Você está na página 1de 138

r

ESTUDOS
DETRADUÇAO
,..,
. '
I

.... ,
.

ESTUDOS DE TRADUÇÃO Edições da FUNDAÇÃO


I
-�
•·

I CALOUSTE GULBENKIAN
, Susan Bassnett
r
É Professora de Estudos Literários Compa­
Manuais Universitários
rados e Directora do Centre for British and
Compnrative Cultural Studies da Universi­ No prosseguimento· dos fins gerais que a
dade de Wnrwick e autora de mais de trinta orientam, foi a Fúndação levada o intervir na
produção de livros portugueses. patrocinando
livros, entre os quais Post-Colollial Transla­ '
e editando obras diversas e de diverso carác·
tions (I 999), em co-autoria com Hamish Tri­
ter - cientffico, técnico, artístico, histórico.
vedi, e Erclwnging Lives (2Q02), constituído Pretende agora, através de um plano amplo e
por um conjunto de poemas e de traduções. sistemático, atingir aqueles sectores onde seja
mais flagrante a necessidade de amparo ou de
Vlvlna Campos Figueiredo incentivo. Nesta primeira fase do plano esta­
belecido, pensou-se no ensino superior: estu­
Licenciada em Lenguas e Literaturas Moder­ dantes que não encontram livros adequados e
nas e mestre em Estudos Anglo-Americanos de preço acessível, professores que por vezes
pela Faculdade de Letras da Universidade de deparam com dificuldades para publicar as
Coimbra, é docente de Inglês, Inglês Téc­ suas lições ou os seus trabalhos de investi·
gação. A uns e outros oferece a Fundação
nico e Processos de Comunicação no Insti­
facilidades que possibilitem a eficiência cada
tuto Politécnico de Coimbra. A par da activi­
vez maior desse escalão fundamental da
dade docente, tem-se dedicado à tradução na nossa cultura. Originais e traduções, mestres
dupla vertente prática e teórica: às diversas portugueses e estrangeiros. vão figurar nesta
traduções que tem realizado em várias áreas colecção, que se pro.curou rodear dos maiores
das ciências. sociais e humanas, junta agora cuidados e exigências técnicas.
um trabalho de investigação e renexão sobre
Próximas publicações:
a actividade trodutória em si, no funbito do
Doutoramento em Tradução, que desenvolve A Era da bifomração: Economia, Socíedade
e Cultura- 1/J Vol. - O Fim do Milénio
na Universidade de Vigo.
-Manuel Castells
Teoria da Comunicação de Massas
• Ana Maria Chaves
·

- Denis McQuail
Licenciada pela Faculdade de Letras da Uni­
Textos Clássicos
versidade de Lisboa. é, desde 1978, leitora f: Próximas publicações:

I,
de Inglês na Universidade do Minho, onde
A Doma Ignorância
lecciona Língua Inglesa, Teoria da Tradução -Nicolau de Cusa

l. e Tradução. Em I 990 desenhou a Licencia-


tura em CiSncias da Tradução e Cultura r
I.
Constitrrição dos Atenienses
-Aristóteles
Comparada do ISLA de Vila Nova de Gaia, . I' Cultura Portuguesa
h
curso que dirigiu at6 1996. Tem uma extensa
:1 ... Próximas publicações:

1I :
bibliografia de traduções literárias, entre elas

Í
Romanceiro Português da Tradição Oral Mo­
obras de William Faulkner, Emily Brtinte,

1
dema -IV Vol.
D. H. Lawrence, Somerset Maugham e ,
-Pere Ferré (Org.)

I
J

r
Da�;d Lodge. •.
· Obra d&� Pedro Nunes -11 Vol.
.r Capa de José António Flores
j. . .
.
.
SUSAN BASSNETT

ESTUDOS OE TRADUÇÃO, ,.
.

FUNDAMENTOS DE UMA DISCIPLINA

Tradução de
, Vivina de Campos Figueiredo
Revisão de
Ana Maria Chaves

SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS


FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN I LISBOA

i
l
... . .�
Tradução
do original inglês intitulado
TRANSLATION STUDIES
@ 1980, 1991, 2002 Susan Bassnett
Al1 Rigbts Reserved
A o meu pai, que tudo. to11wu posdível.

Trnduç!!o autorizada da cdiçllo em lfngua inglesa


publicada por Roulledge, membro de Taylor & Francis Group

Reservados todos os direitos de acordo com a ·lei

Edição da
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Av. de Berna - Lisboa
2003

ISBN 972-31-1019·9
Depósito Le� 11." 198101/0l
r-· . .

Estudos de traducão ...

Nos finais da década de setenta nasceu uma nova dis­


ciplina académica: os Estudos de Tradução. Era manifesta
a dificuldade de lermos literatura. traduzida sem nos per­
guntarmos se os fenómenos linguísticos e culturais seriam
realmente "traduzíveis" e sem explorarmos com alguma
profundidade o conceito de "equivalência".

Quando Estudos de Tradução, de Susan Bassnett, foi


publicada na série New Accents, depressa se tomou na
obra introdutória que todos os estudantes e leitores inte­
ressados por esta problemática tinham de possuir. A Pro­
fessora Bassnett aborda os problemas centrais da tradução
e oferece-nos uma história da teoria da tradução que tem
início na R<?ma antiga e engloba as obras-chave do sé­
culo XX. Em seguida explora problemas específicos da
tradução literária através de uma análise de textos prática
e focalizada, e tennina com um vasto leque de sugestões
para leituras subsequentes.
vm

Vinte anos após a sua publicação, a área dos estudos


de tradução continua em expansão, mas há algo que não
mudou: actualizada pela segunda yez, Estudos de Tradu­
ção, de Susan Bassnett, continua a ser uma obra de leitura
obrigatória.
Prefácio do Director da Série
NewAccents
Susan Bassnett é Professora Catedrática de Estudos
Literários Comparados em Tradução no Centro de Estu­
dos Culturais Comparados da Universidade de Warwick.

Parece sem dúvida difícil justificar um terceiro Prefá­


cio à série New Accents. O que.resta para dizer? A série
iniciou-se há vinte e cinco anos com um propósito muito
claro. A sua principal preocupação era o mundo cada
vez mais perplexo dos estudos literários e académicos, as­
solado por monstros frenéticos denominados "Teoria",
''Linguística" e ''Política". Visávamos em particular os es­
tudantes de graduação e início de pós-graduação que esta­
vam a aprender a lidar com estes· novos desenvolvimentos
ou a ser persistentemente alertados para os seus perigos.
A New Accents colocou-se deliberadamente de um dos
lados.· Assim, o primeiro Prefácio falava vagamente em
1977 de "um tempo de mudança social rápida e radical" e
da "erosão das premissas e pressupostos" em que assenta o
estudo da literatura. "As mo�dades e categorias herda­
das do passado", afirmava-se, "parecem já não se adaptar
à realidade vivenciada pelas novas gerações". O objectivo
X XI

de cada volume seria "estimular o processo de mudança, início para o que, ao longo dos anos, veio a afirmar-se
ao invés de a ele resistir", combinando a exposição objec­ como as diferentes vozes e os diferentes temas dos estu­
tiva e factual das novas ideias com uma explanaç�o clara dos literários. Todavia, as obras agora re-apresentadas
e detalhada dos desenvolvimentos conceptuais com elas possuem mais do que um mero interesse histórico. Como
ii
relacionados. Se a inimiga era a mistificação (ou, pura e os seus autores referem, as questões por elas levantadas
simplesmente, a demonização), a lucidez (com a devida mantêm'toda a sua acuidade e os argumentos com que es­
vénia aos compromissos inevitavelmente em jogo) tor­ grimiam a mesma força perturbadora. Em resumo, não es­
nou-se numa amiga. Se havia um "discurso do futuro mar­ távamos enganados. A investigação académica evoluiu rá­
cadamente diferente" que nos chamava, queríamos pelo pida e radicalmente por fonna a acompanhar, quiçá
menos ser capazes de o entender. promover, transformações sociais de fundo. Houve pois
Com a devida referência ao apocalipse, o segundo que desenvolver um novo conjunto de discursos capazes

Prefácio expressava piedosa


. inquietação pela natureza de mediar tais revoluções. Mas o processo não terminou.

brutal da besta que poderia agigantar-se, portentosa, dos Neste mundo fluido que habitamos, aquilo que outrora era

escombros. "Como poderemos nós reconhecer e lidar com impensável dentro e fora da ac�demia parece ser agora
aceite com natuqilidade.
o novo?", dizia-se em tom de lameç . o, não deixando no
!
Não me cabe dizer se as obras publicadas na New
entanto de referir o túnido progresso de "uma boste de ac­
Accents constituíram alertas, mapas, guias o u achegas
tividades tangencialmente respeitáveis para· as quais não
relativamente a este novo terreno a desbravar. O nosso
possuímos nomes tranquilizadores" e prometendo inde­
maior feito foi, porventura, cultivar a percepção de que tal
fectível vigilância "nas fronteiras do já justificado por
terreno existia. A única justificação possível para uma ter­
precedência e nos limites . do pensável". A conclusão de
ceira, e relutante, tentativa de escrever um Prefácio é a
que ·"o impensável é, afinal, aquilo que de forma oculta
convicção de que ele continua a existir.
molda os nossos pensamentos" pode parecer um lugar co- ..
mum. Porém, na medida em que confere alguma estabili­
TERENCE HAWKES
dade a um �undo de ce1tezas em constante derrocada, não
é motivo para corar de vergonha.
Na circunstância, qualquer esforço subsequente, e cer­
tamente final, só pode olhar para trás com modéstia . e re­
jubilàr por a série·continuar bem viva, congratulando.:se,
não sem boa razão, por ela se ter feito tribuna desde o
Agradecimentos •

A autora e a editora gostariam de agrad�cer às seguin­


tes individualidades e empresas por terem autorizado a re­
produção de algum material:
I�
E. J. Brill, Leiden, pelo diagrama tirado da obra To­
wards a Seienee of Translating (1964) de Eugene Nida;
MIT Press, Cambridge, Mass., pelo diagrama tirado da
obra Language Thought and Relativity (1956) de B. L.
Whorf; Oxford University Press pela tradução de Charles
Kennedy do poema Seafarer tirado de An Anthology of
Old English Poetry (New York, 1960) e também pela tra­
dução d e Sir William Marris do Poema 13 de Catulo, pu­
.
blicada pela primeira vez em 1924; University of Michi­
gan Press, Ann Arbor, pela tradução de Frank Copley do
Poema 13 de Catulo, publicada pela primeira vez em
1957; Arnold Mondadori pelo poema Un'altra notte de
Ungaretti e pelo excerto de Fontamara de Silone; Stand
pela tradução de Charles Tomlinson e Penguin Books Ltd
XIV

pela tradução de P. Creagh do poema de Ungar�tti; Jour­


neyman Press pela tradução de G. David e de E. Mossba­
cher de Fontamara de Silone; S. Fischer-Verlag, Frank­
furt-am-Maio pelo excerto de Der Zauberberg de Marm; ; ' -

Martin Secker & Warburg Ltd e Alfred A. Knopf, �c. pe\a PREFACIO A EDIÇAO REVISTA (1991)
tradução de H. T. Lowe-Porter de The Magic Mountain de
Mann; Faber & Faber Ltd pela tradução de Robert Lowell
de Phaedra e pela tradução de Ezra PÓund de Seafarer ti­
rada de The Translations of Ezra Pound; Tony Harrison e
Rex Collings, Londres, por Phaedra Brittanica de Tony
Harrison.
Na década que se seguiu à primeira �dição1 deste li­
vro, os Estudos de Tradução estabeleceram-se solida­
mente como uma disciplina séri� e autónoma. Apareceu
um número substancial de obras, fundaram-se revistas, e
muitas revistas de prestígio e tradição dedicaram números
temáticos aos Estudos de Tradução, ao mesmo tempo que
a investigação nesta área ia florescendo no mundo inteiro.
No século XXI, os Estudos de Tradução terão esquecido
os seus começos, algo apologéticos, tal como os Estudos
Ingleses já praticamente esqueceram os seus não muito di­
ferentes inícios. ·Na verdade, hoje em dia esta área de es­
tudos oc1:1pa tantos estudiosos que muitos dos antigos
.
i
pressupostos sobre a marginalidade deste trabalho foram
radicalmente postos em causa, sendo o principal dos quais

a ideia de que o estudo da tr�dução poderia ser relegado


para uma sub-categoria da Literatura Comparada. A pers­
. .
I pectiva actual inverte essa avaliação _e propõe, muito pelo
!
I

l 1 A primeira edição desta obra data de 1980. [N. T.]

\
I
i
•.
XVI xvn

contrário, que a literatura comparada seja consi�erada .ou enfraquecida tende a traduzir mais -��?'tQs do 9.�. uma
como um ramo dessa disciplina rpuito mais abrangente -�türa que.-gõiã' de ' urna relativa centralidadee. poder 'e
que é a dos Estridos de Tradução.2 confirrÍlada por inúmy�os estudos de caso de situações tão
Uma característica identificadora do trabalho
· desen­ ··diversas com�· a p�s�age� da-epopeia para-os rornance.s de
volvido nos Estudos de Tradução· tem sida a conjugação ca' valaria na Europa do século xn, o deseÍlvolvime!}tO de
do tràbalho em várias áreas: linguística, estudos literários, lite!aturas em línguas nacionais no declúúo da grande traj
história da cultura, filosofia e antropologia. Muitas são as dição latina no Renascimento, o aparecimento de novas
culturas que têm desenvolvido numerosos esforços para nações na Europa central e oriental nos fmais do século -
abrir o imenso campo da genealogia do pensamento siste­ :jÇVm e princípios do século XX, o legado pós-colonial na
mático sobre tradução e para investigar o modo como a .&nérica Latina e, mais recentemente, em África. A histó­
tradução desempenhou um papel modelador na formação ria literária mostra claramente como é frequente e imensa
dos sistemas literários e na história das ideias. O grupo de -�'ôívida para com a tradução, e os Estudos de Tradução
Tel Aviv, cujos principais expoentes são Itamar Evan-Zo­ exploram o processo pelo qual os textos são transferidos
bar e GideoD,Toury, desenvolveu o conceito de polissis­ de umà cultura para outra.
terna literário, já esboçado nos an� 70, e forneceu uma Têm-se levantado vozes em alguns quadrantes ale­
metodologia pela qual podemos investigar todo o pro­ gando que o novo trabalho desenvolvido pelos Estudos de
cesso de absorç�o de um texto traduzido por uma dada Tradução -o qual procura evitar a antiga �bordagem ava­
cultura num determinado tempo histórico. A sugestão d� . liativa que simplesmente tratava de comparar traduções e
Evan-Zohar de que uma cultura marginal, nova: inse�ura .debater as diferenças num vazio formalista- terá oscilado
excessivamente na direcção oposta. O aparecimento da
l A Tradução foi durante muito tempo considerada como um sub-compar­ colectânea de ensaio� organizada por Theo Hennans em
timento da Literatura Comparada, pese embora o· facto de que, desde a primeira
1985 com o título The Manipulatjon. ofLiterature suscitou
utilização desse termo no princfpio do século XIX, os críticos não se tenham
ainda entendido sobre o que � a Literatura Comparada, se ela constitui ou não alguma .controvérsia porque, como o título sugere, os co.:
uma disciplina, qual o seu objecto de estudo, etc. No meu pró�o livro, sobre laboradores desse volume (entre os quais me incluo) argu­
a Literatura Comparada-no mundo actual, esta questão é analisada a fundo e a
solução proposta parece-se com a que mudou. radicalmente o estatuto da Se­
mentavam que a tradução, tal como a. crítica, a edição e
miótica no final dos anos 60. A Semiótica foi originalmente encarada como um outras formas de reescrita, é um processo manipulador.
ramo da Linguística e, nesta nova pe�pectiva, é a Lingufstica que é considerada Alguns sugeriram que este tipo de abordagem se centrava
com mais proprií�dáde como um,.ràmo da Semiótica: No. rePóslcioõairieiiió da
Tradução e da Literatura Comparada, os Estudos de Tradução impor-se-io como
.
. .

demasiado no destino de um texto na cultura receptora, e


a disciplina principal tendo como importante ramo a Literatura Comparada. que, através da observação do que aconteceu nos preces-
XIX
xvm

preciosidades. Já no século XVIII, as metáforas dominan­


sos de leitura, de reescrita numa outra língua e de subse­
tes para descrever a tradução são a do espelho ou a do re­
quente recepção, a atenção era desviada do texto original
trato, a do representado ou do artificial em contraponto
e do seu contexto cultural. É certo que há que reconhecer
com o real, enquanto
. que, no século XIX' as metáforas do-
que esta é a perspectiva de algumas pessoas que trabalham
minantes têm como referência a propriedade e as relacões
..
nesta área, as quais encaram como sua principal tarefa a
de classe. Note-se que nos anos oitenta do século XX al1.
de observar o impacto de uma tradução no sistema recep­
gumas mulheres que trabalhavam nesta área começaram �
tor, mas essa não é de modo algum a perspectiva aenera­
e falar da tradução numa linguagem figurativa usando ima­
lizada. Os Estudos de Tradução, no seu estado actual de
gens de infidelidade, deslealdade e casamento reconsti­
desenvolvimento, estão suficientemente implantados e
tuído. Só me dei conta de que eu própria estava a usar esta
são suficientemente abrangentes para admitirem mais do
terminologia quando encontrei outras mulheres a fazê-lo,
que uma abordagem e, embora o trabalho levado a cabo
como Barbara Johnson ou Barbara Godard.
pelo grupo de Tel Aviv seja muito valioso, há outros de­
l!ma área de trabalho inteiramente nova que surgiu
senvolvimentos em curso noutros locais.
depois de este livro ter saído em 1980 é a da escrita e tra­
Uma área que se destacou muito recentemente é -o es­ ·
dução femininas. O estudo das traduções de Adrienne
tudo sistemático de depoimentos!�obre a traducão feitos
· por tradutores e linguistas �m diferentes tempos � lugares.
Rich feito por Myriam Diaz-Diocaretz em
mero especial da revista Tessera em 1989 são
1985 e o nú­
apenas ·dois
O estudo dos prefácios dos tradutores ensina-nos muito,
exemplos de um campo interessantíssimo actualmente em
não apenas sobre os critérios adoptados pelo tradutor indi­
expansão. Quando, em meados da década de 80, Lucie
vidual, mas sobre o que esses critérios reflectem da con­
Arrnitt, na altura estudante de pós-graduação a trabalhar
cepção de tradução partilhada pela comunidade e� aeral.
d
Além disso, o estudo da lingu�gem figurativa utiliza a pe- ·
comigo em Warwick, dirigiu uma investigação sobre a
política editorial britânica no que respeitava à traducão da
los tradutores nos depoimentos sobre o seu trabalho pode
dizer-nos algo sobre o estatuto da tradução ·como acto tex­

escrita feminina, ela descobriu que esta era uma q estão
·
em que praticamente ninguém tinha pensado. Contudo, e
tual. Assim, por exemplo, o estudo· realizado por Theo I

.i
ao mesmo tempo, as listas das editoras apresentavam um
Hermans sobre as metáforas utilizadas pelos tradutores
número cada vez mais elevado de títulos relacionados cqm
holandeses, franceses e ingleses do Renascimento· revelou
os estudos sobre as mulheres, e o debate sobre a existên­
tim extenso leque de ideias .sobre a traducão :· o tradutor
\
. f
. I' �ia ou r:tão de um discurso especificamente feminino ga­
segue normalmente as pisadas do aut�r do exto orib
ainal'


nhava terreno_ por todo o lado. Esse estudo coincidiu com
usando as mesmas roupagens, reflectindo a luz, procurandp

XX XXI

o aparecimento dos primeiros artigos e comunicações so­ literários aparentemente inócuos:� Enquanto criança,
bre o tema do discurso feminino e da tradução, e a proli­ quando lia histórias de aventuras nas quais os heróis bran­
feração de trabalhos nos últimos anos é sinal de que esta­ cos eram atacados por selvagens, ele tomava automatica­
mos perante uma nova área de desenvolvimento. mente o partido dos brancos contra os carapinhas. Quando
Do mesmo modo, tal como os estudos literários mu-· se deu conta de que adoptando esta posição estava a�olo­
daram de natureza e de metodologia assim que o seu de­ car-se ao lado dos imperialistas brancos con�a o seu prq­
senvolvimento transvasou as fronteiras da Europa, tam­ prio povo e a aceitar um sistema de valores eurocêntricÓ,
bém os estudos de tradução começaram a perder o seu começou a ver o mundo de maneira diferente. Do mesmo
carácter excessivamente eurocêntrico. Os Estudos de Tra­ g10do, o tradutor que agarra um texto e o transpõe para ou­
dução desenvolveram-se rapidamente na Índia, no seio tra cultura tem de considerar cuidadosamente as implica­
das comunidades linguísticas chinesa e árabe, na América ções ideológicas dessa transposição. A metáfora do tradu-
Latina e em África. Tal como os Estudos'Literários procu­ ' I
·tor como canibal ·baseia-se numa noção rev�sta do
raram sacudir a sua herança eurocêntrica, também os Es­ significado de canibalismo, considerado hão do ponto de
tudos de Tradução se ramificam em várias direcções, uma vista do europeu colonizador a quem o conceito horroriza,

vez que a ênfase no factor ideoló co, bem como no lin­ mas da perspectiva dos povos cújas práticas canibalescas
guístico, abre caminho à discussã� do tema nos termos 'aerivain de uma visão alternativa da sociedade.
...- -

mais vastos do discurso pós-colonial. Os tradutores brasi­ A concepção canibalista de tradução envolve um con­

leiros apresentaram uma metáfora nova, que pod� aplicar­ ceito modificado do valor do texto original em relação à

-se a esta nova perspectiva alternativa sobre a tradução - a sua recepção na cultura de chegada A concepção tradicio­

imagem do tradutor como canibal devorando o textQ ori­ ·! nal de tradução, datada do século XIX, que aqui abordare­

ginal num ritual que resulta na criação de algo completa­ mos mais tarde, baseava-se na relação senhor-servo, re­

mente novo.3 Wole Soyinka descreveu a forma como a sua produzida no processo de tradução - ou o tradutor toma

perspectiva, tal como a de um continente inteiro, mudou a


o texto original e o 'melhora' e 'civiliza' (cf. Fitzgerald
acerca dos textos persas) ou o tradutor se aproxima do
partir de uma tomada de consciência acrescida, quando
identificou o racismo ·implicitamente presente em textos texto original com humildade e lhe presta homenagem (cf.
Rossetti sobre textos italianos do século XII). A concepção

3 Agradeço a Else Vieira, da Universidade de Belo Horizonte, por ter cha­

mado a minha atenç�o paru esta metáfora e por me te� sugerido a leitura da obra 4 SOYINKA, Wole - The Critic and Society: Barthes, Leftocracy and

pioneira de Silviano Santiago- Ur n a iiteronminos trópicÓs. Ens�ios .


sobre de­ Other Mythologies. ln GATES, Henry Louis Jr (ed.)- Black Literan11-e at1d Li­
pelldDncia Cllllllral. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978. terary Theory. London: Methuen, 1984, p. 27-59.

1
� I 1
_J
XXII XXIII

canibalista da tradução oferece uma perspectiva diferente, mente ligada à teoria dos sistemas, mas mais directamente
que se articula com a noção de tradução proposta por Jac­ preocupada com as implicações ideológicas da tradução,
ques Derrida, qt1ando argumenta que o processo de tradu: desenvolve-se uma abordagem que reflecte sobre .a trans­
ção cria um texto 'original', em oposição à ideia tradicio­ ferência intercultural nos seus aspectos linguísticos, histó­
nal segundo a qual o 'priginal' é o ponto de partida. O ricos e sócio-políticos. André Lefevere desbravou mtúto
debate sobre a tradução que Derrida enceta em "Les Tours deste terreno. Uma das grandes questões que coloca diz

de Babel" constitui um marco importante, porque, antes respeito a problemas paratextuais: o que acontece na tra­
dele, a maior parte do discurso sobre tradução era extraor­ dução de textos árabes, onde não existe uma tradição
dinariamente antiquado quando comparado com o nível épica e a lírica é o modo predominante, para línguas euro­
do discurso na área da teoria da literatura. As opiniões que peias, onde o épico sempre foi o modo mais elevado e a lí­
Derrida subscreve sobre a tradução não são isentas de fra­ rica relegada para uma posição secundária? Implicará isso
gilidades - uma das suas metáforas para representar o pro­ que todas as traduções da poesia lúica árabe sejam de
cesso da tradução é o rasgar do hímen, a penetração ou a certa maneira lidas através da lente deturpadora da tradi­
violação do texto original, que é dessa forma fenúnizado ção literária ocidental que coloca a lúica numa posição su­
de um modo sexista de péssimo gosto - mas, apesar disso, balterna? Ou, para.dar um exemplo diferente, terá a tradu­
o seu ensaio assmala a chegada d�t.�nia corrente pós-es­ ção de Shakespeare para as· línguas do sub-continente
truturalista dos Estudos de Tradução e demonstra mais indiano um significado diferente da tradução de Shakes­
uma vez os avanços da disciplina na última década. peare para japonês? Na Índia, onde, no século XIX, Sha­
Neste momento são claramente visíveis algumas li­ kespeare era o epítome de tudo o que de grandioso existia
nha� de desenvolvimento no conjunto da disciplina glo�al na tradição inglesa e onde o lorde Macauley podia dizer
dos Estudos de Tradução. A linha de investigação origmá­ que uma prateleira de uma boa biblioteca europeia valia
ria da linguísti�a aplicada continua a dar os seus frutos e, por todos os livros da Índia e da Arábia, arrancar Shakes­
agora, existe mesmo um ramo de investigação diferente peare das suas raízes ·na língua inglesa podia ter uma im­
preocupado com a tradução e a filosofia da l. inguagem. A plicação revolucionária que não teria na tradução para
abord�gem Qasea9a �� ��orja cio.s �i.ste���' c·o':Ú a sua .ên­ uma· língua como o Japonês, pois que o Japão nunca foi
tase no pólo ineta, pode considerar-�e uma escoia de pen­ colonizado pelo império britânico.
samento dentro dos Estudos de Tradução e, com a publi­ É na formulação de questões como esta que radica a
cação do boletim informativo TRANSST em Te!- Aviv e a perspectiva (possivelmente também já uma escola . de
revista Target, esta · escola tem agora uni papel p:r�ponde­ pensamento) · que encara· a t:radução como um dos proces­
rante no âmbito internacional. Noutras latitudes, origiiÍal- sos de manipulação literária, uma vez que os textos são
xxrv XXV

reescritos atravessando tJ:onteiras linguísticas e que essa Outra grande área de investigação dentro �os Estudos
reescrita ocorre num contexto histórico-cultural clara­ de Tradução é constituída pela análise da história da tra­
mente definido. Esta escola de pensamento ·também se dução, das atitudes face ao acto de traduzir que P!evalece­
preocupa com a transmissão de textos entre lite.raturas e o ram em diferentes momentos da História, das afrrmações
termo 'refracção' foi cunhado por Lefevere para substituir dos tradutores e da� implicações doutrinárias· da tradbção.
a velha terminologia da 'influência'. A reflexão envolve o Os centros de tradução ·da Universidade Georg:-August qe
espelho, a cópia do original; a refracção envolve uma mu­ Gõttingen, a Universida�e Católica de Lovaina e a Uni­
dança de percepção e esta imagem é muito útil para des­ versidade Estadual de Nova Iorque em Binghamton têm
crever o que acontece quando um texto é transferido de em curso projectos de investigação de larga escala acerca
uma cultura para outra. Além disso, a teoria da refracção da diacronia dos Estudos de Tradução, e os professores e
implica necessariamente a consideração da evolução lite­
estudiosos da Tradução na Universidade Estadual de Nova
rária e, portanto, co�oca a tradução num continuum tem­
Iorque estão também muito preocupados com a investiga­
poral ao invés de a encarar como uma actividade que
ção pedagógica e profissional. À medida que alargamos os
acontece no vazio. Lefevere explica-se bem quando enu­
conhecimentos sobre o que a tr�dução significa em dife­
mera alguns absurdos da história cultural que derivam de
rentes culturas, as nossas atitudes em relação à prática da
uma concepção excessivamente t!àtreita da tradução:
tradução também mudam e com elas a nossa percepção do
papel desempenhado pela tradução na história literária.
Dá que pensar ... que um obstinado tradutor da Bíblia para alemão,
um monge augustiniana desfradado, tenha sido. também por causa Em 1980, quando saiu a primeira edição deste livro,
da sua tradução, largamente responsável pela Reforma que mudou eu ainda sentia que tinha de defender o meu trabalho em
a faée da Europa para sempre; ou que o Aramaico que Jesus Cristo tradução junto das pessoas que colocavam questões como
falava fosse destituído de ver�os copulativos, especificamente do
estas: "Como é que alguém pode falar de tradução?",
verbo 'ser', apesar de os teólogos se terem questionado durante
"Como podemos avaliar traduções?", "Qual é a vantagem
séculos sobre o verdadeiro significado do 'é' que aparece, na téa­
dução grega, em frases do tipo 'este é o meu corpo' e que tenham de se debater História a propósito da tradução de poesia?",
queimado, sempre que tiveram esse poder, aqueles que discorda­ "Não é a tradução, para todos os efeitos, uma actividade
ram da sua reescrita:� secundária?" Sempre acreditei que a tradução era uma ta­
refa complexa, que envolvia uma grande habilidade, pre­
1 LEFEVERE, André - Why Waste Our Tunc on Rewrites? The Trouble paração, conhecimento e afeição intuitiva pelos textos,
with Interpretati()n, and the Role of Rewriting Jn an Alteo;�ntive Pnradigm. ln
HERMANS, Theo (ecf) Tire M�llffm/atioll of LÚeratu�é. Londorl: Cr00m e, à medida que descubro o desenvolvimento dos Estudos
·
-

Helm, 1985, p. 241-2. de Tradução à escala mundial, sinto cada vez mais que a
XXVI
XXVII

rrúnha primeira crença, ingénua e instintiva, se justificou.


grande da nossa percepção da história cultural devido a o
Nesta disciplina há espaço para muitas abordagens e o mé­
trabalho desenvolvido nos Estudos d e Tradução, e o facto
rito de grande parte da investigação feita na década pas­
de uma grande parte desse trabalho ocorrer fora da tradi­
sada foi o de colocar um frm na velha orientação norma­ ção euro-americana é um indicador inequívoco da v;loci­
tiva. Já não se fala de tradução nos termos daquilo que um dade e do alcance dessa transformação. ·
tradutor 'deve' ou 'não deve' fazer. Esse tipo de termino­
logia avaliativa apenas tem cabimento na aula de aprendi­
zagem de língua, onde a tradução tem um papel pedagó­
gico muito preciso e claramente definido. O debate sobre
a tradução literária, nos termos em que tem vindo a ser de­
lineado pelos Estudos de Tradução, pode muito bem aju­
dar a melhorar a qualidade das traduções, mas se isso
acontecer não será devido a qualquer formulário prescri­
tivo. Ao contrário, isso dever-se-á a uma acrescida cons­

ciencialização da complexidade d tradução e a �a valo­
rização do estatuto do tradutor e do texto traduzido.
A investigação nos Estudos de Tradução ainda mal co­
meçou. Há dúzias de livros por escrever, teses de doutora­
mento por fazer, textos teóricos por descobrir e traduzir; a
história literária, passada pelo crivo do novo conheci­
mento, aguarda ser reescrita. Quem teria· acreditado, nos
.
anos sessenta, que o feminismo haveria de transformar. C?
.

f
cânone literário, impor uma reavaliação do processo de
canonização,. mudar o nosso conhec�ento do passado e . . ""';'f"·" ....
alterar radicalmente a nossa percepção da linguagem e da !

cultura hoje? E, contudo, essas mudanças aconteceram, e


I
I
uma perspectiva alternativa, baseada na diferença sexual .r
acaba de entrar de modo deCisivo ·n:os ·estudos literários.
Penso que testemunhamos uma transformação igualmente
PREFÁ.CIO À TERCEIRA EDIÇÃO �

Os anos oitenta foram uma década d� consolidação


para a no�íssima disciplina conhecida como Estudos de
Tradução. Tendo feito a sua aparição nos fmais dos anos
setenta, começou . a ser levada a sério e deixou de ser
olhada como uma área de pesquisa de importância secun­
dária e. sem valor Científico. Ao longo dos anos ojtenta as­
sistiu-se a um crescimento constante do interesse pela teo­
ria e prática da tradução e, nos anos noventa, os Estudos
de Tradução tomaram-se finalmente numa disciplina de
direito próprio, na década que testemunhou a sua globali­
zação. Considerada rio passado uma actividade marginal,
a tradução começou a ser .olhada çomo acto fundamental
'
.
''i-
do intercâm�io humano e nunca o interesse por ela susci­
. :
tado foi maior do que hoje em dia, em que o estudo da tra- ·
duçã� acompanha o aumento da sua prática em todo o
mundo.
A explosão dos meios electrónicos de comunicação
.
nos anos noventa e as suas implicações nos processos de

1�
i
,_
:_,
2 3

globalização deram particular visibilidade às questões li- à estampa pelo menos meia dúzia de enciclopédias da tra-
. gadas à comunicação intercultural. Não só passou a ser ducão, e mais se seouirão.
� o Os novos cursos universitários
importante aceder cada vez mais ao mundo através da re­ de tradução, de Hong Kong ao Brasil e de Montreal a
volução da informação, mas tomou-se urgent�mente im­ Viena, constituem r:nais uma prova do interesse int� ma­
portante saber mais sobre o nosso próprio ponto de par­ cional pelos estudos·de tradução, interesse· este que não dá
tida. É que a globalização tem a sua antítese, como foi sinais de abrandar no século XXI . f
demonstrado pelo renovado interesse, manifestado à es­ Com tanta energia direccionada para urna investigação
cala mundial, nas origens culturais e na exploração das .\ mais aprofundada do fenómeno da tradução, é evidente
,
questões de identidade. A tradução tem um papel crucial.a que tais desenvolvimentos não sejam homogéneos e que
desempenhar ao contribuir para melhorar a compreensão se configurem em diferentes correntes e tendências. Não
de um mundo cada vez mais fragmentado. O tradutor, tal deve, portanto, surpreender-nos que o consenso quanto . à
como referiu o especialista irlandês Michael Cronin, é tradução tenha desaparecido durante os . anos noventa.
também um viajan,te, alguém em viagem. de uma foQ.te
Contudo, ele foi substituído pela vibrante diversificação
para outra. O século XXI promete seguramente ser a
que ainda hoje povoa o mundo inteiro. Durante os anos oi­
grande idade das viagens, não �6 através do espaço, mas
'
tenta, a teoria da relevância de Ernst-August Gutt, a teoria
também através do tempo.1 É s gnificativo que um dos
do skopos de Katharina Reiss·eHans Vermeer e o trabalho
principais desenvolvimentos nos es�dos de . tradução
de Gideon Toury sobre pseudotradução forneceram outros
desde os anos setenta tenha sido a investigação em �stó­ tantos. métodos de abordagem da tradução, enquanto nos
ria da tradução, pois examinar o modo como a . tradução
anos noventa floresceram, e continuam a florescer, novas
ajudou a moldar o nosso conhecimento do mundo· no pas­
linhas de investigação geradas pelo enorme interesse sus­
sado deixa-nos mais bem equipados para mold� -os nos-
citado pela investigação com c01pus, .tal como foi preco­
sos próprios futuros. · · · ·
nizada por Mona Baker. Com efeito, após um período em
Por todo o lado existem provas �este .,interesse péla
que a 4Ivestigação em tradução automática parecia ter so­
tradução. Nas duas últimas . d�cadas surgiram muitos·li­
çobrado, . a importância da relação entre a tradução e as
vros sobre tradução,-a pareceram novas .
. revistas dé''tiidu-
.
novas tecnologias ganhou proeminência e tudo indica que
ção, foram criadas organizações profissionais internacio-
' virá a ter ainda mais importância no futuro.. Não obstante,
nais, como a Sociedade Europeia de Tradução, e foi. dada
�-apesar da diversidade de métodos e abordagens, existe

1 CRONIN, Michael- Atross the H11es: Travei, Language, Trans­ _um tràÇo comum � maior parte da investigaÇão em Estu­
larion. Cork: Cork University Press, 2000. dos de Tradução: a ênfase rios aspectos culturais da tr'!du-
4 5

ção e nos contextos em que a tradução ocorre. Conside­ . Katharina Reiss, Hans Verrneer e Wolfram Wilss, para no­
rada outrora uma subclivisão da .lingQística, a traduç�o é mear apenas os mais conhecidos, contribuiu .muito para
hoje entendida como uma área de investigação interdisci­ derrubar as barreiras que separavam as disciplinas e· para
plinar e o elo indissolúvel entre língua e cultura torno�-se empurrar os estudos de tradução para longe de uma J?OSi-

no ponto de focagem do interesse académico. ção de possível confronto. Não devemos támõém esquecer
a enorme importância de figuras como J. C. Catford, Mil
·

A divisão aparente entre as abordagens cultural e lin­


guística da tradução, tão característica de muita da inves- �· chae� Halliday, Peter Newmark e Eugene Nida que, com o
tigação em tradução desenvolvida nos anos oitenta está a seu trabalho de investigação em tradução, lançaram as
desaparecer, por um lado devido às mudanças operadas na bases da pesquisa futura antes de os Estudos de Tradução

linguística, com a adopção de uma perspectiva mais cul­ terem começado a afirmar-se corno disciplina de pleno

tural, e, por outro, devido a urna atitude menos defensiva direito.

daqueles que preconizavam uma abordagem da tradução Os estudos literários evoluíram tambépt de uma con­

enraizada na história cultural. Nos primeiros anos, quando , . cepção iniçial e mais elitista de tradução. Tal como Peter
France, director do OJ..ford Guide,to Literature in English.
os Estudos de Tradução estavam ainda a encontrar o seu
Translation, faz questão de acentuar:
espaço, os seus defensores opuÍlifiun-se tanto aos linguis­
tas co.mo aos estudiosos da literatura, acusando os linguis­
Os teorizadores e os estudiosos têm uma tarefa muito mais com­
tas de não considerarem as dimensões contextuais mais
plexa a cumprir do que decidir entre o bom e o mau; o objecto das
alargadas e os estudiosos da literatura de viverem obceca'7 suas preocupações é, por e?'emplo, discernir as várias possibilida­
dos com juízos de valor desprovidos de qualquer sentido. des que se abrem ao tradutor e o modo como elas se modificam de
Defendia-se a importância de tirar o estudo da tradução da acordo com o contexto cultural, social e hist6rico.1

alçada quer da literatura comparada quer da linguística, e


eram frequentes as polémicas sobre a autonomia dos Es­ Existe um volume crescente de trabalhos de investigação

tudos de Tradução. Hoje em dia estas posições evangéli­ que reflectem este objectivo mais complexo, pois, à me­
cas parecem estranhamente antiquadas,. e os Estudos de dida que há cada vez mais investigação em Estudos de

Tradução estão melhor na sua pele, majs capazes de pedi­ Tradução e se torna mais fácil e rápido o acesso aos dados
históricos, começam a ser colocadas perguntas importan-
rem emprestados e emprestarem métodos-e técnicas a ou­
tras disciplinas. o importante trabaiho de estúdiosos da
tradução da área da liriguística, figuras como Mona B ak��. 1 FRANCE, Peter - Translation Studies o.nd Translation Criticism. ln
FRANCE, Peter (ed.) - Tire Oxford Guide to Literature i11 E11glisfl Translation.
Roger Bell, Basil Hatipr, Ian Mason, Kirsten Malmkjaer, Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 3.
.!
. •

H
l _______
7
6

' I Nos anos noventa surgem duas imagens contrastantes


tes sobre o papel da .tradução na construção de um cânone
.· ' do tradutor. De a�ordo com uma leitura do papel do tra­
literário, as estratégias utilizadas pelos tradutores e as nor­
dutor, es�� é ·uma força do bem, um artista criat�vo que
mas vigentes em determinado momento histÓrico·, o dis­
<Jàrante a sobrevivênçia da escrita no tempo e no espaço,
curso dos tradutor�s, os problemas da medição do impacto ·1' .
. .
�rn· mediadór· intercultural e '.Ullf intérprete, uma figura
das traduções e, mais recentemente, os· problemàs relati­
de ·incomensurá�el importância para a continuidade e1
vos ao est�belecimento de umá ética da tradução. · - difusão da cultura. Em contraponto,. existe uma outra
Das novas· cortentes1 a mais aliciante é talvez a. ex­ interpr.etação que vê a·tradu'Ção como uma actividade �ta­
pahsão da disciplina de Estudos d� Tradução para lá das mente suspeita em que a desigualdade nas relações de
fronteiras da Europa. No Canadá, Índia, Hong Kong, poder (desigualdades económicas, políticas, sexuais e
China, África, Brasil e América Latina, as preocupações O'emrráficas) se reflecte na mecânica da produção de texto.
C> C>
dos académicos e dos tradutores são significativamente Como afirma Mahasweta Sengupta, a tradução pode tor-
diferentes das dos Europeus. Nestes países a ênfase é co­ nar-se em submissão ao· poder hegemónico das imagens
locada na desigualdade da relação de tradução, e podemos criadas pela cultura de chegada:
ver escritores como Gayatri Chakravorty Spivak, Tejas­
wini Niranjana e Eric Cheyfitz $marem que a tradução [. . .] uma breve recapitulação do que vende no Ocidente como algo
representativo da fndia e da sua cultura é a prova mais cabal do
foi efectivamente usada no passado como instrumento do
poder da representação; ficamos prisioneiros dos estereótipos cul-
poder colonial, um meio de silenciar a voz dos povos co­ turais criados e alimentados pelos textos traduzidos.4 •

lonizados. No modelo colonial havia uma cultura domi­


nante sendo as restantes subservientes, e a tradução refor­ Os estudos de tradução continuarão a enfatizar no
çava esta hierarquia de poder. Nas palavras de Anuradha novo milénio a desigualdade das relações de poder que ca­
Dingwaney, racterizam o process� de tradução. Porém, enquanto nos
séculos passados esta desigualdade era apresentada em
Os processos de tradução que tomam uma outra cultura compreen­
termos çie um texto original superior e uma cópia inferior,
sível contêm graus de violência variáveis, em especial quando a
essa relação é hoje analisada por outros prismas a que
cultura traduzida se constitui como a do "outro".3
podemos chamar com propriedade pós-coloniais. A par do

� SENGUPTA, Mnhasweta - Translation ns Manipulation: The Power of


3 DINGWAI'IJEY, Anuradha- fntroduction: Translating 'Third World' Cul­
Imnges and Imnges of Power. ln DINGWANEY, A; MAIER, C. (eds.)- Berween
rures. ln DINGWANEY, A.; MAIER, Carol (eds.) - Benvee11 Languages and
Ltmguages and Cu/wres. Tronslario11 and Cross-Culwral Texts. Pittsburgh/Lon­
Culrures. Translarion and Cross-Culwral Texts. Pinsburgh/London: University
don: University of Pittsburgh Press, 1995, p. 172.
of Pittsburgh Press, 1995, p. 4.
8 9

traballio entusiasmante dos grandes especialistas indianos, a fidelidade ao original. No Brasil, a teoria canibalista do
chineses e canadianos, escritores como Octavio Paz, Car­ éonsumo textual, inicialmente proposta nos anos vinte,
los Fuentes e Haroldo e Augusto de Campos reivindica­ foi reformulada de modo a oferecer uma perspe�tiva al­
ram uma nova definição de.tradução. Significativamente, ternativa do papel do tradutor em que o acto de tradução
todos estes escritores são originários de países da América é apresentado em termos de metáforas físicas destin1ldas
do Sul, antigas colónias empenhadas em reavaliar o seu a enfatizar simultaneamente a criatividade e a indepen7
passado. Todos eles estabelecem paraJ.elismos com a ex­ dência do tradutor.6
periência colonial em defesa de uma reapreciação dô pa­ Hoje em dia a mobilidade dos povos em todo o mundo
pel e significadó da tradução. Pois um original era sempre reflecte o próprio processo de tradução, pois a tradução
visto como superior à sua "cópia", precisamente do não é somente a transferência de textos de uma·língua para
mesmo modo que o modelo do colonialismo se baseava na
outra - ela é hoje correctamente vista como um processo
noção da apropriação de uma cultura inferior por uma cul­
de negociação entre textos e entre culturas, u.m processo
tura superior. Como tal, a tradução estava condenada a
em que ocorrem todos os tipos de transacções mediadas
ocupar uma posição de inferioridade relativamente ao
pela figura do tradutor. Significat�vamente, Horni Bhabha
texto de partida do qual se considerava proveniente.
usa o termo "tradução" não para descrever uma transacção
À luz da nova percepção p�-colonial da relação en­
entre textos e· lí�guas, mas no sentido etimológico de
tre os textos çle partida e de chegada, essa desigualdade
transportar algo de um lugar para outro. Usa o termo tra­
de estatuto foi reconsiderada e hoje tanto o original como .
dtJ.ção metaforicàlnente para descrever a condição do
a tradução são vistos como produtos iguais da criativi­
mundo cont�mporãneo, um mundo onde diariamente mi­
dade do autor e do tradutor, embora Paz alerte para a di­
lhões de pessoas migram e mudam de lugar. Num mundo
ferença fundamental entre as tarefas que cabem a cada .
assim a tradução é fundamental:
um. Ao escritor cabe dar às palayras u�a forma �deal e
imutável enquanto ao tradutor cabe a tarefa .de as libet1ar
Devemos ter presente que é o "inter" - a fronteim da tradução e da
do confmamento da língua de partida insufl�do-�es uma
.
renegociação, o espaço intennédio - que carrega o fardo do signi-
nova vida na líng�� pa�a.que são trad{!zida�.-� Ço�seq4en­
'

ficado de cultura.7
temente, perdem força os velhos argumentos que defendem
6 Para uma discussão da metáfora cnnibnlistn, cf. BASSNETI, Susan;
' PAZ, Octnvio - Translntion: Literature nnd Letters. Trad. Irene dei Cor- TRIVEDI, Harish (eds.) - Postcolonial Translation: Theory and Practice. New
· rol. ln SCHULTE, Rainer; BIGUENET; John (eds.) .:.. Thi!Ories·ofTráilslariou·. York/London: Routledge, 2000.
An Amhology of Essaysfrom Dryden to Derrida. Chicago: Universíty of Chi- 7 BHABHA, Homi Tfle Locatiou of Culwre. London/New York: Rout­
·
-

cago Press, 1992, p. 36-55. ledge, 1994, p. 38.


:-:-r''"-

lO 11

Destacam-se três estratagemas centrais a muitas das centro das atenções dos áridos debates sobre fidelidade e
teorias da tradução desenvolvidas· por escritores não euro­ equivalência para um exame do papel do texto traduzido
peus: uma redefinição da tenninologia da fidelidade e da no seu novo contexto. Significativamente, esta nova pers­
equivalência, a importância de dar maior visibilidade ao pectiva veio abrir caminho para projectos de inve.stigação
tradutor e uma transferência da ênfase para a tradução subsequentes sobre a história da traduç.ão, conduzindo
como um acto de reescrita criativa. . O tradutor é visto também
.
a uma reavaliação da importância da tradução en1I
como um libertador, alguém que liberta o texto dos signos quanto força de mudança e inovação na história literária.'
fixos da sua forma original, acabando com a subordinação · Em 1995 Gidêon Toury publicou Descriptive Transla­
ao t�xto de partida, mas procurando visivelmente fazer a ti�n Studies and Beyçnd, um livro que reavaliava a abor­
ponte entre o autor e o texto originais e os possíveis leito­ dagem pela teoria dos polissistemas, tão pouco do agrado
res da língua de chegada. Esta perspectiva assim revista de alguns especialistas devido à sua ênfase excessiva no
.'
enfatiza a criatividade da tradução, reconhecendo-lhe um.a ., sistema de chegada. Toury sustenta que, uma vez que a
relação mais hmmoniosa do que a de modelos anteriores
·k
· -· ·
tradução visa em primeiro lugar satisfazer u�a· necessi­
l:
que descreviam o tradutor através de imagens violentas de dade da cultura de chegada, é lógico' fazer do sistema de
"apropriação", "penetração" ou "posse". A abordagem ( chegada objecto de estudo. Acentua também a necessi­
· pós-c·olonial à traduÇão vê o int�âri:tbio linguístico como I' dade de estabelecer padrões de regularidade do comporta­
essencialmente dialógico, um processo que ocorre num mento tradutivo, a ftin de estudar como são formuladas as
espa�o que não perte':lce nem ao ponto de partida nem ao normas e como operam. Toury rejeita explicitamente a
ponto. de chegada. Como Vanamala Viswanatha e Sherry ideia de que o objecto da teoria da tradução é melhorar a
Sin:10n afumam, "as traduÇões constituem uma r�veladora quaUdade das traduções: os teorizadores têm as suas prio­
porta de entrada pm·a a dinâmica da formação da identi­ ridades, diz ele, enquanto os profissionais dà tradução têm
dade cultural nos contextos coiomal e pós-co'tonia1."8 . responsabilidades diferentes. Embora as opiniões de Toury
Até ao final dos anos oitenta ps Estudos de Traduç.ão não sejam universalmente aceites·, elas são largamente
foram . dominados pela abordagem sistérni�a de Itamar respeitadas e é significativo que durante os anos noventa
Even-Zohar e Gideon Toury. A teoria .dos polissistemas tenha sido produzido muito trabalho sobre as normas tra­
era uma proposta radical na medida em que desviava o dutórias e sido exigida uma maior cientificidade no estudo
da tradução.
8 VISWANATHA, Vannrnal; SIMON, Sherry - 'Shifting Grounds of:Ex- . A teoria dos polissistemas veio preencher a lacuna
chnnge': 8. M. Srikantha.ia and Kannndn Trnnslntion: In·BASSNETT, Susan;
aberta nos anos setenta entre a linguística e os estudos li­
TRJVEDI, Harish (eds.) - Postcolània/ Translarion: TheOI)' and Practice. New

II . Yor�ondon: Routledge, 1999, p. 162. terários, lançando as bases para a nova área interdiscipli-
-
. .- .
. - . ·-

13
12

nar dos Estudos de Tradução. De importância central para rior do grupo de estudiosos da tradução vagamente ligados
a teoria dos polissistemas era a ênfase na poética da cul­ à abordagem polissistémica. Alguns, como Theo Hermans
tura de chegada. Dizia-se que deveria ser possível prever e Gidepn Toury, procuraram estabelecer parâme�os teó­
as condições que pernlitiam a ocorrência de traducões e ricos e !lletodológicos dentro dos quais a disciplina pu­

também os tipos de estratégias passíveis de ser usad s pe­ desse desenvolver-se, e outros, como André Lefevére e
los tradutores. Tomou-se então necessário desenvolver es­ Lawrence Venuti, começaram a explorar as implicaçõe�
tudos de caso sobre as traduções através dos tempos a fim da tradução num enquadramento histórico e cultural
de averiguar da veracidade de tal hipótese e estabelecer muito mais alargado. Lefevere começou por desenvolver
princípios fundamentais, o que levou à emergência do que a noção de tradução como refracção mais do que reflexo,
foi postetiormente designado por estudos descritivos de propondo um modelo mais complexo do que a velha no­
tradução. Os Estudos de Tradução começavam a ocupar ção de tradução como espelho do original. Inerente à sua
um espaç� próprio, investigando a sua própria g�nealogia concepção de tradução como refracção .estava a reje�ção
e procurando afirmar a sua independência como domínio de qualquer noção linear do processo de tradução. Os tex­
académico. tos, argumentou, têm de ser vis�os como sistemas com­
E�quanto, �teriorrnente, a Çffase era posta na com­ plexos de signifiçação e cabe ao tradutor descodificar e
_
paraçao do ongmal e da tradução, muitas vezes com o in­ recodificar tudo o que estiver acessível nesses sistemas.9
tuito de averiguar as "perdas" e as "traições" ocorridas no Lefevere constatava que muitas das teorizações sobre tra­
processo de tradução, a nova abordagem adoptava uma dução assentavam na prática da tradução entre línguas eu­
perspectiva deliberadamente diferente, procurando, não ropeias e sublinhava que os problemas de acessibilidade
avaliar, mas sim compreender as mudanças de ênfase ope­ dos códigos linguísticos e culturais se intensificam quando
radas durante a transferência de textos de um sistema lite­ se sai do âmbito da cultura ocidental. Em trabalhos pos­
rário para outro. A teoria dos polissistemas aplicav��se teriores Lefevere desenvolveu as suas preocupações com
exclusivamente na tradução literária, embora ope�as�e a metafórica da tradução através de uma investigação
dentro de uma noção alargada do lit�r�o, qu� contem­ àquilo· a que chamava as grelhas conceptuais e textuais
plava um vasto leque de elementos de produção literária, que restringem tanto os escritores como os tradutores, su­
incluindo a dobragem e a legendagem, a literatura infan­ gerindo que
til, a cultura popular e a publicidade.
Mediante uma série de estudos de caso, este alargá­ 9 Cf. LEFEVERE, Andr6 Translation, Rewriting and tlle Manipulation
ofIiterary· Fame. London/New York: Routledge,
-

menta do objecto de estudo levou a uma divisão no inte-


·

1992.
l4
15

Os problemas levantados pela uadução devem-se pelo menos


tanto às discrepâncias enue as grelhas conceptuais e textuais como esse artista criativo mediador de línguas e culturas. Numa
às discrepâncias entre as l(nguas. 10 obra importante publicada em 199 1 , Suzanne Jill Levine,
tradutora de literatura latino-americana, autodescreveu-se
Estas grelhas culturais detenninam o modo como a espirituosamente como "uma escriba subversiva", yma
realidade é reconstruída tanto no texto de partida como no imaaem que prefigura a concepção que Vênuti tem do tra-
o .
13 f
de chegada, e o sucesso da operação será determinado pela dutor como um poderoso agente de mudança cultural .
perícia do tradutor a manipular tais grelhas. Lefevere de­ O livro de Levine aponta para uma outra linha de in­
fende que estas grelhas culturais, uma noção derivada da �.
vestigação em Estudos de Tradução foealizada na subjec­
noção de capital cultural de Pierre Bourdieu, põem em re­ tividade do tradutor. Estudiosos da tradução como Venuti,
levo a criatividade do tradutor, uma vez que é alguém ine­ Douglas Robinson, Anthony Pym e Mary Snell-Hornby,
vitavelmente empenhado num processo criativo complexo. tradutores que escreveram sobre o seu trabalho como Tim
Do mesmo modo, Venuti insiste na criatividade do tra­ Parks, Peter Bush, Barbara Godard e·Vanamala Viswana­
dutor e na sua presença visível na Lradução. 1 1 Foi tal a im­
tha, todos eles acentuaram de diversas maneiras a impor­
portância assumida pela investigação sobre a visibilidade
tância do papel do tradutor. Esta nova ênfase na subjecti­
do tradutor nos anos noventa ·q e ·pode ser considerada
!\ vidade resulta de duas influências distintas: por um lad.o,
como uma linha distinta de desenvolvimento dentro da
·. . a importância crescente da investigação sobre a ética da
disciplina global. A tradução, no dizer de Venuti, reverên­
' .

tradução e, por outro, uma atenção cada vez maior às


cia igualmente prestada às culturas de partida e .de che­
questões filosóficas mais alargadas subjacentes à tra�u­
gada, "recorda-nos que nenhum acto de interpretação pode
ção. A releitura de Walter Benjamin feita por Jacques Der­
ser definitivo".-1i Como tal, a tradução é um acto arriscado�
rida abriu as comportas para uma re.avaliação da impor­
potencialmente subversivo e sempre carregado de signifi­
tância da tradução não só como forma de comunicação,
cado. Nos anos noventa, a figura do-tradutor subservient_e
mas também como· continuidade:1-t A tradução, afirma
foi substituída pela do tradutor visivelmente manipulador,
Derrida, assegura a sobrevivênci a de um texto. A tra�u­
ção to�a-se efectivamente na outra vida de um texto, u m
16 LEFEVERE, André - Composing lhe Other. ln BASSNETf, Susan;
novo "oriainal" numa outra Jingua. Esta concepção posi-
TRJVEDI: Hnrish (eds.) - Posrcolonial Tra11sfarion: Tileory and fractice. New o . .
York/Lon·cton: Routledge, 1999.
11 VENUTI, Lawrence - Tile Tra11s/mcJr's lm·isibility: A History ofTrans­
Jarioll London!New York: Routledge, 1995. 13 LEVINE. Suza.nne JiU - Tfle Subversive Sr:ribe. Saint Paul, Minnesota:
-

GraywolfPress, I99L
1� VENUTI, Lawrence - Tfle Scandals ojTmnslatioll. London/New Yort-:
��DERRIDA. Jacques - Des Tours de BabeL ln GRAHAM. J. (ed.) - Dif-
Routledge, 1998,p. 46.
·
Jerence iu Translarion. Ithaca, N. Y.: ComeU University Press, 1985. .,.
;

I
.._

;'
•': -·:·
L6 17

tiva de tradução vem reforçar a �ponânéia da tradução ·


Ç
Tradu ão, através das suas múltiplas alianças, fazem per­
·.�
enquanto acto de comunicação simultaneamente intercul­ t
. ·
. . gÚntas sobre o que aeonte�e. quando um texto é transferido
tural e intertemporal. Quem, por exemplo, teria ·acesso � · da· cultura de partida para a cultura de chegad�. .
.
·

I
poetisas esquecidas da antiga Grécia.sem a tradução?, per- · · os'fios que entretecem a trama comum que liga o� di­
gunta Josephine Balmer no seu esclarecedor prefácio � .. J ..
versos prismas por que a traduç'ão tem sido estudada nas
suas. traduções de poetisas ciássica�.15 duas últimas déeadas constitUem ·uma ênfase na diversiJ
O desenvolvimento dos Estudos de Tradução no.s anos � , dade e na rejeição �a velha terminologia da tradução como
'•

noventa pode ser visto, antes cie mais, como o estabeleci­ fidelidade a, e traição de, um original, p.õem em destaque
mento de u�a série de novas alianças que vieram aproxi­ os poderes de manipulação do tradutor e uma concepção
mar as linhas de investigação em história e na prática e ·fi­ ,•
da tradução como meio de lançar pontes que anulem o es­
losofia da tradução de outras correntes intelectuais. Os paço entre o ponto de partida � o ponto de chegada. Esta
elos entre os Estudos de Tradução e a teoria pós-colonial celebração da intenné'diação, destacada também por estu­
representam precisamente uma dessas alianças, tal como o diosos de outras áreas, reflecte a natureza mutável do
fazem os elos entre os Estudos de Tradução e a linguística mundo em que vivemos. Tempos houve em que era consi­
de co1pus. Outra aliança signifi�tiva é a que existe entre derado arriscado e indesejável ócupar um espaço que não
os Estudos de Tradução e os Gender Studies. Pois a lín­ fosse nem uma coisa nem outra, uma terra de ninguém
gua, como afirma Sherry Simon, não reflecte simples­ sem identidade defmida. Hoje, no século XXI, as frontei­
j•
mente a realidade, ela ajuda a moldar o significado.16 Os ras políticas, geográficas e culturais são vistas como mais
tradutores estão directamente envolvidos nesse processo fluidas e menos confinantes do que alguma vez o foram na
de moldagem, seja o texto que estão a trabalhar um ma­ história recente, e é cada vez maior a mobilidade dos po­
nual de instruções, um documento legal, um romance ou vos através dessas fr�mteiras. Num mundo �ssim, o papel
um clássico .do teatro. Tal como os Gender Studies vieram do tradutor reveste-se também de maior importância, ra­

'-·':' ' .
desafiar a noção de um conceito de cultura uno e singular zão pel!l qual a tradução é tão avidamente debatida e tão
Í!
ji
I' ao f�erem perguntàs incómodas sobre os.modos ,como.se procurada. A expansão da World Wide Web apenas nos

·1:I
·
fonnavam as tradições canónicas, também os Estudos· de deixa vislumbrar todo o potencial à.inda oculto da tradu­
À
li
ção. medida que a tradução electrónica se toma cada

iili
p
15BALMER, Josephine - Classical Wome11 Poets. Newcastle upon Tyne:
Bloodaxe Books, 1997.
16
· · · · ··
SIMON, Sherry - Gender i11 Tra11slation. Cultural Idemity and the Po­
·
· :·
vez mais sofisticada, os Estudos de Tradução terão abso­
luta necessidade de se desenvolver. E parecem apostad?s

I! litics ofTransmission. London/New York: Roulledge, 1996. em fazê-lo no futuro previsível.


