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Diretores
Justo Werlang
Alexandre Moreira
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO EXECUTIVA
ASSISTENTES
Affinité Corretora de Seguros
Bruna Anele
PROGRAMA EDUCATIVO
Debora Plocharski Borges
ASSISTENTE E PRODUTOR GERAL
Isabella Mendonça Lucas Vilela Souza
Kailã Isaias
COORDENADORA DE MEDIAÇÃO
Laís Werneck Renata Sampaio
Renata Signoretti
PRODUÇÃO
Katiana Ribeiro
PESQUISA DE CONTEÚDO ARTÍSTICO REDES SOCIAIS
EROICA conteúdo
Câmara de professores
CRIAÇÃO DO LOGOTIPO DA BIENAL 12
TITULARES
Márcia Valadão
Cristina Barros
Ilana Peres Azevedo Machado FOTOGRAFIA
ASSESSORIA JURÍDICA
Faraco de Azevedo – Advogados
CONSULTORIA JURÍDICA EM
PROPRIEDADE INTELECTUAL
Rodrigo Azevedo –
Silveiro Advogados
AUDITORIA
Capital Auditores e Consultores
Empresariais S/S
Catálogo da 12ª Bienal do Mercosul
COORDENAÇÃO EDITORIAL TRADUÇÕES / PORTUGUÊS-
INGLÊS-ESPANHOL
Andrea Giunta
José Francisco Alves Traduzca e Ana Vázquez
ISBN
978-65-992728-1-3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Morganah Marcon, CRB-10/1024)
____________________________________________________________________________________________________
B588 Bienal 12 – Feminismo(s): visualidades, ações e afetos: catálogo da 12ª
Bienal do Mercosul / coordenado por José Francisco Alves. [livro eletrônico].–
Porto Alegre: Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 2020.
444 p. il.
Catálogo em edição trilíngue: português, espanhol e inglês.
Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader ou outro leitor de pdf.
Modo de acesso: https://www.bienalmercosul.art.br/
1. Artes Plásticas. 2. Arte contemporânea. 3. Curadoria de arte. I. Giunta,
Andrea. II. Biczel, Dorota. III. Lopes, Fabiana. IV. Simões, Igor. V. Título.
CDU: 73/76 (8) (058)
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Sumário
Tabla de contenido / Table of contents
14 Um Ato de Resistência
Gilberto Schwartsmann
Beatriz Araujo
Luciano Alabarse
Andrea Giunta
Andrea Giunta
Fabiana Lopes
Dorota Biczel
Igor Simões
BIENAL 12 CATÁLOGO 8
71 ARTISTAS E OBRAS
9 BIENAL 12 CATÁLOGO
136 Gwladys Gambie 181 Liuska Astete
Salazar
138 Helô Sanvoy
185 Lorraine
140 Janaina Barros O’Grady
BIENAL 12 CATÁLOGO 10
222 Pedro Lemebel 245 Vera Chaves
Barcellos
225 Priscila Rezende
247 Zorka Wollny
228 Rahima Gambo
249 Plantas baixas e
230 Renata Felinto vistas da Bienal
12 / Plantas
bajas y vistas
232 Rosana Paulino
de la Bienal 12 /
Floor plans
237 Sandra de and views of
Berduccy the Bienal 12
11 BIENAL 12 CATÁLOGO
288 Pensar todo de nuevo
Andrea Giunta
BIENAL 12 CATÁLOGO 12
368 FEMININE(S). VISUALITIES, ACTIONS, AND
AFFECTS
Andrea Giunta
13 BIENAL 12 CATÁLOGO
Um Ato de
Resistência
Como outros eventos culturais, a BIENAL Daí a relevância da temática da BIENAL
12 sofreu o impacto do imponderável – a 12. Como antecipa o título da mostra, as
pandemia. Por conta de impedimentos legais obras trazem reflexões sobre o feminismo,
e riscos sanitários, a tradicional mostra de iniquidades de gênero e a violência contra
arte contemporânea, em seu formato original, a mulher e os corpos feminizados, lançando
tornou-se inviável. Para nós, contudo, cancelar questionamentos de cunho social e político.
um evento artístico como este, com uma Mas sem prescindir da experiência estética.
temática tão relevante, seria impensável.
Com a BIENAL 12 “online”, a Fundação Bienal
Daí, a decisão de optarmos por um formato de Artes Visuais do Mercosul honrou sua longa
virtual. Obviamente, parte substancial tradição de comprometimento com a arte. Dela
do projeto curatorial, dependente da participam artistas de várias regiões do planeta,
presença física dos artistas na execução com obras de enorme impacto. Estas remetem
de obras e instalações artísticas, exigiu de a questões sobre violência e discriminação
nossa parte adaptações - a necessidade de contra a mulher, militância feminista e direitos
isolamento social cobrou seu alto preço. humanos. Da mesma forma, ecoam legados
coloniais e estereótipos raciais. Mas, como
A boa notícia é que a excelência de nossa
antes referi, transpira a poética da beleza.
curadora Andrea Giunta e de seus curadores
adjuntos, Igor Simões, Fabiana Lopes e Dorota Para nós brasileiros, refletir sobre o universo
Biczel garantiram a elevada qualidade e a feminino é especialmente relevante. O país
viabilização da BIENAL 12 “online”, mérito que herdamos é injusto. Sob o olhar de
que deve ser compartilhado com nossos quaisquer indicadores, mulheres e negros
conselheiros, diretores e apoiadores. vivem em piores condições que homens e
brancos. Nossos índices de violência contra a
A alternativa foi apresentar todas as obras
mulher são de arrepiar. A taxa de feminicídio
em fotografias e vídeos, enriquecidos com
no Brasil é das mais elevadas do mundo. Estes
depoimentos dos artistas participantes,
crimes de ódio são muito piores quando se
disponibilizando-os ao público, através
trata da mulher negra e dos transexuais.
do site de nossa fundação. Mas resta
a esperança que, num futuro próximo, Não há como fugir da realidade. Somos produto
possamos exibir a mostra original. de uma estrutura patriarcal, marcada de modo
“Feminino(s): visualidades, ações e afetos”. permanente pela violência da colonização,
genocídio do indígena e escravidão do negro
O título dado à mostra não diz respeito
africano. A injustiça impregna as tintas e
somente às questões referentes à mulher, mas
materiais utilizados pelos artistas, deixando
traz à superfície questões mais profundas e
muitos questionamentos ainda sem respostas.
fundamentais sobre gênero, como a agenda
“queer” e LGBT, violência contra transexuais, Um dos cartazes de rua das “Guerrilla Girls”,
a ilegalidade do aborto, enfim, as diferentes grupo ativista que há décadas busca ampliar
expressões da intolerância e desrespeito espaços de atuação para a mulher, pergunta:
ao indivíduo e às diversas identidades. Porque tão poucas mulheres artistas têm obras
expostas nos grandes museus, mas dominam
Infelizmente, há ainda pouca contribuição
a maior parte dos nus em exposições? É
dos femininos nas obras exibidas nos grandes
fundamental que façamos uma profunda
museus. E sua participação nas estruturas
reflexão sobre a temática dos feminino(s).
de poder do mundo da arte é modesta.
BIENAL 12 CATÁLOGO 14
Em meio à pandemia, fica o registro de que,
mesmo havendo óbvias razões para o seu
cancelamento ou postergação, a BIENAL
12 de fato aconteceu. E foi também um ato
de resistência, em defesa da cultura e das
artes visuais. Num momento em que as
humanidades parecem perder espaço na
agenda oficial em vários países, incluindo
o nosso, dando lugar à intolerância e ao
desrespeito às diferenças, nosso desejo é que
tenham vida longa as manifestações culturais
e artísticas. Vida longa às Bienais do Mercosul!
Gilberto Schwartsmann
15 BIENAL 12 CATÁLOGO
Uma longeva
parceria
A Bienal do Mercosul é uma das mais Estado do Rio Grande do Sul se coloca como
relevantes e notáveis iniciativas da cultura do apoiador e incentivador desta grande iniciativa.
nosso Estado. Sua consolidada trajetória de
Desde que assumimos a Secretaria de Estado
sucesso e reconhecimento muito nos honra e
da Cultura, em 2019, temos nos empenhado
orgulha, sobretudo pelo seu já longevo legado
em colaborar e oferecer as melhores
para o público e a comunidade artística.
condições possíveis para o bom andamento
Desde a primeira edição, em 1997, o e prosseguimento do evento. Além de ser um
Rio Grande do Sul se inseriu no mapa dos projetos que se amparam nos mecanismos
internacional das exposições e eventos de da política de fomento à cultura do Estado do
grande porte da contemporaneidade, com a RS, por meio da nossa Lei de Incentivo (LIC-
cidade Porto Alegre firmando-se já há mais RS), a Bienal do Mercosul desde o seu início
de 20 anos como um ponto de referência também encontra em nossas instituições
deste circuito artístico globalizado. culturais do Estado alguns de seus principais
parceiros, como o Museu de Arte do Rio
Essa dimensão se reveste de importância não
Grande do Sul (MARGS) e o Memorial do Rio
apenas pelo alcance da repercussão externa;
Grande do Sul, que tradicionalmente abrigam
mas também, e em especial, com o modo com
exposições que integram a grande mostra.
que a Bienal do Mercosul tem contribuído
Em 2020, mesmo com a excepcionalidade
localmente para a formação de novos públicos
que levou à adoção de um formato virtual
e para a qualificação do meio artístico.
pela Bienal 12, por conta do fechamento
A cada edição, cria-se uma nova circunstância temporário das instituições em enfrentamento
a nos colocar em contato vivo e direto com à pandemia do covid-19, a parceria se renova
manifestações e produções artísticas dos em ações desenvolvidas conjuntamente
mais variados e distantes cenários, contextos nas redes sociais e plataformas digitais.
e geografias; muitas dos quais não teríamos
Nesta 12ª Bienal do Mercosul, a produção
a chance de conhecer e apreciar somente
artística feminina ganha evidência, com uma
por meio dos nossos acervos e coleções
edição focalizada em artistas mulheres. Tal
locais ou mesmo pela programação das
orientação se soma ao mesmo esforço a que
demais instituições que aqui atuam.
muitas instituições artísticas pelo mundo têm
Se formos apontar um dos legados da Bienal se empenhado, incluindo as atuais gestões
do Mercosul, podemos certamente afirmar que dos nossos museus de arte do Estado, como
temos um público para arte contemporânea o MARGS e o Museu de Arte Contemporânea
em boa parte iniciado pelo contato e do Rio Grande do Sul (MAC-RS). Trata-se
experiências proporcionados pela Bienal. O de um empenho conscientemente crítico
que nos leva ao dever de reconhecer que a de apontar e procurar reparar a maior
atuação da Fundação Bienal do Mercosul se predominância de artistas homens ao longo
coloca como fundamental para o nosso meio de um processo histórico hoje questionado.
artístico e educacional. E, ao mesmo tempo,
A disposição para o compromisso com a
indispensável para o nosso ambiente cultural.
inclusão está em convergência com a visão
É reconhecendo todos esses méritos da Secretaria de Estado da Cultura (SEDAC),
conquistados até aqui, bem como os desafios na qual temos, entre as principais metas,
de continuar e prosseguir, que o Governo do preservar e divulgar o nosso patrimônio
cultural e avançar no campo da economia
BIENAL 12 CATÁLOGO 16
da cultura, assumindo como premissa
fundamental a defesa dos valores democráticos
e cidadãos, como inclusão, diversidade,
pluralidade e representatividade.
Para esse desafio, mais do que confiança
política, contamos com a garantia do direito à
liberdade de expressão e manifestação, a qual
consideramos fundamental e indispensável
para o exercício e avanço da nossa produção
artística, criativa, científica e intelectual.
Beatriz Araujo
17 BIENAL 12 CATÁLOGO
Onde queres revólver,
sou coqueiro
BIENAL 12 CATÁLOGO 18
FEMININO(S).
VISUALIDADES,
AÇÕES E AFETOS
19 BIENAL 12 CATÁLOGO
As palavras e as imagens se depositaram de conceber o comum desde experiências
em seus papéis desenhando territórios de vida e relatos cotidianos que devem ser
que apontam para uma liberdade possível. escutadas como vozes de uma diversidade
Porque a escrita explora os limites que as sem diferenças. As experiências que expandem
circunstâncias apontam sobre a linguagem. a expressão da comunidade contribuem
A essas condições da criação provavelmente para a conversa, o intercâmbio e a necessária
aludia Clarice Lispector quando se referia à reconstrução de uma trama social ferida pelo
tarefa de sulcar impossibilidades: “Tudo o que abuso e a precariedade. Essa interação gera
sei não posso escrever”, escrevia, ao nomear intercâmbios a partir dos quais podemos
o “luxo do silêncio”. Mais do que a obviedade imaginar outras formas de conhecimento. Todas
dos sentidos, deslocados em um tempo no as linguagens nos pertencem sem hierarquias
qual se veem reduzidos a lugares comuns, de valor nem segregação de conteúdos.
em uma comunicação plana, o diagrama
Feminino(s) aspira a compartilhar o exercício
expositivo da bienal aponta para a leitura
coletivo de inventar novas formas de fazer,
atenta de uma comunidade interpretativa
dizer, pensar e criar. Uma plataforma que atue
capaz de abordar um tecido de sensibilidades
como um foro e como um coro de expressões
e discursos que admitem o dissenso como
e escutas. Quer funcionar como um espaço que
mola da argumentação e da deliberação.
mude a estrutura tradicionalmente excludente
Porque, sabemos, é necessário dizer, e
das representações simbólicas e culturais
explorar as diferentes maneiras de nomear
que regem o mundo da arte. A dimensão
para evitar as classificações uniformes.
educativa é central para criar territórios de
Feminino(s) centra-se nas propostas de artistas intercâmbios, debates e encontros entre os
mulheres e de todas as sensibilidades não diferentes públicos que criarão suas próprias
binárias, fluidas, não normativas. Sobretudo bienais. A bienal propõe-se como um espaço de
aquelas que se expressam em sua oposição às celebração coletiva do pensar e criar juntos para
mais diversas formas da violência. Trata-se de enfrentar com imaginação crítica os desafios de
envolver-se com as aspirações das maiorias fortalecer um pacto democrático que amplie
a que muitas obras nos direcionam, e que e diversifique os contornos da cidadania.
compreendem artistas afrodescendentes
e indígenas, cuja presença segue evocando Andrea Giunta
reflexões críticas no mundo da arte, que, no Curadora Chefe
entanto, é excludente. Trata-se de escutar Universidad de Buenos Aires / Conicet
em detalhe e abordar a sério tudo aquilo
que os estereótipos marginalizam. Todas
as vozes, desde sua heterogeneidade de
respostas e propostas, constituem a cultura.
Feminino(s) expande-se com as propostas de
artistas sócios ou aliados, que compartilham
o desejo de uma ordem social menos
opressiva e discriminatória em termos
de gênero. São muitas as poéticas que
inspiram o desenho de um novo horizonte
simbólico e cultural em que as diferenças de
gênero não se traduzam em desigualdades
ou subalternidades. Todas as histórias
necessitam ser relatadas e comunicadas
para que as narrativas tornem-se plurais.
Feminino(s) enriquece-se com a criação
daqueles que trabalham com materiais e
técnicas tradicionalmente atribuídos às artes
do feminino. Existe uma criatividade nas formas
BIENAL 12 CATÁLOGO 20
Pensar tudo de novo
Notas sobre a Bienal 12 l Porto Alegre, Feminino (s).
Visualidades, ações e efeitos
Andrea Giunta
Curadora Chefe
Universidad de Buenos Aires / Conicet
É difícil começar a escrever um texto, sem Volto ao dia 12, a percepções que tinha sobre
lembrar onde estávamos antes do isolamento os ritmos que espreitam a cultura quando esta
no qual ainda nos encontramos hoje, 19 se transforma em números em uma exposição.
de maio, quando começo este texto. Nós Se nos anos setenta e oitenta, fortes correntes
suspendemos a montagem da bienal em do pensamento sobre a arte previam o fim dos
13 de março. Eu estava prestes a viajar a museus, no século XXI, estes demonstraram
Porto Alegre para esse momento único que ser as peças mais esplendorosas das redes
representa dispor as obras nas salas, ou instalar entre arte e movimento turístico transnacional.
e produzir obras que se realizavam in situ, Os museus se transformaram em espaços
no local, que veremos emergir, assinalando de encontro para os moradores das cidades
experiências a partir de trajetos, a partir de nos quais se localizam. Os de arte moderna e
processos de imersão na ficção poética de contemporânea competiram por número de
um vídeo, nas salas nas quais as imagens e as milhões de espectadores. O movimento dos
cores se cruzam e inundam tudo. Penso no museus envolveu os arquitetos de maneira
desenho de Ana Gallardo sobre as mulheres poderosa. Prédios assinados se somaram,
assassinadas na Guatemala; na ação coletiva como ingrediente central, a essa dinâmica que
de Mónica Mayer, com as suas perguntas implicava grandes investimentos, exposições
sobre o lugar da mulher em Porto Alegre, a monumentais, afluência massiva de público.
cidade a interrogar, a intervir; na performance Visitar uma cidade significou também conhecer
de Janet Toro, que levaria o seu corpo desde os seus museus por sua forma externa, museus
um enterramento na Praça da Alfândega até que não contam apenas pela sua coleção, pelo
a fachada do Memorial; na instalação sobre que exibem, mas também pelo espetáculo das
a cor azul, que Juliana Dos Santos tinha suas curvas extremas, prateadas, luminosas,
desenvolvido em seus passos preliminares; na que descrevem no ar desde a sua pele metálica.
oficina de bordado que Chiachio & Giannone Um exemplo emblemático é o Guggenheim,
realizariam junto ao público, na Praça. Tudo de Bilbao. De maneira quase paralela, as
isso e, principalmente, muitas obras localizadas bienais se multiplicaram aceleradamente.
que a curadora adjunta Fabiana Lopes tinha Os encontros mundiais da contemporaneidade
proposto em sua seleção, como a de Dana somaram formas de turismo específico
Whabira sobre a história negra de Porto Alegre; dirigido aos públicos da arte. Contavam o
ou a escolha da outra curadora adjunta Dorota número de visitantes, contavam os números
Biczel, com a obra que Juliana Vidal iria realizar dos preços da arte, contavam os custos das
imprimindo o corpo no barro local, barro do exposições. Novas dinâmicas marcaram o
Rio Grande do Sul. A teia de pessoas, obras, mundo da arte: o protocolo no transporte
espaços, os encontros que esperávamos das obras, a concentração do valor no corpo
nos dias de montagem, não aconteceriam. da obra em si, ocasionalmente efêmera
E escrevo este texto sem saber se uma (instalações, site specific, performances, que
versão no espaço da bienal será possível. duram apenas meses, apenas dias, apenas um
21 BIENAL 12 CATÁLOGO
instante) e a sua consequente mercantilização, trabalhava na sua abertura ficava em um
que inclui os registros, os arquivos do suspense preocupante. Quando todos os
efêmero; a fetichização das obras à qual os contratos caíam e começavam as ondas
museus contribuem, inclusive, ao exibir as de demissões nos museus do mundo - o
fotografias que documentam ações, imagens MoMA, o Metropolitan, que podemos citar
digitalizadas que são impressas ad hoc, que como exemplos emblemáticos -, quando as
são emolduradas e nas quais é alterada a sua instituições de arte fechavam mostrando
disposição inicial, de modo algum supérflua, prescindir das próprias comunidades de
para que brilhem como espetáculo nas salas referência, artistas e equipes de trabalho,
dos museus;1 os preços no marcado de arte, compreendemos que era necessário
que reproduzem a alarmante concentração dar sustentação às relações que tinham
da riqueza em um momento exacerbado e sido tecidas ao redor da bienal.
impiedoso do capitalismo; as relações entre
Um cenário crítico no momento de
o mundo da arte e a dinâmica global, que
abertura abre para os seus curadores duas
faz de exposições e bienais estações de uma
possibilidades: afastar-se da cena, prescindir, ou
viagem acelerada pelas diferentes capitais
envolver-se nas teias dessa ruptura crítica para
da arte; o fluxo de corpos - artistas, diretores
participar nas dinâmicas desde as quais são
de instituições, colecionadores, curadores -,
gestados sentidos que mudam continuamente.
que vão de inauguração em inauguração, para
A tarefa não é apenas intelectual. Requer
celebrar e partir rumo ao próximo evento.
considerar as fontes de trabalho daqueles que
Os tempos do mundo da arte tinham participam no projeto, a responsabilidade sobre
enlouquecido. Essa era a percepção que as suas formas de sustento em um cenário
tinha antes da pandemia. Até que ponto no qual os financiamentos se diluem. A bienal
este universo, tal como existia antes destes online permitiu desenhar um cenário, uma
meses de isolamento, era também parte de arena tão pública quanto fosse possível nos
um tráfego e circulação que levou o planeta à tempos de isolamento gerado pela acelerada
condição exausta na qual se encontrava antes propagação do vírus. Um espaço cristalino,
de se deter? A esta altura dos acontecimentos nas telas, sem a condição física de expor no
e do isolamento, fala-se sobre voltar à espaço as obras, os textos, os depoimentos.
“normalidade”, ou a uma “nova normalidade”. O
É uma suspensão de quase todas as atividades
que significa o termo normalidade? Queremos
a única forma de pensar criticamente sobre
retornar ao mundo que conhecíamos antes
um presente no qual as relações sociais que
do isolamento, antes de ser declarada a
conhecíamos entram em crise, desmoronam?
pandemia? A globalização atravessou o
O silêncio, parar, são caminhos reflexivos.
horizonte de expectativas do mundo da arte
Também podemos optar por intervenções
com força. Hoje, o isolamento, o panóptico
críticas e afetivas em tempo presente, que
sanitário que nos regula, a paralisia do mundo
permitam pensar “entretanto”.2 A frase sintetiza
da arte, instalaram-se em escala global. O
a decisão de não abandonar o presente, um
mundo parou. Talvez, mais exatamente, nos
movimento que dá conta, também, de uma
parou. Para os circuitos da arte, as novas
necessidade afetiva. Durante um tempo que
condições representavam também uma
ainda não podemos determinar, não haverá
oportunidade para se deter e pensar.
uma normalidade, que possamos antecipar
com precisão, à qual voltar no mundo da arte.
Quebrar o isolamento Protocolos são analisados para a reabertura
dos espaços de exposição, mas, por enquanto,
Em 13 de março interrompemos a montagem
não é possível estabelecer uma data. Rastros
e a inauguração da bienal. A equipe que
1 Para uma análise da desativação crítica de uma obra a partir da manipulação espacial que se realiza na montagem, ver a pa-
lestra de Nelly Richard, “Archivos de arte chileno, memoria y resistencia crítica” (Arquivos de arte chileno, memória e resistên-
cia crítica), Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 19 de outubro de 2017. https://www.museoreinasofia.es/buscar?bun-
dle=actividad&pasados=1&f%5B0%5D=im_field_obra_clasificaciongener%3A4277
2 Assim denominou María Moreno, diretora do Museu do Livro e da Língua, na Argentina, as atividades a serem desenvolvidas
durante o isolamento.
BIENAL 12 CATÁLOGO 22
do presente, do que vivemos durante estes que trabalhamos durante oito anos. Entre
meses, permanecerão no futuro, de diferentes essa exposição e o projeto da bienal existem,
formas. Atender ao “entretanto” como no entanto, muitas diferenças. Mulheres
possibilidade de gestar formas de intervir Radicais foi uma exposição histórica, de arte
na urgência - a nossa, a de quem nos rodeia latino-americana, entre 1960 e 1985. A bienal
-; pensar a partir dos instrumentos com os me permitia desenvolver questões que já
quais contamos hoje, no tempo presente, estavam presentes, de diferentes formas,
para elaborar alternativas, lugares reflexivos nesta exposição. Por exemplo, aquelas relativas
aos quais voltar, é outra opção. Desde esse a identidades fluidas, não binárias, trans, ou a
ponto nos envolvemos, com quase toda a representação de artistas negras ou indígenas,
equipe da bienal, quando resolvemos migrar a quem o mundo da arte, praticamente, não
do espaço físico ao espaço líquido das telas. tinha dado espaço entre os anos sessenta e
oitenta. Lembremos que Mulheres Radicais
A bienal online é a plataforma possível, mais
não propunha descobrir artistas que nunca
imediata, na qual expomos os materiais de dois
tinham participado do mundo da arte, mas sim
anos de trabalho. São imagens, vídeos, projetos.
rever como as histórias de arte tinham apagado
Em muitos casos, trata-se de materiais que
trajetórias existentes, que tinham tido lugar em
ficarão, por enquanto, inconclusos, uma vez que
diversos cenários artísticos latino-americanos,
eram obras que iriam ser realizadas na cidade,
mas que na escrita das histórias oficiais
nos espaços de exposição. Diante da incerteza
tinham ficado ocultas, quase desaparecidas.
a respeito do que acontecerá com as viagens
A pergunta, na hora de conceber a plataforma
internacionais, é quase certo que esses projetos
conceitual da Bienal, era o que acontecia
não chegarão a se materializar. Acrescento
nesse momento na arte latino-americano.
hoje, 19 de junho, que a Bienal de São Paulo,
Tinham uma maior presença artistas negras,
inicialmente adiada no calendário que se tinha
negros, afrodescendentes, os e as artistas
estabelecido em 2020, agora passou para
vinculados/as a comunidades indígenas?
o segundo semestre de 2021. O fato deixa
claro que é difícil antecipar quando o público Nos últimos anos, diversas instituições
retornará às salas de exposição. No Brasil, onde artísticas, principalmente de São Paulo,
a situação política e sanitária se agrava dia a realizaram exposições sobre a história e o
dia, é difícil afirmar em que data as atividades presente da arte afro-brasileira. O museu Afro
dos museus poderão ser retomadas dentro dos Brasil, Ateliê Oço, a Pinacoteca de São Paulo,
mesmos parâmetros anteriores ao isolamento. o Museu de Arte de São Paulo, a Fundação
Tomi Othake, foram alguns dos espaços nos
Primeiro cenário quais se articulou a história e o presente da
arte afro-brasileira.3 Está acontecendo uma
As seleções que, de forma independente, mudança de cenário à qual não são alheias
cada curador realizou para a bienal, estiveram as políticas de quotas que desde o ano 2003
em diálogo com uma proposta inicial, que permitiram o acesso às salas universitárias
começou no segundo semestre de 2018, quando setores da sociedade marginalizados por
apresentamos um projeto focado nx feminino(s). razões de classe e de raça.4 Considero, para
A fundação propunha focar-se na obra de dizê-lo com palavras claras, que a arte mais
artistas mulheres nesta edição da bienal. radical, nas suas linguagens e nas suas poéticas,
Nesse momento, eu me encontrava próxima à no Brasil, é o que atualmente realizam
inauguração da terceira estação, na Pinacoteca artistas afrodescendentes até há uns anos
de São Paulo, de Mulheres Radicais, a exposição ausentes nos cenários das artes visuais.
de cocuradoria com Cecilia Fajardo-Hill, e na
3 Reviso brevemente este mapa institucional em Andrea Giunta, “A arte negra é o Brasil”, em Z Cultural. Revista do Programa
Avançado de Cultura Contemporânea, Universidade Federal do Rio de Janeiro, No 1, Ano XV, 2020. http://revistazcultural.pacc.
ufrj.br/el-arte-negro-es-el-brasil/. Republicado pela revista Transas. Letras e artes da América Latina, Universidade Nacional
de San Martín, Escola de Humanidades, 2020 https://www.revistatransas.com/2020/05/21/artenegro_brasil_giunta/
4 Ver Igor Simoes, “Voix noires dans les arts visuels brésiliens”, Artpress No 53, Amérique Latine. Arts et combats, mars 2020, pp.
51-53.
23 BIENAL 12 CATÁLOGO
Curar uma bienal sobre a arte latino-americana, de cor, e a cujo arquivo de atividades se tem
focada nos feminino(s), abria a possibilidade acesso desde o site da bienal. A partir destes
de ampliar questões que tinham ficado encontros, foram levados adiante os vínculos
pendentes naquela pesquisa. Eram duas entre a cidade e o projeto educativo, a partir do
principais: por um lado, a ausência de artistas qual foi criado um território maravilhoso que
mulheres negras e indígenas na arte latino- permitiu expandir a textura da bienal online
americana; segundo, a possibilidade de pensar durante os (estes) tempos de isolamento.
para além do binarismo, em outras formas
No texto que serviu de plataforma conceitual
de entender os femininos e os feminismos,
da bienal são citadas autoras como Carolina
desde identidades e empoderamentos
Maria de Jesús, Clarice Lispector, Nelly Richard
que se ampliaram na arte contemporânea.
e Denise Ferreira da Silva, que permitiram
Feminino(s), como palavra, como intervenção,
introduzir reflexões sobre a necessidade de
foi uma articulação difícil de configurar. Em
criar, sem deixar de lado os condicionamentos
2018 encarei o processo de formar a equipe
de classe, sexo, raça; sobre o conceito de
curatorial. Tinha conectado a Igor Simões -
diferença sem separação; e sobre gênero
cujo trabalho conheci pesquisando na rede as
como construção e como identidade. O
intervenções que tinha realizado com o título
rascunho incorporou os comentários de
Vozes negras no cubo branco, durante 2018.
quem se integrava à equipe curatorial.
Conhecia a Dorota Biczel e as suas pesquisas
sobre arte peruano, ou sobre a arte do Leste Na seleção de artistas, convidamos artistas
Europeu, desde os anos nos que lecionei mulheres, trans, gay, com identidades que
em Austin. Perguntei que curadora poderia transita, raça, gênero, fluídas, localizadas, de
falar em primeira pessoa sobre a arte afro- diferentes formas empoderadas, e também
brasileira. A bienal me propôs o nome de artistas homens, envolvidos com as agendas
Fabiana Lopes, e a partir do contato com ela do feminismo. A seleção foi um processo
pude conhecer o seu trabalho de pesquisa texturizado, de conversas cruzadas, intensas
sobre a arte do Brasil, do Caribe, da África. Na ou pausadas, que se desenvolveu no contexto
hora de pensar a linha conceitual da bienal contínuo de financiamentos instáveis que
Nelly Richard foi uma escuta crítica atenta. colocavam o projeto em situações específicas
de emergência. Cheguei a pensar que
Em novembro de 2018 organizamos o primeiro
estávamos realizando uma bienal mágica,
seminário Arte, feminismos e emancipação
na qual as soluções surgiam, muitas vezes,
no contexto da Feira do Livro de Porto Alegre,
da emergência. Penso hoje, enquanto
na Praça da Alfândega, com a presença
escrevo, que o processo permitiu um arranjo
de artistas, performances, pesquisadoras,
de experiências que permitem voltar a
curadoras e curadores. O seminário contou
pensar, em sua totalidade, o projeto das
com a participação de Rosana Paulino, Igor
bienais tal como se inscreveu no cenário
Simões (logo, curador pedagógico da bienal),
global. Que sentido têm esses fastos que
Roberta Barros, Carmen Lucía Capra; com
envolvem viagens, traslados, produção,
artistas de Porto Alegre como Claudia Paim,
capitais, quando, por um tempo, veremos
Julha Franz, e com apresentações de duas
como esses grandes cenários se esvaziam
das diretoras da Fundação da bienal, María
de públicos? As relações com os espaços,
Berenice Días e Gloria Crystal, além de
com as obras, estão, momentaneamente,
Gilberto Schwartzman, seu presidente. Esse
em suspenso. Como incorporamos estes
seminário, que transcorreu com sala cheia, foi
meses extremos às possíveis experiências
uma extraordinária plataforma de ideias, e um
de um mundo da arte que hoje está voltado
dispositivo para evitar, desde o princípio, que
a imaginar formas de se reconfigurar?
a bienal pousasse como um corpo estranho
na cidade de Porto Alegre. Durante 2019,
Igor Simões levou adiante um programa de Jornal
encontros organizado em torno do conceito Durante a organização da bienal, planejamos
de “Território Kehinde”, que provém do uma publicação com os mapas da bienal e a
romance de Ana María Gonçalves, Um defeito lista de artistas e de obras com o propósito de
BIENAL 12 CATÁLOGO 24
orientar o público e com uma seleção de textos Um arquivo dos afetos
que reunisse vozes em primeira pessoa, de
algunxs dxs artistas presentes na bienal. Com Nos dias posteriores ao fechamento de
o novo formato da bienal online, tornamos fronteiras, museus e espaços da vida pública,
independentes os textos, as vozes dxs artistas e predominava a incerteza. Produziu-se uma
criamos com elxs um Jornal digital. A publicação acelerada e radical transformação da vida
foi desenhada com um formato específico cotidiana e das relações sociais suspensas
para dispositivos, que inclui a visualização pelo encerramento global. O que inicialmente
no celular. A proposta foi reunir tantas vozes tínhamos visto, com extrema surpresa, que
quanto fosse possível, quase todas em primeira acontecia na China, começava a se instalar
pessoa. São textos de artistas que se referem globalmente. O controle sobre as pessoas,
à sua obra ou intervenções que assumem o para o qual a pandemia criou um marco de
formato, quase que de um manifesto. Em legalidade, e cujo debate foi constante nestes
alguns casos, trata-se de ensaios ou entrevistas quase 100 dias de isolamento (hoje é 20
já publicados; em outros, são textos realizados de junho), instalou uma sociedade que não
para a publicação, documentos originais. imaginávamos e que ainda não sabemos até
Mantivemos a coexistência do português, o que ponto constituirá a ‘nova normalidade’. Não
espanhol e o inglês, seguindo o conceito de sabemos quanto do presente permanecerá
trilinguismo, que considera as três línguas nas no futuro próximo, em todo o futuro.
quais se escreve, predominantemente, sobre Passados os primeiros 10 dias desde
arte latino-americana. Esta é uma forma de a suspensão da sua abertura, fomos
colocar em cena essa complexidade, que é estabelecendo contato com xs artistas.
imprescindível assumir quando se encara Era necessário, com tudo o que estava
o estudo da arte da região. A publicação acontecendo, perguntar como estavam. Uma
propõe uma intervenção sobre o campo de pergunta simples, dirigida à comunidade
conhecimento da arte latino-americana e dxs artistas da bienal. As respostas geraram
constitui uma forma de dar visibilidade ao uma comunicação afetiva que ascendeu,
pensamento em primeira pessoa de muitxs inesperadamente, uma palavra que já
dxs artistas envolvidxs na bienal. O jornal reúne estava inserida no título da bienal: “afetos”.
entrevistas, ensaios teóricos, documentos de Um termo que assumiu um lugar diferente
obra, textos contextualizados na conjuntura na gramática do sentido que a cada dia se
específica de diferentes países. Apresenta-se reorganizava perante uma realidade que
como um documento para apreciar a pulsação mudava continuamente. Convidamos a aqueles
de diferentes escritas; como uma fonte que que nos respondiam, a que nos enviassem
permite analisar a diversidade de vozes, uma gravação, feita com o celular, para que
geografias e poéticas que, a partir deste suporte brevemente nos contassem como estavam,
específico, representa muitas das artistas onde e qual era a obra que iriam apresentar na
envolvidas na bienal. Apresenta-se, assim, bienal. Recebemos filmagens curtas, realizadas
como um documento desejoso de leituras desde o isolamento, com a precariedade do
ávidas por encontrar nas palavras chaves que celular, nas quais descreviam, desde diferentes
intersectem as visualidades. Quais serão os pontos do planeta, as suas singularidades
usos desses textos reunidos, pergunto, quando situadas. Na medida e que publicávamos
no futuro se estude este tempo de exceção esses depoimentos nas redes, gerava-se um
que cristalizou, entre muitas outras formas, arquivo de afetos desde essa nova condição,
no processo difícil, marcado por perdas (de o isolamento. Assim, gerou-se uma teia, uma
contatos, de afetos, de pessoas), nos materiais relação antes inexistente, entre a comunidade
concebidos pela bienal? É possível construir da bienal e um arquivo de sensibilidades
sentido quando a política e a vida naufragam cruzadas por uma nova condição planetária
a cada dia ao ritmo no qual se agudizam as marcada pelo estar em uma situação comum,
violências estabelecidas e se fundam outras? que podia ser descrita com palavras parecidas
É possível construir sentido a partir da arte? e nas quais, ao mesmo tempo, inscreviam-se
situações emocionais específicas. Um estado
25 BIENAL 12 CATÁLOGO
do mundo marcado por convivências intensas, Produz-se uma transformação na qual as
domesticidades extremas, urgências de distâncias entre obra e obra se tornam cruciais.
assistência axs muitxs outrxs que nos rodeiam. O campo magnético de cada obra incide
Muitas dessas novas condições podem ser sobre as outras e é fundamental observá-lo.
sentidas nesses relatos breves, realizados desde Durante a montagem, podem ser percebidas
casas, pátios, salas, jardins, nos quais os artistas essas zonas de ação e reação que levam xs
e a equipe da bienal registraram uma cápsula curadorxs a mudar a ordem e a distância
do tempo e de texturas afetivas múltiplas e entre as obras na sala. Essa combustão
localizadas. A visualidade e a presença das particular não pode ser experimentada
obras que não podiam estar no espaço físico no mapa da uma experiência online.
da bienal se traduziam em suas palavras e na Perdemos os tamanhos, as proximidades,
textura das suas vozes. Não podemos ver essas inevitavelmente, as obras se nivelam.
obras, não podemos percorrer os espaços em
Por sua vez, a bienal online permite
que seriam instaladas, mas podemos ouvi-
experiências que o espaço físico limita.
las. Gerou-se um arquivo de breves relatos
Fundamentalmente, a possibilidade de
sobre a visualidade, pronunciados em um
encontrar relações que não foram previamente
momento excepcional, nunca imaginado do
pensadas e que o próprio espaço da bienal
mundo. Um arquivo de texturas emocionais
- em diferentes prédios, em diversas salas
e de palavras que condensam poéticas.
- tornaria impossível de abordar como
experiência realizável. Na Bienal online é
Travessias / zonas de contato possível propor e pensar travessias diferentes,
nas quais se colocam em jogo conceitos
A bienal online permitiu se ter acesso a uma
que, inclusive, não estiveram inicialmente
visualidade simultânea das obras. Um acesso
apresentados. O interessante é que as
que inaugurou possibilidades que não tinham
novas propostas podem ser encaradas por
sido consideradas quando a concebemos para
qualquer pessoa, não ficam apenas nas mãos
o espaço de três prédios emblemáticos da
dos curadores. Em um sentido, o papel do
cidade de Porto Alegre, o Museu de Arte do
curador se neutraliza ou, mais exatamente,
Rio Grande do Sul, o Memorial, a Fundação
é compartilhado. Assim, produz-se uma
Iberê Camargo e a Praça da Alfândega, que em
democratização do papel do curador, um efeito
espanhol significa ‘aduana’, e que se vincula ao
inesperado que propõe percorrer a bienal
coração desta cidade-porto às margens do rio
desde uma participação ativa. Percorrê-la
Guaíba, que desemboca na Lagoa dos Patos, e
com o olhar que desliza sobre a tela, com o
que se comunica com o Atlântico. Na migração
som do mouse, abrindo janelas. Perdemos a
de um formato ao outro, as presenças e os
distância, os tamanhos, os sons, os cheiros.
sentidos das obras foram se transformando.
A experiência digital reproduz muitas das
A instalação de uma exposição permite, novas relações, exacerbações e apagamentos
pelo menos, duas experiências que a bienal que o isolamento impôs aos sentidos.
online não permite recriar. Por um lado, a de
Proponho, neste ensaio, duas situações para
percorrer o espaço e, em diversas travessias,
o leitor. Por um lado, uma visita imaginária,
experimentar os climas, as temperaturas
sala por sala, das razões pelas quais, desde a
específicas de cada sala. Alimentar cada
minha percepção individual, diversas obras
espaço desde a lembrança da anterior;
iriam dialogar no espaço, em cada prédio, em
mover-nos entre as salas seguindo mapas ou
casa sala. Trata-se de recompor o mapa dos
impulsos, caminhar entre uma obra e a que
espaços e das lógicas que guiaram as seleções
está na frente. A segunda é sentir as zonas
e a disposição das obras na sala. A palavra
de contato entre as obras. A experiência
escrita aspira a recriar a experiência no espaço;
de montagem de uma exposição é uma
a reconstruir desde o texto, desde o relato, os
experiência específica. Por mais planejamento
percursos organizados em diferentes salas,
que tenhamos realizado previamente com
tal como os concebemos para a bienal. Essas
arquitetxs e designers, no momento em que as
travessias constituem a textura principal
obras são instaladas no espaço, elas mudam.
BIENAL 12 CATÁLOGO 26
deste texto. Por outro lado, quero apresentar, sua, que como acontece em muitos outros
como coda, como abertura, algumas das lugares da América, finca as suas raízes em
relações que fui pensando exclusivamente uma história de escravidão, de exploração e
desde as obras, fora dos espaços imaginários de discriminação que são tramas ativas no
das salas. Reúno uma série de relações presente. Uma obra manifesto. À esquerda,
possíveis como um impulso para que o dois feminismos artísticos históricos, o das
leitor conceba outras. Quero compartilhar Guerrilla Girls, que desde 1985 assinalam a
novas zonas de contato, a experiência discriminação no mundo da arte, e a obra
diferente que encontrei ao pensar as obras de Mónica Mayer, com as suas perguntas
a partir da rede, fora do espaço das salas. lançadas inicialmente no México, em 1978,
a respeito do que é que incomoda a cada
Assim, nesta segunda opção, o leitor tem
mulher em sua própria cidade - geralmente
a possibilidade de realizar os seus próprios
o assédio e o abuso -. Uma ação que Mónica
itinerários. Todos os que eu proponho aqui
replicaria pesquisando em oficinas coletivas, os
são feitos em primeira pessoa. Eles remetem
incômodos das mulheres da cidade de Porto
àquilo que pensamos quando trabalhávamos
Alegre. Na mesma sala Mulheres do mundo,
os planos com Ceres Storchi, a arquiteta
de Vera Chaves Barcellos, um vídeo no qual
que desenhou os espaços da bienal. É
mulheres de diferentes geografias pronunciam
nesse momento, quando se trabalha com
o seu nome. Na galeria Aldo Locatelli,
as possibilidades e os limites da arquitetura,
aconteceria o diálogo entre as fotografias de
quando se estabelece a relação real entre
Paz Errázuriz, de El infarto del alma (O enfarte
as obras e o espaço. Não sei se ficariam
da alma), uma série sobre o amor em um
exatamente como os descrevo. Proponho
neuropsiquiátrico do Chile; as fotografias de
narrar aquilo que imagino que aconteceria
Natalia Iguiñiz (La otra) (A outra), que retratam
no espaço. Na sala, as relações planejadas
empregadas e empregadoras, uma relação e
para as obras podem mudar. Na rede, podem
um atrito de classe que atravessa o gênero
se multiplicar em muitas outras opções.
feminino no âmbito doméstico; e a série
Coyote (Coiote), de Alejandra Dorado, na que o
MARGS retrato familiar se cruza com o retrato animal.
Imaginava este espaço como uma afirmação Na sala da direita, propomos uma área
em primeira pessoa. Uma afirmação em monocromática, mínima, com obras sutis,
termos das poéticas de artistas feministas na mas extraordinariamente poderosas. As
Espanha, Estados Unidos e América Latina, linhas de cordas de Esther Ferrer cruzariam
das poéticas negras, das perspectivas de um ângulo da sala, criando uma membrana
classe, do confinamento dos diferentes afetos, quase imperceptível. Uma respiração no
das poéticas do etário, dos estereótipos espaço. Em frente a essa estrutura delicada,
que se fundem no exótico, dos conceitos os vídeos de Geta Bratescu, nos quais a
transformados de família, das poéticas do artista fala e desenha linhas contundentes
cabelo. Também imaginava estar perante e mínimas que requer cada um dos seus
a afirmação e o gozo do pincel, da pintura, desenhos. As suas mãos e braços, que levam
quando se concebe uma tradução ou uma na pele o tempo vivido por ela, contrapõem-se
recriação de favela nos planos da cor. aos movimentos simples e dinâmicos com
os que traça as linhas. Esta espacialidade
Dispusemos no começo da exposição com
estaria confrontada, em um contraponto
os retratos em bastidores de Rosana Paulino,
que também requeria o olhar próximo, com
rostos cruzados por costuras-suturas --olhos,
as fotomontagens com as quais Grete Stern
bocas, gargantas. Toda essa primeira sala
ilustrou, em meados do século XX, os sonhos
estava dedicada a essa artista brasileira que
que as leitoras comuns enviavam à revista Idilio.
atua como referência e como educadora para
as novas gerações de artistas negrxs. As suas Também nesse plano, em duas salas separadas,
análises sobre a relação entre a ciência e o apresentam-se os vídeos de Gladys Kalichini e
racismo, a sua peça memorial-monumento Marcela Astorga. Gladys ativa desde o corpo e
baseado no álbum de família; uma família, a
27 BIENAL 12 CATÁLOGO
o movimento uma história do colonialismo, as Mangueira, que se vê desde a sua janela, com
mulheres apagadas nos relatos sobre a África arquiteturas acumuladas que ela também
que ela repõe mediante uma performance imagina. Na galeria Oscar Boeira, a mágica
da lembrança. Mulheres que lutaram pela instalação em azuis de Juliana dos Santos, um
independência da Zâmbia. É interessante site specific para o qual a artista apenas pode
pensar que na sala oposta replicaria o som da realizar uma estadia de pesquisa em Porto
batida que perfura uma arquitetura a ponto Alegre. Uma proposta que instalava a pergunta
de ser destruída, de Marcela Astorga. Óculo, sobre as classificações, sobre como falar do azul
o registro de uma ação sobre um espaço quando todos ao seu redor gritam “negra”. A
escuro no qual as perfurações deixam entrar frase me faz lembrar essa outra performance,
luz, evoca a ideia de uma destruição que dá a da artista do Peru, Victoria Santa Cruz.
lugar a um processo inverso: uma linha de luz
Nesse mesmo andar, a obra de Helô Sanvoy
que gera uma geometria afetiva no espaço.
propunha abordar trança do cabelo como
No segundo andar do MARGS, outras poéticas lembrança, como narrativa que a sua mãe
entravam em combustão. Por um lado, na discorre enquanto faz, uma a uma, sucessivas
galeria Iberê Camargo, uma percepção crítica tranças. Um cabelo que já tem fios brancos. E
sobre os estereótipos que publicitam a mulher esse momento íntimo, confronta-se com outra
dominicana que revisa a proposta de Jori voz em primeira pessoa, a da artista Kan Xuan
Minaya. Ela cruza a pesquisa no google com as que atravessa uma estação do metrô na China,
telas, as estampas que dão conta também da gritando seu nome. Os seus filmes contrastam
globalidade que funde diferentes localidades pelo humor com o qual aborda tramas urbanas
em um clichê: a tela “havaiana” transformada que se sucedem com extrema velocidade;
em um padrão normalizado. A performance tramas urbanas nas quais tece dados sobre
Siboney, de Joiri, ‘despinta’ o colorido padrão uma sociedade de extrema vigilância. Na
dessa tela que a artista trasladou ao formato próxima sala, o filme de paisagem-cabelo de
de mural. Com a sua roupa molhada, ela Lorraine O’Grady em um close-up com imagens
arrasta o pigmento com o seu corpo, com o seu que se sucedem enquanto ouvimos o som
cabelo. Grupo de família, de Cristina Schiavi, à de pássaros e cigarras. No espaço seguinte,
que dá forma escultórica monumental desde também no primeiro andar, a obra de Chiachio
materiais domésticos, azulejos de banheiro, e & Giannone, um casal na vida e na arte, com
com a que transita um apagamento do gênero um imenso tapete de uma família no alegre
específico, introduz na experiência do espaço verdor, envolta pela natureza, que seria exposto
que antecipava uma figuração das novas pela primeira vez, com uma iconografia que
famílias que vimos se conformar a partir da lei atravessa o animal com o humano. Nesse
de casamento igualitário, sancionada há 10 anos mesmo espaço, o trabalho realizado em um
na Argentina. Novos afetos e formas dissímiles workshop coletivo, de bordados, que começou
da família hétero normativa transformaram em outros espaços coletivos e que seguiria na
e ampliaram as sensibilidades sociais. O Praça da Alfândega, uma experiência coletiva
ABC da Europa Racista, sobre o colonialismo de bordado, de trabalho com as mãos que
europeu, de Daniela Ortiz, leva a observar as esses artistas propõem com ações coletivas
formas de classificação e discriminação do em diferentes partes do mundo. No espaço
humano presentes e ativas na Europa atual; adjacente, os vídeos das ações na paisagem,
ativas, por exemplo, na expulsão dos migrantes com cores dispersas no ar pela fumaça,
provenientes em grande medida de países protagonizados por mulheres, nuas, que Judy
da África, empobrecidos pela exploração e a Chicago realizou entre 1968 e 1974. Corpos
espoliação que aconteceu durante a partilha cobertos com pintura, que se movem por fora
do mundo, perpetrada em Berlim, em 1895, e dos formatos que a dança imprimiu como
que se estendeu nos processos coloniais, nas disciplina no corpo. Arquiteturas, também,
economias do extrativismo em tempo presente. imersas na fumaça escura, em uma referência
Nessa mesma sala, a obra pictórica de Lucía localizada, histórica, à guerra do Vietnã que
Laguna se aproxima, em grandes telas, sacudia o mundo nos anos sessenta e setenta.
