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Paulo Vianna Sant Anna

Este artigo é um compilado do projeto de pesquisa para mestrado, onde,


propõe-se analisar o processo de construção da Praça Zeca Netto (1970) e do
Forte Zeca Netto (1980-90), erigidos em Camaquã e sua significação para a
constituição da imagem mitológica do General Zeca Netto. Da mesma forma,
estudaremos a figura de José Antônio Netto, também conhecido como Zeca
Netto e a construção do seu mito através de seus feitos na cidade de
Camaquã.

Trabalhar com o papel da memória de Zeca Netto em Camaquã é trazer,


à tona, à memória do cidadão camaquense, os valores políticos e morais que
este homem significou para esta mesma cidade, principalmente, a partir de sua
nomeação para prefeito em 1930, onde exerceu tal cargo até 1932 bem como
os monumentos históricos referentes a este personagem histórico da cidade,
que são: O Forte Zeca Netto (figura1) e a Praça Zeca Netto (f.2), o primeiro,
sua antiga residência e o segundo, erigido em sua homenagem.

A construção do “Forte Zeca Netto” foi baseada na arquitetura da casa


da Estância “El Bichadero”, localizada na República Oriental do Uruguai e
pertenceu a família de Zeca Netto até a década de 1990, quando a prefeitura
da cidade de Camaquã a adquiriu para transformá-la em Museu, secretaria da
Cultura e Biblioteca Municipal.

Figura nº 1

Imagem do Forte Zeca Netto - Camaquã


Fonte: Arquivo fotográfico do Núcleo de Pesquisas Históricas de Camaquã - (NPHC)
Paulo Vianna Sant Anna
Figura nº 2

Imagem da Praça Zeca Netto - Camaquã


Fonte: Arquivo fotográfico do Núcleo de Pesquisas Históricas de Camaquã - (NPHC)

O desenho arquitetônico do Forte Zeca Netto é baseado em casa de


estância localizada na parada Sanchez, sobre a rota 20, no Uruguai a qual se
chama “El Bichadero” (f.3), como foi dito acima, e esta, fora construída por
volta de 1830, possuindo cerca de 18.000 hectares. Esta estância também se
caracterizou pela sua grande importância no desenvolvimento pecuário do
país.

Figura nº 3

Imagem da casa da Estância “El Bichadero” - Uruguai


Fonte: Arquivo fotográfico do Núcleo de Pesquisas Históricas de Camaquã - (NPHC)

Segundo João Máximo Lopes, está estância após passar por diversos
conflitos chegou, uma terça parte, às mãos de Custódio de Oliveira:

“(...) abastado fazendeiro e industrial da erva mate,


esposo de Dona Anna Rodrigues de Oliveira (ANINHA),
sogros do General José Antônio Netto. Este, já morava
no Uruguai e, a partir de seu casamento em 1880,
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passou a residir e administrar a estância cuja
impressionante sede, de enormes proporções, era uma
construção típica das estâncias uruguaias, em forma
de “U” com os extremos ligados por pilastras e grades
em ferro, com todas as dependências voltadas para a
parte aberta (pátio interno) (...).1

O General Zeca Netto, ao retornar para o Brasil, em 1889, mais


especificamente, ao Rio Grande do Sul, instala-se na cidade de Camaquã, na
Estância dos Galpões, de propriedade de Custódio de Oliveira e, terminada a
construção de sua casa, em 1904, estabelece-se na mesma, onde, hoje, é
conhecida como Forte Zeca Netto.

O interesse de se trabalhar com os monumentos que lembram Zeca


Netto, surgiu, como foi dito acima, em detrimento do vasto material encontrado.
Em conseqüência destas fontes e, também, de alguns livros, referentes ao
mesmo assunto, procurou-se delimitar a pesquisa a partir do começo dos anos
1970, quando, foi erigida a Praça Zeca Netto à década de 1990, com a
transformação do chamado “Forte” Zeca Netto em Secretária da Cultura.

Zeca Netto nasceu no Jaguarão-Chico, na estância de seu pai,


conhecida, hoje, como Rincão dos Nettos2, no município de Bagé, em junho de
1854, filho de Florisbelo de Sousa Netto e Raphaela de Mattos Netto. Quanto
ao seu local de nascimento, existiam algumas dúvidas se ele de fato “nasceu
no município de Bagé ou se teria nascido em Jaguarão-Chico, no lado
uruguaio”3.

