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ESTUDOS
DE TRADUCAO D

}N 972-31-1019-9

LRVI('(J I)E EI)UCAÇÀo 1 1{o1.SAS


9723u1 10 197 FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
:r a.3 Tradução

go) do original inglês intitulado


TRANSLATION STUDIES
1980, 1991, 2002 Susan Bassnett
All Rights Reserved
Ao meu pai, que tudo tomou possível.

Tradução autorizada da edição em língua inglesa


publicada por Routledge, membro de Taylor & Francis Group
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Reservados todos os direitos de acordo com a lei

Edição da
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Av. de Bema -- Lisboa
2003

ISBN 972-31-1019-9

Depósito Legal n' 198 101/03


INTRODIJCAO

Em 1978, num breve Apêndice às Actas do Colóquio


sobre Literatura e Tradução (Lovaina, 1976), André Lefe-
vere propôs que a designação Estudos de Tradução fosse
adoptada para a disciplina que se ocupa ''dos problemas
levantados pela produção e descrição de traduções".j Este
livro constitui uma tentativa para delinear o âmbito dessa
disciplina, dar algumas indicações sobre o tipo de traba-
lho que tem sido feito até ao momento e sugerir novas li-
nhas de orientação para a investiggçãg. Mais importante
ainda, trata-se de uma tentativa que visa demonstrar que
os Estudos de Tradução são, de facto, uma disciplina de
direito próprio: não um mero ramo da Literatura Compa-
rada nem uma área específica da Linguística, mas um

l LEFEVERE, André -- Translation Studies: The Goal of the Discipline. In


HOLMES, JamesS.; LAMBERT, José ; BROECK, Raymondvan den(eds.)
Z,í/era/urea/zd7}ans/afia/z.Louvam: ACCO, 1978,p. 234-5. Lefevere seguiu a
via delineada por James Holmes no seu artigo ''The Name and Nature of Trans-
lation Studies'', publicado pela Secção de Estudos de Tradução da Universidade
de Amsterdão, em Agosto de 1975
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vasto e complexo campo de estudos com ramificações de Não admira que um conceito tão redutor de tradução
grande alcance. ande de mãos dadas com o baixo estatutoconcedido ao
A aceitação, relativamente recente, do termo Estudos tradutor e com a distinção geralmente feita entre escritor e
de Tradução é susceptível de surpreender aqueles que tradutor, com prquízo do último. Já em 1931, na sua con-
sempre partiram do pressuposto de que a disciplina já ferência intitulada Sobre a Traí ção, Hilaire Belloc sente
existia por via da utilização largamente difundida do tizou o problema do estatuto em palavras que permanecem
termo 'tradução', sobretudo no processo de aprendizagem: perfeitamente actuais:
de línguas estrangeiras.Mas, na verdade, o estudo siste-
f A aHe da tradução é uma arte subsidiária e derivada. Por causa
mático da tradução ainda está a dar os primeiros passos. disso nunca logrou merecer a dignidade de trabalho original e tem
Precisamente porque tem sido encarada como uma parte sido por demais prejudicada enquanto manifestação literária. Esta
integrante do processo de aprendizagem de línguas estran- desvalorização teve o efeito nefasto de baixar o grau de qualidade
geiras, a tradução em si própria tem sido pouco estudada. \ exigido e em certos períodos quase destruiu a arte por completo
O que se entende nomtalmente por tradução envolve a O correspondente mal-entendido daí decorrente sobre a sua natu-
l reza somou-se assim à sua degradação, não tendo sido apreendida
transferência de um texto originalmente escrito numa lín- nem a sua importância nem a sua dificuldade.s
gua, a língua de partida (LP):, para uma língua de chegada \
(LC) por forma a garantir que 1) o significado dos dois A traduçãotem sido entendidacomo uma actividade
textos seja aproximadamente o mesmo e que 2) as estru- secundária, como um processo mais 'mecânico' do que
turas da LP sejam preservadas tanto quanto possível, mas 'criativo', ao alcance da competênciade quem quer que
não tantoque distorçam gravementeas estruturasda LC. tenha um domínio básico de uma língua diferente da sua;
Espera-se, então, que o professor avalie as competências em suma, como uma ocupação de baixo estatuto.Também
linguísticas dos alunos pelo resultado produzido na LC. E o debate sobre os produtos da tradução tendeu, com bas-
termina aqui a questão.A ênfase é colocada na compreen tante frequência, a manter-se a um nível não muito ele
são da sintaxe da língua que é objecto de estudo e no uso vado: os estudos que proclamam debater a tradução 'cien-
da tradução como meio de demonstrar essa compreensão. tificamente'são, a maior parte das vezes, pouco mais do
que juízos de valor idiossincráticos sobre traduções, esco-
2 Ao longo do texto serão usadas as seguintes abreviaturas: LP - Língua lhidas ao acaso, da obra de grandes escritores como Ho
de Partida e LC -- Língua de Chegada.
mero, Rilke, Baudelaire ou Shakespeare. Nesses estudos
(Também serão utilizadas as expressões sinónimas língua ou sistema ori-
ginal; língua ou sistema fonte; língua ou sistema alvo; língua ou sistema meta)
[N. T,] 3 BELLO(l=, H.ilaire O/z7}a/zs/czríon.
Oxford: The ClarendonPress. 1931
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envolvia abnegação e a repressão dos seus próprios im


apenas o prodzzro é analisado, o resultado final do pro-
pulsos cí.dadores, sugerindo que
cesso de tradução, não o próprio processo.
A forte tradição anti-teórica anglo-saxónica reve- fosse ele dono da sua própria vontade, e muitas vezes teria apro
lou-se particularmente infeliz no que respeita aos Estudos veitado determinada graça especial do seu idioma e da sua época;
de Tradução, porque se aliou habilmenteao legado do muitas vezes determinadoritmo Ihe leda servido, se não fosse a
'tradutor-servo' que surgiu no mundo de língua inglesa no estruturado autor ou detemunada estrutura, se não fosse o ritmo
do autor...s
século XIX. No século XVlll surgiram em diversas lín-.
guas europeias alguns estudos sobre a teoria e a prática da'
No extremo oposto, escrevendo sobre poesia persa em
tradução e em 1791 foi publicado o primeiro estudo teó-
rico, em ]íngua inglesa, sobre tradução a obra Essas o/z 1851, Edward Fitzgerald pôde afirmar: "E para mim um
f/zePrínc@/es ofZra/zs/afíon, de Alexander Tytler (v. lll/}a deleite tomar seja que liberdades forem com estes persas,
p. 109-110). No entanto, e embora no princípio do sé- que (penso eu) não são Poetas o suficiente para intimida-
culo XIX a tradução ainda fosse encarada como um mé- rem quem o queira fazer, e que realmente carecem de um
todo sério e útil de ajudar um escritor a explorar e a moldar pouco de Arte para lhes dar o retoque final".ó
Estas duas posições uma que estabelece uma relação
o seu estilo natural, essa época também testemunhouuma
viragem no estatutodo tradutor, com o trabalhode um hierárquicana qual o autor da LP age como um senhor
número crescente de tradutores 'amadores' (entre os quais feudal cobrando vassalagem ao tradutor; a outra que esta
muitos diplomatas ingleses) para quem o objectivo das tra belece uma relação hierárquica na qual o tradutor é absol-
duções tinha mais que ver com a divulgação dos conteúdos
história da tradução que é mais breve do que a de qualquer outro país industria-
de uma determinadaobra do que com a exploraçãodas lizado e atribui estadeficiência a quatrofactores básicos:
propriedades formais do texto. A transformação ao nível dos a) O isolacionismopolítico e comercial da América do século XIX
b) A tradicional fidelidade cultural à comunidade de língua inglesa
conceitos de nacionalismo e de língua nacional agudizou
c) A complacente auto-suülciência americana em tecnologia.
as barreiras interculturais e o tradutor acabou gradual d) A força do mito da Terra Prometidajunto dos emigrantese o seu sub
mente por ser visto, não como um artista criador, mas sequente desço de integração.
A teoria de Fischbach é interessantepelo facto de apresentarcorrespon-
como um elemento na relação de senhor-servoque man- dências com a atitude inglesa relativamente à tradução, no quadro da expansão
tém com o texto da LP.' Daí que Dante Gabriel Rossetti colonial britânica
pudesse declarar em 1861 que o trabalho do tradutor 5 ROSSETTI, Dante Gabriel -- Prefácio às suas traduções dos Primeiros
Poetas Italianos. In Poema a/zd 7}a/zs/a/ío/zs,/850-/870. London: Oxford Uni-
versityPress, 1968,p. 175-9.
4 No seu artigo, intitulado "Translation in the United Status"(Batel Vll, 6 FITZGERALD; E. -- Carta a Cowel1, 20 de Maço de 1957
2, 1968, p. 119-24), Henry Fischbach aHlmtaque os Estados Unidos têm uma
[ 24

vido de toda a responsabilidadepara com a cultura inferior


da LP apresentam ambas uma forte coerência com o
crescimento do imperialismo colonial no século XIX, e é
O legado do século XIX também levou a que o estudo
da tradução em Inglês tenha dedicado muito tempo à des-
cobertade um nome para descrevera própria tradução.
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delas que détiva a ambiguidade com que são encaradas as Alguns estudiosos, como, por exemplo, Theodore Savory,7
traduções no século XX. E que, se a tradução é entendida definem a tradução como uma 'arte'; outros, como, por
como uma ocupação servil, é improvável que sda dignifi- exemplo, Eric Jacobsen,8 definem-na como um 'ofício';
cada pela análise das técnicas utilizadas pelo servo e, se a enquanto outros, talvez mais sensatos, na senda dos ale-
tradução é encarada como a actividade pragmática de um' mães, a descrevem como uma 'ciência' .9Horst Frenz'o vai
indivíduo que tem por missão 'elevar' o texto original, a mesmo ao ponto (4ç OWlê!:.por'arte' , maiêõiii'qüãlíficati
análise do processo de tradução il.ia feú o âmago do sis- vos, alegando quem"a
.' tradução não é nem uma arte criativa
tema hierárquico estabelecido. Áem uma arte.imitativaLmas.algo.que se.situalntre. as
'duas.'l Egtã'ênfase na discussão temnnológica aponta de
A forma como os sistemas educativos passaram a
depender cada vez mais do recurso a textos traduzidos no 'iiõ\rõ'cara a problemática dos Estudos de Tradução ingle-
ses onde um sistema de valores está subjacente à escolha
ensino, sem alguma vez tentarem estudar o processo de
do nome. 'Ofício' implicaria um estatuto ligeiramente in-
tradução, constitui uma prova adicional das atitudes con
ferior ao de 'arte', e com conotações de amadorismo;
traditóíias relativamente à tradução no mundo de língua
'ciência' poderia sugerir a ideia de mecanicismo e desva-
inglesa. Daí que um número crescente de estudantes britâ-
lorizar a noção de que a tradução é um processo criativo.
nicos e norte-americanos leiam autores gregos e latinos
Em todo o caso, esta discussão é despropositada e o que
traduzidos ou estudem obras narrativas de importantes es faz é desviar as atenções do problema central, que é o de
critores do século XIX ou textos dramáticos do século
encontrar uma terminologia que possa ser utilizada no es
XX, tratando o texto traduzido como se tivesse sido origi-
tudo sistemático da tradução. Em Inglês, até ao momento
nalmenteescrito na sua língua. Esta é, sem dúvida, a só apareceu uma tentativa para resolver a questão da ter-
grande ironia do debate sobre tradução: que os indivíduos
que rejeitam a necessidade de investigar cientificamente a ' SAVORY. Theodore The Arf ofZra/zsZafíon. London: Capo, 1957

