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ESTUDOS
DETRADUÇAO
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I CALOUSTE GULBENKIAN
, Susan Bassnett
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É Professora de Estudos Literários Compa
Manuais Universitários
rados e Directora do Centre for British and
Compnrative Cultural Studies da Universi No prosseguimento· dos fins gerais que a
dade de Wnrwick e autora de mais de trinta orientam, foi a Fúndação levada o intervir na
produção de livros portugueses. patrocinando
livros, entre os quais Post-Colollial Transla '
e editando obras diversas e de diverso carác·
tions (I 999), em co-autoria com Hamish Tri
ter - cientffico, técnico, artístico, histórico.
vedi, e Erclwnging Lives (2Q02), constituído Pretende agora, através de um plano amplo e
por um conjunto de poemas e de traduções. sistemático, atingir aqueles sectores onde seja
mais flagrante a necessidade de amparo ou de
Vlvlna Campos Figueiredo incentivo. Nesta primeira fase do plano esta
belecido, pensou-se no ensino superior: estu
Licenciada em Lenguas e Literaturas Moder dantes que não encontram livros adequados e
nas e mestre em Estudos Anglo-Americanos de preço acessível, professores que por vezes
pela Faculdade de Letras da Universidade de deparam com dificuldades para publicar as
Coimbra, é docente de Inglês, Inglês Téc suas lições ou os seus trabalhos de investi·
gação. A uns e outros oferece a Fundação
nico e Processos de Comunicação no Insti
facilidades que possibilitem a eficiência cada
tuto Politécnico de Coimbra. A par da activi
vez maior desse escalão fundamental da
dade docente, tem-se dedicado à tradução na nossa cultura. Originais e traduções, mestres
dupla vertente prática e teórica: às diversas portugueses e estrangeiros. vão figurar nesta
traduções que tem realizado em várias áreas colecção, que se pro.curou rodear dos maiores
das ciências. sociais e humanas, junta agora cuidados e exigências técnicas.
um trabalho de investigação e renexão sobre
Próximas publicações:
a actividade trodutória em si, no funbito do
Doutoramento em Tradução, que desenvolve A Era da bifomração: Economia, Socíedade
e Cultura- 1/J Vol. - O Fim do Milénio
na Universidade de Vigo.
-Manuel Castells
Teoria da Comunicação de Massas
• Ana Maria Chaves
·
- Denis McQuail
Licenciada pela Faculdade de Letras da Uni
Textos Clássicos
versidade de Lisboa. é, desde 1978, leitora f: Próximas publicações:
I,
de Inglês na Universidade do Minho, onde
A Doma Ignorância
lecciona Língua Inglesa, Teoria da Tradução -Nicolau de Cusa
1I :
bibliografia de traduções literárias, entre elas
Í
Romanceiro Português da Tradição Oral Mo
obras de William Faulkner, Emily Brtinte,
1
dema -IV Vol.
D. H. Lawrence, Somerset Maugham e ,
-Pere Ferré (Org.)
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Da�;d Lodge. •.
· Obra d&� Pedro Nunes -11 Vol.
.r Capa de José António Flores
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SUSAN BASSNETT
ESTUDOS OE TRADUÇÃO, ,.
.
Tradução de
, Vivina de Campos Figueiredo
Revisão de
Ana Maria Chaves
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Tradução
do original inglês intitulado
TRANSLATION STUDIES
@ 1980, 1991, 2002 Susan Bassnett
Al1 Rigbts Reserved
A o meu pai, que tudo. to11wu posdível.
Edição da
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Av. de Berna - Lisboa
2003
ISBN 972-31-1019·9
Depósito Le� 11." 198101/0l
r-· . .
de cada volume seria "estimular o processo de mudança, início para o que, ao longo dos anos, veio a afirmar-se
ao invés de a ele resistir", combinando a exposição objec como as diferentes vozes e os diferentes temas dos estu
tiva e factual das novas ideias com uma explanaç�o clara dos literários. Todavia, as obras agora re-apresentadas
e detalhada dos desenvolvimentos conceptuais com elas possuem mais do que um mero interesse histórico. Como
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relacionados. Se a inimiga era a mistificação (ou, pura e os seus autores referem, as questões por elas levantadas
simplesmente, a demonização), a lucidez (com a devida mantêm'toda a sua acuidade e os argumentos com que es
vénia aos compromissos inevitavelmente em jogo) tor grimiam a mesma força perturbadora. Em resumo, não es
nou-se numa amiga. Se havia um "discurso do futuro mar távamos enganados. A investigação académica evoluiu rá
cadamente diferente" que nos chamava, queríamos pelo pida e radicalmente por fonna a acompanhar, quiçá
menos ser capazes de o entender. promover, transformações sociais de fundo. Houve pois
Com a devida referência ao apocalipse, o segundo que desenvolver um novo conjunto de discursos capazes
brutal da besta que poderia agigantar-se, portentosa, dos Neste mundo fluido que habitamos, aquilo que outrora era
escombros. "Como poderemos nós reconhecer e lidar com impensável dentro e fora da ac�demia parece ser agora
aceite com natuqilidade.
o novo?", dizia-se em tom de lameç . o, não deixando no
!
Não me cabe dizer se as obras publicadas na New
entanto de referir o túnido progresso de "uma boste de ac
Accents constituíram alertas, mapas, guias o u achegas
tividades tangencialmente respeitáveis para· as quais não
relativamente a este novo terreno a desbravar. O nosso
possuímos nomes tranquilizadores" e prometendo inde
maior feito foi, porventura, cultivar a percepção de que tal
fectível vigilância "nas fronteiras do já justificado por
terreno existia. A única justificação possível para uma ter
precedência e nos limites . do pensável". A conclusão de
ceira, e relutante, tentativa de escrever um Prefácio é a
que ·"o impensável é, afinal, aquilo que de forma oculta
convicção de que ele continua a existir.
molda os nossos pensamentos" pode parecer um lugar co- ..
mum. Porém, na medida em que confere alguma estabili
TERENCE HAWKES
dade a um �undo de ce1tezas em constante derrocada, não
é motivo para corar de vergonha.
Na circunstância, qualquer esforço subsequente, e cer
tamente final, só pode olhar para trás com modéstia . e re
jubilàr por a série·continuar bem viva, congratulando.:se,
não sem boa razão, por ela se ter feito tribuna desde o
Agradecimentos •
Martin Secker & Warburg Ltd e Alfred A. Knopf, �c. pe\a PREFACIO A EDIÇAO REVISTA (1991)
tradução de H. T. Lowe-Porter de The Magic Mountain de
Mann; Faber & Faber Ltd pela tradução de Robert Lowell
de Phaedra e pela tradução de Ezra PÓund de Seafarer ti
rada de The Translations of Ezra Pound; Tony Harrison e
Rex Collings, Londres, por Phaedra Brittanica de Tony
Harrison.
Na década que se seguiu à primeira �dição1 deste li
vro, os Estudos de Tradução estabeleceram-se solida
mente como uma disciplina séri� e autónoma. Apareceu
um número substancial de obras, fundaram-se revistas, e
muitas revistas de prestígio e tradição dedicaram números
temáticos aos Estudos de Tradução, ao mesmo tempo que
a investigação nesta área ia florescendo no mundo inteiro.
No século XXI, os Estudos de Tradução terão esquecido
os seus começos, algo apologéticos, tal como os Estudos
Ingleses já praticamente esqueceram os seus não muito di
ferentes inícios. ·Na verdade, hoje em dia esta área de es
tudos oc1:1pa tantos estudiosos que muitos dos antigos
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pressupostos sobre a marginalidade deste trabalho foram
radicalmente postos em causa, sendo o principal dos quais
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contrário, que a literatura comparada seja consi�erada .ou enfraquecida tende a traduzir mais -��?'tQs do 9.�. uma
como um ramo dessa disciplina rpuito mais abrangente -�türa que.-gõiã' de ' urna relativa centralidadee. poder 'e
que é a dos Estridos de Tradução.2 confirrÍlada por inúmy�os estudos de caso de situações tão
Uma característica identificadora do trabalho
· desen ··diversas com�· a p�s�age� da-epopeia para-os rornance.s de
volvido nos Estudos de Tradução· tem sida a conjugação ca' valaria na Europa do século xn, o deseÍlvolvime!}tO de
do tràbalho em várias áreas: linguística, estudos literários, lite!aturas em línguas nacionais no declúúo da grande traj
história da cultura, filosofia e antropologia. Muitas são as dição latina no Renascimento, o aparecimento de novas
culturas que têm desenvolvido numerosos esforços para nações na Europa central e oriental nos fmais do século -
abrir o imenso campo da genealogia do pensamento siste :jÇVm e princípios do século XX, o legado pós-colonial na
mático sobre tradução e para investigar o modo como a .&nérica Latina e, mais recentemente, em África. A histó
tradução desempenhou um papel modelador na formação ria literária mostra claramente como é frequente e imensa
dos sistemas literários e na história das ideias. O grupo de -�'ôívida para com a tradução, e os Estudos de Tradução
Tel Aviv, cujos principais expoentes são Itamar Evan-Zo exploram o processo pelo qual os textos são transferidos
bar e GideoD,Toury, desenvolveu o conceito de polissis de umà cultura para outra.
terna literário, já esboçado nos an� 70, e forneceu uma Têm-se levantado vozes em alguns quadrantes ale
metodologia pela qual podemos investigar todo o pro gando que o novo trabalho desenvolvido pelos Estudos de
cesso de absorç�o de um texto traduzido por uma dada Tradução -o qual procura evitar a antiga �bordagem ava
cultura num determinado tempo histórico. A sugestão d� . liativa que simplesmente tratava de comparar traduções e
Evan-Zohar de que uma cultura marginal, nova: inse�ura .debater as diferenças num vazio formalista- terá oscilado
excessivamente na direcção oposta. O aparecimento da
l A Tradução foi durante muito tempo considerada como um sub-compar colectânea de ensaio� organizada por Theo Hennans em
timento da Literatura Comparada, pese embora o· facto de que, desde a primeira
1985 com o título The Manipulatjon. ofLiterature suscitou
utilização desse termo no princfpio do século XIX, os críticos não se tenham
ainda entendido sobre o que � a Literatura Comparada, se ela constitui ou não alguma .controvérsia porque, como o título sugere, os co.:
uma disciplina, qual o seu objecto de estudo, etc. No meu pró�o livro, sobre laboradores desse volume (entre os quais me incluo) argu
a Literatura Comparada-no mundo actual, esta questão é analisada a fundo e a
solução proposta parece-se com a que mudou. radicalmente o estatuto da Se
mentavam que a tradução, tal como a. crítica, a edição e
miótica no final dos anos 60. A Semiótica foi originalmente encarada como um outras formas de reescrita, é um processo manipulador.
ramo da Linguística e, nesta nova pe�pectiva, é a Lingufstica que é considerada Alguns sugeriram que este tipo de abordagem se centrava
com mais proprií�dáde como um,.ràmo da Semiótica: No. rePóslcioõairieiiió da
Tradução e da Literatura Comparada, os Estudos de Tradução impor-se-io como
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ao mesmo tempo, as listas das editoras apresentavam um
Hermans sobre as metáforas utilizadas pelos tradutores
número cada vez mais elevado de títulos relacionados cqm
holandeses, franceses e ingleses do Renascimento· revelou
os estudos sobre as mulheres, e o debate sobre a existên
tim extenso leque de ideias .sobre a traducão :· o tradutor
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. I' �ia ou r:tão de um discurso especificamente feminino ga
segue normalmente as pisadas do aut�r do exto orib
ainal'
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nhava terreno_ por todo o lado. Esse estudo coincidiu com
usando as mesmas roupagens, reflectindo a luz, procurandp
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XX XXI
o aparecimento dos primeiros artigos e comunicações so literários aparentemente inócuos:� Enquanto criança,
bre o tema do discurso feminino e da tradução, e a proli quando lia histórias de aventuras nas quais os heróis bran
feração de trabalhos nos últimos anos é sinal de que esta cos eram atacados por selvagens, ele tomava automatica
mos perante uma nova área de desenvolvimento. mente o partido dos brancos contra os carapinhas. Quando
Do mesmo modo, tal como os estudos literários mu-· se deu conta de que adoptando esta posição estava a�olo
daram de natureza e de metodologia assim que o seu de car-se ao lado dos imperialistas brancos con�a o seu prq
senvolvimento transvasou as fronteiras da Europa, tam prio povo e a aceitar um sistema de valores eurocêntricÓ,
bém os estudos de tradução começaram a perder o seu começou a ver o mundo de maneira diferente. Do mesmo
carácter excessivamente eurocêntrico. Os Estudos de Tra g10do, o tradutor que agarra um texto e o transpõe para ou
dução desenvolveram-se rapidamente na Índia, no seio tra cultura tem de considerar cuidadosamente as implica
das comunidades linguísticas chinesa e árabe, na América ções ideológicas dessa transposição. A metáfora do tradu-
Latina e em África. Tal como os Estudos'Literários procu ' I
·tor como canibal ·baseia-se numa noção rev�sta do
raram sacudir a sua herança eurocêntrica, também os Es significado de canibalismo, considerado hão do ponto de
tudos de Tradução se ramificam em várias direcções, uma vista do europeu colonizador a quem o conceito horroriza,
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vez que a ênfase no factor ideoló co, bem como no lin mas da perspectiva dos povos cújas práticas canibalescas
guístico, abre caminho à discussã� do tema nos termos 'aerivain de uma visão alternativa da sociedade.
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mais vastos do discurso pós-colonial. Os tradutores brasi A concepção canibalista de tradução envolve um con
leiros apresentaram uma metáfora nova, que pod� aplicar ceito modificado do valor do texto original em relação à
-se a esta nova perspectiva alternativa sobre a tradução - a sua recepção na cultura de chegada A concepção tradicio
imagem do tradutor como canibal devorando o textQ ori ·! nal de tradução, datada do século XIX, que aqui abordare
ginal num ritual que resulta na criação de algo completa mos mais tarde, baseava-se na relação senhor-servo, re
mente novo.3 Wole Soyinka descreveu a forma como a sua produzida no processo de tradução - ou o tradutor toma
mado a minha atenç�o paru esta metáfora e por me te� sugerido a leitura da obra 4 SOYINKA, Wole - The Critic and Society: Barthes, Leftocracy and
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XXII XXIII
canibalista da tradução oferece uma perspectiva diferente, mente ligada à teoria dos sistemas, mas mais directamente
que se articula com a noção de tradução proposta por Jac preocupada com as implicações ideológicas da tradução,
ques Derrida, qt1ando argumenta que o processo de tradu: desenvolve-se uma abordagem que reflecte sobre .a trans
ção cria um texto 'original', em oposição à ideia tradicio ferência intercultural nos seus aspectos linguísticos, histó
nal segundo a qual o 'priginal' é o ponto de partida. O ricos e sócio-políticos. André Lefevere desbravou mtúto
debate sobre a tradução que Derrida enceta em "Les Tours deste terreno. Uma das grandes questões que coloca diz
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de Babel" constitui um marco importante, porque, antes respeito a problemas paratextuais: o que acontece na tra
dele, a maior parte do discurso sobre tradução era extraor dução de textos árabes, onde não existe uma tradição
dinariamente antiquado quando comparado com o nível épica e a lírica é o modo predominante, para línguas euro
do discurso na área da teoria da literatura. As opiniões que peias, onde o épico sempre foi o modo mais elevado e a lí
Derrida subscreve sobre a tradução não são isentas de fra rica relegada para uma posição secundária? Implicará isso
gilidades - uma das suas metáforas para representar o pro que todas as traduções da poesia lúica árabe sejam de
cesso da tradução é o rasgar do hímen, a penetração ou a certa maneira lidas através da lente deturpadora da tradi
violação do texto original, que é dessa forma fenúnizado ção literária ocidental que coloca a lúica numa posição su
de um modo sexista de péssimo gosto - mas, apesar disso, balterna? Ou, para.dar um exemplo diferente, terá a tradu
o seu ensaio assmala a chegada d�t.�nia corrente pós-es ção de Shakespeare para as· línguas do sub-continente
truturalista dos Estudos de Tradução e demonstra mais indiano um significado diferente da tradução de Shakes
uma vez os avanços da disciplina na última década. peare para japonês? Na Índia, onde, no século XIX, Sha
Neste momento são claramente visíveis algumas li kespeare era o epítome de tudo o que de grandioso existia
nha� de desenvolvimento no conjunto da disciplina glo�al na tradição inglesa e onde o lorde Macauley podia dizer
dos Estudos de Tradução. A linha de investigação origmá que uma prateleira de uma boa biblioteca europeia valia
ria da linguísti�a aplicada continua a dar os seus frutos e, por todos os livros da Índia e da Arábia, arrancar Shakes
agora, existe mesmo um ramo de investigação diferente peare das suas raízes ·na língua inglesa podia ter uma im
preocupado com a tradução e a filosofia da l. inguagem. A plicação revolucionária que não teria na tradução para
abord�gem Qasea9a �� ��orja cio.s �i.ste���' c·o':Ú a sua .ên uma· língua como o Japonês, pois que o Japão nunca foi
tase no pólo ineta, pode considerar-�e uma escoia de pen colonizado pelo império britânico.
samento dentro dos Estudos de Tradução e, com a publi É na formulação de questões como esta que radica a
cação do boletim informativo TRANSST em Te!- Aviv e a perspectiva (possivelmente também já uma escola . de
revista Target, esta · escola tem agora uni papel p:r�ponde pensamento) · que encara· a t:radução como um dos proces
rante no âmbito internacional. Noutras latitudes, origiiÍal- sos de manipulação literária, uma vez que os textos são
xxrv XXV
reescritos atravessando tJ:onteiras linguísticas e que essa Outra grande área de investigação dentro �os Estudos
reescrita ocorre num contexto histórico-cultural clara de Tradução é constituída pela análise da história da tra
mente definido. Esta escola de pensamento ·também se dução, das atitudes face ao acto de traduzir que P!evalece
preocupa com a transmissão de textos entre lite.raturas e o ram em diferentes momentos da História, das afrrmações
termo 'refracção' foi cunhado por Lefevere para substituir dos tradutores e da� implicações doutrinárias· da tradbção.
a velha terminologia da 'influência'. A reflexão envolve o Os centros de tradução ·da Universidade Georg:-August qe
espelho, a cópia do original; a refracção envolve uma mu Gõttingen, a Universida�e Católica de Lovaina e a Uni
dança de percepção e esta imagem é muito útil para des versidade Estadual de Nova Iorque em Binghamton têm
crever o que acontece quando um texto é transferido de em curso projectos de investigação de larga escala acerca
uma cultura para outra. Além disso, a teoria da refracção da diacronia dos Estudos de Tradução, e os professores e
implica necessariamente a consideração da evolução lite
estudiosos da Tradução na Universidade Estadual de Nova
rária e, portanto, co�oca a tradução num continuum tem
Iorque estão também muito preocupados com a investiga
poral ao invés de a encarar como uma actividade que
ção pedagógica e profissional. À medida que alargamos os
acontece no vazio. Lefevere explica-se bem quando enu
conhecimentos sobre o que a tr�dução significa em dife
mera alguns absurdos da história cultural que derivam de
rentes culturas, as nossas atitudes em relação à prática da
uma concepção excessivamente t!àtreita da tradução:
tradução também mudam e com elas a nossa percepção do
papel desempenhado pela tradução na história literária.
Dá que pensar ... que um obstinado tradutor da Bíblia para alemão,
um monge augustiniana desfradado, tenha sido. também por causa Em 1980, quando saiu a primeira edição deste livro,
da sua tradução, largamente responsável pela Reforma que mudou eu ainda sentia que tinha de defender o meu trabalho em
a faée da Europa para sempre; ou que o Aramaico que Jesus Cristo tradução junto das pessoas que colocavam questões como
falava fosse destituído de ver�os copulativos, especificamente do
estas: "Como é que alguém pode falar de tradução?",
verbo 'ser', apesar de os teólogos se terem questionado durante
"Como podemos avaliar traduções?", "Qual é a vantagem
séculos sobre o verdadeiro significado do 'é' que aparece, na téa
dução grega, em frases do tipo 'este é o meu corpo' e que tenham de se debater História a propósito da tradução de poesia?",
queimado, sempre que tiveram esse poder, aqueles que discorda "Não é a tradução, para todos os efeitos, uma actividade
ram da sua reescrita:� secundária?" Sempre acreditei que a tradução era uma ta
refa complexa, que envolvia uma grande habilidade, pre
1 LEFEVERE, André - Why Waste Our Tunc on Rewrites? The Trouble paração, conhecimento e afeição intuitiva pelos textos,
with Interpretati()n, and the Role of Rewriting Jn an Alteo;�ntive Pnradigm. ln
HERMANS, Theo (ecf) Tire M�llffm/atioll of LÚeratu�é. Londorl: Cr00m e, à medida que descubro o desenvolvimento dos Estudos
·
-
Helm, 1985, p. 241-2. de Tradução à escala mundial, sinto cada vez mais que a
XXVI
XXVII
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cânone literário, impor uma reavaliação do processo de
canonização,. mudar o nosso conhec�ento do passado e . . ""';'f"·" ....
alterar radicalmente a nossa percepção da linguagem e da !
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2 3
globalização deram particular visibilidade às questões li- à estampa pelo menos meia dúzia de enciclopédias da tra-
. gadas à comunicação intercultural. Não só passou a ser ducão, e mais se seouirão.
� o Os novos cursos universitários
importante aceder cada vez mais ao mundo através da re de tradução, de Hong Kong ao Brasil e de Montreal a
volução da informação, mas tomou-se urgent�mente im Viena, constituem r:nais uma prova do interesse int� ma
portante saber mais sobre o nosso próprio ponto de par cional pelos estudos·de tradução, interesse· este que não dá
tida. É que a globalização tem a sua antítese, como foi sinais de abrandar no século XXI . f
demonstrado pelo renovado interesse, manifestado à es Com tanta energia direccionada para urna investigação
cala mundial, nas origens culturais e na exploração das .\ mais aprofundada do fenómeno da tradução, é evidente
,
questões de identidade. A tradução tem um papel crucial.a que tais desenvolvimentos não sejam homogéneos e que
desempenhar ao contribuir para melhorar a compreensão se configurem em diferentes correntes e tendências. Não
de um mundo cada vez mais fragmentado. O tradutor, tal deve, portanto, surpreender-nos que o consenso quanto . à
como referiu o especialista irlandês Michael Cronin, é tradução tenha desaparecido durante os . anos noventa.
também um viajan,te, alguém em viagem. de uma foQ.te
Contudo, ele foi substituído pela vibrante diversificação
para outra. O século XXI promete seguramente ser a
que ainda hoje povoa o mundo inteiro. Durante os anos oi
grande idade das viagens, não �6 através do espaço, mas
'
tenta, a teoria da relevância de Ernst-August Gutt, a teoria
também através do tempo.1 É s gnificativo que um dos
do skopos de Katharina Reiss·eHans Vermeer e o trabalho
principais desenvolvimentos nos es�dos de . tradução
de Gideon Toury sobre pseudotradução forneceram outros
desde os anos setenta tenha sido a investigação em �stó tantos. métodos de abordagem da tradução, enquanto nos
ria da tradução, pois examinar o modo como a . tradução
anos noventa floresceram, e continuam a florescer, novas
ajudou a moldar o nosso conhecimento do mundo· no pas
linhas de investigação geradas pelo enorme interesse sus
sado deixa-nos mais bem equipados para mold� -os nos-
citado pela investigação com c01pus, .tal como foi preco
sos próprios futuros. · · · ·
nizada por Mona Baker. Com efeito, após um período em
Por todo o lado existem provas �este .,interesse péla
que a 4Ivestigação em tradução automática parecia ter so
tradução. Nas duas últimas . d�cadas surgiram muitos·li
çobrado, . a importância da relação entre a tradução e as
vros sobre tradução,-a pareceram novas .
. revistas dé''tiidu-
.
novas tecnologias ganhou proeminência e tudo indica que
ção, foram criadas organizações profissionais internacio-
' virá a ter ainda mais importância no futuro.. Não obstante,
nais, como a Sociedade Europeia de Tradução, e foi. dada
�-apesar da diversidade de métodos e abordagens, existe
1 CRONIN, Michael- Atross the H11es: Travei, Language, Trans _um tràÇo comum � maior parte da investigaÇão em Estu
larion. Cork: Cork University Press, 2000. dos de Tradução: a ênfase rios aspectos culturais da tr'!du-
4 5
ção e nos contextos em que a tradução ocorre. Conside . Katharina Reiss, Hans Verrneer e Wolfram Wilss, para no
rada outrora uma subclivisão da .lingQística, a traduç�o é mear apenas os mais conhecidos, contribuiu .muito para
hoje entendida como uma área de investigação interdisci derrubar as barreiras que separavam as disciplinas e· para
plinar e o elo indissolúvel entre língua e cultura torno�-se empurrar os estudos de tradução para longe de uma J?OSi-
•
no ponto de focagem do interesse académico. ção de possível confronto. Não devemos támõém esquecer
a enorme importância de figuras como J. C. Catford, Mil
·
linguística, com a adopção de uma perspectiva mais cul terem começado a afirmar-se corno disciplina de pleno
daqueles que preconizavam uma abordagem da tradução Os estudos literários evoluíram tambépt de uma con
enraizada na história cultural. Nos primeiros anos, quando , . cepção iniçial e mais elitista de tradução. Tal como Peter
France, director do OJ..ford Guide,to Literature in English.
os Estudos de Tradução estavam ainda a encontrar o seu
Translation, faz questão de acentuar:
espaço, os seus defensores opuÍlifiun-se tanto aos linguis
tas co.mo aos estudiosos da literatura, acusando os linguis
Os teorizadores e os estudiosos têm uma tarefa muito mais com
tas de não considerarem as dimensões contextuais mais
plexa a cumprir do que decidir entre o bom e o mau; o objecto das
alargadas e os estudiosos da literatura de viverem obceca'7 suas preocupações é, por e?'emplo, discernir as várias possibilida
dos com juízos de valor desprovidos de qualquer sentido. des que se abrem ao tradutor e o modo como elas se modificam de
Defendia-se a importância de tirar o estudo da tradução da acordo com o contexto cultural, social e hist6rico.1
tudos de Tradução. Hoje em dia estas posições evangéli que reflectem este objectivo mais complexo, pois, à me
cas parecem estranhamente antiquadas,. e os Estudos de dida que há cada vez mais investigação em Estudos de
Tradução estão melhor na sua pele, majs capazes de pedi Tradução e se torna mais fácil e rápido o acesso aos dados
históricos, começam a ser colocadas perguntas importan-
rem emprestados e emprestarem métodos-e técnicas a ou
tras disciplinas. o importante trabaiho de estúdiosos da
tradução da área da liriguística, figuras como Mona B ak��. 1 FRANCE, Peter - Translation Studies o.nd Translation Criticism. ln
FRANCE, Peter (ed.) - Tire Oxford Guide to Literature i11 E11glisfl Translation.
Roger Bell, Basil Hatipr, Ian Mason, Kirsten Malmkjaer, Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 3.
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traballio entusiasmante dos grandes especialistas indianos, a fidelidade ao original. No Brasil, a teoria canibalista do
chineses e canadianos, escritores como Octavio Paz, Car éonsumo textual, inicialmente proposta nos anos vinte,
los Fuentes e Haroldo e Augusto de Campos reivindica foi reformulada de modo a oferecer uma perspe�tiva al
ram uma nova definição de.tradução. Significativamente, ternativa do papel do tradutor em que o acto de tradução
todos estes escritores são originários de países da América é apresentado em termos de metáforas físicas destin1ldas
do Sul, antigas colónias empenhadas em reavaliar o seu a enfatizar simultaneamente a criatividade e a indepen7
passado. Todos eles estabelecem paraJ.elismos com a ex dência do tradutor.6
periência colonial em defesa de uma reapreciação dô pa Hoje em dia a mobilidade dos povos em todo o mundo
pel e significadó da tradução. Pois um original era sempre reflecte o próprio processo de tradução, pois a tradução
visto como superior à sua "cópia", precisamente do não é somente a transferência de textos de uma·língua para
mesmo modo que o modelo do colonialismo se baseava na
outra - ela é hoje correctamente vista como um processo
noção da apropriação de uma cultura inferior por uma cul
de negociação entre textos e entre culturas, u.m processo
tura superior. Como tal, a tradução estava condenada a
em que ocorrem todos os tipos de transacções mediadas
ocupar uma posição de inferioridade relativamente ao
pela figura do tradutor. Significat�vamente, Horni Bhabha
texto de partida do qual se considerava proveniente.
usa o termo "tradução" não para descrever uma transacção
À luz da nova percepção p�-colonial da relação en
entre textos e· lí�guas, mas no sentido etimológico de
tre os textos çle partida e de chegada, essa desigualdade
transportar algo de um lugar para outro. Usa o termo tra
de estatuto foi reconsiderada e hoje tanto o original como .
dtJ.ção metaforicàlnente para descrever a condição do
a tradução são vistos como produtos iguais da criativi
mundo cont�mporãneo, um mundo onde diariamente mi
dade do autor e do tradutor, embora Paz alerte para a di
lhões de pessoas migram e mudam de lugar. Num mundo
ferença fundamental entre as tarefas que cabem a cada .
assim a tradução é fundamental:
um. Ao escritor cabe dar às palayras u�a forma �deal e
imutável enquanto ao tradutor cabe a tarefa .de as libet1ar
Devemos ter presente que é o "inter" - a fronteim da tradução e da
do confmamento da língua de partida insufl�do-�es uma
.
renegociação, o espaço intennédio - que carrega o fardo do signi-
nova vida na líng�� pa�a.que são trad{!zida�.-� Ço�seq4en
'
ficado de cultura.7
temente, perdem força os velhos argumentos que defendem
6 Para uma discussão da metáfora cnnibnlistn, cf. BASSNETI, Susan;
' PAZ, Octnvio - Translntion: Literature nnd Letters. Trad. Irene dei Cor- TRIVEDI, Harish (eds.) - Postcolonial Translation: Theory and Practice. New
· rol. ln SCHULTE, Rainer; BIGUENET; John (eds.) .:.. Thi!Ories·ofTráilslariou·. York/London: Routledge, 2000.
