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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


CIÊNCIAS SOCIAIS

MATEUS RIBEIRO DE OLIVEIRA GONÇALVES

NEM MÁFIA, NEM MENDIGOS:


UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
NO CONTEXTO BRASILEIRO

Belo Horizonte – MG
2019
MATEUS RIBEIRO DE OLIVEIRA GONÇALVES

NEM MÁFIA, NEM MENDIGOS:


UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
NO CONTEXTO BRASILEIRO

Monografia de Conclusão de Curso, apresentada para


obtenção do Grau de Graduação no Curso de Ciências
Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais.

Orientador: Prof. Marden Barbosa de Campos

Belo Horizonte – MG
2019
MATEUS RIBEIRO DE OLIVEIRA GONÇALVES

NEM MÁFIA, NEM MENDIGOS:


UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
NO CONTEXTO BRASILEIRO

Monografia de Conclusão de Curso, apresentada para


obtenção do Grau de Graduação no Curso de Ciências
Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais.

Orientador: Prof. Marden Barbosa de Campos

Belo Horizonte , 20 de novembro de 2019.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Marden Barbosa de Campos (UFMG) - Orientador

Profª: Elaine Meire Vilela (UFMG)


Às imagens e semelhanças de Deus dormindo em
calçadas das ruas no Brasil.
Agradecimentos

A palavra gratidão tem acompanhado toda a minha trajetória. Embora seja um

exercício constante e muitas vezes desgastante, olhar para trás com o sentimento de gratidão

tem me permitido seguir adiante sem dívidas com o passado e livre para descobrir o novo do

futuro. É dessa forma que olho para todo esse tempo de graduação em Ciências Sociais na

Universidade Federal de Minas Gerais.

Sou grato “a” e sou grato “por”. Sou grato a todas as pessoas que estiveram por trás

me apoiando, sem as quais seria muito mais difícil concluir essa etapa.

Sou grato ao Ensino Público Superior que, mesmo sob constante ameaça, ainda é o

maior produtor de conhecimento científico do país. Completar a graduação em uma

Universidade Federal me fez reconhecer que o investimento no ensino e na produção

cientifica transforma histórias, individuais e coletivas.

Sou grato aos meus pais que, à sua maneira, sempre em amor, investiram parte de si

na minha formação. Meu pai sempre valorizou a educação e me passou tal valor desde a tenra

infância. Penso que o conhecimento é uma arma emancipadora e sou grato por ele ter me

ensinado a valorizá-la. Minha mãe, com seu otimismo e entusiasmo, sempre me encorajou a

persistir no caminho. Ambos me deram um grande apoio sacrificial para que eu me dedicasse

aos estudos e sou muito grato por isso.

Aos amigos fica a gratidão pelo companheirismo, principalmente aos da Aliança

Bíblica Universitária, pelas conversas e orações em momentos de angústia, por muitas

alegrias compartilhadas e por terem dado um novo sentido a essa etapa da minha vida.

Levarei para toda a vida muitas dessas amizades.

E o meu agradecimento principal é dirigido a Deus, o qual é Senhor e sustentador de

todas as coisas e sustentou-me pelos meios mais diversos. Ele deu e continua dando sentido,

esperança e descanso durante toda essa jornada. A Ele a glória, eternamente.


“Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça
todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu
tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes,
se não tiver amor, nada serei. (...) Agora meu
conhecimento é incompleto; depois conhecerei
como também sou conhecido.” – Paulo de Tarso
Resumo

O presente trabalho é uma revisão de literatura em estudos na área das Ciências Sociais

referentes a população em situação de rua no contexto brasileiro. Foram analisados trabalhos

que se propuseram a discutir o conceito de população em situação de rua, as características

desse grupo social, sua inserção no meio urbano, o envolvimento dessas pessoas no mercado

em atividades produtivas, suas formas de reprodução da vida social, a legibilidade por parte

do Estado brasileiro e como têm sido as abordagens das políticas públicas direcionadas a tal

grupo. Os resultados levaram a perceber uma população em situação de rua heterogênea,

marcada por uma condição de extrema pobreza no meio urbano, abarcada por políticas

higienistas e assistencialistas, porém com um grande potencial de auto-organização. A

ampliação e conexão entre os pontos da rede de assistência a esse grupo nos municípios é

uma forma vislumbrada de promover a inclusão socioeconômica e conferir-lhes cidadania.

Palavras-chave: População em situação de rua. Urbano. Mercado. Legibilidade. Políticas

públicas.
SUMÁRIO

Introdução e objetivo: .................................................................................................... 2

Metodologia: ................................................................................................................... 4

Quem são as pessoas em situação de rua? .................................................................... 5

Periferia de Centro – Inserção social das pessoas em situação de rua no espaço urbano:

........................................................................................................................................ 10

Mendigos? Incapacitados? Improdutivos? Envolvimento de pessoas em situação de rua

em atividades laborais e no Mercado: ........................................................................ 17

Uma perspectiva para além da produção – Pereira (2009): ..................................... 23

Legibilidade, visibilidade e mensuração da população em situação de rua por parte do

Estado: ........................................................................................................................... 28

Assistência e atuação do Poder Público: .................................................................... 37

Assistência à População em situação de rua em São Paulo – Costa (2007): .................... 42


Assistência à População em situação de rua em Porto Alegre – Krieger (2012):............. 45
Políticas públicas voltadas para População em Situação de Rua no município do Rio de
Janeiro – Mônica Dantas (2007) ....................................................................................... 49

Considerações Finais: ................................................................................................... 56

Referências: ................................................................................................................... 58
Introdução e objetivo:

O trabalho desenvolvido aqui tem por objetivo identificar os pontos mais

significativos apresentados na bibliografia referente à população em situação de rua no

contexto brasileiro. Mais especificamente, busco apresentar nas páginas seguintes, os

resultados de maior relevância apresentados por alguns autores das Ciências Sociais no que,

em função da frequência com que são abordados nos estudos consultados, diz respeito a

aspectos que considerei de extrema importância.

Dentre esses aspectos, apresento primeiramente, como tem sido definida a categoria

“população em situação de rua”, quais as classificações atribuídas a esse grupo e o que a

bibliografia traz como seus principais aspectos definidores. Nessa perspectiva, busco

identificar as variáveis utilizadas, dentre elas, o contexto pregresso e presente à condição de

rua, que abrange as relações afetivas, familiares ou não, a relação com o mundo do trabalho,

com o uso abusivo de álcool e drogas, condições de saúde e outros mais. Além de

características próprias ao grupo, apresento também sobre qual tem sido o lugar atribuído a

essas pessoas pela sociedade, assim como a representação construída pelo imaginário social.

Mais adiante me proponho a discorrer sobre a realidade desse grupo quanto ao seu

surgimento e inserção no espaço urbano brasileiro. Passo pelo que os estudos têm apontado

sobre a forma como esse grupo se coloca e apropria do espaço e como desenvolvem suas

dinâmicas sociais próprias e interagem com o mundo urbano ao redor. Nesse tópico também

apresento a perspectiva de alguns autores sobre os espaços social e simbólico reservados pelo

Estado às pessoas em situação de rua.

No ponto seguinte, tenho como objetivo apresentar as principais perspectivas

encontradas na bibliografia sobre o papel que as pessoas em situação de rua exercem no


Mercado. Trago, a partir do estudo realizado por Magni e Günther (2014), uma

exemplificação de iniciativas com o objetivo de promover integração desse grupo no

mercado e suscitar olhares de reconhecimento e relevância social.

A seguir, busco em Pereira (2009) uma proposta de olhar para esse grupo que

ultrapasse os limites da produção. Trago sua perspectiva para o debate, pois é uma das

bibliografias onde, apesar de se ater consideravelmente à dinâmica do Mercado e do

capitalismo, a autora dirige um olhar atento às formas de reprodução da vida nas ruas.

Prossigo agora com o objetivo de discorrer de forma mais específica o que a

bibliografia apresenta sobre o modo como as pessoas em situação de rua são percebidas pelo

Estado. Proponho-me, nesse tópico, abordar os estudos sobre a legibilidade dessa população

pelo Estado, apresentando iniciativas de mensuração censitária, assim como as limitações e

as críticas às metodologias oficiais de legibilidade da população brasileira quando aplicadas

à população em situação de rua.

Por fim, procuro apresentar como tem sido vista a intervenção estatal sobre o

fenômeno da situação de rua. Discorro a visão de autores sobre o que consideram ser os

principais aspectos das políticas públicas direcionadas a esse setor da população e trago como

exemplos três estudos realizados em cidades distintas, sobre formas de atuação do setor

público e privado no escopo da assistência às pessoas em situação de rua: São Paulo (De

Lucca, 2007), Porto Alegre (Krieger, 2012) e Rio de Janeiro (Dantas, 2007).
Metodologia:

Este trabalho foi construído metodologicamente a partir de uma revisão integrativa

de literatura. Foram selecionados diversos trabalhos, dentre eles artigos, dissertações,

capítulos de livros e livros integrais. Esse material tem em comum a abordagem na área das

Ciências Sociais sobre a população em situação de rua no contexto brasileiro. O critério de

seleção dos trabalhos teve relação com a frequência em que a temática específica abordada

pelos estudos aparecia no conjunto da bibliografia pesquisada. Quanto mais uma temática

específica apareceu como alvo de diferentes estudos, mais os estudos sobre essa temática

foram considerados para este trabalho. Na medida em que esses assuntos relacionados ao

tema central se mostravam recorrentes na literatura, foram feitos recortes temáticos

resultando nos tópicos apresentados no trabalho.

A partir dessa etapa, os trabalhos foram selecionados com o intuito de representar

as principais perspectivas presentes na literatura sobre o tópico, possibilitando o contraponto

e o diálogo entre os autores. Também foram escolhidos trabalhos que traziam algum relato

que exemplificava a perspectiva apresentada, como forma de ilustrar a discussão.

Os trabalhos utilizados aqui foram retirados de plataformas de trabalhos acadêmicos

publicados, periódicos, anais e sites de instituições do setor público brasileiro, a partir de

consultas na plataforma Google Scholar, com a tag “População em situação de rua nas

Ciências Sociais”. Essa pesquisa foi realizada entre os dias 26 de agosto de 2019 à 22 de

novembro do mesmo ano e os estudos foram selecionados a partir da ordem pela qual a

plataforma os dispunha, em função de suas relações com a tag pesquisada.


Quem são as pessoas em situação de rua?

As pessoas em situação de rua constituem um grupo à margem do sistema produtivo

e, por consequência, como afirma Costa (2005), carregam consigo uma falta de

pertencimento social, embora apareçam frequentemente no pano de fundo das interações

urbanas. Pereira (2009) a partir de uma perspectiva marxista, enxerga esse fenômeno como

uma das formas de manifestação das contradições do sistema capitalista de produção, onde a

ideia de mérito é contrariada pela perpetuação da desigualdade e pela apropriação da riqueza

por parte de uma minoria. A população em situação de rua configura um grupo invisível aos

olhos da sociedade e das políticas públicas, porém, está constantemente presente como parte

que integra o cenário urbano, espalhada por locais públicos de várias cidades (Figueiredo;

Guerra, 2016). Segundo Valencio (2008), a população em situação de rua carrega vários

estigmas que alimentam o processo de desfiliação e marginalização social por não possuírem

relações de utilidade social e serem vistos, segundo Castel (1997), como inúteis, fracassados

e de caráter duvidoso pela conjuntura econômica e social da segunda metade do século XX

em diante. Constituem os “sobrantes, pessoas que não têm lugar na sociedade, que não são

integrados, e talvez não sejam integráveis no sentido forte da palavra” (Castel, 1997, p. 254).

É um grupo que “não tem acesso à moeda legal” (Bauman, 1997, p. 56), no sentido

em que Bauman (1997) descreve, quando se refere à lógica de uma sociedade centrada no

consumo, as pessoas em situação de rua são como jogadores incapacitados, e por isso acabam

por adaptar seus recursos de forma reconhecida ou não pela lei para garantir sua

sobrevivência. Além da alternativa de lançarem mão dos recursos que possuem,

independentemente de sua legalidade, outra possibilidade para esses agentes seria a de saírem

do jogo do mercado. Esta alternativa, segundo o autor, geralmente não é acatada em função

da “força sedutora do mercado” (Bauman, 1997, 56). Dessa forma, o pensamento de Bauman
converge com o que Wacquant chama de “criminalização da miséria” (Wacquant, 2001, p.

63), na medida em que o limite que define o que é lícito e o que não é ilícito não é o mesmo

para todos os indivíduos, sendo cada vez mais restrito de acordo com seu avanço ao grupo

dos mais marginalizados (Bauman, 1997).

A partir dessa perspectiva, esse grupo não possuiria espaço nem utilidade econômica

em uma escala produtiva, sendo, portanto, excluído da participação no desenvolvimento

econômico de uma forma extremamente desproporcional. Ao contrário do operário, que é

explorado - porém indispensável no modelo de produção capitalista -, a pessoa em situação

de rua se enquadrada na categoria “Sobrante” (Castel, 1997, p. 255). Segundo essa

perspectiva, a pessoa em situação de rua seria considerada inútil no modelo de produção

capitalista, e por isso, enquanto o proletário teria o poder de se organizar, reivindicar e até

mesmo receber o que exige, o sobrante não possuiria essa capacidade (Castel, 1997).

Consoante a isso, Pereira (2009) acredita que, aos olhos do mercado, a população em situação

de rua é um grupo que não possui qualificações para funcionar como exército industrial de

reserva em uma estrutura de produção capitalista, sendo dispensáveis na economia.