tradução devido ao seu tradicional baixo estatuto no 8 JACOBSEN, Eric 7}aPzsZafíoPZ,A Zradifío/za/ CralÊ. Copenhagen: Nor
disk Forlag,1958
mundo acadéiüico sejam precisamente os mesmos que en- 9 NH)A, Eugene Zowarda Scienceof ZransZafízzg.
Leiden:E. J. Brill
sinam um número substancial de textos traduzidos a alu- 1964
10 FRENZ, Horst -- "The Art of Translation''. In STALLKNECHT, N. P.
nos monolingues.
FRENZ, H.(eds.) -- Comparafíve Z.íferafure.- 44el/zod and Perspecfíve. Carbon
dele: Southem lllinois University Press, 1961, p. 72-96
26 27

minologia, com a publicação, em 1976, do Z)ícfíona/flor resume bem a ideia de que a tradução requer muito mais
f/zeÁnaZysis of Z,írera?y Traizslafiolz,da autoria de Anton do que um conhecimento de circunstância de duas línguas:
Popovié'': uma obra que estabelece,ainda que de forma
provisória, a base para uma metodologiado estudo da Uma tradução não é uma composição monista, mas uma interpe
netração e um composto heterogéneo de duas estruturas. De um
tradução. lado, os conteúdos semânticos e os contornos formais do original,
Desde o princípio da década de sessenta do século XX do outro, todo o sistema de traços estéticos que compõem a língua
ocorreram mudanças significativas no campo dos Estudos da tradução.i3
de Tradução. Essas mudanças tiveram a ver com a crer- /
cento aceitação do estudo da Linguística e da Estilística no A ênfase na Linguística e as primeiras experiências
âmbito da crítica literária -- o que conduziu ao desenvolvi- em traduçãoautomáticano princípio dos anos 50 do sé-
mento da metodologia crítica e também com a redesco- culo XX conduziram a um rápido desenvolvimento dos
berta do trabalho dos Formalistas Russos. Os mais impor- Estudos de Tradução na Europa de Leste, mas, no mundo
tantes avanços nos Estudos de Tradução verificados no de língua inglesa, a afirmação da disciplina fez-se mais
século XX provêm do trabalho fundacional realizado na lentamente. No seu breve estudo de 1965, J. C. Catford
Rússia e, subsequentemente,pelo Círculo Linguístico de abordou o problema da intraduzibilidade linguística (v.
Praga e seus discípulos. O trabalho de Vologinov sobre í/tira, p. 64-71):
Marxismo e filosofia, o de Mukai'ovskV sobre semiótica
Em frad çâo dá-se a substituição de sentidos da LP por sentidos
da arte, o de Jakobson, Prochazka e Leve sobre tradução
da LC, não a transferência de sentidos da LP para a LC. Na frarzs-
(v. Capítulo 3), todos estabeleceramnovos critérios para a /erê/zela há uma implantação dos sentidos da LP no texto de che
fundação de uma teoria da tradução e demonstraram que, cada. Estes dois processostêm de ser claramentediferenciados
longe de ser uma actividade diletante acessível a qualquer numa teoria da tradução.i4
detentor de conhecimentos mínimos numa outra língua, a
tradução é, como afirma Randolph Quirk, "uma das mais Catford abriu assim uma nova fase do debate sobre a tra-
difíceis tarefas que o escritor pode empreender." i2 Leva dução em Inglês. Porém, sendo embora uma teoria impor-
tante para o linguista, ela é redutora, porque pressupõe
POPOVIC, Anton l)ícriopzaO/orfÀeAnaZysísofl.iíeraW Tralzs/aflan
Alberta: Universidade de Alberta, Departamento de Literatura Comparada, IS LEVY, J. Ume/zi
prekZad(AArte daTradução).
Praga,1963.Áp d
l
1976 HOLMES, J.(ed.) 7%eJVafureof ZralzsZaíion.The pague: Mouton, 1970
iz QUIRI(, Randolph 7he l,i/zguísí ancafÀe Erzg/is/zl,a/zguage. London: i4 CATFORD, J. C. A l,irzguís/ic7heopyoÍTrans/afíon.London: Oxford
Edward Amold. 1974. University Press, 1965
[ 28

uma teoria restrita do sentido. O debate sobre os concei-


tos-chave de equivalência e intraduzibilidade cultural
desta afirmação, a sua clara intenção de ligar a teoria à
prática é inquestionável. A necessidade do estudo sistemá-
29

(v. Capítulo 1) avançou bastantedesde o aparecimento do tico da tradução surge directamente dos problemas encon-
seu livro. trados concretamente durante o processo de tradução e é
Fizeram-se grandes progressos nos Estudos de Tradu tão essencial que os profissionais da tradução tragam a ex-
ção desde 1965. Os trabalhos desenvolvidos nos Países periência da sua prática à discussão teórica quanto é im-
Baixos, em lsrael, na Checoslováquia, na União Soviética, portanteque os resultados do debate teórico sejam aplica-
na República ])emocrática Alemã e nos Estados Unidos/ dos na tradução de textos. Divorciar a teoria da prática,
parecem indicar o aparecimento de várias escolas, clara- colocar o teorizador contra o praticante, como aconteceu
mente definidas, que privilegiam diferentes aspectos do noutras disciplinas, seria trágico.
vasto campo dos Estudos de Tradução. Por outro lado, os Embora os Estudos de Tradução abarquemum campo
especialistas em Tradução têm beneficiado muito do tra- muito vasto, é possível divida-lo, grosso modo, em quatro
balho realizado em áreas perifericamente afins. O trabalho
áreas gerais, cada uma apresentando um certo grau de so-
dos semioticistasitalianos e russos, os desenvolvimentos
breposiçãocom as outras. Duas são arie/gradas
para o
P" em gramatologia e narratologia, os avanços no estudo do
produto, na medida em que incidem sobre os aspectos fun
bilinguismo e do multilinguismo, bem como no campo da cionais do Texto de Chegada, e duas são orientadas para
aprendizagem de línguas pelas crianças, têm, todos eles,
o p/ocesso, na medida em que incidem na análise do que
utilização no âmbito dos Estudos de Tradução.
realmente acontece durante o processo de tradução.
Os estudos de Tradução estão, portanto, a cobrir ter-
reno novo, estabelecendopontes entre a Estilística, a His A primeira categoria envolve a .f7ís/órfã da Traí ção
teria Literária, a Linguística, a Semiótica e a Estética. Ao e faz parte integrante da história literária. O tipo de traba-
lho desenvolvido nesta área inclui investigação sobre as
mesmo tempo, convém não esquecer que se trata de uma
disciplina solidamenteenraizada na prática. Quando An- teorias da tradução em diferentes momentos históricos, a
dré Lefevere tentou definir o objectivo dos Estudos de respostacrítica às traduções,os processos práticos de en-
Tradução, sugeriu que a sua finalidade era "produzir uma comenda e publicação das traduções, o papel e a função
teoria compreensiva que também pudesse ser usada como das traduções num dado período, a evolução metodológica
norma de procedimentopara a produção de traduções",is da traduçãoe, de longe o tipo de estudo mais comum, a
e ainda que alguns possam questionar a especificidade análiseda obra de tradutoresindividuais.
Na segunda categoria, a 7}udução na c //üra da /z'n
:5 LEFEVERE; André -- Op. clz'. gua de c/legada, o trabalho estende-se aos textos e autores
r
Ir r-r

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individuais e inclui o estudo da influência de um texto, au-


embora haja pouco estudo sistemático sobre a história da
tor ou género, a absorção das nomlas do texto traduzido
tradução e parte do trabalho sobre tradução e linguística se
no sistema da língua de chegada e os princípios de selec
distancie bastanteda corrente principal do estudo da tra-
ção que operãln nesse sistema.
dução. Para evitar a fragmentação, é importante que o es-
A terceira categoria, a Tradzzçãoe a Z,í/zg rica, inclui
tudioso de tradução esteja consciente das quatro catego-
estudos que incidem sobre a comparação do arranjo dos
rias, mesmo quando investiga em uma área específica.
elementos linguísticos nos textos dos dois sistemasno que
Há, evidentemente, um grande obstáculo final à espera
respeita aos níveis fonémico, morfémico, lexical, sintag-
de quem se interessa por tradução: a ava/cação. Se um tra-
/

mático e sintáctico. Encaixam-se nesta categoria os estudos


dutor pensa que tem, em parte, a função de 'melhorar' quer
sobre equivalência linguística, sobre o sentido linguistica-
mente determinado, sobre a intraduzibilidade linguística, o texto de partida quer outras traduções já realizadas -- e
essa é, na verdade, a razão frequente por que fazemos tra-
sobre tradução automática, etc. e também os estudos sobre
duções -- subjaz a esta posição um juízo de valor implícito.
os problemas de tradução de textos não literários.
A maior parte das. vezes, quando abordam o seu trabalho,
A quarta categoria, livremente designada Traí ção e
os üadutores evitam analisar os seus métodos e concen-
Poé/íca, inclui toda a área da tradução literária, teoria e
tram-se em expor as õagilidades dos outros tradutores. Por
prática. Os estudos podem ser de carácter geral ou especí-
outro lado, os críticos avaliam frequentemente as traduções
ficos de um género literário, incluindo a investigação dos
através de um de dois pontos de vista, ambos redutores: a
problemas específicos levantados pela tradução de poesia,
partir do estreito critério da aproximação ao texto de par-
textos dramáticos, libretos ou tradução de audiovisuais,
tida (uma avaliação que só pode ser feita se o crítico tiver
quer a dobragem quer a legendagem. Encaixam-se tam-
acesso às duas línguas) ou tratando o texto traduzido como
bém nesta categoria estudos sobre as poéticas de traduto-
se fora uma obra escrita na língua de chegada. E, se esta úl-
res individuais e comparações entre as mesmas, estudos
tima posição goza de uma inquestionávelvalidade -- aülnal
sobre os problemas de formular uma poética, estudos so-
é importante que um texto dramático possa ser dramatizado
bre as inter-relações entre os textos de partida e de che-
gada bem como sobre as inter-relações entre autor, tradu e que um poema possa ser lido --, a forma arrogantecomo
os críticos se prestam a definir uma tradução como boa ou
tor e leitor. Esta categoria inclui, acima de tudo, estudos
má a parti de uma posição esuitamentemonolinguede-
que visem formular uma teoria da tradução literal.ia.
monstra o lugar peculiar que a tradução ocupa relativa
E mais generalizado, é justo dizê-lo, o trabalho desen-
mente a outro tipo de me/a/é?xío (uma obra derivada de ou
volvido nas categorias l e 3 do que nas categorias 2 e 4,
tro texto existente ou contendo-o), a própria crítica literária.
l -' r

