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DEPARTAMENTO DE LETRAS
DE LINGUAGENS
DISCIPLINA: Literatura Comparada: Fundamentos
RESENHA CRÍTICA
Essa resenha crítica tem como objetivo atender a um dos quesitos avaliativos da
disciplina de Literatura Comparada: Fundamentos, ministrada pelo professor Dr. Edgar
Cézar Nolasco na área de Teoria Literária e Estudos Comparados do Programa de
Pós-Graduação- Mestrado em estudos de Linguagens da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul. A discussão será sobre três capítulos do livro O próprio e o alheio.
Ensaio de Literatura Comparada, de Tania Franco Carvalhal 2, intitulados
1
Edgar César Nolasco é professor Dr. do Programa de Pós-Graduação- Mestrado em Estudos de
Linguagens, na área de Teoria Literária e Estudos Comparados, da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul- UFMS.
2
Tania Franco Carvalhal é doutora em Letras pela USP. Fundadora e primeira presidente da Abralic ,
tendo lançado diversos livros na área de Literatura Comparada, a exemplo de Literatura Comparada.
1
respectivamente de “Teoria em Literatura Comparada”, “Comparativismo e
interdisciplinaridade” e “Literatura Comparada e Globalização”.
Nesses três primeiros capítulos de O próprio e o alheio, Carvalhal faz um breve
apanhado dos percursos da disciplina de Literatura Comparada e a tentativa de
visualizar as tendências desta para o futuro. Para iniciar essa série de reflexões, a
autora mostra como a Literatura Comparada se formatou principalmente nos últimos
decênios do século XX, quanto foi institucionalizada como disciplina.
Editora Ática.
3
CARVALHAL, 2003, p.13-14
4
CARVALHAL, 2003, p.14
2
Desde o inicio do livro a autora chama a atenção para a pluralidade da
disciplina, que aparece logo no título do primeiro capítulo “Teorias em Literatura
Comparada”, apontando para “a existência de um plural, tanto para as teorias possíveis
como para a disciplina em pauta, em suas diversas modulações” 5.
Sem entrar em pormenores sobre os benefícios que esse conceito trouxe não só
para a disciplina, mas também para os estudos literários em geral, podemos dizer que
hoje sua principal mudança dentro da Literatura Comparada está na sua aplicação em
“estudos contrastivos entre material literário e não-literário, em práticas
6
interdisciplinares características da atuação comparatista recente” . Com essa
aplicação ela também ajuda a reintroduzir outra dimensão nos Estudos Culturais hoje:
a da historicidade contextual.
5
CARVALHAL, 2003, p.17
6
CARVALHAL, 2003, p.20
7
CARVALHAL, 2003, p.19
3
Claudio Guillén8, Hans Georg Ruprecht9 e Adrian Marinho10 falam sobre a necessidade
de se criar bases teóricas concisas para a disciplina, tornando-a “um objeto preciso,
autônomo e de metodologia própria” 11. Nesse período surgem diversas obras
comparativistas com forte impregnação teórica que ajudarão a disciplina a se
consolidar, sempre coexistindo com os estudos literários. É desse período diversas
publicações que traduzem essa relação.
8
Claudio Guillén foi um escritor espanhol, catedrático extraordinário de Literatura
Comparada da Universidade Autónoma de Barcelona.
9
Hans Georg Ruprecht é professor da Carleton university, e desenvolve trabalhos nas áreas de
lingüística, semiótica e literatura comparada.
10
Adrian Marinho é discípulo de Etiemble e participante do grupo romeno de vanguarda. Em seu livro
Comparatisme et Théorie Littéraire, o autor dá continuidade a discussão da crise da Literatura
Comparada já iniciada por René Wellek ainda em 1958 e propõe uma formulação de uma “teoria da
literatura comparada”.
11
CARVALHAL, 2003, p.25
12
Chama a atenção do leitor a semelhança entre o título do livro de Guillén com O próprio e o alheio.
13
CARVALHAL, 2003, p.23
14
CARVALHAL, 2003, p.24
15
René Étiemble, escritor francês especializado em literatura comparada, especialista em confucionismo
e tradutor de poesia chinesa e hai-kai, ele orienta sua pesquisa pela busca de arquétipos e outros
aspectos universais que poderiam estar presentes nas formas literárias de todos os tempos e lugares.
