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RITMO E SINTAXE
Do ritmo
necessita de uma certa entoação q ue a estrutura rítmica da língua que a perfeição na arte poética consiste em catraia.' a aa palavras
poética não admite. Por isso, uma leitura prosaica do verso destrui- no metro sem alterar a estrutura habitual da língua.
ria sua estrutura rítmica. Fundamentando-se nos resultados e observações modernas, al-
Lendo os versos, percebemos as formas habituais da sintaxe gumas pessoas concedem maior atenção à criação poética e fazem
prosaica e, sem levarmos em conta sua natureza rítmica, trata- dela urna imagem inversa. No poeta, aparece antes a imagem inde-
mos de pronunciá-las como na prosa; a leitura resultante toma um finida de um complexo lírico dotado-de - estrutura fónica e rítmi-
sentido prosaico e perde seu sentido poético. ca e só depois essa estrutura tranaracional 'articula-se em pala-
O verso obedece não somente às leis da sintaxe, mas também às vras significautes. Andrei Bich a-, Blo- k, os futuristas falaram e es-
da sintaxe rítmica, isto é, a sintaxe enriquece suas leis de exigências creveram sobre esse tema,
rítmicas. De acordo cora eles, obtém-se enfim uma, significação que não
Na poesia, o verso é o grupo de palavras primordial. No verso, coincide obrigatoriamente com a significação habitual da língua
as palavras combinam-se segundo as leis da sintaxe prosaica. falada. Não se trata do direito do poeta de alterar a, língua, mas
Esse fato de coexistência de duas leis agindo sobre as mesmas do fato que o poeta consente em dar aos leitores um simulacro de
palavras é a particularidade distintiva da língua poética. O verso significação; poderia dispensá-los inteiramente, mas, cedendo às
nos apresenta os resultados de uma combinação de palavras ao exigências semânticas do leitor, envolve suas inspirações ritmicaa
mesmo tempo rítmica e sintática. em palavras que se tornam acessíveis a todos.
Uma combinação rítmica e sintática de palavras se distingue A consciência ingênua cede o primeiro lugar à estrutura ha-
da que não é senão sintática, na qual as palavras são incluídas numa bitual da língua falada e considera o metro poético como um apên-
certa unidade rítmica (o verso) ; e distingue-se da combinação pura- dice: decorativo da estrutura habitual do discurso. Bielinski escre-
mente rítmica na qual as palavras combinam-se com as qualidades via que, para sabermos se os versos são bons ou maus, é suficiente
tão semânticas quanto fôni , •s, dar-lhes uma versão prosaica e seu valor aparece imediatamente.
Sendo o verso a unidade rítmica e sintática primordial, é por Para Bielinski, a forma poética era apenas ura invólucro exterior
ale que devemos começar ❑ estudo da configuração rítmica e se- do complexo lingüístico habitual e era natural que se interessasse
mântica. primeiramente pela significação do complexo e não por seu invó-
lucro.
Os poetas e os investigadores modernos partem da imagem
inversa. Para eles, o fundo da língua poética é o que os' primitivos
O padrão rítmico e sintático chamam de apêndice exterior. Inversamente, se o valor seinàrfflka
do complexo rítmico não é apenas um apêndice exterior, ele é aa
Uma imaginária ingênua assim apresenta a criação poética: menos urra concessão inevitável da mentalidade não-poética. Se
todo o mundo tivesse aprendido a pensar com a ajuda de imagens
❑ poeta primeiramente escreve seu pensamento em prosa e a se-
transracionais, a língua poética não precisaria de nenhum trata-
guir modifica suas palavras a fim de obter um metro. Se certas
palavras não obedecem à exigência do metro, ele as substitui até que mento semântico.
correspondam ao que ele espera delas, ou melhor, as substitui por A primeira imagem suprime todo o sentido da língua poética
outras palavras mais convenientes. Por isso, a consciência primitiva e transforma a criação poética em um exercício inútil, em giros
percebe cada palavra ou aparência inesperadas como uma liberda- de alcance lingüístico, assim que Tolstoi caracteriza a poesia: de
de poética, como um desvio das regras da língua falada em nome acordo com ele, os poetas são pessoas que sabem encontrar uma
do verso. Certos amadores do verso toleram essa liberdade do poeta, rima para cada palavra e arraaajbalas de diferentes maneiras.