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Na sua famosa réplica ao ataque de Mathew Amold à Como adiante ficará demonstrado,os critérios para a
sua traduçãode Homero, Francis Newman declarouque realização de traduções e para a função do texto de che
gadasofreram grandes modificações ao longo dos tempos.
Os estudiososformam o tribunal da Erudição; mas, do Gosto, é o
A preocupação do século XIX inglês com a reprodução do
público educado, mas iletrado, o único e legítimojuiz; e é a esse
'estilo de época' através da utilização de arcaísmos nos
que desde agradar. Nem mesmo os estudiosos, enquanto institui
ção, têm o direito, e muito menos os estudiososindividualmente, textostraduzidos tomou frequentementeo texto traduzido
de pronunciar; ho seu tribunal, uma sentença final sobre questões num texto muito mais inacessível do que o original. Pelo
de gosto.'õ contrário, a propensão do século XVll francês para galici-
/

zar os gregos, mesmo em pormenores como a mobília e o


Newman distingue aqui entre avaliação baseada em crité-
vestuário, provocou nos tradutores alemães uma violenta
rios puramente académicos e avaliação baseada noutros
reacção oposta. O enérgico Homero renascentistade
elementose, ao fazê-lo, está a afirmar que a avaliação é
Chapman é muito diferente do da versão sóbria e magos
cu/rara/me/z/e de/e/'m//fada. Não vale portanto a pena pug
nar por uma tradução definitiva, uma vez que a tradução trai de Popa, muito ao jeito do século XVIII. Contudo, se-
está intimamente ligada ao contexto em que é produzida. ria inútil comparar as duas imagens com o intuito de as
No seu muitíssimo útil livro Trens/aríng roer/y, deve/z
avaliar dentro de uma estrutura hierárquica.
Srrnregíes a/zd a BZzzepri/zf,André Lefevere compara tradu- O problema da avaliação das traduções está intima-
ções do poema 64 de Casulo, não para fazer uma avaliação mente ligado à questão atrás referida do baixo estatuto da
comparativa, mas para mostrar as dificuldades e também, tradução,o que autoriza os críticos a pronunciar-sesobre
por vezes, as vantagensde um detcmlinado método. Pois os textostraduzidosa parti de uma posição de superiori
não existe um cânone universal segundo o qual os textos dado assumida. O crescimento dos Estudos de Tradução
devam ser avaliados. Há conjuntos de cânones que se des como disciplina deveria orientar-se no sentido de elevar o
lotam e mudam constantementee cada texto articula se nível do debate sobre as traduções e, se houver critérios a
numa contínua relação dialéctica com esses cânones. A estabelecerpara a avaliação das traduções, eles deverão
tradução definitiva é tão impossível como o poema defini- ser postulados a partir do interior da disciplina e não de
tivo ou o romance definitivo, e qualquer avaliação de uma fora
tradução só pode ser feita tendo em conta quer o processo Neste livro a questão da avaliação não é sequer discu
da sua criação quer a sua função num dado contexto. tida, em parte por razões de espaço, mas sobretudo porque
ele tem por objectivo estabelecer os fundamentos da dis-
16NEWMAN, Francês-- Homeric Translation in Theory and Practice. In
Essays by .A/cz//zew
..4mo/d.London: Oxford University Press, 1914, p:'3 13-77. ciplina e não apresentar uma teoria pessoal. O livro orga-
r
1- n--r-

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niza-se em três secções, numa tentativade apresentaro


máximo possível de aspectos que compõem o campo dos
Estudos de Tradução. O Capítulo l abordaas questões
centrais da tradução -- o sentido, a intraduzibilidade e a
é?qzzíva/anciã :.-, e ainda a questão da tradução enquanto Capítulo l
parte da teoria da comunicação. O Capítulo 2 percorre di-
ferentes períodos para mostrar como os conceitos de tra- Questões fundamentais
dução foram diferentes ao longo dos tempos, mantendo-se,'
apesardisso, ligadas por laços comuns. O Capítulo 3 exa-
mina os problemas específicos envolvidos na tradução da
LÍNGUA E CULTURA
poesia, da narrativa e do drama. No conjunto, a ênfase re-
cai na tradução literária, embora algumas das questões
abordadas no Capítulo l sejam aplicáveis a todos os as O primeiro passo para a análise dos processos de tra-
peitos da tradução e da interpretação. dução é reconhecer que, embora a tradução implique um
Estou bem ciente de que, entre os aspectos da tradução núcleo central de actividade linguística, ela pertence mais
não desenvolvidos neste livro, o problema da tradução en- l propriamenteà semiófíca, a ciência que estuda os siste
tre línguas de diferentes sistemas é claramente o mais cru- l mas, as estruturas, os processos e as funções dos sinais
' (Hawkes, Sfrucfuralísm and Semíofícs. Londres, 1977).
cial. Este aspectoé brevementeafloradona Capítulo l,
mas como infelizmentesó posso trabalharcom línguas rDe acordo com uma abordagem estritamentelinguística, a
indo-europeias, achei mais prudente não me aventurar em i tradução consistiria em transferir o 'sentido' contido num
conjunto de signos linguísticos para outro conjunto de sig-
áreas fora da minha competência, excepto ao nível dos
nos linguísticos através do recurso competente ao dicio
princípios teóricos gerais susceptíveis de aplicação a todas
as línguas. nário e à gramática; contudo, o processo envolve também
Subjaz a todo este debate sobre a tradução a convicção um vasto conjunto de critérios extralinguísticos.
Edward Sapir sustentaque "a língua é um guia para a
de que existem princípios gerais do processo de tradução
rc;alidadesocial" e que os seres humanos se encontram à
que podem ser detemunados, categorizados e, em última
instância, utilizados no ciclo texto teoria - texto inde- mercê da língua que se tomou o meio de expressão da sua
sociedade. A experiência, insiste Sapir, é largamente de
pendentemente das línguas envolvidas.
terminada pelos hábitos linguísticos da comunidade e
cada estrutura isolada representa uma realidade distinta:
37
36

Nenhum par de línguas é suficientemente similar para que se possa TIPOS DE TRADUÇÃO
considerar que representam a mesma realidade social. Os mundos
em que vivem diferentessociedadessão mundosdistintos, não No seu artigo "Sobre os Aspectos Linguísticos da Tra-
apenas o mesmo mundo com rótulos diferentes. dução" Roman Jakobson distingue três tipos de tradução: 3

A tese de Sapir, mais tarde subscrita por Benlamin Lee 1) Tradução intralinguística ou /le$ormulação(uma in-
Whorf. relaciona-se com outra mais recente, avançada terpretação de signos verbais por meio de outros
signos da mesma língua).
pelo semioticista soviético Jurí Lotman, segundo a qual
a língua é um sísfé?mamade/izanfe. Lotman descreve a 2) Tradução interlinguística ou tradução propríamen/e
literatura e a arte em geral como sísremas modelíza/ires dera(uma interpretaçãode signos verbais por meio
seca/zdáríos,devido ao facto de derivaram do sistema mo- de outra língua).
delizante primário que é a língua e declara, tão peremptó- 3) Tradução intersemióticaou fralzsm ração (uma in
rio como Sapir ou Whorf, quem"Uma língua não pode exis-
terpretação de signos verbais por meio de signos de
tir se nãõ el;iiÇêi'iiiiêiitiã'ii; contexto de uma cultura e
sistemas não verbais). 7
uma cultura não pode existir se não tiver no seu centro a
estrutura de uma língua natural.' .z,A língua é, assim, o co-
Tendo estabelecidotrês tipos dos quais o segundo, a
fãeãõ'ao corpo da'iüRüiã;'aé a interacção entre as duas
fradzzçãoí/zfer/ínguü/íca, descreve o processo de transfe
que assegura a continuação da energia vital. Do mesmo
rência da Língua de Partida para a Língua de Chegada, Ja-
modo que o cirurgião não pode, ao operar o coração, des-
kobson passa de imediato a indicar o prob]ema centra] nos
curar o corpo que o contém, também o tradutor não pode
tratar o texto separado da cultura sem correr um grande três tipos de tradução: se bem que as mensagens [recodifi-
cadas] sirvam de interpretações adequadas de unidades de
risco.
código ou mensagens,não se obtém normalmentecom
pleta equivalência através da tradução. Nem a aparente
sinonímia produz equivalência, e Jakobson mostra como
a tradução intralinguística tem de recorrer com frequência
a uma combinaçãode unidades de código por forma a
l SAPIR, Edward Cü/fure, lxzrzguagea/zd Personaliíy. Berkeley, Los
3 JAKOBSON, Roman - On Linguistic Aspects of Translation. In BRO.
Angeles: University of California Press, 1956, p. 69.
2 LOTMAN, Jurí; USPENSKY. B. A. -- On theSemioticMechanismof WER, R. A.(ed.) O/zTralzslafíorz.Cambridge: Harvard University Press, 1959
P. 232-9
Cultura. JVew l.íferízW fíísrory, IX(2), 1978, P. 211-32.
39

interpretar cabalmente o sentido de uma simples unidade. tem que recorrer a uma combinação de unidades para en-
E por isso que um dicionário de sinónimos pode indicar contrar uma formulação equivalenteaproximada. Jakob-
pe/$eí/o como sinónimo de z'dea/e veüz{/o como sinónimo i son dá o exemplo da palavra russa syr (um alimento feito
de rra/zspor/e,mas não se pode dizer em nenhum dos de coalhada fermentada), que se traduz por aproximação
casos que se produz completa equivalência, uma vez que em Inglês por coírage c/zeese.Jakobson argumentaque
cada unidade contém em si um conjunto de associações e neste caso a tradução é apenas uma interpretação ade-
conotações não-transferíveis.
quada de uma unidade de código e a equivalência é im-
Dado que a completa equivalência (no sentido de si- / possível.
nonímia ou identidade) não ocorre em nenhuma das três
categorias, Jakobson declara que toda a arte poética é, en-
tão, tecnicamenteintraduzível: npçrnDIFlí' Ax í' ÃnO E.RE.CODIFlí'
v An
q3P& ü x v4Aí' Ãn
AB/xxv

