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Resumo
Introdução:
Dentro desta vasta produção, o romance “Os Guaxos” foi selecionado pela forte
confluência entre Literatura e História. A segunda servindo, claramente, como pano de
fundo para a primeira. É preciso ressaltar que Barbosa Lessa era formado em Direito e um
apaixonado pela História do Rio Grande do Sul, por isso, sua bibliografia voltada para os
1
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Letras em História da Literatura pela Fundação Universidade
Federal do Rio Grande (FURG).
2
Luiz Carlos Barbosa Lessa nasceu em 1929, numa chácara nas imediações da histórica vila de Piratini
(capital farroupilha). Indo cursar o ginásio na cidade de Pelotas (Ginásio Gonzaga), aos doze anos de idade
fundou um jornalzinho escolar, “O Gonzagueano”, em que publicou seus primeiros contos regionais ou de
fundo histórico. Para cursar o 2º grau colegial, transferiu-se para Porto Alegre, ingressando no Colégio Júlio
de Castilhos. Aos dezesseis anos de idade já colaborava para uma das principais revistas brasileiras de cultura
(“Província de São Pedro”) e obteve seu primeiro emprego como revisor e repórter da “Revista do Globo”.
Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de Porto Alegre (UFRGS) em 1952. A partir de 1989, manteve uma
pequena reserva ecológica no município de Camaquã, onde residiu com sua esposa Nilza, que dedicava-se a
produção artesanal de erva-mate e plantas medicinais. Recebeu o título de Cidadão Camaqüense, além de ser
Patrono de Honra da Casa do Poeta, e duas vezes patrono da Feira do Livro de sua terra adotiva. Na
literatura, infatigável edição de livros e álbuns. Destaque para o romance “Os Guaxos”, prêmio nacional de
romance em 1959 da Academia Brasileira de Letras, os contos de “Rodeio dos Bentos”, o ensaio indigenista
“Era de Até”, o ensaio histórico “Rio Grande do Sul, prazer em conhecê-lo”, a novela policial “O crime é um
caso de Marketing”, o paradidático “Nheçu”, os contos/crônicas/poesias de “Histórias para sorrir” e os
quadrinhos de “Garibaldi Farroupilha”. In: CAPOCAM, Casa do Poeta Camaqüense. Poesia pela Paz:
Antologia IV. Cachoeirinha: Gráfica Odisséia Ltda. 2004. 104p. pp. 07-09.
Paulo Vianna Sant Anna
costumes e tradições gaúchos. Qual a importância deste argumento? A questão é que o
músico e escritor gaúcho, em muitas de suas obras, trabalha com a narrativa ficcional sem
perder o enfoque histórico, dando a este, seu devido papel dentro do romance sem, porém,
perder seu caráter científico.
Tendo-se uma idéia mais generalizada do conceito de “guaxo”, cabe agora partir
para um estudo mais aprofundado do romance histórico (ou não) da obra de cunho sócio-
psicológico sobre o gaúcho do pampa do pós Guerra do Paraguai, “Os Guaxos”.
Em seu livro “Rio Grande do Sul, prazer em conhecê-lo: como surgiu o Rio Grande
do Sul”, por exemplo, o autor descreve, através do discurso histórico, as origens do Rio
Grande até o surgimento da Imprensa e o primeiro navio a vapor, sem, no entanto, perder o
vínculo literário, ou seja, a obra, em si, retrata o percurso do povo gaúcho ao longo de seu
desenvolvimento social, cultural, político e econômico, de uma forma esteticamente bem
produzida. Em nota introdutória, o autor já segue na esteira da literatura, convidando o
leitor a viajar pelos caminhos do Rio Grande:
Quanto ao livro “Os Guaxos”, o objeto de pesquisa deste artigo, propriamente dito,
também se enquadra dentro dos parâmetros históricos conhecidos do Rio Grande do Sul,
porém, seu viés está mais voltado para as características que envolvem o fazer literatura
enquanto objeto de prazer, ou seja, seu intuito está em escrever um romance onde o
contexto histórico serve como pano de fundo, ao mesmo tempo em que tenta alocar as
mulheres como protagonistas em um período em que os homens (seres humanos) viviam
em uma sociedade essencialmente patriarcal.
Outro quesito interessante é a sua relação com a obra de Cyro Martins, em razão de
“Os Guaxos” ser um retrato do “gaúcho a cavalo”, parafraseando a trilogia daquele: “O
gaúcho a pé”. Naquela obra o autor retrata a vida dos homens que trabalham na lida com o
gado, homens tropeiros, como, também, retrata a vida das mulheres que vivem em
estâncias e seu papel no dia-a-dia nas fazendas gaúchas; nesta, mostra a perda de
identidade do gaúcho frete às tecnologias agrícolas e urbanas.
