1) O documento discute os gnósticos, que afirmavam possuir um conhecimento secreto (gnose) e se diversificaram em muitas seitas diferentes.
2) Historiadores modernos tentam entender as origens do gnosticismo cristão e suas conexões com religiões e filosofias pré-cristãs, ao invés de apenas vê-lo como heresia.
3) Recentemente, fenomenólogos da religião passaram a estudar a atitude gnóstica subjacente, em vez de apenas se concentrar nas dout
1) O documento discute os gnósticos, que afirmavam possuir um conhecimento secreto (gnose) e se diversificaram em muitas seitas diferentes.
2) Historiadores modernos tentam entender as origens do gnosticismo cristão e suas conexões com religiões e filosofias pré-cristãs, ao invés de apenas vê-lo como heresia.
3) Recentemente, fenomenólogos da religião passaram a estudar a atitude gnóstica subjacente, em vez de apenas se concentrar nas dout
1) O documento discute os gnósticos, que afirmavam possuir um conhecimento secreto (gnose) e se diversificaram em muitas seitas diferentes.
2) Historiadores modernos tentam entender as origens do gnosticismo cristão e suas conexões com religiões e filosofias pré-cristãs, ao invés de apenas vê-lo como heresia.
3) Recentemente, fenomenólogos da religião passaram a estudar a atitude gnóstica subjacente, em vez de apenas se concentrar nas dout
No princpio de seu volumoso livro contra as heresias,
Santo Epifnio (morto em 403) transcreve uma lista impressionante e, no entanto, incompleta, como ele prprio esclarece de seitas temveis que ameaam a unidade da Igreja: os simonianos, os menandrianos, os saturnilitas, os basilidianos, os nicolatas, os estratiticos, os fibionitas, os zaqueos, os borboritas, os barbelitas, os carpocracianos, os cerintianos, os nazarenos, os valentinianos, os ptolomeanos, os marcosianos, os ofitas, os cainitas, os setianos, os arcnticos, os cerdonianos, os marcionitas, os apelianos, os encratitas, os adamitas, os melquisedecianos.... (e no reproduzimos de forma completa esta enumerao interminvel). Em todos os Padres da Igreja que combateram aos gnsticos (gnostiki), falsos cristos que pretendiam possuir um conhecimento (gnose) maravilhoso, encontramos o mesmo quadro: o de movimentos herticos que se diversificam, ramificando-se ao infinito como fungos venenosos, em inumerveis seitas e subseitas. Santo Ireneu (bispo de Lion a partir de 177) observa, referindo-se aos valentinianos, que at "impossvel encontrar dois ou trs que digam o mesmo a respeito do mesmo tema; contradizem-se de maneira absoluta, tanto no que se refere s palavras como no referente s coisas". Muitos historiadores consideram tambm o gnosticismo como um monumento de fantasias extravagantes, de incoerncias, de mitos estranhos, de fantasmagorias desprovidas de todo interesse filosfico e que, em definitivo, no constituem mais que um ramo particularmente degenerado do inquietante sincretismo religioso dos sculos primeiro e segundo de nossa era. Mesmo que o ponto de vista dos Padres da Igreja seja ainda bem amplo, o gnosticismo adquire um carter completamente diferente nos "ocultistas" e "telogos" contemporneos. Em lugar de hereges perversos e delirantes, encontramos homens possuidores de iniciaes prestigiosas, iniciados nos mistrios orientais, donos de conhecimentos ocultos ignorados pelo comum dos mortais e transmitidos secretamente a um nmero limitado de "mestres". A gnose o conhecimento total, incomensuravelmente superior f e razo. O gnosticismo estar unido ento sabedoria primordial original, fonte das diversas religies particulares. O historiador das religies mantm-se cuidadosamente afastado dos pressupostos dogmticos ou racionais. Sua ambio no refutar - ou provar - o gnosticismo, mas estudar a origem e o desenvolvimento das diversas formas histricas da gnose.