Apenas a transposiçãocriativa é possível: sqa a transposiçãoin-


[ralinguística -- de uma forma poética para outra, sqa a transposi-
O tradutor activa, portanto, critérios que transcendem
ção interlinguística -- de uma língua para outra, ou. finalmente. a os puramente linguísticos e ocorre um processo de desco-
transposição intersemiódca -- de um sistema de signos para outro, dificação e recodificação. O esquemado processo de tra-
por ex« da arte verbal para a música, dança, cinema ou pintura. dução proposto por Eugene Nida ilustra os estádios en-
volvidos: 5
O que Jakobson afirma é retomado por Georges Mou-
TE)aO NA LÍNGUA TEXTO TRADUZIDO
nJn, o teorizador francês, que entende a tradução como FONTE NA LÍNGUA RECEPTO RA
uma série de operações das quais o ponto de partida e o
produto final são iign{/ilações e funcionam dentro de uma Y
dada cultura.4 Assim, por exemplo, a palavra inglesa A
pasrry, se traduzida para Italiano sem atender à sua signi- ANALISE REESTRUTURAÇÃO
ficação, não desempenhará a sua função de sentido no in-
terior de uma frase ainda que possa haver uma palavra
equivalente' no dicionário, pois paira tem um campo as- TRANSFERÊNCIA
sociativo completamente diferente. Neste caso, o tradutor

5 NIDA, Eugene; TIABER, Charles TheTheor) and Practice ofTransla


Gallimard, 1963. Georges -- Z,e.s.pno&/êles /Aéórfgae.s de Za /nadlzcfío/z. Paus:
rio/z.Leiden: E. J. Bril1, 1969, p. 484.

'-k
40 41

Consideremos a questão de traduzir yes e /ze/Jopara Inglês resulta tão hiperbólica que frequentementecria um
Francês, Alemão e Italiano como exemplos das comple- efeito cómico.
xidades envolvidas na tradução interlinguística do que, Com a tradução da palavra be//o, o termo corrente in-
à partida, poderiam parecer vocábulos não problemáticos. glês de saudaçãoamigávelnum encontro,os problemas
A primeira vista, esta tarefa parece simples, tratando-se de multiplicam-se.Os dicionários dão:
línguas indo-europeias, próximas do ponto de vista lexical
e sintáctico e tendo em comum estes termos de saudação Francês:ca va ?, Aa//o
Alemão: wíe ge#r's,' /zíz//o
e assentimento. Para yes os dicionários correntes dão: J
Italiano: o/à,'pronto, cicio

Francês: ouí, si
Alemão: ja Enquanto o Inglês não distingue entre o termo usado
Italiano: sí para saudar alguém em presença e o termo usado ao aten-
der o telefone, o Francês, o Alemão e o Italiano fazem essa
E imediatamente óbvio que a existência de dois ter distinção. O italiano pronto só pode ser usado numa sau-
mos em Francês implica uma utilização que não existe nas daçãotelefónica, tal como o Alemão /zaZ/o.Além disso, o
outras línguas. l.Jma pesquisa mais avançada mostra que Francês e o Alemão usam como formas de saudação bre-
Olzié o termo geralmente usado e s/ um termo específico ves perguntasretóricas, enquantoas mesmas em Inglês
para situações de contradição, controvérsia e discordân- How úrE you? ou How do .you do.P apenas se usam em
cia. O tradutor inglês deve, portanto, ter presente esta re- situações mais formais. O italiano cíao, de longe a forma
gra ao traduzir o termo inglês que é o mesmo em todos os mais comum de saudaçãoem todos os estratos da socie
contextos. dado italiana, é usado igualmente à chegada e à partida,
Quando se considera o uso da afirmativa no discurso sendo uma palavra de saudação utilizada em situação de
coloquial, levanta-se um outro problema. O termo yes nem contacto, quer num encontro quer numa despedida, e não
sempre pode ser traduzido por oul, ja ou sí, porque o Fran- no específico contexto de chegada ou de encontro inicial
cês, o Alemão e o Italiano frequentementedobram ou re- Assim sendo, perante a tarefa de traduzir /ze//opara Fran
petem as afirmativas de uma forma que não é um procedi- cês, o tradutor tem primeiro de extrair do termo o cerne do
mento usual em Inglês (por ex., sí, sí, sí; ./a, ./a, etc.). sentido, e as fases do processo, seguindo o diagrama de
Daqui resulta que a tradução italiana ou alemã de yes por Nida, são as seguintes:
um único termo pode, por vezes, parecer excessivamente
brusca e, por outro lado, a repetição de afirmativas em
42 43

LÍNGUA FONTE LÍNGUA RECEPTORA em presença --, o estatuto e a posição social dos falantes e
HELLO
o consequente peso de uma saudação coloquial em dife-
A rentes sociedades. Até a tradução do tempoaparentemente
V
SAUDAÇÃO AMIGÁVEL mais simples convoca a interacção de todos estes factores.
A CHEGADA. DISTINÇÃO ENTRE
FORMAS DE SAUDAÇÃO A questãoda transformaçãosemióticafica mais clara
EXISTENTES se se considerar a tradução de um simples nome, como o
inglês bur/er [manteiga]. Seguindo Saussure, a relação es
TRANSFERÊNCIA /
trutural entre o significado (sígnÚé) ou conceito de óuffer
e o significante (xígn@a?zr)ou a imagem acústica produzida
pela palavra burler constitui.o signo linguístico buf/er.'
O que aconteceu durante o processo de tradução foi E uma vez que a língua é entendidacomo um sistema
que a /loção de sa darão foi isolada e a palavra be//o foi de relações interdependentes,o signo b ífer funciona em
substituídapor uma frase comportando a mesma noção. Inglês como um nome numa relação estrutural particular.
Jakobson descreveria isto como transposição interlinguís- Mas Saussure também distinguiu entre relações sintagmá-
tica, enquanto Ludskanov Ihe chamaria /rcznláormação se ticas (ou horizontais), que a palavra mantém com as outras
mtótica\
palavras da frase, e relações paradigmáticas (ou verticais),
que a palavra mantém com a estrutura linguística no seu
As transformaçõessemióticas (Ts) são substituições dos signos
todo. Além disso, dentro do sistema modelizante secundá-
que codificam uma mensagempor signos de outro código, man-
tendo(tanto quanto possível em face da entropia) a infonnação in rio existe outro tipo de relações paradigmáticas e o tradu
variante em relação a um dado sistema de referência.ó tor, tal como o especialista em técnicas publicitárias, tem
de atender às linhas paradigmáticas quer primárias quer
No caso de yes, a informação invariante é a/armação, secundárias. Com efeito, em Inglês britânico, burfer detém
enquanto no caso de /ze//o,a invariante é a /loção de sau- um conjunto de associações de salubridade, pureza e ele
dação. Mas, ao mesmo tempo, o tradutor tem de convide vado estatuto (em comparação com a margarina, em tem-
rar outros critérios como, por exemplo, a existência da re- pos considerada apenas como produto secundário, mas
gra oui/sí em Francês, a função estilística das afirmativas agora comercializada igualmente por ser prática, já que
repetidas, o contexto social da saudação - telefónica ou não endurece com a refrigeração).

6 LUDSKANOV. A. -- A Semiotic Approach to the Theory of Translation. 7 Cf. SAUSSURE, Ferdinand de -- Cburse í/z Ge/ze/cz/ Z,i/zguís/íc.ç.London
lxz/z8 age Scíences, 35(April), 1975, p. 5-8. Fontana, 1974.
44 45

Na traduçãode b í/er para Italiano há uma substitui- maior de significados na língua de partida os problemas
ção palavra-por-palavra: óu//er b rro. Tanto buf/er como aumentam. O esquema diagramático que Nida elaborou
burro descrevem o produto feito a partir do leite e comer- para a estrutura semântica de spíríf (v. pág. seguinte) ilus-
cializado na forma de grandes pedaços de gordura comes- tra um conjunto mais complexo de relações semânticas.9
tível, de cor creme, destinado ao consumo humano. E, no Quando se verifica um conjunto tão fértil de relações
entanto, nos seus contextos culturais isolados não se pode semânticascomo no caso em apreço, é possível usar uma
dizer que burrer e barro signifiquem o mesmo. Em ltália, palavra para fazer trocadilhos e jogos de palavras, uma
óa/"ro, normalmente de cor clara e sem sal, é usada princi- /

forma de humor que funciona confundindo ou misturando


palmente em culinária e não tem nenhuma conotação de os significados (como, por exemplo, a piada sobre o padre
elevado estatuto.Por outro lado, na Grã-Bretanha, büfrer, alcoólico que comungava demasiadas vezes com o 'espí-
muitas vezes de um amarelo vivo e com sal, é usada para rito santo', etc.). O tradutortem, então, de atenderao uso
barrar pão e, menos frequentemente,para cozinhar. De particularde espíríro na frase em si mesma e na frase em
vido ao elevado estatutode b /rer, a frase bread and büf- relação com outras frases, e atender ainda ao texto global
fer é a que tem uso correntemesmo quandoo produto e aos contextos culturais da frase. Assim, por exemplo,
realmente usado é a margarina8. Assim, existe uma dife
rença quer entre os objectos significados por bu/fer e burro O espírito da criamça falecida ergLteu-seda sepultura.
quer entre a função e o valor desses objectos nos seus con-
textos culturais. O problema da equivalência envolve, refere-se à categoria 7 do esquema de Nada e a nenhuma
neste caso, a utilização e a percepção do objecto num dado outra. Mas
contexto. A tradução de buf/er -- bup"no,embora perfeita-
mente adequada a um determinado nível, também serve O espírito da casa permatteceü vivo
para lembrar a validade da afirmação de Sapir segundo a
qual cada língua representauma realidade diferente. pode referir-se às categorias 5 ou 7 ou, em sentido meta
A palavra bzz/íerdescreve um produto especificamente fórico, às categorias 6 e 8, sendo o sentido apenas deter-
identificável, mas no caso de uma palavra com um leque minado pelo contexto.