An Amhology of Essaysfrom Dryden to Derrida. Chicago: Universíty of Chi- 7 BHABHA, Homi Tfle Locatiou of Culwre. London/New York: Rout
·
-
lO 11
Destacam-se três estratagemas centrais a muitas das centro das atenções dos áridos debates sobre fidelidade e
teorias da tradução desenvolvidas· por escritores não euro equivalência para um exame do papel do texto traduzido
peus: uma redefinição da tenninologia da fidelidade e da no seu novo contexto. Significativamente, esta nova pers
equivalência, a importância de dar maior visibilidade ao pectiva veio abrir caminho para projectos de inve.stigação
tradutor e uma transferência da ênfase para a tradução subsequentes sobre a história da traduç.ão, conduzindo
como um acto de reescrita criativa. . O tradutor é visto também
.
a uma reavaliação da importância da tradução en1I
como um libertador, alguém que liberta o texto dos signos quanto força de mudança e inovação na história literária.'
fixos da sua forma original, acabando com a subordinação · Em 1995 Gidêon Toury publicou Descriptive Transla
ao t�xto de partida, mas procurando visivelmente fazer a ti�n Studies and Beyçnd, um livro que reavaliava a abor
ponte entre o autor e o texto originais e os possíveis leito dagem pela teoria dos polissistemas, tão pouco do agrado
res da língua de chegada. Esta perspectiva assim revista de alguns especialistas devido à sua ênfase excessiva no
.'
enfatiza a criatividade da tradução, reconhecendo-lhe um.a ., sistema de chegada. Toury sustenta que, uma vez que a
relação mais hmmoniosa do que a de modelos anteriores
·k
· -· ·
tradução visa em primeiro lugar satisfazer u�a· necessi
l:
que descreviam o tradutor através de imagens violentas de dade da cultura de chegada, é lógico' fazer do sistema de
"apropriação", "penetração" ou "posse". A abordagem ( chegada objecto de estudo. Acentua também a necessi
· pós-c·olonial à traduÇão vê o int�âri:tbio linguístico como I' dade de estabelecer padrões de regularidade do comporta
essencialmente dialógico, um processo que ocorre num mento tradutivo, a ftin de estudar como são formuladas as
espa�o que não perte':lce nem ao ponto de partida nem ao normas e como operam. Toury rejeita explicitamente a
ponto. de chegada. Como Vanamala Viswanatha e Sherry ideia de que o objecto da teoria da tradução é melhorar a
Sin:10n afumam, "as traduÇões constituem uma r�veladora quaUdade das traduções: os teorizadores têm as suas prio
porta de entrada pm·a a dinâmica da formação da identi ridades, diz ele, enquanto os profissionais dà tradução têm
dade cultural nos contextos coiomal e pós-co'tonia1."8 . responsabilidades diferentes. Embora as opiniões de Toury
Até ao final dos anos oitenta ps Estudos de Traduç.ão não sejam universalmente aceites·, elas são largamente
foram . dominados pela abordagem sistérni�a de Itamar respeitadas e é significativo que durante os anos noventa
Even-Zohar e Gideon Toury. A teoria .dos polissistemas tenha sido produzido muito trabalho sobre as normas tra
era uma proposta radical na medida em que desviava o dutórias e sido exigida uma maior cientificidade no estudo
da tradução.
8 VISWANATHA, Vannrnal; SIMON, Sherry - 'Shifting Grounds of:Ex- . A teoria dos polissistemas veio preencher a lacuna
chnnge': 8. M. Srikantha.ia and Kannndn Trnnslntion: In·BASSNETT, Susan;
aberta nos anos setenta entre a linguística e os estudos li
TRJVEDI, Harish (eds.) - Postcolània/ Translarion: TheOI)' and Practice. New
II . Yor�ondon: Routledge, 1999, p. 162. terários, lançando as bases para a nova área interdiscipli-
-
. .- .
. - . ·-
13
12
nar dos Estudos de Tradução. De importância central para rior do grupo de estudiosos da tradução vagamente ligados
a teoria dos polissistemas era a ênfase na poética da cul à abordagem polissistémica. Alguns, como Theo Hermans
tura de chegada. Dizia-se que deveria ser possível prever e Gidepn Toury, procuraram estabelecer parâme�os teó
as condições que pernlitiam a ocorrência de traducões e ricos e !lletodológicos dentro dos quais a disciplina pu
�
também os tipos de estratégias passíveis de ser usad s pe desse desenvolver-se, e outros, como André Lefevére e
los tradutores. Tomou-se então necessário desenvolver es Lawrence Venuti, começaram a explorar as implicaçõe�
tudos de caso sobre as traduções através dos tempos a fim da tradução num enquadramento histórico e cultural
de averiguar da veracidade de tal hipótese e estabelecer muito mais alargado. Lefevere começou por desenvolver
princípios fundamentais, o que levou à emergência do que a noção de tradução como refracção mais do que reflexo,
foi postetiormente designado por estudos descritivos de propondo um modelo mais complexo do que a velha no
tradução. Os Estudos de Tradução começavam a ocupar ção de tradução como espelho do original. Inerente à sua
um espaç� próprio, investigando a sua própria g�nealogia concepção de tradução como refracção .estava a reje�ção
e procurando afirmar a sua independência como domínio de qualquer noção linear do processo de tradução. Os tex
académico. tos, argumentou, têm de ser vis�os como sistemas com
E�quanto, �teriorrnente, a Çffase era posta na com plexos de signifiçação e cabe ao tradutor descodificar e
_
paraçao do ongmal e da tradução, muitas vezes com o in recodificar tudo o que estiver acessível nesses sistemas.9
tuito de averiguar as "perdas" e as "traições" ocorridas no Lefevere constatava que muitas das teorizações sobre tra
processo de tradução, a nova abordagem adoptava uma dução assentavam na prática da tradução entre línguas eu
perspectiva deliberadamente diferente, procurando, não ropeias e sublinhava que os problemas de acessibilidade
avaliar, mas sim compreender as mudanças de ênfase ope dos códigos linguísticos e culturais se intensificam quando
radas durante a transferência de textos de um sistema lite se sai do âmbito da cultura ocidental. Em trabalhos pos
rário para outro. A teoria dos polissistemas aplicav��se teriores Lefevere desenvolveu as suas preocupações com
exclusivamente na tradução literária, embora ope�as�e a metafórica da tradução através de uma investigação
dentro de uma noção alargada do lit�r�o, qu� contem àquilo· a que chamava as grelhas conceptuais e textuais
plava um vasto leque de elementos de produção literária, que restringem tanto os escritores como os tradutores, su
incluindo a dobragem e a legendagem, a literatura infan gerindo que
til, a cultura popular e a publicidade.
Mediante uma série de estudos de caso, este alargá 9 Cf. LEFEVERE, Andr6 Translation, Rewriting and tlle Manipulation
ofIiterary· Fame. London/New York: Routledge,
-
1992.
l4
15
GraywolfPress, I99L
1� VENUTI, Lawrence - Tfle Scandals ojTmnslatioll. London/New Yort-:
��DERRIDA. Jacques - Des Tours de BabeL ln GRAHAM. J. (ed.) - Dif-
Routledge, 1998,p. 46.
·
Jerence iu Translarion. Ithaca, N. Y.: ComeU University Press, 1985. .,.
;
I
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L6 17
I
poetisas esquecidas da antiga Grécia.sem a tradução?, per- · · os'fios que entretecem a trama comum que liga o� di
gunta Josephine Balmer no seu esclarecedor prefácio � .. J ..
versos prismas por que a traduç'ão tem sido estudada nas
suas. traduções de poetisas ciássica�.15 duas últimas déeadas constitUem ·uma ênfase na diversiJ
O desenvolvimento dos Estudos de Tradução no.s anos � , dade e na rejeição �a velha terminologia da tradução como
'•
noventa pode ser visto, antes cie mais, como o estabeleci fidelidade a, e traição de, um original, p.õem em destaque
mento de u�a série de novas alianças que vieram aproxi os poderes de manipulação do tradutor e uma concepção
mar as linhas de investigação em história e na prática e ·fi ,•
da tradução como meio de lançar pontes que anulem o es
losofia da tradução de outras correntes intelectuais. Os paço entre o ponto de partida � o ponto de chegada. Esta
elos entre os Estudos de Tradução e a teoria pós-colonial celebração da intenné'diação, destacada também por estu
representam precisamente uma dessas alianças, tal como o diosos de outras áreas, reflecte a natureza mutável do
fazem os elos entre os Estudos de Tradução e a linguística mundo em que vivemos. Tempos houve em que era consi
de co1pus. Outra aliança signifi�tiva é a que existe entre derado arriscado e indesejável ócupar um espaço que não
os Estudos de Tradução e os Gender Studies. Pois a lín fosse nem uma coisa nem outra, uma terra de ninguém
gua, como afirma Sherry Simon, não reflecte simples sem identidade defmida. Hoje, no século XXI, as frontei
j•
mente a realidade, ela ajuda a moldar o significado.16 Os ras políticas, geográficas e culturais são vistas como mais
tradutores estão directamente envolvidos nesse processo fluidas e menos confinantes do que alguma vez o foram na
de moldagem, seja o texto que estão a trabalhar um ma história recente, e é cada vez maior a mobilidade dos po
nual de instruções, um documento legal, um romance ou vos através dessas fr�mteiras. Num mundo �ssim, o papel
um clássico .do teatro. Tal como os Gender Studies vieram do tradutor reveste-se também de maior importância, ra
'-·':' ' .
desafiar a noção de um conceito de cultura uno e singular zão pel!l qual a tradução é tão avidamente debatida e tão
Í!
ji
I' ao f�erem perguntàs incómodas sobre os.modos ,como.se procurada. A expansão da World Wide Web apenas nos
·1:I
·
fonnavam as tradições canónicas, também os Estudos· de deixa vislumbrar todo o potencial à.inda oculto da tradu
À
li
ção. medida que a tradução electrónica se toma cada
iili
p
15BALMER, Josephine - Classical Wome11 Poets. Newcastle upon Tyne:
Bloodaxe Books, 1997.
16
· · · · ··
SIMON, Sherry - Gender i11 Tra11slation. Cultural Idemity and the Po
·
· :·
vez mais sofisticada, os Estudos de Tradução terão abso
luta necessidade de se desenvolver. E parecem apostad?s
li
I
,,
INTRODUÇÃO
• ',.
1
LEFEVERE, André - Translation Studies: The Goal of the Discipline. ln
HOLMES, James S.; LAMBERT, José ; BROECK, Raymond van den (eds.) -
Litaralllre anel Translarion. Louvain: ACCO, 1978, p. 234-5. Lefevere seguiu a
·via delineada por James Holmes no seu artigo "The Name and Nature ofTrans
lation Studies", publicado pela Secção de Estudos de Tradução da Universidade
de Amsterdão, em Agosto de 1975.
20 21
vasto e complexo campo de estudos com ramificações de Não admira que um conceito tão redutor de tradução
grande alcance. ande de mãos dadas com o baixo estatuto concedido ao
A aceitação, relativamente recente, do termo Estudos tradutor e com a distinção geralmente feita entre escritor e
de Tradução é susceptível de surpreender aqueles que tradutor, com prejuízo do último. Já em 1931, na sua con-
,
sempre partiram do pressuposto de que a disciplina já ferência intitulada Sobre a Tradução, Hilaire Belloc sinte-
.
existia por via da utilização largamente difundida do . tizou. o problema do estatuto em palavras que permanecem t
textos seja aproximadamente o mesmo e que 2) as estru secundária, como �m processo mais 'mecânico' do que
turas da LP sejam preservadas tan�o quanto possível, mas 'criativo', ao alcance da competência de quem quer que
não tanto que distorçam gravemente as estruturas .da LC. tenha um domínio básico de uma língua diferente da sua;
Espera-se, então, .que o professor avalie as competências em suma, como uma ocupação de baixo estatuto. Também
linguísticas dos alunos pelo resultado produzido na LC. E o debate sobre os produtos da tradução tendeu, com bas
termina aqui a questão. A ênfase é colocada na compreen tante frequência, a manter-se a um rúvel não muito ele
são da sintaxe da língua que é objecto de estudo e no uso vado: os estudos que proclamam debater a tradução 'cien
i
I
.da tradução como meio de demonstrar essa compreensão. tificamente' são, a maior parte das vezes, pouco mais do
I
que juízos de valor idiossincráticos sobre traduções, esco
2 Ao longo do texto seríl.o usados ns seguintes abreviaturas: LP - Língua lhidas ao acaso, da obra de grandes escritores como Ho
·
,·
23
22
rico, em língua inglesa, sobre tradução - a obra Essay Oll 1851, Edward Fitzgerald pôde afirmar: "É para mim um
the PriTZciples ofTranslation, de Alexander Tytler (v. infra deleite tomar seja que liberdades forem com estes persas,
p. 109-110). No entanto, e embora no princípio do sé que (penso eu) não são Poetas o suficiente para intimida
culo XIX a tradução ainda fosse encarada como um mé rem quem o queira fazer, e que realmente carecem de um
todo sélio e útil de ajudar um escritor a explorar e a moldar pouco de Arte para lhes dar o retoque fmal".6
o seQ estilo natu�al, essa épocattambém testemunhou uma Estas duas posições - uma que estabelece uma relação
.
vtragem no estatuto do tradutor, com o trabalho de um hierárquica na qual · o autor da LP age como um senhor
número crescente de tradutores 'amadores' (entre os quais feudal cobrando vassalagem ao tradutor; a outra que e�ta
muitos diplomatas ingleses) para quem o objectivo das tra belece uma relação hierárquica na qual o tradutor é absol-
duções tinha mais que ver com a divulgação dos conteúdos
de urna determinada obra do que com a exploração das história da tradução que é mais brev� do que a de qualquer outro país industria-
·
lizado e atribui esta deficiência a quatro factores básicos:
propriedades formais do texto. A transformação ao nível dos a) O isolacionismo político e comercial da América do século XIX.
conceitos de nacionalismo e de língua nacional agudizou b) A tradicional fidelidade cultural à COI')lunidade de língua inglesa.
c) A complacente auto-suficiência americana em tecnologia
as barreiras interculturais e o tradutor acabou gradual
d) A força do mito da Terra Prometida junto dos emigràntés e o seu sub
mente por ser visto, não como um artista criador, mas sequente desejo de �tegração.
como um elemento na relação de senhor-servo que man A teoria de Fischbach é interessante pelo facto de apresentar correspon
dências com a atitude n i glesa relativamente à tradução, no quadro da expansão
tém com o texto da LP. 4 Daí que Dante Gabriel Rossetti ·
·
colonial britânica.
pudesse declarar em 1861 que o trabalho do tradutor ' ROSSETTI, Dante Gabriel - Prefácio às suas traduções dos Primeiros
Poetas Italianos. ln Poems and Translations, 1850-1870. London: Oxford Uni-
·
·
versity Press, 1968, p. 175-9.
J No seu artigo, intitulado "Trnnslation io the United State s (Babel VU,
"
6 FITZGERALD; E.- Carta a Cowell, 20 de Março de !957.
2, 1968, p. I 19-24), Henry Fischbach nfinnn que os Estados Unido� têm uma
tt�: ..
24 25
vido de toda a responsabilidade para co� a cultura inferior O legado do século XIX também levou a que o estudo
da LP - ·apresentam ambas uma forte coerência com o da tradução em Inglês tenha dedicado muito tempo à des
crescimento do imperialismo colonial no século XIX e é ,
coberta de um nome para descrever a própria tradução.
delas que deriva a ambiguidade com que são encaradas as Alguns estudiosos, como, por exemplo, Theodore ·savory,7
traduções no século XX. É que, �e a tradução é entendida -�efinem a tradução como uma 'arte'; o�tros, como,.- por
como uma ocupação servil, é improvável que seja dignifi exemplo; Eric Jacobsen.,8 definem-na
. .como um 'ofício-.-:
�;
cada pela· análise das técnicas' utilizadas pelo servo e, se a ��guapto outros, talvez mais sensatos, na senda dos ale-
tradução é encaràda como a actividade pragmática de um . m�es, a descrevem como uma 'ciência' .9 Horst Frenz'0 vai
indivíduo que tem por missão 'elevar' o· texto origin�. a ·rp.esmo. ao. .ponto de optai- por 'arte', mas com qualificati
análise do p�ocesso d.e tradução iria ferir o âmago do sis yos, aleg�do q�e "a tradução não é nem uma arte criativa
nem uma arte inútativa, mas algo que se situa entre as
I tema hier�quico estabelecido.
. duas.". Esta ênfase na discussão temunol�gica aponta de
i
j. A forma como os sistemas educativos passaram a
.i nqvo para a problemática dos Estudos de Traqução ingle
�'
·j.' depender cada vez mais do recurso a textos traduzidos no
·!• ses onde um sistema de valores está subjacente à escolha
.: ensino, sem alguma vez tentarem estudar � processo de
l
l , do nome. 'Ofício' implicaria um estatuto ligeiramente in
trad ã?, cons�tui uma prova •\dicional das atitudes con
�� ferior ao de 'arte', e com conotações de amadorismo;
tradttonas relativamente à tradução no mundo de língua
'ciência' poderia sugerir a ideia de mecanicismo e desva
inglesa.. Daf que um número crescente de estudantes britâ
nicos e norte-americanos leiam autores gregos e latinos
lorizar a noção d� que a tradução é um proce so criativo. �
Em todo o caso, esta discussão é despropositada e o que
traduzidos ou estudem obras narrativas de importantes es
faz é desviar as atenções do problema central, que é o de
critores do século XIX ou textos dramáticos do século
enc.ontrar unia terminologia que possa ser utilizada no es
XX, tratando o texto traduzido como se tivesse sido origi
tudo sistemático da tradução. Em Inglês, até ao·· momento
nalmente escrito na sua língua. Esta é, sem dúvipa, a
i só apareceu uma tentativa para resolver a questão da ter-
-!
I grande ironia do debate sobre tradução: que os indivíduos
'
que rejeitam a necessidade de i.Q.v�stigar cientific�ente a 1 SAVORY, Theodore - The An ofTranslatiol!. London: Cape, 1957. .
: r
'
tradução devido ao seu tradicional baixo estatuto no 8 JACOBSEN, Eric- Trans/ation, A Traditional Craft. Copenhagen: Nor
disk Forlng, 1958.
mundo académ.i�o sejam precis�ente os mesmos q�e �n
I•
nos monol.i:Ogues. -
.!
. � .
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..
26 27
minologia, com· a publicação, em 1976, do Dictionmy for resume bem a ideia de que a tradução requer muito mais
the Analysis of Literal)' Translation, da autoria de Anton do que um conhecimento de circunstância de duas línguas:
Popovic 11: uma obra que estabelece, ainda que de forma
· provisória, a base para uma metodologia do estudo da l}ma tradução não é uma composiçi.lo monísta, mas uma interpe
netração e um composto heterogéneo de duas estruturas. D� um
tradução.
lado, os conteúdos semânticos e .os contornos formais do original,
Desde o princípio da década de sessenta do século XX do outro, todo o siste'ma de traços estéticos que compõem a línguar
:··..
ocorreram mudanças significativas no ·campo dos Estudos da tradução.13
de Tradução. Essas mudanças tiveram a ver com a cres- ·
fundação de uma teoria da l!adução e demonstraram que, gada. Estes dois processos têm de ser cla,ramente diferenciados
longe de. ser uma activida�e d�le!�� a�essível a qt}alq�er numa teoria da tradução.14 .
.
detentor de conhecimentos mínimos numa outra língua, a ·
tradução é, como afmna Randolph Quirk, "uma das mais Catford abriu assim uma nova fase do . debate sobre a tra
difíceis tarefas que o escritor pode empreender." 12 Levy 1 .
��_ção ein Inglês. Porém, sendo embora �m� teoria imp�r
fI; .tante p�a o linguista, ela é redutora, porque pressupõe
·
11 POPOVIC, Anton -Dictiollaryfor t/le Analysis ofLiterary Translation. . !
Alberta: Universidade de A1bcrta. Departamento de Literatura Comparada. 13 LEvY, J. - Umeni prekladu (A Arte da Tradução). Praga, 1963. Ap11d
1976. . . . HOLMES, i. (ed.) - Tlle Nature ofTranslation. The Hague: Mouton, l�:no.
ll QUIR.K, Randolph - Tlle Linguist aud tfle English Language. London: •� CATFORD, J. C.- A Linguistic Tlleory o]Translation. London: Oxford
Edward Arnold, 1974. University Press,.l965.
i
(
_I ___
'28 29
uma teoria restrita do sentido. O debate sobre os concei desta afirmação, a sua clara intenção de ligar a teoria à
tos-chave de equivalência e intraduzibilidade cultural prática é inquestionável. A necessidade do estudo sistemá
(v. Capítulo 1 ) avançou bastante desde o aparecimento do tico da tradução surge directamente dos problem� en�on
seu livro. trados concretamente durante o processo de tradução e é
Fizeram-se grandes progressos nos Estudos de Tradu tão essencial que os profissionais da tradução tragam á ex
ção desde 1965. Os trabalhos desenvolvidos nos Países periência da sua prática· à discussão teórica quanto é im1
Baixos, em Israel; na Checoslováquia, na União Soviética, portante que os resultados do debate teórico sejam aplica
na República Democrática Alemã e nos Estados Unidos dos na tradução de textos. Divorciar a teoria da prática,
parecem indicar o aparecimento de várias escolas, clara colocar o teorizador contra o praticante, como aconteceu
mente definidas, que privilegiam diferentes aspectos do
noutras disciplinas, seria trágico.
vasto campo dos Estudos de Tradução. Por outro lado, os
Embora os Estudos de Tradução abarquem um campo
especialistas em Tradução têm beneficiado muito do tra
muito vasto, é possível dividi-lo, grosso n�odo, em quatro
balho realizado em áreas perifericamente afms. O trabalho
áreas gerais, cada uma apresentando um certo grau de so
dos semioticistas italianos e russos, os desenvolvimentos
breposição com as outras. Duas. são orientadas para o
em gramatologia e narratologia, os avanços no estudo do .
produto, na medida em que incidem sobre os aspectos fun
bilinguismo e do multilinguis�, bem como no campo da
cionais do Texto 4e Chegada, e duas são orientadas para
aprendizagem de línguas pelas crianças, têm, todos eles,
o processo, na medida em que incidem na análise do que
utilização no âmbito dos Estudos de Tradução.
realmente acontece durante o processo de tradução.
Os estudos de Tradução estão, portanto, a cobrir ter
A primeira categoria envolve a História da Tradução
reno novo, estabelecendo pontes entre a Estilistica, a His
e faz parte integrante da história literária. O tipo de traba
tória Literária, a Linguística, a Semiótica e a Estética. Ao
.! lho· desenvolvido nesta área inclui investigação sobre as
mesmo tempo, convém não esquecer que se trata de uma
disciplina solidamente enraizada na prática. Quando An teorias da tradução em diferentes momentos históricos, a
dré Lefevere tentou definir o objectivo dos Estudos de resposta crítica às traduções, os processos práticos de en
comenda e publicação das traduções, o papel e a função
. .
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30
31
·.
Poética, inclui toda a área da �adução· literária, teoria : os trad�tores evitam analisar os seus métodos e concen
tram-se em expor as fragilidades dos outros tr�duto:res. Por
prática. Os estudos · podemser de carácter geral ou especl
. .
outro lado, os críticos avaliam frequentemente as traduções
ficos de um género literário, incluindo a investigação dos
através de um de dois pontos de vista, ambos redutores: a
problemas específicos levantados pela tradução de poesia,
partir do estreito çritério da aproximação ao texto de par
textos dramáticos, libretos ou tradução de audiovisuais, . •l..
tida (uma avaliação que só pode ser feita se o crítico tiver
quer a dobragem quer a legendagem. Encaixam�se tam
· ': acesso às duas línguas) ou tratando o texto traduzido como
bém .nesta categoria estudos sobre as poéticas de traduto
se fora uma obra escrita na língua de chegada. E, se· esta úl
res individuais e comparações entre as· mesmas, estudos ·
tima posição goza d� urna inquestionável validade afmal
sobre os problemas de fÓrmular uma poética, estudos só
-
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32 33
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ele tem· por objectivo estabelecer os fundamentos da dis
• 16 �WMAN, Francis - Homeric Translation in Theory and Practic.e. fu
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34
d� que existem princípios genris do processo' de t;radução Edward Sapir sustentá que "a língua é um guia para a
que podem ser determinados, categorizados e, em última realidade social" e que os seres humanos se encontram à
instância, utilizádos no ciclo texto - teoria - texto inde mercê dã língua que se tornou ó meio de expressão da sua
I sociedadé. A experiência, insiste Sapir, é largamente de
pendentemente das línguas envolvidas.
Nenhum par de línguas é suficientemente similar para que se possa TIPOS DE TRADUÇÃO.
considerar que representam a mesma realidade social. Os mundos
em que vivem diferentes �ociedades são mundos distintos, não
No se� artigo ·�sobre os Aspectos Linguísticos. da Tra
apenas o mesmo mundo com rótulos diferentes.'
dução" Roman Jakobson distingue três tipos de tradução: 3
•
\•
A tese de Sapir, mais tarde subscrita por Benjamin Lee 1) Tradução intralinguística ou reformitlação (uma in
Whorf, relaciona-se com outr� mais recente, avançada terpretação de signos verbais por meio de outro/
pelo semioticista soviético Jurí Lotman, segundo a qual signos da mesma língua).
a língua é um sistema modelizante. Lotman ·descreve a
. 2) Tradução interlinguÍstica ou. trad.ução propriamellte
literatura e a arte em geral como sistemas modelizantes
dita(uma interpretação de signos verbais por meio
secundários, devido ao facto de derivarem do sistema mo
de outra língua).
delizante primário que é a língua e declara, tão peremptó
rio como Sapir ou Whorf, que "l.Jma lírigua não_p.ode.exis 3) Tradução intersemJ.ótica ou tra�zsmutação .(uma in
tir se não estiver inserida no contexto de . uma_cultura e terpretação de signos verbais por meio de-signos de
�iná-cuifii.râ nãO PQª� �xistir se não tiver no &�º· -��n�t� a ·sistemas não:-verbais).
estrutura. de uma língua ri'aturahr A língua é, assim, o �o
ração do -corpo dá ·c-�.lttirf:l, e é a interacção en-tr�·;$�4�as .r
Tendo estabelecido três tipos dos quais o segundo, a
que. assegura a cÓÕÚnuação da energia vitai, �: meS!flO 'I
tradução interlinguíúica, descreve o proces·so de . transfe
Q12..q� q�� . o c�rgj?Q não pode, ao operar o ç:��aç�p,. d_e.:;- rência da Língua de Pári:idq para a Língua de.Chegada, Ja
�.!"�_Q _ÇO(IJO.QJ:I�..9- çpntém, também o tradut9r riao pode kobson passa de imediato a· indicar ó problema central nos
tr.a�ar P. texto &eparaqo da cultura sem cnrrer�.uiJ) .grande três tipos de tradução: se bem que as mensagens .[recodifi- ·
risco� cadas] sjrvam de interpretaçõe.s adequadas de unidades de
código ou mensagenS, não se obtém normalmente com
pleta equivalência através da tradução. Nem a· aparente
.
H� .. �� r:''t'· . sinonírriia produz equivalência, e Jakobso.{l mostra ·como
,.
.
. a tradução intralinguística tem de recorrer com frequência
a uma combinação de unidad�s de código 'por forma a
1 SAPffi, Edward - Culture. Language arid Personality. B rke ey, Los
e l . ;, �
Angeles: University of Califomia Press, 1956, p. 69. . 3 JAKOBSON, Roman - On Linguistic AspeclS of Translation. ln BRO
�
2 LOTMAN, Jurf; USPENSKY, B. A. - On th!: Serniotic Mechani m of (ed.) - On Translation. Cambridge: Harvard
WER, R. A. . University Press, 1959,
Culture. New Literal)' History, IX (2), 1978. p. 211-32. . p. 232-9.
39
38
' ·
de tra12sporte, mas não .se pode dizer em nenhum dos
casos que se produz completa equivalência, uma vez que �r :· em .Inglês 'por cottage cheese. 'J
ak.obson argumenta que
cada unidade contém em si um conjunto de associações e . . ·'A{· ·.· · . ·. . . neste caso a tradução é· apenas uma interp
retação ade- f
·. quada de uma unidade de código e a equiv
alência é im-
conotações não-transferíveis.
Dado que a completa equivalência (no sentido de si possível.
.
nonímia ou identidade) não ocorre em nenhuma das três
categorias, Jakobson declara que toda a arte poética é en- � ·
tão� tecnicamente intraduzível: DESCODIFICAÇÃO E RECODIFICAÇÃO
.
Apenas a transposição criativa é ppssfvel: seja a transposição in O tradutor activa, portanto, critério� qüe transcendem
·de desco
tralingufstica - de uma forma poética para outra, seja a transposi
r os P.l!:r-ªI!lente linguísticos .e ocorre um processo .
.
de tra
dificação· e recódificação. O esquema do processo
ção interlingufstica - de uma língua para outra, ou, finalmente, a
_
transposição intersemiótica """ dellf sistema �e signos para outro,
Eugene Nida ilustra os estádios en-
. duÇão proposto por ,
por ex., da arte verbal para a música, dança, cinema ou pintura.
volvidos; 5
· ··.!
;r .
rt �
. . ut�a série de operações das quais o ponto de partida e o t
�· :· .
'
..
I
ficação, não desempenhará a sua função de sentido no in
..... -� .,
'
... .
terio� de uma frase ainda que possa haver uma pa.;t�vra .
Çonsideremos a questão de traduzir yes e hello para . Inglês · resulta tão hiperbólica que frequentem� nte cria um
Francês, Alemão e Italiano como exemplos· das comple -
efeito cómico.
xidades envolvidas na. tradução interlinguística do que, Com a tradução da palavra lzello, o termo co�ente in
•.
.,
.
.�
à partida, poderiam parecer vocábulos não problemáticos. •'' I glês de saudação amigável num encontro, os problemas
À primeira vista, esta tarefa parece simples, tratando-se de multiplicam-se. Os dicionários dão: •
' .
línguas indo-europeias, próximas do ponto cie�ist�-lexical '(:
J
e sintáctico e tendo em comum estes termos de saudação Francês: ça va?; hallo
e assentimento. Para yes os dicionários correntes dão:
Alemão: wie gellt's; hallo
.
Italiano: o/à; pronto; ciao
Francês: oui, si
Alemão:ja Enquanto o Inglês não distingue entre o termo usado
Italiano: si . para saudar alguém em presença e o termo usado ao aten..
der o telefone, o Francês, o Alemão e o Italiano fazem essa:
.:, . ' ser usado numa sau-
É imediatamente óbvio que a existência de dois ter distincão. O italiano pronto só pode
� J .
mos em Francês implica uma utilização que não existe nas ··.:i dação telefónica, tal como o Alemão lzallo. Além disso, o
outras línguas� Uma pesquisa �llaiS
. avançada mostra que ·'' .Francês e o Alemão usam como formas de saudação bre-
oui é o tenno geralmente usado e si um terino específiÇo �.
ves perguntas ret<?ricas, enquanto as mesmas em Inglês -
para situações de contradição, controvérsia e discorçlân ". How ai·e you? ou' How do )'Oll do? - apen�s se usam em
cia. O tr(,ldutor inglês deve, portanto, ter presente esta re )j situações mais foimais. O italiano ciaó, de longe a forma
gra ao · traduzir o termo inglês que é o mesmo ·em todos os �':-. mais comum de saudação . em todos 'os estratos da sacie-
contextos. . ,. dade italiana, . é usado igualmente à chegada e à partida,
Quando se considera o uso da afirmativa no discurso .:�r: sendo uma palavra de saudação utilizada em situaç�o de
: :-.·�.!� .... contacto, quer num encontro quer numa �espedida, e nãq
coloquial, levanta-se um outro problema. O termo yes. J).e'm i .
sempre pode ser traduzido por oui, ja ou si, porque o Fran . •' n� específico contexto de chega9a O!J de encontro.inicial .