à gramática da favela, precisamente da
BIENAL 12 CATÁLOGO 28
Vimos artistas históricas como Rosana as marcas da destruição desde metáforas
Paulino, Paz Errázuriz, Grete Stern, Esther da arquitetura, as formas de organização
Ferrer, Mónica Mayer, Lucía Laguna, Judy da resistência coletiva, as relações com as
Chicago, Lorraine O’Grady, Vera Chaves comunidades indígenas em primeira pessoa
Barcellos, Geta Bratescu, las Guerrilla Girls. ou por processos de empatia, as reflexões
Referentes na arte feminista internacional sobre a cegueira, sobre o corpo doente.
e, especialmente, com Rosana, Vera e Lucía,
Íamos ingressar no Memorial entre os sapatos
no Brasil. E junto a elas, artistas jovens, como
vermelhos de Elina Chauvet. Uma instalação
Helô Sanvoy, Joiri Minaya, Juliana dos Santos,
na qual se sucede o tempo de reuni-los e
Gladys Kalichini, com artistas de uma geração
pintá-los de forma coletiva e que remete -
intermediária, como Chiachio & Giannone, Kan
com a ocupação ineludível do espaço urbano
Xuan, Natalia Iguiñiz, Daniela Ortiz, Cristina
que propõe - à violência contra as mulheres
Schiavi. Geografias e gerações entram em
no México e no mundo. Uma instalação que
diálogo e em fricção. Embora saibamos, no
propunha uma abertura desde o precário,
espaço, esses dados quase desaparecem
não desde o monumental, a um edifício em
frente à relação direta com as obras.
que se reuniam, sobretudo, experiências
Saio para praça habitada e luminosa para feministas, obras feministas, nas quais a
descansar nessa geografia verde, organizada, agenda interseccional tem uma poderosa
da natureza no espaço urbano, no espaço presença. Na abertura, tudo começaria com
público. Lembro dela transfigurada durante a a performance de Janet Toro, soterrada
feira do livro, em 2018. Quando cheguei, hoje durante umas horas na praça, da qual ela
pela manhã, ainda se sentia esse momento iria sacudir a terra descobrindo nomes de
em que as plantas conservam a umidade e a mulheres assassinadas, para levar, desde esse
luz fria do que foi a noite. A luz do meio-dia lugar, uma bandeira até a fachada da bienal,
queima a cor, exalta os brilhos, dilui as bordas. com a frase “este é o meu corpo”. A frase
Fecho os olhos para recapitular e sinto as ficaria ali durante todo o tempo da bienal.
marcas do sol que se movem na escuridão
Na entrada ao espaço do Memorial, um mural
forçada, enquanto contenho as pálpebras.
de Ana Gallardo, uma imensa superfície
Isso é comparável ao que acontece com as
coberta com grafite, na qual ela apaga as frases
obras, que conservam os sentidos a partir dos
(registros, testemunhos) pronunciadas por
quais foram pensadas, concebidas, realizadas;
mulheres violentadas na Guatemala. Nesse
ponto de partida que se expandem quando
mesmo espaço, duas instalações de Ana,
estamos frente a elas, em relação com
uma em forma mural, a outra escultórica, que
outras imagens, com novas espacialidades.
remetem ao aborto realizado por mulheres
A condição prismática das obras, que
pobres na Argentina, onde o ato é ilegal e
conservam um núcleo de sentido interno que
clandestino. Salsinha e agulha de tricotar
se expande em facetamentos desde os quais
são materiais domésticos com os quais uma
se projetam significados novos, mutantes.
mulher pode realizá-lo. Usá-los envolve duas
Voltarei a esta praça amanhã, para consequências. Por um lado, o fato de ser
percorrer os espaços do Memorial. realizado em condições sanitárias adversas,
que muitas vezes levam à morte. Por outro,
Memorial que esses objetos também destacam a
soberania sobre o próprio corpo: embora
Neste prédio se concentram agendas do esteja proibido, embora seja legalmente
feminismo levadas adiante por artistas e passível de punição, pode ser feito com
coletivos. Ativismos que se desenvolvem instrumentos domésticos. O próprio corpo
em relação com as ações que denunciam se coloca, assim, como o espaço jurídico
a violência contra as mulheres, as sobre o qual se decide. Uma disputa entre
consequências da ilegalidade do aborto, a ordem da lei do Estado e a das pessoas.
as formas de desmontar os estereótipos
À direita, as salas reúnem a obra de Carole
dos corpos, as heranças da exploração, da
Condé & Karl Beveridge. Em uma foto collage
escravidão e da discriminação no presente,
29 BIENAL 12 CATÁLOGO
mural, elas atravessam o imaginário de desarma em outros sentidos no registro da
Brueghel e o ativismo indígena na Bolívia, performance que Priscila Rezende realizou há
focado na disputa atual sobre a água, recurso dois anos atrás em Porto Alegre, em frente
natural sobre o qual avançam as políticas ao prédio do Memorial no qual agora iria
extrativistas globais. Abordam também em expor. Ali a vemos com roupa clara, de tecido
suas colagens, a agenda do cuidado dos idosos, cru, enquanto passa água e sabão em seu
os contextos nos quais se realizam e nos que cabelo. Rodeada por um conjunto de panelas
são receptores das atividades orientadas a e recipientes de cozinha, ela, sentada, “lava”
eles. Eles, por sua vez, são depositários de as panelas com o seu cabelo. Bombril é, no
conhecimentos. Liuska Astete Salazar parte Brasil, a marca de esponja de aço usada para
do seu corpo desnormativizado a respeito limpar a cozinha e a casa, e assim se denomina,
dos padrões sociais que classificam os pejorativamente, o cabelo da mulher negra.
corpos, o seu corpo nu, que cobre com tinta Ao final dessa parte do prédio, uma sala
vermelha, preta e amarela. Ela realiza essas apresenta o vídeo de Zorka Wollny, uma ‘ópera
ações em edifícios emblemáticos da cidade impossível’ na qual corpos e sons ativam
de Concepción, no Chile (Palácio da Justiça, gramáticas possíveis de configuração de uma
Catedral e Pinacoteca), uma cidade cuja cena cena pública, aquela que poderia se articular
artística se declara e se mantém independente a partir das dinâmicas da democracia se a voz
a respeito do centralismo da capital do país, e a escuta encontrassem forma de encontro.
Santiago. Nesses prédios emblemáticos da
Podemos refazer nossos passos e chegar ao
cidade, ela desenvolve essas performances nas
ponto de partida, ou podemos atravessar o
quais o seu corpo se impõe como escultura
espaço pelo corredor que se estende na parte
monocromática, em cujo brilho se conserva
posterior do Memorial para chegar à outra ala
a percepção de um ato (ilegal, lógico), que
do térreo. Vamos retomar desde o primeiro
acaba de se realizar. Na sala seguinte, em um
ponto, desde a obra de Ana Gallardo e vamos
espaço escurecido, a obra têxtil de Sandra
nos dirigir à esquerda. Ali encontraríamos o
de Bertuccy. Ela retoma tradições têxteis
vídeo da ação que Jota Mombaça realizou
andinas e tecnologias contemporâneas. Os
na Colômbia, em frente ao monumento
fios de fibras óticas com sensores introduzem
que realizou Beatriz González em Bogotá
luz e movimento. Esses materiais interpelam
(Columbario). A ação, cujo registro era reeditado
os espectadores contemporâneos e os
em versão dois canais para a bienal, mostra
trasladam a técnicas antigas, produzindo
Jota lendo e depois queimando textos que se
no ato de expectação uma experiência de
referem a pessoas desaparecidas. No sentido
sincronicidade dos tempos. Com as suas
lateral, estende-se a instalação na que Musa
imensas fotografias, Kimiko Yoshida atua
Michelle Matiuzzi propõe um jardim da abolição,
o seu rosto recorrendo à maquiagem ritual
mais de cem recipientes que contêm plantas
com a qual funde a tradição visual do Japão
de poder, cultivadas pelas comunidades
e do barroco. Ela transforma o seu rosto e o
afro-brasileiras. A palavra, o conceito de
atravessa com a história da arte. Nessa forma
‘abolição’, tem aqui ressonâncias, refere-se
de fundir linguagens visuais distantes, ela ativa
também à abolição dos condicionamentos
uma identidade feminina diaspórica, que fugiu
(reais, simbólicos) que impedem um presente
dos limites que lhe determinavam a cultura à
emancipado. À direita de Michelle, o muro de
qual pertencia e que descobriu, com surpresa,
sons de Eugenia Vargas. Um muro realizado
tramas visuais que inicialmente não conhecia.
com materiais industriais e dispositivos sonoros
A instalação de Élle de Bernardini propõe um
que fundem vozes que invocam a experiência e
itinerário pela construção da identidade. Uma
a memória, que convocam a um ato de escuta
pesquisa sobre o corpo transexual na qual
que reúne pulsações diversas, e que repõe um
percorre as formas contrassexuais de feltro,
ato inclusivo: nós, ali, ouvindo. À esquerda, do
som, ouro, pele, materiais com que aborda
outro lado dessa sala, os vídeos de Claudia Paim,
narrativas desarmadas em texturas e brilhos
que trazem para o presente as performances
para pesquisar como seria uma sociedade
desta artista de Porto Alegre que interrogou
baseada nos afetos. Transdialética, trans. Essa
com intensidade o corpo, o seu próprio corpo.
elaboração estética de brilhos e texturas se
BIENAL 12 CATÁLOGO 30
Ela traçou mapas da cidade; elaborou, a sobre o rosto, um autorretrato que realiza
partir da repetição, padrões de reflexão e desde o terreno jurídico liberado que
de emancipação. Claudia formula perguntas representa o próprio corpo - não temos que
sobre a ideia de paisagem - que significa pedir licença para intervir sobre o nosso rosto
paisagem? - e afoga as respostas com a água - e que transcorre no clima de confrontação.
que entra com força na sua boca e que torna Sobre o seu rosto coberto de pó branco, ela
incompreensível o que ela diz. Um trabalho de desenha os lábios. Tira a pintura 1000 vezes, a
título Entre minha boca e teu ouvido... Deixa esfrega com papel. O rosto se transforma em
as perguntas em suspenso, com palavras uma mancha na qual o vermelho e o branco se
sufocadas. Claudia e Pedro Lemebel. Não misturam. O retrato, também, no registro da
sei se eles conheceram o que fazia o outro, a sua performance no Museu da Memória e dos
outra, mas poderiam ter conversado. Penso Direitos Humanos de Santiago, Chile, na qual
na épica performance de Pedro, jogando-se um grupo de migrantes com espelhos leva os
envolto por uma escada em chamas. Como se cidadãos a se olharem neles. “Vocês podem
nesse movimento envolvente pudesse criar um ser nós”: esse poderia ser o texto subjacente
argumento diferente àquele patriarcal a partir dessa ação. Sebastián Calfuqueo, um artista
do qual a história da arte, incluído Duchamp, mapuche que vive na cidade de Santiago
escreveu quando dissecou o corpo feminino. do Chile, interroga com filmes nos quais
Uma obra, a de Pedro, que colocou em xeque colhe depoimentos, lembranças, relatos, as
os discursos heteronormativos e homofóbicos dificuldades de identidades que se constroem
quando leu frente aos seus camaradas do a partir da expulsão, da diferença, da suspeita.
Partido Comunista o seu texto manifesto Identidades colocadas em xeque em ambos
Hablo por mi diferencia (Falo através de minha os lados da Cordilheira, na Argentina e no
diferença). E frente a esse registro, a obra Chile. Interroga também a sua procura por
visual e sensual de Glwadys Gambie, as suas um sósia feminino, Marcela, a quem encontra.
aquarelas e colagens com mulheres ouriços, O vídeo reúne o relato desta relação, o seu
mulheres como frutos com protuberâncias, desenvolvimento, o desencontro que se segue.
corpos fundidos na flora e na fauna. Corpos As fotos registram os rostos e nos colocam
na natureza / corpos natureza. Junto a essas diante das semelhanças e das diferenças.
aquarelas e colagens extremas, os de Eneida A obra de Sebastián interroga a partir do gênero
Sanches, sobre as afeções e sobre as fricções, e da raça. Na última sala, Estar igual que el
com as suas ferramentas de santos nas quais resto (Estar igual ao resto), uma instalação que
bate, solda e amarra metais e os coloca em reúne cinco anos da pesquisa que Pau Delgado
diálogo com a gravura. Gostaria de descobrir os Iglesias realizou entrevistando pessoas cegas
seus desenhos em uma visão direta e próxima, de nascimento. Suas perguntas se vinculavam
observar os detalhes do metal no papel. Tinha à construção da sexualidade, o desejo, os
muitas perguntas sobre o sentido dessas obras estereótipos sociais que regem os nossos
que ficaram ali, para mim, em suspenso. interesses. Como é possível que uma pessoa
que nunca enxergou, saiba que gosta de uma
O corredor lateral direito do térreo do Memorial
pessoa loira de olhos azuis? Como se constrói
reuniria a obra de Fátima Pecci Carou: um
socialmente o desejo sem a visão? E edição,
imenso mural construído com mais de cem
em três canais, também pergunta sobre o amor
retratos pintados de mulheres assassinadas,
entre pessoas cegas. Durante estes 100 dias de
vítimas de feminicídios, cujo olhar a artista
isolamento, revisamos a relação e a distância
redirecionou para o espectador. Retratos que
entre os nossos sentidos. Aprendemos a
olham para nós, uma interpelação. E uma
isolá-los, a exacerbá-los e experimentamos
tela de pintura que ficou vazia, apenas com
a sua perda quando convivemos com o
a imprimatura, a base inicial da qual parte
vírus. Nesta exploração, a pesquisa de Pau
uma pintura, em cinza, que foi deixada como
propõe formular perguntas a partir de um
interrogação a respeito dessas mortes, cujos
suposto grau zero: se nunca enxergamos,
responsáveis continuam, em muitos casos,
como podemos construir hierarquias entre
livres. Mortes que não cessam. O registro das
as pessoas a partir da cor do cabelo?
performances de Janet Toro, suas intervenções
31 BIENAL 12 CATÁLOGO
O memorial é a zona mais intensa da bienal. Memorial. Rahima Gambo apresentaria uma
Preciso ir para a praça para pensar as instalação que incluía vídeo, fotografia, plantas.
imagens, o tempo dos vídeos, as perguntas Ficaria no corredor que une os outros dois
que foram surgindo. Ali, sentada, percorro grandes espaços do subsolo do prédio. Em
mentalmente o espaço. Tento não esquecer suas fotografias, Rahima documenta escolas
as formas nas quais se configurou a relação de regiões afetadas por conflitos na Nigéria.
das obras. Nenhuma experiência na web Espaços de jogo e de reconstrução de relações
replica a das obras no espaço. Voltaremos sociais, afetivas. As últimas duas salas reuniriam
a visitar museus? Voltaremos a conversar duas obras contrapostas. A de Carmela
na sala, diante das obras, com quem fomos Gross, que poderíamos considerar como
acompanhados? Quanto terão mudado um monumento achatado, no nível do solo,
as formas de experimentar a relação contrário a qualquer impulso memorialista -
com a arte nos espaços higienizados apesar da sua ampla superfície de 4 x 11 metros,
pelo gel, as máscaras e a distância? bem maior que Guernica -. Mas no lugar das
formas pungentes e heroicas, que podem ser
O subsolo do Memorial reuniria a obra de cinco
observadas na famosa pintura, em contrastes
artistas que trabalham no Brasil, no Caribe,
brancos, cinzas e pretos, a obra de Carmela
na Nigéria e no Equador. Não importa tanto
era uma bandeira rosa que devia permanecer
se deter em um ângulo local, mas sim, pensar
molhada durante toda a exposição. Uma
a configuração de um campo de propostas
bandeira queer, despojada da identidade
estéticas que tencionam o cenário global
masculina a partir da qual se hasteiam, em
contemporâneo. As impressões e a presença do
muitas oportunidades, os símbolos da nação.
corpo; as formas do vento que agita a natureza
Em todo caso, esta é a minha leitura, uma
do Caribe; os cenários de uma comunidade
vez que Carmela prefere pensar as suas
educativa; as formas de uma participação
obras como opacas intercepções críticas. Um
que inclui a música, o desenho, a poesia; os
horizonte expandido para a imaginação ativa
símbolos de uma nação fluida, desmarcada
e a participação dos corpos, o som, a poesia:
das normas patriarcais que assinalam a história
isso antecipava enquanto esperava conhecer
das suas bandeiras, dos seus emblemas.
a Ana Lira e a sua proposta, Chama, uma
Se seguíssemos a ordem que indica o espaço, experiência multissensorial, construída no
quando descemos ao subsolo encontraríamos, espaço expositivo a partir de tradições sonoras
primeiro, a obra de Juliana Vidal. Um projeto afro-ameríndias, dos territórios negros de
que se realizaria em Porto Alegre, com blocos Porto Alegre, do deslocamento, da articulação
de argila local, nos quais Juliana imprimiria de saberes coletivos. Penso nesse espaço de
partes do corpo, como “indícios de resistência”. múltiplos requerimentos, que comprometeria
Uma obra de caráter indicial que propõe o corpo e os afetos a partir da música. Penso
interceptar o livre trânsito por esse espaço na contraposição com a superfície úmida em
com esses blocos que conservam a presença rosa da bandeira-hino de Carmela, e na luz que
de um corpo. As tintas e desenhos com grafite entra pela claraboia. As palavras não podem
de La Vaugh Belle, uma artista de Saint Croix substituir a experiência do corpo no espaço,
- parte das Ilhas Virgens, antiga colônia da com os sentidos abertos para a percepção.
Dinamarca, que usou as ilhas como ponto para
Subo ao segundo andar, onde as obras
o intercâmbio de escravos, e que atualmente
instaladas em três espaços contrapõem tempos
pertencem aos Estados Unidos como “território
muito distintos. As peças bordadas de Brigida
não incorporado” -, multiplicam as formas
Baltar, que inserem em seus títulos uma
que o vento imprime às palmeiras no Caribe.
linguagem médica (hematomas, petéquias)
Assim, produz uma crítica sutil a colonialidade,
e que referem-se à sua própria experiência
com imagens de uma natureza sacudida que
com a doença. Com as limitações do corpo.
desorganiza os estereótipos de exuberância
Nesses fios, nos fios que comprimem a teia
e prazer contínuos com que o turismo as
e geram uma forma apertada, se sentem os
promove. Os seus desenhos, que realizaria
afetos do trauma, a dor e as referências ao
em Porto Alegre, cobririam as paredes do
transplante quimérico, da medula do seu irmão,
BIENAL 12 CATÁLOGO 32
como caminho para a cura. Os processos de percepção intensamente luminosa porque
empatia, de cruzamento de experiências estão todos os dias em que visitei Porto Alegre foram
também presentes, ainda que de outro modo, ensolarados. Nessa arena pública, diante
nas formas de trabalho que Julieta Hanono do Memorial, colocaríamos um carrinho de
propõe nos seus intercâmbios com os qom, pipoca completamente coberto com batom
com algumas dessas comunidades indígenas vermelho, Rouge, uma obra de Carmela Gross.
que migraram do grande Chaco, na Argentina, Cinco quilos de pasta vermelha em toda a
para os arredores da cidade de Rosário. Os sua superfície. Um sinal enigmático, urbano,
qom fazem os pequenos animais de argila que com certo humor, faria colidir registros
que ela coloca na instalação, e cujo preço do popular com o universo do feminino. E me
eles estabelecem em assembleia. São tantos lembro também que no ciclo de performances
animais quanto os quilômetros de distância da Bienal Mulheres Públicas, distribuiriam
que existem entre Rosário e Porto Alegre. um pequeno caderninho sintetizando, com
Um trajeto que adquire forma metafórica humor, com ironia, as vantagens de ser
nessa manada de pequenas formas que lésbica. Fecho os olhos para ouvir apenas o
resplandeceriam com a luz que entra, potente, barulho do movimento das pessoas. É tarde.
pela janela. Na última sala do Memorial,
um espaço no qual ardem os ativismos dos Fundação Iberê Camargo
coletivos feministas. Mujeres públicas, com
sua bandeira virada com a palavra em branco Na avenida às margens do rio Guaíba, o prédio
sobre fundo vermelho: “Demasiado” (Demais) da Fundação assinala um clima arquitetônico
‘Demasiado’ é uma referência móvel que pode diferente. Essa é a terceira sede da bienal.
ser aplicada a muitas formas de saturação: Formas minimalistas, um espaço de rampas,
injustiça demais, falta de vergonha demais, circular no seu interior, que desde o exterior
atropelos demais. Elas as levam também à se vê quase como uma mão cujos dedos
interrogação da palavra queer como trend word, envolvem o espaço. No átrio, no espaço
como palavra da moda entre os grupos brancos central, instalaríamos duas obras mínimas,
e ilustrados que a usam. “Gorda demais para ser contrapostas à espetacularidade do prédio.
queer”. Um comentário irônico que se ativava Semiya (Semente), de Cecilia Vicuña - um
a partir de um adesivo das palavras no muro. O desenho, um vídeo, um texto -, que narra
ativismo, também, de Nosotras Proponemos; quando Cecilia propôs a Salvador Allende, em
o seu arquivo de intervenções urbanas em 1971, estabelecer um “dia da semente”. No
uma agenda que abrange, simultaneamente, espaço, seria suspenso seu quipo realizado com
o machismo e a violência social, o machismo materiais mínimos, precários, que Cecilia estava
e as formas de violência real e simbólica trabalhando em seu ateliê e que chegariam
no mundo da arte. Visualizar as formas de por Correio urgente. Esses materiais seriam
apagamento, da invisibilização. Uma ação que complementados por outros, provenientes
é central no ativismo do coletivo COCO. Elas de diferentes comunidades de Porto Alegre,
pesquisam as porcentagens de representação que, somados, iriam configurar uma forma
de artistas mulheres em revistas, livros e frágil, metáfora - assim a concebia Cecilia -
catálogos de arte latino-americano. Na mesma da natureza ameaçada pelos incêndios na
sala seriam instaladas as bandeiras de Jota Amazônia. No mesmo andar, as fotografias e
Mombaça. Bandeiras realizadas com sangue, os textos de Maruch Sántiz Gómez. Fotografias
que condensam, em frases breves e poderosas, de objetos comuns, de animais domésticos e
o estado atual do mundo: “World – Wound”. frases em tzotzil que sintetizam conhecimentos
ancestrais que é preciso conservar ou recuperar
No memorial, estariam as oficinas do
para derramar como conhecimentos do
programa educativo. Nos terraços anexos
presente. Um tempo no qual, para pensar
se ativaria, periodicamente, como parte
o que virá, precisamos de conhecimentos e
do programa, a performance coletiva
práticas que estabeleçam outra relação com a
“Malha”, de Juliana dos Santos.
vida, com as comunidades, com a natureza.
Saio para a Praça da Alfândega. O sol
continua ali. Provavelmente conservo essa
33 BIENAL 12 CATÁLOGO
O primeiro andar, receberia um têxtil suspenso afro-brasileiro. Um dos projetos que assinalam
de Juliana Góngora. Ela procura, há tempo, com maior força a distância entre a experiência
tecer com a textura solidificada do leite. Esses no espaço a partir do qual a bienal estava
fios se entrelaçam com galhos alinhados, em sendo planejada e a realidade na rede desde a
um tecido suspenso no espaço. Nesta obra, que propunha estabelecer uma comunicação
planejamos trabalhar a luz tanto quanto fosse com os públicos, é o de Dana Whabira. Ela
possível. Para que fosse mais visível esse efeito desenvolvia uma pesquisa sobre a história
leve, rodeado de iridescências. Uma obra que é negra no Rio Grande do Sul; um trabalho com
quase um abrigo no espaço no qual circulamos. especialistas de Porto Alegre nos quilombos
Jessica Kairé, no mesmo espaço, explica da região em que a cidade está inserida. O
como fazer instrumentos de proteção perante projeto consistia em traduzir em desenho, nos
iminentes ataques, empregando elementos da seus desenhos abstratos, as suas observações
cozinha, vegetais que amarra e move enquanto sobre essas teias da cultura local. O diálogo
explica as suas utilidades. Uma referência à fricciona especialmente quando pensamos que
violência que ela desativa também com armas no espaço adjacente encontrava-se o vídeo
brandas, granadas de tecido quase aveludadas. de Aline Motta, no qual Aline aborda a viagem
Quando imaginei a série dos retratos das desde o Brasil até a Nigéria, para interrogar
mulheres do Chaco, realizada por Grete Stern raízes, relações, distâncias culturais. O texto, a
entre finais dos anos cinquenta e início dos voz, as imagens do espelho que atravessam o
sessenta, localizados neste mesmo andar—uma filme, instalam perguntas poéticas e políticas.
série da qual selecionamos os retratos das Imagino o clima afetivo no qual transcorreria
mulheres tobas, wichis e mocovíes—, pensei o itinerário entre essas obras que condensam
na identidade, em primeira pessoa, que repõe experiências de raça. Um deslocamento
o retrato, mesmo quando não conservemos nosso, hipotéticos espectadores, à distância
os nomes dessas mulheres. Embora a foto na direção das camisolas de Janaina. E, na
tenha sido feita por Grete, que tinha chegado estação seguinte, no espaço adjacente, a
há quase vinte anos na Argentina, vinda da imersão no filme de Aline. A partir dali, desde
Alemanha, onde tinha estudado na Bauhaus, esse clima reflexivo e emotivo, ingressaríamos
as fotos eram retratos. Um registro analógico, no espaço ocupado pela obra de Lungiswa
a maior proximidade visual que possamos Gqunta. Apenas temos os desenhos sobre
imaginar a respeito dessas mulheres no como seria disposta no espaço a instalação
presente. Antecipei, como contraponto, a obra translúcida de arame farpado envolto com
de Gonzalo Elvira, a série de desenhos nos tecido de algodão que Lungiswa realizaria
quais revisa e resgata a obra das mulheres da coletivamente em Porto Alegre. Ela remete
Bauhaus, excluídas das oficinas de metal e ao toque; à suavidade do toque feminino. Um
da escultura, ativas nos têxteis e cerâmicas. eco que pode ser encontrado em seu vídeo,
Ao citar, mediante o seu desenho, os retratos no qual o movimento no balanço se repete,
fotográficos dessas mulheres, Elvira resume e reitera-se, enquanto ouvimos uma canção.
ativa uma parte da agenda feminista na arte:
Pela rampa, no acesso ao terceiro andar, à
resgatar a história de artistas invisibilizadas. Os
minha esquerda, o vídeo de Kan Xuan. As
desenhos seriam instalados sobre um mural
imagens aceleradas, o som urbano, de buzinas
realizado pelo artista no local. A intervenção
e de pássaros se contrapõem aos instantes,
de Janaina Barros, com as suas camisolas
frações de segundos, nos quais a imagem se
e fotografias, produz um salto do rosto ao
detém em um uniforme militar. Na textura
corpo. Ao corpo inteiro, com o rosto apagado.
visual, que é a trama, é luz, é velocidade,
E ao retrato com o rosto coberto. Poderíamos
onde se superpõe a leveza e o comentário
pensar esse silêncio como uma deriva desde
político que remete a uma sociedade hiper
o pessoal ao social. Uma chave para pensar
vigiada. Nesse espaço, a instalação de Natalia
a relação entre uma primeira pessoa, negra,
Iguiñiz, Patria (Pátria). Um conjunto de
subjetiva, em relação com uma experiência
bandeiras das quais parecem se desprender
coletiva que atualiza a cada dia as estratégias
palavras que ficam dispostas no chão e que
de apagamento e violência sobre o coletivo
remetem à nação. Um comentário crítico
BIENAL 12 CATÁLOGO 34
sobre os seus fundamentos. Em parte, as se restabelecem a partir do movimento, a
obras dessa seção estão permeadas pela partir da dança. Ela dança na terra em que
memória. A força da pontada que fixa as pisa. E os cenários e a roupa que escolhe em
formas das arpilleras (jutas) que as mulheres cada canção indica uma relação diferente
no Chile costuraram durante a ditadura. Uma entre a música, o corpo, a cidade, o momento
forma de sobrevivência e de resistência. do dia. São minutos nos quais o corpo e a
Nelas se condensam os episódios da vida música se fundem em um clima de gozo, de
coletiva durante esses anos nos quais o medo dança, que transcorre no cenário público. A
dominou. No mesmo espaço, Mirella Maria nos grande sala lateral, que se abre ao espaço
apresenta o registro impresso das fotos da sua central que conecta espacial e visualmente
família, na qual o nome Maria retém a história todos os andares da Fundação, reúne as peças
colonial, da escravidão. As fotos configuram escultóricas têxteis e de cerâmica de Lidia
relações na forma sucessiva, adjacente, na Lisbôa. Ao percorrer o espaço, repercutiria em
que estão impressas em um vestido. minha lembrança a certeza com a que Lidia
Lisbôa declara que ela vive, pensa e respira
A memória da experiência chilena se redobra na
arte, como declara no breve filme que se somou
sala seguinte, na qual Nury González apresenta
ao arquivo dos afetos no local da bienal. Nessas
três ponchos mapuches antigos, pretos, aqueles
formas têxteis e cerâmicas, ela condensa as
que as mulheres usam, cujos furos produzidos
lembranças dos ninhos de cupins, das árvores
pela passagem do tempo, a artista contorna
na Avenida Atlântica de São Paulo, das crianças
com cuidadosas costuras que, em um sentido
de quem cuidou, das violências domésticas
simbólico, conservam, cuidam. Na frente da
na sociedade paranaense em que cresceu.
sua obra, duas intervenções de Paz Errázuriz:
Ela tece, amarra e coloca em um objeto essas
na primeira, a projeção dos retratos que fez de
experiências, cicatrizes, memórias do corpo.
seu filho, Tomás, nos últimos anos da ditadura
no Chile. Retratos feitos todos os meses. Uma Nas paredes das rampas da fundação
forma de medir a passagem do tempo, os anos instalaríamos a obra de Julieta Hanono, uma
finais de um período de violência, censura e Constelacion de las poetas (Constelação
opressão. Ao lado, a sua série de fotografias de das poetas), na qual com fitas de cor verde
pessoas dormindo no espaço urbano; corpos (pela campanha de legalização do aborto
quietos, metáfora da paralisia que marcou o na Argentina), violeta (cor vinculada às
golpe de Estado. A reflexão que as imagens lutas do feminismo) e laranja (que remete à
nos propõem se desloca rapidamente para o reinvindicação da separação entre a Igreja e
questionamento sobre a situação das mulheres o Estado nesse mesmo país) a artista rende
no espaço urbano. Natalia Iguiñiz mapeou homenagem `as poetas latino-americanas
Lima e planejava mapear Porto Alegre. Os as quais vincula às lutas do feminismo.
diagramas de fotos e geografias permitiriam
No andar superior, o quarto dessa seção da
estabelecer comparações. O mapa urbano se
bienal, a Fundação Iberê Camargo incluiu os
redobraria nos sinais de bandeiras urbanas e,
tapetes que este artista do Rio Grande do
ao mesmo tempo, antropomórficas, bandeiras
Sul realizou junto a mulheres especialistas
enfiadas em sapatos, bandeiras bordadas
na tecelagem. Muitas das obras dessa seção
com palavras de mulheres, de poetas como
da bienal se vinculam à trama, ao tecido,
Montserrat Álvarez e Carmen Ollé, realizadas
à costura, ao bordado. Um sentido de
por Eliana Otta. Nesse clima urbano, o mapa
intercâmbio, de reparação, de textura social.
urbano, as bandeiras com os seus paus
fincados nos sapatos, repunham a afetividade Lembro-me, enquanto imagino as obras nas
da manifestação. Uma demonstração salas, de outra obra que não poderei ver em
embandeirada na palavra poética e Porto Alegre. Them, a obra de teatro de Liliana
testemunhal, com perguntas incisivas, “como Porter e Ana Tiscornia, que seria representada
dissimular uma cicatriz da cesareana?” Não nos na Santa Casa, um complexo de hospitais
desapegamos do clima urbano, nem, em certo que conta com salas de exposição e um
sentido, da relação com a superfície, com o solo. auditório. No isolamento, elas realizaram um
Mas no vídeo de Renata Felinto esses contatos vídeo novo, Sin título con Helga (Sem título
35 BIENAL 12 CATÁLOGO
com Helga), no qual elaboram imagens que propõe Aline Motta e o que reflete aqueles
envolvem os afetos dos sentidos e os contatos que assistem a performance de Janet Toro na
interrompidos. E, muito especialmente, frente do Museu da Memória e dos Direitos
para fazê-lo recorrem a uma tecnologia Humanos. O conhecimento ancestral que
que utilizam todos os dias, o celular. recupera em suas fotografias e nas frases
que reúne Maruch Santíz Gómez e que
Na tarde de Porto Alegre, já fora do prédio
Sebastián Calfuqueo registra nos seus vídeos,
da Fundação, o sol se põe, e veria, nessa
conhecimento tzotzil, conhecimento mapuche.
paisagem atravessada pelo prédio minimalista
As mulheres do grande Chaco, retratadas por
de Álvaro Siza, à margem do rio Guaíba, a
Grete Stern e que agora estão nos arredores
luz dourada, o cartaz com led de Santarosa
da cidade de Rosário, indígenas qom com as
Barreto. Na frase na qual se sucedem as
que Julieta Hanono trabalha. A relação entre
palavras ‘rosa’, ‘mulher’, ‘bruxa’, em uma
os retratos de Grete Stern e os que Gonzalo
sequência tautológica, entrelaçam-se o título
Elvira realiza das mulheres da Bauhaus. As
de um filme, um verso, uma frase de Jean-
tramas de memórias negras que recuperam
Luc Godard, de Gertrude Stein, de Ernest
Dana Whabira, Aline Motta, Rosana Paulino.
Heminway, respectivamente. Uma relação
As reflexões sobre os idosos, sobre os seus
que permeia mulher, beleza, maldade. As
conhecimentos e criatividade, que podemos
palavras, silenciosas, são impregnadas com
observar nas fotografias de Carol Condé & Karl
o som do trânsito dessa parte da cidade.
Beveridge. Os estereótipos do turismo, que
Experiências sonoras, visuais. As da vida em
abordam Joiri Minaya e La Vaughe Belle. A
Porto Alegre, e as do itinerário imaginário,
contraposição entre o retrato de corpo inteiro,
que posso reconstruir a partir dos materiais
de Liuska Astete Salazar e os autorretratos
naweb, dos planos, dos conceitos e a partir
extremamente produzidos pela maquiagem
das palavras que muitxs dxs artistas enviaram
de Kimiko Yoshida. A cor como chave reflexiva
pelo celular, do lugar onde se encontravam
para abordar o corpo, nas obras com fumaça
quando começou o isolamento. Mas não
de Judy Chicago e nas performances de Liuska.
pude experimentar a percepção das obras
A relação entre violência, mulher, cidade, na
no espaço. O reverberar das obras nas salas,
obra de Natalia Iguiñiz, Mónica Mayer, Ana
suas zonas de contato, os diálogos, as fricções.
Gallardo, Fátima Pecci Carou. A imaginação
Essa forma específica que a arte assume nas
sobre novas formas de experimentar o
salas de exposição. O que perdemos? O que
conceito de família, nos bordados de Chiachio
ganhamos? Ainda não tenho respostas.
& Giannone e na escultura de Cristina Schiavi.
Muitos contatos e relações ente as obras As poéticas do afeto queer, trans, em Elle de
foram surgindo, como pequenos relâmpagos, Bernardini, em Jota Mombaça, em Sebastián
enquanto as reconstruía com as palavras, Calfuqueo quando busca o seu sósia, Marcela,
com a imaginação. Por exemplo, os sentidos na ação que Mujeres Públicas realizaria sobre
da costura, da pontada como sutura ou como as vantagens de ser lésbica. A pesquisa
reconstrução do sentido, nos bastidores de sobre o significado do cabelo negro, na obra
Rosana Paulino, nas Arpilleras (Jutas) das de Priscila Rezende, de Helô Sanvoy, de
mulheres do Chile, em Chiachio & Giannone, Lorraine O’Grady. As relações são infinitas. A
nos ponchos de Nury González ou nas constelação das obras na tela me permite saltar
bandeiras de Eliana Otta. A relação entre a o espaço físico e imaginar outros vínculos.
roupa e o corpo nas camisolas de Janaina
Pensar a bienal online não foi resultado de um
Barros, na peça que Lidia Lisbôa ativa, o
planejamento. Foi a forma de estabelecer um
de Mirella María. A extensão da bandeira
contato entre obras, artistas e público durante
de Janet Toro na fachada da bienal; a de
estes três meses nos quais, pela primeira vez
Mujeres Públicas, na zona dos ativismos, o
na história do mundo, estivemos, globalmente,
seu “demasiado” (Demais); a de Carmela
em nossas casas, com todas as precariedades
Gross, molhada, no subsolo do Memorial; as
e os riscos que a casa representa quando não
de Jota Mombaça realizadas com sangue;
responde aos estereótipos que a normalizam.
as de Natalia Iguiñiz em “Patria” (Pátria). O
Nem todas foram casas seguras, nas quais
espelho nessa viagem pela memória que nos
BIENAL 12 CATÁLOGO 36
esperar com os mínimos requisitos da vida.
Frente ao fechamento dos espaços urbanos,
dos espaços sociais, pensamos nos afetos,
nas relações possíveis, nos conhecimentos
com os que podíamos contribuir para gestar
em tempo presente. Pensamos em nos deter
nos instrumentos que permitirão abordar
o futuro se parte destas novas formas de
entender a vida social permanecerem.
Pensar, criticamente, a qual normalidade
queremos voltar, quais outras formas de
entender a nossa relação com a natureza e
com xs outrxs não desejáveis, possíveis.
37 BIENAL 12 CATÁLOGO
Sobre Gatherings, Ajuntamentos
e Hábitos de Assemblagem
Fabiana Lopes
Curadora Adjunta
New York University
1 Barbara Christian, Black Feminist Criticism: Perspectives on Black Women Writers, New York: Teachers College Press, 1985, pp.
9-10.
2 Denise Ferreira da Silva, “Toward a Black Feminist Poethics”, in The Black Scholar v. 44, n. 2, summer 2014, p. 81.
BIENAL 12 CATÁLOGO 38
pretas no contexto Brasileiro, meu ponto de processo de investigação. Em outros casos,
partida, mas também na América Latina? entretanto, gathering parece ser o juntar de
materiais, uma certa articulação de objetos, um
No caso do Brasil, em específico, e da América
acúmulo, quase. Por outro lado, ainda, minha
Latina em geral, há um longo caminho a ser
articulação de grupos de projetos e artistas que
percorrido no que diz respeito a atentar
se tangenciam em diálogo, se apresentou como
para produção de artistas negras, e para
gathering, como um campo para observação,
as pistas que essa produção oferece sobre
como um terreno de possíveis teorizações.
saberes, fazeres e modos de seguir existindo
na sociedade estruturalmente anti-preta O exercício que eu procuro fazer, então,
em que vivemos. Se a produção artística de é o de pensar alguns projetos a partir
autoria negra é ainda tão invisível (eu estava desses conceitos-tentativa de gathering,
tentando evitar fazer essa declaração, mas ajuntamento ou hábitos de assemblagem:
aqui estou enroscada nela), Fred Moten nos gathering como encontro (ou aglomeração)
lembra que [A] marca da invisibilidade é uma de pessoas; gathering como ajuntamento de
marca racial visível; invisibilidade tem, como coisas, como acúmulo de objetos; gathering
cerne, a visibilidade. Ser invisível é ser vista, como aquilo que emerge da articulação de
instantaneamente, e de forma fascinante conceitos (ou teorias) quando trabalhos são
reconhecida como o irreconhecível, como o colocados em diálogo. E é possível que esses
abjeto, como a ausência de auto-consciência conceito-tentativas não se sustentem, que
individual, como um vaso transparente eles se dissolvam a qualquer mo(vi)mento.
de significado totalmente independente
I can’t breathe, I can’t breathe
de qualquer influência do próprio vaso.
I can’t breathe
Uma questão relevante, então, é como
podemos, a despeito dessa marca (ou talvez “Pode alguém teorizar efetivamente sobre
motivadas por ela), seguir [f]onografando um processo em expansão? …Quais são as
esse problemático paradoxo [visual].3 premissas filosóficas por trás de minha práxis?”
Essas são algumas perguntas colocadas Barbara
Minha tentativa nesse texto é ir procurando
Christian em sua tentativa de desenhar uma
apreender como uma poÉtica negra, a mesma
crítica negra feminista no início dos anos
que levou mulheres negras a se organizarem
1980.4 Centrada na relação entre premissas
numa rede coletiva de ajuda—estou
filosóficas e práxis, Denise Ferreira da Silva
pensando aqui em como mulheres negras nos
empresta os comentários de Christian para
organizamos para apoiar nossas comunidades
considerar, ela mesma, como uma PoÉtica
durante a crise de saúde e financeira instaurada
Negra Feminista enfrentaria tal tarefa.
pela pandemia do COVID19—se manifesta
Expandindo a discussão, Da Silva nos oferece
no fazer artístico. Chamou minha a atenção,
as seguintes perguntas: “Será que a intenção da
por exemplo, como a proposta de algumas
poeta emanciparia a Categoria da Negridade
artistas evadiam o lugar do objeto de arte
dos mesmos modos científicos e históricos
[de comodity?], e/ou como suas propostas
de saber que a produziram...? Será que a
esgarçavam o conceito de espaço de exposição
Negridade emancipada da ciência e da história
para o objeto de arte—ainda que existindo
imaginaria uma outra práxis e perambularia
em relação a esse espaço. Essas artistas
pelo Mundo, com o mandado ético de abrir
circunscreviam o fazer artístico ao processo
outros modos de saber e fazer?” Oferecendo
de pesquisa em si, ao fazer coletivo, ao
uma resposta positiva (e provisória) para ambas
encontro, ao gathering ou ajuntamento e a
perguntas, Da Silva propõe que “[de] fora do
seus modos de articulação próprios. Em alguns
Mundo como o conhecemos, onde a Categoria
casos, o resultado final da pesquisa, o que é
de Negridade existe em/como pensamento
apresentado no espaço expositivo não é mais
— sempre, e de antemão, um referente de
que um resíduo mais ou menos explicito do
comodity, um objeto, e o outro, como fato além
3 Fred Moten, In the Break: The Aesthetics of the Black Radical Tradition. Mineapolis: University of Minesota, 2003, p. 68.
4 Denise Ferreira da Silva, “Toward a Black Feminist Poethics”, op. cit., p. 81.
39 BIENAL 12 CATÁLOGO
de evidência— uma PoÉtica de Negridade Quilombo para Whabira parece ter um sentido
anunciaria uma gama de possibilidades para de espaços historicamente formados e não,
saber, fazer e existir.”5 O que eu imagino fazer necessariamente, um sentido simbólico
aqui seja talvez uma oscilação (ou uma dança estendido que abarque, por exemplo, espaços
imperfeita e inacabada) entre a pergunta de pretos urbanos (ajuntamentos urbanos).
Christian “Pode alguém teorizar efetivamente Mas quais seriam as vantagens e limitações
sobre um processo em expansão?” e tentativas do cruzamento desses dois conceitos? É
de apreender algo da “gama de possibilidades possível, num momento contemporâneo,
para saber, fazer e existir” indicada por Da pensar num sem implicar o outro? Como
Silva. E fazer isso num momento em que considerar a pesquisa de Whabira em diálogo,
respirar é um evento—e um evento difícil. por exemplo, com o pensamento de Beatriz
Nascimento para quem quilombo é não
Gathering: apenas espaço formado historicamente mas
an assembly or meeting, especially a social or “um movimento geral de longa duração em
festive one or one held for a specific purpose. todo o Brasil”, uma organização social com
continuidade na contemporaneidade?6
Ajuntamento:
reunião, aglomerado de pessoas, aglomeração. O trabalho final, um desenho em grafite em
formato circular de larga escala, guardaria, de
Baseada em Zimbabwe, Dana Whabira, seria, alguma maneira, as informações apreendidas
possivelmente, a primeira artista que eu pela artista durante as três semanas de
encontraria. Whabira já havia passado duas pesquisa de campo. Esse desenho condensaria
semanas em Porto Alegre desenvolvendo as historias de displacement dessas
pesquisa de campo, acompanhada pela artista comunidades quilombolas cujas narrativas
local Miti Mendonça, nos quilombos Silva, historicamente construídas podem incluir
Fidelix, Lemos, Areal, a antiga área da Colônia práticas radicais como “plantar”, no cabelo,
Africana, e a região da Restinga. Essa pesquisa mapas de rotas de fuga, sementes e ouro. Essas
informaria a produção de um desenho, narrativas nos ajudam a identificar e pensar
comissionado pela Bienal 12|Porto Alegre, radicalidade em práticas pretas cotidianas e
parte da série Circles of Uncertainty/Circulos a re/conhecer nelas pistas de uma tradição
de incerteza—uma investigação continua ainda viva. O desenho também preserva
sobre histórias de mapeamento, migração certo grau de opacidade, não revelando as
e pistas de rotas de fuga em comunidades camadas do processo, não evidenciando
da diáspora Africana. Através das visitas aos explicitamente a pesquisa. Esse trabalho nos
quilombos, de entrevistas com seus líderes convida a refletir sobre como o fazer artístico
e membros, bem como com pesquisadores pode estar circunscrito na pesquisa e como
locais, Whabira procurava identificar diferentes opacidade (sugerida também pelo título
pontos de referência (e de entrada) para da obra) e invisibilidade continuam sendo
conhecer história passada e presente dessas mobilizadas como estratégias subversivas.
comunidades e delinear uma produção Ao realizar esse projeto no Brasil, Wabira
preta de espaço. Ao rastrear espacialidade, lança uma luz sobre como algumas práticas
temporalidade e radicalidade negras, a artista da Tradição Radical Preta—uma tradição
tentava entender a natureza complexa do que pode ser mapeada ao longo da história
quilombo, sua existência precária e delineação de resistência do povo preto às condições
ambígua no passado e no presente. A de opressão imposta pelas intervenções
pesquisa era também uma forma de acessar coloniais — se atualizam localmente. Estou
as políticas raciais no Brasil, conhecer o status pensando aqui tanto na contribuição oferecida
dos espaços ocupados pelos quilombos na pelo teórico estadunidense Cedric Robinson
psyche, mitologia e imaginário urbanos. que conecta a natureza da tradição radical
BIENAL 12 CATÁLOGO 40
preta com os levantes e práticas insurgentes, Reis, Malena Mendes, Mariana de Jesus e
como a formação de quilombos, com “o Paula Fernandes). O trabalho, produzido por de
desenvolvimento continuo de uma consciência mulheres negras, consistiria em manusear —
coletiva, informada por lutas históricas dobrando e redobrando, esticando e torcendo
por liberdade e motivada por um senso — uma quantidade expressiva de arame
de obrigação compartilhado em preservar farpado previamente encapado com tecido
o ser coletivo, a totalidade ontológica.”7 de algodão. A instalação final, uma versão
Ao mesmo tempo, penso na definição de da obra The Softness of A Woman’s Touch/A
Robinson em diálogo com o conceito de maciez do toque de uma mulher (2018-2020),
quilombo oferecido por Nascimento que, consistia de dois grandes emaranhados de
como mencionado anteriormente, o entendia arame farpado separados por uma passagem
como movimento de longa duração que entre eles e ocuparia uma sala toda no segundo
continua no momento contemporâneo. andar na Fundação Iberê Camargo. Na sala
também estaria a obra em video Feet Under
O impulso rizomático que (des)orienta meu
Fire, (2017), da mesma artista. Nessa versão de
pensamento, e a ideia de práticas radicais,
The Softness of A Woman’s Touch produzida
fuga, cabelo e cotidiano me levam ao projeto
por mulheres negras em gathering, num
Rotas de fuga (2017) da artista mineira Charlene
exercício de tecer coletivo, lírico e radical não
Bicalho. O projeto é uma performance em que
seria possível aos visitantes acessar todos
Bicalho, em colaboração com cinco outros
os nós formados e desmanchados durante o
artistas, caminha pelas ruas da cidade de
processo. Ainda assim, podemos considerar
Ouro Preto (MG) e entrega pepitas de “ouro”
como a obra — e seu processo de criação
(cascalho pintado de dourado) que tira de entre
complexo, intenso e trabalhoso — articula as
o cabelo às pessoas que vai encontrando pelo
ideias de toque, proximidade e intimidade,
caminho ou vai, alternativamente, deixando
de um lado e, de outro, paisagens coloniais,
traços de “ouro” pelas ruas, janelas, portas
legados espaciais e violência; podemos
e caixas de correio das casas do caminho.
também seguir pensando nas rupturas que essa
Acessar a pesquisa de artistas que não
poÉtica preta feminista colaborativa anuncia.
fazem parte do projeto da Bienal 12 | Porto
Alegre me ajuda a demonstrar como os E se Dana rastreia espacialidades e
processos de pensamento e criação delas/ temporalidades pretas e as codifica em
nossos estão em constante transborde.8 seus desenhos, no caso da artista visual do
Recife, Ana Lira, que faz o mapeamento
Hands up, don’t shoot! Hands up, don’t shoot!
de espacialidades das diásporas
Hands up, don’t shoot!
negrodescendentes por uma outra via, a
Hands up, don’t...
pesquisa está em como as codificações
Eu também encontraria, nos primeiros dias, a do conhecimento preto, suas vivências e
artista visual e escultora Sul Africana Lungiswa transmissões, seus modos de resistência
Gqunta que, durante o curso de quatro à opressão se dão por manifestações
semanas, começando em meados de março, poéticas — por textos ou palavra falada, e
engajaria em intenso trabalho colaborativo com por manifestações sonoras que vão desde
um gathering de quatro artistas locais (Daniele batidas de tambor com todas as suas
7 Cedric J Robinson, Black Marxism: The Making of the Radical Black Tradition, London: Zed Press, 1983 (University North Caroli-
na Press, 2000), p. 171.
