Várias observações sobre a natureza e limites da historiografia derivavam
principalmente do elemento número 2 e serviam para explicar as
motivações e métodos de historiadores que afirmavam não estarem
fazendo mais que a busca imparcial da verdade e se orgulhavam de
simplesmente estabelecer wie es eigntlich gewesen,( Como era adequado).

Fonte: HOBSBAWN, Eric J. Sobre história. Tradução Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998, p.159-160.

A referência ao “fator econômico” como categórica em relação aos


fatores sociais, culturais, políticos etc. na história, dominante pós-fim da
Segunda Guerra Mundial, atingiu a minoria dos países – como a Alemanha
Ocidental e os Estados Unidos –, e que continua se expandindo por outros
países, é fruto de uma leitura apressada de parte das obras de Marx e não de
sua totalidade. É, ainda, resultado dos interesses de pesquisadores para
adequar o pensamento dele ao seu objeto de estudo ou as suas propostas
políticas. No entanto, é importante registrar que essa tendência, embora seja
produto da influência marxista, não há nenhuma ligação com a obra original de
Marx.

No trecho de uma carta de cinco do mês de agosto de 1890, citada por


Paulo Netto, Engels reclamava contra procedimentos deste gênero, insistindo
em que a:
[...] a nossa [de Marx e dele] concepção da história é,
sobretudo, um guia para o estudo [...] É necessário voltar a
estudar toda a história, devem examinar-se em todos os
detalhes as condições de existência das diversas formações
sociais antes de procurar deduzir delas as ideias políticas,
jurídicas, estéticas, filosóficas, religiosas etc. que lhes
correspondem. (MARX; ENGELS, apud PAULO NETTO, 2011,
p.13)

O que eles sustentavam tão somente era a ideia segundo a qual a


produção e a reprodução da vida real somente em última instância
determinavam a história. Tomavam a sociedade como uma totalidade, mas não
na formulação leninista que divide essa totalidade em estrutura e
superestrutura.

Essa concepção reducionista é compartilhada também por muitos dos


seus adversários teóricos, como Weber, que “criticou, na ‘concepção
materialista da história’, as explicações ‘monocausalistas’ dos processos
sociais, isto é, explicações que pretendiam esclarecer tudo a partir de uma
única causa (ou "fator")”. (PAULO NETTO, 2011, p. 14) Porém, como afirmei
no parágrafo anterior, Marx e Engels levavam em consideração o ponto de
vista da totalidade e não a predominância das causas econômicas.

O historiador marxista Edward Palmer Thompson (1924-1993)


argumenta que a analogia “base e superestrutura” são radicalmente
inadequadas. Raymond Williams, em Marxismo e Literatura, já alertava que a
crítica original de Marx volta-se “principalmente contra a separação das áreas
do pensamento e atividade (como na separação entre a consciência e a
produção material) e contra o esvaziamento correlato do conteúdo específico –
atividades reais – pela imposição de categorias abstratas.” (1979, p. 82)
Portanto, a abstração comum da infraestrutura é uma continuação radical dos
modos de pensar que Marx atacou.

Assim como as categorias infraestrutura e superestrutura, o conceito de


classe tendo sido interpretado de forma estática e abstrata, desconsiderando
sua historicidade. Se a adotarmos nesse sentido, estaremos propondo que a
classe sempre esteve presente como um resultado de relações de produção,
daí resultando a luta de classes. Historicamente, sabemos que, no uso
moderno, o termo classe guarda relação com a sociedade capitalista industrial
do século XIX. Portanto, é somente no seu uso moderno que essa categoria se
torna utilizável para um sistema de conhecimento da sociedade que vive nesse
período (THOMPSON, 2001, p.273) e não de toda a história como difundiu o
marxismo vulgar.

Outro “erro recorrente de compreensão do pensamento de Marx diz


respeito a um pretenso ‘‘determinismo”. Neste caso, “a teoria social de Marx
estaria comprometida por uma teleologia evolucionista, ou seja, [...] uma
dinâmica qualquer (econômica, tecnológica etc.) dirigiria necessária e
compulsoriamente a história para um fim de antemão previsto (o socialismo).”
(PAULO NETTO, 2011, p.13) No entanto, a história, na concepção marxiana, é
vista como processo, em movimento.

Um fator que contribuiu para a disseminação de interpretações


distorcidas da teoria formulada por Marx foi à consolidação do stalinismo,
quando o marxismo a partir da Segunda Internacional se converteu numa
ideologia do Estado, difundindo um discurso adequado para legitimar aparatos
de poder. Ainda nos anos 1930, o marxismo se institucionalizou: investido
como ideologia oficial do Estado autocrático stalinista, ele se tornou uma
linguagem e uma estratégia de poder. (PAULO NETTO, 2011, p. 50-51)

Por meio da Terceira Internacional – criada com o propósito de


homogeneizar o pensamento comunista segundo as formulações do marxismo
institucionalizado –, essa transformação não aborda apenas o mundo cultural
soviético. De acordo com Paulo Netto, “os modelos políticos e ideológicos do
partido soviético stalinizado se generalizam entre os comunistas de todo o
mundo.” (2006, p. 51).

Nos finais dos anos 1950, novas divisões dentro do movimento


revolucionário, segundo Paulo Netto:

Tipificadas no conflito sino-soviético e reproduzidas largamente


entre os comunistas, terminam por cristalizar outra divisão
entre as correntes renovadoras da tradição marxista e aquelas
apegadas a um novo dogmatismo (a versão inicial do
maoísmo, as caricaturas albanesas e, no plano teórico mais
sofisticado, o marxismo impregnado de neopositivismo, como o
de Althusser). De outra, a aproximação ao legado de Marx de
movimentos de insurgência de origem não proletária –
baseados especialmente em camadas médias urbanas ou
pequenas burguesas, intelectuais ou de inspiração religiosa –,
que utilizam categorias marxianas num quadro de referência
que nada tem a ver com a teoria social de Marx. (PAULO
NETTO, 2006, p. 67)

Infelizmente, muitas pessoas se limitaram a essas versões distorcidas


das obras de Marx – que no caso do “althusserianismo”, usando um termo
citado por Thompson, constitui uma evidente ação política ideológica que
separa teoria e prática, construindo uma rejeição a seu pensamento que tem
impossibilitado conhecê-lo em sua originalidade.

Para não incorrer nos equívocos apontados acima é indispensável que


todas as ideias de Marx, Engels e de seus seguidores sejam testadas e
verificadas sempre, evitando que constituam verdades invariáveis e evidentes
por si mesmas.

Retomo Paulo Netto, para afirmar que praticamente todas essas


explicações equivocadas podem ser superadas desde que o leitor não tenha
preconceitos com o uso de “fontes que operam uma análise rigorosa e
qualificada da obra marxiana como, por exemplo, os diferenciados estudos de
Rosdolsky (2001), Dal Pra (1971), Lukács (1979), Dussel (1985), Bensaid
(1999, terceira parte) e Mészáros (2009, cap. 8)”. (2011, p. 16)

Mas é importante advertir que a recorrência a esses autores não


dispensa uma leitura demorada e cuidadosa dos próprios textos de Marx (e,
eventualmente, de Marx e Engels), pois “propicia o material indispensável e
adequado para o conhecimento do método que ele descobriu para o estudo da
sociedade burguesa.” (PAULO NETTO, 2011, p. 16) Ademais, como afirma
Hobsbawm, “Marx continua a ser a base essencial de todo estudo adequado de
história, porque até agora apenas ele tentou formular uma abordagem
metodológica da história como um todo, e considerar e explicar todo o
processo de evolução social humana.” (1998, p. 181).
Uma escola histórica
contemporânea: a Escola dos
Annales
2

CONHECIMENTOS

Seu desenvolvimento em fases distintas. Compreender como nasceu o


movimento dos Annales, bem como.

HABILIDADES

Identificar as contribuições dos Annales para a diversidade de abordagens, de


temas, sujeitos e fontes na produção do conhecimento histórico.

ATITUDES

Instigar o pensamento crítico em relação às diferentes perspectivas de estudo


da história que os Annales possibilitaram constituir.
A Escola dos Annales

O final do século XIX foi marcado por amplas transformações sociais e


políticas, fruto das mais diversas manifestações revolucionárias que se
alastraram pelos continentes europeu e americano, como os movimentos em
prol da Independência dos EUA, a Revolução Francesa, as Revoluções
Liberais. Mais adiante, “os movimentos feministas, a gradual inserção da
mulher no mercado de trabalho, o reconhecimento acadêmico e político das
minorias e maiorias oprimidas, e outros tantos processos que se
desenvolveram no decurso do século XX”. (BARROS, 2007, p.26).

“Felizes os apaixonados pela História, felizes porque podem ler este


texto, suas rasuras e acréscimos, [...]” (FEBVRE, 1998, p. 7). Assim inicia o
prefácio da obra: Honra e Pátria, de autoria do francês Lucien Febvre, feito pelo
historiador Charles Morazé. Faremos destas palavras as nossas para convidá-
los a apreciar esta discussão sobre a Escola dos Annales. Inicialmente,
consideramos pertinente apresentar as condições que possibilitaram essa
revolução na historiografia. No segundo momento, trataremos das ações e
práticas gerais dos Annales, fazendo uma discussão sobre as três “gerações” e
suas peculiaridades. Usando as palavras de Tânia Navarro Swain, autora,
organizadora e apresentadora da obra História no Plural: “Abre-se aqui mais
um palco de debates”. (1994, p. 8).

Os acontecimentos de cunho histórico geralmente são gestados por


insatisfação à atuação de uma política vigente. Com os Annales não foi
diferente, assim como também não se revelou no alvorecer de uma manhã de
sol. Eles foram estruturados a partir de estudos, pesquisas e análises do
processo metodológico da pesquisa em história. A rejeição à história clássica
política e militar, a construção de ídolos e a cronologia foram à base da
renovação teórica e metodológica da historiografia francesa.

As discrepâncias de pensamento sobre a atuação da história geraram


intensos debates e embrenhou-se no território europeu como uma serpente ao
meio dia sobre a areia quente, com maior ênfase na França. Historiadores
como J. Michelet e Fustel de Coulanges despertaram curiosidade e admiração
de muitos estudantes, entre eles Lucien Febvre; e os sociólogos Émile
Durkheim e Lévy-Bruhl tiveram grande influência na formação de Marc Bloch.

Imerso nesta seara, alguns pesquisadores, professores e alunos


popularizaram inúmeras inquietações acerca da atuação da história e suas
fronteiras com as ciências humanas e sociais, especialmente com a sociologia,
a geografia, a antropologia e a economia. Eram, assim, instigados pela
concepção de uma História viva e interdisciplinar.

A história dos Annales tem início em 1929 e se prolonga até,


aproximadamente, 1989. Porém, é necessária nossa circulação tanto no
sentido de recuo quanto de avanço a esse recorte temporal, haja visto que
existem versões diferenciados sobre o número de fases da Escola dos Annales
e suas temporalidades.

Georges Iggers citado por José Carlos Reis divide os Annales em dois
momentos, um anterior a 1945, caracterizado por Emmanuel Le Roy Ladurie
como sendo a “história estrutural qualitativa”, e outro pós 1945, a “história
quantitativa conjuntural” (2000, p.92). Entretanto, é mais frequente uma divisão
dos Annales em três fases distintas, de (1929-1946), (1946-1968) e de 1968
em diante, como veremos a partir do segundo item deste capítulo. Há ainda
outros historiadores que falam de uma quarta fase, pós (1988), na qual os
Annales reveem seus conceitos, suas metodologias e posições frente ao
projeto da Escola.

A historicidade reside na relação das ações e experiências do presente


para com o passado. As perguntas adequadas às fontes históricas fazem com
que o pesquisador realize a leitura destas, no tempo e no espaço ocupado
pelas mesmas. Como podemos destacar no trabalho de Reinhat Koselleck:

O conhecimento histórico é sempre mais do que aquilo que se


encontra nas fontes. [...] Toda fonte ou, mais precisamente,
todo vestígio que se transforma em fonte por meio de nossas
interrogações nos remete a uma História que é sempre algo
mais ou algo menos que o próprio vestígio, e sempre algo
diferente dele. Uma História nunca é idêntica à fonte que dela
dá testemunha. Se assim fosse, toda fonte que jorra cristalina
seria já a própria História que se busca conhecer.
(KOSELLECK, 2006, p.186).

Tal iniciativa é fruto dos novos conceitos históricos e da mudança das


ações e práticas no campo da investigação e dos métodos historiográficos que
tomou forma, principalmente, pós-vanguarda da nova concepção de História,
pensada por Lucien Febvre, Marc Bloch e Ernest Labrousse, em 1929, na
Universidade de Estrasburgo, na França. Este movimento foi denominado de
Revolução dos Annales, uma manifestação que primou por novos objetos,
novas problemáticas e novas abordagens.

Os Annales, ao se aproximarem das ciências sociais, romperam com a


influência incisiva da Filosofia na construção do conhecimento histórico. A
Revolução Francesa da Historiografia, como também ficou conhecido esse
movimento, foi marcada por um veículo de comunicação escrita que perpassou
as suas diversas fases e ainda em vigor, a revista de história intitulada,
inicialmente, de Annales d’Histoire Economique et Sociale, fundada em 1929.
Essa revista foi apontada como ferramenta de combate a história fatual e de
divulgação da revolução historiográfica francesa.

A historiografia do século XIX se constituiu tradicionalmente em torno do


campo político e militar, mais precisamente, na constituição e desenvolvimento
dos Estados Nacionais, primando por discussões como nacionalismo, narrativa
dos grandes nomes e acontecimentos. É válido salientar que a Escola dos
Annales, não propôs o abandono da historiografia anterior, mas sugeriu
problematizar o objeto de pesquisa, diversificar as fontes e a metodologia de
pesquisa, ou seja, pensar o tema sobre a abordagem da história problema.
Nem sempre se fez História do mesmo jeito, de modo que a partir dos Annales,
o rompimento com as narrações da história política, com o tempo cronológico,
linear e irreversível se fez necessário para o aprimoramento e ampliação do
conhecimento histórico através de novas técnicas e novas abordagens. Veja a
citação a seguir:

De certa forma Karl Marx (1818-1883), no próprio século XIX,


já havia sido um percussor deste novo tipo de história,
juntamente com outros historiadores isolados. O fundador do
Materialismo Histórico estava preocupado com um problema
muito específico quando elaborava as suas análises
sociológicas e históricas: o problema do desenrolar da luta de
classes e de sua inserção em um modo de produção
específico. (BARROS, 2007, p.30).

Porém, os trabalhos de Karl Marx apresentaram-se de modo tímido nas


primeiras fases dos Annales, em razão de seus fundadores não terem sido
influenciados por seu pensamento, com exceção de Ernest Labrousse, que
sofreu sua influência na formação.

Afinal, o que os Annales teriam a oferecer como novo paradigma e


identidade da pesquisa em história?

A história a partir de então não mais construiria “Impérios”, forjaria


nomes, defenderia o tempo contínuo, mas adotaria como instrumentos de
pesquisa o estudo das margens, as circunstâncias dos “desvios”. A história é
uma construção política e social, que tem mais consistência quando feita em
consonância e contextualizada com a vivência e identidade do tempo presente.

A postura questionadora do historiador, neste sentido, faz-se necessária


para perceber os contrapontos e intenções presentes nas evidências históricas,
pois “Os textos ou os documentos arqueológicos, mesmo os aparentes mais
claros e mais complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-lo”
(BLOCH, 2001, p.79). Neste sentido, o historiador Durval Muniz de
Albuquerque Junior acrescenta, “O conhecimento, o evento em História não é,
pois, um dado transparente que se oferece, por inteiro, ou em sua essência,
mas é uma intriga, um tecido que vai ser retratado e, é refeito pelo historiador.”
(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p.63).

A historiografia pós-Annales incorpora um caráter mais reflexivo e


questionador, primando não mais pela quantidade ou a qualidade (a
oficialidade) dos documentos, mas procura dá ênfase à forma como estes
foram ou são trabalhados e contextualizados. Da mesma forma que o
pesquisador não é passivo perante as fontes, estas por sua vez, também não
são neutras, são resultados de quem as produziu e fruto da seleção de quem
as analisa.
No texto de autoria de Tuchman Bárbara, podemos perceber como se dá
a relação entre o passado (fontes) e o presente (lugar social do pesquisador)
quando frisa: “[...] a razão é que quem escreve sobre o passado não esteve no
passado. Não podemos nunca ter certeza de ter recapturado o passado como
realmente foi. Mas o mínimo que podemos fazer é ficar dentro das provas.”
(1991, p. 11), deste modo, é indispensável à consciência de que o passado é,
antes de tudo, um produto e que os registros são fundamentais para sua
constituição. No entanto, a História não é o que está posto nas fontes, nem
mesmo o que virá a ser ou o que já é, isto é, a “presentificação” do passado.

Mas, afinal, o que seria fonte para a pesquisa histórica?

Até o final do século XIX apenas os documentos escritos oficiais eram


considerados fontes. Um dos primeiros passos para a ruptura da oficialidade
das fontes documentais foi com o movimento liderado por James Harvey
Robinson, o qual defendia que:

“História inclui qualquer traço ou vestígio das coisas que o


homem fez ou pensou, desde o seu surgimento sobre a terra”.
Por método, “A nova história deveria utilizar-se de todas as
descobertas sobre a humanidade, que estão sendo feitas por
antropólogos, economistas, psicólogos e sociólogos”.
(ROBINSON apud BURKE, 1997, p.20).

Em conformidade com essa maneira de pensar, Bloch ressalta que “A


diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz
ou escreve, tudo que fabrica tudo que toca pode e deve informar sobre ele.”
(2001, p.79). Na pesquisa histórica, o historiador limita-se aos relatos dos
testemunhos, pois, na maioria delas não vivenciou os fatos estudados. O
passado é imutável, no entanto, seu conhecimento não, podendo ser
progressivo e aperfeiçoado.

