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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ – UESPI

MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS

DISCIPLINA: LITERATURA: PERSPECTIVAS CRÍTICAS E CULTURAIS

PROFESSORA: DRA. MARIA DO SOCORRO BAPTISTA BARBOSA

Barthes e Foucault: uma discussão sobre o autor

Sanmanth do Nascimento Araújo¹

Teresina, 13 de maio de 2017

Um dos pontos mais debatidos na literatura é a posição do autor nos


textos literários. Esse tema trouxe muitas divergências durante o século XX e
ainda traz, podendo isso ser percebido nas diferentes práticas de criação e
recepção de discursos atualmente. Durante os anos de 1960 e 1970, Roland
Barthes em seu texto A morte do autor e Michel Foucault em O que é um
autor? trouxeram mais um prisma sobre o tema.

A crítica literária teve, por muito tempo, ideias controversas sobre o


assunto. Defendia-se, inicialmente, que existia uma intenção do autor que
deveria ser investigada e era fundamental para uma total significação da obra.
Com o surgimento e a força do New Criticism, surgiu a noção da “falácia
intencional”, onde se afirmava que o que o autor queria dizer era irrelevante,
que o texto deve bastar por si só. Para os New Critics, afirma Compagnon
(2010), essa busca pela intenção do autor era prejudicial à crítica literária.

Primordialmente, afirma Foucault (2002), os textos que hoje são


conhecidos como literários circulavam sem ser colocada em questão a autoria.
Porém, textos que tivessem um caráter mais científico precisavam carregar um
nome que os legitimassem, que seria o nome do autor. Da mesma forma, os
discursos infratores não podiam circular livremente, buscando-se, então, a
identificação do autor do mesmo para que a punição fosse aplicada. Porém,
Foucault observa que hoje há uma dificuldade em aceitar um texto literário

¹ Mestranda em Letras pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI


Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/9432673533270929
marcado pelo anonimato. Pergunta-se sempre por quem e quando aquele texto
foi escrito. O anonimato não é mais aceitável, somente em situações em que
ele possui a condição de enigma.

Barthes (2004) afirma que o autor é uma invenção da modernidade. Com


o empirismo inglês, que defende que somente as experiências pessoais são
capazes de criar ideias, e com o racionalismo inglês, a sociedade passou a ver
existência no prestígio pessoal do individuo e, ainda, o romantismo do gênio
fundador da obra de arte. Foucault mostra ainda que essa busca pelo autor do
texto surgiu como um meio de penitenciar os criadores de textos
transgressores. Os dois apontam os interesses capitalistas nesse ato com os
direitos autorais e o status que o nome de certos autores confere a suas obras.

Barthes e Foucault citam o crítico e escritor francês Mallarmé como o


pioneiro nessa destruição do “império do autor”. E essa dessacralização se deu
de forma mais forte com o surgimento do Surrealismo. Esse movimento, muito
influenciado pela ciência freudiana, afirmava que a obra é criação de um
inconsciente compartilhado entre os indivíduos e não gerado pelas
experiências de um individuo só, o autor. Isso porque, como Barthes aponta, o
texto é tratado como as confidências de uma só pessoa. Essa visão trata o
texto como se ele só tivesse importância e significação quando relacionado a
um autor para que assim seja possível verificar que o autor é quem alimenta
seu livro, que ele antecede sua obra, da mesma forma que um pai antecede
um filho. Foucault, por sua vez, discorre que essa relação autor-texto tem um
caráter classificatório. Com essa relação efetivada, faz-se possível agrupar
certos textos e excluir outros que a crítica não julgue coerente com o restante
da obra do autor.

Aparece então, para Barthes, o escritor, que surge para substituir o autor.
O escritor não é uma pessoa, não possui emoções ou sentimentos. Ele é um
sujeito de papel que não preexiste antes de sua escritura, ele nasce ao mesmo
tempo em que o texto. Para Barthes, escrever é um ato performativo, ele existe
somente no momento do agora e não previamente. Derrida (2013) afirma que
interpretar nada mais é do que tecer um tecido com fios tirados de vários outros
tecidos. Barthes complementa ao dizer que o escritor sempre imita um gesto
anterior, que o poder que o texto tem é o de misturar o seu discurso com
outros. Assim, o escritor é responsável por misturar as escritas, contrariando
umas as outras, numa infinidade de intertextualidade. Sendo impossível tratar a
escrita como um ato de confissão pessoal.

Em contrapartida, observa-se que Foucault não está interessado


inteiramente nas questões da crítica literária, mas sim no controle do discurso e
do poder, já que a função autor está ligada ao sistema jurídico e institucional.
Foucault trata o autor como um instaurador de discursividades, pois ele poderia
ser autor não só de um texto, mas de uma tradição ou teoria. O autor daria
início a uma discussão sobre algo que outros, posteriormente, irão contribuir e
se posicionar a respeito. Exemplificando isso, Foucault cita Freud e Marx que
mais que terem escritos textos sobre psicanálise ou tratados políticos,
respectivamente, eles produziram uma possibilidade infinita de novos textos,
mesmo que diferente dos deles. Com o autor do romance acontece algo
semelhante, mas não idêntico. Porém, é possível verificar que certas obras
abrem caminhos para estruturas, relações e signos que podem ser reutilizados
por outros.

Trazendo o foco para outro elemento da escritura, Barthes afirma que ao


ler, é o próprio leitor que mantém o texto vivo ao imprimir certa postura a ele.
Assegura ainda que esse sim seja o ser total da escrita, pois é nele que são
inscritas todas as citações de uma escrita. O texto não é fechado de
significados múltiplos. E cabe ao leitor dar significados às relações e signos
encontrados no texto. Abrindo caminhos para discussões com outro foco,
dando origem a diversas teorias voltadas ao leitor.

Observamos em Barthes e Foucault uma abordagem similar em relação


ao autor quando rejeitam a ideia de um autor gênio único e solitário, dono do
significado de sua obra que, por sua vez, é precedido por ela, e mostram que
ele é na verdade invenção da modernidade europeia. No entanto, como já
discutido anteriormente, observa-se um distanciamento em suas análises
quanto à finalidade da mesma, já que Barthes está preocupado com a crítica
literária e o autor dentro dela, e Foucault, com interesse filosófico, busca o
enunciador do discurso e as possibilidades desses discursos.
Referência Bibliográfica

BARTHES, ROLAND. A morte do autor. In: _________________. O rumor da


língua. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. p. 57 – 64.

COMPAGNON, ANTOINE. O demônio da teoria: literatura e senso comum.


Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

DERRIDA, JACQUES. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2013.

FOUCAULT, MICHEL. O que é um autor?. In: _________________. Ditos &


Escritos III: Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2013. p. 268 – 302.

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