Por outro lado, diversos autores ressaltam que esse grupo possui e atua como força

produtiva no mercado, no que diz respeito à prestação de serviços, embora lhe seja negado

qualquer garantia trabalhista e o direito ao consumo de itens básicos de sobrevivência

(Valencio, 2008; Figueiredo; Guerra, 2016). Embora carreguem frequentemente o estigma

de ociosos e delinquentes, a maioria deles exerce atividade laboral autônoma, não podendo

ser classificados como pedintes ou mendigos por uma percepção superficial (Figueiredo;

Guerra, 2016). Ainda segundo esses autores, se trata de pessoas que afirmam ter uma

profissão, inclusive é frequentemente acionada como forma de marcar a identidade para além

da situação de rua. Desenvolvem atividades de coleta de materiais recicláveis, restos de


materiais de construção civil, comércio autônomo, trabalhos domésticos e serviços de

mecânica etc. (Valencio, 2008; Costa, 2005).

Costa (2005) descreve a população em situação de rua como um “Grupo

populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que têm em

comum a condição de pobreza absoluta e a falta de pertencimento à sociedade formal.”

(Costa, 2005, p. 3). Dessa forma, são pessoas que podem ou não morar com pessoas da

própria família nas ruas e que geralmente possuíam alguma profissão, a qual tem bastante

relevância na constituição de suas identidades. Os motivos para seu estabelecimento nas ruas

podem variar desde rompimentos de laços afetivos, brigas familiares, fim de relacionamentos

conjugais, problemas com alcoolismo e drogas, até motivos econômicos, como perda de

emprego, de forma que tais perdas retiram do indivíduo uma perspectiva de vida. (Costa,

2005; Valencio, 2008; Figueiredo; Guerra, 2016). São diversos os motivos que levaram

pessoas em situação de rua a viverem dessa forma, variando de acordo com a história de vida

individual. (Figueiredo; Guerra, 2016).

Viana (1992) realizou um estudo no município de Belo Horizonte, onde reconheceu

uma população em situação de rua extremamente heterogênea e diversa. A partir das

informações coletadas, a autora identificou e classificou três grupos distintos de pessoas em

situação de rua. O primeiro grupo seria o das pessoas que ficam na rua, composto por pessoas

que, por exemplo, perderam o emprego há bastante tempo ou que migraram de cidades do

interior em busca de tratamento médico. O segundo grupo seria daqueles que estão na rua,

sendo pessoas que, por já estarem familiarizadas com o contexto de rua passaram a realizar

atividades para sua subsistência atreladas ao ambiente, como os catadores de materiais

recicláveis, flanelinhas, lavadores de carro, etc. Por fim, o terceiro grupo seria das pessoas

que são da rua, composto por aqueles que já estão nesse ambiente há muito tempo, e por isso,
atingiram um estado de vulnerabilidade e degradação física e psicológica muito avançadas,

em função do uso abusivo de álcool, drogas, má alimentação, exposição a doenças, etc

(Viana, 1992).

Pessoas em situação de rua frequentemente possuem sua vivência interligada por

contextos de tráfico e uso abusivo de drogas, situações de violência, insalubridade e outras

condições de vulnerabilidade social (Costa, 2005; Varanda; Adorno, 2004; Ferreira, 2007),

condições essas que demandam a disposição de serviços de assistência. De acordo com

Varanda e Adorno (2004), os serviços públicos oficiais de assistência a essa população são

pouco utilizados, sendo que na maioria dos casos, essas pessoas buscam alternativas para

necessidades básicas como: banho, necessidades fisiológicas, alimentação e vestuário.

Dentro dessas alternativas, segundo os autores, estão formas de ocupação de vias e locais

públicos e até mesmo serviços de higiene pagos (Varanda; Adorno, 2004). Esse grupo acaba

sendo vitimizado em função desses problemas, que são frutos da constituição estrutural da

sociedade (Varanda, Adorno; 2004).

Costa (2005) percebe que dentro da grande propensão que esse grupo tem em

desenvolver problemas relacionados à saúde física, em função das condições de falta de

higiene e insalubridade as quais está exposto, a saúde mental dessas pessoas também tende a

ficas bastante comprometida. Tais problemas, segundo a autora, são consequência do

processo de exclusão social, gerando “falta de pertencimento social, falta de perspectivas,

dificuldade de acesso à informação e perda de autoestima” (Costa, 2004, p. 3). Em relação

aos problemas de saúde, a vulnerabilização das pessoas em situação de rua acarreta

patologias mentais e físicas, doenças infectocontagiosas, doenças sexualmente

transmissíveis, dependência química, entre outras (Ferreira, 2007; Gehlen, 2012; Dornelles,

2012).
Analisando o caso de Belo Horizonte – MG, tendo como base duas pesquisas de

caráter censitário, realizadas nos anos de 1998 e 2005 respectivamente, Ferreira (2007)

percebeu que foram encontrados problemas de saúde relacionados à deficiência física e

mental, causadas por doenças infectocontagiosas e até mesmo por violências. Segundo a

pesquisa do ano de 1998, analisada pelo autor, as pessoas em situação de rua que possuem

problemas psiquiátricos somavam mais de 18% do total, abrangendo aquelas que faziam uso

de drogas ilícitas e álcool e que são egressas de manicômios ou clínicas psiquiátricas. Porém

em 2005 percebe-se a mudança no quadro de distribuição dos problemas de saúde, sendo que

os problemas psiquiátricos ocupavam agora 8% do total. O que se observa é um crescimento

bastante significativo de mais de 6% na incidência de problemas pneumológicos,

principalmente infectocontagiosos (Ferreira, 2007). Vale ressaltar que o processo de

adoecimento, em muitas situações, também pode ser considerado um processo de construção

social da doença, fortalecido pelo estigma previamente associado à pessoa em situação de

rua (Dornelles et al, 2012). Dornelles afirma isso após analisar o caso de Porto Alegre e

perceber que as categorias para medir os problemas de saúde, como “dores nos nervos” e

“dores no corpo”, demonstram uma dificuldade de reconhecimento e classificação das

sensações corporais de acordo com um diagnóstico técnico, refletindo a distância dessa

população dos cuidados de saúde básicos (Dornelles et al, 2012). Dessa forma, as expressões

dessas pessoas sobre seus problemas de saúde revelam a dimensão subjetiva da construção

desse problema através de suas experiências particulares (Dornelles et al, 2012) e também o

distanciamento dessa população dos cuidados básicos de saúde, o que a torna mais propensa

ao adoecimento.

Por sua vez, Gehlen e Schuch (2012) acreditam que, embora a situação de rua esteja

diretamente associada à condição histórica, social e estrutural, no nível individual, muitas


vezes, é consequência de rupturas “nas dimensões afetiva, profissional, social, familiar”

(Gehlen; Schuch, 2012), além das predisposições relativas às condições de saúde do

indivíduo, principalmente de saúde mental. Isso converge com o que afirma Valencio (2008),

sobre a ruptura afetiva com vizinhos, amigos e família serem mais um peso contra a pessoa

em situação de rua, assim como as demais condições socioeconômicas fragilizadas. Segundo

os autores, essas rupturas agravam a condição de vulnerabilidade desse grupo (Valencio,

2008; Costa, 2005; Gehlen; Schuch, 2012).

Periferia de Centro – Inserção social das pessoas em situação de rua no espaço urbano:

Apesar dos diferentes significados e contextos ao longo da história, a existência de

pessoas em situação de rua sempre teve relação com o processo de urbanização (Costa, 2005;

Figueiredo; Guerra, 2016; Pereira, 2009). Pereira (2009) observa que as alterações no modo

de produção, para se adequar ao capitalismo, incidiram fortemente sobre o mundo urbano, o

que levou ao agravamento das desigualdades sociais e dos conflitos, além de influenciarem

no papel do Estado quanto a alocação de seus recursos, na disputa por propriedade de terras,

na produção e no consumo. Segundo a autora, para conhecer o fenômeno da população em

situação de rua se faz necessário um resgate da história desses sujeitos e dos processos de

alteração dos espaços urbanos e rurais para a adequação ao modelo de produção capitalista,

além das consequências provocadas na estrutura das relações sociais nesse novo modelo

econômico, que, segundo Pereira (2009), tem perspectivas cada vez mais reduzidas de

integração social e no mercado de trabalho. Figueiredo e Guerra (2016) explicam que desde

antes do surgimento das sociedades capitalistas modernas, na antiguidade, já havia pessoas

vivendo nas ruas de forma conectada ao espaço urbano, embora não representassem uma

parcela tão significativa das populações dos municípios, como o é atualmente. Os autores
consideram que o processo de mudança para as formas de organização em cidades, as quais

vêm se tornando o principal núcleo de convivência humana, acarretou diversas

transformações na maneira de viver em sociedade, e como consequência, suas implicações

econômicas e sociais. E passou a ser cada vez mais frequente a existência de pessoas

utilizando dos logradouros públicos como locais de habitação. Segundo os autores, esse

processo foi bastante intenso nos períodos das revoluções industriais (Figueiredo; Guerra,

2016). Segundo Magni e Günther, (2014), entre os séculos XIV ao XVI, os chamados

“mendigos” eram parte da população camponesa que migrava para as cidades por causa da

perda de suas terras. Essa população era regulamentada por leis de conduta nesse novo

contexto de organização social, e a barreira entre quem podia mendigar ou não passava pela

distinção entre o trabalhador e o vagabundo, demonstrando que, desde suas origens, existiu

um processo de criminalização da pobreza que esteve relacionado à valorização do trabalho

e à capacidade de produção do indivíduo (Magni; Günther, 2014).

Alguns estudos (Natalino, 2016; Costa, 2007) demonstram que a existência de

população em situação de rua está diretamente ligada a aspectos que são característicos do

espaço urbano, que, segundo Caiado (1998), no caso brasileiro, em um contexto de sistema

capitalista periférico da segunda metade do século XX, foi formado com base em um modelo

de desenvolvimento econômico excludente e que concentra renda e população nas grandes

metrópoles1. Como consequência, esse modelo gerou espaços urbanos segregados que

excluem grande parte da população do processo de integração socioeconômico (Caiado,

1
De acordo com Natalino (2016), um dos fatores mais importantes para se entender a existência de
população em situação de rua é o número de habitantes no município, que quanto mais elevado, maior a
tendência de o município possuir moradores de rua. Isso se relaciona ao contexto urbano, onde existem as
maiores concentrações populacionais.
1998). A autora também percebe que essa constituição do espaço urbano, fruto de um

processo segregacionista, cria uma ordem urbana legal e uma cidade real. A cidade real seria

o modelo como seguimentos da sociedade lançam mão dos recursos que possuem para

garantir a sua sobrevivência no espaço, e a esses recursos é atribuído pelo Estado e pela

sociedade um caráter de ilegalidade. Dessa forma, Caiado (1998) dialoga com Bauman

(1997) e Wacquant (2001), no sentido de que o processo de criminalização de formas de

socialização e apropriação do espaço urbano é uma forma de manter o domínio de

determinado grupo sobre outros, sendo que a integração social e econômica de outros grupos

ameaça a permanência de um grupo no poder, e isso reflete na distribuição espacial e na

relação dos indivíduos com o contexto urbano.

Como exemplo, Natalino (2016) observa que o grau de centralidade e dinamismo

do município está diretamente relacionado com a existência de pessoas em situação de rua.

Municípios centrais, ou seja, grandes metrópoles que recebem trabalhadores de municípios

periféricos em uma lógica pendular ou é referência na prestação de serviços básicos para os

municípios ao redor, como saúde, educação e lazer, tendem a favorecer o surgimento de

população em situação de rua (Natalino, 2016).

Os autores Figueiredo e Guerra também discutem sobre o que eles chamam de

“criminalização dos pobres” (Figueiredo; Guerra, 2016, p. 162), que é o desafio enfrentado

pela população em situação de rua no processo de inclusão socioeconômica. De acordo com

os autores, no Brasil, a criminalização da situação de rua acontece deste as Leis Criminais do

Império até os dias de hoje, através da criminalização da vadiagem, da mendicância e da

ociosidade. Os autores apontam que no Código Penal da República, “a mendicância e a

vadiagem ganharam dois capítulos inteiros, estabelecendo-se a prática como contravenção,

cabendo cinco (5) artigos aos mendigos e três (3) aos vadios” (Figueiredo; Guerra, 2016, p.
165). Os autores afirmam ainda que a distinção entre essas duas categorias não era

absolutamente clara, acreditando que o sentimento que está por trás desse processo de

criminalização é o desejo de manutenção dos bons costumes e a valorização do capital-

trabalho, sendo que as políticas de segurança pública que criminalizam e reprimem esse

grupo são formas de proteger a sociedade daqueles que vão contra esses preceitos. Essa

dinâmica acaba incentivando o processo de higienização e de segregação social dos que

adotam formas de organização social marginalizadas (Figueiredo; Guerra, 2016).

Figueiredo e Guerra (2016) demonstram como a legislação ronda a população em

situação de rua através da criminalização de características frequentemente atribuída ao modo

de organização social ou de garantia da própria sobrevivência desse grupo. A Lei das

Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688/1941 é apresentada pelos autores como um

exemplo de manutenção de uma tradição legislativa brasileira de caráter higienista. O artigo

59 confere pena de 15 dias a três meses às pessoas que são aptas para o trabalho, mas se

encontram em situação de ociosidade, e ainda é vigente hoje. O artigo 60, revogado apenas

há dez anos pela Lei nº 11.983, de julho de 2009, criminalizava a mendicância. O artigo 62,

ainda vigente, penaliza com prisão simples de 15 dias a 3 meses pessoas que forem abordadas

em estado de embriaguez, de forma que cause escândalo, colocando em risco a segurança

própria ou de outras pessoas. São então tidas como contravenções penais a ociosidade e a

embriaguez, ainda hoje na legislação penal brasileira, sedo que a mendicância deixou de ser

oficialmente criminalizada há pouco mais de dez anos. Como reflexo desse cenário

legislativo, a população em situação de rua continua sendo subjugada por práticas abusivas

e repressoras, como uma tentativa de limpeza do cenário urbano e de desresponsabilização

estatal (Figueiredo; Guerra, 2016). Segundo Magni e Günther (2014), esse padrão de

legalidade reflete a forma com que o Estado exerce sua autoridade e seu controle social,
baseado em formas de repressão com atitudes truculentas e sustentadas por estigmas, tendo

como fonte o próprio poder público.

