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EDUCAÇÃO NO CAMPO

BELO HORIZONTE / MG

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SUMÁRIO

1 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO ......................................4

1.1 Antecedentes históricos da educação do campo na sociedade brasileira .................6

2 O DIREITO DOS POVOS CAMPESINOS À EDUCAÇÃO ............................................9

2.1 Educação para uma minoria ....................................................................................10

3 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CAMPO. .................................................................14

4 A EDUCAÇÃO DO CAMPO ENQUANTO PRODUÇÃO DE CULTURA. ..................16

4.1 Educação do campo: Um conceito em construção ..................................................16

4.2 Escola rural: indagações acerca da cultura e do trabalho ........................................19

5 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NA FORMAÇÃO DOS SUJEITOS ...............................23

6 A EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO FORMAÇÃO HUMANA PARA O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. .......................................................................31

6.1 As diferentes concepções de


desenvolvimento ............................................................................................................33

6.2 O papel dos movimentos sociais na construção das políticas de desenvolvimento


sustentável .....................................................................................................................37

6.3 As contribuições da educação do campo para o desenvolvimento sustentável .......39

7 POLÍTICA E CIDADANIA NO CAMPO ...................................................................46

7.1 Balanço histórico das políticas “públicas” de educação do campo no Brasil ...........46

7.2 Cidadania e Educação do Campo: o “público” político dos movimentos sociais ......50

7.3 A educação do campo enquanto política pública: de FHC à Lula ............................52

7.4 Pronera: a política de FHC continuada por Lula ......................................................53

7.5 Programa Saberes da Terra: a política do Governo Lula .........................................55

7.6 Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo


– Procampo ....................................................................................................................56

8 IGUALDADE E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO DO CAMPO .................................61


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9 A QUESTÃO AGRÁRIA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO .....................................66

9.1 A educação no Brasil e a sua relação com a questão agrária ....................69

10 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ..................................................................................76

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1 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Inúmeros são os desafios encontrados para a efetivação de uma educação que


pensasse as especificidades múltiplas que existem no espaço do campo brasileiro, e
nesse contexto, temos a Educação do Campo que nasce junto às lutas sociais por
políticas educacionais que atendam os povos do campo.

Fonte: andes.org.br

A educação tem se constituído como um instrumento relevante na sociedade


brasileira e às vezes tem sido definida por concepções de educação que no processo
histórico tem enviesado para caminhos de natureza cartesiana, pragmática,
reprodutivista, crítica-reprodutivista, ou simplesmente crítica, libertadora, liberal,
neoliberal, pós-moderna, enfim; uma educação que se desenvolveu acompanhando a
trajetória histórica e trouxe avanços à sociedade brasileira principalmente na área da
pesquisa, responsável pela inovação tecnológica também para a zona rural. No campo
inovaram: no maquinário, no aumento da produção de grão, nos agrotóxicos, alteração
dos genes das sementes para exportação em larga escala. Mas os que têm usufruído
desses avanços são pequenos grupos de latifundiários, empresários, banqueiros e
políticos nacionais e internacionais. Enquanto a outros é negado o acesso à terra para
sobreviver e garantir o sustento de outros brasileiros.

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Em relação à educação do campo, é pertinente ressaltar que a concepção de
educação que vem sendo empregada pela cultura dominante e elitista, não tem
favorecido satisfatoriamente para combater o analfabetismo, elevar a escolaridade dos
sujeitos, sua cultura e seu padrão de vida. Há ainda insatisfação, ocasionada pelo acesso
tardio a escola que na maioria das vezes, nas regiões mais pobres do Brasil, são
oferecidas sem condições de oportunizar saberes para a criança, o adolescente, os
jovens e adultos devido à precariedade de investimentos dessa política pública. Isso
representa, sem dúvida, uma das maiores dívidas históricas para com as populações do
campo.
Enquanto Arroyo critica a sociedade brasileira por não oportunizar políticas
públicas de educação para as populações do campo, Durkheim (1998) com uma
concepção de sociedade elitista e classista, se refere a uma educação que deveria ser
diferente para as classes sociais. “A educação urbana não é a do campo, e a do burguês
não é a do operário”,(p. 39). Isso caracteriza, evidentemente, uma postura alienadora que
reforça uma educação para privilegiados. Marx também se reporta aos aspectos das
desigualdades remetendo essa situação a partir de uma ordem social que submete o
mundo ao poderio do capital. Relata que o trabalho humano nunca produziu tantos
objetos em toda história humana.
A condição de poder da burguesia é o crescimento do capital que submete o
homem ao trabalho assalariado, gerando uma base de competitividade e desigualdade
entre os trabalhadores. Isso canaliza para um índice absurdo de “pobreza que cresce
mais rápido do que a população e a riqueza”. (1998; p.28). O paradigma de produção
capitalista permite maior exploração entre as pessoas, causa a marginalização do
trabalhador do campo e, a mão de obra humana na fábrica ou no latifúndio, transforma-
se numa mercadoria a serviço da burguesia, do capitalismo que também se articula pelo
processo educativo.
Pensando nesta situação de exploração do trabalhador e nas condições que
oportunizam uma educação conscientizadora, Paulo Freire (2007) nos possibilita
observar o sistema educacional da sociedade brasileira, dentro do processo de mudança,
quando identifica a educação como elemento fundamental para o sujeito do campo ou da
cidade. E considera como necessidade primordial dessa mudança, a leitura de mundo
com o sujeito que aprende, mas que também ensina. Ele desenvolveu uma metodologia
de ensino para a alfabetização e conscientização do trabalhador do campo que partia
dessa leitura de mundo. Uma iniciativa surgida na década de 50, que continua presente
na ação educativa de muitos professores do campo e da cidade.
O camponês, o ribeirinho, o povo da floresta da Amazônia Paraense também tem
demonstrado que domina saberes. Conhecem as marés do rio que enche e vaza, do
tempo da piracema, sabem que grande área de floresta no chão torna o solo da Amazônia
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infértil, do período da coleta dos frutos na floresta, entendem a geografia do rio, da mata;
trazem consigo a cultura de seus antepassados impregnada em suas cantigas, danças e
lendas em seu jeito de ser homem, mulher caboclo sujeito de saberes amazônicas. Mas
a incorporação de sua cultura nos currículos escolares se processa por aspectos que
envolvem desde políticas públicas para a educação como também, a aproximação do
professor com o aluno e sua realidade por meio de situações problematizadoras. Quando
os saberes selecionados por especialista de currículo que representam os interesses da
cultura dominante, são questionados na escola se evidencia que, o ato de ensinar está
relacionado ao outro, como um ser ignorante.
Um sujeito que não sabe, precisa saber conhecer, para deixar de ser. Algumas
vezes não se compreende o sujeito que aprende como portador de uma outra cultura que
domina saberes tão relevantes quanto os saberes do professor. Não se identifica a base
do processo educativo como formação da consciência e no estabelecimento da relação
dialógica com o sujeito que aprende, interligando a dialética dos seus conhecimentos aos
da sociedade que conserva, mas também se modifica. Para Freire (2007) não existe
nenhuma estrutura exclusivamente estática, assim como, não há uma, absolutamente
dinâmica. Isso vale para a estrutura construída pelas sociedades e também para a
educação. Desde a Antiguidade até a contemporaneidade, as concepções de educação
sofrem alterações, modificações ou surgem novas.

1.1 Antecedentes históricos da educação do campo na sociedade brasileira

A partir de 1930, a concepção de educação do campo se configura em um conjunto


de políticas com definições elaboradas para este atendimento. No histórico da legalidade
educacional, um dos primeiros tratamentos de maior abrangência ocorreu na
Constituição de 1934, quando os Pioneiros da Escola Nova que representaram uma nova
relação de forças oriundas pelo conjunto de insatisfações de setores intelectuais,
cafeicultores, classe média e até massas populares urbanas se instalaram na sociedade
solicitando reformas educacionais. A Constituição de 1934 sinaliza para importância de
uma concepção de educação profissional voltada para o contexto industrial, e quanto à
educação rural artigo 156: Parágrafo único determina: “Para realização do ensino nas
zonas rurais, a União reservará, no mínimo, vinte por cento das quotas destinadas a
educação no respectivo orçamento anual. ” (POLETTE; 2001, p.169) um relevante
acontecimento, mas, omitem outras proposições para educação do campo.
Em 1947 a nova Constituição Brasileira propõe que a educação rural seja
transferida para responsabilidade de empresas privadas (industriais, comerciais e
agrícolas) a obrigatoriedade pelo financiamento como expressa o Capítulo II da educação

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e cultura, Artigo 166; inciso III: “as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que
trabalham mais de cem pessoas, são obrigadas a manter o ensino primário gratuito para
os seus servidores e os filhos destes”; (BALEEIRO E SOBRIDINHO; 2001; p. 108).
Quanto à obrigatoriedade do ensino, responsabiliza as empresas industriais e comerciais
em ministrarem a aprendizagem de trabalhadores menores em forma de cooperação e
exime desta responsabilidade as empresas agrícolas.
A partir de 1940 a educação brasileira incorporou a matriz curricular urbanizada e
industrializada. Caracterizou interesses sociais, culturais e educacionais das elites
brasileiras como fundamentalmente a mais relevante para todo povo do Brasil. Com a
Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, permanece a obrigatoriedade
das empresas agrícolas e industriais com o ensino primário gratuito para empregados e
os filhos menores de 14 anos. Isso explica, porque o Brasil até 1970 esteve com uma
educação do campo, sob o gerenciamento das iniciativas privadas da produção do
campo, com a formação profissional próprios para esta realidade e devidamente
qualificada. Ocorre que, sucessivamente os governos brasileiros têm implantado uma
educação que não atende e não respeita às especificidades de cada realidade regional
e muito menos a diferenciação (geográfica, cultural, histórica, social, etc.) do campo.
Neste caso, a oferta de educação para o campo em alguns lugares da Amazônia
Paraense não tem garantido as alterações propostas pela Constituição de 1988, ou pelos
documentos supracitados, uma vez que se recorre a um padrão de educação urbano
Centrica.
Esse paradigma é marcado por contradições que de certa forma, vem interferindo
na implementação de políticas públicas de afirmação para as populações que vivem e
trabalham no campo. Segundo Elaine Furtado (2006), para compreender como a
sociedade brasileira produziu e reproduziu as desigualdades no campo, precisamos
entender três elementos: “O latifúndio, a industrialização e a financeirização da
economia”. Ao expor sobre a discussão, retrata Furtado (2006) de que o Brasil
desenvolveu uma estrutura fundiária baseada na grande propriedade rural que ainda se
configura, mas, se solidificou graças às contingências do mercado mundial favorável a
monocultura e também pela exploração da mão de obra escrava. Durando três séculos
“produziu-se concentração da terra, exclusão dos trabalhadores do campo, do acesso às
condições mínimas de sobrevivência, mesmo depois do término formal da escravidão”.
Com o processo da industrialização as necessidades da população do campo
foram mais uma vez renegadas, prevalecendo à produção em larga escala de grãos para
exportação e consumo, gerando concentração de renda nas mãos de poucos, em relação
à maioria. Acrescenta Furtado (2006), como elemento recente a financeirização da
economia, que marca essa construção história “somados as desigualdades produzidas
pela globalização, o avanço tecnológico e a abertura dos mercados com a financeirização
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da economia, fundada em taxas de juros mais altas do mundo, fez com que voltasse a
exclusão dos trabalhadores” (Ibidem; p. 48). Esses elementos determinaram uma
construção história resguardada pela exploração dos trabalhadores e durante séculos
fortaleceu a classe dominante do país favorecendo a apropriação e o empoderamento de
bens e de riquezas, bem como, o domínio de conhecimentos tecnológicos, culturais, no
qual a educação, na maioria das vezes, esteve a serviço dessa estrutura de dominação.
A principal preocupação desse período era a formação de mão de obra qualificada
que contemplasse os interesses e necessidades do espaço urbano para aceleração do
crescimento econômico industrial que gradativamente se fortalecia após Segunda Guerra
Mundial. Durante a Guerra Fria, instalou-se uma concepção de mercado que procurava
ampliar o número de consumidores, e aos Estados Unidos interessava consolidar essa
hegemonia. Por conta dessa disputa entre as potências mundiais (Estados Unidos e
União Soviética) que muitos países foram aderindo a uma das posições políticas e junto
com a adesão vinha o pacote de proposições educacionais para serem implementadas
em cada país. No caso do Brasil, optou-se por uma educação com currículos e
metodologias fundamentados no ideário norte-americano, numa perspectiva de
afirmação de uma escola essencialmente urbana. Então, a partir dos anos 30, a
escolarização para o trabalhador do campo, foi inserido também, com o intuito de conter
o êxodo rural, provocado pelo processo de industrialização do país, responsável pela
grande massa de migrações rurais de quase todas as regiões do país durante décadas
subsequentes.
Cláudia Passador (2006) expressa que para os camponeses, a escola não tinha
tanto significado, uma vez que, o aprendizado da profissão tinha sido adquirido com os
pais e não pela escola. De forma geral, a escola era compreendida como lugar da “contra
educação rural”, pautada em apenas instruir o homem do campo, para ler, escrever e
contar. Essa ideia de instrução do trabalhador nos remete a uma ideologia de que o
sujeito da roça não precisa estudar, pois, trabalhar com a enxada, por exemplo, requer
apenas esforço físico, não precisaria raciocinar refletir, questionar e sim, somente
manusear os instrumentos e saber utilizar a terra adequadamente. 1

1
Texto Extraído de http://www.anpae.org.br/congressos_antigos/simposio2007/289.pdf
8
2 O DIREITO DOS POVOS CAMPESINOS À EDUCAÇÃO

Para que se possa refletir sobre o direito a educação aos homens e mulheres do
campo é necessário considerar o conjunto de forças sociais, políticas, econômicas e
culturais que foram se engendrando no decorrer da história do Brasil, sob os interesses
do capital, e que influenciaram sobre maneira a oferta de educação pública a esses
sujeitos. No Brasil, esse contexto é marcado pela educação dos jesuítas que aqui
chegaram chefiados pelo Padre Manoel da Nóbrega, com a missão de “educar” a nova
colônia portuguesa, instituindo a fase jesuítica da educação colonial, ligada estritamente
à política colonizadora europeia a favorecer o capitalismo de acumulação primitiva. O
processo de colonização do Brasil tem como marco importante as Capitanias
Hereditárias, cujo elemento fundamental é a posse da terra, sustentada pela lógica
produtiva das relações sociais sob o tripé latifúndio, religião e escravidão. Em síntese, a
educação ou sua negação ao povo, no período supracitado, inscreve-se no objetivo da
colonização: lucro, acumulação de riquezas, expropriação e exploração das novas terras
descobertas, traçando as marcas históricas daquilo que CHAUÍ (2000) chamou de mito
fundador (descobridor) que tem permanecido além daquela época.
Diferentemente da formação, a fundação se refere a um momento passado
imaginário, tido como instante originário que se mantém vivo e presente no curso do
tempo, isto é, a fundação visa a algo tido como perene (quase eterno) que traveja e
sustenta o curso temporal e lhe dá sentido. A fundação pretende situar-se além do tempo,
fora da história, num presente que não cessa nunca sob a multiplicidade de formas ou
aspectos que pode tomar (CHAUÍ, 2000, p. 9).
O fenômeno colonização é igual a exploração, associada ao submetimento dos
povos indígenas e negros às mais cruéis formas de relações sociais, o que trouxe
implicações para o modelo de educação a ser ofertado, distintamente, a cada classe
social. A educação brasileira passa a existir nesse contexto e dela não se aparta a
educação proposta ao trabalhador (a) rural. No Brasil colônia, não se pode falar de
educação propriamente, porque “até 1808, época em que aqui chegou a Família Real
portuguesa eram proibidos no Brasil: escolas, jornais, circulação de livros, associações,
discussão de ideias bibliotecas, fábricas, agremiações políticas e qualquer outra forma
de movimento cultural” (LIMA, 1968, p.19), ou seja, 308 anos como porto, fonte de
matéria-prima, controlado por feitorias e fortes. Propositalmente, Portugal mantinha a
colônia ignorante e analfabeta, condição necessária para manter o avanço do capitalismo
nesse país, porém, tendência seguida pelos governantes posteriores, que permitiram
constatar-se no final do século XX o baixo padrão de desenvolvimento da educação aos
povos do campo.

9
O latifúndio cresceu nesse país fundado nos cem anos de escravidão e extermínio
dos povos indígenas e do século XVII ao século XIX (1888) com base na escravidão do
negro africano. Portanto, o Brasil podia isentar-se de oferecer educação. Esta não era
necessária ao modelo de acumulação de riquezas, apesar das revoltas dos povos
indígenas e da luta do povo negro, cuja expressão maior está nos quilombos. Em termos
políticos o Brasil “saiu” da condição de colônia, constituiu-se império, fez-se
“independente” e proclamou-se república. Tais contextos levaram, por sua própria
contradição, à reivindicação da educação, sob a responsabilidade do Estado. Mas,
demoraria muito a se configurar uma política de educação efetiva, pois da parte das elites
brasileiras, sempre houve um grande receio quanto aos ideais políticos de liberdade e de
direitos sociais que poderiam ser estimulados caso fosse ofertada aos trabalhadores.
Verifica-se que a educação pública brasileira, até os anos 30 do século XX, não
consegue sair do papel, constituindo-se de um leque muito amplo de leis anunciadas e
não materializadas como direito. O não assumir da educação como obrigação exclusiva
do Estado abriu historicamente o caminho à iniciativa privada, deixando mais distante o
acesso à educação, pelo povo. Assim, é que se chega ao século XXI e, ainda, o acesso
à educação configura-se como um problema nacional, sem que esta fosse garantida à
maioria da população brasileira em seus diversos níveis e modalidades, particularmente
à força de trabalho camponesa. É nesse sentido que se ressalta que a luta pela educação
do campo ocorre no palco dos conflitos decorrentes da luta pela terra, fato verificado
desde a aprovação da lei de terras, em 1850.
A referida Lei restringia o direito à terra aos ex escravos, aos brasileiros pobres,
posseiros e imigrantes, mas permitia que estes se tornassem mão de obra barata para o
latifúndio até os nossos dias quando se aprova o II Plano Nacional de Reforma Agrária,
no governo Lula. Casa-se, assim, o capitalismo com a propriedade da terra e, com esse
laço de união esta é transformada em uma mercadoria controlada por quem tem dinheiro
e poder político. É como se essas leis pudessem ser chamadas de a primeira cerca de
arame farpado ou a primeira semente concreta para a constituição do campesinato sem-
terra e sem acesso às políticas públicas, entre as quais a política educacional.

2.1 Educação para uma minoria

A introdução da educação rural nas legislações brasileiras data do início do séc.