' '

li
I
,,
INTRODUÇÃO

• ',.

Em 1978, num breve Apêndice às Act�s do Colóq�io


sobre Literatura e Tradução (Lovaina, 1976� . André �efe­
vere propôs que a designação Est]ldos de Tradução fosse
��optada para a disciplina que se ocupa "dos problemas
levantados pela produção e descrição de traduções". 1 Este
livro constitui um� tentativa para delinear o âmbito dessa
disciplina, dar alguma� indicações sobre o tipo de traba­
lho que tem sido feito até ao momento e sugerir novas �i­
nhas de orientação para a investigação. Mais importante
runda, trata-se de u'ma tentativa que visa demonstrar que
ós Estudos de Tradução são, de facto, uma disciplina de
direito próprio: não um mero ramo da. Literatura Compa­
rada nem uma área específica da Linguística, mas um
.,

1
LEFEVERE, André - Translation Studies: The Goal of the Discipline. ln
HOLMES, James S.; LAMBERT, José ; BROECK, Raymond van den (eds.) -
Litaralllre anel Translarion. Louvain: ACCO, 1978, p. 234-5. Lefevere seguiu a
·via delineada por James Holmes no seu artigo "The Name and Nature ofTrans­
lation Studies", publicado pela Secção de Estudos de Tradução da Universidade
de Amsterdão, em Agosto de 1975.
20 21

vasto e complexo campo de estudos com ramificações de Não admira que um conceito tão redutor de tradução
grande alcance. ande de mãos dadas com o baixo estatuto concedido ao
A aceitação, relativamente recente, do termo Estudos tradutor e com a distinção geralmente feita entre escritor e
de Tradução é susceptível de surpreender aqueles que tradutor, com prejuízo do último. Já em 1931, na sua con-
,

sempre partiram do pressuposto de que a disciplina já ferência intitulada Sobre a Tradução, Hilaire Belloc sinte-
.
existia por via da utilização largamente difundida do . tizou. o problema do estatuto em palavras que permanecem t

termo 'tradução', sobretl!do no processo de aprendizagem perfeitru:nente actuais:

de línguas estrangeiras. Mas, na verdade, o estudo siste­


A arte da tradução é uma arte subsidiária e derivada. Por causa
mático da tradução ainda está a dar os primeiros passos.
disso nunca logrou merecer a dignidade de trabalho original e tem
Precisamente porque tem sido encarada como uma parte sido por demais prejudicada enquanto manifestação literária. Esta
integrante do processo de aprendizagem de línguas estran­ desvalorização teve o efeito nefasto de baixar o grau de qualidade
geiras, a tradução em si própria tem sido pouco estudada. exigido e em certos períodos quase destruiu a arte por completo.
O correspondente mal-entendido daí decorrente sobre·a sua natu­
O que se entende normalmente por tradução envolve a
reza somou-se assim à sua degradação não tendo sido apreendida
transferência de um texto originalmente escrito numa lín­
•.

nem a sua impo�cia nem a sua dificuldade.3


.
.
.
, .
gua, a língua de partida (LP) 2, p� uma língua de chegada li
I
(LC) por forma a garantir que 1) o significado dos dois A tradução tem sido entendida como uma actividade q
, .

textos seja aproximadamente o mesmo e que 2) as estru­ secundária, como �m processo mais 'mecânico' do que
turas da LP sejam preservadas tan�o quanto possível, mas 'criativo', ao alcance da competência de quem quer que
não tanto que distorçam gravemente as estruturas .da LC. tenha um domínio básico de uma língua diferente da sua;
Espera-se, então, .que o professor avalie as competências em suma, como uma ocupação de baixo estatuto. Também
linguísticas dos alunos pelo resultado produzido na LC. E o debate sobre os produtos da tradução tendeu, com bas­
termina aqui a questão. A ênfase é colocada na compreen­ tante frequência, a manter-se a um rúvel não muito ele­
são da sintaxe da língua que é objecto de estudo e no uso vado: os estudos que proclamam debater a tradução 'cien­
i
I
.da tradução como meio de demonstrar essa compreensão. tificamente' são, a maior parte das vezes, pouco mais do

I
que juízos de valor idiossincráticos sobre traduções, esco­
2 Ao longo do texto seríl.o usados ns seguintes abreviaturas: LP - Língua lhidas ao acaso, da obra de grandes escritores como Ho­
·

de Partida e LC.., Língua de Chegada.


mero, Rilke, Baudelaire ou Shakespeare. Nesses estudos
lTambém seríl.o utili�adas as expressões sinónimas -língua ou sistema ori­
ginal; lfngua ou sistema fonte; língua ou sistema alvo; língua ou sistelllll. meta).
[N. T.) 3 BELLOC, Hilaire- On Translntion. Oxford: The Clarendon Press, 1931.
:r>
·
:
·: · ·
,


23
22

envolvia abnegação e a repressão dos seus próprios im­


apenas o produto é analisado, o resultado final do pro­
pulsos criadores, sugerindo que
cesso de tradução, não o próprio processo.
A forte tradição anti-teórica anglo-saxónica �eve­
fosse ele dono da sua própria vontade, e muitas vezes teria apro­
lou-se particulannente infeliz no que respeita aos Estudos veitado detenninada graça especial do seu idio�a e da sua é[Wca;
de Tradução, porque se aliou habilmente ao legado do muitas vezes determinado ritmo lhe teria servido, se não fosse a
'tradutor-servo' que surgiu no mundo de língua inglesa no · ·: ·estrutura do autor- ou deierm..inada estrurura. se não fosse o ritmo r

século XIX. No século XVIII surgiram em diversas lín­ do autor...'

guas europeias alguns estudos sobre a teoria e a prática da


tradução e em 1791 foi publicado o primeiro estudo teó­ No extremo oposto, escrevendo sobre poesia persa em

rico, em língua inglesa, sobre tradução - a obra Essay Oll 1851, Edward Fitzgerald pôde afirmar: "É para mim um
the PriTZciples ofTranslation, de Alexander Tytler (v. infra deleite tomar seja que liberdades forem com estes persas,

p. 109-110). No entanto, e embora no princípio do sé­ que (penso eu) não são Poetas o suficiente para intimida­
culo XIX a tradução ainda fosse encarada como um mé­ rem quem o queira fazer, e que realmente carecem de um
todo sélio e útil de ajudar um escritor a explorar e a moldar pouco de Arte para lhes dar o retoque fmal".6
o seQ estilo natu�al, essa épocattambém testemunhou uma Estas duas posições - uma que estabelece uma relação
.
vtragem no estatuto do tradutor, com o trabalho de um hierárquica na qual · o autor da LP age como um senhor
número crescente de tradutores 'amadores' (entre os quais feudal cobrando vassalagem ao tradutor; a outra que e�ta­
muitos diplomatas ingleses) para quem o objectivo das tra­ belece uma relação hierárquica na qual o tradutor é absol-
duções tinha mais que ver com a divulgação dos conteúdos
de urna determinada obra do que com a exploração das história da tradução que é mais brev� do que a de qualquer outro país industria-
·
lizado e atribui esta deficiência a quatro factores básicos:
propriedades formais do texto. A transformação ao nível dos a) O isolacionismo político e comercial da América do século XIX.
conceitos de nacionalismo e de língua nacional agudizou b) A tradicional fidelidade cultural à COI')lunidade de língua inglesa.
c) A complacente auto-suficiência americana em tecnologia
as barreiras interculturais e o tradutor acabou gradual­
d) A força do mito da Terra Prometida junto dos emigràntés e o seu sub­
mente por ser visto, não como um artista criador, mas sequente desejo de �tegração.
como um elemento na relação de senhor-servo que man­ A teoria de Fischbach é interessante pelo facto de apresentar correspon­
dências com a atitude n i glesa relativamente à tradução, no quadro da expansão
tém com o texto da LP. 4 Daí que Dante Gabriel Rossetti ·
·

colonial britânica.
pudesse declarar em 1861 que o trabalho do tradutor ' ROSSETTI, Dante Gabriel - Prefácio às suas traduções dos Primeiros
Poetas Italianos. ln Poems and Translations, 1850-1870. London: Oxford Uni-
·
·
versity Press, 1968, p. 175-9.
J No seu artigo, intitulado "Trnnslation io the United State s (Babel VU,
"
6 FITZGERALD; E.- Carta a Cowell, 20 de Março de !957.
2, 1968, p. I 19-24), Henry Fischbach nfinnn que os Estados Unido� têm uma
tt�: ..
24 25

vido de toda a responsabilidade para co� a cultura inferior O legado do século XIX também levou a que o estudo
da LP - ·apresentam ambas uma forte coerência com o da tradução em Inglês tenha dedicado muito tempo à des­
crescimento do imperialismo colonial no século XIX e é ,
coberta de um nome para descrever a própria tradução.
delas que deriva a ambiguidade com que são encaradas as Alguns estudiosos, como, por exemplo, Theodore ·savory,7
traduções no século XX. É que, �e a tradução é entendida -�efinem a tradução como uma 'arte'; o�tros, como,.- por
como uma ocupação servil, é improvável que seja dignifi­ exemplo; Eric Jacobsen.,8 definem-na
. .como um 'ofício-.-:
�;
cada pela· análise das técnicas' utilizadas pelo servo e, se a ��guapto outros, talvez mais sensatos, na senda dos ale-
tradução é encaràda como a actividade pragmática de um . m�es, a descrevem como uma 'ciência' .9 Horst Frenz'0 vai
indivíduo que tem por missão 'elevar' o· texto origin�. a ·rp.esmo. ao. .ponto de optai- por 'arte', mas com qualificati­
análise do p�ocesso d.e tradução iria ferir o âmago do sis­ yos, aleg�do q�e "a tradução não é nem uma arte criativa
nem uma arte inútativa, mas algo que se situa entre as
I tema hier�quico estabelecido.
. duas.". Esta ênfase na discussão temunol�gica aponta de
i
j. A forma como os sistemas educativos passaram a
.i nqvo para a problemática dos Estudos de Traqução ingle­
�'
·j.' depender cada vez mais do recurso a textos traduzidos no
·!• ses onde um sistema de valores está subjacente à escolha
.: ensino, sem alguma vez tentarem estudar � processo de
l
l , do nome. 'Ofício' implicaria um estatuto ligeiramente in­
trad ã?, cons�tui uma prova •\dicional das atitudes con­
�� ferior ao de 'arte', e com conotações de amadorismo;
tradttonas relativamente à tradução no mundo de língua
'ciência' poderia sugerir a ideia de mecanicismo e desva­
inglesa.. Daf que um número crescente de estudantes britâ­
nicos e norte-americanos leiam autores gregos e latinos
lorizar a noção d� que a tradução é um proce so criativo. �
Em todo o caso, esta discussão é despropositada e o que
traduzidos ou estudem obras narrativas de importantes es­
faz é desviar as atenções do problema central, que é o de
critores do século XIX ou textos dramáticos do século
enc.ontrar unia terminologia que possa ser utilizada no es­
XX, tratando o texto traduzido como se tivesse sido origi­
tudo sistemático da tradução. Em Inglês, até ao·· momento
nalmente escrito na sua língua. Esta é, sem dúvipa, a
i só apareceu uma tentativa para resolver a questão da ter-
-!
I grande ironia do debate sobre tradução: que os indivíduos
'
que rejeitam a necessidade de i.Q.v�stigar cientific�ente a 1 SAVORY, Theodore - The An ofTranslatiol!. London: Cape, 1957. .
: r
'

tradução devido ao seu tradicional baixo estatuto no 8 JACOBSEN, Eric- Trans/ation, A Traditional Craft. Copenhagen: Nor­
disk Forlng, 1958.
mundo académ.i�o sejam precis�ente os mesmos q�e �n­
I•

9 NIDA, Eugene - Toward a Science ofTrans/ating. Leiden: E. J. Brill,


sinam _um número substancial de textos traduzidos a alu­ 1964.
� .t 10
FRENZ, Horst ''The Art of Trnnslation". ln STALLKNECiff, N. P.;

nos monol.i:Ogues. -

FRENZ, H. (eds.) - Conrparatil•e Literature: Metltod and Perspective. Carbon­


dale: Southem illinois University Press, 1961, p. 72-96.
l

.!
. � .

T
· I'
;_ t :
..
26 27

minologia, com· a publicação, em 1976, do Dictionmy for resume bem a ideia de que a tradução requer muito mais
the Analysis of Literal)' Translation, da autoria de Anton do que um conhecimento de circunstância de duas línguas:
Popovic 11: uma obra que estabelece, ainda que de forma
· provisória, a base para uma metodologia do estudo da l}ma tradução não é uma composiçi.lo monísta, mas uma interpe­
netração e um composto heterogéneo de duas estruturas. D� um
tradução.
lado, os conteúdos semânticos e .os contornos formais do original,
Desde o princípio da década de sessenta do século XX do outro, todo o siste'ma de traços estéticos que compõem a línguar
:··..
ocorreram mudanças significativas no ·campo dos Estudos da tradução.13
de Tradução. Essas mudanças tiveram a ver com a cres- ·

cente aceitação do estudo da Linguística e da Estilística no A ênfase na Linguística e as primeiras experiências


âmbito da crítica literária - o que conduziu ao desenvolvi­ em tradução automática no princípio dos anos 50 do sé­
mento da metodologia critica - e também com a redesco- culo XX conduziram a um rápido desenvolvimento dos
. berta do trabalho dos Formalistas Russos. Os mais impor­ ' (
Estudos de Tradução na Europa de Leste, mas, no mundo
tantes avanços nos Estudos de Tradução verificados no de língua inglesa, a aflrmação da disciplina fez-se mais
s�culo XX provêm do trabalho fundacional. realizado na
\

lentamente. No seu breve estudo de 1965, J. C. Catford


Rússia e, subseq�enteme!lte,
Pr l
o Círculo Linguístico·d e abordou o problex;na da intraduzÚ:>ilidade linguística (v.
injrà, p. 64-71):
Praga e seus �scípulos. O trabalho de Volosinov sobre
Marxismo e filosofia, o de Mukafovsey sobre semiótica I

i,. Em tradução dá-se a substituição de sentidos da LP por sentidos


da arte, o de Jakobson, Prochazka e Levy sobre tradução !
da LC, não a transferência de sentidos da LP para a LC. Na tran�­
(v. Capítulo 3), todos estabeleceram novos critérios para a
ferêllcia há uma implantação dos sentidos da LP no texto de che­
'

fundação de uma teoria da l!adução e demonstraram que, gada. Estes dois processos têm de ser cla,ramente diferenciados
longe de. ser uma activida�e d�le!�� a�essível a qt}alq�er numa teoria da tradução.14 .
.
detentor de conhecimentos mínimos numa outra língua, a ·
tradução é, como afmna Randolph Quirk, "uma das mais Catford abriu assim uma nova fase do . debate sobre a tra­
difíceis tarefas que o escritor pode empreender." 12 Levy 1 .
��_ção ein Inglês. Porém, sendo embora �m� teoria imp�r­
fI; .tante p�a o linguista, ela é redutora, porque pressupõe
·
11 POPOVIC, Anton -Dictiollaryfor t/le Analysis ofLiterary Translation. . !

Alberta: Universidade de A1bcrta. Departamento de Literatura Comparada. 13 LEvY, J. - Umeni prekladu (A Arte da Tradução). Praga, 1963. Ap11d
1976. . . . HOLMES, i. (ed.) - Tlle Nature ofTranslation. The Hague: Mouton, l�:no.
ll QUIR.K, Randolph - Tlle Linguist aud tfle English Language. London: •� CATFORD, J. C.- A Linguistic Tlleory o]Translation. London: Oxford
Edward Arnold, 1974. University Press,.l965.

i
(

_I ___
'28 29

uma teoria restrita do sentido. O debate sobre os concei­ desta afirmação, a sua clara intenção de ligar a teoria à
tos-chave de equivalência e intraduzibilidade cultural prática é inquestionável. A necessidade do estudo sistemá­
(v. Capítulo 1 ) avançou bastante desde o aparecimento do tico da tradução surge directamente dos problem� en�on­
seu livro. trados concretamente durante o processo de tradução e é
Fizeram-se grandes progressos nos Estudos de Tradu­ tão essencial que os profissionais da tradução tragam á ex­
ção desde 1965. Os trabalhos desenvolvidos nos Países periência da sua prática· à discussão teórica quanto é im1
Baixos, em Israel; na Checoslováquia, na União Soviética, portante que os resultados do debate teórico sejam aplica­
na República Democrática Alemã e nos Estados Unidos dos na tradução de textos. Divorciar a teoria da prática,
parecem indicar o aparecimento de várias escolas, clara­ colocar o teorizador contra o praticante, como aconteceu
mente definidas, que privilegiam diferentes aspectos do
noutras disciplinas, seria trágico.
vasto campo dos Estudos de Tradução. Por outro lado, os
Embora os Estudos de Tradução abarquem um campo
especialistas em Tradução têm beneficiado muito do tra­
muito vasto, é possível dividi-lo, grosso n�odo, em quatro
balho realizado em áreas perifericamente afms. O trabalho
áreas gerais, cada uma apresentando um certo grau de so­
dos semioticistas italianos e russos, os desenvolvimentos
breposição com as outras. Duas. são orientadas para o
em gramatologia e narratologia, os avanços no estudo do .
produto, na medida em que incidem sobre os aspectos fun­
bilinguismo e do multilinguis�, bem como no campo da
cionais do Texto 4e Chegada, e duas são orientadas para
aprendizagem de línguas pelas crianças, têm, todos eles,
o processo, na medida em que incidem na análise do que
utilização no âmbito dos Estudos de Tradução.
realmente acontece durante o processo de tradução.
Os estudos de Tradução estão, portanto, a cobrir ter­
A primeira categoria envolve a História da Tradução
reno novo, estabelecendo pontes entre a Estilistica, a His­
e faz parte integrante da história literária. O tipo de traba­
tória Literária, a Linguística, a Semiótica e a Estética. Ao
.! lho· desenvolvido nesta área inclui investigação sobre as
mesmo tempo, convém não esquecer que se trata de uma
disciplina solidamente enraizada na prática. Quando An­ teorias da tradução em diferentes momentos históricos, a

dré Lefevere tentou definir o objectivo dos Estudos de resposta crítica às traduções, os processos práticos de en­
comenda e publicação das traduções, o papel e a função
. .

Tradução, sugeriu que a sua finalidade era "produzir uma


teoria compreensiva que também pudesse ser usada como das traduções num dado período, a evolução metodológica
norma de procedimento para a produção de traduções", 15 da tradução e, de longe o tipo de estudo mais comum, a
e ainda que alguns possam questionar a especificidade análise da obra de tradutores individuais. ·
.
r-· Na segunda categoria, a Tradução na cultura da Un­
15 LEFEVERE; And� - Op. cit. gua de chegada, o trabalho estende-se aos textos e autores

I

I
!.
f:�·· : .
'r�
-·· .

30
31
·.

individuais e inclui o estudo da influência de um texto, au­


embora haja pouco estudo sistemático sobre a história da
·

tor ou género, a . absorção das normas do texto · traduzido .


. tradução e parte do trabalho sobre tradução e linguísuça se
no sistema da língua de chegada e os princípios de selec­
'

distancie bastante da corrente principal do estudo da tra­


<

ção que operam nesse sistema.


ducão. Para evitar a fragmentação, é importante que 9 es­
A terceira categoria, a Tradução e a Linguística, inclui
estudos que incidem sobre a comparação do arranjo dos
d
tu ioso de tradução esteja consciente das quatro catego:
· n·as, mesmo quando investiga em uma área específica. 1
elementos linguísticos nos textos dos dois sistemas no que
Há, evidentemente, um grande obstáculo fmal à espera
respeita aos níveis fonémicó, morférnico. lexical, sintag­
·

de quem se interessa por traqução: a avaliação. Se um tra­


mático e sintáctico. Encaixam-se nesta categoria os estudos
dutor pensa que tem, em parte, a função de 'melhorar' quer
sobre equivalência linguística, ·sobre o sentido linguística­
0 texto de partida quer outras traduções já realizadas - e
mente deternúnado, sobre a intraduzibilidade linguística,
essa é, na verdade, a razão frequente por que fazemos tra­
sobre tradução automática, etc. e também os estudos sobre
duções - subja:z a esta posição um juízo de-val?r implíc�to.
os problemas de tradução de textos não literários.
A maior parte das vezes, quando abordam o seu trabalho,
A quarta categoria, livremente designada Tradução e

Poética, inclui toda a área da �adução· literária, teoria : os trad�tores evitam analisar os seus métodos e concen­
tram-se em expor as fragilidades dos outros tr�duto:res. Por
prática. Os estudos · podemser de carácter geral ou especl­
. .
outro lado, os críticos avaliam frequentemente as traduções
ficos de um género literário, incluindo a investigação dos
através de um de dois pontos de vista, ambos redutores: a
problemas específicos levantados pela tradução de poesia,
partir do estreito çritério da aproximação ao texto de par­
textos dramáticos, libretos ou tradução de audiovisuais, . •l..
tida (uma avaliação que só pode ser feita se o crítico tiver
quer a dobragem quer a legendagem. Encaixam�se tam­
· ': acesso às duas línguas) ou tratando o texto traduzido como
bém .nesta categoria estudos sobre as poéticas de traduto­
se fora uma obra escrita na língua de chegada. E, se· esta úl­
res individuais e comparações entre as· mesmas, estudos ·
tima posição goza d� urna inquestionável validade afmal
sobre os problemas de fÓrmular uma poética, estudos só­
-

é importante que um texto dramático possa ser dramatizado


bre as inter-relações entre os t��to.s de p�da e de che­
e que um poema possa ser lido -, a forma arrogante como
oada bem como sobre. as inter-relações entre autor, tradu-
o ·� os críticos se prestam a definir uma tradução como boa ou
·
'

tor e leitor. Esta categoria inclui, açima de tudo, estudos


i,' . má a partir de urna posição estritamente monolingue de­
que visem formular uma teoria da tradução literária. :
monstra o lugar peculiar que a tradução· ocupa relativa­
. É mais generalizado, éjusto dizê-lo, o trabalho desen­
mente a outro tipo de metat�.\10 (uma obra derivada de ou­
volvido nas categorias 1 e 3 do que nas categorias 2 e 4,
.

!
H

. . tro texto existente ou contendo-o), a própria crítica literária.


'

�'

� �·
.

32 33

Na sua famosa réplica ao ataque de Mathew Arnold à ·


Como adiante ficará demonstrado, os critérios· para a
sua tradução de Homero, Francis Newman declarou que realização de traduções e para a função do texto de che­
gada sofreram grandes modificações ao· longo dos tempos.
·.
Os estudiosos formam o tribunal da Erudição; mas, do Gosto, é o A preocupação do século XIX inglês com a reprodução,.do
público educado, mas iletrado, o único e legítimo juiz; e é a esse
. 'estilo de época' através da utilização de ·arcaísmos nos ,
que desejo agradar. Nem mesmo os estudiosos, enquanto institui­
ção, têm o direito, e muito menos os estudiosos individualmente, textos traduzidos tomou frequentei;Ilente o texto traduzido r
de pronunciar, no seu tribunal, uma sentença final sobre questões num texto muito mais inacessível do que o original. Pelo
de gosto.16 contrário, a propensão do século XV1I francês para galici­
·

zar. os gregos, mesmo em pormenores como a mobília e o


Newman distingue aqui entre avaliação baseada em crité-
ves�ário, provocou nos tradutores alemães uma violenta
rios puramente académicos e avaliação baseada noutros , .
reacção oposta. O enérgico Homero renascentista de
elementos e, ao fazê-lo, está a afl.rmar que a avaliação é
� .. Chapman é muito diferente do da versão sóbri� e magis­
culnp-almen�e deterninada. Não vale portanto a pena ptig-· ·
..i tral de Pope, muito ao je�to do sécu�o XVID. Contudo, se­
.nar. por uma tradução definitiva, uma vez que a �a.g_ução
:;
ria inútil comparar as duas imagens com o intuito de as
:j .está intimamente ligada ao contexto em que é produzida.
I· i . avaliar dentro de uma estrutura hierárq�ica.
l; :' ·
jj
No seu muitíssimo útil livro rttuzslatüzg Poetly, Seven . , ,,..
!i Strategies anda Blueprint, André Lefevere compara tradu:. . . O problema da avaliação das traduções está intima­
.
'i,, ...
mente ligado à questão atrás referida do baixo · estatuto da
I
. ções do poema 64 de Catulo, não ,para fazer uma avaliação � ..
i
comparativa, m� pará mostrar as dificuldades e também, tradução, o que autoriza os crí
t icos a pronunciar-s� sobre
. por vezes, as vantagens de um determinado método. _Pois os textos traduzidos. a partir de uma posiÇão de superiorÍ­
�ã.o existe um cãn�ne universal segund� o qu_al os textos daqe assumida. 9 crescimento dos Estudos de Tradução
�evarn ser avaliados. Há conjuntos d� cânones que se des:­ v
como diséiplina de erfa oii�n·tar-se no sentido de elevàf �
locam e mudam constantemente e cada texto articula-se .
nÍVel do debate· sobre as traduções e, se hou·ver critérios a
numa contínua relação dialéctica com esses cânones. A ..,
� ·
·e t�belec;er para a avaliação das traduções, el�s deverão
.I tradução definitiva é tão imp<;>ssível como o poema d�fmi­ � --.!
:!:.
·. ' .. ser postulados a partir do. interior da disciplina e nãó-ae·
üvo ou o romance definitivo, e qualquer'avali',lção de umà ·fora.
.. . �·�
'

tradução só pode ser feita tendo em conta quer o processo


,l I •

f' . .Neste livro a questão da avaliação não é sequer discu­


da sua criação quer a s,ua função num dado contexto. . .
:� tida, em parte por razões de espaço, mas sobretudo porque
i

" .... .. . .
.!•
ele tem· por objectivo estabelecer os fundamentos da dis­
• 16 �WMAN, Francis - Homeric Translation in Theory and Practic.e. fu
.

'
·

ciplina e não apresentar uma teoria pessoal. O livro orga-


.

Essa)'S by Matllew Amofd. London: Oxford University Press, 1914, p. 313-77. .,


..
I
,

.
.

.
. . I

'•
.
, ..
I
. !
�·

34

niza-se em três secções, numa tentativa de apresentar o


máximo possível de aspectos que compõem o campo dos
Estudos de Tradução. O Capítulo 1 aborda .as questões
centrais da tradução - o sentido, a intraduzibilitlade e a
equivalência -, e ainda a questão da tradução enquanto Çapítulo l
parte da teoria da comunicação. O Capítulo 2 percorre di­ f
ferentes períodos p�a mostrar como os conceitos de tra­ Questões fundamentais
dução foram diferentes ao longo dos tempos, 'mantendo-se,
apesar disso, ligados por laços comuns. O Capítulo 3 exa­
mina os problemas específicos envolvidos na tr�dução da
poesia, da nanativa e do drama. No conjunto, a ênfase re­ LÍNGUA E CULTuRA
cai na tradução literári,a, embora algumas das questões .
abordadas no Capítulo 1 sejam aplicáveis a todos os as­ O primeiro passo para a análise dos pr�cessos de tra­
pectos da tradução e da interpretação. Ç
dução é reconhecer que, embora a. tradu ão implique um
Estou bem ciente de que, en�re os aspectos da tradução n�cleo central de a.ctividade 'linguística, ela pertence mais

não desenvolvidos neste liv.ro, o roblema da tradução en- . propriamente à se�?liótica, a ciência que estuda os siste­
tre línguas de diferentes sistemas é claramente. o mais cru­ . ,
. mas, as estruturas� os processos e as funções dos sÚtais
cial. Este aspecto é brevemente aflorado na Capítulo 1;· .I (Hawkes, Structurr:zlism. and Semiotics. Londres, 1977).
mas como infelizmente só posso trabalhar com línguas De acordo com uma
.
abordagem estritamente
.
linouística
� '
a
indo-europeias, achei mais prudente não me. aventurar erri · tradução consistiria em transferir .o 'sentido' contido num
.,
áreas fora da minha competêl!cia, excepto ao nível dos
,l conjunto de siguos linguís�icos pár� outro cqnjunto de sig­
princípios teóricos gerais susceptíveis de aplicáção a todas . .;; n�s linguísticos através do recw;so competente ao dicio­
nário e à gramática; contudo, o processo envolve também
as línguas.
Subjaz a todo este debate sobre a tradução a convicção . ! um vasto �onjunto de critérios extralinguísticos. .
..

d� que existem princípios genris do processo' de t;radução Edward Sapir sustentá que "a língua é um guia para a
que podem ser determinados, categorizados e, em última realidade social" e que os seres humanos se encontram à
instância, utilizádos no ciclo texto - teoria - texto inde­ mercê dã língua que se tornou ó meio de expressão da sua
I sociedadé. A experiência, insiste Sapir, é largamente de­
pendentemente das línguas envolvidas.

rI. terminada pelos hábitos linguísticos da comunidade e


'"."�

cada estrutura isolada representa uma realidaçle distinta:


.
1 '. .
� f
i
_L
36 37

Nenhum par de línguas é suficientemente similar para que se possa TIPOS DE TRADUÇÃO.
considerar que representam a mesma realidade social. Os mundos
em que vivem diferentes �ociedades são mundos distintos, não
No se� artigo ·�sobre os Aspectos Linguísticos. da Tra­
apenas o mesmo mundo com rótulos diferentes.'
dução" Roman Jakobson distingue três tipos de tradução: 3

\•

A tese de Sapir, mais tarde subscrita por Benjamin Lee 1) Tradução intralinguística ou reformitlação (uma in­
Whorf, relaciona-se com outr� mais recente, avançada terpretação de signos verbais por meio de outro/
pelo semioticista soviético Jurí Lotman, segundo a qual signos da mesma língua).
a língua é um sistema modelizante. Lotman ·descreve a
. 2) Tradução interlinguÍstica ou. trad.ução propriamellte
literatura e a arte em geral como sistemas modelizantes
dita(uma interpretação de signos verbais por meio
secundários, devido ao facto de derivarem do sistema mo­
de outra língua).
delizante primário que é a língua e declara, tão peremptó­
rio como Sapir ou Whorf, que "l.Jma lírigua não_p.ode.exis­ 3) Tradução intersemJ.ótica ou tra�zsmutação .(uma in­
tir se não estiver inserida no contexto de . uma_cultura e terpretação de signos verbais por meio de-signos de
�iná-cuifii.râ nãO PQª� �xistir se não tiver no &�º· -��n�t� a ·sistemas não:-verbais).
estrutura. de uma língua ri'aturahr A língua é, assim, o �o­
ração do -corpo dá ·c-�.lttirf:l, e é a interacção en-tr�·;$�4�as .r
Tendo estabelecido três tipos dos quais o segundo, a
que. assegura a cÓÕÚnuação da energia vitai, �: meS!flO 'I
tradução interlinguíúica, descreve o proces·so de . transfe­
Q12..q� q�� . o c�rgj?Q não pode, ao operar o ç:��aç�p,. d_e.:;- rência da Língua de Pári:idq para a Língua de.Chegada, Ja­
�.!"�_Q _ÇO(IJO.QJ:I�..9- çpntém, também o tradut9r riao pode kobson passa de imediato a· indicar ó problema central nos
tr.a�ar P. texto &eparaqo da cultura sem cnrrer�.uiJ) .grande três tipos de tradução: se bem que as mensagens .[recodifi- ·
risco� cadas] sjrvam de interpretaçõe.s adequadas de unidades de
código ou mensagenS, não se obtém normalmente com­
pleta equivalência através da tradução. Nem a· aparente
.
H� .. �� r:''t'· . sinonírriia produz equivalência, e Jakobso.{l mostra ·como
,.

.
. a tradução intralinguística tem de recorrer com frequência
a uma combinação de unidad�s de código 'por forma a
1 SAPffi, Edward - Culture. Language arid Personality. B rke ey, Los
e l . ;, �

Angeles: University of Califomia Press, 1956, p. 69. . 3 JAKOBSON, Roman - On Linguistic AspeclS of Translation. ln BRO­

2 LOTMAN, Jurf; USPENSKY, B. A. - On th!: Serniotic Mechani m of (ed.) - On Translation. Cambridge: Harvard
WER, R. A. . University Press, 1959,
Culture. New Literal)' History, IX (2), 1978. p. 211-32. . p. 232-9.
39
38

inação de unidades para en­


i!lterpretar cabalmente o sentido de uma simples unidade tem que recorrer a uma comb
. e aproximada. Jakob-
E por isso que um dicionário de sinónimos pode indicar contrar uma f<?rrnulação equivalent
:_:.5�, .·
.
da palavra russa syr (um alimen_to feito
... -�. . . . .

pelfeito como sinónimo de ideal e veículo como sinónimo : . �on dá o exemplo


se traduz por aproximação
de coalhada fermentada), que
.
. ·.

' ·
de tra12sporte, mas não .se pode dizer em nenhum dos
casos que se produz completa equivalência, uma vez que �r :· em .Inglês 'por cottage cheese. 'J
ak.obson argumenta que

cada unidade contém em si um conjunto de associações e . . ·'A{· ·.· · . ·. . . neste caso a tradução é· apenas uma interp
retação ade- f
·. quada de uma unidade de código e a equiv
alência é im-
conotações não-transferíveis.
Dado que a completa equivalência (no sentido de si­ possível.
.
nonímia ou identidade) não ocorre em nenhuma das três
categorias, Jakobson declara que toda a arte poética é en- � ·
tão� tecnicamente intraduzível: DESCODIFICAÇÃO E RECODIFICAÇÃO

.
Apenas a transposição criativa é ppssfvel: seja a transposição in­ O tradutor activa, portanto, critério� qüe transcendem
·de desco­
tralingufstica - de uma forma poética para outra, seja a transposi­
r os P.l!:r-ªI!lente linguísticos .e ocorre um processo .
.
de tra­
dificação· e recódificação. O esquema do processo
ção interlingufstica - de uma língua para outra, ou, finalmente, a
_
transposição intersemiótica """ dellf sistema �e signos para outro,
Eugene Nida ilustra os estádios en-
. duÇão proposto por ,
por ex., da arte verbal para a música, dança, cinema ou pintura.
volvidos; 5
· ··.!
;r .

O que Jakobson afirma é retomado por Georges Mou- · TEXTO TRADUZIDO


TEXTO NA LiNGUA
nin, o teorizador francês, que entenc;ie a tradução como FONTE · NA LÍNGUA RECEPTORA
.t

rt �
. . ut�a série de operações das quais o ponto de partida e o t

�· :· .
'

produto final são significações e funcionam dentro de uma )


dada cultura.4 Assim, por exemplo, a. palavra inalesa
o .
.
past1y, se traduzida para Italiano sem atender à sua signi- AN E REESTRUTURAÇÃÇ)

..
I
ficação, não desempenhará a sua função de sentido no in­
..... -� .,
'

... .
terio� de uma frase ainda que possa haver uma pa.;t�vra .

'eqwvalente' no dicionário, pois pasta tem um campo as­ TRANSFER�NCIA


)lo

sociativo completamente diferente. Neste caso, o tradutor

s NIDA,. Eugene; TABER, Charles - The Tlteory and Practice ofTransla­


4 MOUNIN, Georges - Les problemes tlzéoriques de la traduction. Paris: tion. Leideo:E. J. Brill, 1969, p. 484.
Gallimard, 1963. .
40 41

Çonsideremos a questão de traduzir yes e hello para . Inglês · resulta tão hiperbólica que frequentem� nte cria um
Francês, Alemão e Italiano como exemplos· das comple­ -
efeito cómico.
xidades envolvidas na. tradução interlinguística do que, Com a tradução da palavra lzello, o termo co�ente in­
•.
.,

.
.�
à partida, poderiam parecer vocábulos não problemáticos. •'' I glês de saudação amigável num encontro, os problemas
À primeira vista, esta tarefa parece simples, tratando-se de multiplicam-se. Os dicionários dão: •

' .
línguas indo-europeias, próximas do ponto cie�ist�-lexical '(:
J
e sintáctico e tendo em comum estes termos de saudação Francês: ça va?; hallo
e assentimento. Para yes os dicionários correntes dão:
Alemão: wie gellt's; hallo
.
Italiano: o/à; pronto; ciao

Francês: oui, si
Alemão:ja Enquanto o Inglês não distingue entre o termo usado
Italiano: si . para saudar alguém em presença e o termo usado ao aten..
der o telefone, o Francês, o Alemão e o Italiano fazem essa:
.:, . ' ser usado numa sau-
É imediatamente óbvio que a existência de dois ter­ distincão. O italiano pronto só pode
� J .

mos em Francês implica uma utilização que não existe nas ··.:i dação telefónica, tal como o Alemão lzallo. Além disso, o
outras línguas� Uma pesquisa �llaiS
. avançada mostra que ·'' .Francês e o Alemão usam como formas de saudação bre-
oui é o tenno geralmente usado e si um terino específiÇo �.
ves perguntas ret<?ricas, enquanto as mesmas em Inglês -
para situações de contradição, controvérsia e discorçlân­ ". How ai·e you? ou' How do )'Oll do? - apen�s se usam em
cia. O tr(,ldutor inglês deve, portanto, ter presente esta re­ )j situações mais foimais. O italiano ciaó, de longe a forma
gra ao · traduzir o termo inglês que é o mesmo ·em todos os �':-. mais comum de saudação . em todos 'os estratos da sacie-
contextos. . ,. dade italiana, . é usado igualmente à chegada e à partida,
Quando se considera o uso da afirmativa no discurso .:�r: sendo uma palavra de saudação utilizada em situaç�o de
: :-.·�.!� .... contacto, quer num encontro quer numa �espedida, e nãq
coloquial, levanta-se um outro problema. O termo yes. J).e'm i .

sempre pode ser traduzido por oui, ja ou si, porque o Fran­ . •' n� específico contexto de chega9a O!J de encontro.inicial .
. ,;��.:,
:· . ·
cês, o Alemão e o Italiano frequentemente ,dobram ou re­ ..., . . .... Assi�_ s�nd<;>. .."'p_�rant�.-ª. y�.refa .de �a4.��4'J��Uq_p�a. Pra�-·
petem as afmnativ.as de um� form� que não é um procedi­ ·3 , · ��$�-o.tradutor. tem primeiro Q.e:��trair. dp teiJilO o.ce!lle 4<?
__

mento usual em Inglês' (por ex:,. si, si, si; ja, ja, etc.). .,�, �ido.._e 8$ fases do. proc�sso, segu�do o diagramª ��

A
Daqui resulta que a· 'tradução italiâna ou alemã de yes por · Nida, são as seguintes:
.
. :i .. .f:.
um único termo pode, por vezes, pa.recer excessivamente . · ·. :

. br�:��ca e, por outro lado, a repetição de .afrrmativas em

.. · ..
\
.. .. .
-- ...
�. \ �
,,,.
42 43

LfNGUA FONTE LÍNGUA RECEPTORA em presença-, o estatuto e a posição social dos falantes e
HELLO ÇA VA? 0 coris�quet:tte peso de uma saudação coloquial em dife­
t
SAUDAÇÃO AMIGÁVEL t . :. "

. .:: reÕtes .sociedades. Até a tradução do termo aparen�emente


mrus simples convoca a interacção de todos estes factores.
A questão da transformação semiótica .fica mais clara
DISTINÇÃO ENTRE
À CHEGADA ··
FORMAS DE SAl:JDAÇÃO .
·

· se se considerar a tradução de um simples nome, como o 1


EXISTENTES
inglês butter [manteiga]. Seguindo Saussure, a relação es­
TRANSFER�NCIA . trutural entre o significado (signifié) ou conceito de butter
e o significante'(signifiant) ou a imagem acústica produzida
pela palavra. butter constitui o signo linguístico butter}
O que aconteceu durante o processo de tradução foi E uma vez que a língua é entendida como um sistema
que a noção de saudação foi isolada e a palavra helio foi
�de relações interdependentes, o signo butter funciona em
substituída por urna frase comportando a mesma noção.
'i• Inglês como um nome numa relação estrutUral particular.
[! JaJcobson descreveria isto como transposição interlinguís­
,: Mas Saussure também distinguiu entre relações sintagmá-
·tica, enquanto Ludskanov lhe cllarnaria transformação se-
,i . ticas (ou horizontais). que a palavrá mantém com as outras
•I . 1ni6tica:
p_alavras da frase, e relações par�digmáticas (ou Verticais),
: !:
I, .,
q�e a palavra ma11tém com a estrutura linguística no seu
I'I As transformações semióticas (Ts) são substituições dos signos . I
.

i( que codificam uma mensagem por signos de outro código, mm­ . ·.·· . 1
todo. Além disso, dentro do sistema modelizante secundá­
rio existe outro tipo de· relações paradigmáticas e o tradu-
· · ..

,,,
•i
. tendo (tanto quanto possível em face da entropia) a infonnação in-'
,I
f . variante e� relação a um dado sistema de referência.6 . tor, tal como o especialista em técnicas publicitárias, tem
lj
I•
·I de atender às linhas paradigmáticas quer primárias quer
·. t�
:i1
No caso de yes, a informação .invariante é afinnação, ·. ·)\ . . secundárias. Com efe�to, em Inglês britânico, butter detém
enquanto no caso de helio, a invariante é a noção de sait­ um conjunto. de associações de salubridade, pureza e ele­
.,
i dação. Mas, ao mesmo tempo, o �adl!!<?.r. tem de conside­ vado estatuto (em comparação com a margarina, em tem­
'
r� outros critérios. como,. por exemplo,�·.�: existênCia da re­
�tr� pos co�siderada apenas como produto secundário, mas
I

i gra ouilsi em Francês, ·a função estilística


. das aflimati�·as
.
· \." · , agora comercializa�a igualmente por ser prática, já que
- . . "· -
repetidas, o contexto social da saudação - telefónica -
ou· não endurece com a refrigeração) .
.
.. . ..
. .'..

6 LUDSKANOV, A . -A Serniotic 'Approach to the Theory of Translation. · ··.


• • ".- '
1. ·.
7 Cf. SAUSSURE, Ferdioand de- Course i�t General Ling11istics. London:
Language ScieJices, 35 (April), 1975, p. 5-8. . Fon1ana, 1974.

.'(� . .
.. .

�• I •

,•.
""J't.1,:·�··: •: .
�): ,'

44 45

Na tradução de butter para Italiano há uma substitui­ maior de significados na língua de partida os problemas
ção palavra-por-palavra: butter- �urro. Tanto butter como aumel)tam. O esquema diagramático que Nida elaborou
burro descrevem o produto feito a ·partir do leite e comer­ para a estrUtura semântica de spirit (v. pág. seguin_te) ilus­
.� .
cializado na forma de grandes pedaços de gordura comes­ tra um conjunto mais complexo de relações semânticas.9
. .·,�
tível, de cor creme, destinado ao consumo humano. E, no Quando se verifica um conjunto tão fértil de rela�ões
�I
:
entanto, nos seus contextos culturais isolados não se pode ..
.-.
·
�emânticas como no caso em apreço, é possível usar um8f
. ..
·• dizer que butter e burro signifiquem o mesmo. Em Itália, �:·
palavra para fazer trocadilhos e jogos de palavras, uma
burro, normalmente de cor clara e sem sal, é usada princi­ .. fcllma de humor que funciona confundindo ou misturando
palmente em culinária _e não tem nenhuma conotação de -- -�s ·significados (como, por exemplo, a piada sobre o padre

I.
I'
elevado estatuto. Por outro lado, na Grã-Bretanha, butter,
muitas vezes de um amarelo vivo e com sal, é usada para
alCoólico q�e comungava demasiadas vezes com o 'espí­
rito santo', etc.). O tradutor tem, então, de atender ao uso
·i, .
.:i:.
, barrar pão e, menos frequentemente, para cozinhar. De­ particular de espírito na frase em si mesma e na frase em
;�..
r:.
1!
vido ao elevado estatuto de butter, a frase bread and but­ • J
'
relacão
.
com outras frases, e atender ainda ao texto global
!: ter é a que tem uso corrente mesmo quando· o produto . �- e aos contextos ·culturais da frase. Assim, por exemplo,
::

li . . . realmente usado é a margarina 8. Àssirn, existe uma dife­


!' ·
giD
!tj l ; rença quer entre os objectos si ficàdos por butter e burro
quer entre a função e o valor desses objectos nos seu� con­
O espfrito da criança falecida ergueu-se da sepultura.
. .

li'
I! i textos culturais. O problema da equivalência envolve,
neste caso, a utilização e a percepção do objecto num dado
·, refere-se à categoria 7 do esquema de Nida e a nenhuma
outra. Mas
r
r ·..

,,
\. é?�texto. A _tradução de butter - burro, embora peifeila­
1\)
jlI ·' mente adeqllada a um determinado nível, também
-- - -
serve O 'espfrito da casa pennaneceu vivo.
!i ·�.
� !.

ll para lembrar a validade da afirmação de Sapir _s_egund9 a, i�


o

qual cada língua representa uma realidade diferente. pode referir.:se às categorias 5 ou 7 ou, em sentido meta­
IL11: A palavra butter descrevé.um produto especificamente fórico, -às categorias 6 e 8, sendo o sentido apenas deter­
identificável, mas no caso de urna ·palavra ·com um 1eque minado ·pelo contexto.-
;:
!. : �·;


!.
,, 9
, Este esquema foi tirado de NIDA, Eugene - Towards a Science ofTraus­
!: .. :.
'I: 1 Atente-se lambém à existência da expressão idiomólicn bread and btttler. lating, Witfl Special Refereuce to Principies and Procedttres lm•oll•ed Íll Bible
'

. -:' :t�· ·. ·
•i .
.

I• · · ..•.

t' que significa meios de subsislênda básicos. p<>r exemplo. to edm oue 'S bread TraTt�latiug. Leiden: E.J. Brill, 1964, p. 107. Salvo indicação em contrário, lo­
:: and buller. ..
. • '
das ás' citações de Nida são tiradas desta obra.
,.
.. •. ·: :-
�i
,,

I"
�i

.}
i;
47
46

. . Firth defme 'sentido' como "um complexo de relações


de vários tipos entre os termos componentes de um con�

. . texto situacional" 10 e cita o exemplo da frase inglesa Say


wlzen, em que as palavras 'significam' o que 'fazem'. Ao
·. � traduzir esta expressão, é a função que se- traduz e nâo as
. ' .palavras em si, e o proce·sso de tradução envolve a decisãq
·•
··.;
. •. de substituir os elementos linguísticos na língua de che�
gada. E dado que a f?:ase está, como afmna Firth, directa­
mente ligada aos padrões de conduta social ingleses, ao
traduzir para Francês ou para Alemão, o tradutor tem de
resolver. o problema da não existência de uma convenção
parecida em qualquer das culturas de cheg�da. Do mesmo
modo, o tradutor inglês da expressão francesa Bon appetit
confronta-se com �m problema P.arecido, pois, mais uma
.
'· vez, o enunciado é culturalmente determinado. Como

...'� exemplo das complexidades envolvidas, vejamos um caso


de uma situação dramática hipotética em que a frase Bon
! 'i appetit assume um significado crucial:
I '
:f

i!1 j
Um grupo de amiliares acaba de ter uma amarga discussão, a
Únidade da famz1ia foi abalada, disseram-se coisas imperdoáveis.
i' Mas o jantar comem_orativo para o qual todos vieram está prestes
a ser servido e afamnia senta-se à mesa, em silêncio, proiua a ini­
. �. t ciar a refeição. Ospratos estão servidos, todos estão semados e à

espera; o pai quebra o silênc,io para esejar a todos 'Bon appetit'
e a refeição começa.

.
.':�
. •,;,

!:: . . .. .
. .·. - ', ::.�
.�
·, . �- 10 FIRTH. J. R. - Tlle Tollgues ofMm and Speech. London: Oxford Uni­
· '·
i: !

r.i·i
' .: t versity Press, 1970, p. llO.
·
''i:
'!'