Reinventar é uma ação que denota plena subjetividade e é necessário


que todo pesquisador tenha consciência do caráter subjetivo que lhe rodeia. O
objeto da pesquisa, desde a escolha do recorte, da linha metodológica, da
maneira de vê-lo, da aceitação e/ou reprovação de algumas fontes durante a
seleção no acervo, tem a subjetividade presente.
A filosofia, começando na Antiguidade, atuou como mola mestra na
condução das pesquisas e na construção do conhecimento, mas sua
ramificação se fez imperativa como forma de melhor trabalhar os múltiplos
fenômenos naturais e históricos que nos cercam. Isso foi essencial para a
ampliação do conhecimento do homem.

A ideia, proposta pelos reformadores do século XX, visou aproximar as


ciências sociais para que as mesmas dialogassem entre si interdisciplinaridade,
buscando melhores interpretações dos fatos, eventos e circunstâncias que
envolvem a humanidade. Além da interdisciplinaridade, tal proposta tomou
como base a desaceleração do tempo histórico e a ampliação das fontes.

A Primeira Geração dos Annales (Marc Bloch e Lucien


Febvre), 1929-1946.

A Escola dos Annales teve, inicialmente, como principais articuladores


Lucien Febvre e Marc Bloch (veja um pouco mais sobre eles no quadro
abaixo). Reservadas as diferenças entre eles, a maneira de abordar os temas
com uma perspectiva de uma história-problema os aproximava. Ambos
frequentaram a Escola Normal Superior da França, que, mesmo contando com
uma linha metodológica tradicional, foi um terreno fértil para o amadurecimento
e troca de ideias entre estudiosos e professores das mais variadas vertentes da
ciência, historiador, geógrafo, antropólogo, psicólogo social, sociólogo etc.

Marc Bloch nasceu em 6 de julho de 1886, em Lyon. Convocado em 1914


como sargento de infantaria, terminou a Primeira Guerra Mundial como
capitão. Em 1919, tornou-se professor da Universidade de Estrasburgo, onde
desenvolveu e sistematizou, ao longo de dezessete anos, o essencial de sua
obra. Em 1939, apesar da idade e das responsabilidades familiares que
poderiam isentá-lo das obrigações militares, foi novamente convocado, a seu
pedido. É nessa época que redige, em sua casa de campo, A estranha
derrota, cujos manuscritos foram mantidos em local secreto até o fim da
guerra. Ajudou a renovar as pesquisas históricas na França graças a uma
abertura aos estudos da antropologia, da sociedade e da economia.

Lucien Febvre nasceu em 1878, em Nancy. Estudou na École Normale


Supérieure, onde se formou em história e geografia. Em 1911, doutorou-se
com a tese Philippe II et la Franche-Comté: étude d"histoire politique,
religieuse et sociale. Oito anos mais tarde, tornou-se professor de história
moderna na Universidade de Estrasburgo (França). Publicou então La Terre et
l"évolution humaine (1922) e Martinho Lutero, um destino (1928). Em 1929,
junto ao historiador Marc Bloch (1886-1944), fundou a revista Annales
d"histoire économique et sociale, que deu origem à corrente historiográfica
conhecida como Escola dos Annales. Febvre dirigiu a revista até sua morte,
em 1956. Algumas de suas principais obras traduzidas para o português são O
problema da incredulidade no século XVI (1942) e Combates pela história
(1952).

Lucien Febvre era mais ligado à geografia de Paul Vidal de la Blache,


um de seus professores; e Marc Bloch, por influência de Durkheim, à
sociologia. Quando nomeados para cargos na Universidade de Estrasburgo,
juntos provocaram uma mudança repentina na historiografia francesa. Segundo
Peter Burke:

O período de encontros diários, em Estrasburgo, entre Bloch e


Febvre durou apenas treze anos, de 1920 a 1933; foi, porém,
de vital importância para o movimento dos Annales. Mais
importante ainda pelo fato de que ambos estavam cercados por
um grupo interdisciplinar extremamente atuante. Daí a
importância de realçar-se o ambiente em que se formou o
grupo. (BURKE, 1997, p.27).

Estrasburgo tornou-se a partir da atuação Bloch e Febvre, o principal


centro de estudos e inovação intelectual da Europa, pós-Primeira Guerra
Mundial (1914-1918). A unificação da França, a efervescente discussão sobre
a epistemologia da história, as possíveis relações com outras ciências foram
elementos que contribuíram para que o país se tornasse referência e berço da
Escola dos Annales. Rogério Forastieri da Silva afirma que:

O aparecimento de certa forma tardia de histórias gerais da


historiografia na França associa-se, por sua vez, a um quadro
de referências mais amplo que deve ser explicitado.
Acreditamos que seja possível afirmar que a intensificação das
reflexões historiográficas de caráter geral na França situa-se
em torno do imediato pós-primeira Guerra Mundial e parece
que, não sem bons motivos, tendem a se concentrar naquele
momento na Universidade de Estrasburgo. (SILVA, 2001,
p.175).

A atuação do renascentista Febvre e do medievalista Bloch como


professores, facilitou o intercâmbio entre disciplinas e ideias sobre a renovação
da história, pois, de acordo com Febvre apud Burke:

Suas salas de trabalho eram contíguas, e as portas


permaneciam abertas (Febvre, 1953, p. 393). Em suas
infindáveis discussões participavam colegas como o psicólogo
social Charles Blondel, cujas ideias eram importantes para
Febvre, e o sociólogo Maurice Halbwaches, cujo estudo sobre
a estrutura social da memória, publicada em 1925, causou
profunda impressão em Bloch. (BURKE, 1997, p.27).

Após (1918), Febvre idealizou uma revista internacional dedicado à


história econômica que existiu por pouco tempo, em decorrência de algumas
dificuldades. Em (1928), Marc Bloch criou a Annales d’Histoire Economique et
Sociale, que ficou sob sua direção e de Febvre. “Promover a aproximação da
história das ciências sociais e afirmar a nouvelle histoire não por artigos
teóricos, mas ‘pelo exemplo e pelo fato’”, destaca o editorial do primeiro
número da revista, publicado em 15 de janeiro de 1929.

Com o objetivo de socializar e divulgar as ideias do movimento, esta


revista marcaria a liderança intelectual dos Annales. Ela seria, segundo Burke,
“... O porta voz, melhor dizendo, o alto falante de difusão dos apelos dos
editores em favor de uma abordagem nova e interdisciplinar da história.”
(BURKE, 1997, p.33).

Surgiu com o objetivo de fazer o contraponto aos veículos tradicionais


reverberante na sociedade europeia da época. Tomando um termo histórico,
Burke declara que os Annales atuaram como uma revista de seita herética. “É
necessário ser herético”, declara Febvre em sua aula inaugural. (BURKE, 1997,
p.43). Sobre a fundação da revista e de sua proposta, destaca Silva:

Em torno de Marc Bloch e Lucien Febvre estão dispostos e


empenhados em inovar as perspectivas sobre os estudos
históricos, como já referimos com a fundação da revista
Annales (1929), concebida, entre outros aspectos, como um
veículo para condenar o que consideravam ser a “história
tradicional” e ao mesmo tempo promover as suas novas
propostas. (SILVA, 2001, p.194).

A atuação efetiva de Febvre e Bloch na sociedade francesa fertilizou o


terreno para a sociabilização dos novos conceitos e métodos da história. A
ação deles se deu por meio da direção da revista científica; de publicações de
artigos, defendendo a nova metodologia historiográfica; dos embates com
pesquisadores de correntes historiográficas diferentes; como professores
universitários. Bloch ainda participou do primeiro e segundo conflito mundial.

Burke afirma em seus escritos a atuação do colega em um trecho


intitulado Febvre no poder:

Depois da guerra, Febvre foi convidado a auxiliar na


reorganização de uma instituição mais prestigiosas no sistema
francês de educação superior, a École Pratique de Hautes
Études, fundada em 1884. Foi eleito membro do Instituto e
tornou-se também o delegado francês na UNESCO,
participando da organização da coleção sobre a “História
Cultural de Científica da Humanidade.” Se não bastasse
Febvre ainda fundou a VI Seção da École Pratique des Hautes
Études, em 1947. Ele tornou-se presidente da VI Seção,
dedicada às ciências sociais, e Diretor do Centro de Pesquisas
Históricas, uma seção dentro da seção. Nomeou discípulos e
amigos para as posições chave da organização. Braudel, [...],
auxiliou-o a administrar o Centro de Pesquisas Históricas e os
Annales. (BURKE, 1997, p.42).

A Primeira Fase dos Annales, de modo geral, é entendida como o


período de constituição de um olhar inovador do historiador, a conscientização
da necessidade de ampliação das fontes documentais, problematização dos
fatos históricos, revisão da noção de temporalidade e sistematização dos
métodos de pesquisa. Bloch, em especial, já escrevia uma história de longa
duração, com períodos mais alongados e estruturados. Em sua obra Apologia
da História, é possível destacar os objetos de estudo de forma problematizada
e sua credibilidade a temas como poder monárquico, crenças e ritos, medicina
popular e mentalidades etc.

A nova concepção de história não criou um novo método de pesquisa,


apenas empregou os métodos de forma sistemática e interdisciplinar. A escola
dos Annales foi um movimento de aversão à História Metódica Francesa, que
tinha como inspiração a Escola Histórica Alemã. Propunha deste modo, uma
renovação da pesquisa em história. Febvre apud Burke enfatiza que:

Pouco a pouco os Annales converteram-se no centro de uma


escola histórica. Foi entre 1930 e 1940 que Febvre escreveu a
maioria de seus ataques aos especialistas canhestros e
empiristas, além de seus manifestos e programas em defesa
de “um novo tipo de história” associado aos Annales –
postulando por pesquisa interdisciplinar, por uma história
voltada para problemas, por uma história da sensibilidade, etc.
(FEBVRE apud BURKE, 1997, p.38).

Pela oportunidade de atuarem frente a diversos setores da sociedade


francesa, os Annales conseguiram despertar em ex-alunos e colegas de
profissão um entusiasmo crescente. Febvre reconhecia a existência de um
grupo de discípulos, um núcleo fiel de jovens, que adotaram o que chamavam
de “o espírito dos Annales”. Entre esses jovens, destacou-se Fernand Braudel,
com quem Febvre teve contato em 1937, e Pierre Goubert que: “[...] estudava
com Bloch, nessa época, e, embora viesse a especializar-se na história do
século XVII, permaneceu fiel ao estilo da história rural de seu mestre. Alguns
de seus discípulos em Estrasburgo estavam, então, transmitindo suas
mensagens em escolas e universidades.” (BURKE, 1997, p.38).

Com esses nomes, o movimento continuou firme na campanha de


formular teórica e metodológica a ciência histórica. A História foi, por muito
tempo, entendida como uma ciência do passado. No entanto, é válido salientar
que este entendimento caiu por terra, principalmente, no decorrer do século
XX. Como diria mais tarde Walter Benjamin, “a História é objeto de uma
construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo
saturado de agoras”, (1985, p.229). Nessa lógica, a relação passado/presente
se inverte para tornar mais clara à relação do momento do qual partimos.

Assim, é imprescindível saber lidar e contextualizar as experiências


envolvidas no processo de pesquisa da história. A produção do conhecimento
histórico lida com as mais diversas circunstâncias de tempo e espaço, ou seja,
o historiador, em suas análises, parte de inquietações e problematizações do
presente, no sentido de desvendar, compreender e até mesmo transformar as
versões dos fatos e acontecimentos por ele selecionados, de modo que a
História se torna uma realidade viva e mutável.

O campo de atuação do historiador torna-se complexo, o objeto de


pesquisa e análise do pesquisador em História é o tempo passado, mas
diretamente relacionado ao presente. Este passa a ser o ponto de partida de
investigação do passado.

Por fim, cabe-nos perguntar: o que justifica o nascimento da revolução


historiográfica na França?

Por volta de 1900, as críticas à história política eram particularmente


agudas e as sugestões para sua substituição bastante fértil. Nesta mesma
época, na França, a natureza da história tornou-se o objeto de um intenso
debate (BURKE, 1997, p.20). É notório e quase que consenso o
reconhecimento da Alemanha, pelos estudiosos da historiografia, como o local
mais propício para liderar a revolução da historiográfica no início do século XX,
sobretudo porque era norteadora da história até então.

No entanto, a atuação de pensadores, como o economista François


Simiand, Ernest Lavisse, e Henri Berr – que promoviam constantes críticas ao
trabalho de Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos, principais
representantes da Escola Metódica Francesa, alimentou o sentimento de
insatisfação em relação à maneira de fazer a história na França. Além do mais,
as iniciativas políticas dos governos franceses de financiarem as pesquisas
históricas, a eliminação da competição intelectual alemã, somada as
contribuições individuais de Febvre, Bloch e Braudel e as influências coletivas
dos Annales foram decisivas para que a revolução historiográfica partisse da
França.

A Segunda Geração dos Annales (Fernand Braudel),


1946-1968.

Mach Bloch foi fuzilado na data de 16 de julho de 1944 pelas tropas


alemãs, após ser capturado na Resistência Francesa grupo de Lyon. Lucien
Febvre veio a óbito doze anos depois, (1956). Mas seus legados e influências
difundiram-se pela Europa e demais continentes. Fernand Braudel (veja mais
sobre ele no quadro abaixo), discípulo e continuador da obra de Bloch e
Febvre, foi um dos mais importantes expoentes da Segunda Fase dos Annales.

Em 1929, quando surgiram os Annales, Braudel tinha vinte e sete anos,


no entanto, já vivia intensamente o mundo da história. Estudava na Sorbonne,
lecionava em uma escola da Argélia e em Besançon e trabalhava em sua tese,
intitulada Felipe II e o Mediterrâneo. Sua rotina foi interrompida ao ser
convidado para lecionar na Universidade de São Paulo (USP), durante dois
anos (1935-37). Esse período foi definido por ele, posteriormente, como um
dos mais felizes de sua vida (BURKE, 1997, p.46), pois, ao regressar,
conheceu Febvre, que, além de intervir na ordem do título de sua tese,
transformando-o em Mediterrâneo e Felipe II, adotou-o como discípulo que
continuaria o legado e os projetos dos Annales.

Durante a primeira geração, a abordagem dos Annales focava,


sobretudo, nos estudos da economia e das relações sociais. No entanto, com o
desenrolar da segunda, outros temas ganharam força, como o estudo das
civilizações, da demografia, por exemplo.

A segunda geração dura três décadas, liderada por Fernand Braudel.


Ele faz com que os Annales se aproximem mais de uma escola, com a criação
de conceitos e métodos. Braudel foi, assim como seus antecessores, um
homem de grande influência na sociedade francesa. Publicou sua tese em
(1949) e, no mesmo ano, iniciou sua carreira como professora no Collége de
France, assumindo, ao lado de Febvre, a direção do Centre Recherches, na
École de Hautes Études. Quando Febvre veio a óbito, em 1956, Braudel
tornou-se sucessor efetivo nos Annales.

Em 1962, o secretário executivo da revista, Robert Mandrou, outro “filho”


de Fevbre, demitiu-se da função em decorrência de desafeto com o presidente
Braudel. (Burke, 1997, p.56). Naquele momento, o presidente iniciou uma
campanha para escolher pessoas que dessem continuidade a seu projeto,
surgindo nomes como Jaques Le Goff, Ladurie e Marc Fero.

Braudel, conforme afirma Burke, “Era impaciente com fronteiras, que


separassem elas, regiões ou ciências. Desejava ver as coisas em sua inteireza,
integrar o econômico, o social, o político e o cultural na história total”. (BURKE,
1997, p.56). A ideia da história geral ainda marcava a pesquisa histórica nesta
fase. As orientações e influências de Febvre, somadas aos escritos recentes
sobre esta proposta, estimulavam essa identidade.

O Mediterrâneo é a audaciosa proposta feita por Febvre a Braudel,


visando escrever a história da Europa, em dois volumes, abrangendo o período
de (1400 a 1800). Braudel escreveu a sua parte em três volumes, com o título:
Civilization matérielle et capitalisme. Além deste trabalho com vistas à história
total, temos a tese de Pierre Chaunu, Sevilha e o Atlântico (1955-1960), que,
de acordo com Burke, é “talvez a mais longa tese já escrita, [...] tenta imitar, se
não mesmo superar Braudel, tomando como sua região o oceano Atlântico”.
(BURKE, 1997, p.69).

Essas obras são exemplos da perspectiva e marco da história regional e


serial, das mudanças na longa duração. Braudel alarga o conceito de tempo,
ao distingui-lo em curta e longa duração, ou seja, os eventos históricos, podem
se dar em ampla ou restrita dimensão temporal. O recorte é estabelecido em
função de uma “série” de fontes ou materiais que se tornam o alvo das
inquietações do pesquisador. Chaunu dividiu seu escrito em duas partes,
intituladas “Estrutura” e “Conjuntura”. Acerca da relevância e das
características da história serial:
François Furet, em seu Atelier do Historiador, define a História
Serial em termos da constituição do fato histórico em séries
homogêneas e comparáveis. Dito de outra forma trata-se de
“serializar” o fato histórico, para medi-lo em sua repetição e
variação através de um período que muitas vezes é o da longa
duração. (BARROS, 1997, p. 47).

A principal contribuição da segunda geração dos Annales foi o


reconhecimento de que era preciso mudar a percepção de uma história
fechada, imutável, com base nas “estruturas”. Braudel tinha a obsessão por
conhecer o todo, desejava ver o objeto em sua plenitude, ver grande, o todo.
Como bem destaca Burke, tinha “vasto apetite para estender as fronteiras de
seu objeto” (1997, p.55). Através do posto que ocupava, conseguiu pulverizar
esta concepção histórica, chegando a marcar as primeiras décadas da
segunda geração dos Annales, que formou um arcabouço de pesquisa, tendo
como base a Influência de Ernest Labrouse, da Demografia Histórica e História
Demográfica e a formalização da História Regional e Serial.