Outro fator de relevância para se entender o fenômeno da situação de rua é a

pobreza, que está diretamente relacionada a essas situações de privação econômica e exclusão

social (Natalino, 2016). No espaço urbano, os fenômenos de segregação econômica e social

aparecem de forma mais intensa (Villaça, 2011; Caiado, 1998), pois “a expansão urbana se

apoia numa sociedade com uma distribuição de renda bastante desigual” (Caiado, 1998, p.

458), tendo uma estrutura social urbana espacialmente fragmentada e segregada como uma

das consequência da concentração de renda e de população (Caiado, 1998). Varanda (2004)

discorre que a condição de pobreza tem influência da trajetória individual de cada pessoa em

situação de rua, envolvendo migração, filhos, separações, prostituição, uso abusivo de drogas

etc.

A trajetória particular de cada um e a forma como a pessoa reage aos eventos aos

quais é exposta, antes ou depois de se instalar na rua, tem seu efeito no agravamento da

pobreza, porém os fatores macroestruturais são determinantes para o surgimento dessa

condição (Varanda, 2004). Fatores como “o desemprego, precarização do trabalho e

degradação da qualidade de vida, como a valorização especulativa do capital, a

tecnologização do processo produtivo” (Varanda; Adorno, 2004, p. 61), são constantemente

denunciados por movimentos sociais como promotores de condições de desigualdade e

extrema pobreza. A pobreza no meio urbano, fundamentada “na isenção da responsabilidade

social do poder público e da sociedade civil” (Varanda; Adorno, 2004, p.61) é vista por vários

autores (Valencio, 2008; Varanda; Adorno, 2004; Costa, 2005; Natalino, 2016) como fruto

da tendência de segregação socioeconômica, de ampliação das desigualdades e de

concentração de renda. A existência de população em situação de rua é considerada como


uma expressão da extrema pobreza no meio urbano, esta, por sua vez, se relaciona com a

crescente desigualdade econômica, característica desse meio. Castel (1998) acredita que

essas pessoas em situação de estrema pobreza e exclusão social sofrem um processo de

desfiliação, assim como afirma Valencio (2008), sobre a situação de desamparo social e

estatal na qual a população em situação de rua se encontra.

Os aspectos da pobreza e da desigualdade social aparecem como fator explicativo

para a existência de pessoas em situação de rua em diversos trabalhos (Broide; Broide, 2012;

Nectoux et al, 2012; Natalino, 2016; Valencio, 2008; Costa, 2007; Schuch, 2015). Também

aparece no Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009 como uma das principais

características definidoras desse grupo:

Grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os

vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia

convencional regular, e que utiliza logradouros públicos e as áreas degradadas

como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem

como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia

provisória. (Decreto nº 7053/2009, art. 1º, Parágrafo Único)

Schuch (2015) percebe, além da pobreza, outras características que são usadas como

definidoras da população em situação de rua na ótica das instituições públicas a partir da

definição do Decreto nº7053/2009, dentre elas estão: a interrupção de vínculos familiares, a

inexistência de moradias regulares convencionais, a utilização de serviços de moradia ou

acolhimento de caráter provisório. Ou seja, são aspectos que remetem a atributos de

despossessão e de dependência, tanto de agentes públicos ou outras instituições de

assistência.
A relação direta entre o surgimento de pessoas em situação de rua e a pobreza, como

afirma Pereira (2009), é evidenciada no debate teórico das duas temáticas, de forma que a

pobreza tem a situação de rua como uma das suas formas de manifestação e a população em

situação de rua é apontada como o segmento social que experimenta de forma mais intensa

as consequências da extrema pobreza.

A pobreza também, em grande parte da história do Brasil, foi tratada como questão

de polícia, sendo entendida como forma de “vadiagem” e associada à criminalidade. Isso

ocorre em função do contexto de escravidão, pelo qual o país se estruturou, e da forma como

o capital se desenvolveu no Brasil. Consequentemente, a criminalização e o estigma da

pobreza carregam consigo traços raciais e étnicos. A população em situação de rua reflete

essa criminalização e esse estigma na medida em que são tidas como ameaça ao patrimônio

público e privado e para a reprodução do capital (Figueiredo; Guerra, 2016).

O livro “Somos um povo que quer viver livre”, da Organização do Auxílio Fraterno,

grupo religioso católico que atuava na cidade de São Paulo na segunda metade do século XX

com uma “prática missionária voltada aos mais destituídos” (Costa, 2007, p. 44), ajuda a

perceber a importância de uma análise sociológica sobre a população em situação de rua.

Para além da pobreza no contexto urbano, marcada pela segregação geográfica de grupos

mais pobres para as periferias das grandes metrópoles, a periferia a qual as pessoas em

situação de rua compõem se trata de uma periferia sociológica, e não geográfica (OAF, 1982).

Segundo o livro, a ideia da missão da OAF é para uma “periferia do centro” (OAF, 1982, p.

97), que no caso, considera que a população em situação de rua é constituída de pessoas que

não são notadas e têm sua presença escondida mesmo nas vias públicas (OAF, 1982),

perspectiva que converge com Costa (2007), na medida em que considera que são pessoas

difundidas e invisíveis entre os cruzamentos de múltiplos agenciamentos urbanos, cada vez


mais especializados e mais intensos. Costa (2007) aponta que a perspectiva desse grupo

religioso em relação à população em situação de rua, no sentido de vê-los em sua

peculiaridade quanto a grupo segregado no meio urbano, como parte de uma periferia do

centro, afetou os olhares de várias outras instituições e atores em diversos contextos, servindo

como referência para prática política no atendimento à população em situação de rua e

pautando parâmetros de reconhecimento e enunciação desse público (Costa, 2007).

Mendigos? Incapacitados? Improdutivos? Envolvimento de pessoas em situação de


rua em atividades laborais e no Mercado:

No que permeia a discussão sobre o papel desempenhado pela população em

situação de rua na cadeia produtiva do mercado, algumas perspectivas enfatizam o fato de

essa população se tratar de um grupo “desnecessário economicamente” (Pereira, 2009; Costa,

2005). Pereira (2009) adota a hipótese de que as pessoas em situação de rua seriam uma

espécie de excesso do exército industrial de reserva, se tornando supérfluos ao sistema. A

autora acredita que a população em situação de rua se tornou “desnecessária

economicamente”, e que isso é reflexo de um desemprego estrutural, que gera excesso de

oferta de mão de obra em uma proporção que não consegue acompanhar a demanda de

serviços. Esse cenário ainda é agravado pelo fato de que os moradores de rua geralmente não

possuem as habilidades requeridas para que possam ser absorvidos pelo mercado, em função

da falta de oportunidades educacionais e de formação profissional. Ela acredita que essas

pessoas vêm se tornando ainda mais descartáveis ao mercado à medida que surgem novos

avanços tecnológicos, de modo que esses “sobrantes”, como citado anteriormente, já não

possuem qualificações suficientes nem para ao menos ocuparem um espaço de “reserva”.

Desse modo, os moradores de rua deixam de ser funcionais ao mercado, não tendo
perspectiva de serem reinseridos em sua dinâmica, e passam a constituir uma espécie de

estorvo (Pereira, 2009).

Costa (2005) também parte da perspectiva de que a vulnerabilidade desse grupo

acontece em função da falta de pertencimento gerada pela exclusão do sistema produtivo.

Segundo a autora, a exclusão social seria resultado da “desagregação progressiva das

proteções ligadas ao mundo do trabalho” (Costa, 2005, p. 2).

Porém, alguns autores focam suas análises no potencial produtivo que esse grupo

representa e na relevância que podem desempenhar no processo de desenvolvimento do

espaço urbano, para além dos estigmas e das atividades geralmente atribuídas à população

em situação de rua (Figueiredo; Guerra, 2016; Magni; Günther, 2004), embora não ignorem

o fato de se tratar de um grupo marginalizado no mercado. Um estigma frequentemente

atribuído a essa população é o de se ocuparem da mendicância (Figueiredo; Guerra, 2016).

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em parceria com a

UNESCO, realizou a Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua em 2009, e

seus resultados retrataram uma população predominantemente formada por homens (82%) e

negros (67%), sendo que nessa categoria de raça-cor a proporção de negros que compõe essa

população é bem maior que a proporção de negros no Brasil (50,74%), segundo o Censo de

20102. No que se refere à atividade remunerada, a pesquisa aponta que mais da metade da

população (52,6%) é composta por trabalhadores que ocupam o mercado informal, recebendo

entre R$20,00 e R$80,00 por semana. As ocupações são diversas, mas mais representadas

por catadores de material reciclável (27,5%), flanelinhas (14,1%), trabalhadores em setores

da construção civil (6,3%), em áreas de limpeza (4,2%) ou como carregadores e estivadores

2
Em: <https://sidra.ibge.gov.br/tabela/3175>. Acesso em: 20 outubro 2019.
(3,1%). Segundo essa pesquisa, quase metade (47,7%) nunca teve vínculo formal de emprego

ou teve há muito tempo. Esses resultados contrapõem as representações sociais sobre a

população em situação de rua quando, dentre outras informações, apresentam o dado de que

apenas 15% diz ter como principal fonte de renda para a sobrevivência a atividade de pedir

dinheiro em espaços públicos (Brasil, 2011).

Outra questão que pode ser observada pelos resultados da pesquisa do MDS é a

barreira para o acesso ao emprego formal em função da falta de documentação necessária,

sendo que 25% dos entrevistados não possuíam nenhuma documentação formal. Não apenas

em relação ao emprego formal, mas essa falta de documentação também dificulta o acesso a

diversos serviços públicos. Outra barreira também é o nível de escolaridade extremamente

baixo. De toda a população entrevistada, 75% sabia ler e escrever, metade tinha apenas o

primeiro grau completo e 15% nunca havia estudado.

Em meio a essas características encontradas na população em situação de rua e as

possibilidades do trabalho informal, formas alternativas de organização do trabalho acabam

surgindo. Magni e Günther (2014) apresentam uma reflexão sobre as atividades de

cooperativas de catadores de resíduos sólidos, associadas ao poder público e a outros atores

sociais, e como isso pode promover inclusão e cidadania dentro da perspectiva da autogestão.

O trabalho das autoras enfatiza a importância das ações cooperativistas como alternativa a

pessoas excluídas socialmente e como uma forma de organização econômica eficaz em meio

à desigualdade gerada pelos processos do mercado (Magni; Günther, 2004).

Como exemplo, no Brasil, as autoras apresentam o funcionamento das cooperativas

de catadores de resíduos sólidos. Elas observam que, geralmente, a organização dessas

instituições tem como modelo as cooperativas da Região Metropolitana de São Paulo, que
tiveram seus inícios por volta da década de 1990. Esse modelo é marcado pela parceria com

as prefeituras municipais, que oferecem recursos, espaços, entre outras ferramentas para o

desenvolvimento das atividades e, em contrapartida os cooperados oferecem seus serviços

por meio das cooperativas. Apesar do grande número de cooperativa que desenvolvem

parcerias com o poder público, o trabalho das autoras buscou relatar algumas experiências

de instituições que tiveram apoio de outros diversos atores, e como isso gerou uma

perspectiva de inclusão socioeconômica da população em situação de rua (Magni; Günther,

2004).

A primeira cooperativa apresentada pelas autoras é a Associação dos Catadores de

papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte (ASMARE), que teve sua

origem diretamente ligada à população em situação de rua no município, em 1990, e hoje é

um modelo nacional de cooperativas. O surgimento dessa instituição está mergulhado em um

contexto de grande luta por reconhecimento e inclusão, em face das políticas de repressão

vindas do poder público, com a prerrogativa de limpeza urbana e de preservação da segurança

das pessoas que transitavam ou moravam na região central da cidade (Magni; Günther, 2004).

A cooperativa teve origem de atividades organizadas pela pastoral de Rua da Arquidiocese

de Belo Horizonte, juntamente com movimentos sociais diversos com uma organização da

própria população em situação de rua. Tal trabalho organizado foi visto pelas pessoas em

situação de rua como uma ferramenta para fornecer renda suficiente e se afastar das

condições de vulnerabilidade presentes na rua. As autoras percebem que o surgimento da

cooperativa só foi possível em função da identificação dos próprios moradores de rua com o

projeto da Arquidiocese, sendo que refletia e incluía a diversidade das atividades já exercidas

de forma autônoma no contexto das ruas (Magni; Günther, 2004). A cooperativa começou a

ganhar reconhecimento e ser vista como relevante no que tange a questões ambientais no
município, em função da coleta de resíduos recicláveis. Segundo as autoras, a ASMARE

representou um modelo nacional de inclusão da população em situação de rua que tem como

atividade laboral a coleta de materiais recicláveis, garantindo, assim, “o direito de trabalhar

na cidade e de conquistar visibilidade social” (Magni; Günther, 2004, p. 150).