XX, produzindo para o campo políticas de educação que primaram pela contensão. Esse
fato expressa a necessidade de acumulação capitalista, naquela época, e uma visão de
que para tal modelo de produção não era preciso grandes investimentos em educação,
corroborada pela abundância de mão-de-obra. O quadro referente a educação no século

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anterior já havia indicado que apenas 10% da população em idade escolar se achava
matriculada nas escolas primárias e que as primeiras Escolas Normais, visando a
formação de educadores, para aquele nível de ensino, só seriam criadas em 1835. As
mentalidades dominantes no poder, durante séculos, foram indiferentes à educação
popular e feminina. Para eles a educação dos pobres e da mulher devia ser prática e
utilitária, daí que ao se chegar a Primeira República (1889), os índices de analfabetismo
da população brasileira eram em torno de 85% (RIBEIRO, 2001). Posteriormente, no
período pós-guerra (1914/1918) demarcaria o início do surto industrial e a tendência a
urbanização do país. Constituiu-se o operariado e aumentaram os movimentos
contestatórios: greves, Movimento Tenentista, Coluna Prestes, fundação do Partido
Comunista Brasileiro, Semana de Arte Moderna. Contudo, mais da metade da população
de quinze anos e mais, em 1920, estava fora da escola.
A população do país, em torno de 14.333.915 milhões de habitantes, tinha apenas
250 mil estudantes (RIBEIRO, 2001). A educação, pela primeira vez, passa a ser tratada
como uma questão nacional, por meio da edição da Constituição de 1934, que também
exigia a elaboração de Diretrizes e Bases para a educação nacional e a elaboração de
um Plano Nacional de Educação. Mas, tal anseio não se consolidou em decorrência do
Estado Novo de 1937. A Constituição do Estado Novo tomaria a educação rural como
fundamento para organizar a juventude no trabalho, promover disciplina moral e
adestramento físico “de maneira a prepará-la ao cumprimento dos seus deveres para
com a economia e a defesa da Nação”. Essa é a educação para os camponeses porque
para os filhos da burguesia agrária e industrial a educação haveria a educação
secundária, de caráter propedêutico, que tinha por objetivo educar as futuras elites
condutoras. A lei do Ensino primário só seria aprovada em 1946, época em que está no
poder o general Eurico Gaspar Dutra. A grande novidade da Lei foi o Artigo n.º 56,
Parágrafo Único:
Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no
mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no respectivo
orçamento anual. Quanto ao ensino agrícola, a estrutura implantada
pelo Decreto-Lei 9613/46 foi a de cursos de nível AURORA ano III
número 5 - DEZEMBRO DE 2009 ___ISSN: 1982-8004
www.marilia.unesp.br/aurora médio divididos em cursos de formação e
cursos pedagógicos. Os de formação se subdividiam em cursos de 1º
e 2º ciclos. O de 1º ciclo, por sua vez, se subdividia em básico (4 anos)
e de maestria (2 anos). O de 2º ciclo era constituído dos cursos técnicos
(3 anos), tais como: de agricultura, de horticultura, de zootecnia, de
práticas veterinárias, de indústrias agrícolas, de laticínios e de
mecânica agrícola. Os cursos pedagógicos se subdividiam em cursos
de (2 anos) para formar professores nas áreas de educação rural
doméstica e em cursos (1 ano) didática do ensino agrícola e
administração do ensino agrícola (RIBEIRO, 2001, p. 150).
11
Será que a educação no meio rural passou a ser prioridade? Evidente que não.
Porém, interessava ao capitalismo conter e controlar a tensões existentes no campo e a
educação rural, assim chamada pelos legisladores, seria um dos instrumentos de
correspondência às práticas abusivas de poder. O ano de 1946 demarca a aprovação da
Lei Orgânica do Ensino Agrícola para a formação de trabalhadores da agricultura,
equiparando esses cursos as outras modalidades, mesmo assim, continuavam as
restrições àqueles que faziam opção por cursos profissionalizantes. O período do
chamado nacional desenvolvimentismo é marcado por intensas lutas políticas, em que
os movimentos sociais (operários e camponeses) passam a exigir reformas de base,
econômicas e sociais. Unem-se a eles estudantes, educadores, partidos de esquerda e
muitos movimentos populares. Porém, em outro extremo e contrários a estes interesses,
os empresários (norte-americanos e brasileiros), militares, latifundiários, partidos de
direita (União Democrática Nacional) e diversos segmentos das elites, setores da igreja
e da mídia unem-se em contraposição aos ideais socialistas veiculados, às reformas - da
reforma agrária à realização da campanha nacional de alfabetização do povo –
reivindicadas pelos trabalhadores.
A LDB nº. 4.024 foi aprovada em 1961, resultante dessas disputas, num processo
conflituoso entre os defensores da escola pública e da escola privada, culminando com
o consenso entre os projetos Mariani e Lacerda. Por sua vez, a realidade educacional
mostrava que 50% da população em idade escolar estavam fora da escola.
Paralelamente, fatos importantes no campo da cultura, da política e da educação popular
ocorreram, trazendo um novo significado para a educação rural e popular: os movimentos
políticos culturais no início dos anos 60, com destaque para os Centros Populares de
Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE); o Movimento de Cultura Popular
(MCP), em Pernambuco e o Movimento de Educação de Base (MEB), da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Esses movimentos promoviam a Alfabetização da população rural e urbana
marginalizadas, a partir dos referenciais teóricos constituídos da unidade entre a política
das lutas dos movimentos sociais e dos círculos de cultura idealizados por Paulo Freire,
os quais culminariam com a proposta da Pedagogia Libertadora, que tem nesse último o
seu maior expoente. Várias comunidades rurais adotaram a educação libertadora como
filosofia de luta e resistência ao capitalismo e como ferramenta de apoio à luta pela
transformação da realidade social produzida pelo mesmo. Esses movimentos foram alvo
de repressão e controle ideológico pelos governos militares, após 64, e suas reformas da
Educação a partir de 1968: a Reforma Universitária (Lei nº. 5.540/68), a Reforma do
Ensino de 1º e 2º graus (Lei nº. 5. 692/71) que estabelecia a profissionalização do Ensino
de 2.º grau e definia o ensino de 1.º grau num ciclo de oito séries. Outras medidas de
política educacional arrefeceram e deram nova dimensão ao ímpeto de se ofertar a

12
educação rural em contraposição aos movimentos de base democrática. Os mecanismos
mais intensos se deram pela criação, em 1970, do Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL) - à época o Brasil tinha um percentual 33% de analfabetos.
Com os governos militares fecha-se mais um ciclo histórico marcado pelas ações
autoritárias e articulado do Estado brasileiro, associado ao capital internacional e
nacional, que culminou com o desmonte da educação pública, fortaleceu a iniciativa
privada, controlou ideologicamente as lutas sociais desmobilizando-as, caçou as
liberdades políticas individuais e coletivas, entre outras ações nefastas à construção da
educação no campo e na cidade. É nesse período que se publica o Estatuto da Terra,
um instrumento para desarticular os conflitos no campo e abri-lo para a empresa
capitalista no campo, numa forte aliança entre o capital internacional, a burguesia
nacional, militares e intelectuais a seu serviço2.

2
Texto Extraído de http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Aurora/COUTINHO.pdf
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3 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CAMPO.

A educação no meio rural, no Brasil, ainda tem muito a desenvolver. A falta de


políticas educacionais voltadas para esse fim caracteriza a desvalorização do homem do
campo, estabelecendo uma vida limitada aos seus filhos. São grandes as dificuldades
encontradas pelas trilhas por onde passam as crianças e jovens desse meio, que
procuram adquirir conhecimentos, mas também um lugar para conviver com pessoas da
mesma idade, ampliando suas relações sociais.
Pesquisas recentes comprovam que o insucesso nesse meio de educação atinge
os 40%, além de ter 70% dos alunos em séries incompatíveis com as idades. As escolas
do campo normalmente são compostas de apenas uma sala de aula, tendo que se
desenvolver um trabalho de sala multisseriada, com mistura de idades e de conteúdo.
Sem contar na estrutura dos prédios, muitos deles ainda de taipa, madeira, alvenaria,
sem iluminação e circulação de ar adequadas, faltando carteiras e outros materiais. Falta
de estrutura no transporte e nas instalações.

Fonte: educador.brasilescola.uol.com.br

Além disso, chegar à escola é um grande problema, as distâncias são


quilométricas, faça chuva ou faça sol, pondo em risco a integridade física e emocional
dos alunos e funcionários, além do cansaço por ter que acordar muito cedo para chegar
14
à escola depois de horas de caminhada. Os currículos geralmente não são interessantes,
não atraem os estudantes, pois fogem à realidade de suas vidas e não adianta incutir a
cultura da cidade aos mesmos. Pelo contrário, esses devem ser adaptados à realidade
local, valorizando aquilo que faz parte da vida dos alunos e de suas famílias.
Os calendários também devem ser adaptados, pois o período de férias coincide
com a colheita das safras, o que causa o afastamento de muitos alunos, que precisam
ajudar seus pais. Nas faculdades, não temos formação específica em salas
multisseriadas, gerando outro ponto controverso nas escolas do campo. Os profissionais
que atuam dessa forma buscam alternativas por serem apaixonados pelo processo de
ensinar e aprender, mas não contam com apoio das secretarias municipais, muitas vezes
adquirindo materiais com recursos próprios.
Por mais que o governo lance campanhas de qualificação profissional, construção
de novas escolas rurais, como as escolas-núcleo, que possuem uma estrutura melhor,
essas se localizam em distintas regiões rurais, ocasionando o problema do transporte,
além dos ônibus velhos, sem reparos, sem cintos de segurança, e da falta de verba para
o seu abastecimento; pois muitas vezes tais problemas não são solucionados pelo
governo municipal. Vemos que os investimentos são baixos, carecendo de maior
dedicação, olhares mais voltados para as verdadeiras necessidades dessa população.
E por tantos problemas, não há como fugir da evasão escolar nos meios rurais.
Triste realidade do Brasil!3

3
Texto Extraído de https://educador.brasilescola.uol.com.br/orientacoes/educacao-no-campo.htm
15
4 A EDUCAÇÃO DO CAMPO ENQUANTO PRODUÇÃO DE CULTURA.

4.1 Educação do campo: Um conceito em construção

Decorrendo o tempo histórico no Brasil, os movimentos sociais têm sido os sujeitos


centrais que vem dialogando com o governo as necessidades sociais básicas. Diante
deste fato, podemos entender que muitos destes sujeitos têm colocado na pauta política
discussões sobre leis e ações que partem das demandas sociais, a exemplo temos o
Movimento dos Trabalhadores Rurais – MST tem buscado, desde a década de 1990, a
possibilidade de estudar em seu próprio local de origem e formular sua própria proposta
pedagógica. A proposta da Escola do Campo envolve a luta do MST por uma escola com
características próprias, que valorize o homem e a mulher que vivem na e da terra.

Fonte: catalogo.egpbf.mec.gov.br

Essa discussão política entre governo e Movimento dos Trabalhadores Rurais


Sem Terra tem colocado o ser humano no centro do diálogo. A relação do movimento
com a educação constitui-se numa relação de origem. A história do MST, para Caldart
(2004) é uma grande obra educativa. A prática da educação, no entender do MST, reside
na formação humana. Enfim, a transformação dos sujeitos excluídos de tudo, em
cidadãos dispostos a lutar por um lugar digno na história, faz a educação ser percebida
16
em cada uma das ações que constituem a formação da identidade do sem-terra do MST.
Do ponto de vista de Vendramini (2007), observamos no contexto educacional a
continuidade de uma política de fechamento/nucleação envolvendo as escolas rurais. O
objetivo desta política é de racionalizar a estrutura, bem como a organização de
pequenas escolas, portanto orientando-se pelo Plano Nacional de Educação (projeto de
Lei n. 4173/98), com intenção de diminuir, também, o número de classes multisseriadas.
Segundo Vendramini (2007, p.2), compreender a escola do campo, significa que:

 É preciso compreender que a educação do campo não emerge no vazio e


nem é iniciativa das políticas públicas, mas emerge de um movimento
social, da mobilização dos trabalhadores do campo, da luta social. É fruto
da organização coletiva dos trabalhadores diante do desemprego, da
precarização do trabalho e da ausência de condições materiais de
sobrevivência para todos.

Fonte: catalogo.egpbf.mec.gov.br

O movimento nacional vem provocando a construção de uma escola do campo, e


alia uma construção de projeto popular para o Brasil. Este fato é muito significativo, pois,
acarretaram mudanças de teoria e prática, referentes à educação rural. É neste sentido
que o termo campo carrega consigo o significado histórico do espaço de disputa e

17
conquista pela terra-educação, ou seja, consiste numa negação histórica do termo
educação rural, que impulsionou os movimentos sociais a ressignificarem a si mesmos
enquanto sujeitos coletivos.
Assim, entendemos que, para o Movimento, os conteúdos e as metodologias de
ensino estão voltados aos interesses e envolvimento da comunidade, e, assim,
direcionam suas atividades escolares em prol da emancipação dos trabalhadores e
trabalhadoras, a partir de valores como cooperação, parceria, solidariedade, autonomia
e outros. O contexto que o MST dialoga com o governo, envolve a relação entre
educação, escola e a questão agrária em toda sua complexidade histórica, ou seja, a
proposta pedagógica da educação do campo trata, dentre outros aspectos, da realidade
dos sujeitos de direitos. É neste sentido, que a educação do campo, tem intensificado o
diálogo com o governo em prol de melhores condições de vida e trabalho em seu espaço
de pertencimento, como resultado da luta em defesa da Educação Pública e de qualidade
para todos que ali vivem. Tratando da proposta pedagógica própria da educação do
campo: Os trabalhadores têm colocado em evidência a valorização da cultura dos povos
do campo, a exemplo das Conferências Nacionais – Por uma Educação Básica do Campo
(1998) e Por uma Política Pública de Educação do Campo (2004) −, o que resultou na
criação de um grupo permanente de Educação. Concatenando com as pesquisas de
Souza (2008, p.1092) entendemos que a educação do campo:

Possibilita o debate acerca da prática pedagógica nas escolas do


campo, expressando as divergências políticas entre a concepção de
educação rural pautada na política pública estatal e a concepção de
campo pautada no debate empreendido pelos movimentos sociais de
trabalhadores. Com isso, coloca professores, secretarias de educação,
diretores, entre outros, em processo de indagação quanto à prática
desenvolvida nas escolas do campo. Percebe-se que a educação do
campo apresenta heterogeneidade no que tange à prática educativa em
sala de aula e à gestão da escola, uma mostra de que a realidade,
lentamente, vem sendo modificada pela prática social [...].

Haja vista no Estado do Paraná, desde a década de 2003, a existência de uma


coordenação de Educação do Campo junto à Secretaria de Estado da Educação/SEED
PR e em 2006 as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Estado do Paraná,
documento oficial que envolveu todas as Escolas e Núcleos Regionais de Educação do
Estado e Segundo Souza (2006) que tem o intuito de fazer ressoar todas as vozes dos
professores das Escolas Públicas paranaenses, dentre inúmeras iniciativas, em 2010 a
formação do Comitê Estadual da Educação do Campo. Conforme afirma Munarim (2008)
o movimento Por uma Educação do Campo, têm por mira as políticas públicas, cuja fonte
18
de inspiração, reside nas experiências pedagógicas concretas, protagonizadas por
sujeitos locais na esfera da sociedade civil.
É neste contexto que um dos papéis da escola é fundamental: A formação
educativa das novas gerações que por meio do conhecimento encontram alternativas de
realizar um projeto de vida e de sociedade mais humana. Em respeito ao tema central
deste trabalho, vale mencionar que a educação do campo, para os movimentos sociais,
busca restabelecer, dentre tantas perdas, os vínculos entre educação e trabalho, na
intenção de valorizar aqueles que lutam contra a opressão, a exploração, a dominação
e, consequentemente, contra a alienação. Existem contradições e peculiaridades em uma
sociedade assentada (envolvendo o capital) enquanto apropriação do trabalho. A
expropriação da terra e dos meios de subsistência implica não só as experiências
pedagógicas, mas a configuração concebida historicamente e a forma que a nomeamos
e organizamos decorrido o tempo.

4.2 Escola rural: indagações acerca da cultura e do trabalho

O advento da industrialização e o avanço do capitalismo aumentaram a


insatisfação dos trabalhadores rurais, que ao reconhecerem que a subordinação os
distanciava do autodesenvolvimento concluíram que esta condição somente servia para
produzir a separação entre trabalho manual e intelectual. O trabalho no meio rural
significa tecnicamente o envolver-se na labuta diária expostos às intempéries da
natureza, perseguir o calendário do plantio e da colheita em conformidade com o
conhecimento da terra e carregar em si as marcas de um discurso que há séculos vêm
sendo construído aos trabalhadores rurais: gente da roça não precisa estudar. O objetivo
deste documento é orientar o currículo para toda a Rede Pública Estadual de Ensino no
Paraná, pois expressa um conjunto de esforços de professores, pedagogos, equipes
pedagógicas dos Núcleos Regionais de Educação e técnico-pedagógico da Secretaria
de Estado da Educação – SEED. Arroyo (2010), o que nos permite reconhecer a
emergência de se pensar à escola vinculada aos processos culturais.

Fonte: vermelho.org.br

19
O pensamento utilitarista incutido à escola rural, para o povo da roça, tem sido
pautado em saberes mínimos, úteis ao trabalho com a enxada; um percurso histórico que
vem marcando fortemente muitas escolas localizadas no meio rural. Se a discussão
principal das elites governantes é garantir que todas as pessoas tenham acesso a uma
educação de qualidade: De que forma a educação serve aos interesses da vida humana
e como é envolvida com a valorização do trabalhador? Para Beltrame (2002, p.132), as
relações dos professores, com o mundo rural, permitem lhes desenvolver uma prática em
várias dimensões: “produtiva, política e educativa” e afirma: ”em seu dia-a-dia, esses
homens e mulheres, no trabalho, no contato direto com a natureza, participam
intensamente dos ciclos da vida” e, nesta dinâmica, vão organizando conhecimentos e
afinidades que os enriquecem como professores. No intuito de justificar a emergência
deste trabalho; em dimensão exploratória de pesquisa nos servimos de uma entrevista,
desenvolvida junto a uma professora da escola, pois, nos inquietava a seguinte
interrogação: Quais atividades agrícolas e artesanais se mantêm na comunidade? A
professora em resposta ao nosso questionamento:
As atividades agrícolas das comunidades atendidas pela escola são o cultivo de
fumo, a avicultura, e a agricultura familiar sendo que nesta são cultivadas, milho, batata
salsa, e verduras para o próprio consumo e vendas para a comunidade local. Quanto ao
artesanato, algumas poucas famílias aproveitam os barbantes usados para amarrar fumo
para fazer crochê como toalhinhas, tapetes e enfeites para casa. (PROFESSORA).
Entendemos a transformação da natureza pelo trabalho e a manifestação deste
proceder pela invenção da cultura no exercício da prática social, aprendendo- ensinando
aprendendo, possibilita que a educação continue no homem e na mulher o trabalho da
natureza, fazendo-os evoluir e tornando-os mais humanos, pois, as contradições entre o
trabalho e a cultura no contexto de nossa pesquisa são evidentes. O trabalho como meio
produtivo de sobrevivência cotidiana, desenvolvese no meio rural, numa relação moldada
por ações repetitivas, pela exposição ao sol e todo tipo de intempérie, um contato direto
com a natureza. Subsequente ao questionamento anterior e para análise das relações
entre o projeto histórico e o projeto educacional de escolarização em consonância com
nossa intenção de pesquisa, outro questionamento faz-se fundamental: De que maneira
se relacionam com o trabalho? Para Marx (2004) a tendência histórica da acumulação
capitalista funda-se sobre o trabalho pessoal de seu possuidor, ou seja, certamente a
maneira de produção encontra-se entre a escravidão, o servilismo e outros estados de
dependência. A professora manifesta-se:

[...] A relação com trabalho é segundo muitos é sofrida, pois na lavoura


de fumo, precisam colher e amarrar durante o dia e cuidar da secagem
em estufas durante a noite. O período de trabalho inicia por volta de

20
julho/ agosto e vai até meados de abril a maio. Após o mês de Janeiros
muitos acabam saindo e procurando emprego em centros urbanos,
visto que o trabalho deixa de ser tão difícil podendo ser realizado pelas
próprias famílias (sem a necessidade de contratar um “camarada”, um
ajudante). As pessoas que trabalham por contrato (não há registro
algum em carteira, ou em cartório), ganham as refeições, e em alguns
casos dormem na estufa ou nos paióis junto com o fumo colhido ou
seco. (Professora).