. ,;��.:,
:· . ·
cês, o Alemão e o Italiano frequentemente ,dobram ou re ..., . . .... Assi�_ s�nd<;>. .."'p_�rant�.-ª. y�.refa .de �a4.��4'J��Uq_p�a. Pra�-·
petem as afmnativ.as de um� form� que não é um procedi ·3 , · ��$�-o.tradutor. tem primeiro Q.e:��trair. dp teiJilO o.ce!lle 4<?
__
mento usual em Inglês' (por ex:,. si, si, si; ja, ja, etc.). .,�, �ido.._e 8$ fases do. proc�sso, segu�do o diagramª ��
A
Daqui resulta que a· 'tradução italiâna ou alemã de yes por · Nida, são as seguintes:
.
. :i .. .f:.
um único termo pode, por vezes, pa.recer excessivamente . · ·. :
.. · ..
\
.. .. .
-- ...
�. \ �
,,,.
42 43
LfNGUA FONTE LÍNGUA RECEPTORA em presença-, o estatuto e a posição social dos falantes e
HELLO ÇA VA? 0 coris�quet:tte peso de uma saudação coloquial em dife
t
SAUDAÇÃO AMIGÁVEL t . :. "
EXISTENTES
inglês butter [manteiga]. Seguindo Saussure, a relação es
TRANSFER�NCIA . trutural entre o significado (signifié) ou conceito de butter
e o significante'(signifiant) ou a imagem acústica produzida
pela palavra. butter constitui o signo linguístico butter}
O que aconteceu durante o processo de tradução foi E uma vez que a língua é entendida como um sistema
que a noção de saudação foi isolada e a palavra helio foi
�de relações interdependentes, o signo butter funciona em
substituída por urna frase comportando a mesma noção.
'i• Inglês como um nome numa relação estrutUral particular.
[! JaJcobson descreveria isto como transposição interlinguís
,: Mas Saussure também distinguiu entre relações sintagmá-
·tica, enquanto Ludskanov lhe cllarnaria transformação se-
,i . ticas (ou horizontais). que a palavrá mantém com as outras
•I . 1ni6tica:
p_alavras da frase, e relações par�digmáticas (ou Verticais),
: !:
I, .,
q�e a palavra ma11tém com a estrutura linguística no seu
I'I As transformações semióticas (Ts) são substituições dos signos . I
.
i( que codificam uma mensagem por signos de outro código, mm . ·.·· . 1
todo. Além disso, dentro do sistema modelizante secundá
rio existe outro tipo de· relações paradigmáticas e o tradu-
· · ..
,,,
•i
. tendo (tanto quanto possível em face da entropia) a infonnação in-'
,I
f . variante e� relação a um dado sistema de referência.6 . tor, tal como o especialista em técnicas publicitárias, tem
lj
I•
·I de atender às linhas paradigmáticas quer primárias quer
·. t�
:i1
No caso de yes, a informação .invariante é afinnação, ·. ·)\ . . secundárias. Com efe�to, em Inglês britânico, butter detém
enquanto no caso de helio, a invariante é a noção de sait um conjunto. de associações de salubridade, pureza e ele
.,
i dação. Mas, ao mesmo tempo, o �adl!!<?.r. tem de conside vado estatuto (em comparação com a margarina, em tem
'
r� outros critérios. como,. por exemplo,�·.�: existênCia da re
�tr� pos co�siderada apenas como produto secundário, mas
I
.'(� . .
.. .
�• I •
,•.
""J't.1,:·�··: •: .
�): ,'
44 45
Na tradução de butter para Italiano há uma substitui maior de significados na língua de partida os problemas
ção palavra-por-palavra: butter- �urro. Tanto butter como aumel)tam. O esquema diagramático que Nida elaborou
burro descrevem o produto feito a ·partir do leite e comer para a estrUtura semântica de spirit (v. pág. seguin_te) ilus
.� .
cializado na forma de grandes pedaços de gordura comes tra um conjunto mais complexo de relações semânticas.9
. .·,�
tível, de cor creme, destinado ao consumo humano. E, no Quando se verifica um conjunto tão fértil de rela�ões
�I
:
entanto, nos seus contextos culturais isolados não se pode ..
.-.
·
�emânticas como no caso em apreço, é possível usar um8f
. ..
·• dizer que butter e burro signifiquem o mesmo. Em Itália, �:·
palavra para fazer trocadilhos e jogos de palavras, uma
burro, normalmente de cor clara e sem sal, é usada princi .. fcllma de humor que funciona confundindo ou misturando
palmente em culinária _e não tem nenhuma conotação de -- -�s ·significados (como, por exemplo, a piada sobre o padre
I.
I'
elevado estatuto. Por outro lado, na Grã-Bretanha, butter,
muitas vezes de um amarelo vivo e com sal, é usada para
alCoólico q�e comungava demasiadas vezes com o 'espí
rito santo', etc.). O tradutor tem, então, de atender ao uso
·i, .
.:i:.
, barrar pão e, menos frequentemente, para cozinhar. De particular de espírito na frase em si mesma e na frase em
;�..
r:.
1!
vido ao elevado estatuto de butter, a frase bread and but • J
'
relacão
.
com outras frases, e atender ainda ao texto global
!: ter é a que tem uso corrente mesmo quando· o produto . �- e aos contextos ·culturais da frase. Assim, por exemplo,
::
li'
I! i textos culturais. O problema da equivalência envolve,
neste caso, a utilização e a percepção do objecto num dado
·, refere-se à categoria 7 do esquema de Nida e a nenhuma
outra. Mas
r
r ·..
,,
\. é?�texto. A _tradução de butter - burro, embora peifeila
1\)
jlI ·' mente adeqllada a um determinado nível, também
-- - -
serve O 'espfrito da casa pennaneceu vivo.
!i ·�.
� !.
qual cada língua representa uma realidade diferente. pode referir.:se às categorias 5 ou 7 ou, em sentido meta
IL11: A palavra butter descrevé.um produto especificamente fórico, -às categorias 6 e 8, sendo o sentido apenas deter
identificável, mas no caso de urna ·palavra ·com um 1eque minado ·pelo contexto.-
;:
!. : �·;
i·
!.
,, 9
, Este esquema foi tirado de NIDA, Eugene - Towards a Science ofTraus
!: .. :.
'I: 1 Atente-se lambém à existência da expressão idiomólicn bread and btttler. lating, Witfl Special Refereuce to Principies and Procedttres lm•oll•ed Íll Bible
'
. -:' :t�· ·. ·
•i .
.
I• · · ..•.
t' que significa meios de subsislênda básicos. p<>r exemplo. to edm oue 'S bread TraTt�latiug. Leiden: E.J. Brill, 1964, p. 107. Salvo indicação em contrário, lo
:: and buller. ..
. • '
das ás' citações de Nida são tiradas desta obra.
,.
.. •. ·: :-
�i
,,
I"
�i
.}
i;
47
46
i!1 j
Um grupo de amiliares acaba de ter uma amarga discussão, a
Únidade da famz1ia foi abalada, disseram-se coisas imperdoáveis.
i' Mas o jantar comem_orativo para o qual todos vieram está prestes
a ser servido e afamnia senta-se à mesa, em silêncio, proiua a ini
. �. t ciar a refeição. Ospratos estão servidos, todos estão semados e à
�
espera; o pai quebra o silênc,io para esejar a todos 'Bon appetit'
e a refeição começa.
.
.':�
. •,;,
!:: . . .. .
. .·. - ', ::.�
.�
·, . �- 10 FIRTH. J. R. - Tlle Tollgues ofMm and Speech. London: Oxford Uni
· '·
i: !
r.i·i
' .: t versity Press, 1970, p. llO.
·
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li ,_ [
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j
I
.)��·'\''
"/·
48 49
Não se especifica se a expressão é utilizada de uma 3) Considerar o leque de expressões existentes na lín
forma mecânica, como parte do ritual diário, ou se é usada aua de cheaada,
o o
atendendo à classe, estatuto, idade,
de forma irónica, triste ou mesmo cruel. Num palco, o ac sexo do falante, bem como a sua relação co1,11 os in-
tor e o encenador teriam de decidir como interpretar a ex terlocutores e o contexto em que se encontram na
pressão com base no seu conceito de encenação bem como língua de parti<;f�· •
fora de uma frase estruturadaJftãO significa nada. Nem insistia na ideia d�· que qualquer contracção ou omissão na
sequer existe no Inglês corrente nenhuma expressão que trádução de expres:sões difíceis é um acto imoral. O mesmo
desempenhe a mesma função da expressão francesa. Exis . estUdioso acredita que o tradutor tem a responsabilidade
tem, contudo, algumas expressões susceptíveis de aplica de encontrar soluçao para o mais desanimador dos pro�le
ção nalgumas situações - a expressão coloquial Dig in OQ :·�
: .:r mas e declarou qu� se deve adoptar a ·perspectiva funcio
Tuck in [Vamos ao tacho], a expressão mais informal Do nal c�� re;peito não apenas ao sentido, inas · também ao
start [Porfavor comecem] e outras ritualizadas I hope yoú e·stilo e à forma. A gr�de riqueza dos estudos sobre a tiã_
t dução da Bíblia e a documentação existente sobre o modo
like it [Espero que gostem] ou I lzope it's alright [Espeiv · i·
que seja do vosso agrado]. Para determinar que expressão .. ··�· : como o� tradutores, individualmente, tentaram resolver os
utilizar em Inglês, o trad�tor tem de: . seus problemas ·através de soluções engenhosas é uma
. ;. t·
. fonte particularmente fértil de exemplos de transformação
1) Aceitar a intradudizibilidade, ao nível linguístico, .sémió}ica.
···:-
da frase original na língua de chegada.
Na tradução de Bon appetit na situação acima descrita
2) Aceitar a ausência de uma convenção social pàte:. ·::::�,-:-· �:::. ·,· • o tràdutor conseguiu extrair do texto um conjunto de cri-
cida na língu.a de chegada. l térios para determinar qual a expressão mais adequada na
�
.:: ·: :
·
[j . �:' :
..
,.·r.
,·
..�.· .
.
·.•
50 51
língua de chegada, mas certamente num outro contexto se pela cultura. A expressão i�iomática italiana menare i/ can
. ria outra a alternativa. Em tradução, a ênfase recai sempre . per l'aia constitui um bom exemplo do tipo de transfor
no leitor ou no ouvinte, e o tradutor tem de fazer com que mação expressiva que ocorre no processo de tradução.' 1 ·
I
A imagem engendrada por esta frase é algo estranha e,
os verões sejam desagradáveis; do mesmo modo, o con
ceito de Deus Pai não P,Ode ser traduzido para unia lÍngua a não ser que o contexto se referisse especificamente a
uma situação deste tipo, a frase resultaria obscura e vir
i . É
e� cuja cultura a divindade seja do sexo ferillli{io
. tualmente sem sentido. A expressão inglesa que mais sç I
muito perigoso tentar impor o sijtema de valores da cul .
I
tura da língua de partida à cultura da língua de chegada. e
aproxima da italiana é to beat about the buslz, também ela . !
O Inglês e o Italiano têm expressões idiomáticas cor entre tradução 'literal' e tradução 'livre'13 não têm em conta
respondentes que exprimem a ideia de prevaricaçãQ e, . 0 conceito de tradução corno transfonnaç
ão semiótica. Na
portanto, no processo da tradução interlinguística, uma é sua definição de equivalência na tradução, Popovic 9istin
substituída pela outra. Essa substituição faz-se, não na
bas.e dos elementos linguísticos da frase nem na base de
gue quatro tipos:
. .
:
.
.
palavra.
uma frase que serve o mesmo propósito na cultura de che
gada e o processo envolve a substituição de signos da lín 2) Equivalência pragmática, quando existe equivalên ·;
I
.
.
I·
,,
gua fonte por signos da língua alvo. As observações de cia ao nível dos 'eleméntos do eixo expressivo pa
,
I�
Dagut relativas aos problemas envolvidos na tradução da
metáfora são interessrultes quando aplicadas também à poviÇ considera uma categoria mais elevada do que
j!
tradução de expressões idiomáticas: a equiv'!lência lexicâl. I,
I
uma metáfora pode, em rigor, ser traduzida como tal ou se pode ·ç ão.1-l
'
-:-�
f:
.. . Como tal, a tradução das expressões idiomáticas en-
,.
.
.i
.. �
· :(
54 55
sulta na substituição da ·expressão na língua fonte por ou ·. . um. sério obstáculo ao seu uso em teoria da tradução. Eu
tra expressão que tenha uma função equivalente na língua a�ne Nida distingue dois tipos de equivalên'cia -foi'lnal e
I;>
.
,
...
A tradução é muito mais do que a substituição de ele · .. atenção na mensagem em si, tanto na forma como no con
mentos lexicais e gramaticais entre línguas e, como se ve-'·. ; : t�údo. Nesse tipo de tradução preocupamo-nos com cor
tifica no caso da traduÇão de expressões idiomáticas e de :
,
·,:jes.ponâências do tipo poesia para poesia, frase parà frase, f
metáforas, o processo pode passar por des�artar .elementos
•
451-6.
'lI
·-
·-
·
· �����r.. �··�:!;
� H O
..-.�:
..... �
.. ,
56
57
;!
sexuais,
condensação semântica experimental. As transfonnações, forem substituídas por outras com conotações
ou vruiantes, são as alterações que não modificam o. nú- como por exemplo porca Madonna - fucking
hell17• Do
i
i cleo de sentido, mas iiilluenciam a fonna de expressão. mesmo modo, a interacção entre as três componentes
tam
I
alvo,
Em suma, a invariante pode definir-se como aquilo que há bém determina o _processo de selecção na. língua
nor
de comum entre todas as traduções de urna mesma obra. c�mo acontece, por exemplo, na escrita de cru:tas. As
Assim, a invariante faz parte d�
urna relação dinâmica e mas que regem a · escrita de cartas vélliam consideravel
o,
não pode confundir-se com argumentos especulativos s·o mente de língua para língua e de período para períod
bre a 'natureza', o 'espírito' pu a 'alma' do texto - essa . ·_:.�' mesmo no seio da ·Europa. Daí que uma mulher inglesa ao
I.
. ·L'
'qualidade indefinível' que supostamente os tradutores ra escrever uma carta a urna amiga em 1812 não terminasse
I ramente são capazes de capt.ar. a sua carta com a expressão with love ou in si$t'Úhood,
, .: Na tentativa de solucionar o problema da equivalência como poderia fazer hoje em dia, nem uma italiana . termi-
r na tradução, Neubert postula que, do ponto de vista de . . nasse uma carta sem uma série de saudações forínais ao
r uma teoria do texto. a equivalência na tradução tem de ser. . parentes. Em ambos os éasos - no
destinatário e aos seus
I
I
·
considerada uma categoria semiótica, compreendendo as · prot�colo da escrita de cartas e na questão da obscenidade
- o tradutor descodifica e tenta recodificar de uma forma
<
. �;
componentes sintáctica, semântica e pragmática, segundo --�.-·· ··
16 Cf. PIERCE, C. S. - Collected Papers. Ed. C. Hartshome; P. Weiss: A. :. -� 17 Um aspecto interessante das línguas em contacto reside no facto
de os
do
sistemas do calão
eis. No caso
: .
Hurks. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1931-58; 8 vols.. Para uma e da blasfémia serem frequentem ente permutáv
; foi incorporado no sistema es
discussão do conuibuto de Pierce para a semiótica. ver HAWKES, T. - Stntclll espanhol mexicano , o sistema anglo-:une ricano
I �
j ·=
li
58 59
Há, nos Estudos de Tradução, duas linhas de desen .' produto, ao gosto refinado do comprador e ao estatuto so
volvimento no encalço de uma definição de equivalência. cial que o produto confere. Outros elementos enfatizados
A primeira, como seria de prever, coloca a ênfase nos pro são: o processo de destilação, natural e de elevada quali
blemas específicos da semântica e na transferência dos dade, a pureza da água escocesa e a duração do tempo de
. I
conteúdos semânticos da língua fonte para a língua alvo. ·maturação do produto. O anúncio consiste num texto es-
·.:..- �! . . .
.
. · cri.to e numa fotografia do produto. Por outro lado, o Mar- f
' .
No âmbito da segunda, que explora a questão da equiva •. .� .�
...... ; .
lência nos textos literários, o trabalho dos Form.alistas tini é publicitado apelando a um grupo social diferente,
Russos e do Círculo Linguístico de Praga, em conjunto . que tem de ser conquistado por um pr?dl;ltO lançado há re-
com alguns desenvolvimentos mais recentes em análise /
Iativamente pouco tempo. Em sintonia com esse objec
do discurso, alargou o problema da equivalência à sua tivo, o anúncio do Martini apela a uma camada mais jo
aplicação à tradução de textos dessa natureza. James Hol vem e incide menos na questão da qualidade e mais no
mes, por exemplo, pensa que a utilização do termo equi estatuto social, de adesão à moda, que o produto confere.
·. i
•• t
•
valência é 'perverso' , dado que postular uma tal igualdade A fotografia que acompanha o breve texto mostra "pes
r
\
é pedir demais, enquanto Durisin argumenta que ao tradu . . soas bonitas". a beber Martini, elementos do jet set inter
.. r
tor de um texto literário não corçeete estabelecer a equi • '(
·
nacional que habitam um m�ndo de fantasia onde supos
· :
valência da língua natural, mas apenas a· dos procedimen tamente todos são ricos e deslumbrantes. Estes dois tipos
.
. '
tos artísticos. E esses procedimentos não podem ser vistos de anúncio tomaram-se tão estereotipados na cultura bri
isoladamente, pois devem ser localizados no contexto tem tânica que são imediatamente reconhecidos e muitas vezes -· I
poral e cultural específico em que foram utilizados. 18 parodiados.
Tomemos como exemplo dois anúncios encontrados ' í.· Num anúncio dos mesmos produtos num semanário
�
·. ·
·
. I .
no suplemento a cores do jornal British Swzday: um de t" italiano verifica-se o mesmo duo de imagens - uma fri
uísque escocês e outro de Martini, onde cada produto está. rI ? sando a genuinidade, a qualidade, o estatuto social; a ou
tra, � excitação, o deslumbramento, a juventude, o estar na
I
a ser publicitado para atrair diferentes preferências de
: [,,, ·
· -i.c�--
·
gosto. A clientela do uísque, mais �tiga e mais �adicio moda. No entanto, como o Martini está há muito implan
nal do que a do Martini, é atraída apelando à qualidade do �- ·. tado no mercado de massas e o uísque escocês é um re
},
�--
. t.
cém-chegado, as imagens que acompanham os produtos
18 Para alguns exemplos ver os citados por Raymond van den Broeck em são exactamente o reverso das britânicas. Quer dizer: o
"The Concept of Equivalence in Translation Theory: Some Criticai Reflec mesmo modo, com aplicações diferentes, é usado na pu-
tions". ln HOLMES, James S. ; LAMBERT, José ; BROECK. Raymond van den
(eds.) - Literat11re and Translation. Louvain: ACCO, 1978, p. 2948. . ,. blicidade destes dois produtos e m duas sociedades. Os
. . t:-·;�.·
\...
,_ _
'
. f.·.
-��;�� : .: ·
·�·
60 . ·... 61
-�-...
produtos são os mesmos nas duas sociedades, mas têm va . ··� . �=,
a uma abordagem que concebe a equivalência como uma
lores diferentes. Daí que se possa dizer que, na contexto dialéctica entre os signos e as estruturas dentro e fora dos
britânico, o uísque escocês é equivalente ao Martini no textos da língua de partida e da língua de chegada.
contexto italiano e vice-versa,-na medida em que são &pre
sentados pela publicidade como servindo funções sociais
equivalentes. PERDAS E GANHOS
A perspectiva de MukarovsicY, segundo a qual o texto
literário, ao mesmo tempo que tem um carácter autónomo, A partir do rnóme�to em que se aceita que não pode
I
serve a comunicâção, foi retomada por Lotman que de haver identidade entre duas línguas, torna-se possível
t.
I fende que um texto é explicito (é expresso em signos de
'.' .
r abordar a questão das perdas e dos ganhos no processo de
finidos), delimitado (começa e acaba em detenninados tradução. É de novo um indicador do baixo estatuto da
1·.
c
pontos) e esll:uturado em resultado da sua organização in tradução o facto de se ter perdido tanto te.mpo a debater
!: .
I ! terna. Os signos do texto encontram-se numa relação de . as perdas na transferência de um texto da LP para a LC
H
i('
oposição com os signos e as estruturas que lhe são ex - ignorando o que t�bém se pode ganhar, porque o tradu
!! •
r• teriores. O tradutor deve, portanto, ter em conta o duplo
li
,f carácter do texto enquanto encl�ade autónoma e comuni . tor pode por vezes enriquecer �u..�sclarecer o texto origi-
nal como �esultadÇ> dir_e,:..çtp. do p,rgçesso d� .��dução. Além
I cativa e o mesmo deveria fazer qualquer teot1a da equiva- disso, o que por yezes parece 'perder-se' no. contexto da
lência.19 .
I
LP pode ser substituído no contexto da LC, como no caso
Em tradução, a equivalência não deve, portanto, ser
das. traduções de Petrarca por Wyatt e Surrey (v. infra, p.
i
entendida como a busca da identidade entre textos, pois
100-101 e 168-174).
t
que essa identidade nem sequer existe entre duas versõ�s
Eugene Nida é uma boa fonte de informação acerca
do mesmo texto na língua de chegada quanto mrus entre a.
dos problemas das pérdas em tradução, sobretudo no que
versão da LP e a da LC. Os quatro tipos postulados .p.or
li. Popovic constituem um útil ponto de partida e as três ca .......-k
.. :; . . respeita às dificuldades encontradas pelo tradutor perante
li .
tegorias semióticas propostas por Neubert abrem caminho --��:-
.
-
-·�
·
:
termos ·ou conceitos· na LP que não existem na LC. Nida
. t''·. .
... �.
cita o exempl� do Guaica, uma língua do sul da Vene
19 Paro Úma discussão das teorias de Lotm�. ver FOK.KEMA, D. W. - �uela, em· que· não é difícil encontrar substitutos satisfató
!
j, Continuity and Change in Russian Formalism·, Czech Structuralism, and Soviet ::.�
. �..... '
dos para os termos homiddio,- roubo, mentira, etc., mas
., '=7.·.' "'
Semiotics. PTL, .I (1), (Jan., I 976), p. · 1 53-96 e SHUKMAN, Ann - The Cnno eQJ. que os termos para bom, mau, feio e bonito abrangem
. --�-
nizntion of the Real: Jurf Lotman's Theory of Literature and Analysis of Poetcy.
.
..
);
um leque de sentidos muito diferente. Como exemplo Nida
PTL I (2), (Abril 1976), p. 3Ü-39. Jf
!'
.·· :. '
·· ·
' \'
I: I
����:
;
:· .
··.- :.
63
I 62
indica que o Guaica, em vez de seguir uma classificação teórico) entre uma 'lÍngua que possui o conceito de tempo'
dicotómica de bom e mau, adopta uma divisão tripartida: (Português) e uma língua que o não possui (Hopi). (Ver
.
figura 1).20
1) Bom inclui alimentos que se desejam, matar inimi
gos; mascar drogas com moderação, chegar fogo à •
CAMPO OBJECTIVO FALANTE OUVINTE TRATAMENTO 00 ASSUNTO:
mulher para a ensinar a obedecer, e roubar alguém (EMISSOR} (RECEPTOR) ACÇÃO OE CORRER DE 3.' PESSOA
SITUAÇAO ta PORTIJGU�S 'ELE ESTÁ A CORRER' I
que não pertença ao grupo.
HOPI.............. 'WARI' (COfiRER.
PROPOSIÇAO FAC'n.JAL}
2) Mau inclui fruta podre, qualquer objecto com de
PORTIJGUÉS "aE CORREU'
feito, matar alguém do grupo, roubar um membro
da família alargada e mentir a quem quer que seja.
HOPI..............
�tcf�d���E�ÀC�AL}
CAMPO OBJECTIVO VAZIO
SrtUAÇA()2 PORTUGU� 'ElE ESTÁ A CORRER'
3) Violação de tabtís inclui o incesto, o ser demasiado
;j ·
· .jr
I
HOPI.............. 'WARI' (CORRER.
o
íntimo da sogra, uma mulher casada comer tapir an PROPOSIÇÃO FACTUAl)
I . comer roedores. .
HOPI... .......... 'Wo���j_g���Àl.
CAMPO OBJECTIVO VAZIO ENVOLVENDO A MEMORIA}
,,
. SITUAÇÃ04 S 'ELE CORRERÁ' •
PORTIJGU� ·
Nem é preciso ir tão além da Europa buscar exemplos
deste tipo de diferenciação. O grande número de termos
HOPL........... 'WAAIKNr (ÇORRER.
PROPOSIÇAO ENVOLVEN· ·
OU HABITU Al)
PROPOSICAO OE CARACTER GERAL
para �pos de pão, todos se apresentam ao tr�dufor, até · CAMPO OBJECTIVO VAZIO
l
ú4 65
Quando o tradutor encontra dificuldades deste tipo, le Até certo ponto Catford tem razão. As frases 4Iglesas
vanta-se a questão da intraduzibilidade do texto. Catford reproduzidas podem ·ser traduzidas para a maior parte das
distingue entre dois tipos de in..traduzibilidade: linguística ·línguas europeias e o termo denwcracy é· internacional
e qtltural. Ao nível linguístico, a intraduzibilidade ocorre ro�nte utilizado. Porém, Catford não tem em conta dois r
quando não existe na LC um substituto léxico ou sintác factores importantíssimos, o que é paradigmático do pro
tico para um dado item de uma LP. Assim, por exemplo, a blema que se origina quando se aborda a questão da intra
expressão alemã Um wieviel Ulzr dmf man Sie morgen duzibilidade a partir de uma perspectiva excessivamente
wecken? ou a dinamarquesa Jeg fandt brf!vet são ling�is estreita. Se a frase /'m gobzg home for traduzida em Fran
ticamente intraduzíveis para Inglês, porque ambas têm cês por Je vais chez moi, o sentido contido na frase origi
estruturas que não existem em Inglês. Contudo, ambas po nal (i. e., a afmnação pelo próprio da intenç�o de se dirigir
dem ser adequadamente traduzidas para Inglês se se apli I. '
,
. . para o seu local de residência e/ou de origem) apenas é va
!
carem as regras da estrutura inglesa. . ..
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gamente reproduzido. E se a fra,se for. enunciada, por
-
.
.
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problemas, mas a segQnda categoria é mais problemática. . :j cia temporária em Londres ou a travessia do Atlântico de
' '
Segundo o próprio, a intraduzibilidade linguística deve-se r,egresso à América, dependendo do contexto em que é
(
"
. .
.
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.
modo como ele é utilizado não são nada semelhantes. Ma,s
Catford também alega que não se podem descrever como
intraduzíveis os itens lexicais mais abstractos tais como o
T'
.-. r
blemas que a casa de banho finlandesa ou japonesa.
A complexidade aumenta ainda mais no caso da tra
dução do termo democracy. Catford diz que o termo existe
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como I'm going lzome ou He's at.h01rze podem "facilmente . i ceptível de aplicação a vária$ situações politicas, o con-
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66 67
texto guiará o leitor na selecção dos traços situacionais · Darbelnet e Vinay, na sua útil obra Stylistique compa
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apropriados. O problema é que o leitor dará ao termo um =.·:· i rée du français et de l 'an.glais [Estilística Comparada do
···. ::
conteúdo baseado no · seu próprio contexto cultural.e apli Francês e do Inglês],22 analisaram em pormenor ex.emplos
cará essa acepção particular. Assim, a diferença entre o ad de diferenças linguístioas entre as duas línguas, diferenças
jectivo democrático/a, presente nas seguintes três frases, é 'que originam zonas onde a trad�ção é impossível. Mais
fundamental para três concepções políticas totalmente di l!ma vez, foi Popovic quem tentou definir intraduzibili- f
ferentes: dade sem operar uma separação entre o linguístico e o cul
. tural. Popovic distingue também dois tipos. O primeiro é
,
O Partido Democrático Americano definido como
A Reptíblica Democrática Alemã
A ala democrática do Partido Conservador Britânico
Uma situação em que os elementos linguísticos do original não
podem ser adequadamente substituídos em termos estruturais, li
Embora o termo seja internacional, a sua utilização em neares, funcionais ou semânticos em resultado da inexistência de
diferentes contextos mostra que já não há (se é que algum denotação ou de conotação.
l'
22 DARBELNET, J. L. ; VINAY, J. P. - St)•listique comparée dufrançais
11 LOTMAN, J.; USPENSKY, B. A . - Op.cit. et de l'qnglais."Paris: Didier, 1958.
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68 69
rentes contextos de utilização dessas expressões. A expli cado assumido por tamponamento na sociedade italiana
cação para a frase Takfor mad, por exemplo, é a seguinte: em geral, o termo não pode ser inteiramente compreen
"não existe nenhum equivalente inglês desta expressão, dido sem algum conhecimento dos hábitos de condução
que é dirigida aos anfitriões pelos hóspedes ou membros dos italianos, a frequência com que ocorrem os 'acidentes
da família após uma refeição." ligeiros' e o peso e a relevância de tais incidentes. ltm I I
I
O caso do italiano tamponamento na frase C'e stato un · · su_ma, tamponamento é uni signo que não pode ser tradu- f
. i
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ir'
tamponame1lto constitui um exemplo ligeiramente mais zido para Inglês nem mesmo por uma frase explicativa. A
difícil. relação entre o sentido criativo e a sua expressão linguís
Como o Inglês e o Italiano são suficientemente próxi tica não pode, portanto, ser adequadamente substituída na
·
mos para seguirem um padrão de organização sintáctica tradução.
vagamente parecido no que toca a elementos componen O segundo tipo postulado por Popovic, tal como a se
tes e à ordem das palavras, a frase parece perfeitamente gunda categoria de Catford, ilustra as dificuldades em
traduzível. O nível conceptual também é traduzível : co descrever e definir os limites da traduzibilidade, mas en
munica-se num tempo presente um acontecimento ocor quanto Catford parte de dentro d& linguística, Popovic
rido num tempo passado. A difiGJildade prende-se com a parte de uma posição que envolve uma teoria da comuni
tradução db substantivo italiano, que aparece em Inglês cação literária. Boguslav Lawendowski, num artigo em
modificado por um adjectivo, além de requerer ainda in que faz o ponto da situação relativamente aos estudos de
formação adicional parentética. A versão na língua alvo, tradução e à semiótica, defende que Catford "se divorcia
descontada a variação sintáctica que existe entre o Italiano da realidade",23 enquanto Georges Mounin afirma que se
e o Inglês, dá tem dado demasiada atenção ao problema da intraduzibi
lidade em detrimento da resolução de alguns dos proble
Tflere Iras beenltlzere i11as a sliglrt accidem (involving a velzic/e). ·
mas reais que os tradutores têm de enfrentar.