Ao analisar o caso da Cooper Glicério, cooperativa no município de São Paulo, as

autoras enfatizam a intrínseca relação entre o surgimento de cooperativas de catadores

(principalmente as localizadas no centro da cidade) e a população em situação de rua (Magni;

Günther, 2004). Costa (2007) apresenta a importância da Igreja Católica e grupos religiosos

na origem dessas cooperativas, com o início de uma inquietação quanto à situação dos

moradores de rua nos anos 1970 por parte desses atores (organizações religiosas). Segundo

o mesmo autor, apenas por volta dos anos 90 é que esse grupo em situação de rua viria a ser

foco da intervenção pública e da atuação estatal e de organizações do terceiro setor, com

ações que visavam a inclusão social a partir do reconhecimento como grupo e da participação

na dinâmica da cidade através do desenvolvimento de uma atividade laboral viável.

Dentro dessa contextualização, Magni e Günther (2004) analisam a Cooper Glicério,

cooperativa localizada na região central do município de São Paulo, tendo origem em 2004,

associada aos frades franciscanos do Largo de São Francisco. Porém, diferentemente da

ASMARE, teve auxílio do poder público na sua origem. A partir da observação do

funcionamento e da origem dessa cooperativa as autoras destacam a importância do

movimento de cooperativas na conscientização e na criação de uma identidade política entre

seus membros. Uma das ferramentas adotadas pela Cooper Glicério para conscientização dos

cooperados sobre os princípios e valores do cooperativismo é a oferta de cursos de

capacitação. Porém, em função do caráter de rotatividade de seus, esses cursos, que já são
esporádicos, acabam por abarcar um baixo número de pessoas, não sendo tão potentes quanto

poderiam ser em criar uma consciência de cooperação (Magni; Günther, 2004).

Também na região central de São Paulo, a COOPAMARE surgiu, assim como a

Cooper Glicério, da parceria de catadores autônomos, organizações não governamentais e da

Prefeitura do município, em 1989. Também se fez presente o apoio de uma instituição

religiosa, no caso, a Organização do Auxílio Fraterno. Os efeitos dessa cooperativa na vida

de seus participantes foram de extrema relevância na promoção de inclusão social e acesso à

cidadania. Além do significativo incremento na renda dos cooperados, são realizadas

parcerias com outras organizações que chegaram até mesmo a culminarem em um projeto de

construção de moradias populares. Diferentemente das outras cooperativas, as autoras

observam que a COOPAMARE tem uma lógica bastante capitalista em sua autogestão, sendo

que os componentes desse grupo são vistos por si mesmos como donos da cooperativa.

Porém, os cooperados se veem satisfeitos quanto à dinâmica da organização, diante dos

benefícios que permitem ampliar o acesso dessas pessoas à cidadania (Magni; Günther,

2004).

Diante da análise das formas de organização de cada uma dessas três cooperativas e

de seus efeitos na vida das pessoas em situação de rua que têm como atividade laboral a

coleta de materiais recicláveis, Magni e Günther (2014) percebem um forte potencial dessas

organizações para inclusão social desse grupo. Além do aumento da renda e da estabilidade

financeira, as quais permitem melhorias na qualidade de vida desses trabalhadores, a forma

de organização em cooperativas também proporciona melhorias nas condições ambientais e

de salubridade no trabalho. Também, para além de ser um meio que permite o acesso a

condições que satisfaçam as necessidades básicas, as cooperativas acabam sendo um espaço


de alinhamento de ideais e convicções, gerando uma consciência coletiva que permite a seus

membros buscarem o reconhecimento e a valorização social, além de exercerem um papel de

relevância na sociedade (Magni; Günther, 2004).

Uma perspectiva para além da produção – Pereira (2009):

Viviane Souza Pereira (2009) propõe um caminho para a compreensão do

fenômeno da situação de rua que vai além da perspectiva da produção, que, segundo os

estudos realizados por ela, se trata da ótica predominante. Dessa forma, a autora passa a

abordar outras esferas que também foram afetadas pela dinâmica social do capitalismo e a

sua lógica segregacionista. Segundo ela, as esferas da apropriação e da reprodução seriam

essenciais para se compreender a questão da pobreza e da população em situação de rua, pois

“o processo das contradições sociais não pode ser apreendido apenas através da esfera da

produção” (Pereira, 2009, p. 182). A autora percebe que há uma superposição das

precariedades e dos problemas sociais de diferentes naturezas, que podem ser tanto ligados à

produção (no que se refere às condições e relações de trabalho), quanto ligados à esfera da

reprodução da vida, abarcando o que ela chama de condições de moradia e urbanidade. Dessa

forma, a autora apresenta sua discussão sobre a população em situação de rua apontando

pontos diversos do que ela denomina “questão social” (Pereira, 2009).

Dessa forma, a sociabilidade fundamentada pela lógica do capital torna as relações

sociais precárias, tanto dentro quanto fora do âmbito do trabalho. Dentro, pois o sistema

restringe cada vez mais o núcleo de trabalhadores, substituindo mão de obra humana por

formas de tecnologia que demandam menos recursos humanos, aumentando o número de

desempregados, de trabalhadores instáveis, de pessoas que estão excluídas do mercado há


muito tempo ou até mesmo de forma permanente. E fora, em função da tendência de

ampliação da desigualdade, corroborando com a existência de indivíduos vivendo de forma

precária, sem acesso à moradia, lazer, saúde e outros direitos básicos (Pereira, 2009).

Seguindo essa lógica, a autora evidencia o fenômeno da população em situação de rua com

o conjunto das condições sociais de existência, que segundo ela, sofre influência de um

contexto de transformações ocorridas em função da globalização e da mundialização da

lógica do capital em suas diversas dimensões, gerando repercussão nas demandas da

sociedade como um todo. O aumento do número absoluto e relativo de pessoas em situação

de rua não poderia ser compreendido de forma isolada, pois o morador de rua é precarizado

em diversos âmbitos de necessidades básicas de existência, não somente no que se refere à

moradia, sendo um exemplo claro de consequência das transformações ocorridas em função

da globalização da lógica do capital (Pereira, 2009).

A análise da questão social, segundo a autora, espelha uma contradição fundamental

da lógica de produção capitalista (Pereira. 2009), que foi denominada por Marx como

“Acumulação Primitiva” (Marx, 1984, p.262). Segundo Marx, a acumulação primitiva de

capital é o processo histórico de apropriação da riqueza gerada socialmente, pela

desassociação do produtor e o meio de produção (Marx, 1984). Esse processo de acumulação

primitiva manifesta contradições do sistema capitalista na medida em que gera problemas

sociais, os quais servem de força motriz para a crise no sistema. Ao analisar a Inglaterra

durante o processo de nascimento da indústria, Marx identifica que a crise social posterior,

marcada pelo aumento da mendicância e da violência, foi consequência das expropriações

sofridas pelos camponeses através do cercamento de terras comuns, de forma que a

manufatura não era capaz de absorver essas pessoas na mesma velocidade com que ocupavam

os centros urbanos, gerando uma ocupação urbana extremamente precária (Marx, 1984). De
acordo com Pereira (2009), desde o século dezenove a questão social tem sido colocada em

discussão em função das relações contraditórias e conflituosas entre o capital e o trabalho.

Observando o contexto brasileiro, a modernização da economia se deu em um país

escravagista, sendo que grande parte dos segmentos da população não foi incluída nos setores

da economia, da sociedade e da política. No país, a pobreza sempre teve ligação com as

instituições políticas e culturais (Pereira, 2009).

Após a abolição da escravatura, apesar do Brasil ainda apresentar um parque

industrial ainda em seu começo, a questão social já se fazia presente pelas péssimas condições

de trabalho e a exploração facilitada pela ausência de legislações trabalhistas (Pereira, 2009).

Com as mudanças trazidas pela Revolução de 1930, influenciadas principalmente pelo

surgimento de um sistema urbano-industrial com o foco no mercado interno, a acumulação

primitiva de capital se tornou mais intensa e mais abrangente, fazendo aparecer ainda mais

as contradições do sistema. Esse processo de mudança no cenário econômico gerou grandes

consequências demográficas no país, dentre elas o aumento na taxa de crescimento da

população e na taxa de urbanização. Houve também uma concentração da população do país

nas áreas urbanas, que culminou em problemas de assistência à educação, habitação,

saneamento básico, infraestrutura e muitos outros. A concentração de renda gerada pela

acumulação primitiva de capital na industrialização do país ampliou as desigualdades sociais

e as tensões causadas pela relação conflituosa capital-trabalho (Pereira, 2009).

A autora destaca que o Brasil, além de ter suas raízes do desenvolvimento

econômico fixadas em uma estrutura desigual no que se refere à distribuição de renda, de

riquezas e de oportunidades, teve seus problemas sociais agravados pelo processo de


urbanização acelerada, em decorrência do intenso fluxo migratório urbano-rural entre os anos

de 70 e 80 (Pereira, 2009).

Depois de todo esse apanhado, fica evidente para Pereira que “a existência da

população em situação de rua possui ligação estreita com os processos de urbanização, de

crescimento das grandes cidades e concomitantemente, com o desenvolvimento do

capitalismo” (Pereira, 2009, p. 191), que revela marcas um grande processo baseado na

desigualdade social. Pereira (2009) acredita que o fenômeno da situação de rua se relaciona

diretamente com o processo de expropriação de camponeses conjugado com a falta de

emprego nas cidades, que são destino desses migrantes, gerando um excedente de mão-de-

obra que, pela falta de oportunidades de trabalho, é exposta a condições de vulnerabilidade

social e locacional. Outros fatores, como catástrofes naturais, guerras, epidemias, mudanças

políticas etc., são fatores que também podem explicar a situação de rua, porém, a migração

em função da expropriação de terras por parte das indústrias e a escassez de empregos são

motores iniciais para essa condição (Pereira, 2009).

No caso brasileiro, isso ocorreu principalmente com as migrações para as regiões

Centro-Sul do país, mais especificamente no entorno da cidade de São Paulo, sendo que, em

um momento inicial, a maior parte dos migrantes eram originados do Nordeste. Futuramente,

por consequência da modernização da agricultura no Sul e no Sudeste, os migrantes

originaram predominantemente das próprias regiões (Pereira, 2009).

A partir dessa perspectiva, o fenômeno de rua também é percebido pela autora como

uma expressão da desigualdade social e da extrema pobreza, sendo estas um produto histórico

gerado principalmente pela acumulação primitiva de capital (Pereira, 2009). Outra

observação da autora é que, apesar de não ter origem na contemporaneidade, é reforçado e


agravado por características intrínsecas à forma de organização social contemporânea,

principalmente no que se refere ao processo de produção, mas tendo desdobramentos para

todos os âmbitos da reprodução social desses indivíduos (Pereira, 2009). A produção da

população em situação de rua, segundo o que já foi apresentado sobre o pensamento da

autora, está vinculada à acumulação primitiva, que, por sua incapacidade de absorver o

exército industrial de reserva gera excedentes que jamais serão absorvidos. Por sua vez, esses

excedentes são excluídos do processo de produção e passam a reproduzir suas formas de vida

vinculadas a essa condição de exclusão e, como consequência, a posição que ocupam na

sociedade é derivada da condição de exclusão da propriedade e do trabalho (Pereira, 2009).

“Dessa forma, pensar os moradores de rua nos reporta a pensar como estes se

inserem nesta categoria” (Pereira, 2009, p. 200). E sua inserção no contexto de rua passa por,

além do processo de exclusão do mercado, histórias particulares de desfiliações e perdas,

sejam familiares, da própria identidade ou autoestima etc. Embora frequentemente sejam

considerados como um grupo homogêneo, essas pessoas desenvolvem formas particulares de

se apropriarem e ocuparem o espaço público da cidade, possuindo práticas, experiências e

valores relacionados ao “habitar na rua”, que é resultado de visões próprias e percepções

particulares de mundo (Pereira 2009). A apropriação do espaço varia também de acordo com

as características próprias do próprio espaço onde essas pessoas se instalam, apresentando

uma diversidade na forma de ocupar o espaço e reproduzir a vida na rua (Pereira, 2009).

Não somente a forma de se reproduzirem no espaço urbano é diversa, mas também

a forma como são reconhecidos, justamente por se apresentarem à sociedade em diferentes

contextos e estarem presentes em vários segmentos, alguns deles citados pela autora, nos
quais: “trabalhadores, migrantes, mendigos, pessoas vítimas de maus tratos, portadores de

sofrimentos mentais, dependentes químicos, e outros (Pereira, 2009, p. 200).

No processo que criarem suas subjetividades e particularidades desenvolvem

atividades provenientes da condição de pobreza e vulnerabilização ao qual são expostos,

desenvolvendo sistemas de classificação, construindo regras segundo uma coletividade,

legitimando formas se se organizarem (Pereira, 2009), ou seja, produzindo uma “cultura de

rua”. Pereira aposta em uma perspectiva ampla na análise desse grupo, com o foco nas

múltiplas formas de reprodução da vida na rua, podendo assim abranger a diversidade de

pessoas em seus respectivos estados de vulnerabilidade que a rua às expõe, gerando também

uma identificação por parte do grupo atendido com as políticas propostas. Essa seria uma das

formas possíveis de integrar socioeconomicamente as pessoas em situação de rua em face à

exclusão sofrida pelo sistema de produção e da acumulação primitiva de capital (Pereira,

2009).