A consequência necessária e evidente na afirmação da professora está restrita às


relações do trabalhador sobre os meios da atividade produtiva, ou seja, as relações
sociais do trabalho em sua gênese histórica que se concentram na relação direta com as
formas capitalistas de produção, onde os trabalhadores do campo e ou da cidade não
estão livres para desenvolver o pensamento sobre suas potencialidades sociais do
trabalho, bem como, os meios e os esforços da atividade coletiva. Em continuidade ao
nosso questionamento anterior a professora diz: “Estas pessoas trabalham quando é
conveniente aos seus patrões e quando acaba a safra procuram novos meios de
subsistência em outros locais ou empresa”. (Professora). Para Marx (2004) as origens da
gênese do capital residem na acumulação e concentração da propriedade, ou seja, a
produção individual de muitos e suas propriedades minúsculas, fazendo a propriedade
colossal de alguns e ainda, os métodos de acumulação primitiva, abrangendo uma série
de processos violentos, dentre eles, a expropriação dos produtores.
Frigotto (2010) escreve que reside em nosso país uma tendência dominante de
considerar a população do campo como atrasados e ou fora de um projeto de
modernidade. Uma tendência que não avança sem contradições, pois, a crise do
emprego e a migração campo-cidade refletem as marcas de um projeto de capitalismo
que impede o avanço da educação escolar básica, ou seja, a burguesia brasileira nunca
teve interesse em colocar para a classe trabalhadora uma educação de qualidade e para
todos como preconizava na década de 1980 a nova Lei de Diretrizes da Educação
Nacional, um surgimento novo das lutas sociais por um projeto societário e de educação
para o Brasil. Após o golpe militar, passa-se a cobrar da instituição escolar e da educação
uma individualidade sem limites, ou seja, que o indivíduo passe a lutar por seu lugar a
qualquer preço, ou ainda, numa visão do ideário marxista, os ditames do mercado que
viam nos indivíduos o mercado e não a sociedade.
Prosseguem as décadas e ainda reside na educação a força dos interesses das
classes dos centros hegemônicos adjunta à classe burguesa brasileira. Em continuidade
ao pensamento de Frigotto (2010) entendemos que nesta escola de nosso estudo
(localizada no meio rural) o que está em jogo ainda são as escolas, as propostas
educativas que ali acendem e a conexão desta educação com as estratégias do poder

21
que ali residem, ou seja, uma educação no campo, que mantém o sentido extensionista
onde o destaque é dado a dimensão do localismo e particularismo. Para Frigotto (2010,
p. 35):

[...] Trata-se da visão de que as crianças, jovens e adultos do campo


estão determinados a uma educação menos, destinada às operações
simples de trabalho manual e também com a perspectiva de que
permaneceriam para sempre no campo. [...] nega-se, nesta perspectiva
uma educação unitária (síntese do diverso) e, portanto, com a
universalidade historicamente possível do conhecimento em todas as
esferas da vida humana, independentemente de residir no campo ou na
cidade.

Consensual à realidade posta, entendemos que problematizar a emergência de


pesquisas acerca dos aspectos acima mencionados, localizados numa conjuntura político
cultural é em grande medida um desafio aos pesquisadores que questionam as práticas
pedagógicas e consequentemente, uma educação que tem reafirmado a alienação e a
negação da identidade dos sujeitos de direitos. As práticas pedagógicas
interdependentes das matrizes pedagógicas e culturais, vinculadas às estratégias de
desenvolvimento da escola enquanto instituição educacional, composta por sujeitos de
direitos, especificamente para pensar a escola do campo, consiste numa educação
voltada para o futuro, ou seja, a valorização de um povo que historicamente tem sido
relegado ao descaso.4

4
Texto Extraído de http://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/6456_3956.pdf
22
5 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NA FORMAÇÃO DOS SUJEITOS

A educação do campo é construída a partir das demandas e das experiências dos


sujeitos que vivem no campo. Ela questiona a ausência de políticas educacionais para
os povos do campo, o modelo de uma educação empobrecida, inferiorizada, destituída
dos saberes do trabalho, da cultura e do contexto do campo. Pensar a educação do
campo dentro de uma política educacional implica reconhecer a identidade da escola do
campo. Nas diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do campo
(2002), esta identidade é definida a partir dos sujeitos do campo, do modo como estes
organizam seu cotidiano, dos saberes e da cultura que produzem enquanto transformam
a terra e o próprio contexto onde estão inseridos, bem como dos conhecimentos e da
cultura historicamente acumulados, produzidos na relação dialética entre o campo e a
cidade, no modo de trabalho e organização da sociedade.
A escola é compreendida como um direito e como um dos espaços educativos em
que mulheres e homens se educam. Para Arroyo (1999), a ela cabe conhecer e
interpretar os processos educativos que acontecem fora dela, tomando por referência os
saberes acumulados pelas experiências vividas pelos povos do campo nos movimentos
sociais, nas lutas, no trabalho, na produção, na família, na vivência cotidiana, para
organizar este conhecimento e socializar o saber e a cultura historicamente produzidos,
viabilizando os instrumentos técnico-científicos para interpretar e intervir na realidade, na
produção e na sociedade.

Fonte: folhavitoria.com.br

23
Assim, a escola precisa possibilitar que os sujeitos do campo compreendam a
realidade em que estão inseridos no seu movimento histórico, nas suas contradições e
em relação ao contexto mais amplo, tanto no que se refere à articulação campo-cidade
quanto ao processo de desenvolvimento, de globalização, de lutas sociais. Para que a
escola do campo possa ter sua identidade reconhecida e assumida no trabalho
pedagógico escolar, coloca-se como fundamental reestruturar os currículos e a formação
de professores. Fazendo uma análise no currículo escolar revela-se que o trabalho, a
cultura e os saberes do campo geralmente são tratados de forma pejorativa,
ultrapassada, inferiorizada ou, ainda, estão ausentes no processo pedagógico. O modelo
de currículo historicamente adotado busca impor para o campo a cultura urbana e os
saberes produzidos nestes espaços como modelo. É neste sentido que a educação do
campo, por advir a partir de uma luta dos camponeses, os traz como sujeitos de políticas
e não meros consumidores de ações educativas, de modo que suas experiências, seu
contexto, sua cultura, seus conhecimentos e suas demandas sejam tomados como
referências para a formulação de políticas públicas.
O projeto político-pedagógico traduz a concepção e a forma de organização do
trabalho pedagógico da escola com vistas ao cumprimento de suas finalidades. As
finalidades têm caráter social, implicando na explicitação o tipo de sujeito que se deseja
formar, por isso, esse projeto vincula-se a um projeto histórico de sociedade (Freitas,
1995), ou seja, tem relação com a sociedade que se deseja construir, transformar. O
projeto político-pedagógico constitui-se em instrumento de ação político pedagógica, na
medida em que possibilita a manifestação dos desejos e aspirações da comunidade em
termos da educação das crianças e jovens e norteia todo o processo educativo
desencadeado pela escola. Nesse sentido, não pode ser visto apenas como produto ou
resultado de um trabalho de definição de finalidades e linhas de ação. O projeto político-
pedagógico é “processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da escola,
na busca de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade” (Veiga, 2002, p.
13) e assenta-se numa dimensão de globalidade e totalidade da educação.
O projeto político-pedagógico não se resume no documento escrito que formaliza
as concepções, objetivos, conteúdos, metodologia de trabalho e sistemática de avaliação
de uma escola. Ele é exercício de construção permanente que acompanha e é
acompanhado pela prática pedagógica, cotidianamente se fazendo e refazendo. Daí a
necessidade de coesão e clareza política, condições nem sempre fáceis de serem
obtidas num espaço que congrega sujeitos com as mais diferentes experiências de vida,
concepções de educação e expectativas. Contudo, é de fundamental importância a
constituição do coletivo escolar, uma vez que projeto político pedagógico se refere
sempre a um coletivo, sendo inconcebível sem ele; jamais pode ser fruto de desejos e
aspirações individuais. Machado (2003) aponta que o trabalho pedagógico é o modo de

24
organização que a escola assume na tarefa de pensar e produzir as relações de saber
entre sujeitos e o mundo concreto, o mundo do trabalho socialmente produtivo.
O trabalho pedagógico é norteado por um conjunto de princípios filosóficos,
políticos e epistemológicos definidores das normas e ações escolares e se apresenta
como condição de sustentação das relações estabelecidas entre os sujeitos que integram
o universo escolar. Pensar a organização do trabalho pedagógico implica pensar o que
será trabalhado - conteúdos, como - metodologia - e para que - finalidades. Em se
tratando das escolas do campo é preciso ter um olhar atento e cuidadoso para o contexto
em que estão inseridos, valorizando suas particularidades e singularidades, que são
características do seu entorno, bem como levar em conta o diagnóstico da realidade
sócio-político-econômica da localidade em que está inserida a escola. A educação do
campo nasceu colada ao trabalho e à cultura do campo e não pode perder isso em seu
projeto pedagógico.
O trabalho forma e produz o ser humano: a educação do campo precisa recuperar
uma tradição pedagógica de valorização do trabalho como princípio educativo, do vínculo
entre educação e processos produtivos e de discussão sobre as diferentes dimensões e
métodos de formação do trabalhador, de educação profissional, cotejando esse acúmulo
de teorias e de práticas com a experiência específica de trabalho e de educação dos
camponeses. O projeto da educação do campo precisa estar atento para os processos
produtivos que conformam o ser trabalhador do campo e participar do debate sobre as
alternativas de trabalho e opções de projetos de desenvolvimento locais e regionais que
possam devolver dignidade para as famílias e as comunidades camponesas. Isso
significa pensar a pedagogia sob um ponto de vista mais amplo, como processo de
humanização/desumanização dos sujeitos, e pensar como estes processos podem e
devem ser trabalhados nos diferentes espaços educativos do campo. A cultura também
forma o ser humano e dá as referências para o modo de educá-lo.
São os processos culturais que garantem a própria ação educativa do trabalho,
das relações sociais, das lutas sociais: a educação do campo precisa recuperar a tradição
pedagógica que nos ajuda a pensar a cultura como matriz formadora e que nos ensina
que a educação é uma dimensão da cultura, como uma dimensão do processo histórico,
e que processos pedagógicos são constituídos desde uma cultura e participam de sua
reprodução e transformação simultaneamente. Quando dizemos que os movimentos
sociais são educativos é exatamente compreendendo que estão provocando processos
sociais que, ao mesmo tempo, reproduzem e transformam a cultura camponesa,
ajudando a conformar um novo jeito de ser humano, um novo modo de vida no campo,
uma nova compreensão da história. A educação do campo precisa ser a expressão e o
movimento da cultura camponesa transformada pelas lutas sociais do nosso tempo.
Pensar a educação vinculada à cultura significa construir uma visão de educação em uma
25
perspectiva de longa duração, ou seja, pensando em termos de formação das gerações.
E isto tem a ver, especialmente, com a educação de valores.
A educação do campo, além de se preocupar com o cultivo da identidade cultural
camponesa, precisa recuperar os veios da educação dos grandes valores humanos e
sociais: emancipação, justiça, igualdade, liberdade, respeito à diversidade, bem como
reconstruir nas novas gerações o valor da utopia e do engajamento pessoal a causas
coletivas e humanas. O vínculo com as matrizes formadoras do trabalho e da cultura nos
remete a pensar em outro traço muito importante para a educação do campo: sua
dimensão de projeto coletivo e de concepção mais ampliada do que sejam relações
pedagógicas. O trabalho e a cultura são produções e expressões necessariamente
coletivas e não individuais. Raiz cultural, que inclui o vínculo com determinados tipos de
processos produtivos, significa pertença a um grupo, identificação coletiva.
As relações interpessoais são inerentes à concretização do ato educativo, mas se
trata de pensá-las não como relação indivíduo, indivíduo para formar indivíduos, mas sim
como relações entre pessoas culturalmente enraizadas para formar pessoas que se
constituem como sujeitos humanos e sociais. A educação do campo também se identifica
pela valorização da tarefa específica dos educadores. Sabemos que em muitos lugares
eles têm sido sujeitos importantes da resistência social no campo, especialmente nas
escolas, e que têm estado à frente de muitas lutas pelo direito à educação. A educação
do campo tem construído um conceito mais alargado de educador. Compreende-se que
educadora é aquela pessoa cujo trabalho principal é o de fazer e o de pensar a formação
humana, seja ela na escola, na família, na comunidade, no movimento social, seja
educando as crianças, os jovens, os adultos ou os idosos. Nesta perspectiva, todos
somos de alguma forma educadores, mas isto não tira a especificidade desta tarefa: nem
todos temos como trabalho principal educar pessoas e conhecer a complexidade dos
processos de aprendizagem e de desenvolvimento do ser humano, em suas diferentes
gerações.
Para Caldart (2002), construir a educação do campo significa formar educadores
para atuação em diferentes espaços educativos. Na medida em que se defende uma
formação específica é porque se entende que boa parte deste ideário que se está
construindo é algo novo em nossa própria cultura. Há uma nova identidade de educador
a ser cultivada, ao mesmo tempo em que há uma tradição pedagógica e um acúmulo de
conhecimentos sobre a arte de educar que precisam ser recuperados e trabalhados
desde esta intencionalidade educativa da educação do campo. Por isso, ao pensar no
projeto político e pedagógico da educação do campo deve-se incluir uma reflexão sobre
qual perfil do profissional de educação precisamos e sobre como se faz esta formação.
Faz se necessário pensar sobre como os educadores têm se formado nos próprios
processos de construção da educação do campo e como isso pode ser potencializado
26
pedagogicamente em programas e políticas de formação específicas. A educação do
campo não cabe em uma escola, mas a luta pela escola.
A escola terá tanto mais lugar no projeto político e pedagógico da educação do
campo se não se fechar nela mesma, vinculando-se com outros espaços educativos, com
outras políticas de desenvolvimento do campo, e com a própria dinâmica social em que
estão envolvidos os seus sujeitos. Compreender o lugar da escola na educação do campo
é ter claro que ser humano ela precisa ajudar a formar e como pode contribuir com a
formação dos novos sujeitos sociais que se constituem no campo. A escola precisa
cumprir a sua vocação universal de ajudar no processo de humanização, com as tarefas
específicas que pode assumir nesta perspectiva. Ao mesmo tempo é chamada a estar
atenta à particularidade dos processos sociais do seu tempo histórico e ajudar na
formação das novas gerações de trabalhadores e de militantes sociais. Não se trata de
propor algum modelo pedagógico para as escolas do campo, mas de construir
coletivamente referências para processos pedagógicos a serem desenvolvidos pela
escola, que lhe permitam serem obra e identidade dos sujeitos que ajuda a formar, com
traços que a identifiquem com o projeto político e pedagógico da educação do campo.
Para construir referências comuns às escolas vinculadas a este projeto de
educação do campo, precisa-se antes pensar em alguns aspectos principais do que é o
trabalho específico da escola ou quais as funções sociais que assume ou deve assumir,
já dialogando com a intencionalidade política e pedagógica do projeto da educação do
campo. E pensar ainda em aspectos ou tarefas gerais, que depois precisam ser
desdobradas e pensadas pedagogicamente a partir dos diferentes sujeitos que estão em
cada escola específica, bem como levar em conta as diferenças de cada ciclo da vida,
de cada modalidade de escola. A escola precisa ser vista como um espaço de
socialização. A escola costuma ser um dos primeiros lugares em que a criança
experimenta, de modo sistemático, relações sociais mais amplas das que vive em família
e de uma intencionalidade política e pedagógica nesta dimensão pode depender muitos
dos traços de seu caráter, muitos dos valores que venha a assumir.

Fonte: blogviniciusdesantana.com

27
Na escola sempre há socialização porque sempre há relações sociais. Mas nem
sempre isto integra o projeto pedagógico e a intencionalidade do trabalho dos
educadores. Neste aspecto é preciso ter presente que o principal componente curricular
da escola é que a experiência cultural de escola é pedagogicamente muito mais
significativa do que a tematização da socialização ou apenas a tentativa de transformar
determinadas relações sociais em conteúdo discursivo de sala de aula. A escola socializa
a partir das práticas que desenvolve, pelo tipo de organização do trabalho pedagógico
que seus sujeitos vivenciam, pelas formas de participação que constituem seu cotidiano.
São as ações que revelam as referências culturais das pessoas e é trazendo à tona estas
referências que elas podem ser coletivamente recriadas e reproduzidas.
A educação do campo precisa incluir em seu projeto pedagógico uma reflexão
cuidadosa e mais aprofundada sobre como acontecem no cotidiano da escola, os
processos de socialização, sua relação com a conservação e a criação de culturas,
fazendo também a reflexão específica sobre que traços de socialização são importantes
na formação dos sujeitos do campo hoje. Ela também precisa instigar a construção de
uma visão de mundo. Muitas vezes a escola trabalha conteúdos fragmentados, ideias
soltas, sem relação entre si ou com a vida concreta. São muitos estudos e atividades sem
sentido, fora de uma abordagem mais ampla, que deveria ser exatamente a de um projeto
de formação humana. Para que a escola cumpra esta tarefa é necessário que a escolha
dos conteúdos de estudo e a seleção de aprendizados a serem trabalhados em cada
momento não seja aleatória, mas feita dentro de uma estratégia mais ampla de formação
humana, bem como se busque coerência entre teoria e prática, entre o que se estuda e
o ambiente cultural da escola.
Na educação do campo é preciso refletir sobre como se ajuda a construir, desde
a infância, uma visão de mundo crítica e histórica, como se aprende e como se ensina
nas diferentes fases da vida a olhar para a realidade enxergando seu movimento, sua
historicidade e as relações que existem entre uma coisa e outra, como se aprende e como
se ensina a tomar posição diante das questões do seu tempo, como se aprendem e como
se ensinam utopias sociais e como se educam valores humanistas, como se educa o
pensar por conta própria e o dizer a sua palavra e como se respeita uma organização
coletiva. Ela precisa não deixar desflorar o cultivo de identidades. Esta também é uma
das funções da escola: trabalhar com os processos de percepção e de formação de
identidades, no duplo sentido de ajudar a construir a visão que a pessoa tem de si mesma
- autoconsciência de quem é e com o que ou com quem se identifica -, e de trabalhar os
vínculos das pessoas com identidades coletivas, sociais: identidade de camponês, de
trabalhador, de membro de uma comunidade, de participante de um movimento social,
identidade de gênero, de cultura, de povo, de Nação.