Braudel manteve contatos com os novos métodos e colaborou para o


crescimento e correlação com as ciências vizinhas. Enquanto presidente dos
Annales manteve grande influência na produção historiografia, apoiou
financeiramente (através de bolsas de estudo) pesquisadores nacionais e
estrangeiros, visando melhor difundir o estilo da historiografia francesa.

Embora Braudel seja reconhecido, a história quantitativa foi fruto de uma


colaboração geral dos pesquisadores da história e demais ciências humanas.
Conhecida também por “Revolução quantitativa” teve como base de
sustentação as estruturas socioeconômicas. Recebeu a influência de dois
importantes pensadores, o economista François Simiand e o historiador e
marxista Ernest Labrousse, que, desde a fundação dos Annales, colaborou
com o projeto da nova historiografia.

Braudel, de acordo com Burke, fazia uso das estatísticas


ocasionalmente. “Contudo, não é parcial dizer que os números são apenas a
decoração de seu edifício histórico, e não parte de sua estrutura.” (HEXTER
apud BURKE, 1997, p. 66).
Burke continua destacando como Braudel foi de alguma maneira
ausente a dois grandes movimentos no interior da história dos Annales, a
história quantitativa e a história das mentalidades. De modo que o mérito e
sucesso da segunda fase deste movimento devem ser sociabilizados.

A escrita formulada a partir de gráficos e tabelas, pautada em dados


gerais, criou a história quantitativa. Na segunda geração, é visível o uso
frequente de métodos quantitativos, no caso de Braudel, por influência. “Há
motivos para suspeitar que houvesse influência de Labrousse na 2ª edição do
Mediterrannée, em 1966, pois há uma maior ênfase na história quantitativa e
inclusão de tabelas e gráficos inexistentes na primeira.” (BURKE, 1997, p.69).
Foi com Labrousse que o marxismo começou a penetrar no grupo dos Annales.
O mesmo ocorreu com os métodos estatísticos, pois Labrousse foi incentivado
pelos economistas Albert Alfalion e Simiand a empreender um rigoroso estudo
quantitativo da economia francesa do século XVIII. (BURKE, 1997, p.68).

O artigo de Lucien Febvre, Amiens, da Renascença a Contrarreforma,


publicado em 1941 nos Annales, trata da importância do estudo das séries de
documentos, na longa duração, para mapear mudanças de atitudes e mesmo
no gosto artístico. Mas, nesse artigo, Febvre não oferece aos seus leitores
estatísticos precisos. A estatística “foi desenvolvida para estudar a história da
prática religiosa, a história do livro e a história da alfabetização. Espraiou-se,
algum tempo depois, para outros domínios históricos.” (BURKE, 1997, p.62).

A Terceira Geração dos Annales, 1968-1989.

Existem diferentes interpretações sobre a terceira geração dos Annales.


“O problema está em que é mais difícil traçar o perfil da terceira geração do
que das duas anteriores. Ninguém neste período dominou o grupo como o
fizeram Febvre e Braudel” (BURKE, 1997, p.56). Essa fase foi profundamente
marcada pela fragmentação, tanto do processo de liderança, quanto do objeto
de estudo. “Nos últimos vinte anos, porém alguns membros do grupo
transferiram-se da história socioeconômica para a sociocultural, enquanto
outros estão redescobrindo a história política e mesmo a narrativa”, destaca
Peter Burke (1997, p. 56).

As duas pessoas de maior destaque na terceira geração dos Annales,


segundo Burke, foram Ladurie e Jacques Le Goff. O primeiro, escreveu sua
tese sobre a França mediterrânea, sob influência e orientação de Braudel e
Jacques Le Goff. Ladurie sucedeu Braudel no colégio Collège de France.
(1997, p.58). O segundo sucedeu o autor de O mediterrâneo na presidência da
antiga VI Seção da École Pratique des Hautes Études e é também considerado
como um dos expoentes da história das mentalidades. (LACERDA, 1994, p.12).

Durante suas três fases, os Annales sofreram um “vendaval de eventos”


e se alteraram para se adaptar às mudanças da sociedade do século XX.
(REIS, 2006, p. 79). A terceira geração, segundo Burke, apresentou três pontos
centrais: a redescoberta da história das mentalidades, as tentativas de
empregar métodos quantitativos na história cultural e a reação oposta a tais
métodos. Ainda nessa fase, uma “Nova história” ou História Cultural começou a
se constituir.

Lilia Moritz Schwarcz, na apresentação à edição brasileira da obra


Apologia da História, ou, o ofício do historiador, enfatiza que os estudos de
Bloch e Febvre “convertiam-se em motes de ataque aos modelos mais
empíricos, assim como libelos de defesa de ‘um novo tipo de história’,
identificada no grupo seleto dos Annales.” (In: BLOCH, 2001, p. 10).

O século XX foi expressamente o tempo das mudanças, em especial, no


que diz respeita às ciências. A revolução dos Annales atravessou o século XX
de modo que suas inquietações, seus objetos e interpretações também
mudaram simultaneamente, pois partiam de tempos e problemas distintos, que
necessitavam de novas versões e informações sobre os fatos pesquisados.

Já não teria mais sentido para este novo século uma História
meramente descritiva ou narrativa, no sentido exclusivamente
factual. Aos historiadores impunha-se agora a tarefa não de
simplesmente descrever as sociedades passados, mas de
analisá-las, compreendê-las, decifrá-las. [...], não faria sentido
a não ser uma obra de divulgação para o grande público
produzir uma história descritiva e narrativa dos acontecimentos
que marcaram a Revolução Francesa. O que exigia do historiador
agora era que ele recortasse um problema dentro da temática mais
ampla da revolução Francesa como, por exemplo, o problema da
“dessacralização do poder público na Revolução Francesa” ou o
problema da “Influência das ideias iluministas nos grupos
revolucionários”, ou o problema da “evolução dos preços na crise que
precedeu o período revolucionário”. (BARROS, 2007, p. 31).

A história passa a ser norteada por hipóteses. Formular questões e


alimentar dúvidas se torna crucial para a pesquisa em história. Deste modo, a
história busca, numa perspectiva maior, explorar as lacunas, os temas, que
outrora eram desprezados pela história fatual. Daí surge a “história vista de
baixo”, a “história das massas” ou dos “homens comuns”, reafirmando o
rompimento com a tradição elitista, com a história dos “grandes homens”. Os
escritos baseavam-se em questões como a ascensão do proletariado, a
alfabetização, relações de serviço e comércio do dia a dia.

Fatos como o carnaval de (1580) na França, momento em que artesãos


e camponeses se valeram das máscaras para proclamar que “os ricos da
cidade tinham se tornados prósperos à custa dos pobres” (BURKE, 1997,
p.77), ganharam ênfase. A História vista pela “perspectiva das classes
subalternas”, o estudo das revoltas camponesas, com participação de jovens,
mulheres e crianças são outros exemplos dessa abordagem.

Foi somente nessa fase que mulheres, como Christiane Klapisch, Arlette
Farge, Mona Ozouf e Michèle Perrot, foram inclusas no grupo de discussões de
Annales. Georges Duby e Michèle Perrot, por exemplo, empenharam-se em
organizar uma história da mulher em vários volumes. (BURKE, 1997, p. 80).

Acompanhando as tendências de seu tempo, os domínios da História se


ampliaram para âmbitos cada vez mais diversos, que vai da cultura material as
mentalidades, a “história imediata” “história do tempo presente”, por meio da
adoção de abordagens de outras disciplinas.

A velha história política, com suas escolhas temáticas entre o


institucional e o individual de elite, com seu olhar de cima e sua
perspectiva eurocêntrica, teve de ceder espaço a uma nova
história com a sua miríade de novos temas, a eclipsar os antes
tradicionais objetivos de estudo que agora, teriam de esperar
novas reviravoltas para recuperar algum espaço no palco
historiográfico. (BARROS, 2007, p.32).

A descentralização adotada nessa fase possibilitou o diálogo com


conceitos de outras disciplinas. Braudel havia incentivado a
interdisciplinaridade e o contato com intelectuais de outros países por meio do
financiamento de estudantes estrangeiros, quando estava na direção do
movimento. Muitos dos membros da Escola dos Annales viveram um tempo
nos Estados Unidos e aprenderam a falar e escrever em Inglês, o que facilitou
esse intercâmbio. O movimento cresceu e as ideias e tendências ligadas aos
Annales não atuavam mais só na França, desenraizou-se, perpassou
fronteiras, ampliando as chances de inovações e contribuindo para a
sociabilização de seu estudo.

Os campos temáticos da historiografia vêm e vão de acordo com as


próprias flutuações histórico-social e em sintonia com as mudanças de
paradigmas historiográficos.

Diante dessas colocações, você deve se perguntar: se os Annales


contestaram a história dos grandes nomes e datas, por que Bloch intitulou uma
de suas maiores obras de Os reis Taumaturgos e por que Febvre escreveu
sobre Rabelais e Braudel O Mediterrâneo? (BARROS, 1997, p. 31). Há de fato
diferenças entre a primeira, segunda e terceira fase dos Annales. No entanto,
não se trata de distorção ou de diferenças arbitrárias, elas são fruto do
aperfeiçoamento dos métodos e adaptação da história às circunstâncias e aos
acontecimentos da sociedade de seu tempo. Outro ponto a ser considerado é a
expansão das fronteiras geográficas da história.

Heri Moniot, autor do Artigo “L’histoire des peuples sans


histoire” chama a atenção pelo fato de que durante muito
tempo o que se constituía a história como disciplina era
fundamentalmente marcada pelo eurocentrismo, como se
outros povos não possuíssem sua própria história. (SILVA,
2001, p. 209).

Com uma política mais heterogênea adotada pela terceira Geração dos
Annales, observa-se uma abertura do leque de observação e estudo de outras
culturas. Entram em pauta novos campos de investigação, como a “história dos
povos sem história”, especialmente em relação à África. Como podemos
constatar, a segunda fase desse movimento deu maior atenção à história
quantitativa, a pesquisas socioeconômicas, deixando de lado a história das
mentalidades e a dimensão cultural. Acerca desta relação Burke, sublinha:

A história das mentalidades não foi marginalizada nos Annales,


em sua segunda geração, apenas porque Brudel não tinha
interesse nela. Existiam pelo menos, duas outras razões mais
importantes para essa marginalização. Em primeiro lugar, um
bom número de historiadores franceses acreditava, ou pelo
menos pressupunha que a história social e econômica era mais
importante, ou mais fundamental, do que outros aspectos do
passado. Em segundo lugar, a nova abordagem quantitativa,
analisada no capítulo anterior, não encontrava no estudo das
mentalidades o mesmo tipo de sustentação oferecida pela
estrutura socioeconômica. (BURKE, 1997, p.88)

No entanto, alguns pensadores divergiam das interpretações sobre o


método adotado na segunda fase dos Annales. Um nome merece atenção:
Philippe Ariès, que demostrou reação à forma determinista que pairavam sobre
os Annales, a perspectiva quantitativa dedicou-se ao estudo de temas como:
mentalidade, história cultural, infância, morte, chamando inclusive a atenção de
outras profissionais, como os psicólogos e pediatras para a nova história.
Assim como Robert Mandrou, que ao encontrar alguns escritos de Febvre após
sua morte, como o “O nascimento da mentalidade moderna na França”,
concluiu a obra e a publicou em 1961, com o subtítulo: “Um ensaio em
psicologia histórica, 1500-1640”. (BURKE, 1997, p.84). Logo após a
publicação, ocorreu a ruptura entre Braudel e Mandrou, por causa, entre outras
razões, de uma discussão sobre o futuro do movimento dos Annales. Aquele
defendia a inovação e este a herança de Febvre, influenciando vários
historiadores, o nascedouro da Psico-História, da Ideologia e do Imaginário
Social.

Essa vertente foi amadurecendo e gestou a terceira geração dos


Annales, após 1968. Esta foi, assim, marcada pela história das Mentalidades e
por uma abordagem da história quantitativa reformulada, aliás, recuperada,
seguindo uma observação de Ernest Labrouse, “O quantitativo no terceiro nível
Chaunu (1973)”.

A forma descentralizada e diversificada adotada nessa fase, nos anos


(1970 e 1980), passaram a enfrentar maiores divergências externas,
principalmente com a reafirmação das três correntes que a marcaram: uma
mudança antropológica, um regresso à política e um ressurgimento da
narrativa. Vários nomes se destacaram nesse período, dentre eles: Erving
Goffmam, Victor Turmer, Pierre Bordieu, Michel de Certeau.

Burke afirma que “as ideias de Goffmam, Turner, Boudieu, De Certeau e


outros foram adotadas, adaptadas e utilizadas para construir uma história mais
antropológica.” (1997, p.95). Roger Chartier dedicou-se a história social da
cultura. Michel Foucault também se voltou para a perspectiva cultural, dando
atenção à história do corpo e as junções entre história e a história do poder.

No campo das discussões políticas, destacaram-se estudos com


recortes temporais pós (1798), como François Furet e Michel Vovelle, que
estudaram a Revolução Francesa, voltando-se os interesses históricos, sem,
contudo, negligenciaram a política; Marc Ferro, que desenvolveu importantes
trabalhos sobre a Revolução Russa e a Primeira Guerra Mundial; e Maurice
Agulhon, o historiador mais influente nesse tipo de abordagem, o qual faz,
inclusive, um paralelo com os escritos de Edward Thompson, ao tratar da
“Sociabilidade”. (BURKE,1997, p. 102).

O enfoque da narrativa na terceira geração, no entanto, não gira em


torno dos fatos pelos fatos. São narrativas da história pela história, que
abarcam as influências dos acontecimentos sobre a memória, sobre a
conjuntura social e política de uma sociedade, os comportamentos e interesses
presentes nos eventos. Segundo Furet: “A História oscilará sempre entre a arte
da narrativa, a inteligência do conceito e o rigor das provas; mais as provas são
bem asseguradas e seus conceitos bem explicitados, o conhecimento ganha e
a arte da narrativa não perde nada”.

Outro ponto que merece menção é a existência de outras vertentes de


estudos e pesquisas históricas. Como menciona Burke, seria enganador expor
a escola dos Annales como única vertente histórica ou um grupo monolítico. É
evidentemente que ela foi a mais notável e significativa, no entanto, havia
divergências entre si e outras abordagens no campo da história.

O caso mais óbvio a ser mencionado é o de Roland Mousnier,


que foi um orientador de teses sobre a era moderna tão
influente quanto Braudel e Labrousse. Mousnier publicava
seus artigos na Revue Historique, não nos Annales. [...] Se o
círculo dos Annales era um clube, Mousnier certamente não foi
um dos membros. Mesmo assim, seus interesses se
sobrepunham num grau considerável. Nenhum historiador
francês desde Bloch tomara a abordagem comparativa tão
seriamente. Mousnier comparou o desenvolvimento político da
França e da Inglaterra, por exemplo; estudou as revoltas
camponesas no século XVIII não só na França como também
em países longínquos como a Rússia e a China. Tal como o
grupo dos Annales usou extensamente a teoria social, de Max
Weber a Talcott Parsons, dando pouca atenção a Marx.
(BURKE, 1997, p. 74).

Mousnier, juntamente a seus discípulos, seguiam linhas próximas às


desenvolvidas pelos Annales, porém, voltou-se mais para a política, enquanto
os Annales deram mais atenção para a questão econômica.

Para finalizar, afirmamos, com Burke, que a maior contribuição dos


Annales, incluindo as três gerações, foi à expansão do campo da história por
diversas áreas. Eles ampliaram o território da história, abrangendo áreas do
comportamento humano e grupos sociais negligenciados pela historiografia
tradicional. A descoberta de novas fontes e o desenvolvimento de novos
métodos para explorá-las possibilitaram essas extensões do território histórico.
“Estão também associadas à colaboração com outras ciências, ligadas ao
estudo da humanidade, da geografia a linguística, da economia a psicologia.
Essa colaboração interdisciplinar manteve-se por mais de sessenta anos [...]".
(BURKE, 1992, p. 173).

Há alguns historiadores que falam ainda de uma quarta geração do


Annales, a qual tem começo em 1989. Para parte destes profissionais, ela
nada mais seria que uma divisão das mentalidades. Tal geração volta-se para
a questão cultural, constituindo-se numa reação contra Braudel e contra
qualquer determinismo.
A História Social e a História
Vista de Baixo

CONHECIMENTOS

Conhecer o processo de formação da História Social e da História vista de


baixo e suas contribuições para o estudo de sujeitos pouco contemplados pela
historiografia tradicional.

HABILIDADES

Analisar as perspectivas de cada uma dessas áreas, seu objeto de estudo,


temas, métodos e fontes.

ATITUDES
.
Estimular o pensamento crítico sobre o uso de cada abordagem para que o
aluno se posicione de um desses campos de reflexão no processo de
desenvolvimento de suas pesquisas e escrita.
A perspectiva da História Social

A História Social surgiu, ao lado da História Econômica, no momento de


constituição de uma nova abordagem da história, empreendida pelo movimento
dos Annales, em oposição à História Política tradicional, predominante entre os
historiadores até a primeira metade do século XX. Ainda hoje, como afirma
Hebe Castro, “a expressão ‘História Social’ é frequentemente utilizada como
forma de demarcar o espaço desta outra postura historiográfica frente a
historiografia tradicional.” (1997, p. 76).