Legibilidade, visibilidade e mensuração da população em situação de rua por parte do

Estado:

No que se refere a políticas públicas, um ponto que é insistentemente apresentado

nos trabalhos sobre o tema é a barreira quanto à mensuração dessa população e à legibilidade

diante do Estado (Ferreira, 2007; Natalino, 2016; Schuch, 2015). Schuch (2015) apresenta a

importância da legibilidade para a criação de um Estado. Segundo a autora, o conhecimento

dos sujeitos tornaria possíveis as intervenções do Estado, seja para a finalidade de controlar,

de fiscalizar ou de prestar assistência social (Schuch, 2015). E nesse processo de conhecer a

população e sua organização pelo território e atuar sobre ela, o Estado tem sua influência
enfraquecida diante de populações mais marginalizadas social, econômica e espacialmente,

por suas técnicas de mensuração e legibilidade não serem compatíveis com as realidades

subalternas. Dessa forma, esses grupos subjugados acabam, por um lado, sendo alcançados

de forma insuficiente ou até mesmo não alcançados pelas políticas públicas. Por outro,

desenvolvem formas alternativas e particulares de se apropriarem do espaço e de se

organizarem socialmente para garantirem sua existência (Schuch, 2015). Isso, segundo a

autora, demostra o funcionamento de uma dinâmica entre as relações de poder e as formas

de resistência e das formas como o governo administra e inscreve politicamente setores da

população. Entender essas dinâmicas seria fundamental para considerar mecanismos de

legibilidade que alcançariam efetivamente o setor da população pretendido (Schuch, 2015).

As pesquisas censitárias e de perfis populacionais aparecem nos estudos de Schuch

(2015) como fundamentais no processo de tornar determinados grupos legíveis ao Estado,

utilizando de ferramentas de padronização, racionalização e simplificação para reproduzir as

realidades de setores da população de forma analisável e passível de intervenção estatal.

Porém, a autora ressalta que ocorre um perigo de simplificação da realidade observada pelas

pesquisas censitárias, de forma que apenas aspectos relevantes aos olhos dos organismos

institucionais são enfatizados, encaixando, classificando e conformando uma população às

possibilidades do governo, segundo seus interesses (Schuch, 2015). Por outro lado, a autora

ressalta que no caso da população em situação de rua, a inscrição política (ainda que esse

grupo esteja ao olhar limitado do governo) possibilita que esse setor da população participe

do cenário da atenção pública, da qual está amplamente excluído (Schuch, 2015).

Ao descrever a trajetória da inscrição política da população em situação de rua no

Brasil, Schuch (2015) demonstra que esse processo não teve participação apenas das

pesquisas de contagem populacional, mas também de instituições filantrópicas, religiosas ou


não, e do próprio movimento das pessoas em situação de rua que, dentre várias outras causas,

teve como pano de fundo um cenário de redemocratização, o qual concentrou esforços para

a modificação da arena política e as narrativas no âmbito dos direitos humanos. Ela traz como

exemplo algumas organizações de movimentos sociais ocorridas em Porto Alegre, dentre

elas, um movimento que teve início em meados de 1991, denominado “Movimento dos

Direitos dos Moradores de Rua”, com o objetivo de debater problemas enfrentados por esse

grupo e buscar soluções de forma coletiva. Outra articulação da população em situação de

rua foi a implantação do Fórum da População Adulta em Situação de Rua, articulado

juntamente com a organização não governamental Alice. Esse fórum deu abertura para o

surgimento de conselheiros da assistência social no âmbito do Orçamento Participativo da

cidade de Porto Alegre. Uma iniciativa dessa articulação que também deu bastante

visibilidade à população em situação de rua foi a criação do Jornal Boca de Rua, que

desempenhou um papel propulsor na divulgação de reportagens relativas à vivência nas ruas,

sob a perspectiva dos próprios moradores de rua (Schuch, 2015).

O interesse em tornar legível essa população passa pela necessidade de garantir

direitos básicos, a ampliação do acesso à cidadania e pela participação política efetiva. Os

movimentos sociais muitas vezes são peças importantes na promoção dessa visibilidade ao

cuidado estatal, como é o caso, além dos movimentos citados anteriormente, do Movimento

Nacional da População em situação de rua (MNPR). Tal movimento foi criado como resposta

a um evento de extrema violência a pessoas em situação de rua, que ficou conhecido como

“Massacre da Sé”, ocorrido em São Paulo, no ano de 2004, onde mais de dez pessoas foram

assassinadas ou feridas por ocuparem os espaços públicos como locais de moradia. O MNPR,

segundo Schuch (2015), se constituiu como um agente fundamental na inscrição política da

população em situação de rua no Brasil, sendo fruto de um processo de mundialização da


retórica dos direitos humanos, que influenciava as transformações institucionais e dos modos

de intervenção em vários setores da população com o processo de redemocratização política

(Schuch, 2015).

Uma das principais formas que esses movimentos utilizam para promover cidadania

a esse segmento da sociedade é incentivando que as pessoas se informem sobre seus direitos

e as políticas de direitos humanos, conscientizando-se a respeito do potencial ativo de

reivindicação que elas possuem diante do poder público, nos caminhos de uma luta política.

Schuch (2015) exemplifica que, nos encontros do MNPR, era incentivado que as pessoas em

situação de rua pudessem “aprender não mais a ‘pedir’, mas ‘exigir’ direitos” (Schuch, 2015,

p.12). A autora percebe, por relatos de participantes do movimento, que também é enfatizado

entre seus membros sobre a importância de os participantes conhecerem os mecanismos e

funcionamento das instituições públicas, principalmente as que são voltadas para a

assistência à população em situação de rua, para saberem como acessá-las quando necessário.

Nesse caminho de conscientização de direitos, parte dos esforços desses movimentos também

se concentra na divulgação dessas informações para a sociedade civil, tanto sobre os direitos,

quanto sobre as formas de proceder e intervir (Schuch, 2015).

O MNMR, tirado como exemplo de movimento social em prol dos direitos das

pessoas em situação de rua, traz uma nova perspectiva sobre a composição dessa população

e suas características definidoras. Ele diverge da definição proposta pelo Decreto nº 7.053,

que enfatiza o caráter dependente e despossuído desse público. Schuch (2015) percebe que a

perspectiva do MNMR apresenta uma autodefinição que não é marcada por faltas e perdas,

mas traz com maior evidência o potencial de agência política desse grupo, como pessoas

capazes de exercer protagonismo na produção da história, na constituição da cidade e na luta

por direitos e dignidade.


O Movimento Nacional da População de Rua é formado por homens e mulheres

em situação ou trajetória de rua, comprometidos com a luta por uma sociedade

mais justa que garanta direitos e a dignidade humana para todos. Esses homens e

mulheres, protagonistas de suas histórias, unidos na solidariedade e lealdade, se

organizam e mobilizam para conquistas de políticas públicas e transformação

social. (In: http://www.falarua.org/index.php?option=com_content&view=article

&id=62&Itemid=80 apud Schuch, 2015, p.19)

Essa definição revela a rua como um espaço de inventividade e adaptação, onde

atores, ao mesmo tempo em que reivindicam assistência sobre as condições precárias às quais

são expostos, lutam também pelo direito à rua como parte da composição de suas cidadanias

(Schuch, 2015).

O reconhecimento dessa população por parte do Estado, refletido na forma como

esse grupo é caracterizado aos olhos do poder público, pode expressar a maneira como as

políticas públicas encaram e lidam com as pessoas em situação de rua. Dessa forma, as

limitações impostas pelas técnicas de mensuração e legibilidade adotadas pelos órgãos

públicos limitam também as formas de assistência a essa população e podem acabar gerando

uma perspectiva muito homogênea da parte do Estado, que consequentemente irá dirigir suas

ações. Quando Schuch (2015) coloca em comparação as duas óticas de definição dessa

população (uma do Decreto n° 7.053 e outra do MNMR) ele ressalta que é importante

assinalar as diferenciações conceituais porque fica ainda mais evidente a luta política

constante na reivindicação de significados que tenham legitimidade diante da diversidade

que compõe o grupo das pessoas em situação de rua, em busca de práticas de governo que

tragam integração política, social e econômica.

Embora as técnicas de mensuração censitárias não sejam adequadas às necessidades

desse público, existe uma luta do MNMR para a inserção desse grupo nos censos nacionais
da população brasileira (Schuch, 2015). Essa luta por visibilidade diante das pesquisas

nacionais e cadastrais não se trata de legitimar as iniciativas consideradas incompletas pelo

movimento, mas de uma luta por reconhecimento, pois é uma forma de “registrar

oficialmente uma população flutuante e inscrevê-la como alvo de atenção das políticas

governamentais” (Schuch, 2015, p. 15).

Diante das ferramentas tradicionais de mensuração populacional, as pessoas em

situação de rua, por não possuírem endereço fixo, ficam de fora das pesquisas oficiais que

partem do domicílio como unidade de análise. A condição habitacional peculiar desse grupo

gera complicações metodológicas e conceituais na coleta de dados. Essa dificuldade de

mensuração implica na escassez de bancos de dados que possam servir de fontes de

informações sólidas para estudos e desenvolvimento de políticas públicas sobre esse grupo

(Ferreira, 2007). Natalino pontua que “a ilegibilidade da população em situação de rua – o

conhecimento dos sujeitos, sua localização, métricas e padrões – lhes limita o acesso ao

registro, monitoramento e fazer estatal” (Natalino, 2016, p. 7). O Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística observa o desafio em adaptar suas metodologias de amostragem,

logística de campo e de abordagem em pesquisas com populações sem domicílios fixos, pois

demandam um padrão bem diferente do usualmente utilizado por essa instituição (Natalino,

2016).

Schuch (2015) observa alguns outros desafios também relacionados ao processo de

mensuração censitária dessa população, comparando dois relatórios finais de pesquisas com

o foco no município de Porto Alegre: a primeira, executada por uma equipe de profissionais

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2007, e a segunda, promovida

pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), realizada em 2011. Esses desafios

demonstram um aspecto quanto à organização social desse grupo, que deve ser considerada
na hora de realizar esses estudos. Em comparação com a primeira pesquisa (UFRGS), na

segunda (FASC) houve um aumento no número de pessoas que se recusaram a responder a

pesquisa. Isso, em primeiro lugar, pode ser explicado pela diferença na composição da

equipe, a primeira, formada por estudantes de pós-graduação da sociologia e da antropologia

e a segunda, formada por profissionais e estagiários da FASC. Em segundo, pela maior

organização política dos moradores de rua, que teria levado a um conflito quanto à questão

da representatividade da pesquisa sobre o grupo de pessoas em situação de rua que foram

consultados no mapeamento do estudo (Schuch, 2015). Também aparece como motivo de

resistência à participação nas pesquisas a própria reivindicação por inclusão nos

levantamentos censitários, sendo que os movimentos sociais que representavam esse grupo,

em relação a essas duas pesquisas, questionavam a subestimação da população em situação

de rua na cidade de Porto Alegre, quando comparada com outros municípios de mesmo porte.

A autora também observa que há uma resistência quanto às pesquisas acadêmicas que, de

acordo com o que os representantes dos movimentos denunciavam nos fóruns, não

acrescentava nada de novo ao cotidiano da população (Schuch, 2015).

Ferreira (2007) aponta que os censos realizados no Rio de Janeiro (1999), em Porto

Alegre (1998-99), Belo Horizonte (1998 e 2005), São Paulo (2000) e Recife (2005) tiveram

maior destaque dentre várias tentativas de inserir um caráter censitário nos levantamentos

sobre população em situação de rua. Embora essas pesquisas contribuíssem bastante no

aprofundamento do entendimento sobre esse setor da sociedade, uma dificuldade que surgiu

foi a adoção de metodologias e conceitos próprios em cada município, o que dificultou a

comparação desses dados e sua utilização para observar uma realidade mais ampla, sendo

que o próprio conceito de população em situação de rua não teve um consenso claro entre as

pesquisas (Ferreira, 2007). Só em 2004 o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate


à Fome inclui mais especificamente em sua agenda o debate sobre a formulação de políticas

públicas voltadas para a população em situação de rua, convidando representantes de diversos

municípios, incluindo membros de organizações religiosas e filantrópicas que atuavam na

assistência desse segmento para desenvolver melhor os conceitos e traçar políticas de âmbito

nacional (Ferreira, 2007).

Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2016

sobre a estimativa da população em situação de rua no Brasil utilizou uma metodologia de

agrupamento de diversas informações de base de dados municipais e nacionais sobre pessoas

em situação de rua (Natalino, 2016). Esse trabalho apresenta algumas iniciativas de grande

relevância na mensuração da população em situação de rua, como a Pesquisa Nacional Sobre

a População em Situação de Rua (Brasil, 2008), realizada pela Secretaria de Avaliação e

Gestão da Informação (Sagi) do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS).

Segundo Natalino (2016), essa pesquisa possui dados confiáveis, porém a cobertura é baixa

e esses dados são pouco atualizados. Um apontamento feito por esse estudo é sobre os

esforços das secretarias municipais de assistência social de vários municípios no

levantamento de dados sobre moradores de rua. Quase sempre são os governos municipais

quem ficam a cargo de desenvolver formas de assistir a esse grupo (Natalino, 2016). Nesse

processo de garantia de direitos fundamentais às pessoas em situação de rua, o conhecimento

dessa população frequentemente acontece através de levantamentos feitos por iniciativas de

órgãos municipais de assistência social ou por outras instituições municipais, como no caso

do Censo da População em Situação de Rua da cidade de São Paulo, realizado pela Fundação

Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), em 2015, e também outros municípios como

Recife, Belo Horizonte e Brasília possuem algum tipo de estudo ou levantamento sobre o

grupo de pessoas moradoras de rua nos limites de suas cidades (Natalino 2016). No Brasil, a
maioria dos municípios não possui algum tipo de estudo sobre sua população em situação de

rua, mas aqueles que comportam o maior contingente populacional desse grupo geralmente

possuem, em função desse problema social ser mais latente nesses grandes centros urbanos

(Natalino 2016). Porém, o estudo do IPEA (2016) aponta um viés na utilização desses dados

quanto à qualidade de observação e de levantamento dessas informações pela gestão local, e

até mesmo quanto à padronização de cada pesquisa para uma análise em âmbito nacional.

