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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO- MESTRADO EM ESTUDOS

DE LINGUAGENS
DISCIPLINA: Literatura Comparada: Fundamentos

PROF.: Dr. Edgar Cézar Nolasco1

MESTRANDA: Pauliane Amaral

RESENHA CRÍTICA

Teoria em Literatura Comparada, Comparativismo e interdisciplinaridade e Literatura


Comparada e Globalização

CARVALHAL, Tania Franco Carvalhal. Teoria em Literatura Comparada,


Comparativismo e interdisciplinaridade, Literatura Comparada e Globalização.
In:_____O próprio e o alheio. Ensaios de Literatura Comparada. Rio Grande do Sul:
Editora Unisinos, 2003, 264 p.

Essa resenha crítica tem como objetivo atender a um dos quesitos avaliativos da
disciplina de Literatura Comparada: Fundamentos, ministrada pelo professor Dr. Edgar
Cézar Nolasco na área de Teoria Literária e Estudos Comparados do Programa de
Pós-Graduação- Mestrado em estudos de Linguagens da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul. A discussão será sobre três capítulos do livro O próprio e o alheio.
Ensaio de Literatura Comparada, de Tania Franco Carvalhal 2, intitulados
1
Edgar César Nolasco é professor Dr. do Programa de Pós-Graduação- Mestrado em Estudos de
Linguagens, na área de Teoria Literária e Estudos Comparados, da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul- UFMS.
2
Tania Franco Carvalhal é doutora em Letras pela USP. Fundadora e primeira presidente da Abralic ,
tendo lançado diversos livros na área de Literatura Comparada, a exemplo de Literatura Comparada.

1
respectivamente de “Teoria em Literatura Comparada”, “Comparativismo e
interdisciplinaridade” e “Literatura Comparada e Globalização”.
Nesses três primeiros capítulos de O próprio e o alheio, Carvalhal faz um breve
apanhado dos percursos da disciplina de Literatura Comparada e a tentativa de
visualizar as tendências desta para o futuro. Para iniciar essa série de reflexões, a
autora mostra como a Literatura Comparada se formatou principalmente nos últimos
decênios do século XX, quanto foi institucionalizada como disciplina.

Embora preservando em seus primórdios uma estreita vinculação com a


historiografia literária, foi o decorrer desse século que atribuiu ao
comparativismo um estatuto próprio, permitindo que, no amplo campo dos
“estudos literários”, a literatura comparada coexista com a teoria, com a crítica
e com a historiografia literária numa imbricação muito precisa, na qual diversas
disciplinas mantêm suas especificidades conceituais e formas de atuação
particulares.3

Essa institucionalização certamente foi decorrente da tendência a fundamentar


teoricamente todas as disciplinas ligadas aos estudos literários no período citado.
Para chegar às formas da atual configuração da disciplina, primeiro vemos como
essa dialogou com outras áreas de investigação literária desde sua criação e como
essas relações foram modificadas com tempo. Nesse primeiro ponto a autora irá
discutir as especificidades da Literatura Comparada em relação à crítica, a teoria e a
historiografia literárias dentro dos estudos literários. “Todas essas disciplinas têm
supostamente o mesmo objeto de estudo, a literatura, e, se o configurarmos
materialmente, os textos literários” 4.

Ao longo do livro veremos que esse caráter de coexistência com outras


disciplinas permite que a Literatura Comparada se reveja constantemente, tanto no seu
estatuto quanto no aspecto epistemológico.

Editora Ática.
3
CARVALHAL, 2003, p.13-14
4
CARVALHAL, 2003, p.14

2
Desde o inicio do livro a autora chama a atenção para a pluralidade da
disciplina, que aparece logo no título do primeiro capítulo “Teorias em Literatura
Comparada”, apontando para “a existência de um plural, tanto para as teorias possíveis
como para a disciplina em pauta, em suas diversas modulações” 5.

Para ilustrar a mudança do caráter eminentemente histórico (determinante no


inicio da disciplina) para a incorporação progressiva dos avanços teóricos, a autora
toma como exemplo a tomada da intertextualidade, que até hoje é um procedimento
muito utilizado pelos comparatistas na investigação entre textos.