Mounin reconhece os grandes benefícios que os de
Dadas as diferenças na u�ação dos tempos ver?ais, senvolvinientos da linguística trouxeram aos Estudos de
a frase na língua de chegada pode assumir uma de dua� Tradução. O desenvolvimento da linguística estrutural, os
formas dependendo do contexto original e, dado o tama contributos de Saussure, de Hjelmslev, do Círculo Lin-
nho da frase nominal, esta também p6de ser reduzida se a .·
natureza do acidente puder ser determinada· pelo -receptor :!3LAWENDOWSK.I, Boguslav P. - On Semiotic Aspects ofTranslntion.
lnSEBEOK, Thomas (ed.) Sight, Sormd and Sense. Bloomington: Indiana
exteriormente à frase. Mas, quando se considera o sigiufi-
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70 71
guístico de Moscovo e do Círculo Linguístico de Praga Como já foi sugerido, é claramente uma tarefa do tra
têm sido de um valor inestimável. Chomsky e a linguística dutor encontrar uma solução até para o mais intimidante
transformacional também teve o seu impacto, particular dos problemas. Essas soluções podem variar muitíssimo;
mente no que respeita ao estudo da semântica. Mounin de.: a decisãq do tradutor sobre o que constitui informação in
fende que é graças aos avanços verificados na linguística variante relativamente a um. dado sistema de referências..é,
·
• ••1
contemporânea que podemos (e devemos) aceitar que: · eq1 si, um acto criativo. Lery acentua o elemento intuitivo I
1) A experiência pessoal, naquilo que ela tem de único, na tradução:
é intraduzível.
Como todos os processos semióticos, também a tradução tem a sua
2) Teoricamente, as unidades básicas de qualquer par dimensão pragmática. A teoria da tradução tende a ser normativa,
de línguas (por exemplo, fonemas, monemas, etc.) a instruir os tradutores sobre qual seria a solução ÓPTIMA; con
tudo, o verdadeiro trabalho tradutivo é pragmático; entre as solu
nem sempre são comparáveis.
ções possíveis, o tradutor decide-se por aquela que promete o má
3) A comunicação é possível quando se explicitam as ' . ximo efeito com o inínimo esforço. O mesmo é dizei que ele se
situações respectivas do falante e do ouvinte, ou do orienta pela chamada ESTRATÉGIA �.lS
autor e do tradutor.
Por outras palavras, Mounin acredita que a linguística de CIÊNCIA OU 'ACTIVIDADE SECUNDÁRIA'?
monstra que· a tradução é um processo dialéctico exequí
t :·
O..P_�jecti�? da �eoria da tradução é, então, chegar a
·
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q_���ç�o-·e não; com� é em geral erroneamente entendido�
.·. .
A tradução pode sempre começar com as situações mais claras, as 1
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da observação de situações comuns. � de uma multiplicaç�o de ürito de instruçÕes para a produção do
·.pc>êm-aõu.''dõ ;omance perfeitos; mas antes perceber as es-
contactos que carecem de clarificação, então, não bá dúvida de que
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a comunicação através da tradução nunca pode estar completa - truturas internas e externas que operam dentro e · ao redor
.
mente acabada, o que também demonstra que nunca é inteiramente �:. . de uma obra de arte literária. Não se pode categorizar a
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15LEVY, Jiií- Die literarische Ubersetzung. Theorie einer Kunstgatttmg.
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Trad. Walter Schamschula. Frankfurt am Maln: Athenaion, 1969.
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MOUNIN, G. - Op. cit., p. 279.
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dimensão pragmática da tradução, tal como não se pode de- Os Estudos de Tradução encontram-se, portanto, muito
finir ou receitar a 'inspiração' de um texto. A partir da acei para além das velhas distinções que procuraram desvalo
·. �
tação deste facto, é possível resolver duas questões que têm . . rizar o estudo e a prática da tradução recorrendo � distin
;
atonnentado os Estudos de Tradução: o problema da exis- ções terminológicas como 'científico vs criativo'. A teoria
,.
tência ou não de uma 'ciência da tradução' e o problema de .·e a prática estão indissoluvelmente ligadas e não estão•em
se considerar a tradução uma 'actividade secundária'. QOnflito. A compreensão· dos processos não pode senão f
Do que acima ficou dito infere-se que é neste mo ajudar à produção e, uma vez que o produto é o resultado
mento descabido qualquer debate sobre a existência de de um complexo sistema de descodificação e recodifica
uma ciência da tradução. Já existe,, com os Estudos de Tra ção nos níveis semântico, sintáctico e pragmático, não de
dução, uma disciplina séria a investigar o processo de tra :. veria ser avaliado segundo uma interpretação hierárquica
dução, a tentar clarificar a questão da equivalência e a desactu.alizada daquilo que constitui a 'criatividade'.
examinar o que nesse processo constitui o semido. Mas A causa dos Estudos de Tradução bem como da pró
não há nenhuma teoria que pretenda ser normativa e, •. · pria tradução é sintetizada por Octavio Paz no seu pe
embora a afirmação de Lefevere sobre o objectivo da ·· queno livro sobre tradução. Todos os textos, diz, fazem
disciplina (ver 28) su�ir
p. a que uma teoria com- .. , parte de um siste�a literário que procede de outros siste
.�!J�
supra,
preensiva poderia também se/Rproveitada como norma mas e com eles se relaciona, sendo, por isso, 'traduções de
. ·.
de procedimento para p.::oduzir traduções, ela está mu-ito traducões de traducões' :
, ,'J.
� �
·;J.
texto. Nenhum texto é inteiramente original, porque a própria lín
A partir do momento em que se aceite o carácter prag.. . -�
-
gua, na sua essência, já é uma tradução: primeiramente, do mundo
mático da tradução e a partir do momento em. que seja de-
:_{:
não-�erbal e, em segundo lugar, porque cada signo e cada frase é
·
lineada a relação entre autor, tradutor e leitor, pode repu- a tradução de outro signo e de outra frase. Este argumento pode,
diar-se o mito da tradução com9 actividade secundária
<:om todas as subjacentes associações de Qaixo estatuto.
.
. · .�·. :
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...f�·: ·�, .
'
""
porém, ser revertido sem perder nenhuma da sua validade: todos
os textos são originais, porque todas as traduções são diferentes.
Até certo ponto, todas as traduções são uma invenção e, enquanto
Um diagrama da comunicação que se estabelece no pro-
tal, únicas.26
·. . :.:I·{·.· ...
cesso da tradução mostra que o tradutor acumula as fun- . { ·
· ·,
·' Capítulo 2
.
e o espaço disponíveis apenas pemútem observar de que
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·:· �\
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modo algumas linhas de abordagem à tradução foram
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··: emergindo em diferente$ períodos da cultura europeia e
.
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tre a tradução e o nacionalismo emergente explica o signi
ficado de· diferentes conceitos de c.ultu�a. f\ perseguição
'
'. . ·�; . . . aos tradutores da Bíblia d.t!i�t�.-os sécuios em qrie os es-
.
. .
. . .
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posla em prática pelos grandes tradutores românticos in estrutural e da teoria da comunicação ao estudo da tra
gleses e alemães articula-se com a alteração da concepção dução. O quarto período, que coexiste com o terceiro,
. ' ·
...·· ..... .
do papel do indivíduo no contexto social. Nunca é de mais t�m origem nos anos sessenta e caracteriza-se pqr "um
.
frisar que o estudo da tradução, sobretudo na vertente �egresso à indagação herm�nêutica, quase metafísica, so
·.:
diacrónica, constitui uma parte vital da história literária bre a tradução e a interpretação", em suma, por uma vi
e cultural. s�o da tradução que coloca a disciplina num amplo qua- 1
dro _de referência que inclui um grande número de outras
disciplinas:
PROBLEMAS DE PERIODIZAÇÃO
A filologia clássica e a literatura comparada, a lexicometria e a
Em A.fter Babel ' George Steiner divide a escrita sobre etnografia, a análise sociológica do discurso, a retórica formal, a
poética e o estudo da gramática, todas se combinam para dilucidar
a teoria, a prática e a his�ória da tradução em quatro perío
o acto da tradução e o processo da 'vida entre as línguas'.
dos. O primeiro estende-se, segundo ele, das declarações
de Cícero e de Horácio sobre a �adução à publicação, em
As divisões de Steiner, embora interessantes e lúcidas,
1791, da o�ra Essay on the PrilJ'iiples of Translation, de
Alexandre Fraser Tytler. A característica fundamental deste :·;
)·
ilustram, no entanto, a dificuldade de estudar diacronica
mente a tradução, pois o seu primeiro período cobre cerca·
período é a 'focalização empírica imediata' , i. e., as afrr- .· :1 de mil e setecentos anos, enquanto os dois últimos se re
mações e as .teorias sobre a tradução brotam directruile�te
� duzem a uns escassos trinta anos. Os seus comentários so
·
da prát �a d� tradução. De acordo com Steiner, o segundo . :;
p��
_
�
Sous l· ·lllVP...Ç
E_!
�� t���e...até � publicação, ein 1946, de
ZDil âe Sail�t Jérome, de Lar�aud, caracte- ·. 1
: 1
�re os recentes avanços da disciplina são muito acertados,
mas não deixa de ser verdade q�e a principal característica
. :·.,[:,·. do seu primeiro perío�o também se verifica hoje em dia
riz�-se porsefum período de indagação teór;i.ca e he�e7
.
·+- .
1 ST�"lER, George-After Babel. London: Oxford University
. Press, 1975, r
p. 236 ss. . . . j tativas para situar estádios de desenvolvimento dentro de
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78 79
timites temporais estritos contradizem esse dinamismo. lemon Holland). Por outro lado, a metodologia aplicada
4
Um exemplo magnífico do tipo de dificuldades associadas por Timothy Webb no seu estudo sobre Shelley enquanto
à 'abordagem pela periodização' é o que se prende com .a . tradutor5 envolve uma análise atenta da produção .de um
definição dos limites temporais do Renascimento. Há tradutor em relação com o resto da sua obra e com os con
ainda um amplo leque de obras de referência a tentar de ceitos contemporâneos do papel e do estatuto da tradução. ,i
cidir se Petrarca e Chaucer foram escritores medievais ou Os estudos deste género, que não estão submetidos a no- r, '
. ... .
renascentistas, ou se Rabelais era um espírito medieval ções rígidas de período, mas procuram investigar sistema- -- .
11F
post hoc, ou se Dante foi um génio renascentista com dois ticamente as alterações do c'onceito de tradução, tendo em
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séculos de avanço. Uma investigação da tradução nestes consideração o sistema de signos que integra uma dada ·-·
'·
termos não seria mesmo nada proveitosa. , cultura, são preciosos para o estudante de Estudos de Tra ··-·
.
-.. �·
--
Contudo, há certos conceitos de tradução que prevale dução. Este é, de facto, um campo muito fértil para a fu i
cem em diferentes épocas e que podem ser documentados. tura investigação. No entanto, esses estudos de tradutores --
--
T. R. Steiner2 analisa a teoria da tradução, em língua e traduções do passado têm-se concentrado mais na ques .,_
(. _ :
inglesa, entre 1650 e 1 800, começando por Sir John tão da influência, no efeito do produto na língua de che -·
Denham e acabando em Willi� Cowper, e dá conta da gada sobre um dado contexto cultural, do que nos proces
··-·
predonúnância do conceito setece�tista do tradutor como sos envolvidos na criação desse produto e sobre a teoria
pintor ou imitador. Andre Lefevere 3 compilou um con subjacente à criação. Assim, por exemplo, apesar de algu
.
,...,
junto de afmnações e documentos sobre tradução onde é mas apreciações críticas sobre o significado da tradução -·.....
detectado o estabele'cimento de uma tradição alemã de tra- '
I
no desenvolvimento do cânone literário romano, perma
. dução que começa em Lutero e termina em Rozenzweig, .
.
!
nece por fazer um estudo sistemático em língua inglesa da
passando por Gottsched e Goethe, pelos irmãos Scblegel e teoria romana da tradução. As alegações contidas na de
Schlei�rmacher. Uma abordagem menos sistemática, mas . claração de Matthiesson segundo a qual "um estudo das
ainda balizada por uma referência temporal peculiar, é a traduções isabelinas é um estudo dos veículos pelos quais
·
análise de F. O. Matthiesson a quatro proeminentes tradu.:. ! o Renascimento entrou em Inglaterra" não são escoradas
tores ingleses do século XVI (Hoby, North, Florio e Phi- !;l' por nenhuma investigação científica das mesmas.
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HO 81
Ao tentar estabelecer algumas linhas de abordagem à ambos entendem a tradução dentro do contexto alargado
tradução, ao longo de um período que se estende desde das duas funções principais do poeta: o dever humano uni
versal de adquirir e dissenúnar a sabedoria, e a art� espe
..
Cícero até ao presente, é preferível seguir uma estrutura
:.-1
cronológica flexível, sem proceder a divisões claramente cial de fazer e dar forma ao poema.
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·. .
delinútadas. Por isso, em vez de tentar incluir generalida . ! A importância da tradução na literatura romana tém
sido frequentemente utilizada para acusar os romanos de f
.,
--·r·I . .
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6 JACOBSEN, Eric - Translation - A Traditional Craft. Copenhagen: 7 CÍCERO - Right and Wro.ng. ln /Ati11 Literature, ed. M. Grant. Har
l ·; .
Nordisk Forlag, I 958. mondsworth: Penguin Books, 1978, p. 42-3.
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T·m ' ·: :
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82 83
exprime assim esta distinção: "Se traduzo palavra por pa ciladas que espreitam o 'tradutor escravo', aconselhava
lavra, o resultado soará estranho, e se levado pela necessi- . também um recurso comedido à criação de novas palavras.
dade altero algo na ordem e nas palavras, parecerá que me ·. tt · Horácio comparava á cunhagem de novas palavras eo de
afastei da função de tradutor.'' Nas suas observações so- . <i
8 · clínio de outras à mudança das folhas na Primavera e no
bre a tradução, quer Horácio quer Cícero estabelecem uma _. ';'/. Outono, vendo este processo de enriquecimento através•da
importante distinção entre tradução literal e tradução do · ::4. tr�dução como natural e desejável, desde que o escritor f
sentido. O princípio subjacente de enriquecer a língua · e a tr praticasse a moderação. Assim, para Horácio e Cícero, a
literatura nativas através da tradução fez com que a ênfase .
:;; l
.. . · arte .do tradutor consistia numa interpretação ponderada
:·
fosse colocada nos critérios estéticos do produto na língua do texto fonte para produzir uma versão na língua de che
.
gadà baseada no princípio non verbum de verbo, sed sen
'
por esse conhecimento, pois qualquer avaliação do seu piciou aos tradutores uma missão que abarcava critérios
trabalho basear-se-ia na utilização criativa que fazia do tanto estéticos como doutrin�os. A história da traducão
.
e não a palavra pela palavra, mas o problema da ténue
cânone de excelência que transcende fronteiras linguísti
,
fronteira entre o·que constituía liberdade estilística e o que
cas. Além disso, não se pode esquecer que, com o alarga
constituía interpretação herética haveria de permanecer
mento do Império Romano, o bilinguismo e o trilinguismo
como pedra de tropeço durante séculos. .
s� tornaram cada vez mais comuns, aumentando o abismo
A tradução da Bíblia continuou a ser uma questão cen
entre o Latim falado e o Latim literário. As ditas 'liberda
tral pelo século xvn adentro, tendo-se os problemas avo
des' dos tradutores romanos, �ito citadas ·nos séculos I.l'
lumado com o desenvolvimento do conceito de cultura na
xvn e xvm, devem ser entendidas no contexto de uin
cional e com o aparecimento da Reforma. A tradução
sistema global que inclui essa concepção de tradução. !
r passou a ser usada como arma nos conflitos, quer dogmá
ticos quer políticos, à medida que os Estados nacionais co
meçàram a emergir e a centralização da Igreja começou a
A TRADUÇÃO DA BÍBLIA
enfraquecer, o que, em termos linguísticos, se evidenciou
pelo declínio do Latim como língua universal. H
Com a expansão do Cristiaiiismo, a tradução adqu�u
um novo papel: o de espalhar a palavra de Deus. Uma re: 11
l
•
Há �m vasto conjunto de bibliografia sobre 11 história da trndução da Bí-
ligião tão baseada num texto como é o Cristi�smo p��� bha. A obra de Eugene Nida, Towards a S.cieuce of Trauslating (Leiden: E. J.
·r Brill, 1964) inclui uma extensa lista bibliográfica. Há outras obras em Inglês que
-
fazem úteis introduções ao tema: BRUCE, F. F. - The English Blble, A History
10
LONGINUS Essay Ou the Sriblime. ln Classical Lirerary Criticism. �·I
'
ofTraiiSlations (London: Luttenvorth Press, 1961); PARTRIDGE. A. C . - En
, ..
Harmondsworth: Penguin Books, 1965, p. 99-156. (Em Português, foi publicada glish Biblical Translution (London: André Deutsch, I973); SCHWARZ, W. -
j .
-
em 1984 uma trndução do século.XV.lli com texto actualizado. Cf. OL�EIRA, ! Principies and Problems ofBiblical Translation: Some RejQmlation Comrol'er-
Custódio José de Tratado do Súblime de Dicmfsio Lo11giuo. Introdução e ac sies and rheir Background (Cambridge: Cambridge University Press, 1955);
- !
l
tualiznção do texto por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Imprensa Na ROBINSON, H. Wheeler (ed.) - The Bible in its Ancie/11 and English Versions
cional- Casa <ln Moeda, 1984). [N. T.J (Oxford: The Clarendon Press. 1940).
I
I
l
_L.
86 •,
87
•' I •
A primeira tradução integral da Bíblia para o Inglês foi 2) a comparação das versões;
produzida por Wycliffe entre 1380 e 1384 e marcou o iní 3) o aconselhamento junto de "velhos gramáticos e
cio de um período pródigo em traduções da Bíblia para o
Inglês, associado à mudança de atitude, própria do movi
. 4, "' l
velhos teólogos" sobre palavras difíceis e sentidos
complexos; e
1-
I
mento da Reforma então em formação, face ao papel do ·i 4) o traduzir o mais clar:amente possível a 'frase' (i. e.,
I
texto escrito no âmbito da igreja. John Wycliffe (c. 1330- o sentido), sendo a tradução revista por um grupo
�
. . ... ·.
..
-84), o notável teólogo de Oxford, avançou a teoria do de colaboradores.
'domínio da graça', segundo a qual o homem se reporta
. .'·,
directamente a Deus e à lei de Deus (que Wycliffe enten A função política da tradução - tomar acessível o texto
dia como sendo não a lei canónica, mas os ensinamentos integ1ii · da Bíblia - detenninou uma definição de priori
da Bíblia). Se a teoria de Wycliffe pressupunha que a Bí aactes por parte dos tradutores: no Prefácio, Purvey aflrma
blia se aplicava a toda a vida humana, consequentemente claramente que o tradutor deve traduzir 'a pru:tif da frase'
todos deveriam ter acesso a esse texto fundamental numa (sentido) e não apenas a partir das palavras, "para que a
língua que todos pudessem entender, i. e., em vernáculo. frase seja tão clara ou esclarecedora. em Inglês como em
. : i-.
As opiniões de Wycliffe, que atr�am um círculo de se� Latim e não se afaste .da letra". O que se pretendia era uma
guidores, foram atacadas como �eréticas e ele e o seu .:j versão inteligível, idiomática: um texto que pudesse ser
I
grupo foram denunciados como lolardos·, mas a obra que . -1 utilizado por um leigo. O alcance da sua importância pode
ele iniciou continuou a florescer depois da sua morte e o
seu discípulo Jolm Purvey reviu a primeira edição algum
.
.t )
medir-se pelo fa�to cfe terem sido feitas 150 cópias da ver
são revista de Purvey mesmo depois da proibição, em Ju
tempo antes de 1408 (ano do primeiro manuscrito datado). . i. lho de 1408, sob pena de excomunhão, da circulação de
A segunda Bíblia wycliffiteana contém um Prólogo traduções sem a aprovação dos conselhos diocesanos ou
geral, composto entre 1395 e 1396, _e o décimo quinto ca provinciais. A lamentação de K.nyghton, o Cronista, de
p�tulo do Prólogo descreve os quatro estádios do processo que "a pérola do Evangelho é deitada fora e esmagada pe
de tradução: l<;>s pés dos porcos" foi certamente contrariada pelo inte
1) um esforço de colaboração" para reunir velhas -Bí resse generalizado nas versões wycliffiteanas.
blias e comentários para estabelecer- o autêntico No ·século XVI a história da tradução da Bíblia adqui
texto fonte latino; riu novas dimensões com o advento da imprensa. A seguir
.. . às versões wycliffiteanas a grande tradução inglesa foi a
• Grupo herético d� século XIV constirufdo pelos seguiaores de VaiterLoI· ·do Novo Testamento, da autoria de William Tyndale.(1494-
Iard que proclamava a inutilidade dos sacramentos, a n i divisibilidade da Igreja
e a independência do povo em relação aos reis e em relação ao papa. [N. T.]
p
-1536) e impressa em 1525. A sua roclamada intenção, ao
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..:;:w :=� . --
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88 89
traduzir, era também a de oferecer uma versão o mais William Tindale, fazendo-se eco de Erasmo, atacou a
clara possível aos leigos e, quando morre_u na fogueira em . :: !
. hip9crisia das autoridades eclesiásticas que proibiam os
1536, já havia traduzido o Novo Testamento a partir do leigos de lerem a Bíblia nas suas línguas nativas a bem das
Grego e partes do Antigo Testamento a partir do Hebraico. · suas á.lmas, mas aceitavam o uso do vernáculo em "histó-
O século XVI testemunhou a tradução _da Bíblia para ,ç
rias e fábulas de amor, libertinagem e devassidão tão sór-
um. 'grande número de línguas europeias, quetna versão p�o didas quanto . se possa imaginar, para corromperem as f
et stante quer na versão católica romana. Em 1482, o Penta
mentes dos jovens".
teuco havia sido impresso em &lonha e a Bíblia hebraica
A história da traducão bíblica no século XVI está inti
·
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. !
alês Holandês Alemão e Francês. Erasmo resumiu bem
' . : versão do trabalho de tradutores anteriores, apropriando,
' i
.
o espírito evangelizador da tradução da Bíblia ao afirmar: · i·· emendando, revendo e corrigindo.
'
· .r i
Não seria decerto incorrer numa generalização absurda
Desejaria que todas as mulheres lessem os evangelhos e a� epís
i sugerir que os objectivos dos tradutores quinhentistas da
tolas de São Paulo e queria, por Deus, que fossem tradu2;idos para
as línguas de todos os homens para que assim pudessem ser lid�s
Bíblia podem ser distribuídos por três categorias:
e conhecidos, não só pelos Escoceses e Irlandeses, mas também
1) Esclarecer erros. encontrados em versões anteriores
pelos Turcos e os Samtcenos . ... Queria, por Deus, que o lavra or � devido a manuscritos deficientes na língua fonte ou
entoasse um texto das escrituras ao varal do seu arado. E que o te
celão, arrimado ao seu tear, com eles vencesse o tédio do tempo. à incompetência lifl:guística.
.
E que o caminhante com eles aliviasse o cansaço da joma�a. Em
2) Produzir um estilo vernáculo acessível e esteti�a
.suma, queria que toda a comunicação entre cristão� se fizesse pe I·
las esériturdS, pois, de certo modo, nós somos aquilo que são as � mente satisfatório.
. �
falas do nosso quotidiano.'2 .\.
.... i . . 3) Esdareéer questões dogmáticas e reduzir o carácter
r· · . de metatexto .com que as escrituras eram !nterpreta
12 ERASMO - No1•11111 l11strumentum. Basle: Froben, 1516 (Trad. 'Inglesa r
.
. . Lj '
de W. Tyndale, em 1529). . das e reapresentadas aos leigos .
i
I
90 91
Na sua Carta Circular Sobre a Tradução, de 1530, pressão e oferecer aos leitores um texto de confiança. No
Martinho Lutero coloca de tal fonna a ênfase na segunda
,;:). Prefácio à Bíblia do Rei Jaime, de 1 6 1 1 , intitulado "Dos
categoria que usa os verbos ubersetzen (traduzir) e ver- . . Tradutores ao Leitor", pergunta-se: "Será que o reino de
deutschen (germanizar) quase indiscrinúnadamente. Lu- ·,. · · : ; / Deus é feito de palavras ou de sílabas?" A tarefa do tradu
tero também aponta para a importância da relação entre o ...... ·.r: tor não era apenas linguística, mas também doutrinária,
) i
estilo e o sentidÇ>: "A gramática serve para a declinação,· a p�r direito próprio, pois o tradutor da Bíblia do século ; I
i:
·
1:
..
vem considerar-se o sentido e o assunto, não a gramática;
·
: .: l luta pela aceleração do progresso espiritual do homem. O
I
porque a gramática não deve sobrepor-se ao sentido." JJ ·� fenómeno da colaboração na tradução da Bíblia represen
Embora valorizassem a fluidez e a inteligibilidade do tou ainda outra faceta significativa dessa luta.
!
lI
texto traduzido como critérios importantes, os tradutores
renascentistas da Bíblia preocuparam-se também com a
transmissão de uma mensagem literalmente precisa. Numa O PAPEL EDUCATIVO DA BÍBLIA E. O VERNÁCULO
época em que a escolha de um pronome podia significar a
difere�ça entre a vida e a conde�ão à morte por heresi�, O papel educativo da tradução das Escrituras vem de
muito antes dos séculos XV e XVI, e os primeiros co
a prectsão assumia uma importância central. Ainda assim,
l! ·
,I
mentários em vemáç:ulo inseridos nos manuscritos latinos
e porque a tradução da Bíblia foi um elemento constitutivo
constituíram uma preciosa fonte de informação sobre ·o
da valorização crescente do estatuto das línguas vernáculas, I
desenvolvimento das línguas europei��· No que respeita I
a questão do estilo continuava a ser vital. Lutero acon
ao Inglês, por exemplo, os Evangelhos Lindisfarne (trans
selhava os futuros tradutores a recorrerem aos provérbios
critos c. 700 d. C.) continham, no século X, inserida nas
e expressões vernáculas, quando ajustados ao Novo Testa
1 ..
. r .
entrelinhas, uina tradução literal do original latino no dia
mento; por outras palavras, aconselhava a juntar à riqueza I
lecto de Northumbria. Es.tas glosas subordinavam critérios
de imagens do texto fonte as potencialidades da tradição
de excel�ncia estilística ao método literal, cabendo con
vernácula. E, uma vez que a Bíblia é, por si só, um texto
tudo na designação de traduções por envolverem um pro
que cada leitor individual tem de reinterpretar quando o lê,
cesso de transferência interJ:inguística. Por�m, o sistema
as sucessivas traduções tentam atenuar as dúvidas de ex-
das glosas cori.stituia apenas um dos aspectos da tradução
J nos séculos que testemunharam a emerg�ncia de diferen
t
. . ·i1!' ..
tes línguas europeias na forma escrita. No'século IX, o rei
u LUTERO, Martinho - Tab/e 7àlks, 1532. Ambas as citações, de Erasmo
I
e Lutero, foram extraídas de Babel, IX (1), 1970, um número especial consa
grado à tradução de textos religiosos. Alfredo (no seu reinado de 871 a 899), que havia tradu-
l
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92
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93
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I
I
ii
I
zido (ou mandado traduzir) um conjunto de textos latinos, O conceito de tradução como exercício de escrita e
I
declarou que o objectivo dessas traduções era ajudar o como meio de desenvolver o estilo oratório era uma im
povo inglês a recuperar dos efeitos devastadores das inva portante componente do sistema educativo medieva,l ba
sões dinamarquesas, que tinham destroçado os antigos seado no estudo das Sete Artes Liberais. Este sistema, na
centros de ensino monásticos, desmoralizado e dividido o forma em que foi legado por teorizadores romanos como
reino. No Prefácio à sua tradução da Cura Pastoralis (um · Quintiliano (século I d. C.);cuja lnstitllfio Oratoria foi um ;
manual para párocos), Alfredo apela a uma renovação texto seminal, estabelecia duas áreas de estudo: o Trivium
do ensino através de um acessó mais alargado aos tex (gramática, retórica e dialéctica) e o Quadrivizmz (aritmé
tos por meio da sua tradução para as línguas vernáculas, tica, geometria, música e astronomia), formando o Tri
reclamando ao mesmo tempo para a língua inglesa o esta vium a base do conhecimento filosófico.15
tuto de língua literária por direito próprio. Ao referir-se à Quintiliano acentuou a utilidade da paráfrase como
forma como os romanos traduziram textos para seu pró meio de ajudar o estudante quer na análise d�s estruturas
prio benefício, como fizeram "todas as outras nações cris quer na aplicação prática de formas de ornamentação e de
tãs", Alfredo afirma: "parece-me preferível, se concorda síntese. A paráfrase é, então, receita�a como parte de um
rem, que também traduzamos algqns dos livros que todos conjunto de exercícios em dois estádios distintos: a pará
�
· os homens devem ler para a líng a que todos entende frase inicial directa.rJ;lente colada ao texto, e um segundo
mos".l4 Ao traduzir a Cura Pastoralis, Alfredo alega ter estádio, mais complexo, em que o escritor acrescenta algo
traduzido o texto hwilum word be worde, hwilwn andgiet do seu estilo pessoal. Quintiliano defende estes exer�ícios
of andgiete (umas vezes palavra por palavra, outras vezes a par da tradução e, na verdade, as duas actividades não
sentido por sentido), o que se revela um facto deveras in são claramente diferenciadas uma vez que ambas têm o
teressante, pois pressupõe que a funÇão do produto final é I mesmo fim em vista: o desenvolvimento da ciência ora
!
r
que determinava o processo de tradução e não qualquer tória. Quintiliano recomenda a tradução do Grego para o
nonna de procedimento pré-estabelecida. A tradução erá Latim, como variante da paráfrase dos textos origina.is
I
lI
entendida como tendo um papel moral e didáctico a de latinos, para ampliar e desenvolver o poder imaginativo
sempenhar, com uma clara componente pólítica, muito do estudante.
distante do papel estritan;tente instrumental no estudo da
retórica, que também lhe era cometido ·na mesma época.