Outra fonte de informações observada pelo estudo do IPEA é o Cadastro Único para

Programas Sociais do Governo Federal, que até 2016 possuía 48,351 pessoas em situação de

rua cadastradas (Natalino, 2016). Uma de suas vantagens é que sua base de dados cobre todos

os municípios brasileiros, porém, possui um claro viés de subestimação por apenas contar

pessoas em situação de rua que foram cadastradas (Natalino, 2016). Após a estimativa feita

pelo IPEA em 2016, notou-se que apenas 47,1% da população em situação de rua estimada

estão no Cadastro Único.

Apesar de todos esses esforços para tornar a população em situação de rua legível

ao Estado, a partir de formas de mensuração tradicionais, Schuch (2015) faz uma ressalva

que as informações levantadas ainda são “‘mapas abreviados’ que simplificam, padronizam

e racionalizam” (Schuch, 2015, p. 19) a realidade observada. As informações levantadas

dessa forma geram uma realidade facilmente legível, seguindo uma lógica de objetividade e

materialidade. Porém, como exemplificado pela autora, ocorre simultaneamente uma

dinâmica de cooperação na construção dessas formas de mensuração, na medida em que

movimentos sociais representantes desse setor da população reivindicam novas formas de

receberem o olhar estatal. Dessa forma, a autora afirma que “o Estado também é

transformado e produzido nesse processo” (Schuch, 2015, p. 19). Ela afirma isso a partir do

entendimento de que as práticas de legibilidade, no caso, as pesquisas censitárias e cadastrais,


são tecnologias que não apenas descrevem, nomeiam ou classificam, mas conduzem políticas

públicas, não se tratando somente de “meios técnicos neutros de conhecimento”, mas de

“instrumentos políticos-morais” (Schuch, 2015, p. 20). A autora pontua também que as

práticas de mensuração e legibilidade fazem mais do que possibilitar o governo, por meio de

informações que permitem ao poder público conhecer seu foco de atuação, mas gera também

uma consciência cidadã, na medida em que abre espaço para questionamentos, críticas e

sugestão de novos métodos (Schuch, 2015). Dessa forma, as políticas de legibilidade

colaboram na criação de sujeitos, conferindo cidadania por permitir a adaptação das

intervenções de acordo com a realidade que se objetiva mensurar e gerar na população em

situação de rua uma consciência de que são alvos de conhecimento do Estado.

Assistência e atuação do Poder Público:

Boa parte dos autores concorda que, historicamente, o tratamento estatal à

população em situação de rua foi predominante higienista e medicalizante (Magni; Günther,

2014; Varanda; Adorno, 2004). Foram poucos os esforços em conhecer melhor esse grupo

para que se pudesse direcionar políticas públicas adequadas. (Magni; Günther, 2014). Como

demonstra a divisão feita por Viana (1992), a diversidade dessa população deve ser

considerada nas ações estatais que se dispõem a lidar com as pessoas em situação de rua,

visando a inclusão social e econômica desse grupo, para que a solução encontrada tenha

abrangência máxima (Magni; Günther, 2014). E essas soluções, segundo Varanda e Adorno

(2004), passam bem distante de políticas segregacionistas ou de caráter medicalizante, mas

têm relação com a interação dessa população com processos institucionais, de forma

interdisciplinar, não apenas relacionado ao contexto de assistência social.


O Estado muitas vezes possui critérios segregacionistas para acesso a serviços de

assistência social, os quais tornam a pessoa em situação de rua inapta para receber algum tipo

de benefício. Um exemplo disso é a falta de documentação necessária para poder ter acesso

a serviços ou para ser cadastrado em programas sociais do governo. Em função de sua

territorialização precária, que por si só já expõe esse segmento social a situações de

desamparo como insalubridade, insegurança, desconforto quanto a intempéries etc.; a isso

ainda se soma a exclusão do acesso a serviços públicos. E, reforçando a partir de Scott

(2015), a invisibilidade e a dificuldade de leitura da população em situação de rua limitam o

acesso desse grupo ao fazer estatal.

As políticas públicas voltadas para essa população geralmente possuem foco em

aspectos individuais, seja na forma de assistencialismo, seja em atos de repressão, tratando

não apenas este, mas vários outros problemas sociais como fatos isolados. E acabam por não

levar em consideração o fato de esses problemas estarem ligados a uma estrutura que

reproduz e perpetua desigualdades (Costa, 2005). Silva (2015) observa que a tendência é de

uma massificação de respostas que em sua essência deveriam ser encaradas como

emergenciais, mas são tidas como políticas permanentes de assistência, como no caso da

construção de albergues.

Outra característica dessas políticas é o fato de, frequentemente, serem inseridas no

âmbito da segurança pública ou da saúde. No primeiro caso, essas políticas não são voltadas

para a proteção dessas pessoas, mas ao contrário, para sua criminalização, o que demonstra

um caráter higienista, numa tentativa de expulsar do convívio social da cidade um produto

próprio do processo de urbanização em um sistema segregacionista (Wacquant, 2001),

enquanto criminaliza comportamentos associados diretamente a esse grupo, incluindo-os em

determinado nível, na ala dos inimigos comuns da sociedade. No segundo caso, o aspecto da
saúde também aparece diretamente associado à população em situação de rua. Seja por uma

precarização da saúde, seja por um estigma, muitas vezes as políticas públicas de assistência

a essa população são executadas exclusivamente através de políticas de saúde pública. Nesses

dois casos, além do caráter reducionista dessas políticas, elas correm o risco de serem

encaradas de forma equivocada e aplicadas com repressão e isolamento. Silva (2015) dá dois

exemplos. Um é o programa Crack, é possível vencer, que lançava mão de internações

compulsórias e de isolamento em comunidades terapêuticas, ações essas que, segundo o

autor, chegavam ao limite da legalidade, da irresponsabilidade e da violação de direitos dos

usuários. Outro exemplo no âmbito da segurança pública, trazido pelo autor, foi o Choque de

Ordem no Rio de Janeiro, que desempenhava ações de higienização e de expulsão de pessoas

em situação de rua (Silva, 2015).

Silva (2015) aponta que um grande desafio no desenvolvimento de um plano de

ação que atenda à população em questão, é a sua heterogeneidade e complexidade, que tende

a se ampliar à medida que a população em situação de rua cresce. O autor denuncia que ações

reducionistas são formas de mascarar a complexidade da composição dessa população, e

acredita que essa tem sido a forma com que os governos têm encarado as políticas para o

fenômeno da situação de rua (Silva, 2015). Ele exemplifica apresentando o argumento de que

o público de usuários de drogas pesadas (como o crack) tem sido identificado com a situação

de rua. Isso frequentemente leva o poder público e a sociedade a associar o uso abusivo de

crack e o tráfico com a situação de rua, vinculando de forma direta as pessoas em situação

de rua às ações das políticas de combate às drogas (Silva, 2015).

Outra forma utilizada pelo poder público para mascarar o problema social da

situação de rua é a gentrificação e a especulação imobiliária. Gentrificação, segundo Silva

(2015), seria um americanismo incorporado ao português que se refere à substituição de uma


população de baixa renda por uma população com maior poder aquisitivo, em um

determinado espaço geográfico. Esse processo ocorre através do desalojamento de

populações que ocupam áreas que são alvo de políticas de “enobrecimento”, e que não

possuem condições financeiras para arcar com outras formas de habitação. Porém o que são

oferecidos a essas pessoas desalojadas são espaços para estadia provisória, no lugar da

garantia do direito à moradia (Silva, 2015). Para o autor, essas propostas não passam de

formas de “tamponar e simplificar a flagrante desigualdade de nossas cidades por meio de

reações higienistas” (Silva, 2015, p. 127).

A especulação imobiliária tem sido apontada em diversos trabalhos como

motivadora de políticas higienistas contra a população em situação de rua (Silva, 2015;

Valencio, 2008; Costa, 2007). Valencio (2008) exemplifica essas ações com um caso

ocorrido em São Paulo, no ano de 2008. A autora relata, segundo uma reportagem coletada

por ele no Jornal Folha de São Paulo (Sangiovanni, 2008 apud Valencio, 2008), que a

prefeitura do município construiu um paredão de cinco metros de altura sob um viaduto em

um bairro da região oeste de São Paulo, removendo aproximadamente trinta moradores de

rua, com a justificativa de prevenção a incêndios, já que os moradores acendiam fogueiras

no período da noite para se aquecerem (Valencio, 2008). Acontece que o bairro onde esse

fato ocorreu se encontrava em período de grande valorização econômica, sendo isso a

motivação principal para essa desapropriação (Valencio, 2008). Todas essas práticas de

desterritorialização demonstram, segundo Costa (2007), que o que está em prioridade é a

produção de uma paisagem urbana aparentemente protegida da aleatoriedade de ocupação do

espaço por moradores de rua.

Esses episódios revelam aspectos do processo excludente da globalização. Segundo

Pereira (2009) o fenômeno da população em situação de rua revela o surgimento de novas


significações do espaço público em face da globalização, que reflete a nível local a exclusão

social no espaço público presente em diversas partes do mundo. Dessa forma, a globalização

impacta o espaço público com adaptações locais de formas de segregação, que são

constantemente reforçadas por políticas públicas.

Valencio (2008) aponta para o fato de que toda essa situação é fruto de uma

tendência de crescimento da população em situação de rua em função da incorporação da

lógica do mercado na elaboração das políticas públicas. Segundo a autora, a tendência da

confluência de aspectos da vida pública com aspectos da vida privada acaba por aumentar o

desamparo dessa população quanto a serviços básicos, pois estes (habitação, educação,

alimentação, saúde, água, energia etc.) são transformados em mercadorias (Valencio, 2008).

Silva (2015) considera que a situação de rua é uma violação aos direitos humanos, por ser

um contexto de negligência de vários direitos fundamentais, entre eles o de acesso à moradia.

No caso brasileiro, a situação de rua se caracteriza como um drama coletivo, resultante de

um processo de urbanização acelerado e segregacionista, e a forma como as políticas públicas

têm sido encaradas no país, segundo Valencio (2008), não são pautadas no direito da pessoa

humana, mas sim na lógica do mercado, que atribui boa parte da vulnerabilidade à escolha

individual.

A população em situação de rua se encontra nesse contexto de exclusão

socioespacial, vivenciando uma forma de vulnerabilidade locacional em função de uma

territorialização precária (Valencio, 2008). Além disso, é uma população que sofre de um

desamparo social e estatal, sendo exposta a diversas condições de insalubridade e violência,

negando-lhe direitos humanos básicos (Silva; Costa, 2015). Vistos muitas vezes como

ameaça à ordem pública, moradores de rua são alvo de políticas baseadas na força coercitiva

e na truculência, políticas estas que impedem a ampliação da cidadania a esse grupo


(Valencio, 2008). Dessa forma, o a pessoa em situação de rua é vista como “fonte de ameaça

à ordem pública ao invés de ser visto como ameaçado por esta” (Valencio, 2008, p. 572).

Apesar das lacunas deixadas pelas políticas públicas de assistência direcionadas a

esse grupo, que geralmente têm caráter assistencialista, tais ações aparecem como um

“espaço de travessia para o acesso às demais políticas públicas” (Costa, 2005, p. 8), e muitas

vezes são fontes únicas de acesso a alguns itens de necessidade básica para a pessoa que mora

na rua, embora as alternativas de sobrevivência e de transformação da realidade são criadas

constantemente, em boa parte dos casos, pela insuficiência das ações do Estado (Costa,

2005). Como um complemento a essas políticas assistenciais insuficientes, muitas Igrejas,

organizações não governamentais, além de instituições filantrópicas confessionais ou não

confessionais diversas, atuam com ações de assistência social, que formam uma rede de

assistência à população em situação de rua (Ferreira, 2007).

Assistência à População em situação de rua em São Paulo – Costa (2007):

Diversos trabalhos apontam que a assistência à população em situação de rua se dá

a partir de uma rede composta frequentemente por instituições ligadas ao poder público e,

principalmente, por organizações não governamentais de caráter religioso ou não e demais

instituições filantrópicas (Costa, 2007; Ferreira, 2007; Krieger, 2012). Costa (2007) analisa

o caso da cidade de São Paulo que, segundo ele, é a principal referência nacional sobre o

fenômeno população em situação de rua. Segundo o autor, a experiência do município em

lidar com esse grupo vem de um diálogo com diversas instituições que formam uma ampla

rede de assistência a esse público, diálogo esse que acarretou o aprimoramento das técnicas

de abordagem, dos olhares e dos serviços (Costa, 2007). Toda essa interação culminou na
Lei 12.316/97, que segundo as Supervisões de Assistência Social do estado de São Paulo,

visa “garantir os padrões éticos de dignidade e não violência na concretização de mínimos

sociais” (SAS, 2001, p. 7). Dentro desse objetivo está incluída a construção de abrigos para

acolhida, albergues, restaurantes públicos com alimentação a baixo custo, casas de

convivência, soluções habitacionais definitivas, o desenvolvimento de formas de mensuração

sociodemográfica dessa população, dentre outras várias ações de integração socioeconômica

do sujeito em situação de rua para cumprimento do objetivo da lei (Costa, 2007). Uma das

coisas que o autor observa de relevante nessa lei é que ela incentiva a atuação em rede das

políticas públicas de assistência à pessoa em situação de rua, na medida em que aciona vários

tipos de serviços que são prestados por diversas instituições que constituem essa rede, além

de estabelecer que os serviços prestados devam acompanhar o grau de autonomia dos

usuários quanto ao processo de inserção social que, segundo a interpretação do autor a

respeito da lei, avança na medida em que o usuário se afasta das ruas (Costa, 2007).