Georg Lukàcs para definir o romance histórico em seu livro “La novela histórica”
se utilizou da obra de Walter Scott para formular suas teorias. Desta forma vai construindo
algumas perspectivas do autor para com sua obra, ou seja, por exemplo, no caso de Walter
Scott - precursor do romance histórico - sua obra tem como característica não se situar na
mesma época em que foi escrita:
Esta perspectiva ou opinião crítica, não deve ser generalizada, uma vez que, outras
obras podem ser consideradas romances históricos, mesmo retratando a época em que são
escritas. Esta variante, porém, não se enquadra no romance “Os Guaxos”, que segue a
teoria de Lukàcs quanto ao período em que foi escrito e a época em que se passa.
“Ele sabe que a arte, sob todas as suas formas, pode esperar tudo
das novas gerações, cujo engenho ainda em germe se vê brotar
nos nossos ateliês. [...] Ele teme unicamente, como nesta obra se
poderá ver, que a seiva tenha desaparecido do velho solo da
arquitetura, que durante tantos séculos foi o melhor terreno da
arte. [...] Mas, em todo o caso, seja qual for o futuro da
arquitetura, de qualquer forma que os nossos jovens arquitetos
resolvam um dia à questão da sua arte, enquanto esperamos pelos
novos monumentos, conservemos os antigos. Inspiremos à
nação, se é possível, o amor da arquitetura nacional. É esse, o
autor francamente o declara, um dos fins principais deste livro; é
esse um dos fins principais da sua vida. [...] O Corcunda de
Notre-Dame oferece talvez algumas perspectivas verdadeiras
sobre a arte da Idade Média, sobre essa arte maravilhosa até
agora desconhecida de uns e, o que é ainda pior, desprezada por
outros.” 6
Neste trecho o autor expõe claramente suas intenções críticas que vão de encontro à
cultura arquitetônica da França e, para que não se torne um compêndio sobre arquitetura,
constrói, em cima desta intentio, um enredo digno de uma boa literatura, como de fato “O
Corcunda de Notre-Dame” o é. Caracteriza-se está obra como “um romance histórico ou
uma história romanceada”?, para se utilizar termos de Regina Zilberman. Acreditando que
5
LUKÀCS, Georg. La forma clasica de la novela histórica. In: _____ La novela histórica. México:
Ediciones Era. 1966.
6
HUGO, Victor. O Corcunda de Notre Dame. Col. A Obra Prima de Cada Autor. São Paulo: Martin Claret.
2006. pp16-17.
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a obra de Victor Hugo se enquadra como um romance histórico, a mesma serviu como
exemplo para se trabalhar o livro de Barbosa Lessa.
Esta separação trouxe, até os dias atuais, duas discussões bastante pertinentes. De
um lado está o quanto a narrativa histórica pode ser levada ao campo da literatura, ou seja,
onde termina a História e começa a Literatura, para citar um exemplo; por outro, a questão
7
DECCA, Edgar de. O Que é Romance Histórico: Ou, devolvo a bola pra você, Hayten White. In:
AGUIAR, Flávio. et alli (orgs). Gêneros de Fronteira: Cruzamentos entre o histórico e o literário. São
Paulo: Xamã VM Editora. 1997. 392p. p198.
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se inverte e se dá em relação à Literatura, a saber: até que ponto a Literatura pode ser aceita
como fonte histórica?
Parece que o problema ainda não está resolvido, pois, o que Edgar revela são os
vieses que cada corrente percorreu para descrever os mesmo caracteres, os mesmo objetos,
os mesmos meios sociais, etc. O que interessa é saber como caracterizar, especificamente,
cada uma dessas correntes. É claro que a colocação de Decca, não foi posta por engano ou
por tentar esclarecer estas dúvidas, a proposta é deixar explícita a idéia de que é muito
complicado delinear cada ramo com suas respectivas definições.
8
Idem. p 199.
9
_______, Georg. La forma clasica de la novela histórica. In: _____ La novela histórica. México:
Ediciones Era. 1966. p44.
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Este, talvez, seja o princípio de toda a obra literária. Ser algo que revela - através de
personagens que, de fato existiram, mas que no desenrolar da narrativa tornam-se apenas
personagens fictícios, representantes de acontecimentos que realmente aconteceram – as
ações e comportamentos do ser humano frente a fatos que marcaram determinada época,
para assim se analisar os demais comportamentos e sentimentos que açambarcam a
constituição psicológica do homem e, para, também, não somente focalizar os indivíduos
em relação aos episódios históricos, mas concomitante e, principalmente, focalizar estes
acontecimentos em razão do homem.