Sem entrar em pormenores sobre os benefícios que esse conceito trouxe não só
para a disciplina, mas também para os estudos literários em geral, podemos dizer que
hoje sua principal mudança dentro da Literatura Comparada está na sua aplicação em
“estudos contrastivos entre material literário e não-literário, em práticas
6
interdisciplinares características da atuação comparatista recente” . Com essa
aplicação ela também ajuda a reintroduzir outra dimensão nos Estudos Culturais hoje:
a da historicidade contextual.

Também não podemos esquecer outra grande mudança que o conceito de


intertextualidade dentro da disciplina trouxe para a abordagem da recepção, colocando
o leitor como parte do processo de construção do significado do texto.

A contribuição do conceito para os estudos de literatura comparada é decisiva,


pois modificou as leituras dos modos de apropriação, das absorções e das
transformações textuais, alterando o entendimento da modalidade contínua dos
elementos literários e revertendo a compreensão das tradicionais noções de
fontes e influências (grifo meu) 7.

A articulação entre estudos literários e literatura comparada é de fundamental


importância para o aprofundamento teórico da última. Nos anos 80, autores como

5
CARVALHAL, 2003, p.17
6
CARVALHAL, 2003, p.20
7
CARVALHAL, 2003, p.19

3
Claudio Guillén8, Hans Georg Ruprecht9 e Adrian Marinho10 falam sobre a necessidade
de se criar bases teóricas concisas para a disciplina, tornando-a “um objeto preciso,
autônomo e de metodologia própria” 11. Nesse período surgem diversas obras
comparativistas com forte impregnação teórica que ajudarão a disciplina a se
consolidar, sempre coexistindo com os estudos literários. É desse período diversas
publicações que traduzem essa relação.

Um exemplo dado pela autora é a obra de Claudio Guillén, Entre lo Uno y lo


Diverso – Indrodución a La Literatura Comparada 12, em que Guillén defende a
superação do nacionalismo e pede que os “comparatistas atuais admitam que a teoria
da literatura representa para eles um desafio pelo menos tão primordial e necessário
como foi a Literatura Geral para seus predecessores” 13.

Nesse contexto ainda são lembrados o artigo de Rupecht intitulado


Comparatisme et connaissance: hypothesés sémiotiques sur La littérature comparée e
o livro de Marino Comparatisme et Théorie Littérarie. O primeiro chama a atenção
emergência de se traçar um novo paradigma na disciplina e propõe a possibilidade de
se fundar uma “ciência comparatista dos signos” 14 e o segundo preconiza a formulação
de uma “teoria da literatura comparada”, tendo em vista os estudos de Etiemble 15 e

8
Claudio Guillén foi um escritor espanhol, catedrático extraordinário de Literatura
Comparada da Universidade Autónoma de Barcelona.
9
Hans Georg Ruprecht é professor da Carleton university, e desenvolve trabalhos nas áreas de
lingüística, semiótica e literatura comparada.
10
Adrian Marinho é discípulo de Etiemble e participante do grupo romeno de vanguarda. Em seu livro
Comparatisme et Théorie Littéraire, o autor dá continuidade a discussão da crise da Literatura
Comparada já iniciada por René Wellek ainda em 1958 e propõe uma formulação de uma “teoria da
literatura comparada”.
11
CARVALHAL, 2003, p.25
12
Chama a atenção do leitor a semelhança entre o título do livro de Guillén com O próprio e o alheio.
13
CARVALHAL, 2003, p.23
14
CARVALHAL, 2003, p.24
15
René Étiemble, escritor francês especializado em literatura comparada, especialista em confucionismo
e tradutor de poesia chinesa e hai-kai, ele orienta sua pesquisa pela busca de arquétipos e outros
aspectos universais que poderiam estar presentes nas formas literárias de todos os tempos e lugares.
“Etiemble propõe o estudo de obras parecidas sem ter em conta seus possíveis contatos ou derivações;
interessa-lhe determinar o que denomina de "invariantes literárias", isto é, a unidade de fundo da
literatura como totalidade. Neste sentido, postula uma poética comparada”. (CARVALHAL, 2006, p.33)

4
René Wellek16. A publicação dessas e outras obras impulsionam a literatura comparada
para um caminho de incorporação e transformação de novos conceitos e paradigmas.