A situação de José Antônio Netto para com o povo camaquense à época


do inicio de século XX era de total harmonia, pois o seu apoio a Júlio de
Castilhos era bem visto por seus partidários e amigos. Não menos importante
era a sua imagem em outras cidades rio-grandenses como Piratini e Bagé.

Morava Zeca Netto na República Oriental quando, retorna ao Rio


Grande do Sul, pouco antes da queda do Império e, após o nascimento da
República do Brasil, ingressa no Partido Republicano Riograndense (PRR) e,
1
LOPES, João Máximo. Forte Zeca Netto. Artigo nº1. s/d.
2
Grifo nosso.
3
LOPES, João Máximo. Subsídios para a História de Camaquã: Os 80 Anos da Revolução de
1923. Camaquã: NPHC. 2003.
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nomeado por Júlio de Castilhos, “presidi a comissão administrativa do
município de São João Batista de Camaquã”4.

No ano de 1891 assume a Delegacia de Polícia, na mesma cidade, e


logo depois é condecorado como Tenente Coronel do Estado Maior da Guarda
Nacional, por Júlio de Castilhos.

Alguns anos mais tarde, Antônio Augusto Borges de Medeiros é eleito


presidente do Rio grande do Sul e assume o cargo em 25.01.1898, tendo o
apoio do mesmo Júlio de Castilhos e conseguindo a reeleição em 25.01.1903.
Neste mesmo ano, morre em 24 de outubro, Júlio de Castilhos. Segundo
Moacyr Flores:

“Em 1908 passou o governo para Carlos Barbosa.


Elegeu-se sucessivamente em 1913,1918 e 1923. Esta
última eleição foi contestada, apelando a oposição para
a revolução, esperando a intervenção federal que não
veio”5.

Torna-se, mais tarde, chefe do partido republicano camaquense e, apóia


a candidatura de Fernando Abott que, por vias pouco convincentes, é derrotado
por Carlos Barbosa Gonçalves, nas eleições estaduais, como dito acima.

Júlio de Castilhos admirava muito o caráter de Zeca Netto, tanto como


pessoa, tanto como político e, na defesa da região Sudoeste do Estado, não
mediu esforços para defendê-la, tanto quanto o seu feito em defender a cidade
de Camaquã às investidas federalistas.

Em reconhecimento de seus feitos na cidade de São João Batista de


Camaquã, por intermédio do senhor Borges de Medeiros foi-lhe entregue a
chefia do Partido Republicano bem como “a incumbência de, juntamente com o
Cel. Cristóvão Gomes de Andrade escolherem um nome para o governo
municipal recaindo a escolha sobre Bernardo Vieira Dias, vitorioso nas
eleições”6.

4
Idem.
5
FLORES, Moacyr. Dicionário de História do Brasil. 2ed. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. p
388.
6
LOPES, João Máximo. Subsídios para a História de Camaquã: Os 80 Anos da Revolução de
1923. Camaquã: NPHC. 2003. p 39.
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Como Antônio Augusto Borges de Medeiros fora, em 1923, reeleito, de
forma fraudulenta, eclode a chamada Revolução de 23, conhecida também
como a Última Revolução a Cavalo.

A Aliança Libertadora, formada pelos maragatos, lança, à candidatura, o


escritor e pecuarista Joaquim Antônio de Assis Brasil, à presidência do Estado,
no intuito de evitar a reeleição de Borges de Medeiros que, como já foi falado,
terminou reeleito, mantendo assim, o continuísmo positivista deflagrado por
Júlio de Castilhos.

É neste ínterim que, José Antônio Netto, deixa o partido “Castilhista” e


alia-se aos revolucionários de Assis Brasil. Estes, serão reconhecidos como
Assisistas e, buscam a queda de Borges de Medeiros e do positivismo dentro
do Estado gaúcho que pregava a modernização, porém, segundo Joseph L.
Love:

“At the ideological level Castilhos and his followers


defended a positivist “monocracy” based on the (…)
conservative philosophy of Auguste Comte, while the
Gasparistas supported a national parliamentary regime
that would dismantle what they considered the
monstrous state dictatorship of Castilhos”7.

Para demonstrar sua insatisfação com o governo de Borges de Medeiros


e, ao mesmo tempo, provar, ao então presidente Artur Bernardes, a fragilidade
daquele, Zeca Netto e seus revolucionários tomam a cidade de Pelotas a
29.10.1923, onde é recebido “nas mãos do povo”.