"

,.. ·. !
I"

n :�
li ,_ [
.L •

.
j
I
.)��·'\''
"/·
48 49

Não se especifica se a expressão é utilizada de uma 3) Considerar o leque de expressões existentes na lín­
forma mecânica, como parte do ritual diário, ou se é usada aua de cheaada,
o o
atendendo à classe, estatuto, idade,
de forma irónica, triste ou mesmo cruel. Num palco, o ac­ sexo do falante, bem como a sua relação co1,11 os in-

tor e o encenador teriam de decidir como interpretar a ex­ terlocutores e o contexto em que se encontram na

pressão com base no seu conceito de encenação bem como língua de parti<;f�· •

do sentido global e da estrutura da peça. A interpretação


· : 4) Considerar a significação da frase no seu contextol
seria expressa através da inflexão da voz. Porém, qualquer particular - i. e., um momento de alta tensão no
que fosse a interpretação, manter-sé-ia o significado de texto dramático.
um enunciado simples irrompendo numa situação de
5) Substituir, na língua de chegada, o núcleo inva­
grande tensão.
riante da frase ria língua original nos dois sistemas
O tradutor tem de ter em conta a questão da interpre­
de referência (o sistema particular do texto e o sis­
tação para além do problema de seleccionar, na língua de
tema da cultura do qual o texto brotou). .
chegada, uma frase de sentido minimamente parecido. A •
·

tradução exacta .é impossível: Good appetite em Inglês, ·


· ·:
Levy, o grande estudioso checoslovaco da tradução,
'

fora de uma frase estruturadaJftãO significa nada. Nem insistia na ideia d�· que qualquer contracção ou omissão na
sequer existe no Inglês corrente nenhuma expressão que trádução de expres:sões difíceis é um acto imoral. O mesmo
desempenhe a mesma função da expressão francesa. Exis­ . estUdioso acredita que o tradutor tem a responsabilidade
tem, contudo, algumas expressões susceptíveis de aplica­ de encontrar soluçao para o mais desanimador dos pro�le­
ção nalgumas situações - a expressão coloquial Dig in OQ :·�
: .:r mas e declarou qu� se deve adoptar a ·perspectiva funcio­
Tuck in [Vamos ao tacho], a expressão mais informal Do nal c�� re;peito não apenas ao sentido, inas · também ao
start [Porfavor comecem] e outras ritualizadas I hope yoú e·stilo e à forma. A gr�de riqueza dos estudos sobre a tiã_­
t dução da Bíblia e a documentação existente sobre o modo
like it [Espero que gostem] ou I lzope it's alright [Espeiv · i·
que seja do vosso agrado]. Para determinar que expressão .. ··�· : como o� tradutores, individualmente, tentaram resolver os
utilizar em Inglês, o trad�tor tem de: . seus problemas ·através de soluções engenhosas é uma

. ;. t·
. fonte particularmente fértil de exemplos de transformação
1) Aceitar a intradudizibilidade, ao nível linguístico, .sémió}ica.
···:-
da frase original na língua de chegada.
Na tradução de Bon appetit na situação acima descrita
2) Aceitar a ausência de uma convenção social pàte:. ·::::�,-:-· �:::. ·,· • o tràdutor conseguiu extrair do texto um conjunto de cri-
cida na língu.a de chegada. l térios para determinar qual a expressão mais adequada na

.:: ·: :
·

[j . �:' :
..
,.·r.

..�.· .
.
·.•

50 51

língua de chegada, mas certamente num outro contexto se­ pela cultura. A expressão i�iomática italiana menare i/ can
. ria outra a alternativa. Em tradução, a ênfase recai sempre . per l'aia constitui um bom exemplo do tipo de transfor­
no leitor ou no ouvinte, e o tradutor tem de fazer com que mação expressiva que ocorre no processo de tradução.' 1 ·

o texto na língua de chegada corresponda à versão da lín­ Traduzida à . letra, a frase


gua de partida. A natureza dessa correspondência pode va­
riar consideravelmente (ver Capítulo 3), mas o princípio Giovanni sta nienando ii cán per !'aia. f
permanece constante. Daí que Albrecht Neubert esteja
. daria em Inglês:
absolutamente certo quando diz que o soneto .shakespea­
reano "Shall I compare thee to a sununer's day?" [Deve­
John is /eading l!is dog around tile threshing jlo01:
rei comparar-te a um dia. d� ye.rão?] não pode ser seman­
.
ti�arnente traduzido para um� .língua falada num país o��e

I
A imagem engendrada por esta frase é algo estranha e,
os verões sejam desagradáveis; do mesmo modo, o con­
ceito de Deus Pai não P,Ode ser traduzido para unia lÍngua a não ser que o contexto se referisse especificamente a
uma situação deste tipo, a frase resultaria obscura e vir­
i . É
e� cuja cultura a divindade seja do sexo ferillli{io
. tualmente sem sentido. A expressão inglesa que mais sç I
muito perigoso tentar impor o sijtema de valores da cul­ .
I
tura da língua de partida à cultura da língua de chegada. e
aproxima da italiana é to beat about the buslz, também ela . !

obscura excepto se utilizada idiomaticamente, e, então, a i


o tradutor não deve deixar-se tentar pela corrente· que
frase traduzida correctamente daria
julga possível deteiminar as intenções originais de um au­
tor com base num texto isolado. O tradutor não pode ser o
John is beating about tlze bush.
autor do texto fonte, mas, enquanto autor do texto tradu­
zido, ele tem uma inequívoca responsabilidade perante os 11 Popovic distingue váriQs tipos de transfonnação expressiva:
leitores do texto na língua de chegada. I . Transfonnação collstimtil'a (em tradução) descrita como a transfonna­
. 'I ção inevitável que resulta das diferenças entre duas línguas, duas poéti­
. "
cas ou dois estilos.
..� �\ 2. Tra11sjonnação genológica, quando as características constitutivas do
"· '
PROBLEMAS DE EQUIVALÊNCIA texto enquanto género literário mudam.
3. Transfomzação individual, quando o estilo e o idioleto do tradutor in-
·

troduzem um sistema de desvios individuais.


A tradução·· de expressões idiomáticas leva-nos mais 4. Tra11sjonnação negativa, quando a infonnação é traduzida de fonna in­
longe na consideração da questão do sentido e da �adu­
..:.+ :.. correcta, devido ao desconhecimt<nto da língua ou à estrutura do original.
5. Transfonnação tópica, quando os factos tópicos do original são altera­
ção, porque elas, como os trocadilhos, são determinadas dos na tradução.
L
t· .
'
��;·:-:· ·
. ::·
52 53

O Inglês e o Italiano têm expressões idiomáticas cor­ entre tradução 'literal' e tradução 'livre'13 não têm em conta
respondentes que exprimem a ideia de prevaricaçãQ e, . 0 conceito de tradução corno transfonnaç
ão semiótica. Na
portanto, no processo da tradução interlinguística, uma é sua definição de equivalência na tradução, Popovic 9istin­
substituída pela outra. Essa substituição faz-se, não na
bas.e dos elementos linguísticos da frase nem na base de
gue quatro tipos:
. .
:
.

1) Equivalência lingu(stica, quando existe homoge­


uma correspondência ou semelhança de imagens contidas . ·
·� :: neidade ao nível linguístico entre os textos da lín­
J I
I'
na frase, mas na base da função da expressão idiomática.
. .. .

gua fonte e da língua alvo, i.e., tradução palavra por li


,
.-
A frase da língua fonte é substituída na língua alvo por
.

.
palavra.
uma frase que serve o mesmo propósito na cultura de che­
gada e o processo envolve a substituição de signos da lín­ 2) Equivalência pragmática, quando existe equivalên­ ·;
I

.
.

,,
gua fonte por signos da língua alvo. As observações de cia ao nível dos 'eleméntos do eixo expressivo pa­
,

radigmático', i.e., equivalência gramatical, que Po­

I�
Dagut relativas aos problemas envolvidos na tradução da
metáfora são interessrultes quando aplicadas também à poviÇ considera uma categoria mais elevada do que
j!
tradução de expressões idiomáticas: a equiv'!lência lexicâl. I,
I

3) Equivalência. estilística, quando. se verifica uma


i
}
Dado que na língua fonte a metáfo � é, por definição, um novo de­
·I
'equivalênci� funcional de elementos entre o origi­ I
sempenho, uma novidade semântica, não pode obviamente ter um
nal e a tradução visando a identidade expressiva de

'equivalente' pronto na lfng a alvo: aquilo que é único nãÔ pode
ter duplicado. Aqui, a competência bilingue do tradutor - "le uma invariante com sentido idêntico' .
sens", como afirma Mallarmé, " de ce qui est dans la langue et de
4) Equivalência textual (sintagmática), quando existe
ce qui n'en est pas" - só lhe serve no sentido negativo de lhe dizer
equivalência ao nível da .estruturação sintagmática
que a 'equivalência' , seja ela qual for, não pode ser 'encontrada',
terá de ser 'criada'. A grande questão que se coloca é a de saber se .
••
. ;.
. ... ..
·.��. #
.

. do· texto, i.e., equivalência de forma e �e f�mnula­ .,


'i

uma metáfora pode, em rigor, ser traduzida como tal ou se pode ·ç ão.1-l
'

apenas ser de algum modo 'reproduzida' . 12


..t'

-:-�
f:
.. . Como tal, a tradução das expressões idiomáticas en-

.� volve a·d eterminação da equivalência estilística que re-


_

Contudo, a distinção operada por Dagut entre 'tradu­


ção' e 'reprodução' , tal como a distinção feita por Catford . � ... .
. t
13 CATFORD, J. Ç.- A Linguisric Tlteory ofTrans/ation. London: Oxford
��..... .
11
DAGUT, M. B . - Can Metaphor Be Translated? Babel, XXIJ {1), 1976,
· ..• University Press, 1965. .
. 14 Salvo indicação em contrário, todas as cit.nções de Popovic siio tirndas
p. 21-33. do seu Dicionário.

,.

.
.i
.. �

· :(
54 55

sulta na substituição da ·expressão na língua fonte por ou­ ·. . um. sério obstáculo ao seu uso em teoria da tradução. Eu­
tra expressão que tenha uma função equivalente na língua a�ne Nida distingue dois tipos de equivalên'cia -foi'lnal e
I;>

alvo. ... · · . dinâmica - sendo que a equivalência formal ..centra.a sua


,

.
,
...

A tradução é muito mais do que a substituição de ele­ · .. atenção na mensagem em si, tanto na forma como no con­
mentos lexicais e gramaticais entre línguas e, como se ve-'·. ; : t�údo. Nesse tipo de tradução preocupamo-nos com cor­
tifica no caso da traduÇão de expressões idiomáticas e de :
,
·,:jes.ponâências do tipo poesia para poesia, frase parà frase, f
metáforas, o processo pode passar por des�artar .elementos

conceito para conceito." Nida designa este tipo de tradu­


linguísticos básicos da língua fonte por forma a atingir o ção por 'tradução glossária', visando permitir que o leitor
objectivo da •identidade expressiva' entre as duas línguas. perceba o máximo possível do contexto da língua fonte. A
Porém, a partir do momento em que o tradutor passa o pa­ equivalência dinâmica baseia-se no princípio do efeito
tamar da estrita equivalência linguística, começ�. a surgir equivalente, i. e., o princípio segundo o qual a relação en­ �·
o problema de determinar a natureza exacta do nível de tre o receptor e a mensagem devia lograr ser � mesma que
equivalência pretendido. se estabelece entre os receptores originais e a mensagem
l
Albrecht Neubert distingue entre o estudo da tradução na língua fonte. Como exemplo des.te tipo de equivalên­
enquanto processo e enquanto ) produto. Este teorizador cia, Nida cita á tradução de um passo da Bfblia (Romanos,
i
·!

io em falta entre os dois


afirma categoricamente que "o e 16:16) feita por J. B. Philips, na qual a ideia de ••saudar
componentes de uma teoria completa da tradução parece com o ósculo sagrado" é traduzida por "dar uns aos outros
ser Ó de uma teoria das relações de equivalência que pode um caloroso aperto de mão". Este exemplo daquilo que se
ser concebida quer para o modelo dinâmico quer para o pode considerar como .uma tradução inadequada e de mau
estátiéo".15 O problema da equivalência, um termo exces­ gosto revela bem a fragilidade dos tipos de tradução, va­
sivamente usado em Estudos de Tradução, assume uma gamente definidos, concebidos por Nida. O princípio do
importância .central e, embora Neubert esteja certo qua�dó . efeito equivalente, que foi muito popular em certas cultu­
ressalva a necessidade de urna teoria das relações de equi­ ras em determinados momentos históricos, pode colocar­
.:
' .

valência, Raymond van. den Broeck , também tem razão l


:-nos em posições de especulação e conduzir-nos, por ve­
quando critica o uso excessivo do termo, alegando que a
.. zes, a conclusões muito dúbias. Assim, a decisão de E. V.
detinição precisa de equivalência na Matemática constitui
.

Rieu de traduzir Homero para Inglês em prosa, porque o


significado da forma épica na Grécia Antiga pode consi­
u
derar-se equivalente ao significado da prosa na Europa
NEUBERT, Albreclti - Elemente einer allgemeinen Theorie der Trans­
lation 4ctes du x• COIIgres [/ltemarional des Lillguistes, Bucarest II, 1967, p.
modema, é um caso de equivalência dinâmica aplicada às
. •

451-6.

'lI
·-
·-
·
· �����r.. �··�:!;
� H O

..-.�:
..... �

.. ,
56
57

rquica na qual a equivalência


propriedades fonnais de um texto, o que revela mesmo um .· •
-..:.• zam-se numa relação hierá
ia sintáctica
conflito entre as próprias categorias de Nida. semântica tem prioridade sobre a equivalêllc
:;f
--�··

É um dado adquirido em Estudos de Tradução que se :_


·;·�) . . e· a equivalência pragmátic
a condiciona e rnodific� as ou­
tras duas. A equivalência globa
o mesmo poema for traduzido por doze tradutores eles l resulta da relação entre os
s e aquilo que
produzirão doze versões difer�ntes. E, contudo, algures ·próprios signos, da relação entre os signo
signos, o que eles ;
em cada uma dessas doze versões encontra-se aquilo que e(es representam e da relação entre os
Popovic designa por 'núcleo invariante' do poema origi­ �
r presentam e os seus utilizadores.
Assim, por exemplo, o
ll)Íc� ita­
nal. Este 'núcleo invariante', adianta Popovic, é represen­ carácter chocante contido em expressões blasfé
lência pragmá­
tado pelos elementos semânticos estáveis, básicos e cons­ lianas e espanholas só adquire uma equiva
Inglês se elas
tica, i. e., só produz um efeito de choque em
• �l

tantes do texto, cuja existência pode prÓvar-se através da

;!
sexuais,
condensação semântica experimental. As transfonnações, forem substituídas por outras com conotações
ou vruiantes, são as alterações que não modificam o. nú- como por exemplo porca Madonna - fucking
hell17• Do
i

i cleo de sentido, mas iiilluenciam a fonna de expressão. mesmo modo, a interacção entre as três componentes
tam­

I
alvo,
Em suma, a invariante pode definir-se como aquilo que há bém determina o _processo de selecção na. língua
nor­
de comum entre todas as traduções de urna mesma obra. c�mo acontece, por exemplo, na escrita de cru:tas. As
­
Assim, a invariante faz parte d�
urna relação dinâmica e mas que regem a · escrita de cartas vélliam consideravel
o,
não pode confundir-se com argumentos especulativos s·o­ mente de língua para língua e de período para períod
bre a 'natureza', o 'espírito' pu a 'alma' do texto - essa . ·_:.�' mesmo no seio da ·Europa. Daí que uma mulher inglesa ao
I.
. ·L'
'qualidade indefinível' que supostamente os tradutores ra­ escrever uma carta a urna amiga em 1812 não terminasse
I ramente são capazes de capt.ar. a sua carta com a expressão with love ou in si$t'Úhood,
, .: Na tentativa de solucionar o problema da equivalência como poderia fazer hoje em dia, nem uma italiana . termi-
r na tradução, Neubert postula que, do ponto de vista de . . nasse uma carta sem uma série de saudações forínais ao
r uma teoria do texto. a equivalência na tradução tem de ser. . parentes. Em ambos os éasos - no
destinatário e aos seus
I
I
·
considerada uma categoria semiótica, compreendendo as · prot�colo da escrita de cartas e na questão da obscenidade
- o tradutor descodifica e tenta recodificar de uma forma
<
. �;
componentes sintáctica, semântica e pragmática, segundo --�.-·· ··

I a categorização de Pierce.16 Estas componentes organi- pragmática. ·


.

.

16 Cf. PIERCE, C. S. - Collected Papers. Ed. C. Hartshome; P. Weiss: A. :. -� 17 Um aspecto interessante das línguas em contacto reside no facto
de os
do
sistemas do calão
eis. No caso
: .
Hurks. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1931-58; 8 vols.. Para uma e da blasfémia serem frequentem ente permutáv
; foi incorporado no sistema es­
discussão do conuibuto de Pierce para a semiótica. ver HAWKES, T. - Stntclll­ espanhol mexicano , o sistema anglo-:une ricano

ra/ísm nnd Semiotics. London: Methuen; 1977, p. 126-30. panhol trndiciona.l.

I �­

j ·=
li
58 59

Há, nos Estudos de Tradução, duas linhas de desen­ .' produto, ao gosto refinado do comprador e ao estatuto so­
volvimento no encalço de uma definição de equivalência. cial que o produto confere. Outros elementos enfatizados
A primeira, como seria de prever, coloca a ênfase nos pro­ são: o processo de destilação, natural e de elevada quali­
blemas específicos da semântica e na transferência dos dade, a pureza da água escocesa e a duração do tempo de
. I

conteúdos semânticos da língua fonte para a língua alvo. ·maturação do produto. O anúncio consiste num texto es-
·.:..- �! . . .
.
. · cri.to e numa fotografia do produto. Por outro lado, o Mar- f
' .
No âmbito da segunda, que explora a questão da equiva­ •. .� .�
...... ; .

lência nos textos literários, o trabalho dos Form.alistas tini é publicitado apelando a um grupo social diferente,
Russos e do Círculo Linguístico de Praga, em conjunto . que tem de ser conquistado por um pr?dl;ltO lançado há re-
com alguns desenvolvimentos mais recentes em análise /
Iativamente pouco tempo. Em sintonia com esse objec­
do discurso, alargou o problema da equivalência à sua tivo, o anúncio do Martini apela a uma camada mais jo­
aplicação à tradução de textos dessa natureza. James Hol­ vem e incide menos na questão da qualidade e mais no
mes, por exemplo, pensa que a utilização do termo equi­ estatuto social, de adesão à moda, que o produto confere.
·. i
•• t

valência é 'perverso' , dado que postular uma tal igualdade A fotografia que acompanha o breve texto mostra "pes­
r
\
é pedir demais, enquanto Durisin argumenta que ao tradu­ . . soas bonitas". a beber Martini, elementos do jet set inter­
.. r
tor de um texto literário não corçeete estabelecer a equi­ • '(
·
nacional que habitam um m�ndo de fantasia onde supos­
· :

valência da língua natural, mas apenas a· dos procedimen­ tamente todos são ricos e deslumbrantes. Estes dois tipos
.

. '
tos artísticos. E esses procedimentos não podem ser vistos de anúncio tomaram-se tão estereotipados na cultura bri­
isoladamente, pois devem ser localizados no contexto tem­ tânica que são imediatamente reconhecidos e muitas vezes -· I
poral e cultural específico em que foram utilizados. 18 parodiados.
Tomemos como exemplo dois anúncios encontrados ' í.· Num anúncio dos mesmos produtos num semanário

·. ·
·

. I .
no suplemento a cores do jornal British Swzday: um de t" italiano verifica-se o mesmo duo de imagens - uma fri­
uísque escocês e outro de Martini, onde cada produto está. rI ? sando a genuinidade, a qualidade, o estatuto social; a ou­
tra, � excitação, o deslumbramento, a juventude, o estar na
I
a ser publicitado para atrair diferentes preferências de
: [,,, ·
· -i.c�--
·

gosto. A clientela do uísque, mais �tiga e mais �adicio­ moda. No entanto, como o Martini está há muito implan­
nal do que a do Martini, é atraída apelando à qualidade do �- ·. tado no mercado de massas e o uísque escocês é um re­
},
�--
. t.
cém-chegado, as imagens que acompanham os produtos
18 Para alguns exemplos ver os citados por Raymond van den Broeck em são exactamente o reverso das britânicas. Quer dizer: o
"The Concept of Equivalence in Translation Theory: Some Criticai Reflec­ mesmo modo, com aplicações diferentes, é usado na pu-
tions". ln HOLMES, James S. ; LAMBERT, José ; BROECK. Raymond van den
(eds.) - Literat11re and Translation. Louvain: ACCO, 1978, p. 2948. . ,. blicidade destes dois produtos e m duas sociedades. Os
. . t:-·;�.·
\...
,_ _
'

. f.·.
-��;�� : .: ·

·�·

60 . ·... 61

-�-...
produtos são os mesmos nas duas sociedades, mas têm va­ . ··� . �=,
a uma abordagem que concebe a equivalência como uma
lores diferentes. Daí que se possa dizer que, na contexto dialéctica entre os signos e as estruturas dentro e fora dos
britânico, o uísque escocês é equivalente ao Martini no textos da língua de partida e da língua de chegada.
contexto italiano e vice-versa,-na medida em que são &pre­
sentados pela publicidade como servindo funções sociais
equivalentes. PERDAS E GANHOS
A perspectiva de MukarovsicY, segundo a qual o texto
literário, ao mesmo tempo que tem um carácter autónomo, A partir do rnóme�to em que se aceita que não pode
I
serve a comunicâção, foi retomada por Lotman que de­ haver identidade entre duas línguas, torna-se possível
t.
I fende que um texto é explicito (é expresso em signos de­
'.' .
r abordar a questão das perdas e dos ganhos no processo de
finidos), delimitado (começa e acaba em detenninados tradução. É de novo um indicador do baixo estatuto da
1·.
c
pontos) e esll:uturado em resultado da sua organização in­ tradução o facto de se ter perdido tanto te.mpo a debater
!: .
I ! terna. Os signos do texto encontram-se numa relação de . as perdas na transferência de um texto da LP para a LC
H
i('
oposição com os signos e as estruturas que lhe são ex­ - ignorando o que t�bém se pode ganhar, porque o tradu­
!! •
r• teriores. O tradutor deve, portanto, ter em conta o duplo
li
,f carácter do texto enquanto encl�ade autónoma e comuni­ . tor pode por vezes enriquecer �u..�sclarecer o texto origi-
nal como �esultadÇ> dir_e,:..çtp. do p,rgçesso d� .��dução. Além
I cativa e o mesmo deveria fazer qualquer teot1a da equiva- disso, o que por yezes parece 'perder-se' no. contexto da
lência.19 .

I
LP pode ser substituído no contexto da LC, como no caso
Em tradução, a equivalência não deve, portanto, ser
das. traduções de Petrarca por Wyatt e Surrey (v. infra, p.
i
entendida como a busca da identidade entre textos, pois
100-101 e 168-174).

t
que essa identidade nem sequer existe entre duas versõ�s
Eugene Nida é uma boa fonte de informação acerca
do mesmo texto na língua de chegada quanto mrus entre a.
dos problemas das pérdas em tradução, sobretudo no que
versão da LP e a da LC. Os quatro tipos postulados .p.or
li. Popovic constituem um útil ponto de partida e as três ca­ .......-k
.. :; . . respeita às dificuldades encontradas pelo tradutor perante
li .
tegorias semióticas propostas por Neubert abrem caminho --��:-
.
-
-·�
·
:
termos ·ou conceitos· na LP que não existem na LC. Nida
. t''·. .
... �.
cita o exempl� do Guaica, uma língua do sul da Vene­
19 Paro Úma discussão das teorias de Lotm�. ver FOK.KEMA, D. W. - �uela, em· que· não é difícil encontrar substitutos satisfató­
!
j, Continuity and Change in Russian Formalism·, Czech Structuralism, and Soviet ::.�
. �..... '
dos para os termos homiddio,- roubo, mentira, etc., mas
., '=7.·.' "'
Semiotics. PTL, .I (1), (Jan., I 976), p. · 1 53-96 e SHUKMAN, Ann - The Cnno­ eQJ. que os termos para bom, mau, feio e bonito abrangem
. --�-

nizntion of the Real: Jurf Lotman's Theory of Literature and Analysis of Poetcy.
.
..
);
um leque de sentidos muito diferente. Como exemplo Nida
PTL I (2), (Abril 1976), p. 3Ü-39. Jf
!'
.·· :. '

·· ·

' \'
I: I
����:
;
:· .
··.- :.

63
I 62

indica que o Guaica, em vez de seguir uma classificação teórico) entre uma 'lÍngua que possui o conceito de tempo'
dicotómica de bom e mau, adopta uma divisão tripartida: (Português) e uma língua que o não possui (Hopi). (Ver
.
figura 1).20
1) Bom inclui alimentos que se desejam, matar inimi­
gos; mascar drogas com moderação, chegar fogo à •
CAMPO OBJECTIVO FALANTE OUVINTE TRATAMENTO 00 ASSUNTO:
mulher para a ensinar a obedecer, e roubar alguém (EMISSOR} (RECEPTOR) ACÇÃO OE CORRER DE 3.' PESSOA
SITUAÇAO ta PORTIJGU�S 'ELE ESTÁ A CORRER' I
que não pertença ao grupo.
HOPI.............. 'WARI' (COfiRER.
PROPOSIÇAO FAC'n.JAL}
2) Mau inclui fruta podre, qualquer objecto com de­
PORTIJGUÉS "aE CORREU'
feito, matar alguém do grupo, roubar um membro
da família alargada e mentir a quem quer que seja.
HOPI..............
�tcf�d���E�ÀC�AL}
CAMPO OBJECTIVO VAZIO
SrtUAÇA()2 PORTUGU� 'ElE ESTÁ A CORRER'
3) Violação de tabtís inclui o incesto, o ser demasiado

;j ·
· .jr
I
HOPI.............. 'WARI' (CORRER.
o
íntimo da sogra, uma mulher casada comer tapir an­ PROPOSIÇÃO FACTUAl)

tes do nascimento do primeiro filho e urria criança PORTIJGUÉS 'RE CORREU'

I . comer roedores. .
HOPI... .......... 'Wo���j_g���Àl.
CAMPO OBJECTIVO VAZIO ENVOLVENDO A MEMORIA}
,,
. SITUAÇÃ04 S 'ELE CORRERÁ' •
PORTIJGU� ·
Nem é preciso ir tão além da Europa buscar exemplos
deste tipo de diferenciação. O grande número de termos
HOPL........... 'WAAIKNr (ÇORRER.
PROPOSIÇAO ENVOLVEN· ·

CÁMPO OBJECTIVO VAZIO DO EXPECTA A)


TIV
em Finlandês para variantes de neve, em Árabe para a SITUAÇÃO S ' PORTIJGU�S 'ELE CORRE' (POR EX.
NUMA PISTA, EM EQUIPA)
conduta do camelo, em Inglês para luz e água, em Frqrrcês • HOPI.............. :}'
/ ARIKNGWE'(CORRER.

OU HABITU Al)
PROPOSICAO OE CARACTER GERAL
para �pos de pão, todos se apresentam ao tr�dufor, até · CAMPO OBJECTIVO VAZIO

certo porilõ·, como u� probl�ma de intr,�d�zi�ilidade. Os


tràdutores 'da Bíblia têm registado as dificuldades adiei,o- · Fig. 1 - Comparação feita por Whorf entre uma Hngua que possui o conceito de
t�mpo e uma língua que <:> não possui.
L nais que envolvem, por exemplo, o conceito de Trindade
! ou o significado social.. das .parábolas nalgumas culturas.
I Além dos problemas lexicais, há línguas que não têm tem­
pos. verbais ou um conceito de tempo que corresponda de
I alguma maneira aos sistemas de raiz indo-europeia. Para
ilustrar este aspecto serve a comparação feita por whorf 2o
WHORF, Benjamin Lee - Language, Tlrought and Reality (Selected
(que pode não ser fiável, mas é citada aqui como exemplo Writings) ed. J. B. Carroll. Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1956, p. 213.

l
ú4 65

INTRADUZffilLIDADE ser traduzidas por frases equivalentes na maior parte das


línguas�> e o termo democracy é internacional .
.I

Quando o tradutor encontra dificuldades deste tipo, le­ Até certo ponto Catford tem razão. As frases 4Iglesas
vanta-se a questão da intraduzibilidade do texto. Catford reproduzidas podem ·ser traduzidas para a maior parte das
distingue entre dois tipos de in..traduzibilidade: linguística ·línguas europeias e o termo denwcracy é· internacional­
e qtltural. Ao nível linguístico, a intraduzibilidade ocorre ro�nte utilizado. Porém, Catford não tem em conta dois r
quando não existe na LC um substituto léxico ou sintác­ factores importantíssimos, o que é paradigmático do pro­
tico para um dado item de uma LP. Assim, por exemplo, a blema que se origina quando se aborda a questão da intra­
expressão alemã Um wieviel Ulzr dmf man Sie morgen duzibilidade a partir de uma perspectiva excessivamente
wecken? ou a dinamarquesa Jeg fandt brf!vet são ling�is­ estreita. Se a frase /'m gobzg home for traduzida em Fran­
ticamente intraduzíveis para Inglês, porque ambas têm cês por Je vais chez moi, o sentido contido na frase origi­
estruturas que não existem em Inglês. Contudo, ambas po­ nal (i. e., a afmnação pelo próprio da intenç�o de se dirigir
dem ser adequadamente traduzidas para Inglês se se apli­ I. '
,
. . para o seu local de residência e/ou de origem) apenas é va­
!
carem as regras da estrutura inglesa. . ..

't
gamente reproduzido. E se a fra,se for. enunciada, por
-
.
.

A categoria da intraduzibili�de linguística, proposta ..


'.'
c:xemplo, por um americano a residir temporariamente em
por Catford e também subscrita por Popovic, não levanta Londres, a frase p�de significar o regresso à sua residên­

í
problemas, mas a segQnda categoria é mais problemática. . :j cia temporária em Londres ou a travessia do Atlântico de
' '
Segundo o próprio, a intraduzibilidade linguística deve-se r,egresso à América, dependendo do contexto em que é
(
"

a diferenças que· existem entre a LP e a LC; por seu lado,


.f usada, e .esta distinção teria de ser explicitada em Francês.

a intraduzibilidade cultural deve-se à ausência na. cultura


,.( AJém disso, o termo inglês home, como o francêsfoyer ou
da LC de um traço situacional relevante presente no texto
da LP. Catford recorre ao .exemplo dos diferentes concei.;
:;l . o português lar, tem um leque de sentidos associados que
não são inteiramente traduzíveis pela frase chez moi, mais
i
tos do termo bathr(.)on'l [casa de banho] no contexto inglês, .r limitada desse ponto de vista. Parece, portanto, que o
: i·
finlandês ou japonês, nos quais este equipamento "e o : � termo home apresenta exactamente o mesmo tipo de pro­

. .

.
!
.
modo como ele é utilizado não são nada semelhantes. Ma,s
Catford também alega que não se podem descrever como
intraduzíveis os itens lexicais mais abstractos tais como o
T'
.-. r
blemas que a casa de banho finlandesa ou japonesa.
A complexidade aumenta ainda mais no caso da tra­
dução do termo democracy. Catford diz que o termo existe
.. l
!:

. ... t

inglês lzome ou democracy, argumentandÓ -·qué· frases


,;
!' .r no léxico de muitas ünguas e, embora o termo seja sus­
' � t,....... . .

pd
I
como I'm going lzome ou He's at.h01rze podem "facilmente . i ceptível de aplicação a vária$ situações politicas, o con-
I.
�! t:
.. ·,
r:
i!
,.
Hu
I'
i
:::�fTJ·;
·
.
· ::···

·· .)
66 67

texto guiará o leitor na selecção dos traços situacionais · Darbelnet e Vinay, na sua útil obra Stylistique compa­
::
'
apropriados. O problema é que o leitor dará ao termo um =.·:· i rée du français et de l 'an.glais [Estilística Comparada do
···. ::
conteúdo baseado no · seu próprio contexto cultural.e apli­ Francês e do Inglês],22 analisaram em pormenor ex.emplos
cará essa acepção particular. Assim, a diferença entre o ad­ de diferenças linguístioas entre as duas línguas, diferenças
jectivo democrático/a, presente nas seguintes três frases, é 'que originam zonas onde a trad�ção é impossível. Mais
fundamental para três concepções políticas totalmente di­ l!ma vez, foi Popovic quem tentou definir intraduzibili- f
ferentes: dade sem operar uma separação entre o linguístico e o cul­
. tural. Popovic distingue também dois tipos. O primeiro é
,
O Partido Democrático Americano definido como
A Reptíblica Democrática Alemã
A ala democrática do Partido Conservador Britânico
Uma situação em que os elementos linguísticos do original não
podem ser adequadamente substituídos em termos estruturais, li­
Embora o termo seja internacional, a sua utilização em neares, funcionais ou semânticos em resultado da inexistência de
diferentes contextos mostra que já não há (se é que algum denotação ou de conotação.

dia houve) concordância geral donde retirar traços situa­


cionais relevantes. Se a cultura !for entendida como dinâ­ O segundo tipo transcende o puramente linguístico: .
.
rrúca, a tenninologia da estruturação social também deve
ser dinârrúc�. Lotman aflnna que o estudo semiótica da Uma situação em que a relação que expl'i.t'!le um signifitndo, i.e. a relação
.
entre o sentido criativo e a sua expressão linguística no original, não en-
cultura não só considera a cultura como um sistema de ·
· 1' contro uma expressão linguística adequada na tradução.
signos mas sublinha a ideia de que "a própria artict!fação i
da cultura 'com o signo e com o significado constitui uma !
! Oprim�iro tipo pode . considerar-se paralelo à cate­
das suas características tipológicas básicas".21 .Catford .. I
! goria da in.fraduzibilidade linguística . de Catford; neste
parte de premissas diferentes e, não aprofundando o b!ls­
segundo tipo cabem frases como Bon appetit ou a interes­
tante a questão da natureza dinânúca da língua e da cul­ \
i
l sante série de fópnulas que o Dinamarquês usa diaria­
tUra, invalida a sua.própria categoria da intraduzibilidade . . i :··
), mente para exprimir agrad�cimento. .A gramática dina­
cultural. Na medida em que a língua é o sistema modeli-
marquesa de Bredsdorf para leitores de . .língua inglesa
, zante primáriÓ núma cultura, a intraduzibilidade. está, de ..
' fornece detalhes·. esmeradamente
' . elaborados sobre os dife-
fácto, necessariamente irriplícit"ã-iio processo de tradução.
", f.· · ·
'

l'
22 DARBELNET, J. L. ; VINAY, J. P. - St)•listique comparée dufrançais
11 LOTMAN, J.; USPENSKY, B. A . - Op.cit. et de l'qnglais."Paris: Didier, 1958.
��

!i
.. I
. ...-
l .
68 69

rentes contextos de utilização dessas expressões. A expli­ cado assumido por tamponamento na sociedade italiana
cação para a frase Takfor mad, por exemplo, é a seguinte: em geral, o termo não pode ser inteiramente compreen­
"não existe nenhum equivalente inglês desta expressão, dido sem algum conhecimento dos hábitos de condução
que é dirigida aos anfitriões pelos hóspedes ou membros dos italianos, a frequência com que ocorrem os 'acidentes
da família após uma refeição." ligeiros' e o peso e a relevância de tais incidentes. ltm I I
I

O caso do italiano tamponamento na frase C'e stato un · · su_ma, tamponamento é uni signo que não pode ser tradu- f
. i
;J

ir'
tamponame1lto constitui um exemplo ligeiramente mais zido para Inglês nem mesmo por uma frase explicativa. A
difícil. relação entre o sentido criativo e a sua expressão linguís­
Como o Inglês e o Italiano são suficientemente próxi­ tica não pode, portanto, ser adequadamente substituída na
·
mos para seguirem um padrão de organização sintáctica tradução.
vagamente parecido no que toca a elementos componen­ O segundo tipo postulado por Popovic, tal como a se­
tes e à ordem das palavras, a frase parece perfeitamente gunda categoria de Catford, ilustra as dificuldades em
traduzível. O nível conceptual também é traduzível : co­ descrever e definir os limites da traduzibilidade, mas en­
munica-se num tempo presente um acontecimento ocor­ quanto Catford parte de dentro d& linguística, Popovic
rido num tempo passado. A difiGJildade prende-se com a parte de uma posição que envolve uma teoria da comuni­
tradução db substantivo italiano, que aparece em Inglês cação literária. Boguslav Lawendowski, num artigo em
modificado por um adjectivo, além de requerer ainda in­ que faz o ponto da situação relativamente aos estudos de
formação adicional parentética. A versão na língua alvo, tradução e à semiótica, defende que Catford "se divorcia
descontada a variação sintáctica que existe entre o Italiano da realidade",23 enquanto Georges Mounin afirma que se
e o Inglês, dá tem dado demasiada atenção ao problema da intraduzibi­
lidade em detrimento da resolução de alguns dos proble­
Tflere Iras beenltlzere i11as a sliglrt accidem (involving a velzic/e). ·
mas reais que os tradutores têm de enfrentar.
Mounin reconhece os grandes benefícios que os de­
Dadas as diferenças na u�ação dos tempos ver?ais, senvolvinientos da linguística trouxeram aos Estudos de
a frase na língua de chegada pode assumir uma de dua� Tradução. O desenvolvimento da linguística estrutural, os
formas dependendo do contexto original e, dado o tama­ contributos de Saussure, de Hjelmslev, do Círculo Lin-
nho da frase nominal, esta também p6de ser reduzida se a .·

natureza do acidente puder ser determinada· pelo -receptor :!3LAWENDOWSK.I, Boguslav P. - On Semiotic Aspects ofTranslntion.
lnSEBEOK, Thomas (ed.) Sight, Sormd and Sense. Bloomington: Indiana
exteriormente à frase. Mas, quando se considera o sigiufi-
-

University Press, 1978, p. 264-83 .

.�.

.:r. ·
·. ! ·:
.. .
'<:�1) ��·
...... ·

70 71

guístico de Moscovo e do Círculo Linguístico de Praga Como já foi sugerido, é claramente uma tarefa do tra­
têm sido de um valor inestimável. Chomsky e a linguística dutor encontrar uma solução até para o mais intimidante
transformacional também teve o seu impacto, particular­ dos problemas. Essas soluções podem variar muitíssimo;
mente no que respeita ao estudo da semântica. Mounin de.: a decisãq do tradutor sobre o que constitui informação in­
fende que é graças aos avanços verificados na linguística variante relativamente a um. dado sistema de referências..é,
·
• ••1
contemporânea que podemos (e devemos) aceitar que: · eq1 si, um acto criativo. Lery acentua o elemento intuitivo I
1) A experiência pessoal, naquilo que ela tem de único, na tradução:
é intraduzível.
Como todos os processos semióticos, também a tradução tem a sua
2) Teoricamente, as unidades básicas de qualquer par dimensão pragmática. A teoria da tradução tende a ser normativa,

de línguas (por exemplo, fonemas, monemas, etc.) a instruir os tradutores sobre qual seria a solução ÓPTIMA; con­
tudo, o verdadeiro trabalho tradutivo é pragmático; entre as solu­
nem sempre são comparáveis.
ções possíveis, o tradutor decide-se por aquela que promete o má­
3) A comunicação é possível quando se explicitam as ' . ximo efeito com o inínimo esforço. O mesmo é dizei que ele se
situações respectivas do falante e do ouvinte, ou do orienta pela chamada ESTRATÉGIA �.lS
autor e do tradutor.

Por outras palavras, Mounin acredita que a linguística de­ CIÊNCIA OU 'ACTIVIDADE SECUNDÁRIA'?
monstra que· a tradução é um processo dialéctico exequí­
t :·
O..P_�jecti�? da �eoria da tradução é, então, chegar a
·

vel com relativo sucesso:


• u
·j · um. entendimento dos processos implicados no acto da

t
q_���ç�o-·e não; com� é em geral erroneamente entendido�
.·. .
A tradução pode sempre começar com as situações mais claras, as 1

mensagens mais concretas, os universais mais elementares. Mas,


-�,., fomécer um conjunto-qe. narinas para realizar a tradução
como ela envolve a consideração de uma língua na sua globali­ ; perfeita. Do mesmo modo, a crítica literária não procw::�.
.k
dade, juntamente com as suas mensagens mais subjectivas, através
. fornecer �m coõJ

· ··:r-,�··" ·
da observação de situações comuns. � de uma multiplicaç�o de ürito de instruçÕes para a produção do
·.pc>êm-aõu.''dõ ;omance perfeitos; mas antes perceber as es-
contactos que carecem de clarificação, então, não bá dúvida de que
' ' . -· .. . . .. . .

.
---- -· ···- .

a comunicação através da tradução nunca pode estar completa­ - truturas internas e externas que operam dentro e · ao redor
.
mente acabada, o que também demonstra que nunca é inteiramente �:. . de uma obra de arte literária. Não se pode categorizar a
·
--
· r.. ·
t
impossfvel.24
• ..
.
'
.

-
15LEVY, Jiií- Die literarische Ubersetzung. Theorie einer Kunstgatttmg.
:-�
í
Trad. Walter Schamschula. Frankfurt am Maln: Athenaion, 1969.
.
MOUNIN, G. - Op. cit., p. 279.

. \f . -
f ·. .
. .
1:·.

�·
r_:·
·. : .
72
��\·:
. �"
:
73

dimensão pragmática da tradução, tal como não se pode de- Os Estudos de Tradução encontram-se, portanto, muito
finir ou receitar a 'inspiração' de um texto. A partir da acei­ para além das velhas distinções que procuraram desvalo­

·. �
tação deste facto, é possível resolver duas questões que têm . . rizar o estudo e a prática da tradução recorrendo � distin­
;
atonnentado os Estudos de Tradução: o problema da exis- ções terminológicas como 'científico vs criativo'. A teoria
,.
tência ou não de uma 'ciência da tradução' e o problema de .·e a prática estão indissoluvelmente ligadas e não estão•em
se considerar a tradução uma 'actividade secundária'. QOnflito. A compreensão· dos processos não pode senão f
Do que acima ficou dito infere-se que é neste mo­ ajudar à produção e, uma vez que o produto é o resultado
mento descabido qualquer debate sobre a existência de de um complexo sistema de descodificação e recodifica­
uma ciência da tradução. Já existe,, com os Estudos de Tra­ ção nos níveis semântico, sintáctico e pragmático, não de­
dução, uma disciplina séria a investigar o processo de tra­ :. veria ser avaliado segundo uma interpretação hierárquica
dução, a tentar clarificar a questão da equivalência e a desactu.alizada daquilo que constitui a 'criatividade'.
examinar o que nesse processo constitui o semido. Mas A causa dos Estudos de Tradução bem como da pró­
não há nenhuma teoria que pretenda ser normativa e, •. · pria tradução é sintetizada por Octavio Paz no seu pe­
embora a afirmação de Lefevere sobre o objectivo da ·· queno livro sobre tradução. Todos os textos, diz, fazem
disciplina (ver 28) su�ir
p. a que uma teoria com- .. , parte de um siste�a literário que procede de outros siste­
.�!J�
supra,
preensiva poderia também se/Rproveitada como norma mas e com eles se relaciona, sendo, por isso, 'traduções de

. ·.
de procedimento para p.::oduzir traduções, ela está mu-ito traducões de traducões' :
, ,'J.
� �

longe de sugerir que o propósito de uma teoria da tradu- �


ção seja o de ser nmmativa.
. �� Qualquer texto é único e é, ao mesmo tempo, a tradução de outro

·;J.
texto. Nenhum texto é inteiramente original, porque a própria lín­
A partir do momento em que se aceite o carácter prag.. . -�
-
gua, na sua essência, já é uma tradução: primeiramente, do mundo
mático da tradução e a partir do momento em. que seja de-
:_{:
não-�erbal e, em segundo lugar, porque cada signo e cada frase é
·

lineada a relação entre autor, tradutor e leitor, pode repu- a tradução de outro signo e de outra frase. Este argumento pode,
diar-se o mito da tradução com9 actividade secundária
<:om todas as subjacentes associações de Qaixo estatuto.
.
. · .�·. :
l

...f�·: ·�, .
'
""
porém, ser revertido sem perder nenhuma da sua validade: todos
os textos são originais, porque todas as traduções são diferentes.
Até certo ponto, todas as traduções são uma invenção e, enquanto
Um diagrama da comunicação que se estabelece no pro-
tal, únicas.26

·. . :.:I·{·.· ...
cesso da tradução mostra que o tradutor acumula as fun- . { ·

ções de receptor e errússor, é o fim e o princípio de duas :


. . .. . . . . .
·
correntes de comunicação, separadas mas interligadas: . .. ..,;; . .
26
PAZ, Octavio - Traducci6n: literawra )' literalidad. Bnrcelona: Tusquets
Autor - Texto - Receptor = Trad\JL�r - Texto - Receptor Editor, 1971, p. 9.
�..
.:

· ·,
·' Capítulo 2

Hi�tória da tradução literária I


I
'I
h

Nenhuma introdução aos Estudos de Tradução ficaria


completa sem uma perspectiva histórica da disciplina, mas
se um único livro seria insuficiente para tão vasto em­
preendimento, um único capítulo é-� ainda máis. O tempo

.
e o espaço disponíveis apenas pemútem observar de que
. �

·:· �\
r
modo algumas linhas de abordagem à tradução foram
; .
'
··: emergindo em diferente$ períodos da cultura europeia e
.

. �

americana e de que modo têm variado o papel e a função


da tradução. Assim, por exemplo, a distinção entre a tra­
a
dução liter l e a tradução do sentido, que data do sistema
romano, tem �ontinuado, de uma maneira ou de outra, a
ser alvo de' ·debate até ao presente, enquanto a relação en­

. .. ,..:. .
tre a tradução e o nacionalismo emergente explica o signi­
ficado de· diferentes conceitos de c.ultu�a. f\ perseguição
'
'. . ·�; . . . aos tradutores da Bíblia d.t!i�t�.-os sécuios em qrie os es-
.

. .
. . .
..
. .
_..

çolásticos traduziam e r�traduiiam avidamente os clássi-


. . · ·. .
:..
�os gregos e romanos constitui um elo importante ná ca­
deia do des.�JlY9.lvimento do capitalismo e no declínio do
. ;_.·
feudalismo. Do mesmo modo, a abordagem hermênêutica

- �. ..
·.;f::'·
. �.
.

{h 77

posla em prática pelos grandes tradutores românticos in­ estrutural e da teoria da comunicação ao estudo da tra­
gleses e alemães articula-se com a alteração da concepção dução. O quarto período, que coexiste com o terceiro,
. ' ·

...·· ..... .
do papel do indivíduo no contexto social. Nunca é de mais t�m origem nos anos sessenta e caracteriza-se pqr "um
.

frisar que o estudo da tradução, sobretudo na vertente �egresso à indagação herm�nêutica, quase metafísica, so­
·.:

diacrónica, constitui uma parte vital da história literária bre a tradução e a interpretação", em suma, por uma vi­
e cultural. s�o da tradução que coloca a disciplina num amplo qua- 1
dro _de referência que inclui um grande número de outras
disciplinas:
PROBLEMAS DE PERIODIZAÇÃO
A filologia clássica e a literatura comparada, a lexicometria e a

Em A.fter Babel ' George Steiner divide a escrita sobre etnografia, a análise sociológica do discurso, a retórica formal, a
poética e o estudo da gramática, todas se combinam para dilucidar
a teoria, a prática e a his�ória da tradução em quatro perío­
o acto da tradução e o processo da 'vida entre as línguas'.
dos. O primeiro estende-se, segundo ele, das declarações
de Cícero e de Horácio sobre a �adução à publicação, em
As divisões de Steiner, embora interessantes e lúcidas,
1791, da o�ra Essay on the PrilJ'iiples of Translation, de
Alexandre Fraser Tytler. A característica fundamental deste :·;

ilustram, no entanto, a dificuldade de estudar diacronica­
mente a tradução, pois o seu primeiro período cobre cerca·
período é a 'focalização empírica imediata' , i. e., as afrr- .· :1 de mil e setecentos anos, enquanto os dois últimos se re­
mações e as .teorias sobre a tradução brotam directruile�te
� duzem a uns escassos trinta anos. Os seus comentários so­

·
da prát �a d� tradução. De acordo com Steiner, o segundo . :;
p��
_

Sous l· ·lllVP...Ç
E_!
�� t���e...até � publicação, ein 1946, de
ZDil âe Sail�t Jérome, de Lar�aud, caracte- ·. 1
: 1
�re os recentes avanços da disciplina são muito acertados,
mas não deixa de ser verdade q�e a principal característica
. :·.,[:,·. do seu primeiro perío�o também se verifica hoje em dia
riz�-se porsefum período de indagação teór;i.ca e he�e7
.

no conjunto de obras que têm origem nas observações e


nêutica. e pelo desenvolvi�ento de uma te��ologj.a e (J.e : l';
uma f!ietodologia próprias para a �bordag�m da traducão.
. polérrúc�s levantadas pelos tradutores. A sua divisão qua­
,
o terceiro período começa coin. a . puhÚéação d "pii ei: o� íri .. --:·t:� .· dripartida é, no mínimo, altamente idiossincrásica' mas
. .

consegue evitar um grande perigo: a period-ização ou


ros esc�t�s sobre tr�d�ção automáti�B: nos anos quarenta
do século XX � caracteriza-se pela aplicação da linguística ,
. · ·, i :.· ...
;
compartimentação da história literária. É virtualmente im­
.possível dividir períodos por datas, porque, como afirma
..... i':..
·.-. ··r·' :.
Lotman, a cultura humana é um sistema dinâmico. As ten­

·+- .
1 ST�"lER, George-After Babel. London: Oxford University
. Press, 1975, r
p. 236 ss. . . . j tativas para situar estádios de desenvolvimento dentro de

i
. •.

•I

.:_·.·
'·,

,. !
t ·/:.::::�·· .'

78 79

timites temporais estritos contradizem esse dinamismo. lemon Holland). Por outro lado, a metodologia aplicada
4

Um exemplo magnífico do tipo de dificuldades associadas por Timothy Webb no seu estudo sobre Shelley enquanto
à 'abordagem pela periodização' é o que se prende com .a . tradutor5 envolve uma análise atenta da produção .de um
definição dos limites temporais do Renascimento. Há tradutor em relação com o resto da sua obra e com os con­
ainda um amplo leque de obras de referência a tentar de­ ceitos contemporâneos do papel e do estatuto da tradução. ,i

cidir se Petrarca e Chaucer foram escritores medievais ou Os estudos deste género, que não estão submetidos a no- r, '
. ... .
renascentistas, ou se Rabelais era um espírito medieval ções rígidas de período, mas procuram investigar sistema- -- .

11F
post hoc, ou se Dante foi um génio renascentista com dois ticamente as alterações do c'onceito de tradução, tendo em
�:·
séculos de avanço. Uma investigação da tradução nestes consideração o sistema de signos que integra uma dada ·-·

termos não seria mesmo nada proveitosa. , cultura, são preciosos para o estudante de Estudos de Tra­ ··-·

.
-.. �·
--
Contudo, há certos conceitos de tradução que prevale­ dução. Este é, de facto, um campo muito fértil para a fu­ i

cem em diferentes épocas e que podem ser documentados. tura investigação. No entanto, esses estudos de tradutores --
--
T. R. Steiner2 analisa a teoria da tradução, em língua e traduções do passado têm-se concentrado mais na ques­ .,_

(. _ :

inglesa, entre 1650 e 1 800, começando por Sir John tão da influência, no efeito do produto na língua de che­ -·

Denham e acabando em Willi� Cowper, e dá conta da gada sobre um dado contexto cultural, do que nos proces­
··-·

predonúnância do conceito setece�tista do tradutor como sos envolvidos na criação desse produto e sobre a teoria
pintor ou imitador. Andre Lefevere 3 compilou um con­ subjacente à criação. Assim, por exemplo, apesar de algu­
.
,...,
junto de afmnações e documentos sobre tradução onde é mas apreciações críticas sobre o significado da tradução -·.....
detectado o estabele'cimento de uma tradição alemã de tra- '
I
no desenvolvimento do cânone literário romano, perma­
. dução que começa em Lutero e termina em Rozenzweig, .
.
!
nece por fazer um estudo sistemático em língua inglesa da
passando por Gottsched e Goethe, pelos irmãos Scblegel e teoria romana da tradução. As alegações contidas na de­
Schlei�rmacher. Uma abordagem menos sistemática, mas . claração de Matthiesson segundo a qual "um estudo das
ainda balizada por uma referência temporal peculiar, é a traduções isabelinas é um estudo dos veículos pelos quais
·
análise de F. O. Matthiesson a quatro proeminentes tradu.:. ! o Renascimento entrou em Inglaterra" não são escoradas
tores ingleses do século XVI (Hoby, North, Florio e Phi- !;l' por nenhuma investigação científica das mesmas.
'
j

" MATI'HIESSON, F. O. - Translation. An E/izabethan Art. Cambridge,


2 STEINER, T. R.- Eng/ish Translation Theory.' 1650-1800. Assen; Ams­ \ Mass.: Harvard University Press, 1931. As citações seguintes de North e Hol­
terdnm: Van Gorcum, 1975.
.. :r ...
t
land são tirndas deste texto.
3 LEFEVERE, André - Translating Literature: The Gennan Tradition. ' WEBB, Timothy - The Violei i11 the Cmcibfe. London: Oxford Univer­
From Lutfler to RÓsenzweig. Assen; Amsterdam: Van Gorcum, 1977. sity Press, 1976.

i'
.__, l
:··.:r::'· · -·
I
i
HO 81

Ao tentar estabelecer algumas linhas de abordagem à ambos entendem a tradução dentro do contexto alargado
tradução, ao longo de um período que se estende desde das duas funções principais do poeta: o dever humano uni­
versal de adquirir e dissenúnar a sabedoria, e a art� espe­
..
Cícero até ao presente, é preferível seguir uma estrutura
:.-1
cronológica flexível, sem proceder a divisões claramente cial de fazer e dar forma ao poema.
: i

·. .
delinútadas. Por isso, em vez de tentar incluir generalida­ . ! A importância da tradução na literatura romana tém
sido frequentemente utilizada para acusar os romanos de f
.,

des sobre o conceito de tradução especificamente 'renas­


centista' ou 'clássico', tentei seguir linhas de abordagem serem incapazes de criar uma literatura· imaginativa pró-
que podem, ou não, ser facilmente localizáveis num con­ . pria, pelo menos até ao século I a. C. A imaginação cria­
texto temporal. Assim, as concepções de 'tradução literal' tiva dos gregos tem sido realçada e comparada ao espírito
e 'tradução do sentido' reaparecem aqui e ali com diferen­ mais prático dos romanos e a exaltação romana dos mo­
tes graus de ênfase em consonância com diferentes con­ delos gregos tem sido tomada como prova da sua falta de
ceitos de língua e de comunicação. O objectivo de um ca­ originalidade. Contudo, o juízo de valor subjacente a este
pítulo como este.deve ser o de levantar questões ao invés tipo de generalizações está errado. Os romanos pe.rcepcio­
de lhes fornecer as respostas, e revelar áreas susceptíveis navam-se como a continuação dos seus modelos gregos e
de futura pesquisa em vez de pretender ser uma história os críticos literário� romanos discutiam os textos gregos
,,
definitiva. sem que a língua em que eram escritos constituísse um
.
i
I
factor de inibição. O sistema literário romano estabelece
r
i urna hierarquia de textos e autores que transcende as fron­
· II
OS ROMANOS teiras linguísticas e que reflecte o ideal romano de Estado,
hierárquico e centrali�ado, mas com preocupações sociais,
Eric Jacobsen 6 afmna, de uma forma algo radical, que baseado na verdadeira lei da Razão. Cícero aftrrila que a
a tradução é uma invenção romana. Apesar do seu carác­ mente domina o corpo.como um 'rei governa os seus súb­
ter hiperbólico, a afumação pode servir de ponto de pat� d�tos ou üm pai controla os se�s filhos, mas adverte que,
tida para tecermos algumas considerações sobre o papel e · onde a Razão for dona e senhora absoluta, ela "oprime e
o estatuto de que gozava a tradução entre os romanos. As esmaga".7 No que respeita· à tradução, o ideal seria que o
posições de Cícero e Horácio sobre a tradução tiveram texto original existisse para ser imitado e não· para ser es­
grande influência em gerações sucessivas de tradutores e I
magado pela aplicação demasiado rígida da Razão. Cícero

--·r·I . .
I

.
.