15 Cf. JACOBSEN, E.- Op. cit. para mais detalhes sobre o papel das tra
. . t� duções no sistema medieval de treino em retórica. Ver também CURTIUS. E. -
•� ALFREDO - Prefácio a Pastoral Care de Gregório. ln BROOK. G. L. E11ropeall Literat11re and tlze Latill Middle Ages. London: Routledge & Kegan
An lmroduction to 0/d Englis!l. Manchester: Manchester University Press, 1955. Paul, 1953.
94 95
A defesa da tradução como exercício estilístico, por de Folena não é nova: Roger Bacon (c. 1214-92) estava
parte de Quintiliano, pressupunha obviamente a tradução bem ciente das diferenças entre traduzir para o Latim a
de originais gregos para Latim e o Latim foi a língua do partir de línguas antigas e traduzir textos contemporâneos
sistema educativo em toda a Europa durante séculos. Po para vernáculo; o mesmo acontecia com Dante (126?-
.
rém, o aparecimento de literaturas nas línguas vernácula� -1321), e ambos se referem à tradução. quando falam dos
a partir do século X conduziu a nova mudança no papel da · · critérios morais e estéticos-das obras de arte e das obras de f
..
tradução. Alfredo tinha exaltado a sua importância como conhecimento geral. Bacon, por exemplo, debate o pro '
meio de fomentar a comunicação e, na sua perspectiva, ela blema da perda em tradução e da sua contrapartida, a cu J
I
envolvia a criação de um texto vemáculo. Como em toda nhagem, tal como Horácio havia feito séculos an.tes. Por
a Europa começaram a aparecer literaturas com pouca ou seu lado, Dante centra-se mais na importância da acessi
nenhuma tradição escrita própria que pudesse alimentá bilidade que a tradução proporciona. Ambos partilham, no
-las, as obras produzidas noutros contextos culturais eram entanto, a ideia de que a tradução é muito mais do que um
. ,
l
96 97
nha de fronteira entre a situação em que um autor se con além da Europa, iam sendo construídos relógios e instru
siderava tradutor de outro texto e aquela em que um autor mentos cada vez mais sofisticados para medir o tempo e o
fazia uso de material traduzido, plagiado de outros textos. espaço, os quais, juntamente com a teoria copemicianà do
No conjunto da obra de um único escritor, como Chaucer u�verso, at:ectaram os conceitos de cultura e sociedade e ii
(c. 1340-1400) por exemplo·, encontra-se um leque de tex alteraram radicalmente as perspectivas.
tos que inclui traduções reconhecidas, adaptações livres, Um dos primeiros escritores a formular urna teoria da f
empréstimos propositados, reescritas e correspondências tradução foi o humanista francês Etienne Dolet (1509-
muito próximas. E, muito embora alguns teorizadores,
como Dante e João de Trevisa (1326-1412), levantem a
I
I
í
•
- 1546), julgado e executado por heresia por 'traduzir mal'
um dos Diálogos de Platão, num sentido que implicava
questão da exactidão em tradução, essa noção depende da l descrença na imortalidade. Em 1540, Dolet publicou um
I pequeno esboço de princípios de tradução intitulado La
capacidade do tradutor para ler e compreender o original e I
não assenta na subordinação do tradutor a esse texto na l maniere de bien traduire d'wze tangue en autr� [A ma
I neira de bem traduzir de uma língua para outra] e estabe
língua fonte. A tradução, seja a vertical seja a horizontal,
é vista corno uma técnica, inextricavelmente ligada a mo I leceu cinco princípios para o tradut�r:
dos de leitura e interpretação do �to original, que é em I 1) O tradutor deve entender completamente o sentido
si mesmo uma fonte de material que o escritor pode usar I. e o significado expressos pelo autor original, em
da forma que melhor entender. . bora tenha toda a liberdade para clarificar os aspec
tos mais obscuros.
partida como requisito .fundamental. O tradutor é muito que se julgava possível que o 'espírito' ou o 'tom' do ori
mais do que um linguista competente e a tradução envolve ginal fosse recriado noutro contexto cultural. O tradutor
uma aproximação ao texto de partida com conhecimento procura, então, operar uma 'transmigração' do texto ori
de causa e com sensibilidade, bem como a p�rcepção do ginal, que ele aborda ao duplo nível técnico e metafísico,
I'
lugar que a tradução pretende ocupar no sistema da língua equiparando-se ao autor, com deveres e responsabilidâ-
de chegada. . des para com o autor original e para com o leitor.
George Chapman (1559-1634), o grande tradutor de
Homero, corroborou as ideias de Dolet. Na dedicatória da
sua obra Seven Books (1598), Chapman declara que:17 • O RENASCIMENTO
O trabalho de um tradutor talentoso e digno consiste em observar Ao falar de Dolet no seu estudo sobre os grandes tra
as frases, figuras e fonnas do discurso propostas pelo autor, o seu
dutores franceses, Edmond Cary acentua a importância da
verdadeiro sentido e elevaÇão, e adorná-las com figuras e formas
tradução no século XVI:
de retórica, ajustadas ao original, na l(ngua para a qual traduz:· ·se- ·
ria para mim motivo de contentamento ter atingido tais qualidades
nas minhas obras. A batalha da tradução manteve-se acesa durante toda a época de
Dolet. Afina], a Refonna foi sobretudo uma disputa entre traduto
res. A tradução tomou-se utn assunto de Estado e um assunto de
Chapman elabora um pouco mais a sua teoria na Epfstola
Religião. A Sorbonne e o rei estavàm igualmente preocupados
ao Leitor da sua tradução de A Ilíada. Na Epístola, Chap com ela. Poetas e prosadores debateram a questão; a obra Défense
man afirma que um tradutor deve: et lliustration de la La11gue Fra11çaise, de Joacbim du Bellay, or
ganiza-se à volta de problemas relacionados com a tradução.•s
1) Evitar traduções à letra.
2) Tentar atingir o 'espírito' do original. Num ambiente assim, em que a vida de um tradutor de
3) Evitar perdas excessivas, apoiando-se numa sólida pendia. do modo como traduzisse
. .uma frase' não é de ad-
investigação de outras versões e glosas. mirar 9.ue· as fronteiras do conflito fossem traçadas com
muita veemência. O tom . agressivamente afirmativo da
A doutrina platónica sobre a inspiração divina da Epfstola de Chapman ou do panfleto de Dolet está pre�
poesia também se repercutiu claramente no tradutor, pois
18
CARY, E, - Les Grands Traducteurs François. Geneve: Librairie de
11 SHEPHERD, R. Heme (ed.} - Chapman 's Homer. London: Cbntto l'Université,.I963, p. 7-8. Este livro contém um fncsfmile do panfleto 1540 ori-
·
·
· ginal de Dolet, Lri maniere de bien traduire d'tme tangue en autre.
& Windus, 1875.
' I
100 LOl
sente na obra e nas afrrmações de grande número de tra ticular, e a única tradução fiel possível consiste em dar-lhe
dutores da época. Uma importan�e característica do pe uma função similar no sistema cultural de chegada. Por
ríodo (que se reflecte também no número de traduções da exemplo, Wyatt pega no célebre soneto de Petrarca .sobre
..
Bíblia que actualizavam a linguagem das versões anterio os acontecimentos de 1348 relativos à morte do cardeal
res sem necessariamente fazerem grandes mudanças na
interpretação) é a afirmação do presente através do uso da
linguagem e do estilo contemporâneos. O estudo de Ma
... l
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,,
Giovanni Colonna e de Laura que começa:
. .
.
que Pompeu "lançou realmente todas as achas na fogueira '
i
para conseguir ser escolhido como ditador" (V, p. 30-1) e
É óbvio que Wyatt usa aqui o processo de tradução para
que António decidiu que o corpo de César deveria ser
fazer algo mais do que traduzir à letra os versos de Pe
"honradamente enterrado e não à socapa" (VI, p. 200). I trarca ou recapturar a qualidade elegíaca do original. A
Na poesia, os ajustamentos feitos ao texto original por
lj tradução de Wyatt enfatiza o 'Eu' e· também a força e o
tão eminentes tradutores como Wyatt (1503-42) e Surrey
< lt
por
apoio d� que .se perde�. Tenha ou não validade a· teoria
•
· '
o 'tradutor-mor ' . Ao traduzir Tito Lívio, Holland declarou .. . . ! tradições em vias de separação sob a pressão do nacionalismo e do
.... i . .
. conflito religioso. 19
j
.
r
� classicismo francês e do florescimento do teatro francês
cessas e desordem, a tradução absorveu, fom1ou e orientou os ele
baseado nas unidades de Aristóteles. Por sua vez, os escri-
mentos básicos essenciais. Foi, no verdadeiro sentido do termo, a .. ·.... i
matéria-prima da imaginação. Além disso; estabeleceu uma lógica
.·
!
I
de relação entre passado e presente, e entre diferentes línguas e 19 STEINER, George - Op. cit., p. 247. 1
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104 105
tores e teorizadores franceses foram entusiasticamente· tra Abraham Cowley (1618-67) vai mais longe e no seu
duzidos para Inglês. 'Prefácio' às Odes Pindáricas (1656) ousa afmnar que "ti
A ênfase nas regras e nos modelos na Inglaterra deste rou, deixou de fora e acrescentou o que quis" nas suas tra-
período não significava, porém, que a arte fosse enten ducões' com o intuito de dar a conhecer ao leitor não tanto
�
�
dida como mera capacidade de imitação. Arte significava o que o autor original disse precisamente, mas antes "o seu
ordem, ao estilo elegante e harmonioso da Natureza, o ta modo e forma de dizer": Cowley defende o seu modo def
lento inato que transcendia qualquer definição e, contudo, traduzir, repudiando os críticos que (como Dryden) o clas
definia a forma acabaqa. Sir John Denham (16 15-69), sificam como 'imitação ' ; e T. R. Steiner afirma que o pre
cuja teoria da tradução - expressa no seu poema "To Sir
fácio de Cowley foi tomado como o manifesto dos "tradu
tores libertinos dos finais do século XVII".
Richard Fanshawe upon his Translation of Pastor Fido"
( 1648) e no Prefácio à sua tradução de Tlze Destntction
No seu importante Prefácio às Cartas de Ovídio (1680),
ofTroy (1656) (ver infra) - contempla quer o aspecto for
John Dryden (1631-1700) tentou resolver os problemas da
mal (Arte) quer o espírito (Natureza) da obra, desaco�se
tradução, formulando três tipos básicos:
·
'j '·
e reproduzif-ou recriar a obra .na língua de chegada. ·. .· ·:·
. r tar aos cânones estéticos da sua época. Dryden recorre à
.,' . . L...
·.: j;l':;::
.. .
metáfora do tradutor-pintor de retratos, que tantas vezes
20 i "
haveria de reaparecer no século xvm, dizendo que o pin-
As citações de Sir John Denharn, Abraham Cowley e John Dryden são
I'
retiradas de textos reimpressos na obm citada de T. R. Steiner.
. ·" i�: ..
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· �- . .
107
106
tor tem o dever de fazer com que o seu retrato se pareça O SÉCULO XVill
com o original.
Subjacente ao conceito de tradução defendido por
Na sua Dedication ofthe.Aeneis (1697) , Dryden afirma
h que ele próprio traçou e ter Dryden e Pope encontra�se outro elemento que transcende
ter enveredado pelo cru.n.j.no
ão a questão do debate entre excesso de fidelidade e lib�r
seguido "entre os dois extremos da paráfrase e da traduç
literal", mas, seguindo . os modelos franceses, actualiza
a dade excessiva, que é a questão do dever moral do tradu- f
lfugua do texto qriginal: "Fiz. os possíveis para pôr Virgí tor para com o seu leitor contemporâneo. O impulso para
lio a falar um Inglês que o próprio tivesse falado se tivess� clarificar e tomar acessível a essência de um texto condu
nascido em Inglaterra na . época presente". Vejamos um ziu a um elevado número de reformulações de textos anti
exemplo de Virgílio vertido por Dryden, os primeiros ver gos para os adequar aos padrões contemporâneos de lin
sos do discurso de Dido descrevendo os seus sentimentos guagem e de gosto. Daí a célebre reestruturação dos textos
para com Eneias na linguagem deco�osa de uma heroína de Skak:espeare e as traduções/adaptações de Racine. Na
contemporânea: · sua obra Life of Pope (1779-80), Johnson (1709-84), ao
debater a questão dos acréscimos a um texto através da
My dearest Anna! Wbat new dreams1�ght tradução, comenta que isso é certamente desejável se o
My labouring soul! What visions of Ufe night texto ganhai em elegância e nada lhe for retirado. Afirma
Disturb my quiet, and d.istract my breast
ainda que "o objectivo de um escritor é ser lido", alegando
With strange ideas of our Trojan guest.21
que Pape escreveu para o seu tempo e pa:ra o seu povo.
O direito do indivíduo a ser o destinatário de uma men
As ideias
. de Dryden sobre tradução .foram seguidas de
sagem na sua própria língua e no seu próprio ambiente
perto por Alexander Pope (1688�1744), que defende a
cultural é um elemento importante do conceito setecen
mesma via intermédia, acentuando uma leitura atenta do
original para detectar as minúcias do estilo e da forma .� · tista de tradução e está ligado à mudança do conceito de
fere à cena qualidade dramática; por outro lado, as estru significativas à medida que se alteraram também os mo
turas latinizantes que Pope utiliza reforçam a agonia da dos de codificar e descrever os processos da criação lite
expectativa, conduzindo, em crescendo, ao momento em rária. Goethe (1749-1832) defendia que toda e qualquer li
que o horror se torna visível. E mesmo esse horror é apre teratura deve passar por três fases de tradução, embora,
sentado de modo bastante diferente - em Pope, o 'Heitor sendo essas fases recorrentes, possa acontecer que ocór
divinizado' contrasta com a descrição mais longa da de ram todas ao mesmo tempo num detemúnado sistema lin- p
gradação do herói que Chapman nos oferece.22 guístico. A primeira época "familiariza-nos com os países
estrangeiros nos nossos próprios termos" . Goethe cita a
She spoke; and furious, with distracted Pace, Bíblia alemã de Lutero como exemplo desta tendência. O
Fears in her Heart and Anguish in her Face, segundo modo é o da apropriação através da substituição
Files ilirough the Dome, (the maids her steps pursue) e da reprodução, em que o tradutor absorve o sentido da
And mounts the walls, and sends around her view. obra estrangeira, mas o reproduz nos seus próprios termos
Too soon her Eyes the killing Object found,
e, neste caso, Goethe cita Wieland e a tradição francesa
The god-like Hectar dragg'd along the ground.
(�ma tradição muito depreciada pelos teorizadores ale
A sudden Darkness shades her swil1)lll.ing Eyes:
She faints, she falis; her mães). O terceiro modo, que considera o mais elevado, é
. Breath, ber
' colour flies. (Pope)
1�
o que procura uma perfeita identidade entre o texto na lín
Thus fury-like she went, gua de partida e o t�xto na língua de chegada: atingir esse
Two women,.as she will'd, at hand; and made her quick ascent objectivo implica a criação de um novo 'modo', fundindo
Up to the tower and press of men, her -spirit in uproar. Round
aquilo q';le toma únÍco o original com uma forma e estru
She cast ber greedy eye, and saw her Hector slain. and ·bound
tura novas. Goethe cita a obra de Voss, que traduziu Ho
·
T' Achilles chanot, manlessly dragg' d to the Grecian fleet,
mero, como exemplo do tradutor que atingiu este tão
Black night strook through her, under her trance took away her feet.
(Cbapman) apreciado terceiro nível. Goethe postula um novo conceito
de 'originalidade' em tradução a par da existência de es
. . :+·.:.. .
bastante generalizado, mas sofreu uma série de alterações zibilidade.
.
Mais perto do fun do século XVIII, em 1791, Alexan
.
· :·
. ' ..
língua inglesa, sobre os processos de tradução.23 Tytler es o espírito inerente toma-se mais difícil de detenninar à
tabeleceu três. princípios básicos: medida que gradualmente os escritores se viraram para o
.:::.· : debate acerca das teorias da Imaginação, longe da �terior
1) A tradução deve fazer uma transcrição completa da · .·
· \ ênfase no papel moral do artista e daquilo que Coleridge
ideia da obra original.
descreveu como a "cópia dolorosa" cujo resultado serlam
2) O estilo e o modo da escrita devem ser do mesmo apenas "máscaras, não formas respirando vida".24 f
. '
1
carácter dos do original.
a natureza essenciais da obra de arte. Porém, a dicotomia, . trouxe a noção de liberdade çriadora tomando o poeta
.
1 : r:�
antes assúmida sein <Úficuldadé,-entre a 'estrú"rura''forma( 'e j num criado:: quase místico, cuja função era fazer a poesia
·.··-=:·- -- .
. ,·
23A obra de Tytler surgiu logo depois da publicação, em 1789, de Tlze Four I
de George .Cnmpbell, da qual o v.olume I êonaém um �tudo sobre a . .. . 1� COLERIDGE, S. T. - "On Poetry and Art". Biographin Literaria, II.
. �..
... L ..
Gospefs, .
·
.. ···t ..·
teoóa e a história das traduções das Escrituras. A obra de Tytler aparece com um �
Oxford: Clarendon Press, 1907.
:
L ._, .
útil artigo introdutório da autoria de J. F. Huntsman no vol. 13 de Amsterdam I _ :u TIEGHEM, Paul van - Le Romantisme dans la littérature européenne.
C/assics in Linguistics. Arnsterdam: John Benjamins, B. V., 1978. · Paris : Albin Michel, 194ft
!-.'
i
I·
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·
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1 12 1 13
que recriaria o universo de novo, como defendia Shelley O ideal de um grandioso espúito modelador que trans
om The Defense of Poes y (1820). cende o mundo contingente e recria o universo conduziu a
As distinções de Goethe entre tipos de tradução e �s ·
... . 1 uma reavaliação do papel do poeta ao longo dos tet;npos e
t�dios numa hierarquia de avaliação estética apontam para
uma mudança de atitude relativamente à tradução, resul
I à premência de descobrir grandes indivíduos do passado
que tivessem partilhado a mesma noção de criatividaôe.
tante de U:rt:Ia reavaliação do papel da-poesia e da criativi A ideia de que, em todas as épocas, os escritores se teriam f
dade. Em Inglaterra, Coleridge (1772-1834) esboçava em envolvido no processo de repetir o que Blake designou por
Biographia Literaria (1817) a sua teoria da distinção en "o Corpo Divino em Cada Homem" resultou num vasto
tre Fantasia e Imaginação, afumando que _a Imaginação é número de traduções, tais como as traduções de Shake
a força orgânica e criativa suprema, comparada com o me speare (1797-1833) de Schlegel e Tieck, as versões de
canismo sem vida da Fantasia. Esta teoria apresenta aflni Schlegel e de Cary da Divina Commedia (1805-14) e a
dades com a teoria da oposição entre a forma mecânica vasta corrente multidireccional de traduções de obras crí: i
I
.
e a forma orgânica, concebida pelo teorizador e tradutor ticas e literárias contemporâneas em todas as l.fuguas eu l
ropeias. Na verdade, nesta época fqram traduzidos tantos
I
alemão August Wilhelm Schlegel ( 1 767- 1 845) na· sua
obra Vorleswzgen uber dramatisclif Kunst wzd Literatur. textos com um efeito seminal na l.fugua de chegada (como
(1 809), traduzida para Inglês em 1813. Quer a teoria in aconteceu com os autores alemães em Inglês e -vice-versa,
glesa quer a alemã levantam a questão de como defluir a com Scott e Byron em Francês e Italiano, etc.) que os crí
tradução: actividade mecânica ou actividade criadora? No I ticos têm-tido dificuldade em distinguir entre estudos so
·I
debate romântico sobre a natureza da traducão é visível a
. .
br_e a influência e estudos sobre a tradução propriamente
atitude ambígua de um grande número de escritores e tra- dita. A ênfase no impacto da tradução na cultura de che
dutores. A. W. Schlegel defendia que todos os actos. de gada operou de facto uma mudança de interesses, que se
(al!i e de escrit'a sãõ''actos de tradução, porque é 'dà"iiatu · afastaram dos .processós da tradução. Além disso, no prin
reza da comunicação ·descodificar e interpretar as mensa- cípio do século XIX podem determinar-se duas tendências
.. . . · . .
gens. -recebidas,
. . - .. .
e sublinhava
. .... .... ..� aind_a que a forma. do origi-
..,...... em conflito. Uma exalta a tradução como categoria do
nal deveria manter-se. (ÍJ�r ex��plo, éte própriÕ mànteve pensamento, sendo o tradutor considerado, por direito, um
nas suas traduções a terza rima de Dante). Entretanto, génio criador em contacto com o génio do original e enri-
Friedrich Schlegel (1772-1829) concebia a traduçao como ·
. · quecendo a língua e a literatura para as quais traduz. A ou
uma categoria do pensam�nto e não como umi{'áctivídade tra encara a tradução em termos da função mais mecânica
ligada apenas à l.fugua e à literatura. de 'tornar conhecido' um texto ou um autor.
J.
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114 1 15
A preerrúnência da Imaginação oposta à Fantasia con O pressuposto de que o sentido se encontra por detrás e
duz implicitamente ao pressuposto de que a tradução tem nos interstícios da língua criou um impasse ao tradutor.
de ser inspirada por uma força criadora superior para ser Eram apenas duas as saídas para esta difícil situação.:
mais do que uma actividade do quotidiano destituída do
1) A utilização da tradução literal, conce�trando-se na
espírito modelador original, o que levanta um outro pro
blema: o problema do sentido. Se a poesia for entendida ! língua imediata da mensagem; ou
i
como uma entidade distinta da lfugua, como é que pode 2) A utilização de uma J!ngua artificial derivada da �:
q
língua do texto original, por meio da qual as emo
ser traduzida se não se partir do princípio de que o tradu !�
tor é capaz de ler entre as palavras do original e, portanto, ções especiais do original pudessem ser transmitidas ..r
'
é capaz de reproduzir o texto-por-detrás-do-texto, aquilo a através da sensação de estranheza por ela provocada. 1
:·
;
tan�e ainda, com a retirada do interesse pelos processos novo da semente, ou não dará flor- e este é o peso da maldição de
Babel.26
formais da tradução, a noção de intraduzibilidade levaria
'
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V. London: Ernest Benn, 1965, p. 109-43.
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. �tr?�"
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1 16 1 17 '·'I
A teoria de Schleiermacher de uma lfugua própria para cientemente arcaicas, pejadas de peculiaridades linguís
a tradução foi apoiada por diversos tradutores ingleses do ticas, a ponto de se tomarem difíceis de ler, chegando
século XIX, como F. W. Newman, Carlyle e William Morris. mesmo a ser obscuras. Não se fazem concessões ao leitor,
Newman declarou que o tradutor deve manter, sempre que de quem se espera que se depare com a obra tal como ela
•
possível, todas as peculiaridades do original, "cuidando de l é, enfrentando, através da estranheza do texto traduzido, a
o deixar o mais estrangeiro possível".27 A função da pecu
liaridade é explicada por G. A. Simcox na recensão à tra
.! · "estrangeireza" da sociedade que originalmente produziu
o texto. A estranheza do estilo de Morris pode ver-se no
dução realizada por Morris de The St01y of the Volswzgs seguinte trecho, tirado do Livro VI da Eneida:
and Niblwzgs (1870) onde declara que "o estranho Inglês
arcaico da tradução com a dose certa de sabor estrangeiro" What God, O Palinure, did snatch thee so away
muito contribuiu para "disfarçar as discrepâncias e as im From us thy friends �d drown thee dead arnidst the watery way?
Speak out! For Seer Apollo, found no guileful prophet erst,
perfeições do original" .2s
By this one answer in my soul a lying hope hath riurse9;
William Morris (1834-96) traduziu um elevado nú
Who sang of thee safe from the deep and gaining field and fold
mero de textos, incluindo as sagas escandinavas, a Odis Of fair Ausonia: suchwise he his plighted word doth hold!29
seia de Homero, a Eneida de Verii1io, os romances fran
ceses medievais, etc. , e granjeou um considerável aplauso
da crítica. Sobre a sua traduÇão da Odisseia, Oscar Wilde
A ÉPOCA VITORIANA
escreveu que se tratava de ''uma verdadeira obra de arte,
uma transferência não apenas de língua para língua, mas A necessidade de transportar através do tempo e do
de poesia para poesia''. Apontou, porém, que "o novo es ! espaço o carácter remoto do original é uma preocupa
!
pírito acrescentado na transfusão" era ·mais escandinavo . L; .. ção recorrente dos tra�utores vitorianos. Thomas Carlyle
: .
do que grego e esta opini�o ilustra bem as expectativas
(1795-1881), que, nas suas traduções do Alemão, utilizou
que um leitor do século XIX tinha relativamente a uma
elaborad� 'estruturas dessa �ngua, louvou a profusão das
tradQção. As tr�duç�e:�. ,de Morri� . s�� �eliberada e cons-
tráduções ale�ãs. argumentando· que os alemães estuda
vam as outras nações "interpretando o seu espírito, o que
21 NEWMAN, F. W. - Homeric Translation i11 Tlzeory andPractice, 1861.
LI,_,
merece mais frequente imitação", a fun de se poder par
ln Essays by Mathew Arnold. London: O:d'ord Universit'; Press, 1914, p. 3J3-77.
� SIMCOX, G. A . - recensão in Academy II, Agosto 1890, p. 278-9. Esta ticipar de "todo e qualquer valor ou beleza" que outra·
.
·
I
citação bem como o comentário de Oscar Wilde foram tirados de FAULKNER,
P. (ed.) - William Morris. The Criticai Heritage. London: Routledge & Kegan
Paul, 1973. I l9 MORRIS, W. - The Ae11eid V. Boston: Roben Bros., 1876, p. 146.
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1 19
118
I·
I )(} 121
cultura e de educação incorporada nesta atitude contri a rima é um mero ornamento, a borda floral da sebe, e é
buiu, ironicamente, para a desvalorização da tradução. distinta da vida ou da verdade do poema. O tradutor é re
Pois se a tradução era entendida como um instrumento, legado para a posição de técnico, nem poeta nem c?men
como um meio de levar o leitor do texto traduzido ao texto tador' com uma tarefa claramente
.
definida, mas severa-
na língua de partida, 1w original, então, a excelência do mente limitada.
estilo e o próprio talento do tradutor para a escrita eram Em contraposição perfeita com esta visão de Longfel
certamente de somenos importância. Henry Wadsworth ' ' low, Edward Fitzgerald ( 1809-63), mais conhecido pela
Longfellow (1807-81) acrescentou à questão do papel do . • I
. ! sua versão de The Rubaiyat o{Omar Khayyam (1858), de
tradutor uma outra dimensão, que veio restringir a função clarou que um texto tem de viver a todo o custo "com uma
do tradutor ainda mais do que o havia feito a proposta de transfusão da nossa pior Seiva se não formos capazes de l.l
Arnold. A propósito da sua tradução da Divina Comedia reter a melhor do Original". Foi Fitzgerald o autor da cé
de Dante, e justificando a sua decisão de a traduzir em lebre a:finnação de que é melhor ter um pardal vivo do que
verso branco, Longfellow declarou: uma águia embalsamada. Por outras palavras, ao invés de
tentar levar o leitor do texto de chegada ao original na lín
O único mérito do meu livro é que ele diz exactamente o que
gua de partid� a obra de Fitzgerald procura trazer uma
i
Dante diz e não aquilo que o tradutor magina que Dante teria dito
se tivesse sido inglês. Por outras palavras, imprimindo ritmo à tra versão do texto original para a cultura de chegada como • I
dução, esforcei-me por tomá-la tão literal quanto uma tradução de uma entidade viva, embora a sua opinião algo extrema so
prosa. ... Na tradução de Dante é preciso renunciar a algo. Poderá bre a menoridade do texto original, citada na Introdução
ser à bela rima que floresce em cada verso como a madressilva que
(ver supra, p. 23), seja indicadora de uma atitude displi
adorna a sebe? Tem de ser, com vista à preservação de algo mais
precioso do que a rima, nomeadamente, a fidelidade, a verdade -
cente que demonstra uma outra forma de elitismo. A linha
a vida da sebe propriamente dita. . A tarefa do tradutor é transfe
. . individualista romântica conduziu, em tradutores como
. . ,,
rir o que o autor diz, não explicar o que ele quer dizer; essa é a ta � .' Fitzgerald, àquilo que Eugene Nida descreve �orno "espí
'
refa do comentador. O probiema do tradutor é o que o autor diz e rito exclusivista", onde o tradutor aparece como um mer
o modo como o diz.:u i.
. cador talentoso oferecendo mercadorias exóticas a· uns
I
··-· ";':"'"""'
i . quantos iluminados. .
A extraordinária concepção de tradução defendida por
As principais correntes sobre a tipologia das. traduções
Longfellow leva ao extremo a posição literal.ista. Para ele,
no extenso período que vai do capitalismo industrial e da
expansão colonial à I Guerra Mundial podem classificar
LONGFELLOW. Henry Wadsworth. Apud William J. De Sua - Dame
n
imo Eng/ish. Chape] Hill: University ofNorth Carolina Press, 1964, p. 65. '
,.se, em termos gerais, da seguinte maneira:.
!·
t
.. -- &..-
122 123
1) A tradução como actividade académica, em que a partir de F. W. Newman, expoente máximo deste tipo de
preeminência do texto de partida é pressuposta de tradução.
facto sobre qualquer versão na língua de chegada.
2) A tradução como modo de motivar o leitor inteli
OS ARCAÍSMOS
gente a voltar ao texto original.
r
3) A tradução como meio de ajudar o leitor da língua J. M- Cohen pensa que a teoria vitoriana da trad�ção .