Relembrando a discussão feita no capítulo anterior, os Annales, fundado


por Lucien Fevbre e Marc Bloch, na França, em 1929, tornaram-se a
manifestação mais eficaz e longa contra a história tradicional/positivista, a qual
defendia uma abordagem singular, centrada nos fatos, nas ideias e decisões
de grandes homens, em batalhas e em estratégias diplomáticas. Em seu lugar,
propunham uma história problema, viabilizada pelo diálogo da disciplina com as
demais ciências humanas, como a sociologia, a antropologia e a geografia. A
interdisciplinaridade permitiu que a história formulasse novos problemas,
ampliasse seus objetos e aperfeiçoasse seus métodos de pesquisa.

Antes de constituir um campo historiográfico definido, que possibilitaria a


ampliação do interesse histórico, criado em oposição às limitações da história
tradicional, a História Social, pondera Castro, “passa a ser encarada como
perspectiva de síntese, como reafirmação do princípio de que, em história,
todos os níveis de abordagem estão inscritos no social e se interligam.” (1998,
p.78) A questão da fragmentação das abordagens historiográficas é uma
constante, sendo cada vez mais acentuada no presente e contestada por
muitos historiadores.

Na prática, é possível dissociar o elemento social do econômico, do


político ou do cultural quando desenvolvemos nossas pesquisas?

A reformulação do currículo dos cursos de graduação em história e,


principalmente, a criação de programas de pós-graduação no Brasil,
contemplando eixos e temáticas diversas, com área de concentração em
História Social, foi intensa até os anos 1990. Assim, o estudante que se forma
não é apenas um bacharel/licenciado, mestre ou doutor em história, mas um
bacharel/licenciado, mestre ou doutor em história com concentração em
História Social. O mesmo vem acontecendo com a abertura de novos
programas de pós-graduação em História Cultural, nos últimos anos.

Os concursos públicos são outro exemplo do quanto essa


especialização continua presente em nosso cotidiano. Os editais sempre
trazem como um de seus pré-requisitos a formação (graduação, mestrado e/ou
doutorado) do candidato na área da disciplina para a qual está sendo ofertada
a vaga (s). Assim, se você tem o título de doutor em História Social e abre um
edital para compor o quadro de professores efetivos do curso de história para o
setor de estudos em economia, por exemplo, e que exija titulação mínima de
doutor em História Econômica, não poderá prestar o concurso.

É importante salientar que o estudo da história sobre um determinado


tema, ainda que seu foco seja a dimensão social, por exemplo, terá que fazer
relação com questões políticas, econômicas e culturais. Portanto, na prática, a
formação concentrada em uma área de estudo, não exclui as demais, embora
o mercado de trabalho exija a especialização.

O historiador Eric Hobsbawm nos adverte que “a História Social nunca


pode ser mais uma especialização, como a história econômica ou outras
histórias hifenizadas, porque seu tema não pode ser isolado.” (1998, p. 87) Só
é possível definir certas atividades humanas como econômicas, pelos menos
para fins analíticos, e depois estudá-las historicamente. Os aspectos sociais da
essência da humanidade não podem ser separados das outras dimensões do
seu ser, exceto a custa da banalização. Desse modo, sua história não deve ser
escrita de forma isolada.

Outro historiador, Edward Palmer Thompson, também nos chama a


atenção para a tendência de isolar os aspectos de uma história do todo, pois,
de acordo com suas palavras, “O passado humano não é um agregado de
histórias separadas, mas uma soma unitária do comportamento humano, cada
aspecto do qual se relaciona com outros de determinadas maneiras, tal como
os atores individuais se relacionavam de certas maneiras [...]” (1981, p. 50).
Ainda neste sentido, o historiador José D’ Assunção Barros enfatiza que
não é o tipo de fato político, econômico, social ou cultural por definição o que
define uma subespecialidade da História, mas sim o enfoque que o historiador
dá a cada um destes tipos de fatos. (2013, p. 112-113)

A especialização remonta a década de 1950, momento em que a


História Social passou a ser reivindicada por diversos historiadores, conforme
assinala Castro, “como abordagem capaz de recortar um campo específico de
problemas a serem formulados a disciplina histórica. Mesmo antes disto, a
expressão teve utilizações mais precisas, para além de todas se constituírem
em oposição ao paradigma rankiano.” (1997, p. 78)

Em um artigo clássico sobre o tema, Hobsbawm argumenta que a


expressão “História Social” foi usada principalmente, até o inicio do século XX,
ligada a três acepções diferentes. Primeiramente, referia-se à história das
classes pobres ou inferiores e, de forma mais específica, à história de seus
movimentos no campo social, estando também relacionada com a história do
trabalho e das ideias e organizações socialistas. Esse vínculo entre a História
Social e a história do protesto social ou movimentos socialistas permaneceu
forte. (1998, p. 83-84)
Em segundo lugar, a categoria era usada para se referir a trabalhos que
tratavam de uma diversidade de atividades humanas de difícil classificação,
exceto em termos como “usos, costumes, vida cotidiana”. Esse tipo de História
Social não de dedicava especificamente às classes inferiores era antes o
oposto, ainda que seus profissionais politicamente mais radicais tendessem a
considerá-las.

O terceiro significado, de acordo com as proposições de Hobsbawm, era


o mais comum e o mais pertinente: “social” era empregado em combinação
com “história econômica”. Fora do mundo anglo-saxão, era frequentemente
usado nos títulos de periódicos especializados nessa área. Manifestava o
desejo de uma abordagem da história diferente da perspectiva positivista. “O
que interessava a esses historiadores era a evolução da economia, e esta, por
sua vez, os interessava porque esclarecia a estrutura e as mudanças da
sociedade, e mais, especificamente, a relação entre classes e grupos sociais”.
(1998, p. 84),

A predominância do econômico sobre o social nessa combinação era


devido, de um lado, a uma visão da teoria econômica que se negava a separar
elementos econômicos de elementos sociais, institucionais e outros, como
entre os marxistas e a escola histórica alemã esta última defendia que o estudo
da história é a principal fonte de conhecimento sobre as ações humanas e
sobre matérias econômicas e, de outro, a mera vantagem de saída da
economia em relação às outras ciências sociais. Se a história devia se integrar
às ciências sociais, a dimensão econômica era o caminho.

Nenhuma dessas três versões de História Social adverte Hobsbawm,


produziu um campo acadêmico especializado em História Social até os anos
(1950), embora que em certa oportunidade os famosos Annales de Lucien
Febvre e Marc Bloch tenham excluído o aspecto econômico de seu subtítulo e
se declarado puramente sociais. Contudo, “isso foi um desvio temporário dos
anos da guerra, e o título pelo qual esse grande periódico é agora conhecido
[...] – Annales: Économies, Sociétés, Civilisations –, como também a natureza
de seu conteúdo, refletem as metas originais [...] de seus fundadores.” (1998,
p. 85)

Castro também discorre sobre os sentidos que a História Social assumiu


nesse período. Para ela, a denominação História Social, aparecia, com força
nas décadas de (1930 e 1940), atrelada a uma abordagem culturalista, com
ênfase nos costumes e tradições nacionais e em contradição ao modelo
positivista. Assim, contrariamente ao que vinha sendo produzido nesse campo
uma história que privilegiava a diplomacia e a política, o que era público, a
História Social definia como o objeto o tema do privado. (1997, p. 78) No
entanto, é necessário ressaltar que essa mudança de perspectiva ainda estava
limitada ao pensamento conservador.

De modo diferente da abordagem anterior de política, a difusão das


ideias socialistas e o aumento do movimento operário proporcionaram,
sobretudo na Inglaterra, o desenvolvimento de uma História Social do trabalho
e do movimento socialista, frequentemente chamada de “História Social”.
Conforme o texto de Castro, “aqui é a oposição entre “individual” e “coletivo”
que distingue a História Social das abordagens anteriores. A ação política
coletiva se constituiria em seu principal objeto.” (1997, p. 79)

Como Hobsbawm já havia colocado, Castro sugere, por último, que, com
a forte influência dos Annales, desde a década de 1930, houve o
desenvolvimento de uma “história econômica e social”. Nos primeiros anos, a
ênfase maior da revista dos Annales foi à história econômica, no entanto, a
questão social também estava presente ao tratar da “psicologia coletiva” e das
“hierarquias e diferenciações sociais”. Nesta perspectiva, já havia uma
proposta de história como ciência social.

Porém, foi nas décadas de 1950 e 1960 que “uma História Social,
enquanto especialidade tendeu a se constituir no interior desta nova postura
historiográfica, que começava a se tornar hegemônica.” Tais décadas foram
marcadas pelo apogeu dos estruturalismos (da antropologia estrutural a certas
abordagens marxistas, de cunho vulgar, como vimos no capítulo I), “pela
euforia do uso da quantificação nas ciências sociais, pelos primeiros avanços
da informática e pela explosão de tensões sociais que dificilmente a
comunidade dos historiadores podia continuar a ignorar.” (CASTRO, 1997, p.
79)

Essa constituição não aconteceu de forma homogênea, foi variando de


um lugar para outro. Assim, na França, a especialização da disciplina histórica
definiu-se a partir das abordagens estruturais e de uma constante sofisticação
metodológica com ênfase cada vez mais incisiva na longa duração. A síntese
almejada pela história econômica e social agora reivindicava uma separação e,
assim como outras áreas da história, como a demografia e as mentalidades,
buscava desenvolver metodologias próprias, com temporalidades específicas,
mantendo, contudo, a ideia de longa duração.

Demografia: ciência que investiga as populações humanas (em aspectos


como natalidade, produção econômica, migração, distribuição étnica etc.)
Nas tradições historiográficas anglo-saxônicas, os impactos dos Annales
foram ainda maiores, “abrindo os muros da disciplina histórica para as demais
ciências sociais, especialmente a sociologia e antropologia social.” (CASTRO,
1997, p. 80) A História Social foi se constituindo pelos seus métodos, técnicas
e suas questões. No cerne das problemáticas estão os grupos sociais, os
processos determinantes e as relações sociais.

Ela surgiria, assim, “como abordagem que buscava formular problemas


históricos específicos quanto ao comportamento e as relações entre os
diversos grupos sociais.” (CASTRO, 1997, p. 81) As discussões em torno dos
critérios de delimitação desses grupos e da operação dos conceitos de “classe
social”, numa perspectiva marxista, e de “estamentos sociais”, num viés
weberiano, marcaram os debates teóricos em História Social na França e no
mundo anglo-saxão.

Nos anos 1960, no apogeu das abordagens estruturalistas, a História


Social colocava como questão o papel da ação humana na história e o
problema das durações, que passou a privilegiar períodos mais curtos para as
abordagens econômicas, demográficas ou das mentalidades. Adeline
Daumard, citado por Castro, enfatizava, em 1965, o compromisso da História
Social com o tempo biológico, de uma vida a três gerações, pois, para ele,
cada indivíduo se beneficiava com a experiência de seus pais e participava da
de seus filhos. (CASTRO, 1997, p. 82)

Quanto à metodologia, nas décadas de 1960 e 1970, a História Social


optou pelos métodos quantitativos para a análise das fontes históricas. Ernest
Labrousse se destaca por lançar as bases para uma história de base
quantitativa. Assim, prevaleceram as fontes eleitorais, fiscais, demográficas,
cartoriais e judiciais (como contratos de casamento, testamentos, inventários
post-mortem). Houve uma difusão de estudos sobre estratificação sócio
profissional, estratégias matrimoniais, alianças, sociais, mobilidade geográfica
e social. (CASTRO, 1997, p. 82)

No entanto, nos anos 1970 e 1980, os historiadores reconheceram os


limites metodológicos e teóricos que assumiram até então. Vivencia-se um
momento de crise dos estruturalismos – tanto de matriz braudeliana, marxista
vulgar ou funcionalista. Essa crise advinha da consciência de que as condutas
e realidades sociais não podiam ser enquadradas em modelos
preestabelecidos. A história da sociedade, como alerta Hobsbawm, “não pode
ser escrita mediante a aplicação dos parcos modelos disponíveis de outras
ciências; requer a construção de modelos novos e adequados ou, pelo menos
(afirmariam os marxistas), a transformação dos esboços existentes em
modelos.” (1998, p. 89)

Thompson, também defendia que a história não se adequada ao modelo


das outras ciências. Sua lógica não pode ser submetida a partir dos critérios da
lógica analítica. Exige um tipo de lógica diferente, apropriada.

Aos fenômenos que estão sempre em movimento, que


evidenciam mesmo num único momento manifestações
contraditórias, cujas evidências particulares, e, ainda cujos
termos gerais de análise (isto é, as perguntas adequadas à
interrogação da evidência) raramente são constantes e, com
mais frequência, estão em transição, juntamente com os
movimentos do evento histórico: assim como o objeto de
investigação se modifica, também se modificam as questões
adequadas. (THOMPSON, 1981, p. 48)

A “lógica histórica”, para Thompson, consiste em um método de


investigação adequado a materiais históricos, destinado, na medida do
possível, a testar hipóteses quanto à estruturação, causação, entre outros, e a
eliminar procedimentos autoconfirmadores. Nessa direção, a construção do
conhecimento histórico se dá por meio do diálogo constante entre conceito e
evidência.

A defesa de que a história tem métodos próprios não impossibilita que


ela dialogue com outras disciplinas de forma crítica. A aproximação com a
antropologia, ainda nos anos 1960, levaria “a História Social, em sentido estrito,
a privilegiar progressivamente abordagens socioculturais sobre os enfoques
econômico-sociais até então predominantes.” (CASTRO, 1997, p. 84)

Com o campo da cultura e a predominância das perspectivas


antropológicas em relação às análises sociológicas, ainda que de forma
imperceptível, surge uma diversidade enorme de objetos e abordagens. Na
França, sobre a inspiração da antropologia estrutural de Lévi-Strauss,
denominada de “história dos costumes” por Andre Burguiere, é forjada uma
antropologia histórica.

De modo diferente, na Inglaterra, a aproximação com a antropologia teve


a influência da “História vista de baixo”, proposta por Thompson, em 1966.
“Neste caso, a aproximação se faz, de forma bem menos simbiótica, sob a
égide da tradição, dita empirista, tanto da historiografia quanto da antropologia
anglo-saxônica.” (CASTRO, 1997, p. 85)

Thompson é um autor que, segundo Barros, “representa uma tendência


que gradualmente se afirma em direção à complexidade e ao tratamento das
sociedades como realidades dinâmicas e vivas como processos, e não apenas
como descrições de estruturas perfeitas como relógios, mas abstraídas de
realidade humana.” (2013, p. 118)

Trabalhando com a interconexão de uma História Social com uma


História Cultural, Thompson, junto à tradição marxista Britânia de História
Social do trabalho, traz para o centro das discussões sobre a ação social
categorias como “experiência” e “cultura”. “O desenvolvimento da problemática
tendeu rapidamente a ultrapassar o interesse inicial no ativismo operário, para
concentrar-se na compreensão da experiência das pessoas comuns, no
passado, e de suas reações a esta própria experiência.” (CASTRO, 1997, p.
85)

As novas discussões foram frutos de profundas reavaliações


metodológicas. Novas perguntas foram feitas às velhas fontes, transformando
dados que eram apenas antiguidades inertes, material morto, em ingredientes
ativo da História Social. Outras evidências foram inclusas nesse campo de
estudo, como as fontes orais, que nos últimos anos tem ocupado espaço cada
vez maior nas análises dos historiadores. O diálogo com os antropólogos
permitiu transformar rituais e imagens em fontes para a História.

Nessa guinada, conforme pontua Castro, “Novos métodos de leitura e


tratamento de fontes demográficas ou cartorárias, em níveis de agregação
menores que os praticados nas décadas anteriores, e sua combinação com
fontes qualitativas também vem produzindo expressivos resultados.” (1997, p.
86)

Em A formação da Classe Operária Inglesa (1963), Thompson já


chamava atenção para um novo tratamento às fontes. Ele examina, por
exemplo, os dados levantados pelos médicos para confrontar com as
conclusões deles, fazendo a leitura do contrapelo para mostrar aquilo que as
estatísticas não revelam. Utiliza dois conjuntos de evidências que
fundamentam sua explicação, “deterioração do ambiente urbano” e “aumento
do salário”. Por detrás dos altos salários dos trabalhadores tem condições de
vida degradante. “‘Os dados brutos podem induzir-nos’”, afirma Thompson
citando o relato do Dr. Holland, de Sheffield, “‘[...] ao equívoco de que a
sociedade está evoluindo gradualmente, do ponto de vista físico e social,
quando, na verdade, a classe mais numerosa pode estar numa situação
estacionária ou deteriorante. ’” (2012, p. 252)

No artigo Folclore, antropologia e História Social, de 1977, usando as


mesmas fontes empregadas por historiadores folcloristas tradicionais,
Thompson sugere outra interpretação do ritual de venda de esposas na
Inglaterra do século XVIII e XIX. Tal ritual era condenado por aqueles como
imorais, Thompson o compreende como uma espécie de divórcio amigável. A
interdisciplinaridade com a antropologia possibilitou a ampliação dos objetos da
História Social, proporcionando o desenvolvimento de uma História Social da
cultura.

A antropologia interpretativa de Clifford Geertz inspirou diversas


abordagens. Em sua perspectiva, segundo Castro, “toda ação humana [...] é
culturalmente informada para que possa fazer sentido num determinado
contexto social. É a cultura compartilhada que determina a possibilidade de
sociabilidade nos agrupamentos humanos e dá inteligibilidade aos
comportamentos sociais.” (1997, p. 86) As ações sociais também são “textos” e
não apenas as representações podem ser culturalmente interpretadas. Esse
tipo de abordagem tem seus limites, uma vez que enfatiza a homogeneidade e
a continuação da cultura socialmente compartilhada, sem considerar a
dinâmica da história e que a cultura também está em constante mudança.