9 Este esquema foi tirado de NIDA, Eugene Zowards íz Sele/zceostra/zs


8 Atente-se também à existência da expressão idiomática breczdand burrer, lattng. With Special Rejerence to Prittciples attd Procedures Involved in Bible
que significa meios de subsistência básicos, por exemplo, ro ea/"none 'l bread 7}czns/aring.Leiden: E. J. Bri11,1964, p. 107.Salvo indicação em contrário, to
an,d butter.
das as citaçõesde Nida são tiradas desta obra.
46 47

Õ
0
0 Firth define 'sentido' como "um complexo de relações
de vários tipos entre os termos componentes de um con-

0
C
E
If texto situacional" :o e cita o exemplo da frase inglesa Say
w/ze/z, em que as palavras 'significam' o que 'fazem'. Ao
0
C traduzir esta expressão, é a função que se traduz e não as
0
palavras em si, e o processo de tradução envolve a decisão
0
0 0 de substituir os elementoslinguísticos na língua de che
Q.
g .g'0 'Do gada. E dado que a frase está, como afirma Firth, directa-
.+..B =

m d mente ligada aos padrões de conduta social ingleses, ao


0 aã
C uaduzir para Francês ou para Alemão, o tradutor tem de
'0

0 H '0

8 NE
'

8 0
C C resolver o problema da não existência de uma convenção
a H
.Q >

D
'0

E
parecida em qualquer das culturas de chegada. Do mesmo
m
C
0 g 3
0 0 E
'F

modo, o tradutor inglês da expressão francesa Bon appefíf


CD

0
Q. 0
C
>

a
g
.8

CD

0 m
0 g confronta-se com um problema parecido, pois, mais uma
>
.g

0 g
g 0
C
Q.
H
C © 0 0 vez, o enunciado é culturalmente determinado. Como
E 8
>

0 g 0 3 CD

0 C
m C
> m
a 'D

exemplo das complexidades envolvidas, vejamos um caso


8
m
Q. C
E 0
=
'0

0
0
0
Q. m
'E
e de uma situação dramática hipotética em que a frase Z?on
ãC 0
'0

g g g
ap/2efír assume um significado crucial:
.&

0 0 0 0
C 0
8
ag
0 m a
Q. E 0 0 'D

0 =
a 0 0
Um grupo de familiares acaba de ter uma amarga discussão, a
C C
0
0
H g 0
tlnidade da famíti(i joi abafada, disseram-se coisas imperdoáveis.
C 0 Õ
0
'0

0
D) 3 Mas o jantar comemorativo para o qual todos vieram está prestes
0 0
0 a ser gemido e a família senta-se à mesa, em silêncio, pronta a ini-
'D

0 0
Q.
3
CD
ciar a refeição. Os pratos estão gemidos, todos estão sentados e à
y espera; o pai qtlebra o silêncio para desejar a todos 'Bon appetit
e a r4eição começa.
Õ
0
C

lo FrIRTH, J. R. The Zo/zguesofÃ4e/z alta Speecã. London: Oxford Uni


versityPress, 1970,p. 110
48 49

Não se especifica se a expressão é utilizada de uma 3) Considerar o leque de expressões existentes na lín- }

forma mecânica, como parte do ritual diário, ou se é usada gua de chegada, atendendo à classe, estatuto, idade,
de forma irónica, triste ou mesmo cruel. Num palco, o ac- sexo do falante, bem como a sua relação com os in-
tor e o encenador teriam de decidir como interpretar a ex- terlocutores e o contexto em que se encontram na
pressão com base no seu conceito de encenação bem como língua de partida.
do sentido global e da estrutura da peça. A interpretação 4) Considerar a significação da frase no seu contexto
geria expressa através da inflexão da voz. Porém, qualquer
\

particular i. e., um momento de alta tensão no


que fosse a interjpretação, manter-se-ia o signiHlcado de texto dramático.
/

um enunciado simples irrompendo numa situação de


5) Substituir, na língua de chegada, o núcleo inva
grande tensão.
riante da frase na língua original nos dois sistemas
O tradutor tem de ter em conta a questão da interpre-
1'

de referência (o sistema particular do texto e o sis-


tação para além do problema de seleccionar, na língua de tema da cultura do qual o texto brotou).
y
/

chegada, uma frase de sentido minimamente parecido. A


tradução exacta é impossível: Good apperífe em Inglês, LevS}, o grande estudioso checoslovaco da tradução,
fora de uma frase estruturada, não significa nada. Nem insistia na ideia de que qualquer contracção ou omissão na
sequer existe no Inglês corrente nenhuma expressão que tradução de expressões difíceis é.um acto imoralJ' O' mesmo
desempenhe a mesma função da expressão francesa. Exis- estudioso acredita que o tfãdtitõf'tçlh a responsabilidade
tem, contudo, algumas expressões susceptíveis de aplica- de encontrar solução para o mais desanimador dos proble-
ção nalgumas situações - a expressão coloquial Z)íg /lzou W e declarou que se deve adoptar a perspectiva funcio-
Zuck i/z [Wamosao /ac/zo], a expressão mais informa] Do nal com respeito não apenas ao sentido, mas também ao
soar/ [Por/apor comecem] e outras ritua]izadas / /tope yoz{ estilo e à forma. A grande riqueza dos estudos sobre a tra-
like it \Espero que gostem\ou l tope it's atright \Espero dução da Bíblia e a documentação existente sobre o modo
g e sda do vosso agrado]. Para detemunar que expressão como os tradutores, individualmente, tentaram resolver os
utilizar em Inglês, o tradutortem de: seus problemas através de soluções engenhosasé uma
fonte particularmente fértil de exemplos de transformação
1) Aceitar a intradudizibilidade, ao nível linguístico, semiótica.
da frase original na língua de chegada.
Na tradução de Z?on apõe/// na situação acima descrita
2) Aceitar a ausência de uma convenção social pare- o tradutor conseguiu extrair do texto um conjunto de cri-
1. cada na língua de chegada. térios para determinar qual a expressão mais adequada na
'/

51

língua de chegada, mas certamentenum outro contexto se-


pela cultura. A expressão idiomática italiana menare í/ ca/z
ria outra a alternativa. Em tradução, a ênfase recai sempre
per /'ala constituium bom exemplodo tipo de transfor-
no /el/or ou no ouvinte, e o tradutor tem de fazer com que mação expressiva que ocorre no processo de tradução.t
o texto na língua de chegada corresponda à versão da lín- Traduzida à letra, a frase
gua de partida, A natureza dessa correspondência pode va-
gar consideravelmente(ver Capítulo 3), mas o princípio Giovanni sta minando it can per t'aia
permanece constante. Daí que Albrecht Neubert esteja
absolutamente certo quando diz que o soneto shakespea- / daria em Inglês
reano "Shall l compare thee to a summer's day?" [Deve-
rei comparar-tea um dia de verão?] não pode ser seman John is teading his dog around the threshing Pool.
ti(lamentetraduzido para uma ]íngua falada num país onde
os verões sejam desagradáveis;do mesmo modo, o con- A imagem engendrada por esta frase é algo estranha e,
ceito de Deus Pai não pode ser traduzido para uma língua a não ser que o contexto se referisse especificamente a
em cuja cultura a divindade seja do sexo feminino. É uma situação deste tipo, a frase resultaria obscura e vir
muito perigoso tentar impor o sistemade valores da cul- tualmente sem sentido. A expressão inglesa que mais se
tura da língua de partida à cultura da língua de chegada e aproxima da italiana é fo bea/ aóo f //zeóus/z,também ela
o tradutor não deve deixar-se tentar pela corrente que obscura excepto se utilizada idiomaticamente, e, então, a
julga possível detemlinar as ín/e/zçõesoriginais de um au base traduzida correctamente daria
tor com base num texto j$olBdQI'O tradutor não pode ser o
autor do texto fonte, mas, enquanto autor do texto tradu- John is beating about the bush.
zido, ele tem uma inequívoca responsabilidade perante os
ii Popovié distingue vários tipos de transformação expressiva:
leitores do texto na língua de chegada. ,.y 1. Zra/zeáormaçãoco/zs/irufíva(em tradução) descrita como a transforma-
ção inevitável que resulta das diferenças entre duas línguas, duas poéti-
cas ou dois estilos.
2. Zralzs$ormaçãogenoZógíca,quando as características constitutivas do
PROBLEMAS DE EQuiXKLÊNCiA texto enquanto género literário mudam.
3. Zra/z formação íizdlvíd a/, quando o estilo e o idioleto do tradutor in
troduzem um sistema de desvios individuais
A tradução de expressões idiomáticas leva-nos mais 4. Tralzltáormação
rzegafíva,quando a infomiação é traduzida de forma in-
longe na consideração da questãodo sentidoe da tradu- correcta, devido ao desconhecimento da língua ou à estrutura do original
5. ZraPzltá07mação
f(iplca, quando os factos tópicos do original são altera-
ção, porque elas, como os trocadilhos, são detemunadas
dos na tradução
52 53

O Inglês e o Italiano têm expressões idiomáticas cor- entre tradução 'literal' e tradução 'livre' i3não têm em conta
respondentesque exprimem a ideia de prevaricaçãoe, o conceito de tradução como transformação semiótica. Na
portanto, no processo da tradução interlinguística, uma é sua definição de equivalência na tradução, Popovié distin-
substituídapela outra. Essa substituiçãofaz-se, não na gue quatro tipos:
base dos elementoslinguísticos da frase nem na base de
1) Equipa/ê/leia /í/zguú/ica, quando existe homoge
uma correspondência ou semelhança de imagens contidas
neidade ao nível linguístico entre os textos da lín-
na frase, mas na base da função da expressãoidiomática. J
gua fonte e da língua alvo, i.e., tradução palavra por
A frase da língua fonte é substituída na língua alvo por/
palavra.
uma frase que serve o mesmo propósito na cultura de che-
gada e o processo envolve a substituição de signos da lín- 2) Equipa/ência pragmá/íca, quando existe equivalên-
gua fonte por signos da língua alvo. As observações de cia ao nível dos 'elementos do eixo expressivo pa
Dagut relativas aos problemas envolvidos na tradução da radigmático' , i.e., equivalência gramatical, que Po-
metáfora são interessantesquando aplicadas também à povié considera uma categoria mais elevada do que
tradução de expressões idiomáticas: a equivalência lexical.
3) Equipa/ê/leia esfíZüfíca, quando se verifica uma
Dado que na língua fonte a metáfora é, por definição, um novo de-
'equivalência funcional de elementos entre o origi-
sempenho, uma novidade semântica, não pode obviamente ter um
nal e a tradução visando a identidade expressiva de
equivalente'pronto na língua alvo: aquilo que é único não pode
ter duplicado. Aqui, a competência bilingue do tradutor "le uma invariante com sentido idêntico
seno", como afirma Mallarmé, " de ce qui est dans la langue et de
4) Equivaiênc/a fexfua/ (sí/zragmáfíca), quando existe
ce qui n'en est pas" só Ihe serve no sentido negativo de Ihe dizer
que a 'equivalência', seja ela qual for, não pode ser 'encontrada' equivalência ao nível da estruturação sintagmática
do texto, i.e., equivalência de forma e de formula-
P