O autor pontua que, apesar da diversidade de recomendações e especificações

apontadas na lei, apenas uma parcela delas é executada. Porém, outros serviços e assistências

que não estão especificados são executados, e frequentemente por organizações e instituições

que não possuem vínculo com o poder público municipal. Dessa forma, a rede oficial é

complementada por uma rede informal de assistência à população em situação de rua.

Embora essas outras formas de apoio sejam vistas complementam a rede oficial, os principais

serviços, como albergues, núcleos de serviço e de convivência e outras cooperativas, eram

prestados por instituições ligadas à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento

Social (Costa, 2007).

O trabalho de Costa descreve também duas ferramentas que foram implementadas

no contexto de São Paulo, e que demonstram a estratégia de integrar os serviços de


assistência. Uma dessas era a Central de Atendimento Permanente (CAPE), que se tratava de

um sistema de transporte que era acionado para recolher e encaminhar moradores de rua e

usuários de droga para diversos serviços, incluindo hospitais, albergues e clínicas

psiquiátricas. A outra ferramenta era o Sistema Integrado de Informações da População em

situação de rua (SISRUA), que diz respeito a um sistema computadorizado ligado a

praticamente todas as instituições da rede, onde dados eram armazenados e difundidos sobre

os usuários dos serviços da rede, e também onde era registrado o histórico dos procedimentos

pelos quais o usuário havia passado (Costa, 2007).

Outro ponto que dialoga com a observação da Organização do Auxílio Fraterno, é

que os principais pontos da rede da cidade de São Paulo se localizam nas regiões mais centrais

da cidade, reforçando a afirmação de que esse segmento se trata de uma periferia de centro

(Costa, 2007; OAF, 1982).

Na descrição dos serviços mais utilizados, segundo esse trabalho, aparecem as

moradias provisórias, que funcionavam como residências coletivas e são conveniadas com o

poder público municipal, porém tiveram suas origens em instituições religiosas. Dentre esses

serviços também aparecem os albergues, onde concomitantemente funcionavam núcleos de

serviços durante o dia e os usuários da rede tinham acesso a banheiros, refeitórios, chuveiros,

tanques de lavar roupa, também recebiam serviços de assistência social, enfermaria e

ambulatório. Os albergues se tornaram referência no serviço de assistência à população em

situação de rua, e no caso da cidade de São Paulo, todos possuíam vínculo com o poder

público, sendo apenas um com o estado e os demais com o município. Nesse contexto, os

albergues têm um papel essencial na proteção contra o frio em períodos de inverno, que é

frequentemente causa de morte entre esse grupo, porém ainda não eram suficientes para
abrigar toda a população em situação de rua vulnerável às temperaturas baixas dessa época

do ano (Costa, 2007).

O estudo de Costa (2007) nos apresenta um exemplo de política de assistência à

população em situação de rua constituída por uma rede de serviços diversos, prestados por

organizações de natureza pública, privada, formal e informal e espalhadas por pontos

estratégicos do município. A criação do SISRUA demostra claramente a intenção de

integração e expansão dessa rede e de criação de novos convênios, na medida em que surgem

organizações que prestam serviços aos usuários cadastrados nesse sistema. De acordo com o

autor, a forma como esses serviços de assistência foram estruturados contribuiu para a

proliferação de albergues pela cidade, caracterizando o serviço de assistência à população em

situação de rua em São Paulo, até a época em que o estudo foi realizado a principal referência

para políticas dessa natureza no Brasil, a partir de grandes instituições impessoais que oferece

serviços de pernoite e alojamento. Já na época em que o trabalho foi escrito o autor

identificou uma tendência à informatização e tecnicização, o que levaria a um atendimento

em massa e a uma maior institucionalização e racionalização dos procedimentos na rede de

proteção e serviços a esse segmento da população (Costa, 2007).

Assistência à População em situação de rua em Porto Alegre – Krieger (2012):

Outro trabalho que apresenta um segundo exemplo de implementação de políticas

públicas de assistência à população em situação de rua no Brasil é o de Krieger (2012), sobre

a cidade de Porto Alegre. O órgão responsável pela gestão da Assistência Social no município

é a Fundação de Assistência Social e Cidadania de Porto Alegre (FASC), com o apoio do

MDS. Seus esforços são baseados no objetivo de detectar os problemas sociais e produzir
ações reparadoras para inclusão socioeconômica de toda a população do município. Desde

2009, a FASC trabalha na implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

O SUAS é um sistema orgânico de articulação entre as três esferas do governo (municipal,

estadual e federal) com o objetivo de dar materialidade às políticas de assistência social no

Brasil (Couto, 2009). Esse esforço da FASC na implementação do programa pretendia

reordenar a sua rede de serviços de acordo com a Tipificação Nacional de Serviços

Socioassistenciais. Dessa forma, seus serviços foram distribuídos em três níveis: básico,

especial e de média e alta complexidade, de acordo com a complexidade da vulnerabilidade

apresentada (Krieger, 2012).

Os serviços de baixa complexidade têm o foco na prevenção e no desenvolvimento

de potencialidades de grupos e se concentram nos Centros de Referência de Assistência

Social (CRAS) do município, que são distribuídos pelas regiões da cidade. A proteção social

no nível especial é dirigida a pessoas e grupos em situação de risco pessoal ou social, por

serem vítimas de violências e abandonos, menores de idade em cumprimento de medidas

socioeducativas, população em situação de rua, entre outras situações de vulnerabilidade. As

instituições de referência no município em relação ao atendimento e prestação de serviços

nesses casos são os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).

Dentre os diversos serviços de proteção e assistência social desenvolvidos pelo CREAS,

estão aqueles de atendimento diurno à população em situação de rua e idosos. Esses serviços

são materializados através de uma Casa de Convivência, um Centro POP, um centro do idoso,

além de todos os outros pontos da rede de assistência do município (Krieger, 2012), em

semelhança à cidade de São Paulo (Costa, 2007). Os serviços de proteção de média e alta

complexidade prestam atendimento integral a pessoas em situação de risco pessoal ou social,

e também incluem serviços a pessoas em situação de rua (Krieger, 2012).


Em 2010 a gestão municipal da cidade institui a Coordenação de Monitoramento e

Avaliação com o objetivo de adequar suas políticas às diretrizes da Política Nacional da

Assistência Social. Porém, o autor observa que o município de Porto Alegre já demonstra

uma preocupação com o fenômeno da situação de rua há algum tempo, e destaca que foram

realizadas, ao longo da década de 90 até a época do estudo, parcerias com universidades,

instituições e profissionais capacitados tecnicamente para levantamento de dados

quantitativos e qualitativos sobre essa população, visando o conhecimento amplo dessa

realidade no município. Krieger (2012) considera que esses serviços da Política de

Assistência Social em Porto Alegre, que são direcionados a pessoas em situação de rua, se

constituem para um espaço de acolhimento às demais políticas públicas de serviços básicos,

como saúde, educação, habitação, lazer, etc.

Dessa forma, as gestões municipais da cidade se empenharam em conhecer essa

população com o objetivo de qualificar a sua rede de atendimento. Seguindo esse objetivo,

foi realizado um Censo no município em 2011, como parte das ações previstas no Plano

Municipal de Enfrentamento à Situação de Rua. Por esse trabalho, observa-se também que

as ações da Prefeitura de Porto Alegre tiveram a intenção de “propiciar condições para que

as pessoas consigam sair das ruas e viver com autonomia e dignidade”. Um aspecto

interessante é que a gestão abre espaço para que representantes desse grupo participem na

construção dessas políticas. Além disso, as ações foram executadas de forma conjunta,

demandando atuação de diversos órgãos do governo e entidades conveniadas, constituindo

uma rede ampla de assistência (Krieger, 2012).

O autor aponta a diversidade de serviços prestados, dentre eles se destacam a

construção de albergues, implantação de repúblicas geridas pelos próprios moradores,

inclusão em atividades remuneradas nas áreas de construção civil e reciclagem,


desenvolvimento de programas de promoção à saúde dessa população, como o Programa de

Combate à Tuberculose e discussões sobre promoção de saúde mental (Krieger, 2012).

Um aspecto que se destaca bastante quando analisamos a gestão de políticas

públicas em Porto Alegre, direcionada a esse segmento da população, é a integração de

diversas secretarias e órgãos públicos nos serviços de assistência e proteção. Por exemplo, a

Secretaria Municipal de Trabalho e Emprego é acionada para ofertar capacitação profissional

e encaminhamento para empregos formais. A Secretaria Municipal da Produção, Indústria e

Comércio proporciona espaços para vendas de produtos artesanais, orientação sobre

empreendorismo e outros aprendizados relacionados ao mercado. A Secretaria Municipal de

Educação ficou encarregada de mapear os projetos de Educação de Jovens Adultos próximos

aos abrigos e proporcionar formação para abordagem dos educadores a esse público. Da

mesma forma, diversas secretarias e órgãos públicos municipais, como a Secretaria

Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana, a Secretaria Municipal de Cultura,

dentre outros, atuam conjuntamente na execução dessas políticas, de forma a descentralizar

as ações (Krieger, 2012).

Outra característica marcante também é a preocupação com o protagonismo dos

usuários da rede na construção de suas políticas. Reflexo disso é a criação do Comitê

Municipal de Enfrentamento à Situação de Rua, em 2011, com o objetivo de ser um espaço

de interlocução entre os principais agentes envolvidos com a questão da população em

situação de rua.
Políticas públicas voltadas para População em Situação de Rua no município do Rio

de Janeiro – Mônica Dantas (2007)

Trago aqui também o município do Rio de Janeiro, através do trabalho de Mônica

Dantas (2007), como um outro exemplo de aplicações de políticas públicas para população

em situação de rua no contexto brasileiro. A autora descreve a população da cidade com base

em uma pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), no ano

de 2006. De acordo com os dados dessa pesquisa, apresentados no trabalho da autora, a

população em situação de rua do município do Rio de Janeiro no ano de 2006 era composta

predominantemente por pessoas do “sexo masculino, em idade economicamente produtiva,

e com algum nível de escolaridade, aptos, portanto, teoricamente, à inserção no mercado de

trabalho” (Dantas, 2007, p. 67). Dantas (2007) acredita que, segundo os dados da pesquisa

da SMSA, as políticas públicas mais adequadas para a população em situação de rua do

município seriam as que objetivassem o aumento da escolaridade e a capacitação

profissional, porém, em uma perspectiva intersetorial, aliando também essas políticas à

assistência habitacional e de saúde, com vista na inclusão social do grupo.

Mas o que foi observado nas ações do Poder Público do município direcionadas a

essa população se diferencia do município de São Paulo e de Porto Alegre, onde se observa

uma interação de complementariedade entre diversos órgãos públicos e instituições

filantrópicas. Dantas (2007) destaca que as políticas no Rio de Janeiro eram caracterizadas

pela descontinuidade de seus programas, assim como por não possuir uma integração

suficiente entre os diferentes setores envolvidos e por estabelecer uma relação conflituosa

entre organizações da sociedade civil. A autora também aponta que as ações do governo

direcionadas a essa população tendiam a reproduzir práticas punitivas e de isolamento, além

de possuírem um caráter imediatista, paliativo e higienista (Dantas, 2007). Muitas dessas


ações eram enquadradas como políticas de segurança pública, sendo que frequentemente se

presenciava a retirada forçada de moradores de rua para os albergues e abrigos (Dantas,

2007).

Como exemplo de políticas repressivas e violentas, está o projeto Zona Sul Legal,

criado em 2003 por uma parceria entre a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro com a

Secretaria de Segurança Pública do Estado, tendo como objetivo o recolhimento da

população em situação de rua da Zona Sul, local onde se apresentava de maneira mais visível

(Dantas, 2007). Dentre essas medidas, também estava a Operação de Controle Urbano,

conhecida como “Catralhas”, resultado da parceria entre a Subprefeitura do Centro, a Guarda

Municipal e a Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio. Essa operação teve suas

ações consideradas violentas pelas ONG’s que trabalham com pessoas em situação de rua, e

eram justificadas com a prerrogativa de limpar os lixos das ruas através do recolhimento de

pertences e documentos pessoais, e até mesmo medicamentos de uso dos moradores de rua

(Dantas, 2007).

Por outro lado, a autora apresenta algumas iniciativas do governo municipal na

tentativa de reverter esse quadro. De acordo com o que é apresentado no trabalho de Dantas

(2007), o órgão da Prefeitura do Rio que era responsável por se atentar a questões de

assistência social era a SMAS. O órgão tinha o foco de assistir pessoas em situação de

vulnerabilidade pessoal e social, tendo como público alvo um grupo constituído por crianças,

adolescentes, jovens famílias e idosos (Dantas, 2007). A função da SMAS era garantir que

essas pessoas tivessem acesso pleno às políticas públicas focadas nas áreas de assistência

básica em saúde, educação, habitação e lazer, esporte e cultura, como forma de promover a

inclusão social de pessoas expostas em situação de pobreza. Em 2005 a SMAS passou a ter

três Subsecretarias: de Proteção Social Básica, Proteção Social Especial e a Subsecretaria de


Gestão. Essa composição se tratou de uma adequação às normas da Política Nacional de

Assistência Social (PNAS).

