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DISSERTE A RESPEITO DE DOIS ASPECTOS DE “A DESCIDA DE IHSTAR AO MUNDO


DOS MORTOS”, QUE NOS REVELAM O PENSAMENTO E A VISÃO DE MUNDO

MESOPOTÂMICA. (5,0 PONTOS)

A introdução e estudo que o Jacyntho Lins Brandão traz no poema Ao Kurnugu,


Terra Sem Retorno: Descida de ishtar ao mundo dos mortos aspectos contundentes para
se compreender o mundo mesopotâmico, sobretudo de como os rituais religiosos são
primorosos para àquela sociedade, e como os deuses influenciam o modo de vida, bem
como o ambiente situado nesse contexto. Segundo o Lenormant (1873), a obra fora um
dos fragmentos mais importantes de epopeia mitológica que chegaram à modernidade.

No poema, a deusa Ishtar - deusa do amor e da guerra com origem no Império


Mesopotâmico, divindade da Acádia - decide baixar ao mundo dos mortos, onde reina
sua irmã Eréshkigal, o reino dos mortos é chamando de Kurnugu, que ganha
protagonismo, pois segundo Erica Reiner, as primeiras palavras de um poema
babilônico geralmente descrevem seu protagonismo:

Ao Kurnugu, terra sem retorno,

Ihstar, filha de Sin, seus ouvidos voltou,

E voltou, a filha de Sin, seus ouvidos [sic]

Analisando esse aspecto do trecho A terra sem retorno, nota-se a presença do


simbolismo ritualístico, Ishtar indo à terra sem retorno, ora, como a filha de Sin – deus
da lua e protetor que ilumina a todos desceria à terra dos mortos? Essa indagação parece
permear o cerne do texto em primeira mão. Cabe ressaltar, ainda, a especificidade do
poema em Acádio, construído sob paralelismos, discursos diretos bem variados que
denunciam o refino cultural do qual permeia o poema. Nessa trama, é fixado um
desígnio muito importante de ser abordado, que são as consequências da descida de
Ishtar ao mundo dos mortos, pois, após cumprir todos os ritos que fora intimada a
prestar sob a ordem de Eréshkigal, após ser forçada a deixar seus adornos divinos, a
deusa do amor é oprimida por doenças (para ser mais preciso, sessenta) e, após essas
imbricações, a terra sofre com falta de fertilidade; causando problemas sociais e,
consequentemente divinos.
Tendo em vista a não fertilidade terrena como é mostrado em parte do poema
“[...] À vaca o boi não cobria, O asno à asna não emprenhava, À moça na rua não
emprenhava o moço [...]”. Os deuses sumérios enlutaram-se por Ishtar. Nesse contexto,
Ea – deus das águas subterrâneas – criou um plano com intuito de resgatar Ishtar de
Kurnugu: nasceu Asúshu- Námir que vai, a mando de Ea, aos portões de Kurnugu
reclamar à volta da deusa para seu lugar designado.

Ishtar reclamava à vida do seu amado Dúmuzi, deus da agricultura, muito


presente à sua celebração com o mês dedicado aos mortos estreitando as fronteiras dos
vivos e mortos, numa confraternização mutua em unicidade coletiva. Ela buscava seu
amado que habitava o Kurnugu, que, porém, transgrede toda ordem cosmológica.

Nota-se que subterrâneo é um lugar bem imbricado de generalizações na


Mesopotâmia, muito mais emotivo do que esclarecido, porque o que resta é o espectro,
enquanto vivo a matéria é provida pelos deuses; tudo é fornecido para a manutenção dos
ritos cíclicos. O mundo dos mortos seria uma espécie de silêncio absoluto como é
salientado no poema em questão, especificamente na tabuinha que relata os que vivem
no Kurnugu apenas “arrulham”, como que pombos.