julgam que ele tem esse direito. Outros condenam severamente essa Saltykov-Chtehedrine diz a respeito disso: "Não compreendo por
alteração e duvidam do direito do poeta de falar mal a língua em que Se deve caminhar sobre um fio e acocorar-se a cada três pas-
nome de impulsos poéticos quaisquer. Os críticos gostam de dizer sos'. Tal atitude com relação à poesia conduz naturalmente à re-
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jeição desses giros decorativos e a escrever unicamente de acordo estrutura lingüística especifica, fundada sobre certos traços da pa-
com a língua falada quotidiana. lavra que estão ei» segundo plano na linguagem quotidiana.
Os mestres da língua poética tranaracional oaparam essa úl- Mais precisamente, esses traços secundários (o som e ❑ ritmo)
tima da língua faiada e levamaaa, ao domitiio dos sons convenci onais têm unia significação diferente na língua falada e na poética,
o das imagens rítmicas. Se a estrutura semântica do verso não e introduzindo as entoações faiadas na língua poética, remetemos
tem importância, se a significação das palavras, nada representa, o verso para o domínio da língua falada. O complexo lingüístico
não é necessário manejar as palavaas: os simples sons são suficien- construído segundo certa lei destrói-se e seu material retorna à re-
tes. Se formos mais longe, não teremos mais necessidade de sons serva comum.
e poderemos nos limitas a signos quaisquer, evocando imagens rít- Se os mestres da língua transracional separam o verso da lín-
micas correspondentes, O poeta Tehitcberine chegou até aí: decla- gua, os do "verso decorativo" não o isolam da massa verbal comum.
rou recentemente que o maior mal do qual sofri: poesia á a atitude correta seria considerar ❑ verso como um complexo
palavra e que o poeta. devia escrever não com as palavras mas com necessariamente lingüístico, mas que repousa sobre leis particulares
a ajuda de certos sinais poéticos convencionais. que não coincidem com as da língua falada. Por isso, abordar o
A primeira e a segunda imagem pecam pelo mesmo vício: am- verso a partir da imagem geral do ritmo sem considerar que se
bas consideram o complexo rítmico e sintático como se fosse com- trata não de um material indiferente, mas de elementos da palavra
posto de dois elementos e que um se submetesse ao outro. De fato, humana, é um caminho tão falível quanto crer que se trata da língua
esses dois elementos não existem separadamente, mas aparecem falada ridicularizada por uma decoração exterior.
simultaneamente, criam unia estrutura rítmica e semântica espe- Deve-se compreender a língua poética no que a une e no que a
cífica, tão diferente tanto da língua falada quanto da sucessão distingue da língua falada: deve-se compreender sua natureza pro-
tranaracional dos soas. priamente lingüística.
O verso é o resalteedo do conflito entre o neanesens e a semân-
tias. quotidiana, é uma semântica particular que existe de maneira
independente e se desenvolve segundo suas própria. leis. Podemos :1.920 — 1927
transformar cada verso num verso transraeional se subatituirmos
palavras significastes por sons que exprimem a estrutura rítmica
e fónica dessas palavras. Mas, tendo privado o verso de sua se-
mântica, saímos do quadro da língua poética e as variações ulte-
riores desse verso serão determinadas não por seus constituintes
lingüísticos, mas pela natureza musical dos sons que constituem a
sua sonoridade. Em particular, o sistema dos acentos e o sistema
das entoações existirão independentemente dos acentos e das en-
toações da língua falada e imitarão aqueles da frase musical.
Em outras palavras, ao privar o verso de sere valor semântico,
nós o isolamos do elemento lingüístico e o transferimos para o ele-
mento musical e, por isso mesmo, o verso deixa de ser um fato lin-
güístico.
Inversamente, transpondo as palavras podemos privar o verso
de seus traços poéticos e dele fazer uma frase da língua falada.
É suficiente para isso substituir certas palavras por sinônimos, in-
troduzir as entoações próprias à língua falada e normalizar a es-
trutura sintática. Depois de tal operação o verso deixa de ser uma