Do outro lado, com o pós-estruturalismo e a influência de Michel


Foucault, há esforços para recuperar uma abordagem dinâmica da cultura e da
história. Ganham espaço as relações de poder e o campo do simbólico,
rompendo radicalmente com as discussões que consideram as estruturas
sociais e a experiência dentro da História Social. Os sujeitos históricos não
seriam mais compreendidos como atores sociais, mas como produções de
práticas discursivas ou simbólicas.

Com isso há uma diminuição da escala de abordagem nas pesquisas e


nesse âmbito a micro-história, articulada por um grupo de historiadores
italianos, no fim dos anos 1970, obtém grande repercussão nas produções de
História Social. Sobre à micro-história trataremos de forma mais detalhada no
capítulo seguinte.

No Brasil, os institutos históricos e geográficos, como discute Castro,


foram os campos privilegiados da historiografia tradicional. Abordagens
historiográficas clássicas também se dariam fora dos muros das universidades,
na década de 1930. No entanto, diferentemente da tradição europeia, as
ciências sociais se desenvolveram pioneiramente no mundo acadêmico,
especialmente na Universidade de São Paulo (USP), e abriram as portas para
a história e a profissionalização do historiador nas universidades brasileiras. Tal
profissionalização foi marcada pela influência das abordagens econômicas e
sociológicas, na década de 1960, além de receber a contribuição da história
econômica e social do Annales. (1997, p. 90)

Os principais temas discutidos eram voltados para uma História Social


do negro e da escravidão, sob a articulação de Florestan Fernandes dentro da
Escola Sociológica Paulista, e para uma História Social do trabalho,
desenvolvida principalmente por sociólogos, nos anos 1960, os quais tratavam
da questão do movimento operário.

Outro elemento que contribuiria para difundir e consolidar a


profissionalização do historiador no país, ainda de acordo com Castro, foi à
expansão e consolidação dos cursos de pós-graduação nas décadas de 1960 e
1970. Nesse mesmo período estava em curso à crise dos referenciais teóricos
até então predominantes.

Nos últimos anos, a História Social no Brasil tem dado ênfase a temas
como família, trabalho, Brasil colonial e escravidão, ditadura, cultura, memórias
e oralidade. A discussão dessas temáticas é embasada em fontes orais
(entrevistas orais, depoimentos, mitos), escritas (jornais, processos judiciais,
inventários documentação contábil, relatórios de empresas e de movimentos
sociais, diários pessoais etc.) e imagéticas (fotografia, pinturas, entre outras).

Diante do exposto, a História Social ultrapassa os limites da


especialidade da disciplina história. Mantém, contudo, “seu nexo básico de
constituição, enquanto forma de abordagem que prioriza a experiência humana
e os processos de diferenciação e individuação dos comportamentos e
identidades coletivos, sociais na explicação histórica.” (CASTRO, 1997, p. 89-
90) Ela se constitui de forma dialógica com as abordagens históricas
econômicas, políticas e culturais e por meio da interdisciplinaridade.

A História vista de baixo e sua contribuição para o


estudo de sujeitos pouco contemplados pela
historiografia tradicional.

Muitos indivíduos estavam insatisfeitos com a História contada, desde os


tempos clássicos, a partir da visão dos grandes homens – reis, diplomatas,
generais do exército etc. Em um poema de 1936, de Bertold Brecht, intitulado
Perguntas de um Operário que Lê já se registrava a necessidade de uma
perspectiva alternativa a esse tipo de abordagem. Com o movimento dos
Annales, as mudanças na produção historiográfica deslocaram seu interesse
para a História Social e econômica, no entanto, continuou centrada nas
opiniões políticas das elites.

Somente em 1966, com a publicação do artigo The History from Below


(A História vista de baixo), de Edward Palmer Thompson (veja mais sobre ele
no quadro abaixo), no The Times Literary Supplement, surge à necessidade de
uma ação de transformação na maneira de escrever a história. A partir disso, a
expressão “História vista de baixo” foi incorporada à linguagem comum do
historiador. Jim Sharpe cita duas publicações que sucederam o texto de
Thompson: um volume de ensaios com o título History from Below, de 1985;
uma nova edição de um livro referente à historiografia das Guerras Civis
Inglesas e às suas consequências, o qual contém um capítulo dedicado à obra
recente dos radicais do período de History from Below, 1989. (1992, p. 41)

Edward Palmer Thompson: (1924-1993) foi dos nomes mais importantes da


historiografia do século XX, seus estudos contribuíram não apenas para a
renovação do marxismo, mas para a história em geral.
Inglês, nascido numa família de missionários metodistas, Thompson pôde
desde pequeno ter contato com a religião, com a diversidade cultural e com os
mais explorados visto que seu pai viveu grande parte da sua vida na Índia no
período em que esta esteve sob o julgo imperialista britânico, atuando como
pastor metodista, o que, sem dúvida, contribuiu para que no pensamento de
Thompson esses três aspectos tivessem relativos destaques.
Thompson, não apenas, preocupou-se em escrever sobre a classe menos
favorecida, mas, sobretudo, em conhecê-la e militar pela sua causa. Fora esse
anseio que o levara a Marx e ao marxismo, o desejo de construção de um
mundo mais justo e igualitário. É assim que também, se torna um dos
principais críticos do socialismo soviético de Stalin e no período da Guerra
Fria, se lança a uma campanha exaustiva pelo desarmamento nuclear.

Eric Hobsbawm também escreveu um artigo em 1985, com o título


History from Below: Studies in Popular Protest and Popular Ideology (A história
a partir de baixo: estudos sobre protesto popular e ideologia popular), publicado
em Frederick Kranz, no ano de 1988, em homenagem ao seu amigo e
colaborador Geoge Rudé. Esse mesmo artigo faz parte do seu livro Sobre
história, publicado em 1998.
Os trabalhos de Rudé, Hobsbawm e Thompson demonstraram que os
sujeitos sociais que não fazem parte da minoria que detém o poder político ou
econômico (meios de produção) têm culturas próprias, formas de resistência e
maneira peculiares de organização e autodefesa. São, portanto, sujeitos ativos
na construção de identidades, interesses e ações coletivas.

O próprio Sharpe produziu um artigo intitulado A História vista de baixo,


que faz parte do livro A escrita da história, de Peter Burke e publicado no Brasil
em 1992. Esse artigo, junto aos trabalhos de Thompson e Hobsbawm, serão a
base da discussão que estamos propondo nesse item.

Mas, você deve estar se perguntando: o que propõe de novo a História


vista de baixo?

Bem, ela foca, entre outras possibilidades, as experiências de trabalho e


de lutas; as culturas e modos de se organizar das pessoas comuns. Assim,
busca saber como essas pessoas influem nos processos sociais e históricos
enquanto constroem seus meios de sobrevivência e produzem a riqueza de
outrem, no mundo capitalista ou em outro modo de produção. A título de
esclarecimento, pessoas comuns aqui são entendidas como homens e
mulheres que não fazem parte da elite econômica, social e política, tais como
reis/presidentes, deputados, senadores, empresários, donos de indústrias,
latifundiários, militares de alta patente, juízes etc. Em outras palavras, são os
trabalhadores que precisam vender sua força de trabalho para conseguir os
meios de sobrevivência, os desempregados, os sem terra, os sem teto, entre
outros.

Para Hobsbawm, a História vista de baixo é a história do movimento


operário ou a história da gente comum. Como campo de estudo específico,
começa com a história dos movimentos de massa no final do século XVIII,
quando tem início a era das grandes revoluções, como a industrial. É a partir
desse momento que essas pessoas se tornam um fator constante na
concretização de tais decisões e acontecimentos (1998, p. 217-218), haja vista
que não haveria Revolução industrial sem a força de trabalho do povo.
Ademais, como afirma Thompson, “A Revolução Industrial não só
acarretou uma alteração na taxa de crescimento econômico, ela também
implicou mudanças de longo alcance no modo de vida do povo.” (2001, p. 196)
As primeiras delas estão associadas ao ritmo acelerado e as longas jornadas
de trabalho; consequentemente, a degradação da vida humana provocadas
pela exploração do trabalho, más condições de moradia e alimentação
precária; a predominância das indústrias em relação às oficinas de artesãos,
entre outras mudanças.

A abordagem voltada para as pessoas comuns está diretamente ligada


ao próprio movimento historiográfico que, desde os anos (1970 e 1980), vem
desenvolvendo trabalhos de vários períodos, países e tipos de história. Esse
interesse de diversos historiadores em explorar novas perspectivas do passado
foi proporcionado pelo uso de fontes como a correspondência do soldado
William Wheeler, descrita por Sharpe em seu artigo, que aborda a história a
partir do ponto de vista do soldado e não do comandante. Veja mais no quadro
abaixo:

Em 18 de junho de 1815, houve uma batalha próximo à aldeia belga de


Waterloo. Como sabem todos aqueles que estudaram a história britânica, o
resultado daquela batalha foi que um exército aliado, comandado pelo Duque
de Wellington, com a ajuda tardia, mas decisiva das forças prussianas
lideradas por Blücher, derrotou um exército francês, comandado por Napoleão
Bonaparte, sendo assim decididos os destinos da Europa. Nos dias que se
seguiram à batalha, um daqueles que ajudou a determinar o destino de um
continente, o soldado William Wheeler, da 51ª Infantaria Britânica, escreveu
várias cartas a sua esposa:

Os três dias de luta terminaram. Estou salvo, isto é o que


importa. Descreverei agora, e em toda oportunidade, os
detalhes do grande acontecimento, ou seja, o que pude dele
observar [...] A manhã do dia 18 de junho surgiu sobre nós e
nos encontrou ensopados de chuva, entorpecidos e tremendo
de frio [...]. Você muitas vezes me censurou por fumar, quando
eu estava em casa no ano passado, mas devo dizer-lhe que,
se eu não tivesse um bom estoque de tabaco nessa noite,
poderia ter morrido.
Wheeler prosseguiu, fornecendo a sua esposa uma descrição da
Batalha de Waterloo, a partir do violento final: a experiência de suportar o fogo
da artilharia francesa, seu regimento destruindo um corpo de couraceiros
inimigos com uma rajada de tiros, o espetáculo de montes de corpos
queimados de soldados britânicos nas ruínas do castelo de Hougoumont, o
dinheiro saqueado de um oficial hussardo francês, alvejado por um membro de
um destacamento a cargo de Wheeler. Os livros de história nos contam que
Wellington venceu a batalha de Waterloo. De certa maneira, William Wheeler e
milhares, como ele, também a venceram.

Fonte: SHARPE, Jim. A História vista de baixo. In: PETER BURKE (Org.). A escrita da história: novas
perspectivas. Tradução Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1992, p. 39-40.

Esse é um exemplo clássico de como as pessoas comuns são sujeitos


ativos na história e podem contribuir decisivamente para a vitória ou derrota de
um exército. O fato do Duque de Wellington ser um grande comandante não
faria os britânicos vencedores na Batalha de Waterloo se não tivesse bons
soldados dispostos a lutar bravamente.

As cartas do soldado Wheeler a sua esposa revelam outra interpretação


da história dessa batalha e a ponta para o potencial das fontes ditas não
oficiais como relatórios, comunicados, atas na busca pelo o conhecimento da
história de outros sujeitos, os quais são ignorados pela historiografia
tradicional.

Mas, é importante salientar que é possível trabalhar também na


perspectiva da História vista de baixo fazendo uma releitura de documentos
oficiais, como nos pontua Thompson em A miséria da teoria ou um planetário
de erros: lista de tributos registrados pelos demógrafos históricos; registros
imobiliários; títulos de arrendamento, guardados nos arquivos do tribunal
senhorial (1981, p.37) são documentos que foram feitos sem a finalidade de
preservar a história, mas que podem ser interrogados pelos historiadores e
servirem de fontes para os seus trabalhos.
O historiador italiano Carlo Ginzburg, na sua obra O queijo e os vermes,
também demostra que os registros da inquisição podem ser utilizados para
explorar o mundo de pessoas que não fazem parte da parcela que detém o
poder econômico e/ou político de uma sociedade, num dado período, como é o
caso do moleiro Domênico Scandella (apelidado de Menocchio). Menocchio foi
queimado vivo por ordem do Santo Ofício, depois de uma vida transcorrida em
total anonimato, e a volumosa documentação que se refere ao seu caso
permitiu que Ginzburg reconstruísse grande parte de seu sistema religioso e de
sua vida:

A documentação dos dois processos abertos contra ele,


distantes quinze anos um do outro, nos dá um quadro rico de
suas ideias e sentimentos, fantasias e aspirações. Outros
documentos nos fornecem indicações sobre suas atividades
econômicas, sobre a vida de seus filhos. Temos também
algumas páginas escritas por ele mesmo e uma lista parcial de
suas leituras (sabia ler e escrever). (GINZBURG, 2006, p. 11)

O autor nos traz um Menocchio moleiro, camponês, pai de família e


tocador de violão nos festejos, que resiste à cultura dominante, não obstante
querendo entrar em controvérsia com ela, profundamente interessado em
certos livros, e transmitindo uma cultura oral conectada a certos aspectos de
oposição aos padrões da alta cultura.
No prefácio à edição italiana, Ginzburg faz uma discussão dos
problemas conceituais e metodológicos, de acordo com Sharpe, “da
reconstrução da cultura das classes subalternas no mundo pré-industrial.”
(1992, p. 49) É insistente no fato de que as fontes não são objetivas (nem
mesmo um inventário é “objetivo”) – elas trazem a marca do seu autor, do
tempo e interesses – e que isso não as tornam inutilizável. (GINZBURG, 2006,
p. 16)
Outro tipo de fonte muito usado nessa abordagem, sobretudo nos
últimos anos, são as fontes orais. As entrevistas orais constituem “um meio de
aproximação de modos específicos como as pessoas vivem e interpretam os
processos sociais, de como estas especificidades influenciam a dinâmica
histórica”, como bem expressa Yara Aun Khoury (2004, p.117). No entanto, o
historiador que utiliza esse tipo fonte tem, conforme afirma Sharpe, “problemas
óbvios ao tratar com pessoas que morreram antes de serem gravadas ou cuja
memória foi perdida por seus sucessores, e o tipo de testemunho direto que
pode obter é negado aos historiadores dos períodos mais antigos.” (1992, p.
49)

A História vista de baixo logo atraiu aqueles historiadores ansiosos,


segundo Sarpe, “por ampliar os limites de sua disciplina, abrir novas áreas de
pesquisa e, acima de tudo, explorar as experiências históricas daqueles
homens e mulheres, cuja existência é tão frequentemente ignorada, [...]
mencionada apenas de passagem na principal corrente da história.” (1992, p.
43) No presente, presenciamos um enfoque cada vez maior nas experiências
de pessoas comuns.

As obras de Thompson, pelo seu conteúdo teórico e metodológico, têm


influenciado fortemente a produção historiográfica que optou por escrever seus
trabalhos a partir dessa perspectiva. No prefácio de A formação da classe
operária inglesa, publicada pela primeira vez em 1965, ele deixa claro quais
são os sujeitos de sua pesquisa:

Estou tentando resgatar o pobre tecelão de malhas, o meeiro


luddita, o tecelão do “obsoleto” tear manual, o artesão “utópico”
e mesmo o iludido seguidor de Joanna Southcott, dos imensos
ares superiores de condescendência da posteridade. Seus
ofícios e tradições podiam estar desaparecendo. Sua
hostilidade diante do novo industrialismo podia ser retrógrada.
Seus ideais comunitários podiam ser fantasiosos. Suas
conspirações insurrecionais podiam ser temerárias. Mas eles
viveram nesses tempos de aguda perturbação social, e nós
não. (THOMPSON, 2011, p. 14)

Seu trabalho faz uma reconstituição de um momento histórico decisivo


da transição da sociedade inglesa para o capitalismo industrial na ótica dos
trabalhadores. Toma como foco central para seu estudo o contexto de vida dos
trabalhadores: suas inquietações, aspirações, organizações, ritos e símbolos
coletivos, em um ambiente hostil ao reconhecimento as suas identidades
sociais e culturais fundadas na tradição comunal da sociedade inglesa daquele
período. Assim, ele vai demonstrando que a classe operária se constitui nas
relações de produção que os homens com experiências comuns estabelecem
entre si e contra outros homens cujos interesses diferem.
Thompson usou as fontes oficiais (dados demográficos, relatórios, entre
outros) nas suas pesquisas para confrontar as condições de vida da classe
operária. Assim, por exemplo, apropria-se das grandezas mensuráveis que
apontam para o crescimento do produto nacional, entre 1790 e 1840, para dizer
que a situação da classe operária não melhorou, que “o fator mais influente foi
à distribuição desigual entre as diferentes classes da sociedade provocada
pelos preços inflacionados’” (THOMPSON, 2012, p. 224); entra na historiografia
econômica para pensar sobre o significado do aumento do alimento pela ótica
dos valores para demonstrar que a substituição do pão pela batata era vista
como uma degradação pelos trabalhadores, que a carne e o trigo envolviam
uma questão de status que suplantava seu simples valor alimentar; usa a
questão da dieta popular como caminho para perseguir o que é o modo de vida
e enxergar as relações de exploração dos trabalhadores.

Thompson pega os dados que apresentam o aumento da natalidade


para dizer que esse aumento não significava que o nível de vida estivesse
subindo e que ele poderia ser explicado a partir da ruptura dos padrões
tradicionais de vida comunitária e familiar, “da decadência das condições de
vida entre os empregados rurais e os aprendizes, do impacto das Guerras, da
concentração nas novas cidades, ou até mesmo da seleção genética dos mais
férteis.” (2012, p. 239); checa a história dos altos e baixos salários para
confrontar com a história da mortalidade e afirma que é “necessário reexaminar
as evidências disponíveis, usualmente interpretadas a partir da suposição de
que as taxas de mortalidade estavam declinando.” (2012, p. 239); usa a
descrição dos médicos para confrontar com os dados internos dos relatórios,
os quais são descartados pelos historiadores econômicos, e constrói o
argumento de que a taxa de mortalidade estava relacionada com as precárias
condições de vida, de trabalho e sanitárias.