28
Compreende-se que este é um aprendizado humano essencial: olhar no espelho
do que somos e queremos ser, assumir identidades pessoais e sociais, ter orgulho delas,
ao mesmo tempo em que se desafiar no movimento de sua permanente construção e
reconstrução. Educar é ajudar a construir e a fortalecer identidades, desenhar rostos,
formar sujeitos. E isto tem a ver com valores, modo de vida, memória, cultura. As
identidades se formam nos processos sociais. O papel da escola será tanto mais
significativo se ela estiver em sintonia com os processos sociais vivenciados pelos seus
educandos e educadores, e se ela mesma consegue constituir um processo social -
cumprindo a tarefa da socialização de que tratamos antes - capaz de ajudar a construir e
fortalecer identidades. Pensando desde a intencionalidade política e pedagógica da
educação do campo, a escola deveria trabalhar com mais ênfase para ajudar no cultivo
de identidades aguçando a autoestima, memória e resistência cultural.
A escola tem um papel que não pode ser subestimado na formação da autoestima
de seus educandos e também de seus educadores. E isto é muito importante para a
educação do campo, já que em muitas comunidades camponesas existe um traço cultural
de baixa autoestima acentuado, fruto de processos de dominação e alienação cultural
muito fortes, e que precisa ser superado em uma formação emancipatória dos sujeitos
do campo. Para que a escola assuma a tarefa de fortalecer a autoestima dos seus
educandos, além de todo um trabalho ligado à memória, à cultura, aos valores do grupo,
é preciso pensar na postura dos educadores e na transformação das didáticas ou do jeito
de conduzir as atividades escolares.
A escola precisa ajudar a enraizar as pessoas em sua cultura, que pode ser
transformada, recriada a partir da interação com outras culturas, mas que precisa ser
conservada, porque não é possível fazer formação humana sem trabalhar com raízes e
vínculos. Isto quer dizer que a escola precisa trabalhar com a memória do grupo e com
suas raízes culturais e isto quer dizer também que se deve ter uma intencionalidade
específica na resistência à imposição de padrões culturais alienígenas e no combate à
dominação cultural. Ou seja, a escola pode ajudar os educandos a perderem a vergonha
de ser da roça, a aprender a ser camponês, e a ser de movimento social, a aprender a
valorizar a história dos seus antepassados, tendo uma visão crítica sobre ela, e a
aprender do passado para saber projetar o futuro pela Contação de histórias que tenham
a memória do grupo como referência, assim como trabalhar com que expressem a cultura
camponesa e a coloquem em diálogo com outras culturas.
A educação do campo precisa aprofundar a reflexão sobre como a escola pode
ajudar a cultivar utopias, respeitando a cultura camponesa e a própria fase da vida em
que se encontram os diferentes educandos. É preciso refletir permanentemente sobre a
intencionalidade educativa da escola nesta perspectiva e olhar para os detalhes do seu
ambiente educativo e trabalhar com diferentes saberes à qual cabe uma aproximação
29
crítica, nem tanto para tentar trazer estes saberes para o seu interior, o que nem sempre
é possível sem trair sua natureza, mas para provocar a inserção dos educandos em
processos sociais capazes de produzi-los. Ao mesmo tempo, cabe à escola ajudar na
reflexão coletiva sobre esses saberes, relacionando-os entre si e potencializando-os nos
processos de socialização dos educandos, de construção de sua visão de mundo e de
suas identidades, enfim, em seu processo mais amplo de humanização ou de formação
humana.
Entende-se que a educação do campo deve incluir em seu debate político e
pedagógico a questão de que saberes são mais necessários aos sujeitos do campo e
podem contribuir na preservação e na transformação de processos culturais, de relações
de trabalho, de relações de gênero, de relações entre gerações no campo e de que
saberes podem ajudar a construir novas relações entre campo e cidade. É necessário
discutir sobre como e onde estão sendo produzidos esses diferentes saberes, qual a
tarefa específica da escola em relação a cada um deles e, também, que saberes
especificamente escolares podem ajudar na sua produção e apropriação cultural. Esta é
uma reflexão que deve continuar. A educação do campo precisa aprofundar sua reflexão
sobre que formato de escola é capaz de dar conta destas tarefas indicadas e,
especialmente, dedicar-se ao estudo de didáticas e metodologias que traduzam esta
concepção de escola e projeto político e pedagógico em cotidiano escolar. 5

5
Texto Extraído de file:///C:/Users/Colaborador/Downloads/14603-64306-1-PB.pdf
30
6 A EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO FORMAÇÃO HUMANA PARA O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.

O olhar construído historicamente acerca do campo esteve associado ao


subdesenvolvimento, ao atraso e à pobreza, tendo em vista que os ideais capitalistas
elegeram o modelo urbano-industrial como padrão de vida ideal para as sociedades
modernas. Por conta disso, o mundo rural tornou-se esquecido no âmbito dos projetos
políticos da maioria dos gestores públicos, resultando na negação do campo enquanto
espaço de produção cultural, social e econômica e, consequentemente, no abandono de
milhares de famílias camponesas. Nesse contexto, boa parte das famílias abandonou o
campo e migrou para as cidades, desencadeando o processo de favelização das grandes
e médias cidades, tendo como principal consequência o aumento da pobreza, da miséria
e da violência. Por outro lado, os camponeses que permaneceram no meio rural
articularam-se em movimentos sociais e construíram diversas lutas em defesa do direito
à terra, à água, ao crédito, à educação entre outros.

Fonte: envolverde.cartacapital.com.br

As lutas dos movimentos sociais do campo colocaram em pauta o debate sobre o


modelo de desenvolvimento excludente e concentrador desenvolvido no país, centrado
no acúmulo de capital, na concentração de terra, na exploração da mão de obra escrava,
a destruição do meio ambiente, dentre outros problemas. A partir do debate supracitado,
novas políticas públicas passaram a ser gestadas no âmbito nacional (Programa Nacional

31
de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF; Programa de Aquisição de
Alimentos - PAA; Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE; Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária – PRONERA; dentre outros) que apontam para a
construção de novos projetos de desenvolvimento sustentável para o país através da
valorização da agricultura familiar e da cultura sócio-político-organizativa dos
camponeses.
Em meio aos debates acerca das políticas públicas para o campo, os movimentos
sociais perceberam que a construção de novos projetos de desenvolvimento sustentável
passa pela produção de novos saberes no e sobre o campo, que impulsione a agricultura
familiar através da produção de novos conhecimentos e tecnologias associadas à
produção sustentável. Daí a importância de lutar pela construção de um projeto de
educação do campo que possa, não só levar os conhecimentos aos jovens do campo,
mas fomentar a produção de saberes específicos inerentes às formas de viver e produzir
no campo, envolvendo os aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos.
Diante desse contexto, os movimentos sociais vêm lutando por uma educação
capaz de reconhecer as diversidades socioculturais do campo, que possibilite a
valorização dos saberes e das culturas vivenciadas pelas populações campesinas ao
longo dos tempos. Uma educação que partisse dos saberes dos povos do campo,
problematizando-os a fim de construir novos olhares críticos acerca daquela realidade e
de suas possibilidades de desenvolvimento (LIMA, 2011). Ou seja, “A ideia era reivindicar
e simultaneamente construir um modelo de educação sintonizado com as
particularidades culturais, os direitos sociais e as necessidades próprias à vida dos
camponeses” (BRASIL, 2007, p. 11). Diante dos vários debates, manifestações e
ocupações, os movimentos sociais do campo obtiveram inúmeras conquistas, dentre
elas, destaca-se a instituição das Diretrizes Operacionais da Educação Básica para as
Escolas do Campo, em 2001. Essas diretrizes fazem parte das reivindicações históricas
dos movimentos sociais do campo, portanto trazem um conjunto de preocupações
relacionadas ao:
[...] reconhecimento e valorização da diversidade dos povos do campo,
a formação diferenciada de professores, a possibilidade de diferentes
formas de organização da escola, a adequação dos conteúdos às
peculiaridades locais, o uso de práticas pedagógicas contextualizadas,
a gestão democrática, a consideração dos tempos pedagógicos
diferenciados, a promoção, através da escola, do desenvolvimento
sustentável e do acesso aos bens econômicos, sociais e culturais
(BRASIL, 2007, p. 17).

As diretrizes operacionais, além de estabelecer novos princípios políticos e


pedagógicos para as escolas do campo que atendam aos interesses e as necessidades
32
dos jovens camponeses, criou um novo marco legal, obrigando, em seu artigo 13, que os
sistemas de ensino reconstruam seus projetos de formação para o campo com base nos
seguintes componentes:

I - estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das


crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da
qualidade social da vida individual e coletiva, da região, do país e do
mundo; II - propostas pedagógicas que valorizem, na organização do
ensino, a diversidade cultural e os processos de interação e
transformação do campo, a gestão democrática, o acesso ao avanço
científico e tecnológico e respectivas contribuições para a melhoria das
condições de vida e a fidelidade aos princípios éticos que norteiam a
convivência solidária e colaborativa nas sociedades democráticas
(BRASIL, 2003).

As diretrizes operacionais rompem com o silêncio das políticas públicas de


educação das escolas do campo, resgata a educação como um direito subjetivo e
reafirma que não basta ter apenas escolas, é preciso ter escolas com políticas públicas
para permanência do homem no campo. Isso significa a necessidade de fortalecer a luta
pela efetivação e garantia dessas escolas como espaços de reflexão das práticas
desenvolvidas dentro de um contexto de vivências. Desse modo, as diretrizes
operacionais são ferramentas que subsidiam o debate sobre a Educação do Campo e
impulsionam novas práticas educativas no campo. Além disso, se constitui num
instrumento legal que permite a construção de projetos educativos que contrapunha ao
modelo de desenvolvimento implantado para atender os interesses do capital, cuja
finalidade é a ampliação das riquezas materiais, proporcionando bem-estar a uma restrita
parcela da população em detrimento de um povo que sofre as causas e consequências
desse processo, principalmente do Nordeste.

6.1 As diferentes concepções de desenvolvimento

O debate acerca das políticas de desenvolvimento se intensificou nas últimas


décadas em virtude dos graves problemas econômicos e socioambientais causados pelo
modelo de desenvolvimento implementado no mundo a partir da expansão descontrolada
da produção industrial, resultando na utilização irracional dos recursos naturais, na
concentração de renda e na exploração da mão-de-obra. No caso específico do campo,
as políticas de desenvolvimento instituída nas últimas décadas voltam-se para o
fortalecimento do agronegócio, baseado na produção em larga escala que expulsa os
trabalhadores rurais, amplia o desmatamento da vegetação nativa, dissemina o uso de
33
agrotóxicos e reduz significativamente as propriedades dos agricultores familiares
responsáveis pela produção dos alimentos nos pequenos e médios municípios.
A expansão do agronegócio tem contribuído significativamente para a ampliação
da política de concentração de terra e da renda e, consequentemente impulsionou o
processo de degradação dos recursos naturais, a geração das desigualdades, a
exploração e violência, bem como, a destruição das oportunidades de trabalho e a
descaracterização das identidades e diversidades culturais da população do campo.
Esses projetos de desenvolvimento associados aos interesses econômicos das grandes
empresas multinacionais se utilizam das riquezas naturais com a finalidade de ampliar os
lucros, sem a menor preocupação com os danos socioambientais e culturais que poderão
ser causados. Ou seja, são constituídos através de práticas perversas de destruição de
comunidades tradicionais, com todo um arsenal histórico-cultural na área produtiva,
cultural e da preservação do meio ambiente. Neste caso, o predomínio do interesse
econômico sobre a conservação do meio ambiente provoca como consequência imediata
a degradação ambiental, através da perda da camada de solo agrícola e a redução da
população de diversas espécies de plantas e de animais, além dos efeitos indiretos sobre
o clima e a população humana (OLÍMPIO; MONTEIRO, 2005, p. 01)
Esse processo de modernização do campo através das agroindústrias e do
agronegócio vem promovendo a expulsão dos povos do campo, obrigando-os a migrar
para as favelas das metrópoles para dar espaços às grandes áreas de produção baseado
na monocultura. Além desses problemas, os agricultores familiares convivem também
com a destruição de seu patrimônio sociocultural e ambiental construído através de várias
gerações. A ideia de “modernização” do campo vem se constituindo num violento
processo de destruição da vida de milhares de agricultores familiares uma vez que seus
espaços de produção de vida, de cultura, de valores e crenças são transformados em
grandes áreas de produção de eucalipto, soja, arroz, mamona e outros. Isto é, a produção
familiar construída a partir de laços de cooperação e solidariedade dá lugar ao modelo
de produção agrícola artificializado e transformado num ramo da indústria, tendo como
consequência estrutural o processo acelerado de marginalização da agricultura
camponesa, cada vez mais sem papel nessa lógica de pensar o desenvolvimento (UFBA,
2010, p.47).
O atual modelo de desenvolvimento, baseado na acumulação de riqueza nas mãos
de poucos, contribuiu para o esvaziamento do campo, a ampliação das periferias das
grandes cidades e o aumento da concentração de terras, bem como, favoreceu a troca
da adubação orgânica pela química e incentivou a produção voltada para a exportação
em detrimento do mercado interno, levando os agricultores/as ao endividamento e à
perda de terras e, por que não dizer também, da privatização do saber. No caso mais
específico do nordeste brasileiro, vários estudos (FURTADO, 1980; SILVA, 2006;
34
SOUSA, 2005) demonstram que a maioria dos problemas sociais e econômicos é devido
à estrutura excludente predominante nessa região baseada na concentração da terra e
da água, e na dificuldade de acesso aos meios e recursos necessários à produção
agrícola e à pecuária.
Para Silva (2006), os principais problemas sociais e econômicos vivenciados pelos
nordestinos são decorrentes não só das questões climáticas e ambientais, mas das
políticas de desenvolvimento equivocadas, associadas aos processos de exploração da
população e da apropriação indevida de suas riquezas naturais. Por outro lado, a grande
concentração de terra e água nas mãos de pequenos grupos políticos e econômicos,
aspectos que consolidaram o processo de dominação política pautado no autoritarismo
e no abuso de poder dos “coronéis”, contribuiu definitivamente à implementação de uma
cultura política baseada na submissão, no clientelismo, no paternalismo e no comodismo
(SOUSA, 2005). Além disso, as políticas de desenvolvimento para o nordeste foram
centradas na construção de grandes obras hídricas, na grande propriedade rural e na
agricultura irrigada, constituindo-se em políticas públicas concentradoras e excludentes
incentivadoras do monopólio da propriedade da terra, resultando no fortalecimento do
poder dos latifundiários em detrimento dos interesses dos camponeses.
Diante desse contexto, a década de 80 foi marcada pela organização dos
camponeses em movimentos sociais e pelas mobilizações políticas que se contrapunham
às políticas perversas de desenvolvimento rural, responsáveis pela negação do direito à
terra aos camponeses e pela exclusão do acesso às riquezas produzidas pelo mundo
rural. Os movimentos sociais do campo (Movimento Sindical dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais – MSTTR; Movimento Sem Terra – MST; Movimento dos
Pequenos Agricultores – MPA; dentre outros) exerceram um importante papel na
organização dos agricultores familiares em defesa de políticas públicas que garantissem
o acesso à terra, à assistência técnica, ao crédito e outros direitos necessários à
produção da vida digna no campo.
O trabalho de mobilização política e social, desenvolvido pelos movimentos sociais
do campo, associado aos estudos em defesa do meio ambiente e da produção
sustentável trouxe à tona novas concepções de desenvolvimento voltadas para a
valorização e a preservação da vida, da cultura, da produção e dos ecossistemas. Nessa
perspectiva, surgem as discussões sobre a necessidade da construção de uma política
de desenvolvimento associada aos princípios da sustentabilidade. No entanto, não há
consenso em torno dos conceitos e princípios que norteiam o debate sobre a
sustentabilidade, termo polissêmico, compreendido e incorporado pelos diferentes atores
sociais de forma difusa e plural. Desse modo, precisamos compreender que o termo
sustentabilidade vem sendo utilizado para satisfazer diferentes interesses políticos e
econômicos. Para Silva (2005, p. 04),
35
Existe uma concepção reducionista de sustentabilidade, compreendida como
adequação das atividades socioeconômicas aos limites dos recursos naturais,
justificando um modelo de desenvolvimento que pode ser “limpo”, poluindo dentro de
determinados limites estabelecidos pelas legislações ambientais. Ou seja, é a forma
como o conceito de desenvolvimento sustentável foi apropriado pelo capitalismo:
atribuindo valor monetário à poluição que se torna apenas mais um custo para os agentes
econômicos e sociais poluidores e não uma questão ética, mais ampla.
Entretanto, precisamos pensar num modelo de sustentabilidade que se
contraponha ao proposto pelo sistema capitalista que, por trás do discurso da
preservação do meio ambiente, traz a manutenção da política da exclusão,
desigualdades e concentração de renda. Em contrapartida a esse modelo, Silva (2005,
p. 04) defende que:
A sustentabilidade do desenvolvimento tem por base a transformação das relações
entre as pessoas e a natureza, buscando a harmonia entre o bem-estar do ser humano
e do meio ambiente. Expressa o compromisso com a manutenção de todas as formas de
vida no planeta, no presente e no futuro. [...] A sustentabilidade é expressa nas diversas
dimensões do desenvolvimento, indo além da dimensão ambiental social (requer a vida
de qualidade para todas as pessoas), cultural (respeito à diversidade e pluralismo de
culturas), política (processo contínuo e participativo de conquista da cidadania e do direito
de transformação da realidade) e econômica (construção de novas dinâmicas de
produção e de redistribuição social das riquezas).
Dessa forma, defendemos um modelo de desenvolvimento que compreende o
campo ambientalmente produtivo, culturalmente dinâmico, socialmente justo,
potencialmente viável e sustentável, que também seja capaz de valorizar os sujeitos,
concebendo o espaço rural como um lugar de bem-viver (CONTAG, 2009). A proposta
de desenvolvimento sustentável discutida pelos movimentos sociais do campo prima pelo
fortalecimento da agricultura familiar construída a partir da valorização dos saberes
locais, da preservação das culturas tradicionais e do respeito às diferentes dinâmicas
organizativas, baseada na cooperação, solidariedade e construção coletiva. Além disso,
está associado ao respeito à biodiversidade, ao patrimônio genético, ao meio ambiente,
às tradições, às relações, às culturas e saberes, à organização e participação política dos
povos do campo.
No entanto, a construção desse modelo de desenvolvimento sustentável e
solidário implica na desconstrução da ideia do desenvolvimento associada ao
crescimento econômico, bem como, na mudança das práticas culturais utilizadas pelos
agricultores familiares em suas atividades produtivas, baseada na destruição das matas
nativas, queimada dos resíduos e utilização de fertilizantes. Assim, as políticas de
desenvolvimento sustentável e solidário devem possibilitar a execução de processos
36
formativos que fomente a construção de uma nova cultura de relação entre os
camponeses e a biodiversidade do campo. A partir desse trabalho de reflexão crítica
acerca da complexidade e das fragilidades dos ecossistemas no qual os povos do campo
estão inseridos, será mais fácil implementar novas práticas socioculturais e produtivas
voltadas para a sustentabilidade socioambiental e econômica. Desse modo, torna-se
necessária a realização de processos formativos que envolvam tanto as escolas do
campo quanto as organizações sociais e as instituições de assessoria técnica e extensão
rural, na construção de novos saberes associados às práticas agrícolas agroecológicas
e sustentáveis.
A sustentabilidade volta-se para “a preservação do meio ambiente e da
biodiversidade ecológica e sociocultural, mas que acontecerá a partir do momento em
que o ser humano perceber que a sua relação com a natureza não é mais aquela de
domínio, de controle, de exploração, mas sim de coexistência” (PARANÁ, 2009, p. 118).
A partir das discussões construídas na década de 90, acerca do desenvolvimento
sustentável e solidário, os movimentos sociais vêm articulando-se com o intuito de
reorientar as políticas públicas voltadas para o campo, situando-as com os princípios da
sustentabilidade. Nesse caso, os camponeses trabalham na perspectiva de construção
de um projeto de desenvolvimento que valorize a cultura camponesa, reconheça a
biodiversidade do campo, a beleza de seus povos, sua originalidade, suas
potencialidades, sua complexidade, sua diversidade étnica e cultural e, sobretudo,
compreenda que as políticas específicas para o campo devem ser pensadas a partir da
realidade da vida campesina como forma de reconhecimento de seu povo como sujeito
de sua história.

6.2 O papel dos movimentos sociais na construção das políticas de


desenvolvimento sustentável

Os movimentos sociais do campo têm se dedicado à formulação e indicação de


alguns pilares para a construção de um novo modelo de desenvolvimento do campo,
dentre os quais destacam-se:
 A soberania alimentar como princípio organizador de uma nova agricultura,
com uma produção voltada para atender as necessidades do povo e com
políticas públicas voltadas para esse objetivo;
 A democratização da propriedade e do uso da terra, onde a reforma agrária
deve voltar à agenda prioritária do país como forma de reverter o processo
de expulsão do campo e disponibilizar a terra para a produção de
alimentos;

37
 Uma nova matriz produtiva e tecnológica, que combine produtividade do
trabalho com sustentabilidade socioambiental, o que inclui a opção pela
agroecologia;
 O princípio da cooperação, em lugar da exploração, para organizar a
produção;
 A mudança da matriz energética;
 O avanço na organização política, econômica e comunitária dos
camponeses e pequenos agricultores.