A extrema diversidade das especulaes gnsticas
inegvel: "Seria mais exato falar de gnosticismos que do gnosticismo". A mesma diversidade existe no domnio do culto e dos ritos, onde as tendncias mais ascticas se opem s prticas mais secretas: nos "mistrios" e nas iniciaes dos gnsticos voltam a se encontrar os dois plos extremos do misticismo. fcil descobrir, no entanto, um inegvel "ar de famlia" entre os diversos gnosticismos, apesar das mltiplas divergncias e oposies que eles manifestam. Seja qual for o grau de disperso de seitas e escolas (menos desmedido, entretanto, do que afirmam os heresilogos, os quais parecem ter separado artificialmente ramos de um mesmo grupo e at graus de iniciao sucessivos), e ainda considerando que na maioria dos casos o epteto gnostiki no usado pelos prprios hereges, no de nenhum modo arbitrrio qualificar de gnsticas as idias ou sistemas que apresentam as mesmas tendncias caractersticas. Os historiadores modernos indo mais longe que os heresilogos no duvidaram em generalizar o conceito de gnose fora do mbito do cristianismo. O estudo cientfico do gnosticismo cristo teve seus pioneiros: Chifflet, no sculo XVII; de Beausobre e Mosheim no sculo XVIII. Mas foi a princpios do sculo passado que se desenvolveu, com trabalhos de Horn, Neander, Lewald, Baur, etc. A importante Histoire critique du gnosticisme,de Jacques Matter (Paris, 1828; reeditada em Estrasburgo em 1843) constituiu durante muito tempo uma obra clssica. O autor define a gnose como "a introduo no seio do cristianismo de todas as especulaes cosmolgicas e teosficas que tinham formado a parte mais considervel das antigas religies do Oriente e que os novos platnicos tinham tambm adotado no Ocidente". Inumerveis historiadores das religies esforaram-se depois em vincular as origens do gnosticismo cristo este conjunto de doutrinas e de ritos que se nutrem de um fundo comum de especulaes, imagens e mitos com uma fonte anterior ao cristianismo. Assim, a gnose foi vinculada com o Egito, com a Babilnia, com o Ir, com as religies de mistrios do mundo contemporneo, com a filosofia grega, com o esoterismo judaico e at com a ndia. Longe de ser o resultado de uma reflexo espria de certos espritos sobre aspectos do cristianismo, o gnosticismo aparecer finalmente, aos olhos do orientalista, como um fenmeno de "sincretismo", mais ou menos casual, entre o cristianismo e outras crenas profundamente alheias a este ltimo. Os trabalhos dos especialistas alemes (Kessler, W. Brandt, Anz, Reitzenstein, Bousset ) se libertaram assim da perspectiva heresiolgica no estudo das gnoses crists: "Falando com rigor, no so heresias imanentes ao cristianismo, mas os resultados de um encontro e de uma unio entre a nova religio e uma corrente de idias e de sentimentos que existia antes dela, ou que lhe eram primitivamente alheia e seguir sendo em sua essncia".
De umas trs dcadas
para c tende-se a dar o nome de "gnsticas" a outras correntes diferentes posteriores (maniquesmo, catarismo): gnosticismos exteriores ao cristianismo (como o mandesmo e o hermetismo stricto sensu); a alquimia; a Cabala judia; o ismaelismo e as heresias muulmanas derivadas: algumas doutrinas "esotricas" modernas. Reagindo contra o "comparativismo", sem deixar de aproveitar suas descobertas, diversos especialistas na cincia das religies (Hans Jonas, Karl Kernyi, Simone Ptrement, Henri-Charles Puech, G. Quispel...) abordaram o estudo do gnosticismo valendo-se do mtodo fenomenolgico: em lugar de insistir no detalhe das doutrinas, dos mitos e dos ritos, trata de pr em destaque a atitude especfica, as orientaes espirituais caractersticas que os condicionam e destacam os grandes temas (expressados ou implcitos) que em ltima anlise se acham por trs das idias, das imagens e dos smbolos gnsticos. Apesar dos gnosticismos serem muito diversos, o gnosticismo uma atitude existencial completamente caracterstica, um tipo especial de religiosidade. No arbitrrio formular um conceito geral da gnose,"conhecimento" salvador que se traduz em determinadas reaes humanas e sempre as mesmas. Se o gnosticismo no fosse mais que uma srie de aberraes doutrinrias prprias de certos hereges cristos dos trs primeiros