8 Realizada na cidade de Ouro Preto (no estado de Minas Gerais) em colaboração com as artistas Priscila Rezende, Winny
Rocha, Ana Bárbara Coura, Fredd Amorim, e Karla Ribeiro, Rotas de fuga é, para a Charlene Bicalho, um misto de cotidiano
e performance. A artista pesquisava tranças nagô, possíveis caminhos de fuga que, as vezes, essas tranças representavam, e
a prática de esconder pepitas de ouro entre o cabelo. Para essa performance coletiva, os artistas se encontraram em frente
ao Museu da Inconfidência vestindo roupas pretas e vermelhas. Organizados em fileira, eles se sentaram entre as pernas uns
dos outros e, de forma cuidadosa, entregaram ao ori (cabeça) do companheiro a frente, pepitas de “ouro” (cascalho pintado
de dourado). Depois disso, os artistas se dividiram em duplas e saíram caminhando pelas ruas ao redor do museu, como em
rotas de fuga distintas, presenteando as pessoas que encontravam pelo caminho com as “pepitas de ouro” retiradas de seus
cabelos. Houve quem, tomados de pavor pela aproximação dos artistas, traçasse rotas distintas das deles. Durante os percur-
sos foram deixados rastros de “ouro” pelas ruas, janelas, caixas de correio e varandas das casas até a igreja Santa Efigênia. O
registro em fotografia e vídeo foi fei por Labibe Araújo.
41 BIENAL 12 CATÁLOGO
múltiplas variantes à musica eletrônica. Como nas vivência-das-entrelinhas, o projeto de Ana
a invisibilidade pode também ser uma forma Lira desloca o entendimento de fazer artístico
de empoderamento? Como o conhecimento para o espaço e processo de gathering tanto
codificado, não explicitamente revelado das rodas de conversa (ou vivências) quando
nos processos de manifestações poéticas e das celebrações, o lugar onde “os corpos
sonoras da diáspora afro-ameríndia podem liberam as angustias acumuladas no cotidiano”,
viajar e ser compartilhados por outros modos dançando em gathering, em ajuntamento,
de experimentação sensorial sem a imposição em movimento (negro), em performance
de processos de tradução? Essas são algumas (negra). Propondo o festejar como lugar de
proposições feitas por Ana Lira com o projeto pertecimento, o Chama nos convida para uma
Chama (2020), na definição da artista, “uma serie de experiências sensoriais, para ouvir,
experiência dedicada às poéticas da Diáspora sentir e pensar com o corpo, e para uma prática
e suas expressões sonoras, celebrativas, poÉtica feminista preta de fazer coletivo.9
sensoriais e escritas.” O projeto consiste de um
O trabalho da artista visual Juliana dos
ciclo de experimentações sensoriais que inclui
Santos, Entre o azul e o que não me deixo/
uma instalação sonora no espaço expositivo,
deixam esquecer é uma instalação interativa
nesse caso, o primeiro piso do Memorial do
e performativa, composta de luz azul, tecido
Rio Grande do Sul. A instalação é composta
branco, sensor de presença e som—uma
por livros de poemas criados por Ana Lira
edição da narrativa de um grupo de pessoas
(em português) e a poetisa sudanesa Ola
racializadas sobre suas experiências com o azul.
Elhassan (em inglês, dinamarquês e árabe),
Entre o azul surgiu das reflexões de Juliana
tecelagem da Guiné Bissau, e um espaço para
dos Santos sobre possibilidades poéticas
os visitantes estarem juntos, manusear os
e os limites de ser artista negra. Uma das
livros e ouvir sets das playlists criadas para o
possibilidades que artista procurava tecer
programa de radio online, uma outra ação do
era uma investigação sobre a cor azul, seus
projeto elaborada e executada pela artista.
desdobramentos na história da pintura e os
Além da instalação sonora e da rádio online, possíveis usos/aplicações no agora. Essas
compõe o projeto uma celebração coletiva— investigações, entretanto, esbarravam em
uma festa programada para acontecer fora do como a artista era racialmente interpelada.
espaço expositivo, na praça do Tambor durante “Seria possível falar do Azul se o tempo todo
a abertura da mostra em Abril de 2020—e não me deixam esquecer que meu limite está
uma roda de conversa/vivência com jovens muito aquém do céu? Quais são as demandas
DJs. No partilhar de suas investigações sobre que não me deixo/deixam esquecer? Podem
musicalidades e sonoridades da Diáspora artist_s negr_s abstrair? Como falar do azul
afro-amerindia, Ana Lira colabora com (e se o tempo todo gritam-me “negra”? Como
compartilha) as pesquisas da artista e DJ posso esquecer-me no azul se a lembrança
Marta Supernova (Rio de Janeiro, Brasil), e alheia me interrompe o sonho?” Essas são
da DJ Suelen Mesmo (Coletivo Turmalina em as perguntas que emergiram da investigação
Porto Alegre, Brasil). Um ponto importante no e experiências da artista. A pesquisa sobre
entendimento de como Lira articula o conceito azul abriu a possibilidade de gatherings,
de colaboração—também uma forma de ajuntamentos e encontros. Um deles foi o
gathering—é que o chamar/anunciar o nome encontro-performance em Porto Alegre para
da autora sempre implica o anunciar/chamar o qual Dos Santos convidou dez pessoas
o nome de suas colaboradoras. Por isso a frase para compartilhar suas experiências azuis.
que acompanha o título Chama (2020): Ana O encontro-performance resultou num
Lira convida Marta Supernova, Ola Elhassan “áudio specific”, uma paisagem sonora com
e Suelen Mesmo.Parte de uma pesquisa para depoimentos da artista intercalados com
a qual a “noção de coletividade e presença trechos de depoimentos dos participantes.
física é fundamental,” de uma pesquisa que A instalação/áudio-specific/paisagem
“acontece nas andanças e nas articulações,” sonora (que seria) apresentada no segundo
9 Fábia Prates, “Project Chama: Poetics of the Black Diaspora,” in interview with Ana Lira. ContemporaryAnd.com, acessado em
30/6/2020.
BIENAL 12 CATÁLOGO 42
piso do Museu de Arte do Rio Grande do Gathering:
Sul (MARGS) e, para Juliana, a elaboração collection, compilation.
de uma experiência imersiva que surge da
Ajuntamento:
busca do sensível e da experimentação num
ato ou efeito de ajuntar.
exercício -tentativa de falar do azul entre
outras possibilidades de gathering e partilha. Ajuntamento como compilação de objetos é
No justice, no Peace! No justice, no Peace! uma outra possibilidade de entendimento de
No justice, no Peace! gathering que emerge em minhas observações
dos trabalhos das artistas Michelle Mattiuzzi,
Eu incluo nesse grupo a artista nigeriana Lucia Laguna, Lidia Lisbôa, Janaina Barros e
Rahima Gambo que participa da exposição Jota Mombaça. Com os trabalhos Psicanálise do
com a série Tatsuniya (2017). Tatsuniya cafuné: catinga de mulata (2017) e Psicanálise
começou como uma foto-documentação sobre do cafuné: sobre remendos, afetos e territórios
estudantes da escola Shehu Sanda Kyarimi (2016-2019) a artista visual e pesquisadora
em Maiduguri, Nigeria—parte de um projeto Janaina Barros apresenta, respectivamente,
fotojornalístico maior, de título Education is um gathering de imagens fotográficas e de
Forbiden, sobre as experiências de estudantes peças do vestuário íntimo (camisolas). A série
que frequentavam escolas e universidades de foto-performance Psicanálise do cafuné:
afetados durante o conflito com o Boko Haram catinga de mulata apresenta oito imagens
na região. A série, entretanto, se desdobra num nas quais a artista é fotografada num cenario
desenrolar de narrativas e acontecimentos externo, rodeada de arbustos, pedras e água
relacionais em torno da produção das imagens de rio, o rosto encoberto com uma meia
nas quais a artista está totalmente implicada. calça da cor de sua pele, permitindo que se
Nesse processo de gathering com as jovens vejam apenas os contornos dos olhos, nariz
estudantes, Gambo acaba explorando os e boca. Nas imagens, a artista performa
acontecimentos intangíveis que geralmente gestos intrigantes, manuseando um pequeno
emergem de encontros, de ajuntamentos nos boneco/marionete feito também de meia-calça
quais há espaço para expressão criativa. Que de nylon. Psicanálise do cafuné: sobre
possibilidades podem emergir quando focamos remendos, afetos e territórios, por sua vez, é
no que não pode ser registrado pela câmera um trabalho formado por um conjunto de 6
de maneira completa e precisa: as conexões camisolas cor-de-rosa com textos bordados em
que são formadas quando nos juntamos suas barras. As camisolas—cujos sub-títulos
para falar e ouvir, para ensinar e aprender, individuais são Livro cor de rosa, Banhos para o
para brincar e nos expressar? Fazendo dessa Amor, Orações para o Amor, Livro de receitas,
questão um guia para seu processo, Gambo Simpatias para o Amor, Orações para todos os
desloca o conflito do Boko Haram e o trauma males-, estão penduradas desde o teto até a
associado a ele para uma posição secundária, e altura dos olhos de maneira que seja possível
compartilha seu encontro com a leveza, com a ler os textos bordados que, por sua vez, estão
energia relacional e com a fluidez num espaço associados aos conceitos evocados pelo
onde as diferenças entre imagem fixa e em subtítulo. Um exemplo é a peça, Psicanálise
movimento, entre fato e ficção são borradas. do cafuné: sobre remendos, afetos e territórios.
As fotografias e video-instalação apresentam (Livro cor de rosa), obra de 2016 na qual se lê
imagens de um grupo de adolescentes, em Desencanto: As melhores histórias de amor...
seus uniformes, brincando em sala de aula Eles se completavam na paixão, mas o seu
(Tatsuniya Playing Slow), ou juntas, cada amor era impossível... Amor em estado bruto:
uma segurando nas mãos uma vela acesa mais do que violento, profano... Atos de amor.
(Tatsuniya: Holiday is Coming). Na instalação,
composta de palmeiras e terra, as imagens A pesquisa sobre afeto e a costura como uma
do video são projetadas por entre/sobre as das categorias analíticas dessa investigação
folhagens diretamente na parede atrás delas. são partes integrantes do processo Barros.
A intervenção relevante, entretanto, é como
a artista mobiliza o conceito de cafuné (e de
afeto) como chave de aproximação e ponto de
43 BIENAL 12 CATÁLOGO
partida para observação e leitura das práticas Como uma junção de trabalhos tão distintos
de vida das famílias da população negra, e práticas tão específicas nos convidam,
uma população geralmente acessada apenas por diferentes vias, a olhar para as tradições
a partir de semas associados a violência e ancestrais presentes na contemporaneidade?
privação de direitos. Como mulheres negras, Como esse diálogo nos ajuda a pensar
cafuné e afetos se tangenciam? Que remendos criticamente sobre tradições radicais, sobre a
essa aproximação implica ou revela? Essas produção de artistas negras no Brasil e sobre
são questões que podem nos auxiliar a ter o contexto social para o qual elas apontam?
um diálogo mais aprofundado com a obra.
Na obra da pintora Lucia Laguna (Rio de
Igualmente relevante é o juntar, o gathering,
Janeiro, Brasil) gathering pode ser pensado
de objetos delicados e íntimos, de reflexões e
dentro do espaço pictórico. Os trabalhos
sugestões sobre conhecimentos do universo
da série Paisagem, alguns dos quais estão
coletivo (preto), sobre histórias e experiências
reunidos na Bienal 12|Porto Alegre, oferecem
que a artista vai acionando. O que esse trabalho
a possibilidade de vislumbrar os sentidos
evoca sobre conhecimentos e seus modos
estendidos do conceito de paisagem que a
de transmissão, sobre auto-cuidado e sobre
artista articula. Para Laguna, paisagem é o que
cuidado coletivo específicos das famílias
se vê a partir da janela de seu ateliê: o morro
pretas no Brasil? A obra deixa pistas de como
da Mangueira e a arquitetura do improviso,
voltamos ao nosso livro de receitas (pretas), e
do precário e do não acabado do subúrbio da
como mergulhamos em nossos conhecimentos
zona norte do Rio de Janeiro (e tantos outros
ancestrais: nas ervas, nos banhos, nas simpatias
subúrbios de grandes centros urbanos no
para o amor, e nas orações para todos os males.
Brasil)-parte do vocabulário estético da artista;
No caso da artista visual e performer Michelle paisagem é o jardim da casa de Laguna, uma
Mattiuzzi o gathering é o Jardim da Abolição espécie de sítio arqueológico da vida da artista,
(2020), uma instalação que articula cento e um espaço formado por uma ajuntamento de
onze vasos de tamanhos variados, onze ervas plantas e objetos acumulados por décadas
e flores de poder, terra e a frase em neon, “A —estatuetas e vasos quebrados, chaves,
intuição liberta a imaginação”. O conhecimento cadeados, grades e outros objetos descartados;
das ervas e flores de poder (algumas das quais paisagem é, também, o conjunto de objetos
são Alecrim, Arruda, Pimenta, Guiné—uma alocados em seu ateliê: pinturas prontas e
planta também conhecida como Amansa- em processo, pequenos estudos, escadas e
senhor, por seu uso subversivo por parte de trenas, embalagens de tinta, ferramentas e um
pessoas escravizadas para envenenar seus volume de fita crepe usada colado na parede
donos) é transmitido por práticas orais e por ou amontoada pelo chão. Paisagem aparece na
curandeiras do Brasil e da América Latina.10 obra de Laguna como gathering e gathering
A obra, um projeto inédito de Mattiuzzi, como espaço para articular a linguagem do
marca uma ruptura de sua produção até ajuntamento, da bagunça, e a assemblagem de
aqui já que nesse trabalho seu corpo não momentos da vida como lugar de teorização.
está diretamente implicado. A obra serve
I can’t breathe
como uma espécie de sugestão que declara a
You’re taking my life from me
liberdade do pensamento pela intuição para
I can’t breathe
um imaginar do presente à partir da força
Will anyone fight for me?11
dessas plantas. Ela serve tamém como um
relembrar, no presente, de gestos entendidos Lidia Lisbôa, a escultora, artista visual e de
historicamente como subversivos e radicais. performance que trabalha com uma forma
Será que o Jardim da Abolição nos dá pistas de assemblagem de tecidos (em sua maioria)
sobre as plantas de poder necessárias para os e de outros materiais descartados, ocuparia
Banhos para o Amor e para as Simpatias para uma sala Fundação Iberê Camargo com um
o Amor sugeridos na obra de Janaina Barros? conjunto de suas séries: Cicatrizes (2012-2015),
10 Para saber mais sobre a erva Amansa-Senhor”, veja Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo, AMANSA-SENHOR: a arma dos
negros contra seus senhores, Revista Pós Ciências Sociais - São Luís, v. 4, n. 8, jul./dez. 2007, p. 31.
11 Gabriella Wilson, I can’t Breathe, New York, 2020.
BIENAL 12 CATÁLOGO 44
Cordões (2013-2020), Cupinzeiros (1993-2020), aprofundar investigações centradas na
Casulos pequenos (2014) e o Casulo grande experiência da mulher negra, enquanto tomam
(2012), e Chorões (2013). A sala proporciona, a performance como categoria central de
de forma ligeira e tangencial, à experiência de sua investigação: alguns possíveis exemplos
encontrar esses objetos no ateliê da artista. são Priscila Rezende, Renata Felinto, Janaina
As Cicatrizes –objetos redondos feitos de Barros, Val de Souza, Charlene Bicalho, e
meia calça de nylon preenchidas com tiras de Natalia Marques são alguns exemplos.
tecidos descartados, e marcadas, na superfície,
O conjunto de 21 bandeiras da série Nãovão
por costura grossa explícita (ou suturas) foram
(2017-2020) da artista Jota Mombaça
organizadas num grande volume, um monturo
evoca a ideia de gathering no contexto de
no chão e outro pendurado desde o teto.
coleção ou compilação de objetos. A prática
Apresentados pela primeira vez, arranjados
multidisciplinar de Mombaça deriva de seu
sobre um pedestal baixo no chão, os Cordões,
trabalho em poesia e em teoria crítica,
(umbilicais para a artista) são uma espécie de
e acontece num processo que entrelaça “a
grandes colares feitos da combinação de peças
materialidade sônica e visual das palavras,
em cerâmica produzidas por Lisbôa e partes
crítica anti-colonial e desobediência de
de corpos de bonecas—cabeças, braços e
gênero.” Essa prática também se desdobra
pernas. Os Cupinzeiros, peças também feitas
à partir de dois elementos chave que se
em cerâmica organizadas no chão em outro
esbarram, se articulam e se interpelam: os
espaço da sala estão associados à memória
processos de escrita e de performance
da infância da artista sobre pastagens
da artista. Os processos de escrita se
nas regiões rurais do Paraná onde Lisboa
manifestam em ensaios poéticos, ficção
observava de longe os cupinzeiros reais.
cientifica, e formas de ficção visionária que
Um conjunto de peças da série Casulos— incluem pressentimentos e prosa profética.
objetos de tecido crochetados—e Choroes, É precisamente do nódulo entre escrita e
também feitos de tecido crochetado sobre performance que emerge a série Nãovão,
arame foram organizados em diálogo. Entre cuja versão ampliada está na Bienal 12|Porto
esses dois grupos de obras, O Casulo, peça Alegre. Nãovão, na descrição da artista, é uma
de grande escala produzida também em “série de bandeiras brancas com pequenas
crochê, seria uma vez mais ativado em sentenças ou fórmulas conceituais escritas
performance por Lisbôa durante a abertura em/[com] sangue” —uma confluência
da exposição. Na performance, Lisbôa entre escrita e o gesto performativo de
caminha pelo espaço expositivo vestida com empregar o próprio sangue como tinta.13
o objeto.12 Existem duas questões relevantes
A referência ao uso do sangue na prática de
que emergem do contato com o universo de
performance de Mombaça vem do poeta,
objetos da artista: as intervenções propostas
artista visual e teórico Jota Medeiros (Natal,
no entendimento de costura e de crochê
Brasil), que quem a artista pretendia reproduzir
propostas, e as aproximações entre costura e
uma performance usando sangue. A falta
performance. A prática de Lisbôa apresenta
de documentação sobre a performance de
uma intrigante combinação entre objetos
Medeiros limitou a ação da artista, mas a levou
em assemblagem, geralmente tecido, e
a um entendimento da escassez de arquivos
performance. Essa combinação parece tornar
sobre a produção artística da região Nordeste
possível considerar a artista como numa
como índice de apagamento dessa produção
espécie de cruzamento entre um grupo de
do canon da história da arte do Brasil. A partir
artistas negras brasileiras que tomam a costura
dessa reflexão, Mombaça cria a obra Memória
como categoria analítica, e outro grupo, de
Fraca (Bad Memory) —composta por texto
uma geração mais jovem, que parece tentar
12 Minha primeira lembrança dessa ativação foi durante um almoço com outros artistas, na casa de Lidia em 2014. Ao ouvir o
som do pandeiro tocado por uma das convidadas, a artista se levantou da mesa, “vestiu” o Casulo e passou a dançar num
pequeno espaço entre a mesa e o fogão.
13 Will Furtado, “Exploring The Body As Colonial Occupation” interview with Jota Mombaça, ContemporaryAnd (10.March.2018),
acessado em 20/6/2020. www.contemporaryand.com.
45 BIENAL 12 CATÁLOGO
escrito com sangue na página de uma revista. alinhava historia e memória num gathering de
Esse trabalho é seguido de A Ferida Colonial foto-narrativas biográficas. A obra também
Ainda Dói (The Colonial Wound Still Hurts), no estabelece um diálogo bastante próximo com
qual a artista faz intervenções com o próprio Parede da memória (1994), trabalho seminal
sangue em “mapas icônicos, revistas, livros, e da artista Rosana Paulino, composto por 1,500
lugares para escrever, desenhar ou sublinhar pequenos objetos (patuás), irregularmente
discursos e representações que reforçam quadrados e costurados a mão, com imagens
a colonialidade e o sistema sem-fim de reproduzidas dos retratos de 11 membros
opressão e reprodução de guerra”. Nãovão, da família da artista. Parede da memória,
vem nessa esteira, com uma reflexão sobre a que completou 25 anos em 2019, faz parte
“violência [das] narrativas hegemônicas sobre do conjunto de trabalhos de Paulino que
paz, harmonia e ordem social.”14 Em suas ocupariam um espaço no andar térreo do
performances, escritas ou nos vãos entre elas, Museu de Arte do Rio Grande do Sul.
Mombaça produz um contínuo ensaio ao fim
Hands up, don’t shoot! Hands up, don’t shoot!
do mundo como o conhecemos. Ao mesmo
Hands up, don’t shoot!
tempo, ela propõe um exercício de imaginação
(ou “figuração”) do que poderia emergir em O video Estão sendo tecidos (2013/2018) do
substituição ao sujeito Moderno-Colonial. artista multidisciplinar Helô Sanvoy documenta
sua mãe, Maria Conceição, trançando o
Pensando em gathering como a articulação
cabelo do artista enquanto trava uma longa
(ou esgarçamento mesmo) de conceitos
conversa com Helô e sua parceira Dheyne
que emerge de obras em diálogo, observo
de Souza, sobre os eventos de sua infância:
possibilidades de uma reflexão em torno da
as condições de trabalho nas lavouras no
ideia de memória, performance, arquivo e
interior de Goiás nos anos 1950, a convivência
desaparecimento com as obras das artistas
entre descendentes de escravizados e
Mirella Maria, Priscila Rezende, Jota Mombaça,
pessoas que haviam, elas mesmas, sido
Gladys Kalichini e Renata Felinto, e do artista
escravas, as dificuldades da vida na região,
Helô Sanvoy. Referências a escravidão
os costumes da família, os cuidados com o
entrelaçada as experiências contemporâneas,
corpo e, especialmente, com os cabelos. O
ora coletivas ora individuais, das artistas
momento de cuidado com os cabelos como
atravessam o trabalho de Maria, Sanvoy e
contexto para discussões sobre temas sociais
Rezende. A obra As Marias de minha vida
e políticos é parte de um processo cultural
(2020) da artista visual e pesquisadora
de transmissão oral, e um evento recorrente
Mirella Maria, um vestido-objeto tecido com
na história das famílias negras no Brasil. As
reproduções fotográficas, ocuparia o segundo
narrativas da infância da mãe do artista se
piso da Fundação Iberê Camargo. Intrigada
confundem com o contexto geral da vida de
com seu sobrenome “Maria” (um sobrenome-
famílias no interior de Goiás e do Centro-
nome) e determinada a descobrir sua origem,
Oeste, no pós 1950, remetendo à formação
Maria engaja num processo de investigação
histórica do tecido social e cultural do interior
e mergulha nas histórias de sua família
do Brasil e, consequentemente, às condições de
paterna. “Maria” é o nome de proprietários de
desigualdades políticas e sociais vividas no país
africanos que foram escravizados, um nome
atualmente. É importante notar a recorrente
transferido, como sobrenome e marca de
menção à família negra —uma formação
poder e propriedade, para gerações de famílias
feita-impossível na sociedade eternamente-
pretas no Brasil. A pesquisa leva a artista a
colonial-brasileira— e aos processos de auto-
colecionar fotografias de membros de sua
cuidado e de cuidado coletivo entre os artistas
família, mulheres e homens, que carregam o
citados. Relevante também é o entendimento
sobrenome-nome “Maria”, e a organizá-las na
de cuidado coletivo como uma forma de
forma dessa vestimenta bastante usada em
gathering, como ethos de assemblagem, como
seu círculo familiar. As Marias de minha vida
14 Will Furtado, “Exploring The Body As Colonial Occupation” interview with Jota Mombaça, ContemporaryAnd (10.March.2018),
acessado em 20/6/2020. www.contemporaryand.com.
BIENAL 12 CATÁLOGO 46
momento de com/partilhar, como performance Nacional de Artista em Bogotá em Outubro
preta, como (tempo de) estudos pretos. de 2019. Nessa performance Mombaça,
posicionada em frente a obra Auras Anónimas
Na performance Bombril (2010-2018),
(2007-2009) da artista colombiana Beatriz
apresentada pela primeira vez em 2010, a
Gonzalez, lê, desde um papel em chamas,
artista de mineira Priscila Rezende faz do
textos escritos por vítimas do conflito armado
cabelo uma esponja de lavar louças e esfrega,
na Colômbia.16 O vídeo auxiliar retoma
com o cabelo, molhado e ensaboado, a
aspectos do arquivo queimado durante a
superfície de utensílios domésticos metálicos
performance. Uma questão a ser explorada é
usados na cozinha. O título Bombril refere-se
como Mombaça sobrepõe ideias de arquivos
ao nome de uma conhecida esponja de aço
históricos e arquivos humanos, performance
que serve como termo pejorativo usado, ainda
e apagamento, acionando a relação entre
com muita frequência, para referir-se ao cabelo
performance, reprodução e desaparecimento.
crespo, e é especialmente dirigido a meninas
e mulheres negras. A performance, entretanto, Em suas investigações, a artista visual e
não se restringe a indicar lacerações estéticas. pesquisadora da Zambia Gladys Kalichini
Com a vestimenta usada na performance, geralmente articula história colonial,
uma alusão a mulher escravizada, Rezende marginalização e memoria, focando em
aponta para a permanência de práticas sociais narrativas de mulheres deixadas de fora
e econômicas que confinam mulheres negras da memoria coletiva dentro dos contextos
a “invisíveis senzalas modernas.” O esfregar africanos. Instalada no MARGS, Erasing
objetos sentada no chão, uma posição de Erasure/Apagando o apagamento (2017)
desconforto físico e moral, serve como gesto é uma video-instalação imersiva cujas
de auto-objetificação, um momentâneo imagens são projetadas em voal branco de
transformar do corpo em cabelo-que- dimensões equivalentes ao tamanho da
esfrega, em corpo-a-serviço dos objetos, do parede da sala de projeção. No video a artista
espectador, em imagem de confronto.15 O aparece performando uma prática funeral
vídeo apresentado na Bienal 12| Porto Alegre comum na Zambia na qual pessoas enlutadas
é um documento da performance realizada cobrem-se de pó branco (chinbuyaring).
por Rezende em 2018 na Praça da Alfândega, Com a video-instalação, Kalichini procura
espaço público localizado em frente ao edifício criar um contexto para experiências de
do Memorial do Rio Grande do Sul, onde o luto e de lembraça individuais coletivas.
trabalho seria apresentado —um belo diálogo Ao mesmo tempo, a artista tenta abrir
entre o espaço expositivo e seu entorno. espaço para uma reflexão sobre perdas
pessoais, bem como sobre o apagamento
Como na série Nãovão, arquivo e
de mulheres historicamente relevantes—
desaparecimento fazem também parte
como é o caso de Alice Lenshina (1920-
da reflexão de Jota Mombaça na obra Así
1978) e Julia Chikamoneka (1910-1986),
desaparecemos (2019-2020), um vídeo em
figuras importantes na historia da luta
dois canais que ocuparia o primeiro piso do
pela independencia na Zambia no inicio
Memorial do Rio Grande do Sul. O projeto é
dos anos 1960, cujas participações não
pensado em relação a queima de arquivos
foram devidamente documentadas ou re/
históricos. No Brasil, a referência é a ordem
conhecidas. Assim, enquanto cria espaço
oficial para a queima de documentos
de ritual e luto evocando narrativas de
relacionados a escravidão por volta do ano
mulheres historicamente esquecidas, Erasing
de1890, mas também ao incêndio do Museu
Erasure serve como um gesto na direção de
Nacional no Rio de Janeiro em 2018. Um
mulheres contemporâneas, cujas histórias
dos vídeos apresenta a versão editada do
estão em processo de desaparecimento.
registro da performance de mesmo título (Así
desaparecemos) realizada durante o 45 Salón
15 Priscila Rezende, Declaração da artista compartilhada por e-mail com a autora em março de 2020.
16 A obra pública da artista Beatriz Gonzalez, Auras Anónimas é composta por 8947 lápides serigraficas em folhas de propileno com
a silhueta de carregadores levando mortos. A obra está instalada em quatro comumbarios do Cemitério Central de Bogotá.
47 BIENAL 12 CATÁLOGO
No caso da artista visual e pesquisadora de o público visitante experimentá-lo
paulistana, Renato Felinto, a reflexão tem com o corpo todo numa sala imersiva e
que ver com as memorias afetivas da artista de, quem sabe, dançar com a artista.18
em relação a alguns espaços da cidade de
if I should die, tomorrow at the
São Paulo. Na vídeo-performance Danço na
hands of the policeman,
terra em que piso (2014), Felinto dança de
and the paper say
maneira graciosa em sete espaços públicos
we’re going to call it a suicide, would
da cidade: em frente a Catedral da Sé, no Vale
you even question why?
do Anhangabaú, num terreno vazio na região
would you shake your head, and say
da Cracolândia, em frente da Estação da Luz,
the ain’t right,
na ponte Mie Ken no bairro da Liberdade, em
or do your best to forget about it,
frente ao estádio de futebol Itaquerão e num
please, please, please don’t
carrossel do parque de diversões Marisa (1974-
forget about me.
2020) em Itaquera, bairro onde a artista passou
a infância. Para cada espaço, Felinto escolheu say my name19
uma música que serve de paisagem sonora para
Minha última observação de/em gathering
sua performance, uma escolha que levou em
acontece em torno de reflexões sobre
conta a letra da música, questões de relevância
paisagem nas obras de Lorraine O’Grady, La
histórica e política e suas próprias memorias
Vaughn Belle e Gwladys Gambie, além das
sobre espaço. Numa sala imersiva na Fundação
de Lucia Laguna mencionada anteriormente.
Iberê Camargo, o vídeo em 3 canais projeta a
No trabalho em vídeo Landscape (Western
performance de cada espaço em alternância.
Hemisphere)/Pasagem (Hemisfério occidental)
Podemos acompanhar a artista dançando, por
(2010-2012), da artista estadunidense Lorraine
exemplo, o Pondo de Nanã, musica dedicada
O’Grady, a artista propõe um pensar sobre
a orixá Nanã, em frente a Catedral da Sé, ou
paisagem a partir das mechas de cachos do
dançando no Vale do Anhangabaú uma música
próprio cabelo, que se movem em diferentes
relacionada ao Kuarup —cerimônia-festa-ritual
direções ativadas pelo vento e acompanhadas
funeral de grupos indígenas do Alto Xingu.17
por uma composição sonora produzida por
Com essa associação de paisagem sonora e
canto de pássaros, barulho de grilos, cigarras
espaço, Felinto cria um corpo narrativo que
e do próprio vento. Refletindo sobre a obra,
revela as diferentes tradições que informam
pesquisador em estudos de performance
a paisagem urbana de São Paulo, cruzando e
Adrienne Edwards propõe que “[n]os
contrapondo epistemologias que geralmente
interstícios do cabelo de O’Grady, localizamos
não vão juntas. Outra intervenção importante
os resíduos da escravidão, a resiliência e
é como, dado que em alguns dos espaços
persistência dos espectros—um testamento
nos quais a artista performa negridade e
de sobrevida. Também encontramos caminhos
expropriação se entrelaçam, o` dançar da
de resistência transgressiva embutidos na
artista funciona como um gesto na direção da
altura, profundidade e expansão de suas
re-apropriação desses territórios, como uma
ondas.” Desde a menção de seus usos radicais
expansão das possibilidades de sua presença
na história da diáspora africana nas américas
(preta). Danço na terra em que piso sugere
(Whabira) até sua presença na composição
uma (re)flexão sobre território, espaço e lugar,
formal das obras (Rezende, Sanvoy e O’Grady)
reflexão que Felinto ativa com o corpo, pelo
o cabelo tem sido um elemento recorrente,
corpo, em movimento (negro), em performance
mobilizado como categoria analítica através
(preta). Embora o trabalho tenha sido produzido
da qual artistas refletem sobre escravidão,
em 2014, essa seria a primeira oportunidade
resistência e suas permanências.20
17 Ponto de Nana. Compositor: Roque Ferreira. Intérprete: Mariene de Castro, 2012; Kuarup Kamairurá, Coletiva: Grupo indígena
Kamayurá, 2012.
18 A Bienal 12 | Porto Alegre ofereceria diferentes experiências imersivas com as obras de, por exemplo, Renata Felinto, Lungiswa
Gqunta, Lidia Lisbôa, na Fundação Iberê Camargo e Juliana dos Santos, Gladys Kalichini e Lorraine O’Grady no MARGS. Eu
gosto de imaginar que tipo de reverberações e resquícios essas experiências produziriam.
19 Maimouna Youssef, Say My Name: Maimouna Youssef Music (ASCAP), 2017.
20 Adrienne Edwards, Blackness in Abstraction, “Lorraine O’Grady,” Pace, New York, 2016, pp. 173-176.
BIENAL 12 CATÁLOGO 48
Para a Bienal 12|Porto Alegre, a artista visual das artistas aciona? Como cada sentido se mostra
Ilhas Virgem, La Vaugh Belle, iria produzir uma atravessado pelas intervenções coloniais
versão do trabalho Storm (And Other Violent e suas sobrevidas?Como a obra Siboney
Interruptions Of The Pintoresco) (2016-2020). (2014) da artista Joiri Minaya complicaria
A obra original é composta por uma série de essas leituras? Na performance, cujo registro
desenhos em carvão sobre papel nos quais em vídeo seria apresentado no MARGS
a artista contrasta imagens da palmeira compartilhando espaço com as pinturas de
“sublime” presente em representações Lucia Laguna, Minaya engaja num longo,
coloniais com imagens de tempestades laborioso e detalhado trabalho de (re)construir
tropicais. Nessa versão da obra, entretanto, em mural, na parede de um museu, uma
La Vaugh Belle produziria um desenho de paisagem tropical a partir da estampa de um
grande escala feito diretamente na parede. tecido achado por ela. Em seguida, a artista
Storm propõe uma ruptura às narrativas sobre borra o mural (e a paisagem) e o transforma
o pitoresco com frequência relacionadas à esfregando seu corpo molhado contra ele, ao
paisagem do Caribe em discursos coloniais, ritmo da canção Siboney (Ernesto Lecuona,
tensionando os sentidos das ideias de 1927) interpretada por Connie Francis (1960).
fragilidade, vulnerabilidade e resistência.
As colagens de Gwladys Gambie seriam
Com uma prática em de desenho, colagens e apresentadas no Memorial do Rio Grande
performance, a artista Gwladys Gambie propõe do Sul dividindo a sala com os desenhos da
considerações sobre a mulher negra e suas série About Frictions (Sobre fricções) e About
representações tanto na Martinica, ilha onde Affections (Sobre afecções) da gravadora,
a artista vive e trabalha, quanto no Caribe arquiteta e mestre de ferramenta de santo
em geral. A paisagem do Caribe e o creole Eneida Sanches. Sanches é (re)conhecida
como parte da paisagem sonora da região como a primeira mulher a desenhar e produzir
são articulações importantes nessa reflexão. ferramentas de santo no Brasil, um importante
Esses elementos informam o imaginário da fazer ancestral que ela compartilha através de
artista e a iconografia específica que ela usa cursos e oficinas para jovens aprendizes. No
para representar, de modo decolonial, o corpo caso de Eneida, portanto, gestos e estratégias
da mulher negra—para Gambie, um espaço femininas se traduzem também em atos de
topográfico sensível, um espaço poético. Para martelar, marretar e soldar. Parte de sua
a Bienal 12| Porto Alegre, Gambie expandiu investigação sobre a gravura como im/pressão
a série de colagens The birth of Manman e seus desdobramentos, as gravuras-desenhos
Chadwon (2018). Manman Chadwon é uma (ou desenhos híbridos) apresentados na Bienal
figura de sua mitologia pessoal cuja criação 12| Porto Alegre articulam experimentações
foi inspirada em Manman Dlo, a deusa com o grafite sobre o papel, a ponta seca
do oceano na cultura Afro-Caribenha. O sobre o chumbo, e o desenho sobre o
significado da palavra Chadwon, em creole, cobre. Os desenhos da série About Frictions
também remete a ouriço do mar, uma emergem das fricções, rasgos e inserções
referência recorrente no trabalho da artista. que a artista faz sobre o metal. Em About
Affections a artista explora a ideia da imagem
Ao discutir a obra de O’Grady, Edwards
da gravura como carimbo pensada à partir
aponta também para os sentidos “múltiplos,
do corpo e suas possíveis afecções —o papel
matizados e correlatos” do termo “paisagem”.
(corpo) em sanfona ganha movimento de
“[C]omo substantivo,” ela explica, “pode
expansão e encolhimento, movimen tando,
significar gênero artístico (como na pintura de
expandindo e deslocando, também, nosso
paisagem), ou como uma topografia (como
entendimento sobre gravura e sobre desenho.
numa vista expansiva); e como verbo [em
inglês to landscape], conota o cultivo, disciplina “Pode alguém teorizar efetivamente sobre
e delineação do solo.”21 Quais são, então, os um processo em expansão?” Essas reflexões
sentidos de paisagem que cada uma dessas são frutos do meu oscilar, de minha dança
21 Idem.
49 BIENAL 12 CATÁLOGO
imperfeita e inacabada entre a pergunta de
Christian e a proposição de Da Silva, entre
tentativas de teorizar efetivamente sobre
um processo em expansão — de teorizar
como processo (sempre) em (processo de)
expansão, e de rast(r)ear, tateando no breu,
pistas da “gama de possibilidades para saber,
fazer e existir” que uma poÉtica de negridade
anunciaria. Invertendo e parafraseando a
afirmação de Christian, eu penso gathering
place, o lugar de encontro e aglomeração,
o espaço de ajuntamento, de hábitos de
assemblagem e acúmulo, como articulação de
teorias, como (lugar de) movimento (negro),
como performance (negra). Resta, entretanto,
uma última pergunta que eu quero fazer
de mim para mim mesma, bem baixinho,
sussurrando até: pode alguém teorizar (imaginar
e refletir, perambular e dançar) sem respirar?
I can’t breathe, I can’t breathe,
I can’t breathe,
I can’t
breathe.
BIENAL 12 CATÁLOGO 50
ATIVIDADES DE CUIDADO:
Trabalhos de Amor, Fúria e Luto
Dorota Biczel
Curadora Adjunta
University of Houston / Art Institute of Chicago
1 Calamity Jane em Deadwood, “Tell Your God to Ready For Blood,” temporada 3, episódio 1, direção de Mark Tinker, escrito por
David Milch e Ted Mann, HBO, 11 de junho de 2006.
2 Mierle Laderman Ukeles, “Manifesto pela Arte da Manutenção”, 1969, https://queensmuseum.org/wp-content/uplo-
ads/2016/04/Ukeles-Manifesto-for-Maintenance-Art-1969.pdf.
3 Laderman Ukeles, “Manifesto pela Arte da Manutenção”.
4 Particularmente, Arte da Manutenção no Museu de Arte do Queens, organizada por Larissa Harris e cocuradora convidada
Patricia C. Phillips, foi a primeira retrospectiva institucional da artista com a idade madura de 77 anos (18 de setembro de 2016
a 19 de fevereiro de 2017). Laderman Ukeles nasceu em 1939.
5 Kay Brown, “Artistas Negras Where We At” Feminist Art Journal (abril de 1972): 25; reimpresso em We Wanted a Revolu-
tion: Black Radical Women, 1965–85: A Sourcebook, edição de Catherine Morris e Rujeko Hockley, Brooklyn, NY: Museu do
Brooklyn, 2017, pp. 62–64.
51 BIENAL 12 CATÁLOGO
especialmente do tipo capaz de estilhaçar efetivas que ela almejava revelar e criar, eu traço
telhados de vidro, eram simplesmente uma conexão entre os dois estados-nações
incompatíveis. O lar, se você tivesse um, poderia mais afetados pelo novo coronavírus. E, através
ser e ainda pode ser um abrigo semelhante da minha escrita, eu faço as distâncias
a um oásis que sustenta a vida. Ele também espaciais e temporais desmoronarem. O nosso
poderia lhe matar. E ainda pode fazer isso. atual apuro global manifesta os desafios
apresentados pelo “trabalho de manutenção”
Em meados de 2020, eu também lavo,
nas sociedades capitalistas pelos quais as
limpo, cozinho, reformo, apoio e conservo
feministas da segunda onda passaram, se
demasiadamente. De fato, nos últimos seis
identificaram e que nunca foram resolvidos.
meses, é possível que eu tenha realizado muito
Além disso, as mulheres nunca tiveram
mais trabalho de manutenção do que antes.
oportunidades realmente significativas, por
Assim que eu saí do recente purgatório da
qualquer parâmetro realista.6 E embora o
prestação de serviços e de serviços de babá
trabalho de manutenção não seja uma carga
para imigrantes, eu sustentei o meu barato
equitativamente distribuída, afligindo mulheres
trabalho acadêmico e de curadoria por delegar
negras e migrantes, para todos nós, as atuais
muitas tarefas de rotina de manutenção
circunstâncias põem em relevo mais claro
da minha vida à mão de obra mais barata
do que nunca a crise do cuidar e o associado
ainda, principalmente a mulheres negras e
aprofundamento das desigualdades.7 Os
outras mulheres migrantes. Sem filhos, em
meados de 2020 tornam claro como exige
um relacionamento, mas não legalmente
tempo e como é trabalhoso manter a vida.
amarrada por um casamento tradicional,
Eu sinto isso no meu corpo quando me
eu não prestava muita atenção aos meus
ocupo das tarefas banais que devoram as
pequenos privilégios: cafeterias americanas,
horas em que estou acordada. Sinto isso
almoços comprados em bons restaurantes,
sempre que pondero se estou com alguma
jantares e a possibilidade de curtir a vida
alergia sazonal ou apresentando sintomas de
noturna da cidade. Eu inclusive pagava para
COVID-19. Ao mesmo tempo, de forma mais
que uma pessoa fizesse uma faxina completa
lúcida do que nunca, compreendo o valor
na minha casa de vez em quando. Como
intrínseco da pequena vida que construí para
costuma acontecer, foi o fato de ser privada
mim mesma. Não quero perdê-la. E, mesmo
de privilégios que me tornou extremamente
assim, nossas vidinhas preciosas parecem não
ciente deles. O tratamento inesperado e brutal
significar nada para os parâmetros capitalistas
para salvar a vida do meu parceiro exigiu
macroeconômicos. Ou, em outras palavras,
dedicação total à preservação do seu corpo em
a economia capitalista é incompatível com a
rápida deterioração. As precauções contra a
tarefa básica de manter a vida: os cuidadores
pandemia global me privaram da possibilidade
e os profissionais considerados “essenciais”
de terceirizar as atividades de cuidado
durante a pandemia ao mesmo tempo correm
essenciais para manter a vida. Comprometida
mais risco e recebem a pior remuneração.
em manter as necessidades básicas, eu me
tornei profissionalmente inadequada. Em suma, o novo coronavírus simplesmente
torna visível e nomeável o valor indispensável
Mesmo assim, estou improvisando estas
do trabalho de cuidado e sua crise continuada
palavras de Houston, Texas, nos Estados
– o ponto crítico do paradoxo que as feministas
Unidos, onde moro, para o público da Bienal
de segunda onda pioneiras como Laderman
do Mercosul em Porto Alegre, no Brasil.
Ukeles identificaram há 50 anos. Desde seu
Independentemente da concepção original da
início, a exposição para a 12ª Bienal do Mercosul
exposição de 2020 e das redes conceituais e
6 Um retrato convincente da geração dos EUA que foi induzida ao erro de acreditar que eles “poderiam ter tudo” está pintado
na obra de Ada Calhoun intitulada Why We Can’t Sleep: Women’s New Midlife Crisis, Nova York: Grove Press, 2020.
7 No contexto dos EUA, o debate sobre o assunto tem mais de uma década. Veja, por exemplo, Nancy Fraser, “Contradictions of
Capital and Care” em New Left Review 100 (Julho/Agosto de 2016): 99–117. Em língua espanhola, veja, por exemplo, Mercedes
D’Alessandro, “La economía de los cuidados: Quién cuida y quién prepara la cena como problema social,” La Vanguardia, 9 de
outubro de 2019, https://www.lavanguardia.com/vanguardia-dossier/20191009/47872496945/feminismo-igualdad-mujeres-
-hombres-tareas-del-hogar-tareas-domesticas-baja-paternal.html.