'
de cheoada a tornar-se naquilo que Schleiermacher
'•
�
atacado por Arnold quando · c�nhou o verbo newmanizar, a mans, 1962, p. 24
·:·
· ··.··
\.''
r·:
125
A proposição ..o poeta estrangeiro teria produzido tal e tal texto se com a obra fascinante, mas assistemática, de Valéry Lar
ele úvesse escrito na minha Ungua" constitui uma especulação. baud, Sous l'invocation de Saillt Jerome. No seu estudo
Esta proposição subscreve a autonomia, mais exactamente, a · ····: so�re traduções e tradutores ingleses, Cohen ainda inclui,
'meta-autonomia' da tradução. Mas faz muito mais do que isso: in
de forma incompleta, referências ocasionais a parte da
troduz uma existência alternativa, um 'podia ter sido' ou um 'po
obra tradutória de Robert Graves e C. Day Lewis, levando
derá vir a ser', na substância e na condição histórica da nossa pró
· assim o leitor, superficialmente, até aos anos de 1950. I
pria lfngua, literatura e legado de sensibilidade.35
Muita da produção crítica inglesa sobre teoria e prática da
Deste modo, numa época de mudança social a uma es tradução na primeira metade do século XX observa a con
cala sem precedentes, o princípio da arcaização pode com tinuidade de muitos conceitos vitorianos de tradução - li
parar-se a uma tentativa de 'colonização' do passado. teralidade, arcaização, pedantismo e produção de um texto
Como afirma Borchardt, ao declarar que a tradução deve de qualidade literária inferior para uma elite núnoritária
ria restituir algo ao original: "O círculo do intercâmbio Mas essa mesma crítica volta sempre ao probJema da ava
histórico de formas que se estabelece entre as nações f� liação sem estar de posse de uma base teórica sólida que
cha-se ·quando a Alemanha devolve ao objecto estrangeiro sustente uma tal investigação. O cr�scente isolamento da
aquilo que dele assimilou depois qe livremente o ter me vida intelectual britânica e americana em conjunção com
lhorado ."36 A distância entre esta n�ção de tradução e as o pendor anti-teorético da crítica literária não ajudaram a
defendidas por Cícero e Horácio, também elas produtos de desenvolver o estud.o científico das traduções em língua
um estado em expansão, dificilmente poderia ser maior. inglesa. De facto, custa até a crer que alguns estudos te
nham sido escritos na mesma época que testemunhou o
aparecimento do Estruturalismo checo e do New Criticism,
O SÉCULO XX o desenvolvimento da teoria da comunicação,. a aplicação
·- .
'
da linguística ao estudo ·da tradução, em suma, ·o estabele�
Ao tentar condensar um vasto conjunto de materiais cimento das bases a partir das quais procederam os estu
num espaço exíguo, é sempre problemático decidir quando dos recentes sobre tradução.
dar o debate por encerrado. Géorge Steiiier terinina o seu
· Já se qatou, nos primeiros capítulos deste livro, do
segundo período da história da tradução no ano de 1946, progresso do desenvolvimento dos Estudos de Tradução,
Js
Ja
STEil\'ER, George- op. cit., p. 334.
BORCHARDT, R.- Datrte rmd Deutsclrer Dtmte, 1908. Reim. In Lefe- . .:. t;;. i
Inglês sobre tradução publicadas desd� os finais dos anos
de 1950. Seria, contucio, errado ver a primeira metade do
vere, A. op.
. cit., p. 109. L
i.
126
127
J
O artigo aparec�u in Durllam University Joumal, XLV, ·1952-3,-p. 77-93.
Ja STEINER, George - Op. cit., p.I09.
128
ria, faz algumas afirmações importantes sobre tradução. O como um conjunto de sistemas relacionados que operam
-1 .
tradutor, afirma, não deve trabalhar a partir de preceitos dentro de um conjunto de outros sistemas.· Como afirÍna
I
gerais, quando determina o que preservar ou o que confi Robert Scholes: J'
i
Cada unidade literária, desde a simples frase até à ordem global
olhando a "cada estrutura individual, seja prosa ou seja
das palavras, pode ser entendida em relação com o conceito de sis
verso", uma vez que "cada estrutura colocará a ênfase
I tema. Em particular, podemos considerar obras, géneros literários
I
em certos traços ou níveis linguísticos e não em outros". e o conjunto da literatura como um sistema dentro do sistema
Cluysenaar passa depojs a analisar a tradução do poema ;
maior da cultura humana.2
I
"Les pas", de Valéry, executada por C. Day Lewis, e chega l
I
.I
à conclusão de que a tradução não funciona, porque o O facto de muitos tradutores não perceberem que um
tradutor "trabalhou sem o apoio de uma teoria da tradução ;
texto literário se compõe de um complexo conjunto de sis
literária . devidamente. adequada." , O que Day Lewis fez, temas que existem em relação dialéctica com outros con
J\
continua a autora, foi ignorar a ; ação das partes entre juntos que extravasam as suas fronteiras levou-os fre
si e das partes com o todo, se11do a sua tradução, em quentemente_ a concentrar-se em aspectos particulares de
suma, "um exemplo de erro de percepção quanto à .I um texto em detrimento de outros. Estudando o leitor mé
forma". E propõe como remédio para tais casos de inade dio, Lotman determinou quatro posições essenciais do
quação "a descrição da estrutura dominante de cada obra I destinatário.
.1.
a ser traduzida." I
1-
· · j··. :·
1) O leitor centra-se no conteúdo, i. e., selecciona o ar
I gumento em prosa ou a paráfrase poética.
I
2 SCHOLES, Robert- Stmcmrali
1 CLUYSENAAR, Anne - lntroduction to Literal)• Srylistics. London:
versity Press, 1974, p. lO.
Batsford, 1976, p. 49
133 -'!-
-- - �
4) O leitor descobre elementos não essenciais à génese tor do século XX pela figura da paciente Griselda* consti
do texto e usa o texto para os seus próprios fins.3 tui exactamente um exemplo de alteração da percepção,
enquanto o desaparecimento do poema épico das literatu i·
i·
ras nacionais ocidentais conduziu inevitavelmente a uma
I
É óbvio que, para a tradução� a posição ( 1 ) seria com
tores, de ro leitura diferente dessas composições. A um. nível estrita
pletamente inadequada (embora muitos tradu
mances particularmente, se tenham centrado
no conteúdo .I mente semântico, uma vez que o significado das palavras
se altera, o leitor/tradutor não logrará evitar encontrar-se f 'I
à custa da estrutura formal do texto); a posiç
ão (2) parece
t
!
ões (3) e (4) a si próprio na quarta posição de Lotman se não proceder
o ponto de partida ideal, enquanto que as posíç I(
i
�e encontra guardada çomo uma relíquia. Por outras pa1a7
A quarta ·posição, ·em_ que o leitor descobre no text�
i
vras, se o texto é entendido como um objecto que só deve
elementos que sofreram uma evolução desde a sua génese,
., ...j,..
i produzir. uma única leitura invariante, qu�quer 'desvio'
é quase inevitável quando o texto pertence a um sistema
por parte do. Jeitor/tradutor será julgado . como uma trans-
cultural distante no tempo e. no espaço. A aversão do lei- .!
• Condessa de Sa1luzzo, que viveu no século XI. personagem central de
3 LOTMAN. Jurí .- Stntktura Khudozhesn•ennogo Teksta. Moscovo: ls �n lenda na qual se inspiraram Bocaccio, Petrarca, Perrault. e que é modelo de
lcusstvo, 1970. Trad. italiana: La stntttura dei restopoetico. Milan: Musia. 19?2. . VIrtudes conjugaiS. [N. T.]
4 NERUDA, Pablo - Splendor and Deatlz ofJoaqu(n Murieta, trad. Ben •• O adjectivo "naughty" significa actualmente ''maroto/a", mas tinha na
Belitt. New York: Farrar, Strauss & Giroux, 1972. época um valor hoje representado pelo adjectivo "malvado/a". (N. T.)
.
:·:[ f :f� �1�:-.
.;� Y
·.�
.' i . i
I'
134 135
I
gressão. Um tal juízo tem pertinência quando se trata de
documentos científicos, por exemplo, onde os factos são
apresentados em termos absolutamente objectivos tanto
ao leitor do texto original corno ao leitor do texto tradu
ironia nos sonetos de Shakespeare ou que ignora o modo
como a doutrina da transubstanciação é utilizada como ar
tifício de subterfúgio para a produção do manifesro anti
fascista de Vittorini em Conversazion.i in Sicilia estará a
I
I
rli
. :
revalorização do leitor. Barthes, por exemplo, vê a obra li podem perder-se se a leitura não tomar inteiramente em
'
terária como o lugar em que o leitor se toma-não tanto um . l! conta a estrutura global da obra e a sua relação com o
consumidor como um produtor do texto.5 Por seu lado, Ju . .. 'i tempo e o lugar em que foi produzida. Maria Corti resume r
'
lia K.risteva vê o leitor como expandindo o processo se . o papel do leitor em termos que poderiam igualmente ser
miósico da obra.6 Então, o tradutor traduz ou descodifica vir de advertência ao tradutor:
o texto de acordo com um detenninado conjunto de siste
i·
I
mas dissolvendo-se a ideia de uma leitura 'correcta' .. Ao I Cada época produz os seus próprios signos, que se manifestam e!ll
..·.,.. I ·
modelos sociais e literários. Logo que estes modelos se consomem
mesmo tempo, o conceito de intertextualidade, cunhado
.
"+
e a realidade parece desaparecer, são necessários novos signos
por Kristeva, segundo 9 qual tod9� os textos estão ligados
uns aos outros, pois nenhum texto se pode considerar l' para recapturar a realidade, e isto permite-nos atribuir um valor de
infonnação às estruturas dinâmicas da literatura. Vista deste modo.
completamente livre dos t�xtos que o precederam e que o I
I a literatura é ao mesmo tempo a. condição e o. lugar da comunica
I .
rodeiam, tomou-se também profundamente significativo I . ção artística entre �missores e destinatários ou público. As mensa
para o estudante de tradução. Como sugere Paz (ver supra,
I . . gens trilham o seu caminho no tempo, lenta ou rapidamente; algu
,
p. 73), todos os textos são traduções de traduções de tra
l mas mensagens aventuram-se em encontros que desfazem
' '
·: 1 ·:.
!
I . completamente uma linha de comunicação; mas, com enonne es
duções e não é possível traçar a linha que separa o Leitor
· I ·· ·· ·
forço, .outra linha se constrói. Este último fac�o é o mais significa
do Tradutor. tivo: ele requer aprendizagem e dedicação da parte daqueles que
É também b.astante evidente que a ideia do leitor como I! ' querem percebê-lo, porque a_ função hipersfgnica das grandes
trarl:utor e a enorme liberdade que esta visão confere devem
ser tratadas com muita responsabilidade. O leitor/tradutor
--· · i\��· ·· ·
!
obras literárias transforma o código da nossa visão do mundo.7
j .:
que não reconhece o materialismo dialéctico que serve de
I ·.. Assim, primeiro o tradutor lê/traduz na língua de par
fundamento às peças de Brecht ou que não reconhece a 'I",·:\ tida e, depois, através de um processo adicional de desco-
••
.. ..: ... i:'':.\':1,:. . .
•.• •.,
' BARTHES, Roland - SIZ. London: Cape, 1974. . 7 CORTI, Maria - An Introduction lo 'Lilerary Semiolícs. Bloomington;
6 KRIS'J;'EVA, Julia - Le te.\1e d11 roman. The Hague; Paris: Mouton, 1970. London: Indiana University Press, 1978, p.. l45.
j .
I .:
h .·.
l lh 137
di hcução, traduz o texto para a língua alvo. Ao fazê-lo, o pela tradução da poesia do que de qualquer outro modo li
lradutor vai mais longe do que um simples leitor do texto terário. Muitos dos estudos que passàm por investigar es
original, pois aborda o texto a partir de mais de um con tes problemas são ou avaliações de diferentes traduções de
junto de sistemas. Parece, portanto, descabido argumentar uma obra ou testemunhos pessoais de tradutores sobre o
..�
"
que a tarefa do tradutor é traduzir, mas não interpretar, modo como resolveram certos problemas.8· Raramente os
como se se tratasse de dois exercícios separados. A tradu .....:· �- ..
estudos sobre tradução de poesia tentam discutir proble- i1
..
.
' mas metodológicos a partir de uma posição não-empírica
ção interlinguística há-de reflectir seguramente a interpre
'•
tação criativa que o tradutor faz do texto original. Além e, contudo, é precisam�nte esse tipo de estudos que é mais I
original.
para 9s tradutores seguirem.
\ .
-:....: ...
: .' ... 8
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141
Nlio, eu não fiz uma tradução de Propertius. Aquele imbecil de à forma ou ao tom que ajude ao renascimento de uma nova
Chicago tomou o Homage por uma tradução apesar da referência linha de comunicação, para utilizar as palavras de Maria
a Wordsworth e da paródia ao verso de Yeats. (Como se, a alguém
Corti, anão ser que o sistema de chegada seja igualn;ente
que pretendesse ser mais versado em Latim do que de facto é, não
fosse facflimo recorrer a uma versão de Bohn para corrigir as im
tido em consideração. Com os clássicos, isso significa, em
perfeições.") 11 primeiro lugar, ultrapassar o problema da ·tradução sé
gundo um eixo vertical, em que o texto original goza de
Para Pound era clara a distinção entre as suas tradu um estatuto mais elevado do que o texto traduzido. E a
ções e o Homage, mas para os c'ríticos formados na con menos que se trate de uma transcrição literal, isso signi
cepção oitocentista da excelência da literalidade, a distin fica também aceitar a teoria de Popovic, segundo a qual no
ção era irrelevante. Pound tinha ideias muito precisas processo de tradução são inevitáveis as transformações
de referências aproximar-se-ia muito mais do de Popovic Como exemplo de que diferentes conceitos de tradu
do que do do Professor W. G. Hale.12 Pound definiu o seu ção se podem aplicar à tradução. de um autor Clássico, ve
Homage como algo diferente de uma tradução: o seu ob jamos três versões inglesas do Poem_a 13* de Catulo:
jectivo ao escrever o poema foi ala.gadamente ressuscitar.
Propertius. Foi, em suma� uma espécie de ressurreição li 13
Popovic distingue cinco tipos de transformação expressiva:
a) Transfonnação C(JTJstitutiva, que é inevitável devido às diferenças en·
terária.
tre os dois sistemas linguísticos.
Na tradução de um texto pertencente a um período b) Transfonnação genológica, descrita como "um tipo de transforma
muito remoto no tempo, o maior problema é que não só o
..... : .
ção tópica que implica uma mudança nas cnrncterísticas constirutivas
do texto enquanto género literário".
poeta e os seus contemporâneos já morreram, mas o sig
' c) Transfonnação individaal, "um sistema de desvios individuais moti
.
nificado·do poem.a no seu contexto também está morto. vados pela propensão expressiva do tradutor e pelo seu ideolecto sub
Por vezes, como acontece com a écloga, por exemplo; o. jectivo".
. . .·.
' . du.ção.
··--:.·· . ...
�
The Kenyon Reviell', XXIll (3), Summer. 19ql, p. 462-82. . .. - �. ' Convido-te, meu Fábula, ajamarbem em minha casa, Idemro de alguns
11 O Professor W. G. Hale foi um proeminentecolmbatente anti-Pound e os . . .. ··�:....·�··
Propertius.
-.,..;. .··....
�
-
Í .· :
L:
:.\
·· · : )'·
•,
l42 143
I.
cenam, 11011 sine candida puella
f
et vi11o et sa/e et omnibus cachbrnis. you'll get a swell dimzer at my house
lraec, si, inquam, attuleris, emtste nostel; a couple three daysfrom now (ifyour luck lrolds out)
ali you gotta do is bring tire dinner
cenabis bene; nam tui Catulli 1: .
atzd make it good and be sure there 's plelll)'
plenus sacculus .est arm1earum.
Oh yes don 'tforget a girl (/ like blondes)
sed contra accipies meros amores
and a bottle of wine maybe
seu quid suavius elegantiusl'e est:
And any good jokes and srories you 'e heard
110111 mlguentum dabo, quod meae puel/ae
just do that Like I te/1 you ol ' pai ol' pai
donanmt Veneres Cupidinesque,
you 'li get a swell dim1er
qttod tu cum olfacies, deos rogabis,
?
tottllll ur te facia/11, Fabu/le, naswn.
r· wlzat,
(Catulo, 13)
l' !• about,
:
(1) Now, please tire gods, Fabu/lus, you t:
i . . ME?
Slzafl dine her·e we/1 in a day or two; .
I well;
,I
But brb1g a good big dimrer, mind,
. well here take a look i11 my wallet,
Likewise a pretty girl, and wine
j'·'
yeah those're cobwebs
And wit and jokes ofevery kind. but here,
Br.fng these, I say, good man; and dine I'll give you something too
Rígllt well: for your Catullus ' purse I CAN'T GIVE YOV ANYTHING BUTLOVE BABY
Is full - but only cobwebs bears.
·
no?
Bm you witlr /ove it.self I'll dose, well lrere's something nicer anda little more c/1erce maybe
Or wlzat still sweeter, finer is, I got perfume see
· ��:i.:.
. " �.. it was a gift to HER
-:- ""::""" . . . ·
.�
i l ·'
straiglztfrom .VENUS a11d CUPID LTD.
tu/o I está cf1eia de teias de ara11ha... Imas em troca receberás Amizade pura I
·: · \ V
w/zen you get a whiffof tliat you 'llpray ti!e gods
ou uma coisa al11da mais suave e mais dÚti11ta: Idar�ze-ei do perfume que à mi·
to make you (yes you will, Fabul/us)
111Ja amada I deram as Vénus e os Cupidos, I e, qua11do 111 o aspirares, rogarás
.....�, ":.:
. ..:..:. L1 .. ALL
aos deuses I que te façam todo 11ariz. meu caro Fdbu/q, (CATULO, Caio Valé�
· ;..":7:;...·: •..
NOSE
rio - Poesias. Texto latino e versiio portuguesa por Ema Barcelos. Porto: Porto ,'• 1
145
(3) /uviting a friendfor supper Nor shall our cups make any guiltie men:
But, ar our parting, we will be, as wlzen
To night, grave sir, both my poore house, and I We bmocemly mel. No simple word,
Doe equally desire your companie: That shall be utter'd at our mirtlifull boord,
Not tlzat we tllinke us wortlzy such a ghest, Shallmake !IS sad next moming: or affright
..!
8111 that your wortlz will dignifie ourfeast, The libertie, that wee'll eu.joy to night.
With rhose that come,· whose grace may make that seeme (Ben Jonson)" f
'
Something, which, e/se, could hopefor no esteeme.
. :·
lt is thefaire acceptance, Sir, creates É óbvio que os três poemas ingleses são muito dife
The entertaimnent petfect: not tire cates.
rentes entre si; são visualmente diferentes em termos de
Yet shall you !lave, to rectifie your palate,
An olie, capers, or some better sal/ade tamanho, forma, organização dos versos e extremamente
Ushring tlze nmtton; with a slzort-leg'd hen, diferentes no tom. O que têm em comum é o que Popovic
If we can get her, fu/1 of egs, and then, designa por núcleo invariante, i. e., elementos como o
Umons, and wine for sauce: to tlzese, a com!)' · convite para jantar, o tom jocoso e temo e a declaração
Is 1zot to be despair'd of, for our money;
de pobreza. O que falta na terceira versão, contudo, e está 1:
luzd, though fowle, noHt, be scarce, yet there are clarkes,
presente no original e nas outras duas, é o elemento do
The skie not falling, thinke we may ha�e larkes. .. l
He tell your more, and lye, so you will come: elogio a Lesbia. O núcleo invariante compreende o tema e I
. i!
r
Ofpartrich, pheasam, wood-cock, of which some o tom, já que a forma e a abordagem utilizadas pelos ou
May yet be there,· and godwit, if we can: . . tros tradutores divergem bastante. Marris tentou nitida .. I
Knat, raile, and niffe too. How so ere, my man 1-
, mente produzir uma tradll:ção literal tanto quanto o permi
Shall reade a piece ofVirgil, Tqcitlls,
tem a sintaxe e as estruturas formais da rima e do metro
Livie, or of some better booke to us,
Ofwhich wee'll speake our minds, amidst our meat; inglesas, mas o método é tão redutor que no verso 10 já o
And Ile professe 110 verses to repeate: sentido se encontra obscurecido e embotada a agudeza do
To tlzis, if ought appeare, which l 11ot know of, poema. O talento de Catulo consiste em comprimir uma
That will the pastrie, not my paper; show of grande quantidade de informação numa moldura apertada,
r
. "'�-::".;':.�17�:
Digestive clzeese, andfruit there sure will·bee; .
em ·escrever um poema que é a um tempo �m convite li
But that, which most dotlz take my Muse, and mee, :·· I.
��·. :
:'' geiramente cómico a u m amigo e um elogio à ·mulher
Is a pure cup of riclz Canary-wine, r�
Wlzich is the Mennaids, now, but shall be mine:
.-:
�.-· amada. Além disso. o seu êxito depende da fa.rniliaridade
Of which had Horace, or Anacreon tasted, ,, . ... . j::...
.
: . ,• . � -=�· .
Their lives, as does their li11es, till now had lasted. • Agradeço ao meu colega Paul Merêhant por me ter chamado a atenção
Tabac�o. Nectar, or Pooly', or Parrot by; para estes exemplos.
146 147
do leitor com um conjunto de sistemas de referência - a de garantir o predomínio da caracterização do emissor so
piada sobre os deuses, por exemplo·, ou o significado do bre todos os outros elementos. A sua versão é um monó
perfume, que não dizem nada ao leitor contemporâneo. logo dramático mas, em vários aspectos, aproxima-se
Marris, porém, escolhe traduzir as palavras apesar de as muito mais do original do ·que Marris. O seu verso de
referências serem obscuras, optando por uma curiosa for abertura, Say, Fabullus, detém o impacto imediato do pn
mulação arcaica nos versos 1 1 e 12. Utiliza o termo es meiro verso de Catulo, corttrariamente à formalidade do f
sellce em vez de pe1jume, traduz meae puellae pelo ele primeiro verso da versão de Marris onde o elemento ami
vado to my lady e mantém o plural da forma Veneres zade é colocado depois de so please the gods e, portanto,
Cupidinesque embora o significado desse plural passe distanciado. As inserções e os acréscimos ao original de
despercebido aos leitores ingleses. Nos dois últimos ver Catulo são tentativas propositadas de clarificar pontos que I.
sos encontra outras dificuldades. Ao traduzir tu olfactes .i possam ser obscuros para o leitor do século XX - assim,
por sniff it, Marris altera o registo, regressando logo na o verso I CAN'T GIVE YOU ANYTHING. BUT LOVE
segunda parte do verso a uma linguagem mais polida, mas BABY visa ligar as duas partes do poema que na versão de
desta vez com todas as conotações do termo heaven (o Marris parecem tão desniveladas. P�r outro lado, a frase
termo escolhido para traduzir deo.»�em oposição a god. É VENUS and CUPID J.,TD. constitui uma tentativa de cla
rificação por outro método. Aqui, a jocosidade original
caso para nos interrogarmos sobre quais terão sido os cri
que advém da forma. plural foi transposta para outro sis .
térios de M.arris na tradução deste poema. Se ele tivesse
·:
tema de· humor em que a piada deriva da utilização dos no
querido· meramente transnútir o conteúdo do <?riginal aos
mes dos deuses num contexto desviante.
.\
leitores ingleses, ter-se-ia contentado com uma paráfrase;
Assim sendo, a versão de Copley, longe de ser uma
donde decorre que ·se preocupou em criar um poema e� I
Inglês. Marris não logrou escapar a�s escolhos que espe . . '\
I� :,:;\.
desvirtuação do original, aproxima-se em alguns aspectos
mais do poema latino do que a versão mais literal de Mar
ram o tradutor que decide prender-se a um esquema rimá- .
f
, ,· . ·. ris. Como Popovic afmnou, o facto de o processo de tra
tico muito formal na versão da língua de chegada, em pre • i,:
dução poder envolver transformações nas propriedades
juízo, como no c�o em �preço, de dotar o' poema inglê� .
. semânticas do texto não significa que o ·tradutor pretenda
de algumà força e substância. ·
sub-valorizar a força semântica do original; significa, an
. · Os critérios de Frank Copley, por outro lado, são muit�
tes, que o tradutor
claros. Centrou-se no to':ll joc.oso e coloquial do original,
na relação íntima.9ue transparece 4o poema entre o emis-· Se empenha em veicular a substância semântica do original apesar
sor e o destinatário e actualizou a linguagem na tentativa das düerenças que separam o sistema do original do sistema da
�·
·� .
.
·
149
l48
I
And, though fow/e, now, be scarce, yet there are clarkes,
tradução, apesar das diferenças entre as duas línguas e entre os
The skie notfalling, tlzinke we may have larkes
dois métodos de apresentar o assunto.14 . Il [Embora a minha capoeira esteja despovoada, se o céu não
.,_
I
desaparecer, haverá para comer pelo menos uns pássaros.]
car quando se compara o seu registo ao utilizado por Ca, A declaração de pobreza, � afeição entre os dois amigos, o ,
tulo. Afinal, Catulo era um aristocrata e a sua linguagem contraste entre o que é projectado como o jantar ideal e o
embora flexível, era elegante, e o sujeito poético de Co
1
que tenha passado relativamente pouco tempo desde que a I. tui um ex�mplo acabado daquilo q�e Ludskanov descreve
tradução apareceu, a linguagem et� tom tornaram-se quase i como transfonnação semiótica (cf. supra p. 42) ou Ja
tão longínquos quanto o original! II · kobson como transposição criativa, pois Jonson tomou o
A terceira versão não é obviamente uma tradução lite poema de Ca�lo e trabalhou a partir dele para lhe insuflar
· v·. umaHá, nova vida no contexto da Inglaterra renascentista.
. !:
mais de Catulo no tom, no humor e no registo do que qual porém, um outro elemento no poema de Jonson
quer das outras versões. Compare-se o suave gracejo
·
. . l �. .. que levanta de novo tóda a problemática da intertextuali-
'
Cenabis bene ;
. .. ·.
-- jj; e a o
[Se trouxeres isto, meu jovial anúgo,
:u J�f' e d o ser
· ..
Michael Rifaterre, no seu livro Semiotics of Poeny, ela se distanciava em termos de função. Em contrapartida,
sustenta que o leitor é a única instância onde se faz a liga grandes desvios na forma e na linguagem aproximaram-na
ção entre o texto, o interpretante e o intertexto e sugere da intenção original. Este não é, contudo, o único critério
para a tradução de poesia. Uma análise de duas tentativas
que
de tradução do· poema anglo-saxão Tlie Seafarer revela
A fabricação do sentido pelo leitor não corresponde tanto a urna um conjunto muito diferente de princípios . .Dada a exten- r
progressão ao longo do poema e a uma justaposição semi-aleató são do poema, a discussão restringir-se-á apenas a algu
ria de associações verbais quanto a um reconhecimento intenni mas passagens.
tente do texto exigido pela própria d\}alidade dos signos - não-gra
maticais como a rnimese; e gramaúcais, dentro da rede de The Seafarer
significações. u
(1) A song l sing ofmy sea-adventure,
. . ! -::.
Througlt weary• lzours ofaching woe.
ora superada ora retomada, a cada nova "significação re-
: i My bark was swept by the breaking seas; .
um
velada". É, em · sua opinião, estdiDutuação que toma ·. Bitter tlze watch from tlze boiv by niglzt
· I.
I :-: :·
poema continuamente legível e fascinante. Mas se Rifa- · As my slzip drove 011 witlzin sowzd ofthe rocks.
Myfeet were numb with the nfpping cold.
i-
·· ·
terre está certo quanto ao modo como descreve a aprox · ::
_ . _::j1f:..\
Hzmger sapped a sea-weary spirit,
mação do leitor à obra poética - e, no início 'do seu livro, And care weiglzed lzeavy upou my heart.
·::
.. .
após vá-
ele afirma que as camadas de sentido só emergem Little rhe landlubber; safe on slzore,
_
.
a ·
rias leituras -. então,' esta tese reforça o argumento contr
Knows wlzat I've suffered i11 icy seas
. .••.!1 �'.·:' •. .
Hung wirlz icicles. sfung by lzail,
u e e t i
.
Lonely andfriendless andfarfrom home.
t-
.. . :.... I ···"'�:
l '
_l__
152 153
ln all my wretchedness, weary and lone, Wlzat woe men endure in exile 's doam.
I llad 110 comfort ofcomrade or kin. Yet sti/1, even now, my desire outreaches,
Little indeed can he credit, wllose town-life My spirit soars over tracts ofsea,
Pleasantly passes infeasting andjoy, ., ' O'er the home ofthe wha/e, and tlze world's expanse.
Sllelteredfrom péril, what weary pain Eager. desirous, the lone sprire retumeth;
Often /'ve suffered inforeign seas. . Ir cries in my ears and it urges my Jzeart
To the patlr ofthe wlzale ·and tire plunging sea.
f
Night shades darkened with driving stiOW
From thefreezing north, and the bonds offrost (Cbarles W. Kennedy)
Finn-locked the land, whilefalling hail, . : . T11e Seafarer
Coldest ofkentels, encrusted earth.
Yet still, even tiOW, my spirit witllin me (2) May Ifor my own self song's rrnth reckotl,
Drives me sea-ward to sai! the deep, Joumey's jargon, how l in harsh days
To ride the long swell of tlte salt sea-wave. Hardship endured oft.
Never a day but my lleart's desire Bitter breast-cares lzave I abided,
Would lazmch me forth on the long sea-path, lúzown on my keel many a care's hold,
Fain offar harbors andforeign shores. And dire sea-surge, and there I oft spem
Yet lives no man so lordly of mood, Narrow nightwatch nigh the shi p 's head
So eager in giving, so ardent in Yc*ttll, Wlzile slze tossed close to cliffs. Coldly afJJ.icted,
So bold itz his deeds, or so dear to his Iord, Myfeer were by frost benumbed.
Who isfree from dread itz hisfar sea-trave/, Chill its clzaitls are; chaftng siglrs
Orfear of God's purpose a�zdplan for l!is fate. Hew my lzeart rormd and lzunger begot
The beat ofthe l!arp, and bes.towal oftreasure, Mere·weary mood.' Lest man lmow not
The /ove ofwoman, and wnrldly llope, Tlzat lze 011 dry land loveliest liveth,
Nor other interest can lzold his heart List how I, care-wretched, on ice-cold sea,
Save on.Iy the sweep ofthe surgit!g billows,· Weatlzered the winter. wretched olllcast
His heart is harmted by love oft!Je sea. Deprived ofmy kinsmen,· ·
Trees are budding and towns areJair; Hung wirh lzard ice-flakes, where hail-scurjlew,
Meadows kindle and all life quickens, There. l heard nauglzt save the harsh sea
All tlzings Jzasten tlze eager-lzearted, And ice-cold wave, at wlziles the swan cries,
Wlwjoy therein, . to jounzey afar, Didfor my games the gamzet's clamour;
TI4ming seaward to distant slzores. Sea-fowls' loudness wasfor me lauglzter,
Tlze cuckoo stirs !ri
m with plaintive call, Tlze mews' singing a,ll my mead-drink.