Logo, os historiadores sentiram a necessidade de ampliar o recorte


temporal da História vista de baixo, bem como a direção do movimento para
um âmbito mais amplo das preocupações históricas do que as ações políticas e
os movimentos políticos de massas, colocados pela tradição marxista – como
Hobsbawm e o próprio Thompson –, mas sem romper o diálogo com ela. Viu-
se a necessidade de recuar no tempo para dar conta de outras experiências
vividas por pessoas comuns de outras épocas.

Com esse propósito, muitos historiadores, principalmente da Europa


continental, inspiraram-se no movimento dos Annales. Assim, muitos dos
diversos trabalhos produzidos sob a influência desse movimento não apenas
aprofundaram como argumenta Sharpe, “nosso conhecimento do passado,
mas também proporcionaram incríveis reflexões metodológicas, demonstrando
o uso inovador que pode ser feito das formas familiares de documentação e o
modo como novas questões sobre o passado podem ser formuladas.” (1992, p.
51)

Outros recorreram aos modelos da sociologia e antropologia. Na


primeira, buscaram o aprofundamento do estudo da sociedade industrial. Pela
ótica da antropologia, “muitos historiadores que estudam tópicos medievais e
do início do modernismo”, (Idem, p. 52) tentaram desenvolver seus trabalhos.

Assim como as outras abordagens historiográficas apresentam limites, a


História vista de baixo também apresenta suas dificuldades. Entre elas, a falta
de muitas evidências com exceção do estudo de Thompson acima que se
baseou em uma quantidade de material de fonte maciçamente ampla e rica,
haja vista que quanto mais antigo o período escolhido, mais restrita se torna a
variedade de fontes para reconstruir a experiência das pessoas comuns. Os
diários, as memórias e os manifestos políticos, de acordo com Sharpe, “a partir
dos quais podem ser reconstruídas as vidas e as aspirações das classes
sociais inferiores são escassos, antes do final do século dezoito, com exceção
de alguns poucos períodos (como as décadas de 1640 e 1650 na Inglaterra).”
(1992, p. 43)

Outro problema apontado por Sharpe está relacionado com a


conceituação, por exemplo, no estudo da cultura popular da Europa moderna,
pois, “além de encará-la como uma espécie de categoria residual, nenhum
historiador chegou ainda a uma definição completamente abrangente do que
era na verdade a cultura popular naquele período.” (SHARPE, 1992, p. 42) Isso
se deve principalmente ao fato de que o termo “povo”, “mesmo há tanto tempo
atrás como no século dezesseis, compunha um grupo muito variado, dividido
por estratificação econômica, culturas profissionais e sexo.” (1992, p. 43)

Diante do que foi discutido aqui, cabe nos indagar, “a História vista de
baixo constitui uma abordagem da história ou um tipo distinto de história?”,
usando as palavras de Shape (1992, p. 53).

Enquanto abordagem, a História vista de baixo mostra que a história se


constitui por diversos sujeitos, entre os quais a maioria foi ignorada pela
historiografia tradicional que valorizava apenas os feitos dos grandes homens.
São exemplos os casos do soldado Wheeler discutido por Sharpe e a classe
operária na Inglaterra, sem a qual a indústria não teria se desenvolvido. Ela
também “abre a possibilidade de uma síntese mais rica da compreensão
histórica, de uma fusão da história da experiência do cotidiano das pessoas
com a temática dos tipos mais tradicionais de história.” (SHARPE, 1992, p. 54)

Se analisarmos a História vista de baixo a partir da documentação, de


seus problemas e da orientação política de muitos de seus profissionais, fica
evidente que temos um tipo distinto de história. No entanto, é necessário levar
em consideração o fato de que “é difícil estabelecer-se uma divisão precisa
entre um tipo de história e uma abordagem à disciplina em geral: a história
econômica, a história intelectual, a história política, a história militar etc.”, afirma
Sharpe (1992 p. 54). Além disso, ao enquadrar a história em áreas fechadas,
perdemos a totalidade dos processos sociais e históricos. “Qualquer tipo de
história se beneficia de uma abertura no pensamento do historiador que a está
escrevendo.” (SHARPE, 1992, p. 54)

Compartilhando do pensamento de Thompson de que “a história é uma


disciplina do contexto e do processo” (THOMPSON, 2001, p. 243), podemos
afirmar que a História vista de baixo tem sua maior importância quando está
situada dentro de um contexto. Esta suposição, conforme, discorre Sharpe
“presume que a história das ‘pessoas comuns’, mesmo quando estão
envolvidos aspectos explicitamente políticos de sua experiência passada, não
pode ser dissociada das considerações mais amplas da estrutura social e do
poder social.” (1992, p. 54)
A Nova História Cultural e a
Micro-História Italiana

4
CONHECIMENTOS

Conhecer os conceitos que os historiadores se apropriam para investigar o


passado pela dimensão da cultura e quais objetos, fontes, temas e métodos
usam os que se posicionam a partir do viés da micro-história.

HABILIDADES

Identificar as potencialidades e desafios de cada abordagem para a produção


do conhecimento histórico.

ATITUDES

Incitar o estudante a desenvolver a criticidade sobre os pressupostos


metodológicos da Nova História Cultural e da Micro-história.

.
Conceitos e abordagens da Nova História Cultural

A história cultural é a área que mais tem crescido nas últimas três
décadas, correspondendo, hoje, a mais de 80% da produção historiográfica
nacional, expressa, segundo afirmação da historiadora Sandra Jatahy
Pesavento, “não só nas publicações especializadas, sob a forma de livros e
artigos científicos, como nas apresentações de trabalhos, em congressos e
simpósios ou ainda nas dissertações e teses, defendidas e em andamento, nas
universidades brasileiras”. (2005 p. 7-8)

Além disso, constatamos que há uma diminuição, ou mesmo, alteração


das linhas de pesquisas de programas de pós-graduação de História Social e
de História Econômica no país. Recentemente houve a abertura de um grande
número de programas que se centram na História Cultural, como o curso de
mestrado da Universidade Estadual do Ceará (UECE), com área de
concentração em História e Culturas, criado em 2006; da Universidade Federal
de Campina Grande (UFCG) em História, Cultura e Sociedade, também
fundadas em 2006; o mestrado em Cultura e Sociedade, da Universidade
Federal de Sergipe (UFS), criado em 2011.

Mesmo os programas de pós-graduação em história que têm área de


concentração em História Social ou em outra dimensão possuem linhas de
pesquisas direcionadas para a cultura, como o da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (UFRRJ), com área de concentração em Estado e Relações
de Poder, tem uma de suas linhas denominada Estado, Culturas políticas e
Ideias; da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com uma de suas linhas
designada História e Cultura; da Universidade Federal do Ceará (UFC), com
Cultura e poder; da Universidade Federal Fluminense (UFF), com Cultura e
Sociedade; da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Sociedade
e Cultura; da Universidade de São Paulo (USP), que tem três de suas seis
linhas relacionadas à cultura História da Cultura, Cultura e Poder, Cultura
Material e Visual, Documentação e Patrimônio.

Se levarmos em conta o contexto internacional, as alterações ocorridas


no âmbito da História são anteriores. Pesavento situa os sintomas de
mudanças nos anos (1970) ou até antes, quando faz relação com eventos
como a crise de maior de 1968, a guerra do Vietnã, a ascensão do feminismo
que antecederam a crise dos paradigmas explicativos da realidade, que
ocasionou rupturas epistemológicas profundas e puseram em xeque os marcos
conceituais dominantes na História. (2005, p. 8)

Os próprios modelos de explicação que contribuíram, conforme Lynn


Hunt, “de forma mais significativa para a ascensão da história social passaram
por uma importante mudança de ênfase, a partir do interesse cada vez maior,
tanto dos marxistas quanto dos adeptos dos Annales, pela história da cultura.”
(1992, p.5-6) Dentro da tradição marxista, o desvio para a cultura pode ser
percebido na obra A formação da classe operária inglesa, de Edward Palmer
Thompson. Ele se afastou de uma matriz teórica muito rígida que adotara os
princípios do materialismo histórico como um modelo, complexo, fechado para
análise da realidade, a qual distorcia o pensamento original de Karl Marx.
Thompson rejeitou “a metáfora de base/superestrutura e dedicou-se ao estudo
daquilo que chamava ‘mediações culturais e morais’ – ‘a maneira como se lida
com essas experiências materiais... de modo cultural. ’” (HUNT, 1992, p.6)

Na obra citada acima, ele descreve a consciência de classe como a


maneira pela qual “essas experiências [de relações de produção] são tratadas
em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e
formas institucionais.” (THOMPSON, 2011, p. 10) No Artigo, Folclore,
Antropologia e História Social, publicado pela primeira vez em 1976, voltou a
tratar da inadequação da metáfora base/superestrutura, questionando a
produção em termos unicamente econômicos sem considerar as normas, a
cultura e os conceitos sobre os quais se organiza o modo de produção.

Por sua vez, os historiadores da quarta geração dos Annales, como


Roger Chartier e Jacques Revel (veja mais sobre eles no quadro abaixo),
rejeitaram a caracterização de mentalités posta pela terceira geração, a qual
tinha como ponto central o retorno à dimensão política. Ademais, “a história das
mentalidades apontava para os caminhos das elaborações mentais e dos fios
de sensibilidade que percorriam o social de ponta a ponta, mas não se definia
teoricamente.” (PESAVENTO, 2005, p. 31) O próprio conceito de mentalidade
era impreciso.
Roger Chartier nasceu em 1945, em Lyon, a terceira cidade da França, filho
de uma família operária. Formou-se professor e historiador simultaneamente
pela Escola Normal Superior de Saint Cloud, nos arredores de Paris, e pela
Universidade Sorbonne, na capital francesa. Chartier pertence à geração de
historiadores que rompeu, nos anos 1980, com a tradição hegemônica
francesa, constituída desde 1929 por nomes como March Bloch (1886-1944)
em torno da revista Annales dHistoire Économique et Sociale. Mesmo assim,
ele concorda com postulados básicos dos antecessores, como a multiplicação
das fontes de pesquisa. Para ele, o trabalho com fontes primárias é
fundamental.
Por outro lado, sua trajetória se forjou sob o impacto da obra do filósofo
francês Michel Foucault (1926-1984), que, segundo a historiadora Mary Del
Priore, “recusa uma história ‘global’”. Nasceu assim a Nova História Cultural,
que se preocupa com a singularidade dos objetos. “Para Chartier, o
movimento representa o estudo não das continuidades, como para a primeira
geração dos Annales”,

Jacques Revel nasceu em Avignon, na França, em 1942. Vem de uma família


judia da Alsácia. Seu pai era biólogo e sua mãe bioquímica. Ele foi o único da
família que se dedicou as ciências sociais ou humanas. Vejamos um trecho de
uma entrevista com ele publicada na Revista Estudos Históricos:
[...]
Em 1970 comecei a ensinar na Sorbonne, como assistente de Le Roy Ladurie.
MaI o conhecia. Ele tinha acabado de ser selecionado como professor da
Sorbonne, e eu como assistente, e então nos colocaram juntos. Eu dava um
curso que combinava com a cadeira dele. Dei também um curso – imaginem –
sobre a América Latina no século XVI, porque havia outro professor que
entrou no mesmo ano e que era especialista em México.
Depois do meu ano como assistente, fui recrutado pela École Française de
Rome. É uma importante instituição francesa, que recruta por meio de
concurso, e eu queria estudar história da Itália nos séculos XVI-XVIII - é o meu
período, sou especialista em Idade Moderna. [...] Essa fase foi importante para
mim, porque foi meu primeiro contato prolongado com arquivos e também
porque foi um primeiro contato com uma cultura que parece muito próxima da
francesa, mas, na verdade, é muito diferente. Fiz ainda muitas amizades
intelectuais, com Carlo Ginzburg, Giovanni Levi.
Ao voltar para a França, entrei para o CNRS, primeiro como assistente de
pesquisa e depois como pesquisador pleno. Fiquei lá quatro anos, durante os
quais continuei pesquisando sobre a Itália. O que mudou minha vida
consideravelmente foi que, em 1975, o grupo que administrava a revista
Annales, ou seja, Le Goff, Le Roy Ladurie e Marc Ferro, começou a procurar
um sucessor para André Burguière, que havia sido o secretário de redação
durante os cinco anos precedentes. Eles me ofereceram a vaga. Era um belo
presente. Era o meio de ficar por dentro daquilo que se fazia num importante
centro de produção da historiografia moderna. Isso me interessava, e muito. O
trabalho de editor também me interessava, ainda mais porque, desde 1970, eu
iniciara com Pierre Nora uma coleção chamada "Archives", que hoje não existe
mais, mas que publicou mais de 100 livros.
Na Annales, era eu quem tomava conta da revista. Todo dia eu conversava
com o conselho editorial, mas era eu o responsável pela redação e por toda a
política editorial, isso até 1980, 1981 [...]

Fonte: REVEL, Jacques. Paris, fev. 1997. Entrevista concedida a Marieta de Morais Ferreira. Publicada
na Revista Estudos Históricos, n. 19, p.121-140, 1997. Disponível em: <biblioteca
digital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/download/2037/1176>. Acesso em: 27 jan. 2017.

Chartier e Revel se voltam para a investigação das práticas culturais,


sob a influência da crítica de Michel Foucault acerca dos pressupostos
fundamentais da história social. E vão além da proposta de novos temas para a
investigação, com o objetivo de questionar, como discute Hunt, “os métodos e
objetivos da história em geral [...]. Endossam a avaliação de Foucault de que
os próprios temas das ciências humanas o homem, a loucura, a punição e a
sexualidade, por exemplo, são produto de formações discursivas
historicamente contingentes”. (1992, p. 13). Mas, a mesma autora adverte que
essa crítica pode gerar um problema básico: o tom niilista, ou seja, um
ceticismo em relação às práticas econômicas, política e sociais.
Chartier faz algumas indicações metodológicas para os historiadores da
cultura, que, de acordo com Hunt:

[...] não devem substituir uma teoria redutiva da cultura


enquanto reflexo da realidade social por um pressuposto
igualmente redutivo de que os rituais e outras formas de ação
simbólica simplesmente expressam um significado central
coerente e comunal. Tampouco devem esquecer-se de que os
textos com os quais trabalham afetam o leitor de formas
variadas e individuais. Os documentos que descrevem ações
simbólicas do passado não são textos inocentes e
transparentes; foram escritos por autores com diferentes
intenções e estratégias, e os historiadores da cultura devem
criar suas próprias estratégias para lê-los. (HUNT, 1992, p.18)

Essas sugestões são pertinentes para ficarmos atentos a algumas


produções historiográficas e as nossas para não incorrermos ao mesmo erro
que persistem em homogeneizar a cultura e fazer um tratamento das fontes
sem questionar suas intenções, de que lugar social e político pertencem quem
as fez, sem confrontá-las com outras, por exemplo.

Assim, a crise dos paradigmas, uma descrença nas formas


interpretativas do real, abriu caminho para a expansão da História Cultural,
surgindo o que Hunt chamava de Nova História Cultural. É nova porque traz
uma nova forma de a História trabalhar a cultura. Não se trata de produzir uma
História do Pensamento ou de uma História Intelectual, como afirma
Pesavento, ou de pensar “uma História da Cultura nos velhos moldes, a
estudar as grandes correntes de ideias e seus nomes mais expressivos. Trata-
se, antes de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de significados
partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo.” (2005, p. 15)

Nessa interpretação, a cultura é entendida também como, segundo


proposição da mesma autora, “uma forma de expressão e tradução da
realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos
conferidos as palavras, as coisas, as ações e aos atores sociais se apresentam
de forma cifrada, portanto já um significado e uma apreciação valorativa.”
(PESAVENTO, 2005, p. 15)

O historiador não mais busca verdades definitivas. Rompia-se com um


período de normas, leis e modelos que regiam o social. Tudo passa ser posto
em interrogação, inaugurando uma era de dúvidas, de suspeitas. O que hoje é
contado de uma forma, amanhã poderá ser de outra. Um fato não é mais uma
verdade única, possui várias versões.

A História Cultural “assinala, pois, uma reinvenção do passado,


reinvenção esta que se constrói na nossa contemporaneidade, em que o
conjunto das ciências humanas encontra seus pressupostos em discussão.”
(PESAVENTO, 2005, p. 16) Entre as ciências humanas, a História é uma das
últimas que enfrentou essa revisão de pressupostos explicativos da realidade.

Para que essa abordagem historiográfica se configurasse como tal,


mudanças epistemológicas ocorreram, fundamentando esse novo olhar da
História. O primeiro dos conceitos que traria uma nova postura do historiador é
o de representação. Essa categoria, porém, não é própria da história.

Categoria central da História Cultural, a representação foi como coloca


Pesavento, “a rigor, incorporada pelos historiadores a partir das formulações de
Marcel Mauss e Émile Durkheim, no início do século XX.” (2005, p. 39) O
primeiro era sociólogo e antropólogo; o segundo é considerado um dos
fundadores da sociologia moderna. Registra-se aqui e em outros conceitos um
estreito diálogo da História cultural com a sociologia e a antropologia.