terá de ser 'criada'. A grande questão que se coloca é a de saber se


14
uma metáfora pode, em rigor, ser traduzida como /a/ ou se pode
apenas ser de algum modo 'reproduzida'. '2
Como tal, a traduçãodas expressõesidiomáticasen
Contudo, a distinção operada por Dagut entre 'tradu volve a determinação da equivalência estilística que re
ção' e 'reprodução', tal como a distinção feita por Catford
3 CATFORD, J. C. A l,í/z8uísric TheoW oÍ Zra/zs/afíolz.London: Oxford
University Press, 1965
2 DAGUT, M. B Can Metaphor Be Translated? Bebe/, XXl1(1), 1976, i4 Salvo indicação em contrário, todas as citações de Popovié são tiradas
P. 21-33. do seu Z)ícfoncírio.
55
54

culta na substituição da expressão na língua fonte por ou- um sério obstáculo ao seu uso em teoria da tradução. Eu- 'l
tra expressão que tenha uma função equivalente na língua gene Nida distingue dois tipos de equivalência -Jorna/ e
alvo dinâmica -- sendo que a equivalência formal "centra a sua
A tradução é muito mais do que a substituição de ele- atenção na mensagem em si, tanto na forma como no con-
mentos lexicais e gramaticais entre línguas e, como se ve- teúdo. Nesse tipo de tradução preocupamo'nos com cor-
rifica no caso da tradução de expressões idiomáticas e de respondências do tipo poesia para poesia, frase para frase,
metáforas, o processo pode passar por descartar elementos; conceitopara conceito." Nada designa este tipo de tradu-
linguísticos básicos da língua fonte por forma a atingir o' ção por 'tradução glossária', visando permitir que o leitor
objectivo da 'identidade expressiva' entre as duas línguas. perceba o máximo possível do contexto da língua fonte. A )
Porém, a partir do momento em que o tradutor passa o pa- eq íva/êncía dl/zámíca baseia-se no princípio do ({6eíro
tamar da estrita equivalência linguística, começa a surgir eqzzíva/en/e, i. e., o princípio segundo o qual a relação en-
o problema de detemunar a natureza exacta do nível de tre o receptor e a mensagem devia lograr ser a mesma que
equivalência pretendido. se estabelece entre os receptores originais e a mensagem
Albrecht Neubert distingue entre o estudo da tradução na língua fonte. Como exemplo deste tipo de equivalên-
enquanto processo e enquanto pnodzz/o.Este teorizador cia. Nida cita a tradução de um passo da Bz'bife (Romanos,
afirma categoricamenteque "o elo em faia entre os dois 16:16) feita por J. B. Philips, na qual a ideia de "saudar
componentes de uma teoria completa da tradução parece com o ósculo sagrado" é traduzida por "dar uns aos outros
ser o de uma teoria das relações de equivalência que pode um caloroso aperto de mão". Este exemplo daquilo que se
ser concebida quer para o modelo dinâmico quer para o pode considerar como uma tradução inadequada e de mau
estático".'s O problema da equivalência, um termo exces- gosto revela bem a fragilidade dos tipos de tradução, va-
sivamente usado em Estudos de Tradução, assume uma gamente definidos, concebidos por Nada. O princípio do
importância central e, embora Neubert esteja certo quando í:$elfoequívaienre, que foi muito popular em certas cultu-
ressalva a necessidade de uma teoria das relações de equi- ras em determinados momentos históricos, pode colocar-
valência, Raymond van den Broeck tambémtem razão -nos em posições de especulação e conduzir-nos, por ve
quando critica o uso excessivo do termo, alegando que a zes. a conclusões muito dúbias. Assim, a decisão de E. V.
definição precisa de equivalência na Matemática constitui Rieu de traduzir Homero para Inglês em prosa, porque o
significado da forma épica na Grécia Antiga pode consi-
15 NEUBERT, Albrecht -- Elemente einer allgemeinen Theorie der Trans- derar-se equivalente ao significado da prosa na Europa
lation. Ác/es du .X' C'o/zgrês/n/erma/io/zaZdes Z,ingzzí.ares,Bucarest 11, 1967, p.
451-6 moderna, é um caso de egülvaZêlzciadinâmica aplicada às
56 57

propriedades foi.mais de um texto, o que revela mesmo um zam-se numa relação hierárquica na qual a equipa/ê/leia
conflito entre as próprias categorias de Nada. semánfíca tem prioridade sobre a equipa/êlzcíasí/zfácfica
E um dado adquirido em Estudos de Tradução que se e a eqzzivaíê/zcíapraga(ífíca condiciona e modifica as ou- i.
o mesmopoemafor traduzidopor doze tradutoreseles trás duas. A equivalência global resulta da relação entre os l.
produzirão doze versões diferentes. E, contudo, algures próprios signos, da relação entre os signos e aquilo que
em cada uma dessas doze versões encontra-se aquilo que eles representam e da relação entre os signos, o que eles l
r Popovié designa por 'núcleo invariante' do poema origi- representam e os seus utilizadores. Assim, por exemplo, o /
nal. Este 'núcleo invariante', adianta Popovié, é represen- carácter chocante contido em expressões blasfémicas ita-
< Ladopelos elementos semânticos estáveis, básicos e cons- lianas e espanholas só adquire uma equivalência pragmá-
tantes do texto, cuja existência pode provar-se através da tica, i. e., só produz um efeitode choqueem Inglês se elas
condensação semântica experimental. As transformações, forem substituídaspor outras com conotações sexuais,
ou variantes, são as alteraçõesque não modificam o nú- como por exemplo porra ]b/ado z za -- ./ückíPzg /zé//i7. Do

cleo de sentido, mas influenciam a forma de expressão. mesmo modo, a interacção entre as três componentes tam-
Em suma, a invariante pode definir-se como aquilo que há bém determina o processo de selecção na língua alvo,
de comum entre todas as traduçõesde uma mesma obra. como acontece, por exemplo, na escrita de cartas. As nor-
Assim, a invariante faz parte de uma relação dinâmica e mas que regem a escrita de cartas variam consideravel-
não pode confundir-se com argumentos especulativos so- mentede língua para língua e de período para período,
bre a 'natureza', o 'espírito' ou a 'alma' do texto -- essa mesmo no seio da Europa. Daí que uma mulher inglesa ao
:qualidade indefinível' que supostamenteos tradutores ra escrever uma carta a uma amiga em 1812 não terminasse
ramente são capazes de captar. a sua carta com a expressão wíf/z /ove ou jn sís/er/zoom.
Na tentativa de solucionar o problema da equivalência como poderia fazer hoje em dia, nem uma italiana termi-
na tradução, Neubert postula que, do ponto de vista de nasse uma carta sem uma série de saudações formais ao
uma teoria do texto, a equivalência na tradução tem de ser destinatário e aos seus parentes. Em ambos os casos -- no
considerada uma ca/egos/a iemíó//ca, compreendendo as protocolo da escrita de cartas e na questão da obscenidade
componentes sf/z/ácríca, sé?mánríccze pragmá/ica, segundo - o tradutor descodifica e tenta recodificar de uma forma l,
a categorização de Pierce.ió Estas componentes organi- pragmática.'J
lõ Cf. PIERCE, C. S. -- (:b//ec/ed
/:papers.
Ed. C. Hartshome;P. IMeiss:A. 7 Um aspecto interessantedas línguas em contacto reside no facto de os
Burks. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1931-58,8 vols.. Para uma
discussão do contributo de Pierce para a semiótica, ver HAWKES, T. -- S/rucra- espanhol mexicano, o sistema anglo-americano foi incorporado no sistema es-
ra/j.smand Serio/ícx. London: Methuen, 1977,p. 126-30. panhol tradicional
58
59

Há, nos Estudos de Tradução, duas linhas de desen produto, ao gosto refinado do comprador e ao estatuto se
volvimento no encalço de uma definição de equivalência. cia] que o produto confere. Outros elementos enfatizados
A primeira, como seria de prever, coloca a ênfase nos pro- são: o processo de destilação, natural e de elevada quali-
blemas específicos da semântica e na transferência dos dade, a pureza da água escocesa e a duração do tempo de
conteúdos semânticos da língua fonte para a língua alvo. maturação do produto. O anúncio consiste num texto es-
No âmbito da segunda, que explora a questão da equiva- crito e numa fotografia do produto. Por outro lado, o Mar-
lência nos textos literários, o trabalho dos Formalistas tini é publicitadoapelandoa um grupo social diferente,
Russos e do Círculo Linguísticode Praga, em conjunto / que tem de ser conquistado por um produto lançado há re-
com alguns desenvolvimentos mais recentes em análise lativamente pouco tempo. Em sintonia com esse objec-
do discurso, alargou o problema da equivalência à sua tivo, o anúncio do Martíni apela a uma caJnada mais jo-
aplicação à tradução de textos dessa natureza. James Hol- vem e incide menosna questãoda qualidadee mais no
mes, por exemplo, pensa que a utilização do termo equi- estatuto social, de adesão à moda, que o produto confere.
valência é 'perverso', dado que postular uma tal igualdade A fotografia que acompanhao breve texto mostra "pes-
é pedir demais, enquanto Durigin argumenta que ao tradu- soas bonitas" a beber Martini, elementos do ./ef sef inter-
tor de um texto literário não compete estabelecer a equi- nacional que habitam um mundo de fantasia onde supos-
valência da língua natural, mas apenas a dos procedimen- tamente todos são ricos e deslumbrantes. Estes dois tipos
tos artísticos. E esses procedimentos não podem ser vistos de anúncio tomaram-se tão estereotipados na cultura bri-
isoladamente, pois devem ser localizados no contexto tem- tânica que são imediatamente reconhecidos e muitas vezes
poral e cultural específico em que foram utilizados.i8 parodiados.
Tomemos como exemplo dois anúncios encontrados Num anúncio dos mesmos produtos num semanário
no suplementoa cores do jomal Z?rí/is/zSunday. um de italiano verifica-se o mesmo duo de imagens -- uma fri-
uísque escocês e outro de Martini, onde cada produto está sando a genuinidade, a qualidade, o estatuto social; a ou-
a ser publicitado para atrair diferentes preferências de tra, a excitação, o deslumbramento, a juventude, o estar na
gosto. A clientela do uísque, mais antiga e mais tradicio- moda. No entanto, como o Martini está há muito implan-
nal do que a do Martini, é atraída apelando à qualidade do tado no mercado de massas e o uísque escocês é um re-
cém-chegado, as imagens que acompanhamos produtos
8 Para alguns exemplosver os citados por Raymond van den Broeck em são exactamenteo reverso das britânicas. Quer dizer: o
The Concept of Equivalence in Translation Theory: Some CriticamReflec-
tions". In HOLMES, James S. ; LAMBERT, José ; BROECK, Raymond van den mesmo modo, com aplicações diferentes, é usado na pu-
(eds.) Lffera/urz alia Zra/zs/af]on.Louvam: ACCO, ] 978, P. 29-48 blicidade destes dois produtos em duas sociedades. Os
60 61