A construção desse modelo de desenvolvimento do campo defendido pelos


movimentos sociais pressupõe a superação do modo de produção capitalista. A
resistência a esse projeto tem possibilitado que os trabalhadores do campo lutem pelos
seus interesses de classe e avancem em suas organizações (UFBA, 2010, p. 49). As
lutas dos movimentos sociais em defesa da sustentabilidade no campo estão associadas
prioritariamente ao fortalecimento da agricultura familiar. O estudo desenvolvido pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) define agricultura familiar a partir de três
características centrais:
a) a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados são
feitos por indivíduos que mantém entre si laços de sangue ou
casamento; b) a maior parte do trabalho é igualmente fornecida pelos
membros da família; c) a propriedade dos meios de produção (embora
nem sempre da terra) pertence à família e é em seu interior que se
realiza sua transmissão em caso de falecimento ou aposentadoria dos
responsáveis pela unidade produtiva (INCRA/FAO, 1996, p. 04).

Os estudos apontam que a agricultura familiar traz diversas contribuições para o


processo de dinamização econômico e social dos territórios rurais. Dentre essas
contribuições, podemos destacar:

 Seu importante papel na garantia da segurança alimentar;


 Seu potencial para promoção da sustentabilidade ecológica através de sua
capacidade de conviver de forma harmônica com ecossistemas naturais; e
 Sua contribuição na preservação da identidade cultural dos camponeses
através da valorização e resgate do modo de vida que associa conceitos de
cultura, tradição e identidade.

38
Além disso, o estudo realizado pela INCRA/FAO demonstra que o simples acesso
à terra, somado a um apoio governamental mínimo, permite aos agricultores familiares
obterem um nível de vida muito superior aos trabalhadores assalariados do campo ou
cidade, tanto em termos de superação da pobreza rural como a situação de emprego
(INCRA/FAO, 1996). Entretanto, apesar dessas contribuições, a agricultura familiar
nunca foi prioridade no contexto das políticas de investimento no campo. No Plano Safra
2009/2010 foram destinados R$ 93 bilhões para o agronegócio e semente, além de 15
bilhões para a agricultura camponesa. Apesar do Censo Agropecuário de 1996
demonstrar que do total de 4.859.864 estabelecimentos rurais existentes no Brasil,
85,17% são estabelecimentos familiares.
Outro grande desafio referente à agricultura está relacionado ao acesso à terra,
pois apesar dos agricultores familiares representarem mais de 85% dos estabelecimentos
rurais, ocupam apenas 30,49% da área total (INCRA/FAO, 2000). Além disso, os
agricultores familiares convivem com a ausência de políticas de assessoria técnica para
o desenvolvimento de novos saberes e tecnologias que impulsionem os processos de
produção sem a utilização de agrotóxicos e a destruição do meio ambiente. Faltam-lhes
novos conhecimentos e tecnologias que permitam ampliar a produção sem destruir o
meio ambiente e as tradições culturais. É nesse contexto da produção de novos saberes
e tecnologias associado aos processos produtivos da agricultura familiar que a educação
do campo dará a sua maior contribuição, despertando nos jovens do campo a capacidade
de pensar o seu contexto como espaço viável no campo econômico, social e cultural.

6.3 As contribuições da educação do campo para o desenvolvimento


sustentável

A construção de novas políticas de desenvolvimento sustentável requer o


desenvolvimento de novas formas de pensar e conviver no/com o mundo. Daí a
importância da educação na construção de um olhar crítico, de acordo com a realidade
sociocultural e ambiental em que vivemos no sentido de pensar alternativas que apontem
novos caminhos e novas perspectivas de desenvolvimento. O debate sobre o
desenvolvimento sustentável nas escolas do campo passa pela desconstrução da ideia
de desenvolvimento disseminada nos meios de comunicação que distorcem
completamente a proposta de desenvolvimento e sustentabilidade, apresentando aos
jovens a filosofia do consumo como uma alternativa de vida moderna e desenvolvida. As
práticas educativas desenvolvidas nas escolas, além de problematizar esses discursos,
precisam mostrar aos alunos os equívocos dessas práticas e seus efeitos perversos na

39
vida das pessoas das classes populares e na biodiversidade do planeta, pois como
defende Duarte e Grigolo (2006, p. 109)
As propagandas levam a imaginar sempre uma vida melhor na cidade. Mas a
maioria recebe o salário e não tem para pagar as contas e ainda tem que gastar com a
imagem (moda) para ser reconhecido. [...] A pressão sobre o jovem no interior quanto à
imagem e à moda também existe, mas é menor. É preciso ter um olhar diferente sobre a
cidade na relação com o campo para melhor compreender a realidade. Não é só porque
é da cidade que é ruim e não é porque é do campo que é bom. Precisamos de um olhar
que mostre as contradições, tanto da cidade quanto do campo. No campo é difícil ter um
projeto claro, assumido, decidido. Parece que ao sair do campo superam-se os
problemas, como se na cidade não houvesse a mesma sociedade excludente, capitalista.
Cidade e campo precisam repensar-se, porque hoje são controlados pelas empresas que
definem o padrão de vida e de pensamento (DUARTE; GRIGOLO, 2006, p. 109).
Precisamos fazer um debate sobre o desenvolvimento sustentável que rompa com
essa dicotomia entre campo e cidade e apresente novas possibilidades de articulação
entre esses dois espaços enquanto complementares e interdependentes. Ambos
dependem um do outro para desenvolver-se e oferecer melhores condições de vida à
população. Nessa perspectiva, os desafios colocados às escolas do campo demonstram
que o campo e a cidade são espaços diferentes, com suas especificidades e
singularidades além dos seus problemas e contradições. É importante perceber que
ambos passam por profundas transformações que criam cada vez mais laços de
interligações e complementaridades. Além disso, precisamos demonstrar aos jovens que,
a partir do avanço tecnológico, inúmeras transformações estão ocorrendo nesses
espaços. E o campo não é mais aquele lugar subdesenvolvido e atrasado, já que a
população tem acesso às novas tecnologias e aos novos conhecimentos que permitem
o desenvolvimento de novas estratégias de produção cultural e econômica. Como
também a cidade não se enquadra mais naquele discurso de modernidade e
desenvolvimento, pois boa parte de sua população convive com inúmeros problemas
sociais relacionados com a insegurança, o desemprego, a falta de transporte, escolas,
dentre outros. Nesse caso, campo e cidade buscam através desse reencontro soluções
complementares para os seus problemas.

40
Fonte: google.com.br

Atualmente, convivemos com grupos que estão na cidade e querem voltar para o
campo reconstruindo suas vidas a partir de práticas saudáveis e sustentáveis, temos
também pessoas que buscam a cidade para a realização de sonhos profissionais, entre
outras opções. Dessa forma, acreditamos que o papel da educação do campo não é
impor aos alunos modelos ou projetos de vida, mas conscientizá-los das diferenças,
contradições e possibilidades que esses espaços oferecem para eles terem a opção de
fazer suas escolhas de forma madura e consciente. Além disso, a escola precisa oferecer
aos alunos conhecimentos e tecnologias, permitindo-os reinventar as formas de viver e
produzir no campo, garantido sustentabilidade e qualidade de vida.
A educação do campo comprometida com a construção de novas alternativas de
desenvolvimento sustentável deve criar projetos educativos que permitam a valorização
dos saberes socioculturais dos camponeses e a reflexão crítica acerca das
potencialidades e dos problemas vivenciados no campo, favorecendo a construção de
um olhar crítico acerca dos desafios e das possibilidades existentes na perspectiva do
desenvolvimento sustentável e solidário. Somente através do reconhecimento de seus
potenciais, enquanto protagonistas das políticas de desenvolvimento rural, os
camponeses poderão ampliar seus processos organizativos e buscar as condições para
a implementação de novas políticas e práticas voltadas à sustentabilidade do campo. Daí
a importância da parceria entre as escolas do campo, os movimentos sociais e as
instituições de assessoria técnica e extensão rural, pois através dessa articulação será

41
possível pensar práticas formativas associadas aos projetos de desenvolvimento local
que de fato promovam mudanças significativas nas comunidades rurais.
Como dizia Freire (1997), se a educação não é capaz de permitir a transformação
da realidade, sem ele torna-se ainda mais difícil as transformações ocorrerem. Neste
caso, a escola pode se colocar na condição de mobilizadora de conhecimentos,
tecnologias e saberes que fomentem processos organizativos e políticos voltados para a
articulação de novas parcerias entre os grupos e as organizações sociais com a finalidade
de promover o desenvolvimento sustentável. O conhecimento das potencialidades locais
e das possibilidades de desenvolvimento é uma das principais atividades a serem
explanadas pela escola comprometida com a sustentabilidade no meio rural. Ou seja, a
construção de projetos de desenvolvimento sustentável passa pelo trabalho de
reconhecimento dos aspectos socioculturais, ambientais e econômicos das comunidades
para que, através desse processo, se visualize os caminhos que serão trilhados na área
da formação e implementação das práticas de intervenção que possibilitará a gestão das
políticas de sustentabilidade. No entanto, esse não pode ser um processo autoritário e
impositivo, porque um dos princípios básicos da sustentabilidade é a construção coletiva
dos processos formativos e de intervenção.
Nesse aspecto, a sustentabilidade se constitui a partir dos sonhos, dos desejos
coletivos e através do reconhecimento e da potencialização das riquezas culturais,
sociais e ambientais dos grupos. Não há desenvolvimento sustentável se as atividades e
projetos não estiverem em sintonia com os processos organizativos e culturais das
pessoas. É importante a educação do campo ser construída enquanto prática social
alimentada pelos sonhos e desejos coletivos, além de ser um reflexo dos interesses dos
grupos sociais que atuam no contexto da escola. Logo a escola não está para determinar
os sonhos e projetos das pessoas, mas para contribuir na construção de saberes que
permitam a concretização dos sonhos e projetos coletivos.
Constitui-se numa ferramenta imprescindível na democratização de conhecimento
e tecnologias que auxiliarão as pessoas na compreensão do mundo e na produção de
novas perspectivas de vida. Nesse sentido, as diferentes áreas do conhecimento
trabalhadas nas escolas oferecerão aos jovens a possibilidade de produzir novos
conhecimentos que permitam desenvolver um olhar multidisciplinar sobre a realidade do
campo, compreendendo-o em sua complexidade e singularidade, consentindo a
produção de projetos que superem a lógica fragmentada que muitas vezes se
contrapunha aos princípios da sustentabilidade. A educação para o desenvolvimento
sustentável deve ser construída a partir dos saberes locais, tendo a realidade
sociocultural, ambiental e produtiva como ponto de partida e de chegada dos processos
educativos. Assim, o trabalho pedagógico necessita estar associado às práticas culturais
desenvolvidas pelos camponeses.
42
Desse modo, no ensino com pesquisa, os alunos serão desafiados a pesquisarem
e refletirem sobre as dinâmicas organizativas e produtivas da comunidade, identificando
os elementos que precisam de uma reflexão coletiva aprofundada na perspectiva de
redefinir práticas e ações, buscando assim o caminho para a sustentabilidade econômica,
socioambiental e cultural. Sendo assim, as práticas educativas construídas a partir dos
princípios da sustentabilidade devem articular-se a partir das seguintes dimensões:

 A dimensão social: direciona para a criação das condições que garantam a


qualidade de vida, a redução da pobreza e da miséria;
 A dimensão cultural: imprescindível para construir novas formas de relação
entre homens e mulheres e entre o ambiente natural e social;
 A dimensão econômica: necessária para criar alternativas de produção
apropriada e solidária que garanta a geração e distribuição de renda;
 A dimensão ambiental: é imprescindível para que se adotem práticas
culturais que favoreçam o uso sustentável, a conservação e a preservação
dos recursos naturais; e,
 A dimensão política: indispensável ao fortalecimento da sociedade civil e à
participação cidadã na formulação e conquista de políticas públicas para o
campo (SILVA, 2006).

A partir do trabalho com estas dimensões, as escolas irão fomentar nos jovens do
campo um olhar crítico acerca das alternativas de desenvolvimento e das possibilidades
de reinvenção dos processos organizativos e políticos, visando a conquista de políticas
públicas que deem conta das necessidades da comunidade no contexto da produção da
sustentabilidade. Entretanto, diante desse contexto, precisamos de uma escola do campo
que se constitua a partir dos princípios democráticos. Uma escola construída pelos
sujeitos do campo, que contemple nos projetos de formação os interesses, os sonhos e
as necessidades formativas dos grupos sociais do campo. Aberta aos saberes
socioculturais e à participação de todos os camponeses com suas diferenças e
singularidades.
Assim, as instituições de ensino situadas no contexto do campo devem adotar
práticas políticas e pedagógicas voltadas à mobilização e problematização da
comunidade, despertando-a para a construção de caminhos que possibilite a solução dos
problemas sociais e, consequentemente a consolidação das políticas de
sustentabilidade. Para tanto, as práticas educativas desenvolvidas no campo devem
reconhecer e despertar os camponeses para o exercício da cidadania. Além disso,
precisa conscientizá-los da importância da organização comunitária na construção das

43
alternativas de desenvolvimento e na conquista de políticas públicas voltadas para a
sustentabilidade no campo.
É notório o crescimento do debate sobre o desenvolvimento sustentável nos
últimos anos, envolvendo os mais variados setores da sociedade. No entanto, esse
debate não é linear nem homogêneo, mas se consolida a partir de bases conceituais e
interesses difusos e plurais. Até mesmo entre os movimentos sociais e setores mais
progressistas que atuam em defesa das políticas públicas do campo não há um consenso
em torno dos princípios e concepções acerca do projeto de desenvolvimento sustentável.
Dessa forma, a compreensão acerca dos princípios que norteiam as discussões sobre o
desenvolvimento e a sustentabilidade torna-se um dos desafios aos professores e às
escolas. Uma vez que o debate sobre a sustentabilidade nas escolas não pode limitar-se
às oficinas de materiais reciclados, aos estudos desenvolvidos nos livros didáticos, aos
projetos pontuais de reflorestamento e hortas escolares. Deve envolver discussões mais
amplas e profundas acerca do modelo de vida constituído pelos sujeitos do campo.
Diante da complexidade do tema, o debate sobre a sustentabilidade deve nortear
o projeto político pedagógico da escola, norteando todo o seu fazer educativo, pois tem
uma relação direta com o modelo de sociedade que se deseja construir e o perfil de
sujeito que se deseja formar. Passa pelos princípios políticos e filosóficos que norteiam
o currículo e, principalmente pelo processo de seleção dos conteúdos. Nessa
perspectiva, pensar um projeto educativo comprometido com o desenvolvimento
sustentável exige o enfrentamento de alguns desafios:

 Pensar um currículo integrado com o contexto sócio histórico, ambiental e


cultural do campo;
 Produzir materiais didáticos contextualizados que possibilitem a
compreensão crítica do campo com seus problemas e potencialidades;
 Ampliar os processos de formação docente voltados para a compreensão
do campo e suas diversidades;
 Construir novos modelos de gestão da educação que primem pela
construção coletiva, pela democratização da escola e suas práticas
educativas;
 Equipar as escolas com recursos didáticos e tecnológicos que possibilitem
o desenvolvimento de práticas educativas dinâmicas e inovadoras, dentre
outros.

Além disso, compreendemos que a construção de projetos educativos


comprometida com a sustentabilidade passa também pelo reconhecimento e a
44
valorização dos diferentes sujeitos que vivem do campo, com seus saberes e práticas
diferenciadas e carregadas de significados políticos e culturais. Por fim, acreditamos que
o desenvolvimento sustentável se consolida na medida em que a democracia se efetive
em sua radicalidade, onde os diferentes sujeitos sejam respeitados e vistos como
protagonistas das políticas de desenvolvimento em meia as suas diferenças e
singularidades, independentemente de cor, raça, orientação sexual, gênero, classe
social, opção religiosa e ideológica.6

6
Texto Extraído de
http://www.educacaonosemiarido.xpg.com.br/Educa%C3%A7%C3%A3o%20do%20campo%20e%20desenvo
lvimento%20sustent%C3%A1vel.pdf
45
7 POLÍTICA E CIDADANIA NO CAMPO

A partir dos anos 1990, os movimentos sociais do campo e várias organizações


da sociedade civil iniciaram o movimento pela educação básica do campo no Brasil.
Assim, nos propomos a refletir as políticas públicas de educação do campo que surgiram
no período pós LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) atual e verificar se estas
possibilitaram outra cidadania que consideramos possível destinada aos vários grupos
de camponeses existentes no campo brasileiro. No primeiro momento, fazemos um breve
balanço histórico da educação no Brasil até nossos dias considerando especificamente
a educação básica e suas conquistas na legislação e na realidade dos povos do campo.
No segundo momento, nos propomos a discutir o papel dos movimentos sociais do
campo na formação de uma outra cultura política de cidadania que se distingue do chavão
“cidadania” amplamente utilizado pelas elites liberal-burguesas até o momento.
Por fim, no terceiro momento queremos propor uma discussão de que a educação
do campo que surge nos anos 90 a partir das lutas sociais e de cidadania dos movimentos
sociais deve ser considerada como política pública ainda em processo de construção e
de afirmação. Ao mesmo tempo, apresentamos três programas governamentais, a saber:
Pronera, Saberes da Terra e Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura
em Educação do Campo – ProCampo. O Pronera é um programa que surge ainda no
governo FHC e os outros dois são políticas do atual governo Lula. Assim, essa reflexão
se pauta numa intencionalidade visível que é a educação do campo neste cenário de
busca pelos direitos sociais negados e de afirmar o fim da longa noite escura da educação
destinada aos povos do campo brasileiro.

7.1 Balanço histórico das políticas “públicas” de educação do campo no Brasil

O final do século XX foi um momento determinante para o surgimento de


concepções políticas opostas e paradoxais. Por um lado, a ideologia neoliberal com sua
máxima “salus mercati non est” onde se defende premissas da lei do livre mercado, a
esquizofrenia da concentração, da acumulação e a centralização de capital. Tais
concepções se resumem como sendo novas formas “renovadas” de colonialismo e de
subserviência que possibilitam as pessoas assimilarem as teses do fim da história, fim
das ideologias, impossibilidade de uma alternativa socialista e o pior, o fatalismo, ou seja,
o fim das utopias. Por outro lado, as resistências não cessaram. Continuaram
acontecendo de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Evidentemente, com menos intensidade
e com novas preocupações que não deixaram de lado o sonho de uma sociedade mais
justa, democrática e sem exclusões. Os movimentos sociais continuaram exercendo um
46
papel fundamental na construção de alternativas e de propostas contrárias ao pensado e
construído pelo dogma neoliberal que realiza uma simbiose do pensamento liberal
burguês em sua matriz econômica com a política conservadora.
No Brasil, ainda vivíamos nos anos 1990 sob a simbiose do patrimonialismo e da
ascendente neoliberal que começa a ser implantada no governo Collor e se efetiva
completamente com o governo FHC. As principais características eram: a ideia liberal
clássica de neutralidade, uma visão instrumentalista do aparelho político, o atraso
agrário, uma noção capitalista de reforma agrária misturada com elementos oligárquicos
do Brasil-Colônia e, por fim, a existência de classes dominantes parcialmente burguesas,
pois o poder está acumulado entre o capital e o político (BIANCHETTI, 2005: p. 40). A
educação de uma forma geral sofreu as drásticas consequências de duas leis do atraso,
a saber: a Lei 5.540/68 e a Lei 5.692/71 que foram construídas com a parceria e acordos
MEC/USAID em detrimento da escola pública sob a égide do regime militar. Portanto, de
1968 aos anos 1990, o Brasil viveu o detrimento da escola pública e a falta de políticas
públicas de Estado que acolhesse os vários grupos sociais, entre eles, os camponeses.
Jamais se pensaria em educação do campo no Brasil a partir das duas leis promulgadas
pela Ditadura Militar. Havia uma luta pela educação pública e gratuita sob a
responsabilidade do Estado por parte dos movimentos sociais, mas que ficava silenciada
diante dos processos de perseguição política realizados pelo Regime.
Com a abertura política e o processo de “redemocratização” no Brasil, os
movimentos sociais ganharam novos ares e conseguiram abrir as janelas e limpar o mofo
das lutas sociais e começaram a levantar novas bandeiras de luta. Contudo, o processo
de “redemocratização” foi lento, demorado, burocrático e a cultura política não poderia se
desfazer de um dia para outro. E pior: juntamente com o processo de abertura política foi
se instituindo no cenário brasileiro tendências neoconservadoras que viriam a se
estabelecer nos governos seguintes ao Governo Sarney. Estas tendências
neoconservadoras poder-se-ia entender como sendo a implantação do neoliberalismo
nos governos Collor, Itamar e, principalmente, FHC. No início dos anos 1990 a educação
passa a ser percebida como mercadoria e influenciada pela lei da oferta e da demanda.
Os pais e filhos são vistos como consumidores do saber e o professor e o
gestor/administrador da escola como sendo os produtores do saber. A escola é a grande
“feira” onde se vende o ensino.
Comumente se vê professores chamarem os alunos de “clientes”, “clientela” ou
outros adjetivos que determinam o comportamento político dos mesmos, ou seja, a
relação entre capital e saber está intrinsecamente determinada por aqueles que se
tornam clientes do sistema de ensino e por ele pagam.
A despesa com educação é um investimento de capital numa empresa
arriscada, por assim dizer, como o investimento numa empresa recém-

47
formada. O método mais satisfatório de financiar essas empresas não
é através de empréstimos em quantia fixa, mas através de investimento
no capital social de ‘compra’ de ações na empresa com recebimento,
como retorno, de uma parte dos lucros. (FRIEDMAN, 1980. In.:
BIANCHETTI, 2005: p. 100).