É importante pontuar que o grande divulgador desse conceito foi o


historiador Roger Chartier, em seu livro A história cultural: entre práticas e
representações. Para ele, as representações podem ser pensadas como “[...]
esquemas intelectuais, que criam as figuras graças as quais o presente pode
adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado”
(CHARTIER, 1990, p.17).
Veja no quadro abaixo como Pesavento define essa categoria:

As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no


lugar deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e
pautem a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas
sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real.
Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que
constroem sobre a realidade.
Representar é, pois, fundamentalmente, estar no lugar de, é
presentificação de um ausente; é um apresentar de novo, que dá a ver uma
ausência. A ideia central é, pois, a da substituição, que recoloca uma ausência
e torna sensível uma presença.
A representação é conceito ambíguo, pois na relação que se estabelece
entre ausência e presença, a correspondência não é da ordem do mimético ou
da transparência. A representação não é uma cópia do real, sua imagem
perfeita, espécie de reflexo, mas uma construção feita a partir dele.
[...] A representação envolve processos de percepção, identificação,
reconhecimento, classificação, legitimação e exclusão.
[...] As representações são também portadoras do simbólico, ou seja,
dizem mais do que aquilo que mostram ou enunciam, carregam sentidos
ocultos, que, construídos social e historicamente, se internalizam no
inconsciente coletivo e se apresentam como naturais, dispensando reflexão.
Há, no caso do fazer ver por uma imagem simbólica, a necessidade da
decifração e do conhecimento de códigos de interpretação, mas estes revelam
coerência de sentido pela sua construção histórica e datada, dentro de um
contexto dado no tempo.
[...] As representações apresentam múltiplas configurações, e pode-se
dizer que o poder simbólico de dizer que o mundo é construído de forma
contraditória e variado, pelos diferentes grupos do social. Aquele que tem o
poder simbólico de dizer e fazer crer sobre o mundo tem o controle da vida
social e expressa a supremacia conquistada em uma relação histórica de
forças. Implica que esse grupo vai impor a sua maneira de dar a ver o mundo,
de estabelecer classificações de divisões, de propor valores e normas, que
orientam o gosto e a percepção, que definem limites e autorizam os
comportamentos e os papeis sociais.

Fonte: PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2005, p. 39-42.

Partindo dessas definições, para Pesavento a proposta da História


Cultural é decifrar a realidade do passado a partir de sua representação com o
intuito de chegar às formas discursivas e as quais os homens expressam a si
próprios e o mundo. Isso também faz da História uma narrativa de
representação que cria versões diversas do passado sobre as experiências
sociais.

Para Michel de Certeau, a História não se faria sem representação:

Não existe relato histórico no qual não esteja explicitada a


relação com um corpo social e com uma instituição de saber.
Ainda é necessário que exista aí “representação”. O espaço de
uma figuração deve ser composto. [...] resta encarar a
operação que faz passar da prática investigadora à escrita.
(CERTEAU, 1982, p. 93-94.)

Daí se justifica a centralidade desse conceito dentro da História Cultural


e sua relação íntima com outros. Dele deriva o de imaginário, entendido como
um sistema de ideias e imagens de representação coletiva que os homens
constroem através da história para dar significado às coisas. “O imaginário é
sempre outro real, e não o seu contrário. Este mundo, tal como o vemos, do
qual nos apropriamos e ao qual transformamos é sempre um mundo
qualificado, construído socialmente pelo pensamento.” (PESAVENTO;
SANTOS; ROSSINI, 2008, p. 14)

Apesar de tomar como base as representações sobre o mundo do


vivido, do visível e do experimentado, o imaginário também se constitui sobre
os sonhos, desejos, medos de uma época, “que passa, porém, a existir e a ter
força de real para aqueles que o vivenciam.” (Idem, p. 14)

Cada época cria suas próprias imagens da realidade, que, por sua vez,
são carregadas de crenças, ideologias, conceitos, valores e discursos. Para
além da sua dimensão histórica, o imaginário é, segundo o filósofo Cornelius
Castoriadis, citado por Pesavento, “capacidade humana para representação do
mundo, com o que lhe confere sentido ontológico. É própria do ser humano
essa habilidade de criação/recriação do real, formando uma espécie de magma
de sentido ou energia criadora.” (2005, p. 44)

Na abordagem da História Cultural, o historiador está ciente de que a


sua narrativa sobre um dado acontecimento não é única, existe múltiplas
versões para um mesmo fato. Mas é importante frisar que a verdade tem que
ser uma busca constante em seu trabalho de escrita. Ainda que se teça um
diálogo próximo com a Literatura, o discurso histórico, alerta Paul Ricoeur,
citado por Pesavento, “mesmo operando pela verossimilhança e não pela
veracidade, produz efeito de verdade: é uma narrativa que se propõe como
verídica e mesmo se substitui ao passado, tomando o seu lugar.” (2005, p. 55)
A Literatura não tem a pretensão de chegar ao real acontecido. Para essa
historiadora, o método da História Cultural possibilita que a História seja um
tipo de ficção controlada, que é testada e comprovada por meio das fontes.

Outro conceito frequentemente usado na prática do historiador da


História Cultural é o de sensibilidades, que se liga aos dois acima. As
sensibilidades são, segundo Pesavento, “as formas pelas quais indivíduos e
grupos se dão a perceber, comparecendo como um reduto de tradução da
realidade por meio das emoções e dos sentidos.” Nesse âmbito, as
sensibilidades estão presentes tanto “no cerne do processo de representação
do mundo, como correspondem, para o historiador da cultura, aquele objeto a
capturar no passado, à própria energia da vida”. (2005, p. 57)

As representações, o imaginário, tais como a sensibilidade, não podem


estar distantes do conceito de memória. Assim, “como a história é a narrativa
que presentifica uma ausência no tempo, à memória recupera, pela evocação,
imagens do vivido. É a propriedade evocativa da memória que permite a
recriação mental de um objeto, pessoa ou acontecimento ausente.”
(PESAVENTO; SANTOS; ROSSINI, 2008, p. 15) Ao narrar, as pessoas estão
sempre fazendo referências ao passado e projetando imagens, dentro de uma
relação imbrincada com a sua consciência, ou daquilo que elas próprias
aspiram ser na realidade.
No jogo entre a lembrança e o esquecimento existe um processo de
aprendizagem cultural e histórica. O ato de esquecimento pode revelar que
memórias não são importantes para uma determinada pessoa, podem apontar
traumas, medos, sentimentos de angústias que o indivíduo procurou esquecer
porque quando lembrados causavam desconforto, dor.

Ainda relacionado com o conceito de representação, a História Cultural


também trabalha com identidades como uma construção simbólica de sentido,
que organiza um sistema compreensivo a partir da ideia de pertencimento.
Nessa direção, “a identidade é uma construção imaginária que produz a
coesão social, permitindo a identificação da parte com o todo, do indivíduo
frente a uma coletividade, e estabelece a diferença”. (PESAVENTO, 2005, p.
89-90) Ela é relacional porque se constitui a partir da identificação de uma
alteridade (do outro).

O estudo da identidade de um povo leva ao conhecimento de suas


culturas, de elementos que o agrega e que o diferencia de outros povos.
Também possibilita nos aproximar de seus valores e das transgressões a
esses valores, às normas postas pelo grupo. Permitem conhecer, entre muitas
possibilidades, as obras de artes que o representa, sua religiosidade, seus
modos de produção.

Representações, imaginário, sensibilidades, memória e identidades são,


portanto, conceitos de que se apropriam os investigadores do passado pela
dimensão da cultura. Eles “pressupõem uma decifração do passado, que nos
remete a uma atitude hermenêutica, de interpretação e captura de universos de
sentido distantes dos nossos” (PESAVENTO; SANTOS; ROSSINI, 2008, p. 16)
e permitiram a consolidação da corrente historiográfica dominante da
atualidade.

Micro-História Italiana e contribuições de Carlo


Ginzburg

As revoluções políticas e culturais realizadas pós-(1968), influenciaram


diretamente as discussões historiográficas, emergentes em diversos países, como
França, Itália e Inglaterra. Seria a Micro-história uma metodologia eminentemente
italiana ou uma expansão das iniciativas e tendências historiográficas
estrangeiras?

A denominada Micro-história é uma referência às novas possibilidades de


abordagem historiográfica que começou na Itália e tiveram como base os artigos
veiculados na revista “Quaderni Storici dela Marche” (1966-1969), que se
transformou em “Quaderni Storici” em (1970). Esse periódico se firmou de modo
mais imponente na década de 1980, com a criação da coleção “Micro-história”,
tendo como um dos dirigentes, o historiador Carlo Ginzburg (veja mais sobre ele
no quadro abaixo). Enquanto abordagem, segundo José Carlos da Silva Cardozo,
“este termo refere-se à escolha, por parte do pesquisador, pela redução da escala
de análise, seguindo a investigação intensiva do objeto pesquisado.” (CARDOZO,
2010, p. 38).

Carlo Ginzburg historiador italiano, é um dos maiores nomes da


historiografia atual e principal expoente da micro-história. Nasceu em Turim,
no dia 15 de abril de 1930. Filho do professor e tradutor Leone Ginzburg e da
romancista Natalia Ginzburg. Estudou na Escola Normal Superior de Pisa, e
em seguida no Instituto Warburg em Londres; ensinou história moderna na
Universidade de Bolonha e em seguida nas universidades de Yale, Harvard,
Princeton, além da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Desde 2006,
ele ocupa a cadeira de história cultural europeia na Escola Normal Superior de
Pisa.
Especialista na análise dos processos da Inquisição nos séculos XVI e
XVII é conhecido do público brasileiro por seus livros O queijo e os vermes
(1987), Os Andarilhos do Bem (1988), História noturna (1991), Mitos,
Emblemas e Sinais (1989), Olhos de madeira (2001).

Fonte: História e cultura: conversa com Carlo Ginzburg. Estudos Históricos, Rio de Janeiro. n.6, v. 3, p.
254-263, 1990. Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index. php/reh/article/viewFile/2300/1439>.
Acesso em: 26 jan. 2017.

Cardozo discute que “A micro-história nasceu na Itália como resposta às


inquietações de historiadores nos anos 70. [...] além da insatisfação com a
tradição marxista de análise, que não mais satisfazia as indagações frente à
complexidade social italiana.” (2010, p.38). Não é arriscado supor também que,
conforme Ginzburg, “a voga crescente das reconstituições micro-históricas esteja
ligada às dúvidas crescentes sobre determinados processos macro-históricos.”.
(1989, p. 172).

Nesse sentido, a abordagem da pesquisa numa escala reduzida surgiu


para analisar e estudar temas e sujeitos colocados à margem ou que estavam
além da percepção da pesquisa em escala macro.

O combate à história de longo período, que gerava “abstração,


homogeneização e era desprovida de carne e de sangue” (GINZBURG, 1989, p.
172), incorporou produções de muitos pesquisadores no campo antropológico e
da história cultural, tais como Geovanni Levi, Edoardo Grendei, Franco Ramella,
Maurizio Gribaudi e Edward Palmer Thompson.

Em 1979, Ginzburg e um de seus colaboradores, Carlo Poni, propunham


interrogar-se sobre as trocas historiográficas francesas e italianas. Esta
apresentação, de acordo com Henrique Espada Lima, foi responsável por
evidenciar as fortes ligações e diferenças entre a historiografia francesa e a
promissora articulação italiana. (2006, p. 61).

Para além da influência dos Annales, da análise serial, da etno-


história, da demografia, e da antropologia histórica, é possível
perceber nas páginas da revista a centralidade da história social
(nas prosopografias ou biografias coletivas, uma prosopografia a
partir de baixo, privilegiando a história das pessoas comuns).
(LIMA, 2006, p. 85).

A influência do movimento dos Annales, em sua conjuntura, não teve o


mesmo impacto sobre à micro-história que os escritos individuais de Lucien
Febvre O problema da incredulidade no século XVI: a religião de rebelais (1946) e
de Marc Bloch – Os reis taumaturgos (1924) e Apologia da história, ou, o ofício do
historiador (1941). (LIMA, 2006, p. 289). Por mais que nos anos 1960, os Annales
trabalhassem a ideia de retomar as propostas de seus fundadores, a Itália fez isso
numa perspectiva ousada e específica, extraindo com propriedade conceitos
como: mentalidades coletivas e mentalidades individuais. Posteriormente, voltou-
se para outras categorias: circularidade cultural, emprestada de Makhail Bakhtin,
relação social, crença, imaginário, vida rural. (BARROS, 2013, p. 74)
A noção de temporalidade, o objeto, as técnicas de interpretação e
abordagens das fontes históricas se alteraram profundamente. As indagações
almejavam o entendimento e esclarecimento sobre as transformações políticas e
culturais vividas pela sociedade Italiana: o dia a dia dos trabalhadores, a
consciência do homem como ser participante e ativo nas transformações sociais a
partir de seu trabalho, as crenças, o imaginário. Como vem compartilhar
Ginzburg, “Nota-se, o aparecimento de maior número de investigações históricas
caracterizadas pela análise extremamente próxima de fenômenos circunscritos
(uma comunidade aldeã, um grupo de família, um indivíduo singular)”. (1989, p.
172).

No entanto, é valido salientar que a micro-história, diferentemente da


História Regional, não intenciona estudar o espaço físico da aldeia, da
comunidade ou o indivíduo em si. Quando se elabora uma biografia, nessa
perspectiva, pretende-se conhecer dimensões mais amplas do lugar social,
político, cultural etc. onde vive o biografado. Portanto, podemos desenvolver uma
pesquisa sobre um tema que abrange toda uma sociedade, em um determinado
período, através das funções sociais/políticas e da trajetória de vida de um
indivíduo.

É notória a ampliação das fronteiras da pesquisa micro-história,


principalmente no que diz respeito ao objeto de investigação. A proximidade com
as ciências humanas e sociais implicou na diversificação do que se consideravam
fontes documentais e na adoção de um número bem maior de evidências orais,
escritas e imagéticas. Como sociabilizou Ginzburg na obra Micro-História: e
outros ensaios, ao definir os arquivos italianos como jazidas preciosas de matéria-
prima não exploradas, “Estamos a referir-nos não só aos documentos
conservados nos arquivos e nas bibliotecas, mais à paisagem, a forma das
cidades, a expressão gestual das pessoas: a Itália inteira pode ser considerada e
tem sido um imenso arquivo” (1989, p. 170).

Sobre o universo das fontes documentais e o modo que os pesquisadores


as abordam, Barros alerta que não podemos esquecer-nos de:

Um último ponto para compreender de maneira integral o que se


propõe com a abordagem micro-historiográfica refere-se ao seu
tratamento intensivo das fontes, ao seu modo peculiar de ler os
indícios a partir dos quais se buscará construir uma realidade
historiográfica e interpretá-la. O modo de tratar as fontes que
predomina na Micro-História é mais ou menos aquilo que
Ginzzburg chamou de “paradigma indiciário”. Implica também
naquilo que se denominou ‘análise intensiva’ das fontes.
(BARROS, 2013, p. 169).

O que constitui “análise intensiva” das fontes? Um procedimento em que o


micro-historiador deve estar atento a tudo, sobretudo aos detalhes que para
muitos são insignificantes ou imperceptíveis. O pesquisador deve buscar enxergar
o que muitos não veem e estar preparado para as condições que irá enfrentar.

A micro-história passou a estudar as relações familiares e comunitárias, os


costumes, as mentalidades e crenças locais, em diálogo com os estudos da
economia, da demografia e da história social, fazendo uso, sobretudo, de
apropriações e métodos da antropologia histórica.

As pesquisas historiográficas da segunda metade do século XX se aliaram


à antropologia, passando então a dar ênfase aos aspectos simbólicos, culturais e
as mentalidades coletivas. O objetivo dessa nova perspectiva “era descentralizar
a história italiana, estudar o local, o regional, o nacional e transnacional, com
novos personagens, problemas e métodos, numa visão mais atenta e
heterogeneidade, as disputas e à diversidade de escalas e análise.” (BARROS,
2013, p.152-153). Em consonância com tal pensamento, Sandra Jatahy
Pesavento destaca que o objetivo dos micro-historiadores era “analisar situações,
especificar ações individuais, acontecimentos preciosos, redes capilares de
relações, mas sem perder de vista a realidade mais global” (PESAVENTO, 2000,
p. 214).

A Itália, na década de 1960, estava marcada pela atuação de dois modelos


de história. Um voltado para o estudo de temas locais e regionais, de cunho
positivista e marxista, que se dedicava ao tema dos movimentos operários e das
revoltas camponesas numa perspectiva mais gramsciana. E outra voltada para a
historiografia ético política liberal, que priorizava a unificação do país, tendo como
base a atuação do Estado na defesa da democracia, numa perspectiva ideológica
fascista.
A colaboração entre as disciplinas perpassava as fronteiras e a
historiografia de forma geral. Há de fato uma competição entre as ciências, mas
os métodos e técnicas não tiveram restrição. Recusar, de certa forma, a influência
dos paradigmas franceses na construção da micro-história italiana é negar a
parceira e construir barreiras nos processos de sociabilidades do conhecimento
moderno. A micro-história, segundo Barros, corresponde a um campo histórico
que se refere a uma determinada maneira de se aproximar da realidade social ou
de construir o objeto historiográfico.

A prática micro-historiográfica não deve ser definida propriamente


pelo que se vê, mas pelo modo como se vê. [...] esta procura
enxergar aquilo que escapa à macro-história tradicional,
empreendendo para tal uma ‘redução da escala de observação’
que não poupa os detalhes da documentação. [...], o que importa
para a micro-história não é tanto a ‘unidade de observação’ mais a
escala de observação’ utilizada pelo historiador, modo intensivo
como ele observa, e o que ele observa. (BARROS, 2013, p. 154).