BIENAL 12 CATÁLOGO 52
visava mapear as conexões entre os artistas continuamente o risco de exploração e
que surgiram no fim da década de 1960 e escravidão, visto que frequentemente elas
início da década de 1970 – hoje considerados trabalham como empregadas domésticas que
históricos, independentemente de suas moram no emprego sem contratos e benefícios.
atividades continuadas incansáveis – e de Para abordar isso, por volta da mesma
seus colegas contemporâneos. As posteriores época, Iguiñiz também criou pôsteres para as
gerações de mulheres negras e da comunidade campanhas de organizações de trabalhadoras
LGBTQ continuaram a lidar com as questões domésticas que articulavam suas demandas
com as quais seus antecessores se envolveram, por trabalho regulamentado e justo: jornada
lamentavlemente não sem criticar, atualizar, de oito horas de trabalho por dia, previdência
ajustar ou subverter os princípios das propostas social, bônus, folga e salário mínimo digno.8
históricas para explicar as interseções de gênero Neste sentido, Iguiñiz insiste que a situação
com classe, raça e sexualidade e as experiências das mulheres de classe média e alta não pode
de corpos diversos em não conformidade de ser comparada com a condição precária das
gênero no sistema capitalista heteropatriarcal. mulheres negras que enfrentam uma opressão
tripla na interseção entre gênero, classe e raça.
Considerem, por exemplo, a série de
Ao mesmo tempo, ao incluir um retrato de
fotografias La otra (A outra, 2001) da artista
duas mulheres que parecem irmãs (Verônica
peruana Natalia Iguiñiz. À primeira vista, os
e Norberta) – mesma altura, constituição
retratos combinados em tamanho natural de
física, postura, cabelos negros compridos e
mulheres tirados em ambientes domésticos,
ondulados, faces redondas e suaves similares,
geralmente em salas de estar, parecem indicar
e traje igualmente informal – a artista torna
as tradicionais hierarquias de classe e raça
visível o trabalho de cuidado na sociedade
no Peru: as mulheres crioulas de pele clara
imaginada como formada efetivamente apenas
são as donas de seus lares e as mulheres
por heróis masculinos: soldados, camponeses
corpulentas de pele escura dos Andes e da
e trabalhadores da indústria. São as mulheres
região amazônica, um suporte invisível relegado
invisíveis e perenemente marginalizadas que
às cozinhas e áreas de serviço que fazem essas
permitem o funcionamento desta sociedade.9
minissoberanias funcionarem como máquinas
bem lubrificadas. Neste nível, a série estabelece O interior da semente é mole.
uma hierarquia binária entre as mulheres que / Ele só pode ser conhecido
lucram e aquelas que vivem dentro do seu vivenciando-o. O que quer que isso
orçamento; entre aquelas que seguem carreiras seja. / Ainda resta descobri-lo.10
e aquelas que subsistem; entre aquelas cujas
Em uma infinidade de maneiras, o grupo
vidas podem adquirir status de celebridade e
de artistas intergeneracional incluído na 12ª
aquelas cujas vidas não importam no sistema
Bienal do Mercosul insiste em se voltar e
social. Aquelas mulheres que cuidam de bebês
retornar para questões multifacetadas de
e de animais de estimação diariamente são
manutenção e cuidado. O que é inspirador
muitas vezes duplamente marcadas como
neste conjunto de trabalho coletivo não é
as outras – obrigadas a vestir uniformes
apenas a urgência de suas queixas ou a força
para diferenciá-las clara e legivelmente das
de suas muitas indignações- contra a violência,
verdadeiras mães e famílias de sangue. Até
contra a opressão, contra o capitalismo,
recentemente fora do alcance da estrutura
contra o racismo, contra o colonialismo e o
das leis trabalhistas peruanas, elas sofrem
8 Miguel A López, “Natalia Iguiñiz en una genealogía de solidaridad y supervivencia: Arte, activismo y feminismo desde la tierra
de la misoginia” em Energías sociales / Fuerzas vitales. Natalia Iguiñiz: arte, activismo, feminismo (1994–2018), Lima: ICPNA,
2018, p. 38. A Lei nº 27986 que regulamenta o trabalho doméstico foi assinada oficialmente em junho de 2003.
9 Como Miguel A. López sugere, uma linha distinta em La otra é a crítica institucional conforme indicada pela oinclusão de
personalidades famosas do cenário de arte local tal como a galerista Claudia Polar. López, “Natalia Iguiñiz en una genealogía
de solidaridad y supervivencia,” Op. cit., p. 36.
10 Cecilia Vicuña, “The No Manifesto of Tribu No” em Manifestos and Polemics in Latin American Modern Art, edição de Patrick
Frank, Albuquerque: University of New Mexico Press, 2017, p. 206; reimpresso de Spit Temple: The Selected Performances of
Cecilia Vicuña, edição e tradução de Rosa Alcalá, Nova York: Ugly Duckling Presse, 2012, p. 58.
53 BIENAL 12 CATÁLOGO
imperialismo.11 Em vez disso, é a afirmação ou pelo “eterno retorno”. Para usar a teoria
das artistas do poder e importância das contemporânea para explicar o significado
atividades criadoras da vida e sua reivindicação inovador da Arte da Manutenção, com
para centralizar essas atividades como o sua contradistinção de desenvolvimento
ímpeto exclusivo para o nosso processo e manutenção, Laderman Ukeles chega a
de tomada de decisões. Essas atividades diagnosticar a preocupação capitalista com a
criadoras da vida abrangem todas as escalas, maximização da produção e dos lucros, por um
atravessando o falso binário do privado e lado, e a reprodução social – isto é, a ampla
do público. Assim, elas podem reconstituir variedade de atividades criadoras da vida que
nosso trabalho diário, as instituições que são o estímulo não reconhecido e subestimado
formam o nosso trabalho e todo o mundo do sistema econômico (isto é, a produção), por
onde vivemos. Podemos, assim, proclamar outro lado.13 E, como a artista prescientemente
não uma perda ou carência, mas o valor percebe, essas atividades criadoras da
intrínsico do que já possuímos, começando vida são de longo alcance, estendendo-se
com nossos próprios frágeis corpos mortais. muito além da privacidade do lar. Elas são
pessoais, gerais e planetárias, abrangendo
De fato, no “Manifesto pela Arte da
todas as dimensões e aspectos da vida e da
Manutenção!”, Laderman Ukeles confrontou um
política. Elas também exigem a reinvenção do
contra o outro dois sistemas antagônicos e dois
sistema econômico e das instituições sociais,
“instintos” de oposição que os geraram. Por
incluindo a instituição da arte, para priorizar a
um lado: o instinto da morte indo em direção
manutenção da vida – o trabalho de cuidado.
ao “desenvolvimento”, progresso e avanço.
Por outro lado: o instinto da vida preocupado Se o trabalho de cuidado contemporâneo
com a manutenção. Esses dois sistemas, como arte pode reivindicar outra mãe,
desenvolvimento e manutenção, fornecem trata-se da artista chilena Cecilia Vicuña, a
uma base firme para valores e formas de irmã quintessencial de Laderman Ukeles.
organização que estruturam a personalidade A centralidade da vida e da criação da vida,
e suas relações com os demais seres que de fato, seu controle mágico e magnético,
habitam nosso mundo e o próprio planeta. estão no âmago da obra subversiva de Vicuña
Para Laderman Ukeles, o desenvolvimento intitulada “No Manifesto of the Tribu No” que
motiva as práticas de vanguarda altamente ela escreveu em 1967, dois anos antes do texto
individualistas que exaltam a novidade e a de Laderman Ukeles. Escrito para um grupo
mudança constante – a atitude teimosa do vibrante de jovens artistas descaradamente
tipo “faça o que quiser”. Eu penso na caricatura sensuais e contestadores, incluindo Claudio
de um “gênio” heróico masculino que deve Bertoni, Sonia Jara, Francisco Rivera, Coca
tê-la atormentado quando era uma jovem Roccatagliata e Marcelo Charlín, que fizeram
artista. Por sua vez, a manutenção é orientada das ruas de Santiago o suporte para suas
coletivamente em direção ao que a artista ações e apresentações, o texto de Vicuña
chamou de sobrevivência – a perpetuação e exalta a própria vida como a única força vital
a manutenção das espécies e da terra que as significativa e como a única coisa pela qual
nutre.12 Este processo não linear, generativo vale a pena viver. “Enquanto a vida persistir
e regenerativo é caracterizado pela repetição em nossas experiências individuais, porém
11 Meus pensamentos foram perfeitamente sintetizados por Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser em Feminism for
the 99%: A Manifesto (Londres: Verso, 2019).
12 Parafraseando quase literalmente, na parte final, “Earth Maintenace” [Manutenção da Terra], Laderman Ukeles pede a purifi-
cação dos resíduos urbanos, a despoluição do ar, a reabilitação da água e a preservação da terra.
13 Laderman Ukeles escreve: “retirem a poeira da criação individual pura, preservem o novo, mantenham a mudança, protejam o
progresso, defendam e prolonguem o avanço, renovem a empolgação”. Sobre a teoria da reprodução social, veja: Tithi Bhatta-
charaya, ed., Social Reproduction Theory: Remapping Class, Recentering Oppression, Londres: Pluto Press, 2017; Dossier: Social
Reproduction Theory, Radical Philosophy 2.04, Primavera de 2019, https://www.radicalphilosophy.com/issues/204; e Sarah
Jaffe, “Social Reproduction and the Pandemic, com Tithi Bhattacharya,” Dissent, 2 de abril de 2020, https://www.dissentma-
gazine.org/online_articles/social-reproduction-and-the-pandemic-with-tithi-bhattacharya. No contexto de arte e história da
arte, veja a edição especial do periódico Third Text 31.1 (2017), “Social Reproduction and Art,” editado por Angela Dimitrakaki &
Kirsten Lloyd. Um precedente clássico para essas recentes teorizações é o volume de Lise Vogel, Marxism and the Oppression
of Women: Toward a Unitary Theory, Rutgers University Press, 1983.
BIENAL 12 CATÁLOGO 54
unidas, nada irá nos incomodar”, ela escreve.14 e nós. Evocando as culturas pré-colombianas
A expressão “experiências individuais, dos Andes, o nome “quipu” funciona como um
porém unidas” sugere a interconexão e a cordão umbilical metafórico reconectando a
interdependência dos seres, humanos e não artista com seus ancestrais e raízes indígenas.
humanos, similar à ligação entre pessoal, No entanto, ele também propõe toda uma
geral e planetário que Laderman Ukeles cosmologia, uma visão de mundo e um sistema
explora. Quando Vicuña concebeu seu texto de valores alternativos à tradição judaico-cristã
de atitude contrária, ela já havia começado a patriarcal e logocêntrica imposta pelo assim
reunir seus minúsculos basuritos/precarios – chamado Ocidente. Vicuña imagina um quipu
assemblages íntimas formadas por materiais como um rizoma que inclui e une tudo que
e objetos encontrados, naturais e artificiais. existe. Ela escreve sobre cordões reais e fios
Eu a imagino recolhendo de forma cuidadosa imaginários: “o quipu e o ceque deram vida
e amorosa as peças e resíduos insignificantes aos vales que conectam as comunidades ao
do dia a dia e os ciclos da terra como a heroína todo, criando uma visão da terra e/ou dos
sem nome que Laderman Ukeles estava recursos como um ser vivo.”15 Para a Bienal,
implicitamente procurando. Vicuña encarna Vicuña imaginou o quipu Los Testigos / Spirit
o essencial, porém ignorado, trabalhador/ Poncho como uma testemunha contestadora
cuidador que recolhe o lixo após a revolução da destruição da região amazônica e
proverbial. Mais ainda, ela também atua do extermínio de seus povos indígenas.
como um agente alquímico que cria, a partir Incorporando materiais do ateliê da artista
do lixo, registros preciosos do cotidiano, com em Nova York e resíduos recolhidos em
todas as suas qualidades gloriosas e abjetas. diversas comunidades no Brasil, isso apresenta
uma rede planetária de responsabilidade e
Pode-se imaginá-la segurando um basurito
resistência. A sobrevivência e a reprodução
na palma da mão, agarrando-o firmemente
dizem respeito a todas as espécies e matérias.
como um punhado de pedras preciosas ou de
sementes conservadoras da vida – como as Muito já foi escrito sobre os paralelos entre
sementes que a artista implorou ao Presidente uma palavra e um fio, os escritos e os tecidos
Salvador Allende que ele pegasse e semeasse. no rico conjunto de trabalho de Vicuña que
Da mesma forma, muitas vezes em formato abrange poesia, criação de imagens em diversos
de miniatura, os livros únicos feitos à mão de meios e instalação escultural. No contexto da
Vicuña convidam os leitores/observadores a necessária abolição dos sistemas extrativos,
abrir suavemente minúsculos pergaminhos também penso em outra subversão da tradição
de tecido, sacudir diminutos pedacinhos de logocêntrica que o trabalho dela realiza: um
papel, desenredar fios delicados servindo como fio é um agente criador de vida alternativo à
vasos sanguíneos metafóricos conectando palavra generativa. Não apenas o fio e a fibra
traços de tinta ou caneta. Por sua vez, seus da artista conversam com suas tradições
“quipus” de tiras macias de lã não desfiada andinas ancestrais, mas eles também evocam
ou de sisal rígido – assim chamados por causa histórias de criação dos povos indígenas norte-
dos antigos dispositivos de registro dos incas americanos. Nessas histórias, não é a fala de
feitos de barbantes com nós – envolvem os Deus que leva o mundo a existir. Em vez disso,
corpos dos observadores como se estivessem é o fio fiado por uma mulher-aranha, que o
em um casulo, útero ou floresta. Entre os dois utiliza para tecer todas as criaturas da terra.
tamanhos e escalas, Vicuña estabelece uma Ela literalmente trabalha para criá-las através
relação recíproca entre cuidar e acariciar e ser de um ato corpóreo e material. As criações
cuidado e acariciado. Um toque concretizado dela são finitas e suscetíveis à violência: elas
estabelece relações: ele traz as obras à requerem cuidado. Recolhendo as fibras
existência e cria uma interdependência entre o fiadas por Vicuña, Laderman Ukeles e Iguiñiz,
sujeito e o objeto; entre o mundo, sua matéria no restante deste ensaio eu traço outras
14 Vicuña, “The No Manifesto of Tribu No” em Manifestos and Polemics in Latin American Modern Art, 205.
15 Cecilia Vicuña, “White/Red,” em About to Happen, Catskill, NY: Siglio Press, 2017, p. 27. Ceque é uma das 42 linhas rituais que
radiam para fora a partir do centro no templo Qorikancha em Cusco, que estabelece a rede dos locais cerimoniais dos incas.
Ver: Brian S. Bauer, The Sacred Landscape of the Inca: The Cusco Ceque System, Austin: University of Texas Press, 1998.
55 BIENAL 12 CATÁLOGO
manifestações do trabalho de cuidado e de do feminismo liberal que incentiva as
manutenção à medida que elas se relacionam mulheres a buscarem avanços profissionais
com a reprodução social, ou com a criação e cargos de liderança, Otta defende uma
da vida em geral, de diversas maneiras nas ampla solidariedade de bases como a única
obras de apenas um punhado dos artistas que plataforma viável para a luta das mulheres.
convidamos para a Bienal. Assim, este texto não
O que é mais importante, talvez, é que seus
compõe um tecido inteiro. Em vez disso, ele é
coloridos cartazes de protesto são bordados
uma urdidura para que você crie o seu próprio.
com citações de algumas das mais notáveis
poetisas peruanas de diversas gerações tais
como Blanca Varela, Carmen Ollé e Montserrat
Álvarez, que ecoam como slogans de fúria,
II. denúncia e autoafirmação. Contra a voz autoral
paternalista, Montserrat II afirma que a história
Quebre um osso para comer a medula de uma mulher não pode ser contada por
e invente um instrumento.16 nenhuma outra pessoa que não seja ela mesma.
O fato de que vir a existir no mundo não é “Não permita que eles escrevam / seu medo,
simplesmente o gesto de uma individualidade seu fim, sua queda / Não permita que eles
desincorporada ressoa profundamente na escrevam isso”, ela adverte.17 Carmen devolve
série de Eliana Otta intitulada Women’s Words a luta pela palavra ao corpo e fala com as
(Palavras de Mulheres, 2017). No contexto marcas profundas que as batalhas diárias pela
do machismo e da violência que permeiam sobrevivência entalham na carne: “Hoje você
a vida política, social e cultural do seu país perde um dente / amanhã um ovário / Como
natal, o Peru, Otta insiste na questão feminista esconder a cicatriz de um parto cesáreo?”18
quintessencial que nos últimos cinquenta anos A pergunta é, obviamente, retórica, visto
não perdeu sua urgência: “Como uma mulher que pede o impossível. Com suas constantes
pode reivindicar sua voz na esfera pública?” evocações do corpo e da fisiologia, as palavras
Sua série reúne um vídeo de entrevistas com das mulheres são violentas e insistem que
políticos e músicos veteranos mais velhos mesmo as pequenas lutas cotidianas não são
que relatam as histórias de suas próprias apenas psicológicas, intelectuais ou até mesmo
inserções no cenário peruano e as bandeiras ideológicas, mas inerentemente encarnadas –
fabricadas com lonas de plástico e tecidos como as complexas extensões emaranhadas do
domésticos. Como ferramentas para uma fio que escreve as histórias das protagonistas.
manifestação política, as bandeiras de Otta Aqui, também, o contexto é tudo. O projeto
trazem a público (seja numa galeria ou na rua) de Otta explora a onda de protestos por toda
panos de prato e de limpeza como substitutos a América Latina, que sob o clamor “Ni una
para o “artesanato” e o trabalho doméstico que menos” vinha varrendo o continente desde
haviam constituído historicamente o campo 2015.19 Mesmo assim, a série Women’s Words
para a autoexpressão e criatividade femininas nos faz lembrar as atuais mobilizações que
confinadas à esfera privada. Escorados em se aproveitaram dos benefícios e frustrações
postes fincados na variedade de calçados das gerações anteriores de porta-vozes e
usados, obtidos de amigos da artista, (na versão ativistas – o coro que se estende no tempo e
original da instalação em Lima), eles fazem no espaço. Mais ainda, nunca houve e nunca
referência às camadas do suporte necessário haverá essa tal de “luta menor” enquanto
tanto para a ação individual quanto coletiva. o simples fato de ser mulher ou um ser em
Qualquer voz singular depende de e faz não conformidade de gênero puder levar
parte de um coro. Contra o excepcionalismo alguém a ser tratado com brutalidade ou
BIENAL 12 CATÁLOGO 56
assassinado (e independentemente dos A fibra pode puxar o privado para o público,
privilégios de classe ou pele clara). Há sangue desvendando uma entidade oculta em uma
no seu pão de cada dia mesmo que você não extensão secundária – como faz na obra
veja, insiste Otta com Montsserat Álvarez.20 de Otta. Ela também pode trançar diversas
entidades em uma rede interdependente.
A luta entre o que e quem tem e não tem
Assim como Vicuña, a fabricante de tecidos
permissão para ser visto e ouvido, e onde,
boliviana Sandra de Berduccy, conhecida como
também é uma constante na prática de Juliana
Aruma, entrelaça o passado e o futuro; criaturas
Vidal, natural da cidade de Cuenca (nascida
humanas e não humanas.21 Como Otta e outros,
Tania Marcela Vidal Barrera). Como uma perita
ela também aprendeu com suas ancestrais:
forense, ela vem recolhendo, catalogando
sua avó e as mestras tecelãs indígenas da
e exibindo diversos vestígios de corpos
área de Potosí que agora são suas vizinhas
humanos: pequenos umbigos parecidos com
na seca floresta ancestral nos arredores de
rosquinhas moldados em gesso, vulvas brancas
Cochabamba onde todas elas habitam. Aruma
e lustrosas desabrochando dos centros de
utiliza técnicas e ferramentas andinas antigas,
pratos de cerâmica, e os moldes de cicatrizes
como um osso de lhama que ela usa para
revestindo paredes imaculadas de galerias
empurrar a trama para baixo. Especificamente,
como fungos quase imperceptíveis. Os meios
ela utiliza um tear portátil que conecta seu
indexicais que ela utiliza – fotografia analógica
corpo às árvores enquanto trabalha, unindo-a
e várias formas de fundição escultural com
ao meio ambiente. Seu processo depende do
base nas impressões do corpo – insistem no
próspero ecossistema que cerca sua casa. De
caráter real de seus registros. Para a Bienal
fato, a floresta é o seu suporte, servindo de
de 2020, Vidal planejou uma variação em
ateliê, laboratório e galeria. A terra é a fonte
relação à sua instalação de 2017 intitulada
de tintas derivadas de plantas e insetos e das
Índices de resistencia (Sinais de resistência).
fibras naturais que Aruma tece em seus tecidos,
Formada por mais de cem tijolos de barro
instalações, apresentações e obras interativas
produzidos artesanalmente, sua estrutura
em imagens imóveis e em movimento. Na
carrega as marcas do próprio corpo da artista.
verdade, para ela, fios de fibra óptica e
Nas superfícies com crostas e enlameadas,
condutores, sensores de cor e movimento,
palmas abertas e solas dos pés como rastros
luzes de LED e alto-falantes servem como
numa praia são entremeados com orifícios
extensões óbvias de tecnologias antigas.
perfurados com os dedos do pé e punhos
cerrados: a matéria em confronto contra um Entrelaçando o novo e o velho, seus tecidos
ser vivo. Como os corpos insinuados na obra servem como canais de energia entre diferentes
de Otta intitulada Women’s Words (Palavras formas de vida: entre plantas, animais e
de Mulheres), o dela é também uma entidade humanos. Os tecidos dela captam bioenergia
agressiva, sugerindo uma luta compartilhada. da flora e fauna nativas: ayrampo cactus, por
É o corpo de uma mulher afirmando sua exemplo. No entanto, eles também extraem
presença no espaço público, reivindicando a energia dos corpos humanos e animais que
autonomia ao marcar seu território. Através da os ativam com seus movimentos, sons ou
alusão às práticas arquitetônicas vernaculares, ambos. Assim, cada um dos tecidos de Aruma
na escolha de Vidal do material, este também constitui um meio de transmissão e um lugar
é um corpo implicitamente classificado e específico de troca entre as espécies. Desta
determinado por meio da raça de um mestiço forma, eles simbolizam a ética da reciprocidade
ou indivíduo indígena. Finalmente, esse corpo e interdependência dos povos indígenas de
é antigo, séculos mais velho do que a própria Abya Yala. A criação da vida e o cuidado dizem
artista, intimamente familiarizado com a terra. ou devem dizer a respeito à todas as criaturas.
Integradas em um mundo e entrelaçadas, as
20 Montserrat III diz: “Porque você não vê o sangue na massa do pão do café da manhã”.
21 Para mais detalhes sobre a obra de Berduccy, veja: Valentina Montero Peña, “El telar como máquina sensorial y de pen-
samiento. La investigación artística de aruma—Sandra De Berduccy,” Artnodes 25, 2020, pp. 1-9; http://doi.org/10.7238/a.
v0i25.3277.
57 BIENAL 12 CATÁLOGO
espécies dão exatamente tanto quanto podem criação da vida ameaçadas pelo desejo de lucro
e recebem exatamente o que precisam para desembaraçado. Para voltar às palavras de
garantir a sobrevivência e o desenvolvimento Laderman Ukeles, Condé e Beveridge expõem
de todos. Os seres humanos não devem estar a guerra entre manutenção e desenvolvimento
isentos desta regra. Para Aruma, está em jogo, – isto é, entre princípios contraditórios que
da mesma forma, a preservação de seres geram a reprodução social e o capitalismo.
nativos não humanos e do conhecimento Com a franqueza que pode ferir no momento
rural que deriva do passado pré-colonial. atual, em sua obra de 2009 do mesmo título,
eles identificaram o capitalismo como a peste.
A luta pela sobrevivência e pela vida anima
as cenas de fotocolagem da dupla canadense De fato, os danos do capitalismo são um tema
formada por Carol Condé e Karl Beveridge. recorrente na fotografia documental dos
Uma ativista indígena de Cochabamba, que artistas canadenses com engajamento político
eu imagino que poderia ser um dos vizinhos e social realizada ao longo de quatro décadas.
de Aruma falantes do idioma quéchua, é o Condé e Beveridge vêm os interrogando
personagem central de The Fall of Water [A através da colaboração com uma ampla gama
Queda da Água] (2006–07). A obra redefine de trabalhadores de manutenção: mulheres
uma das obras-primas da Renascença do da classe operária, profissionais da saúde,
Norte da Europa, a pintura chamada Queda zeladores escolares e trabalhadores rurais
dos Anjos Rebeldes (1562), de Peter Bruegel migrantes, entre muitos outros. Para isso, eles
o Velho, para apresentar uma alegoria do revelam quão intimamente a justiça social
conflito global entre os defensores da água e está relacionada com a manutenção da vida
os abusadores da água como a batalha perene e com seu valor. Ao relacionar o trabalho
entre o bem e o mal. A cholita lutando contra de cuidado com a narração de histórias, a
a privatização da água substitui o principal série em quatro partes intitulada Stories
guerreiro do Deus cristão, o Arcanjo Miguel. [Histórias] (2016) aborda uma das formas
Em vez da capa azul dele, o aguayo (tecido mais delicadas de trabalho de cuidado nas
multicolorido) dela ondeia sobre uma massa de assim chamadas nações desenvolvidas – o ato
mercenários corporativos grotescos. Ela não é de cuidar dos idosos – e o papel dos idosos
um ser sagrado celestial imortal, mas sim uma na sociedade contemporânea. Analisando
habitante mortal e finita enraizada nos ciclos da cenários distintos, desde a comunidade, por
vida terrestre. Ladeada por uma indiana vestida meio de uma família nuclear e uma clínica
de sári à sua esquerda e por um ambientalista geriátrica, até o monitoramento remoto de
canadense à sua direita, ela prepara a ofensiva pacientes, a série registra quatro modos de
contra os agressores monstruosos, incentivada narração de histórias: sabedoria ancestral
pelos ativistas de várias outras culturas compartilhada, uma voz autoral didática de
que pairam no céu azul lá no alto. Condé e um artista, um anúncio publicitário feito por
Beveridge assim apontam para outra rede celebridades, e uma ferramenta de controle
de solidariedade centrada na preservação da incorporada às tecnologias de vigilância e
vida que conecta os movimentos indígenas monitoramento. Com a relegação do cuidado
globais e seus aliados. Com logotipos familiares a trabalhadores negros e migrantes mal
espalhados pela composição bem como remunerados, os idosos perdem seu status
objetos curiosos artificiais e originais de como repositórios vitais de conhecimento
Breugel, Condé e Beveridge citam por nome e como pilares de suas comunidades e se
os abusadores da água inequivocamente: as transformam em receptáculos ocos da mídia
empresas transnacionais que tratam como e da indústria farmacêutica. Visto que os
mercadoria o recurso precioso, a indústria protagonistas de Condé e Beveridge têm a
petroquímica, o Banco Mundial, o Fundo opinião final em criar suas representações nas
Monetário Internacional, a polícia e as forças fotocolagens meticulosamente orquestradas
armadas. Rivalizando com a agitação e da dupla, eles modulam seus personagens
complexidade da fonte, The Fall of Water é com desejos e anseios. Basicamente, a
igualmente inequívoca em sua mensagem. Em luta pelas histórias, assim como a luta pela
seu âmago está a luta pela fonte da vida e pela terra e pela água, é a luta em comum.
BIENAL 12 CATÁLOGO 58
As Stories [Histórias] de Condé e Beveridge riqueza da Europa foi extraída dos corpos dos
examinam as vicissitudes do cuidado sob povos escravizados e subjugados. As formas de
o regime capitalista no crepúsculo da vida. opressão são sofisticadas e às vezes parecem
Em sua cartilha intitulada ABC of Racist Europe infinitas. No entanto, como Ortiz afirma, o
(O ABC da Europa Racista, 2017), a artista empoderamento supera a exploração. Legal
peruana Daniela Ortiz estende as implicações não significa legítimo. Os migrantes rejeitarão
do cuidado da infância para a educação. Sua regimes neocoloniais. Seus wawas corajosos e
noção de ensino fundamental, no entanto, combativos carregarão a bandeira do wiphala
ultrapassa em muito a compreensão do (povo indígena da Região Central dos Andes).
alfabeto e da ortografia básica. Em vez disso, Assim, o livro de Ortiz reivindica o direito
a artista insiste que desde o início a educação indelével da mãe ao cuidado insurgente para
deve formar e conscientizar. Ela deve ser seu filho, adequado às maneiras em que
emancipatória e antirracista. Desde que ela tanto ela quanto seu wawa estão atados ao
migrou para Barcelona há mais de dez anos, sistema de morte e unidos às comunidades
Ortiz preparou sua prática multifacetada para de cuidado. Contra a necropolítica do
refletir sobre e criticar sua experiência como Reino da Espanha, Ortiz argumenta a favor
uma súdita racializada do antigo Império do direito das famílias migrantes a uma
Espanhol. Em sua obra, variando desde ações vida autônoma e a um lar seguro e estável
no espaço público a esculturas de cerâmica, onde quer que elas sonhem construí-lo.
placas decorativas pintadas e murais, ela
O lar, tanto físico quanto imaginário, como uma
fez uma crítica incontrita da persistência
plataforma necessária à vida, reúne alguns
do projeto colonial da Europa Ocidental
dos mais emocionantes projetos da artista
intimamente ligado à expansão global do
judaico-guatemalteca, sediada em Nova York,
capitalismo. Ambos são evidentes hoje nas leis
Jessica Kairé. Muitas vezes, a artista aborda
de imigração da União Europeia e em várias
a crítica das feministas da segunda onda dos
formas de opressão dos migrantes tanto em
supostos confortos da domesticidade e a
nível institucional quanto cotidiano. Nesse
atualiza para o contexto político volátil de seu
sentido, as obras de Ortiz ressoam com a
país natal e suas repercussões para a diáspora
fotografia dialógica de Condé e Beveridge
guatemalteca. Utilizando a linguagem contrária
focada na exploração e expropriação
à autoridade estabelecida desenvolvida no final
premeditada e sistêmica dos migrantes/
das décadas de 1960 e 1970, Kairé mobilizou a
nômades do assim chamado Sul Global.
participação pública e frequentemente recorreu
Uma cartilha, ferramenta para alfabetização aos alimentos, aos tecidos e a outros materiais
amplamente difundida, o ABC da Europa normalmente associados ao artesanato e ao
Racista também explora a experiência da trabalho das mulheres para comentar sobre
artista como mãe solteira racializada de um as seguranças e inseguranças da identidade,
wawa (bebê) de três anos de idade para de pertencer a e de viver em uma pele
condenar publicamente as diversas formas específica do gênero feminino. A série de vídeos
de perseguição que as crianças migrantes instrutivos e simpáticos intitulada Such is Life in
e suas famílias encontram e para fazer um the Tropics [Assim é a Vida nos Trópicos] (2012)
apelo feroz contra elas. As declarações de e a série relacionada de workshops televisivos
Ortiz adornadas com colagens coloridas são se apropriam de e invertem a premissa do
sucintas e claras, mantendo a sintaxe simples vídeo feminista fundamental de Martha Rosler
de uma cartilha. As barreiras impedem os intitulado Semiotics of the Kitchen [Semiótica da
migrantes de cruzar as fronteiras, obrigando-os Cozinha] (1975) para o contexto da Guatemala
a se esconder em barcos e ônibus. A Agência contemporânea. Quarenta anos atrás, Rosler
Europeia de Fronteiras e de Guarda Costeira se apropriou do formato de um programa de
(FRONTEX) destrói a liberdade das pessoas culinária e transformou a afável figura televisiva
e separa famílias. A polícia protege os de Julia Child em uma jovem dona de casa à
privilégios das pessoas que têm passaportes beira de uma rebelião. Para criticar o caráter
europeus. Os serviços sociais criminalizam opressor da saudável domesticidade burguesa
a maternidade das mulheres migrantes. A e o trabalho de manutenção invisível, sua
59 BIENAL 12 CATÁLOGO
protagonista demonstrou habilmente que de pelúcia da série CONFORTO poderiam
qualquer utensílio de cozinha familiar pode se ser abraçadas como brinquedos de pelúcia.
tornar mortal. Por sua vez, Kairé não mostra A artista encara sua tarefa como a metamorfose
nada da agressão reprimida de Rosler mesmo dos lugares específicos da violência em espaços
enquanto ela instrui seus telespectadores sobre e meios de sociabilidade. Ela insiste que a
como criar, passo a passo, armas funcionais verdadeira justiça deve ser restauradora e
para defesa pessoal do tipo faça você mesmo. transformadora – um trabalho de cuidado
em vez de acusação e repressão.23
No entanto, as armas dela não são armas
comuns. Elas são tão “exóticas” quanto as Implicitamente, então, Kairé implora para
frutas e verduras sazonais disponíveis em que nós reimaginemos o mundo e as relações
qualquer cozinha guatemalteca – bananas, dentro dele de acordo com novos termos. Na
iúcas e kiwano (melão com pontas) – a partir sociedade assolada por infinitas formas de
das quais elas podem ser inventivamente violência, reconhecer e identificar o cuidado
apanhadas por impulso. Uma clava, que pode e a própria vida como o princípio central
ser montada para empalar uma fruta dura cheia sobre o qual fazer uma convivência individual,
de pontas em uma raiz pontiaguda, remonta coletiva e planetária é um ato radical. É tão
às antigas cavernas. Uma “estrela ninja” radical e necessário quanto as queixas de
vem do Japão. Os nunchakus, ou chakus de Laderman Ukeles e quanto os gritos de deleite
banana, como Kairé os chama carinhosamente, de Vicuña cinco décadas atrás. E isso ainda
foram inspirados no filme Operação Dragão será igualmente radical e necessário daqui
de Bruce Lee. Como o dedicado instrutor a cinco décadas. Neste contexto, penso na
no vídeo promete, apenas o fato de vê-las obra de Zorka Wollny intitulada Impossible
já pode dissuadir potenciais invasores e Opera [Ópera Impossível] (Unmögliche Oper,
emergências. Por outro lado, Kairé comenta, 2017) como um clarão que incita o passado
assim, sobre a violência generalizada que e ilumina o futuro. Originalmente realizada
permeia as ruas da Guatemala e que ameaça como uma apresentação ao vivo de 40 minutos
os supostos portos seguros dos espaços em Oldemburg, na Alemanha, a obra faz uso
privados e que afeta as mulheres de modo de expressões da apresentação teatral, da
desproporcional. Conforme Pilar Tompkins composição musical e da livre improvisação
Rivas observou, a artista “situa sua posição para encenar uma busca por uma voz autônoma
feminista não em contradição ao trabalho e linguagem própria. Como outros projetos
das mulheres na cozinha, mas em harmonia de Wollny, ela reúne profissionais da arte e
com ele, à medida que os itens de cozinha se membros da comunidade. Em certo sentido,
tornam um meio de empoderamento para as por engajar e mobilizar indivíduos comuns
mulheres que vivem em … condições nacionais como artistas, Wollny evoca o espírito do
instáveis.”22 Por outro lado, no entanto, ao Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, e seu
escarnecer com orgulho dos estereótipos ideário do ensaio para revolução social. A Ópera
do exotismo, inclusive do gênero musical Impossível combina elementos de uma rotina
salsa, Kairé também parece ridicularizar a de repetição e de sons principalmente não
percepção dos EUA sobre a América Central verbais. Som e movimento são estruturados
como um lugar inerente e irreparavelmente como uma série de repetições organizadas por
perigoso. Basicamente, ela tanto critica a chamadas de atenção e assobios, entremeando
violência como se recusa a se submeter ao o ruído de murmúrios, zunidos, sibilos e
medo. No fim, uma vez desnecessárias, suas arquejos coletivos, respiração pesada e cantos
armas podem ser consumidas com prazer com solos operísticos e percussão. A maioria
voraz, aumentando a saúde e o relaxamento das vozes é abstrata e ininteligível. A partir
do sobrevivente. Suas esculturas macias dos fluxos e refluxos do som, surgem ecos
22 Pilar Tompkins Rivas, “Establishing and Destabilizing Notions of Home in the Americas,” em Home—So Different, So Appealing,
edição de Chon A. Noriega, Mari Carmen Ramírez e Pilar Tompkins Rivas, Los Angeles, UCLA Chicano Studies Center Press,
2017, p. 114.
23 Veja a declaração do projeto de Kairé em seu site: https://www.jessicakaire.com/such-is-life-in-the-tropics
BIENAL 12 CATÁLOGO 60
de movimentos sociais em três expressões O problema na leitura simples do projeto
essenciais: “voz para todos”, “renda básica de Wollny me obriga a perguntar sobre
garantida” e “este é o aspecto da democracia”. o lugar e espaço do luto tanto na prática
artística quanto na vida pública em geral,
A apresentação de Wollny atesta a
especialmente agora. Embora a indignação seja
importância duradoura de encontrar uma
celebrada como um propuslor da mudança
voz tanto individual quanto coletiva na
ou condenada publicamente como um sinal
busca pelo bem comum. Vozes encarnadas
de destruição, poucos parecem reconhecer
que habitam e reivindicam o espaço físico
a realidade e o trabalho essencial do luto.
concreto são as principais ferramentas
Adotamos a indignação porque ela ajuda a
que estruturam e moldam o debate na
construir uma narrativa e a fazê-la avançar.
esfera pública e na vida em comum.
Quer ela seja produtiva ou destrutiva, a ira
Celebrando a oportunidade do protesto, a obra projeta um futuro. Independentemente de
Ópera Impossível de Wollny conclui com uma ser revolucionária, utópica ou apocalíptica, ela
sequência que, no entanto, complica minha permite a existência de um futuro. O luto, na
leitura festiva e otimista. Essa sequência se melhor das hipóteses, é um estado a suplantar:
relaciona fortemente com o momento em espera-se que nós o superemos. Na pior das
que estou escrevendo, pensando nas formas hipóteses, ele anuncia retornos eternos: um
como os significados de muitos projetos se ciclo sem fim de perdas irreparáveis. Mas
transformaram e se consolidaram no tempo o que mais se considerarmos o tempo não
que parece suspenso (pela pandemia) e agitado como um rio, mas sim como um lago?24
ao mesmo tempo (por protestos). A estrutura
A aparente incompletude e impossibilidade da
ordenada do movimento de seus corpos
ópera de Wollny também sugere que, uma vez
sonoros é repentinamente perturbada quando
encontradas, a voz e a linguagem não são dadas
a câmera dá um zoom de aproximação em um
para sempre nem para todos. Em vez disso,
homem arrastando um corpo sem firmeza
elas devem ser exercidas continuamente. Elas
ao longo do perímetro do espaço delimitado
devem ser mantidas – com esforço, atenção e
para a ação. Logo depois, uma mulher corre
muito cuidado. Apenas a prática árdua invisível
para o quintal chorando e lamentando,
faz com que uma apresentação virtuosística
balançando seus braços freneticamente acima
pareça fácil e espontânea. No final, contudo, a
de sua cabeça como se estivesse implorando
prática depende da respiração, uma daquelas
para que os artistas parassem ou fizessem
funções fisiológicas básicas das quais raramente
algo. Embora não esteja claro o que ela está
temos consciência. Esquecemos da respiração
pedindo, a urgência de seus gestos sugere
até que ela nos falte, nos sufocando ou sendo
que isso importa. A obra Ópera Impossível
sufocados. Esquecemos como o corpo funciona
termina com a chegada de uma ambulância
para cuidar de nós 24 horas por dia e 7 dias por
que faz com que os artisats e, finalmente, o
semana. O que nós fazemos para cuidar do
solista solitário se dispersem. Os sinos que
corpo – do nosso e dos outros? Exigir todos os
assinalaram o início da apresentação marcam
tipos de abolições, começando com a polícia e
o seu fim. Assim que o veículo vai embora
as patrulhas de fronteira, e seguir com museus
e sua sirene cessa, tudo acaba. Pode-se até
(talvez), o presente infinito – o lago – nos
dizer que não há conclusão. De qualquer
chame a repensar o trabalho, a manutenção e
maneira, a promessa ou o potencial do coro
o cuidado outra vez. E se a ambição suprema
não foram realizados. Nós, o povo, ainda
for cozinhar, limpar e respirar? E se nós não
estamos ensaiando e continuaremos a ensaiar.
precisássemos compreender mais nada?
***
Houston, Texas, agosto de 2020
24 Este é o ensinamento de Robin Wall Kimmerer, Braiding Sweetgrass: Indigenous Wisdom, Scientific Knowledge and the Tea-
chings of Plants, Londres: Penguin Books, 2020.
61 BIENAL 12 CATÁLOGO
Ensaio sobre o provisório ou
a insistência em estar junto:
Programa Educativo Bienal 12
Igor Simões
Curador Educativo
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
Qualquer escrito, em nossos dias, está tramado o lugar do curador a partir da educação? Era
na incerteza. Não há espaço para afirmações. importante manter os vínculos que vinham
Pelo contrário, se impõe a todes que pensam, da minha experiência como pesquisador e
escrevem, criam, uma dança constante com docente. Assim, temas como a racialização
a interrogação. Que mundos são esses que se e escritas insubmissas de histórias da arte; a
atravessam diante de nós e solapam toda e exposição como montagem; e a experiência
qualquer noção do que era viver? Esse escrito docente com uma não hierarquização entre
aqui não é uma exceção. Ele é escrito em as narrativas da história da arte e aquelas que
um tempo onde todas as coisas acontecem. se constroem a partir da prática educativa,
O mundo sucumbe, a morte secular de corpos serviram como lugar de pensamento.
negros provoca levantes e quedas de marcos
O que agora, enquanto tudo ainda se desdobra,
coloniais e racistas nos EUA e na Europa,
posso reunir são as anotações do percurso
enquanto balançam em outras partes do
muito mais do que a avaliação dos seus efeitos.
mundo. A vida do país está tomada por uma
Esse é um texto de partidas e não de chegadas.
infinda e dolorosa noite entre a doença e as
mazelas de um governo que ressoa toda a Havia, em meio a tudo de se escolher um ponto
dívida não paga pela história assimétrica do de partida. Esse ponto, quando visto desde
Brasil. A arte, lugar de onde falo, foi tomada e a educação e da arte, nunca pode ser neutro.
confrontada em suas bases contemporâneas, Não há neutralidade possível em um programa
em suas dinâmicas de funcionamento e a educativo. Não há neutralidade possível em
obsolescência de suas formas de existir. uma mostra. Não há neutralidade. As escolhas
de uma mostra, a sua seleção de artistas, as
Foi desde aqui, do Sul do Mundo ao Sul
suas narrativas, as vozes que ecoam por suas
do Brasil, que se instaura a vontade e a
elaborações, não permitem imparcialidade.
realização de uma mostra que escolhe
política e esteticamente a noção diversa de Tomar uma posição significou, nessa
Femininos. Feminino(s): Visualidades, Ações edição, situar o educativo no necessário
e Afetos são o rumo da escolha de artistas lugar de usina de pensamentos. Para
de diferentes lugares, desde as Américas tanto, é necessário que se compreenda o
insubmissas até as Europas revistas para além educativo não como o lugar de ilustração
do binário e olhando para a multiplicidade do pensamento curatorial e institucional,
contemporânea das formas de existência. mas como uma dimensão inseparável do
ato de pensar e erigir uma exposição.
Aqui, desde onde penso e luto com as palavras,
cabia a mim pensar uma curadoria educativa Os programas educativos, quando
ao Sul. Ao Sul dos conceitos e das noções, ao empoderados pelas instituições, o que
Sul do gênero e da Raça, ao Sul do Brasil. Por poucas vezes acontece, podem ser o lugar
onde caminhar e o que mover quando se toma de um trânsito muito intenso dos eixos
BIENAL 12 CATÁLOGO 62
conceituais que, em sua imensa trama de aconteceu a partir do convite realizado
poderes, constitui uma mostra. No entanto, pela professora, pesquisadora e curadora
pode se afirmar que diante dos inúmeros geral da Bienal 12, Andrea Giunta.
cortes institucionais durante a pandemia e
Se retomo aqui esses elementos, o faço para
mesmo antes, esses costumam ser os setores
demostrar a instabilidade do educativo que o
mais fragilizados, com contínuos cortes de
habita na mesma proporção à sua importância.
pessoal e consequente descontinuidade
São muitos os acordos necessários para
de ações que, como toda a dimensão
que, de fato, uma ação educativa possa se
educativa, só se forjam ao longo do tempo.
colocar como lugar de questionamento.