Tlze lzerald ófsumm·er; with moumfal song;. . Stonns, on tile stone-cliffs beaten, fell on the stem
Foretelling tJ�e-sorrow that stab.s the heart. ln icyfeathers; full oft the eagle screamed
Wlzo livetlr in (UXlt')� little lze I...710WS With spray on lzis pinion.
l
154 155
Not any pmtector Over tile whale 's acre·, would wander wide.
May make merl)' man faring needy. On earth 's shelter cometh oft to me,
This he litt/e be/ieves, who aye in winsome life Eager and ready, tlze cry•ing lone-jlye1;
· . :.. ·,· r.:. •
Nor any whit e/se sae the wave 's slash, Delight 'mid the dotighty,
Yet longing con!es upon hirn tofareforth· Oll the water Da_ys little durable,
Bosque taketh blossom, cometh beauty ofberries, And ali arrogance of eartlzen riclzes,
Fields toJaimess, landfores briske1; There come now rw kings.nor Caesars
Ali this admonisheth ma11 eager ofmood, Nor gold-givbzg lords like tltose gón�.
The heart tums to trave/ so tizat /ze then thinks Howe'er in 1'fzinh most magnified,
. . ... ...-·: ,
On flood-ways to be far departing. Whoe er lied in lije most lordliest,
: .·
. ..
Cuckoo cal/eth with gloomy crying, ...•.---��'!·,-r.·;.�·�':<f-··..� . Drear.a/1 tlzis e:cistence, delights undurable!
. .. -::. :�·:·: .
. .. . ....
He singeth summenvard, bodeth sorrow, ... Waneth rire warch, but the wor/d holdeth.
17ze bitter heart's blood. Burgher knows not Tomb hidetlz trouble. The blade is layed low.
He tlze prosperous man - what some perfonn , . ' . ' .
Earthy glory ageth ·and seareth.
WTzere wander.ing theni· widest drawefh. . . .. � ..:..���.S1f�: No mtm at ali going tire earth 's· gait,
So that but now my heart burstfrom my breastlock, Btit age fores agalnst· liim, his face paleth,
My mood 'mid the mere-jlood, Grey-haired he·groaneth, 'knows gane companions,
.
•· .. ':
•
'
.�: �'J.
r
I I.
156 157
I
I I
l '
Lordly men, are to earth o 'ergiven. no corpo do texto por fonna a retirar todo e qualquer pos : �
-
Nor may he then the jlesh-cover, whose life ceasetlz, sível significado cristão. Assim, nos versos 73-81 da ver
Nor eat the sweet 1torfeel the sorry, i
são de Pound lê-se:
Nor stir hand nor think in mid heart,
And tlzough he strew the grave with gold.
His bom brotlzers, tlreir buried bodies And for this, every earl whatever, for those speaking after -
·
·.
poema. Qualquer tradutpr deve, antes de mais, decidir o ever and eV"er, the joy of life eternal, delight amid angels.16
que constitui a estrutura glob� (i. e., se deve ou não omi
tir as referências cristãs) e, depois, dec�dir sobre o que fa- · . .. Dest_e modo, deofle togeanes [contra o demónio] é
•
,Ô a oo
. ::.:·- .
zer ao traduzir um tipo de poesia que· depende de uma sé-· omitido no verso 76; mid englum [entre os anjos] fica mid
rie de códigos inexistentes na língua de ·chegada. · ,
.. ,
.
_ _ the English [entre os ingleses]; dugepum [anfitriões de
A tradução realizada por Kennedy_ limita-se aos pri anjos] fica the doughty [os valorosos]. Numa alteração de
meiros 65 versos de um total de 1 os·; pq� out;ro ���o,. a tra alcance ainda maior, a traduÇão de eorl [ho.mem] por earl
.
dução feita por Ezra Pound compreende 101 versos e,
tendo omitido a conclusão, foi obrigado a .fazer alterações 16 Trad. R. K. Gordon- Anglo-Saxon Poetry. London: Dent. 1926.
· r
· ,-::.::
:
158
[conde] acaba por centrar o poema de Pound no sofri Existe um vasto conjunto de bibliografia sobre a
159
ques
I
I
i
!
mento de um indivíduo superior e não no sofrimento do tão da exactidão da tradução de Pound e seria possível in i
.
propositada tradução de gifre [insatisfeito] pelo· termo visual do original
mais .positivo eager [ávido] (que Poui_?-d .?.()pia) �tera o . . ·'
·,
r pela manutenção
:.
!·:·
.
da cisão do verso em
): .. .
equilibrio d9 poema favorecendo a imagem do Seafarer
duas partes.
como uma personagem activa: ' .,
(2) llusão de preservação do Tentativa de preservar o
acento anglo-saxónico através acento original mesmo à
·. .
. . . . :. � ...
·
.·.
.. . .
·
.
:
_:
. . . ,i•.;.
. ,
..·. �·.
.
. . -��;·�{�: .
161
160
Alguma inversão e algumas (9) O poema tenta criar o 'sabor' O poema não tenta
(4) Tentativa de arremedar a
palavras compostas. do verso anglo-saxónico propositadamente reproduzir
inversão da sintaxe
germânica., as palavras Ex.: sea-wave; eager-hearted. através do artificio da o •sabor' anglo-saxónico.
I1..
r�rodução dos sons do
sons do original.
original.
construção de um outro poema com um sistema de signi
ficação próprio. As : suas traduções baseiam-se na inter
(7) Poema concebido como Poema concebido como o
pretação que cada um faz ·do original e na configuração
estudo de um indivíduo ): ·
não-cristão. �nfase nos
valores da força e da exilado. Não se tentam F dessa interpretação.
tempo, espaço e valores. contemporâneo. Verse Fonn. ln HOLMES, Jam�· (ed.) - The Nature ofTranslation. The Hague;
Paris: Mouton, 1970.
162 163
I
llngua do poema por poema volvidas na tradução de poesia quando existe uma distân
cia demasiada, em termos de tempo e de espaço, entre as
Ensaio critico noutra Poema acerca de
I culturas de partida e de chegada. Todas as ·traduções re
�
llngua outro poema
flectem a leitura, a interpretação e a selecção de critérios f
" Il
operadas pelos tradutores individuais e detenninadas pelo
Tradução de poesia
(metapoema) ,·••Il
,. .. .açã conceito de função quer da tradução quer do texto origi
o
nal. Pelos poemas analisados, vê-se que nalguns casos a
Interpretação
Poesia modemização da linguagem e do tom foi prioritária en
quanto noutros a característica donúnante foi a arcaização
propositada. O êxito :ou o fracasso destas tentativas é dei
A tradução de poesia situa-se .no ponto axial onde vá
xado ao discernimento do leitor, mas o recurso a diferen
rios tipos de interpretação se interseccic;mam com vário_s Ú!s métodos serve para realçar a ideia de que não há uma
tipos de imitação e d�rivação. O tradu��r continua a pro única maneira certa de traduzir um poema tal como não·há
duzir 'novas' versões de um d�d5l texto, não tanto para uma única maneira certa de o escrever.
aÚngir u�a 'tradução perfeita' ideal, �as porque cada ver- . 1 Até aqui a discussão limitou-se a sistemas longínquos
. - 1· ·
•
Vallone, 20 April 1917 usar normas da língua italiana numa estrutura linguística
Un'altrn notte, inglesa. Acontece, assim, que a força do original de
ln quest'oscuro pende da regularidade da ·ordem vocabular e a do texto
colle mani
gelate '] inglês
O
depende da estranheza.
problema da configuração espacial· é particulir
distingue
.,... . i� ' mente difícil quando se trata de verso livre, pois a confi- f
l1 mio viso . 'i
Mi vedo
. guração _tem ela própria significado. Para ilustrar este
.r
I
I
facto, se tomarmos a �élebre frase sem sentido de Noam
·
·
abbandonato nell'infinito
l
Chomsky - Colourless green ideas sleep furiously [As
Também típica de Ungaretti é a configuração espacial do
i
I
ideias verdes sem cor donnemfuriosamente] - e a confi
que
poema, uma parte intrínseca vital da estrutura global, gurarmos da seguinte forma:
i
tica
interage com o sistema verbal para construir a gramá
especial do poema. Assim, a configuração espaci al é
.. " . ·: . i : :�
my face '··
acrescentaria uma ideia e o sentido global derivaria da as
r
·
1 see myself I see myself · : sociação de elementos ilógicos numa estrutura regular
: ·;_"J,L-�: :: ::
.
1: •
. .
--- - :-- rY
. ::, rlf(:
_
·
;:
�� .
; :" �Y�,
166 167
optam por traduzir distinguo por make our, o que altera o n�utro." Sustenta, contudo, que, graças a urna das grandes
. �. .
registo em Inglês. O último verso do poema, propositada conquistas da investigação semiótica recente, esta visão já
mente mais extenso na versão original, também resulta � ... não é aceitável uma vez que, de acordo com o conceito de
mais extenso nas duas versões, observando-se aqui, con intertextualidade, todo o texto é em certo sentido uma tra-
•
tudo, uma grande divergência entre as duas. A versão B dução:
' ;
!
mantém-se próxima do original ao reter o derivado do La
tim abandoned em oposição ao termo anglo�saxónico Todo e qualquer texto é um conjunto de d,etenninadas transforma- f
ções de outros textos, precedentes e circundantes, dos quais pode
adrift da versão A. A versão B mantém o termo ilzfinite,
-
que na versão A é uma estrutura mais elaborada ilzfinite
até não estar inteiramente consciente; o poema constrói-se dentro
desses outros textos, contra eles e percorrendo-os transversal
space, uma opção que acrescenta também um elemento de
mente. E estes outros textos são, por sua vez, tecidos com ele
rima ao poema. mentos textuais pré-existentes, cujo momento primordial de 'ori
A aparente simplicidade do poema italiano, com as
·. J
i gem' nunca poderá ser lobrigado. •a
suas imagens claras e estrutura simples, esconde o rec�uso
calculado ao que os Formalistas Russos designaram por
ostranenie, f
isto é, tornar estraç. o, ou conscientemente ..j
J O
tradutor pode, portanto, libertar-se das restrições
impostas pelas copvenções que regeram a traduÇão
.
. ·
em di-
· ·
adensar a linguagem de uma obra individual por forma a ; ferentes momentos da História e tratar o texto
.
-
mtensi:ficar a sua percepçao (cf. 11ony Bennet, Ro1�nazzsm
· . . iF/:,.
responsa-
velmente como o ponto de partida para o metatexto
ou a
. Ir ; ,
and Mm.xism. Londres, 1979). Nesta perspectiva, a versão· : ,· / leitura-tradução (uma leitura interlinguística), uma vez
A, gue vai em busca da 'normalidade' d�s estruturas lin- que, como se deduz dos exemplos · acima analis
ados, 0
·:. · '
•· J2:
guísticas .usadas por Ungaretli, perde muita da força da-- · processo de tradução activa diferentes critérios, e todos
quilo que Ungaretti designa por 'imagem verbal'. Por outro envolvem necessariamente transformações expressivas
à
·
.
'l
lado, a versão B opta por um registo mais elevado, recor- medida que o tradutor. se esforça por combinar a
sua lei-
· �
rendo . a artifícios retóricos como a inversão da estrutura 1. �·�
". f\� ·
tura pragmática com os ditames do sistema cultur
frásica e a utiliz�ção do vocábulo derivado do Latim no úl- ·. ..
chegada O leitor pode não gostar da versão que
al de
. . '':·tti.t · ' ·
... Frank
. : '1 :{.
timo, longo verso, para, por outra via, adensar a linguagem � Copley criou de Catulo, muito ao estilo dos anos de 1950
· · J:-
Num breve, mas muito útil, artigo sobre tradução, . ou do arremedo que Ezra Pound faz da poesia
anglo-saxó-
Terry Eagleton observa que o debate se tem centrado na . · nica ou da versão levemente empolada que ToiQlinson
. . . ....:. !�\:..
faz
noção de que o texto é u.m determ.Plado dado "centrando; .
' r >.
-se então a controvérsia em determinar que operações (li- -
, M�; .
11 EAGLETON, Terry Translation and Tran'sfonnation. Stand, 19 (3),
vre, literal, recriativa) são necessárias para o transformar .. : .
p. 12-7.
.
Jl.
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168 169 r
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i fm a l'ora estrema?
se non star seco n (Surrey)
ché bel �n fa chi ben amando more.
(Francesco Petrarca)
r�r· . .. .
Quando comparados os três sonetos, o aspecto mais
impressionante diz respeito ao grau de variação entre eles.
1
170 171
vide-se de forma sinúlar, mas o esquema rimático varia: momento?, acrescentando, no último verso, que aquele
a b b a I a b b a I c d c I c d d, o que serve para isolar os dois que morre amando acaba bem.
últimos versos. O poema de Surrey varia ainda mais: a b a b No poema de Petrarca, o Amante apresenta-se como
I c d cd I e c e c I f f e constitui-se em três conjuntos de túnido, respeitoso e subordinado, quer aos desejos da Se
quatro versos em crescendo até à parelha fmal. O signifi nhora quer ao comando do Amor. Não é o sujeito, mas sim
cado destas diferenças de forma torna-se claro a uma lei o objecto da acção, e a estrutura do poema - com uma f
tura atenta de cada soneto. .,
única utilização da primeira pessoa do singular da forma
O soneto de Petrarca começa com um conceito: o verbal, no fmal do poema - reforça essa imagem. O último
Amor, mestre e senhor do coração do sujeito poético (o verso, uma elaborada expressão verbal, enfatiza as virtu
Amante), é representado como um comandante militar des da passividade, ou melhor, do tipo de amor passivo
que coloca as suas insígnias no rosto do Amante assim se que é encomiado ao longo do poema. Não basta, todavia,
tomando visível. A frase formada pelos primeiros quatro considerar este poema isoladamente; ele deve · Ser enten
versos começa com a palavra Amor e termina com Amor dido como parte do Canzoniere de Petrarca e,. portanto,
mostrando as · suas cores. Nos quatro versos seguintes há em articulação com os outros poe�as da colectânea, atra
uma mudança de perspectiva, �ntrando-se agora sobre vés de estruturas linguísticas, imagens e um padrão central
Quella eh 'amare e sofferir me 'nsegna [Aquela que me en : "' de configuração. Além disso, a atitude expressa pelo
I
� .
sina a amar e a soft·er]. De novo os quatro versos formam Amante neste poema (que se articula com a visão, vigente
. .
� .
doeth harbour" [habita o meu pensamento]. É na versão de Amante formula o ideal alternativo de uma vida boa. En
Surrey que a linguagem militar predomina; em Wyatt, a contramo-nos já no mundo da politica, do indivíduo mo
terminologia do combate fica reduzida a uma terminolo vido pela garantia da sua sobrevivência, muito loq.ge do
gia cerimonial. No segundo conjunto de quatro versos, há mundo petrarquiano da pré-Reforma.
outra transformação importante: no soneto de Petrarca a A tradução de Surrey mantém a linguagem militar âo
Senhora está descontente com a audácia do Amor e do texto original, mas vai bastante mais longe. O Amante é f
Amante (di nostro ardir) enquanto em Wyatt a Senhora "captyve", e ele e o Amor combateram frequentes vezes.
está descontente "with his bardines". Na descrição da fuga Além disso, a Senhora. não se encontra numa posição ina
do Amor, Wyatt cria a imagem de "the hertes forrest" e, cessível, zangada pela exposição do Amor. Ela já está con
optando por substantivos ("with payne and cry") em vez quistada e apenas est.á descontente por aquilo que parece
de verbos: suaviza a imagem de humilhação total e abjecta ser um fervor excessivo. Petrarca refere desio e spene [de
pintada por Petrarca. sejo e esperança], mas Surrey apresenta a p�ão em ter
É nos últimos versos que se torna nítida a distância mos físicos. Quando a Senhora muda "her smyling grace"
que separa Wyatt de Petrarca. Em Wyatt, o Amante faz para o descontentamento, o Amor (oge, mas a sua fuga é
uma pergunta que realça mais a syt coragem e boas inten decididamente condenada pelo Amante. O "Amor co
ções do que a sua impotência. A expressão italiana te barde" (Coward lo.ve) foge e na protecção do coração
mendo il mio signore contém uma ambiguidade (ou é o j.
"doth lurke and playne". No último verso do terceiro con
!
Senhor que receia ou o Amante que receia o Senhor ou, junto de quatro, o Amante afirma claramente que é "ino
muito prova'.'elrnente, ambos); em Wyatt, a afirmação é .: . cente" (jawtless) e que sofre por causa da "culpa do seu
;
(
inequívoca: "my master fereth".. O último verso, "For .. . senhor" (my lordes gylt). A decisão de dividir o poema em
good is the liff, ending faithfully", fortalece a imagem de três conjuntos de quatro versos pode ver-se como uma re
nobreza do Amante. Enquanto em Petrarca o Amante pa: configuração do material. O poema não avança em cres
rece descrever a beleza da morte através do amor cons cendo para uma pergunta e para um último verso sobre as
tante, em Wyatt o Amante sublinha as virtudes de uma boa virtudes éie morrer amando bem. Em vez disso, tennina
vida e de um final fiel. O que transparece do poema de com dois versos em que o Amante afirma a sua detemú
Wyatt é. o retrato de um Amante activo, corajoso e fiel, nação em não abandonar o seu culpado senhor mesmo que
j:'
para quem a expressão do amor e do descontentamento da· tenha que enfrentar a morte. A voz do. poema não se dis
Senhora não se esconde de modo nenhum em termos rrú ...L..
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' tingue da voz do Amante, e a ênfase no Eu, já presente no
1:
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I
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174 175
que há uma nítida identificação com a posição do Amante prosa literária. Uma explicação para este facto poderia ser
contra o mau comportamento do falso senhor Amor. o estatuto mais elevado da poesia, mas é mais provável
As duas traduções inglesas, produtos de um sistema que tal se deva à errónea noção generalizada de qu� o ro
sócio-cultural imensamente diferente do da época petrar mance é, de certa forma, uma estrutura mais simples do
quiana, ajustam subtilmente (e às vezes não tão subtil que o poema e, consequentemente, mais fácil de traduzrr.
mente) os padrões estruturais e os padrões de significado Além disso, abundam os testemunhos dos poetas-traduto- f
do texto original. Na tradução de Surrey, as transforma res relativamente à metodologia utilizada, não sendo tão
ções são de tal ordem que parece que ele não apenas tra frequentes os testemunhos dos tradutores de prosa. Con
duziu, mas propositadamente repudiou, os elementos do tudo, como já ficou demonstrado, há muito a aprender so
texto original que não aprovava (por exemplo, a passivi bre a determinação dos critérios que levam à realização de
dade do Amante, a insondável hierarquia que coloca o uma tradução.
Amante no degrau mais baixo da escada). Esta posição Durante muitos anos utilizei um exercício concebido
não teria cabimento numa sociedade que via como dese para descobrir como é feita a abordagem da tràdução de
jável o movimento de ascensão social. Mas no caso das um romance. Os alunos são convidados a traduzir um ou
traduções de Wyatt e de Surrey, � como na .tradução do mais parágrafos de . abertura de ilm romance qualquer e as
poema de Catulo realizada por Jonson, os seus contem traduçõ-es são depois discutidas e comentadas em grupo. O
porâneos tê-las-iam lido activando um conhecimento que este exercício .tem demonstrado, vezes sem conta, é
prévio do original, e as transformações que têm sido con que os alunos' começam frequentemente a traduzir um
denadas ao longo de gerações como tendo roubado algo ·texto que não leram previamente ou que apenas leram �ma
a Petrarca teriam tido uma função muito diferente nos vez, algum tempo antes . .Em suma, os alunos abrem o
círculos da intelectualidade culta do tempo de Wyatt e ·texto órigfnal e comeÇam pelo princ(pio, seni terem em
Surrey. conta de que modo ele se articula com a estrutura global
da obra.. Como vimos, sena inaceitável iniciar_ a tradução
· de·u m poema deste modo. Esta diferença é significativa
A TRADUÇÃO DA NARRATWA porque ela mostra que, quando o texto :em caus·á é um ro
mance, prevalece. uma concepção d.ifeJ;ente acerca da dis
. . Se no campo da tradução de poesia tem havido um ex.:.
tenso debate, o mesmo não tem acontecido no.que respeita
\. _ "
....... ..... .·L '
.. \· -:.�'..,·.· :�.:·...
.
.
. tinção imaginária entre forma e cont�údo. ·Parece que é
. mais fácil para o. incauto tradutor d� prósa c'onsiderar a
aos problemas específicos levantados pela tradução da
· .· r:- forma e o conteúdo como instâncias separáveis.
l
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'
l76 177
Como exemplo do que pode acontecer quando o tra uma marcada presença do narrador, e o mundo aqui repre
dutor acentua o conteúdo à custa da estrutura global, ob sentado partilha grandes afinidades com aquele que o lei
serve-se o seguinte extracto, a abertura de uma tradução tor apreende como o seu próprio mundo racional. .
inglesa da obra de Thomas Mann A Mollfanha Mágica: O problema desta tradução toma-se visível quando se
' compara com o texto original em Alemão e se mede a dis
l
An unassurning youog man was travelling in rnidsummer,
i- tância entre o texto original e o texto traduzido. O ro- f
from hls native city of Hamburg to Davos-Platz in the Canton of l
I
mance de MaiUl começa assim:
Grisons, on a three week's visit
From Hamburg to Davos is a long joumey - too Jong, indeed,
Ein einfacher junger Mensch reiste im Hochsommer von
for so brief a stay. It crosses all sorts of country; goes up hlll and
Hamburg, seiner Vaterstadt, nach Davos-Platz im Graubundis
down dale, descends from the plateaus of Southem Germany to chen. Er fuhr auf Besuch fur drei Wochen.
the shores of Lake Constance, over its bounding waves and on Von Hamburg bis dorthinauf, das ist aber eine weite Reise; zu
across marshes once thought to be bottomless: weit eigentlich im Verhaltnis zu einem so kurzen Aufenthalt. Es
(tr. H. T. Lowse-Port�r) •• geht durch mehrerer Herren Lander, bergauf and bergab, on der
í
I suddeutschen Hochebene hinunter zum Oestade des Schwabis
jf.i\
Esta acelerada e enérgica p�sagem, que consiste em chen Meeres und zu Schiff uber seiné springende Wellen hin, da
�
três frases com quatro verbos de cção e movimento, ar r· hin uber Scblunde, die fruher fur unergrundlich galten.
: . hi
rasta o leitor directamente para dentro da narrativa. Os
acertados ponnenores da viagem e a duração da estada a Nesta passagem de abertura, é dada ao leitor uma série de
;· ·
'
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pistas que lhe fornecem a chave de alguns dos códigos ac
que se propõe o jovem ajustam-se ao juízo · de valor do
·. .
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tivados ao longo do romance. O romance não se restringe,
narrador acerca da brevidade da visita. Em sunia, o que
obviamente, às limitações do mundo real e representa a
aqui se nos aprese�ta é uma abertura descritiva forte, com .
, ...
luta ideológica entre . opostos dramáticos co.i:no saúde e
�. 1f
outrora considerados insondilveis. (MANN, Thomas - Montanha Mdgica. Trad: simbólica através de uma nação; a viagem como metáfora
. .· ·
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p. .
.. . ��/·
.
de Herbert Olro. Lisboa: Livros do Brasil, s.d, 7 ) [N. T.] ·
· · · . ::." ·.':;::;- ::
•• Agradeço ao meu colega Tony Phelari por terchamado a minba atenção
da demanda na qual o leitor está prestes a embarcar. Além
, . , :··. -K
para este exemplo.
. , r-�,-.
::
disso, na descrição da viagem Mann recorre propositada-
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T
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178 179
i
'
i.
O texto italiano é constituído por cinco frases. As pri quial que começam por 'So it cont
inued' e 'ln tlze end'.
meiras duas abrem com referências temporais - il primo di Mas a junção de duas frases originais
numa única e longa
giugno situa o começo da narrativa numa data determi frase, criando uma estrutura pesada,
acaba por provocar a
nada; il due di giugno abre a frase que desenvolve a afl.r perda do movimento representado no
texto original. Os.in
mação abrupta inicial e conduz o leitor no tempo. A ter finitivos arrivare e tom re tomaram
� -se ein elapsed to �
ceira frase volta a abrir com uma referência temporal
e i[ petroliof
plunge back, a frase attraverso l 'olio di oliva
agora caracterizada pela primeira palavra em registo colo- foi expandida (mas nem por isso ficou
mais clara em a )
quial cosi e avança ainda mais no tempo futuro, por se- · . centwy which included tlze age ofoil and that
ofpetrol. O
manas e meses. As últimas duas frases abrem ambas com termo era introduz uma nota discordan
te, a inversão
da úl
locuções verbais de movimento: per anivare e per tor- tima parte da frase provocou a perd
a de todo o impacto
nare, que resumem a ideia exposta no parágrafo de aber- das últimas palavras do original e
a introdução do pro
tura sobre o movimento lento da evolução tecnológica �
nome essoal us torna ainda mais inco
ngruente a mudança
comparado com a velocidade com que essa tecnologia de registo entre as quatro primeiras
frases e a última.
pode ser abandonada. A linguagem deste parágrafo é, as-
I Houve, certamente, uma tentativa
·:· .de estabelecer packões
J
·
sim, enganosamente simples e �tom quase coloquial ca- d� repetição no texto inglês (por exem
plo, a repetição de
l . :. era e de century); porém expressões como
mufla uma passagem densamente retórica, cuidadosa-
· _ clzialV di /una
mente estruturada em crescendo até ao clímax e utilizando
l'::·. e luce elettrica não lograram uma
tradução consistente.
j ::-
uma série de padrões de repetição (por exemplo, as várias Em suma, com tantas incongruênci
as, é difícil perceber
expressões temporais, outras como illuminazione elet-. _
. k. · 1 ;- quais os critérios subjacentes à trad
por outro lado, é bem visível é que
ução inglesa. O que,
F�
n·ica, luce elettrica,_ chiara di Zuna, etc.). os tradutores inoleses
b
· nao
- deram a atenção devida à função dos
A tradução inglesa não manteve o padrão de cinco fra_-:
. ';'.·;· · artifícios estilís-
. ·- : -r::�-�-·�
·
·
ses, iniciadas quer por uma locução temporal quer por-u� ticos usados por Silone.
· · D�s�nvolvendo o conceito de Rom
verbo de movimento. Em vez disso, a segunda frase rea� · �- · an Ingarden dos
liza uma inversão colocan�o as locuções temporais no fim - . --:' T5,:
---; · 'con-eJat�s �tencio nais da frase', que constituem o mundo
presente no texto literário,19 Wolf
- uma opção que se enquadra no modo estilístico da lín- gang Iser observa que
gua inglesa - e as outras três frases são formadas divi.:.
. . 11 ;-;:
dindo urna fra&e original em duas e juntando 9'-ln-as duas · :·: ·.-.-.--.··J::�..;.; ··
I
. :� ·
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ti � ------
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i
183
182
como partes integrantes de uma estrutura global. Para usar entanto, em não considerarem o modo como cada frase faz
a terminologia de Popovic, as vdt\ões inglesas exibem vá parte de uma estrutura global. E, ao apontar esta deficiên
1
1.
cia, que é antes de mais uma deficiência de leitura, creio
1
rios tipos de tra1lsfonnação negativa envolvendo:
que mais do que ajuizar deste ou daquele trabalho indivi
Ç
I
1. tradução inexacta da infom1ação; !
í
dual, tenho em miia toda uma área da tradu ão que precisa
2. 'sub-interpretação' do texto original; I de ser exarnmada.
i HiÍaire Belloc 21 delineou seis regras gerais para o tra
3. interpretação superficial das conexões entre os cor I.
l ;.: · dutor de textos narrativos:
relatos intencionais. i ·.·
:w ISER, Wolfgang - TIJe fmp/iet!Reader. Baltimore!London: The Johns 21 BELLOC, Hilaire- On Translation. Oxford: The Clarendon Press, 1931.
Hopkins Press, 1974, p. 277.
L84 185
2) O tradutor deve traduzir expressão idiomática por cia nas duas línguas, mas que realmente não têm,
expressão idiomática "e as expressões idiomáticas como por exemplo, o verbo francês demaúder (per
requerem, por natureza, uma · tradução para uma guntar), erradamente traduzido para Inglês por to
forma diferente da do original". A este propósito, denzand (exigir).
Belloc cita o caso da expressão grega "Pelo Cão!"
5) Belloc aconselha o tradutor a "transmutar ousada
que, se traduzida literalmente, resulta simplesmente
mente", sugerindo que a essência da tradução é: "a ;
cómica em Inglês ["By the Dog!"] e sugere que a
ressurreição de um objecto estranho num corpo na
expressão "By God!" é muito mais adequada. Do
tivo''.
mesmo modo, continua Belloc, o presente histórico
francês deve traduzir-se em Inglês pelo passado e o 6) O tradutor nunca deve embelezar.
si�tema francês pelo qual se defme uma proposição
colocando-a na forma de uma pergunta retórica não As seis regras de Belloc contêm questões de técnica e
pode ser transferido para o Inglês, onde o mes.mo questões de princípio. A sua ordem das prioridades é um
não se aplica. pouéo curiosa, mas fica bem acentuada a necessidade de o
tradutor considerar o texto narrativo como uma entidade
3) O tradutor deve traduzir '1kJ._tenção por intenção", ,,
estruturada, tendo sempre em conta as exigências estilísti
tendo em mente que "a intenção de uma frase numa
cas e si,ntácticas da língua de chegada. Belloc reconhece
'
t:
'
I
teral na LC. Na tradução da 'intenção' é frequente
aquele que é talvez · o problema central do tradutor de
mente necessário acrescentar palavras que não esta
ginal em nome de uma "conformidade
prosa: a dificuldade de determinar unidades de tradução.
É· evidente que o texto, numa relação dialéctica com ou
J
vam no ori
com o espírito da língua''.
tros textos (ver inte11extualidade, supra p. 134) e situado
�i I
. .
4) Belloc alerta contra os falsos amigos, aqueles vocá- num contexto · histórico específico, é a unidade principal.
bulos ou estruturas que parecem ter correspondên- Mas se o tradutor de poesia pode mais facilmente dividir
r
,
,.