produtos são os mesmos nas duas sociedades, mas têm va a uma abordagem que concebe a equivalência como uma l
lores diferentes- Daí que se possa dizer que, no contexto dialéctica entre os signos e as estruturas dentro e fora dos 9
britânico, o uísque escocês é equivalente ao Martini no textos da língua de partida e da língua de chegada. \
contexto italiano e vice-versa, na medida em que são apre-
sentados pela publicidade como servindo funções sociais
equivalentes. PERDAS E GANHOS
A perspectiva de Mukai'ovsk9, segundo a qual o texto .
literário, ao mesmo tempo que tem um carácter autónomo, J Í"'' A partir do momento em que se aceita que não pode
serve a comunicação, foi retomadapor Lotman que de- l haver identidadeentre duas línguas, toma-se possível
fende que um texto é exp/üífo (é expresso em signos de- l abordar a questão das perdas e dos ga/caos ng.ptgçgss©.de
finidos), de/ím/lado (começa e acaba em detemunados
tradução:E de novo um indicadordo baixo estatutoda
pontos) e esfra/urndo em resultado da sua organização in- üadução o facto de se ter perdido tanto tempo a debater
terna. Os signos do texto encontram-se numa relação de as perdas na transferência de um texto da LP para a LC /
oposição com os signos e as estruturas que Ihe são ex-
ignorando o que também se pode ganha, porque o tradu- >
teriores. O tradutordeve, portanto,ter em conta o duplo
tor pode por vezes enriquecer ou esclarecer o texto origi- \
carácter do texto enquanto entidade autónoma e comuni-
nal como resultado directo do processo de tradução. Além /
cativa e o mesmo deveria fazer qualquer teoria da equiva-
lência. i9 disso, o que por vezes parece 'perder-se' no contexto da
Em tradução, a equivalência não deve, portanto, ser LP pode ser substituído no contexto da LC, como no caso
das traduções de Petrarca por Wyatt e Surrey (v. i/t/ra, p.
entendida como a busca da identidade entre textos, pois
100-101 e 168-174).
que essa identidade nem sequer existe entre duas versões
do mesmo texto na língua de chegada quanto mais entre a Eugene Nada é uma boa fonte de informação acerca .l
dos problemas das perdas em tradução, sobretudo no que Ç
versão da LP e a da LC. Os quatro tipos postulados por
Popovié constituem um útil ponto de partida e as três ca- respeita às dificuldades encontradas pelo tradutor perante \
tegorias semióticas propostas por Neubert abrem caminho termos ou conceitos na LP que não existem na LC. Nida /
cita o exemplo do Guaica, uma língua do sul da Vens
9 Para uma discussão das teorias de Lotman, ver FOI(KEMA, D. yV. zuela, em que não é difícil encontrar substitutos satisfató-
Continuity and Chance in Russian Formalism, Czech Structuralism,and Soviet rios para os termos /zomfcídlo,roubo, nzenflru,etc., mas
Semiotics. P7L, l (1), (Jan. 1976), p. 153-96e SHUl<MAN, Ann -- The Cano-
em que os tentos para bom, mau, /eío e bo/lira abrangem
nization of the Real: Jurí Lotman's Theory of Literatura and Analysis of Poetry.
PTL 1(2),(Abril 1976),p. 317-39. um leque de sentidos muito diferente. Como exemplo Nada
62 63

indica que o Guaica, em vez de seguir uma classificação teórico) entre uma 'língua que possui o conceito de tempo'
dicotómica de bom e mau, adopta uma divisão tripartida: (Português) e uma língua que o não possui(Hopi) (Ver
1) Bom inclui alimentos que se desejam, matar inimi- figura l).:'
gos, mascar drogas com moderação, chegar fogo à
mulher para a ensinar a obedecer, e roubar alguém
que não pertença ao grupo.
2) À4au inclui fruta podre, qualquer objecto com de /

feito, matar alguém do grupo, roubar um membro


da família alargada e mentir a quem quer que sda.
3) VZo/anão de /abzís inclui o incesto, o ser demasiado
íntimo da sogra, uma mulher casada comer taparan
tes do nascimento do primeiro filho e uma criança
comer roedores.

Nem é preciso ir tão além da Europa buscar exemplos


deste tipo de diferenciação. O grande número de termos
em Finlandês para variantes de neve, em Árabe para a
conduta do camelo, em Inglês para luz e água, em Francês
para tipos de pão, todos se apresentamao tradutor,até
certo ponto, como um problemade intraduzibilidade.Os
tradutores da Bíblia têm registado as dificuldades adicio- Fig. 1 -- Comparação feita por Whorf entreuma língua que possui o conceitode
tempoe uma língua que o não possui
nais que envolvem, por exemplo, o conceito de Trindade
ou o significado social das parábolas nalgumas culturas.
Além dos problemas lexicais, há línguas que não têm tem-
pos verbais ou um conceito de tempoque conesponda de
alguma maneira a9s sistemas de raiz indo-europeia. Para
ilustrar este aspecto serve a comparação feita por Whorf
zo WHORF, Benjamin Lee l,a/z8zzage,7bougAf alta Rea/ÍQ (Selecred
(que pode não ser fiável, mas é citada aqui como exemplo Wrffí/zgs)ed. J. B. Carroll. Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1956,p- 213
r 64

INTjiADUZIBILIDADE ser traduzidas por frases equivalentes na maior parte das


línguas" e o termo democracy é internacional.
65

Quando o tradutor encontra dificuldades deste tipo, le- Até certo ponto Catford tem razão. As frases inglesas
vanta-se a questão da intraduzibilidade do texto. Catford reproduzidas podem ser traduzidas para a maior parte das
distingue entre doiltipglde f?rradugé&üidade:-Zili:#iiíçlíca línguas europeias e o termo democracy é internacional-
e cu/fzlrn/.Ao nível linguístico, a intraduzibilidade ocorre mente utilizado. Porém, Catford não tem em conta dois
quando não existe na LC um substituto léxico ou sintác- factores importantíssimos, o que é paradigmático do pro-
blema que se origina quando se aborda a questão da intra-
/

tico para um dado item de uma LP. Assim, por exemplo, a


expressão alemã C/m wíev/e/ U/zr dad' ma/z S/e morgerz duzibilidade a partir de uma perspectiva excessivamente
wecke/z? ou a dinamarquesa Jeg ja/zdr brevet são linguis- estreita. Se a frase /'m goí/zg /zomé? for traduzida em Fran-
ticamente intraduzíveis para Inglês, porque ambas têm cês por Je vais c/zezmoí, o sentido contido na frase origi-
estruturas que não existem em Inglês. Contudo, ambas po- nal (i.e., a afirmação pelo próprio da intenção de se dirigir
dem ser adequadamentetraduzidas para Inglês se se apli- para o seu local de residência e/ou de origem) apenas é va-
carem as regras da estrutura inglesa. gamente reproduzido. E se a frase for enunciada, por
A categoria da intraduzibilidade linguística, proposta exemplo, por um americano a residir temporariamente em
por Catford e também subscritapor Popovié, não levanta Londres, a frase pode significar o regresso à sua residên-
problemas, mas a segunda categoria é mais problemática. cia temporária em Londres ou a travessia do Atlântico de
Segundo o próprio, a intraduzibilidade linguística deve-se regresso à América, dependendo do contexto em que é
a diferenças que existem entre a LP e a LC; por seu lado, usada, e esta distinção teria de ser explicitada em Francês.
a intraduzibilidade cultural deve-se à ausência na cultura Além disso, o termo inglês come, como o francêsloyer ou
da LC de um traço situacional relevante presente no texto o português /ar, tem um leque de sentidos associados que
da LP. Catford recorre ao exemplo dos diferentes concei- não são inteiramente traduzíveis pela frase caemmoí, mais
tos do termo bar/z/oom [casa de banho] no contexto inglês, limitada desse ponto de vista. Parece, portanto,que o
finlandês ou japonês, nos quais este equipamentoe o termo /tomeapresenta exactamente o mesmo tipo de pro-
modo como ele é utilizado não são nada semelhantes. Mas blemas que a casa de ba/z/zofinlandesa ou japonesa.
Catford também alega que não se podem descrever como A complexidadeaumenta ainda mais no caso da tra-
intraduzíveis os itens lexicais mais abstractos tais como o dução do termo democracy. Catford diz que o termo existe
inglês /fome ou democracy, argumentando que frases no léxico de muitas línguas e, embora o termo seja sus-
como /'m goí/zg/fome ou He 's af /fomepodem "facilmente ceptível de aplicação a várias situações políticas, o con
66 67

texto guiará o leitor na selecção dos traços situacionais Darbelnet e Vinay, na sua útil obra SQ/ís/ígzzeco/npa-
apropriados. O problema é que o leitor dará ao termo um réíe d ./}ançaís ef de /'a/zg/ais [Estilística Comparada do

conteúdo baseado no seu próprio contexto cultural e apli Francês e do ]ng]ês],2zanalisaram em pormenor exemplos
cara essa acepção particular. Assim, a diferença entre o ad- de diferenças linguísticas entre as duas línguas, diferenças
jectivo democfá/íca/a, presentenas seguintestrês frases, é que originam zonas onde a tradução é impossível. Mais
fundamental para três concepções políticas totalmente di- uma vez, foi Popovié quem tentou definir intraduzibili-
ferentes:.d dade sem operar uma separação entre o linguístico e o cul-
tural. Popovié distingue também dois tipos. O primeiro é
O Partido Demos:tãtiCo Americano definido como
A República Democrática Alemã \