A escolha, nesta edição, pelo uso do termo
O programa educativo é na dinâmica de uma
curadoria educativa foi uma dessas estratégias.
exposição o lugar da desconfiança. Explico: ao
Aqui, para além dos debates que cercam
educativo, cabe desconfiar do que está dado
os termos que nomeiam a ação educativa,
como pronto, desconfiar das prerrogativas
estava em jogo negociar com a instituição a
institucionais, desconfiar da ideia das obras
centralidade do programa no pensamento
isoladas e seus contextos, e mesmo dos
curatorial. Usar o termo curadoria educativa,
possíveis trânsitos e espaços construídos no
nesta edição, foi a forma de reforçar que o
encontro de diferentes proposições. O que
educativo não está depois, ele está junto. Ele
quero afirmar aqui é, de um lado o papel
auxilia a forjar as áreas de trânsito infindo
distante das certezas que está conferido ao
de uma mostra. Não cabe aqui dissimular
educativo e, ao mesmo tempo, a necessidade
o fato de que há uma questão sistêmica.
de que se possa garantir essa possibilidade
Tratou-se de jogar com a hierarquização
de ação. Isso só se torna possível, quando
da posição curatorial para, a partir de tal,
no desenho institucional, criam-se as
reivindicar posições que o educativo sem o
condições para tal. É necessário, nos parece
termo curadoria parece nem sempre conseguir
ao educativo, abalar certezas, sabotar o que
atingir. Se a curadoria recorrentemente
pode surgir pronto e bem acabado, para
é entendida como o lugar de criação das
encontrar formas de voltar aos trabalhos, às
mostras, usar o termo curadoria educativa
mostras, às narrativas expositivas, com olhos
é situar o educativo a partir desse lugar e,
prenhes de novidades. Pensamentos não
consequentemente, lidar de forma direta com
previstos. O educativo tem sido, no cenário das
as expectativas e enquadramentos sistêmicos.
instituições que reconhecem sua centralidade,
Também há de se considerar que a Bienal 12 o novo espaço de uma crítica institucional
acontece a partir de uma Fundação a qual, contemporânea. Isso, desde que a instituição
ao longo dos anos, demonstrou que uma das esteja disposta a se confrontar com aquilo
forças principais das suas Bienais estava na que surge dos seus setores de educação.
centralidade do programa educativo. Havia
no uso do termo curadoria educativa um As experiências dos
esforço para falar à memória dessa instituição outres como caminho
que ajuda a forjar essa expressão, a partir
do trabalho de Luis Camnitzer quando na 6ª Outro fato relevante dessa etapa do nosso
edição da Bienal, no ano de 2007. O trabalho trabalho esteve em buscar pares constantes
da professora, pesquisadora e curadora nas experiências educativas de instituições
Monica Hoff, até a 9ª edição foi, de maneira locais. Uma das primeiras ações foi realizada
incontestável, uma contribuição para a firmar no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado
a importância do programa educativo. Era a Malagoli – MARGS, a partir de um encontro
essa instituição, a qual possui esse registro, com os setores educativos dos museus e
que era preciso relembrar o lugar do educativo demais aparelhos culturais da cidade de
no caráter de construtor das suas mostras. Porto Alegre. Era preciso encontrar os seus
pares. Não se tece um programa sozinho,
Para tanto, foi indispensável encontrar
principalmente quando se fala da experiência
amparo na mesma compreensão por parte
de uma Bienal que contribuiu em grande parte
dos demais curadores, o que nessa edição
para as experiências de mediação e educação
63 BIENAL 12 CATÁLOGO
no cenário de origem da mostra, a capital capacidades de inventar outras possibilidades
gaúcha. Mais uma vez se ressalta: fazer um de mundos nos quais queremos existir.
programa educativo significa, em larga, medida
O primeiro lugar que ecoa essas vozes veio
estar junto. Ainda nessa direção, era preciso
da literatura. Há muito tempo que há um
que um dos principais públicos dos programas
aprendizado sobre as coisas que se dá a
educativos estivesse representado. Como
partir daquilo que a literatura nos informa.
pode ser possível pensar uma ação educativa
que não esteja constantemente informada das A imagem catalisadora das ações do
vozes das professoras e professores? Outra programa educativo é devedora das
estratégia adotada aqui foi a chamada pública palavras da escritora brasileira Ana Maria
para docentes, estudantes de licenciaturas e Gonçalves e do seu incontornável romance
mediadores que foram convidados a um debate Um defeito de Cor de onde aprendemos a
público sobre as dimensões de um programa pensar os Brasis e suas gentes a partir das
educativo e suas prioridades, quando pensados estratégias de vida da sua Kehinde. Antes
os protagonismos dos docentes de escolas e de tudo havia Kehinde. Em cada ação, em
universidades, bem como dos educadores das cada novo agrupamento, havia Kehinde.
instituições culturais. A partir de uma longa Kehinde diante do espelho descobrindo a
reunião, os próprios escolheram entre si os si. Kehinde inventando vida. Kehinde.
representantes que viriam a formar a Câmara
de professores da Bienal 12. Um grupo de O programa educativo
educadores que acompanhou todas as ações precisa tomar uma posição.
que foram desenvolvidas pelo programa e Kehinde foi a nossa.
que estiveram reunidos nas atividades e com
suas vozes asseguradas em todas as etapas “Olhando para um deles que tinha
do processo de trabalho. Mais uma vez, o tombado perto de mim, o corpo caído
sentido do programa esteve em estar junto de costas e se debatendo, meu peito
com a maior quantidade possível de vozes foi ficando apertado com a visão do
em frentes amplas de diálogo e debate. riozinho de sangue, ao mesmo tempo
que nascia em mim uma revolta muito
Talvez a principal chave para o programa grande pela nossa condição. Apesar da
educativo da Bienal 12 se explique pelo pouca idade, acho que foi naquele dia
encontro entre a vontade de criar espaços que tomei consciência de que tinha de
onde o estar junto pudesse ser privilegiado fazer alguma coisa, pelos meus mortos,
e a necessidade de que esse estar junto por todos os mortos que estavam ali,
estivesse baseado em decisões políticas que, por todos nós, que estávamos vivos
necessariamente, enfrentariam as diferentes como se não estivessem por que
dimensões do feminino, profundamente, nossas vidas valiam o que o Sinhô
aliadas às noções de raça. Havia de se tinha pago por elas, nada mais.”
ouvir, mas as vozes privilegiadas deviam
ser aquelas que sendo nomeadas como (p. 144)
silenciadas produzem os mais importantes O romance Um Defeito de Cor, de Ana Maria
sons dos nossos tempos. Essa, foi desde Gonçalves é, desde seu lançamento em
sempre, a principal seta do programa 2008, um marco na literatura contemporânea
educativo: estar junto, e juntos mirar no que brasileira. Mas ele vai além. Estabelece-se como
importa para forjar um olhar imbricado em marca porque revela uma herança contínua
perscrutar o mundo e suas assimetrias. da colonização e da eleição da sujeição e do
Havia, antes de tudo, um aprendizado direito de posse de humanos sobre humanos.
que ecoa nas vozes de feministas negras. Marco porque estabelece vínculos de uma
O feminismo negro tem sido, um lugar de memória que se acreditava, durante muito
confluência de inúmeras pautas que exigem tempo, estar perdida e que reaparece como
a constituição de olhares solidários com o relâmpago necessário na lacuna de um registro
outro, suas assimetrias e desvãos, e suas sobre onde viemos e de qual lugar surgem
nossas raízes. A escravização no Brasil não
BIENAL 12 CATÁLOGO 64
pode ficar relegada à experiência do passado. imagens de controle, as proximidades e
Antes disso, ela é elemento que atravessa distanciamentos entre indígenas e negros a
nossas maneiras de pensar e de existir em mediação e as urgências do contemporâneo.
uma sociedade assimétrica e, muitas vezes,
Em cada um dos encontros, um conjunto
desumanizadora. No entanto, a obra desenha,
de mulheres colocava em movimento suas
inscreve, rasga lugares para ver a existência
ideias e trajetórias, e ruíam e reconstruíam
negra no século XIX brasileiro. Há ali negros que
conceitos que viriam a forjar o que
leem e criam estratégias de aprendizado. Há o
imaginávamos que seria um programa
centro urbano tomado por homens e mulheres
educativo para essa edição da Bienal.
que se deslocam e negociam suas liberdades
e aprisionamentos. Há a vida da Bahia, do Assim, a primeira ação do programa educativo
Maranhão, do Rio de Janeiro, de São Paulo. foi abrir uma praça onde muitas ideias e
pensamentos pudessem fundar lugares
Há sobretudo uma mulher que acende a
mínimos para aquilo que estaria por vir, a
própria vida, ascende e atende sob o nome de
partir das falas das convidadas do Território
Kehinde. A personagem empreende de Savalu
Kehinde. Um sem número de contra narrativas
até o Brasil, dos Brasis até as Áfricas e Europas.
que podem ter seus vínculos reunidos a
Inventa formas de vida, olhos de ver e ser vista,
partir da imagem, do corpo e da voz da atriz,
morre algumas vezes, vive muitas, aprende
pesquisadora e professora negra Celina
e ensina. Kehinde é a mulher negra com suas
Alcântara que, na primeira noite do Território,
táticas de existir: a astúcia, a atenção, o olho
entoava a todos os participantes a canção
atento ao afeto não distante da luta e dos
cantada em uníssono, que afirmava: “Quando
saberes. É a capacidade criar territórios a cada
eu venho de Luanda, eu não venho só”.
chegada. Em uma mostra, no Sul do mundo,
como a Bienal 12, que toma como ponto de Desde o princípio, estava lançado o que
partida e de chegada os femininos e a arte trazemos aqui como um conjunto de
em seus tensionamentos e possibilidades de escolhas políticas do programa educativo:
invenção, tomar a figura de uma personagem os rumos seriam sempre referenciados
que está entre a vida e a ficção – entre a a partir de vozes indispensáveis dessas
memória e a escrita de passados necessários. mulheres e seus deslocamentos.
E sobre a marca da mulher negra significa
Não é possível a um corpo negro implicado
estabelecer que a mulher negra tem poder
assumir uma posição de olhar para o mundo
em diferentes sentidos de ser a imagem de
a partir de uma mostra sem trazer consigo
um mundo já vivido e aquele desejado.
saberes, epistemologias que se confundem
Sob o signo de Kehinde, o programa educativo com suas estratégias de sobrevivência.
foi desenhado por um conjunto de encontros Havia ali um corpo negro na posição de
que reuniram muitas mulheres e alguns homens fazer escolhas, de curar, a partir da arte, da
em conversas que se pretenderam tramadas na história, da história da arte, da educação. Foi
horizontalidade com diferentes públicos e as a partir da necessidade desse corpo negro
convidadas. Era preciso que todes estivessem de encontrar outras vozes que se constituiu
no mesmo espaço. Era preciso que se colocasse o programa público Território Kehinde.
em xeque os próprios eixos e conceitos por
Foi também a partir de um encontro entre
onde se esboçava o programa educativo. Foram
a perspectiva Kehinde, que agora havia
nove encontros debatendo raça e gênero como
se tornado conceito e seta, e a noção de
territórios da arte contemporânea, curadoria
dissenso do francês Jacques Ranciére,
e femininos, a sala de aula como espaço de
que foram construídos coletivamente
invenção e sabotagem, a proximidade entre
aquilo que chamamos de 12 Exercícios
as salas de exposições, as salas de aula e
Coletivos de Dissenso. Foram 12 encontros,
as salas de trabalho, femininos e culturas,
como o título alude, onde as experiências
os educativos e as instituições de arte, a
acerca da mediação precisavam fazer eco
presença das mulheres negras nas narrativas
com os saberes e fazeres de mulheres de
sobre arte, feminismos contemporâneos,
diferentes partes do país, convidadas para
65 BIENAL 12 CATÁLOGO
conduzir os exercícios. As perguntas que e do mundo da arte, a noção de exposição,
nos acompanhavam constantemente eram: o uso de tecnologias, e o principal dos eixos
o que acontece quando a mediação vem do programa: a ideia de estar junto. Nossos
atravessada por temas ligados a poéticas corpos estavam, em grande parte, privados do
que discursam sobre formas não binárias de encontro presencial por tempo indeterminado.
femininos? Qual o impacto de mediar com
ênfase aos debates de mulheres na arena A cisão entre os dias que tínhamos
democrática? Pensamos juntes, mais uma vez. e a incerteza do que viria
Era necessário que urgências se costurassem
Não se trata de escrever sobre um possível
e que estivesse no horizonte o debate
lamento dos dias que foram. Não se trata
sobre temas prementes, como as mulheres,
disso! Os dias passados tinham o tom de um
seus agrupamentos e vida democrática, as
mundo que exclui, segrega, mata, afasta. A
violências cotidianas, o debate legal e de
crença construída ainda na modernidade e
direitos, as noções de arte atravessadas por
em seus projetos vinha demonstrando suas
debates feministas, as colonialidades e a
falências. A parada foi súbita. O invisível foi
descolonização na arte contemporânea, a
ressignificado quando o vírus se espalhava
acessibilidade de um espaço expositivo de
sem respeitar fronteiras, escancarando
artes visuais pensado para todes, incluindo os
as mazelas do planeta, deixando à vista
não videntes, as questões dos corpos negros e
as formas mortais de funcionamento
trans nas exposições como artistas e públicos.
econômico e levando a uma quebra das
Acima de tudo, era indispensável que essas formas de vida e um questionamento sobre
discussões estivessem profundamente o mundo e os mundos da arte. Aqui, ao Sul,
alicerçadas nas poéticas das mais de 70 artistas a mostra em sua realidade presencial, muito
que compunham a Bienal 12. Os encontros rapidamente, virou uma miragem distante.
reuniram feministas de diferentes vertentes
Enquanto o planeta se convertia em regiões
teóricas, artistas, curadoras, educadoras,
divididas por cores que atestavam os
advogadas, antropólogas, historiadoras.
diferentes níveis de gravidades e mortes,
Os mais de 150 inscritos constituíram um
tabelas davam conta das vidas perdidas,
grande fórum, onde suas experiências pessoais
embates perversos que contrapunham
eram utilizadas como ponto de partida para
vidas e formas de sobrevivência econômica,
o enfrentamento necessário de pautas que
diferentes posicionamentos do Estado. No
tocam na exposição e provocam uma agenda
Brasil, há o vírus e a falta de direcionamento
contemporânea comprometida com a inscrição
para as formas mais adequadas de
de novas paisagens da vida no mundo e na arte.
enfrentamento da convulsão social.
Não havia no grupo uma hierarquização
Depois de anos de discurso sobre a
entre mediador da exposição e o professor
aproximação entre arte e vida, a agudização
na sala de aula. Juntes, essas diferentes
tanto de uma quanto de outra se misturavam.
formas de pensar a arte contemporânea
As noções de espaço e tempo se confundiam.
e suas confianças e desconfianças com a
Instituições das mais diferentes naturezas
educação mantiveram acesas formas de
junto a agentes dos sistemas da arte se
desenhar no espaço expositivo que viria
perguntavam qual o próximo passo. Mais uma
uma grande arena de diferentes dissensos.
vez, a busca por respostas não encontrava
Mas todas as coisas estavam na véspera da se não ensaios. Ensaios, experimentos,
convulsão e ainda não sabíamos. Falar da tentativas. Assistimos ao vivo e em diferentes
experiência educativa da Bienal 12 significa plataformas um misto de esforços para
falar de uma profunda cisão entre o mundo manter as coisas em seus lugares de origem,
que habitávamos, quando tudo teve início, e ao mesmo tempo que esses lugares prévios
aquele a que fomos jogados por uma pandemia davam provas de desgaste e impunham
que desmoronou ainda mais a possibilidade novos compromissos éticos e estéticos.
de certezas mínimas. Tudo veio à tona: o
isolamento social, as assimetrias do mundo
BIENAL 12 CATÁLOGO 66
No caso da Bienal, era preciso que nos de compreender de uma maneira particular
perguntássemos o que acontece a uma o modo em que se encontravam, assim
exposição quando sua existência física, como os agentes do campo da arte, todes
presencial e espacial se vê frustrada. Isso diante de situações reais de convivência com
nos remetia também a perguntas sobre a peste que atravessava os nossos dias.
a natureza do educativo, da arte e da
Afeto. A palavra que acompanhava o título da
mediação diante dessas novas limitações.
mostra foi o elemento que pulsou nessa etapa
Em um primeiro momento, a atitude adequada online da Bienal. As preocupações do educativo
foi de silêncio e observação. Ainda antes ganhavam limitações primeiras. Como estar
da pandemia, o programa educativo havia junto agora se tornava também como ativar
elaborado 12 proposições para a visita dos uma mostra que não está no espaço. Quais
públicos ao espaço expositivo. Naquele as formas de continuar estando juntes tendo
momento, o objetivo era que os rasgos dos como pretexto o imenso trabalho e os acordos
corpos na exposição pudessem ter suas que erguem uma exposição nessas proporções?
rotas provocadas e tensionadas. Queríamos
Nota necessária aqui é a atenção para a
saber quais as referências adotadas pelo
necessidade de manutenção da equipe do
público diante da presença desses femininos
educativo. Se saliento isso é porque o tempo da
não binários. Quem eram suas artistas
pandemia também foi o tempo de demissões
conhecidas? Quantas delas eram indígenas?
em massa das instituições que atingiram em
Negras? Trans? Como enfrentar a presença
cheio os programas educativos, e que como
das mulheres nas ressignificações do que seja
sempre tiveram um forte acento de raça e
mundo, Américas, Europas, colonizações e
gênero, ceifando trabalhos que vinham sendo
descolonizações? Quais as formas de entrada
desenvolvidos. Garantir a manutenção da
nos debates que a mostra propunha? No
equipe do educativo era condição inegociável
entanto, essas proposições estavam filtradas
para que o trabalho de busca a alternativas
pela necessidade de embate do corpo com o
pudesse acontecer. Não é possível dissimular
espaço e com as montagens circunstanciais
essa informação e o primeiro tempo foi de
que envolvem a experiência da exposição.
ajustes e negociações que contaram com o
O que acontece com uma mostra quando ela envolvimento direto da Fundação Bienal e,
deixa de ser espaço e passa a ser conceito? em especial, dos curadores da mostra. Mais
Essa dimensão conceitual da mostra foi o uma vez, era a horizontalidade do corpo
principal material de trabalho do programa curatorial e o reconhecimento da centralidade
educativo. A perda do espaço é irreparável, do educativo que criavam as condições para
mas existe um conjunto de conhecimentos que o trabalho pudesse acontecer. Afinal,
e saberes que estão presentes nas seleções reconheciam os curadores e a Fundação que
dos artistas, em suas tomadas poéticas do o educativo, em sua busca de formas de
mundo e das coisas. E esse era, sabíamos, mediação, podia ser peça-chave para encontrar
o material primordial dessa nova etapa de formas de vínculo e afeto com o público.
perguntas e questionamentos. Assim, as
Mas que público era esse? A migração para
12 proposições viraram convites para visitar
as redes nos coloca diante de uma série de
o site de uma existência da Bienal agora
dúvidas: estamos reforçando o público habitual
online. Elas se tornaram em um primeiro
das instituições de arte? Há, de fato, uma
momento a forma de conectar pessoas a
renovação mediada pelas ferramentas virtuais
esse multiverso de aprendizados possíveis
de acesso? Essas perguntas não encontraram
quando se reúne um grupo de artistas com
ainda suas respostas, mas mantê-las acesas
a potência de constantemente colapsar
pode ser indispensável para inscrever um futuro
ideias preestabelecidas sobre o que seja
nestes tempos incertos que ainda estão por vir.
a arte e as pautas do nosso tempo.
Seguindo a prerrogativa de produzir espaços
Diante dos depoimentos colhidos pela
de encontro, fala e escuta, o programa
mostra ouvindo as(os) artistas e seus afetos
educativo, seguindo o exemplo de instituições
durante a pandemia, íamos tateando formas
de diferentes lugares do mundo, investiu
67 BIENAL 12 CATÁLOGO
parte dos seus esforços em um programa como o WhatsApp, que se transformou
de lives. As lives, essa manifestação que em uma das principais plataformas de
ganhou protagonismo no cotidiano de tantas interação entre alunos e professores.
pessoas, era aqui a forma de conectar os
O espaço do site e a existência online da
públicos com as falas e elaborações poéticas
Bienal 12 permitiu que nos perguntássemos,
e conceituais da mostra. Curadoras, artistas,
ainda sem respostas, sobre quantas dessas
educadoras passaram a ser presença
experiências sobreviverão quando a chuva e a
constante no programa de lives da Bienal.
tempestade derem lugar a outras paisagens.
Algumas premissas se mantiveram, por Uma experiência que marcou essa etapa foi
exemplo, a ênfase em uma abordagem a chamada pública de professores que, no
racializada, mantendo a maioria de mulheres intuito de estabelecer vínculos, passou a figurar
negras entre as convidadas, a conexão como a Rede Bienal 12 de Arte e Docência. Em
com a produção latino-americana de arte poucos dias da chamada nas redes sociais,
contemporânea e o enfrentamento das mais de 1600 professores de diferentes partes
urgências de todes diante da pandemia. do Brasil e da América Latina passaram a
integrar uma rede de contatos que se atualiza
Mas as perguntas não cessam quando tudo
a partir de envio dos materiais produzidos.
é mudança. O antigo projeto de construção
Experiências como essas nos falam de novas
de um material didático da mostra que
formas de alcance de um público muito mais
que constituísse um auxílio para alunos e
amplo do que aquele que costuma estar
professores, agora, devia ser repensado.
no entorno da Bienal do Mercosul, que tem
Assistimos, diariamente, os relatos de
como forte característica a reverberação
docentes inflacionados com demandas antes
em educadores locais e escolas da região.
impensadas, como o uso de plataformas
digitais para sua prática educacional, alunos Ainda agora, quando tudo ainda se mantem
que enfrentavam as dificuldades de acessar instável, quando a única certeza está no fim
aulas e tudo isso embalado pela falsa crença das certezas, os desdobramentos das ações
de um acesso universal à internet. Uma crença e atitudes durante o desenho curatorial do
que, a cada dia, encontrava sua negação. programa educativo não são mesuráveis.
Era preciso perguntar uma e outra vez, qual Temos sim uma longa lista de erros e alguns
o sentido de um material educativo nesse acertos. Entre todas elas, talvez continuemos
contexto? As respostas, mais uma vez, surgiriam a insistir que estar junto é condição necessária
do compartilhamento de questionamentos. para que, a partir do não saber, possamos
No instante em que as salas de casa, as salas erigir construções mínimas, provisórias, mas
de aula, as salas de trabalho se confundem, prenhes de vida. O coro de vozes parece ser
a alternativa foi a constituição de uma sala nossa única saída. Buscar formas solidárias
virtual. Dessa forma, teve início o Laboratório de nos colocarmos em condição de fala e
Coletivo Bienal 12: material educativo em escuta talvez seja uma das premissas básicas
tempos de isolamento. Uma sala virtual que da mediação. Insistir que não voltemos ao
reunia professoras e professores de diferentes antes, mas que juntes possamos inscrever
áreas com forte acento nas artes visuais, os outros projetos para a arte do nosso tempo,
quais debatiam qual a necessidade e o formato e para o tempo em que essa arte surge. A
de um material educativo que toque nas pandemia, a cada dia que passa, nos soa não
urgências do tempo, e que possa se manter como o maior dos males, mas como um a
como uma memória dos saberes construídos mais. Males que nos atravessam ao longo dos
no processo da Bienal 12. Assim, artistas do séculos silenciando vozes que podem arquitetar
Brasil e da América Latina passaram a conversar mundos possíveis. A pandemia nos assola, mas
com as professoras sobre suas poéticas e ainda nos dilacera a imagem de um homem
as necessidades de materiais condizentes negro sufocado pelo policial branco, a morte
com o tempo. O material elaborado teve de dos meninos nas comunidades onde a mão
encontrar novos formatos e adequações, do Estado empunha armas. Mediação em
por exemplo, sua usabilidade em meios tempos de urgência talvez seja entender que
não se trata de estar entre, mas em estar com.
BIENAL 12 CATÁLOGO 68
A arte não é imune aos cerceamentos que se
produzem no mundo todos os dias. Há uma arte
contemporânea que se apresenta nas suturas
das partes diversas reunidas nos trabalhos de
Rosana Paulino. No acerto de contas urgente
que ressoa nas passeatas do coletivo Nosotras
Proponemos, na ancestralidade e memória da
poética de Aline Motta, no trançado do cabelo
de Helô Sanvoy, na história que nos contam
os bordados de luta das Arpilleras chilenas,
na existência trans de Élle de Bernardini, na
experiência mapuche e fluída de Sebastián
Calfuqueo. Na professora que afirma a escola
pública. Na exposição que reúne coisas diversas
a produzir sentidos imprevistos. Basta que
nos perfilemos e aceitemos o desafio de
estarmos juntes, olhar e apostar no arriscado
exercício de construir outros amanhãs. Como
afirmei no início desse escrito, esse não é
um tempo de certezas, mas sim de dúvidas
e perguntas que agora ganham contornos
imprevisíveis. Essas são as anotações do
programa educativo da Bienal 12, por ora.
69 BIENAL 12 CATÁLOGO
CURADORES – BIOGRAFIAS RESUMIDAS
Andrea Giunta é escritora, curadora e professora da Universidade de Buenos
Aires, onde obteve seu doutorado. Ela é pesquisadora principal do CONICET,
Argentina. É autora de vários livros sobre arte latino-americana, incluindo Avant-
garde, Internationalism and Politics: Argentine Art in the Sixties (Durham: Duke
University Press, 2007). Em 2018, ela publicou Feminismo y arte latinoamericano:
Historias de artistas que emanciparon el cuerpo (Buenos Aires: Siglo XXI, 2018,
a ser publicado pela University of California Press). Foi cocuradora de Radical
Women: Latin American Art, 1960–1985 (2017–2018, Hammer Museum, em
Los Angeles, Brooklyn Museum, em Nova York, e Pinacoteca de São Paulo).
Dorota Biczel (Polônia/EUA) é PhD pela Universidade do Texas em Austin e
atualmente atua como professor assistente visitante em História da Arte na
Universidade de Houston. Seus projetos de pesquisa, redação e curadoria
concentram-se na arte latino-americana contemporânea vista no contexto
global, particularmente nas interseções de experimentação material, prática
social e política. Publicou artigos e ensaios em revistas acadêmicas como Caiana,
Buildings & Landscapes, Art Journal, ARARA e alter / nativas e em catálogos
de exposições. Foi curadora de Moving Mountains: Extractive Landscapes of
Peru, no Centro de Artes Visuais da Universidade do Texas (2016), e cocuradora
de cronologia de Teresa Burga’s Chronology: Reports, Diagrams, Intervals
(2011, Württembergischer Kunstverein Stuttgart), entre outros projetos.
Fabiana Lopes é curadora independente radicada em Nova York e São Paulo
e doutoranda em Estudos de Performance pela New York University, onde
é uma Corrigan Doctoral Fellow. Sua pesquisa está centrada na produção
contemporânea de artistas da diáspora africana no Brasil e nas Américas.
Seus textos foram publicados na Harper’s Bazaar Art, O Menelick 2o Ato,
ARTE!Brasileiros, Contemporary And (C&) e em catálogos de exposições,
entre os quais Rosana Paulino: Costura da Memória, Pinacoteca, São Paulo
(2018), Lucia Laguna: Vizinhança, MASP, São Paulo (2018), Of Darkness
and of Light, Minnette Vári, Johanesburgo (2016), e Territórios: Artistas
Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca, Pinacoteca, São Paulo (2015).
Igor Simões é doutor em Artes Visuais-História, Teoria e crítica da Arte-
PPGAV-UFRGS. Professor adjunto de História, Teoria e Crítica da arte e
Metodologia e Prática do ensino da arte (UERGS). Membro do comitê de
curadoria da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas-
ANPAP, Membro do Núcleo Educativo UERGS-MARGS. Membro do comitê
de acervo do Museu de Arte do RS-MARGS. Trabalha com as articulações
entre exposição, montagem fílmica, histórias da arte e racialização na arte
brasileira e visibilidade de sujeitos negros nas artes visuais. Autor da tese
Montagem Fílmica e Exposição: Vozes Negras no Cubo Branco da Arte Brasileira.
Membro do Flume-Grupo de Pesquisa em Educação e Artes Visuais.
BIENAL 12 CATÁLOGO 70
ARTISTAS
E OBRAS
71 BIENAL 12 CATÁLOGO
Alejandra Dorado
(Cochabamba, Bolívia, 1969)
BIENAL 12 CATÁLOGO 72
Hielo
2012-2020
Performance
Cortesia da artista
73 BIENAL 12 CATÁLOGO
Da Série Coyote
2013
Fotografias com intervenções
Cortesia da artista
BIENAL 12 CATÁLOGO 74
Aline Motta
(Niterói, Brasil, 1974)
Nasceu em Niterói (RJ), vive e trabalha em Niterói (RJ), vive e trabalha em São Paulo. É
São Paulo. É bacharel em Comunicação bacharel em Comunicação Social pela UFRJ
Social pela UFRJ e pós-graduada em e pós-graduada em Cinema pela The New
Cinema pela The New School University School University (NY). Combina diferentes
(NY). Combina diferentes técnicas e técnicas e práticas artísticas, mesclando
práticas artísticas, mesclando fotografia, fotografia, vídeo, instalação, performance,
vídeo, instalação, performance, arte sonora, arte sonora, colagem, impressos e materiais
colagem, impressos e materiais têxteis. têxteis. Sua investigação busca revelar
Sua investigação busca revelar outras outras corporalidades, criar sentido,
corporalidades, criar sentido, ressignificar ressignificar memórias e elaborar outras
memórias e elaborar outras formas de formas de existência. Foi contemplada com
existência. Foi contemplada com o Programa o Programa Rumos Itaú Cultural 2015/2016,
Rumos Itaú Cultural 2015/2016, com a Bolsa com a Bolsa ZUM de Fotografia do Instituto
ZUM de Fotografia do Instituto Moreira Salles Moreira Salles 2018 e com 7º Prêmio
2018 e com 7º Prêmio Indústria Nacional Indústria Nacional Marcantonio Vilaça 2019.
Marcantonio Vilaça 2019. Recentemente Recentemente participou de exposições
participou de exposições importantes como importantes como “Histórias Feministas” -
“Histórias Feministas” - MASP, “Histórias MASP, “Histórias Afro-Atlânticas” - MASP/
Afro-Atlânticas” - MASP/Tomie Ohtake Tomie Ohtake e “O Rio dos Navegantes”
e “O Rio dos Navegantes” - Museu de - Museu de Arte do Rio/MAR.
Arte do Rio/MAR.Nasceu em Niterói (RJ),
vive e trabalha em São Paulo. É bacharel
em Comunicação Social pela UFRJ e Sobre a Obras na Bienal
pós-graduada em Cinema pela The New
Artista visual, fotografa e videasta, Aline Motta
School University (NY). Combina diferentes
reúne arquivos documentais com materiais
técnicas e práticas artísticas, mesclando audiovisuais e através destes materiais ela
fotografia, vídeo, instalação, performance, investiga as suas origens, sua relação com a
arte sonora, colagem, impressos e materiais ancestralidade negra e africana. Na Bienal 12
têxteis. Sua investigação busca revelar se apresentam duas obras da Aline. Um livro
outras corporalidades, criar sentido, visual e poético, Escravos de Jó (2016), no
ressignificar memórias e elaborar outras qual retoma a conhecida brincadeira e canção
formas de existência. Foi contemplada com popular e frases do Livro de Jó, da Bíblia,
o Programa Rumos Itaú Cultural 2015/2016, usando estas frases para se referir a escravidão
com a Bolsa ZUM de Fotografia do Instituto brasileira. As imagens e os textos impressos
em papel semitransparente remetem ao
Moreira Salles 2018 e com 7º Prêmio
poema visual, ao poema concreto, desde
Indústria Nacional Marcantonio Vilaça 2019.
um sentido emancipador e decolonial. No
Recentemente participou de exposições
vídeo (Outros) Fundamentos (2019) ela junta o
importantes como “Histórias Feministas” - arquivo visual que fez durante a sua residência
MASP, “Histórias Afro-Atlânticas” - MASP/ de pesquisa na Nigéria, àquele que mostra a
Tomie Ohtake e “O Rio dos Navegantes” história da escravidão na região cafeteira do
- Museu de Arte do Rio/MAR.Nasceu em Vale do Paraíba. No filme, relaciona Lagos
75 BIENAL 12 CATÁLOGO
com Cachoeira com a Baia de Guanabara.
A viagem, nos conta Aline, causou-lhe uma
sensação de estranhamento, a experiência
de não pertencimento, a ideia de uma
continuidade (remetida pela presença da água),
de disrupção (assinalada pelos espelhos) e
da ferida que a escravidão causou no Brasil,
cicatrização que não é possível sem políticas
adequadas. No filme, mistura o pessoal, o
familiar e o coletivo. Migrações, diásporas,
memória, são palavras centrais para encarar
este filme que, desde as imagens e textos nos
guia em uma travessia poética e política.
BIENAL 12 CATÁLOGO 76
(Outros) fundamentos
2017-2019
Vídeo
15’ 48”
Coleção da artista
77 BIENAL 12 CATÁLOGO
Ana Gallardo
(Buenos Aires, Argentina, 1958)
Nasci em Rosário, Argentina e vivi entre México, que se foca em suas próprias experiências de
Espanha e Buenos Aires. Sou autodidata e não fragilidade (laboral, habitacional), assim como
tive uma educação formal, mas tenho uma nas experiências dos rejeitados pela sociedade
formação adquirida em estúdios de artistas (idosos, pacientes, prostitutas). A Bienal
como Víctor Grippo, Miguel Dávila, Jorge apresenta um desenho monumental, em preto
Diciervo e Juan Doffo. Tenho uma ideia herdada compacto, feito como site specific pela artista.
de como perpassar pelas práticas artísticas já O grafite superposto gera um muro asfixiante,
que meus pais eram artistas. Minha mãe pintora uma reflexão de impulso memorialista sobre
e meu pai poeta. Nos anos 80 integrei o Grupo os tormentos experimentados pelas mulheres
de la X e com eles aprendi como se pensa a guatemaltecas, especialmente camponesas
arte. Vivi no México desde o final dos anos 80 e indígenas. Seus testemunhos aparecem
até início dos anos 90, onde nasceu a minha na borda inferior quase ilegível no preto
filha Rocío. Em paralelo a minha obra trabalho absoluto. “Emociona-me pensar no corpo da
em uma série de projetos independentes mulher como arma de combate, toda essa
que visam promover a arte local, a dar violência, essa tortura, para submeter a toda
visibilidade a práticas que não ingressam uma população e, sobretudo para tirar-lhes
nos circuitos comerciais ou institucionais e a a identidade aos maias”, declara a artista.
vincular artistas mulheres, principalmente,
de diferentes gerações. Estas atividades Material Descartável (Salsinha)
acontecem em todos os espaços que eu
tenho acesso inclusive em minha própria casa. Salsa
Nos anos 2005/2006 realizamos Periférica, Material Descartável é uma escultura mural
primeira feira de espaços autogestionados criada pela Ana Gallardo no ano de 2000 e
por artistas. Espaço Forest, foi um projeto que é reconstruída para a Bienal 12. Nesta,
realizado no ano de 2013 e atualmente La verdi Ana Gallardo amarra na parede ramalhetes de
(2014/2017) e La verdi México (2017/2018). salsinha, ferramentas utilizadas pelas mulheres
Me interessam os processos do trabalho. sem condições econômicas para fazer abortos,
Dar valor a todos aqueles momentos que que são ilegais e clandestinos na Argentina.
geram dúvidas, incertezas, desconfortos. São muitas as mulheres pobres que morrem
Particularmente tenho muita consideração por falta de condições de higiene. A agenda
por todo aquele que se considera fracassado. da legalização esta encaminhada neste país.
Me satisfaço muito no trabalho coletivo. Tem provocado caminhadas multitudinárias
Abordo diferentes planos da violência e que acompanham os processos de debate
atualmente foco na violência do envelhecer. no parlamento. Esta escultura de Gallardo
evocou no fim do milênio uma das principais
agendas do feminismo no país. Agenda esta
Sobre a Obras na Bienal que vem se intensificando desde 2015 com
amplas manifestações contra os feminicídios,
“Trato variados planos da violência e
protagonizada pelo movimento #NiUnaMenos.
atualmente enfoco na violência do envelhecer”.
Nesta frase Ana Gallardo expressa o eixo da sua
obra, na qual, com materiais simples (desenho,
objetos, fita adesiva, filmagens acidentais,
entrevistas, participação) desenvolve uma obra
BIENAL 12 CATÁLOGO 78
Material Descartável (Agulhas)
1.000 agulhas de tricô
Desenho
Carvão
Dimensões Variáveis
Coleção da artista
79 BIENAL 12 CATÁLOGO
Material Descartable (Agujas)
2000
Agulhas de tricô
Dimensões variáveis
Coleccion Andrés Brun y Juan José Cattaneo
BIENAL 12 CATÁLOGO 80
Material Descartable
(Perejil)
2000
Salsa
Dimensões variáveis
Coleção da artista
Dibujo textual
(Carbonilla sobre pared)
2020
Carvão
Dimensões variáveis
Coleção da artista
81 BIENAL 12 CATÁLOGO
Ana Lira convida
Marta Supernova,
Ola Elhassan e
Suelen Mesmo
(Caruaru, Brasil, 1977 / Rio de Janeiro, Brasil, 1994 /
Khartoum, Sudão, 1990 / Porto Alegre, Brasil, 1996)
BIENAL 12 CATÁLOGO 82
Chama
2017/...
Ana Lira (Caruaru, 1977) convida Marta Supernova (Rio de Janeiro, 1994), Ola Elhassan
(Khartoum, Sudão, 1990) e Suelen Mesmo (Porto Alegre, 1996)
Instalação sonora com rádio online, livros de artista e tecelagem
581 x 844 cm
Colaboração Mateus Winkelmann
Coleção da artista
83 BIENAL 12 CATÁLOGO
Arpilleras Mmdh
(Chile)
BIENAL 12 CATÁLOGO 84
Agrupación de
Familiares de Detenidos
Desaparecidos de Parral
1973-1990
Tecido e bordado
40 x 50 x 1,2 cm
Colección Gabriela Videla
133 x 159 x 1,2 cm
Colección AFDD Parral
Museo de la Memoria y los
Derechos Humanos
85 BIENAL 12 CATÁLOGO
Brígida Baltar
(Rio de Janeiro, Brasil, 1959)
BIENAL 12 CATÁLOGO 86
Irmãos
2016
Corações de bananeira germinados em bronze
34 x 35 x 5 cm
Cortesia da artista e Galeria Nara Roesler
Os hematomas
2016
bordado sobre tecido
74 x 42 cm
87 BIENAL 12 CATÁLOGO
Carmela Gross
(São Paulo, Brasil, 1946)
Carmela Gross tem realizado trabalhos em estar coberto com esta substância mole,
grande escala que se inserem no espaço vermelha e pegajosa. O carrinho de pipoca
urbano e que assinalam um olhar crítico sobre a se transforma num material que remete ao
arquitetura e a história urbana. O eixo comum, universo feminino. De certa forma, produz
para além da diversidade dos contextos e uma feminização dos objetos da cidade.
das propostas elaboradas em cada caso, é As interferências de Carmela Gross não
o conceito básico de trabalhar-na-cidade. proporcionam respostas. A autora mexe os
O conjunto de operações que envolvem desde sentidos conhecidos como materiais e signos e
a concepção do trabalho, passando pelo propõe pensá-los de uma maneira diferente.
processo de produção, até a disposição no
Hino à bandeira é um extenso tecido cor
lugar de exibição enfatizam a relação dialética
de rosa que será molhado diariamente na
entre a obra e o espaço, entre a obra e o
Bienal. Nela ecoam muitos sentidos possíveis.
público/transeunte. Os trabalhos procuram
Por uma parte, a bandeira, que não tremula no
engendrar novas percepções artísticas que
mastro, mas se apresenta molhada, no chão.
afirmam uma ação e um pensamento crítico
O emblema não se refere a nenhum país;
e que trazem à tona a carga semântica
poderia entender-se como uma pergunta
do lugar, seja ele um espaço público, uma
sobre os sentidos estabelecidos das bandeiras.
instituição ou o momento de uma exposição.
A cor rosa, que carrega os sentidos que a
sociedade imprime a cor quando esta é
associada ao feminino, inscreve a interrogação
Sobre a Obras na Bienal sobre as identidades masculinas que
tradicionalmente se associam aos fundamentos
Cinco quilos de batom vermelho foram
da nação. O tecido branco, que Carmela
necessários para cobrir este pequeno carrinho
descreve de forma analítica, se estende como
de pipoca. A cor e a textura do batom
uma proposta de reflexão crítica. Em todo
interceptam o sentido deste objeto vinculado
caso, a tarefa fica por conta de quem observa.
à vida na cidade, as crianças, ao consumo
Carmela acrescenta signos ambíguos, cujo
popular. Trata-se de um objeto comum,
sentido crítico nunca resulta evidente nem fixo.
habitual, que passaria despercebido de não
BIENAL 12 CATÁLOGO 88
HINO À BANDEIRA
2002
Instalação
Lençóis rosa cobertos com água
400 x 1100 cm
Coleção da artista
ROUGE
2018
185 x 126 x 70 cm
Batom e carrinho de pipoca
Coleção da artista
89 BIENAL 12 CATÁLOGO
Carole Condé e
Karl Beveridge
(Hamilton / Ottawa, Canadá, 1940 / 1945)
BIENAL 12 CATÁLOGO 90
Série Stories
2016
4 adesivos
100 x 75 cm
Cortesia de Carolé Conde + Karl Beveridge
91 BIENAL 12 CATÁLOGO
Cecilia Vicuña
(Santiago, Chile, 1948)
BIENAL 12 CATÁLOGO 92
Semiya
1971-2000
Projeto sementes na terra, instalação
precária
1971
Galeria Gabriela Mistral, Chile, 2000
93 BIENAL 12 CATÁLOGO
Semiya
1971-2000
Projeto sementes na terra, instalação
precária
1971
Galeria Gabriela Mistral, Chile, 2000
BIENAL 12 CATÁLOGO 94
Quipu testigo de la destruición de la Amazonia
2020
Desenho do projeto para a Bienal 12
Coleção da artista
95 BIENAL 12 CATÁLOGO
Chiachio e Giannone
(Buenos Aires/Córdoba, Argentina, 1969 / 1964)
Somos uma família queer, dois homens artistas O predomínio do verde mostra a plenitude
que são um casal na vida e na arte, com três da natureza onde o casal é protagonista junto
filhos de estimação que completam o nosso ao seu cachorro. O tapete comemora a união
ambiente familiar. O bordado é a técnica que entre a natureza e o humano, assinalando à
utilizamos geralmente para desenvolver o conservação do planeta. Propõe-se como um
nosso trabalho. Ambos decidimos transferir o tributo, como uma memória a ser transmitida
nosso conhecimento pictórico para o universo as futuras gerações. A temática introduz o
têxtil e ampliar os limites de suas próprias debate sobre o antropocentrismo, o domínio
configurações, uma vez que tentamos romper do homem sobre os ecossistemas do planeta,
o estereótipo entre gênero e tarefa. Para os efeitos devastadores da sua ação na
realizá-lo trabalhamos com materiais da nossa natureza. Comemora a integração entre o
casa como um conceito de “lar universal” e humano e as espécies animais e diz respeito
o carinho a eles vinculado. Os suportes dos a uma vida em comum baseada nos afetos.
nossos trabalhos são velhos lençóis, capas de
almofadas, cobertores, guardanapos, lenços, Um lugar onde viver
etc. Trabalhamos com dois conceitos: o uso de
materiais domésticos com sua carga afetiva Leo e Daniel se conheceram em 2003 e desde
e a reutilização dos mesmos enfatizando então trabalham juntos. Na sua obra utilizam
o cuidado com o meio ambiente e a ideia o bordado, técnica feminina com a qual
de dar uma segunda chance às coisas. recuperam o trabalho artesanal. Esta ação em
comunidade que dialoga com a peça exibida
na bienal La familia en el alegre verdor que
Sobre a Obras na Bienal pretende ser uma extensão do nosso trabalho
em colaboração convidando à comunidade
Leo e Daniel se conheceram em 2003 e a bordar pássaros e flores repensando e
desde então trabalham juntos. Na sua obra re-imaginando um lugar para viver em expansão
utilizam o bordado, técnica feminina com perpétua. Um mundo-lar onde também tem
a qual recuperam o trabalho artesanal. lugar todos os imaginários dissidentes de família
Em 2013 fizeram a pintura La familia en el e modos de afetividade queer. Estas pequenas
alegre verdor (A família no alegre verdor) e peças de telas bordadas que, com pequenos
começaram o bordado em tamanho grande. recortes de céu, buscam rastrear vínculos e
Esta obra, que se exibe pela primeira vez, redes afetivas de sociabilidade e pertencimento
retrata as novas configurações familiares. a partir deste saber doméstico: bordar.
BIENAL 12 CATÁLOGO 96
La Familia en el alegre verdor
2015-2019
Tapeçaria bordada a mão
270 x 440 cm
Coleção dos artistas
97 BIENAL 12 CATÁLOGO
Un lugar donde vivir
2020
Instalação com bordados
Dimensões variáveis
Coleção dos artistas
BIENAL 12 CATÁLOGO 98
Claudia Paim
(Porto Alegre, Brasil, 1961 – 2018)
Claudia Paim foi artista visual e professora na Em primeiro lugar, as relações entre corpo e
Universidade Federal de Rio Grande – FURG. afetos (Segredos, Entre mia boca e teu olvido)
Graduada em História (1989) pela Universidade e entre corpo e espaço (Corpopaisagem).
Federal do Rio Grande do Sul. Mestre (2004) Em suas performances o registro emocional
e Doutora (2009) em Artes Visuais pela também se une ao registro da violência
mesma Universidade, com estágio doutoral na (Discurso amoroso). O corpo é exposto em uma
Universidad Politécnica de Valencia (Espanha) performance extremadamente comovedora
em 2007-2008. Foi membro colaborador do em Devastação, quando a artista nos confronta
Núcleo de Arte e Design (NAD) do Instituto com os signos que a doença deixa no seu
de Investigação em Arte, Design e Sociedade cabelo. Em Possibilidades, enquanto a artista
da Faculdade de Belas Artes da Universidade quebra 420 ovos, pronuncia os nomes neles
do Porto – Portugal. Desenvolveu pesquisa inscritos. Com cada ruptura fricciona as
sobre coletivos e espaço público, performance relações entre corpo e gênero. Paim reitera
e corpo. Como artista atuou em coletivos e frases, reitera movimentos. A repetição,
individualmente com produção em vídeo, lembremos, é um instrumento central na
instalações, performance, desenho, arte meditação e em atos de resistência política.
sonora, ação urbana, fotografia, objetos e Com suas performances Paim instala uma
poesia. Teve textos publicados e exposições poderosa reflexão sobre os afetos, e o faz
individuais e coletivas no Brasil e exterior. desde o território do seu próprio corpo.
99 BIENAL 12 CATÁLOGO
Devastação
2016
Vídeo
5’34’’
COCO é uma coletiva constituída em 2016 no COCO é um coletivo formado em 2016 por
Uruguai por mulheres latino-americanas que se quatro artistas uruguaias (Natalia de León,
propõem a reativar diálogos no domínio da arte Lucía Ehrlich, María Mascaró y Carolina
contemporânea ainda regida pelo patriarcado Sobrino). Curadoria, performance, fotografia,
das antigas capitais artísticas. Entendemos a vídeo, pintura e instalação são as ferramentas
arte como uma ferramenta de compreensão e que lês permitem questionar e reformular
poder de mudança. Propomo-nos a produzir o relato artístico dominante e transformar
ações concretas que motivem uma reflexão o imaginário simbólico do mundo que
profunda sobre a construção das identidades vivemos. Atualmente, as integrantes atuam
na pós-modernidade, questionando os desde Madri, Paris e Montevidéu. Na Bienal
mecanismos raciais, misóginos, homofóbicos, elas apresentam uma instalação Archivo X
transfóbicos, classistas, elitistas e colonialistas (Arquivo X), uma proposta de subversão do
que produzem desigualdades e violência nas arquivo hegemônico da arte. Com marcações
nossas culturas. Investigamos, produzimos, em catálogos e revistas de arte, elas expõem o
gerimos e participamos no campo da arte e do apagamento das artistas mulheres. Os stickers
seu cruzamento com os diferentes setores da sobre cada revista, catálogo ou livro assinala
sociedade. Participaram do coletivo Catalina a percentagem de artistas incluídas em cada
Bunge, Natalia de León y María Mascaró. publicação. Um formato eficiente para mostrar
que o mundo da arte é desigual e que seus
critérios de seleção são brancos e patriarcais.
Vive e trabalha em Buenos Aires. Entre suas (Malba), Museu Franklin Rawson de San Juan,
últimas mostras estão: em 2020 ‘Para todes Museu de Arte Contemporânea de Rosário
tode” C.C.K; em 2019 ”Acople”, galeria Roldán (Macro), Museu de Arte Contemporânea
Moderno, ”Tácticas Luminosas”, Museu de Bahía Blanca, dentre outros.
Colección Fortabat; em 2018 “Asi!....quizás,
debería agregar algo más”, Galeria Pasaje
17, “Una llamarada pertinaz”, Museo de Arte Sobre a Obras na Bienal
Moderna de Buenos Aires; em 2017 “Untitled
fair”, Galeria Miranda Bosch, Miami; “Un ciprés Grupo de familia (Grupo de Família) é uma
para alcanzarte” Centro Cultural Kirchner; em obra que Cristina Schiavi cria em 1999, dois
2016 “Esta extraña forma mia de aparecer” anos depois da sua separação. Trata-se de
en galería Miranda Bosch, Dixit Arteba 2016; uma reflexão sobre a complexidade da família,
“Estoy aquí” no Centro Cultural Recoleta. Em sobre a sua própria família, muito próxima,
2014, “El teatro de la Pintura”, Museu de Arte com todas as virtudes e desvantagens que essa
Moderna de Buenos Aires, “Superpuestos proximidade pode gerar. Seu núcleo familiar se
con Battistelli” na galeria do Infinito, “Yente desmontou, em um sentido, durante a ditadura
Schiavi Kemble Saravia” na Galeria Van Riel, argentina, já que morar juntos ficou perigoso.
“Desborde y modulación” na Fundacão Klemm. Seu irmão emigrou para Barcelona, e ela morou
com a sua irmã e seu sobrinho, sendo o pai
Entre 2004 e 2009, junto com Tamara Stuby e
dele um desaparecido. Feita com materiais
Esteban Álvarez, dirigiu o projeto de residência
comuns (azulejos de banheiro), a obra insere
artística “El Basilisco”. Com Juan Tessi,
o tema família, com dimensão monumental.
desenvolveu o projeto Mark Morgan Perez
Este atrito entre o comum e o monumento
Garage em 2009. Seu trabalho faz parte, das
introduz um distanciamento irônico e crítico em
coleções do Museu Nacional de Belas Artes,
relação às formas de patriarcado que o conceito
Museu de Arte Moderna de Buenos Aires
tradicional de família reproduz no capitalismo.