Quanto ao trecho de “Os Guaxos” citado acima, mas ainda não exposto, revela a
interseção entre a História e a Literatura, onde os acontecimentos figuram em segundo
plano, dando as personagens um realce que é característico da própria obra. Este trecho se
passa algum tempo após a promulgação da lei do “Ventre Livre” 10, onde os escravos foram
“alforriados”11 sem, no entanto, usufruírem de fato de tal concessão:
10
O Partido Liberal comprometeu-se publicamente com a causa, mas foi o gabinete do Visconde do Rio
Branco, do Partido Conservador, que promulgou a primeira lei abolicionista, a Lei do Ventre Livre, em 28 de
setembro de 1871. De poucos efeitos práticos imediatos, deu liberdade aos filhos de escravos nascidos a
partir dessa data, mas os manteve sob a tutela dos seus senhores até atingirem a idade de 21 anos. [...] A Lei
do Ventre Livre declarava de condição livre os filhos de mulher escrava nasciods desde a data da lei. In:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abolicionismo_no_Brasil#Lei_do_Ventre_Livre. Acesso em: 27/02/2008.
11
Alforria: Liberdade concedida ao escravo. In: Novo Dicionário Aurélio Eletrônico. Versão 5.0Positivo
Informática.
12
Garibaldi é um personagem do romance, não confundir com o vulto que lutou na Revolução Farroupilha.
(N. do A).
13
LESSA, Barbosa. Os Guaxos. 1ed. condensada. Porto Alegre: Editora Tchê. 1984. p11.
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eventos narrados; que criam um efeito de real, produzem a
sensação de que o que está sendo narrado, de algum modo
aconteceu. [..] Do ponto de vista de um historiador, parece-me
que o romance histórico, como gênero literário, é muito difícil de
ser analisado. Poderíamos defini-lo por suas pretensões realistas,
uma vez que a história lhe daria credibilidade e verdade? Não
tenho certeza disso, afinal de contas, jogar o enredo de um
romance em uma época histórica remota pode reforçar muito
mais os seus aspectos não-realistas. Allan Poe no romance
policial faz um deslocamento de lugares, onde as tramas do
crime nunca transcorrem em uma cidade próxima do leitor
americano, mas sempre em Londres e principalmente Paris,
cidades de difícil acesso para o leitor comum de seus contos.
Com isso, leitor prenderia sua atenção muito mais nos aspectos
ficcionais do enredo, no desenvolvimento lógico e intelectual dos
procedimentos de detetive em sua descoberta do autor do crime,
do que nos detalhes realistas.” 14
Partindo-se deste ponto de vista, “Os guaxos”, é um romance histórico com todos
os “ingredientes” que a ele cabem. É ambientado em um cenário imaginado/imaginário,
não havendo comprovação histórica de sua existência, coadunando com a idéia de
deslocamento e dos aspectos fictícios que englobam a obra. Por outro lado, ao mesmo
tempo em que o leitor é remetido para um ambiente fictício, dentro do prisma histórico, o
autor ressalva as atitudes e a psicologia dos personagens, prendendo o leitor no que
concerne aos arquétipos de uma determinada época, deixando a ambientação em segundo
plano e prendendo a atenção do leitor para as tramas envolvendo única e exclusivamente os
personagens e seus interesses diversos.
Conclusão:
A partir desta premissa, se pode observar que Barbosa Lessa se utilizou de ambas
as narrativas para elaborar seu romance histórico. Este se calca em pontos convergentes à
História, quando se refere, por exemplo, ao Ventre Livre, situando, por conseguinte, no
tempo e no espaço o leitor e identifica-o com a Literatura quando releva preocupação com
a natureza estética da obra ao mesmo tempo que cria personagens e cenários fictícios.
O livro “Os Guaxos” trouxe para o campo da literatura gaúcha aspectos que ainda
não havia sido visitado pelos demais autores: o “gaúcho a cavalo” visto pelo prisma
eminentemente social e que, teve papel relevante para o futuro da Literatura gaúcha, sendo
agraciado, em reconhecimento, com os prêmios: Coelho Neto, pela Academia Brasileira de
Letras e; Júlio Ribeiro, da Academia Paulista de Letras.
Referências Bibliográficas:
15
DECCA. p200.
Paulo Vianna Sant Anna
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LUKÀCS, Georg. A Teoria do Romance: Um ensaio histórico-filosófico sobre as
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SHÜLER, Donaldo. Teoria do Romance. 1ed. 2ª reimp. São Paulo: Editora Ática. 2000.
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