Assim, não havia nenhuma sinalização concreta de políticas públicas para


educação do campo até a primeira metade dos anos 1990. Quando se trabalha com a
categoria educação do campo significa pensar uma educação forjada a partir das
intencionalidades dos movimentos sociais do campo onde os trabalhadores rurais são os
protagonistas da história e sujeitos da ação pedagógica. A educação destinada ao meio
rural existe desde a República Velha. No entanto, sua existência não legitima a
homologação de políticas públicas de Estado destinada aos trabalhadores rurais. A
educação era um privilégio das camadas mais ricas da sociedade o que determinava a
não-existência de políticas e, muito menos, de vontade por parte dos governantes em
oferecer o direito de cidadania da educação aos camponeses que estavam condenados
ao analfabetismo e à exploração. Dessa forma, devido ao movimento migratório, a
primeira estratégia de educação que surge na realidade brasileira por volta dos anos
1920 é o “Ruralismo Pedagógico” que tinha a ideia de uma escola integrada
regionalmente e queria promover a fixação do homem ao meio rural.
Do Estado Novo à chamada Primeira Redemocratização do Brasil (19451964) a
educação rural foi palco de algumas iniciativas, tais como: a criação da CBAR (Comissão
Brasileira-Americana de Educação das Populações Rurais) que seria o embrião da
ABCAR (Associação Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural) que surge em
1956. Outra iniciativa que surge neste cenário é o Programa de Extensão Rural nos
moldes norte-americanos e com interesses para formar empresas familiares no meio
rural. A extensão rural busca persuadir os camponeses a usarem a assistência técnica
na produção de sua propriedade para que pudesse conseguir um maior índice de
produtividade e, como consequência, o bem-estar social (FONSECA, 1985). Em 1950,
há a criação da Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) e do Serviço Social
Rural (SSR) que preparava técnicos para atuar no meio rural em várias áreas, tais como:
educação de base ou alfabetização, melhoria de vida, saúde, associativismo, economia
doméstica, artesanato, entre outros. A década de 1950 foi um momento difícil no meio
rural brasileiro devido ao problema do êxodo rural que toma um nível de proporção
assustador. A educação rural na Lei 4.024/61, considerada a primeira LDB, continuou
negando a existência da diversidade no meio rural brasileiro, pois a escola estava
condicionada às intencionalidades capitalistas. Na concepção de Leite (1999) a educação
rural sofreu as mesmas discriminações governamentais de tempos anteriores.

48
Foi a negação da escolarização nacional, da cultura, do hábit, do
trabalho e dos valores da sociedade. Foi a cristalização de uma relação
de dependência e subordinação que, historicamente, vinha
acontecendo desde o período colonial. A concretização desses
impasses aconteceu por ocasião da promulgação da Lei 4.024, em
dezembro de 1961. (LEITE, 1999: p. 38).

No entanto, os movimentos de resistência surgiam, tais como os Centros


Populares de Cultura (CPC) e o Movimento de Educação de Base (MEB) que tinham
ligação profunda com as Ligas Camponesas, os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e
outras organizações. Essa resistência teve seu auge com a promulgação do Estatuto do
Trabalhador Rural com a Lei 4.214/63. Esses movimentos foram importantes para o
surgimento de grupos de alfabetização de adultos e de educação popular. Por outro lado,
os grupos conservadores reordenaram suas ações para conter o expansionismo dos
movimentos agrários e das lutas por parte dos trabalhadores rurais ao criar a conhecida
“Aliança para o Progresso” que desenvolveu programas como a SUDENE, a SUDESUL,
o INBRA, o INDA e o INCRA. Com a implantação da barbárie da Ditadura Militar há uma
profunda penetração da Extensão Rural e de sua ideologia no campo onde se substituiu
o educador pela figura do técnico e extensionista.
O projeto contrário a este modelo surge de Paulo Freire com sua educação popular
e muitas comunidades aderiram ao projeto da educação libertadora. Não se contentando,
a Ditadura Militar implanta duas leis que afetam consideravelmente a educação rural, a
saber: a Lei 5.540/68 com a reforma do ensino superior e a Lei 5.692/71 com a nova
estruturação do ensino de 1º e 2º graus. O que nos interessa é a Lei 5.692/71 que possuía
um caráter mais conservador do que a Lei 5.540/68, principalmente, por não trazer
novidades renovadoras e transformadoras. O dualismo entre educação para o saber e
educação para o fazer, entre formação intelectual e formação técnica-profissional
prevaleceu. A Lei em si permaneceu distante dos anseios camponeses o que determinou
a não incorporação das exigências culturais emergentes do processo escolar rural e nem
sequer cogitou a possibilidade de políticas educacionais específicas aos vários grupos
do campo brasileiro.
Com o novo processo de redemocratização a partir do Governo Tancredo e
Sarney, os movimentos sociais do campo se articulam na busca pelos direitos sociais
historicamente negados na legislação brasileira e no imaginário social da população. A
criação da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em 1975 e do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 1984 deu novo impulso para as lutas sociais no
campo brasileiro. As lutas não se destinavam somente à reforma agrária, mas, sobretudo,
aos direitos sociais como saúde, educação, moradia e crédito.

49
7.2 Cidadania e Educação do Campo: o “público” político dos movimentos
sociais

A partir da década de 1990 em diante foi se criando aos poucos grupos de reflexão
acerca da problemática da escola rural, da escola do campo e no campo. Sabe-se que
desde os anos 1960, com a Educação Popular, tiveram-se alguns avanços na busca por
uma melhor conscientização política a respeito da educação oferecida aos trabalhadores
rurais. Por isso, precisa-se entender que os movimentos sociais do campo tiveram uma
grande importância neste cenário. Em toda e qualquer sociedade humana histórica
sempre se teve processos contra hegemônicos que resistem a determinadas imposições
por parte da classe dominante. A partir da década de 1990 começou-se a se pensar numa
resistência concretamente constituída por meio de debates, conferências e fóruns que
viessem ser um espaço da sociedade civil em estar trocando experiências e buscando
novas alternativas para os problemas mais agravantes do meio rural e a educação a ela
inserida.
Alguns movimentos sociais e organizações não-governamentais (ONGs) estão
rompendo com a visão unilateral construída ao longo desses 500 anos. Nos movimentos
de resistência cultural os camponeses/as assumem uma outra dimensão. Tornam-se
sujeitos históricos de uma nova ordem que se baseia em três princípios básicos: a
solidariedade, a partilha e a luta. Tais movimentos ainda sobrevivem diante da avalanche
de questionamentos realizados pela mídia e pelo marketing governamental a fim de
desqualificá-los. O Encontro Nacional dos Educadores/as da Reforma Agrária (ENERAs)
foi o primeiro espaço constituído pelos movimentos sociais e sindicais do campo como:
MST, CONTAG, CPT e outros. Estes encontros sempre foram apoiados por ONGs e por
organismos ligados a Igreja Católica (CNBB) e organizações ligadas a ONU como é o
caso da FAO, UNESCO e UNICEF.
Com os encontros foi formada uma equipe de articulação nacional que envolveu
os vários setores das entidades ligadas à luta pela Reforma Agrária que, também,
pensassem uma Conferência onde as discussões gerariam em torno da educação do
campo (NASCIMENTO, 2002). Surge assim, a Articulação Nacional Por Uma Educação
Básica do Campo, tendo como entidades promotoras a CNBB, o MST, a UNICEF, a
UNESCO e a UnB através do Grupo de Trabalho e Apoio à Reforma Agrária (GTRA).
Realizou-se em 1998, a I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo, na
cidade de Luziânia – GO. Muitas experiências alternativas foram sendo descobertas e
trazidas a público, principalmente, a partir deste espaço de debates. As experiências do
MAB (Movimento dos Atingidos pelas Barragens), do próprio MST com as escolas de
assentamentos e as escolas itinerantes que se fazem presente nos acampamentos, do
50
MOC (Movimento de Organização Comunitária) presentes na Bahia, o MEB (Movimento
de Educação de Base) importante na década de 1960 e 1970 e, hoje, continua
desenvolvendo atividades junto aos povos da floresta e no sertão nordestino com a
proposta de alfabetização de adultos tanto no Norte e Nordeste brasileiro. Enfim, os
próprios movimentos sociais e sindicais do campo que lutam pela posse da terra
constroem processos permanentes de educação popular e não-formal por meio de
encontros, conferências, debates, fóruns, marchas, romarias e cursos de capacitação
para os camponeses/as. Comprova-se assim, um processo contra hegemônico, um
sistema vivo que se faz presente nas comunidades.
Por um lado, sabe-se que de uns tempos para cá houve um enorme refluxo destas
práticas educativas, por outro, percebe-se o ressurgimento de movimentos sociais do
campo que estão construindo a história, a memória e a educação a partir das
experiências de lutas e a partir da conscientização como ato de libertação desse cativeiro
imposto pela hegemonia neoliberal que apresenta o deus mercado como única via, única
alternativa. Por isso, pensar a educação do campo significa assumir três compromissos
básicos: um compromisso ético/moral com a pessoa humana desumanizada
historicamente; um compromisso com a intervenção social e educar, neste sentido,
significa intervir para transformar as realidades de exclusão pedagógicas tão frequentes
nos municípios e estados da federação; e, por último, um compromisso com a cultura
camponesa em suas diversas facetas, seja para resgatá-la, seja para recriá-la, bem
como, para conservá-la.
A Educação Básica do Campo não pode ser vista sem a participação do
movimento social existente no campo. É a partir das pedagogias, dentre elas, a
Pedagogia da Alternância, construídas pelo movimento que se compreenderá o
fenômeno educativo camponês. As pedagogias dos gestos, do fazer, da construção
coletiva falam mais do que qualquer teoria pedagógica pensada pelo cientificismo das
estruturas educacionais. A característica do movimento social é exatamente falar pelos
gestos, ou seja, falar por meio da linguagem, das palavras, dos rituais, da mística. Isto
pode ser percebido claramente nos encontros e nas ações coletivas.
Para Arroyo (1999: p. 09):

(...) os movimentos sociais são em si mesmos educativos em seu modo


de se expressar, pois o fazem mais do que por palavras, utilizando
gestos, mobilizações, realizando ações, a partir das causas sociais
geradoras de processos participativos e mobilizadores.

Neste sentido, o movimento social do campo existe, está em movimento, inquieto


e construindo o “público” político de uma esfera. Há um movimento pedagógico do campo
51
de renovação a partir das propostas elaboradas pelos movimentos sociais do campo,
sejam os sem-terra, os povos indígenas, os pescadores (caiçaras), os lavradores/as,
seringueiros/as etc. A educação se dá nesta realidade do campo e dos movimentos
sociais onde determinante e determinado se constroem a partir da relação dialética
existente entre o contexto real (realidade do mundo rural) e o contexto ideal (utopia dos
movimentos sociais do campo). Por isso, os movimentos sociais são educativos, por
excelência, pois forma novos valores, nova cultura, uma nova noção de cidadania que se
difere da matriz liberal-burguesa.

7.3 A educação do campo enquanto política pública: de FHC à Lula

Saviani (2000: p. 172) nos mostra na íntegra os documentos oficiais da educação


brasileira que alertam no Art. 28 da LDB – Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº. 9.394/96) o seguinte propósito:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de


ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I –
conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização
escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do
ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do
trabalho na zona rural.

A concepção de escola do campo procura defender os interesses, a política, a


cultura e a economia da agricultura camponesa. Segundo Fernandes (1999: p. 65) “a
política de educação que está sendo implantada no Brasil, por meio dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, ignora a necessidade da existência de um projeto para a escola
rural”. Mas, o que vem sendo um ponto agravante é o fator regulador da qualidade de
educação vista a partir de uma ótica determinista. Um determinismo geográfico que
legitima a existência de uma concepção de que a escola urbana é melhor, superior do
que a escola rural. O que seria a proposta de uma educação básica do campo? Pode-se
dizer que a educação básica do campo possui três características fundamentais: é um
projeto político-pedagógico da sociedade civil que busca intervir nos fundamentos da
educação brasileira. Além disso, é um projeto popular alternativo para o Brasil e um
projeto popular de desenvolvimento para a realidade campesina.
Tais projetos estão estritamente ligados ao projeto de construção de uma política
pedagógica vinculada às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à cultura dos
52
povos do campo. Mas, é preciso ter bem claro que a educação do campo não é um
resíduo em processo de extinção como querem alguns. É preciso ter claro, também, que
a escola do campo é necessária para se cultivar a própria identidade do homem e da
mulher do campo e que esta escola do campo pode vir a contribuir no desenvolvimento
de estratégias de um projeto educativo socioeconômico desde que esteja
contextualizada.
O processo de construção de um projeto popular alternativo de desenvolvimento
para o Brasil requer novos valores éticos e culturais que precisam ser assumidos por
todos. Estes valores são os compromissos básicos, urgentes e emergentes. São eles:
compromisso com a soberania; com a solidariedade (extermínio da exclusão social3 e da
desigualdade); com o desenvolvimento (rompimento com o capital financeiro); com a
sustentabilidade; com a democracia ampliada; e, com a segurança alimentar. Diante
dessa exposição sobre a concepção de educação do campo queremos apresentar de
forma preliminar três programas de educação do campo que se efetivaram durante dos
anos 90 nos governos de FHC e Lula. Tais programas são: Pronera, Saberes da Terra e
o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo.

7.4 Pronera: a política de FHC continuada por Lula

Em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria Nº. 10/98, o Ministério Extraordinário


de Política Fundiária criou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária –
PRONERA, vinculando ao Gabinete do Ministro e aprovou o seu Manual de Operações.
No ano de 2001, o Programa é incorporado ao INCRA. É editada a Portaria/INCRA/nº.
837, aprovando a edição de um novo Manual de Operações. A concepção de educação
do Pronera entende que a educação do campo é um direito de todos e se realiza por
diferentes territórios e práticas sociais que incorporam a diversidade do campo. É, ainda,
uma garantia para ampliar as possibilidades de criação e recriação de condições de
existência da agricultura familiar/camponesa. Por isso, o Pronera quer fortalecer o mundo
rural como território de vida em todas as suas dimensões: econômicas, sociais,
ambientais, políticas e éticas.

53
Fonte: dsvc.com.br

Esta ação promove a justiça social no campo por meio da democratização do


acesso à educação na alfabetização e escolarização de jovens e adultos, na formação
de educadores para as escolas de assentamentos/acampamentos e na formação
técnico-profissional de nível médio e superior. Enquanto política pública, o Pronera
fundamenta-se na gestão participativa e na descentralização das ações das instituições
públicas envolvidas com a educação. Essas instituições criam por meio de projetos a
oportunidade de exercitar e realizar ações com a coparticipação dos movimentos sociais
e sindicais de trabalhadores e trabalhadoras rurais, instituições de pesquisa, governos
estaduais e municipais, em prol do desenvolvimento sustentável no campo, da
construção da solidariedade e da justiça social. Desta forma, o Pronera realiza práticas e
reflexões teóricas da Educação do Campo, tendo como fundamento a formação humana
como condição primordial, e como princípio a possibilidade de todos e todas serem
protagonistas da sua história, criando novas possibilidades para descobrir e reinventar,
democraticamente, relações solidárias e responsáveis no processo de reorganização
socio territorial em que vivem.

54
7.5 Programa Saberes da Terra: a política do Governo Lula

O Pro-Jovem Campo – Saberes da Terra é um programa de escolarização de


jovens agricultores/as familiares em nível fundamental na modalidade de Educação de
Jovens e Adultos (EJA), integrado à qualificação social e profissional. O Programa surgiu
em 2005, vinculado ao Ministério da Educação pela Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD) com a meta de escolarização de 5.000 jovens
agricultores/as de diferentes estados e regiões do Brasil: Bahia, Pernambuco, Paraíba,
Maranhão e Piauí pela região nordeste. Mato Grosso do Sul no Centro-Oeste. Santa
Catarina e Paraná pela região Sul.

Fonte: portalcgrn.com

Da região Sudeste Minas Gerais e do Norte participam Pará, Tocantins e


Rondônia. Nos dois anos de sua existência, o Programa Saberes da Terra atingiu a
formação de jovens agricultores/as que vivem em comunidades ribeirinhas, quilombolas,
indígenas, assentamentos e de pequenos agricultores, escolarizou adultos, entre outros.
Essa diversidade étnico-cultural e de gênero vivenciada pelo Programa, aparece nos
debates e produções realizadas durante os quatro
Seminários Nacionais de Formação de Formadores/as, dezenas de Seminários
Estaduais de Formação de Educadores e na produção de materiais pedagógicos. Estas
experiências pedagógicas realizadas viabilizaram a escolarização em nível fundamental
integrada à qualificação social e profissional em Agricultura Familiar e Sustentabilidade.

55
A organização curricular do Pro Jovem Campo – Saberes da Terra está
fundamentada no eixo articulador Agricultura Familiar e Sustentabilidade. Este eixo
amplia suas dimensões de atuação na formação do jovem agricultor por meio dos
seguintes eixos temáticos:

 Agricultura Familiar: identidade, cultura, gênero e etnia.


 Sistemas de Produção e Processos de Trabalho no Campo.
 Cidadania, Organização Social e Políticas Públicas.
 Economia Solidária.
 Desenvolvimento Sustentável e Solidário com enfoque Territorial.

Os eixos temáticos agregam conhecimentos da formação profissional e das áreas


de estudo para a elevação da escolaridade. A execução da proposta pedagógica e
curricular acontece por meio da realização de atividades educativas em diferentes tempo
e espaços formativos. Os jovens iniciam a escolarização pelo “Tempo Escola” que
corresponde ao período no qual os jovens permanecem efetivamente na unidade escolar
com atribuições de aprendizagens sobre os saberes técnico científicos dos eixos
temáticos, planejamento e execução de pesquisas, atividades de acolhimento e
organização grupal, entre outras atividades pedagógicas. Outro momento de organização
do tempo e espaço formativo do Programa é o “Tempo Comunidade” correspondente ao
período no qual os educandos realizam pesquisas, estudos e experimentações técnico-
pedagógicas nas comunidades, com o objetivo de partilharem seus conhecimentos e
suas experiências adquiridas na escola com as famílias ou instâncias de organização
social.
O “Tempo Escola” e o “Tempo Comunidade” são espaços formativos privilegiados
de articulação entre estudo, pesquisa e criação de propostas de intervenção de modo a
estimular diferentes aprendizagens nos jovens agricultores/as, tais como, leitura, escrita,
arte, afirmação da diversidade étnica, cultural e gênero; desenvolver o espírito coletivo e
solidário; superação dos valores de dominação, preconceito étnico-raciais e
desigualdades existentes na relação campo cidade; desenvolver a autonomia e a
solidariedade produtiva, entre outras aprendizagens.