No livro Comparative Poetics – An Intercultural Essai on Theories of Literature,


de Earl Miner17, o autor expande a inter-relação entre teoria literária e estudos
comparados para o amplo campo das relações interculturais. Defende uma abordagem
das relações interculturais, oriundas de culturas distintas, em oposição a uma
abordagem que remete às relações de caráter intracultural, ou seja, presentes em uma
mesma cultura.

Outra característica estudada nesse período e que ajudou a moldar a disciplina


foi o fato de a literatura comparada, assim como o literário, pedir largos contextos e
tender a generalizar dos fenômenos investigados, conferindo-lhes um aspecto
universal.

Carvalhal ainda coloca como característica da disciplina, a abertura ao novo,


considerando-o em toda sua diferença e originalidade. Um exemplo é a literatura latino-
americana, na qual podemos ver claramente a constante tensão entre o próprio e o
alheio, já que para fazê-la primeiro tivemos que nos apropriar do alheio, que traduzido,
transformado, deformado e recriado resultou na consolidação de uma literatura
própria18. Carvalhal indica que abordagem seria também uma forma de restabelecer a
ligação entre reflexão teórica e a literatura, evitando o que a autora chama de
“esgotamento teórico”19.

16
René Wellek, crítico literário tcheco radicado nos EUA. Representante da escola americana, Wellek foi
responsável pela primeira crítica às concepções clássicas da disciplina, com a publicação do artigo "A
crise da literatura comparada" em 1958, no 2.° Congresso da Associação Internacional de Literatura
Comparada (AILC/IACL), em Chapei Hill, na qual considera o comparativismo como "uma represa
estagnada". Para o autor distinguir a literatura comparada da literatura geral é insustentável e
desnecessário. “Tal limitação, para Wellek, faz com que a literatura comparada se reduza à análise de
fragmentos, sem ter a possibilidade de integrá-los em uma síntese mais global e significativa”.
(CARVALHAL, 2006, p.34-35)

17
Earl Roy Miner (1927 - 2004) foi professor da Princeton University e um notável estudioso da literatura
japonesa, especialmente a poesia japonesa. Também foi presidente da International Comparative
Literature Association.
18
CARVALHAL, 2003, p. 29
19
CARVALHAL, 2003, p. 32

5
Carvalhal também aponta um possível caminho sobre o futuro dessas relações
interdisciplinares:

“Como as demais disciplinas que estudam o literário, a literatura comparada


acompanha o movimento de interação que caracteriza os último anos e passa a
definir seu objeto de estudo mais por agrupamentos e parcerias contextuais
que estabelece do que por um perfil isolado que se desenhe no meio do
caminho”20.

Para a autora essa característica, que reforça a universalidade da disciplina


precede a própria literatura comparada, podendo ser vista mesmo na obra literária.

“Utilizo o termo aqui (universalidade) por acreditar que toda a obra literária é
uma concreção do geral, isto é, uma particularização do universal, na qual
estão, ao mesmo tempo o individual e o coletivo”21.

Seguindo uma vocação natural, a Literatura Comparada ampliou largamente seu


campo, provocando assim alterações metodológicas, principalmente pela capacidade
de mover-se entre diversas áreas, afirmando seu caráter interdisciplinar (grifo meu). “Já
não é mais a diversidade lingüística que serve de base à comparação, mas a
diversidade de ‘linguagens’ ou de ‘formas de expressão’, próprias e divergentes” 22, diz
Carvahal citando o livro de Etienne Souriau, A correspondência das artes (1947).

Logo após citar essas relações entres as mais variadas artes, Carvalhal faz
ressalva para os cuidados que se deve ter nesse tipo de aplicação do comparativismo,
já que cada artista de determinada área constrói seu objeto seguindo premissas e
linguagens próprias. Reforçando a importância desse cuidado, ela escreve:

20
CARVALHAL, 2003, p. 30
21
CARVALHAL, 2003, p.33
22
CARVALHAL, 2003, p.37

6
Mario Praz23, em Literatura e Artes Visuais, insiste sobre o dado básico em
estudos dessa natureza: a atenção para a especificidade das linguagens 24.