(Mamba), Museu de Arte Latino-Americana
Artista visual e mestre em Estudos Culturais de uma ampla gama de mídias para tratar do
pela Universidade Católica do Peru (PUCP). desenvolvimento desigual, incongruências e
Expôs seu trabalho em cidades como Londres, pressões da vida cotidiana em megalópoles
Nova Iorque, Barcelona e Cali. Realizou atuais, como Lima, sua cidade natal. Feminista
residências como Planta Alta (Espanha), autodeclarada, demonstra interesse especial
Gapado Air (Coreia do Sul), Capacete (Grécia), em políticas de classe e gênero. Seu trabalho
Sommerakademie im Zentrum Paul Klee está intimamente antenado às maneiras
(Suíça). Coordenou a equipe curatorial para a através das quais corpos concretos e diversos
exposição permanente do Lugar de la Memoria, operam e reivindicam seus direitos em espaços
Lima (Peru). É membro e cofundadora do urbanos e na esfera pública. Para o projeto
espaço independente Bisagra. É docente na Palavras de mulheres (Palabras de mujeres,
Faculdade de Artes da PUCP, da Escola de 2017), cujas seleções são aqui exibidas,
Arte Corriente Alterna e da Escola Superior Otta cuidadosamente escolheu frases de
Nacional de Belas Artes. É representada pela poemas escritos pelas famosas escritoras
Galeria 80m2 Livia Benavides. Atualmente peruanas Montserrat Álvarez e Carmen Ollé,
é candidata para o Doutorado em Práticas transformando-as em slogans com fins de
da Escola de Belas Artes de Viena. denúncia e autoafirmação. Simultaneamente,
seus banners bordados e bem-humorados
- produzidos com plástico e panos de
Sobre a Obras na Bienal prato, apoiados por sapatos reciclados -
ressignificam o trabalho doméstico, tarefa
Da série Palabras de mujeres, 2017 à qual as mulheres eram tradicionalmente
Monteserrat e Carmen relegadas, e atuam como ferramentas
Vídeo Palabras de mujeres, 01:35:40 de autoexpressão e empoderamento.
Estudou arquitetura em Ciudad Juárez e marido, Elina Chauvet realiza nesta cidade
atualmente vive e trabalha na cidade de uma instalação com 33 pares de sapatos
Mazatlán Sinaloa. De formação inicialmente doados, pintados de vermelho. Desde então, a
autodidata, posteriormente agregou diversos instalação tem se tornado itinerante e passado
cursos e oficinas de pintura, desenho, cerâmica, por diferentes cidades do mundo e adquirido
gráficos, mídias alternativas e fotografia formatos variados. Na Bienal 12 se reatualiza
com professores do México, Estados Unidos partindo de um trabalho participativo da
e Canadá. Eliana conta com exposições comunidade de Porto Alegre em coparticipação
individuais e coletivas no México, América com a THEMIS, uma ONG criada por um grupo
do Sul, Estados Unidos e Europa. Criadora de advogadas e cientistas sociais feministas
da instalação de arte pública Zapatos Rojos, com o objetivo de confrontar as discriminações
sua obra mais representativa, a qual é um das mulheres no sistema judiciário. Por meio
projeto de arte participativa iniciado em da THEMIS se teve acesso a diferentes pontos
2009 em Ciudad Juárez e que tem sido da periferia da cidade de Porto Alegre e
replicada no México e em diversos países região metropolitana (dividida em 7 regiões:
como Itália, Noruega, Argentina, Chile, Restinga, Cruzeiro, Eixo Baltazar, Lomba do
Paraguai, Espanha, Equador, Estados Unidos, Pinheiro, Zona Leste, Canoas e Guaíba) com
Canadá, Brasil e outros. Zapatos Rojos é o objetivo de coletar pares de sapatos das
um projeto que promove a não violência às mulheres que estão numa situação de maior
mulheres e é um símbolo internacional. vulnerabilidade social e além disso, de alguma
maneira, fazer com que a bienal chegue
ativamente a estes espaços. Os sapatos se
Sobre a Obras na Bienal dispõem na escadaria do Memorial como uma
intervenção simbólica poderosa que lembra
Em 2009, em resposta a onda de feminicídios que a violência contra as mulheres continua se
acontecidos em Cidade Juárez nos anos reproduzindo, que não faz parte do passado,
noventa, e a morte da irmã da artista pelo seu mas integra dolorosamente o presente.
Vive e trabalha em São Paulo. Tem formação foco na investigação do corpo transexual,
em ballet clássico pela Royal Academy of Dance o corpo que se apresenta desdobrado, em
de Londres. É uma mulher transexual com uma uma experiência que convida a ver, sentar-se,
produção permeada por sua biografia. Suas tocar, escutar, interatuar. Desde a cor, textura
obras integram importantes coleções como, do tecido, forma e som, propõe um espaço
Museu de Arte do Rio Grande do Sul / MARGS, de reestruturação dos sentidos. É uma obra
Porto Alegre. MAC- RS, Porto Alegre. MAC- que condensa, como teses e antíteses, obras
Niterói, Rio de Janeiro. Coleção Santander anteriores como Dance with me, na qual ela
Brasil, São Paulo. Museu de Arte do Rio, Rio de cobria seu corpo com camadas de ouro, ou
Janeiro. Museu de Arte Moderna do Rio, Rio Bruna: cidade, feminilidade e dissidência.
de Janeiro. Fundação de Artes Marcos Amaro, Nesta instalação, as formas, as texturas e
Itu, Museu Nacional da República, Brasília e sons se unem para investigar um modelo
Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo. de sociedade novo baseado no afeto.
Performer e artista visual desde 1966, representada nesta Bienal pela obra Instalación
individualmente e com o grupo espanhol ZAJ. esquina con triángulos (Instalação Esquina
Ela sempre privilegiou a prática efêmera da com Triângulos), uma obra que se adapta
arte/ação. A partir da década de 1970, dedicou ao espaço, feita com fios e pregos sobre
parte de sua atividade às artes plásticas, um muro. A instalação se origina de uma
instalações, fotos, telas baseadas na série de maquete que, como muitas outras, não esta
números primos, etc. Representou a Espanha datada. Os fios, materiais comuns e frágeis,
na Bienal de Veneza em 1999, recebeu, entre atravessam o espaço de forma seriada,
outros, o Prêmio Nacional de Artes Plásticas da reiterativa, equidistante. Embora a artista
Espanha 2008 e em 2014 o prêmio Velazquez e leve em consideração a fiação elétrica que
o prêmio MAV (Mujeres en las Artes Visuales). atravessa a paisagem, a sua instalação não diz
E. Ferrer já expôs em inúmeras galerias, museus respeito a uma funcionalidade prática. Os fios
e feiras e participou, como artista, em inúmeros determinam o volume, organizam o espaço.
festivais internacionais. Suas duas últimas “É, de certa forma, desenhar no vazio”, comenta
exposições são: Toutes les variations ont a artista. É frente a estes espaços ou paisagens
valables comprise celle ci, no Museo Centro de abstratas que a fragilidade se organiza, que
Arte Reina Sofia, 2017 e Espacios entrelazados, a nossa imaginação se deleita com múltiplas
no Museo Gugenheim-Bilbao, 2018. Ela associações possíveis com a natureza ou com
também é autora de duas peças radiofônicas. as relações sociais. Ou, pelo contrário, podemos
observar em estado de expectativa suspensa
esta obra minimalista, de ritmos repetidos.
Sobre as Obras na Bienal
Pioneira na arte da performance na Espanha,
feminista e ácrata, integrante do grupo Zaj
criado em 1964 na Espanha, Esther Ferrer é
‘É pintora, musicista e ativista. Ela se formou jovens e adultos) que foram vítimas de
em Artes Visuais pela UMSA, estudou História feminicídios ou que estão desaparecidas.
da Arte na UBA e recebeu uma bolsa do Esta violência acontece no mundo todo.
Centro de Investigaciones Artísticas (CIA) em A violência contra os corpos femininos e
2015. Obteve acompanhamento e orientações feminizados é cotidiana. O excesso destas
artísticas de Ana Gallardo. Ganhou o 1º prêmio imagens evoca a brutalidade destas ausências.
em pintura no Salón Vincentín (Santa Fe) e, Muitas mulheres somem nas redes de trafico
em 2018, o Prêmio no Barrio Joven-ArteBA de pessoas, outras são assassinadas quando
com seu projeto Kunoichi (Solo Show-Galería vão dançar ou nas suas próprias casas,
Piedras). No ano de 2020, ela participa com geralmente por seus próprios companheiros.
o seu trabalho ‘’Algun día saldrá de aquí Fátima vai além da estatística quando pinta
(Feminicidios)’’ na 12ª Bienal do Mercosul seus rostos e redireciona seus olhares. Elas não
em Porto Alegre, a partir da curadoria de são um número, são pessoas, vidas, afetos. São
Andrea Giunta. Faz parte da Assembléia das rostos que reclamam por justiça. Os retratos
Trabalhadores da Arte Nosotras Proponemo partem das fotografias das organizações que
que busca tornar visível o trabalho de procuram estas pessoas, e que são publicadas
artistas femininas e identidades feminizadas nas redes sociais e meios de comunicação. Os
e denuncia as desigualdades existentes bastidores se adaptam ao formato das fotos.
no mundo das artes visuais. Ela também é Porém, a tradução para a pintura não é literal.
membro da Escuela de Brujas Feministas para Introduz o gesto radical de modificar a direção
crianças, junto a outras artistas e ativistas. do olhar. Os olhos apontam ao espectador e,
Ela produz o fanzine XOXO e realiza uma desta forma, interpelam as e os espectadores;
investigação histórica sobre pintoras argentinas interrogam a responsabilidade da sociedade
e latino-americanas com Deborah Pruden. nestes feminicídios e desaparições.
Em seu trabalho plástico, a artista trabalha na qual algumas das pessoas em luto são
com o cruzamento entre pintura, mangá cobertas com um pó branco (chinbuyaring),
japonês e ativismo. No âmbito musical Kalichini propõe a criação de um contexto
ela fez parte das bandas Suripantas, Las para experiências pessoais e compartilhadas
Fantásticas Pupés e XOXOBOMBA. Em 2019, de luto e rememoração, ao mesmo tempo
ela publicou seu primeiro livro de pinturas dedicando um espaço para tratar a questão
‘’Femininjas’’, pela Ronda Editorial. da perda/desaparecimento de histórias de
mulheres de importância histórica — como
é o caso de Alice Lenshina (n.1920 - m.1978)
Sobre a Obra na Bienal e Julia Chikamoneka (n.1910 – m.1986), figuras
importantes durante a luta da Zâmbia pela
A prática artística de Gladys Kalichini se independência no início da década de 1960,
concentra em três temáticas principais: cujos papéis foram parcamente registrados
história colonial, marginalização e memória, ou reconhecidos pelas narrativas oficiais.
principalmente com relação a narrativas Ao criar um lugar de luto e ritual e evocar as
de mulheres, que estiveram ausentes da narrativas de mulheres de relevância histórica,
memória coletiva em contextos africanos. este trabalho também se propõe como um
Na videoinstalação Sepultamento: apagando gesto de luto para mulheres simples da
o apagamento (2017), na qual a artista encena atualidade cujas histórias já foram apagadas
uma prática de sepultamento zambiana ou estão em processo de desaparecimento.
Vive e trabalha em Barcelona desde 2000. de Cortázar 62/Modelo para Armar. Paul Klee,
Hispano-Argentino, Gonzalo Elvira vem Vassily Kandisnki, Moholy Nagy, Marcel Breuer,
realizando uma prolongada e constante Josef Albers, Johannes Itten, dentre outros,
trajetória desde seu primeiro projeto individual, ensinavam na escola. A única presença docente
no ano de 1193. Trabalha normalmente em feminina era Günta Stolz. Elvira se propôs
projetos de pesquisa histórico-social de destacar o papel das mulheres da escola, que
longa duração. Estudou na escola de artes trabalhavam nas oficinas têxtis, cerâmica,
visuais Antonio Berni, em Buenos Aires. Nos sem ter participação nas oficinas de ferraria
últimos cinco anos vem realizando diversas nem arquitetura. Alegavam que as mulheres
exposições individuais e coletivas na Espanha, tinham problemas com a tridimensionalidade.
Argentina, Andorra, Colômbia, Brasil, Itália, Marianne Brandt, na oficina de ferraria, foi
exibindo seus projetos em diversos espaços uma exceção, da mesma forma Grete Stern
institucionais e privados, museus, galerias, que se formou como fotografa em Bauhaus
feiras e centros de pesquisa. Atualmente e desenvolveu a sua atividade na Argentina.
é um dos bolsistas da Fundação Botin. Gonzalo Elvira pega como ponto de partida
os retratos das mulheres de Bauhaus para
desenhar retratos que por sua vez fotografa e
Sobre a Obra na Bienal integra no desenho site specific na Bienal 12.
A sua obra faz reflexionar sobre a fotografia e
Bauhaus 1919, Modelo para Armar (Bauhaus ressalta o lugar das mulheres em Bauhaus.
1919, Modelo para Montar), faz referência ao ano
de criação desta escola de desenho e ao livro
Entre 1923 e 1925 estuda desenho gráfico Aires e sua arquitetura; paisagens do sul e
e tipografia na Technische Hochschule, em do norte da Argentina; a vida e o artesanato
Stuttgart. Em 1927, seguindo o conselho de dos aborígenas do Gran Chaco; retratos de
seu amigo, o grande fotógrafo Umbo, faz diversos artistas e intelectuais argentinos.
aulas particulares - junto a Ellen Auerbach -
com o aclamado professor Walter Peterhans.
Quando este inicia seus cursos na oficina de Sobre as Obras na Bienal
fotografia da Bauhaus, suas jovens discípulas
continuam ali seus aprendizados. Em 1932, A fotografa alemã Grete Stern, que foi aluna em
na Bauhaus, conhece o fotógrafo argentino Bauhaus, foi morar na Argentina nos anos trinta,
Horacio Coppola, com quem se casaria três durante o surgimento do nazismo. Em 1958
anos depois. Em 1929 Grete e Ellen abrem adotou a nacionalidade argentina. Entre 1958
ringl+pit, um ateliê de desenho gráfico e 1960 viajou para a Província argentina do
e fotografia altamente experimental em Chaco, convocada pela Universidade Nacional
Berlim. Com a ascensão e consolidação do do Nordeste para fotografar a vida e as
regime nazista no poder e o consequente costumes indígenas. A Universidade planejava
encerramento da Bauhaus, Grete migra para criar um museu e um arquivo etnográfico
Inglaterra, junto com seu marido e sua sócia, regional. Retratou tobas, suas moradias,
onde se instalaram na nova sede do ateliê seu trabalho e registrou aos linguistas que
ringl+pit. O ateliê londrino permanece aberto pesquisavam sobre as suas línguas aborígenes.
apenas por um ano já que Ellen se vê obrigada Em 1964 ficou durante quatro meses em
a viajar para os Estados Unidos. 1935 Grete viaja Resistencia, para dar continuidade ao projeto.
a Buenos Aires com Horario Coppola, onde Fotografou a tobas, wichis, mocovíes. Nestas
se instalaram permanentemente. Lá retoma fotografias Grete retoma, de certa forma, o
suas atividades fotográficas e publicitárias, interesse que a Bauhaus tinha nas culturas
focando no seu trabalho das ideias modernistas aborígenes, nos tecidos, nas suas linguagens.
da Nueva-Visión que trouxe consigo da Retrata o trabalho destas mulheres, mas
Europa. Sua obra fotográfica compreende, também seus pertences, seus sorrisos.
entre outros trabalhos, séries sobre Buenos Nota-se nelas o orgulho destas mulheres.
Mujer de la familia
del cacique Temai
1958-1964
Aborígenes del Gran Chaco.
Fotografías de Grete Stern. 1958-1964
Mujer de la familia del cacique
Temai. Legua 15, cerca de Tres Isletas,
Chaco. 14 de julio de 1964.
Colección Matteo Goretti / Getty
Research Institute, Los Ángeles.
Guerrilla Girls é um coletivo anônimo de que ponto a mulher tem sido representada,
artistas feministas e antirracistas de Nova geralmente nua, constituindo uma das
Iorque. Desde 1985, valendo-se de táticas temáticas principais, mas ignorada como artista.
de comunicação, denunciam com humor e As suas análises se focam no mundo da arte
eficácia a discriminação sofrida pelas mulheres e na indústria do cinema, a cultura popular,
no mundo da arte. Elas intervêm ruas e os estereótipos de gênero e a corrupção
galerias de Nova Iorque de forma anônima, que invade o sistema da arte. Seus cartazes
utilizando máscaras de Gorilas e nomes de utilizam o gráfico e o humor como ferramentas
artistas falecidas (como Kathe Kollwitz). Elas de alto impacto nas suas mensagens. As
entendem que o conteúdo denunciado é mais pessoas que atualmente participam do grupo
importante que a autoria individual. A sua enfatizam as campanhas contra a violência
agenda feminista também considera a crítica contra a mulher, defendem a igualdade
ao colonialismo e ao racismo. Em relação à racial e se opõem as guerras e ditaduras.
história da arte, colocam em evidência até
Vive e trabalha em Forte da França, Martinica. interrogações sobre a mulher negra e suas
Formada no Campus Caraibéen des Arts representações tanto na Martinica, ilha
da Martinica em 2014, Gwladys Gambie onde a artista vive e trabalha, quanto no
apresentou sua obra artística em shows Caribe em geral. A paisagem do Caribe e o
coletivos e individuais na Martinica, Cuba, “creole” como parte da paisagem sonora
Aruba, Miami e Guiana Francesa. O principal da região são articulações importantes
questionamento de Gwladys é a condição e nessa reflexão e informam tanto a criação
representação da mulher negra através da do imaginário da artista quanto a de uma
prática de desenho e escultura. Ela é inspirada iconografia específica para representar, de
na paisagem caribenha que pertence ao modo decolonial, o corpo da mulher negra
seu imaginário e acrescenta uma dimensão que, imaginário de Gambie, é uma cartografia
onírica à sua escrita gráfica. Creole, uma forte sensível, um espaço poético. Para a Bienal
linguagem visual, torna-se um elemento 12 | Porto Alegre, Gambie expandiu a série
principal para criar uma iconografia específica de colagens The birth of Manman Chadwon
em seu trabalho sobre o corpo feminino negro. (2018), uma figura de sua mitologia pessoal
Ela está sempre procurando uma maneira de cuja criação foi inspirada em Manman Dlo, a
decolonial de representar corpos negros. deusa do oceano na cultura Afro-Caribenha.
O significado da palavra Chadwon, em
“creole”, também remete a ouriço do mar, uma
Sobre a Obra na Bienal referência recorrente no trabalho da artista.
Joiri Minaya (1990) é uma artista São representações em baixa resolução, que
multidisciplinar dominicana-americana, divide nas suas partes, expande a escala
cujos trabalhos recentes se concentram em humana, e imprime em formas que suspende
desestabilizar representações históricas e na sala de exposições. São partes de corpos que
contemporâneas de uma identidade tropical vestem estampas coloridas que se adaptam
imaginada. Minaya frequentou a Escuela as fantasias sobre as características típicas da
Nacional de Artes Visuales in Santo Domingo mulher tropical for export. O formato se parece
(2009), a Altos de Chavón School of Design com o de uma coleção e a sua classificação
(2011) e Parsons the New School for Design se associa a organização encontrada nas
(2013). Ela participou de residências na estufas tropicais. A acumulação faz uma
Skowhegan School of Painting and Sculpture, paródia dos estereótipos, os lugares comuns
Guttenberg Arts, Smack Mellon, Bronx e a imaginação masculina sobre os padrões
Museum’s AIM Program e NYFA Mentoring repetidos em relação à mulher tropical.
Program for Immigrant Artists, Red Bull House Trata-se de descolonizar histórias, culturas e
of Art, Lower East Side Printshop e Art Omi. ideias já instituídas. Siboney é o registro de
Ela foi premiada com uma bolsa do Socrates uma performance que consta de duas partes.
Sculpture Park Emerging Artist Fellowship, além A primeira é o vídeo que documenta o processo
de bolsas da Artadia, Joan Mitchell Foundation, de copiar em uma parede de um museu
Rema Hort Mann Foundation e Nancy Graves uma estampa tropical de um tecido achado
Foundation. O trabalho de Minaya está na pela artista. Ao mesmo tempo, ela explorou
coleção do Museo de Arte Moderno e Centro a coleção do Centro León na República
León Jiménes na República Dominicana. Dominicana e escolheu uma pintura da artista
Vela Zanetti, com a temática de uma mulata
dançando. Joiri trabalhou aproximadamente
Sobre as Obras na Bienal um mês para fazer este mural. Foi utilizada
tinta a base de água. Posteriormente, na
Jori Minaya nasceu em Nova Iorque, mas performance apresentada, a artista jogou água
morou na República Dominicana até os sobre o seu corpo e deslizou-o apertando-o
21 anos. Atualmente mora nos Estados Unidos, contra a parede, fazendo com que as cores
o Norte Global. A percepção crítica das se borrassem, se misturarem. Durante a
desconexões e interpretações estereotipadas performance se ouvia uma adaptação da canção
que percebe diariamente é um campo de Siboney da Connie Francis. A performance
exploração criativa para a artista. As imagens faz uma análise crítica sobre os conceitos
de #dominicanwomengooglesearch de monumentalidade, sobre o corpo que se
apareceram na pesquisa no Google, em inglês, transforma em pincel ou borracha e sobre a
que Joiri fez sobre a “mulher dominicana”. evanescência dos estereótipos da tropicalidade.
Jota Mombaça é uma artista interdisciplinar escrita desaguam em ensaios poéticos, ficção
cujo trabalho deriva da poesia, da teoria crítica cientifica, e formas de ficção visionária que
e da performance. A materialidade sônica e incluem pressentimentos e prosa profética.
visual das palavras opera um papel importante Desse nódulo vem a Série bandeiras (2017-
em sua prática, que em geral se relaciona 2020) cuja versão ampliada com 21 peças
com crítica anti-colonial e desobediência é apresentada na Bienal 12 | Porto Alegre.
de gênero. Através da performance, ficção Segundo elemento chave no processo de
visionária e estratégias situadas de produção investigação de Mombaça, a performance
de conhecimento, ela tenciona ensaiar o fim vem ganhando força à partir da série de
do mundo como conhecemos e a figuração ações A ferida colonial ainda dói (2015-2018).
daquilo que sucede à queda do sujeito É dentro da chave da performance que
Moderno-Colonial de seu pódio. Atualmente podemos pensar a obra Así desaparecemos
vive e trabalha entre Fortaleza, Lisboa e Berlim. (2019-2020). O projeto é pensado em
relação a queima de arquivos históricos. No
Brasil a referência a ordem oficial dada por
Sobre as Obras na Bienal Rui Barbosa para a queima dos arquivos
relacionados a escravidão em 1892 e ao
A prática multidisciplinar da artista Jota incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro
Mombaça se desdobra à partir de dois em 2018. Posicionada em frente a obra Auras
elementos chave que se esbarram, se anônimas de Beatriz González, Mombaça lê,
articulam e se interpelam: seus processos desde um papel em chamas, textos escritos
de escrita e performance. Os processos de por vítimas do conflito na Colômbia.
Artista visual e arte/educadora, com trabalhos performativa, composta de luz, som e sensor
em vídeo, performance, fotografia e multimídia. de presença. A obra surgiu das reflexões
Juliana tem investigado a cor Azul da flor de Juliana dos Santos sobre os limites e as
Clitoria Ternátea como possibilidade da cor possibilidades poéticas de ser artista negra,
como experiência sensível na exploração reflexões que a artista articula através das
dos sentidos. Realizou a primeira exposição perguntas: ‘Seria possível falar do Azul se o
individual em 2018 como artista/docente tempo todo não me deixam esquecer que meu
convidada na residência artística da Academia limite está muito aquém do céu? Quais são
de Belas Artes de Viena, Áustria. Sua primeira as demandas que não me deixo/deixam
individual no Brasil foi pelo edital Temporada esquecer? Podem artist_s negr_s abstrair?
de Projetos do Paço das Artes em 2019. Nesse Como falar do azul se o tempo todo gritam-me
mesmo ano foi contemplada com medalha “negra”? Como posso esquecer-me no azul se
de bronze no 16o Salão Ubatuba de Artes a lembrança alheia me interrompe o sonho?’
Visuais. Atualmente participa da exposição Assim, a instalação é uma elaboração de uma
Abre-Alas 16 da A Gentil Carioca galeria. experiência imersiva que surge dessa busca do
sensível e da experimentação plástico-formal,
num exercício e tentativa de falar do azul
Sobre a Obra na Bienal entre outras possibilidades de partilha.
Trabalha com materiais primitivos e orgânicos: montada pela artista Juliana Góngora no
terra, sal, fios de aranha, grãos de areia, pedras, espaço da Bienal 12, por cima da altura dos
vidro. Coleciona condições esculturais: força, espetadores. A artista pesquisa o processo de
sutileza, pressionar, esperar, suspender, transformar leite líquido em um fio sólido com
umedecer. Como artista incita a consciência o que é possível tricotar. O projeto nasce de um
material e afirma que, como espécie, conto da Marguerite Yourcenar, “La leche de la
precisamos cuidar de nossas ações diárias muerte” (“O leite da morte”), sobre uma mulher
em vez de expor nosso discursos de poder. sepultada cujo leite continua brotando para
Algumas de suas exposições e reconhecimentos alimentar o seu filho. Ou da história de Hera,
são: Art+château Burgandy, França, Bienal 12 que quando o leite do seu peito respingou
Porto Alegre (2020), Zona Maco CDMX 2020, criou a Via Láctea. Juliana investigou física e
“Pasado, tiempo, futuro. Arte en Colombia intuitivamente como traduzir estas histórias
en el siglo XXI” MAMM (2019), Artecámara em uma dimensão real, convertendo o leite em
ARTBO (2018), residência do MacVal Musèe fibra. Extraiu a caseína do leite, acrescentou
d’art contemporain du Val-de-Marne dentro cal e formou uma massinha que modela com
do marco do ano Colômbia-França (2017). as mãos e combina com terra. Depois de
Ganhadora da bolsa de estudos de criação para experimentar por dois anos primeiramente
artistas emergentes do Ministério da Cultura em laboratório e depois na cozinha da sua
(2015), Bolsa de estudos FLORA ars+natura casa, observando atentamente a emotividade
Artista en Residencia (2015); residência do seu material, o leite-sempre diferente,
em Mildred’s Lane New York, USA (2016) e extremadamente permeável ao meio que
ganhadora do prêmio Arte Joven em 2016. o rodeia—conseguiu o fio. O fio tem uma
aparência elástica e quase translúcida. Techo
de leche y tierra (Teto de leite e terra) acolhe
Sobre a Obra na Bienal os corpos que circulam baixo o seu espaço.
Licenciada em Artes Visuais, pela Universidad investiga o encanto físico duradouro dos
de Cuenca, co-fundadora do projeto de arte traços em diversas mídias, desde fotografia
pública, La Carretilla - Arte Ambulante.Em 2018 analógica até práticas de escultura baseadas
Vidal foi ganhadora do prêmio Paris na XVI em produção de moldes. Seja por meio de
Bienal de Cuenca, em 2019 foi residente na Cité uma câmera fotográfica ou de materiais
International des Arts, em Paris durante um maleáveis diversos como argila, gesso e
período de seis meses. Participou nas mostras, resinas dentárias modernas, ela registra sinais
“Arte mula”, Quito, No Luhar, Artefactos e indexicais que mediam a ausência no espaço
Artilugios, com a Bienal de Cuenca; DES e no tempo. Através dessas operações, seu
DOBLA MIENTO, Cuenca, El Después de estar, trabalho se revela como uma espécie de
Quito, La Forme du Temps, Paris, “Processo mediação estendida com relação à visibilidade
de Error”, InVeLaboratio de formação em e invisibilidade de tipos diversos de corpos
vídeo experimental, Valparaiso, Chile. (2014), humanos, sua persistência e as marcas por eles
“PCC’sPoPPUp Kino2” Berlim-Alemanha deixadas nos espaços sociais em que vivemos.
(2015). Seu trabalho tem sido publicado nos Mais especificamente, seus tijolos de barro,
livros, “Mapas del Arte Contemporáneo produzidos artesanalmente, fazem a alusão ao
en el Ecuador”; ”Artefactos y Artilugios”; conceito de classe, na medida em que estão
Estructuras Vivientes, El arte como experiencia imbricados em diferentes modos de construção
plural, Revista; INDEX, Arte Contemporáneo; encontrados em cidades latino-americanas,
Revista La Descarga,Plataforma Cultural, apontando questões relativas à sua
e em diversas plataformas digitais. organização e segregação espacial.
Nascida em 1972 em Anhui, China. Kan Xuan É considerada uma das artistas de vídeo
agora vive e trabalha entre Pequim (China) femininas mais importantes da China.
e Amsterdã(Holanda).Kanxuan trabalha One by One (Um a um) é um vídeo no qual
principalmente em vídeo, destacando os ela registra a ideia de movimento, como se
elementos, sentimentos e sensaçõestriviais estivesse num trem se mexendo. Quando
que experimentamos diariamente, mas que a câmera para, foca vestimentas militares.
raramente percebemos. Reproduzindo-os No momento em que as imagens passam
damaneira mais direta possível, seu trabalho é aceleradamente, se ouve o som da cidade,
impressionante por sua imaginação, relevância pancadas e furadeiras, aos que se superpõe
eexatidão. Ela se entrega a um aprimoramento o canto dos pássaros. A velocidade das
das técnicas do observador, mas transforma imagens configura uma textura visual, uma
essaobservação passiva em um desempenho trama na qual as contradições da vida urbana
ativo em seus vídeos. Humor, leveza e graça são redobradas, as tensões entre a cidade
caracterizamos trabalhos de Kan Xuan, e a natureza, e a regulamentação da cidade.
acompanhando um profundo senso de ironia Os filmes de Kan Xuan, aparentemente leves,
crítica.As exposições individuais recentes “light”, fluidos, furtivos, inscrevem sutis alusões
incluem: “Racing Gravels”, Times Art Center, políticas. Neste vídeo ela parte da experiência
Berlim, Alemanha(2019); “Light”, Galleria pessoal, num filme que captura o movimento
Continua Les Moulins, França (2016); “Kan do corpo no momento que corre pelo corredor
Xuan”, IKON, Birmingham, ReinoUnido (2016); de um subterrâneo enquanto grita o seu
“Millet Mounds”, UCCA, Pequim, China (2012). próprio nome Kan Xuan, Ai ! Trata-se de um
vídeo simples, que nos coloca em contato com
a velocidade do movimento e com dissonâncias
Sobre a Obra na Bienal expressadas em primeira pessoa. “É sobre
tentar me aproximar e perseguir, em todo
Kan Xuan é uma artista visual conhecida momento, meu desejo de existir na distância
pelas suas obras de vídeo experimentais. entre “pensar” e “sentir””, diz a artista.
Kimiko Yoshida nasceu em Tóquio, no Japão, Yoshida deixou o Japão e sua linhagem
em 1963. Sentindo-se oprimida como mulher, Samurai e se instalou na França. “Desde que
ela deixou o Japão em 1995 e mudou-se para a abandonei meu país para evitar a escravidão
França para perseguir suas ambições artísticas. e humilhação de muitas mulheres japonesas,
Desde que ganhou sua liberdade artística, tenho feito um protesto feminista contra
Yoshida vem trabalhando prolificamente. Seu os clichés contemporâneos em relação
trabalho gira em torno da identidade feminina a sedução e serviço de voluntariado das
e do poder transformador da arte. Em seu mulheres, assim como contra estereótipos de
projeto mais recente, “Painting. Self-Portrait”, gênero em geral”, declarou a artista. Situada
ela usa fantasias elaboradas e pinta a pele ante fundos monocromos, brancos, pretos,
em uma cor monocromática que combina vermelhos, azuis, amarelos, a artista procede
com o fundo. Para a artista, o figurino é “o numa complexa e cerimonial performance
campo do desvio, da distorção, e da deflexão”. que registra em uma fotografia. Com joias,
Os elementos visuais, juntamente com a chapéus e maquiagem se expressa por meio
referência dos títulos a artistas e pinturas do do seu corpo (body art) para aludir a traduções
passado, pretendem se unir para desafiar as culturais e a mulheres (Maria Antonieta,
noções e tradições convencionais de arte e Madame Pompadour, Medusa) ou a figuras
identidade cultural. “Quero uma imagem que como o Minotauro. Nestas representações
tente repensar seus próprios significados e faz menção a história da arte (Caravaggio,
referências”. Ela continua expondo em todo Boucher, Vigée-Lebrun, Picasso). Não é
o mundo, e seu trabalho é encontrado nas um autorretrato, mas sim um processo de
coleções permanentes do Museu de Belas transformação ritual, teatral, jubiloso, no qual
Artes de Houston, do Museu de Israel, do a artista se foca no fenômeno da identidade
Museu da Cidade de Kawasaki e da Maison feminina e no poder transformador da arte.
Européenne de la Photographie, em Paris.
La Vaughn Belle torna visível o não lembrado. vídeos, instalações, intervenções públicas
Ela é uma artista visual que trabalha em uma e performances - na colonialidade, suas
variedade de disciplinas que incluem: vídeo, implicações, marcas tangíveis e seus efeitos
performance, pintura, instalação e arte pública. no passado e presente? Como tornar visível
Ela explora a cultura material da colonialidade o que não é lembrado? Sua exploração dessa
e sua arte apresenta contra-visualidades e questão crucial por meio de seu envolvimento
narrativas que desafiam as hierarquias e a com elementos arquitetônicos, históricos e
invisibilidade coloniais. Ela já expôs no Caribe, arqueológicos é, ao mesmo tempo, magistral
EUA e Europa. Seu trabalho foi apresentado em e lírica, criando um espaço para a exploração
uma ampla variedade de mídias, incluindo: NY de contextos sociais e narrativas coletivas.
Times, Politiken, VICE, The Guardian, Caribbean Para a 12ª Bienal do Mercosul em Porto
Beat, BBC e Le Monde. Ela possui um MFA do Alegre, Belle produziu uma versão em larga
Instituto Superior de Arte em Havana, Cuba, escala do seu trabalho Tempestade (e outras
um MA e um BA da Columbia University em interrupções violentas do pitoresco) (2016-
NY. Seu estúdio é baseado nas Ilhas Virgens 2020). Originalmente uma série de desenhos
feitos com carvão sobre papel, os desenhos
estão, nesta versão, aplicados diretamente
Sobre a Obra na Bienal nas paredes. Ao contrastar uma majestosa
palmeira com imagens caóticas de uma
Vivendo e trabalhando em Saint Croix, parte tempestade, a obra se mostra como uma
das antigas Índias Ocidentais Dinamarquesas ruptura para narrativas do pitoresco geralmente
(atualmente Ilhas Virgens dos Estados Unidos), relacionadas à paisagem caribenha no discurso
a artista visual La Vaughn Belle concentra sua colonial. Ela revela a tensão entre as ideias de
investigação - através de desenhos, pinturas, fragilidade, vulnerabilidade e resistência.
Artista visual e performer, natural de Guaíra, performance emerge suas diferentes linguagens
Paraná. Lídia tem formação em Gravura em artísticas como costura, crochê, amarração ou
Metal pelo Museu Lasar Segall, Escultura e assemblage de tecidos (em sua maioria) ou
Cerâmica pelo Museu Brasileiro de Escultura outros materiais descartados. No processo,
(MuBE) e Liceu de Artes e Ofícios, dentre outras o objeto criado fecha o círculo inspirando a
formações no Brasil e exterior. Seus trabalhos artista a realizar uma nova performance ou ação
buscam evocar a potência da mulher como performativa. Nessa sala, que faz uma ligeira e
força motriz da significação de sua própria tangencial referência à experiência de estar no
existência no mundo. A artista molda e tece ateliê da artista, Lisbôa apresenta um conjunto
histórias de vida suas, de seus familiares e de obras dessas diferentes linguagens: as
de pessoas próximas, que universalizam-se Cicatrizes com seu volume e costuras explícitas;
representando as histórias de muitas outras os Chorões e os Cordões—umbilicais para a
pessoas da realidade brasileira. Mulher, negra, artista, uma articulação de peças em cerâmica
crescendo e vivendo numa sociedade cheia e partes de corpos de bonecas; os Cupinzeiros,
de preconceitos e violências estruturais, esculturas em cerâmica que dão acesso a
veladas por costumes e comportamentos suas histórias de infância em ambientes rurais
naturalizados. Lídia parece tecer e moldar no Paraná; e os Casulos: os pequenos, uma
para desestruturar, para desfazer o que referência ao espaço uterino, e o Casulo grande,
deve ser desfeito e dar vistas a modos objeto em crochê comumente ativado pela
de vida e expressões que muitos anos de artista em algumas de suas performances. Sua
ocultação quiseram lançar ao ostracismo. prática nos permite vislumbrar uma possível
transição entre objeto e performance como
estratégia artística formal e tática feminista.
Sobre as Obras na Bienal
Embora Lidia Lisbôa tenha sido treinada
em escultura e pintura, performance é o
elemento central de sua prática. De ligação com
Casulo Grande
2012
Tule
180 x 80 cm
Coleção da artista
Agradecimento Tecidos Kite
Mulher, mãe, artista visual de performance, Muralistas), a Bienal 12 apresenta três registros
pintura, muralismo e cerâmica. Bacharela da performance que Liuska realizou na frente
em artes visuais, diplomada em arteterapia, de prédios emblemáticos da cidade de
fitoterapeuta e monitora de oficinas Concepción, no Chile. São seus “exercícios
artísticas.Nascida em Santiago do Chile, em de protesto”, realizados em 2010, nos quais
5 de novembro de 1984, estudou terapia a artista expõe o seu corpo nu coberto de
ocupacional por 3 anos na Universidade do tinta vermelha, preta e amarela. O vermelho
Chile. Em 2008, mudou-se para estudar na frente do prédio dos Tribunais de Justiça
artes visuais na Universidade de Concepción. (que a artista renomeia de “In-justiça”), que
Desde 2009, se apresenta em espaços relaciona a diferentes tipos de violência que
naturais e urbanos, participando de vários se exercem sobre a população; o preto frente
encontros em Concepción, Lota e Santiago. à Catedral, que se contrapõe ao branco da
Em 2012, decidiu viajar pela América Latina, pureza ou castidade que a igreja procura
realizando um projeto chamado “Tierra transmitir; o amarelo que utiliza frente a
Andante”, que vinculava performance, barro Pinacoteca em Concepción, que relaciona
e viagem. No outono feminista de 2018, com a luz que não é vista pelos que seguem
ela participou da formação de “Efímeras, um mentor ou professor que reproduz um
colectiva de performance política” e, em sistema de educação mercantilizado e desigual.
2019, ingressa na “ Brigada de Mujeres A intervenção traz os ecos da luta estudantil
Muralistas “, pintando temas relacionados que tenta liberar os jovens endividados pelos
ao feminismo e defesa de territórios. empréstimos de uma educação tarifada.
O ponto de partida da Liuska é o seu próprio
corpo nu, que ela cobre durante a performance
Sobre as Obras na Bienal de tinta, para rejeitar os cânones de beleza
socialmente aceitos assim como os elementos
Artista da performance terapia (integrante repressivos representados pela justiça, a
do coletivo de performance política Efímeras, Igreja e o sistema educativo. O corpo se
Coletivo de Performance Política) e da pintura levanta como um instrumento de protesto.
mural (fazendo parte da Brigada de Mulheres
Lucia Laguna nasceu em Campo dos conceito de “paisagem” articulado pela artista.
Goytacazes (RJ) em 1941. Formou-se em Letras Para Laguna, paisagem é o que se vê a partir
em 1971, passando a lecionar Língua Portuguesa. da janela de seu ateliê, o morro da Mangueira
Em meados dos anos 1990, começou a e o subúrbio da zona norte do Rio de Janeiro;
frequentar cursos de Pintura e História da paisagem é o jardim da casa da artista, uma
Arte na Escola de Artes Visuais do Parque espécie de sítio arqueológico da vida, formado
Lage, no Rio de Janeiro, e realizou sua primeira por uma combinação
individual em 1998. Ganhou em 2006 o Prêmio de plantas e objetos acumulados por mais
Marcantônio Vilaça do CNI SESI. Entre suas de quarenta anos—estatuetas e vasos
exposições individuais recentes, destacam- quebrados, chaves, cadeados, grades e outros
se: Vizinhança, MASP (São Paulo, 2018); e objetos descartados; paisagem é, também, o
Enquanto bebo a água, a água me bebe, conjunto de objetos alocados em seu ateliê:
MAR (Rio de Janeiro, 2016). Suas principais pinturas prontas e em processo, pequenos
coletivas incluem participações em: 30a Bienal estudos, escadas e trenas, embalagens de
de São Paulo (2012), 32o Panorama da Arte tinta, ferramentas e massa de fita crepe
Brasileira, MAM-SP (2011), Programa Rumos usada colada na parede ou amontoada pelo
Artes Visuais do Itaú Cultural (São Paulo, chão. Ao afirmar “Paisagem é coisa da minha
2005–2006). Sua obra está presente em cabeça”, Laguna, continua alargando o conceito,
importantes coleções públicas, como MASP, ofuscando os limites entre espaço exterior
MAM-SP, MAM-RJ, MAR, entre outras. e seu universo interior e mais intimista.
Nascida em São Paulo (SP), vive e trabalha em educação, Mirella Maria articula tempo e
em São Paulo. É bacharel e licenciada em memória alinhavados em narrativas biográficas
Artes Visuais pela Universidade Estadual Júlio de membros de sua família. O ponto de
de Mesquita Filho (UNESP) e é mestra no partida para a pesquisa é a tentativa de a
programa de Artes Visuais/Arte Educação pela artista entender o por quê de seu sobrenome
mesma instituição. Criadora do projeto artístico ser “Maria” — um nome comum dentro do
Quilombo Mulheres Negras, que propicia contexto brasileiro. No processo, Mirella
seminários, exposições e vivências artísticas Maria faz registros orais e fotográficos de
produzidas por mulheres negras. No campo da membros da família, uma imersão na qual a
sua produção|vivência permeia-se a fotografia, artista descobre ricas histórias de familiares
colagens e arte têxtil, trazendo ressignificações vinculadas ao sobrenome-nome e a memórias
simbólicas no campo da plasticidade, da ancestrais. Na busca, uma curiosidade não
memória e existência. Sua atual investigação compartilhada por outras pessoas da família,
deriva de 2012, desenvolvendo uma pesquisa a artista depara-se com resíduos coloniais
sobre resgate de registros, relatos e produção presentes na construção de seu sobrenome-
visual de memórias de familiares de mesmo nome: “Maria” é o nome de proprietários de
sobrenome: Maria. Pela pesquisa aprofunda-se africanos escravizados, transferido, como
nas relações de afeto envolvidas na memória marca de poder, para gerações de famílias
desse sobrenome, por imagens bordadas, pretas no Brasil. Mirella Maria formata em
como uma recriação das histórias de diversos vestido imagens dessa rede de membros
Marias presentes na vida da artista. da família, formada principalmente por
mulheres, que carregam esse sobrenome-
nome. Assim, as “‘Marias’ que percorreram
Sobre a Obra na Bienal o tempo, continuam presentes em nome,
sobrenome, imagem e memória viva.”
Em Marias de minha vida (2019), a artista
visual, arte educadora, pesquisadora e mestre
Mónica Mayer (México, 1954) estudou pela primeira vez no México no ano de 1978.
artes visuais na Escola Nacional de Artes Desde então, tem sido atualizada em muitas
Plásticas da UNAM e em 1980 obteve o seu oportunidades. É uma obra que utiliza a
mestrado em sociologia da arte no Goddard metodologia da enquete, com perguntas
College em Los Angeles, California, onde direcionadas ao público, que responde por
também participa há dois anos do Feminist escrito e deixa a sua resposta pendurada
Studio Workshop no Woman’s Building. em uma estrutura semelhante a um varal
Mayer é uma artista inconformada com usado para pendurar roupa – dando nome
as definições de arte. Inquieta, crítica e a obra, El Tendedero (O Varal). Na sua
com um bom senso de humor que aplica primeira versão Mónica convidava ao público
em todos os campos de sua produção, da cidade do México a completar a frase:
desenvolveu uma abordagem abrangente “Como mulher, o que eu mais odeio na
na qual, além de performances, desenhos cidade é...” Os feminicídios que continuam
ou intervenções, considera escrever, acontecendo têm sido o motor que vem
ensinar, arquivar e participar ativamente da aumentado os movimentos feministas a
comunidade como parte de sua produção nível internacional. Neste contexto, a obra
artística. Segundo várias publicações, é de Mayer adquire atualidade e urgência. As
considerada pioneira da performance perguntas focadas no assédio, na violação
e dos gráficos digitais no México e fazem desta obra um espaço de análise e
internacionalmente reconhecida como critica participativa sobre a violência contra
precursora e promotora da arte feminista. as mulheres na sociedade contemporânea.
DEMASIADO
2018-2019
Instalação- tecido, látex e madeira
600 x 600 cm
Coleção das artistas
Musa Michelle Mattiuzzi é performer, diretora a obra Jardim da Abolição (2020), uma
de cinema, escritora e pesquisadora do corpo. instalação que articula cento e onze vasos de
É graduada em Comunicação das Artes do tamanhos variados, onze ervas e flores de
Corpo pela Pontifícia Universidade Católica poder, cultivadas por tradições orais e por
de São Paulo. Seus trabalhos se apropriam curandeiras do Brasil e da América Latina
do/e subvertem o lugar exótico atribuído (como Alecrim, Arruda, Pimenta, Guiné, ou
ao corpo da mulher negra pelo imaginário amansa senhor, como é conhecida por seu
cisnormativo branco, que o transforma numa uso estratégico e subversivo por parte dos
espécie de aberração, entidade dividida entre escravos), terra e a frase em neon, “A intuição
o maravilhoso e o abjeto. Mattiuzzi participou liberta a imaginação”, emprestada do
da exposição Amor e Etnologia na HKW/Berlim texto “A Dívida Impagável: Lendo Cenas de
em 2019, ela apresentou o novo processo Valor Contra a Flecha do Tempo” de Denise
chamado Whitenography e a performance Ferreira da Silva. O Jardim da Abolição
sobre o papel branco na mesma exposição; se apresenta como um monumento-
seu filme Experimentando o Vermelho em memorial ao uso de vasos de camélias por
Dilúvio foi premiado como melhor curta abolicionistas durante o processo de abolição
metragem no festival X Janela Internacional da escravatura no Brasil. Por outro lado, a
de Cinema de Recife (BRA) e em 2019 o filme obra serve, também, como uma espécie de
foi selecionado para o Festival Internacional sugestão que declara a abolição intuitiva
de Roterdã. Em 2018, ela participou da XXXIII no pensamento para imaginar o presente
Bienal de São Paulo com o projeto Afinidades à partir dessas plantas de poder (preto) e
Afroafetivas. Mattiuzzi vive em Berlim. relembrar, no presente, gestos significativos,
estrategicamente subversivos e radicais.
Fotógrafa profissional. Trabalhou como representem aquilo que não tem referencial.
professora e atualmente se dedica ao Como dar conta do tempo que não foi vivido
seu trabalho como fotógrafa. Foi membra pelos corpos ausentes dos desaparecidos?
fundadora da Associação de Fotógrafos Errázuriz propõe um arquivo íntimo dos anos
Independentes, AFI (1981) e publicou os livros prévios ao começo da transição democrática no
“Amalia”, “La Manzana de Adán”, “El infarto Chile, depois de 17 anos de ditadura. Durante
del Alma”, “Kawesqar, hijos de la mujer Sol”, a transição continuaram em funcionamento
“La luz que me ciega”, “Ojos que no ven” estruturas do poder político e econômico do
y “Señales”. Foi jurada no Premio Casa de período da ditadura. Ao mesmo tempo, se
las Américas, em Cuba, e em Fondart, no deu inicio ao processo de revisão destes anos
Chile. Suas fotografias estão em coleções de violência. Paz Errázuriz o faz partindo das
como DAROS, Suíça; Tate Gallery, Londres; fotografias do seu filho. A série de retratos
Museu Reina Sofia, Espanha; MoMA e entre o final da ditadura e o começo do governo
Museu Guggenheim, Estados Unidos; Museu de Patricio Aylwin (1986-1990) se consolida
Nacional de Belas Artes, Chile e em coleções num filme em que as imagens passam uma
particulares. Obteve as bolsas Guggenheim, depois da outra. Un Cierto Tiempo (Um
Fulbright e Fondart. Foi reconhecida com o Certo Tempo) reúne mudanças leves, dados
Prêmio Altazor, o Prêmio de Carreira Artística do seu crescimento, das mudanças do seu
do Círculo de la Crítica, o prêmio PhotoEspaña rosto. Estas transformações dizem respeito
e o Prêmio Nacional de Arte do Chile em 2017. ao passar do tempo como experiência.