·
.

·
6 JACOBSEN, Eric - Translation - A Traditional Craft. Copenhagen: 7 CÍCERO - Right and Wro.ng. ln /Ati11 Literature, ed. M. Grant. Har­

l ·; .
Nordisk Forlag, I 958. mondsworth: Penguin Books, 1978, p. 42-3.

i '

_ i _,
· ·
T·m ' ·: :
· :jtF
·
·

82 83

exprime assim esta distinção: "Se traduzo palavra por pa­ ciladas que espreitam o 'tradutor escravo', aconselhava
lavra, o resultado soará estranho, e se levado pela necessi- . também um recurso comedido à criação de novas palavras.
dade altero algo na ordem e nas palavras, parecerá que me ·. tt · Horácio comparava á cunhagem de novas palavras eo de­
afastei da função de tradutor.'' Nas suas observações so- . <i
8 · clínio de outras à mudança das folhas na Primavera e no
bre a tradução, quer Horácio quer Cícero estabelecem uma _. ';'/. Outono, vendo este processo de enriquecimento através•da
importante distinção entre tradução literal e tradução do · ::4. tr�dução como natural e desejável, desde que o escritor f
sentido. O princípio subjacente de enriquecer a língua · e a tr praticasse a moderação. Assim, para Horácio e Cícero, a
literatura nativas através da tradução fez com que a ênfase .
:;; l
.. . · arte .do tradutor consistia numa interpretação ponderada

fosse colocada nos critérios estéticos do produto na língua do texto fonte para produzir uma versão na língua de che­
.
gadà baseada no princípio non verbum de verbo, sed sen­
'

de chegada e não nas noções mais rígidas de 'fidelidade' . ·


Horácio, na sua A11e Poética, adverte contra a imitação swn exprimere de sensu (exprinúr não palavra por palavra,
·
excessivamente cautelosa do modelo de partida: mas sentido por sentido) afirmando que a sua responsabi­
�idade era para com os leitores �a língua de 'chegada.
Um tema conhecido pode ser apropriado desde que não se perca . · O conceito romano de tradução como fonte de enri.­
tempo com um tratamento vulgar do mesmo; também não deve o quecimento tem ainda uma outra dimensão, i. e., a prima­
i
tradutor comportar-se como um JJêravo e verter palavra por pala­ . !'
zia do grego como língua de cultura e a capacidade dos ro­
vra, nem, ao imitar outro escritor, deve mergulhar em dificuldades manos letrados para lerem os textos na língua original.
Tomando em c.onta estes factores, altera-se a posição quer
das quais, por vergonha ou exigência própria, dificilmente conse­
guirá libertai-se.9
do tradutor quer do leitor. O leitor romano, de um modo
geral, era capaz de considerar a tradução como um meta­
se· o enriquecimento do sistema literário faz parte inte-
. .l
. l
texto do original. O texto traduzido era lido através do
. grante da concepção romana de tradução, nãp é de todo
I·;
..•

'
]. texto fonte, o que não aconte�e com um leitor monolingue
surpreendente encontrar nela também uma preocupação
!;
'•

que apenas tem acesso ao texto fonte através da sua tradu­


"

com o enriquecimento da língua. Era tão corrente o hábito


.. .·
çao. Para os tradutores rmnanos
. a tarefa de transferir um
de decalcar oti cunhar. palavras que Horácio, ao .mesmo
: í texto de uma língua para outra pode ser entendida como
tempo que prevenia o futuro escritor para que evitasse as um exercício de estilística comparada, uma vez que não
lhes era exigido 'dar a conhecer' nem a forma nem o con­
s C[CERO - De optimo genere oratorwn. Loeb Classical Library. Trad. de
teúdo per se, e consequentemente não tinham de se sujei­
H. M. Hubbell. London: Heinemann, 1959.
HORÁCIO - On tlze Art ofPoetry. ln Classical Literary Critici
sm. Har-
tar à estrutura do original. Porém, o bom tradutor, ciente
· que. o leitor conhecia o original, ficava condicionado
o

mondsworth: Penguin Books, 1965, p. 77-97. ��


Rti
85

por esse conhecimento, pois qualquer avaliação do seu piciou aos tradutores uma missão que abarcava critérios

trabalho basear-se-ia na utilização criativa que fazia do ­ tanto estéticos como doutrin�os. A história da traducão

seu modelo. No seu Tratado do Sublime, 10_ Longinus men­


da Bíblia representa, consequentemente, um núcrocos �os
�a hlstóri� da cultura ocidental. O Novo Testamento co­
ciona "a imitàção e a emulação dos grandes historiadores ,
e poetas do passado"· como· uma das formas de .atingir ? ..
· I n:eçou a ser traduzido muito cedo e a célebre e conlrç-

sublime, e a tradução é uma forma de imitaçª.9_._!10 con-


!' .

.
· . v.ersa -versão de São Jerónimo, que teve muita influência 1
em gerações sucessivas de tradutores, foi encomendada
ceito romano de produção literária. .
A tradução romana é talvez um caso ímpar, por �ecor­ pelo Papa Dâmaso em 384 d. C. Na senda de Cícero ' São
Jerónimo declarou haver traduzido o sentido pelo sentido
rer de uma concepção de produção literária que segue um

.
e não a palavra pela palavra, mas o problema da ténue
cânone de excelência que transcende fronteiras linguísti­
,
fronteira entre o·que constituía liberdade estilística e o que
cas. Além disso, não se pode esquecer que, com o alarga­
constituía interpretação herética haveria de permanecer
mento do Império Romano, o bilinguismo e o trilinguismo
como pedra de tropeço durante séculos. .
s� tornaram cada vez mais comuns, aumentando o abismo
A tradução da Bíblia continuou a ser uma questão cen­
entre o Latim falado e o Latim literário. As ditas 'liberda­
tral pelo século xvn adentro, tendo-se os problemas avo­
des' dos tradutores romanos, �ito citadas ·nos séculos I.l'
lumado com o desenvolvimento do conceito de cultura na­
xvn e xvm, devem ser entendidas no contexto de uin
cional e com o aparecimento da Reforma. A tradução
sistema global que inclui essa concepção de tradução. !
r passou a ser usada como arma nos conflitos, quer dogmá­
ticos quer políticos, à medida que os Estados nacionais co­
meçàram a emergir e a centralização da Igreja começou a
A TRADUÇÃO DA BÍBLIA
enfraquecer, o que, em termos linguísticos, se evidenciou
pelo declínio do Latim como língua universal. H
Com a expansão do Cristiaiiismo, a tradução adqu�u
um novo papel: o de espalhar a palavra de Deus. Uma re: 11

l

Há �m vasto conjunto de bibliografia sobre 11 história da trndução da Bí-
ligião tão baseada num texto como é o Cristi�smo p��� bha. A obra de Eugene Nida, Towards a S.cieuce of Trauslating (Leiden: E. J.

·r Brill, 1964) inclui uma extensa lista bibliográfica. Há outras obras em Inglês que

-
fazem úteis introduções ao tema: BRUCE, F. F. - The English Blble, A History
10
LONGINUS Essay Ou the Sriblime. ln Classical Lirerary Criticism. �·I
'
ofTraiiSlations (London: Luttenvorth Press, 1961); PARTRIDGE. A. C . - En­

, ..
Harmondsworth: Penguin Books, 1965, p. 99-156. (Em Português, foi publicada glish Biblical Translution (London: André Deutsch, I973); SCHWARZ, W. -
j .

-
em 1984 uma trndução do século.XV.lli com texto actualizado. Cf. OL�EIRA, ! Principies and Problems ofBiblical Translation: Some RejQmlation Comrol'er-
Custódio José de Tratado do Súblime de Dicmfsio Lo11giuo. Introdução e ac­ sies and rheir Background (Cambridge: Cambridge University Press, 1955);
- !

l
tualiznção do texto por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Imprensa Na­ ROBINSON, H. Wheeler (ed.) - The Bible in its Ancie/11 and English Versions
cional- Casa <ln Moeda, 1984). [N. T.J (Oxford: The Clarendon Press. 1940).

I
I
l
_L.
86 •,
87
•' I •

A primeira tradução integral da Bíblia para o Inglês foi 2) a comparação das versões;
produzida por Wycliffe entre 1380 e 1384 e marcou o iní­ 3) o aconselhamento junto de "velhos gramáticos e
cio de um período pródigo em traduções da Bíblia para o
Inglês, associado à mudança de atitude, própria do movi­
. 4, "' l
velhos teólogos" sobre palavras difíceis e sentidos
complexos; e
1-
I
mento da Reforma então em formação, face ao papel do ·i 4) o traduzir o mais clar:amente possível a 'frase' (i. e.,
I
texto escrito no âmbito da igreja. John Wycliffe (c. 1330- o sentido), sendo a tradução revista por um grupo

. . ... ·.

..
-84), o notável teólogo de Oxford, avançou a teoria do de colaboradores.
'domínio da graça', segundo a qual o homem se reporta
. .'·,
directamente a Deus e à lei de Deus (que Wycliffe enten­ A função política da tradução - tomar acessível o texto
dia como sendo não a lei canónica, mas os ensinamentos integ1ii · da Bíblia - detenninou uma definição de priori­
da Bíblia). Se a teoria de Wycliffe pressupunha que a Bí­ aactes por parte dos tradutores: no Prefácio, Purvey aflrma
blia se aplicava a toda a vida humana, consequentemente claramente que o tradutor deve traduzir 'a pru:tif da frase'
todos deveriam ter acesso a esse texto fundamental numa (sentido) e não apenas a partir das palavras, "para que a
língua que todos pudessem entender, i. e., em vernáculo. frase seja tão clara ou esclarecedora. em Inglês como em
. : i-.
As opiniões de Wycliffe, que atr�am um círculo de se� Latim e não se afaste .da letra". O que se pretendia era uma
guidores, foram atacadas como �eréticas e ele e o seu .:j versão inteligível, idiomática: um texto que pudesse ser
I
grupo foram denunciados como lolardos·, mas a obra que . -1 utilizado por um leigo. O alcance da sua importância pode
ele iniciou continuou a florescer depois da sua morte e o
seu discípulo Jolm Purvey reviu a primeira edição algum
.

.t )
medir-se pelo fa�to cfe terem sido feitas 150 cópias da ver­
são revista de Purvey mesmo depois da proibição, em Ju­
tempo antes de 1408 (ano do primeiro manuscrito datado). . i. lho de 1408, sob pena de excomunhão, da circulação de
A segunda Bíblia wycliffiteana contém um Prólogo traduções sem a aprovação dos conselhos diocesanos ou
geral, composto entre 1395 e 1396, _e o décimo quinto ca­ provinciais. A lamentação de K.nyghton, o Cronista, de
p�tulo do Prólogo descreve os quatro estádios do processo que "a pérola do Evangelho é deitada fora e esmagada pe­
de tradução: l<;>s pés dos porcos" foi certamente contrariada pelo inte­
1) um esforço de colaboração" para reunir velhas -Bí­ resse generalizado nas versões wycliffiteanas.
blias e comentários para estabelecer- o autêntico No ·século XVI a história da tradução da Bíblia adqui­
texto fonte latino; riu novas dimensões com o advento da imprensa. A seguir
.. . às versões wycliffiteanas a grande tradução inglesa foi a
• Grupo herético d� século XIV constirufdo pelos seguiaores de VaiterLoI· ·do Novo Testamento, da autoria de William Tyndale.(1494-
Iard que proclamava a inutilidade dos sacramentos, a n i divisibilidade da Igreja
e a independência do povo em relação aos reis e em relação ao papa. [N. T.]
p
-1536) e impressa em 1525. A sua roclamada intenção, ao
.: · · �
..:;:w :=� . --
��
. ·
. ··; .

88 89

traduzir, era também a de oferecer uma versão o mais William Tindale, fazendo-se eco de Erasmo, atacou a
clara possível aos leigos e, quando morre_u na fogueira em . :: !
. hip9crisia das autoridades eclesiásticas que proibiam os
1536, já havia traduzido o Novo Testamento a partir do leigos de lerem a Bíblia nas suas línguas nativas a bem das
Grego e partes do Antigo Testamento a partir do Hebraico. · suas á.lmas, mas aceitavam o uso do vernáculo em "histó-
O século XVI testemunhou a tradução _da Bíblia para ,ç
rias e fábulas de amor, libertinagem e devassidão tão sór-
um. 'grande número de línguas europeias, quetna versão p�o­ didas quanto . se possa imaginar, para corromperem as f
et stante quer na versão católica romana. Em 1482, o Penta­
mentes dos jovens".
teuco havia sido impresso em &lonha e a Bíblia hebraica
A história da traducão bíblica no século XVI está inti­
·

integral apareceu em 1488; Erasmo, o grande hu�anista


mam�te ligada ao a�arecimento do Protestantismo na
holandês, publicou o primeiro Novo Testamento Grego
.Europa. À queima pública do Novo Testamento, traduzido
em 1516, em Basileia. Esta versão viria a servir de base à
por Tyndale em 1526, seguiu-se uma rápida sucessão de
tradução alemã de Martinho Lutero, em 1522. Apareceram
versões da Bíblia: a de Coverdale ( 1535), a ÇJrande Bíblia
traduções dinamarquesas do Novo Testamento em 1529 e
de novo em 1550; em sueco, entre 1526 e 1541, e · a Bíblia (1539) e a Bíblia de Genebra, em 1560. A Bíblia de Co­
checa apareceu entre 1579 e 1593. Continuaram a apare-· verdale também foi banida, mas já. não havia como lutar
i
cer traduções e versões revistas �e traduções já feitas �m ·j' · contra a maré da traducão da Bíblia, valendo-se cada nova

lnc>
. !
alês Holandês Alemão e Francês. Erasmo resumiu bem
' . : versão do trabalho de tradutores anteriores, apropriando,
' i
.
o espírito evangelizador da tradução da Bíblia ao afirmar: · i·· emendando, revendo e corrigindo.
'

· .r i
Não seria decerto incorrer numa generalização absurda
Desejaria que todas as mulheres lessem os evangelhos e a� epís­
i sugerir que os objectivos dos tradutores quinhentistas da
tolas de São Paulo e queria, por Deus, que fossem tradu2;idos para
as línguas de todos os homens para que assim pudessem ser lid�s
Bíblia podem ser distribuídos por três categorias:
e conhecidos, não só pelos Escoceses e Irlandeses, mas também
1) Esclarecer erros. encontrados em versões anteriores
pelos Turcos e os Samtcenos . ... Queria, por Deus, que o lavra or � devido a manuscritos deficientes na língua fonte ou
entoasse um texto das escrituras ao varal do seu arado. E que o te­
celão, arrimado ao seu tear, com eles vencesse o tédio do tempo. à incompetência lifl:guística.
.
E que o caminhante com eles aliviasse o cansaço da joma�a. Em
2) Produzir um estilo vernáculo acessível e esteti�a­
.suma, queria que toda a comunicação entre cristão� se fizesse pe­ I·
las esériturdS, pois, de certo modo, nós somos aquilo que são as � mente satisfatório.
. �
falas do nosso quotidiano.'2 .\.
.... i . . 3) Esdareéer questões dogmáticas e reduzir o carácter
r· · . de metatexto .com que as escrituras eram !nterpreta­
12 ERASMO - No1•11111 l11strumentum. Basle: Froben, 1516 (Trad. 'Inglesa r
.
. . Lj '
de W. Tyndale, em 1529). . das e reapresentadas aos leigos .

i
I
90 91

Na sua Carta Circular Sobre a Tradução, de 1530, pressão e oferecer aos leitores um texto de confiança. No
Martinho Lutero coloca de tal fonna a ênfase na segunda
,;:). Prefácio à Bíblia do Rei Jaime, de 1 6 1 1 , intitulado "Dos
categoria que usa os verbos ubersetzen (traduzir) e ver- . . Tradutores ao Leitor", pergunta-se: "Será que o reino de
deutschen (germanizar) quase indiscrinúnadamente. Lu- ·,. · · : ; / Deus é feito de palavras ou de sílabas?" A tarefa do tradu­
tero também aponta para a importância da relação entre o ...... ·.r: tor não era apenas linguística, mas também doutrinária,
) i
estilo e o sentidÇ>: "A gramática serve para a declinação,· a p�r direito próprio, pois o tradutor da Bíblia do século ; I
i:
·

conjugação e a construção de frases, mas no discurso de..: ..


. ' ':;
XVI (frequentemente anóni.rno) era um líder radical na t·

1:
..
vem considerar-se o sentido e o assunto, não a gramática;
·
: .: l luta pela aceleração do progresso espiritual do homem. O

I
porque a gramática não deve sobrepor-se ao sentido." JJ ·� fenómeno da colaboração na tradução da Bíblia represen­
Embora valorizassem a fluidez e a inteligibilidade do tou ainda outra faceta significativa dessa luta.
!

lI
texto traduzido como critérios importantes, os tradutores
renascentistas da Bíblia preocuparam-se também com a
transmissão de uma mensagem literalmente precisa. Numa O PAPEL EDUCATIVO DA BÍBLIA E. O VERNÁCULO
época em que a escolha de um pronome podia significar a
difere�ça entre a vida e a conde�ão à morte por heresi�, O papel educativo da tradução das Escrituras vem de
muito antes dos séculos XV e XVI, e os primeiros co­
a prectsão assumia uma importância central. Ainda assim,
l! ·
,I
mentários em vemáç:ulo inseridos nos manuscritos latinos
e porque a tradução da Bíblia foi um elemento constitutivo
constituíram uma preciosa fonte de informação sobre ·o
da valorização crescente do estatuto das línguas vernáculas, I
desenvolvimento das línguas europei��· No que respeita I
a questão do estilo continuava a ser vital. Lutero acon­
ao Inglês, por exemplo, os Evangelhos Lindisfarne (trans­
selhava os futuros tradutores a recorrerem aos provérbios
critos c. 700 d. C.) continham, no século X, inserida nas
e expressões vernáculas, quando ajustados ao Novo Testa­
1 ..
. r .
entrelinhas, uina tradução literal do original latino no dia­
mento; por outras palavras, aconselhava a juntar à riqueza I
lecto de Northumbria. Es.tas glosas subordinavam critérios
de imagens do texto fonte as potencialidades da tradição
de excel�ncia estilística ao método literal, cabendo con­
vernácula. E, uma vez que a Bíblia é, por si só, um texto
tudo na designação de traduções por envolverem um pro­
que cada leitor individual tem de reinterpretar quando o lê,
cesso de transferência interJ:inguística. Por�m, o sistema
as sucessivas traduções tentam atenuar as dúvidas de ex-
das glosas cori.stituia apenas um dos aspectos da tradução
J nos séculos que testemunharam a emerg�ncia de diferen­
t

. . ·i1!' ..
tes línguas europeias na forma escrita. No'século IX, o rei
u LUTERO, Martinho - Tab/e 7àlks, 1532. Ambas as citações, de Erasmo

I
e Lutero, foram extraídas de Babel, IX (1), 1970, um número especial consa­
grado à tradução de textos religiosos. Alfredo (no seu reinado de 871 a 899), que havia tradu-

l
.3-
.if:
?:' .

92
.,
·
93
' !1
I
I
ii
I
zido (ou mandado traduzir) um conjunto de textos latinos, O conceito de tradução como exercício de escrita e
I

declarou que o objectivo dessas traduções era ajudar o como meio de desenvolver o estilo oratório era uma im­
povo inglês a recuperar dos efeitos devastadores das inva­ portante componente do sistema educativo medieva,l ba­
sões dinamarquesas, que tinham destroçado os antigos seado no estudo das Sete Artes Liberais. Este sistema, na
centros de ensino monásticos, desmoralizado e dividido o forma em que foi legado por teorizadores romanos como
reino. No Prefácio à sua tradução da Cura Pastoralis (um · Quintiliano (século I d. C.);cuja lnstitllfio Oratoria foi um ;
manual para párocos), Alfredo apela a uma renovação texto seminal, estabelecia duas áreas de estudo: o Trivium
do ensino através de um acessó mais alargado aos tex­ (gramática, retórica e dialéctica) e o Quadrivizmz (aritmé­
tos por meio da sua tradução para as línguas vernáculas, tica, geometria, música e astronomia), formando o Tri­
reclamando ao mesmo tempo para a língua inglesa o esta­ vium a base do conhecimento filosófico.15
tuto de língua literária por direito próprio. Ao referir-se à Quintiliano acentuou a utilidade da paráfrase como
forma como os romanos traduziram textos para seu pró­ meio de ajudar o estudante quer na análise d�s estruturas
prio benefício, como fizeram "todas as outras nações cris­ quer na aplicação prática de formas de ornamentação e de
tãs", Alfredo afirma: "parece-me preferível, se concorda­ síntese. A paráfrase é, então, receita�a como parte de um
rem, que também traduzamos algqns dos livros que todos conjunto de exercícios em dois estádios distintos: a pará­

· os homens devem ler para a líng a que todos entende­ frase inicial directa.rJ;lente colada ao texto, e um segundo
mos".l4 Ao traduzir a Cura Pastoralis, Alfredo alega ter estádio, mais complexo, em que o escritor acrescenta algo
traduzido o texto hwilum word be worde, hwilwn andgiet do seu estilo pessoal. Quintiliano defende estes exer�ícios
of andgiete (umas vezes palavra por palavra, outras vezes a par da tradução e, na verdade, as duas actividades não
sentido por sentido), o que se revela um facto deveras in­ são claramente diferenciadas uma vez que ambas têm o
teressante, pois pressupõe que a funÇão do produto final é I mesmo fim em vista: o desenvolvimento da ciência ora­
!
r
que determinava o processo de tradução e não qualquer tória. Quintiliano recomenda a tradução do Grego para o
nonna de procedimento pré-estabelecida. A tradução erá Latim, como variante da paráfrase dos textos origina.is
I

lI
entendida como tendo um papel moral e didáctico a de­ latinos, para ampliar e desenvolver o poder imaginativo
sempenhar, com uma clara componente pólítica, muito do estudante.
distante do papel estritan;tente instrumental no estudo da
retórica, que também lhe era cometido ·na mesma época.
15 Cf. JACOBSEN, E.- Op. cit. para mais detalhes sobre o papel das tra­
. . t� duções no sistema medieval de treino em retórica. Ver também CURTIUS. E. -

•� ALFREDO - Prefácio a Pastoral Care de Gregório. ln BROOK. G. L.­ E11ropeall Literat11re and tlze Latill Middle Ages. London: Routledge & Kegan
An lmroduction to 0/d Englis!l. Manchester: Manchester University Press, 1955. Paul, 1953.
94 95

A defesa da tradução como exercício estilístico, por de Folena não é nova: Roger Bacon (c. 1214-92) estava
parte de Quintiliano, pressupunha obviamente a tradução bem ciente das diferenças entre traduzir para o Latim a
de originais gregos para Latim e o Latim foi a língua do partir de línguas antigas e traduzir textos contemporâneos
sistema educativo em toda a Europa durante séculos. Po­ para vernáculo; o mesmo acontecia com Dante (126?-
.
rém, o aparecimento de literaturas nas línguas vernácula� -1321), e ambos se referem à tradução. quando falam dos
a partir do século X conduziu a nova mudança no papel da · · critérios morais e estéticos-das obras de arte e das obras de f
..

tradução. Alfredo tinha exaltado a sua importância como conhecimento geral. Bacon, por exemplo, debate o pro­ '

meio de fomentar a comunicação e, na sua perspectiva, ela blema da perda em tradução e da sua contrapartida, a cu­ J
I
envolvia a criação de um texto vemáculo. Como em toda nhagem, tal como Horácio havia feito séculos an.tes. Por
a Europa começaram a aparecer literaturas com pouca ou seu lado, Dante centra-se mais na importância da acessi­
nenhuma tradição escrita própria que pudesse alimentá­ bilidade que a tradução proporciona. Ambos partilham, no
-las, as obras produzidas noutros contextos culturais eram entanto, a ideia de que a tradução é muito mais do que um
. ,

traduzidas, adaptadas e absorvidas em grande escala. A


I

\ exercício de estilística comparada.


tradição adquiriu uma dimensão adicional quando os es­ i
A distinção entre tradução horizomal e tradução veJ1i­
critores puseram o seu talento � serviço da tradução .r cal é útil, porque mostra como a tradução podia ser .asso­
como meio de elevar o prestígio da sua própria língua ver­ .I ciada a dois sistemas literários coexistentes, mas distintos.
nácula. Assim, o modelo romano de enriquecimento pela São no entanto muitas, e diferentes, as linhas de desenvol­
tradução tomou uma nova forma vimento existentes ria tradução literária até ao princípio do
No seu útil artigo sobre divulgação e tradução, Gian­ século XV, e a distinção apresentada por Folena apenas
franco Folena sugere que a tradução medieval pode ser faz luz sobre- uma pequena área. E enquanto a abordagem
descrita como vertical, referindo-se à tradução p�a v�r­ se divide em d?is tipos diferentes - a glosa inter­
vertical
náculo a partir de uma língua fonte de especial prestígio e linear ou tradução literal, oposta ao método cicerotúano da
valor (por exemplo, o Latim) ou horizontal, aquela em que . tradução çlo sentido, elaborado no conceito de paráfrase· de
ambas as línguas, a de partida e a de chegada, têm um va­
Quintiliano - a abordagem horizontal envolve questões
lor similar (pÓr exemplo, do �rovençal para o Italiano, do complexas como a da imitatio e a do empréstimo. O ele­
Normando-Francês para o Inglês).16 Porém, esta distinção
vado estatuto da imitatio no cânone medieval significava
que a originalidade não era muito premiada e o talento de
t6
FOLENA, Giunf:ranco - "'Volgarizzâre' e 'tiadurre': idea·e terminologia
um autor consistia em tratar de maneira diferente ideias e
della traduzione dei Media Evo italiano e romanzo all'umanesimo'europeu". ln
La Traduz.ione Saggí e Swdf. Triesle: Edizioni LINT, 1973, p. 57·120. temas estabelecidos. Raramente é clara e discernível a li-

l
96 97

nha de fronteira entre a situação em que um autor se con­ além da Europa, iam sendo construídos relógios e instru­
siderava tradutor de outro texto e aquela em que um autor mentos cada vez mais sofisticados para medir o tempo e o
fazia uso de material traduzido, plagiado de outros textos. espaço, os quais, juntamente com a teoria copemicianà do
No conjunto da obra de um único escritor, como Chaucer u�verso, at:ectaram os conceitos de cultura e sociedade e ii

(c. 1340-1400) por exemplo·, encontra-se um leque de tex­ alteraram radicalmente as perspectivas.
tos que inclui traduções reconhecidas, adaptações livres, Um dos primeiros escritores a formular urna teoria da f
empréstimos propositados, reescritas e correspondências tradução foi o humanista francês Etienne Dolet (1509-
muito próximas. E, muito embora alguns teorizadores,
como Dante e João de Trevisa (1326-1412), levantem a
I
I

í

- 1546), julgado e executado por heresia por 'traduzir mal'
um dos Diálogos de Platão, num sentido que implicava

questão da exactidão em tradução, essa noção depende da l descrença na imortalidade. Em 1540, Dolet publicou um
I pequeno esboço de princípios de tradução intitulado La
capacidade do tradutor para ler e compreender o original e I

não assenta na subordinação do tradutor a esse texto na l maniere de bien traduire d'wze tangue en autr� [A ma­
I neira de bem traduzir de uma língua para outra] e estabe­
língua fonte. A tradução, seja a vertical seja a horizontal,
é vista corno uma técnica, inextricavelmente ligada a mo­ I leceu cinco princípios para o tradut�r:

dos de leitura e interpretação do �to original, que é em I 1) O tradutor deve entender completamente o sentido
si mesmo uma fonte de material que o escritor pode usar I. e o significado expressos pelo autor original, em­
da forma que melhor entender. . bora tenha toda a liberdade para clarificar os aspec­
tos mais obscuros.

2) O tradutor deve ter um conhecimento perfeito tanto


OS P�IROS TEORIZADORES da língua de partida como da língua· de chegada.

3) O tradutor deve evitar as traduções à letra.


A seguir à invenção da imprensa no século XV, o pá­
pel da tradução sofreu significativas mudanças, o que não 4) O �adutor deve usar uma linguagem de utilização
deixou de ficar a dever-se ao grande aumento do volume corrente.
das traduções produzidas. Ao mesmo tempo, foram feitas 5) O tradutor deve escolher e ordenar as palavras de
também algumas tentativas de formulação de uma teoria forma apropriada à. produção do tom ·correcto.
da tr�dução. A função _da tradução mudou, tal corno. mu­
dou a função do próprio ensino. À medida que as· grand�s Os princípios assim preconizados e hierarquizados por
viagens dos descobrimentos rasgavam os horizontes para Dolet acentuam a importância da compreensão do texto de
98 99

partida como requisito .fundamental. O tradutor é muito que se julgava possível que o 'espírito' ou o 'tom' do ori­
mais do que um linguista competente e a tradução envolve ginal fosse recriado noutro contexto cultural. O tradutor
uma aproximação ao texto de partida com conhecimento procura, então, operar uma 'transmigração' do texto ori­
de causa e com sensibilidade, bem como a p�rcepção do ginal, que ele aborda ao duplo nível técnico e metafísico,
I'
lugar que a tradução pretende ocupar no sistema da língua equiparando-se ao autor, com deveres e responsabilidâ-
de chegada. . des para com o autor original e para com o leitor.
George Chapman (1559-1634), o grande tradutor de
Homero, corroborou as ideias de Dolet. Na dedicatória da
sua obra Seven Books (1598), Chapman declara que:17 • O RENASCIMENTO

O trabalho de um tradutor talentoso e digno consiste em observar Ao falar de Dolet no seu estudo sobre os grandes tra­
as frases, figuras e fonnas do discurso propostas pelo autor, o seu
dutores franceses, Edmond Cary acentua a importância da
verdadeiro sentido e elevaÇão, e adorná-las com figuras e formas
tradução no século XVI:
de retórica, ajustadas ao original, na l(ngua para a qual traduz:· ·se- ·
ria para mim motivo de contentamento ter atingido tais qualidades
nas minhas obras. A batalha da tradução manteve-se acesa durante toda a época de
Dolet. Afina], a Refonna foi sobretudo uma disputa entre traduto­
res. A tradução tomou-se utn assunto de Estado e um assunto de
Chapman elabora um pouco mais a sua teoria na Epfstola
Religião. A Sorbonne e o rei estavàm igualmente preocupados
ao Leitor da sua tradução de A Ilíada. Na Epístola, Chap­ com ela. Poetas e prosadores debateram a questão; a obra Défense
man afirma que um tradutor deve: et lliustration de la La11gue Fra11çaise, de Joacbim du Bellay, or­
ganiza-se à volta de problemas relacionados com a tradução.•s
1) Evitar traduções à letra.

2) Tentar atingir o 'espírito' do original. Num ambiente assim, em que a vida de um tradutor de­
3) Evitar perdas excessivas, apoiando-se numa sólida pendia. do modo como traduzisse
. .uma frase' não é de ad-

investigação de outras versões e glosas. mirar 9.ue· as fronteiras do conflito fossem traçadas com
muita veemência. O tom . agressivamente afirmativo da
A doutrina platónica sobre a inspiração divina da Epfstola de Chapman ou do panfleto de Dolet está pre�
poesia também se repercutiu claramente no tradutor, pois
18
CARY, E, - Les Grands Traducteurs François. Geneve: Librairie de
11 SHEPHERD, R. Heme (ed.} - Chapman 's Homer. London: Cbntto l'Université,.I963, p. 7-8. Este livro contém um fncsfmile do panfleto 1540 ori-
·
·
· ginal de Dolet, Lri maniere de bien traduire d'tme tangue en autre.
& Windus, 1875.
' I

100 LOl

sente na obra e nas afrrmações de grande número de tra­ ticular, e a única tradução fiel possível consiste em dar-lhe
dutores da época. Uma importan�e característica do pe­ uma função similar no sistema cultural de chegada. Por
ríodo (que se reflecte também no número de traduções da exemplo, Wyatt pega no célebre soneto de Petrarca .sobre

..
Bíblia que actualizavam a linguagem das versões anterio­ os acontecimentos de 1348 relativos à morte do cardeal
res sem necessariamente fazerem grandes mudanças na
interpretação) é a afirmação do presente através do uso da
linguagem e do estilo contemporâneos. O estudo de Ma­
... l
'I
,,
Giovanni Colonna e de Laura que começa:

Rotta e I' alta colonna e'I verde lauro


I,
. Che facean ombra al núo stanco pensero; (CCLXIX)
thiesson sobre os tradutores isabelinos apresenta uma sé­
(Quebrou-se a alta coluna (Collona) e o verde louro (Laura)
rie de exemplos que atestam o modo como se manifesta a Que cobriam com a sua sombra o meu cansado pensamento.)
afmnação do indivíduo no seu tempo. Nota, por exemplo,
a frequente substituição do discurso indirecto pelo dis­ e transforma-o em :
curso directo na tradução de Plutarco realizada por North
( 1579), um artifício que comere imediatismo e vitalidade. ao The pillar perished is whearto I lent;
texto, e cita exemplos em que North usa uma vigorosa lin­ The strongest staye of myne unquiet m�nde: (CCXXXVI)
(Pereceu o pilar sobre o qual eu
guageip. contemporânea. Assim, n��ersão de North, diz-se
Apoiava o meu inqÚieto espírito:)

. .
.
que Pompeu "lançou realmente todas as achas na fogueira '
i
para conseguir ser escolhido como ditador" (V, p. 30-1) e
É óbvio que Wyatt usa aqui o processo de tradução para
que António decidiu que o corpo de César deveria ser
fazer algo mais do que traduzir à letra os versos de Pe­
"honradamente enterrado e não à socapa" (VI, p. 200). I trarca ou recapturar a qualidade elegíaca do original. A
Na poesia, os ajustamentos feitos ao texto original por
lj tradução de Wyatt enfatiza o 'Eu' e· também a força e o
tão eminentes tradutores como Wyatt (1503-42) e Surrey
< lt
por
apoio d� que .se perde�. Tenha ou não validade a· teoria

(c. 1517-47) levaram alguns críticos a descreverem I


qu!! defende ter sido este soneto escrito em comemora­
vezes as suas traduções como 'adaptações', mas essa dis­ l ' ção da queda de Cromwell, em 1540, é inequívoco que
tinção pode induzir em erro. Uma anális� das traduções de !·
-�--·- o tradutor optou por uma· voz que garante impacto ime­
Petrarca realizadas por Wyatt, por exemplo, revela uma fi­ diato nos leitores contemporâneos, por ser uma voz do
delidade não às palavras em si mesmas nem às estruturas seu tempo.
frásicas, mas a uma ideia do significado do poema na sua 'I A actualização dos text9s através da tradução, por meio
:: :·:·. 1,:.
relação com os seus leitores. Por outras pàlavras, o poema de aGrésc.im�s: omissões ou alterações propositadas, é cla­
é entendido como um artefacto de um sistema cultural par- ramente visível na obra de Philemon.Holland (1552-1637),
.
... �-:.f(,"!!. �. ·"....:' ... .. . .
. !
l
102 I 103

· '
o 'tradutor-mor ' . Ao traduzir Tito Lívio, Holland declarou .. . . ! tradições em vias de separação sob a pressão do nacionalismo e do

que o seu objectivo era garantir que Tito Lívio "oferecesse



..
\ '

.... i . .
. conflito religioso. 19

o seu pensamento em Inglês, se não com o mesmo grau . I ..


· .: i
. .
:.�.:,.:'1 !· ;. • •

. A tradução não foi, de modo nenhum, urna actividade


de eloquência, pelo menos tão sinceramente quanto em ,

secundária; foi antes uma actividade primári(l, exercende


Latim" e alegou não ter usado "nenhuma frase afectada,
um poder modelador da vida intelectual da época e, por
mas... um estilo parco e popular". Foi a procura desse es­
vezes, a figura do tradutor parece quase mais a do activista
tilo que o levou a introduzir alterações tais corno utilizar a
revolucionário do que a do servo de um autor ou texto
temúnologia do seu tempo para certas palavras-chave ro­ '
,
. .
I
original.
manas. Assim, por· exemplo, patres et plebs devêm Lords
ou Nobles anel Commons; comitium é traduzido por com­
mon hall, High com1, Parliament; praetor toma-se Lord
O SÉCULO XVll
Clziefe Justice ou Lord Governour of tlze City. Outras ve­
zes, tentando clarificar passagens e referências obscuras, i
Em meados do século XVll os efeitos da Contra-Re­
'

insere frases explicativas e, acima de tudo, denuncia o seu


forma, o conflito entre a monarquia· absoluta e o emer­
convicto nacionalismo. No Prefáciq.ao Leitor da sua tra­ I
I

I gente sistema parlamentar, e o alargamento do fosso entre


dução de Plínio, Holland ataca aqueles críticos que pro­
testam contra a vulgarização dos clássicos latinos e co­ ·J
l o tradicional Humanismo Cristão e a ciência, todos con­
J duziram a modificações radicais na teoria da literatura e,
menta que eles "não honram a pátria e a língua materna i·
I logo, no papel da tradução. As tentativas de Descartes
como deviam", caso contrário ansiariam por "tri�.mfar so­ .
!
( 1596-1650) para formular um método de raciocínio indu­
)

j
.

bre os Rom�os subjugando a sua literatura sob a ponta da


tivo reflectiram-se na preocupação dos criticas literários
pena .iflglesa" como vingança pela conquista ro�ana da i
I . para estabelecer regras de pr,odução .estética. Na tentativa
Bretanha consumada no passado pela espada. I
I de' encontrar modelos, Ós escritores viraram-se para os
Na Europa renascentista a tradução desempenhou um ·I
'(
mestres da antio
auidade,
. . na
vendo imitação
.
um meio de
papel de 4npot1�cia ce!_ltral: .COIIJ.Q afinn� George Ste�er:
. ..

. . 'instrução. . Em França, a tradução dos clássicos aumentou


consideravelmente entre 1625 e 1660, a grande época do
Num tempo de inovação explosiva, e entre urna ameaça real de ex

r
� classicismo francês e do florescimento do teatro francês
cessas e desordem, a tradução absorveu, fom1ou e orientou os ele­
baseado nas unidades de Aristóteles. Por sua vez, os escri-
mentos básicos essenciais. Foi, no verdadeiro sentido do termo, a .. ·.... i
matéria-prima da imaginação. Além disso; estabeleceu uma lógica

!
I
de relação entre passado e presente, e entre diferentes línguas e 19 STEINER, George - Op. cit., p. 247. 1
I
J• Í•
I �

I
I
j·:
· --
'-
104 105

tores e teorizadores franceses foram entusiasticamente· tra­ Abraham Cowley (1618-67) vai mais longe e no seu
duzidos para Inglês. 'Prefácio' às Odes Pindáricas (1656) ousa afmnar que "ti­
A ênfase nas regras e nos modelos na Inglaterra deste rou, deixou de fora e acrescentou o que quis" nas suas tra-
período não significava, porém, que a arte fosse enten­ ducões' com o intuito de dar a conhecer ao leitor não tanto

dida como mera capacidade de imitação. Arte significava o que o autor original disse precisamente, mas antes "o seu
ordem, ao estilo elegante e harmonioso da Natureza, o ta­ modo e forma de dizer": Cowley defende o seu modo def
lento inato que transcendia qualquer definição e, contudo, traduzir, repudiando os críticos que (como Dryden) o clas­
definia a forma acabaqa. Sir John Denham (16 15-69), sificam como 'imitação ' ; e T. R. Steiner afirma que o pre­
cuja teoria da tradução - expressa no seu poema "To Sir
fácio de Cowley foi tomado como o manifesto dos "tradu­
tores libertinos dos finais do século XVII".
Richard Fanshawe upon his Translation of Pastor Fido"
( 1648) e no Prefácio à sua tradução de Tlze Destntction
No seu importante Prefácio às Cartas de Ovídio (1680),
ofTroy (1656) (ver infra) - contempla quer o aspecto for­
John Dryden (1631-1700) tentou resolver os problemas da
mal (Arte) quer o espírito (Natureza) da obra, desaco�se­
tradução, formulando três tipos básicos:
·

lha o tradutor de poesia a recorrer ao método da tradução


literal: 1 ) Metáfrase, que seria verter rim autor palavra por pa­
lavra, ou verso por verso, de uma língua para outra;
Pois não é sua tarefa traduzir Língua para Língua, mas Poesia
' . .! 2) Paráfrase, ou tradução em sentido lato; o conceito
para Poesia; e a Poesia é de um espírito tão subtil que, ao verter­
.
i

-se de uma Língua para outra, tudo se evaporará; e se um novo es­ l i


ciceroniano de tradução do sentido;
pírito nã� entrar na transfusão, não restará mais do que um Caput .
3) Imitação, em que o tradutor pode abandonar o texto
mornwm.20
original quando entender.
.
. . . '· .�:·:
Denham defende um conceito de tradução que vê o

\

. Destes três tipos; Dryden elege o segundo como o


tradutor e o. autor original como iguais, operando em con­ ' •· I I' mais equilibrado, desde que o tradutor respeite certos cri­
textos �ociais e temporais claramente diferenciados. Pru;a
Denham, ó tradutor tem
·
a dever dé ·extrair do texto d�
térios: para traduzir poesia, o tradutor tem de ser poeta,
deve dominar as duas línguas e entender quer as caracte­
partida aquilo que considera ser o núcleo essencial da obra .,
rísticas quer o 'espírito' do autor original, além de se ajus­
'•

'j '·
e reproduzif-ou recriar a obra .na língua de chegada. ·. .· ·:·
. r tar aos cânones estéticos da sua época. Dryden recorre à
.,' . . L...
·.: j;l':;::
.. .
metáfora do tradutor-pintor de retratos, que tantas vezes
20 i "
haveria de reaparecer no século xvm, dizendo que o pin-
As citações de Sir John Denharn, Abraham Cowley e John Dryden são
I'
retiradas de textos reimpressos na obm citada de T. R. Steiner.
. ·" i�: ..
, .. , .
· �- . .
107
106

tor tem o dever de fazer com que o seu retrato se pareça O SÉCULO XVill
com o original.
Subjacente ao conceito de tradução defendido por
Na sua Dedication ofthe.Aeneis (1697) , Dryden afirma
h que ele próprio traçou e ter Dryden e Pope encontra�se outro elemento que transcende
ter enveredado pelo cru.n.j.no
ão a questão do debate entre excesso de fidelidade e lib�r­
seguido "entre os dois extremos da paráfrase e da traduç
literal", mas, seguindo . os modelos franceses, actualiza
a dade excessiva, que é a questão do dever moral do tradu- f

lfugua do texto qriginal: "Fiz. os possíveis para pôr Virgí­ tor para com o seu leitor contemporâneo. O impulso para

lio a falar um Inglês que o próprio tivesse falado se tivess� clarificar e tomar acessível a essência de um texto condu­

nascido em Inglaterra na . época presente". Vejamos um ziu a um elevado número de reformulações de textos anti­

exemplo de Virgílio vertido por Dryden, os primeiros ver­ gos para os adequar aos padrões contemporâneos de lin­
sos do discurso de Dido descrevendo os seus sentimentos guagem e de gosto. Daí a célebre reestruturação dos textos
para com Eneias na linguagem deco�osa de uma heroína de Skak:espeare e as traduções/adaptações de Racine. Na
contemporânea: · sua obra Life of Pope (1779-80), Johnson (1709-84), ao
debater a questão dos acréscimos a um texto através da
My dearest Anna! Wbat new dreams1�ght tradução, comenta que isso é certamente desejável se o
My labouring soul! What visions of Ufe night texto ganhai em elegância e nada lhe for retirado. Afirma
Disturb my quiet, and d.istract my breast
ainda que "o objectivo de um escritor é ser lido", alegando
With strange ideas of our Trojan guest.21
que Pape escreveu para o seu tempo e pa:ra o seu povo.
O direito do indivíduo a ser o destinatário de uma men­
As ideias
. de Dryden sobre tradução .foram seguidas de
sagem na sua própria língua e no seu próprio ambiente
perto por Alexander Pope (1688�1744), que defende a
cultural é um elemento importante do conceito setecen­
mesma via intermédia, acentuando uma leitura atenta do
original para detectar as minúcias do estilo e da forma .� · tista de tradução e está ligado à mudança do conceito de

manter aceso o. 'fogo' do poema. ·'originalidade' .


. . . Para exemplificar o modo particular como Pope verteu
Homero, compare-se a sua tradução do seguinte passo -
um episódio do Livro 22 de A Ilfada - com a versão de
Chapman. A AndrÓmaca de Pope sofre e desespera ao
passo que a de Chapman surge como .uma guerréii'a por di­
�1 DRYDEN,· i - Tile Aeneid, IV. London: Oxford University Press, t96L
reito próprio. Chapman utiliza verbos directos, o que con-
p. 212.
IOR 109

fere à cena qualidade dramática; por outro lado, as estru­ significativas à medida que se alteraram também os mo­
turas latinizantes que Pope utiliza reforçam a agonia da dos de codificar e descrever os processos da criação lite­
expectativa, conduzindo, em crescendo, ao momento em rária. Goethe (1749-1832) defendia que toda e qualquer li­
que o horror se torna visível. E mesmo esse horror é apre­ teratura deve passar por três fases de tradução, embora,
sentado de modo bastante diferente - em Pope, o 'Heitor sendo essas fases recorrentes, possa acontecer que ocór­
divinizado' contrasta com a descrição mais longa da de­ ram todas ao mesmo tempo num detemúnado sistema lin- p
gradação do herói que Chapman nos oferece.22 guístico. A primeira época "familiariza-nos com os países
estrangeiros nos nossos próprios termos" . Goethe cita a
She spoke; and furious, with distracted Pace, Bíblia alemã de Lutero como exemplo desta tendência. O
Fears in her Heart and Anguish in her Face, segundo modo é o da apropriação através da substituição
Files ilirough the Dome, (the maids her steps pursue) e da reprodução, em que o tradutor absorve o sentido da
And mounts the walls, and sends around her view. obra estrangeira, mas o reproduz nos seus próprios termos
Too soon her Eyes the killing Object found,
e, neste caso, Goethe cita Wieland e a tradição francesa
The god-like Hectar dragg'd along the ground.
(�ma tradição muito depreciada pelos teorizadores ale­
A sudden Darkness shades her swil1)lll.ing Eyes:
She faints, she falis; her mães). O terceiro modo, que considera o mais elevado, é
. Breath, ber
' colour flies. (Pope)
1�
o que procura uma perfeita identidade entre o texto na lín­
Thus fury-like she went, gua de partida e o t�xto na língua de chegada: atingir esse
Two women,.as she will'd, at hand; and made her quick ascent objectivo implica a criação de um novo 'modo', fundindo
Up to the tower and press of men, her -spirit in uproar. Round
aquilo q';le toma únÍco o original com uma forma e estru­
She cast ber greedy eye, and saw her Hector slain. and ·bound
tura novas. Goethe cita a obra de Voss, que traduziu Ho­

·
T' Achilles chanot, manlessly dragg' d to the Grecian fleet,
mero, como exemplo do tradutor que atingiu este tão
Black night strook through her, under her trance took away her feet.
(Cbapman) apreciado terceiro nível. Goethe postula um novo conceito
de 'originalidade' em tradução a par da existência de es­

o conceito, vigente no século xvm, do tradutor c,omo


pintor ou imitador com um dever morál ·qu-er pata com o
autor original qúer para com o leitor da tradução estava
-... . ·-.-..·: truturas profundas universais que o tradutor deve empe­
nhar-se em descobrir. O problema desta abordagem é que
ela se aproxima perigosamente de uma teoria da intradu­

. . :+·.:.. .
bastante generalizado, mas sofreu uma série de alterações zibilidade.
.
Mais perto do fun do século XVIII, em 1791, Alexan­
.

· :·
. ' ..

der Fraser Tytler publicou um volume intitulado Tlze Prin­


:u POPE, A.
The lliad of Homer, ed. Maynard Mack. London: Methuen,
-

1967. Clrapman 's Homer, op cit.


·
cpies
i of Translation, o primeiro estudo sistemático, em
1 10 111

língua inglesa, sobre os processos de tradução.23 Tytler es­ o espírito inerente toma-se mais difícil de detenninar à
tabeleceu três. princípios básicos: medida que gradualmente os escritores se viraram para o
.:::.· : debate acerca das teorias da Imaginação, longe da �terior
1) A tradução deve fazer uma transcrição completa da · .·
· \ ênfase no papel moral do artista e daquilo que Coleridge
ideia da obra original.
descreveu como a "cópia dolorosa" cujo resultado serlam
2) O estilo e o modo da escrita devem ser do mesmo apenas "máscaras, não formas respirando vida".24 f
. '
1
carácter dos do original.

3) A tradução deve ter toda a naturalidade da compo­


sição original. O ROMANTISMO
.�
Tytler reage contra a influência de Dryden, alegando Na sua importante obra de referência sobre o Roman­
que o conceito de 'paráfrase' levou a traduções exagera­ tismo europeu, Le romantisme dans la littérature euro­
damente livres, embora reconheça que parte do dever -do péenne (1948), Paul van Tieghem descreve _o movimento
tradutor consiste em clarificar as ambiguidades do origi­ como "uma crise da consciência _europeia".25 Embora a
nal mesmo quando isso acarreta o1Wssão ou adição. Tytler crise se anuncie �uito antes, no século �. o alcance
recorre à' comparação setecentista do tradutor/pintor, mas da reacção contra o racionalismo e a harmonia formal (os
com um·a diferença: o tradutor não pode usar as mesmas ideais neo�clássicos) começou a desenhar-se com nitidez
cores do original, devendo, não obstante, imprimir ao seu na·ú�tima década desse século em conjunção com as ondas
retrato "a mesma força e o mesmo ·efeito". O tradutor deve de choque, cada vez mais amplas, que se seguiram à
esforçar-se para "adoptar a própria alma do seu autor, que Revolução Francesa de 1789. A rejeição do racionalismo
deve falar através dos seus órgãos". reforçou a função vital da imaginação e a mundividência
. .:
._ ·-- ���� -.
Então, de Dryderi a Tytler, a teoria da traduÇão pteo� individualis�a do poeta comó um ideCl}_ a um tempo meta­
cupou-se com o problema de recriar o esf!írito, a álma ou . !. físico e revolucionário. A afirmação do individualismo
1

a natureza essenciais da obra de arte. Porém, a dicotomia, . trouxe a noção de liberdade çriadora tomando o poeta
.
1 : r:�
antes assúmida sein <Úficuldadé,-entre a 'estrú"rura''forma( 'e j num criado:: quase místico, cuja função era fazer a poesia
·.··-=:·- -- .

. ,·

23A obra de Tytler surgiu logo depois da publicação, em 1789, de Tlze Four I
de George .Cnmpbell, da qual o v.olume I êonaém um �tudo sobre a . .. . 1� COLERIDGE, S. T. - "On Poetry and Art". Biographin Literaria, II.
. �..

... L ..
Gospefs, .
·
.. ···t ..·
teoóa e a história das traduções das Escrituras. A obra de Tytler aparece com um �
Oxford: Clarendon Press, 1907.
:

L ._, .
útil artigo introdutório da autoria de J. F. Huntsman no vol. 13 de Amsterdam I _ :u TIEGHEM, Paul van - Le Romantisme dans la littérature européenne.

C/assics in Linguistics. Arnsterdam: John Benjamins, B. V., 1978. · Paris : Albin Michel, 194ft
!-.'

i

. \': .:
,
·
:

.
-
..
- - : .

1 12 1 13

que recriaria o universo de novo, como defendia Shelley O ideal de um grandioso espúito modelador que trans­
om The Defense of Poes y (1820). cende o mundo contingente e recria o universo conduziu a
As distinções de Goethe entre tipos de tradução e �s­ ·
... . 1 uma reavaliação do papel do poeta ao longo dos tet;npos e
t�dios numa hierarquia de avaliação estética apontam para
uma mudança de atitude relativamente à tradução, resul­
I à premência de descobrir grandes indivíduos do passado
que tivessem partilhado a mesma noção de criatividaôe.
tante de U:rt:Ia reavaliação do papel da-poesia e da criativi­ A ideia de que, em todas as épocas, os escritores se teriam f
dade. Em Inglaterra, Coleridge (1772-1834) esboçava em envolvido no processo de repetir o que Blake designou por
Biographia Literaria (1817) a sua teoria da distinção en­ "o Corpo Divino em Cada Homem" resultou num vasto
tre Fantasia e Imaginação, afumando que _a Imaginação é número de traduções, tais como as traduções de Shake­
a força orgânica e criativa suprema, comparada com o me­ speare (1797-1833) de Schlegel e Tieck, as versões de
canismo sem vida da Fantasia. Esta teoria apresenta aflni­ Schlegel e de Cary da Divina Commedia (1805-14) e a
dades com a teoria da oposição entre a forma mecânica vasta corrente multidireccional de traduções de obras crí:­ i

I
.

e a forma orgânica, concebida pelo teorizador e tradutor ticas e literárias contemporâneas em todas as l.fuguas eu­ l
ropeias. Na verdade, nesta época fqram traduzidos tantos

I
alemão August Wilhelm Schlegel ( 1 767- 1 845) na· sua
obra Vorleswzgen uber dramatisclif Kunst wzd Literatur. textos com um efeito seminal na l.fugua de chegada (como
(1 809), traduzida para Inglês em 1813. Quer a teoria in­ aconteceu com os autores alemães em Inglês e -vice-versa,
glesa quer a alemã levantam a questão de como defluir a com Scott e Byron em Francês e Italiano, etc.) que os crí­
tradução: actividade mecânica ou actividade criadora? No I ticos têm-tido dificuldade em distinguir entre estudos so­
·I
debate romântico sobre a natureza da traducão é visível a
. .
br_e a influência e estudos sobre a tradução propriamente
atitude ambígua de um grande número de escritores e tra- dita. A ênfase no impacto da tradução na cultura de che­
dutores. A. W. Schlegel defendia que todos os actos. de gada operou de facto uma mudança de interesses, que se
(al!i e de escrit'a sãõ''actos de tradução, porque é 'dà"iiatu­ · afastaram dos .processós da tradução. Além disso, no prin­
reza da comunicação ·descodificar e interpretar as mensa- cípio do século XIX podem determinar-se duas tendências
.. . . · . .

gens. -recebidas,
. . - .. .
e sublinhava
. .... .... ..� aind_a que a forma. do origi-
..,...... em conflito. Uma exalta a tradução como categoria do
nal deveria manter-se. (ÍJ�r ex��plo, éte própriÕ mànteve pensamento, sendo o tradutor considerado, por direito, um
nas suas traduções a terza rima de Dante). Entretanto, génio criador em contacto com o génio do original e enri-
Friedrich Schlegel (1772-1829) concebia a traduçao como ·
. · quecendo a língua e a literatura para as quais traduz. A ou­
uma categoria do pensam�nto e não como umi{'áctivídade tra encara a tradução em termos da função mais mecânica
ligada apenas à l.fugua e à literatura. de 'tornar conhecido' um texto ou um autor.
J.

l
!