Nesse sentido o pesquisador do micro não visa mais perceber a sociedade


na sua totalidade, na ótica da história global, mas, a partir de aspectos
específicos, compreender a circunstância que envolve esse objeto numa
sociedade mais ampla. Como vem sublinhar Pesavento:

Os historiadores da micro-história acabam por demostrar que o


social passado não é um dado posto, um fato definido, mas algo
construído a partir da interrogações e questões postas [...] a tarefa
da micro-história tem sido, sobretudo, uma prática de
experimentação que recusa as evidências e aparências da
realidade para resgatar os detalhes e traços secundários, num
entrecruzamento máximo de relações (PESAVENTO, 2000, p.
223)

Além das fronteiras italianas, é possível reconhecer algumas


particularidades ligadas à antropologia social e a história social da Inglaterra. De
modo que é inegável a diversidade do leque de referência intelectuais na ótica da
micro-história. Muitas obras discutiram as condições de trabalho das classes
oprimidas e a sua contribuição para a formação social, bem como particularidades
até então deixadas de lado pela historiografia.
Ginzburg, um dos grandes nomes da micro-história, “reconheceu há alguns
anos a importância central que o trabalho de Eric Hobsbawm exerceu sobre as
suas primeiras escolhas e hipóteses para o estudo (mais tarde famosos) sobre a
cultura das classes subalternas e as concepções populares sobre a feitiçaria”(
1989, p. 55). Hobsbawm contribuiu, sobretudo, com um estudo publicado em
1960, na Società, revista ideológica do partido comunista Italiano, com o título
“Por uma história das classes subalternas.” Ginzburg também foi influenciado
pelas leituras dos trabalhos de Antônio Gramsci.

A historiografia torna-se um campo de novas possibilidades quando


qualquer contato pode fazer a diferença. As pistas de fluxos historiográficos entre
Itália e Inglaterra estão presentes nas publicações de livros, artigos de revistas
etc., principalmente a partir do momento em que a micro-história priorizou a
dimensão cultural como campo de investigação.

As discussões presentes nos escritos de Hobsbawm e as interpretações de


outros autores ingleses, como Rodney Hilton e Christopher Hill, sobre
“hegemonia” e “classes subalternas” produziram um efeito repentino não apenas
em Ginzburg, de modo que suas leituras se tornaram base para reflexões e
interpretações metodológicas na construção da historiografia italiana. Os
trabalhos de Thompson, principalmente os que discutem a “cultura plebeia”
inglesa do século XVIII, também influenciou na produção da micro-história.

Lima (2006) realizou um trabalho de mapeamento dos princípios de “troca


historiográfica”, os quais deram suporte para os debates da micro-história italiana.
Assim, ele aponta para as obras de Edoardo Grendi como responsáveis pelos
novos diálogos disciplinares. Com uma proposta de “fazer da história
contemporânea também uma história social”, Grendi trouxe importantes
discussões sobre a microanálise social da Itália a partir dos anos de 1970.
Partindo da ideia de que o proletariado havia sido a grande “novidade social” do
século XIX, deu ênfase à constituição da classe operária, à dissolução das
comunidades camponesas a partir da industrialização, as especificidades do
homem e os problemas cotidianos. Sua pretensão era fazer uma história a partir
de dentro do universo da classe operária.
Edoardo Grendi (1932-1999) foi um dos mais importantes
historiadores relacionados ao debate sobre a micro-história na Itália.
Trabalhando como professor de História Moderna e Contemporânea na
Universidade de Gênova, seus temas de pesquisas eram as tradições
socialistas, os movimentos dos trabalhadores na Inglaterra Vitoriana, a história
social e local da República de Gênova e da Ligúria, especialmente nos séculos
XV-XVII. Ele fez parte do comitê editorial dos Quaderni Storici (Bolongna, il
mulino) a partir de 1970.

Fonte: LIMA, Henrique Espada. E. P. Thompson e a micro-história: trocas historiográficas na seara da


história social. Revista Esboços, Santa Catarina, n.11, v. 12, 2004, p. 70. Disponível em: < <
https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/437/9899>. Acesso em: 28 jan. 2017.

Os primeiros contatos de Grendi com a história social britânica se deram


por ocasião de seus estudos na London School Of Economics, onde
desenvolveu a pesquisa de Doutorado, sob orientação de Ralph Miliband,
tratando de temas como: trabalhismo, movimento operário e as várias tradições
socialistas na Inglaterra entre os séculos XIX e XX. Sua pesquisa foi publicada na
Itália, no ano de 1964 (LIMA, 2004, p. 55).

A Micro-História propõe que o pesquisador observe de perto a vida


cotidiana, os detalhes que muitas vezes passavam despercebidos, o impacto dos
grandes processos históricos na vida concreta dos indivíduos. Com o intuito de
expandir esta vertente de pesquisa, Grendi dedicou um número da revista
Quaderni Storici, o qual recebeu o título Uma perspectiva para a história do
movimento operário.

O tema história operária passou a ganhar mais força:

[...] em outro número dedicado à sociedade industrial. Adriana


Lay, Dora Maruscco e Maria Lucia pensante publicavam ali um
artigo sobre as greves operárias na Itália entre 1880 e 1923. [...] A
discussão sobre a história contemporânea era retomada por
Roberto Vivarelli, Ernesto Galli Della Loggia e Raffaele Romanelli,
nesse mesmo número, em 1973. Todo o fascículo era marcado,
na verdade, por aquelas discussões que haviam animado às
páginas da revista no ano anterior. A História do movimento
operário, a história empresarial, a relação entre a instrução e o
mercado de trabalho, o protoindústria: [...] esses e outros temas
respondiam de muitos modos àquelas críticas levantadas por
Villani, Caacciolo e Grendi. [...] que colocavam em baile a história
social. (LIMA, 2004, p. 116).

Discussões estas que norteariam as produções da historiografia italiana e


formou a perspectiva da micro-história na segunda metade do século XX. Elas
tomaram como base algumas obras britânicas, particularmente importantes para
microanálise da história social. A formação da classe operária inglesa, de
Thompson, tornou-se um dos dois clássicos desse tipo de abordagem. “Quando
traduzido para o italiano, em 1969, Grendi publicou uma resenha na revista
Storica Italiana. Seu julgamento sobre o livro nos permite entender melhor os
critérios a partir dos quais conduzia suas leituras em história social.” (LIMA, 2004,
p. 55)
O objetivo da micro-história era descentralizar os problemas históricos,
propondo a articulação do tempo longo e o grande espaço geográfico com as
distâncias do tempo curto e dos eventos sociais mais próximos à intervenção dos
sujeitos comum. Sobre os discursos e paradigmas da micro-história José Carlos
Reis destaca:

A micro-história italiana retorna a um discurso quase idealista e


até teológico do particular como sintoma, sinal, pista da totalidade.
A história tende a abandonar as suas pretensões científicas e a
tornar-se um ramo da estética. Ela se aproxima da arte: da
literatura, da poesia, do cinema, da fotografia, da escultura, da
música [...] (REIS, 2006, p. 60).

A historiografia Italiana da segunda metade do século XX tem como mote a


diferença local e regional; o microrrecorte do todo; o apego à micronarrativa e a
“descrição densa”; a ênfase ao individual, ao imaginário, as representações, as
manifestações subjetivas e culturais. A filosofia da história, que outrora foi
combatida pelo seu caráter especulativo, agora retorna como aliada importante do
processo teórico-metodológico da pesquisa em história, bem como a
descentralização do campo de investigação do pesquisador do micro.

No ano de 1990, Giovanni Levi apontou para questões e posições que lhe
pareciam comum ao projeto da micro-história: a redução da escala, o debate
sobre a racionalidade, a pequena indicação como paradigma científico, o papel do
particular, a atenção à capacidade receptiva e a narrativa, uma definição
específica do contexto e a rejeição do relativismo. (LIMA, 2013, p. 368).

Como identidade da micro-história, podemos listar, nas obras de Ginzburg,


temas como: “[...]: a valorização dos fenômenos aparentemente marginais, como
os ritos de fertilidade, ou dos casos obscuros, protagonizados pelos pequenos e
pelos excluídos, cuja verdadeira dimensão cultural e social acaba por ser
demonstrada.” (Ginzburg, 1989, p.8).

Os temas socioculturais tornaram-se os pontos comuns das perspectivas


diversas da microanálise social. As discussões sobre o enfoque microanalítico de
casos delimitados como família e comunidade, problematizados por Edoarde
Grendi e Geovanni Levi, despertaram polêmicas, nas quais se veem temas como
a história oral e a antropologia, ampliação do universo das fontes e da riqueza
documental italiana. (LIMA, 2006, p.106).

A difusão das abordagens e perspectivas da micro-história pelos


continentes, a forma com que estas interpretações ganharam aliados,
simpatizantes, colaboradores e interpretadores em muitos países são pontos que
receberam atenção de alguns historiadores. No Brasil, por exemplo, Barros afirma
que:

Diversos historiadores experimentaram o olhar micro-


historiográfico a partir da década de 1980. Alguns fazem a junção
do olhar micro-historiográfico e da eleição do cotidiano como
campo de observação com o enfoque sociocultural proposto por
Thompson, preocupando-se em examinar os problemas da
formação de uma consciência de classe, ou pelo menos as formas
de resistência popular a partir de uma “História Vista de Baixo”.
(BARROS, 2013, p. 168).

No entanto, muitos historiadores têm tido dificuldades para aplicar o


método micro-histórico em pesquisas que abarcam os primeiros séculos da
história colonial brasileira. Nessa direção, Izabella Fátima Oliveira de Sales
afirma que “A falta de corpos documentais e a própria desorganização dos
arquivos dificulta a perseguição das trajetórias individuais ou de grupos em suas
diversas relações sociais.” E sugere como alternativa para superar esse desafio
“o uso de um esquema comparativo, visto que o historiador explica fenômenos
sociais através de sua repetição no longo do tempo.” (SALES, 2008, p. 7-8).

Antonio Manuel Hespanha, em seu texto Às vésperas do Leviathan,


destaca que o indivíduo era definido a partir de uma representação
organizacionista da sociedade, “Com a consequência de que, os elementos em
que a sociedade se analisa não são os indivíduos, mas os grupos de indivíduos
portadores da mesma função e titulares de um mesmo estatuto”. (1994, p. 307-
309). Podemos verificar os indícios e ligá-los as características gerais de um
grupo, tendo como viés as ações realizadas pelos indivíduos que compõem esta
coletividade.

Um exemplo de pesquisa brasileira que trabalha com objetos que fazem


uma articulação entre “macro” e “micro” é a obra O Inferno Atlântico, de Laura de
Melo e Souza. Conforme proposição de Barros, “a autora examina a prática da
feitiçaria como modo de chegar às trocas culturais, o que de certo modo é um
projeto semelhante ao de Ginzburg em algumas de suas obras”. Aqui o fragmento
de análise não é nem uma “vida” nem uma “pequena comunidade”, mas uma
“prática”. (BARROS, 2013, p. 177-178). Assim, Souza buscou dar visibilidade a
questões culturais de alcance mais amplo, bem como aspectos relacionados à
circularidade entre campos culturais diversificados.

Para finalizar, frisamos que entre os micro-historiadores italianos, o nome


de maior destaque no Brasil é o de Carlo Ginzburg, cujos livros foram todos
traduzidos para a língua portuguesa. Outro nome também bastante conhecido é o
de Giovanni Levi. Eles contribuíram para a elaboração de conceitos e abordagens
da micro-história. Ressaltamos ainda que Ginzburg e Levi estão atuando até hoje,
com a publicação de obras voltadas para esse tipo de abordagem da história, que
têm influenciado nas pesquisas de muitas universidades no mundo, inclusive no
Brasil.
Explicando melhor com a pesquisa

Caro estudantes, sugerimos a leitura do artigo: A Teoria da História de Jörn


Rüsen entre a Modernidade e a Pós-modernidade: uma contribuição à didática
da história. O presente artigo busca contextualizar alguns elementos da teoria
da história de Jörn Rüsen, a partir de uma discussão maior entre a
modernidade e a pós-modernidade.

Propomos também a leitura do artigo: a escola dos annales e a reinterpretação


de fatos históricos. A escola dos Annales só veio contribuir para a nova
geração de historiadores, pois através de pesquisas regionais e locais eles
reinterpretam fatos, que foram versados dentro de um discurso hegemônico,
atribuindo-lhes novos valores e desconstruindo estereótipos herdados pela
história universal.

Guia de estudo: Após a leitura dos dois artigos escolha um e faça uma
resenha crítica, abordando a importância da História para a compreensão dos
dias atuais. Compartilhe suas reflexões postando no ambiente virtual.
Leitura Obrigatória

Sugerimos a leitura da obra: A Escola dos


Annales. Esse livro faz referência para a
compreensão das mudanças teóricas e metodológicas
ocorridas no campo da História no século XX. Os
Annales foi um movimento dividido em três frases o
primeiro foi marcada por críticas contundentes à
historiografia do século XIX (história tradicional) e por
expressiva oposição à história política e à história dos
eventos; a segunda o movimento se aproxima de uma “escola”, com conceitos
(estrutura e conjuntura); e o terceiro exerce grande influência sobre a
historiografia e sobre o público leitor, com abordagens que comumente
chamamos de Nova História ou História Cultural.

BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da


Historiografia. Tradução Nilo Odalia. São Paulo: UNESP, 1997.

Guia de estudo: Logo após a leitura dessa obra construa um texto


argumentativo relatando os pontos principais, em seguida, poste no ambiente
virtual.
Pesquisando com a Internet

Podemos compreender que a história faz parte da nossa vida, ela é


reveladora, compreensível, e por causa dela que hoje, vivemos em dias que a
tecnologia está tão avançada, pois ela regista dados e é através desses que o
ser humano tem uma base para poder agir em processo de mudança.

Guia de estudo: Faça uma pesquisa sobre a contribuição da história para um


processo de aprendizagem do estudante, em seguida faça uma resenha e
poste no ambiente virtual.
Saiba mais

Sugerimos a leitura da entrevista: Entrevista realizada com o Professor


Sérgio Da Mata. Esta entrevista trata de temas relevantes para a teoria da
história hoje. O professor sublinha temas como a tradição historiográfica alemã:
suas formas de pensamento e influências na historiografia brasileira.

Propomos também a leitura da entrevista: Entrevistamos o historiador


André de Lemos Freixo. Discussão passou por temas atuais, como a falta de
preparo e, na realidade, o quase desinteresse generalizado por reflexões
teóricas no interior de nossa historiografia, que parece cada vez mais inclinada
a um empirismo cego.

Guia de estudo: Após a leitura das entrevistas produza uma resenha crítica
abordando a influência da historiográfica europeia para a historiográfica
brasileira, em seguida poste no ambiente virtual.
Vendo com os olhos de ver

Sugerimos que assista ao vídeo: A micro-história italiana e entrevista


com Giovanni Levi. Nesse vídeo é abordado à micro-história como a história
visto de baixo, ou seja, a história vista através dos trabalhadores, operários etc.

Propomos também que assista ao vídeo: Qual a diferença entre


MEMÓRIA e HISTÓRIA? - Conceitos Históricos. Nesse vídeo é relatada a
semelhança entre história e memória, porém são distintas.

Guia de estudo: Após assistir aos vídeos produza um texto abordando a


importância da micro-história para o processo de formação humana.
Revisando

Este módulo está dividido em quatro capítulos. O primeiro tem como


título O marxismo como uma escola histórica revolucionária e busca fazer uma
reflexão sobre o marxismo e o materialismo histórico a partir da obra original de
Karl Marx e Friedrich Engels; bem como debater a respeito dos
desdobramentos da tradição marxista.

No segundo capítulo 2, intitulado Uma escola histórica contemporânea: a


Escola dos Annales faz uma discussão sobre o processo de constituição do
movimento dos Annales, demonstrando como a História e a historiografia foi se
transformando ao longo de suas três fases, sobretudo em relação às
abordagens, aos temas, às fontes e aos métodos.

No terceiro, A História Social e a História vista de baixo, trato de como a


História Social foi se fazendo a partir da influência dos Annales e dos temas e
métodos que foi assumindo ao longo do tempo. Discorro também sobre a
ampliação das fontes e métodos de análise, a inclusão de novos sujeitos na
produção do conhecimento histórico, que possibilitaram o surgimento de uma
nova abordagem, a História vista de baixo.

No quarto capítulo, com o título A Nova História Cultural e a Micro-


História Italiana, faço uma discussão em torno dos conceitos e abordagens da
Nova História Cultural, ressaltando que nas últimas décadas ela tem se
difundindo muito em todo país, tanto pela grande produção historiográfica
voltada para a dimensão da cultura quanto pela abertura de novos programas
de pós-graduação com área de concentração na cultura. E, por último, discorro
sobre a abordagem da Micro-história.

Com essa discussão procurei apontar algumas mudanças e


permanências na História e na historiografia ao longo do século XX e início do
XXI, as quais foram influenciadas e provocadas pela tradição marxista e pelo
Movimento dos Annales.
Autoavaliação

1.Algumas posições defendidas pela segunda e terceira geração dos Annales,


em especial a última, são diferentes da política defendida pela primeira
geração. Para alguns intelectuais, isso seria um processo contínuo e radical
dos Annales; para outros, trata-se de uma descontinuação do projeto formulado
por March Bloch e Lucien Febvre. Posicione-se criticamente a esse respeito.

2. O que era fonte de pesquisa histórica antes do movimento dos Annales? E a


partir da primeira fase do movimento?

3. Explique de que forma o materialismo histórico contribuiu para chegarmos à


concepção de História que temos hoje?

4. A partir do que você estudou no capítulo 1, como você conceitua o termo


marxismo?
5. Discuta sobre a importância de conhecer o pensamento original de Karl Marx
para não incorrer aos erros do marxismo vulgar.

6. Discorra sobre o processo de constituição da História Social.

7. Qual a importância da História vista de baixo para dar visibilidade a outros


sujeitos e para a inclusão de novas fontes no estudo da História?

8. Como a Nova História Cultural tem inovado a produção historiográfica no


país?

9. Faça uma discussão sobre a abordagem da Micro-história.


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Você também pode gostar