A ata democrática do Punido Cot\servidor Britânico Uma situação em que os elementoslinguísticos do original não
podem ser adequadamente substituídos em termos estruturais, li-
neares, funcionais ou semânticos em resultado da inexistência de
Embora o termo seja internacional, a sua utilização em
denotação ou de conotação.
diferentes contextos mostra que já não há (se é que algum
dia houve) concordância geral donde retirar traços situa-
cionais relevantes. Se a cultura for entendida como dinâ- O segundo tipo transcende o puramente linguístico
mica, a terminologia da estruturação social também deve
Uma situação em que a relação que exprime um signinlcado, i.e. a relação
,'ser dinâmica. Lotman afirma que o estudo semiótico da entre o sentido criativo e a sua expressão linguística no original, não en-
cultura não só considera a cultura como um sistema de
contra uma expressão linguística adequada na tradução.
signos mas sublinha a ideia de que "a própria arf/czílação
da c Z/uracom o sfg/zoe com o sign@cadoconstituiuma O primeiro tipo pode considerar-se paralelo à cate-
das suas características tipológicas básicas".zi Catford goria da l/zfradzzzíóí/idade /íngzzúflca de Catford; neste
parte de premissas diferentes e, não aprofundando o bas- segundo tipo cabem frases como Bon apperif ou a interes-
tante a questão da natureza dinâmica da língua e da cul- sante série de fórmulas que o Dinamarquêsusa diaria-
tura, invalida a sua própria categoria da í/zrraduzlblli4ade mente para exprimir agradecimento. A gramática dina-
/# cu/fugaz.lNa medida em que a língua é o sistema modeli- marquesa de Bredsdorf para leitores de língua inglesa
zante primário numa cultura, a intraduzibilidade está, de fomece detalhes esmeradamente elaborados sobre os dife
facto, necessariamente implícita no processo de tradução.
zz DARBELNET, J. L. ; VINAY. J. P. S /isfíque colnparée dzl yi'ançals
LOTMAN, J.; USPENSKY. B. A. - Op.cjf. e/ de /'ang/ais. Paras: Didier, 1958.
69

rentes contextos de utilização dessas expressões. A expli Gado assumido por /a/nponamenfo na sociedade italiana
cação para a frase Zaklor mad, por exemplo, é a seguinte: em geral, o termo não pode ser inteiramentecompreen
;não existe nenhum equivalente inglês desta expressão, dido sem algum conhecimento dos hábitos de condução
que é dirigida aos anfitriões pelos hóspedes ou membros dos italianos, a frequência com que ocorrem os 'acidentes
da família após. uma refeição." ligeiros' e o peso e a relevânciade tais incidentes.Em
O caso do italiano /a/npo/leme/z/o
na frase C'ê s/a/o ulz suma, /amponamenro é um signo que não pode ser tradu-
fa/npo/game/zro constitui um exemplo ligeiramente mais d zido para Inglês nem mesmo por uma frase explicativa. A
difícil. relação entre o sentido criativo e a sua expressão linguís
Como o Inglês e o Italiano são suficientemente próxi liga não pode, portanto, ser adequadamentesubstituída na
mos para seguirem um padrão de organização sintáctica tradução.
vagamente parecido no que toca a elementos componen- O segundo tipo postulado por Popovié, tal como a se-
tes e à ordem das palavras, a frase parece perfeitamente gunda categoria de Catford, ilustra as dificuldades em
traduzível. O nível conceptualtambém é traduzível: co- descrevere definir os limites da traduzibilidade,mas en-
munica-se num tempo presente um acontecimento ocor- quanto Catford parte de dentro da linguística, Popovié
rido num tempo passado. A dificuldade prende-se com a parte de uma posição que envolve uma teoria da comuni-
tradução do substantivo italiano, que aparece em Inglês cação literária. Boguslav Lawendowski, num artigo em
modificadopor um adjectivo,além de requererainda in- que faz o ponto da situação relativamente aos estudos de
fomlação adicional parentética. A versão na língua alvo, tradução e à semiótica, defende que Catford "se divorcia
descontada a variação sintáctica que existe entre o Italiano da realidade",zsenquanto Georges Mounin afirma que se
e o Inglês, dá tem dado demasiada atenção ao problema da intraduzibi-
lidade em detrimentoda resolução de alguns dos problez
There has been/there was a sti8ht accident (invotxing a vehicte}. mas reais que os tradutores têm de enfrentar.
Mounin reconheceos grandesbenefíciosque os de-
Dadas as diferenças na utilização dos tempos verbais, senvolvimentos da linguística trouxeram aos Estudos de
a frase na língua de chegada pode assumir uma de duas Tradução. O desenvolvimento da linguística estrutural, os
formas dependendo do contexto original e, dado o tama contributos de Saussure, de Hjelmslev, do Círculo Lin
nho da frase nominal, esta também pode ser reduzida se a
23 LAWENDOWSKI, Boguslav P. - On Semiotic Aspects of Translation.
natureza do acidente puder ser determinada pelo receptor In SEBEOK, Thomas(ed.) Sig/zi, Sau/zd zllzdSenso. Bloomington: Indiana
exteriomlente à frase. Mas, quando se considera o signifi- University Press, 1978, p. 264-83
70 71

guístico de Moscovo e do Círculo Linguístico de Praga ,--"Como já foi sugerido, é claramente uma tarefa do tra-
têm sido de um valor inestimável. Chomsky e a linguística '-.dutorencontraruma solução até para o mais n)tmudante
transformacional também teve o seu impacto, particular- bos problemas.dessas soluções podem variar muitíssimo;
mente no que respeita ao estudo da semântica. Mounin de- E-aõlliiãÓdo üadutor sobre o que constitui informação in-
fende que é graças aos avanços verificados na linguística variante relativamente a um dado sistema de referências é,
contemporânea que podemos (e devemos) aceitar que: em si, um acto criativo. Leva acentua o elemento intuitivo
na tradução:
1) A experiência pessoal, naquilo que ela tem de único, l
é intraduzível.
Como todos os processos semióticos, também a tradução tem a sua
2) Teoricamente, as unidades básicas de qualquer par mime/zsãopragmáflca. A teoria da tradução tende a ser normativa,
de línguas (por exemplo, fonemas, monemas, etc.) a instruiros tradutoressobrequal seria a soluçãoÓPTIMA; g9n'
tudo. o verdadeiro trabalhotradu!!!g.É pragmática;.çntlgg!.sp!u-
nem sempre sao comparáveis.
! pg11guqla que promete.q má-
3) A comunicação é possível quando se explicitam as iíãíã'êféito com o mínimo esforço. O mesmo é dizer que ele se
situações respectivas do falante e do ouvinte, ou do õiiêntapela chamadaESTRATEGIA MINIMÃXIMA.zs
autor e do tradutor.

Por outras palavras, Mounin acreditaque a linguística de- CIÊNCIA OU 'ACTIVIDADE SECUNDÁRIA'?
monstra que a tradução é um processo dialéctico exequí-
vel com relativo sucesso: O objectivo da teoria da tradução é, então, chegar a
um entendimentodos processosimplicadosno acto da
A tradução pode sempre começar com as situações mais claras, as tradução e não, como é em geral erroneamente entendido,
mensagens mais concretas, os universais mais elementares. Mas, fomecer um conjunto de normas para realizar a tradução
como ela envolve a consideração de uma língua na sua globali-
perfeita. Do mesmo modo, a crítica literária não procura
dade, juntamente com as suas mensagens mais subjectivas, através
da observaçãode situaçõescomuns e de uma multiplicaçãode fomecer um conjunto de instruções para a produção do
contactos que carecem de clarificação, então, não há dúvida de que poema ou do romance perfeitos, mas antes perceber as es-

1'
a comunicação através da tradução nunca pode estar completa- truturas internas e externas que operam dentro e ao redor
mente acabada, o que também demonstra que nunca é inteiramente de uma obra de arte literária. Não se pode categorizar a
impossível.m
25 LENY. .S\H-- Die !iterarische Ubersetz.ung. Theorie einer Kunstgattüng
MOUNIN, G. - Op. cjr., p. 279. Trad. Walter Schamschula. Frankfurt am Main: Athenaion, 1969.
72 73

dimensão pragmática da tradução, tal como não se pode de- Os Estudos de Tradução encontram-se, portanto, muito
finir ou receitar a 'inspiração' de um texto.A para da acei- para além das velhas distinções que procuraram desvalo-
tação deste facto, é possível resolver duas questões que têm rizar o estudo e a prática da tradução recorrendo a distin-
atormentado os Estudos de Tradução: o problema da exis- ções temnnológicas como 'científico vs criativo' . A teoria
tência ou não de uma 'ciência da tradução' e o problema de e a prática estão indissoluvelmente ligadas e não estão em
se considerar a tradução uma 'actividade secundária'. conflito. A compreensão dos processos não pode senão
Do que acima ficou dito infere-se que é neste mo- ajudar à produção e, uma vez que o produto é o resultado ;:'.l
mento descabido qualquer debate sobre a existência de J de um complexo sistema de descodificação e recodifica-
. uma ciência da tradução. Já existe, com os Estudos de Tra- ção nos níveis semântico, sintáctico e pragmático, não de- f
.l dução, uma disciplina séria a investigar o processo de tra- veria ser avaliado segundo uma interpretação hierárquica
l dução, a tentar clarificar a questão da equipa/ê/zela e a desactualizada daquilo que constitui a 'criatividade
examinar o que nesse processo constitui o ie?nr/do.Mas A causa dos Estudos de Tradução bem como da pró
não há nenhuma teoria que pretenda ser normativa e, proa tradução é sintetizada por Octavio Paz no seu pe
embora a afirmação de Lefevere sobre o objectivo da quino livro sobre tradução.Todos os textos,diz, fazem
disciplina (ver supra, p. 28) sugira que uma teoria com- parte de um sistema literário que procede de outros siste-
preensiva poderia também ser aproveitada como /forma mas e com eles se relaciona, sendo, por isso, 'traduções de
de procedimen/opara produzir traduções, ela está muito traduções de traduções' :
longe de sugerir que o propósito de uma teoria da tradu
ção seja o de ser normativa. Qualquer texto é único e é, ao mesmo tempo, a tradução de outro
texto. Nenhum texto é inteiramente original, porque a própria lín-
A partir do momento em que se aceite o carácter prag-
gua, na sua essência, já é uma tradução: primeiramente, do mundo
mático da tradução e a partir do momento em que sda de não-verbal e, em segundo lugar, porque cada signo e cada frase é
lineada a relação entre autor, tradutor e leitor, pode repu- a tradução de outro signo e de outra frase. Este argumento pode,
diar-se o mito da tradução como actividade secundária porém, ser revertido sem perder nenhuma da sua validade: todos
com todas as subjacentesassociaçõesde baixo estatuto. os textos são originais, porque todas as traduções são diferentes
Um diagrama da comunicação que se estabelece no pro- Até certo ponto, todas as traduções são uma invenção e, enquanto
tal, uíiicas.zó
cesso da tradução mostra que o tradutor acumula as fun
ções de receptor e emissor, é o fim e o princípio de duas
\correntes de comunicação, separadas mas interligadas:
zó PAZ, Octavio - 7}zzdacción; /irerafzl/"ay /írera/ídad. Barcelona: Tusquets
Autor - Texto Receptor = Tradutor --Texto Receptor Editor, 1971, p. 9.

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