-·t'--- I'
·
-r-'

114 1 15

A preerrúnência da Imaginação oposta à Fantasia con­ O pressuposto de que o sentido se encontra por detrás e
duz implicitamente ao pressuposto de que a tradução tem nos interstícios da língua criou um impasse ao tradutor.
de ser inspirada por uma força criadora superior para ser Eram apenas duas as saídas para esta difícil situação.:
mais do que uma actividade do quotidiano destituída do
1) A utilização da tradução literal, conce�trando-se na
espírito modelador original, o que levanta um outro pro­
blema: o problema do sentido. Se a poesia for entendida ! língua imediata da mensagem; ou
i
como uma entidade distinta da lfugua, como é que pode 2) A utilização de uma J!ngua artificial derivada da �:
q
língua do texto original, por meio da qual as emo­
ser traduzida se não se partir do princípio de que o tradu­ !�
tor é capaz de ler entre as palavras do original e, portanto, ções especiais do original pudessem ser transmitidas ..r
'

é capaz de reproduzir o texto-por-detrás-do-texto, aquilo a através da sensação de estranheza por ela provocada. 1

;

que Mallanné chamaria mais tarde o texto do silêncio e I


. !
dos espaços?
No seu estudo sobre Shelley e a tradução, Timothy O PÓS-ROMANTISMO

Webb mostra como a ambiguidade do papel do tradutor se


reflecte na própria escrita do poet� Tendo como fontes as Friedrich Schleiermacher (1768� 1834) propôs a cria­

ção de um sub-sistema linguístico próprio para ser utili­
obras de Shelley e a do seu biógrafo, Medwin, Webb de­
zado �penas na literatura traduzida; por seu lado, Dante
monstra que Shelley encarava a tradução como uma acti­
Gabriel Rossetti (1 828-82) defendeu a subserviência do
vidade menor, como "uma forma de preencher os interstí­
tradutor às formas e-à lfugua do original. As duas propos­
cios da inspiração", e afuma que, aparentemente, Shelley
tíl$ representam tentativas de lidar com as dificuldades que
oscilava entre a tradução de obras admiradas pelas suas
Shelley tão expressivamente descreve em The Defense of
ideias e a �adução de obras admiradas pelas suas virtudes
Poesy, quando adverte: . .
literárias. Esta oscilação é significativa, pois, em certo sen­
tido, segue a hierarquia da tradução postulada por Goethe ·! É tão insensato fundir uma violeta
i
no caclinho à procura do prin­
e põe a descoberto o problema que a trad�ção colocou no ..:.. �.. .
_.. cípio formal da -sua cor e do seu cheiro como tentar transfund.ir
estabelecimento de uma estética romântica. Mais impor­ noutra üngua as criações de um poeta. A planta tem de brotar de

tan�e ainda, com a retirada do interesse pelos processos novo da semente, ou não dará flor- e este é o peso da maldição de
Babel.26
formais da tradução, a noção de intraduzibilidade levaria
'

!
I

a uma ênfase exagerada na precisão técnica e ao conse­


quente pedantismo das traduções dos finais do século XIX.
l 26 SHELLEY, Percy Bysshe - Tire Defence oj Poesy. ln Complete Works,

I
!
V. London: Ernest Benn, 1965, p. 109-43.

__ i_
. �tr?�"
.,J· I
,,
,,
,

1 16 1 17 '·'I
A teoria de Schleiermacher de uma lfugua própria para cientemente arcaicas, pejadas de peculiaridades linguís­
a tradução foi apoiada por diversos tradutores ingleses do ticas, a ponto de se tomarem difíceis de ler, chegando
século XIX, como F. W. Newman, Carlyle e William Morris. mesmo a ser obscuras. Não se fazem concessões ao leitor,
Newman declarou que o tradutor deve manter, sempre que de quem se espera que se depare com a obra tal como ela

possível, todas as peculiaridades do original, "cuidando de l é, enfrentando, através da estranheza do texto traduzido, a
o deixar o mais estrangeiro possível".27 A função da pecu­
liaridade é explicada por G. A. Simcox na recensão à tra­
.! · "estrangeireza" da sociedade que originalmente produziu
o texto. A estranheza do estilo de Morris pode ver-se no
dução realizada por Morris de The St01y of the Volswzgs seguinte trecho, tirado do Livro VI da Eneida:
and Niblwzgs (1870) onde declara que "o estranho Inglês
arcaico da tradução com a dose certa de sabor estrangeiro" What God, O Palinure, did snatch thee so away
muito contribuiu para "disfarçar as discrepâncias e as im­ From us thy friends �d drown thee dead arnidst the watery way?
Speak out! For Seer Apollo, found no guileful prophet erst,
perfeições do original" .2s
By this one answer in my soul a lying hope hath riurse9;
William Morris (1834-96) traduziu um elevado nú­
Who sang of thee safe from the deep and gaining field and fold
mero de textos, incluindo as sagas escandinavas, a Odis­ Of fair Ausonia: suchwise he his plighted word doth hold!29
seia de Homero, a Eneida de Verii1io, os romances fran­
ceses medievais, etc. , e granjeou um considerável aplauso
da crítica. Sobre a sua traduÇão da Odisseia, Oscar Wilde
A ÉPOCA VITORIANA
escreveu que se tratava de ''uma verdadeira obra de arte,
uma transferência não apenas de língua para língua, mas A necessidade de transportar através do tempo e do
de poesia para poesia''. Apontou, porém, que "o novo es­ ! espaço o carácter remoto do original é uma preocupa­
!
pírito acrescentado na transfusão" era ·mais escandinavo . L; .. ção recorrente dos tra�utores vitorianos. Thomas Carlyle
: .
do que grego e esta opini�o ilustra bem as expectativas
(1795-1881), que, nas suas traduções do Alemão, utilizou
que um leitor do século XIX tinha relativamente a uma
elaborad� 'estruturas dessa �ngua, louvou a profusão das
tradQção. As tr�duç�e:�. ,de Morri� . s�� �eliberada e cons-
tráduções ale�ãs. argumentando· que os alemães estuda­
vam as outras nações "interpretando o seu espírito, o que
21 NEWMAN, F. W. - Homeric Translation i11 Tlzeory andPractice, 1861.

LI,_,
merece mais frequente imitação", a fun de se poder par­
ln Essays by Mathew Arnold. London: O:d'ord Universit'; Press, 1914, p. 3J3-77.
� SIMCOX, G. A . - recensão in Academy II, Agosto 1890, p. 278-9. Esta ticipar de "todo e qualquer valor ou beleza" que outra·
.
·
I
citação bem como o comentário de Oscar Wilde foram tirados de FAULKNER,
P. (ed.) - William Morris. The Criticai Heritage. London: Routledge & Kegan
Paul, 1973. I l9 MORRIS, W. - The Ae11eid V. Boston: Roben Bros., 1876, p. 146.
i'

I i
_ l_
.. ,'
'

1 19
118

. I e, portanto, estavam lançadas as fundações para uma no­


nação tenha produzido.30 Do mesmo modo, no Prefácio
ção de tradução enquanto interesse de uma minoria.
às· suas tràduções dos Primeiros Poetas Italianos (1861 ),
. . -! Na sua primeira lição On Translating Home1; Mathew
Dante Gabriel Rossetti (1828-82) declarou que "Verdadei­ I
. Arnold ( 1822-68) aconselha o leitor comum a confi-ar nos
I
I
ramente, o único motivo para transferir poesia para outra
intelectuais, pois só eles podem ajuizar se .uma traducão

língua deve ser o de dotar outra nação, na medida do pos­
r
produz aproximadamente -o efeito do original, e ofer ce
sível, de mais um domínio de beleza'?' observando, no
aos futuros tradutores os seguintes conselhos:
entanto, que os originais eram frequentemente obscuros e
imperfeitos.
Que o tradutor não confie, então, na sua ideia do que os antigos
O que ressalta deste conceito de tradução partilhado gregos teriam pensado dele, pois perder-se-á na indefinição.
por Schleiermacher, Carlyle e os Pré-rafaelitas é, portanto, Que não confie no que o leitor inglês comum pensa dele, pois
um interessante paradoxo. Por um lado, há um imenso res­ deixar-se-á conduzir por um cego. Que não confie na sua pró­
peito pelo original, tocando quase as raias da veneração, pria apreciação do seu trabalho, pois pode ser levado ao engano
por caprichos pessoais. Que ·indague qual a reàcção que o seu
mas esse respeito baseia-se na garantia de qualidade. de
trabalho provoca naqueles que sabem grego e também apreciam
cada escritor. Por outras palavras, o tradutor convida o lei­
a poesia.32
tor in�ele tuâl, ulto, a p�ar f\ que ele julga ser urna
� �
expenêncta ennquecedora, seja em termos morais ou es­
De acordo com Arnold, o tradutor deve centrar-se.
téticos. Além disso, o texto original é entendido como pro­
principalmente no texto original e deve servir esse texto
priedade, como um objecto dotado de beleza a ser adicio�
com inteiro empenhamento. O leitor do texto traduzido
nado a u�a colecção, sem n�nhurna concessão ao gosto
será levado ao texto original pela via da tradução - uma
ou às expectativas da vida da época. Por outro lado, ao
posição oposta àquela que é expressa por Erasmo quando
produzirem conscientemente traduções arcaicas destina­
debate a questão da necessária acessibilidade ao texto ori­
das a serem lidas por uma minoria, os tradutores rejeitam
ginal. Com o endurechnento das t�ndências nacionalistas
implicitamente o ideal da literacia universal. O leitor inte­
e o cresc�mento do orgulho na cultura nacional, os tradu­
lectual representava uma minoria muito pequena do pú­
i tores franceses, ingleses ou alemães, por exemplo, deixa­
! ...
blico leitor em crescente expansão aolongo desse sééulo

l ram de entender a tradução como um meio privilegiado de


�nriquecer a sua própria cultura. A �oncepção elitista de
30 CAR
LYLE, Tholflas -T11e State of Gemr�n Literaltlre. Ín Criticai a11d I
Miscellalleous Essays. London: Chapman
'1
'
& Hall. 1905, Vol. I. p. 55.
ROSSETII, Dnnte Gabriel - prefácio às suas traduções dos Primeiros
/.. .
' 32 ARNOLD, Mathew - On. Translating Homer. Lição I. ln Essays by
Poetas ltalinnos, in Poems alld TtalrslatioJis 1850-1870. London: Oxford Uni­
ver.;ity Press, l968, p. 175-9.
I Mathew Arnold, op. cit., p. 247.


I )(} 121

cultura e de educação incorporada nesta atitude contri­ a rima é um mero ornamento, a borda floral da sebe, e é
buiu, ironicamente, para a desvalorização da tradução. distinta da vida ou da verdade do poema. O tradutor é re­
Pois se a tradução era entendida como um instrumento, legado para a posição de técnico, nem poeta nem c?men­
como um meio de levar o leitor do texto traduzido ao texto tador' com uma tarefa claramente
.
definida, mas severa-
na língua de partida, 1w original, então, a excelência do mente limitada.
estilo e o próprio talento do tradutor para a escrita eram Em contraposição perfeita com esta visão de Longfel­
certamente de somenos importância. Henry Wadsworth ' ' low, Edward Fitzgerald ( 1809-63), mais conhecido pela
Longfellow (1807-81) acrescentou à questão do papel do . • I
. ! sua versão de The Rubaiyat o{Omar Khayyam (1858), de­
tradutor uma outra dimensão, que veio restringir a função clarou que um texto tem de viver a todo o custo "com uma
do tradutor ainda mais do que o havia feito a proposta de transfusão da nossa pior Seiva se não formos capazes de l.l
Arnold. A propósito da sua tradução da Divina Comedia reter a melhor do Original". Foi Fitzgerald o autor da cé­
de Dante, e justificando a sua decisão de a traduzir em lebre a:finnação de que é melhor ter um pardal vivo do que
verso branco, Longfellow declarou: uma águia embalsamada. Por outras palavras, ao invés de
tentar levar o leitor do texto de chegada ao original na lín­
O único mérito do meu livro é que ele diz exactamente o que
gua de partid� a obra de Fitzgerald procura trazer uma
i
Dante diz e não aquilo que o tradutor magina que Dante teria dito
se tivesse sido inglês. Por outras palavras, imprimindo ritmo à tra­ versão do texto original para a cultura de chegada como • I

dução, esforcei-me por tomá-la tão literal quanto uma tradução de uma entidade viva, embora a sua opinião algo extrema so­
prosa. ... Na tradução de Dante é preciso renunciar a algo. Poderá bre a menoridade do texto original, citada na Introdução
ser à bela rima que floresce em cada verso como a madressilva que
(ver supra, p. 23), seja indicadora de uma atitude displi­
adorna a sebe? Tem de ser, com vista à preservação de algo mais
precioso do que a rima, nomeadamente, a fidelidade, a verdade -
cente que demonstra uma outra forma de elitismo. A linha
a vida da sebe propriamente dita. . A tarefa do tradutor é transfe­
. . individualista romântica conduziu, em tradutores como
. . ,,
rir o que o autor diz, não explicar o que ele quer dizer; essa é a ta­ � .' Fitzgerald, àquilo que Eugene Nida descreve �orno "espí­
'
refa do comentador. O probiema do tradutor é o que o autor diz e rito exclusivista", onde o tradutor aparece como um mer­
o modo como o diz.:u i.
. cador talentoso oferecendo mercadorias exóticas a· uns
I
··-· ";':"'"""'
i . quantos iluminados. .
A extraordinária concepção de tradução defendida por
As principais correntes sobre a tipologia das. traduções
Longfellow leva ao extremo a posição literal.ista. Para ele,
no extenso período que vai do capitalismo industrial e da
expansão colonial à I Guerra Mundial podem classificar­
LONGFELLOW. Henry Wadsworth. Apud William J. De Sua - Dame
n

imo Eng/ish. Chape] Hill: University ofNorth Carolina Press, 1964, p. 65. '
,.se, em termos gerais, da seguinte maneira:.

t

.. -- &..-
122 123

1) A tradução como actividade académica, em que a partir de F. W. Newman, expoente máximo deste tipo de
preeminência do texto de partida é pressuposta de tradução.
facto sobre qualquer versão na língua de chegada.
2) A tradução como modo de motivar o leitor inteli­
OS ARCAÍSMOS
gente a voltar ao texto original.
r
3) A tradução como meio de ajudar o leitor da língua J. M- Cohen pensa que a teoria vitoriana da trad�ção .
'
de cheoada a tornar-se naquilo que Schleiermacher
'•

o . estava alicerçada "num erro fundament.al" (a utilização de ��


denomina o melhor leitor do original, através de . uma linguagem falsamente antiga para veicular a distância
uma deliberada e engenhosa "estrangeireza" do texto no tempo e no espaço34), e que o pedantismo e a utilização
traduzido. de arcaísmos por muitos tradutores só pode ter contribuído
4) A tradução como r:neio através do qual o tradutor, para colocar a tradução à margem das outras actividades
que se vê a si próprio como Aladino na caverna �n­ literárias e para o seu continuado declínio de estatuto. O
cantada (imag�m de Rossetti), oferece ao leitor da método de traduz,ir de Fitzgerald, no qual o texto original
língua de chegada a sua op �o pragmática. é o barro tosco co� o qual será moidado o produto na lín­
.
gua de chegada, foi certamente um êxito de popularidad�, !
5) A tradução como meio pelo qual o tradutor procura
mas é significativo que tenha surgido a controvérsia sobre I
.!
elevar o estatuto do texto original pois que lhe é
como deftpir o seu trabalho - como tradução ou como ou­
atribuído um estatuto cultural inferior.
tra coisa (adaptação, versão, etc.) -, o que é um indicador
da existência de uma opinião generalizada sobre o que de­
Destas cinco categorias, depreende-se que os tipos ( 1)
veria ser uma tradução. Embora a arcaização esteja já fora
e (2) tenderiam a produzir traduções muito l iter�s; . talvez
. i;':'" de moda, é importante lembrar que os tradutores a utiliza­
mesmo pedantes, acessíveis apenas a uma minoria letrad�
ram com base em sólidos princípios teóricos. George Stei­
e os tipos (4) e (5) conduziriam a traduções muito mais li­ :: ner levanta questões importantes quando se reporta à sua
vres, que, dado o processo ecléctico de tratar o original, .
poderiam alterar completamente o texto de � �da. A ter­
prática, com particular referêndá à te�ria de Emile Littré
e ao seu L'Enfer mis en vieux langage François (1879) e a
ceira categoria, talvez a mais interessante e tlplCa de todas,
..: .
Rudolf Borchardt e ao seu Dante Deutsch:
tenderia a produzir traduções cheias de arcaísmos formais '· ·
e· li.i:lguísticos. Foi este o método qtie foitão veementemente
COHEN, J. M. - English Translators and Translations. London: Long­
\.


atacado por Arnold quando · c�nhou o verbo newmanizar, a mans, 1962, p. 24

·:·

· ··.··

\.''
r·:
125

A proposição ..o poeta estrangeiro teria produzido tal e tal texto se com a obra fascinante, mas assistemática, de Valéry Lar­
ele úvesse escrito na minha Ungua" constitui uma especulação. baud, Sous l'invocation de Saillt Jerome. No seu estudo
Esta proposição subscreve a autonomia, mais exactamente, a · ····: so�re traduções e tradutores ingleses, Cohen ainda inclui,
'meta-autonomia' da tradução. Mas faz muito mais do que isso: in­
de forma incompleta, referências ocasionais a parte da
troduz uma existência alternativa, um 'podia ter sido' ou um 'po­
obra tradutória de Robert Graves e C. Day Lewis, levando
derá vir a ser', na substância e na condição histórica da nossa pró­
· assim o leitor, superficialmente, até aos anos de 1950. I
pria lfngua, literatura e legado de sensibilidade.35
Muita da produção crítica inglesa sobre teoria e prática da

Deste modo, numa época de mudança social a uma es­ tradução na primeira metade do século XX observa a con­

cala sem precedentes, o princípio da arcaização pode com­ tinuidade de muitos conceitos vitorianos de tradução - li­

parar-se a uma tentativa de 'colonização' do passado. teralidade, arcaização, pedantismo e produção de um texto

Como afirma Borchardt, ao declarar que a tradução deve­ de qualidade literária inferior para uma elite núnoritária

ria restituir algo ao original: "O círculo do intercâmbio Mas essa mesma crítica volta sempre ao probJema da ava­

histórico de formas que se estabelece entre as nações f�­ liação sem estar de posse de uma base teórica sólida que

cha-se ·quando a Alemanha devolve ao objecto estrangeiro sustente uma tal investigação. O cr�scente isolamento da
aquilo que dele assimilou depois qe livremente o ter me­ vida intelectual britânica e americana em conjunção com

lhorado ."36 A distância entre esta n�ção de tradução e as o pendor anti-teorético da crítica literária não ajudaram a
defendidas por Cícero e Horácio, também elas produtos de desenvolver o estud.o científico das traduções em língua
um estado em expansão, dificilmente poderia ser maior. inglesa. De facto, custa até a crer que alguns estudos te­
nham sido escritos na mesma época que testemunhou o
aparecimento do Estruturalismo checo e do New Criticism,
O SÉCULO XX o desenvolvimento da teoria da comunicação,. a aplicação
·- .
'
da linguística ao estudo ·da tradução, em suma, ·o estabele�
Ao tentar condensar um vasto conjunto de materiais cimento das bases a partir das quais procederam os estu­
num espaço exíguo, é sempre problemático decidir quando dos recentes sobre tradução.
dar o debate por encerrado. Géorge Steiiier terinina o seu
· Já se qatou, nos primeiros capítulos deste livro, do
segundo período da história da tradução no ano de 1946, progresso do desenvolvimento dos Estudos de Tradução,

\ bem como do gradual aumento de importantes obras em

Js

Ja
STEil\'ER, George- op. cit., p. 334.
BORCHARDT, R.- Datrte rmd Deutsclrer Dtmte, 1908. Reim. In Lefe- . .:. t;;. i
Inglês sobre tradução publicadas desd� os finais dos anos
de 1950. Seria, contucio, errado ver a primeira metade do
vere, A. op.
. cit., p. 109. L
i.
126
127

século XX como uma época estéril no que respeita à pro­


naquilo que é uma visão bastante idiossincrática da histó­
dução em üngua inglesa sobre teoria da tradução, pois que,
ria da tradução, afrrma que, embora haja uma profusão de
aqui e ali, importantes baluartes da tradução abordaram
testemunhos pragmáticos individuais, o leque de. ideias
pragmaticamente algumas questões. A obra de Ezra Pound
teóricas é pequeno:
é importantíssima na história da tradução e o seu talento
de tradutor equipara-se à sua sagacidade como crítico e Se mencionarmos São Jerónimo, Lutero, Oryden, Hõlderlin, No- f
teorizador. A conferência de Hilaire Belloc intitulada OIZ valis, Schleiennacher, Nietzsche, Ezra Pound, Valéry, MacKenna,
Translation, apresentada em 1931, constitui uma aborda­ Franz Rosenzweig, yYalter Benjamin e Quine, teremos referido a

gem breve, mas altamente inteligente e sistematizada, dos �


quase totalidade daq �les que disseram algo de fundamental ou
inovador sobre a traduçã0.38
problemas práticos levantados pela tradução e da questão
olobal do estatuto do texto traduzido. O artigo de James
Porém, a descrição que Steiner faz do tradutor como uma
o

McFarlane, "Modes ofTranslation" (1953), elevou o nível


presença indefmida, ou a descrição de Larb�ud que o
do debate em língua inglesa sobre tradução e tem sido d�s­
compara a um pedinte à porta da igreja, são visões essen­
crito como "a primeira publicação no Ocidente a tratar da
·

tradução e das traduções de uma erspectiva modem e � cialmente pós-românticas e têm muito mais a ver com no­
ções de hierarquia ·na cadeia de comunicação entre autor,
interdisciplinar, e a estabelecer um programa de pesqwsa
texto, leitor e tradutor do que com aspectos intrínsecos do
para estudiosos interessados nesta questão como objecto
..
processo de tradução em si. Por exemplo, no estudo que
de estudo".37 .
I Timothy Webb realizou sobre Shelley enquanto tradutor é
Deste breve esboço pode ver-se claramente que em
visível uma crescente clivagem entre tipos de actividade
épocas diferentes prevaleceram diferentes concepções de
literária; o mesmo estudo também ilustra como era possí­
tradução e que a função e o papel do tradutor se alterou ra­
vel, na Inglate1ra do princípio do século XIX, existir u�a
dicalmente. A explicação dessas mudanças cabe à história
hierarquia no trabalho de um mesmo autor. Porque as ati­
cultural, mas o efeito da mudança de concepção de tradu­
tudes ern relação à tradução e às concepções de tradução
ção no processo de tradução propriamente dito irá ocupar
:· prevalecentes pertencem à época que as produz e aos fac­
os investigadores ainda por muito tempo. George Steiner, I

tores sócio-económicos que enformam e deternúnam essa


época. Maria Corti demonstrou como, ao longo do século
37
XIX e devido a uma maior difusão do livro impresso, o
HOLMES, James; LAMBERT, José; BROECK, Raymond vnn den
19�8. O Prefácio deste. vo­
I
(eds.) - Literorure andTranslatlon. LouvainACCO,
I.
I
lume descreve o artigo do Professor McFarlane corno um "princípio orientador".

J
O artigo aparec�u in Durllam University Joumal, XLV, ·1952-3,-p. 77-93.
Ja STEINER, George - Op. cit., p.I09.
128

autor deixou de ter uma ideia precisa do seu público leitor, . I


I
ou porque era potencialmente muito vasto ou porque pas­
sou a abranger classes e grupos sociais vários. Para o tra­
dutor, este problema de uma visão desfocada era ainda
mais acentu�o.39 Capítulo 3
A história dos Estudos de Tradução deveria, portanto,
ser encarada como uma área de estudo essencial para o Problemas específicos da
teorizador contemporâneo, mas não deveria ser abordada tradução literária
de uma perspectiva redutora e restrita. A defmição que
Gadda apresenta de sistema presta-se muito bem a ser
aplicada à diacronia dos Estudos de Tradução e serve t�­
.,
bém para ilustrar a dimens�o e a complexidade do traba­ Na introdução a este livro afirmei a necessidade de
lho que ainda mal começou: uma estreita relação entre a teoria e a prática da tradução.
O tradutor que não faz nenhuma tentativa para entender o
Pensamos, portanto, que todo o sistema é uma rede infinita de re­
como que subjaz ao-processo de tradução é como o con­ .:.
· lações inextricáveis: o cume pode avis�se-a partfr de várias alti­ . ·.. i
. i. . ,.:
dutor de um automóvel que não faz a mínima ideia do que .
tudes; e todo o sistema assenta numa infinidade de eixos coorde­
nados, podendo assumir um número infinito de fonnas..w
: :
faz o veículo andar� Do mesmo modo, o mecânico que '
'

passa uma vida a desmontar motores, mas nunca deu um


passeio de carro pelo campo corresponde à imagem exacta
do árido académico que examina o como em detrimento
do que é. Neste terceiro capítulo, proponho, assim, abor­
dar a questão da tradução de obras literárias através de
uma análise pormenorizada de exemplos*, não tanto para
avaliar os ·produtos, mas antes para mostrar como a esco­
lha de critérios por ·parte do tradutor pod� dar azo a pro­
blemas específicos de tradução .
.,
39 CORTI, Maria -An Introduction to Literal)' Semiotics, lnld. M. B'ogat
e A. Mande1baum. B1oomington; London: Indiana University Press, 1978.
-10 GADDA, Cario EmOio - ln meditazione milanese. Turim: Einaudi, l • Esta questão da exemplificaçilo colocou-me perante um dilema: manter
os exemplos ingleses e, portanto, tamb�m os comentários da autora ou substituí­
1974, p 229.
. I -los por exemplos de traduções portuguesas? Por um lado, não existem t.rnduções
130 131

AS ESTRUTURAS As peremptórias afirmações de Cluysenaar sobre a tra­


dução literária derivam claramente de uma abordagem es­
Anne Cluysenaar, no seu livro sobre estilística literá­ truturalista dos textos literários, a qual concebe um texto

ria, faz algumas afirmações importantes sobre tradução. O como um conjunto de sistemas relacionados que operam

-1 .
tradutor, afirma, não deve trabalhar a partir de preceitos dentro de um conjunto de outros sistemas.· Como afirÍna
I
gerais, quando determina o que preservar ou o que confi­ Robert Scholes: J'

gurar à semelhança do texto de partidá, mas deve trabalhar I!


;

i
Cada unidade literária, desde a simples frase até à ordem global
olhando a "cada estrutura individual, seja prosa ou seja
das palavras, pode ser entendida em relação com o conceito de sis­
verso", uma vez que "cada estrutura colocará a ênfase
I tema. Em particular, podemos considerar obras, géneros literários

I
em certos traços ou níveis linguísticos e não em outros". e o conjunto da literatura como um sistema dentro do sistema
Cluysenaar passa depojs a analisar a tradução do poema ;
maior da cultura humana.2
I
"Les pas", de Valéry, executada por C. Day Lewis, e chega l­
I
.I
à conclusão de que a tradução não funciona, porque o O facto de muitos tradutores não perceberem que um
tradutor "trabalhou sem o apoio de uma teoria da tradução ;
texto literário se compõe de um complexo conjunto de sis­
literária . devidamente. adequada." , O que Day Lewis fez, temas que existem em relação dialéctica com outros con­
J\
continua a autora, foi ignorar a ; ação das partes entre juntos que extravasam as suas fronteiras levou-os fre­
si e das partes com o todo, se11do a sua tradução, em quentemente_ a concentrar-se em aspectos particulares de
suma, "um exemplo de erro de percepção quanto à .I um texto em detrimento de outros. Estudando o leitor mé­
forma". E propõe como remédio para tais casos de inade­ dio, Lotman determinou quatro posições essenciais do
quação "a descrição da estrutura dominante de cada obra I destinatário.
.1.
a ser traduzida." I
1-
· · j··. :·
1) O leitor centra-se no conteúdo, i. e., selecciona o ar­
I gumento em prosa ou a paráfrase poética.

port�,�guesas de todos os textos escolhidos, por outro, as traduções existentes não


suscitam obviamente os mesmos comen!ários. A�sim., optei por manter os exem­
j. ,., .__
2) Ç>leitor apreende a . complexidade da estrutura da.
obra e .a forma como os vários níveis interagem.
plos em Língua Inglesa, dando, entre parênteses rectos ou em notas de rodapé,
r
n lréldução portuguesa dos segmentos de texto particulannente imponantes para 1
i· 3) O leitor extrapola deliberadamente um nível da
a compreensão dos problemas apresentados. Sempre que possfvel dá-se indica­
! obra com um objectivp �specífico.
ção das traduções portuguesas existentes e as respectivas referências bibliográ­
L ·.
. i .
sm i11 Literamre. New Haven: 'Yale Uni·
ficas. [N. T.]

I
2 SCHOLES, Robert- Stmcmrali
1 CLUYSENAAR, Anne - lntroduction to Literal)• Srylistics. London:
versity Press, 1974, p. lO.
Batsford, 1976, p. 49
133 -'!-
-- - �

4) O leitor descobre elementos não essenciais à génese tor do século XX pela figura da paciente Griselda* consti­

do texto e usa o texto para os seus próprios fins.3 tui exactamente um exemplo de alteração da percepção,
enquanto o desaparecimento do poema épico das literatu­ i·

ras nacionais ocidentais conduziu inevitavelmente a uma
I
É óbvio que, para a tradução� a posição ( 1 ) seria com­
tores, de ro­ leitura diferente dessas composições. A um. nível estrita­
pletamente inadequada (embora muitos tradu
mances particularmente, se tenham centrado
no conteúdo .I mente semântico, uma vez que o significado das palavras
se altera, o leitor/tradutor não logrará evitar encontrar-se f 'I
à custa da estrutura formal do texto); a posiç
ão (2) parece
t
!
ões (3) e (4) a si próprio na quarta posição de Lotman se não proceder
o ponto de partida ideal, enquanto que as posíç I(

· a uma profunda pesquisa etimológica. Assim, quando I


?
9 tradutor é,.
seriam aceitáveis nalgumas circunstâncias.
. Ioucester (no Rei Lear, ac(o m, cena vü), condenado, l

tor, pelo que


�mal, primeiro um leitor e só depois u,m escri
deve tomar uma posição no processo da
leitura. Assim, atormentado e prestes a ter os olhos arrancados, invectiva

te de Joaqufn: Regan com a expressão "Naughty lady" *• deve ter-se a


por exemplo, na tradução·de Fulgor y muer
noção de que desde então se processou uma· considerável


Murieta, de Neruda, Benn Belitt faz, no Prefácio, afirm
sonoridade alteração no peso do adjectivo, que hoje em dias usa para
ções sobre o direito do leitor a esperar "uma
americana que não está presente � inflexão
de Neruda", repreender crianças ou para descrever algum .pecadilho li­
geiramente cómico (frequentemente de Qatureza sexual).
rnos políti­
e um dos resultados da traduçãÔ é que o� conto
Já se gastou muito tempo e muita tinta a tentar dife­
uar a 'acção'
cos da peça mudam completamente. Ao acent
renciar entre traduções, versões, adaptações e a estabele­
a dialéctica da
e o elemento 'rnitico de co.wboys e índios',
cer uma hierarquia de 'correcção' entre �stas categorias.
tradução de
peça é eliminada, podendo considerar-se a J;>orém, a cliferenciação entre elas deriva de um conceito
que Lotman
Belitt como um exemplo extremo do leitor de leitor como receptor passivo do texto no qual a Verdade
i

posiciona em. (3).4 � . ..


I

i
�e encontra guardada çomo uma relíquia. Por outras pa1a7
A quarta ·posição, ·em_ que o leitor descobre no text�
i
vras, se o texto é entendido como um objecto que só deve
elementos que sofreram uma evolução desde a sua génese,
., ...j,..
i produzir. uma única leitura invariante, qu�quer 'desvio'
é quase inevitável quando o texto pertence a um sistema
por parte do. Jeitor/tradutor será julgado . como uma trans-
cultural distante no tempo e. no espaço. A aversão do lei- .!
• Condessa de Sa1luzzo, que viveu no século XI. personagem central de
3 LOTMAN. Jurí .- Stntktura Khudozhesn•ennogo Teksta. Moscovo: ls­ �n lenda na qual se inspiraram Bocaccio, Petrarca, Perrault. e que é modelo de
lcusstvo, 1970. Trad. italiana: La stntttura dei restopoetico. Milan: Musia. 19?2. . VIrtudes conjugaiS. [N. T.]
4 NERUDA, Pablo - Splendor and Deatlz ofJoaqu(n Murieta, trad. Ben •• O adjectivo "naughty" significa actualmente ''maroto/a", mas tinha na
Belitt. New York: Farrar, Strauss & Giroux, 1972. época um valor hoje representado pelo adjectivo "malvado/a". (N. T.)
.
:·:[ f :f� �1�:-.
.;� Y
·.�
.' i . i
I'

134 135
I
gressão. Um tal juízo tem pertinência quando se trata de
documentos científicos, por exemplo, onde os factos são
apresentados em termos absolutamente objectivos tanto
ao leitor do texto original corno ao leitor do texto tradu­
ironia nos sonetos de Shakespeare ou que ignora o modo
como a doutrina da transubstanciação é utilizada como ar­
tifício de subterfúgio para a produção do manifesro anti­
fascista de Vittorini em Conversazion.i in Sicilia estará a
I
I

zido, mas o caso dos textos literários é diferente. Um dos


maiores avanços nos estudos literários do século XX foi a
.
. I
i
! descontrolar o equihôrio das forças em presença ao trtltar
o original como propriedade sua. E todos estes elementos ;
I
I
..

rli
. :
revalorização do leitor. Barthes, por exemplo, vê a obra li­ podem perder-se se a leitura não tomar inteiramente em
'
terária como o lugar em que o leitor se toma-não tanto um . l! conta a estrutura global da obra e a sua relação com o
consumidor como um produtor do texto.5 Por seu lado, Ju­ . .. 'i tempo e o lugar em que foi produzida. Maria Corti resume r
'

lia K.risteva vê o leitor como expandindo o processo se­ . o papel do leitor em termos que poderiam igualmente ser­
miósico da obra.6 Então, o tradutor traduz ou descodifica vir de advertência ao tradutor:
o texto de acordo com um detenninado conjunto de siste­

I
mas dissolvendo-se a ideia de uma leitura 'correcta' .. Ao I Cada época produz os seus próprios signos, que se manifestam e!ll

..·.,.. I ·
modelos sociais e literários. Logo que estes modelos se consomem
mesmo tempo, o conceito de intertextualidade, cunhado
.
"+
e a realidade parece desaparecer, são necessários novos signos
por Kristeva, segundo 9 qual tod9� os textos estão ligados
uns aos outros, pois nenhum texto se pode considerar l' para recapturar a realidade, e isto permite-nos atribuir um valor de
infonnação às estruturas dinâmicas da literatura. Vista deste modo.
completamente livre dos t�xtos que o precederam e que o I
I a literatura é ao mesmo tempo a. condição e o. lugar da comunica­
I .
rodeiam, tomou-se também profundamente significativo I . ção artística entre �missores e destinatários ou público. As mensa­
para o estudante de tradução. Como sugere Paz (ver supra,
I . . gens trilham o seu caminho no tempo, lenta ou rapidamente; algu­
,
p. 73), todos os textos são traduções de traduções de tra­
l mas mensagens aventuram-se em encontros que desfazem
' '

·: 1 ·:.
!
I . completamente uma linha de comunicação; mas, com enonne es­
duções e não é possível traçar a linha que separa o Leitor
· I ·· ·· ·
forço, .outra linha se constrói. Este último fac�o é o mais significa­
do Tradutor. tivo: ele requer aprendizagem e dedicação da parte daqueles que
É também b.astante evidente que a ideia do leitor como I! ' querem percebê-lo, porque a_ função hipersfgnica das grandes
trarl:utor e a enorme liberdade que esta visão confere devem
ser tratadas com muita responsabilidade. O leitor/tradutor
--· · i\��· ·· ·
!
obras literárias transforma o código da nossa visão do mundo.7

j .:
que não reconhece o materialismo dialéctico que serve de
I ·.. Assim, primeiro o tradutor lê/traduz na língua de par­
fundamento às peças de Brecht ou que não reconhece a 'I",·:\ tida e, depois, através de um processo adicional de desco-

••
.. ..: ... i:'':.\':1,:. . .
•.• •.,

' BARTHES, Roland - SIZ. London: Cape, 1974. . 7 CORTI, Maria - An Introduction lo 'Lilerary Semiolícs. Bloomington;
6 KRIS'J;'EVA, Julia - Le te.\1e d11 roman. The Hague; Paris: Mouton, 1970. London: Indiana University Press, 1978, p.. l45.

j .
I .:
h .·.
l lh 137

di hcução, traduz o texto para a língua alvo. Ao fazê-lo, o pela tradução da poesia do que de qualquer outro modo li­
lradutor vai mais longe do que um simples leitor do texto terário. Muitos dos estudos que passàm por investigar es­
original, pois aborda o texto a partir de mais de um con­ tes problemas são ou avaliações de diferentes traduções de
junto de sistemas. Parece, portanto, descabido argumentar uma obra ou testemunhos pessoais de tradutores sobre o
..�

"
que a tarefa do tradutor é traduzir, mas não interpretar, modo como resolveram certos problemas.8· Raramente os
como se se tratasse de dois exercícios separados. A tradu­ .....:· �- ..
estudos sobre tradução de poesia tentam discutir proble- i1
..
.
' mas metodológicos a partir de uma posição não-empírica
ção interlinguística há-de reflectir seguramente a interpre­
'•
tação criativa que o tradutor faz do texto original. Além e, contudo, é precisam�nte esse tipo de estudos que é mais I

disso, o tipo de reprodução da forma, do metro, do ritmo, . valioso e mais necessário.


do tom, do registo, etc. será determinado tanto pelo sis­ No seu livro sobre os vários métodos utilizados pelos
tema de partida como pelo sistema de chegada e depen­ tradutores ingleses do Poema 64 9 de Catulo, André Lefe­
derá também da função da tradução. Se, como no caso das vere cataloga sete estratégias diferentes:
colecções bilingues, se pretende que a tradução figure
1) Traduçã� fonémica, que procura reproduzir o som
numa página e o texto original na outra, esse factor restri­ .
. . ,_ da língua d� partida na língua de chegada produ­
tivo constituir-se-á num importanfl\ critério. Se, por outro zindo ao mesmo tempo uma paráfrase aceitável do
lado, os leitores do texto a ser reproduzido desconhecerem sentido. Lefevere acaba por concluir que embora . I
:
quer o sistema linguístico quer as suas convençpes sócio­
·.·

' i isto funcione razoavelmente bem na tradução da


. i
literárias, então a tradução será construída em termos di­ '
onomatopeia, o resultado global é tosco e por vezes
ferentes dos utilizados na versão bilingue. No Capítulo 2 . completamente desprovido de sentido.
.
' '
já ficou claro que os critérios que regem os modos de tra­
2) Tradução literal, onde a tónica na tradução pala- ·
dução têm sofrido variações consideráveis ao longo dos
vra-por-palavra distorce o sentido e a sintaxe do
tempos e não há, certamente, nenhuma fórmula modelo .
·

original.
para 9s tradutores seguirem.
\ .
-:....: ...

Veja-se, por exemplo, RAFFEL, Burtoo - The Forked Tangue: a Study


. � : -.:
·-..

: .' ... 8

of the Translation Process. The Hague: Mouton, 1971; LEWIS, C. Day - On


A TRADUÇÃO pE POESIA Translating Poetry. Abingdon-on·Thames: Abbey Press, 1970; SUA, Wllliam de
- Dante imo English. Chapei Hill: University of North Carolina Press, 1964;
Baker, 1966.
.... i.;.. .
': .'.:·.-.....� SELVER. Paul - The Art ofTranslatíng Poetry. London: John
No campo da tradução literária, tem sido dedicado i : ·:
·=�· .

9 LEFEVERE, André - Translating Poetry, Seven Strategies and a Bfue­


muito mais tempo à investigação dos problemas suscitados print. Amsterdam: Vnn Gorcum, 1975.
]
138 139 !
I
i
3) Tradução métrica, em que o critério dorrúnante é a O estudo de Lefevere corrobora as afirmações de
reprodução do metro do original. Lefevere conclui Anne Cluysenaar, pois as deficiências dos métodos que
que, tal como na tradução literal, este· método se ele examina devem-se a uma sobrevalorização de l!m ou
concentra num aspecto particular do texto original mais aspectos do poema em detrimento do todo. Por ou­
em detrimento do texto enquanto todo. tras palavras, ao estabelecer um conjunto de-critérios mê­
todológicos a seguir, o tradutor fixou-se em alguns ele- l
4) De poesia para prosa, que resulta, conclui Lefe­
vere, na distorção do sentido, do valor comunica­ mentos à custa de outros, e deste fracasso em considerar o
tivo e da sintaxe do texto original, embora não em poema .como uma esq:utura orgânica resulta uma tradução
grau tão elevado como nos tipos de tradução literal � que é visivelmente desequilibrada. Contudo, o termo ver­
ou métrica. são utilizado por Lefevere pode induzir em erro, porque
parece implicar uma distinção entre versão e tradução, ba­
5) Tradução rimada, em que o tradutor "se sujeita a seando o argumento na separação entre fom:ia e ·conteúdo.
uma dupla servidão": o metro e a rima. Quanto. a E, como afirma Popovic, 10 "o tradutor tem o direito de di­
esta categoria, as conclusões de Lefevere são bas­ ferir organican::J,ente, de ser indepe�dente", desde que a
tante duras, uma vez que ele, sente que o produto fi­ busca de independência seja feita em nome do original, vi­
nal não é mais do que uma i�aricatura' de_ Catulo. sando a sua reprodus;ão como obra viva.
6) Tradução em verso branco, em que, mais �ma vez, J. P. Sullivan, no seu artigo "The Poet as Translator",
se acentuam as restrições impostas ao tradutor pela np qual aborda o pqema de Pound Homage to Sextus Pro­
escolha da estrutura, embora se reconheça que se pei1ius, conta ter perguntado a Pound por que razão utili­
obtém um maior rigor e um grau mais el(wado de li­ zou a expressão "Oetian gods" em vez de "Oetian God"
teralidade. . (i. e., Hércules) na Secção I do poema, ao que Pound re­
plicou simplesm�nte que isso "teria lixado o movimento
7) Interpretação. Sob este tópico Lefevere traz à dis- .
do verso". E antes disso, no mesmo artigo, Sullivan cita
cussão aquilo que designa por versões - em que o
Pound defendendo-se dos ferozes ataques à sua obra nes­
conteúdo do texto original é mantido, mas a forma
tes termos:
é alt�rada - e imitações em que o tra�utor produz
um poema da sua lavra que, "na melhor das hipó­
teses, tem em comum com o original o título e o
. 10
POPOVIC, Amoo - The Concept of "Shift of Expression" in Tmnsla­
ponto de partida". .. � .
. , tion Analysis. ln HOLMES, James (ed.) - Tile Nature ofTranslation. The Ha­
gue; Paris: Mouton, 1970.

..
.
• . · . · ·..
.. .
·
..
.. . ..
. .
141

Nlio, eu não fiz uma tradução de Propertius. Aquele imbecil de à forma ou ao tom que ajude ao renascimento de uma nova
Chicago tomou o Homage por uma tradução apesar da referência linha de comunicação, para utilizar as palavras de Maria
a Wordsworth e da paródia ao verso de Yeats. (Como se, a alguém
Corti, anão ser que o sistema de chegada seja igualn;ente
que pretendesse ser mais versado em Latim do que de facto é, não
fosse facflimo recorrer a uma versão de Bohn para corrigir as im­
tido em consideração. Com os clássicos, isso significa, em
perfeições.") 11 primeiro lugar, ultrapassar o problema da ·tradução sé­
gundo um eixo vertical, em que o texto original goza de

Para Pound era clara a distinção entre as suas tradu­ um estatuto mais elevado do que o texto traduzido. E a

ções e o Homage, mas para os c'ríticos formados na con­ menos que se trate de uma transcrição literal, isso signi­

cepção oitocentista da excelência da literalidade, a distin­ fica também aceitar a teoria de Popovic, segundo a qual no

ção era irrelevante. Pound tinha ideias muito precisas processo de tradução são inevitáveis as transformações

sobre a responsabilidade do tradutor; porém, o seu quadro expressivas.13

de referências aproximar-se-ia muito mais do de Popovic Como exemplo de que diferentes conceitos de tradu­

do que do do Professor W. G. Hale.12 Pound definiu o seu ção se podem aplicar à tradução. de um autor Clássico, ve­

Homage como algo diferente de uma tradução: o seu ob­ jamos três versões inglesas do Poem_a 13* de Catulo:
jectivo ao escrever o poema foi ala.gadamente ressuscitar.
Propertius. Foi, em suma� uma espécie de ressurreição li­ 13
Popovic distingue cinco tipos de transformação expressiva:
a) Transfonnação C(JTJstitutiva, que é inevitável devido às diferenças en·
terária.
tre os dois sistemas linguísticos.
Na tradução de um texto pertencente a um período b) Transfonnação genológica, descrita como "um tipo de transforma­
muito remoto no tempo, o maior problema é que não só o
..... : .
ção tópica que implica uma mudança nas cnrncterísticas constirutivas
do texto enquanto género literário".
poeta e os seus contemporâneos já morreram, mas o sig­
' c) Transfonnação individaal, "um sistema de desvios individuais moti­
.
nificado·do poem.a no seu contexto também está morto. vados pela propensão expressiva do tradutor e pelo seu ideolecto sub­
Por vezes, como acontece com a écloga, por exemplo; o. jectivo".

género está extinto e não há.fidelidade à estrutura original,


d) Transjonnação negativa, em que houve um mal-entendido na tra­

. . .·.
' . du.ção.
··--:.·· . ...

-· ·�-· e) Transfomração tópica, em que a diferença entre a versão da LP e a


da LC se deve à utilização de diferentes denotações. Popovi� adianta
• Henry George Bohn (1796-1884) -Escritor inglês, conhecido pelas suas
publicnções de autores clássicos a preços económicos. [N. T.] mesmo que este tipo de transformação pode ocorrer quando a cono­
11
SULLIVAN, J. P. - The Poet as a Translator - Ezra Pound nnd Sexrus . ..
: tação é favorecida em detrimento da denotação.

The Kenyon Reviell', XXIll (3), Summer. 19ql, p. 462-82. . .. - �. ' Convido-te, meu Fábula, ajamarbem em minha casa, Idemro de alguns
11 O Professor W. G. Hale foi um proeminentecolmbatente anti-Pound e os . . .. ··�:....·�··
Propertius.
-.,..;. .··....

-

I contamo que tragas contigo


. ..�
dias, se tiveres o favor dos deuses, uma boa e
i
seus virulentos ataques à ttadução realizada por Pound estiveram no centro de lama ceia, I rrão esquecendo tmra bela rapariga, I vinho, /rumor e alegria. I Se

um longo debate sobre a natureza da 'fidelidade'. \ trouxeres isto, meu jovial amigo, I cearás então bem: é que a bolsa do teu Ca-

Í .· :
L:
:.\
·· · : )'·
•,
l42 143

An Invitation to Dilmer An essence to my /ady given


By ali the Loves and Venuses;
Cenabis bene, mi Fabulle, apud me Once snijf it, you '11 petirion lreaven
í To make you nose and only nose.
paueis, si tibi difavellt, diebus, {

si tecum attuleris bonam atque magnam (Sir William Marris, 1924)


(2) say Fabullus

I.
cenam, 11011 sine candida puella
f
et vi11o et sa/e et omnibus cachbrnis. you'll get a swell dimzer at my house

lraec, si, inquam, attuleris, emtste nostel; a couple three daysfrom now (ifyour luck lrolds out)
ali you gotta do is bring tire dinner
cenabis bene; nam tui Catulli 1: .
atzd make it good and be sure there 's plelll)'
plenus sacculus .est arm1earum.
Oh yes don 'tforget a girl (/ like blondes)
sed contra accipies meros amores
and a bottle of wine maybe
seu quid suavius elegantiusl'e est:
And any good jokes and srories you 'e heard
110111 mlguentum dabo, quod meae puel/ae
just do that Like I te/1 you ol ' pai ol' pai
donanmt Veneres Cupidinesque,
you 'li get a swell dim1er
qttod tu cum olfacies, deos rogabis,
?
tottllll ur te facia/11, Fabu/le, naswn.
r· wlzat,
(Catulo, 13)
l' !• about,
:
(1) Now, please tire gods, Fabu/lus, you t:
i . . ME?
Slzafl dine her·e we/1 in a day or two; .
I well;
,I
But brb1g a good big dimrer, mind,
. well here take a look i11 my wallet,
Likewise a pretty girl, and wine
j'·'
yeah those're cobwebs
And wit and jokes ofevery kind. but here,
Br.fng these, I say, good man; and dine I'll give you something too
Rígllt well: for your Catullus ' purse I CAN'T GIVE YOV ANYTHING BUTLOVE BABY
Is full - but only cobwebs bears.
·
no?
Bm you witlr /ove it.self I'll dose, well lrere's something nicer anda little more c/1erce maybe
Or wlzat still sweeter, finer is, I got perfume see

· ��:i.:.
. " �.. it was a gift to HER
-:- ""::""" . . . ·
.�

i l ·'
straiglztfrom .VENUS a11d CUPID LTD.
tu/o I está cf1eia de teias de ara11ha... Imas em troca receberás Amizade pura I
·: · \ V
w/zen you get a whiffof tliat you 'llpray ti!e gods
ou uma coisa al11da mais suave e mais dÚti11ta: Idar�ze-ei do perfume que à mi·
to make you (yes you will, Fabul/us)
111Ja amada I deram as Vénus e os Cupidos, I e, qua11do 111 o aspirares, rogarás
.....�, ":.:
. ..:..:. L1 .. ALL
aos deuses I que te façam todo 11ariz. meu caro Fdbu/q, (CATULO, Caio Valé�
· ;..":7:;...·: •..

NOSE
rio - Poesias. Texto latino e versiio portuguesa por Ema Barcelos. Porto: Porto ,'• 1

Editora, 1975. Tomo 1). [N. T.] (Frank O. Copley, 1957)


··; ,

145

(3) /uviting a friendfor supper Nor shall our cups make any guiltie men:
But, ar our parting, we will be, as wlzen
To night, grave sir, both my poore house, and I We bmocemly mel. No simple word,
Doe equally desire your companie: That shall be utter'd at our mirtlifull boord,
Not tlzat we tllinke us wortlzy such a ghest, Shallmake !IS sad next moming: or affright

..!
8111 that your wortlz will dignifie ourfeast, The libertie, that wee'll eu.joy to night.
With rhose that come,· whose grace may make that seeme (Ben Jonson)" f
'
Something, which, e/se, could hopefor no esteeme.
. :·
lt is thefaire acceptance, Sir, creates É óbvio que os três poemas ingleses são muito dife­
The entertaimnent petfect: not tire cates.
rentes entre si; são visualmente diferentes em termos de
Yet shall you !lave, to rectifie your palate,
An olie, capers, or some better sal/ade tamanho, forma, organização dos versos e extremamente
Ushring tlze nmtton; with a slzort-leg'd hen, diferentes no tom. O que têm em comum é o que Popovic
If we can get her, fu/1 of egs, and then, designa por núcleo invariante, i. e., elementos como o
Umons, and wine for sauce: to tlzese, a com!)' · convite para jantar, o tom jocoso e temo e a declaração
Is 1zot to be despair'd of, for our money;
de pobreza. O que falta na terceira versão, contudo, e está 1:
luzd, though fowle, noHt, be scarce, yet there are clarkes,
presente no original e nas outras duas, é o elemento do
The skie not falling, thinke we may ha�e larkes. .. l
He tell your more, and lye, so you will come: elogio a Lesbia. O núcleo invariante compreende o tema e I

. i!
r
Ofpartrich, pheasam, wood-cock, of which some o tom, já que a forma e a abordagem utilizadas pelos ou­
May yet be there,· and godwit, if we can: . . tros tradutores divergem bastante. Marris tentou nitida­ .. I
Knat, raile, and niffe too. How so ere, my man 1-
, mente produzir uma tradll:ção literal tanto quanto o permi­
Shall reade a piece ofVirgil, Tqcitlls,
tem a sintaxe e as estruturas formais da rima e do metro
Livie, or of some better booke to us,
Ofwhich wee'll speake our minds, amidst our meat; inglesas, mas o método é tão redutor que no verso 10 já o
And Ile professe 110 verses to repeate: sentido se encontra obscurecido e embotada a agudeza do
To tlzis, if ought appeare, which l 11ot know of, poema. O talento de Catulo consiste em comprimir uma
That will the pastrie, not my paper; show of grande quantidade de informação numa moldura apertada,
r
. "'�-::".;':.�17�:
Digestive clzeese, andfruit there sure will·bee; .
em ·escrever um poema que é a um tempo �m convite li­
But that, which most dotlz take my Muse, and mee, :·· I.
��·. :
:'' geiramente cómico a u m amigo e um elogio à ·mulher
Is a pure cup of riclz Canary-wine, r�
Wlzich is the Mennaids, now, but shall be mine:
.-:
�.-· amada. Além disso. o seu êxito depende da fa.rniliaridade
Of which had Horace, or Anacreon tasted, ,, . ... . j::...
.
: . ,• . � -=�· .