Com essa mudança na disciplina, “a preocupação não gira mais em torno de


‘influências’, mas se ocupa com as ressonâncias que a interação entre diferentes artes
provoca na estrutura dos objetos confrontados” 25.

Para exemplificar essa aplicação, a autora cita exemplos de obras que reúnem
aspectos da literatura e da música, como Machado de Assis, no conto “Trio em lá
menor”, que em sua forma tenta imitar o mesmo sistema utilizado na criação de uma
sonata, e no conto “Um homem célebre”, que fala sobre um pianista em crise com sua
inspiração para compor, que tenta criar uma obra significante para colocar seu nome
ao lado de mestre como Beethoven e Mozart.

Se tomarmos o conto pela universalidade de Machado, veremos que ele trata de


questões presentes em quase toda sua obra, como a insatisfação pessoal e a busca da
glória26. No decorrer da análise feita, a autora ilustra que ao trabalhar com esse tipo de
análise dentro da obra machadiana pode trazer um conhecimento mais amplo sobre o
texto. Citando frases do narrador do livro Memorial de Aires, a autora mostra a relação
estreita entre a música e a obra de Machado:

(...) a arte “naturaliza a todos na mesma pátria superior”. Essa observação do


conselheiro Aires nos autoriza a pensar num conceito de universalidade que
estaria na base do pensamento machadiano e numa identificação entre música
e literarura que perpassa a sua obra, levando-o a transpor elementos de uma
para outra, associando essas duas artes, tentando fundi-las, por vezes, na
realização27.

23
Mario Praz foi um ensaísta e crítico literário italiano, sendo um de seus principais livros La carne, la
morte e il diavolo nella letteratura romântica (1930). Também foi responsável pela tradução de grandes
nomes da literatura para a língua italiana, a exemplo de Shakespeare, Jane Austen e T. S. Eliot.
24
CARVALHAL, 2003, p.38
25
CARVALHAL, 2003, p. 40
26
CARVALHAL, 2003, p.44
27
CARVALHAL, 2003, p.45

7
Outras obras citadas que envolvem essa abordagem interdisciplinar, trabalhando
questões envolvendo literatura e música são Music and Literature. A Comparison of the
arts (1948), de Calvin. S. Brown e The arts and the Interrelations (1949), de Th. Munro.

Com essa ampliação nos campos de domínio da Literatura Comparada,


Carvalhal chama a atenção para a importância da duplicação de competências pelos
estudiosos. Necessidade, que segundo ela, de um lado é ruim porque o estudioso não
poderá dedicar todo seu empenho a uma área, e bom porque o mesmo terá uma visão
ampla e diferenciada do seu objeto de estudo 28. Partindo dessa lógica, Carvalhal
conclui que “a literatura comparada exploraria menos as relações de fato (particulares)
em favor de relações estruturais (universais)”29.

Tratando das relações da literatura comparada com a globalização, a autora nos


mostra que o principal desafio da disciplina hoje é definir e que é o local e o que é o
universal em um tempo em que a internet e outras evoluções tecnológicas tornaram
tudo tão próximo.

Paralelamente a isso, vemos o fenômeno da procura pela busca de afirmação


do individual, como a “rebelião do particularismo”, surgida no anos 90, que acentuou a
particularização das questões étnicas, raciais, nacionais e sexuais, contra as ideologias
totalizantes30. Hoje vemos que essa tendência se afirmou institucionalmente
convertendo-se, por exemplo, no sistema de cotas das universidades.

Para traçar possíveis soluções para esse entrave na definição do global e local,
a autora se vale de um texto de Michel de Montaigne 31, escrito no final do século XVI,
que trata sobre a dificuldade de aceitar o novo. Ao fim, Carvalhal resume a conclusão
do autor ao dizer que “a visão de mundo de cada um tem a dimensão e o desenho de
‘seu quintal’”32.