sculos, seu interesse seria puramente arqueolgico. Mas muito mais que isso: a atitude gnstica reaparecer espontaneamente, alm de qualquer transmisso direta. Este tipo especial de religiosidade apresenta, inclusive, perturbadoras afinidades com algumas aspiraes completamente "modernas". O "gnosticismo" dos heresilogos constitui o exemplo caracterstico de uma ideologia religiosa que tende a reaparecer incessantemente na Europa e no mundo mediterrneo, em pocas de grandes crises polticas e sociais. A unidade da gnose postulada pelos "fenomenlogos" contemporneos no de modo algum a unidade que postulam os adeptos da teosofia e do esoterismo: nesta perspectiva especial, a gnose seria a fontede todas as religies e seu fundamento ltimo. Para o grande "tradicionalista" francs Andr Ren Gunon (1886- 1951) e seus discpulos, em todas as religies se encontra a idia de uma libertao metafsica do homem por meio da gnose, ou seja, por meio do conhecimento integral. Existe umaassombrosa universalidade de certos smbolos e de certos mitos: da o postulado lgica de uma origem comum dos diferentes esoterismos religiosos que se expressam necessariamente atravs das grandes religies "exotricas" cujo ncleo constituem. Do ponto de vista do historiador das religies, a teoria de Gunon no pode, evidentemente, ser provada (nem, por outro lado, invalidada). certo que as doutrinas esotricas se parecem; mas para explicar estas convergncias no h necessidade alguma de postular uma tradio primordial intemporal conservada por um ou vrios "centros" de iniciao. Basta recordar esta lei redescoberta pelos "fenomenlogos": como o esprito humano reage da mesma maneira em condies semelhantes, no estranho encontrar em diversas partes as mesmas aspiraes. Tambm no h que passar por alto as filiaes histricas, s vezes inesperadas. "...Possui-se a gnose, conhecimento beatificador diz- nos Paul Masson-Oursel quando se distingue o absoluto, em suas profundidades, daquilo que o relativiza. Esta definio, que coincide com a dos "tradicionalistas", demasiado geral: a salvao pelo conhecimento uma aspirao que caracteriza numerosos movimentos religiosos o budismo, por exemplo que no se incluem usualmente nognosticismo. Este ltimo um tipo muito especial de religiosidade que efetua algo assim como a sntese das aspiraes "orientais" e "ocidentais". comum que se estabelea uma oposio, bem longe de corresponder sempre verdade, entre o Oriente "metafsico" que aspira libertao e o Ocidente "religioso" que aspira salvao. O gnosticismo estabelece precisamente uma espcie de vinculao, de ponte entre as religies, de forma "sentimental" e pessoal, e as religies impessoais chamadas "metafsicas". O gnstico parte e isto o que as importantes investigaes de Henri- Charles Puech, membro do Instituto, professor do Collge de France, pem em evidncia de uma experincia totalmente subjetiva, para elevar-se atravs dela ao encontro de uma iluminao salvadora. A primeira parte deste livro determinar precisamente as caractersticas gerais de tal atitude (ou melhor, de toda uma srie de atitudes): por meio de muitas citaes (tomadas sobretudo do gnosticismo cristo, mas completadas mediante outros "testemunhos"), poremos em relevo tendncias, aspiraes e doutrinas completamente caractersticas. Na segunda parte, estudaremos a histria das aspiraes gnsticas, desde suas remotas origens pr-crists at suas assombrosas "reaparies" contemporneas. A modesta extenso desta obra nos impede de tratar certos problemas particulares; mas cremos ter mostrado todo o interesse histrico e filosfico das investigaes relativas a um domnio que alguns autores ainda consideram como pitorescas extravagncias. Ainda que muitos gnsticos falem uma linguagem desconcertante para o homem contemporneo e parecem constituir, ao menos primeira vista, um conjunto heterogneo de grupos inumerveis, sua atitude no fundo muito moderna: apresentam-se como homens angustiados por sua condio de seres lanados no mundo e que, na fuga do mundo, crem haver achado o modo de vencer esta angstia insuportvel. Devemos precisar que, em toda a primeira parte deste estudo, seguimos os delineamentos essenciais do pensamento gnstico, postos em evidncia por H.-C- Puech.