“Etiemble propõe o estudo de obras parecidas sem ter em conta seus possíveis contatos ou derivações;
interessa-lhe determinar o que denomina de "invariantes literárias", isto é, a unidade de fundo da
literatura como totalidade. Neste sentido, postula uma poética comparada”. (CARVALHAL, 2006, p.33)
4
René Wellek16. A publicação dessas e outras obras impulsionam a literatura comparada
para um caminho de incorporação e transformação de novos conceitos e paradigmas.
16
René Wellek, crítico literário tcheco radicado nos EUA. Representante da escola americana, Wellek foi
responsável pela primeira crítica às concepções clássicas da disciplina, com a publicação do artigo "A
crise da literatura comparada" em 1958, no 2.° Congresso da Associação Internacional de Literatura
Comparada (AILC/IACL), em Chapei Hill, na qual considera o comparativismo como "uma represa
estagnada". Para o autor distinguir a literatura comparada da literatura geral é insustentável e
desnecessário. “Tal limitação, para Wellek, faz com que a literatura comparada se reduza à análise de
fragmentos, sem ter a possibilidade de integrá-los em uma síntese mais global e significativa”.
(CARVALHAL, 2006, p.34-35)
17
Earl Roy Miner (1927 - 2004) foi professor da Princeton University e um notável estudioso da literatura
japonesa, especialmente a poesia japonesa. Também foi presidente da International Comparative
Literature Association.
18
CARVALHAL, 2003, p. 29
19
CARVALHAL, 2003, p. 32
5
Carvalhal também aponta um possível caminho sobre o futuro dessas relações
interdisciplinares:
“Utilizo o termo aqui (universalidade) por acreditar que toda a obra literária é
uma concreção do geral, isto é, uma particularização do universal, na qual
estão, ao mesmo tempo o individual e o coletivo”21.
Logo após citar essas relações entres as mais variadas artes, Carvalhal faz
ressalva para os cuidados que se deve ter nesse tipo de aplicação do comparativismo,
já que cada artista de determinada área constrói seu objeto seguindo premissas e
linguagens próprias. Reforçando a importância desse cuidado, ela escreve:
20
CARVALHAL, 2003, p. 30
21
CARVALHAL, 2003, p.33
22
CARVALHAL, 2003, p.37
6
Mario Praz23, em Literatura e Artes Visuais, insiste sobre o dado básico em
estudos dessa natureza: a atenção para a especificidade das linguagens 24.
Para exemplificar essa aplicação, a autora cita exemplos de obras que reúnem
aspectos da literatura e da música, como Machado de Assis, no conto “Trio em lá
menor”, que em sua forma tenta imitar o mesmo sistema utilizado na criação de uma
sonata, e no conto “Um homem célebre”, que fala sobre um pianista em crise com sua
inspiração para compor, que tenta criar uma obra significante para colocar seu nome
ao lado de mestre como Beethoven e Mozart.
23
Mario Praz foi um ensaísta e crítico literário italiano, sendo um de seus principais livros La carne, la
morte e il diavolo nella letteratura romântica (1930). Também foi responsável pela tradução de grandes
nomes da literatura para a língua italiana, a exemplo de Shakespeare, Jane Austen e T. S. Eliot.
24
CARVALHAL, 2003, p.38
25
CARVALHAL, 2003, p. 40
26
CARVALHAL, 2003, p.44
27
CARVALHAL, 2003, p.45
7
Outras obras citadas que envolvem essa abordagem interdisciplinar, trabalhando
questões envolvendo literatura e música são Music and Literature. A Comparison of the
arts (1948), de Calvin. S. Brown e The arts and the Interrelations (1949), de Th. Munro.
Para traçar possíveis soluções para esse entrave na definição do global e local,
a autora se vale de um texto de Michel de Montaigne 31, escrito no final do século XVI,
que trata sobre a dificuldade de aceitar o novo. Ao fim, Carvalhal resume a conclusão
do autor ao dizer que “a visão de mundo de cada um tem a dimensão e o desenho de
‘seu quintal’”32.
28
CARVALHAL, 2003, p.46
29
CARVALHAL, 2003, p.47-48
30
CARVALHAL, 2003, p.59
31
Michel Eyquem de Montaigne (1533 - 1592) foi um escritor e ensaísta francês, considerado por muitos
como o inventor do ensaio pessoal.