Dentre seus discursos existem muitos outros que relatam a tomada da


cidade desde o cerco feito a mesma até a entrada de sua tropa revolucionária
sem, porém, deixar de elogiar e enaltecer o povo bem como a própria cidade.
Ainda referente à tomada de Pelotas, seu filho, Ruy Castro Netto, no livro em
que reuniu as anotações do pai e o intitulou de Memórias do General Zeca
Netto, nos trás um relato escrito do próprio punho do General durante sua
trajetória até a entrada na cidade que:

7
LOVE. Joseph L. Reflections On The Revolution Of 1893. In: ALVES. Francisco das Neves e
TORRES. Luiz Henrique. (Orgs). In: Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Editora da
FURG. 1993. p 15.
Paulo Vianna Sant Anna
“Tomada pela força revolucionária demonstraria ao
Presidente Bernardes que a posição do Dr. Borges de
Medeiros não era tão forte como lhe informava(...)
Quando em marcha vamos nos aproximando ao ponto
onde estavam guardados à nossa espera vinte mil tiros,
nos aparece pela frente o Cel. Juvêncio Lemos(...)
Quando o Cel. Juvêncio(...) empreende marcha em
nossa perseguição, já estávamos habilitados para
enfrentá-lo onde quiséssemos(...) Convidei todos os
oficiais para deliberarmos: ou atacar a força de
Juvêncio, ou atacar a cidade de Pelotas. Ponderei-lhes
que atacar a força de Juvêncio e derrotá-la, pouca
influência teria para a nossa causa no momento da
paz(...) Marchei célere, noite e dia, para ganhar tempo
à força de Juvêncio, única que existia que podia atacar-
me. Quando em marcha à Pelotas, a certa altura
recebo a incorporação de um piquete de trinta homens
decididos e valentes, trazendo cada um uma Mauser e
um cargueiro com trinta mil tiros. Ficou assim a coluna
composta de duzentos e cinqüenta homens bem
armados e com cinqüenta e cinco mil tiros(...) Ao sair
da serra, recebo um enviado de Pelotas, e de auto,
trazendo bilhete perguntando a que hora eu com a
coluna entraria na cidade. Digo-lhe: “Meu amigo, volte
e diga aos companheiros que às quatro horas lá
estarei”(...) Marcha a coluna ao trote no rumo das Três
Vendas(...) Chegada à coluna às Três Vendas, mando
os comandantes dos grupos que avançassem a galope
e cada um atacasse o posto que lhe era destinado(...)
As onze horas, conduzido por uma compacta massa
popular, cheguei à Intendência onde se encontravam
os principais vultos daquela cidade pertencentes ao
credo revolucionário. Dali foi passado em meu nome
um telegrama ao Presidente Bernardes, fazendo-o
ciente que uma coluna revolucionária se havia
apoderado da segunda cidade do Estado”8.

A partir então, de sua confirmação ao lado do partido Assisista, os


correligionários castilhistas camaqüenses de Zeca Netto viraram-se contra este
e, nem por isso, José Antônio deixou de residir em Camaquã e lutar pelo seu
povo. No entanto, para muitos ele foi apenas mais um grileiro que utilizando-se
de períodos bélicos no Rio Grande do Sul, aproveitou-se para aumentar ainda
mais a herança territorial deixada pelo pai Florisbelo de Souza Netto.

Outros o têm como a grande personalidade política da época, que


Camaquã teve a felicidade de conhecer e conceder-lhe subsídios para que, ali,

8
NETTO. Ruy Castro. Memórias do General Zeca Netto. Porto Alegre: Martins Livreiro. 1983. p
97 a 102.
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desfrutasse com sua família a sua vida, dividida entre os deveres de pai e
marido e as obrigações políticas.

É nesta conjuntura formada pela pessoa de José Antônio Netto entre,


personalidade política de um lado e, de outro, um homem malquisto por
correligionário e membros da população em geral que, a pesquisa buscará
desenvolver-se, ou seja, após a sua morte em 1948, a figura de Zeca Netto
parece ter desaparecido do imaginário camaquense e, só então a partir da
construção da praça que leva seu nome e da restauração de sua residência,
que hoje leva o nome de Forte Zeca Netto, como foi dito acima, é que a
população tem reconstruído um pouco mais da figura política e camaquense de
José Netto.

Trabalhar-se-á com a construção do mito de Zeca Netto através de


monumentos, de forma a trazer também a lembrança guardada de pessoas
que conviveram com ele e também que viveram os reflexos de suas ações.
Sendo assim, não se pode ter em mente que o mito seja uniforme, moldado, ou
seja, não são apenas ações beneméritas proferidas pelo vulto que o
caracterizará no decorrer das décadas, a sua imagem mitológica. Tampouco
suas ações malfeitoras o caracterizam.