Their lives, as does their li11es, till now had lasted. • Agradeço ao meu colega Paul Merêhant por me ter chamado a atenção
Tabac�o. Nectar, or Pooly', or Parrot by; para estes exemplos.
146 147

do leitor com um conjunto de sistemas de referência - a de garantir o predomínio da caracterização do emissor so­
piada sobre os deuses, por exemplo·, ou o significado do bre todos os outros elementos. A sua versão é um monó­
perfume, que não dizem nada ao leitor contemporâneo. logo dramático mas, em vários aspectos, aproxima-se
Marris, porém, escolhe traduzir as palavras apesar de as muito mais do original do ·que Marris. O seu verso de
referências serem obscuras, optando por uma curiosa for­ abertura, Say, Fabullus, detém o impacto imediato do pn­
mulação arcaica nos versos 1 1 e 12. Utiliza o termo es­ meiro verso de Catulo, corttrariamente à formalidade do f
sellce em vez de pe1jume, traduz meae puellae pelo ele­ primeiro verso da versão de Marris onde o elemento ami­
vado to my lady e mantém o plural da forma Veneres zade é colocado depois de so please the gods e, portanto,
Cupidinesque embora o significado desse plural passe distanciado. As inserções e os acréscimos ao original de
despercebido aos leitores ingleses. Nos dois últimos ver­ Catulo são tentativas propositadas de clarificar pontos que I.

sos encontra outras dificuldades. Ao traduzir tu olfactes .i possam ser obscuros para o leitor do século XX - assim,

por sniff it, Marris altera o registo, regressando logo na o verso I CAN'T GIVE YOU ANYTHING. BUT LOVE
segunda parte do verso a uma linguagem mais polida, mas BABY visa ligar as duas partes do poema que na versão de
desta vez com todas as conotações do termo heaven (o Marris parecem tão desniveladas. P�r outro lado, a frase

termo escolhido para traduzir deo.»�em oposição a god. É VENUS and CUPID J.,TD. constitui uma tentativa de cla­
rificação por outro método. Aqui, a jocosidade original
caso para nos interrogarmos sobre quais terão sido os cri­
que advém da forma. plural foi transposta para outro sis­ .
térios de M.arris na tradução deste poema. Se ele tivesse
·:
tema de· humor em que a piada deriva da utilização dos no­
querido· meramente transnútir o conteúdo do <?riginal aos
mes dos deuses num contexto desviante.
.\
leitores ingleses, ter-se-ia contentado com uma paráfrase;
Assim sendo, a versão de Copley, longe de ser uma
donde decorre que ·se preocupou em criar um poema e� I

Inglês. Marris não logrou escapar a�s escolhos que espe­ . . '\
I� :,:;\.
desvirtuação do original, aproxima-se em alguns aspectos
mais do poema latino do que a versão mais literal de Mar­
ram o tradutor que decide prender-se a um esquema rimá- .
f
, ,· . ·. ris. Como Popovic afmnou, o facto de o processo de tra­
tico muito formal na versão da língua de chegada, em pre­ • i,:
dução poder envolver transformações nas propriedades
juízo, como no c�o em �preço, de dotar o' poema inglê� .
. semânticas do texto não significa que o ·tradutor pretenda
de algumà força e substância. ·
sub-valorizar a força semântica do original; significa, an­
. · Os critérios de Frank Copley, por outro lado, são muit�
tes, que o tradutor
claros. Centrou-se no to':ll joc.oso e coloquial do original,
na relação íntima.9ue transparece 4o poema entre o emis-· Se empenha em veicular a substância semântica do original apesar
sor e o destinatário e actualizou a linguagem na tentativa das düerenças que separam o sistema do original do sistema da
�·
·� .
.
·
149
l48

I
And, though fow/e, now, be scarce, yet there are clarkes,
tradução, apesar das diferenças entre as duas línguas e entre os
The skie notfalling, tlzinke we may have larkes
dois métodos de apresentar o assunto.14 . Il [Embora a minha capoeira esteja despovoada, se o céu não
.,_

Seja como for, a versão de Copley é difícil de justifi­


i

I
desaparecer, haverá para comer pelo menos uns pássaros.]

car quando se compara o seu registo ao utilizado por Ca­, A declaração de pobreza, � afeição entre os dois amigos, o ,
tulo. Afinal, Catulo era um aristocrata e a sua linguagem contraste entre o que é projectado como o jantar ideal e o
embora flexível, era elegante, e o sujeito poético de Co­
1

jantar possível, todos estes elementos são brifuantemente


pley é a caricatura de um adolescente da geração de expressos por Jonson. O elogio à rapariga desapareceu e
Johnny Ray. A sua escofua do registo provoca no leitor em seu lugar surgiu o amor ao saber; o perfume foi subs­
uma reacção que degrada o próprio material. O poema tituído por um vinho das Canárias que daria vida eterna a
deixa de ser uma mistura bastante suave e sofisticada de Horácio ou a Anacreonte. As duas secções do poema fo­
vários elementos para ser localizado com muita precisão ram perfeitamente respeitadas, mas foram . utilizadas de
num tempo e num contexto específicos. E, é claro, aip.da maneira diferente pelo poet�. O poema de Jonson consti­
)
. '•

que tenha passado relativamente pouco tempo desde que a I. tui um ex�mplo acabado daquilo q�e Ludskanov descreve
tradução apareceu, a linguagem et� tom tornaram-se quase i como transfonnação semiótica (cf. supra p. 42) ou Ja­
tão longínquos quanto o original! II · kobson como transposição criativa, pois Jonson tomou o
A terceira versão não é obviamente uma tradução lite­ poema de Ca�lo e trabalhou a partir dele para lhe insuflar
· v·. umaHá, nova vida no contexto da Inglaterra renascentista.
. !:

ral do Poema 13 de Catulo, conquanto ela se aproxime


.:

mais de Catulo no tom, no humor e no registo do que qual­ porém, um outro elemento no poema de Jonson
quer das outras versões. Compare-se o suave gracejo
·
. . l �. .. que levanta de novo tóda a problemática da intertextuali-
'

... : 1, /.:�.:.. dade. O sistema de humor presente·no poema é acessível


·l' ·.<.
a qualquer leitor; más o leitor familiarizado com o poema
Haec, si, inquam, attuleris, venuste noste1;
de Catulo depara-se com outro sistema de humor que en­
.

. J( . . tra em jogo com o do original. Neste caso, o tradutor que,


. '

Cenabis bene ;

. .. ·.
-- jj; e a o
[Se trouxeres isto, meu jovial anúgo,

��� ::�:��� :�� ti�! ::�:��O:���::!:��o:�


cearás então bem:]

com .·!\�; · inglês e o poema latino e os ecos sintácticos através dos


.. : J ·::c. . quais Jonson deliberadamente recorda o texto fonte ao lei-
·

:u J�f' e d o ser
· ..

14 Popovi� - Op. cit., p. 49. �:o���! ���:b���:O:a :eia�� �o:������·


·· lT:·
< : �),��;
151
150

Michael Rifaterre, no seu livro Semiotics of Poeny, ela se distanciava em termos de função. Em contrapartida,
sustenta que o leitor é a única instância onde se faz a liga­ grandes desvios na forma e na linguagem aproximaram-na
ção entre o texto, o interpretante e o intertexto e sugere da intenção original. Este não é, contudo, o único critério
para a tradução de poesia. Uma análise de duas tentativas
que
de tradução do· poema anglo-saxão Tlie Seafarer revela
A fabricação do sentido pelo leitor não corresponde tanto a urna um conjunto muito diferente de princípios . .Dada a exten- r
progressão ao longo do poema e a uma justaposição semi-aleató­ são do poema, a discussão restringir-se-á apenas a algu­
ria de associações verbais quanto a um reconhecimento intenni­ mas passagens.
tente do texto exigido pela própria d\}alidade dos signos - não-gra­
maticais como a rnimese; e gramaúcais, dentro da rede de The Seafarer
significações. u
(1) A song l sing ofmy sea-adventure,

Segundo Rifaterre, na mente do leitor desenvolve-se


The strain ofperil, the stress oftoi/,
Which oft I endured in anguish ofspirit
,
um processo de "contínuo recomeço" e uma indefirúção

. . ! -::.
Througlt weary• lzours ofaching woe.
ora superada ora retomada, a cada nova "significação re-
: i My bark was swept by the breaking seas; .
um
velada". É, em · sua opinião, estdiDutuação que toma ·. Bitter tlze watch from tlze boiv by niglzt

· I.
I :-: :·
poema continuamente legível e fascinante. Mas se Rifa- · As my slzip drove 011 witlzin sowzd ofthe rocks.
Myfeet were numb with the nfpping cold.
i-

·· ·
terre está certo quanto ao modo como descreve a aprox · ::

_ . _::j1f:..\
Hzmger sapped a sea-weary spirit,
mação do leitor à obra poética - e, no início 'do seu livro, And care weiglzed lzeavy upou my heart.
·::

.. .
após vá-
ele afirma que as camadas de sentido só emergem Little rhe landlubber; safe on slzore,
_
.

a ·
rias leituras -. então,' esta tese reforça o argumento contr
Knows wlzat I've suffered i11 icy seas

:: �::1!::�:�� : ::�V:� =:� : :�:�:�� · .


: ·
·
·

Wretclzed and wom by tlze winter stonns,

. .••.!1 �'.·:' •. .
Hung wirlz icicles. sfung by lzail,
u e e t i

.
Lonely andfriendless andfarfrom home.

�� ::: :�:� ��:: : ��� ::!: �:� [*.


restritiva d_e um poema. ._ ;.-_::. _
ln my. ears no sound but the roar oj tlze sea,
d p . 7· ' ·.

p Tlze icy combers, the cry ofthe swan,·
A õ . · :� :
que q �� uç ap o a c
· i � :· . .
ln place oj the mead-lzall
My only singing
and laug/zter ojmen
the sea-mew's ca/l,
ção das estruturas linguísticas e formais do original m� . . ·. · ! . ,_
\

The scream ojthe gannet, tlze shriek of tlze gull;

t-
.. . :.... I ···"'�:
l '

Through tlze wail ofthe wild gale · beating tlze bluffs


· · : ·
u RIFATERRE, Michael - Semiotics ofPoetry. Bloomington; London: lil­
. . · �·· The piercing cry ofthe ice-coated petrel,

diana University Press, 1978, p. 166.


. . :_, : ki.· The stonn-drenched eag/e!s eclzoing scream.

_l__
152 153

ln all my wretchedness, weary and lone, Wlzat woe men endure in exile 's doam.
I llad 110 comfort ofcomrade or kin. Yet sti/1, even now, my desire outreaches,
Little indeed can he credit, wllose town-life My spirit soars over tracts ofsea,
Pleasantly passes infeasting andjoy, ., ' O'er the home ofthe wha/e, and tlze world's expanse.
Sllelteredfrom péril, what weary pain Eager. desirous, the lone sprire retumeth;
Often /'ve suffered inforeign seas. . Ir cries in my ears and it urges my Jzeart
To the patlr ofthe wlzale ·and tire plunging sea.
f
Night shades darkened with driving stiOW
From thefreezing north, and the bonds offrost (Cbarles W. Kennedy)
Finn-locked the land, whilefalling hail, . : . T11e Seafarer
Coldest ofkentels, encrusted earth.
Yet still, even tiOW, my spirit witllin me (2) May Ifor my own self song's rrnth reckotl,
Drives me sea-ward to sai! the deep, Joumey's jargon, how l in harsh days

To ride the long swell of tlte salt sea-wave. Hardship endured oft.
Never a day but my lleart's desire Bitter breast-cares lzave I abided,
Would lazmch me forth on the long sea-path, lúzown on my keel many a care's hold,
Fain offar harbors andforeign shores. And dire sea-surge, and there I oft spem
Yet lives no man so lordly of mood, Narrow nightwatch nigh the shi p 's head
So eager in giving, so ardent in Yc*ttll, Wlzile slze tossed close to cliffs. Coldly afJJ.icted,
So bold itz his deeds, or so dear to his Iord, Myfeer were by frost benumbed.
Who isfree from dread itz hisfar sea-trave/, Chill its clzaitls are; chaftng siglrs
Orfear of God's purpose a�zdplan for l!is fate. Hew my lzeart rormd and lzunger begot
The beat ofthe l!arp, and bes.towal oftreasure, Mere·weary mood.' Lest man lmow not
The /ove ofwoman, and wnrldly llope, Tlzat lze 011 dry land loveliest liveth,
Nor other interest can lzold his heart List how I, care-wretched, on ice-cold sea,
Save on.Iy the sweep ofthe surgit!g billows,· Weatlzered the winter. wretched olllcast
His heart is harmted by love oft!Je sea. Deprived ofmy kinsmen,· ·
Trees are budding and towns areJair; Hung wirh lzard ice-flakes, where hail-scurjlew,
Meadows kindle and all life quickens, There. l heard nauglzt save the harsh sea
All tlzings Jzasten tlze eager-lzearted, And ice-cold wave, at wlziles the swan cries,
Wlwjoy therein, . to jounzey afar, Didfor my games the gamzet's clamour;
TI4ming seaward to distant slzores. Sea-fowls' loudness wasfor me lauglzter,
Tlze cuckoo stirs !ri
m with plaintive call, Tlze mews' singing a,ll my mead-drink.
Tlze lzerald ófsumm·er; with moumfal song;. . Stonns, on tile stone-cliffs beaten, fell on the stem
Foretelling tJ�e-sorrow that stab.s the heart. ln icyfeathers; full oft the eagle screamed
Wlzo livetlr in (UXlt')� little lze I...710WS With spray on lzis pinion.

l
154 155

Not any pmtector Over tile whale 's acre·, would wander wide.
May make merl)' man faring needy. On earth 's shelter cometh oft to me,
This he litt/e be/ieves, who aye in winsome life Eager and ready, tlze cry•ing lone-jlye1;
· . :.. ·,· r.:. •

Whets for tire wha/e-patlz tire hearr irresistibly,


.

Abides 'mid burghers some hemry business,


Wealthy and wine-jlushed, how I weary oft O'er tracks ofocean; seeing that anylrow
Must bide above brine. My Iord deems to me this dead life
Neareth nightshade, snoweth from north, ' . ' . ·� .. On loan and Oll lalld, I believe not
Frostfroze the land, hailje/1 on ea11h tlzen, Tlrat any earth-wea/ etemal standetlz
Com of the coldest. Nathless there knocketh now Save tlzere be somewlzat calamitous
Tlze heart's thought that I on high streams Tlrat, ere a man 's tide go, tum ir to twain.
The salt-wavy tumult traverse alone Disease or oldness or sword-hate
Moaneth alway my mind's lust Beats out the breathfrom doom-gripped body.
That ljare jorrll, tllat I ajar hence Andfor this, every earl whatever, for those
Seek out ajoreign fastness. Speaking afier -
Fór this thefe 's 110 mood-/ofty man ove r earth 's midst, Laud of tire living, boastetlz some lasr word,
Not though he be given his good, but wi/1 have in his youth greed; Tirar he wi/1 work ere lze pass onward,
Nor his deed to tlze daring, nor lzis king to the jaitliful Frame on tire Jair eartlz 'gainstfoes his malice, .
Btll sha/l have his sorrow for sea{ara\ Daring ado, ...
. .
·. . ,·,\
Whatever his Iord wi/1. So that all meir slrall honour him after
He hath not heartfor harping, nor i11 ring-lzaving And his laud beyond them remain 'mid the English,
Nor winsomeness to wije, nor wor/d's delight ··. .
, I•,.', -Aye,Jor ever, a lasting life's blast, .
. . ..

Nor any whit e/se sae the wave 's slash, Delight 'mid the dotighty,
Yet longing con!es upon hirn tofareforth· Oll the water Da_ys little durable,
Bosque taketh blossom, cometh beauty ofberries, And ali arrogance of eartlzen riclzes,
Fields toJaimess, landfores briske1; There come now rw kings.nor Caesars
Ali this admonisheth ma11 eager ofmood, Nor gold-givbzg lords like tltose gón�.
The heart tums to trave/ so tizat /ze then thinks Howe'er in 1'fzinh most magnified,
. . ... ...-·: ,
On flood-ways to be far departing. Whoe er lied in lije most lordliest,
: .·
. ..

Cuckoo cal/eth with gloomy crying, ...•.---��'!·,-r.·;.�·�':<f-··..� . Drear.a/1 tlzis e:cistence, delights undurable!
. .. -::. :�·:·: .
. .. . ....
He singeth summenvard, bodeth sorrow, ... Waneth rire warch, but the wor/d holdeth.
17ze bitter heart's blood. Burgher knows not ­ Tomb hidetlz trouble. The blade is layed low.
He tlze prosperous man - what some perfonn , . ' . ' .
Earthy glory ageth ·and seareth.
WTzere wander.ing theni· widest drawefh. . . .. � ..:..���.S1f�: No mtm at ali going tire earth 's· gait,
So that but now my heart burstfrom my breastlock, Btit age fores agalnst· liim, his face paleth,
My mood 'mid the mere-jlood, Grey-haired he·groaneth, 'knows gane companions,
.
•· .. ':

'

.�: �'J.
r

I I.
156 157
I

I I
l '

Lordly men, are to earth o 'ergiven. no corpo do texto por fonna a retirar todo e qualquer pos­ : �
-

Nor may he then the jlesh-cover, whose life ceasetlz, sível significado cristão. Assim, nos versos 73-81 da ver­
Nor eat the sweet 1torfeel the sorry, i
são de Pound lê-se:
Nor stir hand nor think in mid heart,
And tlzough he strew the grave with gold.
His bom brotlzers, tlreir buried bodies And for this, every earl whatever, for those speaking after -
·

Be an cmlikely treasure hoard. Laud of the living, boasteth.some last word,


(Ezra Pound) That he will work ere he pass onward,
Frame on the fair earth 'gainst foes bis malice,
Daring ado. . .
Em primeiro lugar, há que determinar aquilo de que So that all men shall honour him after
trata o poema: trata-se de um diálogo entre um velho ma­ And bis laud beyond them remain 'mid the English,
rinheiro e um jovem ou um monólogo sobre o fascínio do Aye, for ever, a lasting life's blast,
mar apesar do sofrimento passado pelo marinheiro? De­ Delight 'mid the doughty,
ver-se-á entender a mensagem cristã como parte inte­
grante do poema ou estarão os elementos cristãos artí.fi­ O cotejo com uma tradução literal do mesmo passo
cialmente sobrepostos aos fundamentos pagãos? Em permite avaliar melhor o alcance das alterações introduzi­
segundo lugar, tendo o tradutor op.ihdo firmemente por um
' .
:. •: das por Pound:
•·· ··.
determinado tipo de apo�dagem ao poema, resta-lhe ainda
.. •" Wherefor the praise ofliving men wbo shall speak after he is gone,
a questão da forma da poesia anglo-saxónica: uma com­ !
.
. ;�:�_..
. . .. the best of farne after death for every man, is that he should strive
posição baseada em complexos padrões de acento no inte­ .
. ·. . ere be must depart, work on earth with bold deeds against the ma­
rior de cada verso, a cisão do verso em duas p�es (:( ainda ··
'·. ::.. lice of friends, against the devil, so that the chíl �en of men may
os magníficos padrões de aliteração que percorrem todo o ' ••
. ·: · later exalt hirn and bis prmse live afterwards among the angels for
, ' 1

·.
poema. Qualquer tradutpr deve, antes de mais, decidir o ever and eV"er, the joy of life eternal, delight amid angels.16
que constitui a estrutura glob� (i. e., se deve ou não omi­
tir as referências cristãs) e, depois, dec�dir sobre o que fa- · . .. Dest_e modo, deofle togeanes [contra o demónio] é

,Ô a oo

. ::.:·- .
zer ao traduzir um tipo de poesia que· depende de uma sé-· omitido no verso 76; mid englum [entre os anjos] fica mid
rie de códigos inexistentes na língua de ·chegada. · ,
.. ,
.
_ _ the English [entre os ingleses]; dugepum [anfitriões de
A tradução realizada por Kennedy_ limita-se aos pri­ anjos] fica the doughty [os valorosos]. Numa alteração de
meiros 65 versos de um total de 1 os·; pq� out;ro ���o,. a tra­ alcance ainda maior, a traduÇão de eorl [ho.mem] por earl
.
dução feita por Ezra Pound compreende 101 versos e,
tendo omitido a conclusão, foi obrigado a .fazer alterações 16 Trad. R. K. Gordon- Anglo-Saxon Poetry. London: Dent. 1926.
· r
· ,-::.::
:

158

[conde] acaba por centrar o poema de Pound no sofri­ Existe um vasto conjunto de bibliografia sobre a
159

ques­
I
I
i
!
mento de um indivíduo superior e não no sofrimento do tão da exactidão da tradução de Pound e seria possível in­ i

homem comum. A figura que emerge do poema de Pound


1
'o cluir a versão de Kennedy no âmbito do mesmo d�bate.
·
é a de um exilado atingido pelo desgosto, destroçado mas Porém, tal como Pound �firmou relativamente a Ho�nage,
não subjugado, que compara a sua vida solitária no mar e não foi sua intenção produzir uma transcrição literal, •e
a do homem uma atenta comparação entre o original e a sua tradução r
J

de The Seafarer revela claramente um elaborado conjunto


who aye in winsome life de jogos de palavras que mostram- um profundo conheci­
Abides 'mid burghers some �eavy business,
mento da língua anglo-sax.ónica. Parece que se pode dizer,
Wealthy and wine-flushed,
contudo, que uma proximidade linguística entre os siste­
[que leva uma vida galante,
mergulhado nos afazeres citadinos, mas de partida e de chegada não foi o principal critério de
rico e libando vinhos generosos,] Pound. No poema de Kennedy, são em men�r número os
grandes desvios em relação ao original, mas também não
Mas a figura r�tratada na versão de Kennedy, UJ?a figura se pode dizer que a proximidade t�nha sido um critério
que suaviza a agressiva repetição rlf\/ com o pronome com central. O quadro seguinte pode conduzir vagamente a . r
• • • l
f
função de complemento me e o determinante possessivo uma ideia dos critérios subjacentes às duas versões:
. I
..
•••

my, é semelhante à de misses, impelido por um insaciável


desejo. Os últimos versos da versão de Kennedy mostram ! Powzd Kennedy
a figura ulissiana num processo de auto-superação, e a (1) Verso livre Preservação do aspecto

.
propositada tradução de gifre [insatisfeito] pelo· termo visual do original
mais .positivo eager [ávido] (que Poui_?-d .?.()pia) �tera o . . ·'
·,
r pela manutenção
:.
!·:·
.

da cisão do verso em

): .. .
equilibrio d9 poema favorecendo a imagem do Seafarer
duas partes.
como uma personagem activa: ' .,
(2) llusão de preservação do Tentativa de preservar o
acento anglo-saxónico através acento original mesmo à
·. .
. . . . :. � ...

.Eager, desirous, lhe lone sprite returneth;


de versos cindidos e custa da monotonia no
.

·
.·.

It cries in my ears and it urges my hc;art


· To the path of the whale '. .·:·::.. irregulares' no texto traduzido. texto traduzido.
and tbe plunging ·sea. I
(3) Complexos padrões de Padrões de aliteração menos
1'':

[Ávido, insatisfeito, o espfrito da solidão regressa . . ...... ....L• ..


Orita aos meus ouvidos e impele o meu coração ··.. · "·l!�t''
:::,:-
aliteração superficialmente
similares aos do original.
complexos. .
Para a rota das baleias,- para o mar revolto.] . ·. ·.:.� .
.:. . .·�:
� �! �.

.. . .
·

.
:
_:
. . . ,i•.;.
. ,
..·. �·.
.
. . -��;·�{�: .
161
160

Alguma inversão e algumas (9) O poema tenta criar o 'sabor' O poema não tenta
(4) Tentativa de arremedar a
palavras compostas. do verso anglo-saxónico propositadamente reproduzir
inversão da sintaxe
germânica., as palavras Ex.: sea-wave; eager-hearted. através do artificio da o •sabor' anglo-saxónico.

compostas, os arcaísmos, etc. reprodução da forma. da


linguagem e dos padrões
Ex.: mood-lofty man; bosque
fonéticos anglo-saxónicos no
taketh blossom; any eartlz­
weal etemal standetll. texto meta. �-
'

Nenhuma tentativa de Utilização de uma linguagem (1 0) O poema tenta reproduzir o O mesmo.


(5)
modernizar a linguagem, o do século XX. modo elegíaco do original.
que resulta num poema onde Ex.: landlubber; l've. Uso
a linguagem e a sintaxe são continuado de pronomes com Esta tabela não é de todo exaustiva, mas serve para
consequentemente arcaicas e função de complemento com mostrar alguns dos critérios que a análise das traduções
•estranhas'. arcaísmos, dando origem a
pode determinar. A versão de Pound aparenta ser a mais
uma linguagem desnivelada e
complexa das duas, porque parece operar eni mais níveis
heterogénea.
do que a de Kennedy; porém, ambos os poetas usam cla­
(6) Tentativa de reprodução dos Nenhuma tentativa de
ramente o texto original como ponto de partid4 para a

I1..
r�rodução dos sons do
sons do original.
original.
construção de um outro poema com um sistema de signi­
ficação próprio. As : suas traduções baseiam-se na inter­
(7) Poema concebido como Poema concebido como o
pretação que cada um faz ·do original e na configuração
estudo de um indivíduo ): ·
não-cristão. �nfase nos
valores da força e da exilado. Não se tentam F dessa interpretação.

perseverança, próprios da eliminar as referências


Há quem défenda (cf. Longfellow, p. 120 supra) que a
cultura gennãnica anterior ao religiosas, mas a decisão de tradução e a inte1pretação são duas actividades separadas
apenas traduzir uma parte do e que é dever do tradu�or traduzir o que lá está e não 'in­
É óbvia a falácia deste argumento: se cada lei­
cristianismo. Omissão dos
últimos versos; omissão ou poema evita quase todos os . terpretar' .
modificação de todas as problemas dessa natureza.
tura é
u�a interpretação, as duas actividades não podem
referências a Deus, à vida
separar-se. James Holmes desenhou. o. seguinte diagrama,
eterna, etc.
muito útil para mostrar a inter-relação entre tradução· e in­
o poema tenta mostrar o . O poema tenta relacionar o
(8) terpretação crítica: 17
indivíduo num mundo mundo anglo-saxão com o
distanciado em termos de mundo do leitor . 1 7 HOLMES. James .,.... Forms of Verse Trnnslntion and the Tmnslntion of

tempo, espaço e valores. contemporâneo. Verse Fonn. ln HOLMES, Jam�· (ed.) - The Nature ofTranslation. The Hague;
Paris: Mouton, 1970.
162 163

Poema As traduções de Tlze Seafa.rer e do poema de Catulo


. l
-. ! ·
acima discutidas ilustram algumas das complexidades en­
Ensaio critico na Poema inspirado

I
llngua do poema por poema volvidas na tradução de poesia quando existe uma distân­
cia demasiada, em termos de tempo e de espaço, entre as
Ensaio critico noutra Poema acerca de
I culturas de partida e de chegada. Todas as ·traduções re­

llngua outro poema
flectem a leitura, a interpretação e a selecção de critérios f

" Il
operadas pelos tradutores individuais e detenninadas pelo
Tradução de poesia
(metapoema) ,·••Il
,. .. .açã conceito de função quer da tradução quer do texto origi­
o
nal. Pelos poemas analisados, vê-se que nalguns casos a
Interpretação
Poesia modemização da linguagem e do tom foi prioritária en­
quanto noutros a característica donúnante foi a arcaização
propositada. O êxito :ou o fracasso destas tentativas é dei­
A tradução de poesia situa-se .no ponto axial onde vá­
xado ao discernimento do leitor, mas o recurso a diferen­
rios tipos de interpretação se interseccic;mam com vário_s Ú!s métodos serve para realçar a ideia de que não há uma
tipos de imitação e d�rivação. O tradu��r continua a pro­ única maneira certa de traduzir um poema tal como não·há
duzir 'novas' versões de um d�d5l texto, não tanto para uma única maneira certa de o escrever.
aÚngir u�a 'tradução perfeita' ideal, �as porque cada ver- . 1 Até aqui a discussão limitou-se a sistemas longínquos
. - 1· ·

são anterior, sendo determinada pelo contexto, representa


. entre si. Quando consideramos a questão de traduzir um
uma leitUra acessível à época em que foi produzida, e, !:_" escritor contemporâneo, neste caso, poema de Giu­
!: .
um
além disso, é individual. As vers_ões que William Ivlorris seppe Ungaretti (1888-1970), surgem outros problemas. O
produz�u. de Homero ou do Beowulf são idiossincrásicas I :-:_ poema é característico de Ungaretti na medida em que é
por du.as razões: el�s brotam.do próprio sistema de priori- . , . J�-
t"
'' tão linear e despido q�anto uma escultura de Brancusi e
dades de Moreis � da sua- opção pela linguagem e pelas ; extremamente intenso na sua aparente simplicidade:
formas arcaicas, mas são também vitorianas na medida em ·
: l ·i
.
que exemplificam um conjunto de códigos característico . ,�.-.. ... . ... �._,1· . . .
•. _ :
··.·. .

de um determinado período temporal. A grande diferença


1
· ·

entre um texto e um metatexto é que o primeiro se encon­


.

tra.fixado no tempo e no espaço e o segundo é variável. Há


. · -

somente uma niviAd c��úfedià; mas �á iiiú eras leituras
e teoricamente inúmeras traduções.
165
164

Vallone, 20 April 1917 usar normas da língua italiana numa estrutura linguística
Un'altrn notte, inglesa. Acontece, assim, que a força do original de­
ln quest'oscuro pende da regularidade da ·ordem vocabular e a do texto
colle mani
gelate '] inglês
O
depende da estranheza.
problema da configuração espacial· é particulir­
distingue
.,... . i� ' mente difícil quando se trata de verso livre, pois a confi- f
l1 mio viso . 'i
Mi vedo
. guração _tem ela própria significado. Para ilustrar este

.r
I

I
facto, se tomarmos a �élebre frase sem sentido de Noam
·
·

abbandonato nell'infinito
l
Chomsky - Colourless green ideas sleep furiously [As
Também típica de Ungaretti é a configuração espacial do
i
I
ideias verdes sem cor donnemfuriosamente] - e a confi­
que
poema, uma parte intrínseca vital da estrutura global, gurarmos da seguinte forma:
i
tica
interage com o sistema verbal para construir a gramá
especial do poema. Assim, a configuração espaci al é

aspecto que o tradutor deve ter em conta, mas é eviden


te
um
.I CoJourless
green ideas
.
que não foi bem o caso nas versões abaixo reproduzidas
sleep

(A) ln this dark C'é) ln this dark furiously . . ..


with frozen hands with hands
a aparente falta de harmonia lógica entre os elementos da
1 make out frozen
I .make out frase poderia ser aceitável, uma vez que cada 'verso'
my face

.. " . ·: . i : :�
my face '··
acrescentaria uma ideia e o sentido global derivaria da as­
r
·

1 see myself I see myself · : sociação de elementos ilógicos numa estrutura regular

: ·;_"J,L-�: :: ::
.

adrift in infinite space. abandoned in the infinite.


O significado não seria, contudo,
aparentemente lógica.
(Patrick Creagh) (;barles Tomlinson) ·
< . detehninado pelo conteúdo, mas pelos signos, porque

..

1: •
. .

Na versão A há apenas seis versos contrariamente a s


st-
... +r
·
quer as palavras isoladas quer a associação de ideias acu­
mulariam· sentido à medida que o poema fosse lido.
sete do original e da versão B, o que se deve à propo T-t�
.
·

tada regularização da sintaxe inglesa no segundo verso. - ,-� - (_;: · ·


?l ... AS'düas traduções do poema de Ungaretti tentam de

A versão B, contudo, distorce a sintaxe da língua de


che-
: 1--- ·

gada por forma a manter o adjectiyo frozen 1solado no . . . :: .!:;:)�


. • . .:.'!'r;'
.
algum modo configurar uma estrutura visual conforme ao
original, mas não deixa de se vislumbrar a distância que
� ,:.:::.!���,.:.
terceiro verso paralelamente ao origit�al gelate. Esta
. :, r;\·'
is- existe entre .as sintaxes italiana e inglesa. Ambas as ver­
sões inglesas parecem enfatizar o pronome pessoal /, por­
.

torção da sintaxe, que produz um efe1to totalmente d1fe-


rente do do original, deriva de uma decisão deliberada
de . : Jy; : ; _.
que a estrutura da frase italiana pode dispensá-lo. Ambas

--- - :-- rY
. ::, rlf(:
_
·

;:
�� .

; :" �Y�,
166 167

optam por traduzir distinguo por make our, o que altera o n�utro." Sustenta, contudo, que, graças a urna das grandes

. �. .
registo em Inglês. O último verso do poema, propositada­ conquistas da investigação semiótica recente, esta visão já
mente mais extenso na versão original, também resulta � ... não é aceitável uma vez que, de acordo com o conceito de
mais extenso nas duas versões, observando-se aqui, con­ intertextualidade, todo o texto é em certo sentido uma tra-

tudo, uma grande divergência entre as duas. A versão B dução:
' ;
!
mantém-se próxima do original ao reter o derivado do La­
tim abandoned em oposição ao termo anglo�saxónico Todo e qualquer texto é um conjunto de d,etenninadas transforma- f
ções de outros textos, precedentes e circundantes, dos quais pode
adrift da versão A. A versão B mantém o termo ilzfinite,
-
que na versão A é uma estrutura mais elaborada ilzfinite
até não estar inteiramente consciente; o poema constrói-se dentro
desses outros textos, contra eles e percorrendo-os transversal­
space, uma opção que acrescenta também um elemento de
mente. E estes outros textos são, por sua vez, tecidos com ele­
rima ao poema. mentos textuais pré-existentes, cujo momento primordial de 'ori­
A aparente simplicidade do poema italiano, com as
·. J
i gem' nunca poderá ser lobrigado. •a
suas imagens claras e estrutura simples, esconde o rec�uso
calculado ao que os Formalistas Russos designaram por
ostranenie, f
isto é, tornar estraç. o, ou conscientemente ..j
J O
tradutor pode, portanto, libertar-se das restrições
impostas pelas copvenções que regeram a traduÇão
.
. ·
em di-

· ·
adensar a linguagem de uma obra individual por forma a ; ferentes momentos da História e tratar o texto
.
-
mtensi:ficar a sua percepçao (cf. 11ony Bennet, Ro1�nazzsm
· . . iF/:,.
responsa-
velmente como o ponto de partida para o metatexto
ou a

. Ir ; ,
and Mm.xism. Londres, 1979). Nesta perspectiva, a versão· : ,· / leitura-tradução (uma leitura interlinguística), uma vez
A, gue vai em busca da 'normalidade' d�s estruturas lin- que, como se deduz dos exemplos · acima analis
ados, 0
·:. · '
•· J2:
guísticas .usadas por Ungaretli, perde muita da força da-- · processo de tradução activa diferentes critérios, e todos
quilo que Ungaretti designa por 'imagem verbal'. Por outro envolvem necessariamente transformações expressivas
à
·
.

'l
lado, a versão B opta por um registo mais elevado, recor- medida que o tradutor. se esforça por combinar a
sua lei-
· �
rendo . a artifícios retóricos como a inversão da estrutura 1. �·�
". f\� ·
tura pragmática com os ditames do sistema cultur
frásica e a utiliz�ção do vocábulo derivado do Latim no úl- ·. ..
chegada O leitor pode não gostar da versão que
al de

. . '':·tti.t · ' ·
... Frank

. : '1 :{.
timo, longo verso, para, por outra via, adensar a linguagem � Copley criou de Catulo, muito ao estilo dos anos de 1950

· · J:-
Num breve, mas muito útil, artigo sobre tradução, . ou do arremedo que Ezra Pound faz da poesia
anglo-saxó-
Terry Eagleton observa que o debate se tem centrado na . · nica ou da versão levemente empolada que ToiQlinson
. . . ....:. !�\:..
faz
noção de que o texto é u.m determ.Plado dado "centrando; .
' r >.
-se então a controvérsia em determinar que operações (li- -
, M�; .
11 EAGLETON, Terry Translation and Tran'sfonnation. Stand, 19 (3),
vre, literal, recriativa) são necessárias para o transformar .. : .
p. 12-7.
.

Jl.
.
!

i
i
:; .! t. �

t
168 169 r
!

She that me lemeth to !ove and suffer


de Ungaretti, mas ninguém pode deixar de reconhecer que
And will that my trust. and lustes negligence
os textos traduzidos resultam de um conceito de tradução
. . Be rayned by reason, shame, and reverence
.
.

ponderado e concebido com uma precisa função em mente. .-


.
: ':

With his hardines taketh displeasure.


Antes de concluir este breve panorama sobre alguns . \ Wherewilhall, vnto the hertes forrest he fleith,
dos critérios que presidem à tradução de poesia, proponho Leving his enterprise wilh payne and cry
observarmos mais um texto e duas versões inglesas, todos . ·: .. . And there him hideth and not apperetb .
I'I
What may I do when my maister ferelh,
distanciados do leitor contemporâneo por vários séculos.
But, in lhe felde, with him to lyve and dye?
Uma qualidade interessante destas traduções prende-se
For goode is the liff, ending faithfully.
com o facto de os tradutores, ao optarem por manter e não
(Sir Thomas Wyatt)
por substituir a forma do texto original, terem introduzido
uma nova forma no sistema de chegada, no caso, o soneto. Lave that doth raine and live wilhin my thought,
And buylt his seat within my captive brest,
Amor, che nel penser mio vive e regna Clad in lhe armes wherein with me he fowght
e '1 suo seggío maggior nel mio cor tene, Oft in my face he doth his banner rest.
talor armato ne la fronte vene, But she that tawght me love and suffer paine,
,. My doubtfull hope and eke my hote desire
ivi si loca, et i vi pon sua insegna.
QueUa eh' amare e sofferir me 'nsegna Wíth sahnmfast looke to shadoo and refrayne,
e vol che '1 gr� desio, l'accesa spene, Her smyling grace convertyth straight to yre.
ragion, vergogna e reverenza affrene, And cowarde love than to the hert apace
di nostro ardir fra se stessa si sdegni Taketh bis flíght where he doth lorke and playne
Onde Amor paventoso fugge al core, His purpose lost, and dare not show his face.
lasciando ogni sua impresa, e pinnge, e trema; For my lordes gylt thus fawtless byde I payne;
ivi s'asconde, e non appar piil forc. Yet from my lorde shall not my foote remove.
Ch� poss'io !'ar, Lernend.o il moi signore, Sweet is the death ihat taketh end by !ove.

. . . . . ·�-
i fm a l'ora estrema?
se non star seco n (Surrey)
ché bel �n fa chi ben amando more.
(Francesco Petrarca)

r�r· . .. .
Quando comparados os três sonetos, o aspecto mais
impressionante diz respeito ao grau de variação entre eles.

. .7;-;-; ·l�r-f::. j ·· '-


.

The longe lave, that in my thought doeth barbar


O soneto de Petrarca é constituído por um grupo de oito
And in myn hert doeth kepe his residence ..
Jnto my face preseth with bold pretense. . versos seguido por outro de seis e segue o esquema rimá­
tico a b ba I a b ba I c d c I c d c. O soneto de Wyattdi-
[
And therin campeth, spreding his baner.

1
170 171

vide-se de forma sinúlar, mas o esquema rimático varia: momento?, acrescentando, no último verso, que aquele
a b b a I a b b a I c d c I c d d, o que serve para isolar os dois que morre amando acaba bem.
últimos versos. O poema de Surrey varia ainda mais: a b a b No poema de Petrarca, o Amante apresenta-se como
I c d cd I e c e c I f f e constitui-se em três conjuntos de túnido, respeitoso e subordinado, quer aos desejos da Se­
quatro versos em crescendo até à parelha fmal. O signifi­ nhora quer ao comando do Amor. Não é o sujeito, mas sim
cado destas diferenças de forma torna-se claro a uma lei­ o objecto da acção, e a estrutura do poema - com uma f
tura atenta de cada soneto. .,
única utilização da primeira pessoa do singular da forma
O soneto de Petrarca começa com um conceito: o verbal, no fmal do poema - reforça essa imagem. O último
Amor, mestre e senhor do coração do sujeito poético (o verso, uma elaborada expressão verbal, enfatiza as virtu­
Amante), é representado como um comandante militar des da passividade, ou melhor, do tipo de amor passivo
que coloca as suas insígnias no rosto do Amante assim se que é encomiado ao longo do poema. Não basta, todavia,
tomando visível. A frase formada pelos primeiros quatro considerar este poema isoladamente; ele deve · Ser enten­
versos começa com a palavra Amor e termina com Amor dido como parte do Canzoniere de Petrarca e,. portanto,
mostrando as · suas cores. Nos quatro versos seguintes há em articulação com os outros poe�as da colectânea, atra­
uma mudança de perspectiva, �ntrando-se agora sobre vés de estruturas linguísticas, imagens e um padrão central
Quella eh 'amare e sofferir me 'nsegna [Aquela que me en­ : "' de configuração. Além disso, a atitude expressa pelo
I
� .
sina a amar e a soft·er]. De novo os quatro versos formam Amante neste poema (que se articula com a visão, vigente
. .
� .

no século XIV, do papel do amor e da escrita) não deve ser


. ·I .
uma única frase que começa descrevendo o desejo da Se­
nhora de que o Amante.se reja pelá razão, pela vergonha e tomada demasiado à letra. O leve humor irónico que per:­
pela reverência e termina com o verbo si sdegna '[desde­ . . passa na descrição da derrota do Amor e da impotência do
\.,
nha], a ideia principal à volta da qual o poema gira. O ter­ Amante para algo que não seja obedecer-lhe abala os sé­
ceto seguinte descreve a fuga de regresso do Amor ao co­ rios princípios· morais subjacentes ao poema. A voz do
ração, o seu receio pelo descontentamento da Senhora e a poema tomado na sua globalidade é, assim, diferente da
consequência, que é esconder-se. É, contudo, no terceto fi­ . :.·�-;
.- 2.�·;:·r voz do Amante.
� :.. \ ·
nal que o Amante fala, dirigindo ao .leitor uma pergunta di­ A tradução de Wyatt opera uma série de transforma­
recta provocada . pelo desespero de estar irremediavel­
. . ..,...
. ' •·.· ções significativas, a começar pelo primeiro verso, com a
.
' . . ···.�.
mente ligado, numa relação feudal, ao seu Senhor, o ' . adição do adjectivo longe, que trai a clara personificação
· . .. . :-.:· . �;, .
Amor. O que posso faier, pergunta, se o meu Senhor re-' . � do primeiro verso de Petrarca. Além disso, em Petrarca o
l;r:
ceia (e eu receio-o a ele), senão ficar com ele até. ao último (' : Amor "vive e reina", em Wyatt o Amor "in my thought
...··rzfe··.l·, .
..
!
;:
\1,
li'
�.'{:
. ��--
172 173

doeth harbour" [habita o meu pensamento]. É na versão de Amante formula o ideal alternativo de uma vida boa. En­
Surrey que a linguagem militar predomina; em Wyatt, a contramo-nos já no mundo da politica, do indivíduo mo­
terminologia do combate fica reduzida a uma terminolo­ vido pela garantia da sua sobrevivência, muito loq.ge do
gia cerimonial. No segundo conjunto de quatro versos, há mundo petrarquiano da pré-Reforma.
outra transformação importante: no soneto de Petrarca a A tradução de Surrey mantém a linguagem militar âo
Senhora está descontente com a audácia do Amor e do texto original, mas vai bastante mais longe. O Amante é f
Amante (di nostro ardir) enquanto em Wyatt a Senhora "captyve", e ele e o Amor combateram frequentes vezes.
está descontente "with his bardines". Na descrição da fuga Além disso, a Senhora. não se encontra numa posição ina­
do Amor, Wyatt cria a imagem de "the hertes forrest" e, cessível, zangada pela exposição do Amor. Ela já está con­
optando por substantivos ("with payne and cry") em vez quistada e apenas est.á descontente por aquilo que parece
de verbos: suaviza a imagem de humilhação total e abjecta ser um fervor excessivo. Petrarca refere desio e spene [de­
pintada por Petrarca. sejo e esperança], mas Surrey apresenta a p�ão em ter­
É nos últimos versos que se torna nítida a distância mos físicos. Quando a Senhora muda "her smyling grace"
que separa Wyatt de Petrarca. Em Wyatt, o Amante faz para o descontentamento, o Amor (oge, mas a sua fuga é
uma pergunta que realça mais a syt coragem e boas inten­ decididamente condenada pelo Amante. O "Amor co­
ções do que a sua impotência. A expressão italiana te­ barde" (Coward lo.ve) foge e na protecção do coração
mendo il mio signore contém uma ambiguidade (ou é o j.
"doth lurke and playne". No último verso do terceiro con­
!
Senhor que receia ou o Amante que receia o Senhor ou, junto de quatro, o Amante afirma claramente que é "ino­
muito prova'.'elrnente, ambos); em Wyatt, a afirmação é .: . cente" (jawtless) e que sofre por causa da "culpa do seu
;
(
inequívoca: "my master fereth".. O último verso, "For .. . senhor" (my lordes gylt). A decisão de dividir o poema em
good is the liff, ending faithfully", fortalece a imagem de três conjuntos de quatro versos pode ver-se como uma re­
nobreza do Amante. Enquanto em Petrarca o Amante pa:­ configuração do material. O poema não avança em cres­
rece descrever a beleza da morte através do amor cons­ cendo para uma pergunta e para um último verso sobre as
tante, em Wyatt o Amante sublinha as virtudes de uma boa virtudes éie morrer amando bem. Em vez disso, tennina
vida e de um final fiel. O que transparece do poema de com dois versos em que o Amante afirma a sua detemú­
Wyatt é. o retrato de um Amante activo, corajoso e fiel, nação em não abandonar o seu culpado senhor mesmo que
j:'
para quem a expressão do amor e do descontentamento da· tenha que enfrentar a morte. A voz do. poema não se dis­
Senhora não se esconde de modo nenhum em termos rrú­ ...L..
t ....:.
' tingue da voz do Amante, e a ênfase no Eu, já presente no
1:
. . .. ·
.

litaristas. O Amor mostra as suas cores e é rejeitado, e o


j.,
poema de Wyatt, é reforçada pelos passos do poema em

!:

i.
!'
)'
I

_j_
174 175

que há uma nítida identificação com a posição do Amante prosa literária. Uma explicação para este facto poderia ser
contra o mau comportamento do falso senhor Amor. o estatuto mais elevado da poesia, mas é mais provável
As duas traduções inglesas, produtos de um sistema que tal se deva à errónea noção generalizada de qu� o ro­
sócio-cultural imensamente diferente do da época petrar­ mance é, de certa forma, uma estrutura mais simples do
quiana, ajustam subtilmente (e às vezes não tão subtil­ que o poema e, consequentemente, mais fácil de traduzrr.
mente) os padrões estruturais e os padrões de significado Além disso, abundam os testemunhos dos poetas-traduto- f
do texto original. Na tradução de Surrey, as transforma­ res relativamente à metodologia utilizada, não sendo tão
ções são de tal ordem que parece que ele não apenas tra­ frequentes os testemunhos dos tradutores de prosa. Con­
duziu, mas propositadamente repudiou, os elementos do tudo, como já ficou demonstrado, há muito a aprender so­
texto original que não aprovava (por exemplo, a passivi­ bre a determinação dos critérios que levam à realização de
dade do Amante, a insondável hierarquia que coloca o uma tradução.
Amante no degrau mais baixo da escada). Esta posição Durante muitos anos utilizei um exercício concebido
não teria cabimento numa sociedade que via como dese­ para descobrir como é feita a abordagem da tràdução de
jável o movimento de ascensão social. Mas no caso das um romance. Os alunos são convidados a traduzir um ou
traduções de Wyatt e de Surrey, � como na .tradução do mais parágrafos de . abertura de ilm romance qualquer e as
poema de Catulo realizada por Jonson, os seus contem­ traduçõ-es são depois discutidas e comentadas em grupo. O
porâneos tê-las-iam lido activando um conhecimento que este exercício .tem demonstrado, vezes sem conta, é
prévio do original, e as transformações que têm sido con­ que os alunos' começam frequentemente a traduzir um
denadas ao longo de gerações como tendo roubado algo ·texto que não leram previamente ou que apenas leram �ma
a Petrarca teriam tido uma função muito diferente nos vez, algum tempo antes . .Em suma, os alunos abrem o
círculos da intelectualidade culta do tempo de Wyatt e ·texto órigfnal e comeÇam pelo princ(pio, seni terem em
Surrey. conta de que modo ele se articula com a estrutura global
da obra.. Como vimos, sena inaceitável iniciar_ a tradução
· de·u m poema deste modo. Esta diferença é significativa
A TRADUÇÃO DA NARRATWA porque ela mostra que, quando o texto :em caus·á é um ro­
mance, prevalece. uma concepção d.ifeJ;ente acerca da dis­
. . Se no campo da tradução de poesia tem havido um ex.:.
tenso debate, o mesmo não tem acontecido no.que respeita
\. _ "
....... ..... .·L '
.. \· -:.�'..,·.· :�.:·...
.

.
. tinção imaginária entre forma e cont�údo. ·Parece que é
. mais fácil para o. incauto tradutor d� prósa c'onsiderar a
aos problemas específicos levantados pela tradução da
· .· r:- forma e o conteúdo como instâncias separáveis.

l
]�
· �·
'

l76 177

Como exemplo do que pode acontecer quando o tra­ uma marcada presença do narrador, e o mundo aqui repre­
dutor acentua o conteúdo à custa da estrutura global, ob­ sentado partilha grandes afinidades com aquele que o lei­
serve-se o seguinte extracto, a abertura de uma tradução tor apreende como o seu próprio mundo racional. .
inglesa da obra de Thomas Mann A Mollfanha Mágica: O problema desta tradução toma-se visível quando se
' compara com o texto original em Alemão e se mede a dis­
l
An unassurning youog man was travelling in rnidsummer,
i- tância entre o texto original e o texto traduzido. O ro- f
from hls native city of Hamburg to Davos-Platz in the Canton of l
I
mance de MaiUl começa assim:
Grisons, on a three week's visit
From Hamburg to Davos is a long joumey - too Jong, indeed,
Ein einfacher junger Mensch reiste im Hochsommer von
for so brief a stay. It crosses all sorts of country; goes up hlll and
Hamburg, seiner Vaterstadt, nach Davos-Platz im Graubundis­
down dale, descends from the plateaus of Southem Germany to chen. Er fuhr auf Besuch fur drei Wochen.
the shores of Lake Constance, over its bounding waves and on Von Hamburg bis dorthinauf, das ist aber eine weite Reise; zu
across marshes once thought to be bottomless: weit eigentlich im Verhaltnis zu einem so kurzen Aufenthalt. Es
(tr. H. T. Lowse-Port�r) •• geht durch mehrerer Herren Lander, bergauf and bergab, on der
í
I suddeutschen Hochebene hinunter zum Oestade des Schwabis­

jf.i\
Esta acelerada e enérgica p�sagem, que consiste em chen Meeres und zu Schiff uber seiné springende Wellen hin, da­

três frases com quatro verbos de cção e movimento, ar­ r· hin uber Scblunde, die fruher fur unergrundlich galten.

: . hi
rasta o leitor directamente para dentro da narrativa. Os
acertados ponnenores da viagem e a duração da estada a Nesta passagem de abertura, é dada ao leitor uma série de
;· ·
'
ld
pistas que lhe fornecem a chave de alguns dos códigos ac­
que se propõe o jovem ajustam-se ao juízo · de valor do
·. .
··
fi
tivados ao longo do romance. O romance não se restringe,
narrador acerca da brevidade da visita. Em sunia, o que
obviamente, às limitações do mundo real e representa a
aqui se nos aprese�ta é uma abertura descritiva forte, com .

, ...
luta ideológica entre . opostos dramáticos co.i:no saúde e

• Um rapaz simples viajava, em pleno verão, de Hamburgo, sua cidade


.
.
.. L
· '"'·
doença, democracia e reaccionarismo, e a acção situa-se
num scmatório onde as personagens se encontram 'em fé-
natal, para Davos-Piatz, no cantão dos Grisões. Ia lá de visita, por três semanas.
·. :
. ; =:�:�
i�l�
Mas, de Hamburgo até essas alturas a viagem é longa; demnsiado longa, na .. .
·
· . ,., . ;;:::''" . rias', distanciadas da luta pela existência. A viagem des­
verdade, para uma estadia tão curta. É preciso atravessar diversos Estados, su- l�h;
. .. .' . ���t}.
crita nas primeiras linhas funciona portanto em mais do

bindo e descendo, do·planalto da Alemanha meridional até à ira do l�g� de
.
.
Constança, cujas ondas saltitantes são transpostas de navto, porcuna de abismos ·
I'
!
�� que um nível: há a viagem de facto do jovem; a viagem

�. 1f
outrora considerados insondilveis. (MANN, Thomas - Montanha Mdgica. Trad: simbólica através de uma nação; a viagem como metáfora
. .· ·
t
p. .
.. . ��/·
.
de Herbert Olro. Lisboa: Livros do Brasil, s.d, 7 ) [N. T.] ·
· · · . ::." ·.':;::;- ::
•• Agradeço ao meu colega Tony Phelari por terchamado a minba atenção
da demanda na qual o leitor está prestes a embarcar. Além

, . , :··. -K
para este exemplo.
. , r-�,-.
::
disso, na descrição da viagem Mann recorre propositada-

,�
T
\
178 179
i
'

i.

mente a artifícios (como por exemplo, o termo clássico


i! II primo di giugno dell'anno scorso Fontamara rimase per la prima

Gestade para margem [shore] ), que evocam estilos pró­


volta senza illunúnazione elettrica. I1 due di giugno, il tre di
giugno, ii quattro di giugno, Fontamara continuo a rimanere senza
prios do século XVIII, pois um outro grande vector que .. 1 illurninazione elettrica. Cosi nei giomi seguenti e nei mesi se­
atravessa o romance é a tentativa de juntar dois modos es­ guenti, finché Fontaroara si riabituà ai regime del chiaro di lunp.
tilísticos: o lírico e o narrativo. A condensação das estru­ Per arrivare dai chiaro di tuna alla luce elettrica, Fontamara aveva
messo un centinaio di anni, 'attraverso l'olio di oliva e il petrolio.
turas frásicas de Mann levada a cabo pelo tradutor inglês
Per tornare dalla luce elettrica al chiaro di !una basto una sera.
reduz o número de níveis através dos quais o leitor pode
(Fontamara , L Silone)
abordar o texto, pois a principal preocupação do tradutor
foi claramente a de criar a impressão de movimento rá­ On the first of June last year Fontamara went without electric light
for the fust time. Fontamara remained without electric light oo the
pido. Assim, a segunda frase foi integrada na primeira for­
second, the lhird and the fourth of June.
mando uma única e a quarta frase foi reduzida através de
So it continued for days and months. ln the end Fontamara
omissões deliberadas (por exemplo zu Schiff- by boat [de got used to moonlight again. A century had elapsed b�tween tbe
barco]). Os termos estilizados que descrevem lugares fo­ moonlight era and tbe electric era, a century which included the
ram substituídos por nomes geográficos directos e a lin­ age of oil and that of petrol, but one evening was sufficient to
plunge us bnck from electric light to the light of the moon.
guagem eievada de Mann foi sub�tufda por uma série de
(Fontamara, G. David e E. Mossbacher)
clichés próprios de um relato coloquial de uma viagem de­
masiado longa.
O passo de abertura de Fontamara introdilz imediatamente
Há ainda outras variações. A apresentação do protago­
o leitor no tom da obra, um tom que se mantém ao longo
nista logo na primeira frase de Mann em termos proposi­
da obra através do artifício de uma série de narradores fic­
tadamente neutros constitui uma outra chave de leitura
para o leitor; todavia, ao traduzjr einfacher [comum] por
tícios cujos relatos Silone supostamente regista. E é o tom
.::.. deprimido e levemente ir6h.ico mesmo na descrição de
unasswning [modesto, simples], o tradutor inglês introduz experiências emocionantes e dolorosas - que confere ao
um poderoso elemento caracterizador alterando a perspec­ romance um carácter especial. No parágrafo de abertura, o
tiva do leitor. E é difícil não concluir que o tradutor inglês narrador descreve a transitoriedade do progresso, o modo
não teve uma percepção adequada do significado do ro­ como o longo e lento desenvolvimento da tecnologia que
mance, havendo até mesmo um caso de erro de tradução: levou à ligação de energia eléctrica numa pequena aldeia
SchlUnde [abismos] traduzido por marshes [pântanos].. de montanha pode ser contrariado numa única noite, e é
O seguinte excerto constitui um exemplo de· um tipo desse modo que o tom, ligeirárnente trocista, quase resig­
diferente de desvio pela tradução: nado, fica imediatamente estabelecido.
180
181

O texto italiano é constituído por cinco frases. As pri­ quial que começam por 'So it cont
inued' e 'ln tlze end'.
meiras duas abrem com referências temporais - il primo di Mas a junção de duas frases originais
numa única e longa
giugno situa o começo da narrativa numa data determi­ frase, criando uma estrutura pesada,
acaba por provocar a
nada; il due di giugno abre a frase que desenvolve a afl.r­ perda do movimento representado no
texto original. Os.in­
mação abrupta inicial e conduz o leitor no tempo. A ter­ finitivos arrivare e tom re tomaram
� -se ein elapsed to �
ceira frase volta a abrir com uma referência temporal
e i[ petroliof
plunge back, a frase attraverso l 'olio di oliva
agora caracterizada pela primeira palavra em registo colo- foi expandida (mas nem por isso ficou
mais clara em a )
quial cosi e avança ainda mais no tempo futuro, por se- · . centwy which included tlze age ofoil and that
ofpetrol. O
manas e meses. As últimas duas frases abrem ambas com termo era introduz uma nota discordan
te, a inversão
da úl­
locuções verbais de movimento: per anivare e per tor- tima parte da frase provocou a perd
a de todo o impacto
nare, que resumem a ideia exposta no parágrafo de aber- das últimas palavras do original e
a introdução do pro­
tura sobre o movimento lento da evolução tecnológica �
nome essoal us torna ainda mais inco
ngruente a mudança
comparado com a velocidade com que essa tecnologia de registo entre as quatro primeiras
frases e a última.
pode ser abandonada. A linguagem deste parágrafo é, as-
I Houve, certamente, uma tentativa
·:· .de estabelecer packões
J
·

sim, enganosamente simples e �tom quase coloquial ca- d� repetição no texto inglês (por exem
plo, a repetição de
l . :. era e de century); porém expressões como
mufla uma passagem densamente retórica, cuidadosa-
· _ clzialV di /una
mente estruturada em crescendo até ao clímax e utilizando
l'::·. e luce elettrica não lograram uma
tradução consistente.

j ::-
uma série de padrões de repetição (por exemplo, as várias Em suma, com tantas incongruênci
as, é difícil perceber
expressões temporais, outras como illuminazione elet-. _
. k. · 1 ;- quais os critérios subjacentes à trad
por outro lado, é bem visível é que
ução inglesa. O que,

F�
n·ica, luce elettrica,_ chiara di Zuna, etc.). os tradutores inoleses
b
· nao
- deram a atenção devida à função dos
A tradução inglesa não manteve o padrão de cinco fra_-:
. ';'.·;· · artifícios estilís-

. ·- : -r::�-�-·�
·

·
ses, iniciadas quer por uma locução temporal quer por-u� ticos usados por Silone.
· · D�s�nvolvendo o conceito de Rom
verbo de movimento. Em vez disso, a segunda frase rea� · �- · an Ingarden dos
liza uma inversão colocan�o as locuções temporais no fim - . --:' T5,:
---; · 'con-eJat�s �tencio nais da frase', que constituem o mundo
presente no texto literário,19 Wolf
- uma opção que se enquadra no modo estilístico da lín- gang Iser observa que
gua inglesa - e as outras três frases são formadas divi.:.
. . 11 ;-;:
dindo urna fra&e original em duas e juntando 9'-ln-as duas · :·: ·.-.-.--.··J::�..;.; ··

frases originais. Esta estratégia resulta bem na primeira


instância, criando duas breves afirmações em tom colo-
. · ·::,:· 19 INGARDEN, Roman - Tlle LiJerar
y Work ofArt. Evanston: The North-
,· ·-: T;.
.· ·· westem University Press, 1973. .