28
CARVALHAL, 2003, p.46
29
CARVALHAL, 2003, p.47-48
30
CARVALHAL, 2003, p.59
31
Michel Eyquem de Montaigne (1533 - 1592) foi um escritor e ensaísta francês, considerado por muitos
como o inventor do ensaio pessoal.
32
CARVALHAL, 2003, p.53

8
A solução desse entrave seria a discutir as dimensões da relação entre
identidade e contexto. Como exemplo, a autora cita a(s) viagem(s) como metáfora para
a necessidade de buscar novos conhecimentos e mudar a maneira de pensar, e
principalmente de julgar o que é novo. A idéia de viagem aqui pode ser entendida em
um contexto mais amplo, como viagens aos livros e aos lugares. Hoje essa viagem
ganhou novos contornos e o principal deles está ligado diretamente a simultaneidade
trazida pelos meios de comunicação.

Assim a autora faz a ponte para iniciar suas observações sobre a influência da
globalização na literatura comparada. Uma distinção terminológica interessante vem do
livro de Renato Ortiz 33, Mundialização e cultura, no qual global e mundial são
diferenciados, sendo o primeiro empregado para tudo que se refere à economia e
tecnologia e o segundo no que se refere à escala cultural 34.

Para essa análise sobre o impacto da globalização vale apena considerar


algumas notações da autora, principalmente quando ela afirma que o que antes era
considerado exótico hoje já não espanta e o conceito de hibridização define o próprio
território no qual as identidades contemporâneas são construídas.

Questionam-se os marcos, tanto no campo teórico, como no teórico-crítico:


limites disciplinários, metodológicos e limites discursivos se diluem, limites entre
realidade e ficção se hibridizam nas diversas formas de representação 35.

A autora nos diz que tanto a globalização quanto a mundialização não trouxeram
homogeneidade, e o fato dos espaços terem diminuído não quis dizer que eles se
tornaram idênticos.

Para o comparativismo, o universal e o particular vão se definir na sua própria


coexistência.

33
Renato Ortiz é sociólogo e antropólogo da Universidade de Campinas (SP).
34
CARVALHAL, 2003, p.58
35
CARVALHAL, 2003, p.57

9
O universal emerge a partir do particular, não como um principio subjacente
que explicaria o particular, mas como o horizonte incompleto que sutura uma
identidade particular deslocada36.

Para exemplificar essa coexistência Carvalhal, cita na passagem de Ernesto


Laclau37, que fala sobre a impossibilidade da existência de uma cultura de diferença
que abandona todo tipo de principio universal. “A referência ao outro está claramente
presente como constitutiva da própria identidade”, afirma Laclau 38.

Para Laclau essa relação sempre se mostrará paradoxal, porque é composta por
duas lógicas conflitantes: a lógica da diferença, que procura legitimar o diferencial; e a
lógica da equivalência, que sem expressar necessariamente nenhuma unidade regula
as relações das diferenças entre si quando eles convergem para reivindicações
comuns39.

Outras rearticulações da relação entre o particular e o universal, como as


abordagens sobre o marginal e o institucional, que surgiram a partir dos anos 70 pode
ser resultado da associação entre a reflexão teórica e a prática comparativista.

O próximo ponto ressaltado por Carvalhal é a contextualização, aspecto


fundamental da Literatura Comparada. Ao observar esse aspecto, a autora atenta para
a os problemas que envolvem o contexto cultural, mais adiante no capítulo Tradução e
recepção na prática comparatista, ela vai retomar essa discussão dentro da prática da
tradução. Nesses casos, Carvalhal chama atenção para alguns cuidados:

O comparatista se depara também com os problemas que envolvem confrontos


culturais, devendo procurar equilibrar diferenças e convergências para que,
insistindo em uma ou outra, não corra o risco de buscar apenas pontos em
comum (e chegar a suprimir as diferenças), nem insistir somente nessas
últimas e deparar-se com a impossibilidade de articular relações entre elas 40.