. ,
186 187
o texto em unidades traduzíveis, como versos, estrofes, es- tem atormentado gerações de tradutores. A recente tradu
- tâncias, o tradutor de prosa enfrenta uma tarefa bem mais ção, por Cathy Porter, da obra Love of Worker Bees, de
complexa. É certo que muitos romances se dividem em . ·. Alexandra Kollontai, contém a seguinte nota:
capítulos e secções, mas, como Barthes demonstrou com
a sua metodologia dos cinco códigos de leitura (ver S/Z, Os russos rêm um primeiro nome (o nome de baptismo), um po.
discutida por T. Hawkes tronfmico e um apelido. Normalmente trata-se uma pessoa pelo
f
- Structuralism and Semiotics.
seu primeiro nome mais o patronímico: Vasilisa Dementevna, Ma-
Londres: 1977), a estrutura de um texto narrativo não é de
ria Senienovna. Há ainda abreviações mais íntimas dos primeiros
modo nenhum tão linear como a di visão em capítulos
nomes, que têm subtis matizes de afecto, de superioridade ou de
pode levar a pensar. Se o tradutor toma uma frase ou um amizade. Assim, por exemplo, Vasilisa muda-se em Vasya ou Vas
parágrafo como unidade mínima e a traduz sem atender à yuk; Vladimir toma-se Volodya, Volodka, Volodechka ou Volya.n
sua relação com a totalidade da obra, corre o risco de pro
duzir um texto na lfugua de chegada como aqueles acima A tradutora explica convenientemente o sistema dos no
referidos, em que o conteúdo parafraseável foi traduzido mes russos; porém, esta nota de pouco serve· ao longo do
à custa de todo o resto. processo de leitura, pois Cathy Porter mantém no texto
A solução para este dilema cie"e, mais uma vez, ser traduzido as variações dos nomes e o leitor inglês é por
;1
encontrada nafimção quer do texto quer dos artifícios téc- . ·.·
vezes confrontado, numa única página, com uma descon
considerado a função do tom, teriam percebido por que ra- . ::, · sonagem. Em suma, o sistema da língua· de partida foi
·
· · >i transposto para o sistema da língua de chegada, onde mais
zão o cuidadoso padrão retórico do parágrafo de abertura
precisava de uma observação mais atenta Do mesm<? · · · '· !Ião faz do que prpvocar co�ão e obstruir o processo de
ção da descrição, quer do jovem qu.er da viagem, ela teria seu precioso livro A Poetics of Composition,23 em Russo
·
,-; b
·.
percebido as razões que determmaram a escolha do registo as variações dos nomes podem denotar mudanças de
. .
de linguagem r-r
. .1.0do o texto se -
compoe. de uma sé .
n�--d- � . ,
, �
"-" I/ ·� ponto de· vist�. Falando de Os Irmãos Karamazov, por
I'. · exemplo, U�pensky mostra como as variações dos nomes
sistemas concatenados, tendo cada um deles uma funçãQ ·
'· !�>
determinável em relação ao texto inteiro, e a tarefa do tra- :. :
·
podem indicar múltiplos pontos de vista à medida que língua de partida e a língua de chegada deve ser descar
uma personagem é focalizada por outras personagens do tada. O tradutor deve, portanto, em primeiro lugar, deter
romance e a partir do interior da narrativa. No processo minar a função do sistema da língua de partida e pr9curar
de tradução é, portanto, essencial que o tradutor considere um sistema na língua de chegada que cumpra essa mesma
a função dos nomes e não o sistema propriamente dito. função. Levy formulou as questões centrais que se depa-
Não serve de muito ao leitor inglês encontrar múltiplas va ram ao tradutor de textos narrativos quando pergunt
ou: 1
riantes de um nome se ele não estiver ciente da função
dessas variantes e, uma vez que o sistema dos nomes em Que grau de uúlidade é atribuído aos vários artifícios estilísticos
Inglês é completamente diferente, o tradutor deve ter esse e à sua preservação em diferentes tipos de literatura.. ? Qual é a
.
:. .:·��, : rlt. .
cou demonstrado que qualquer noção de igualdade entre á.
"' ADAMS, Robert M. - Proterrs. His Lies. His TnttiJ. New York: W. W. . �·: 25 LEvY, Jilí - Translation ns a Decision Process. To Hono11r Roma11
Norton, 1973, p. 12. .
'• ••
' Jalwbsoll lll. The Hague: Mouton, 1967, p. 1171-82.
...
. �-:: .
.
190
191
L
1, texto dramático são distintivas, apontando, por exemplo, o
ção do espectáculo teatral como uma mera traduçao :
_ modo como os diálogos �e desenrolam, no tempo e no es
A tarefa do encenador é, portanto, 'traduzir para outra linguagem'
. ·
. .
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1':1'
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paço, e são sempre integrados na situação extralinguística,
um texto para com o qual tem o dever primeiro de ser 'fiel'. Està po
--
-- ,.��-c
!6:'?-·
escrito e a sua representação teatral; apenas o 'modo da expressão',
A relação entre o diálogo e a situação extralinguística é intensa
no sentido hjelmsleviano do termo, será alterado; a forma e o con--
. e recíproca. A situação fornece frequememente o tema aos diá
teúdo da expressão permànecerão idênticos na transposição de u�
J( logos. Mais do que isso, seja qual for o assunto, a situação ex
sistema de signos textuais para um sistema de signos teatrais.26
.
_
..
H tralingufstica interfere nos diálogos de várias maneiras; afec
tando o seu desenrolar: provocando mudanças ou reveses e, por
.
UBERSFELD, Anne - Lire le tlléâtre. Paris: Editions Sociales, 1978,
·
6
� vezes, mesmo u�a interrupção. Por seu �ado, o diálogo. ilumina
. �.
,•
p. 15-16. Veja-se também ELAM, Keír-Semiotics ofTheatre and Drama. Lon progressivamente a situação e frequentemente a modifica ou
don: Methuen, 1980.
transforma. O verdadeiro sentido de cada unidade individual de
'
:::· !!
.,,
.
.· .•·
.
. ;.
:
192
significado depende tanto da situação extralinguística como do pré-requisito, espera-se claramente que ele faça algo difc
· Il
I
L
entre texto e espectáculo teatral, entre escrita e concreti
tos que podem não ser directamente apreendidos por uma zação cénica. Pareceria rriais lógico, portanto, partir do f
leitura directa do texto isoladamente. Num dos raros arti
I
princípio de que um texto dramático, concebido para ser
gos sobre tradução para actores,28 Robert Corrigan afirma
representado, possui características estruturais distintivas
que a todo o momento o tradutor tem de ouvir a voz que que o tomam representável aquém e além das orientações
fala e ter em consideração o carácter gestual da linguagem,
da encenação. Consequentemente, o tradutor tem de de
o ritmo e as pausas que ocorrem quando o texto escrito é
terminar quais são essas características e traduzi-las para a
falado. A este respeito, Robert Corrigan aproxima-se do
língua de chegada, mesmo que isso implique tra.nsfonna-
J
conceito de discurso teatral de Peter Bogatyrev. Debatençlo
ções significativas nos planos linguístico e estilís-�co.
a função do sistema linguístico no teatro em relação com a
experiência total, Bogatyrev declru; que: � A questão da representabilidade .na tradução com
plica-se ainda mais pela evolução da concepção de repre
rk·
sentação teatral. Consequentemente, a produção contem
No teatro, a expressão linguística é uma estrutura comp_osta de sig
porânea de um texto de Shakespeare será enformada pelos
. r1•.:·,.
nos linguísticos e outros. Por exemplo, o discurso teatral, que deve
ser o signo da situação social da personagem, é acóinpanbado pela desenvolvimentos ao nível dos estilos de representar, do
enunciação gestual do actor e completado pelo guarda-roupa, _pelo espaço de representação, do papel do público e dos dife
cenário, etc., que são também signos de uma situação sociaJ.19
rentes conceitos de tragédia e comédia que ocorreram
· (iI"' ;
,
.
desde a época de Shakespeare. Além disso, os estilos de
· . . ., .:,_t�.
Uma vez que o tradutor de textos dramáticos se con- ·· ·
representação e os conc.eitos de teatro também variam con
.· . !''',:"
fronta com o critério adicional da representabilidade co�� ,
siderave4nente nos diferentes contextos nacionais, o que
introduz ainda um outro elemento que o tradutor deve ter
.
VELTRUSKY, Jili- Drama a.� Literature. Lisse: Peter de Ridder Press,
rh·:
1
2
·
: em conta.
,. ,
1977, p. 10. . . . i
. .
Como exemplo ilustrativo d� algumas das complexida
· . .
2S CORRlGAN, Robert - Tr:tnslating for Actors. ln ARROWSMITH,
SHATTUCK, R.
..
... . .. ���..-.
�:
W.; (eds.) - Tire 6aft and Comext of Translarion. Austin: des envolvidas na determinação dos critérios para a tradu
.': : ·
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'
,
...�
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. : . : �;�,
. i
-r·
194 195
traduções inglesas revela imediatamente um facto signifi envolvidos na tradução de textos dramáticos, citei alguns
cativo: os textos foram traduzidos isoladamente (por exemplos de transformação tradutória em que o problema
exemplo, o caso das traduções de Esther e Berenice por residia na divergência relativamente aos padrões gt?stuais
John Masefield) ou como parte de uma edição de obras das duas línguas envolvidas, resultando isso na dissolução
completas (por exemplo, o caso de R. B. Boswell, o pri de estruturas essenciais do texto da língua -de partida. · A
meiro tradutor da obra racineana). Esta distinção mostra tradução, por Ben Belitt, de Fulgor y Mue11e de Joaqufn r
que alguns desses textos foram traduzidos tendo em mente Murieta, anteriormente referida (cf. supra, p. 132), é um
a sua representação teatral e outros foram traduzidos sem bom exemplo de um caso em que o tradutor alterou a base
essa preocupação. É sustentável que o volume das 'peças ideológica do texto através de uma ênfase excessiva nos
completas' tenha sido produzido a pensar num público lei critérios extralinguísticos - no caso, segundo o prefácio de
tor e, portanto, a literalidade e a fidelidade linguística te Belitt, as expectativas do público americano.
nham sido os principais critérios. Na formulação de uma Se atentarmos no verso de abertura da Fedra de Ra"
.
teoria da tradução de teatro deve, contudo, ter-se sempre cine Le dessein en est pris; je pars, cher Tlzéramene
- -
em conta a concepção de expressão linguística de Bogaty imediatamente aflora um� série de problemas semânticos,
rev, e o elemento linguístico devet�er traduzido tendo em sintácticos e estilísticos, acrescidos das dificuldades rela"
mente a sua função no discurso teatral na sua totalidade. tivas às convenções do teatro clássico francês e aos pú
As dificuldades da tradução para o teatro conduziram blicos imensamente diferentes da França do séc. XVll e
a uma acumulação de crítica que ora ataca a tradução da Inglaterra ou · da América do século· XX. O mesmo
como demasiado literal e irrepresentável ora demasiado li verso é traduzido da seguinte forma por três tradutores
·
ção de teatro é mais difícil de discernir. Num pequeno ar No. No. I ca11 't. How can. I stay? (Tony Harrison)
tigo 30 em que apresentava alguns dos problemas básicos
As três versões tr�duzem a intenção de Hipólito de
30 BASSNETI- McQUIRE, Susan -Trnnsloting Spatial Poe'try: An Exa partir, mas só as duas primeiras veiculam como factor
mination of Theatre Texts in Performance. ln HOLMES, James; LAMBERT, chave a relação entre Hipólito e o seu amigo Terámenes.
José; BROECK, Raymond van den (eds.) - Lftera/llre and Translation. Lou
vam: ACCO, 1978, p. 16l-80. Ao nível estilístico, a primeira e a te�ceira versões seguem
. .
...;.__
194 195
traduções inglesas revela imediatamente um facto signifi envolvidos na tradução de textos dramáticos, citei alguns
cativo: os textos foram traduzidos isoladamente (por exemplos de transformação tradutória em que o problema
exemplo, o caso das traduções de Estlzer e Berenice por residia na divergência relativamente aos padrões g�stuais
John Masefield) ou como parte de uma edição de obras das duas línguas envolvidas, resultando isso na dissolução
completas (por exemplo, o caso de R. B . Boswell, o pri de estruturas essenciais do texto da língua de partida. • A
meiro tradutor da obra racineana). Esta distinção mostra tradução, por Ben Belitt, de Fulgor y Muerte de Joaqu(n f
que alguns desses textos foram traduzidos tendo em mente Murieta, anteriormente referida (cf. supra, p. 132), é um
a sua representação teatral e outros foram traduzidos sem bom exemplo de um caso em que o tradutor alterou a base
essa preocupação. É sustentável que o volume das 'peças ideológica do texto através de uma ênfase excessiva nos
completas' tenha sido produzido a pensar num público lei critérios extralinguísticos - no caso, segundo o prefácio de
tor e, portanto, a literalidade e a fidelidade linguística te Belitt, as expectativas do público americano.
nham sido os principais critérios. Na formulação de uma Se atentarmos no verso de abertura da Fedra de Ra
teoria da tradução de teatro deve, contudo, ter-se sempre cine - Le dessein en est pris; je pars, cher Théramene -
em conta a concepção de expressão linguística de Bogaty imediatamente aflora u�� série de problemas semânticos,
rev, e o elemento linguístico deve,�er traduzido tendo .em sintácticos e estilísticos, acrescidos das dificuldades rela
mente a sua função no discurso teatral na sua totalidade. tivas às convenções do teatro clássico francês e aos pú
As dificuldades da tradução para o teatro conduziram blicos imensamente diferentes da França do séc. XVll e
a uma acumulação de crítica que ora ataca a traduç�o da: Inglaterra ou d·a América do século · XX. O �pesmo
como demasiado literal e irrepresentável ora demasiado li verso é traduzido da seguinte forma por três tradutores
ingleses:
·
excessiva, mas o problema de definir 'liberdade' na tradu No, 110, myfriend. we're off. (Robert Lowell)
ção de teatro é mais difícil de discernir. Num pequeno ar..,. No. No. ! can't. How can I sray? (Tony Hamson)
tigo30 em que apresentava alguns dos problemas básicos
As. três versões traduzem a intenção de I:Iipólito de
30 BASSNEIT-. McGUIRE, Susan -Translating Spatinl Poetry: An Exa partir, mas só as duas primeiras veiculam como fa�tor
minaúon of Theatre Texts in Perfonnance. ln HOLMES, James; LAMBERT, chave a relação entre Hipólito e o seu amigo Te�;ámenes.
José; BROECK, Raymond van den (eds.) Uterature and Translation. Lou
Ao nível estilístico, a primeira e a terceira versões seguem
-
a prática corrente de traduzir por verso branco o alexan atribuída. Na Epístola, Crowne não mediu esforços para
drino francês, uma vez que os dois tradutores têm, nos res justificar a tradução (alegando ser ela da autoria de um
pectivos sistemas linguísticos, essa medida. do teatro clás 'Jovem Cavalheiro') e para explicar por que é que a .pro
sico. Em termos de teatro, apenas a segunda e terceira dução não tinha sido bem sucedida. Crowne atribui o fra
versões traduzem a estrutura gestual subjacente ao texto casso da peça não à tradução, embora reconheça que â
francês - o ritmo inscrito na linguagem que determina o versão inglesa não havia adoptado a forma versificada,
desempenho físico do actor. Jean-Louis Barrault observou mas às expectativas do público que, acostumado a uma
que o verso de abertura da Pedra condizia com o ritmo das dada tradição teatral, não correspondeu aos maneirismos
passadas de Hipólito, assegurando que ele estaria na mar da tradição do teatro francês. Contudo, menos de quarenta
cação correcta ao pronunciar a palavra 'Théramene' .31 No anos depois, a versão de Ambrose Philips de Andrómaca,
primeiro verso do texto original há urna ênfase e uma de intitulada 111e Distres't Mother, foi um sucesso tão grande
terminação, reforçadas nas duas partes do verso, que atin que continuou em cena ao longo do século �' sendo o
gem o clímax pelo recurso ao nome próprio. Quer a se- . papel principal muito cobiçado pelas principais actrizes
gunda quer a terceira versões inglesas tentam recriar esse inglesas desse período. O que é qu� havia feito Philips
efeito recorrendo a artifícios como a repetição e a per para transformar em .tão grande sucesso uma peça ante . ·r
� . '
gunta retórica, veiculando o sentido db verso original e re riormente julgada contrária ao gosto inglês?
produzindo um padrão gestual. Em suma, o processo de Em priQleiro lugar, Philips alterou substancialmente a
;
tradução envolveu não apenas a transferência de uma se
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. .
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frequentemente tomei pa.râ adaptar um tão grande Poeta, não terei
I
31 BARRAULT, Jean-Louis PhMre de Jean Racine, mise en scênc et razão para não ficar satisfeito com o Trabalho que tive em levar a
I.
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-
commcntaires. Paris: Editions du Seuil, 1946. I· mais completa das suas obras ao palco inglês.
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.
198 199
Aparentemente, os principais critérios de Philips para a respeitar a estrutura de superfície do texto original, mas ao
tradução foram: facto de o tradutor recriar em termos teatrais a estrutura
profunda da cena. Por exemplo, o longo monólQgo de
1) representabilidade; Orestes é reduzido, porque as convenções teatrais inglesas
2) a articulação da peça com as convenções do teatro não incluíam monólogos tão extensos. Pflades tem máis
do seu tempo (um teatro que re-estruturou Shakes falas e toma mais a feição de amigo do que de figura de ;
peare ao serviço do cânone, do decoro e do bom contraste, porque a figura do confidente não era tão bem
Ayah) descobre a paixão secreta de Pedra com a versão Que faires-vous, Madame ? et que/ morte/ emmi
que Robert Lowell propõe da mesma cena. Comre tollt votre sang vous anime aujourd'lwi?
PliEDRE
ÜENONE "
Puisque Vénus le veut, de ce saug déplorable
i
Madame, au 110111 des pleurs que pour vous j'ai versés, Je péris la demiere et la plús misérable.
Par vos faibles genoux que je tiellS embrassés,
Délivrez mou esprit de ce fw�este doute. ÜENONE
Aimez-vous?
PHEDRE
PHEORE
Tu /e veLa. Leve roi.
De l'amour j'ai toutes lesfureurs.
ÜENONE
ÜENONE
Pariu., je vous écoute. Pour qui?
PHEDRE PHEDRE
1t.
Ciel! que /ui vais-je dire, et par oii commencer ? Tu vas oufr le comble des lzorreurs.
J'aime... A ce nom fatal, je tremble, jefrissomre,
ÜENONE J'aime...
. . . ,'. . .·.
ÜENONE
..
. ··.·:� :
:.
Oublions-les, Madame ; et qu'à tout l'avenir
·.··: ·:;:�-�� ::�:�.�;�:· ' ÜENONE
i;:: .:·
Un silence étemel cache ce souvenir. Hippolyte? Grands Dieux!
PHEDRE PHEDRE
. .
. :: . .
Ariane, ma samr, de que/ amour blessé� •. C'est toi qui ['a nommé.
Vous mounltes aux bords oíi. vousfiltes Iaissée! (Racine)
202 203
rid ayah of her anguish, and confess. and knows t/ze trutlz already. Ler me see.
MEMSAHIB: (after a pause) PHAEDRA: Stand up.
You wish it? Then I will. Up, offyour knees. ÜENONE: Your hesitation's killing me!
(pause) PHAEDRA:· Wlzat can I tell you? How the gods reprove mel
AYAH: Memsahib made her promise. Tell me. Please. ÜENONE: Speak!
MEMsAHIB: I don 't know what to say. Or how to start. PHAEDRA: Oh Venus, murdering Vemts! Love gored Pasiphait
(pause) with the bttll.
AYAH: Tell me, Memsahib. You break my lzeart. OENONE: Forget
MEMsAHIB: (sudden vehemence) your mother! Wlzen she died she paid her debt
Mother! Driven by tlze dark gods' spite PHAEDRA: Oh Ariadne, Oh, my Sister, lost
beyond tlze frontiers ofappetite. for /ove ofTheseus 011 that rocky coast.
A judge 's wife! Obscene! Bestialities ÜENONE: Lady, wlzat nervous languor makes you rave
.
•
Hindoos might sculpture 011 a templefrieze! against yourfamily; they are in tlze grave.
AYAH: Forget! Forget! Tlze great Wheel we are on PHAEDRA: Remorseless Aplzrodite drives me. /,
tums all that horror to oblivion. my race 's last and worst love-v'ictim, die.
MEMSAHIB: Sister! Abandoned .. . by lzim tà� .. left belzind... OENONE: Are you ilz �ove?
driven to drugs and drink... Out of!Jermind! PHAEDRA: I am with /ove!
AYAH: Memsallib, no. Don't let black despàir Who
ÜENONE:
·
·
.
..
.':"' � .
(Tony Harrison)
,.: . . 1;;.>:.
r
204
Harrison reteve claramente o movimento essencial da Quando se trata de traduzir para o teatro, a tradução
205
I
cena, as falas breves e angustiadas de Memsahib e a insis dos textos literários assume uma nova e mais complexa
tência desesperada de Ayah que conduzem ao ponto alto dimensão, pois o texto é apenas um elemento na totali
da revelação, mas substitl,Jiu o pano de fundo grego por dade do discurso teatral. A linguagem em que o texto dr-a
outro sistema de referências e aumentou as falas de Pedra mático está escrito serve de signo no interior da rede da
quilo que Thadeus Kowzan designa por signos auditivos
para tomar o significado mais explícito. As conotações da
}
paixão ilícita de Memsahib também foram alteradas: na e visuais.33 E como o texto dramático é escrito para vozes,
versão de Harrison, o tabu que é violado é o das fronteiras o texto literário contém também um conjunto de sistemas
inter-raciais, não o do incesto. Contudo, a tradução man paralinguísticos, como o tom, a entoação, a velocidade
tém uma estrutura versificatória compacta que faz lem do enunciado, o sotaque, etc. que constituem matéria sig
brar Dryden em vez do habitual verso branco. Quando nificante. Além disso, o texto dramático contém em si o
comparada com a tradução de Lowell, que utiliza a mesma . subtexto ou aquilo a que chamámos o texto gestual, que
forma, mas com muito menos flexibilidade, toma-se determina a acção física do actor. Assim, não é só o con
muito clara a diferença entre uma tradução o1ientada para texto, mas também o código gestual encastrado na pró
I
I
a leitura e uma tradução orientada'!Jara a representação. pria língua que det�rmina o trabalho do actor; e o tradu
Lowell expande o texto de Racine com explicações do tor que ignorar todos os sistemas além do puramente
I literário corre sérios riscos.34
universo mitológico que podem ser obscuras para os leito
f:
res do século XX. No que respeita mais directamente ao Mais uma vez, como acontece com outros tipos de tra
equilíbrio da cena, Lowell dá a Pedra uma série de falas dução abordados neste livro, a quest�o central prende-se
com afimção do texto a traduzir. Uma das funções do tea
em que a assertiv"idade do Eu é bastante acentuada, ao
tro é operar a outros níveis para além dos estritamente lin
passo que Harrisoh segue Racine fazendo das interven ' I, ' ';;:,"'
guísticos, e o papel do espectador assume uma dimensão
ções de Memsahib uma combinação de pensamentos em .
pública não partilhada pelo leitor individual cujo contacto
voz alta e falas dirigidas à sua dama de companhia. Lo
.:: :.
well vài ao ponto de dar a Pedra duas··falas adicionais I'll . ·
teU you e I am in love. Em suma, embora à primeira vista 33 KOWZAN, T. - Littérature et Specracle. The Hague; Paris: Mouton,
1975.
...
possa parecer que Lowell seguiu de perto o texto de Ra .
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.
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.
cine em termos de conteúdo, foi Harrison quem mais ade texto se distinguem das didnscálias. Contudo, como ficou demonstrado em tra
balhos recentes sobre semiótica dos textos dramáticos, é possível considerar as
quadamente verteu as mudanças de movimento da cena,
didascálias de alguns dramaturgos (por ex., Pirandello, Shaw, Wesker) como
apesar das óbvias diferenças de linguagem. unidades de discurso, onde se pode discernir uma voz claramente perceptível.
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206
I.
.
do cinema e a investigação sobre literatura oral e novas Ao nível da tradução literária, o trabalho a fazer tam
tecnologias. Nada poderia estar mais longe da minha in bém é muito óbvio. É
preciso um estudo compreensivo da
tenção; a principal razão para tratar textos geralmente tradução de textos dramáticos com vista ao estabeleci
aceites como 'literários' foi familiarizar o leitor com os mento de uma teoria e é preciso atentar seriamente em
problemas de tradução mais amplamente discutidos. problemas específicos da tradução da narrativa. A obra d�
Os Estudos de Tradução, como se afirmou na Introdu André Lefevere sobre os próblemas metodológicos envol- J
ção, ainda são uma jovem disciplina com um longo cami vides na tradução de poesia deveria ser continuada e ex
nho à sua frente. É necessário um debate teórico mais ge pandida e todo o debate sobre a tradução literária ganha
-
ral quanto à natureza da tradução e é necessário estabelecer ria muito com a inclusão de uma abordaaem aos
c
uma terminologia para proceder a esse debate. A primeira problemas levantados pela tradução de textos europeus e
tentativa de Anton Popovic para elaborar um Dictionmy of americanos.
Litermy Tran.slation Tenninology merece o nosso aplauso, Todavia, ao enumerar alguns projectos que devem ser
mas ele precisa de ser redireccionado e actualizado por levados mais além, é importante não esquecer dois pontos
forma a abranger os textos teatrais e os textos fílmicos. chave: o enorme e rápido progresso que a disciplina co
Uma grande vantagem de uma terruinPlogia mais acessível nheceu e a inter-relação entre a teoria e a prática que ainda
seda a de podermos afastar-nos da vellia e algo vaga dico prevalece. Referindo:-se às complexidades da traduç
ão,
tomia tradução· livre I tradução literal e dos respectivos juí Roman Jakobson observou ironicamente que
zos de valor. Também nos permitiria distanciarmo-nos da
distinção, bastante vaga, entre tradução orientada para o d
Os problemas complexos abu n am quer na prática quer na teoria
autor e tradução orientada para o público leitor. da tradução; de tempos a tempos fazem-se tentativas de cortar o nó
É preciso sabermos muito mais sobre a história dos górdio proclamando o dogma da intraduzibilidade.'
ceito de tradução. e estabelecer uma colaboração a nív�l defender a ·impossibilidade não só da tradução mas tam
internacional sobre a história da tradução, como queria Ja bém do Estudo da Tradução, por alegadamente ser impos
mes Hohnes. Compreender melhor a evolução dos Estu sível debater uma questão tão subtil· como a transferência
210
. Contudo, e
do 'espírito criativo' de uma língua para outra
a traduzir e
apesar desse dogma, os tradutores continuam
pode agora
o prolongado debate iniciado nessa promessa
depa.ntdo com
ser continua4o por todos qq�tos se tenham
am passar de
problemas no exercício da traduçijo e queir
dis�urso mais
uma posição pragmática e empírica a um
científico e interdisciplinar.
Bibliografia selectiva
.. Ç
Trata-se de uma útil colec ão de ensaios que abordam questões ge
, . r ': .
; , .
•• o I' • - • � rais e específicas. O volume contém dois estudos sobre.tradução de
teatro: um da autoria de Peter Arnott sobre "Translating the
Greeks" e outro de Robert Corrigan sobre "Translating forActors".
1
l
212
213
BROWER, Reuben (ed.) - On Trans/ation. Cambridge, Mass.: Harvard não como uma disciplina de direito próprio mas como uma forma
University Press, 1959. de exemplificar aspectos da linguística aplicada. ·
Esta colecção de ensaios continua a ser uma das mais. úteis anto GUENTHNER, F.; GUENTHNER-REUITER, M. (eds.) - Meaning
logias em língua inglesa e inclui capftulos sobre diversos aspectos and Translation. Philosopllical and Linguistic Approaches. Lon-
da tradução. Encontram-se aqui capítulos sobre a tradução da Bí don: Duckworth, 1978. 6
O autor deste livro aborda os Estudos de Tradução na perspectiva LUDSKANOV, A. - A Serniotic Approach to the Theory of Transla
do humanismo liberal tradicional. A tradução é entendida como tion. Language Sciences, 35, April 1975, pp. 5-8.
forma de acabar com as barreiras à comunicação e o debate ·de McFARLANE, J.- Modes ofTranslation. Durham University Joumal,
senrola-se num nível pouco sistemático. 14, 1953, pp. 77-93.
STElNER, George After Babel: Aspec}� of Language and Transla
-
NEWMAR.K, P. - Twenty-three Restricted Rules of Translation. The
tion. London: Oxford University Press, 1975. /ncorporated Ling�tist, 12 (1), 1973, pp. 9-15.
Este livro abrange uma vasta área e é particularmente útil por NIDA, E . - Towards a Science ofTranslating. Leiden: E. J. Brill, 1964.
abordar a questão do multilinguismo e da tradução. O seu ponto
Um livro extremamente útil e precioso para o estudante de tradu
fraco é o pragmatismo que o divorcia de muito do trabalho em
curso na área dos Estudos de Tradução. A bibliografia é . organi ção. Contém também uma extensa bibliografia sobre questões es
zada cronologicamente, começando com o �nsaio de Schleienna pecíficas da tradução da Bíblia.
cber de 1813. NIDA, E.; TABER, C. - Tl�e Theory and Practice of Translation. Lei
den: E. J. Brill, 1969.
I
I ·
. ...L.
I
215
214
and Practice i11 the West. Oxfor�: Blackwell,, l979. BELLOC, Hilaire- On Translation. Oxford: The Clarendon f'ress, 1931.
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LEFEVERE, André (ed.) - Translating Literature: Tlle Gen11a11 Tradi
tiOII from Luther to Rosenzweig. Amsterdam; Assen: Van Gorcum, University Press, 1975.
1977. DAYLEWIS, C. - On Translating Poetry. Abingdon-on-Thames: Ab
Trata-se de uma selecção de escritos sobre tradução da autoria de bey Press, 1970.
reputados tradutores alemães, organizada para proporcionar uma EAGLETON, Terry - Translation and Transfonnation. Srand, XIX (3),
visão geral da mudança de atitudes relativamente à t:qidução. 1977, p. 72-7.
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Mass.: Harvard University Press, 1931. Theory and Practice ofLiterary Translation. Tbe �ague: Mouton,
1970.
. .
...... :·:·,.
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WILSS, Wolfram -
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Anexo
Texto original do poema The Seafarer
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1. QUESTÕES FUNDAMENTAIS . . . . . . . . . . . . . 35
· Problemas de equivalência. . . . . . . . . . . . . . . . .
50
Perdas
. aanhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
eb 61
Intraduzibilidade . . . . . . . . . . .
.. . . . . . . . . . . . . . 64
Ciência ou 'actividade secundária'? . . . . . . . . . .
71
l
L
1.tl7.
I
ISBN 972-31-IOICJ..9
As estruturas . . . . ... . . . . . ... . . ... . . . . . . . 130
A tradução de poesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136
A tradução da narrativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
A tradução de textos dramáticos . . . . . . . . . . . . 189
CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
ANEXO . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . 237