I
. :� ·
;:

ti � ------
·�
i

183
182

os correlatos intencionais revelam subtis conexões que individual­


negativa que ressaltam das primeiras frases de uma obra
mente são menos concretas do que as afmnações, as alegações e volumosa. No entanto, o que é preciso deixar claro é que,
as observações, apesar de estas só assumirem a sua real significa­ apesar da enorme influência de que disfrutou a análise da
ção através da interacção com os seus correlatos.20 narrativa desde a primeira teoria da prosa de Shlovsky, há
obviamente muitos leitores que ainda aderem ao princípio
lser continua dizendo que a frase não consiste apenas num de que um romance consiste sobretudo num conteúdo ma-
1
enunciado "mas visa algo para além daquilo que real­ ferial parafraseável que pode ser d.h'ectamente traduzido.
mente diz", uma vez que as frases de um texto literário E, ao mesmo tempo que há um consenso sobre a impro­
"constituem sempre uma indicação de algo que está para priedade de uma paráfrase em prosa de um poema, o
vir e cuja estrutura é prenunciada pelo seu conteúdo espe­ mesmo não acontece quando se trata de um texto em
cífico". Nesse caso, se o tradutor se ativer apenas ao con­ prosa. Vezes sem conta os tradutores de prosa não medem
teúdo específico da frase, o produto perderá dimensão. No esforços para criarem textos legíveis na língua de chegada,
caso das traduções inglesas dos textos acima referidos, as evitando a afectação que pode decorrer de uma colagem às
frases parecem ter sido traduzidas cada uma por si e não estruturas sintácticas da língua de partida, falhando, no

como partes integrantes de uma estrutura global. Para usar entanto, em não considerarem o modo como cada frase faz

a terminologia de Popovic, as vdt\ões inglesas exibem vá­ parte de uma estrutura global. E, ao apontar esta deficiên­
1
1.
cia, que é antes de mais uma deficiência de leitura, creio
1
rios tipos de tra1lsfonnação negativa envolvendo:
que mais do que ajuizar deste ou daquele trabalho indivi­
Ç
I
1. tradução inexacta da infom1ação; !
í
dual, tenho em miia toda uma área da tradu ão que precisa
2. 'sub-interpretação' do texto original; I de ser exarnmada.
i HiÍaire Belloc 21 delineou seis regras gerais para o tra­
3. interpretação superficial das conexões entre os cor­ I.
l ;.: · dutor de textos narrativos:
relatos intencionais. i ·.·

i 1) O tradutor não deve 'arrancar' palavra por palavra


Tendo começado por afirmar que pretendia .evitar juí­ . r; o.u frase por frase, mas deve "proceder sempre por
blocos". Deve considerar a obra como uma unidade
zos de valor sobre esta ou aquela trádução, i>ode parecer
que me desviei do plano original. Por outro lado, pode
r�·,
J.
. integral e traquzi-la por secções, perguntando-se
"antes de cada uma, qual o sentido total que deve
parecer injusto enfatizar tanto os casos de transformação
transferir'�.
.".. "...' ..• ·�···"·
• :.� • j
··

:w ISER, Wolfgang - TIJe fmp/iet!Reader. Baltimore!London: The Johns 21 BELLOC, Hilaire- On Translation. Oxford: The Clarendon Press, 1931.
Hopkins Press, 1974, p. 277.
L84 185

2) O tradutor deve traduzir expressão idiomática por cia nas duas línguas, mas que realmente não têm,
expressão idiomática "e as expressões idiomáticas como por exemplo, o verbo francês demaúder (per­
requerem, por natureza, uma · tradução para uma guntar), erradamente traduzido para Inglês por to
forma diferente da do original". A este propósito, denzand (exigir).
Belloc cita o caso da expressão grega "Pelo Cão!"
5) Belloc aconselha o tradutor a "transmutar ousada­
que, se traduzida literalmente, resulta simplesmente
mente", sugerindo que a essência da tradução é: "a ;
cómica em Inglês ["By the Dog!"] e sugere que a
ressurreição de um objecto estranho num corpo na­
expressão "By God!" é muito mais adequada. Do
tivo''.
mesmo modo, continua Belloc, o presente histórico
francês deve traduzir-se em Inglês pelo passado e o 6) O tradutor nunca deve embelezar.
si�tema francês pelo qual se defme uma proposição
colocando-a na forma de uma pergunta retórica não As seis regras de Belloc contêm questões de técnica e

pode ser transferido para o Inglês, onde o mes.mo questões de princípio. A sua ordem das prioridades é um
não se aplica. pouéo curiosa, mas fica bem acentuada a necessidade de o
tradutor considerar o texto narrativo como uma entidade
3) O tradutor deve traduzir '1kJ._tenção por intenção", ,,
estruturada, tendo sempre em conta as exigências estilísti­
tendo em mente que "a intenção de uma frase numa
cas e si,ntácticas da língua de chegada. Belloc reconhece
'

t:
'

língua pode ser menos ou mais enfática do que a :·.


, que há uma responsabilidade moral relativamente ao origi­
forma da frase". Por 'intenção', Belloc parece refe­
nal, mas acredita que o tradutor tem o direito de alterar sig­
rir-se ao peso que uma dada expressão pode ter
. nificativamente o texto no processo de tradução por fonna.
num contexto par�cular _na _LP que seria despropor­
a oferecer ao leitor da LC um texto em conformidade cóm
cionado se fosse traduzido literalinepte p;rra a L,C.
as· normas estilísticas e idiomáticas que lhe são próprias.
Cita vários exemplos em que o peso da frase na �p
A primeira regra de Belloc, na qual discute a necessi­
é claramente maior ou menor do que a tradução li­
dade de o tradutor dividir o texto em blocos, levanta

I
teral na LC. Na tradução da 'intenção' é frequente­
aquele que é talvez · o problema central do tradutor de
mente necessário acrescentar palavras que não esta­
ginal em nome de uma "conformidade
prosa: a dificuldade de determinar unidades de tradução.
É· evidente que o texto, numa relação dialéctica com ou­
J
vam no ori
com o espírito da língua''.
tros textos (ver inte11extualidade, supra p. 134) e situado

�i I
. .

4) Belloc alerta contra os falsos amigos, aqueles vocá- num contexto · histórico específico, é a unidade principal.
bulos ou estruturas que parecem ter correspondên- Mas se o tradutor de poesia pode mais facilmente dividir

r
,
,.
. ,
186 187

o texto em unidades traduzíveis, como versos, estrofes, es- tem atormentado gerações de tradutores. A recente tradu­
- tâncias, o tradutor de prosa enfrenta uma tarefa bem mais ção, por Cathy Porter, da obra Love of Worker Bees, de
complexa. É certo que muitos romances se dividem em . ·. Alexandra Kollontai, contém a seguinte nota:
capítulos e secções, mas, como Barthes demonstrou com
a sua metodologia dos cinco códigos de leitura (ver S/Z, Os russos rêm um primeiro nome (o nome de baptismo), um po.­

discutida por T. Hawkes tronfmico e um apelido. Normalmente trata-se uma pessoa pelo
f
- Structuralism and Semiotics.
seu primeiro nome mais o patronímico: Vasilisa Dementevna, Ma-
Londres: 1977), a estrutura de um texto narrativo não é de
ria Senienovna. Há ainda abreviações mais íntimas dos primeiros
modo nenhum tão linear como a di visão em capítulos
nomes, que têm subtis matizes de afecto, de superioridade ou de
pode levar a pensar. Se o tradutor toma uma frase ou um amizade. Assim, por exemplo, Vasilisa muda-se em Vasya ou Vas­
parágrafo como unidade mínima e a traduz sem atender à yuk; Vladimir toma-se Volodya, Volodka, Volodechka ou Volya.n
sua relação com a totalidade da obra, corre o risco de pro­
duzir um texto na lfugua de chegada como aqueles acima A tradutora explica convenientemente o sistema dos no­
referidos, em que o conteúdo parafraseável foi traduzido mes russos; porém, esta nota de pouco serve· ao longo do

à custa de todo o resto. processo de leitura, pois Cathy Porter mantém no texto

A solução para este dilema cie"e, mais uma vez, ser traduzido as variações dos nomes e o leitor inglês é por
;1
encontrada nafimção quer do texto quer dos artifícios téc- . ·.·
vezes confrontado, numa única página, com uma descon­

nicas nele utilizados. Se os tradutores de Silone tivesseni :


·\
1.:'
certante profusão de nomes referentes todos à mesma per­

considerado a função do tom, teriam percebido por que ra- . ::, · sonagem. Em suma, o sistema da língua· de partida foi
·
· · >i transposto para o sistema da língua de chegada, onde mais
zão o cuidadoso padrão retórico do parágrafo de abertura
precisava de uma observação mais atenta Do mesm<? · · · '· !Ião faz do que prpvocar co�ão e obstruir o processo de

modo, se a tradutora de Mann tivesse considerado � fim.,. .:-:· ...:"-:i..i:��f�·�-,···


leitura. Por outro lado, como observou Boris Uspen�ky no

ção da descrição, quer do jovem qu.er da viagem, ela teria seu precioso livro A Poetics of Composition,23 em Russo
·

,-; b
·.

percebido as razões que determmaram a escolha do registo as variações dos nomes podem denotar mudanças de
. .
de linguagem r-r
. .1.0do o texto se -
compoe. de uma sé .
n�--d- � . ,
, �
"-" I/ ·� ponto de· vist�. Falando de Os Irmãos Karamazov, por
I'. · exemplo, U�pensky mostra como as variações dos nomes
sistemas concatenados, tendo cada um deles uma funçãQ ·
'· !�>
determinável em relação ao texto inteiro, e a tarefa do tra- :. :
·

dutor. .é apreender .estas funções. ·


1�:.
o problema da traduçãô. ·: -- �:. · Ü;; . ·
· . · .
22 KOLLONTAI, Alexandra - Love of lV
orker Bees. Trad. Cathy Porter.
.
London: \rttago, 1977, p. 226.
Considere-se, como exemplo, .

13 USPENSKY, Boris -A Poetics o


f Composition. Los Angeles: Univer­
dos nomes próprios em textos russos, um problema que : sity of Califomia Press, 1973.
. :' ::· �f7:'t;.
•. , .. v •
. ,
1 88 189

podem indicar múltiplos pontos de vista à medida que língua de partida e a língua de chegada deve ser descar­
uma personagem é focalizada por outras personagens do tada. O tradutor deve, portanto, em primeiro lugar, deter­
romance e a partir do interior da narrativa. No processo minar a função do sistema da língua de partida e pr9curar
de tradução é, portanto, essencial que o tradutor considere um sistema na língua de chegada que cumpra essa mesma
a função dos nomes e não o sistema propriamente dito. função. Levy formulou as questões centrais que se depa-
Não serve de muito ao leitor inglês encontrar múltiplas va­ ram ao tradutor de textos narrativos quando pergunt
ou: 1
riantes de um nome se ele não estiver ciente da função
dessas variantes e, uma vez que o sistema dos nomes em Que grau de uúlidade é atribuído aos vários artifícios estilísticos

Inglês é completamente diferente, o tradutor deve ter esse e à sua preservação em diferentes tipos de literatura.. ? Qual é a
.

importância relativa dos padrões linguísticos e do estilo em dife­


facto em conta e proceder como sugere Belloc, traduzindo
rentes tipos de literatura...? Que ideia terão feito os tradutores de
..expressão idiomática por expressão idiomática".
diferentes épocas e de diferentes tipos de textos do público a quem
O caso dos nomes próprios em Russo é apenas um dirigiam as suas traduções?25
exemplo do problema que consiste em tentar transferir �m
sistema da língua de partida para uma língua de chegada
que não tem um sistema comparáyel. Outros exemplos se­ A TRADUÇÃO DE ';I'EXTOS DRAMÁ.TICOS
riam as formas dialectais ou os �úícios linguí�ticos pró­
prios de uma região ou de um g�po social. Como afmna No que respeita aos estudos tradutológicos orientados
Robert Adams, de forma algo displicente: pará os modos literários, se é certo que a maior parte se
centra nos problemas envolvidos na tradução de poesia lí­
Paris não pode ser Londres ou Nova Iorque, tem de ser Paris;
rica, também é verdade que os textos dramáticos têm sido
o nosso herói tem.de ser Pierre e não Peter, tem de beber um 'ape�
muito �squecidos. Há muito poucos dados sobre os pro­
ritif' e não um 'cocktail', fumar Gauloises e não Keots e descer
a rue du Bac, não a Back Sreet. Por outro lado, quando ele é apr�­ blemas específicos da tradução de textos dramáticos e os
sentado a uma senhora, soará ridículo se disser 'encantado, M�: testemunhos dos tradutores que o fazem deixam muitas
dame".2>1 vezes pensar que a metodologia usada no processo de
tradução · é a mesma com que s�o abordados os textos
\ ... ..
No debate sobre a equivalência (cf. supra p. 50-61), fi­
!.'; narrativos.

:. .:·��, : rlt. .
cou demonstrado que qualquer noção de igualdade entre á.

"' ADAMS, Robert M. - Proterrs. His Lies. His TnttiJ. New York: W. W. . �·: 25 LEvY, Jilí - Translation ns a Decision Process. To Hono11r Roma11
Norton, 1973, p. 12. .
'• ••
' Jalwbsoll lll. The Hague: Mouton, 1967, p. 1171-82.
...
. �-:: .
.
190
191

E, todavia, mesmo urna reflexão superficial sobre o as­


Como ficou demonstrado, o perigo de uma atitude
sunto é suficiente para mostrar que o texto dramático não
como esta é imediatamente óbvio. A primazia do texto es­
pode ser traduzido como um texto narr�tivo. Para come�ar,
. I crito conduz ao pressuposto de que há uma só leitura certa
a leitura de um texto dramático é diferente. Ele é lido
como algo incompleto e não como uma entidade inteira­
I e, logo, uma só maneira certa de o representar, caso e�
que o tradutor de textos dramáticos estaria muito mâis
mente acabada, pois é só no espectáculo teatral que todo o
preso a um modelo pré-concebido do que o tradutor de
potencial do texto é actualizado. O que coloca ao tradutor
poesia lírica ou de textos narrativos. Além disso, qualquer
um problema central: traduzir o texto como um texto pu­
desvio do encenador ou do tradutor ficaria sujeito a um
ramente literário ou tentar traduzi-lo na suafim.ção de mais
juízo de valor que consideraria ambas as 'traduções' como
um elemento de outro sistema mais complexo. Como tem
mais ou menos desviantes em relação à norma correcta.
demonstrado a semiótica teatral, o sistema linguístico é
Uma noção de teatro que não considere o texto dramático
apenas mais um componente opcional numa concatenação
e a representação teatral como indissoluveb zente ligados
de sistemas que compõem o espectáculo. Anne Ubersf�ld, �
conduzirá inevitavelmente à discriminação de todo aquele
por exemplo, aftrma que é impossível separa: o texto da
que parecer ofender a pureza do te�to escrito.
representação teatral, uma vez que o espectaculo teatral
Além disso, o texto dramático é um elemento funcio­
consiste numa relação dialéctica �tre os dois, e demons­
nal no processo total que constitui o teatro, e as suas ca­
trou também que foi a distinção artificial entre os dois que
racterísticas distinguem-no do texto que é escrito para ser
conferiu ao texto literário um estatuto mais elevado. A su­
premacia do texto literário teve corno resul ;ado a �e�cep­ 1. :
lido. Jifí Veltrusky fuostrou como certas características do

L
1, texto dramático são distintivas, apontando, por exemplo, o
ção do espectáculo teatral como uma mera traduçao :
_ modo como os diálogos �e desenrolam, no tempo e no es­
A tarefa do encenador é, portanto, 'traduzir para outra linguagem'
. ·
. .
: ··
1':1'
!�<
·.-�·
paço, e são sempre integrados na situação extralinguística,
um texto para com o qual tem o dever primeiro de ser 'fiel'. Està po­
--

que compreende os cenários bem como as personagens:


sição baseia-se no conceito da equivalência semântica entre o texto

-- ,.��-c
!6:'?-·
escrito e a sua representação teatral; apenas o 'modo da expressão',
A relação entre o diálogo e a situação extralinguística é intensa
no sentido hjelmsleviano do termo, será alterado; a forma e o con--
. e recíproca. A situação fornece frequememente o tema aos diá­
teúdo da expressão permànecerão idênticos na transposição de u�
J( logos. Mais do que isso, seja qual for o assunto, a situação ex­
sistema de signos textuais para um sistema de signos teatrais.26
.
_
..
H tralingufstica interfere nos diálogos de várias maneiras; afec­
tando o seu desenrolar: provocando mudanças ou reveses e, por
.
UBERSFELD, Anne - Lire le tlléâtre. Paris: Editions Sociales, 1978,
·

6
� vezes, mesmo u�a interrupção. Por seu �ado, o diálogo. ilumina
. �.

,•
p. 15-16. Veja-se também ELAM, Keír-Semiotics ofTheatre and Drama. Lon­ progressivamente a situação e frequentemente a modifica ou
don: Methuen, 1980.
transforma. O verdadeiro sentido de cada unidade individual de
'
:::· !!
.,,
.
.· .•·

.
. ;.
:
192

significado depende tanto da situação extralinguística como do pré-requisito, espera-se claramente que ele faça algo difc

· Il
I

contexto linguístico.27 rente do tradutor de outros tipos de texto. A noção de que


o texto escrito possui uma dimensão extra que o tradutor

Por outro lado, o texto caracteriza-se pelo ritmo, pela en­
toação, pela sonoridade, pelo tom, por todos estes elemen­ l deve descortinar pressupõe, mesmo assim, uma distinç o

L
entre texto e espectáculo teatral, entre escrita e concreti­
tos que podem não ser directamente apreendidos por uma zação cénica. Pareceria rriais lógico, portanto, partir do f
leitura directa do texto isoladamente. Num dos raros arti­
I
princípio de que um texto dramático, concebido para ser
gos sobre tradução para actores,28 Robert Corrigan afirma
representado, possui características estruturais distintivas
que a todo o momento o tradutor tem de ouvir a voz que que o tomam representável aquém e além das orientações
fala e ter em consideração o carácter gestual da linguagem,
da encenação. Consequentemente, o tradutor tem de de­
o ritmo e as pausas que ocorrem quando o texto escrito é
terminar quais são essas características e traduzi-las para a
falado. A este respeito, Robert Corrigan aproxima-se do
língua de chegada, mesmo que isso implique tra.nsfonna-
J
conceito de discurso teatral de Peter Bogatyrev. Debatençlo
ções significativas nos planos linguístico e estilís-�co.
a função do sistema linguístico no teatro em relação com a
experiência total, Bogatyrev declru; que: � A questão da representabilidade .na tradução com­
plica-se ainda mais pela evolução da concepção de repre­

rk·
sentação teatral. Consequentemente, a produção contem­
No teatro, a expressão linguística é uma estrutura comp_osta de sig­
porânea de um texto de Shakespeare será enformada pelos

. r1•.:·,.
nos linguísticos e outros. Por exemplo, o discurso teatral, que deve
ser o signo da situação social da personagem, é acóinpanbado pela desenvolvimentos ao nível dos estilos de representar, do
enunciação gestual do actor e completado pelo guarda-roupa, _pelo espaço de representação, do papel do público e dos dife­
cenário, etc., que são também signos de uma situação sociaJ.19
rentes conceitos de tragédia e comédia que ocorreram

· (iI"' ;
,
.
desde a época de Shakespeare. Além disso, os estilos de

· . . ., .:,_t�.
Uma vez que o tradutor de textos dramáticos se con- ·· ·
representação e os conc.eitos de teatro também variam con­

.· . !''',:"
fronta com o critério adicional da representabilidade co�� ,
siderave4nente nos diferentes contextos nacionais, o que
introduz ainda um outro elemento que o tradutor deve ter

.
VELTRUSKY, Jili- Drama a.� Literature. Lisse: Peter de Ridder Press,
rh·:
1
2
·
: em conta.

,. ,
1977, p. 10. . . . i

. .
Como exemplo ilustrativo d� algumas das complexida­

· . .
2S CORRlGAN, Robert - Tr:tnslating for Actors. ln ARROWSMITH,
SHATTUCK, R.
..

... . .. ���..-.
�:

W.; (eds.) - Tire 6aft and Comext of Translarion. Austin: des envolvidas na determinação dos critérios para a tradu­

.': : ·
.. -�

University ofTexas Press, 1961. "'F:


ção de um texto dramático, considere-se a vexata quaestio
!9 BOGATYREV, Peter - Les signes du thélitre. Poérique, Vlll, 1971,
.:.
' ';',,.'
;;

'

,
...�

p. 517-30. de Racine, o dramaturgo clássico francês. Um olhar pelas


':-: .. �-
n

..·
. : . : �;�,
. i
-r·

194 195

traduções inglesas revela imediatamente um facto signifi­ envolvidos na tradução de textos dramáticos, citei alguns
cativo: os textos foram traduzidos isoladamente (por exemplos de transformação tradutória em que o problema
exemplo, o caso das traduções de Esther e Berenice por residia na divergência relativamente aos padrões gt?stuais
John Masefield) ou como parte de uma edição de obras das duas línguas envolvidas, resultando isso na dissolução
completas (por exemplo, o caso de R. B. Boswell, o pri­ de estruturas essenciais do texto da língua -de partida. · A
meiro tradutor da obra racineana). Esta distinção mostra tradução, por Ben Belitt, de Fulgor y Mue11e de Joaqufn r
que alguns desses textos foram traduzidos tendo em mente Murieta, anteriormente referida (cf. supra, p. 132), é um
a sua representação teatral e outros foram traduzidos sem bom exemplo de um caso em que o tradutor alterou a base
essa preocupação. É sustentável que o volume das 'peças ideológica do texto através de uma ênfase excessiva nos
completas' tenha sido produzido a pensar num público lei­ critérios extralinguísticos - no caso, segundo o prefácio de
tor e, portanto, a literalidade e a fidelidade linguística te­ Belitt, as expectativas do público americano.
nham sido os principais critérios. Na formulação de uma Se atentarmos no verso de abertura da Fedra de Ra"
.
teoria da tradução de teatro deve, contudo, ter-se sempre cine Le dessein en est pris; je pars, cher Tlzéramene
- -

em conta a concepção de expressão linguística de Bogaty­ imediatamente aflora um� série de problemas semânticos,
rev, e o elemento linguístico devet�er traduzido tendo em sintácticos e estilísticos, acrescidos das dificuldades rela"
mente a sua função no discurso teatral na sua totalidade. tivas às convenções do teatro clássico francês e aos pú­
As dificuldades da tradução para o teatro conduziram blicos imensamente diferentes da França do séc. XVll e
a uma acumulação de crítica que ora ataca a tradução da Inglaterra ou · da América do século· XX. O mesmo
como demasiado literal e irrepresentável ora demasiado li­ verso é traduzido da seguinte forma por três tradutores
·

vre e desviante em relação ao original. Por exemplo, o pe­ ingleses:


sado pedantismo de muitas. versões inglesas de Racin�
I lzave resolved, Tlzeramenes, to go. (John Caimcross)
constitui um testemunho acabado do erro da literalidade
excessiva, mas o problema de definir 'liberdade' na tradu­ No, no, myfriend, we 're ojf. (Robert Lowell)

ção de teatro é mais difícil de discernir. Num pequeno ar­ No. No. I ca11 't. How can. I stay? (Tony Harrison)
tigo 30 em que apresentava alguns dos problemas básicos
As três versões tr�duzem a intenção de Hipólito de
30 BASSNETI- McQUIRE, Susan -Trnnsloting Spatial Poe'try: An Exa­ partir, mas só as duas primeiras veiculam como factor
mination of Theatre Texts in Performance. ln HOLMES, James; LAMBERT, chave a relação entre Hipólito e o seu amigo Terámenes.
José; BROECK, Raymond van den (eds.) - Lftera/llre and Translation. Lou­
vam: ACCO, 1978, p. 16l-80. Ao nível estilístico, a primeira e a te�ceira versões seguem

. .
...;.__
194 195

traduções inglesas revela imediatamente um facto signifi­ envolvidos na tradução de textos dramáticos, citei alguns
cativo: os textos foram traduzidos isoladamente (por exemplos de transformação tradutória em que o problema
exemplo, o caso das traduções de Estlzer e Berenice por residia na divergência relativamente aos padrões g�stuais
John Masefield) ou como parte de uma edição de obras das duas línguas envolvidas, resultando isso na dissolução
completas (por exemplo, o caso de R. B . Boswell, o pri­ de estruturas essenciais do texto da língua de partida. • A

meiro tradutor da obra racineana). Esta distinção mostra tradução, por Ben Belitt, de Fulgor y Muerte de Joaqu(n f
que alguns desses textos foram traduzidos tendo em mente Murieta, anteriormente referida (cf. supra, p. 132), é um
a sua representação teatral e outros foram traduzidos sem bom exemplo de um caso em que o tradutor alterou a base
essa preocupação. É sustentável que o volume das 'peças ideológica do texto através de uma ênfase excessiva nos
completas' tenha sido produzido a pensar num público lei­ critérios extralinguísticos - no caso, segundo o prefácio de

tor e, portanto, a literalidade e a fidelidade linguística te­ Belitt, as expectativas do público americano.

nham sido os principais critérios. Na formulação de uma Se atentarmos no verso de abertura da Fedra de Ra­
teoria da tradução de teatro deve, contudo, ter-se sempre cine - Le dessein en est pris; je pars, cher Théramene -

em conta a concepção de expressão linguística de Bogaty­ imediatamente aflora u�� série de problemas semânticos,
rev, e o elemento linguístico deve,�er traduzido tendo .em sintácticos e estilísticos, acrescidos das dificuldades rela­
mente a sua função no discurso teatral na sua totalidade. tivas às convenções do teatro clássico francês e aos pú­
As dificuldades da tradução para o teatro conduziram blicos imensamente diferentes da França do séc. XVll e
a uma acumulação de crítica que ora ataca a traduç�o da: Inglaterra ou d·a América do século · XX. O �pesmo
como demasiado literal e irrepresentável ora demasiado li­ verso é traduzido da seguinte forma por três tradutores
ingleses:
·

vre e desviante em relação ao original. Por exemplo, o pe­


;:,:.
sado pedantismo de muitas_ versões . inglesas de Racin� ;�..
i have resolved, Theramenes, to go. (John Caimcross)
··· ·
.

constitui um testemunho acabado do erro da literalidade


. .

excessiva, mas o problema de definir 'liberdade' na tradu­ No, 110, myfriend. we're off. (Robert Lowell)

ção de teatro é mais difícil de discernir. Num pequeno ar..,. No. No. ! can't. How can I sray? (Tony Hamson)
tigo30 em que apresentava alguns dos problemas básicos
As. três versões traduzem a intenção de I:Iipólito de
30 BASSNEIT-. McGUIRE, Susan -Translating Spatinl Poetry: An Exa­ partir, mas só as duas primeiras veiculam como fa�tor
minaúon of Theatre Texts in Perfonnance. ln HOLMES, James; LAMBERT, chave a relação entre Hipólito e o seu amigo Te�;ámenes.
José; BROECK, Raymond van den (eds.) Uterature and Translation. Lou­
Ao nível estilístico, a primeira e a terceira versões seguem
-

vain: ACCO, 1978, p. - 161-80.


196 197

a prática corrente de traduzir por verso branco o alexan­ atribuída. Na Epístola, Crowne não mediu esforços para
drino francês, uma vez que os dois tradutores têm, nos res­ justificar a tradução (alegando ser ela da autoria de um
pectivos sistemas linguísticos, essa medida. do teatro clás­ 'Jovem Cavalheiro') e para explicar por que é que a .pro­
sico. Em termos de teatro, apenas a segunda e terceira dução não tinha sido bem sucedida. Crowne atribui o fra­
versões traduzem a estrutura gestual subjacente ao texto casso da peça não à tradução, embora reconheça que â
francês - o ritmo inscrito na linguagem que determina o versão inglesa não havia adoptado a forma versificada,
desempenho físico do actor. Jean-Louis Barrault observou mas às expectativas do público que, acostumado a uma
que o verso de abertura da Pedra condizia com o ritmo das dada tradição teatral, não correspondeu aos maneirismos
passadas de Hipólito, assegurando que ele estaria na mar­ da tradição do teatro francês. Contudo, menos de quarenta
cação correcta ao pronunciar a palavra 'Théramene' .31 No anos depois, a versão de Ambrose Philips de Andrómaca,
primeiro verso do texto original há urna ênfase e uma de­ intitulada 111e Distres't Mother, foi um sucesso tão grande
terminação, reforçadas nas duas partes do verso, que atin­ que continuou em cena ao longo do século �' sendo o
gem o clímax pelo recurso ao nome próprio. Quer a se- . papel principal muito cobiçado pelas principais actrizes
gunda quer a terceira versões inglesas tentam recriar esse inglesas desse período. O que é qu� havia feito Philips
efeito recorrendo a artifícios como a repetição e a per­ para transformar em .tão grande sucesso uma peça ante­ . ·r
� . '
gunta retórica, veiculando o sentido db verso original e re­ riormente julgada contrária ao gosto inglês?
produzindo um padrão gestual. Em suma, o processo de Em priQleiro lugar, Philips alterou substancialmente a
;
tradução envolveu não apenas a transferência de uma se­
• ,

peça, reduzindo o texto em alguns pontos, acrescentando I. '


I

falas e mesmo cenas inteiras no flm dos actos IV e V, e in­


quência linguística da língua de partida para a língua de
chegada ao nível do significado do discurso, mas também
cluindo uma cena final que conduz a um fmal feliz. Esta
urna transferência da função do enunciado linguístico em
percepção da tragédia de Racine provocou algumas críti­
! I
articulação com os outros signos componentes do discurso
cas que acusavam a tradução de Philips de desviante, mas
teatral.
Plúlips explica muito claramente no Prefácio por que ra­
A primeira versão inglesa da obra de
z;ão sentiu a necessidad� d� a�aptar o texto de Racine:
Andrómaca
Racine, representada em 1674, apareceu impressa no ano
seguinte acompanhada de urna Epístola ao Leitor, da au­ i!. . Se eu tiver sido capaz de manter as Graças de Monsi�ur Racine na
toria de John Crowne, a quem a tradução era geralmente i.
minha Tentativa e não o tiver prejudicado com as Liberdades que

L-:

. .

·· .- · : . :. :
frequentemente tomei pa.râ adaptar um tão grande Poeta, não terei
I
31 BARRAULT, Jean-Louis PhMre de Jean Racine, mise en scênc et razão para não ficar satisfeito com o Trabalho que tive em levar a
I.
J
-

commcntaires. Paris: Editions du Seuil, 1946. I· mais completa das suas obras ao palco inglês.
��'
,.


'
· -

.
!··
.
198 199

Aparentemente, os principais critérios de Philips para a respeitar a estrutura de superfície do texto original, mas ao
tradução foram: facto de o tradutor recriar em termos teatrais a estrutura
profunda da cena. Por exemplo, o longo monólQgo de
1) representabilidade; Orestes é reduzido, porque as convenções teatrais inglesas
2) a articulação da peça com as convenções do teatro não incluíam monólogos tão extensos. Pflades tem máis
do seu tempo (um teatro que re-estruturou Shakes­ falas e toma mais a feição de amigo do que de figura de ;
peare ao serviço do cânone, do decoro e do bom contraste, porque a figura do confidente não era tão bem

gosto); . aceite no palco inglês. Para usar a terminologia de James


Holmes, Philips estabeleceu uma hierarquia de corres­
3) clareza nas inter-relações entre as personagens. pondências32, em que o texto é encarado coino um ele­
mento adaptável na produção do espectáculo teatral.
Ao reconhecer que um cuidadoso equihôrio entre perso­ A versão de Tony Harrison, do século XX, Phaedra
nagens, cenas e falas, tão importantes no original, não te­ Brittanica, realizada em 1976, adopta critérios similares.
ria · nenhum significado em Inglês - ou, se tivesse, resulta­ Nesta tradução, Harrison afastou-se da Grécia, das refe­
ria pesado e artificial - Philips optou por re-estruturar a rências aos deuses, do destino, do Minotauro - de todo o
peça para um público inglês. A basf\da técnica de Philips universo mitológico que enforma Fedra - e substituiu tudo
é bem visível, por exemplo, na primeira· cena do primeiro isso pela índia colonial. Tal como Fedra trata da junção de
acto. Em Racine; a primeira cena dá ao público a infor­ dois sistemas opostos - as paixões de uma casa amaldi­
mação núnima necessária para seguir a intriga (por exem­ çoada e o mundo da ordem e da racionalidade-, nesta vi­
plo, o amor de Orestes por Henníone, prometida em ca­ são da índia colonial também entram em contacto dois
samento a Pirio e o amor de Pirro pela viúva troiana, mundos distintos: o da ordem inglesa, tão desamparado
Andrómac·a). Simultaneamente, a cena apresenta lo'go a neste novo contexto, e _o das forças das trevas, tipificadas
paixão fatal de Orestes com a qual a peça irá terminar. O por uma cultura estranha revoltada contra os colonizado­

·papel de Pílades é o de serVir de contraste àquela paixão�


:. •
res. Assim, na cena final onde a Pedra de Racine confessa
· .'
de introduzir os tons· apaziguadores da razão. o eqúiliôrio
:
·

Le ciel mit dans mon sein une flamme funeste, a Memsa­


da cena depende da relação entre estes dois diferentes ti­ -,_----��=�r·- hib do texto de Harrison· diz1ndia pu{dark passions in my
pos de homem. A tradução·de Philips conserva quer a ftm-
· . ·.

breast. Um bom exemplo 'da técnica de Harrison é visível


9ão d�. llrin:�ir� cen�� �.��?.�.�:Z.��.d.() as �o����I1�.d� .. �a in­
32 HOLMES, James - Describing Literary Translations: Models and Me­
triga, �uer o equiUbrio da relação · entre. os doi� amigos,
thods. ln HOLMES, James; LAMBERT; }os!; BROECK., Raymond van den
mas esta similarida�e não. se deve ao facto de o tradutor (eds.) - Ureral/lre and Translarion: Louvain: ACCO, 1978.
200 201

comparando a sua versão do momento em que Enona (a ÜENONE

Ayah) descobre a paixão secreta de Pedra com a versão Que faires-vous, Madame ? et que/ morte/ emmi
que Robert Lowell propõe da mesma cena. Comre tollt votre sang vous anime aujourd'lwi?

PliEDRE
ÜENONE "
Puisque Vénus le veut, de ce saug déplorable
i
Madame, au 110111 des pleurs que pour vous j'ai versés, Je péris la demiere et la plús misérable.
Par vos faibles genoux que je tiellS embrassés,
Délivrez mou esprit de ce fw�este doute. ÜENONE
Aimez-vous?
PHEDRE
PHEORE
Tu /e veLa. Leve roi.
De l'amour j'ai toutes lesfureurs.
ÜENONE
ÜENONE
Pariu., je vous écoute. Pour qui?

PHEDRE PHEDRE
1t.
Ciel! que /ui vais-je dire, et par oii commencer ? Tu vas oufr le comble des lzorreurs.
J'aime... A ce nom fatal, je tremble, jefrissomre,
ÜENONE J'aime...

Par de vainesfrayeurs cessez de m 'offeuser.


;:.··. ÜENONE
Qui?
PHÊDRE
·:\
O lzai11e de Vénus ! O fatale colere I PHEDRE
Daus quels égarements l 'amourjeta ma mere ! Tu co1mais ce fils de i 'Amazone,
Ce prince si longtemps par moi-même opprimé?

. . . ,'. . .·.
ÜENONE
..
. ··.·:� :
:.
Oublions-les, Madame ; et qu'à tout l'avenir
·.··: ·:;:�-�� ::�:�.�;�:· ' ÜENONE
i;:: .:·
Un silence étemel cache ce souvenir. Hippolyte? Grands Dieux!

PHEDRE PHEDRE
. .
. :: . .
Ariane, ma samr, de que/ amour blessé� •. C'est toi qui ['a nommé.
Vous mounltes aux bords oíi. vousfiltes Iaissée! (Racine)
202 203

AYAH: (on her knees) ÜENONE: Ah Lady, I implore you by my tears,


Memsahib, by these tears that wet your dress and by your suffering body. Heaven hears,

rid ayah of her anguish, and confess. and knows t/ze trutlz already. Ler me see.
MEMSAHIB: (after a pause) PHAEDRA: Stand up.
You wish it? Then I will. Up, offyour knees. ÜENONE: Your hesitation's killing me!
(pause) PHAEDRA:· Wlzat can I tell you? How the gods reprove mel
AYAH: Memsahib made her promise. Tell me. Please. ÜENONE: Speak!
MEMsAHIB: I don 't know what to say. Or how to start. PHAEDRA: Oh Venus, murdering Vemts! Love gored Pasiphait
(pause) with the bttll.
AYAH: Tell me, Memsahib. You break my lzeart. OENONE: Forget
MEMsAHIB: (sudden vehemence) your mother! Wlzen she died she paid her debt
Mother! Driven by tlze dark gods' spite PHAEDRA: Oh Ariadne, Oh, my Sister, lost
beyond tlze frontiers ofappetite. for /ove ofTheseus 011 that rocky coast.
A judge 's wife! Obscene! Bestialities ÜENONE: Lady, wlzat nervous languor makes you rave
.

Hindoos might sculpture 011 a templefrieze! against yourfamily; they are in tlze grave.
AYAH: Forget! Forget! Tlze great Wheel we are on PHAEDRA: Remorseless Aplzrodite drives me. /,
tums all that horror to oblivion. my race 's last and worst love-v'ictim, die.
MEMSAHIB: Sister! Abandoned .. . by lzim tà� .. left belzind... OENONE: Are you ilz �ove?
driven to drugs and drink... Out of!Jermind! PHAEDRA: I am with /ove!
AYAH: Memsallib, no. Don't let black despàir Who
ÜENONE:
·

jlail at yourfamily. Forebear. Forebear.


is lze?
MEMSAHIB: It's India! Your cruel gods atltirst PHAEDRA: l'Il tell you. Notlzing lo�·e call do
for victims. Me tlze last and most accused!
could equal... Nurse, I a�n in /ove. Tlze shame
AYAH: (truth dawning)
...
· •'
!..7Ús me. l /ove t/ze... Do zzot ask lzis name.
Not /ove? · ··.: ÜENONE: Wlzo?
MEMsAHIB: Love. Likefever.
PHAEDRA: Nurse, you know my o/d loathiizgfor tlze son
AYAH: Memsalzib, wlzom?
I ·'· ofTheseus and the barbarous Amazon?
MEMsAHIB: Prepare to bear witness to the hand ofdoom. .. . OENONE: Hippolytus! My God, oh my God!
l love... I /ove... / /ove... You /..7tow lhe one
I seemed to Jzate so tmtclz ... tlte Rajput's son...
PHAEDRA: . You,
not I, /zave 11amed him.
Thomas Theophilus? The halfbreed! Slzam� !
... ......
AYAH:
\ (Robert Lowell)
MEMSAHIB: I couldn 't bring my�elfto speak his name. !',:_,
.•
. ... .

·
.
..
.':"' � .

(Tony Harrison)

,.: . . 1;;.>:.
r
204

Harrison reteve claramente o movimento essencial da Quando se trata de traduzir para o teatro, a tradução
205
I
cena, as falas breves e angustiadas de Memsahib e a insis­ dos textos literários assume uma nova e mais complexa
tência desesperada de Ayah que conduzem ao ponto alto dimensão, pois o texto é apenas um elemento na totali­
da revelação, mas substitl,Jiu o pano de fundo grego por dade do discurso teatral. A linguagem em que o texto dr-a­
outro sistema de referências e aumentou as falas de Pedra mático está escrito serve de signo no interior da rede da­
quilo que Thadeus Kowzan designa por signos auditivos
para tomar o significado mais explícito. As conotações da
}
paixão ilícita de Memsahib também foram alteradas: na e visuais.33 E como o texto dramático é escrito para vozes,
versão de Harrison, o tabu que é violado é o das fronteiras o texto literário contém também um conjunto de sistemas
inter-raciais, não o do incesto. Contudo, a tradução man­ paralinguísticos, como o tom, a entoação, a velocidade
tém uma estrutura versificatória compacta que faz lem­ do enunciado, o sotaque, etc. que constituem matéria sig­
brar Dryden em vez do habitual verso branco. Quando nificante. Além disso, o texto dramático contém em si o
comparada com a tradução de Lowell, que utiliza a mesma . subtexto ou aquilo a que chamámos o texto gestual, que
forma, mas com muito menos flexibilidade, toma-se determina a acção física do actor. Assim, não é só o con­

muito clara a diferença entre uma tradução o1ientada para texto, mas também o código gestual encastrado na pró­

I
I

a leitura e uma tradução orientada'!Jara a representação. pria língua que det�rmina o trabalho do actor; e o tradu­

Lowell expande o texto de Racine com explicações do tor que ignorar todos os sistemas além do puramente
I literário corre sérios riscos.34
universo mitológico que podem ser obscuras para os leito­
f:
res do século XX. No que respeita mais directamente ao Mais uma vez, como acontece com outros tipos de tra­

equilíbrio da cena, Lowell dá a Pedra uma série de falas dução abordados neste livro, a quest�o central prende-se
com afimção do texto a traduzir. Uma das funções do tea­
em que a assertiv"idade do Eu é bastante acentuada, ao
tro é operar a outros níveis para além dos estritamente lin­
passo que Harrisoh segue Racine fazendo das interven­ ' I, ' ';;:,"'
guísticos, e o papel do espectador assume uma dimensão
ções de Memsahib uma combinação de pensamentos em .
pública não partilhada pelo leitor individual cujo contacto
voz alta e falas dirigidas à sua dama de companhia. Lo­
.:: :.
well vài ao ponto de dar a Pedra duas··falas adicionais I'll . ·

teU you e I am in love. Em suma, embora à primeira vista 33 KOWZAN, T. - Littérature et Specracle. The Hague; Paris: Mouton,
1975.

...
possa parecer que Lowell seguiu de perto o texto de Ra­ .
)..1
.

Note-se que as orientações gestuais que se encontram no interior do

. .... lL
.

cine em termos de conteúdo, foi Harrison quem mais ade­ texto se distinguem das didnscálias. Contudo, como ficou demonstrado em tra­
balhos recentes sobre semiótica dos textos dramáticos, é possível considerar as
quadamente verteu as mudanças de movimento da cena,
didascálias de alguns dramaturgos (por ex., Pirandello, Shaw, Wesker) como
apesar das óbvias diferenças de linguagem. unidades de discurso, onde se pode discernir uma voz claramente perceptível.

(�
�·
____.. L
206

com o texto é essencialmente do foro privado. Um factor

I.
.

central a ter em consideração pelo tradutor de textos dra­


máticos deve ser, portanto, a sua vertente de representação
teatral e a sua relação com o público, o que me parece su­
ficiente não só para justificar modificações, como as ope­
I
f
radas por Phllips e Harrison no texto de Racine, mas tam­
bém para sugerir que o tradutor deve ter em conta a função Conclusão
do texto como elemento da, e para, a representação.

Ao escrever a conclusão deste livro, não posso deixar


de pensar na vasta quantidade de material que ficou por
discutir. Por exemplo, não chegaram a ser referidos os de­
senvolvimentos que se deram ao �vel da tradução auto­
mática, que contribuíram para o avanço da linguística e
posteriormente, por sua vez, beneficiaram desses avanços.
Também .ficaram fora do âmbito deste livro os problemas
complexos da tradução dos textos fílmicos, em que o pro­
cesso de tradução envolve também uma componente ciné­
tico-visual, pois o público espectador atenta nos movi­
mentos dos lábios dos actores, bem como a questão afim
da legendagem, onde a: velocidade de leitura, a paráfrase e
o resumo são elementos inseparáveis. Nem foi abordada a
questão, .porventura mais importante, da tradução �ral ou
·

interpretação. É fácil jt.Istificar estas lacunas com falta de


espaço, mas parece-me importante referir o facto para que
o livro não sofra de um preconceito que foi precisamente
sua intenção ultrapassar: uma inclinação para a literatura
'elevada' que desvaloriza o trabalho desenvolvido n� área
208 209

do cinema e a investigação sobre literatura oral e novas Ao nível da tradução literária, o trabalho a fazer tam­
tecnologias. Nada poderia estar mais longe da minha in­ bém é muito óbvio. É
preciso um estudo compreensivo da
tenção; a principal razão para tratar textos geralmente tradução de textos dramáticos com vista ao estabeleci­
aceites como 'literários' foi familiarizar o leitor com os mento de uma teoria e é preciso atentar seriamente em
problemas de tradução mais amplamente discutidos. problemas específicos da tradução da narrativa. A obra d�
Os Estudos de Tradução, como se afirmou na Introdu­ André Lefevere sobre os próblemas metodológicos envol- J
ção, ainda são uma jovem disciplina com um longo cami­ vides na tradução de poesia deveria ser continuada e ex­
nho à sua frente. É necessário um debate teórico mais ge­ pandida e todo o debate sobre a tradução literária ganha
-
ral quanto à natureza da tradução e é necessário estabelecer ria muito com a inclusão de uma abordaaem aos
c

uma terminologia para proceder a esse debate. A primeira problemas levantados pela tradução de textos europeus e
tentativa de Anton Popovic para elaborar um Dictionmy of americanos.
Litermy Tran.slation Tenninology merece o nosso aplauso, Todavia, ao enumerar alguns projectos que devem ser
mas ele precisa de ser redireccionado e actualizado por levados mais além, é importante não esquecer dois pontos
forma a abranger os textos teatrais e os textos fílmicos. chave: o enorme e rápido progresso que a disciplina co­
Uma grande vantagem de uma terruinPlogia mais acessível nheceu e a inter-relação entre a teoria e a prática que ainda
seda a de podermos afastar-nos da vellia e algo vaga dico­ prevalece. Referindo:-se às complexidades da traduç
ão,
tomia tradução· livre I tradução literal e dos respectivos juí­ Roman Jakobson observou ironicamente que
zos de valor. Também nos permitiria distanciarmo-nos da
distinção, bastante vaga, entre tradução orientada para o d
Os problemas complexos abu n am quer na prática quer na teoria

autor e tradução orientada para o público leitor. da tradução; de tempos a tempos fazem-se tentativas de cortar o nó

É preciso sabermos muito mais sobre a história dos górdio proclamando o dogma da intraduzibilidade.'

Estudos de Tradução. Tornou-se prioritário obter mais do­


cumentação e mais informação sobre a evolução do con­ Na verdade, esse dogma tem sido muitas vezes usado para

ceito de tradução. e estabelecer uma colaboração a nív�l defender a ·impossibilidade não só da tradução mas tam­

internacional sobre a história da tradução, como queria Ja­ bém do Estudo da Tradução, por alegadamente ser impos­

mes Hohnes. Compreender melhor a evolução dos Estu­ sível debater uma questão tão subtil· como a transferência

dos de Tradução e do estatuto do texto traduzido significa


1 JAKOBSON, Roman - On Linguistic Aspects of Translation. In BRO·
ficarmos mais bem equipados para resolver os problemas
WES, R. A. (ed.) - 011 Translation. Cambridge, Massncbussets: Harvard Uni·
que surgem nos nossos éontextos. versity Press, 1959, p. 234.
··
---· � ....

210

. Contudo, e
do 'espírito criativo' de uma língua para outra
a traduzir e
apesar desse dogma, os tradutores continuam
pode agora
o prolongado debate iniciado nessa promessa
depa.ntdo com
ser continua4o por todos qq�tos se tenham
am passar de
problemas no exercício da traduçijo e queir
dis�urso mais
uma posição pragmática e empírica a um
científico e interdisciplinar.
Bibliografia selectiva

Ao reunir sugestões de leituras complementares ape­


nas incluí textos em língua inglesa. Nas notas �e rodapé
de cada capítulo são dadas referências de obras importan­
tes noutras línguas. Nas obras a seguir. referenciadas, tam­
bém se indica quais as que contêm bibliografias gerais.
Foram excluídos �guns textós em língua inglesa pela
razão de que, embora se afrrmem como estudos de tradu­
ção, apenas contêm observações casuais e subjectivas so­
bre problemas levantados pelo processo de tradução e não
contribuem para o estabelecimento de uma disciplina crí­
tica de Estudos de Tradução.

I· LEITURAS PRELil\UNARES DE. CARÁCTER GERAL


0' • l •:• a
• .- :.. _..,
:
1
•• 0 . .,.. � '

.. !,...,_
f ARROWSMITH, Vj.; SHATIUCK, R. (eds.) - Tlze Craft and Co11text
I
••• ·:

ofTrans/ation. Austin: University ofTexas Press, 1961.


. :�.

.. Ç
Trata-se de uma útil colec ão de ensaios que abordam questões ge­
, . r ': .
; , .
•• o I' • - • � rais e específicas. O volume contém dois estudos sobre.tradução de
teatro: um da autoria de Peter Arnott sobre "Translating the
Greeks" e outro de Robert Corrigan sobre "Translating forActors".

1
l
212
213

BROWER, Reuben (ed.) - On Trans/ation. Cambridge, Mass.: Harvard não como uma disciplina de direito próprio mas como uma forma
University Press, 1959. de exemplificar aspectos da linguística aplicada. ·
Esta colecção de ensaios continua a ser uma das mais. úteis anto­ GUENTHNER, F.; GUENTHNER-REUITER, M. (eds.) - Meaning
logias em língua inglesa e inclui capftulos sobre diversos aspectos and Translation. Philosopllical and Linguistic Approaches. Lon-
da tradução. Encontram-se aqui capítulos sobre a tradução da Bí­ don: Duckworth, 1978. 6

blia, a tradução automática e, de importância capital, o estudo de


LAWENDOWSKI, B. P. - On Serniotic Aspects of Translation. ln SE- f
Roman Jakobson "On Lingutstic Aspects of Translation". Reuben
Brower é também o organizador de outro volume intitulado Mir­ BEOK, T. (ed.) - Siglzt, Sound and Sense. Bloomington: Indiana
ror on Mirror, publicado em Harvard, em 1974, no qual o debate University Press, 1978, p. 264-82.
sobre a tradução é mais alargado, incluindo ensaios sobre imitação LEVY; Jifí- The Translation of Verbal Art. ln MATE.JKA., L.; TITU­
e paródia. NIK, I. R. (eds.) - Semiotics ofArt. Cambridge, Mass.: MIT Press,
SAVORY. Theodore - The Art ofTranslation. London: Cape, 1957. 1976, p. 218-27.