Na série de fotografias que reúne no livro
El infarto del alma (O infarto da alma), Paz
Sobre as Obras na Bienal Errázuriz mostra os afetos, as relações a
dois, os casais. São fotografias feitas no
Entre 1979 e 1980 Paz Errázuriz fotografou
hospital psiquiátrico de Putaendo. Muitos
pessoas dormindo na cidade de Santiago
dos que ali estão são indigentes. Entre esses
do Chile. Homens e mulheres adormecidos,
seres abandonados pela sociedade, existe a
inclusive animais, que esticam seus corpos
proximidade, a aproximação, sentimentos.
numa posição que desacomoda a normalidade
Paz percorre os corredores e os parques da
da cidade. Capturadas pela câmera, estas
instituição para fazer as fotografias; Diamela
pessoas cujos sentidos estão dormentes,
Eltit também o faz para escrever o que ela
reiteram as experiências coletivas do silêncio
vê. “Na metade do caminho, Paz Errázuriz
e a impossibilidade. Um adormecimento dos
e eu, chegamos no limite, onde temos que
sentidos. A série poderia fazer um paralelo com
enfrentar à disjuntiva de ter que cruzar as
a situação do cidadão chileno nos tempos da
fronteiras continuamente”. Fronteiras da
ditadura no Chile (1973-1990). Paz Errázuriz
separação, do isolamento, da loucura; o
constrói um arquivo diferenciado no qual a
isolamento do mundo exterior que prefere não
fotografia se distancia do retrato para capturar
olhar, não saber. As fotografias nos colocam
um estado social dos afetos coletivos.
em contato com a gramática de um amor
Um dos problemas mais complexos para quem que não conhecemos. Como se relacionam
cria imagens é como conseguir que estas as pessoas neste espaço de confinamento?
Série Dormidos
1979 - 1987
Impressão digital, 12 tintas pigmentadas
sobre papel Hahnemühle Baryta
33,3 x 50 cm
Propriedade da artista
Abecedario
2014
Vídeo still
11'13"
Familia Pedro Lemebel e D21
proyectos de arte
Doutora e mestra em Artes Visuais pelo artística através de pintura, colagem, fotografia
Instituto de Artes da UNESP e especialista em e performance. É, entretanto, através da
Curadoria e Educação em Museus pelo Museu prática de performance que a artista realiza
de Arte Contemporânea da USP. Artista visual e um enfrentamento mais direto com as
professora adjunta de Teoria da Arte da URCA/ tensões criadas pela presença do sujeito
CE na qual compôs o Comitê de Pesquisa negro feminino no espaço público no Brasil.
Científica, foi coordenadora do Curso de Em Danço na terra em que piso (2014), Felinto
Licenciatura em Artes Visuais e do sub projeto dança da maneira graciosa em sete locais
PIBID do mesmo curso. Realizou trabalhos na públicos em São Paulo, alguns dos quais pontos
Pinacoteca do Estado de São Paulo, Instituto históricos da cidade como a Praça da Sé que
Itaú Cultural, Centro Cultural São Paulo, SESC, forma, com a Catedral da Sé, o marco zero
SESI/FIESP, dentre outros espaços. Compôs o do estado de São Paulo. Para cada espaço,
conselho editorial da revista O Menelick 2º ato e Felinto escolheu uma música para servir como
é membro da Comissão Científica do Congresso paisagem sonora para a performance. Cada
CSO da Faculdade de Belas Artes de Lisboa. escolha levou em conta a letra da música,
Coordenou o Núcleo de Educação do Museu questões de relevância histórica e política, e
Afro Brasil. Recentemente participou das até as memorias pessoais da artista ligadas
exposições FIAC/ França 2017, Negros Indícios, ao espaço. Desse modo, Felinto cria um corpo
na Caixa Cultural/SP, Diálogos Ausentes, no narrativo que destaca as diferentes tradições
Itaú Cultural e no Galpão Bela Maré no RJ que informam a paisagem urbana oferecendo,
e, por fim, de Histórias Afro-Atlânticas no assim, epistemologias adicionais para entendê-
Instituto Tomie Ohtake. A arte produzida las. Seu dançar funciona como um gesto de
por mulheres e homens negrodescendentes reivindicar territórios, como uma expansão
tem sido o principal tema de pesquisa. das possibilidades de sua presença negra.
Doutora em Artes Visuais e Bacharel em dos seus afetos. Em outra série, Bastidores,
Gravura pela ECA/USP é especialista em ela borda ou costura, olhos, bocas, pescoços.
gravura pelo London Print Studio, de Londres. Estas imagens inevitáveis mostram uma das
Foi bolsista da Fundação Ford nos anos de temáticas que a bienal pesquisa: a violência
2006 a 2008 e CAPES de 2008 a 2011. Em 2014 contra os corpos femininos. A mulher negra,
foi agraciada com a bolsa para residência no que se encontra na base da pirâmide da
Bellagio Center, da Fundação Rockefeller. Seus sociedade brasileira. Trata também nos seus
trabalhos têm como foco principal a posição desenhos a relação corpo-animal. Introduz
da mulher negra na sociedade brasileira e desta forma um dos debates mais recentes
os diversos tipos de violência sofridos por no seio do feminismo, aquele que se relaciona
esta população decorrentes do racismo e com o antropoceno, a capacidade do ser
das marcas deixadas pela escravidão. Possui humano de destruir o planeta, a centralidade
obras em importantes museus tais como o do humano que tem atentado contra a
MASP, Pinacoteca do Estado de São Paulo e natureza. Rosana Paulino introduz com suas
UNM - University of New Mexico Art Museum, obras duas perguntas relevantes para esta
USA. Tem participado ativamente de diversas Bienal, a primeira, que percorre seu livro de
exposições, tanto no Brasil como no exterior e artista ¿Historia natural?, é até que ponto o
seu trabalho tem sido objeto de vários estudos conhecimento científico tem contribuído para
acadêmicos, livros e revistas especializadas. estabelecer os fundamentos do racismo?
Em segundo lugar ela questiona até que
ponto o cânone da arte brasileira é branco e
Sobre a Obra na Bienal patriarcal? A sua série A geometría a brasileira
llega ao paraíso tropical (A geometria à
Principal artista na arte afro-brasileira brasileira chega ao paraíso tropical) envolve
desde os anos noventa, Rosana Paulino esta uma distância irônica sobre o cânone da arte
representada na Bienal 12 pela sua instalação abstrata que domina à percepção internacional
Parede da Memoria (Parede da Memoria), da arte brasileira. A obra de Rosana Paulino
na qual imprime retratos familiares sobre convida a uma profunda revisão de nossos
pequenos patuás configurando desta forma conceitos sobre a arte e a cultura.
um imenso memorial da sua família. Um retrato
Sou artista boliviana, tecelã, especialista em sua morada e estúdio. Sintonizada com seu
técnicas têxteis andinas e pesquisadora de entorno e suas complexas histórias, com um
tecidos e novas mídias.Enquanto trabalho legado colonial duradouro, ela centraliza suas
com ferramentas simples e rudimentares, práticas em torno de técnicas tradicionais
como fitas, ossos de lhama, fibras de de tecelagem andina, com fibras naturais
animais tecidas à mão e corantes naturais, e pigmentos obtidos a partir de plantas e
costumo tecer materiais incomuns para insetos, que servem como bases para seus
os tecidos andinos tradicionais, como fios trabalhos têxteis, instalações, performances
condutores, fibras ópticas, peças de cobre e obras interativas, com imagens estáticas e
como sensores, etc. Na estrutura complexa em movimento. Os pontos de partida para
desses tecidos, incluo circuitos eletrônicos, as interações geradas por seus projetos são
microcontroladores, sensores de movimento tecnologias contemporâneas entrelaçadas nos
ou de cor, LEDs digitais, alto-falantes, criando tecidos de suas obras: fios condutores e de
trabalhos interativos, de luz e som.No meu fibra óptica, sensores de cor e movimento, luzes
trabalho, as técnicas tradicionais andinas e as LED e alto-falantes, dentre outros recursos.
tecnologias da arte e das novas mídias estão Os trabalhos têxteis de Aruma incluídos na
entrelaçadas, resultando em trabalhos que dão exposição mobilizam os elementos extraídos
continuidade à antiga tradição têxtil da qual de conhecimentos ancestrais e do meio
me considero parte. Uma floresta nativa nos local da artista com a finalidade de incitar
vales interandinos da Bolívia, é o meu espaço espectadores contemporâneos a explorar e
de trabalho, laboratório e espaço fundamental preservar o potencial quase imperceptível,
para entender o tempo das tecelãs. porém gigantesco, da flora e fauna nativas,
além de reivindicar tecnologias rurais
originárias de um passado pré-colonial.
Sobre as Obras na Bienal
A artista boliviana Aruma (alcunha de Sandra
de Berduccy) faz da seca e antiga floresta
localizada na zona periférica de Cochabamba
Realiza obra gráfica nos anos 1960, após Brasil, e desde 1986, de forma simultânea, em
frequentar o Instituto de Belas Artes de Porto Barcelona, Espanha. Fez obras paradigmáticas
Alegre, e estudos na Inglaterra, Holanda e como Epidermic Scapes (1977-1982) na qual
França. Em 1975, bolsista do British Council, expôs a relação entre a paisagem e a pele,
estuda no Croydon College, Londres. Em em um registro analógico amplificado. Em
1976, participa da Bienal de Veneza. Em 2005, Mulheres do mundo, diversas mulheres,
instituiu a Fundação Vera Chaves Barcellos, frente a câmera, pronunciam seus nomes.
dedicada à arte contemporânea. Entre suas Ao mesmo tempo em que se registram estes
mostras individuais estão: Visitant Genet, rostos que se nomeiam, numa roda evidente
Museu D’Art de Girona (2000), O Grão da de empoderamento, se oferece um arquivo
Imagem, Santander Cultural, Porto Alegre de afeto particular que cada uma delas
(2007), Imagens em Migração, MASP, São Paulo comunica: confiança, otimismo, pessimismo.
(2009) e V.C.B, fotografias, manipulações e Trata-se de um projeto que Vera iniciou em
apropriações, Paço Imperial, Rio de Janeiro 1999, numa exposição que fez na Catalunha,
(2017). Participou de quatro Bienais de São e finalizou entre 2012-2013, realizando o
Paulo e coletivas na América Latina, Alemanha, registro de gravações num processo que
Bélgica, Coréia, Espanha, França, Holanda, contou com a colaboração do vídeo maker
Inglaterra e Japão. Integra a mostra Radical Hopi Chapmann. A versão que se apresenta na
Women: Latin American Art 1960-1985, Bienal 12 reúne a voz de quatrocentas mulheres
Hammer Museum, LA, (2017), e Brooklyn de diferentes partes do mundo, de variadas
Museum, New York (2018). Trabalha em Viamão, idades, nacionalidades e raças que, de forma
RS, Brasil e em Barcelona, Espanha, desde 1986. sucessiva, pronunciam, uma vez, seu nome
Zorka Wollny é compositora e artista de teatro. livre, a artista polonesa Zorka Wollny cria
Cria obras site-specific que respondem ao performances que evocam o espírito do
ambiente arquitetônico. Ela colabora - como Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, o
diretora - com músicos, atores, dançarinos seu ethos de ensaio com vias à revolução
e membros das comunidades locais em que social. Em suas obras interdisciplinares,
trabalha.O estilo de produção colaborativa corpos e vozes são mobilizados e exercitados
de Wollny geralmente envolve ensaios e enquanto ferramentas primárias que
oficinas públicas nas quais ela cria estruturas servem para estruturar e moldar debates na
de cooperação com indivíduos, grupos e esfera pública. Trabalhando com músicos,
comunidades. Em um de seus trabalhos dançarinos e atores profissionais, além de
mais recentes, “Unmögliche Oper” (2017), membros da comunidade, Wollny já encenou
ela envolveu vários coros e cidadãos da performances em museus, fábricas, edificações
cidade alemã Oldenburg na exploração abandonadas e ruas da vizinhança. O vídeo
da voz como ferramenta de expressão e Ópera impossível foi originalmente concebido
debate público. Participou da Bienal de como uma performance de quarenta minutos
Arquitetura de Chicago (2019), Steirischer em Oldenburg, Alemanha, em colaboração
Herbst Festival em Graz (2019), Festival Novas com a compositora Anna Szwajgier (n. 1979).
Frequências no Rio de Janeiro (2019), CTM Ao combinar elementos de coreografia
Festival em Berlim (2020), entre outros. sistemática e sons não verbais em sua maioria,
desde respiração ofegante até murmúrios e
assobios, que se juntam em no canto “This
Sobre a Obra na Bienal is what democracy looks like” (“É com isso
que se parece a democracia”), a obra atesta
Inspirando-se em elementos de performance a importância continuada de encontrar uma
teatral, composição musical e improvisação voz própria na busca pelo bem comum.
FIC BIENAL
ACESSO
O
ÃO A D
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A
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AL
IS
EV
R
0 1 2 3 4 5m
PAVIMENTO TÉRREO . PLANTA BAIXA
Semiya
SALA 2.1
HALL 2.1 SALA 2.2
SALA 2.3
SALA 2.4
HALL 2.2
0 1 2 3 4 5m
PLANTA BAIXA 2° PAVIMENTO
12
11
10
HALL 3.2
PEITORIL H=1.05CM
SALA 3.3
1/100
SALA 3.4
HALL 3.1
0 1 2 3 4 5m
PLANTA BAIXA 3° PAVIMENTO
VISTA 1
Terceiro Pavimento
0 1 2 3 4 5m
PAVIMENTO TÉRREO . PLANTA BAIXA
0 1 2 3 4 5m
SEGUNDO PAVIMENTO . PLANTA BAIXA
0 1 2 3 4 5m
PAVIMENTO TÉRREO . PLANTA BAIXA
0 1 2 3 4 5m
SEGUNDO PAVIMENTO . PLANTA BAIXA
JULIETA HANONO
escultura 1030 peças
0 1 2 3 4 5m
TERCEIRO PAVIMENTO . PLANTA BAIXA
Cristina Barros
PRODUÇÃO
Ilana Peres Azevedo Machado
Katiana Ribeiro
Juliana de Lima Veloso
Maria Margarita Santi de Kremer
PESQUISA DE CONTEÚDO ARTÍSTICO
Suplentes
Imagem Legenda/crédito
10h - Mesa 2 - As Instituições de Arte 14h - Mesa 8 - Femininos e Cultura Com Winnie
e os Educativos Com Mônica Hoff, Bueno, Joanna Burigo e Fernanda Bastos
Carla Batista e Marga Kremer
14h - Mesa 3 - Mediações e Mediadores,
Professoras e Professores Com Mônica Porto Alegre, dia 12 de novembro no Centro Cultural
Hoff, Carol Mendoza e Larissa Fauri CEEE - Erico Verissimo
17h - Mesa 4 - A Sala de Aula como 18h - Mesa 9 - Territórios de Kehinde
Espaço de Criação e Sabotagem Com Com Ana Maria Gonçalves |
Carmen Capra e Estêvão da Fontoura Participação: Izis abreu e Dedy Ricardo
Exercícios coletivos de
Programa de Lives Bienal 12
dissenso
28 de maio - Conversa com Rosana
Paulino e Igor Simões
1° semestre de 2020
04 de junho - Conversa com Juliana dos
Porto Alegre, Sala da Música Espaço Multipalco Santos, Ana Lira e Fabiana Lopes
Theatro São Pedro
11 de junho - Conversa com Mara Pereira,
Renata Santos Sampaio e Igor Simões
12 exercícios coletivos de dissenso
- seleção de mediadores 18 de junho - Conversa com Natalia
Iguiñiz, Eliana Otta e Dorota Biczel,
08 de fevereiro - O Educativo, a Bienal
e o dissenso como rumo com a Equipe 25 de junho - Conversa com
educativa (apresentação do projeto) Arissana Pataxó e Igor Simões
13 de fevereiro - Feminino, mediação, 02 de julho - Conversa com Andrea Giunta,
arte e cultura Com Joanna Burigo Ana Gallardo, Sebastian Calfuqueo,
e Mulheres nos Acervos Joiri Minaya e Andrea Giunta
14 de fevereiro - Entre professores, 09 de julho - Conversa com Andrea
mediadores e a exposição: Estratégias Giunta, Pau Delgado, Helô Sanvoy,
com Ilana Machado e Luciana Loponte Juliana Góngora e Andrea Giunta
19 de fevereiro - A supervisão e a mediação e o 16 de julho - Conversa com Janaina Machado,
espaço expositivo com Carolina Mendoza Hugo Oliveira e Renata Santos Sampaio
20 de fevereiro - Estratégias de 23 de julho - Conversa com Hélio
mediação em Instituição local: FIC Menezes, Fabiana Lopes e Igor Simões
05 de março - Estratégias de mediação 30 de julho - Conversa com Andrea Giunta,
em Instituição local : MARGS Fabiana Lopes, Dorata Biczel e Igor Simões
06 de março - Cidadania, cultura
democrática e práticas de mediação
Com Themis e Winnie Buenno
EQUIPE
Katiana Ribeiro
Lucas Vilela Souza
Renata Santos Sampaio
SETORES EDUCATIVOS
La alternativa fue presentar todas las obras Uno de los carteles urbanos de “Guerrilla Girls”,
en fotografías y videos, enriquecidos con grupo activista que desde hace décadas busca
testimonios de los artistas participantes, y ampliar espacios de actuación para la mujer,
colocarlos a disposición del público a través pregunta: ¿Por qué tan pocas mujeres artistas
de la página web de nuestra fundación. Resta, tienen obras expuestas en los grandes museos,
sin embargo, la esperanza de que, en un futuro pero dominan la mayor parte de los desnudos en
próximo, podamos exhibir la muestra original. exposiciones? Es fundamental que reflexionemos
“Femenino(s): visualidades, acciones y afectos”. profundamente sobre el tema de los femenino(s).
Luciano Alabarse
Andrea Giunta
Curadora Jefe
Bienal 12, Porto Alegre
Andrea Giunta
Curadora en Jefe
Universidad de Buenos Aires / Conicet
Es difícil comenzar hoy un texto sin recordar dónde piezas más esplendorosas de las redes entre arte y
estábamos antes del aislamiento en el que nos movimiento turístico transnacional. Los museos se
encontramos todavía, hoy, 19 de mayo, cuando convirtieron en espacios de cita para los habitantes
comienzo este texto. Suspendimos el montaje de de las ciudades en los que se ubican. Los de arte
la bienal el 13 de marzo. Estaba por viajar a Porto moderno y contemporáneo compitieron por cifras
Alegre para ese momento único que representa ubicar de millones de espectadores. El movimiento de los
las obras en las salas, o instalar y producir obras museos involucró poderosamente a los arquitectos.
que se realizaban in situ, en el lugar, que veremos Edificios firmados se sumaron, como ingrediente
emerger, señalando experiencias desde recorridos, central, a esta dinámica que implicaba grandes
desde procesos de inmersión en la ficción poética inversiones, exposiciones monumentales, afluencia
de un video, en las salas en las que las imágenes masiva de público. Visitar una ciudad significó
y los colores se cruzan o lo inundan todo. Pienso también conocer sus museos por su forma externa,
en el dibujo de Ana Gallardo sobre las mujeres museos que no cuentan solo por su colección, por
asesinadas en Guatemala; en la acción colectiva lo que exhiben, sino también por el espectáculo
de Mónica Mayer, con sus preguntas sobre el lugar de las curvas extremas, plateadas, luminosas,
de la mujer en Porto Alegre, la ciudad a interrogar, que desde su piel metálica describen en el aire.
a intervenir; en la performance de Janet Toro, que El ejemplo emblemático es el Guggenheim de
llevaría su cuerpo desde un enterramiento en la Bilbao. En forma casi paralela las bienales se
plaza de Alfândega a la fachada del Memorial; multiplicaron aceleradamente. Las citas mundiales
en la instalación sobre el color azul, que había de la contemporaneidad sumaron formas de
desarrollado en sus pasos preliminares Juliana Dos turismo específico dirigido a los públicos del arte.
Santos; en el taller de bordado que en la Plaza iban Contaban las cifras de visitantes, contaban las
a realizar junto al público Chiachio & Giannone. cifras de los precios del arte, contaban los costos
Todo eso, y, sobre todo, muchas obras localizadas de las exposiciones. Nuevas dinámicas señalaron el
que había propuesto en su selección la curadora mundo del arte: el protocolo en el traslado de las
adjunta Fabiana Lopes, como la de Dana Whabira obras, la concentración del valor en el cuerpo mismo
sobre la historia negra de Porto Alegre; o la elección de la obra, en ocasiones efímero (instalaciones, site
de la otra curadora adjunta Dorota Biczel, con la specific, performances, que duran apenas meses,
obra que Juliana Vidal iba a realizar imprimiendo apenas días, apenas un instante) y su consecuente
el cuerpo en barro local, barro de Rio Grande do mercantilización, que incluye los registros, los archivos
Sul. La trama de personas, obras, espacios, los de lo efímero; la fetichización de las obras a la que los
encuentros que esperábamos en los días de montaje, museos contribuyen, incluso, al exhibir las fotografías
no iban a suceder. Y escribo este texto sin saber si que documentan acciones, imágenes digitalizadas
una versión en el espacio de la bienal será posible. que se imprimen ad hoc, que se enmarcan, y en las
que se altera su disposición inicial, de ningún modo
Vuelvo al día 12, a percepciones que tenía sobre
superflua, para que brillen como espectáculo en las
los ritmos que acechan a la cultura cuando esta
salas de los museos;1 los precios en el mercado de
se transforma en números en una exposición. Si en
arte, que reproducen la alarmante concentración de
los años setenta y ochenta corrientes fuertes en el
la riqueza en un momento exacerbado y despiadado
pensamiento sobre el arte auguraban el fin de los
del capitalismo; las relaciones entre el mundo del
museos, en el siglo XXI estos demostraron ser las
arte y la dinámica global, que hace de exposiciones y
1 Para un análisis de la desactivación crítica de una obra desde la manipulación espacial que se realiza en el montaje ver la con-
ferencia de Nelly Richard, “Archivos de arte chileno, memoria y resistencia crítica”, Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía,
19 de octubre de 2017. https://www.museoreinasofia.es/buscar?bundle=actividad&pasados=1&f%5B0%5D=im_field_obra_
clasificaciongener%3A4277
2 Así denominó María Moreno, directora del Museo del Libro y de la Lengua en Argentina, las actividades a desarrollar durante
el aislamiento.
3 Reviso brevemente este mapa institucional en Andrea Giunta, “El arte negro es el Brasil”, en Z Cultural. Revista del Programa
Avançado de Cultura Contemporanea, Univérsidade Federal do Rio de Janeiro, No 1, Año XV, 2020. http://revistazcultural.pacc.
ufrj.br/el-arte-negro-es-el-brasil/. Republicado por la revista Transas. Letras y artes de América Latina, Universidad Nacional
de San Martín, Escuela de Humanidades, 2020 https://www.revistatransas.com/2020/05/21/artenegro_brasil_giunta/
4 Ver Igor Simoes, “Voix noires dans les arts visuels brésiliens”, Artpress No 53, Amérique Latine. Arts et combats, mars 2020, pp.
51-53.
El pasillo lateral derecho de la planta baja del El memorial es la zona más intensa de la bienal. Preciso
memorial iba a reunir la obra de Fátima Pecci Carou: salir a la plaza para pensar las imágenes, el tiempo
un inmenso mural construido con más de cien de los videos, las preguntas que fueron surgiendo.
1 Barbara Christian, Black Feminist Criticism: Perspectives on Black Women Writers, New York: Teachers College Press, 1985, pp.
9-10.
2 Denise Ferreira da Silva, “Toward a Black Feminist Poethics”, in The Black Scholar v. 44, n. 2, Summer 2014, p. 81.
3 Fred Moten, In the Break: The Aesthetics of the Black Radical Tradition. Mineapolis: University of Minesota, 2003, p. 68.
4 Denise Ferreira da Silva, “Toward a Black Feminist Poethics”, op. cit., p. 81.
5 Idem.
6 Maria Beatriz Nascimento, Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: Possibilidades nos dias da destruição. São Paulo:
Editora Filhos da África, 2018, p.134.
7 Cedric J Robinson, Black Marxism: The Making of the Radical Black Tradition, London: Zed Press, 1983 (University North Caroli-
na Press, 2000), p.171.
8 Realizada en la ciudad de Ouro Preto (en el estado de Minas Gerais) en colaboración con las artistas Priscila Rezende, Winny
Rocha, Ana Bárbara Coura, Fredd Amorim, y Karla Ribeiro, Rotas de fuga es, para Charlene Bicalho, una mezcla de lo cotidiano
y la performance. La artista investigaba trenzas típicas de la cultura nagô, posibles caminos de fuga que, a veces, este peinado
representaba, y la práctica de esconder pepitas de oro en el cabello. Para esta performance colectiva, los artistas se encontra-
ron frente al Museo da Inconfidência vistiendo ropas negras y rojas. Organizados en fila, se sentaron entre las piernas unos de
los otros y, cuidadosamente, entregaron al ori (cabeza) del compañero de adelante, pepitas de “oro” (piedras pintadas de color
dorado). Después, los artistas se dividieron en pares y salieron caminando por las calles alrededor del museo, como en rutas
de fuga distintas, regalándoles a las personas que encontraban por el camino las “pepitas de oro” que sacaban de sus cabellos.
Hubo quienes, asustados por la aproximación de los artistas, tomaban caminos distintos. Durante su recorrido dejaron rastros
de “oro” por las calles, ventanas, cajas de correo y barandas de las casas hasta la iglesia Santa Efigênia. El registro en fotografía
y video lo ha hecho Labibe Araújo.
9 Fábia Prates, “Project Chama: Poetics of the Black Diaspora,” in interview with Ana Lira. ContemporaryAnd.com, consultado el
30/6/2020.
10 Para saber más sobre la hierba “Amansa-Senhor”, ver Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo, “AMANSA-SENHOR: a arma
dos negros contra seus senhores”, Revista Pós Ciências Sociais, São Luís, v. 4, n. 8, jul./dic. 2007, p. 31.
11 Gabriella Wilson, I can’t Breathe, New York, 2020.
12 Mi primer recuerdo de esta activación fue durante un almuerzo con otros artistas, en la casa de Lidia, en 2014. Cuando
escuché el sonido del pandero tocado por una de las invitadas, la artista se levantó de la mesa, “vistió” el Casulo y comenzó a
danzar en un pequeño espacio entre la mesa y la cocina.
13 Will Furtado, “Exploring The Body As Colonial Occupation” interview with Jota Mombaça, ContemporaryAnd (10.March.2018),
consultado el 20/6/2020. www.contemporaryand.com.
14 Will Furtado, “Exploring The Body As Colonial Occupation” entrevista con Jota Mombaça, ContemporaryAnd (10.March.2018),
consultado el 20/6/2020. www.contemporaryand.com.
15 Priscila Rezende, Declaración de la artista [compartida con la autora por correo electrónico en marzo de 2020] (no publicada).
Archivo Priscila Rezende.
16 La obra pública de la artista Beatriz González, Auras Anónimas está compuesta por 8947 lápidas serigráficas en hojas de
propileno con la silueta de cargadores llevando a los muertos. La obra está instalada en cuatro columbarios del Cementerio
Central de Bogotá.
17 Ponto de Nana. Compositor: Roque Ferreira. Intérprete: Mariene de Castro, 2012; Kuarup Kamairurá, Colectiva: Grupo indíge-
na Kamayurá, 2012.
18 La Bienal 12|Porto Alegre ofrecería diferentes experiencias inmersivas con las obras de, por ejemplo, Renata Felinto, Lungiswa
Gqunta, Lidia Lisbôa, en la Fundación Iberê Camargo y Juliana dos Santos, Gladys Kalichini y Lorraine O’Grady en el MARGS.
Me gusta imaginar qué tipo de reverberaciones y resquicios estas experiencias producirían.
19 Maimouna Youssef, Say My Name: Maimouna Youssef Music (ASCAP), 2017.
20 Adrienne Edwards, Blackness in Abstraction, “Lorraine O’Grady”, Pace, New York, 2016, pp. 173-176.
21 Idem.
1 Calamity Jane en Deadwood, “Tell Your God to Ready For Blood”, temporada 3, episodio 1, dirección de Mark Tinker, escrito por
David Milch y Ted Mann, HBO, 11 de junio de 2006.
2 Mierle Laderman Ukeles, “Manifiesto por el Arte del Mantenimiento”, 1969, https://queensmuseum.org/wp-content/uplo-
ads/2016/04/Ukeles-Manifesto-for-Maintenance-Art-1969.pdf.
3 Laderman Ukeles, “Manifiesto por el Arte del Mantenimiento”.
4 Notablemente, Arte de Mantanimiento en el Museo de Arte de Queens, organizada por Larisa Harris y la cocuradora invitada
Patricia C. Phillips, fue la primera retrospectiva institucional de la artista a la edad madura de 77 años (18 de septiembre de
2016 a 19 de febrero de 2017). Laderman Ukeles nació en 1939.
5 Kay Brown, “‘Where We At’ Black Women Artists”, Feminist Art Journal (abril de 1972): 25; reimpreso en We Wanted a Revo-
lution: Black Radical Women, 1965–85: A Sourcebook, edición de Catherine Morris y Rujeko Hockley (Brooklyn, NY: Museo de
Brooklyn, 2017), 62–4.
6 Un retrato convincente de la generación de los EUA que fue llevada al error de creer que ellas sí “podrían tenerlo todo” está
representado en la obra de Ada Calhoun llamada Why We Can’t Sleep: Women’s New Midlife Crisis (Nueva York: Grove Press,
2020).
7 En el contexto de los EUA, el debate sobre este tema tiene más de una década. Ver, por ejemplo, Nancy Fraser, “Contradic-
tions of Capital and Care” en New Left Review 100 (Julio/Agosto de 2016): 99 - 117. En español, ver, por ejemplo, Mercedes
D’Alessandro, “La economía de los cuidados: Quién cuida y quién prepara la cena como problema social,” La Vanguardia, 9 de
octubre de 2019, https://www.lavanguardia.com/vanguardia-dossier/20191009/47872496945/feminismo-igualdad-mujeres-
-hombres-tareas-del-hogar-tareas-domesticas-baja-paternal.html.
8 Miguel A López, “Natalia Iguiñiz en una genealogía de solidaridad y supervivencia: Arte, activismo y feminismo desde la tierra
de la misoginia” en Energías sociales / Fuerzas vitales. Natalia Iguiñiz: arte, activismo, feminismo (1994–2018) (Lima: ICPNA,
2018), 38. La Ley nº 27986 que reglamenta el trabajo doméstico fue firmada oficialmente en junio de 2003.
9 Como Miguel A. López sugiere, una línea distinta en La otra es la crítica institucional señalada por la inclusión de personali-
dades famosas del escenario de arte local tales como la galerista Claudia Polar. López, “Natalia Iguiñiz en una genealogía de
solidaridad y supervivencia,” 36.
10 Cecilia Vicuña, “No manifesto de la tribu No,” 1967, manuscrito inédito.
11 Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya y Nancy Fraser sintetizan perfectamente mis pensamientos en Feminism for the 99%: A
Manifesto (Londres: Verso, 2019).
12 Parafraseando casi literalmente, en la parte final, “Earth Maintenace” [Mantenimiento de la tierra], Laderman Ukeles pide la
purificación de los residuos urbanos, la descontaminación del aire, la rehabilitación del agua y la preservación de la tierra.
13 Laderman Ukeles escribe: “Retiren el polvo de la creación individual pura, preserven lo nuevo, mantengan el cambio, pro-
tejan el progreso, defiendan y prolonguen el avance, renueven el entusiasmo”. Sobre la teoría de la reproducción social, vea:
Tithi Bhattacharaya, ed., Social Reproduction Theory: Remapping Class, Recentering Oppression (Londres: Pluto Press, 2017);
Dossier: Social Reproduction Theory, Radical Philosophy 2.04 (Primavera de 2019), https://www.radicalphilosophy.com/is-
sues/204; y Sarah Jaffe, “Social Reproduction and the Pandemic, with Tithi Bhattacharya,” Dissent, 2 de abril de 2020, https://
www.dissentmagazine.org/online_articles/social-reproduction-and-the-pandemic-with-tithi-bhattacharya. En el contexto del
arte y de la historia del arte, ver la edición especial del periódico Third Text 31.1 (2017), “Social Reproduction and Art,” editado
por Angela Dimitrakaki & Kirsten Lloyd. Un precedente clásico para estas recientes teorizaciones es el volumen de Lise Vogel,
Marxism and the Oppresion of Women: Toward a Unitary Theory (Rutgers University Press, 1983).
14 Vicuña, “The No Manifesto of Tribu No” en Manifestos and Polemics in Latin American Modern Art, 205.
15 Cecilia Vicuña, “White/Red,” in About to Happen (Catskill, NY: Siglio Press, 2017), 27. Ceque es una de las 42 líneas rituales que
irradian hacia afuera a partir del centro en el templo Qorikancha en Cusco, que establece la red de los lugares ceremoniales de
los incas. Ver Brian S. Bauer, The Sacred Landscape of the Inca: The Cusco Ceque System (Austin: University of Texas Press, 1998).
19 Para más detalles sobre la obra de Berduccy, ver Valentina Montero Peña, “El telar como máquina sensorial y de pensamiento.
La investigación artística de aruma - Sandra De Berduccy,” Artnodes 25 (2020): 1-9; http://doi.org/10.7238/a.v0i25.3277.
20Pilar Tompkins Rivas, “Establishing and Destabilizing Notions of Home in the Americas”, en Home - So Different, So Appealing,
edición de Chon A. Noriega, Mari Carmen Ramírez e Pilar Tompkins Rivas (Los Angeles, UCLA Chicano Studies Center Press,
2017), 114.
21 Ver la declaración del proyecto de Kairé en su página web: https://www.jessicakaire.com/such-is-life-in-the-tropics.
22 Esta es la enseñanza de Robin Wall Kimmerer, Braiding Sweetgrass: Indigenous Wisdom, Scientific Knowledge and the Teachin-
gs of Plants (Londres: Penguin Books, 2020).
Cualquier escrito, en nuestros días, se articula desde puedo reunir las notas de un recorrido más
la incertidumbre. No hay espacio para afirmaciones. que la evaluación de sus efectos. Este es
Todo lo contrario; se impone a todes los que un texto de partidas, no de llegadas.
piensan, escriben o crean, una danza constante con
Había, en medio de todo, que elegir un punto
los interrogantes. ¿Qué mundos son estos que se
de partida. Este punto, cuando se lo ve desde la
atraviesan delante de nosotros y sabotean toda y
educación y desde el arte, nunca puede ser neutro.
cualquier noción de lo que era, hasta ahora, vivir?
No existe neutralidad posible en un programa
Este texto no es una excepción. Ha sido escrito en un
educativo. No existe neutralidad posible en una
tiempo en el que todo sucede. El mundo sucumbe, la
muestra. No existe neutralidad. Las elecciones
muerte secular de cuerpos negros provoca rebeliones
de una exposición, su selección de artistas, sus
y caídas de estructuras coloniales y racistas en
narrativas, las voces que reverberan por sus
los EUA y en Europa, en tanto se tambalean en
elaboraciones, no permiten la imparcialidad.
otras partes del mundo. La vida de Brasil ha sido
tomada por una infinita y dolorosa noche entre la Tomar una posición significó, en esta edición,
enfermedad y las penurias de un gobierno en el que situar lo educativo en el necesario lugar de una
resuena toda la deuda no pagada por la historia usina de pensamientos. Por lo tanto, es necesario
asimétrica de este país. El arte, lugar desde donde que se comprenda lo educativo no como el lugar
hablo, ha sido tomado y confrontado en sus bases de ilustración del pensamiento curatorial e
contemporáneas, en sus dinámicas de funcionamiento institucional, sino como una dimensión inseparable
y en la obsolescencia de sus formas de existir. del acto de pensar y construir una exposición.
Fue desde aquí, desde el sur del mundo, al sur Los programas educativos, cuando las instituciones
de Brasil, que se instaura la decisión de realizar los empoderan --algo que pocas veces sucede--,
una exposición que elige política y estéticamente pueden ser el lugar de un tránsito muy intenso
una noción diversa de los femeninos. Feminino(s): de los ejes conceptuales que, en su inmensa
Visualidades, Acciones y Afectos reúne los trama de poderes, constituye una exposición.
sentidos que, más allá de las identidades Sin embargo, podemos afirmar que ante los
binarias, han seguido artistas de diferentes incontables cortes institucionales producidos
lugares, desde las Américas insumisas hasta durante la pandemia, e incluso antes, estos suelen
las Europas, enfocándose en la multiplicidad ser los sectores más fragilizados, con continuos
de las formas de existencia contemporánea. cortes de personal y consecuente discontinuidad de
acciones que, como sucede en toda la dimensión
Aquí, desde donde pienso y lucho con las palabras, a
educativa, solo se forjan a lo largo del tiempo.
mí me correspondía pensar una curaduría educativa
para el sur. El sur de los conceptos y de las nociones, La decisión de utilizar en esta edición el término
el sur del género y de la raza, el sur de Brasil. ¿Por “curaduría educativa” fue una de estas estrategias.
dónde caminar y qué mover cuando se tiene el Aquí, más allá de los debates que rodean los
lugar de curador a partir de la educación? Era términos que nombran la acción educativa, estaba
importante mantener los vínculos que venían de mi en juego negociar con la institución la centralidad
experiencia como investigador y docente. Así, temas del programa en el pensamiento curatorial. Usar
como la racialización y las escrituras insumisas de el término “curaduría educativa”, en esta edición,
las historias del arte, la exposición como montaje fue la forma de reforzar que lo educativo no viene
y una experiencia docente que romple con la después, sino que está junto. Es lo que ayuda a
jerarquía entre las narrativas de la historia del arte forjar las áreas de tránsito infinito de una muestra.
y aquellas que se construyen a partir de la práctica No me corresponde aquí disimular el hecho de
educativa, sirvieron como lugares de pensamiento. que existe una cuestión sistémica. Se ha intentado
jugar con la jerarquización de la posición curatorial
Lo que ahora, mientras todo aún se desdobla,
para, a partir de ello, reivindicar posiciones que
Dorota Biczel (Polonia / EE. UU.) Tiene un doctorado de la Universidad de Texas en Austin
y actualmente es profesora asistente visitante de Historia del Arte en la Universidad
de Houston. Sus proyectos de investigación, escritura y curaduría se enfocan en el arte
latinoamericano contemporáneo visto en un contexto global, particularmente en las
intersecciones de la experimentación material, la práctica social y política. Ha publicado
artículos y ensayos en revistas académicas como Caiana, Buildings & Landscapes, Art
Journal, ARARA y alter / nativas, y en catálogos de exposiciones. Fue la curadora de
Moving Mountains: Extractive Landscapes of Peru, en el Centro de Artes Visuales de la
Universidad de Texas (2016), y co-curadora de Teresa Burga's Chronology: Reports, Diagrams,
Intervals (2011, Württembergischer Kunstverein Stuttgart), entre otros proyectos.
Fabiana Lopes es curadora independiente con sede en Nueva York y São Paulo. Doctoranda
en Estudios de Performance en la Universidad de Nueva York, donde es becaria (Corrigan
Doctoral Fellow). Su investigación se centra en la producción contemporánea de artistas
de la diáspora africana en Brasil y Américas. Sus textos fueron publicados en Harper's
Bazaar Art, O Menelick 2o Ato, ARTE! Brasileiros, Contemporary And (C &) y en catálogos
de exposiciones: Rosana Paulino: costura de la memoria, Pinacoteca, São Paulo (2018),
Lucia Laguna: vizinhança, MASP, São Paulo (2018), Of Darkness and Of Light, Minnette Vári,
Johannesburg (2016), y Territórios: artistas afrodescendentes, acervo de la Pinacoteca (2015).
Igor Simões tiene doctorado en Artes Visuales-Historia, Teoría y Crítica de Arte, PPGAV-
UFRGS. Profesor Adjunto de Historia, Teoría y Crítica del Arte y Metodología y Práctica de
la Enseñanza del Arte (UERGS). Miembro del comité de curaduría de la Asociación Nacional
de Investigadores en Artes Plásticas (ANPAP), Miembro del Núcleo Educativo UERGS-
MARGS. Miembro del comité de colección del Museo de Arte RS (MARGS). Trabaja con
las articulaciones entre exhibición, edición de películas, historias del arte y racialización
en el arte brasileño y la visibilidad de los sujetos negros en las artes visuales. Autor de
la tesis Edición y exhibición cinematográfica: Voces negras en el cubo blanco del arte
brasileño. Miembro del do Flume-Grupo de Investigación en Educación y Artes Visuales.
(Hamilton / Ottawa,
Canadá, 1940 / 1945) Cecilia Vicuña
(Santiago, Chile, 1948)
Carole Condé y Karl Beveridge viven y trabajan en
Toronto. Han colaborado con muchas organizaciones
sindicales y comunitarias en la producción de sus Poeta, artista y cineasta chilena de larga trayectoria
trabajos fotográficos en los últimos 40 años. El internacional, creadora de “lo precario”, una poética
trabajo de ellos fue exhibido en todo Canadá y espacial de actos y performances realizados en la
internacionalmente, tanto en el movimiento sindical naturaleza, calles y museos como una forma de “oir
como en galerías de arte y museos. Recientemente un antiguo silencio esperando ser oído.” Desde los
su trabajo fue incluido en exposiciones: Really sesentas su obra ha re-elaborado el pensamiento
Useful Knowledge, Museo Reina Sofía, Madrid; poético y espacial amerindio para enfrentar el
The Noorderlicht Photofestival, Groningen, desastre ecológico de nuestro tiempo. Fundó la Tribu
Holanda; Toronto: Tributes and Tributaries, Galería No en Chile en l967, y co-fundó Artists for Democracy,
de Arte de Ontario. Carole y Karl recibieron un en Londres en l974. En 2011 fundó oysi.org dedicado a
doctorado honorario de la Facultad de Arte y la valoración del pensamiento indígena. Autora de 25
Diseño de la Universidad de Ontario (OCAD) libros de arte y poesía, su título más reciente es New
en 2010 y de la Universidad de Arte y Diseño & Selected Poems of Cecilia Vicuña, 2018. Su obra
de Nueva Escocia (NSCAD) en 2015; el Premio visual se expuso en documenta 14, Kassel y Atenas,
Cultural César Chávez Black Eagle de United Food 2017, y forma parte de las colecciones permanentes
and Commercial Workers (UFCW), Canadá, en del MoMA de Nueva York, el Guggenheim
2011; Premio al Mérito Artístico en la Universidad Museum de Nueva York y la Tate de Londres.
de Quebec en Montreal (UQAM) en 2013.
Natalia Iguiñiz
Musa Michelle
(Lima, Peru, 1973)
Mattiuzzi
(São Paulo, Brasil, 1983) Es artista visual y docente universitaria. Desde sus
estudios de Pintura en la Pontificia Universidad
Católica del Perú–PUCP (1990-95) y de la Maestría
Musa Michelle Mattiuzzi es performer, directora
Género, Sexualidad y Políticas Públicas en la UNMSM,
de cine, escritora y investigadora del cuerpo. Es
su trabajo explora la construcción de discursos
licenciada en Comunicación de Artes Corporales por
en torno a las concepciones de lo femenino, la
la Pontificia Universidad Católica de São Paulo. Sus
sexualidad, el trabajo doméstico y la maternidad;
obras se apoderan del/y subvierten el lugar exótico
así como el cuerpo y la enfermedad. Su trabajo se
atribuido al cuerpo de la mujer negra por el imaginario
desplaza entre los espacios expositivos de arte, la
cisnormativo blanco, que lo transforman en una
intervención en el espacio público y el activismo
especie de aberración, una entidad dividida entre lo
feminista. Ocasionalmente trabaja en diseño gráfico,
maravilloso y lo abyecto. Mattiuzzi participó en la
la comunicación social, escritura y curaduría (destaca
exposición Amor y Etnologia en HKW/Berlín en 2019,
la co-curaduría de la muestra permanente de El
presentó el nuevo proceso llamado Whitenography
Lugar de la Memoria, la Tolerancia y la Inclusión
y la performance sobre lo papel blanco en la misma
Social). Ha participado en 12 proyectos individuales
exposición; Su película Experimentando o Vermelho
y en más de doscientas muestras y bienales a nivel
em Dilúvio fue premiada como mejor cortometraje en
nacional e internacional. Así como su trabajo ha
el X Festival Internacional de Cine de Recife (BRA) y
sido reseñado en publicaciones diversas. Su obra
en 2019 la película fue seleccionada para el Festival
forma parte de importantes colecciones entre las
Internacional de Rotterdam. En 2018, participó
que destacan las de los museos MOLAA, MALI y El
en la XXXIII Bienal de São Paulo con el proyecto
Reina Sofía. Es Mamá de Antonia y de Vicente.
Afinidades Afroafetivas. Mattiuzzi vive en Berlín.
Pedro Lemebel
Sobre las Obras de la Bienal
(Santiago, Chile, 1952)
Entre 1979 y 1980 Paz Errázuriz fotografió personas
dormidas en la ciudad de Santiago de Chile. Nace en Santiago de Chile en 1952, es escritor y
Dormidos, hombres y mujeres, incluso animales, artista visual. En 1987, junto a Francisco Casas fundó
que expanden sus cuerpos en una posición que el colectivo de arte las Yeguas del Apocalipsis, que
desacomoda la normalidad de la ciudad. Capturadas realiza un extenso trabajo plástico en performance,
por la cámara, estas personas cuyos sentidos se fotografía, video e instalación. Durante el periodo
encuentran dormidos, reiteran las experiencias de la transición a la democracia y en postdictadura,
colectivas del silencio y la imposibilidad. Un Lemebel publicó sus crónicas en diversos medios
adormecimiento de los sentidos. La serie podría nacionales y extranjeros. Desde 1990 escribió
ponerse en paralelo con la situación del ciudadano como colaborador en la sección de crónicas para
chileno en tiempos de dictadura en Chile (1973- la Revista Página Abierta. Desde 1994 escribió la
1990). Paz Errázuriz construye un archivo singular columna “Ojo de Loca no se Equivoca...” en el Diario
en el que la fotografía se distancia del retrato para La Nación y realizó el programa “Cancionero” en
capturar un estado social de los afectos colectivos. Radio Tierra. Hacia finales de los 90 colaboró con
las Revistas Punto Final y The Clinic. Recibió la
Uno de los problemas más complejos para quienes
beca Guggenheim en 1999, el premio Anna Seghers
crean imágenes es cómo lograr que estas representen
en Berlín el año 2005 y el Premio Iberoamericano
aquello que carece de referentes. ¿Cómo dar cuenta
de Literatura José Donoso el año 2013.
del tiempo no vivido por los cuerpos ausentes de
los desaparecidos? Errázuriz propone un archivo
íntimo de los años previos al comienzo de la
transición democrática en Chile, después de 17 años Sobre las Obras de la Bienal
de dictadura. Durante la transición se mantuvieron
Escritor, cronista, artista visual, Pedro Lemebel
en funcionamiento estructuras del poder político
representó un discurso disidente. Un discurso
y económico de la dictadura. A la vez, comenzó el
opuesto a la dictadura y también crítico respecto
proceso de revisión de esos años de violencia. Paz
de los parámetros patriarcales que atravesaban
Errázuriz lo hace a partir de las fotografías de su hijo.
a las formaciones de la izquierda. Su texto Hablo
La serie de retratos que hizo de él entre el final de
por mi diferencia, que leyó en 1986 en la Estación
la dictadura y el comienzo del gobierno de Patricio
Mapocho del ferrocarril, en Santiago, durante una
Aylwin (1986-1990) se funde en un film en el que las
reunión de disidentes de izquierda, señalaba el
imágenes se suceden. Un cierto tiempo compendia
rechazo de sus compañeros políticos hacia la (y
Rosana Paulino
Renata Felinto
(São Paulo, Brasil, 1967)
(São Paulo, Brasil, 1978)
Doctora en Artes Visuales y Licenciada en Grabado
Doctorado y Máster en Artes Visuales por el por la ECA / USP. Es especialista en grabado por la
Instituto de Artes de la UNESP y especialista en London Print Studio, Londres. Recibió una beca de
curaduría y educación en museos en el Museo de la Fundación Ford en los años 2006 a 2008 y CAPES
Arte Contemporáneo de la USP. Artista visual y de 2008 a 2011. En 2014, recibió la beca de residencia
profesora adjunta de Teoría del Arte en URCA / en el Bellagio Center, de la Fundación Rockefeller.