A construção do mito se da na justaposição de suas ações, sejam elas


boas ou más, só assim pode-se afirmar que o personagem estudado torna-se
mito ou não, pois, se analisarem apenas atos benevolentes, este mesmo vulto
não se configurará em mito, criar-se-á, isto sim, uma lenda, seja ela viva ou
morta.

Parece que Girardet nos fornece uma forma mais ampla de se trabalhar
com a construção do mito político, quando sugere alguns aspectos relevantes
no estudo do mesmo, onde:

“(...) o mito político aparece como fundamentalmente


poliformo: é preciso entender com isso que uma
mesma série de imagens oníricas pode encontrar-se
veiculada por mitos aparentemente os mais diversos; é
preciso igualmente entender que um mesmo mito é
suscetível de oferecer múltiplas ressonâncias e não
menos numerosas significações. Significações não
apenas complementares, mas também frequentemente
Paulo Vianna Sant Anna
opostas(...) o mito é igualmente ambivalente(...) as
possibilidades de inversão do mito não fazem senão
corresponder à constante reversibilidade das imagens,
dos símbolos e das metáforas. O mito político não
escapa a essa regra. O tema da própria conspiração
não é necessariamente acompanhado de exclusivas
conotações negativas”9.

Esta talvez seja o grande diferencial, a ambigüidade, de tornar alguém


uma celebridade ou torná-la um mito, isto é, a capacidade de discernimento
que o coletivo possa fazer entre as qualificações e limitações daquele que pode
vir a se tornar mito. O que isto quer dizer? É preciso trabalhar com as
memórias coletivas e individuais para poder-se saber se a figura de Zeca Netto,
no caso específico, se tornou um mito ou apenas preserva sua imagem de
grande benfeitor da/pela cidade de Camaquã.

Se, por um lado, antes da construção da Praça Zeca Netto e o total


abandono de sua residência após a morte de seu filho Ruy Castro Netto, o
povo não construíra uma imagem política mitológica de Zeca Netto. Coube as
autoridades da época, homenageá-lo, a partir dos anos 70 com a construção
da praça.

Maurice Halbwachs ao trabalhar a memória coletiva e imagens se refere


dizendo que:

“(...) se as imagens se fundem tão intimamente com as


lembranças, e se elas parecem emprestar a estas suas
substâncias, é que nossa memória não é uma tabula
rasa, e que nos sentimos capazes, por nossas próprias
forças, de perceber, como num espelho turvo, alguns
traços e alguns contornos (talvez ilusórios) que nos
devolveriam a imagem do passado10.

Esta é uma questão interessante que deve ser abordada durante a


pesquisa, através de entrevistas, que é a utilização da praça como local de
eventos oferecidos à comunidade e, a pergunta é: aqueles que para lá se
dirigem, têm consciência de quem foi Zeca Netto?; que papel exerceu na

9
GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Companhia das Letras.1987. p15-
16.
10
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Ed. Centauro. 2004. p 28.
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cidade?; porque está praça foi erigida com o seu nome?, entre outras
perguntas.

Esta é a proposta que buscar-se-á trabalhar, ou seja, como estes


monumentos contribuem para a perpetuação do vulto de José Antônio Netto na
memória coletiva da comunidade camaquense.

O levantamento bibliográfico e documental feitos no Núcleo de


Pesquisas Históricas de Camaquã e o diálogo que foi proporcionado com os
seus integrantes estimularam a opção pelo objeto de estudo escolhido bem
como a possibilidade de entrevistas que podem ser feitas com os parentes, em
sua maioria netos e bisnetos.

Em leituras feitas acerca de Zeca Netto, percebem-se seus feitos


políticos e sua construção como homem político, sem recorrer na possibilidade
de se estar falando de uma figura que, ao longo da História, tornara-se um
mito. Homem simples, porém com refinado teor intelectual, cursou o primeiro
ano de engenharia civil no Rio de Janeiro, onde conheceu personalidades e
ingressou, aos 18 anos no Partido Republicano, neste período já falava
fluentemente inglês, francês e espanhol.