36
CARVALHAL, 2003, p.60
37
Ernesto Laclau é filósofo político argentino pós-marxista. Um dos seus livros mais conhecidos é
Hegemony and Socialist Strategy(1985).
38
CARVALHAL, 2003, p.61
39
CARVALHAL, 2003, p.62
40
CARVALHAL, 2003, p.64

10
Nas décadas de 80 e 90, a tradução de autores que não pertenciam a tradição
dos clássicos ocidentais ajudou na reflexão que levou a redefinição da própria
disciplina. No artigo de 1992 Rhinoceros, Unicorn or Chimera? A Polysystemic View of
possible kinds of Comparative Literature in the new century, Gerald Gillespie41 afirma
que a “a comparação, no novo século, está muito mais envolvida com a discriminação
de diferenças, não apenas com influências e similaridades” 42.

Mais adiante, Gillespie cita dois livros, Polysystem Studies, de Itamar Even-
Zohar e Comparative Poetics: Na Intercultural Essay on Theories of Literature, de Earl
Miner, que mostram duas tendências distintas dentro da Literatura Comparada.

O primeiro diz respeito aos estudos que relacionam a literatura com outros
códigos de contexto semiótico de uma cultura, ao estudar as mudanças dos modos
dominantes na produção literária. Chamada de teoria do polissistema, que “ao observar
as estabilizações, as tensões e as modificações de fronteiras no interior e entre
sistemas (...) leva em conta interferências, transferências e ajustamentos que
aparecem na vida cultural 43”. A segunda tendência sugere que ao estudar objetos de
diferentes culturas poderíamos ter um conhecimento da natureza subterrânea de todos
os modelos. Assim esse vertente privilegia os estudos interculturais no lugar dos
intraculturais.

Para Gillespie a saída seria uma orientação mais sincrônica, ou seja, encontrar o
que esses objetos vindos de diferentes culturas têm em comum na sua essência. Ele
mostra esse desejo no seu texto através de metáfora utilizando a figura do unicórnio,
alusão ao sagrado, intocável, ou a alta cultura, em oposição à figura do rinoceronte,
que se ocupa do contexto completo, levando em conta sua natureza não estática.

Encerrando suas reflexões a respeito das mudanças que a globalização trouxe


para a Literatura Comparada, a autora ressalta a abertura da disciplina a análise de
novos textos:
41
Gerald Gillespie compõe o corpo docente da Universidade de Stanford, desenvolvendo trabalhos em
Literatura Alemã e Literatura Comparada.
42
CARVALHAL, 2003, p.65
43
CARVALHAL, 2003, p.66

11
Heterogeneidade, processos dinâmicos de transformações culturais e de
interpenetração, entrecruzamentos de discurso são elementos que constituem,
hoje, os pontos centrais de atenção comparativista. Por isso não há, em sua
prática, exclusividade de atuação no domínio literário, mas nela a literatura é
confrontada com elementos diversos44.

Carvalhal mostra a funcionalidade desse tipo de estudo, analisando a abertura


dos jogos olímpicos de Atlanta, que em 1996 conseguiu transmitir de forma
compreensível para milhares de pessoas de culturas diferentes um espetáculo. Como
eles conseguiram passar um entendimento comum? A resposta para essa pergunta
pode estar em diversas ferramentas utilizadas no espetáculo, como o popular tetro de
sombras, as diferentes origens étnicas dos maestros, na simplicidade da linguagem ou
na utilização de novas tecnologias. Seja qual for a resposta, podemos dizer que esse
exemplo ilustra um novo caminho da Literatura Comparada, ao mostrar o particular ao
lado do universal, coexistindo.

REFERÊNCIAS:

CARVALHAL, Tânia Franco Carvalhal. Teoria em Literatura Comparada,


Comparativismo e interdisciplinaridade, Literatura Comparada e Globalização.
In:______ O próprio e o alheio. Ensaios de Literatura Comparada. Rio Grande do Sul:
Editora Unisinos, 2003, 264 p.
CARVALHAL, Tânia Franco Carvalhal. Literatura comparada. (Princípios ; 58). São
Paulo: Ática, 2006, 4. ed. rev. e ampliada. 94 p.

FRANÇA, Júnia Lessa et al. Manual para mormalização de publicações técnico-


cinetíficas. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009, 258 p.

44
CARVALHAL, 2003, p.67

12

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