32
CARVALHAL, 2003, p.53
8
A solução desse entrave seria a discutir as dimensões da relação entre
identidade e contexto. Como exemplo, a autora cita a(s) viagem(s) como metáfora para
a necessidade de buscar novos conhecimentos e mudar a maneira de pensar, e
principalmente de julgar o que é novo. A idéia de viagem aqui pode ser entendida em
um contexto mais amplo, como viagens aos livros e aos lugares. Hoje essa viagem
ganhou novos contornos e o principal deles está ligado diretamente a simultaneidade
trazida pelos meios de comunicação.
Assim a autora faz a ponte para iniciar suas observações sobre a influência da
globalização na literatura comparada. Uma distinção terminológica interessante vem do
livro de Renato Ortiz 33, Mundialização e cultura, no qual global e mundial são
diferenciados, sendo o primeiro empregado para tudo que se refere à economia e
tecnologia e o segundo no que se refere à escala cultural 34.
A autora nos diz que tanto a globalização quanto a mundialização não trouxeram
homogeneidade, e o fato dos espaços terem diminuído não quis dizer que eles se
tornaram idênticos.
33
Renato Ortiz é sociólogo e antropólogo da Universidade de Campinas (SP).
34
CARVALHAL, 2003, p.58
35
CARVALHAL, 2003, p.57
9
O universal emerge a partir do particular, não como um principio subjacente
que explicaria o particular, mas como o horizonte incompleto que sutura uma
identidade particular deslocada36.
Para Laclau essa relação sempre se mostrará paradoxal, porque é composta por
duas lógicas conflitantes: a lógica da diferença, que procura legitimar o diferencial; e a
lógica da equivalência, que sem expressar necessariamente nenhuma unidade regula
as relações das diferenças entre si quando eles convergem para reivindicações
comuns39.
36
CARVALHAL, 2003, p.60
37
Ernesto Laclau é filósofo político argentino pós-marxista. Um dos seus livros mais conhecidos é
Hegemony and Socialist Strategy(1985).
38
CARVALHAL, 2003, p.61
39
CARVALHAL, 2003, p.62
40
CARVALHAL, 2003, p.64
10
Nas décadas de 80 e 90, a tradução de autores que não pertenciam a tradição
dos clássicos ocidentais ajudou na reflexão que levou a redefinição da própria
disciplina. No artigo de 1992 Rhinoceros, Unicorn or Chimera? A Polysystemic View of
possible kinds of Comparative Literature in the new century, Gerald Gillespie41 afirma
que a “a comparação, no novo século, está muito mais envolvida com a discriminação
de diferenças, não apenas com influências e similaridades” 42.
Mais adiante, Gillespie cita dois livros, Polysystem Studies, de Itamar Even-
Zohar e Comparative Poetics: Na Intercultural Essay on Theories of Literature, de Earl
Miner, que mostram duas tendências distintas dentro da Literatura Comparada.
O primeiro diz respeito aos estudos que relacionam a literatura com outros
códigos de contexto semiótico de uma cultura, ao estudar as mudanças dos modos
dominantes na produção literária. Chamada de teoria do polissistema, que “ao observar
as estabilizações, as tensões e as modificações de fronteiras no interior e entre
sistemas (...) leva em conta interferências, transferências e ajustamentos que
aparecem na vida cultural 43”. A segunda tendência sugere que ao estudar objetos de
diferentes culturas poderíamos ter um conhecimento da natureza subterrânea de todos
os modelos. Assim esse vertente privilegia os estudos interculturais no lugar dos
intraculturais.
Para Gillespie a saída seria uma orientação mais sincrônica, ou seja, encontrar o
que esses objetos vindos de diferentes culturas têm em comum na sua essência. Ele
mostra esse desejo no seu texto através de metáfora utilizando a figura do unicórnio,
alusão ao sagrado, intocável, ou a alta cultura, em oposição à figura do rinoceronte,
que se ocupa do contexto completo, levando em conta sua natureza não estática.
11
Heterogeneidade, processos dinâmicos de transformações culturais e de
interpenetração, entrecruzamentos de discurso são elementos que constituem,
hoje, os pontos centrais de atenção comparativista. Por isso não há, em sua
prática, exclusividade de atuação no domínio literário, mas nela a literatura é
confrontada com elementos diversos44.
REFERÊNCIAS:
44
CARVALHAL, 2003, p.67
12