A epopeia contribui, por conseguinte, na compreensão daquela sociedade, bem


como o papel dos deuses na organização social, cultural e psíquica. Ademais, as
emoções associadas aos deuses, revelam muito a sua proximidade com o terreno, não
cabe então, fazer generalizações acerca dos Acádios, tampouco do imaginário bastante
complexo dos povos pertencentes a essas sociedades complexas.
Abordando outro aspecto contundente dos estudos de Jacyntho Lins Brandão para
se entender o mundo mesopotâmico, é o poder atrelado a figura de Eréshkigal 1 e como
ela dominava o Kurnugu, e, consequentemente à sua influência aos Acádios viria com a
descida da deusa do amor ao mundo dos mortos. Pois assim que Ishtar desce ao mundo
dos mortos, Eréshkigal a priva de permanecer com seus adornos, esteriliza toda vida
terrena tanto vegetal como animal, tudo cessa. Vendo a irmã, ela treme, seria uma
emoção de raiva ou medo? É uma indagação que abre um leque para várias
interpretações que não se cabe aqui disseca-la.

Contudo, é bem notório o desconforto de Eréshkigal no momento em que Ihstar


senta-se acima da rainha do Kurnugu, deixando a se supor que estaria acima dela, ou
seja, sob às suas rédeas estaria o Érsetu. 2 Essa atitude de Ishtar fez com que a Eréshkigal
impusesse doenças à Ishtar por meio de Namtar, um intendente, personagem cuja
função é apresentar um destino para outrem o mesmo é quem jorra as sessenta pragas
para Ishtar, em que é destacada cinco pragas: de olhos, da braços, de pés, de coração e
de cabeça.

Eréshkigal a boca abriu para falar,


1
Capítulo 8, intitulado: O Poder de Eréshkigal, p. 133.
2
Uma caverna escura e sombria, onde se acreditava que os habitantes continuavam “uma versão
sombria da vida na terra, (CHOKSI, 2014).
A Namtar, seu intendente, estas palavras disse:
Vai, Namtar, afasta-a de minha face!
Solta sessenta doenças para oprimir Ishtar.
Doença de olhos nos olhos seus,
Doença de braços nos braços seus [sic]

Reiner propõe que tenha sido das partes de onde foram retirados os adornos
correspondentes às forças divinas de Ishtar deixando-a nua, cabe a palavra nua uma
conotação mais abstrata, pois ela entra no mundo dos mortos subestimando o ambiente e
subjugando aos seus domínios, a se colocar acima da rainha do Érsetu mostrou-se
soberba. Era comum os deuses imporem doenças a quem quisesse amaldiçoar e eles
eram atribuídos qualquer desgraça que causasse doença, já foi notado no Código de
Hamurabi que os médicos, por métodos medicinais disponíveis naquela temporalidade,
curam-se um Awilum, ganharia pratas, contudo, nada de fala de métodos profiláticos;
que se coaduna com a visão de crença de que as doenças seriam imposições dos deuses,
assim como qualquer período ruim existente em diversos momentos.

Em última análise, já era esperado que Ishtar descendo ao mundo dos mortos,
seria subjugada, assim como, já se era esperado que Eréshkigal mostra-se à sua força em
relação a invasão feita pela deusa em busca do seu amado, por conseguinte, fica claro
que Eréshkigal vendo Ishtar mais fraca tanto por estar fora da sua espacialidade, quanto
por perder seus adornos imponentes e divinos, estaria despreparada e suscetível a cair
em qualquer praga a que fosse submetida naquele momento. Essa imponência de
Eréshkigal é tão forte que ultrapassa os limites da Mesopotâmia ocorrendo até em
papiros do mundo no século III d.C. Porém com conteúdo correlacionado com magia
diferente do Mundo Mesopotâmico.
Referências bibliográficas

Ao Kulungu, terra sem retorno. Descida de Ishtar ao mundo dos mortos.


Tradução, introdução e estudos de Jacyntho Lins Brandão. Curitiba: Kotter
editorial, 2019.

ELE que o abismo viu (epopeia de Gilgámesh), Tradução do acádio e


comentários de Jacyntho Lins Brandão. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2017.

LENORMANT. François. La déscent d’istar aux Enfers. In choix de textes


cuneiformes inédites ou incomplément publiés. Paris: Maison-neuve et cie.,
1873.

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