A instituição organizava seu planejamento estabelecendo metas a curto, médio e

longo prazo para execução. Dentro das metas de curto prazo estabelecidas, com maior

destaque em 2005, com previsão de cumprimento em 2008, três em específico se relacionam

diretamente à população em situação de rua. A primeira meta é “garantir política de inclusão

produtiva para pessoas com deficiência, transtornos mentais e moradores de abrigos”

(Dantas, 2007, p. 68). Entre os moradores de abrigos se encontra a população e destaque. A

segunda é relacionada à mensuração dessa população no município, sendo esta a de

“pesquisar e socializar, a cada dois anos, o mapeamento da população em situação de rua e

os serviços ofertados” (Dantas, 2007, p. 68). A terceira tem a ver com uma responsabilização

estatal, a partir do “cofinanciamento das três esferas do governo a programas de atendimento

à população adulta em situação de rua” (Dantas, 2007, p. 68).

Com essas metas de atuação, Dantas (2007) observa que a Secretaria de Assistência

Social do município tinha como foco inicial o mapeamento da população em situação de rua

e dos serviços de assistência existentes no município. Isso refletia um interesse de tornar a

atuação do poder público integrada com os demais serviços disponíveis na cidade, o que se

relaciona profundamente com as metas de médio prazo com previsão para cumprimento até

2010. Tais metas estabeleciam suas ações com vista a promover uma intersetorialidade e a

descentralização de polos de atendimento à população de média e alta complexidade (Dantas,

2007).

As metas de longo prazo, que tiveram previsibilidade de cumprimento até 2015,

seguem o mesmo caminho das outras duas classes. Possuíam uma forte ênfase na
consolidação e na continuidade dos projetos, propondo o estabelecimento de uma rede de

parcerias que incluía desde instituições públicas e privadas a universidades e órgãos de

pesquisa para o monitoramento e avaliação das políticas públicas e para a discussão de

questões referentes aos Direitos Humanos. Outro aspecto que demonstra uma progressão das

metas anteriores é o foco no monitoramento demográfico dessa população, como uma forma

de estabelecer referências para atuação do poder público. Dentre as metas de longo prazo,

está a construção de um sistema de dados e informações sobre o grupo em situação de rua,

com o objetivo de subsidiar os programas de assistência social, podendo servir também como

insumos para a construção de indicadores qualitativos e quantitativos, permitindo um melhor

direcionamento dos recursos (Dantas, 2007).

A Secretaria de Assistência Social do Rio, de acordo com o estudo de Dantas (2007),

era organizada através de subdivisões denominadas Coordenadorias de Assistência Social

(CAS), que anteriormente a 2006 eram intituladas por Coordenadorias Regionais de

Assistência Social (CRAS). As CAS atuavam como o primeiro contato dos usuários com os

serviços de assistência prestados pela SMAS. Até a época do estudo realizado pela autora,

havia um total de dez unidades das CAS espalhados pela cidade do Rio de Janeiro. Essas

Coordenadorias possuem a competência de participar do planejamento de programas e

projetos que se pretendem realizar dentro da área de abrangência de cada unidade. Além

disso, seguindo a lógica de mensuração e monitoramento, as CAS possuem a função de

“realizar pesquisas, coordenar, supervisionar e avaliar a execução de todas as ações de

desenvolvimento social” (Dantas, 2007, p. 69).

Em 2006, a SMAS altera a nomenclatura dos antigos Centros Municipais de

Assistência Social Integrada (CEMASI) para Centro de Referência de Assistência Social

(CRAS). Os CRAS estavam distribuídos pelas dez unidades das CAS, e atuavam como centro
de articulação da rede social, tendo como principal função o atendimento à política de

Vigilância da Exclusão Social (Dantas, 2007).

A SMAS tinha como uma de suas ferramentas o Sistema Municipal de Assistência

Social (SIMAS), que permite monitorar a forma como as políticas estão sendo aplicadas, para

que não houvesse sobreposição das ações efetivas de combate à pobreza e à exclusão social

ou a ausência delas. Esse sistema possuía abrangência ampla, cobrindo toda a rede e todos

os serviços das secretarias setoriais que prestavam atendimento social nas áreas de

“Educação, Saúde, Trabalho e Renda, Esportes e Lazer e Prevenção de Dependência

Química” (Dantas, 2007, p. 69). O SIMAS colabora com o objetivo de criar uma rede ampla

de serviços de assistência social de forma que haja complementariedade nas relações das

instituições. Dessa forma foi possível ações e desenvolvimento de programas de maneira

descentralizada. Concluindo, o SIMAS foi criado com o objetivo de conferir um caráter

dinâmico e articulado ao planejamento, à coordenação, à supervisão, à orientação, à execução

e ao controle das ações relativas à Assistência Social no Município do Rio de Janeiro (Dantas,

2007).

A Secretaria Municipal de Assistência Social possuía como programa

especificamente voltado para a população em situação de rua, o Rede Acolhedora. Dantas

(2007) aponta que o programa tinha como objetivo a reinserção do indivíduo na sociedade,

promovendo autonomia e integração social. O programa era dotado de diversos

equipamentos para atender e abrigar a população, e possuía espaços que serviam como

abrigamento para públicos alvo distintos, como centros de acolhimento, centrais de recepção,

casas de acolhida, casas lares, repúblicas de jovens, hotéis acolhedores, entre outros. O

programa também contava com a participação de equipes de profissionais, como educadores,


psicólogos e assistentes sociais. Segundo a autora, esses profissionais eram responsáveis pelo

acompanhamento dos abrigos e por realizar os encaminhamentos necessários.

A SMAS possuía seis centrais de recepção distribuídas por toda a cidade. Essas

centrais teriam a função de portas de entrada para as pessoas que buscam por assistência e

teriam como função recepcionar, identificar, acolher e encaminhar a população para a rede

de proteção social. A assistência da SMAS atuava fortemente entre crianças e adolescentes

em situação de rua: dentre as seis centrais de recepção, cinco eram voltadas a esse público.

Já as casas lares eram direcionadas às pessoas que já estavam, como apresenta a autora, na

“porta de saída” (Dantas, 2007, p. 71). A autora atribui esse termo às pessoas que já estão

quase totalmente recuperadas e prontas para inclusão social. As pessoas abrigadas nas casas

lares passavam por um acompanhamento de assistentes sociais, que trabalhavam para auxiliar

na inclusão social dessas pessoas, facilitando acesso à moradia e ao emprego. Os atendidos

também recebiam acompanhamento de psicólogos, para auxiliá-los no enfrentamento das

questões emocionais em função do processo de transição. Mesmo após deixarem o programa,

essas pessoas continuavam em acompanhamento para que fosse garantida a condição de

cidadania (Dantas, 2007). Os hotéis acolhedores possuíam um público parecido com o das

casas lares, porém abrigava famílias e adultos que já estavam prontos para o retorno à

sociedade. Os hotéis também eram acompanhados por profissionais da área de assistência

social e por educadores, sempre visando a integração social desses sujeitos (Dantas, 2007).

Apesar das tensões existentes entre o poder público e a sociedade, algumas parcerias

de extrema importância para ampliar a frente de atuação da SMAS foram viáveis. Uma dessas

parcerias resultou no projeto “Ônibus Acolhedor”, realizada com o Rio Convention Bureau,

uma instituição ligada à rede de hotéis do município. Esse projeto tinha o objetivo de acolher

e encaminhar moradores de rua para serviços de assistência devidos. No trabalho de Dantas


(2007) também aparecem como resultado de iniciativas de cooperação entre o poder público

e a sociedade civil o projeto “Boa Noite”, fruto da parceria entre a AMAS e a Central de

Oportunidade, fornecendo pernoites a trabalhadores informais que não tinham como voltar

para suas casas no mesmo dia, revelando assim outro subgrupo entre os moradores de rua; o

projeto “Agora só falta você”, com o objetivo de incluir no mercado de trabalho a população

moradora de albergues, fornecendo assistências para permitir a estabilidade no emprego

formal, como emissão de documentos, tratamentos médicos e inclusão em programas para

aumento do nível de escolaridade.

Dantas (2007) chegou à conclusão de que algumas áreas básicas ainda eram

atendidas de forma precária - ou nem mesmo isso -, como é o caso da saúde, da educação e

do trabalho. A autora observou que ainda prevalecia a cultura dos albergues e das políticas

assistencialistas, e que existiam poucas propostas que visavam capacitar e inserir o indivíduo

no mercado de trabalho de forma efetiva. Outro apontamento feito também é a barreira

identificada entre os órgãos públicos e instituições da sociedade civil, no que se refere à

construção de parcerias e ao engajamento de maneira conjunta nas ações de inclusão da

população em situação de rua e de outros grupos em situação de vulnerabilidade. Apesar

disso, a autora relata que alguns representantes do governo começavam a participar de

atividades organizadas pelas ONG’s, exemplificando com o evento realizado pelo Fórum

Permanente Sobre População Adulta em Situação de Rua do Rio de Janeiro, chamado “4º

Seminário sobre População Adulta em Situação de Rua – Propostas para uma política pública

de saúde”. Esse evento contou com a aprovação e o apoio do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

e da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro e com a participação de técnicos do

programa Rede Acolhedora. Esse evento demonstrou que, de alguma forma, as unidades de

saúde do estado e do município se interessam pela interação com essas ONG’s e reconhecem
a experiência acumulada dessas instituições em meio ao trabalho com pessoas em situação

de rua (Dantas, 2007).

Considerações Finais:

Longe de ser uma homogeneidade, a população brasileira em situação de rua é

composta por uma diversidade de pessoas com trajetórias particulares e vindas de contextos

diversos. Considerando os trabalhos consultados, podemos apontar algumas características

que, para além de trajetórias marcadas por situações de perda e abandono nos mais diversos

âmbitos: família, trabalho, relacionamento conjugal etc., manifestam uma condição social.

Muito mais que trajetórias individuais, não descartando a importância delas para a

composição identitária e subjetiva de seus possuidores, existem características que se

manifestam vinculadas à coletividade das pessoas em situação de rua, o que faz desse grupo

um campo vasto para as ciências sociais.

Acompanhando a bibliografia, podemos observar que se trata de um grupo em

condição de desfiliação social e estatal, com garantias básicas para a sobrevivência e direitos

fundamentais negados, o que consequentemente os nega também a condição de cidadania.

Reafirmando sua condição como grupo, a composição da população em situação de rua

apresenta aspectos estruturais que são vinculados à herança de um processo segregacionista

iniciado juntamente com a história do país. O fato de a população em situação de rua ser

composta predominantemente por homens negros, demonstra nitidamente esse um desses

aspectos aspecto. A população em situação de rua é uma expressão contrastante de

desigualdades estruturais presentes no Brasil, não sendo por acaso que está presente

principalmente nos centros urbanos. O fato de ser um grupo difundido nas grandes
metrópoles, sendo estas referências de modernidade e desenvolvimento econômico,

evidencia quais diretrizes guiaram o desenvolvimento econômico do país. A existência do

fenômeno da situação de rua aparece como uma expressão da extrema pobreza no meio

urbano, justamente por ser um reflexo de contextos de desigualdade. Os moradores de rua

são um produto da estrutura escravocrata, segregacionista e desigual que sustentaram a

formação do Brasil.

As políticas voltadas para essa população contribuíram (e ainda contribuem) para

perpetuar a exclusão social e econômica pela qual essas pessoas passam. O aspecto higienista

de muitas iniciativas do poder público, assim como o frequente acionamento de instituições

de segurança pública são formas de ocultar as contradições do sistema excludente do país.

Porém essas pessoas são muito mais que meros produtos do sistema, tomando um lugar de

agentes no aspecto de reprodução de suas dinâmicas sociais próprias e apropriação do espaço,

mesmo que tenham que se adaptar constantemente às mudanças urbanas e às formas de

repressão que sofrem. Dessa forma, esse grupo passa ser visto para além da falta.

Em função dessa diversidade e do dinamismo da população em situação de rua, o

Estado falha na legibilidade desse grupo. Com a urbanização sendo cada vez mais

intensificada, a realidade da situação de rua tende ser cada vez mais presente no contexto

brasileiro, de modo que as formas de legibilidade e mensuração das pessoas em situação de

rua precisam ser adaptadas a essa nova realidade, pois se trata de uma necessidade urgente.

A bibliografia dá suporte para defendermos que a legibilidade se torna mais abrangente e

precisa quando as formas de reprodução da vida na rua e a subjetividade do grupo são

consideradas.
Diante da condição de desamparo ao qual a população em situação de rua se

encontra, algumas iniciativas foram de extrema importância para chamar a atenção às

necessidades desse grupo, principalmente iniciativas da sociedade civil, nas ações de

organizações não governamentais e religiosas, mostrando a insuficiência do poder público

em lidar com a pobreza e a desigualdade. O que se observa também através dos estudos

consultados nesse trabalho é uma tendência de atuação em rede dessas iniciativas, sendo que

o poder público consegue desempenhar melhor seu papel de garantir acesso a direitos básicos

quando se articula juntamente com instituições da sociedade civil.

Diante disso, se torna necessário um aprofundamento em estudos sob a perspectiva

de redes sobre a atuação dessas instituições, suas articulações com o poder público e entre

elas próprias, o lugar delas no cotidiano das pessoas em situação de rua e como se dá suas

interações com os serviços prestados por essas organizações. Para isso é importante conhecer

o grupo nas suas subdivisões e na sua diversidade, considerando suas formas de reprodução

da vida cotidiana, o que exige um olhar para além do ciclo de produção capitalista. Também

é importante buscar entender de que forma a dinâmica de interação entre o poder público e

as organizações não governamentais podem tornar reais a inclusão social e econômica

autossustentáveis, conferindo integração cidadã à população brasileira em situação de rua.

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