O autor deste livro aborda os Estudos de Tradução na perspectiva LUDSKANOV, A. - A Serniotic Approach to the Theory of Transla­
do humanismo liberal tradicional. A tradução é entendida como tion. Language Sciences, 35, April 1975, pp. 5-8.
forma de acabar com as barreiras à comunicação e o debate ·de­ McFARLANE, J.- Modes ofTranslation. Durham University Joumal,
senrola-se num nível pouco sistemático. 14, 1953, pp. 77-93.
STElNER, George After Babel: Aspec}� of Language and Transla­
-
NEWMAR.K, P. - Twenty-three Restricted Rules of Translation. The
tion. London: Oxford University Press, 1975. /ncorporated Ling�tist, 12 (1), 1973, pp. 9-15.
Este livro abrange uma vasta área e é particularmente útil por NIDA, E . - Towards a Science ofTranslating. Leiden: E. J. Brill, 1964.
abordar a questão do multilinguismo e da tradução. O seu ponto
Um livro extremamente útil e precioso para o estudante de tradu­
fraco é o pragmatismo que o divorcia de muito do trabalho em
curso na área dos Estudos de Tradução. A bibliografia é . organi­ ção. Contém também uma extensa bibliografia sobre questões es­
zada cronologicamente, começando com o �nsaio de Schleienna­ pecíficas da tradução da Bíblia.
cber de 1813. NIDA, E.; TABER, C. - Tl�e Theory and Practice of Translation. Lei­
den: E. J. Brill, 1969.

TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO i


. .� .. . HISTÓRIA DA TEORIA DA TRADUÇÃO
CATFORD, J. C.; - A Linguisric Theory ofTranslatiou. London: Ox­
ford University Press, 1965. COHEN, J. M.- English Translators and Translarions. London: Long­
Trata-se de uma arguta indagação sobre o processo de tradução mans, pub. para o British Council e The National Book League,
. L.
perspectivado de wn determinado ângulo: O seu principa l defeito ·· '· r ·
1962.
consiste no facto de o seu autor abordar a questão à luz de uma J JACOBSEN, Eric -Translation: A Traditional Craft. Copenhagen:
teoria linguística geral, fazenpo com que a tradução seja estudada ! Nordisk Forlag, 1958.
I:

I
I ·

. ...L.
I
215
214

Neste volume encontra-se também o artigo de F. W. Newman "Ho­


Esta obra contém informação muito interessante sobre a função da
meric Translation in Tbeory and Practice", em que é contestada a
tradução no âmbito da tradição retórica medieval, mas, como o au­
teoria da tradução de Arnold.
tor aflll11a na Introdução, evita o mais possível aflorar questões de
·
teoria geral e princípios da tradução. BEAUGRANDE, Robert de Factors in a Theory of Poetic Trans/a­
-

ting. Amsterdam; Assen: Van Gorcum, 1978.


KELLY, L. G. - The True ft1te1preter: A Histpry ofTI·auslation Theory �

and Practice i11 the West. Oxfor�: Blackwell,, l979. BELLOC, Hilaire- On Translation. Oxford: The Clarendon f'ress, 1931.
DAVIE, Donald - Poetry in Ttansiation. Milto11 Keynes: Tbe Open f
LEFEVERE, André (ed.) - Translating Literature: Tlle Gen11a11 Tradi­
tiOII from Luther to Rosenzweig. Amsterdam; Assen: Van Gorcum, University Press, 1975.
1977. DAYLEWIS, C. - On Translating Poetry. Abingdon-on-Thames: Ab­
Trata-se de uma selecção de escritos sobre tradução da autoria de bey Press, 1970.
reputados tradutores alemães, organizada para proporcionar uma EAGLETON, Terry - Translation and Transfonnation. Srand, XIX (3),
visão geral da mudança de atitudes relativamente à t:qidução. 1977, p. 72-7.
MATIIESSON, f.. O. - Translation: All Elizabethan Art. Cambridge, HOLMES, James (ed.) - Tlze Nature of Translation: . Essays 011 the
Mass.: Harvard University Press, 1931. Theory and Practice ofLiterary Translation. Tbe �ague: Mouton,
1970.
. .

Uma análise útil, mas assistemática, da obra de quatro importan-


tes tradutores da época isabelina: Hobyt �orth, FlorlÓ e Philemon Este volume contém.alguns capítulos muito importantes como, por
Holland. · exemplo, o de J. Holmes, "Fonns of Verse Translatio� and the
STEINER, T. R. - English Translatioll TheOJ)', 1650-1800. Ámster­ Translation of Verse Form", e o de Anton Popovic "The C�ncept
dam; Assen: Van Gorcum, 1975. of 'Sbift of Expression' in Translation Analysis".
HOLMES, J.; LAMBERT, J.; LEFEVERE, A. (eds.) Literature and
Este volume é especialmente importante, porque contém um longo -

Trmzsiation. Louvain: ACCO, 1978.


ensaio crítico sobre o padrão evolutivo da teoria da tradução iu­
glesa de 1650 a 1800 bem como uma· antologia de escritos do �sta obra reúne as com�nicações proferidas no .Col6quio sobre Li­
mesmo período sobre trad�ção. teratura e Tradução realizado na.Universidade Católica de Leuven
em i976, bem como o àrtigo que institui os Estud�s de T�dução
como disciplina autónoma. Contém uma vasta bibliografia, em­
TEORIA DA TRADUÇÃO LITERÁRIA
bora organizada de uma forma algo desajeitada, onde s� indicam
ADAMS, R. - Proteus, His Lies, His Trutlz: Dis�"u;sid�s ·o,1· Lftei:Ji)• textos sobre tradução em Inglês, Francês e Alemão.
!ranslarion. New York: W.. H. Norton, 1973.. LEFEVERE, Ancifé - Translating Poetry: Seven Strategies anda Blue­
Trata-se de um livro altamente idiossincrásico, mas contém alguns print. As'sen;Amsterdam: Van Gorcum, 1975 .
exemplos muito úteis de problemas específicos da tradução literária.
..

Um livro muito útil que mostra como reso�ver o problema do es­


'

...... :·:·,.

ARNOLD, Mathew - On Translating Homer. ln Essays by MatheiV Ar­ I tabelecimento de uma metodologia para a tradução'de poesia atra­
t
nold. Loodon: Oxford Uoiversity Press, 1914. I vés da análise de sete traduções de um textó latino.

1

!
_, _
216 217

POPOVIC, Anton -A Dictiollo1}'for the Analysis of Literary Transla­ BAKER, Mona (ed.) - Routledge Encyclopaedia of Translarion Sru­
tion. Edmonton, Alberta: University of Alberta, 1976. dies. London: Routledge, 1998.

POUND, Ezra - Literal)' Essays. London: Faber, 1954. BASSNETT, Susan - The Problems of Translating Theatre Texts.

SELVER, Paul - The Art of Trans/ating Poetry. London: Jon Baker, Tlleatre Quarterly X, 40, 1981, p. 37-49.

1966. BASSNEIT, Susan - Byron and Translation. Tlze !Jyron Jouma}.


N° 14, 1986, p. 22-32.

BmLIOGRAFIA SELECTIVA SOBRE ESTUDOS DE BASSNETI, Susan - Translating for the Tbeatre: Textual Complexi­
TRADUÇÃO PUBLICADA EM INGLÊS DESDE 1980 ties. Essays in Poetics, 15, 1, April, 1990, p. 71-84.

AALTONEN, Sirkku - Acculturation of the Other: Irislt Milieux in BASSNETI, Su�an (ed.) - Beyond Translation. New Comparison.
Filmish Drama Translation. Joensuu: Joensuu University Press, N° 8, Autumn 1989.
1996. BASSNETT, Susan - Translaúng for the Theatre: Textual Complexi­
AALTONEN, Sirkku - 1ime-sharil18 on Stage, Drama Translation ln ties. Essays in Poetics, 15, 1 , April 1990, pp. 71-84.
Theatre and Society. Clevedon: Multilingual Matters, 2000.
BASSNETI, Susan- Comparative Literature: A Critical lmroducrion.
ÁLVAREZ, Román; VIDAL, M. Cannen África (eds.) - Translation: Oxford: Black.well, 1993.
Power, Subversion. Clevedon: Multilingual Matters, 1996.
BASSNETT, Susan (ed.) - Translaring Literature. London: Boydell
AMES, Roger; CJ:IAN, Sin-Wai; MAU SA.l'llil, Ng. (eds.) - Imerpre­ and Brewer, 1997.
ting Cultzcre Througlz Translation. Hong Kong: Chinese University
BASSNETT, Susan; LEFEERE. And.ré (eds.) - Translation, History
Press, 1991.
and Cultztre. London: Pinter, 1990.
ANDERMAN, Gunilla; ROGERS, Margaret (eds.) - Words, Words,
BASSNETT, Susan; LEFEERE, André (eds.) Translation, History
Words. The Trarrslator and the lAnguage Leamer. Clevedon: Mul­
-

and Culture. London: Cassell, 1995.


tilingual Matters, 1996.
BASSNETT, Susan; LEFEERE, ·André (eds.)- Constructing Cu/tures.
ANDERMAN, Gunilla; ROGERS, Margaret- Words, Text, Translation
Liber Amicotzcmfor PeterNewmark. Clevedon: Multilingilal Mat­ Essays on Literary Translation. Clevedçm: Multilíngua! Matters,
.

ters, 1999. 1998.

ANZALDÚA, Gloria - BorderlandsllA Frontera: The New Mestiza. BASSNE'!T, Susan; TRIVEDI, Harish (eds.) - Post-Colonial Transla­
· San Francisco: Aunt Lute Books, 1987. tion. Theory and Practice. London: Routledge, 1999.

BACCHILEGA, Cristina; PAVESE, Cesare - America: the Myth of DE BEAUGRANDE, Robert - Text, Discourse and Process. London:
Tianslation and the Transl.ation of.Mytb. .Dispositio VII, 19-20-21, Longrilan, -1980.
19�.2. p. _77-84. DE BEAUGRANDE, Robert; SHUNNAQ, Abdulla; HEL�L, Moba­
;
BAKER Momi. - ln difzer WordS. A Coursebo�k on Trahslàiion. Lon­ med H. (eds.) - lAnguage, Discourse and the West and Middle
do.n: Routledge, 1992. East. Amsterdam: John Benjamins, 1994.
218 219

BEER, Jeannette (ed.) - Medieval Translators and their Craft. Kala­ BROECK, Raymond van den - Generic Shifts in Translated Literary
mazoo, Michigan: Westem Michigan University Press, 1989. Texts. New Comparison, l , I 986, p. 104-17.

BEHAR, Ruth - Translated Women: Crossing tlze Border with Espe­ BUSH, Peter; MALMKJAER, Kirsten (eds.) -Rimbaud's Rainbo11� Li­
terary Translation in Higher Education. Amsterdam: Jotui Benja-
ranza's Story. Boston: Beacon Press, 1993.
mins, 1998. •

BELL, Roger - y and Practlce.


Translation and Translating: Theor
CHAN, Sin-Wai; POLLARD, Pavid (eds.) - An Encyclopaedia of
London: Logman, 1991. f
Translation, Clzinese/English, English/Chinese. Hong Kong: Chi-
BENJAMIN, Andrew - Translation and the Nature of Philosoplzy. nese University Press, 1994.
London: Routledge, 1989.
CHAN, Sin�Wai (ed.) - A Topical Bibliography ofTranslation and In­
BERMAN, Antoine - Les Tours de Babel. Essais sur la traduction. terpretation, Cllinese!English, Englislz!Chinese. Hong Kong: Chi-
·

Maurezin: Editions Trans-Europ-Repress, 1985. nese University Press, 1994.

BHABHA, Homi - The Location ofCulture. London: Routledge, 1994. CHANG, Fan Goo - Cultural Barriers in Translation. New Compari­
son, 8, 1989,p. 3-12.
BIGUENET, John ; SCHULTE. Rainer (eds.) - The Craft of Transla­
CHESTERMAN, Andrew - Memes ofTranslation. The Spread ofIdeas
tion. Chicago: University of Chicago Press, 1989.
in Translation T_heol)'. Amsterdam: Jo � Benjamins, 1997.
BLODGETT, Edward - Translation as a Key to Canadian Literature.
CHEYFI12, Eric - The foetics oflmperialism: Translation and Colo­
New Comparison, l , 1986, p. 93-104. t�
nization from The Tempest to Tarzan. New York; London: Oxford
BLY, Robert - Tile Eight Stages of Translation. Boston: Row� Tree University Press, 1991.
Press, 1983.
CLASSE, Olive (ed.) - Encyclopaedia ofLiterary Translatio�z into En­
La BOSSIERE, Camille - Translation in Canadian. Literature. Ottawa: glislz. London: Fitzroy Dearbom, 1999.
.
Ottawa Uni�ersity Press, 1983.
·

CLIFFORD, James ..:. Routes: Travei and T_rans/ation in the Late 1\ven­
BOWKER, Lynne; CRONIN, Michael; KENNY, Dorothy; PEARSON, tieth Centwy. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1997.

Jennifer (eds.) - Unity in Diversiry? Currept Trends in Translation COLLIER, Gordon (ed.) - _ljsffhem: Translation, Transcription and
Studies. Manchester: St. Jerome Press, 1998. ldeiztity in Post-Colonial Liter01y Cultures. Amsterdani: Rodolpi,

BRINTON, E. et al. - Translacion· Strategies -.Estrategias para tra­ 1992.

ducción. London; M:a�mil�an. 1.9& L... . . ..... CORBETT,_ John - Written in the Lflnguag� of tlle Scottish Nation. A
ry Translation into Scots. Clevedon: Mult:ilirigual
. ... . . . . .· . . . . .. . ···.:·. �·· ::�:.� .

History ojLitera
BRISSET, Annie- A Sociocritique·o.fTranslation: Theq_rrf! andAlterity
Matters, 1998: '
in Quebec 1968-1988. Toronto: University ofToronto Press, 1996.
CRONIN, Michael- Translating lreland. Translatio�z, Language�: Cul­
BROECK, Raymond van den- The Limits ofTranslatability Exempli:.. ·1
tures. Çork: Cork University Press, 996.
fied by MetaphorTranslation. Poetics Today, 2-4 Summer-Autumn,
CRONIN, Michael - Travei, úmguage, Translaiion. Cork: Cork Uni­
1981. p. 73-87.
versity Press, 2000.
220 221

DELABASTITA, Dirk - There's a Double Tongue: An Investigation DOLLERUP, Cay; APPEL, Vibeke Teac/zing Translation and Imer­
-

illto tire Translation ofShakespeare 's Wordplay, witll Special Refe­ prering. New Horiz.ons. Amsterdam: John Benjamins, 1996.
rence to 'Hamlet'. Amsterdarn: Rodolpi, 1993. DRASKAU, Jennifer - Reflections on the Theory and Evaluation of
DELABASTITA, Dirk; D'HULST, Lieven (eds.) - European Slzakes­ Translation Exempüfied by the English Translation of a French
peares: Translating Shakespeare in tlze Romantic Age. Amster­ Medieval Lyric Poet (Villon). ARK. N° 27, Copenhagen, June, 198�.

dam; Philadelphia: John Benjamins, 1993. DURANTI, Riccardo - The Par3:dox of Dístance: Belli translated into
English and Scots. New Comparison, 8, 1989, p. 36-44. f
OELISLE, Jean - Translation: A11 Imerpretive Approach. Trad. Patricia
Logan e Monica Creery. Ottawa; London: University of Ottawa DZIECHCINSKA, Hànna (ed.) - Literal)• Srudies in Polland XV:
Press, 1988. Translation and Adaptatiou, Wroclaw, Polska Akademía Nauk,
1986.
DELISLE, Jean; WOODSWORTH, Judith - Translators Trough His­
_ ELLIS, Roger (ed.) - The Medieval Translaror, vol. 1. Woodbridge:
tOT)'. Amsterdarn: John Benjamins, 1995.
Boydell and Brewer, 1989.
DERRIDA, Jacques - Les Tours de Babel. Trad. Joseph F. Graham. In
GRAHAM. Joseph F. (ed.) -· Difference in Translation. Ithaca; ELLIS, Roger (ed.) - Tlte Medieval Translator, vol. 2. .London: West­
London: ComeU University Press, 1985, p. 165-208. field Studies in Medieval Literature, 1991.

The Ear of the Other: Otobiography, Transfe­ ELLIS, Roger - New Comparíson 12: Trans_lation ilz the Midd/e Ages
DERRIDA, Jacques
rence, Translation. Ed. Inglesa Christie �Donald, trad. De Peggy
-

(The Medieval Translator III, 1992.


P
Kamuf. Lincoln: University of Nebraska ress, 1985. ELLIS, Roger; EVANS, Ruth (eds.) - Tlze Medieval Tra1LSlator, vol. 4.
E�eter: Exeter University Press, 1994.
DEVY, Mahasweta - Imagina1)• Maps. Tradução inglesa e introdução
de Gayatri Cbakravorty Spivak. London: Routledge, 1995. ELLIS, Roger; TIXIER, R. (eds.) - The Medieval Translaror, vol. 5.
Turnhout: Brepols, 1996.
DIAZ-DIOCARETZ, Myriarn - Translating Poetic Discourse. Ques­
tions on Feminist Strategies in Ad�ienne Rich. Amsterdarn: John ELLIS, Roger; TIXIER, R.; WEITMETER, B. - The Medieval Tralls­
Benjamin, 1985. lator, vol. 6. Tumbout: Brepols, 1998.
D1NGWANEY, Anuradha; MAIER, Carol (eds.) - Bet\veen Languages ELLIS, Roger; OAKLEY-BROWN, Liz (eds.) Translation
. and Na-
Translation and · Cross-Cultural Texts.
-

and Cultures. Pitts�urgh: tion. Clevedon: Multilíngua! Matters, 2001.


University of Pittsburgh Press, 1995. EVEN-ZOHAR, Itamar - Polysystem Theory. Poetics Today, 1, 2 Au­
(edS.) _ Teaching Transla­
· --· ·:-..:: tumn 1979, p. 237-3 10.
DOLLERUP, Cay; L1NDEGAARD, Anne
tion and lllterpreting. Training Talent and EXperienct:. Amster­ EVEN-ZOHAR, Itamar - Translation Theory Today: A Call for Trans­
daro: John Benjamins, 1992. fer Tbeory. Poetics Today, 2, 4, 1981, p. 1-7.
i
DOLLERUP, Cayi L1NDEGAARD, Annette Ce41i.) -:- Teacf!ing Trans­
' .. . . r-
I . EVEN-ZOHAR, Itamar - Polyssystem Studies. Número especial de
lating �nd lmerpreti,�g Insiglzts; AÚns -áitd VLSi01is. Ámsterdam: Poetics Today 11:1. Tel Aviv: Tbe Porter Institute for Póetics and

t
John Benjamins, 1994. Semiotics, 1990.
.
,
I

222 223

EVEN-ZOHAR. Itamar; TOURY, Gideon (eds.) - TJiêory of Transla­ GENTZLER, Edwin - Conremporar
y Translation Theeories. London:
tion and Jntercultural Relations. Número· especial de Poetics To­ Routledge, 1993 .
day 2:4. Tel Aviv: The Porter Institute for Poeúcs and Semioúcs,
GENTZLER, Edwin - Comemporary Translation Tlleories. 2" .ed. Re­
1�81.
vista. Clevedon: Multilingual Matters, 2001.
FAERCH. C.; KASPER, G.- Strategies in Interlanguage Commtmica­
GÓMEZ-PENA, Guillermo - The New World Border. San Francis1:o:
tion. New York: Longrnan, 1983.
r
City Lights, 1996.
FAWCETT, Peter - Translation and úmguage. Linguistic Tlzeories Ex­
GRAHAM, Joseph F. (ed.) - Difference i11 Translation. Ithaca; London:
plained. Manchester: St. Jerome Press, 1997.
ComeU University Press, .1985.
FELSTINER. J. - Translating Neruda: The Way to Macc/111 Picclm.
GRUBER, Edith Maria - The Significance of Translation for the De­
Stanford, Califomia: Stanford University Press, 1980.
velopment of Spanish Romanticism. New Comparison, 1, 1986,
FIGUERIA, Dorothy Matilda - Transiating the Orient: The Reception p. 67-83.
ofSakwuala in Nineteentlz Century Europe. Albany: State Univer­
GUENTHNER, F.; GUENTHNER-REUTTER, M. (eds.) - Meaning
sity of New York Press, 1991.
and Translation. Pllilosopltical and Linguistic Approaches. Lon­
FISCHBACH, Henry (ed.) - Translation and ·Medicine. .Arrtsterdam: don: Duckworth, 1978.
John Benjamins, -1998. GUTT, Emst-August - Translatíon and Relevance: Cognition and
von FLOTOW, Louise - Translation and �nder: Translating in the ConteJ.t. Oxford: B�ad."WeU, 1991. .!

'Era ofFeminism . Manchester: St· Jerome, '1997.


·

'
HAlvf.MOND, Gerald - ·The Makirzg ofthe Erzglislz Bible. Manchester:
FRANCE, Peter (ed.) - The Oxford Guide to Literature in English Carc.anet, 1982.
Translation. Oxford: Oxford University Press, 2000.
HANNAY, Margaret (ed.) - Silent butfor the Word: ntdor Women as
FRANK, Annin Paul - Translation as System and Übersetzungskulrur: Patrons, Translators and Writers of Religious Works. Kent: Kent
On Histories and Systems in the Study of Literary Translatiàn. State University Press, 1985.
New Comparison, 8, 1989, p. 85-98. HARTMANN, R. R. K. - Contrastive Textology, Applied Linguistics
FRANK. Armin Paul; GREINER, Ncirbert; HERMANS, TJ:ieo, ei ai. I
i
and Translation. Poetics Today, 2, 4, 1981, p. 102-104.
(eds.)- Übersetzung, Translation, Traducrion: Ein intemationales HATIM, Basil- Couummication Across Cultures: Translation Theory and
Handbttclz zur Obersetzzmgsforsclumg. Berlin: De Gruyter. (no Contrastive Te.\1 Lbzguistics. Exeter: Exeter University Press, 1997.
. .
prelo) �. .

HATIM, Basil; MASON, Ian - Discourse and the Trarzslator. London:


FRAWLEY, William (ed.) - Translation: Literary, Linguistic andPizi­ i
Lon�an, 1990.
.Josophical Perspectives. Newmark: University of Delaware Press,
1984... I HATLM, Basil; MASON, Ian- The.Translator as Commzmicator. Lon­
don: Routledge, 1997.
GAMBIER Yves - Language Transfer and Audiovisual Communica­
tion. A Bibliography. Turku: University of Turku, 1994. .
,. HELGASON, J�n Karl - 17ze Rewriting ofNjál's Saga: Translation, Jdeo­

I
logy and Icelandic Sagas. Clevedoo: Mult;ilingual Matters, 1999.

\
I
.....L
224 225

HERMANS, Theo (ed.) - The Manipulation of Literature. London: KELLY, Louis - Bibliography of the Translation of Literature. Compa­
Croom Helm, 1985. rative Criticism 6, 1984, p. 347-59.

HERMANS, Theo (ed.) - Second Hand: Papers on the Theory and His­ KIRALY, Donald C. - Patlnvays to Translation: Pedagogy and frocess.
torical Study of Literary Translation. Louvain, ALW-Cahier N° 3, Kent: Kent State University Press, 1995.
1985. KIRK, Robert - Translarion Detemzined. Oxford: Clarendon Press, 19136.
HERMANS, Theo (ed.) - Literary Translation and Literary System.
KORPEL, Luc - The Discourse on Translation in the Netherlands,
New Comparison, 1 , 1986.
1750-1800. New Comparison, 1, 1986, p. 43-57.
HERMANS, Theo - Translation in Systems: Descriptive and System­
KRAWUTSCHKE, Peter W. (ed.) - Translaror and Jmerpreter Trai­
-oriented Approaches Explained. Manchester: St. Jerome, 1999.
ning and Foreign Language Pedagogy: Training Language Profes­
HEYLEN, Romy - Translation. Poetics and the Stage: Six French sionals: Politics, Polemics, Praxis. ATA Series 3, SUNY Bing­
Hamlets. London; New York: Routledge, 1993. hamton: Centre for Research in Translation.

HICKEY, Leo - The Pragmatics of Translation. Clevedon: Multilín­ KRONTIRIS, Tina - Oppositional Voices: Women as Writers and
gua! Matters, 1998. Translators ofLiterature during the Englislz Retiaissance. London:

HOLMES, James - Translatedl Papers on Literary Translation and Routledge, 1992.


Tratislation Studies. Amsterdam: Rodopi, 1988. KUHIWCZAK, Piotr - Successful Polish�English Translation. War­
HOMEL, David; STh10N, Sherry (eds.) - Màf>ping Literature: The Art saw: P.W.N., 1994; edição revista 1996.
and Politics ofTranslation. Montreal: Vebicule Press, 1988: KUSHNER, Eva; C�VY, Paul (eds.) - Translation in the Renais­
HOUSE, Juliane - Translation Quality Assessment: A Model Revisited. sance/La Traductiàn à la Renaissance. cCmadian Review of Com­
Tilbingen: Narr, 1997. parative Literature, 8, 2, 1981.

HUNTSMAN, Jeffrey F. - Translation Tlzeory: A Comprehensive Bi­ KUSSMAUL, Paul - Training the Translator. Amsterdam: Johfl Ben­
bliograplly. Amsterdam: John Benjamin, 1985. janüns, 1995.

JANSEN, Peter (ed.) - Translation and the Manipulation ofDiscourse: LAMBERT, José - How Emile Deschamps Translated Shakespeare's
Se/ected Papers of the CETRA Researclz Seminars in Translation Macbeth, or Theatre System and Translational System
. in French.
Swdies 1992-93. Leuven: CETRA, 1995. Disposirio vn: 19-20-21, 1982, p. 53-62.
DI, Jin; NIDA. E . - On Translarion. Beijing: ChinaTranslation and Pu­ LAMBERT, José; LEFEVERE, André (eds.) - Translation in tlze De­
blisbing Corporation, 1984. velopmellt ofLiteratures. Proceedings ofthe Xith Congress of tlze
ICLA. Bem: Lang, 1993.
KADISH, Doris Y.; MASSARDIER-KENNEY, Françoise (eds.) -
TranslatiTZg Slavery: Gender and Race in Frenclz Women 's Wri­ LAVIOSA, Sara (ed.) - Tlle Corpus-based Approaclz. Número especial
ting, 1783-1823. Kent: Kent State UniversityPress, 1994. . I de Meta 43/4 1998.
,
.

K.ALMAN. Gyorgy - Some Borderline Cases of Translation. New LEFEVERE, André - Beyond the Process: Literary Translation in Li­
!
(ed.) - Trans-

I
Comparison, 1, 1986, p. 1 17-23. terature and Literary Theory. ln ROSE, M. _Gaddis

I
i
L.
226 l 227
!
I '

lation Spectrum: Essays in Theol)' and Practice. Albany: State van LEUVEN-ZWART, Kitty; NAAIJENS, Ton (ed.s.) - Translation
University ofNew York, 1981, p. 52-9. Studies: The State ofthe Art. Amsterdam: Rodolpi, 1991.
LEFEVERE, André - Programmatic Second Thoughts on "Literary" LEVESQUE, Claude; McDONALD, Christie V. (eds.) - 17ze Ear ofthe
and "Translation", or: Where do we go from here? Poetics Today, Other. Trad. de Peggy Kamuf. New York: Schocken, 1985.

2, 4, 1981, p. 39-50.
LEVINE, Suzanne Jill - The Subversie Scribe. Translating Latin Ame-
LEFEVERE, André - Theory and Practice: Process and Product. Mo- rican Fiction. Saint Paul: Gray WolfPress, 1991. f

I
dem Poetry in Translation, 41.:.2, March 1981, p. 19-27. .·
_ LINDQUIST, Hans - English Adverbiais in Translation: A Corpus
LEFEVERE, André - Literary Theory and Translated.Literature. Dis­
Study ofSwedish Readings. Lund: Lund University Press, �989.
positio VII 19-20-21, 1982, p. 3-22. ·
LIU, Lydia H. - Translingual Practice: Literature, National Culture
LEFEVERE, André - Mother Courage's Cucumbers: Text, Systems
and Translated Modemity in China 1900-1937. Stanford: Stanford
and Refraction in a Theory of Literature. Modem Language Stu­ I

I
University Press, 1995.
dies, 12, 4, 1982, p. 3-19.
LLOYD, David - Translator as Refractor: Towards a Rereading of Ja­
L�FEVERE, André; JACKSON, K. D. (eds.) - The Art and Science of ! ' mes Clarence Mangan as Translator. Dispositio vn, 19-20-21,
Translation. Dispositio, IT, 1982.
1982, p. 141-62.
LEFEVERE, André - Poetics (Today) and Translation Studies. Modem
Poetry in Translation, 1983, p. 190�5.
· LORD, Mark -The Good and the Faithful àt the Place of the Sk.ull: No­

LEFEVERE, André - Tha� Structure in the �ialec� of Men futerpreted. tes for a Theory ofTranslation. Theater Fall/Winter, 1986, p. 70:.3,

LORSCHER, Wolfgang �
Translation Peifonnance, Translati n Pro­
··

Comparative Criticism, 6, 1984, p. 87-i01. -

;
� �
LE�VERE, André - Why .the Real e�ne C 't Stand up in.(to Trans­
cess, and Translation Strategies: A Psycholinguistic Investigation.

lation: Rewriting as a Way to' Lite.rary Influence. New Compari-


.
Tübingen: Narr, 1991.
soil, l , 1986, ,PP· 83-94. · de LqTBIN'IERE-HARWOOD, Susanne - Re-belle et infidele. ia tra­
.LEFEVERE, André - Translation, Rewriting and the Manipuf
áfion of duction comme pratique de reécriture au féminin/The Body Bilin­
Literary Fanie: Lolidon: Routledge, 1992. ·. gual. Translation as Rewriting in the Feminine. Quebec: Les edi­
.
tións dú remue-Iilénágé/The Women's Press, 1991.
LEFEvERE, André (�d.) � Translationli!istory!Cultitre. A Soiaúbook.
London: Routledge, 1992. LUIS, Will.iam; RODRIGUEZ-LUIS, Julio (eds.) - .Translating Latin Ame­
rica. Culture as Text. Binghamton: Centre for Research in_ Trans­

LEFÉVERE, An�ré - Translàting Lite!ature. · Pr� tfcé· and Tl1eory in
Comparatil'e Literature. New York: l'vfLA;-'1992. Iation. State UniversÍty of_New York at Binghamton, 1991.

LEPPlliALME, Ritva - Culture Bumps: Óevedon: Mu.Itiiingual Mat- MCCLURE, J. Derrick - Translations in Lowland Scots. New Compa­
ters, 1997. rison, 8, 198�· P· 45-56.
·

.
van LEUVEN, Kitty - The Methodology of T�siatiôn Descrlption MEZEI, Kathy - Bibliography of Criticism on English and Frenclz Li­
and its 'Relevance for the Practice of Translation. Dutch c'rossing,
·
terary Translations in Canada 1950-1986. Ottawa: University of
23 August, 1984, p. 54-65. Ottawa Press, 1988.
. 228 229

MORRJS, Marshall (ed.) - Translation and the Law. Amsterdam: John OITTINEN, Riita - / am Me - Iam Other: On the Dia/ogics ofTrans­

Benjamins, 1995. lating for Clzildren. Tampere: University of Tampere, 1993.

MUKHERJEE, Sujit - Translation as Discovery and Other Essays on ORERO, Pilar; SAGER, Juan C. (eds.) - The Translator's l)ialogue:

Indian Literature ·in English Translation. New Delhi: Allied Pu­ Giovanni Pontiero. Amsterdam: John Benjamins, 1997.
blishers/London: Sangam Books, 1981, 1� ed. N�w Delhi: Orient ORR., Mary - Mot a mot Translation as (lnter)textual Generat6r in
Longman, 1994. Five Novels by Claude Simon. New Comparison, 8, 1989, p. 66-74. �
·

NEKEMAN, Paul (ed.) - Translation: ou� Future/La Traduction: notre OSBORN, Marijane - Translation, Translocation and the Native Con-'
· text ofCaedmon's Hymn. New Comparison, 8, 1989, p. 12-23.
·

avenir. �aastricht: Euroterm, 1�88.


NEUBERT, Albrecht - T� and Translation. Leipzig: VEB Verlag PAKER, Saliha - Translated European Literature in the late Ottoman
Enzyklopadie, 1985. Literary Polysystem. New Comparison, 1 , 1986, p. 67-83.
NEUBERT, Albrecht; SHREVE, Gregor)• M. (eds.) � T�anslation as PARKS, Tim - Translatbzg Style. London; Washington: Cassell, 1998.
Text. Kent, Ohio: Kent State University Press, 1991.
PAVIS, Palrice - Tlzeatre at tlze Crossroads of Cttlture. London; New
NEWMARK, Peter - Approacltes to Translarion. London: Pergamon, York: Routledge, 1992.
1981.
PICKEN, Catriona (ed.) - Translation; Tlze Vital Link. London: Insti­
NEWMARJ(, Peter - A Textbook of Translation. London: Prentice� tute of Translation and Interpreting, 1993.

iI·
-Hall, 1988. · · ·
lt.
.
·., POLLARD, David (ed;) - Translation and Creation: Readings ofWes­
NEWMARK. Peter - About Translation. Clevedon: Multilíngua! Mat- tem Literature in Early Modem China 1840-1918. Amsterdam:
· :4j �
ters, 1991.
·

John Benjamins, 1998.


I
NEwMARK, Peter - Paragraphs 011 Translation. Cleve�on:_ Multilin­ PROCHAZKA, Martin - Cultural Invention and Cul�al Awareness:
gual Matters, 1993. TranslationalActivities and Author's Subjectivity in the Culture of
NEWMARK, Peter - More Paragraphs on Translàtion. Clevedon: the Czech National Reviva!. New Comparison, 8, 1989, p. 57�65.
Multilingual Matters·, �998. PUURTINEN, Tma - Linguístic Acceptabi/ity in Translated Clzildren 's
NIRANJANA, Tejaswini - Siting Translation: History, Post-S�ctura­ Literature. Joensuu: University of Joensuu, 1995.
lism and the Colonial Context.- Berkeley, Los· Angeles; OXford: PYM, Anthony - Translation and Text Transfer: An Essay on tlze Prin­
University of Califomia Pr�ss, 1992. cipies of lnterculural
t Communication. Frankfurt-am-Main: Peter
NIRENBURG, S. (ect.) - Machine Transl�tion: Tlzéoretical and Metho­ Lang; 1992.
dological Issues. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. RADICE, William; REYNOLDS, Barbara (eds.) - Tlze Translator's
.
NORD, Christian - Translating as' a Purposefol Activity: F_mictiori'aiist Art: Essays bz Honour of Barbara Radice. Harmondsworth: Pen- �

Approaclzes Explained. Manchester, UK: St. jerome; 1997. guin, 1987.


'

O'GRADY, Deirdre - Ttie Influence afilie Trâ.Dsl�tions:of the ·Wói:� RAFAEL, Vicente - Contracting Colonialism: Trans/ation and Chris­
of Alexander Pope on C1Sth ltalian Literafure. New Comparison, tian Conversion in Tagalog Society under Early Spanish Rufe.
8, 1989, p. 24-35. :· . Ithaca: ComeU University Press, 1988.
230 231

RAFFEL, Burton - The Art ofTranslating Poetry. Píttsburgh: Peo..nsyl­ ROUND, Nicholas (ed.) - Translation Studies ;, Hispanic Conte.'(ts.
vania State University Press, 1988. Glasgow: Glasgow Urúversity Press, 1998.
RA.MAKRISHNAN, Sbantha (ed�) - Trapslation and Multilingualism: St.-PIERRE, Paul (ed.)- Translation and Post-co/onialism: lndia. Nú­
Postcolonial Colltexts. Delhi: Pe11craft lntemational, 1997: mero especial de Meta 42, 1997.
REISS, Katharina - Type, Kind and Indivíduality of a Text. Poetics To­ SCHÃFNER, Christina (ed.) - Translation and Quality. Clevedon:
day, 2, 4, 1981, p. 121-31.
Multilingual Matters, 1998. f
SCHÃFNER, Christina (ed.)- Transiarion andN�nns. Clevedon: Mul­
RENER. F. - 1nterpretation, lAnguage and Translationfrom Cícero to
Tytler. Amsterdam: Rodolpi, 1989.
tilingual Matters, 1999.
ROBINSON, Douglas - Translation and Taboo. De Kalb: Northem ll-
SCHÃFNER, Christina; KELLY-HOLMES, Helen (eds.) - Discourse
linois University Press, 1996. ·

and 1deologies. Clevedoo: Multilingual Matters. 2000.


ROBINSON, Douglas - Westem n·anslation Theoryfrom Herodotus to
SCHULTE, Rainer; BIGUENET, John (eds.)- Theories ojTrans/atio
Nietzsche. Manchester: St. Jerome, 1997. 11.
An Anthoiogy of Essa'ys from Dryden to Derrida. Chicago; Lon­
ROBINSON, Douglas - What is Translation? Kent: Kent State Uni­ doo: University of Chicago Press, 1992.
versity Press. 1997.

ROBINSON, Douglas - Trans/atiqn and Empire: Postco/orzial Theo­ SCOLNICOVA, Hanna; HOLLAND, Peter (eds.) - The Play Out of
Context: Transferring Plays from Culture �o Culture. Cambridge:
ries Explained. Manchester: St. Jerome, ,I�97.

'J
. . Cambridge University Press, 1984.
ROBYNS, Clem (ed.) - Translation and the eproduction of Culture:
· SHAFFER, E. S. (ed.) - Comparative Criticism: Translation in Theory
Selec:ted Papers of the CERA Research Seminars in Translation
Sntdies 1989-1991. Leuven: CERA, 1994. .
. and. Practice. Vol. 6. Cambridge: Cambridge University
. Press,
1984.
ROSE, Marilyn Gaddis (ed.) - Trans/atiorz Spectnt(11. $_ssays irz Theory
SHAVIT, Zohar - Tr�slation of Children's Literature as _a Function of
and Practice. Albany: State University of New York Press, �981.
its Position in the ��terary Polysystem. Poetics Today, 2, 4, 1981,
ROSE, Marilyn Gaddis (ed.) .:.. Translation Perspectjv,es. Bingbampton:
p. 171-9.
SUNY Bingbamton, 1984.

ROSE, Marilyn Gaddis (ed.) - Translai,ion �orizons: Beyond the SIMMS, Karl (ed.) ..,. Translating Sensitive Texts: Linguistic Aspects.

Boundaries of Translation Spectrum. Binghamton, New York: I Amsterdam: Rodolpi, 1997.


I
SIMON, Sherry (ed.) - Culture in. Transit. Translating the Literature of
·· . . �- .
Center for Research in Translation. State University
.
of New. :York . . . !• .
I
·
· . . Quebec. Montreal: Vehicule Press, 1994.
at Binghamton, 1996.
·

·
· · ·

ROSE, Marilyn Qad s dÍ - Translaii;� and Lit�rary Çriticism: Transla­ SIMON, Sherry - Gender in Translation. Cultural ldentity and
the Po­
tion as Analysis. Manchester: St. Jerome Press, 1997.. .litics ojTransmissio11. London: Routledge, 1996.

,. .
·

ROSE, MarilYJ;1. 0\\4.di.s (�<U,:;:- Beyo_mj .t�e .Westem Tradition_: Translp­ Í ":: . SIMON, Sherry; St.-PIERRE, Paul (eds.) ....; Changing the Tenns:
tfon Perspectives XI. Bingbamton: Center for Research � Tr;msla- '
Translating in the Postcolonial Era. Ottawa: University of Ottawa
tion, 2000. . . . Press, 2000.
I
I
232 233

SINGH, Avadhesh K. (ed.) - Translation: lts Theory and Practice.


TALGERI, Pramod; VERMA, S. B. (eds.) - Lirerantre in Translation:
New Delhi: Creative Books, 1996. from Cultural Transference to Metonymic Disp/acement. London:
SNELL-HORNBY, Mary - Translation Studies: An lmegrated Ap­ Sangam, 1988.
proach. Amsterdam: John Benjaiilin,, 1988. Tessera, 6, June 1989, Translating Women/La traduction au feminin.
SNELL-HORNBY, Mary; POHL, Esther (eds.) - Translation and Le­ Bamaby BC Canada: Dept. of Eoglish, Simon Fraser University.
xicography. Amsterdam; Philadelphia: John Benjamins, 1989. TIRKKONEN-CONDIT, Sonia; LAFFLING, J. (eds.) - Recent Trends r
SNELL-HORNBY, Mary; POCilliACKER, Franz; K.AINDL, Klaus in Empírica/ Translation Research. Joensuu: University of Joen­
(eds.) - Translation Studies: An lnterdisci
pline. �terdam; Phi­ suu, 1993.
ladelphia: John Benjamins, 1994. THOMAS, Stephen - Using Translation to Overcome Cross-Cultural
SNELL-HORNBY, Mary - Translated Studies: An lntegrated Ap· Pragmatic Failure. New Comparison, 8, 1989, p. 75-84.
proach. Edição revista. Amsterdam: John Benjamins, 1995. TOURY, Gideon - ln Searcll ofa Theory ofTranslation. Tel Aviv: The
SNELL-HORNBY, Mary; JE1TMAROVÁ, Zuzana; K.AINDL, K.laus Porter Institute for Poetics and Semiotics, 1980.
(eds.) - Translation as lntercz�ltural Commzmication. Select�d Pa­ TOURY, Gideon - Translated Literature: System, Nonn, Performance
persfrom the EST Congress. Prague 1995. Amsterdam: John Ben� towards a IT-Oriented Approach to Literary Translation. Poetics
.
jamins, 1997. Today, 2, 4, 1981, p. 9-27.
SOMEKH, Sasson - The Emergence ofTwo Sets of Stylistic Norms in TOURY, Gideon - A Rationale for Descriptive Translation Studies.
the Early Literary Translation into MoCMrn· Arabic Pi"os�_. Poetics Dispositio Vll, 19-:21, 1982, p. 23-40.
.
Today, 2, 4, 1981, p. 193-200.
TOURY, Gideon -Translation, Literary Translation and Pseudotransla­
SORVALI, Irma (ed.) - Papers in Translation Studies. Pra�e-Kou­ tion. Comparative Criticism, 6, 1984, p. 73-87.
vola, Helsink:i: University of Helsinki Press, 1989.
TOURY, Gideon - Descriptive Trans/ation Studies and Beyond. Ams­
SPIVAK, Gayatri Cbakravorty -The Politics ofTranshition. ln Outside terdam: John Benjami.ns, 1995.
.
in the Teaching Machine. New York: Routledge, 1993.
TRIVEDI, Harish - Colonial Transactions: English Literature and ln­
SPRUNG, Robert C. (ed.) Translating into Success: Cuttinq-edge
_ . . . Manchester University Press, 1995.
dia. Manchester: .
-

Strategies for Going Multilingual in a Global Age. Ainsterdam;


.

TROSBORG, Anna (ed.) - Text Typology and Translation. Amsterdam:


Philadelphia: John Benjamins, 2000.
John Benjamins, 1997.
STARK., Suzanne - 'Behind Inverted Commas': Translation and An·
TYMOCZKO, Maria- Strategies for lntegrating Irish Epics into Euro­
glo-Gemzan Cultural Relaqons in the Niheieenth Centúry: Cleve­
pean Literature. Dispositio Vll, 19-20-2�, 1982, p. 23-40.
don: Multilingual Matters, 1999.
TYMOCZK.O, Maria -Translating tbe Old Irish Epic Tain Bo Cuailnge:
STERNBERG, Meir - Polylingualism as Reality and Translation as
Politicai Aspects. Pacific Quarterly Moana, 8, 1983, p. 6-21.
Mirnesis. Poetics Toda"!/•}• 4! 198�; p. �21��9:
_ TYMOCZKO, Maria - Translation as a Force for Literary Revolution
TABAKOWSKA, Elzbieta - Cognitive Linguistics and Poetics of
in the C12th Shift from Epic to Romance. New Comparison, l ,
Translation. Tübingen: Gunter Narr, 1993.
.1986, p. 7-28.

I
o 'i .
234 235

TYMOCZKO, Maria - Translation in a Postcolonial Context. Man­ WILSS, Wolfram - Translation and lnterpreting in the 20'" Cemmy.
chester: St. Jerome, 1999. Focus on Gennan. Amsterdam: John Benjamins, 1999.

ULRYCH, Margherita - Translating Texts: From Theory to Practice. WOLLIN, Hans; LINDQUIST, Hans (eds.) - Translation Studíes in
Genoa: Litoprint, 1992. Scandinavia. Lund: CWK Gleerup, 1986.

VANDERAUWERA, Ria - Dutclz Novels Translared into Englislt: The WORTH, Valerie- Practising Translation Íll Renaissance France� The
Transfonnation of a · 'Minority' Literature. 'Amsterdam: Rodolpi, Exemple ofEtienne Dolet. Oxford: Clarendon Press, 1989. I
r
1995. . ZLATEVA, Palma (ed.) - Translatiou as Social Action. Russiall and
VENUTI, Lawrence - The Translator's Invisibility. Cliticism, 28, 2, Bulgaria11 Perspectives. London; New York: Routledge, 1993.
1986, p. 179-21 1,. ZUBER, Ortrun (ed.) - The Languages ofthe Theatre: Problems in the
VENUTI, Lawrence (ed.) - Trans.lation and Minority. Número espec.ial Translation and Transposition of Drama. London: Pergamon,
.

1980.
.

de Tlte Translator, vol. 4, D0 2, 1988.

VENUTI, Lawrence (ed.) - Retlrink(ng Trqnslation: Discourse, Sub.­ ZUBER-SKERRITT, Ortrun (ed.)- Page to Stage: Tlreatre as Transla­
tion. Amsterdam: Rodolpi, 1984.
jectivity, Id�ology. I,..ondon: Routledge, 1�92.

VENUTI, Lawrence - Tlte Translator's Invisibility. London: Routledge,


1995. . .

VENUTI, Lawrence - Tire Scandafs ofTranllbrion. Towards an· Etltics


·
of.Difference. Lond9n: Routledge, l999.

VENUTI, Lawrence (ed.) - Tlte Translation Studies Reader. London;


New York: Routledge, 2000.

de WAARD, Jan; NIDA, E. - From One I.anguage to Another. Nash­


ville, Tennessee: Thomas Nelson, 1986.

WARREN, Rosanna (ed.) - The Art


·
of Translatioíz.
Field. Boston: Nortbeastem University Press, 1989.
Voices from the
I
'I
I

i
WEISSBORT, Daniel (ed.) - Trans/ating Poetry: The Double Labyrinth. I

Iowa City: University oflowa �ess,- 1989. -·: · · ·· ·· - ' . .i


�S. Wolfram- Tire Sé�e;zce oitrat�slatio;z. Tübinge�: N�.;:, �987. I
· · - . ·

.
- Translation Theory and lts lmplementatiÓn.
.S , Wolfram
Wll.S . . · · Tübin-
· · ·
.

gen: Nàrr, 1984. . · : , : .. . ·• ·. , . . . .· . . . ; .. .

· '
. . .

. ·
K11owl�dg_e and �kills in Translator Behavior.
:' • • ': •. , I •• • . • :

WILSS, Wolfram -

Amsterdam: John Beojamins, 1996.

._I
I
f
Anexo
Texto original do poema The Seafarer

M<l!g ic be me sylfum soôgied wrecan,


si}:las secgan, hu ic geswincdagum
earfoôhwile oft prowade,
bitre breostceare gebiden h<!!bbe,
5 gecunnad in ceole cearselda feia, .

atol ypa gewealc. l><!!r mec oft bigeat


nearo nihtwaco cet nacan stefnan,
ponne he be clifum cnossaô. Calde geprungen
W<!!ron fet mine, forste gebunden,
1o caldum clommum, p<!!r pa ceare c;eofedun
hat ymb heortan; hungor innan slat
merewerges mod. I><!!t se ��n ne wat
pe him on foldan f;:egrost 1impeô,
hu ic earmcearig is"cealdne s;:e
15 winter wunade wr;:eccan léC>tum,
winem;:egum bidroren,
bihongen hrimgicelum; h;:e.gl scurum fleag.
l>;:er ic ne gehyrde butan b.limman s;:e,
iscaldne w;:eg, hwilum ylfete song
238 239

20 dyde ic me to gomene, ganetes hleopor pe pa wrceclastas widost lecgaà.


ond huilpan sweg fore hleahtor wera, Forpon nu rnin hyge hweorfeõ ofer hreperlocan,
mcew singende fore medodrince. min rnodsefa mid mereflode,
Stormas pcer stanclifu beotan, pcer hirn stearn oncwceõ 6o ofer hwceles epel hweorfeõ.wide,
isigfepera; ful oft pcet earn bigeal, eorpan sceatas, cymeõ eft to me
25 urigfepra. Na:mig hleomcega gifre ond grcedig; gielleõ anfioga, •

feasceaftig ferõ frefran meahte: hweceõ on hwcelweg J;u-eper unwearnum,


ofer holrna gelagu.
I
Forpon him gelyfeõ lyt, se pe ah lifes �­
·
· Forpon me hatran sind
gebiden in burgum, bealosipa bwon,
wlonc and winga.l, hu ic �ig oft 65 Dryhtnes drearnas ponne pis deade lif.
30 in brimlade bida.n sceolde; lcene on londe. Ic gelyfe no
Na.p nihtscua., norpan sniwde, pcet him eorõwelan ece stondaõ.
hrim hrusan bond, hcegl feol on eorpan, Sirnle preora sum pinga gehwylce
cerna caldast. Forpon cnyssaõ nu cer his tid aga to tweon weorpeõ:
heortan gepohtas, pcet ic hea.n streamas, 70 adl oppe yldo oppe ecghete
35 sealtypa gelac sylf cunnige; fcegum fromweardum feorh oõpringeõ.
monaõ medes lust mcela gehwylce Fo�pon pcet eorla gehwarn ceftercwependra
ferõ to feran, pcet ic·feor heonan ,, lqf lifgendra is .lastworçla betst,
elpeodigra eard gesece. pcet he gewyrce cer he on weg scyle,
Forpon nis pces modwlonc mon ofer eorpan, . 75 freme on foldan wiô feonda nip,
40 ne his gifena pces god, ·. ne in geogupe to p·ces hwcet, deorum dcedum deofte togeanes,
ne in his dcedum to pces deor, ne hirn his' dryhten to pces hold, pcet hine celda bearn cefter hergen,
pcet h e a his scefore sorge ncehb�. . and his lif si'ppa.n lifge mid englum
to hwon hine Dryhten gedon wille. awa to ealdre, ecan lifes blced,
Ne bip him to hearpa.n hyge ne" to hrihgpege, 8o dream rnid dugepum.
45 ne to wife wyn ne to worulde ·hyht, Daga.s sind gewitene,
ne ymbe owiht elles nefne yrnb yôa gewealc; ealle onrnedlan eorpan rices.
ac a hafaõ longunge se pe on lagu furidaÕ�· · .: Nearon nu cyningas ne caseras
Bearwas blostrnUrn. ·nimaõ, byrig fcegriaõ:· . : · ·· ·
ne goldgiefan swylce iu wceron,
wongas wlitigaõ, worulci onetteõ; · ·: ;· ponne hi mcest mid him _wcerpa gefremedon
50 ealle pa gernoniaõ modes fusne 85 and on dryhtlicestum dome lifdon.
sefan to sipe, paro pe swa penceô Gedroren is peos duguõ eal, drearnas sind gewitene;
on fiodwegas feor ge'hitan. wuniaõ pa wacran and pãs woruld healdap,
Swylce geac monaõ geomran reorde, brucaõ purh bisgo. Blced � gehnceged,
singeõ sumeres weard, sorge beodeõ eorpan indryhto ealdaõ aad searaõ,
55 bitter in breosthord. l>cet se beorn se wat, 90 swa nu monna gehwylc geond rniddangeard.
secg esteadig, hwcet pa sume dreogaõ Yldo him on fareô, onsyn blacaô,
I
l
L
240

gomelfeax gnomaõ, wat his iuwine,


;epelinga bearn eorpan forgiefene.
Ne m;eg him ponne se fl;eschoma, ponne him p;et feorg losaô,
95 ne swete forswelgan ne sar gefelan,
ne hond onhreran ne mid hyge pencan.
l>eah pe gr;ef wille golde stregan Sumário
bropor his geborenum, byrgan be deadum
mapmum misllcum, p;et hine.mid wille,
100 ne m;eg p;ere sawle pe bip synna fui
gold to geoce for Godes egsan,
ponne he bit ;er hydeô penden he her leofaô.
Micel bip se Meotudes egsa, · -rorpon ·hi seo molde oncyrreô;
se gestapelade stipe grundas, Estudos de Tradução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VII
105 eorpan scearas and uprodor.
IX
Prefácio do Director da Série New Accents . . . . . .
Dol bip se pe him bis Dryhten ne ondrcedep: cymeô ·hirn se deaô
unpinged. Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . · xm
cymeô him seo ar of heofonum. Prefácio à Edição Revista ( 1991) .. .

Eadig biô se pe eapmod leofap; � . .. . . . . . . XV
Meotod him p:et mod gestapelaô, for on he in his meahte gelyfeõ.
Prefácio à Terceira Edição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

1. QUESTÕES FUNDAMENTAIS . . . . . . . . . . . . . 35

Língua e cultura . ... . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . 35


Tipos de tradução :. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 37
Descodificação e recodificação . . . . . .... ..
. . 39

· Problemas de equivalência. . . . . . . . . . . . . . . . .
50
Perdas
. aanhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
eb 61

Intraduzibilidade . . . . . . . . . . .
.. . . . . . . . . . . . . . 64
Ciência ou 'actividade secundária'? . . . . . . . . . .
71

l
L
1.tl7.

2. HISTÓRIA DA TEORIA DA TRADUÇÃO . . . . . 75

Problemas de periodização . ........ ....... 76


Os Romanos ........................... 80
A tradução da Bíblia . .................... 84
O papel educativo da Bíblia e o vernáculo. .... 91
Os primeiros teorizadores ................. 96
O Renascimento ........................ 99
o século xvn. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
O século XVTII . . . . .. . .. . .. . . . . . . . . .. . . . 107
O Romantismo . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .· 111
O Pós-romantismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
Esta edição de Esruoos DE TRADUÇÃO,
A época vitoriana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 de Susan Bassnett, foi composta, im­
pressa e brochada para a Fundação
Os arcaísmos . ... '.\. . . . . . . . . . . . 123
Calouste Gulbenkian, nas oficinas da
. . . . . . . . . .

O século :XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 Orgal Impressores - Porto. A tiragem


é de 2000 exemplares.
Julho de 2003
3. PROBLEMAS ESPECÚITCOS DA
Ocpósl1o l.eJ:II N� 198 101/0J
TRADUÇÃO LITERÁRIA : . . . . . . . . . . . . . .· . 129

I
ISBN 972-31-IOICJ..9
As estruturas . . . . ... . . . . . ... . . ... . . . . . . . 130
A tradução de poesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136
A tradução da narrativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
A tradução de textos dramáticos . . . . . . . . . . . . 189

CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

BffiLIOGRAFIA SELECTIVA. . . . . . . . . . . . . . . . 211

ANEXO . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . 237

Você também pode gostar