CE en el que compuso el Comité de Investigación Sus obras se centran principalmente en la posición
Científica, fue la coordinadora del Grado en Artes de las mujeres negras en la sociedad brasileña y los
Visuales y el subproyecto PIBID del mismo curso. diversos tipos de violencia que sufre esta población
Realizó trabajos en la Pinacoteca do Estado de São debido al racismo y las marcas dejadas por la
Paulo, el Instituto Itaú Cultural, el Centro Cultural esclavitud. Tiene obras en importantes museos
São Paulo, SESC, SESI / FIESP, entre otros espacios. como MASP, Pinacoteca do Estado de São Paulo
Fue miembro del consejo editorial de la revista O y UNM - University of New Mexico Art Museum,
Menelick 2nd acto y es miembro del Comité Científico Estados Unidos. Ha participado activamente en
del Congreso de OSC de la Facultad de Bellas Artes varias exposiciones, tanto en Brasil como en el
de Lisboa. Coordinó el Centro de Educación del extranjero, y su trabajo ha sido objeto de varios
Museo Afro Brasil. Recientemente participó en las estudios académicos, libros y revistas especializadas.
exposiciones FIAC / France 2017, Negros Indícios,
en Caixa Cultural / SP, Absent Dialogues, en Itaú
Cultural y Galpão Bela Maré en RJ y, finalmente, Sobre la Obra de la Bienal
Afro-Atlantic Stories en el Instituto Tomie Ohtake.
El arte producido por mujeres y hombres negros Artista central en el arte afrobrasileño desde los años
ha sido el principal tema de investigación. noventa, Rosana Paulino está representada en la
Bienal 12 por su instalación Parede da Memoria, en
la que imprime retratos familiares sobre pequeños
Sobre la Obra de la Bienal patuas con los que configura un inmenso memorial de
su familia. Un retrato de sus afectos. En otra serie, la
Artista visual e investigadora académica, Renata de los bastidores, borda, o sutura, ojos, bocas, cuellos.
Felinto ha realizado su investigación artística a través Estas imágenes ineludibles señalan uno de los temas
de pintura, collage, fotografía y performance. Es, sin que la bienal investiga: la violencia hacia los cuerpos
embargo, a través de la práctica de la performance femeninos. La mujer negra, quien se encuentra en la
que la artista realiza un enfrentamiento más base de la pirámide de la sociedad brasileña. En sus
directo con las tensiones creadas por la presencia dibujos también aborda la relación cuerpo-animal.
del sujeto negro femenino en el espacio público de Introduce así uno de los debates más recientes
Brasil. En Danço na terra em que piso (2014), Felinto en el seno del feminismo, aquel que se vincula al
danza de forma graciosa en siete locales públicos antropoceno, a la capacidad del ser humano de
en São Paulo, algunos de los puntos históricos de destruir el planeta, a la centralidad de lo humano que
la ciudad como la Plaza da Sé, que forma, con la ha atentado contra la naturaleza. Rosana Paulino
Catedral da Sé, el marco cero del estado de São introduce con sus obras dos preguntas relevantes
Paulo. Para cada espacio, Felinto eligió una música para esta Bienal, ¿hasta qué punto el conocimiento
para que sirviera como paisaje sonoro para la científico ha contribuido a establecer los fundamentos
performance. Cada elección tomó en cuenta la letra del racismo?, pregunta que recorre su libro de
de la música, cuestiones de relevancia histórica artista ¿Historia natural? En segundo lugar ¿hasta
y política, y hasta las memorias personales de qué punto el canon del arte brasileño es blanco y
la artista vinculadas al espacio. De esta forma, patriarcal? Su serie A geometría a brasileira llega
Luciano Alabarse
Andrea Giunta
Andrea Giunta
Chief Curator
Buenos Aires University / Conicet
It is difficult to begin writing a text today—May 19, architects eager to work on their design, bringing with
2020—without remembering where we were before them large investments, monumental exhibitions,
lockdown. On March 13, we decided to cancel the and masses of visitors. Visiting a city came to
Biennial. I was about to travel to Porto Alegre for mean, among other things, visiting its museums to
that precious moment when artworks are put up appreciate their architectonic forms; many museums
in galleries or—in the case of site-specific works— are famous not only for the collections they exhibit,
materialized in situ. Many works would highlight the but also for a spectacular architectural display of
experience of journeys or delve into the poetic fiction slick curves carving the air like metallic skin. The most
of video in galleries where images and colors would famous example is the Guggenheim Bilbao. The 21st
intersect and inundate everything. I think, for instance, century has also witnessed the quiet proliferation
of Ana Gallardo’s drawings depicting the women of biennials and major events aimed at tourists and
murdered in Guatemala; Mónica Mayer’s collective art audiences. The number of visitors skyrocketed, as
action, which questions the place of women in Porto did the price of artwork and the cost of exhibitions. A
Alegre itself; Janet Toro’s performance, which also new set of dynamics began: more rigorous protocols
interrogates the city by carrying the artist’s body from for shipping artworks; the concentration of value
a burial site in Alfândega Square to the main entrance in the body of the work itself, even if that body is
of the Memorial; Juliana dos Santos’s incipient ephemeral (installations, site-specific works, and
installation on the color blue; and the embroidery performances that last only a few months, days,
workshop Chiachio & Giannone were going to hold in or even a moment); an art market on which even
the plaza. I think as well of the many localized works the records and archives of those ephemeral works
Adjunct Curator Fabiana Lopes had chosen for her circulate; the fetishization of works thanks to—among
selection, such as Dana Whabira’s piece on Black other factors—museums, even when what they
history in Porto Alegre, and of the piece by Juliana exhibit are photographs documenting actions, digital
Vidal selected by Adjunct Curator Dorota Biczel in images printed ad hoc, framed, and then rearranged
which the artist molds her body using local clay to be exhibited as art;1 prices in the art market, which
(clay from Rio Grande do Sul). The interconnections reproduce the alarming concentration of wealth
and exchanges of people, works, and spaces, the at a particularly ruthless moment in the history of
encounters we looked forward to through assembly, capitalism; the relationship between the art world
are, for now, not going happen. As I write this, it is still and global dynamics, which turn exhibitions and
unclear whether an in-person version of the Biennial biennials into stopovers in a quick journey through
in its original space will ever actually happen. cultural capitals; the stream of people—artists,
directors of institutions, collectors, curators—who
I go back to March 12, to my pre-pandemic
glide from opening to opening for the celebration.
perceptions of the state of culture as revealed by
numbers. If in the 1970s and 1980s there was reason The art world had gone mad—at least, that was how
to predict museums would be no more, in the 21st I saw it before the pandemic. To what extent did that
century museums have proven to be cherished hubs universe, as it existed before these months of social
in networks connecting art and the transnational distancing, form part of the dizzying movement and
movement of tourists. Museums have become meeting circulation that brought the planet to the depleted
places for people who live in the cities where they are state it was in before it came to a standstill? At
located. Modern and contemporary art museums this stage of lockdown, we talk about things going
attract millions of visitors, as well as often-famous back to “normal” or about a “new normal”; but
1 For an analysis of the critical deactivation of a work from the time it is manipulated spatially for installation, see Nelly Richard’s
lecture “Archivos de arte chileno, memoria y resistencia crítica,” Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, October 19,
2017. https://www.museoreinasofia.es/buscar?bundle=actividad&pasados=1&f%5B0%5D=im_field_obra_clasificacionge-
ner%3A4277 (visited 05-20-20).
2 This is how María Moreno, director of the Museo del Libro y de la Lengua in Argentina, described the activities that would take
place during lockdown.
3 I briefly review this institutional map in Andrea Giunta, “El arte negro es el Brasil,” Z Cultural. Magazine of the Programa Avan-
çado de Cultura Contemporanea, Univérsidade Federal do Rio de Janeiro, No 1, Year XV, 2020. http://revistazcultural.pacc.ufrj.
br/el-arte-negro-es-el-brasil/. Republished by Transas magazine. Letras y artes de América Latina, Universidad Nacional de
San Martín, School of Humanities, 2020 https://www.revistatransas.com/2020/05/21/artenegro_brasil_giunta/ (visited 01-06-
20).
4 See Igor Simões, “Voix noires dans les arts visuels brésiliens,” Artpress No. 53, Amérique Latine. Arts et combats, March 2020,
pp. 51-53.
5 Translator’s note: Quilombo, derived from the Kimbundu word for war camp, refers a settlement of African people, often esca-
ped slaves, in the Brazilian hinterland. Source: Wikipedia (visited 02-10-21).
“Can anyone really theorize about visualities, actions and affections based on the
an expanding process? … What are production of black artists - a production little
the philosophical premises behind explored in Brazil and in Latin America – while
my praxis? I think about how the trying to learn, even if in an experimental way,
the “range of possibilities of knowing, doing and
articulation of a theory is a gathering
existing” that this (poethic) production announces.2
place, and sometimes a resting
point while the process progresses, What type of arrangement, or impressions of the
insisting that you follow it.1 production by artists from the black diaspora could
this gathering, this ajuntamento bring together? What
In mid-March 2020, I was just a few days away from would the articulation of these works in dialogue
arriving in the city of Porto Alegre (Rio Grande do in an exhibition project do/provoke? Even if as a
Sul, Brazil) in preparation to the 12th edition of the reduced and limited exercise, would this gesture
Mercosur Biennial. As one of the assistant curators of approaching the production of black artists be
to Bienal 12|Porto Alegre, I would arrive four weeks relevant to expanding the field of references for
prior to the opening of the exhibition, scheduled artists, curators, educators, art educators in Brazil?
for April16th, and would closely follow the artists’ Which possibilities and tensions could emerge from
processes. They would also arrive in advance to this gathering? How does this ajuntamento help
develop additional research, produce their work and/ us to continue thinking about the emergence of
or accompany the installation process. I was excited black aesthetic strategies in the context of Brazil,
about this gathering, about in-person meetings, about my starting point, but also in Latin America?
being around during the execution and installation
of many of the works, about the catch up coffees, In the case of Brazil, in particular, and of Latin America
the long conversations, the quick chat at the street, in general, there is a long way to go when it comes to
the multiple possibilities for bumping into people paying attention to the production of black (woman)
at Praça da Alfândega, the public space around artists, and to the clues that this production offers
which are located two of the three exhibition spaces about knowing, doing, and ways of keeping on existing
where the Biennial would take place: Memorial within the structurally anti-black society in which
do Rio Grande do Sul and Museu de Arte do Rio we live. If the artistic production of black authorship
Grande do Sul (or Rio Grande do Sul Art Museum). is still so invisible (I was trying to avoid making that
These moments of encounter would broaden my statement, but here I am en/tangled in it), Fred
understanding of the invited artists’ projects and Moten reminds us that [The] mark of invisibility is
works to a great extent. They would also allow me to a visible, racial mark; invisibility has visibility at its
have a taste, in practice, of the possibilities generated heart. To be invisible is to be seen, instantly and,
by Feminine(s), visualities, actions and affections. fascinatingly recognized as the unrecognizable,
as the abject, as the absence of individual self-
Up to that point, my discussions with the invited consciousness, as a transparent vessel of meanings
artists about their (possible) projects had taken wholly independent of any influence of the vessel
place, for the most part, through virtual meetings. itself. A relevant question, then, is how can we, despite
Thinking about the proposal for Bienal 12|Porto this mark (or perhaps motivated by it), continue to
Alegre, I started to consider the artists that I had phonograph this problematic [visual] paradox.3
been meeting and following over the past 5 years.
My specific contribution to the biennial project was My attempt in this text is to try to apprehend how
to offer the possibility of thinking about Feminine(s), a black poethics, the same that led black women to
1 Barbara Christian, Black Feminist Criticism: Perspectives on Black Women Writers, New York: Teachers College Press, 1985, pp.
9-10.
2 Denise Ferreira da Silva, “Toward a Black Feminist Poethics”, in The Black Scholar v. 44, n. 2, summer 2014, p. 8
3 Fred Moten, In the Break: The Aesthetics of the Black Radical Tradition. Mineapolis: University of Minesota, 2003, p. 68.
The exercise that I try to do here, then, is to think of Based in Zimbabwe, Dana Whabira would possibly
some projects based on these tentative-concepts of be the first artist I would meet. Whabira had
gathering, ajuntamento, or habits of assemblage: already spent two weeks in Porto Alegre doing field
ajuntamento as crowd; ajuntamento as a gathering research, assisted by local artist Miti Mendonça, in
of things, amassing of objects; ajuntamento as the quilombos Silva, Fidelix, Lemos, Areal-the former
what emerges from the articulation of concepts (or area of the African Colony-, and the Restinga area.
theories) when works are placed in dialogue. And The finds of this research would inform the production
it is possible that these tentative-concepts won’t of a drawing, commissioned by the Bienal 12|Porto
hold, that they will dissolve at any mo(vi)ment. Alegre, as part of the series Circles of Uncertainty
— an ongoing investigation into stories of mapping,
I can’t breathe, I can’t breathe migration and escape route clues in communities of
I can’t breathe the African Diaspora. Through visits to quilombos,
interviewing leaders and members, and local
“Can one theorize effectively about an evolving
researchers, Whabira sought to identify different
process? … What are the philosophical assumptions
points of reference (and entry points) to learn about
behind my praxis?” These are some of the questions
the past and present history of these communities
asked by Barbara Christian in her attempt to
and outline a black production of space. By tracking
craft a black feminist criticism in the early 1980s.4
black spatiality, temporality, and radicality, the
Centered on the relationship between philosophical
artist tried to understand the complex nature of the
assumption and praxis, Denise Ferreira da Silva
quilombo, its precarious existence, and ambiguous
borrows Christian’s comments to consider, herself, how
delineation in the past and the present. The research
a Black Feminist Poethics would tackle such a task.
was also a way to access racial policies in Brazil, to
Expanding the discussion, Da Silva offers the following
know the status of spaces occupied by quilombos
questions: “Would the poet’s intention emancipate
in the urban psyche, mythology and imagination.
the Category of Blackness from the scientific and
historical ways of knowing that produced it in the For Whabira, quilombo seems to hold the meaning of
first place ...? Would Blackness emancipated from historically formed spaces as oppose this extended
science and history wonder about another praxis symbolic meaning which encompasses, for example,
and wander in the World, with the ethical mandate black urban spaces (or urban gatherings). But what
of opening up other ways of knowing and doing?” would be the advantages and limitations of crossing
4 Denise Ferreira da Silva, “Toward a Black Feminist Poethics”, op. cit., p. 81.
5 Idem.
6 Maria Beatriz Nascimento, Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual: Possibilidades nos dias da destruição. São Paulo:
Editora Filhos da África, 2018, p. 134.
7 Cedric J Robinson, Black Marxism: The Making of the Radical Black Tradition, London: Zed Press, 1983 (University North Caroli-
na Press, 2000), p. 171.
8 Held in the city of Ouro Preto (in the state of Minas Gerais) in collaboration with artists Priscila Rezende, Winny Rocha, Ana
Bárbara Coura, Fredd Amorim, and Karla Ribeiro, Rotas de fuga is, according to Charlene Bicalho, a mix of the everyday
life and performance. The artist had been researching Nagô braids, possible escape routes that these braids sometimes
represented, and the practice of hiding gold nuggets in the hair. For this collective performance, the artists met in front of the
Museu da Inconfidência (Inconfidência Museum) wearing black and red clothes. Organized in a row, they sat between each
other’s legs and, carefully, handed to the ori (head) of their companion in front of them the “gold” nuggets (gravel painted
golden). After that, they split into pairs and went walking through the streets around the museum, as if they were on different
escape routes, giving the people they met along the way the “gold nuggets” removed from their hair. Some of the people who
received the gift were so terrified when approached by the artists that they traced different routes. Along their way, the artists
left traces of “gold” on the streets, windows, mailboxes, and balconies of the houses up to the Santa Efigênia church. The pho-
to and video recording was done by Labibe Araújo.
9 Fábia Prates, “Project Chama: Poetics of the Black Diaspora,” in interview with Ana Lira. ContemporaryAnd.com (visited 06-30-
20).
10 To learn more about the herb “Amansa-Senhor”, see Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo, “AMANSA-SENHOR: a arma
dos negros contra seus senhores”, Revista Pós Ciências Sociais - São Luís, v. 4, n. 8, jul./dez. 2007, p. 31.
11 Gabriella Wilson, I can’t Breathe, New York, 2020.
12 My first memory of this activation was during a lunch meeting with other three artists at Lidia’s house in 2014. Upon hearing
the sound of the tambourine played by one of the guests, the artist got up from the table, “dressed” the Cocoon and started
dancing in a small space between the table and the stove.
13 Will Furtado, “Exploring The Body As Colonial Occupation” interview with Jota Mombaça, ContemporaryAnd (10.March.2018).
www.contemporaryand.com (visited 06-20-20).
14 Will Furtado, “Exploring The Body As Colonial Occupation” interview with Jota Mombaça, ContemporaryAnd (10.March.2018).
www.contemporaryand.com (visited 06-20-20).
15 Priscila Rezende, artist statement [email shared with the autor, March 2020]. Priscila Rezende Archive
16 The public work of the artist Beatriz Gonzalez, Auras Anónimas is composed of 8947 serigraphic headstones in propylene
sheets with the silhouette of porters carrying the dead. The work is installed in four communes of the Central Cemetery of
Bogotá.
17 Ponto de Nana. Composer: Roque Ferreira. Interpreted by: Mariene de Castro, 2012; Kuarup Kamairurá, Coletiva: Grupo indí-
gena Kamayurá, 2012.
18 The 12th Biennial of Porto Alegre would offer immersive experiences with works of artists such as Renata Felinto, Lungiswa
Gqunta, and Lidia Lisbôa, at the Iberê Camargo Foundation and Juliana dos Santos, Gladys Kalichini and Lorraine O’Grady at
MARGS. I’d like to imagine the types of reverberations and effects these experinces produce.
19 Maimouna Youssef, Say My Name: Maimouna Youssef Music (ASCAP), 2017.
20 Adrienne Edwards, Blackness in Abstraction, “Lorraine O’Grady,” pp. 173-176. Pace, New York, 2016.
21 Adrienne Edwards, Blackness in Abstraction, “Lorraine O’Grady”, op. cit., pp. 173-176.
1 Calamity Jane in Deadwood, “Tell Your God to Ready For Blood,” season 3, episode 1, directed by Mark Tinker, written by David
Milch and Ted Mann, HBO, June 11, 2006.
2 Mierle Laderman Ukeles, “Manifesto for Maintenance Art,” 1969, https://queensmuseum.org/wp-content/uploads/2016/04/
Ukeles-Manifesto-for-Maintenance-Art-1969.pdf.
3 Laderman Ukeles, “Manifesto for Maintenance Art.”
4 Notably, Maintenance Art at the Queens Museum of Art, organized by Larissa Harris and guest co-curator Patricia C. Phillips,
was the artist’s first institutional retrospective at the ripe age of seventy-seven (September 18, 2016–February 19, 2017). Lader-
man Ukeles was born in 1939.
5 Kay Brown, “‘Where We At’ Black Women Artists,” Feminist Art Journal (April 1972): 25; reprinted in We Wanted a Revolution:
Black Radical Women, 1965–85: A Sourcebook, edited by Catherine Morris and Rujeko Hockley (Brooklyn, NY: Brooklyn Mu-
seum, 2017), 62–4.
6 A convincing portrait of the U.S. generation who was misled into believing they “could have it all” is painted in Ada Calhoun’s Why
We Can’t Sleep: Women’s New Midlife Crisis (New York: Grove Press, 2020).
7 In the US context, the debate on the subject is over a decade old. See, for example, Nancy Fraser, “Contradictions of Capital
and Care” in New Left Review 100 (July/August 2016): 99–117. For Spanish language, see, for example Mercedes D’Alessandro,
“La economía de los cuidados: Quién cuida y quién prepara la cena como problema social,” La Vanguardia, October 9, 2019.
https://www.lavanguardia.com/vanguardia-dossier/20191009/47872496945/feminismo-igualdad-mujeres-hombres-tareas-
-del-hogar-tareas-domesticas-baja-paternal.html.
8 Miguel A López, “Natalia Iguiñiz en una genealogía de solidaridad y supervivencia: Arte, activismo y feminismo desde la tierra
de la misoginia” in Energías sociales / Fuerzas vitales. Natalia Iguiñiz: arte, activismo, feminismo (1994–2018) (Lima: ICPNA,
2018), 38. Law #27986 regulating domestic employment was officially signed in June 2003.
9 As Miguel A. López suggests a separate thread in La otra is institutional critique as implied by the inclusion of well-known
personalities of the local art scene such as the gallerist Claudia Polar. López, “Natalia Iguiñiz en una genealogía de solidaridad y
supervivencia,” 36.
10 Cecilia Vicuña, “The No Manifesto of Tribu No” in Manifestos and Polemics in Latin American Modern Art, edited by Patrick
Frank (Albuquerque: University of New Mexico Press, 2017), 206; reprinted from Spit Temple: The Selected Performances of
Cecilia Vicuña, edited and translated by Rosa Alcalá (New York: Ugly Duckling Presse, 2012), 58.
11 My thoughts had been perfectly encapsulated by Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya, and Nancy Fraser in Feminism for the 99%:
A Manifesto (London: Verso, 2019).
12 Paraphrasing almost verbatim, in the final part, “Earth Maintenace,” Laderman Ukeles calls for the purification of urban refuse,
depollution of air, rehabilitation of water and conservation of earth/land.
13 Laderman Ukeles writes: “keep the dust off the pure individual creation, preserve the new, sustain the change, protect pro-
gress, defend and prolong the advance, renew the excitement.” On social reproduction theory, see: Tithi Bhattacharaya, ed.,
Social Reproduction Theory: Remapping Class, Recentering Oppression (London: Pluto Press, 2017); Dossier: Social Reproduc-
tion Theory, Radical Philosophy 2.04 (Spring 2019), https://www.radicalphilosophy.com/issues/204; and Sarah Jaffe, “Social
Reproduction and the Pandemic, with Tithi Bhattacharya,” Dissent, April 2, 2020, https://www.dissentmagazine.org/online_ar-
ticles/social-reproduction-and-the-pandemic-with-tithi-bhattacharya. In context of art and art history, see the special issue
of the journal Third Text 31.1 (2017), “Social Reproduction and Art,” edited by Angela Dimitrakaki & Kirsten Lloyd. A classic pre-
cedent for these recent theorizations is Lise Vogel’s volume, Marxism and the Oppression of Women: Toward a Unitary Theory
(Rutgers University Press, 1983).
14 Vicuña, “The No Manifesto of Tribu No” in Manifestos and Polemics in Latin American Modern Art, 205.
15 Cecilia Vicuña, “White/Red,” in About to Happen (Catskill, NY: Siglio Press, 2017), 27. A ceque is one of the forty two ritual lines
radiating outwards from the center in Qorikancha temple in Cusco, which establish the network of Inka ceremonial sites. See:
Brian S. Bauer, The Sacred Landscape of the Inca: The Cusco Ceque System (Austin: University of Texas Press, 1998).
16 Elaina Otta, Women’s Words, Montserrat I, 2017.
17 No les permitas escribir / tu miedo, tu final, tu caída / no les permitas escribir eso.
18 Hoy se pierde un diente / mañana un ovario / como hay que disimular una cicatriz de cesárea?
19 Around the time of Otta’s exhibition in Lima, Andrea Giunta, Luis Vargas Santiago, and I gathered reflections on gender-based
violence and #NiUnaMenos in the dossier “Descolonizaciones inciertas II: #NiUnaMenos/Uncertain Decolonizations II: #NiU-
naMenos,” arteBA 4 (January/June 2017), 100–11.
20 Montserrat III reads: “Because you don’t see the blood in the dough of the breakfast’s bread.”
21 For more on de Berduccy’s work, see: Valentina Montero Peña, “El telar como máquina sensorial y de pensamiento. La investi-
gación artística de aruma—Sandra De Berduccy,” Artnodes 25 (2020): 1-9; http://doi.org/10.7238/a.v0i25.3277.
22 Pilar Tompkins Rivas, “Establishing and Destabilizing Notions of Home in the Americas,” in Home—So Different, So Appealing,
edited by Chon A. Noriega, Mari Carmen Ramírez, and Pilar Tompkins Rivas (Los Angeles, UCLA Chicano Studies Center Press,
2017), 114.
At the current moment, any writing is woven into In the midst of everything to choose from, there
uncertainty. There is no room for assertions. On the was a starting point. This point, when seen from a
contrary, anyone who thinks, writes, and creates is perspective of education and art, can never be neutral.
obliged to constantly dance with uncertainty. What There is no neutrality possible in an educational
worlds are these that arise before us and shake up program. There is no neutrality possible in an exhibit.
any notion of what it was like to live? This text here is There is no neutrality. The choices of an exhibit, its
no exception. It is written in a time when everything selection of artists, its narratives, the voices that echo
happens. The world succumbs, the secular death of through its preparation, do not allow impartiality.
Black bodies causes the rise and fall of colonial and
In this edition, to take a stand meant to place
racist landmarks in the US and Europe, while they
the educational program in the necessary
sway in other parts of the world. The country’s life is
role of a thought factory. Therefore, it is
taken over by an endless and painful night between
necessary to understand education not as
the disease and the disfunction of a government
an illustration of curatorial and institutional
that echoes the entire unpaid debt from Brazil’s
thinking, but as an inseparable factor in the
unequal history. Art, where I am coming from, was
act of conception and creation an exhibit.
taken over and confronted in its contemporary
bases, in the dynamics of its functioning and Educational programs, when empowered by
the obsolescence of its forms of existence. institutions (which rarely happens), can be the place
of a very intense transit of the conceptual axes
It was from here, from the South of the World
that, in their immense network of powers, constitute
to the South of Brazil, that the will emerges
an exhibit. However, in view of the numerous
to realize an exhibition that would establish a
institutional cuts during the pandemic and even
different notion of the Feminine(s), politically and
earlier, it can be said that these tend to be the most
aesthetically. Feminine(s): Visualities, Actions and
fragile sectors, with continuous staff cuts and the
Affects dictates the choice of artists from different
resulting discontinuity of actions that, like the entire
places, from the unruly Americas to Europe,
educational system, are only forged over time.
expanding beyond the binary and looking at the
contemporary multiplicity of forms of existence. In this edition, the choice of the term “curation of
education” was one of these strategies. Here, in
Here, from where I think and struggle with words, it
addition to the debates of the terms that name the
was up to me to think of the curation of education
educational action, at stake were the negotiations
in the South. The South of concepts and ideas,
with the institution regarding the centrality of the
South of gender and race, South of Brazil. Where
program in curatorial thinking. Using the term
do we go and what do we move when the role of
“curation of education,” in this edition, was a way
the curator is articulated from the viewpoint of
to reiterate that the education does not come
education? It was important to maintain the bonds
afterwards, it is part of the exhibit. It helps to create
that came from my experience as a researcher
the traffic ways through an exhibition. There is no
and professor. Thus, my thinking encompassed
need to hide the fact that there is a systemic issue. It
themes such as racialization and insubordinate
was a question of playing with the hierarchy of the
writings of art histories; the exhibit as a montage;
curatorial positions in order use it to claim the position
and the teaching experience that collapsed the
that education detached from the term curator
hierarchy between the narratives of art history
seems unable to achieve. If curation is recurrently
and those developed from educational practice.
understood as the place where the exhibitions are
What I can now gather, while everything is still created, using the term “curation of education” is to
unfolding, are the notes on the route rather than the situate education in that place, and thus deal directly
evaluation of its effects. This is a text of departures, with the expectations and systemic frameworks.
not arrivals.
The Experiences of Others As a Path The first place where these voices echo was in
literature. For a long time, there was learning about
Another relevant factor of this stage of our work things that happen from what literature tells us.
was to seek constant educational partners among The catalytic image of the actions of the education
local institutions. One of the first actions was program is indebted to the words of the Brazilian
carried out at the Rio Grande do Sul Ado Malagoli writer Ana Maria Gonçalves and her compelling novel
Art Museum - MARGS, during a meeting with Um defeito de Cor (A Color Defect) from which we
the education programs of museums and other learn to think of “Brazils” and its peoples based on
cultural organizations in the city of Porto Alegre. It
Dorota Biczel (Poland/USA) holds a Ph.D from the University of Texas at Austin. She is
currently a visiting assistant professor of art history at the University of Houston. Her
research, writing, and curatorial projects focus on contemporary Latin American art seen
in the global context, particularly at the intersections of material experimentation, social
practice, and politics. She has published articles and essays in academic journals such as
Caiana, Buildings & Landscapes, Art Journal, ARARA, and alter/nativas, and in exhibition
catalogs. She curated Moving Mountains: Extractive Landscapes of Peru at the UT’s
Visual Arts Center (2016) and co-curated Teresa Burga’s Chronology: Reports, Diagrams,
Intervals (2011, Württembergischer Kunstverein Stuttgart), among other projects.
Fabiana Lopes is a New York- and São Paulo-based independent curator, writer,
and Ph.D. candidate in Performance Studies at New York University, where she is a
Corrigan Doctoral Fellow. Her research centers on the contemporary production of
artists of the African diaspora in Brazil and the Americas in general. Her writings have
appeared in Harper’s Bazaar Art, O Menelick 2o Ato, ARTE!Brasileiros, Contemporary
And (C&), and in exhibition catalogs such as Rosana Paulino: The Sewing of Memory,
Pinacoteca, São Paulo (2018), Lucia Laguna: Neighborhood, MASP, São Paulo (2018),
Of Darkness and Of Light, Minnette Vári, Johannesburg (2016), Territories: Artists
of African Descent at Pinacoteca’s Collection, Pinacoteca, São Paulo (2015).
Igor Simões has a PhD in Visual Arts - Art History, Theory and Criticism from the PPGAV
(Graduate Program in Visual Arts) at UFRGS. Assistant professor in the Art History, Theory and
Criticism and Art Teaching Methodology and Practice course at UERGS. Member of the curating
committee of the National Association of Plastic Art Researchers-ANPAP, and member of
the UERGS-MARHS Education Hub. Member of the collection committee at the Rio Grande
do Sul Museum of Art-MARGS. He works with articulations between exhibitions, film editing/
montage, art history, and the racialization of Brazilian art and the visibility of black individuals
in the visual arts world. Author of thesis Film Montage and exhibitions: Black Voices in the
White Cube of Brazilian Art. Member of Flume - Education and Visual Arts Research Group.
convida Marta divided between the exhibition site, where the sound
installation is located, and the space for collective
Supernova, celebration and mediation of black territories in
Porto Alegre, Chama articulates the artist’s key
Ola Elhassan e concepts, by means of what she calls vivência-
Suelen Mesmo das-entrelinhas (a between the lines experience).
(Chillán, Chile, 1949) out an art clinic conducted by Ana Gallardo. She won
the 1st Prize in Painting at the Salón Vincentín (Santa
Fe) and in 2018 he won the Barrio Joven-ArteBA prize
Multi-disciplinary artist known for her photography, for her project Kunoichi (Solo Show-Galería Piedras).
time-based installations and performances. Based in In 2020 she participates with her work ‘Algun día
Santiago, Chile, her work has been exhibited in venues saldrá de aquí (Feminicidios)’ at the 12th Mercosul
such as Bienal 12, Porto Alegre, Brasil 20/20, Radical Biennial in Porto Alegre, curated by Andrea Giunta.
Women, The Hammer Museum, PST/LA/LA, USA, 2017; She integrates the Asamblea de Trabajadoras del Arte
The LA Art Show 2017; We The People, Casablanca Nosotras Proponemos, a collective wich proposes to
Biennale, Mezquita Hassan, Morocco, 2016; Limitrofe, make visible the work of female artists and feminized
The XX Bienal de Santa Cruz de la Sierra, Bolivia, 2016. identities and denounce inequalities within the world
In 2003, she represented her country Chile at the 50th of visual arts. She is also a member of the Escuela de
Venice Biennale, Dreams and Conflicts and invited Brujas Feministas for Kids, along with other artists
Santiago’s Plaza de Armas stenopeic photographer and activists. She produces the XOXO fanzine and
Luis Maldonado to transport his street portrait studio carries out a historical investigation on Argentine and
and camera to the Giudecca Island. In 2011, her film Latin American painters with Deborah Pruden. In her
Girls and Horses was featured in the exhibition Silence plastic work she brings the fusion between painting,
of The Beast, Centre Pompidou, Paris. In Miami, in Japanese manga and activism. In the musical field
2000, she founded a low frequency radio, Talking she was part of Suripantas, Las Fantásticas Pupés and
Head Transmitters (THT) airing on FM to build a bridge XOXOBOMBA bands. In 2019 she published her first
between artists and community. THT has transmitted book of paintings ‘Femininjas’ by Ronda Editorial.
from Muzeum Anaheim Ca, as part of PST/LA/LA;
The LA Art Show; We The People, The Casablanca
Biennale; New Works Miami Art Museum; the Museum About the Works at the Biennial
Quartier in Vienna, Austria, Vienna Art Week, Intrude,
Zendai Moma, Shanghai, China, among others. Painter and musician, Fátima Pecci Caron presents,
at the Biennial, 200 painted portraits of women,
transvestites and trans people (children, youth and
About the Works at the Biennial adults) from Argentina, who have been victims of
femicide or who are still missing. This violence happens
Chilean photographer and performer Eugenia Vargas worldwide. Violence against female and feminized
presents at the Biennial 12 her sound installation Lo bodies is daily. The excess on these images evokes the
que Oyen los Muros (What the Walls Hear). It is a wall, brutality of these absences. Many women disappear
located at the Memorial room, built with industrial in human trafficking networks, others are murdered
materials in which numerous sound art devices stick when they go dancing, or in their own homes, usually
to the memory as they are played. It is a collective of by their own partners. Fátima goes beyond statistics
women whose voices come from only one. The sounds
da America, 1939)
About the Work at the Biennial
Judy Chicago is an artist, author of fourteen
books, educator, and humanist whose work and “Entre o azul e o que não me deixo/deixam esquecer”
life are models for an enlarged definition of art, an is an interactive and performative installation,
expanded role for the artist, and women’s rights composed by light, sound and a presence sensor. The
to freedom of expression. Chicago is most well- work has arisen from Juliana dos Santos’ reflections
known for her role in creating a Feminist art and art on the poetic limits and possibilities of being a black
education program in California during the early artist, which she articulates through questions:
1970’s, and for her monumental work The Dinner “Would it be possible to talk about Blue when
Party, executed between 1974 – 1979, which is the people remind me all the time that my limit is way
centerpiece of the Elizabeth A. Sackler Center for below the sky? Which are the demands that they/I
Feminist Art at the Brooklyn Museum in New York. will not let me forget? Can black artists abstract?
Chicago’s work has been exhibited widely in the How can I talk about blue when people always yell
United States and internationally and her influence “black” when they see me? How can I forget myself
continues to be acknowledged worldwide. Judy in the blue when the memory from other people
Chicago is represented by Salon 94 in New York disrupts my dream?” Therefore, the installation is
and Jessica Silverman Gallery in San Francisco. an elaboration of an immersive experience, arising
from this search for sensitivity and plastic-formal
experimentation, in an exercise and attempt to talk
About the Work at the Biennial about blue amongst other sharing possibilities.
About the Work at the Biennial About the Work at the Biennial
Techo de leche y tierra (Milk and Soil Ceiling) is a The young Cuenca-born artist Juliana Vidal (Tania
delicate and monumental installation assembled Marcela Vidal Barrera) investigates the lasting
over the viewer’s height, by artist Juliana Góngora physical allure of traces through the media that range
at Biennial 12. The artist researched the process of from analog photography to sculptural practices
turning liquid milk into a solid yarn with which it is based in mold-making. Whether by the means of
possible to knit. The project was born from a tale by a photographic camera or malleable materials as
Marguerite Yourcenar, “La leche de la muerte” (“The diverse as clay, plaster, and contemporary dental
milk of death”), about a buried woman whose milk compounds, she registers indexical signs that mediate
continues to sprout to feed her son. Or from Hera’s absence through space and time. Through these
story, that would have created the Milky Way by the operations, her work is a sort of extended meditation
spattering of her breast milk. Juliana physically and on the visibility and invisibility of diverse human
intuitively investigated how to translate these stories bodies, their persistence, and the imprints they
into a real dimension by converting milk into fiber. leave on the social spaces we inhabit. Specifically,
She extracted the milk’s casein, added lime, and soil her artisanally produced earthen bricks allude to
to form a mass combined with earth and modeled class as it is imbricated with the different modes of
by hands. The yarn came after an experiment of construction in Latin American cities, pointing out the
two years, first in the laboratory and after in her issues of their spatial organization and segregation.
home kitchen, where she watched carefully and
emotionality, the milk always different, and extremely
permeable to its surrounding environment. The yarn Julieta Hanono
has an elastic and almost translucent appearance.
Techo de leche y tierra (Milk and soil ceiling) embraces (Buenos Aires, Argentina, 1962)
the bodies that circulate beneath its space.
Born in Buenos Aires. She studied Philosophy and
Visual Arts at the University from Rosario (Argentina).
She arrives in Paris in 1990 invited to the School of
Fine Arts. She currently lives and produces in Paris,
Rosario and Buenos Aires. Her work is related to her
political experience in Argentina in the 1970s, with the
disappearance, prison and exile to France. Today it is
constituted as a meeting point between two different
Lorraine
O’Grady Lungiswa
Gqunta
(Boston Massachusetts,
Estados Unidos, 1934) (Port Elizabeth , África
do Sul, 1990)
Lorraine O’Grady is a conceptual artist and cultural
critic whose primary form for four decades in various Lungiswa Gqunta grapples with the complexities of
genres, including text, photo-installation, video and the South African post-colonial cultural and political
performance, has been that of the diptych, or at landscape. Creating multisensory experiences that
least the diptych sense. In O’Grady’s art, whether attempt to articulate the social imbalances that
live performance or two-dimensional wall works, persist as a legacy of patriarchal dominance and
multiple emotions and ideas co-exist, even those colonialism, Gqunta exposes different forms of
that might be considered contradictory, such as violence and systemic inequality. Lungiswa Gqunta
anger and joy, or classicism and surrealism, while (b.1990) obtained her undergraduate degree at
technical means seem governed by both chance and the Nelson Mandela Metropolitan University, 2012
total control in order to express political argument and her MFA at the Michaelis School of Fine Arts in
and unapologetic beauty simultaneously. Across the 2017.She is currently completing residency at the
whole, essays and images interpenetrate. The goal Rijksakademie in Amsterdam.Recently Gqunta
of her diptychs—sometimes explicit, two images has exhibited at Gropius Bau, Berlin, Germany,
side by side, at other times implicit, as with two Kunstverein Braunschweig, Germany, Manifesta
types of hair, silk and tumbleweed, videotaped on Biennial 12, and Wanas Kunst Museum, Sweden
the same scalp at different times of the same day and Documenta 14. Upcoming projects for 2020
and creating permeating worlds—is not to effect a include Ubuntu a Lucid Dream, Palais de Tokyo,
mythic “reconciliation of opposites,” but rather to Paris, Overview Effect, Museum of Contemporary Art
enable (even force) a conversation between dissimilars Belgrade, Serbia and Biennial 12, Porto Alegre, Brazil.
long enough to induce familiarity and to present
a kind of both/and thinking needed to destabilize
the West’s hierarchical, either/or categories. About the Works at the Biennial
South African sculptor and visual artist Lungiswa
About the Work at the Biennial Gqunta's multisensory works explore the social
imbalances deriving from colonialism: colonial
For over four decades, conceptual artist and landscapes and the spatial legacies resulting
cultural critic Lorraine O’Grady has been making from them, as is the case of the works presented
sharp intellectual interventions through her artistic at Bienal 12 | Porto Alegre, Gqunta, the video Feet
practice—realized in a various media such as text, Under Fire, (2017) and the installation The Softness
photo-installation, video and performance—and of A Woman's Touch (2018-2020). What do we think
through her theoretical texts. One example is her now about when we think about woman's touch? To build
canonical 1992/94 essay “Olympia’s Maid: Reclaiming the present version of the installation The Softness
Black Female Subjectivity,” an important contribution of A Woman's Touch, Gqunta engaged in intense
to the fields of art history and intersectional feminism. collaborative work with four local black woman artists
O’Grady’s investigation addresses, for the most and art historians (Daniele Reis, Malena Mendes,
Pau Delgado
Nury Gonzalez Iglesias
(Santiago, Chile, 1960) (Montevidéu, Uruguai, 1977)
Bachelor of Arts at the University of Chile, where
Pau Delgado Iglesias is a visual artist and a teacher.
today she is Professor. In Chile, she has obtained the
She holds an MA Culture Industry from Goldsmiths,
FONDART Grant 6 times. In 1999 she obtained the
University of London, and a diploma in Gender
J.S. Guggenheim Grant and in 2001 the Rockefeller
and Public Policies at Universidad de la República
Foundation Residency Grant in Paraguay.Since
(UdelaR, Uruguay). She is currently a professor at
1983 she exhibits both in Chile and abroad. The
the National School of Fine Arts (UdelaR) and at
Biennials of Havana (Cuba), La Paz (Bolivia),
the Faculty of Culture of Universidad CLAEH, in
Curitiba (Brazil), Shanghai (China), Pontevedra
Uruguay. She writes a column every two weeks for
and Valencia (Spain) stand out among others. Her
Semanario Búsqueda. She has exhibited her works
works challenge certain stories, whether historical or
individually and/or collectively at: Museo Nacional
fictional, that credit an autobiographical tradition
de Artes Visuales, Espacio de Arte Contemporáneo,
of uprooting, major tragedies such as war and exile,
Centro de Exposiciones SUBTE (Uruguay); Momenta
and what might be called “historical volatility”.
Art, Slought Foundation, Art in General, The Armory
Her work aims to establish thematic, procedural
Show (United States); Galeria parasito/hunt
and technical crossings between the practices
kastner artworks (Czeck Republic); Galería Belleza
that determine the feminine and particularized
y Felicidad (Argentina); Galería Xippas (Switzerland
space of the private and those discourses and
and Uruguay); MuseumsQuartier (Austria); The Bag
practices that are determined as a paradigm of
Factory Studios, (South Africa); and other spaces.
the political and historical space of the public.
About the Work at the Biennial About the Works at the Biennial
Estar igual al resto (Equal to the Others) is the result
Chilean multimedia and experimental artist, Nury
of an intense investigation work conducted by Pau
González has been addressing memory issues through
Delgado Iglesias for five years with people blind
a variety of media and strategies. In Biennial 12, she
from birth in different cities of the world (Montevideo,
presents Historia natural de la destrucción (Natural
Uruguay; Lima, Peru; Havana, Cuba; Santiago, Chile;
history of destruction), a work that consists of three
Buenos Aires, Argentina; Hereford, United Kingdom;
chamales. Chamal is a mapuche blanket that dates
Asunción, Paraguay; and Bern, Switzerland). In a world
approximately one hundred years. It is pierced,
where everyday life is marked by ‘hyper-visuality’,
crushed or shredded by time, and, as black, it must
this work explores how identities are constructed
be worn by women. These discarded covers were
when images are absent, especially sexual and
purchased by Nury in the Temuco market in 2011, the
gender identities. What is beauty for people who
(Santiago, Chile, 1941) In the series of photographs gathered for the book
El infarto del alma (Heart attack of the soul), Paz
Errázuriz reveals the relationships and affections of
Professional Photographer. She worked as a teacher the couples. The portraits, taken at the psychiatric
and is currently fully dedicated to her photographic hospital in Putaendo, illustrate poor people, rejected
work. She was a founding member of the Asociación by society. However, among them, one can see
de Fotógrafos Independientes, AFI (1981) and has proximity, closeness, and feelings. Together with
published the books ““Amalia”, “La Manzana de Diamela Eltit, who writes about the scenario, Paz
Adán”, “El infarto del Alma”, “Kawesqar, hijos de goes through the institution’s corridors and parks. “In
la mujer Sol”, “La luz que me ciega”, “Ojos que the middle of the road, Paz Errázuriz and I reached
no ven” and “Señales”. She has been jury in the the limit, where we had to face the disjunctive
Casa de las Américas Prize, Cuba and in Fondart, of having to cross the borders continuously.”.
Chile. Her photographs are in collections such as Frontiers of separation, isolation, and madness;
DAROS, Switzerland; Tate Gallery, London; Reina the isolation from the outside world that prefers
Sofía Museum, Spain; MoMA and Guggenheim not to look, not to know. The photographs put us in
Museum, United States; National Museum of contact with the unknown grammar of love. How
Fine Arts, Chile and in private collections. She are the relationships in this confined space?
has obtained the Guggenheim, Fulbright and
Fondart scholarships. She has been recognized
with the Altazor Award, the Artistic Career Award
of the Círculo de la Crítica, the PhotoEspaña award
Pedro Lemebel
and the Chilean National Art Award in 2017. (Santiago, Chile, 1952)
Born in Santiago de Chile in 1952, he is a writer
About the Works at the Biennial and visual artist. In 1987, together with Francisco
Casas, he founded the art collective Las Yeguas del
Between 1979 and 1980, Paz Errázuriz photographed
Apocalipsis, which carried out extensive artistic work
sleeping people in the city of Santiago de Chile.
in performance, photography, video and installation.
Asleep, men, women, and animals stretch their
During the period of transition to democracy and
bodies in a position that dislikes the normality of the
in the post dictatorship years, Lemebel published
city. Captured by the camera, these people, whose
his chronicles in various national and foreign
senses are still, retell the collective experiences
media. Since 1990 he wrote as a collaborator in the
of silence and impossibility. The paralysis of the
chronicles section for the Open Page Magazine.
senses. The series could draw a parallel with the
Since 1994 he wrote the column “Ojo de Loca no
situation of Chile during the dictatorship period
Equivoca ...” in the newspaper La Nación and
(1973-1990). Paz Errázuriz builds a unique archive,
hosted the program “Cancionero” on Radio Tierra.
in which photography grows distant from portrait
Towards the end of the 90s he collaborated with
to capture a social state of collective affections.
Punto Final and The Clinic Magazines. He received
One of the most complex problems for those who the Guggenheim scholarship in 1999, the Anna
create images is to find a way to represent them, Seghers Prize in Berlin in 2005 and the José Donoso
not having any references. How to account for the Ibero-American Prize for Literature in 2013.
not lived time by the absent bodies of the missing
people? Errázuriz proposes an intimate archive of
the years before the beginning of the democratic About the Works at the Biennial
transition in Chile, after 17 years of dictatorship.
During the transition, the dictatorship structures of Writer, chronicler, and visual artist, Pedro Lemebel
political and economic power were still running. At represented a dissident speech. A discourse in
the same time, the review process of these years of opposition to dictatorship and critical to the
violence began. Paz Errázuriz does it based on his patriarchal parameters that crossed the formations
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