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Resumo
Considerações iniciais
Gamboa2, creio ser preciso discorrer um pouco acerca da doença que gerou o título de
seu romance, ou seria um texto épico? Bem, vamos por partes. Por ora, se utilizará o
termo “romance”.
de Homero (século VIII a.C), “A Odisséia”, onde Odisseu (Ulisses) que, para resgatar
Helena,
“[...] mulher do rei Menelau que fora raptada – Ulisses participou por dez anos
do cerco de Tróia, mas só depois de uma simulação de retirada precedida de um
1
Mestrando no curso de História da Literatura pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Fundação
Universidade Federal do Rio Grande.
2
Santiago Gamboa (Bogotá, 1965) estudou literatura na Universidade Javeriana de Bogotá, na Colômbia.
Mudou-se para a Espanha, onde viveu até 1990 e licenciou-se em filologia hispânica pela Universidade
Complutense de Madri. Em Paris, estudou literatura cubana na Universidade de Sorbonne. Dados
extraídos do livro A Síndrome de Ulisses.
Paulo Vianna Sant Anna
“presente de grego” (cavalo recheado de guerreiros) os membros da força de
resgate chegaram à vitória. Antes de retornar Ulisses fez um tour pelo Mar
Mediterrâneo que durou outros 10 anos, deparando-se com cavalos que voavam,
animais semi-humanos, deuses e semideuses, monstro, e até uma feiticeira –
Circe – que transformou seus marinheiros em porquinhos. Ausente por duas
décadas, retornou Ulisses ao lar, onde sua esposa o esperava, são e salvo de
todas as perigosas aventuras das quais participou [..]” 3,
mais, ora menos acentuadamente a respeito dos sintomas desta síndrome. Seria o caso,
por exemplo, como bem mostra o próprio livro, do personagem Jung, coreano que,
literários.
3
LIMEIRA, Thales Gouveia. Ulisses, herói de Tróia, deu o nome a uma síndrome. Publicado na Revista
da Associação Médica do Espírito Santo. Set/out 2004. p 1.
4
op. cit. p 1.
Paulo Vianna Sant Anna
A análise a respeito da construção literária empregada por Gamboa partiu, a
priori, da capa de seu livro. A capa utilizada para a análise foi a da versão brasileira,
onde se tem uma mulher de costas, nua, sentada em uma banheira de um banheiro com
azulejos verdes. A capa que se crê, européia, tem a Torre Eiffel em segundo plano e,
uma estátua no primeiro plano. A capa da edição brasileira traz muitos argumentos para
ser humano no seu “eu” mais íntimo, sua alma esta “aberta” para as novas sensações e
uma vez que, a mulher, despe-se em seu banheiro, lugar onde a nudez é natural e isenta
de pudores.
um país desconhecido, ao mesmo tempo em que buscam agarrarem-se naquilo que para
literários estão em completa inter-relação, seja na arte lírica, épica ou dramática, haja
vista que:
“numa obra poética ressalta ora o lírico, ora o épico, ora o dramático, sem que
por isso faltem os demais, nem possam jamais – integrando uma obra de arte
Paulo Vianna Sant Anna
lingüística – estar totalmente ausentes. Uma mesma frase soará acentuadamente
lírica, épica ou dramática conforme minha entonação”.5
percebida nA Síndrome de Ulisses, pois, ora se tem passagens, que são praticamente,
A obra é toda montada em vai e vem, ou seja, ora relata aspectos de personagens
preciso avaliar bem está hipótese. Como o romance começa remontando a um passado,
em que o narrador diz: “Naquela época, a vida não me sorria”7, subentendesse que o
mesmo esteja relatando a história em que viveu em Paris, na década de 1990, para uma
ou mais pessoas, como bem mostra esta passagem: “Uma manhã, depois de um par de
horas sentado na ducha, escutei um barulho, e quando saí vi que era o telefone. Estão
seja, ao narratário, mas, neste caso, suprime-se a questão do narratário, para que a
mostra para o leitor como os demais imigrantes vivem e vêem a questão diaspórica.
convívios em geral, procurando dar uma resposta ou, o que seria mais afeito, um sentido
para as suas migrações para outros países. Estas declarações ressaltam-se em parte,
épico, no entanto, vê-se mais adiante que estas, terminam relacionando-se com aquele
E isto é claramente perceptível dentro da obra, uma vez que, os capítulos podem
ser divididos por personagens. Veja-se um exemplo: os capítulos sete, nove, dezoito
(primeira parte – Histórias de Fantasmas); capítulos um, três e dez na segunda parte
A preocupação do autor, tanto para com o enredo dos personagens como para
com o enredo em geral, faz do romance um híbrido de drama com passagens épicas,
9
op cit. p 133.
Paulo Vianna Sant Anna
perspectiva concernente ao enredo, Gamboa realçou a questão da diáspora, quando
tratada, pelas personagens, como indagação pertinente aos seus estilos de vida, ou seja,
o fator diaspórico toma contornos que, no íntimo de cada personagem, em sua nudez
mais recôndita, este sentimento de perda de suas origens, conflitos culturais, aflora, de
Dentro deste intuito, em seu romance, Santiago Gamboa traz algo que, como diz
Massaud Moisés:
Partindo-se da idéia de que o romance nasceu do desejo de uma nova classe que
construção literária era o indivíduo, Gamboa consegue mesclar o drama cotidiano com
os problemas que afetam umas sociedade num todo, Angélica Soares define com
e do dramático, voltando-se mais uma vez para Emil Staiger citando as palavras de
10
MOISÉS, Massaud. A Criação Literária: Prosa I. São Paulo: Cultrix. 20ed. 1967. p 174.