Zeca Netto procurou sempre dividir seus compromissos de forma


ordenada. Possuía terra na Banda Oriental do Uruguai que herdara de seu pai.
Sua vida campeira sempre este entre o eixo Camaquã-Montevidéu. No plano
político não era homem que precisasse da “imprensa” para mostrar seus feitos
em prol do povo camaquense. Sua ilustre figura foi se ressaltando perante os
demais em virtude se suas qualidades enquanto homem fiel aos seus
princípios, indo de encontro ao que Mathias Aires disse do desejo dos homens
que:

“Procuramos ser objetos da memória e assuntos da


fama: o nosso fim é querermos que se fale em nós,
vindo a ser ambiciosos das palavras dos outros, e
idólatras das narrações da história. Este delírio nos
entrega a aplicação das letras, e nos inspira a
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inclinação das armas, como dois pólos, que guiam para
uma fingida e sonhada imortalidade”11.

Este, com certeza, nunca fora o desejo de Zeca Netto. Mas é


exatamente na questão de se criar um herói, ou vilão, que se mostra ser
necessária a criação de um mito para que um determinado povo tenha naquela
figura um reflexo de si mesmo. É o mito de Narciso incidindo na construção do
ideal coletivo a partir da confirmação do individuo, ou seja, cada individuo
procura no outro o sentido da coletividade e, isto é a grande perda em uma
sociedade moderna, alicerçada no consumismo.

Vovelle citando Philippe Ariès, em seu livro Ideologias e Mentalidades,


conclui que:

“O inconsciente coletivo anima forças psicológicas


elementares, que são a consciência de si mesmo, o
desejo de superar-se ou, ao contrário, o sentido do
destino coletivo, da sociabilidade, etc(...) O que são
essas representações coletivas?(...)”.12
É exatamente a existência desta criação coletiva do mito, que buscará
se trabalhar ao longo da pesquisa, pois, as homenagens a ele, existem, todas
elas referentes ao caráter político, no entanto, a população tem consciência
de que pode estar construindo um mito como representação da
mentalidade coletiva da comunidade? Os parentes que ainda vivem e
residem em Camaquã, tem em sua pessoa um mito ou um ente querido
que é lembrado carinhosamente? Sabem o significado do papel político
por ele exercido na cidade?

A projeção da Praça Zeca Netto como ponto de encontro dos grupos


sociais e, como local para a realização de eventos, traz a necessidade de se
trabalhar com estas mentalidades a fim de se descortinar, para o público em
geral que, além de ser um patrimônio público onde, assistem a shows,
comícios, feiras, etc, este local também é salvaguarda da memória coletiva da
cidade.
11
AIRES, Mathias. Reflexões Sobre A Vaidade dos Homens. São Paulo: Editora Escala. 2004.
p 39.
12
VOVELEE, Michel apud ARIèS Philippe. In: Ideologias e Mentalidades. São Paulo: Editora
Brasiliense. 2ed. 1991. p 108.
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É neste local que as pessoas trocam experiências, relembram histórias,
marcam encontros, praticam esportes coletivos, passeiam, ou seja, é a
“sociedade em si mesma como uma representação coletiva”13. Por isso se
achou interessante trabalhar este local que tem em seu nome a representação
de uma figura importante dentro da história de Camaquã e que, no entanto,
passa despercebido para muitos transeuntes e freqüentadores do mesmo.

É preciso analisar como, quando e por que a residência de José Antônio


Netto passou a ser chamada de “Forte Zeca Netto”, ou seja, trabalhar os
discursos daqueles que, em moções póstumas, homenagearam Zeca Netto e,
a partir disto, montar/construir o surgimento do “Forte” para que, assim, se
possa utilizar do mesmo como formador da memória coletiva pois:

“Talvez seja rentável analiticamente pensarmos os


“patrimônios culturais” como determinado “gênero de
discurso”, isto é, como modalidades de expressão
escrita ou oral, que partem de um autor posicionado
(individual ou coletivo) e se dirigem e respondem a
outros discursos. Isto significa dizer que estou tomando
como pressuposto que os “patrimônios culturais” não
são simplesmente uma coleção de objetos e estruturas
materiais que existem por si mesmas, mas são, na
verdade, discursivamente constituídos. Desse modo, os
objetos que identificamos e preservamos como
“patrimônio cultural” de uma nação ou de um grupo
social qualquer não existem como tais senão a partir do
momento em que assim os classificamos em nossos
discursos”14.

Esta é a conjuntura da memória que se tem sobre Zeca Netto. Portanto


esta pesquisa se debruçará nos “nascimentos” destes dois monumentos
históricos e suas implicações no cotidiano da urbe camaquense, com a
intensão de se analisar o quanto o vulto deste homem esta incrustado na
memória do individuo, ou seja, ele apenas é mais uma personalidade política
ou se se caracteriza como mito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
13
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