7.6 Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do


Campo – Procampo

O Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do


Campo – Procampo é uma iniciativa do Ministério da Educação, por intermédio da
56
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), em
cumprimento às suas atribuições de responder pela formulação de políticas públicas de
combate às desvantagens educacionais históricas sofridas pelas populações rurais e
valorização da diversidade nas políticas educacionais.

Fonte: seminarioprocampo2014.blogspot.com

O objetivo do Programa é apoiar a implementação de cursos regulares de


Licenciatura em Educação do Campo nas Instituições Públicas de Ensino Superior de
todo o país, voltados especificamente para a formação de educadores para a docência
nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas rurais. O Procampo
tem a missão de promover a formação superior dos professores em exercício na rede
pública das escolas do campo e de educadores que atuam em experiências alternativas
em educação do campo, por meio da estratégia de formação por áreas de conhecimento,
de modo a expandir a oferta de educação básica de qualidade nas áreas rurais, sem que
seja necessário a nucleação extracampo.
Entre os critérios exigidos, os projetos devem prever: a criação de condições
teóricas, metodológicas e práticas para que os educadores em formação possam tornar-
se agentes efetivos na construção e reflexão do projeto político-pedagógico das escolas
do campo; a organização curricular por etapas presenciais, equivalentes a semestres de
cursos regulares, em Regime de Alternância entre Tempo-Escola e Tempo-Comunidade,
para permitir o acesso e permanência dos estudantes na universidade (tempo-escola) e
a relação prática-teoria-prática vivenciada nas comunidades do campo (tempo-
57
comunidade); a formação por áreas de conhecimento previstas para a docência
multidisciplinar – Linguagens e Códigos, Ciências Humanas e Sociais, Ciências da
Natureza e Ciências Agrárias, com definição pela universidade da(s) respectiva(s) área(s)
de habilitação; e a consonância com a realidade social e cultural específica das
populações do campo a serem beneficiadas, segundo as determinações normativas e
legais concernentes à educação nacional e à educação do campo em particular.
Atualmente, quatro universidades públicas federais estão desenvolvendo
experiências piloto: UnB (Universidade de Brasília), UFMG (Universidade Federal de
Minas Gerais), UFBA (Universidade Federal da Bahia) e UFS (Universidade Federal do
Sergipe). O processo seletivo da Universidade de Brasília ocorreu em setembro de 2007,
com o curso organizado em uma carga horária de 3.525 horasaula, distribuída em 8
etapas, uma a cada semestre, integralizando 4 anos. Cada etapa é composta de um
tempo-escola e um tempo-comunidade. O tempo-escola é dividido em períodos
intensivos, com o mínimo de 50 e máximo de 70 dias ininterruptos, em regime de
internato, com 8 horas diárias de atividade. A primeira etapa do tempo-escola teve início
em setembro de 2007 no Instituto de Educação Josué de Castro, em Veranópolis, Rio
Grande do Sul.
A primeira etapa do tempo comunidade, que ocorreu no início de 2008, prevê a
inserção orientada dos estudantes nas comunidades camponesas, onde desempenharão
atividades curriculares específicas da respectiva etapa. Sabemos que a burocracia
estatal delimita as ações da Coordenação-Geral de Educação do Campo o que determina
que as práticas realizadas sejam impulsionadas realmente pelos movimentos sociais do
campo que possuem uma noção clara sobre a educação do campo conforme destaca
Fernandes (2002).
A Educação do Campo é um conceito cunhado com a preocupação de se delimitar
um território teórico. Nosso pensamento é defender o direito que uma população tem de
pensar o mundo a partir do lugar onde vive, ou seja, da terra em que pisa, melhor ainda:
desde a sua realidade. Quando pensamos o mundo a partir de um lugar onde não
vivemos, idealizamos um mundo, vivemos um não lugar. Isso acontece com a população
do campo quando pensa o mundo e, evidentemente, o seu próprio lugar a partir da
cidade. Esse modo de pensar idealizado leva ao estranhamento de si mesmo, o que
dificulta muito a construção da identidade, condição fundamental da formação cultural.
(FERNANDES, 2002).
Para concluir, podemos formular cinco princípios básicos que mostram o papel da
escola e a sua transformação. A primeira transformação do papel da escola refere-se,
especificamente, a três compromissos que a educação do campo deve assumir.

58
Fonte: conselhodeumbrasileiro.blogspot.com

O compromisso ético/moral com a pessoa humana. O compromisso com a


intervenção social que irá vincular os projetos de desenvolvimento regional e nacional. E,
o compromisso com a cultura no seu resgate, na sua conservação e na sua recriação,
tendo como eixo a educação dos valores baseada na educação para autonomia cultural
a partir de Freire (1997) e na educação pela memória histórica a partir de Brandão (1985).
A segunda transformação do papel da escola diz respeito à gestão da escola como
espaço público e comunitário, ou seja, a democratização do espaço escolar. Isto significa
que deve haver ampliação (quantitativa e qualitativa) do acesso às escolas; participação
da comunidade nas decisões sobre gestão escolar, propostas pedagógicas e políticas
públicas; participação dos educandos/as na gestão escolar superando a democracia
representativa; e, a criação de coletivos pedagógicos que pensem e repensem os
processos de transformação.
A terceira transformação do papel da escola vem abordar a pedagogia escolar,
onde a educação popular inserir-se-á no cotidiano escolar e no processo de ensino-
aprendizagem. A finalidade desta transformação é trazer, para a escola, alternativas
pedagógicas que são produzidas fora do espaço escolar formal; analisar as experiências
e as discussões que acontecem a respeito da renovação pedagógica; aprender a
conhecer, aprender a viver juntos, aprender a fazer e aprender a ser. A quarta
transformação refere-se aos currículos escolares que deve se adequar no movimento da
realidade que o cerca. Por isso, a princípio, deve-se retirar o conceito de que a escola é
mera transmissora de conhecimentos teóricos. Mas, é um espaço, por excelência, de
formação humana. Para isso, faz-se necessário pensar um novo ambiente educativo.
Num segundo momento, refletir sobre a existência do reducionismo de tendência
pedagógica em ter a escola como simples espaço de memorização e de informação.
Posteriormente, exigir que o currículo de uma escola do campo contemple as
relações com o trabalho na terra e trabalhar o vínculo entre educação e cultura, sendo a
59
escola um espaço de desenvolvimento cultural de toda a comunidade. E, por fim, o
currículo deve romper com a postura presenteísta que domina nossa sociedade. Enfim,
a quinta transformação do papel da escola vem mostrar a transformação dos educadores
e educadoras das escolas do campo. Dois problemas são visíveis: os educadores/ as
são vítimas de um sistema educacional que desvaloriza o trabalho da docência e,
principalmente, os coloca num círculo vicioso e perverso. Isto faz gerar uma
consequência problemática: como vítimas (os educadores/as) constroem novas vítimas,
os educandos/as das escolas do campo. As iniciativas específicas para educadores/as
do campo são: articulação, ou seja, a criação e o fortalecimento dos coletivos
pedagógicos locais, municipais, estaduais, nacionais e internacionais; qualificação ou
formação escolar para os docentes leigos/as; e, criar programas sistemáticos de
formação com metodologias pedagógicas alternativas e dialógicas.7

7
Texto Extraído de file:///C:/Users/Colaborador/Downloads/3450-12685-1-PB.pdf
60
8 IGUALDADE E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

O avanço da consciência social a respeito da importância da educação no


processo de construção das condições dignas da existência humana, impõe, hoje, na
agenda do Estado brasileiro, a necessidade de estabelecer em conjunto com os
movimentos sociais, as bases de uma política pública de educação, que efetive a
responsabilidade do poder público com a população do campo enquanto sujeito de
direitos, num espaço social, político e geográfico, em permanente transformação. Neste
sentido, a parceria com os movimentos sociais define uma configuração
reconhecidamente específica para a política em pauta.
Em primeiro lugar, trata a educação como direito humano e, ao fazê-lo, vai além
dos marcos legais. Estabelece o foco nos diversos modos de pertencimento às
comunidades, aos grupos, às classes sociais e ao mundo, apontando para uma forma de
sociabilidade ou modelo de convivência que, segundo Telles (1994), é regida pelo
reconhecimento do outro enquanto portador de interesses, demandas e valores legítimos
e, assim sendo, potencializa, além do pertencimento, a definição do tipo de sociedade no
interior da qual se pretende efetivar esta inclusão. Neste modelo, o campo é considerado
diverso e simultaneamente elo de unidade na complexa realidade brasileira, razão pela
qual a educação do campo é uma dimensão estruturadora da política nacional de
educação que incorpora, em seu âmbito, os espaços da floresta, da pecuária, das minas
e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras,
ribeirinhos e extrativista (Resolução n° 01-CEB/CNE, 2002).
Dessa forma, poder-se-ia identificar, de imediato, que a especificidade exige a
capacidade de reconhecer o diferente e o outro na condição de sujeito e, em decorrência,
elege como horizonte um modo de pertencimento que impede a transformação das
diferenças em efetivas desigualdades. Com esse entendimento, poder-se-ia afirmar que
a diferença e o pertencimento são aspectos de uma abordagem que acolhe o diverso
sem, contudo, perder a visão de totalidade, contrapondo-se à compreensão setorializada
e excludente que ainda predomina no debate sobre a inserção da educação do campo
numa proposta de desenvolvimento para o país (Caldart, 2004). De modo equivalente, a
Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, traduzindo o
pensamento da sociedade brasileira, em especial a compreensão dos movimentos
sociais, consultados a partir de seminários e audiências públicas, estabeleceu as
diretrizes para as escolas de educação básica no campo, reafirmando que o modo próprio
de vida social e de utilização do espaço do campo são fundamentais para a constituição
da identidade da população e da inserção cidadã na definição dos rumos da sociedade
brasileira.

61
Em função disso, ao tratar da identidade da escola do campo, as citadas diretrizes
contemplam o diverso sem descurar da perspectiva nacional, assegurando a unidade
mediante práticas, valores e discursos que enraízam o direito à igualdade, no seu
cotidiano. A propósito, transcrevemos alguns artigos da resolução que surgem de uma
crítica contundente às análises que procuram identificar problemas e sugerir soluções,
supondo incorretamente a homogeneização do espaço nacional e, portanto,
desconhecendo nos termos do pensamento de Dagnani (1994) que a afirmação da
diferença está vinculada à reivindicação do direito de que ela possa existir como tal, do
direito de que ela possa ser vivida sem que isso signifique o tratamento desigual, a
discriminação.
Art. 2°(...) Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela sua
vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de
ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de
projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da
vida coletiva do país.
 Art. 3°. O Poder Público, considerando a magnitude da importância da
educação escolar para o exercício da cidadania plena e para o
desenvolvimento de um país cujo paradigma tenha como referências a
justiça social, a solidariedade e o diálogo entre todos, independentemente
de sua inserção em áreas urbanas ou rurais, deverá garantir a
universalização do acesso da população do campo à Educação Básica e à
Educação Profissional de Nível Médio.
 Art. 4°. O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho
compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização
da educação escolar com qualidade social, constituir-se-á espaço público
de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para
o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social,
economicamente justo e ecologicamente sustentável.
 (...) Art. 10. O projeto institucional das escolas do campo, considerado o
estabelecido no artigo 14 da LDBEN, garantirá a gestão democrática,
constituindo mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre a
escola, a comunidade local, os movimentos sociais, os órgãos normativos
dos sistemas de ensino e os demais setores da sociedade.
Como se vê, a diversidade é fundamento básico de uma política pública de
educação do campo que tem como pretensão maior assegurar a mais ampla condição
de igualdade e bem-estar coletivo. Isto pressupõe homens e mulheres que, independente
de geração, etnia, raça, e gênero, entre outros, são sujeitos de iniciativas em defesa da
62
humanização de todos e, portanto, capazes de submeter seus interesses individuais aos
que são constitutivos do bem comum. Neste particular, cabe destacar o artigo 2° da
LDBEN (1996) quando estabelece a inspiração da educação nacional no princípio da
liberdade e nos ideais da solidariedade humana e coloca a sua finalidade no pleno
desenvolvimento do educando.
Assim procedendo, estimula vínculos e indica como eixo do projeto educativo, a
emancipação do isolamento que é próprio de um mundo de estranhos, remetendo
diretamente ao processo permanente de aprendizagem que advém do protagonismo
exercido no interior das lutas sociais pelos direitos. Sobre isto, Chauí (2001) registra que
a liberdade é a consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações, que
suscitadas por tais circunstâncias nos permitem ultrapassá-las. Quanto ao direito,
reafirma que é geral e universal, válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais
e sua instituição, na sociedade democrática, é dada pela abertura do campo social à
criação de direitos reais, à ampliação de direitos existentes e à criação de novos direitos.
Nesta perspectiva, todos são convocados à vida enquanto um território de
possibilidades de criação e recriação de novos e surpreendentes elementos para a
existência da humanidade, admitindo-se a provisoriedade da verdade e a reafirmação do
vínculo entre a história e o direito a ter direitos. Neste caso, fala-se da história que não
se repete nem tampouco é pré-determinada. O amanhã é sempre novo e o presente, ao
valorizar a liberdade, requer escolhas e aponta futuros que emergem da capacidade de
invenção e reinvenção que mobiliza a humanidade. Efetivadas as escolhas, o futuro, sem
sombra de dúvida, passa a ser a esperança do presente que se viabiliza a partir da
superação das condições de existência e que, embora não tenham sido necessariamente
criadas por cada um, no seu interior que se processam e conduzem as transformações
do universo.
Esta é a inspiração acolhida pelos movimentos sociais do campo quando fazem o
registro de que a educação na perspectiva dos direitos humanos é essencialmente
solidária, é um direito humano em si e, ao mesmo tempo, base para a realização de
outros direitos. Neste particular, propugnam uma sociedade aberta ao diverso e ao novo
nos termos das proposições que constam das declarações finais das Conferências
Nacionais de Educação do Campo e, mais recentemente, das estaduais, todas assinadas
por um conjunto de entidades articuladas em torno da garantia da educação do campo
sob a ótica do direito. Observe-se, por exemplo, que as proposições presentes no texto
da Declaração Final da II Conferência Nacional de Educação do Campo CNEC/04,
denunciam a grave situação educacional vivida pela população camponesa, evidenciam
o respeito à diversidade e insistem no esforço de construir a unidade necessária à luta
social que se contrapõe a um modelo de desenvolvimento baseado na concentração de
privilégios e na exclusão da maioria dos brasileiros. Além disso, pautam a educação do
63
campo na agenda política do país, definindo seus protagonistas e formulando
concepções de campo, desenvolvimento, educação e de política pública que fortalecem
os sujeitos coletivos e movimentos sociais.
A nossa caminhada se enraíza nos anos 60 do século passado, quando
movimentos sociais, sindicais e algumas pastorais passaram a desempenhar papel
determinante na formação política de lideranças do campo e na luta pela reivindicação
de direitos (...) (p.3) Respeitando a diversidade dos sujeitos que aqui representamos e,
ao mesmo tempo, construindo a unidade necessária para a tarefa que nos colocamos,
queremos aqui reafirmar o nosso compromisso coletivo com uma visão de campo, de
educação e de política pública (p.6). (...) Defendemos um tratamento específico da
educação do campo com dois argumentos básicos: - a importância da inclusão da
população do campo na política educacional brasileira, como condição de construção de
um projeto de educação, vinculado a um projeto de desenvolvimento nacional, soberano
e justo; na situação atual está inclusão somente poderá ser garantida através de uma
política pública específica de acesso e permanência e do projeto político pedagógico; - a
diversidade dos processos produtivos e culturais que são formadores dos sujeitos
humanos e sociais do campo que precisam ser compreendidos e considerados na
construção do projeto de educação do campo. (...) (p.8).
É por este caminho que se encontra a afinidade entre o que estabelece o artigo 1°
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as decisões a respeito dos espaços
de realização das ações educativas, agora definidos para além da chamada educação
doméstica e das instituições que integram os sistemas de ensino, nos seguintes termos:
 Art.1°. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais.
Isto posto, há que se atentar para uma política pública que propicie as mudanças
necessárias no quadro de atendimento escolar brasileiro, em especial, a superação das
desigualdades constatadas quando comparamos o perfil de escolarização da população
tomando como referência a sua residência no campo e na cidade. No primeiro, o
atendimento escolar na educação infantil e no ensino médio são insignificantes, acrescido
dos problemas decorrentes da ausência de condições de trabalho dos docentes, altos
índices de analfabetismo de jovens e adultos, baixos níveis de aprendizagem e
significativa taxa de distorção idade-série. A ausência de políticas públicas para
implementar a educação do campo como direito humano é evidente.

64
Fonte: redebrasilatual.com.br

Demonstra, segundo o MEC, o descaso dos dirigentes e as matrizes culturais


centradas no trabalho escravo, na concentração fundiária, no controle do poder político
pela oligarquia e nos modelos de cultura letrada europeia. Neste sentido, merece especial
destaque, o relatório nacional para o direito humano à educação que, apoiado nas
diretrizes operacionais para as escolas de educação básica do campo e, ao mesmo
tempo, aproximando-se do que propugnam os movimentos sociais, recomendam a
vinculação rigorosa entre a universalização da oferta pública da educação escolar, as
demandas sociais e culturais específicas das diversas regiões, rurais ou urbanas, e
adversidade dos seus públicos. Para tanto indica políticas próprias e afirmativas, sem
perder as características que conformam o povo brasileiro (Haddad, 2005).8

8
Texto Extraído em
http://www.contag.org.br/imagens/f298Educacao_como_%20Direito_Edla%20Soares.pdf
65
9 A QUESTÃO AGRÁRIA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO

A discussão sobre a questão agrária no Brasil é muito recente - se comparada ao


debate internacional - e somente aconteceu em sua forma diversa (ideias e teses
contrastantes que interpretavam a origem e a posse da terra) na década de 1960. Essa
discussão surgiu, segundo Stédile (2005), devido à necessidade política e sociológica
dos partidos e não ao devido desenvolvimento científico e acadêmico, que sempre foi
fruto da submissão colonial e que se encontrava impedido de desenvolver pesquisas e
um consolidado pensamento nacional.

Fonte: novaescola.org.br

Para o autor o conceito “questão agrária” é um conjunto de interpretações e


análises da realidade agrária, que procura explicar como se organiza a posse, a
propriedade, o uso e a utilização das terras na sociedade brasileira. Para a corrente
hegemônica de interpretação da evolução da questão agrária no Brasil, no período de
50.000 a.C. a 1.500 d.C., a ocupação do nosso território se deu através das correntes
migratórias que vieram da Ásia, cruzando o estreito do Alasca e ocupando todo o
continente americano, essa interpretação se consolida pelos vestígios humanos e
instrumentos localizados no Estado do Piauí que datam deste período. A historiografia
brasileira registra que as populações que habitavam nosso território viviam em
agrupamentos sociais, famílias, tribos, clãs, de maioria nômade, dedicando-se
basicamente à caça, à pesca, à extração de frutas, sendo que os bens naturais presentes
no território eram de uso coletivo e atendiam às necessidades de sobrevivência do grupo.