11
op cit. p 42.
Paulo Vianna Sant Anna
“[...] da estreiteza da cena, da economia das figuras [...] registra [...] uma
tendência do poema para a tragédia, quando além disso aponta a ocupação
íntima do coração, e o interesse patológico – que [...] só podem representar
qualidades líricas – vemos como a epopéia situa-se muito peculiarmente em
relação aos outros gêneros literários, como ela [...] participa do gênero lírico, do
épico e ainda do dramático”12.
relações, abruptas, muitas delas, reservam um pouco das angústias destas personagens
em relação ao futuro. Suas incertezas estão latentes em seus gestos, em seus costumes,
anterior.
literários e a própria capa do livro que, por sua vez, harmoniza os três gêneros: lírico,
épico e dramático.
nua, sozinha em seu banheiro (deduz-se que seja o “seu” banheiro), remete a idéia de
estar em seu momento mais íntimo, onde, só ela poderá penetrar neste mesmo “íntimo”,
não há ninguém “de fora”, perscrutando seus gestos, seus hábitos, seus pensamentos.
Ali está àquela mulher com o “Eu” lírico trazendo à tona seus receios, seus sentimentos,
seus medos, suas lembranças, num processo de fluxo de consciência dela para com ela
12
op. cit. p 116.
13
op. cit. pp 31-49.
Paulo Vianna Sant Anna
Parece que esta mulher está recordando seus feitos passados, em um estado
nostálgico, em que “o passado [...] é um tesouro de recordação” 14, pois é assim que
Quanto ao gênero Épico, a gravura nos desvela uma apreciação de uma vida que,
a priori, àqueles que não a conhecem perguntam-se de onde? De onde o quê? De onde
vem está mulher? De onde se construiu este cenário? De onde ela está tomando seu
banho? Ela está se apresentando para o mundo apesar de, naquele momento, ser
formada por partes, ou seja, fora de um contexto mais amplo, totalizante. É ela quem
uma apresentação, para usar uma definição de Staiger, esta mulher se apresenta como
um organismo que “é uma formação em que cada parte isolada é ao mesmo tempo fim
contexto do todo”15.
muitas vezes para a encenação dramática, parece estar explícita a idéia da tensão,
14
Idem. p 55.
15
Ibdem. p 101.
16
Ibdem. pp 130-137.
Paulo Vianna Sant Anna
Esta parece ser a idéia da capa, em que uma mulher prepara-se para sair do
banho e seguir seu “destino”, seja ele qual for afinal, terá que ter um fim esta sua
procura. Procurar..., é exatamente isto que as personagens fazem dentro da obra, cada
um esta atrás daquilo que, por muitas vezes, nem sabem o que é. Existe apenas uma
de certo modo restrito, uma vez que corresponde às personagens do livro, algo que, à
primeira impressão parece óbvio. Restrito porque muitos sintomas estão incrustados ali,
próprio livro.
enquanto que, através da capa isto fica subentendido, uma vez que, ao estar de costas, a
figura feminina parece dizer que não está com coragem de se mostrar para este
“admirável novo mundo”, para usar a expressão de Aldus Huxley, o que, por sua vez,
está muito bem representado dentro da obra pelas personagens que escolheram uma vida
agora visto como representação do todo, em relação à humanidade, esta parece esconder
suas lembranças, suas indagações, seu passado, no mais amplo sentido, ou seja,
sentimentos e recordações que por ora emergem à tona, neste lugar onde ninguém lhe
será inoportuno. Lugar onde poderá refletir e avaliar suas ações e suas insatisfações
comigo mesmo.
Paulo Vianna Sant Anna
Considerações finais
olhos a condição em que seres diaspóricos buscam meios de colaborarem uns aos outros
A rapidez com que o enredo se desenvolve, mostra claramente esta angústia, esta
Mais uma vez, relacionando a obra com os três gêneros literários, esta nuova
vita das personagens, parece ser a coadunação destes três gêneros, embora em alguns
inquietações e medos.
com que o enredo se torne um misto de sentimentos que, como na literatura e nas artes
em geral “não existe uma obra puramente lírica, épica ou dramática”, o mesmo acontece
com os seres humanos que não possuem o poder de escolha para sentirem apenas aquilo
romance, para deixá-lo melhor caracterizado. Entretanto, não foge da miscelânea que
envolve os gêneros literários. Eles estão aí bem espalhados, dentro de um plano social e
psicológico.
Quanto aos aspectos que lhe dão características diferentes dos demais tipos de
prosa, Walter Benjamin mostra que: “o que distingue o romance de todas as outras
Paulo Vianna Sant Anna
formas de prosa – contos de fada, lendas e mesmo novelas – é que ele nem procede da
É claro que está se falando aqui de vários tipos de prosa, dentre as quais a novela
poderia aparecer dentro da obra de Santiago Gamboa, haja vista que, muitos
personagens iniciam e terminam uma ação ao longo do enredo. Mas por ora, basta a
Referências Bibliográficas
17
BENJAMIN, Walter. O Narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica,
arte e política: Esnaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas Vol. 1.Trad. Sergio Paulo
Rouanet. s/l: Brasiliense. 1985. p 201.