66
É de comum acordo nos debates da corrente hegemônica que a posse o uso do
território nesse contexto era coletivo e que se vivia no comunismo primitivo. Sobre o
período que vai de 1500 d.C. a 1850 d.C. existem, segundo Stédile (2005), teses e
registros históricos de que missões de outros povos, seja dos fenícios, dos árabes, dos
africanos e até mesmo de europeus, que chegaram ao nosso continente antes de 1500,
informações para além do registro oficial da descoberta e empoderamento realizado por
Cristóvão Colombo, em 1492. Com a invasão europeia e com a dominação e aculturação
dos povos originais os bens naturais aqui presentes foram submetidos à lógica e às leis
do capitalismo mercantil (período histórico já dominante na Europa), bem como a força
de trabalho se tornou a escrava. Todos os bens foram transformados em mercadoria e
enviados à metrópole, em pouco tempo os europeus perceberam que a alta fertilidade de
nossas terras era a principal fonte de exploração de produtos que antes eram obtidos em
territórios que não estavam sob seu domínio e pelos quais pagavam-se altos valores; 2
surgiram então os ciclos de exploração da cana de açúcar, do algodão, do gado, do café,
da pimenta do reino e do cacau, inundando o mercado europeu através de um modelo
agroexportador.
Quanto à organização da produção, para Stédile (2005), apesar das polêmicas
sobre o assunto, existe um consenso de que o modelo adotado para organizar as
unidades de produção agrícola foi o da plantation, que se caracteriza pela organização
da produção agrícola em grandes fazendas de áreas contínuas, priorizando as
monoculturas como as citadas acimas e de boa localização no território para facilitar a
exportação pelos portos. Apesar da utilização da mão de obra escrava, em termos de
tecnologia os engenhos utilizavam o que havia me mais avançado para aumentar a
produção/lucros e diminuir os custos; a propriedade da terra era da Monarquia e
gerenciada pela coroa, o que não caracterizava a propriedade da terra como capitalista,
pois não havia propriedade privada. Para Stédile (2005) a relação desse sistema com o
capitalismo residia no modelo agroexportador que para estimular o investimento do
capital na produção das mercadorias, concedeu o uso de enormes extensões de terra
para a produção de mercadorias para exportação.
Para o autor, a “concessão de uso” era dada por direito hereditário, sendo que os
herdeiros do fazendeiro poderiam continuar com a posse das terras e com a sua
exploração, ao mesmo tempo não lhes era garantido o direito de vender as terras, ou
mesmo de comprar terras vizinhas, em suma não havia propriedade privada das terras e
as terras ainda não eram mercadorias (Stédile, 2005). Podemos notadamente afirmar
como demonstra Stédile (2005), que a adoção do modelo agroexportador sob a lógica da
plantation foi um genocídio do povo brasileiro, o autor mostra que em 1500 existiam
aproximadamente 5 milhões de pessoas em nosso território, ou seja, um grande
massacre da população indígena, da população negra trazida da África, pelo colonizador

67
europeu. Devido às pressões inglesas para a substituição do trabalho escravo por
trabalho assalariado e com a abolição da escravidão, surge em 1850 a primeira lei de
terras no país que garantia a propriedade privada, não permitindo que os negros libertos
se apossassem das mesmas, nem que se tornassem pequenos camponeses, pois para
a compra de propriedades no Brasil era necessário que se pagasse uma parcela para a
coroa.
Essa conjuntura refletia a crise do trabalho escravo e inaugurava o período que
vai de 1850 a 1930, no qual os escravos continuaram sob o domínio dos fazendeiros só
que agora como assalariados. Após a promulgação da Lei Áurea de 1888 estima-se que
quase dois milhões de ex-escravos (Stédile, 2005) abandonaram o trabalho agrícola e
migraram 3 para as cidades em busca de alternativas para vender a força de trabalho,
ao mesmo tempo que buscavam territórios nas cidades, os ex-escravos eram proibidos
pela lei de terras de se apossarem de terrenos que já eram propriedade privada dos
capitalistas, surgindo assim, as primeiras favelas presentes nas grandes cidades e suas
comunidades. Como estratégia para repor a mão de obra escrava, as elites realizaram
uma forte propaganda na Europa no período de 1875 a 1914 atraindo cerca de 1,6
milhões de camponeses renegados pelo avanço do capitalismo para o trabalho agrícola
das grandes propriedades, para Stédile (2005) o número de imigrantes europeus coincide
com as últimas estatísticas de trabalhadores escravizados. Parte desses imigrantes
foram para a região sul do país e outra parte para São Paulo e Rio de Janeiro,
estabelecendo o regime de produção sob a forma de colonato, no qual recebiam as
lavouras de café prontas, casa, direito de moradia e direito de plantar outros produtos
para sua subsistência, recebendo o pagamento em forma de café que poderia ser
vendido.

Fonte: redebrasilatual.com.br/

68
O campesinato brasileiro teve então sua origem em duas formações, a primeira
mencionada acima, inseriu milhares de camponeses pobres europeus no trabalho
agrícola nas regiões Sudeste e Sul, já a segunda formação é relativa à miscigenação das
populações branca, indígena, e negra presentes no processo de colonização. A crise do
modelo agroexportador e a migração de camponeses europeus seguiu até a primeira
guerra mundial, e foi nesse contexto que surgiu o campesinato brasileiro. No período
subsequente ocorreram mudanças significativas para a questão agrária no Brasil, a crise
da República Velha havia se prolongado ao longo da década de 1920, os seus expoentes
políticos vinham perdendo força com a mobilização do trabalhador industrial e com as
dissidências políticas que enfraqueceram as grandes oligarquias. Esses acontecimentos
ameaçaram a estabilidade da tradicional aliança rural entre os estados de São Paulo e
Minas Gerais (a política do café com leite) e no ano de 1930 setores da elite da nascente
burguesia industrial fizeram uma "revolução" política provocando a queda da republica
velha e tomando o poder da oligarquia rural exportadora e impondo um novo modelo
econômico para o país.

9.1 A educação no Brasil e a sua relação com a questão agrária

No contexto de transição da república no Brasil, a república velha se encarregou


de inserir o país no processo de modernidade do século XX, “escolarizando” o povo
brasileiro e criando uma alavanca para o progresso; esse movimento tinha como intenção
inserir o Brasil na disputa econômica junto às grandes potências da época. Neste
contexto “escolarizar” significava abrir mão da escolaridade formal que era exclusividade
das classes elevadas e leva-la às classes médias e inferiores do meio urbano. Para Leite
(1999), essa transição já dava sinais desde antes do final do império quando um número
significativo de congregações religiosas instalou escolas de ensino médio nas principais
províncias. Apesar das inspirações positivistas da república, não se desenvolveram
políticas educacionais destinadas à escolarização rural devido ao maior interesse das
elites na formação do operariado e de experiências urbanas.
Para Florestan Fernandes (1973) surge nesse contexto de criação de um novo
modelo econômico, a industrialização dependente, que se explica pela condição de não
romper política e economicamente a dependência com países desenvolvidos, nem
romper o vínculo com a oligarquia rural brasileira, mas criandose um novo cenário, de
subordinação da agricultura à lógica da indústria. Stédile (2005) aponta que alguns
estudiosos chamaram esse período de “projeto nacional desenvolvimentista” e de “Era
Vargas”, pois a coordenação política foi executada por Getúlio Vargas, que governou o
país de 1930 a 1945.

69
Fonte: slideplayer.com.br

Ao mesmo tempo em que se modificou a correlação de forças entre a burguesia


nascente e a oligarquia, a posse das terras e a produção para a exportação ainda era
das oligarquias, perdendo somente a força política que antes detinham, isso se deve ao
fato de que a burguesia industrial brasileira se originou das oligarquias e possuía origem
vinculada à acumulação das exportações do período colonial. Para a consolidação do
processo industrial no Brasil necessitava-se importar máquinas, tecnologia e mão de obra
operária o que, segundo Stédile (2005), gerava dividas justificava a consequente
dependência, nesse contexto surge também a necessidade de uma indústria para a
agricultura que importasse insumos, ferramentas, máquinas, adubos, venenos, criando-
se então a agroindústria e consequentemente uma burguesia agrária.
A agroindústria dinamizou e criou também um mercado interno incorporando os
camponeses à indústria e ao mercado. Nesse contexto os camponeses passaram a
fornecer mão de obra barata para as indústrias, passaram pelo processo de êxodo rural
e de proletarização, consequência da lógica capitalista que desestimulou os filhos de
camponeses a sonharem em se reproduzir socialmente enquanto classe camponesa e
se desestimulassem com a sua permanência no campo. A educação brasileira só deu
sinais de preocupação com o rural neste momento, face ao grande movimento migratório
dos rurícolas (nos anos de 19101920) para as grandes cidades em busca de emprego e
está representada pela corrente do Ruralismo Pedagógico que defendia as virtudes do
campo e da vida campesina, mascarando a sua maior preocupação, o esvaziamento

70
populacional das áreas rurais e a possível oposição à movimentação progressista urbana
(Maia, 1982).
Essa corrente permaneceu até a década de 1930 ainda fortemente ligada às
origens coloniais e somente após as transformações mais profundas do modelo
agroexportador é que a educação no Brasil deu alguns sinais de mudanças. Frente as
forças liberais da década de 1930 algumas mudanças são incorporadas na sociedade
brasileira seguindo os moldes do estado de bem-estar social, onde o estado é o promotor
da vida social e organizador da economia, implementando a noção de direitos e
participação da população. Essas mudanças estão fortemente presentes na constituição
de 1934 e foram “incrementadas” de forma nacionalista no período Vargas, reforçando a
consolidação de um processo de industrialização de base, possibilitando o equilíbrio
social e sustentando a condução do Estado Novo.
Nesse contexto a escolarização ganha nova função, passa a ser suporte para a
industrialização, mas não tem olhares voltados para o processo de educação rural, ainda
está ligada ao desenvolvimento de sujeitos para o trabalho urbano (capacitação
profissional) e sujeitos que permaneçam no campo, ou seja, ainda era de caráter ruralista
pedagógica. Apesar da pouca atenção para a educação rural nesse período existem dois
momentos marcantes, foi criada em 1937 a Sociedade Brasileira de Educação Rural que
tinha como meta a preservação da cultura, da arte e do folclore rural e em 1942 durante
o VIII Congresso Brasileiro de Educação, foram reforçadas as tendências ruralistas
pedagógicas e as tendências nacionalistas-burguesas do Estado Novo. Com o fim da II
Guerra e do Estado Novo e com surgimento da tendência de redemocratização,
solidificou-se ainda mais a influência da política externa norte americana e criou-se no
Brasil a CBAR – Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais
que tinha como programa a implantação de projetos na zona rural brasileira para o
desenvolvimento de comunidades camponesas, trazendo através de centros de ensino,
conhecimentos técnicos aos camponeses, criando conselhos, clubes e representações
camponesas. Esse tipo de ação tinha por finalidade organizar o campesinato brasileiro
de acordo com os padrões norte-americanos - nesse caso o padrão Farmer - no 6 qual
os camponeses passariam a produzir em grandes propriedades voltadas para a
exportação.
O governo brasileiro possuía fortes alianças com os Estados Unidos,
emblematicamente representadas pela Inter American Foundation Inc. que propunha a
criação de missões rurais, que segundo Ammann (1991) funcionavam como missões que
realizavam o adestramento de brasileiros naquele país e pela Associação de Crédito e
Assistência Rural (ACAR) a qual se transformou em EMATER após alguns anos, famosa
pelos programas de extensão rural. Observamos que a criação do novo modelo
econômico brasileiro ocorreu necessariamente segundo as coordenações políticas e
71
influencias intelectuais do modelo norte-americano, ligadas ao ideal de bem-estar social
e desenvolvimento assegurados pelo Estado, com o propósito de ensinar a “ajudar” as
famílias camponesas a “ajudarem” a si mesmas usando tecnologia para conseguir uma
maior produtividade e atingirem os padrões de bem-estar, incorporando
consequentemente o modelo liberal no Brasil.
A extensão rural tinha como princípio o combate à carência, às doenças, à
subnutrição e à ignorância dos classificados como desprovidos de valores, trabalho e de
integração à sociedade, assistindo e protegendo a população rural. Ampliar e melhorar
as condições de vida do campo é uma questão política e ideológica na medida em que
ela silencia as possíveis forças camponesas revolucionárias que nesse contexto
poderiam se rebelar frente ao imperialismo no Brasil. A partir dos anos 1950 crescem no
Brasil as atividades educacionais voltadas para a população rural, temos a Campanha
Nacional de Educação Rural (CNER) e o Serviço Social Rural (SSR) que continuam
seguindo o modelo extensionista visando construir um desenvolvimento comunitário no
campo e desconsiderando as contradições naturais dos grupos campesinos.
Para Leite (1999) apesar dos esforços dessas organizações para manter o homem
no campo, intensificaram-se os fluxos migratórios para as grandes cidades nos anos
subsequentes. Com a criação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nos
anos 1960, reforçou-se ainda mais as contradições da educação no Brasil, para Freitag
(1980) apesar da lei possuir elementos populistas ela não deixava seu caráter elitista de
lado e explicitava claramente a relação de dependência e subordina 7 populares que se
organizavam e se solidificavam enquanto grupos que lutavam por seus interesses. Em
todos os momentos em que surgia na sociedade brasileira uma nova força resistente no
campo ou na cidade, em contraposição, era criado e executado mais um programa norte
americano; nesse momento criou-se a Aliança para o Progresso que tinha como objetivo
reajustar a estrutura econômica da américa latina através de um programa assistencial
que não modificava nem um pouco a relação de dependência em relação aos Estados
Unidos.
O programa servia como ferramenta de controle para que o presidente norte
americano em exercício John F. Kennedy, conseguisse manter o nível de bem-estar
social no país e diminuísse as possíveis contradições sociais que impulsionavam as
ideologias comunistas. Nesse momento criou-se as superintendências para o
desenvolvimento do Nordeste e do Sul, SUDENE, SUDESUL, INBRA, INDA e o INCRA
e outros subprogramas que estavam preocupados com o desenvolvimento territorial das
áreas agrícolas, trabalhando questões políticas (como a educação e a organização de
camponeses) e questões econômicas (como o aumento da produção) que
fundamentalmente serviam para controlar os movimentos migratórios e as rebeliões
camponesas. A partir dos anos 1960 consolida-se então no Brasil uma agricultura
72
capitalista moderna e um setor camponês completamente subordinado aos interesses do
capital industrial. Esse período é marcado pelo caráter monopolista ou imperialista do
capital, no qual se desenvolveu de forma abrangente a tecnologia e a ciência, construindo
novos polos de concentração de renda e conhecimento, grandes indústrias ligadas a
grandes centros de estudo e pesquisa.
Com a formação de grandes conglomerados financeiros e industriais, aumentou-
se ainda mais a dependência dos países pobres através da dívida externa e o
endividamento gerado pela lógica da industrialização dependente, como mencionado
acima, para Florestan Fernandes (1973), a implantação de uma política neocolonial. Nos
anos subsequentes no Brasil temos a entrada do governo militar que solidificou ainda
mais a dependência e a aproximação brasileira ao fundo monetário internacional, temos
a agravação das ondas de migração e o desenvolvimento do milagre econômico, fatores
que coordenaram as ações voltadas para a construção do rural neste momento. A
extensão rural consolidou a sua ideologia e substituiu os professores do ensino formal no
campo, pelo técnico e pelo extensionista - subsidiados pela organização norte americana
Inter-American Foundation; esse cenário, tanto no campo quanto na cidade, demonstra
a 8 preocupação com a educação de sujeitos para minimamente operarem máquinas e
executarem tarefas técnicas para se inserirem no mercado de trabalho, retirando o
conteúdo de reflexão crítica e uma pedagogia na qual poderiam se criar sujeitos para
construir e modificar a sua sociedade.
Podemos dizer então que a nova estruturação curricular partiu das mesmas
premissas tanto para o campo quanto para a cidade, buscando educar os sujeitos para o
trabalho capitalista. A lei 5.692 elaborada pelos governos militares, conferia poderes
municipais para cuidar das escolas rurais e acentuava a profissionalização pelo ensino,
ou seja, considerava a formação de um exército de reserva para o processo produtivo
cada vez mais sofisticado e elaborado. Os movimentos sociais percebendo os problemas
da educação no Brasil buscaram outras formas de educação, utilizando-se da
metodologia de Paulo Freire o Movimento de Educação de Base (MEB) popularizou a
alfabetização de diversos sujeitos nas comunidades rurais utilizando seu próprio
repertório cultural e simbólico. Essa metodologia possuía também um forte caráter
combatente, conscientizando os sujeitos das pressões advindas do capitalismo
exploratório. Para a manutenção de um estado de bem-estar social o estado brasileiro
continuou criando programas para vincular capital, trabalho e educação.

73
Fonte: jornalistaslivres.org

O Programa nacional de Ações Socioeducativas e Culturais para o meio rural


(Pronasec) instituído pelo governo militar trabalhava com a participação da comunidade,
com a ampliação das oportunidades de renda, de suas manifestações culturais e visava
a inclusão dessas pessoas na previdência social e no ensino formal. Porém, na prática,
o programa não se preocupava com a formação urbana dos professores que lecionavam
no campo, não se preocupava com a inadequação do material didático e com as precárias
instalações da escola no campo. O programa nada mais foi do que um agravante da
precarização das relações entre trabalho e educação. Nesse momento a política
educacional teve seu discurso mudado, vinculado a participação e à redistribuição de
renda, elementos chaves na tentativa de o Estado garantir a sua legitimidade, mas que
foram inúteis, já que não foram cumpridas em decorrência do quadro de crise que
impulsionava cada vez mais o governo.
Em 1975 o ensino sofreu uma municipalização, ou seja, os encargos educacionais
do 1º grau como previa a lei 5692/71 foram transferidos aos municípios, com a justificativa
de que somente o governo municipal tinha condições de identificar as necessidades de
sua população, e assim transpor a educação tradicional e criasse uma que equalizasse
as oportunidades, promovesse a 9 ascensão social e proporcionasse um planejamento
participativo que permitisse o desenvolvimento de suas ações. O governo militar para
manter sua hegemonia perante a sociedade brasileira, criou políticas de redistribuição de
renda e de participação da população na formulação de uma sociedade democrática com
acesso livre a oportunidades, isso ocorreu pela necessidade de legitimidade por parte do
Estado frente às manifestações das elites contra a ditadura.

74
A educação, neste quadro, foi colocada pelo governo como a “salvadora da pátria”
aquela que teria o poder de modificar a vida social brasileira, já que era vista como a
propulsora de ascensão social, mas que era enfatizada que dependia da força de vontade
de cada indivíduo. Sobre a educação durante o regime militar é claro, segundo Leite
(1999), que o sistema escolar controlado pela ideologia de caserna limitou-se aos
ensinamentos mínimos e necessários para a garantia do modelo capitalista-dependente
e dos elementos básicos de segurança nacional. No período subsequente, com o término
do regime militar, são importantes as mudanças trazidas pela LDB de 1996 para a
educação, que em partes, descolou o ensino rural do ensino urbano, tornando o
calendário escolar rural mais adequado às peculiaridades locais, climáticas, econômicas,
respeitando o sistema de ensino sem reduzir o número de horas previsto nessa lei e
favorecendo a escolaridade rural com base no tempo do plantio/colheita com as
dimensões sócio culturais do campo.
Para Leite (1999) essa nova concepção difere consubstancialmente do modelo
militar pela sua consciência ecológica, pelo seu interesse na preservação dos valores
culturais e das práxis rurais juntamente à ação política dos rurícolas. Para o autor, apesar
da legitimação através da lei de novos parâmetros para a educação rural, ainda existem
diversos problemas na escola rural até os dias de hoje, problemas que surgiram e que
permanecem desde o início do modelo urbano/industrial de educação, dentre esses
fatores estão as condições estruturais da escola no campo, a formação urbana dos
professores que não estão preparados para lidar com outras práticas culturais e
temporais, as distâncias percorridas pelos alunos para se locomoverem até as escolas,
a não participação dos rurícolas na elaboração do currículo das escolas – o que
consequentemente gera um currículo inadequado e inadaptado para essas realidades e
a ausência de recursos financeiros para a escola rural.9

9
Texto Extraído de
http://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2014/jornadadeestudosagrarios/lacerra_bruno_simonetti_mir
ian.pdf
75
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