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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Núcleo de Educação Aberta e a Distância

Culturas e história dos


povos indígenas

Adriana V. G. Hartuwig
Arlete M. P. Schubert
Kalna Mareto Teao
Klítia Loureiro
Maria das Graças Cota
Marluce L. S. Lopes

Vitória
2011
Apresentação

Esse fascículo insere-se nas atividades acadêmicas e gestos, convenções e práticas sociais discriminatórias.
de extensão de um projeto que emerge no bojo do O Brasil tem conquistado importantes resultados na
Programa da Rede de Educação para a Diversidade da ampliação do acesso e no exercício dos direitos, por
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, parte de seus cidadãos. Mesmo assim, sob vários as-
Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC/UAB) que pro- pectos, temos muitos desafios a superar e avanços a
põe a formação de educadores, gestores educacionais conquistar no que tange ao respeito e valorização da
e profissionais da educação nas áreas da culturas e diversidade que fundamenta a dignidade da pessoa
histórias dos povos indígenas. Isso acontece por meio humana, a vida, a integridade e o apreço pelas for-
da promoção do curso de extensão (nível de apefei- mas de manifestação e expressão da cultura em suas
çoamento) Formação de Professores na temática mais variadas modalidades. Enfrentar toda a sorte
culturas e histórias dos povos indígenas, na mo- de preconceito, discriminação e violência é um des-
dalidade a distância, com carga horária de 240 horas. ses desafios que inegavelmente deve perpassar toda
O curso visa contribuir para a formação continuada a educação. As discriminações e violências étnicas
de professores da educação básica da rede pública de são produções e reproduções históricas que ocorrem
ensino do Estado do Espírito Santo. Uma das metas em todos os espaços sociais, e a escola não fica de
é acender nos professores a fagulha do desejo pelo fora. Esse fascículo tem como objetivo ser uma me-
dabate à essa significativa temática, tornando-os ca- diação entre a produção acadêmica e os promotores
pazes de compreender os temas da diversidade, das da educação básica, no sistema público de ensino e,
culturas e histórias dos povos indígenas e dessa forma dessa forma, contribuir para o desvelamento do véu
contribuir com uma possível transformação da prática de maia que cobre a capacidade de reflexão e crítica
pedagógica, na tentativa de enfrentar e diluir os pre- em relação a todo e quaisquer tipo de manifestações,
conceitos arraigados no cotidiano escolar. práticas e comportamentos preconceituosos e discri-
Ainda que neste início de século XXI, e durante minatórios que ainda insistem em orientar a existên-
todo o século XX, as lutas contra discriminação étnica, cia de milhares de pessoas na sociedade brasileira.
e pelo respeito à diversidade tenham sido incessan-
tes e constantes, verifica-se, em todas as sociedades, Robson Loureiro
Sumário

5
1 Índios, povos indígenas e termos correlatos

21
2 Poder e desigualdade:
assimetria nas relações interétnicas

39
3 História dos povos indígenas do Brasil

77
4 Cultura(s) e interculturalidade: conceitos e
perspectivas de construção de saberes

97
5 Classificação dos povos indígenas pela
diversidade linguística: troncos e famílias linguísticas

113
6 Os direitos dos povos indígenas no Brasil

133
7 Sociodiversidade indígena no Brasil:
onde estão e quais são os povos indígenas

161
8 Territorialidade e povos indígenas:
dados gerais sobre a demografia indígena

177
9 O movimento indigenista e o movimento indígena no BRASIL:
o caso Tupinikim e Guarani no Espírito Santo
1
Índios, povos indígenas e
termos correlatos1
Maria das Graças Cota2

Objetivos

Apropriar-se da terminologia utilizada para conhecer os povos indígenas; identifi-


car as implicações políticas do uso dos conceitos índios, povos indígenas, nações
indígenas, tribo, grupo indígena, sociedade indígenas etc; compreender o contexto
sócio-histórico e político, no Brasil e no mundo, do uso desses conceitos; relacionar
o uso desses diferentes termos às lutas das organizações indígenas e indigenistas
pela garantia dos direitos indígenas, no Brasil e no mundo.

Uma aproximação inicial

Durante o processo de aprendizagem da linguagem, nós humanos nos apropriamos de


conceitos que passamos a utilizar para nomear e definir tudo a nossa volta: objetos,
sentimentos, pessoas, plantas, animais etc. O processo de escolarização nos permite
1
Texto formulado a partir do
dar um salto qualitativo no emprego desses conceitos, uma vez que passamos não
capítulo IV da tese de doutorado:
somente a usá-los, mas também a defini-los. O processo de escolarização contribui COTA, M.G. O Processo de Escolari-
também para que possamos nos apropriar de muitos outros conceitos e também com- zação dos Guarani do Espírito San-
to. UFES/PPGE, 2008. Orientadora
preender as implicações histórico-sociais do emprego um ou outro conceito.
Regina Helena Silva Simões.
Nesse sentido, é possível afirmar que a alfabetização, que acontece em língua
portuguesa, possibilita a apreensão de diversos conhecimentos acessíveis nesse idio- 2
Doutora em Educação/Ufes.

7
ma. São saberes escolarizados, tais como as artes, a matemática, as ciências etc.
Por isso, por meio do processo de escolarização é possível criar as condições de
possibilidade para que, no espaço e tempo da escola, aconteça o aprofundamento
de conceitos que, anteriormente, a pessoa já possui e, também, para a apropriação
de outros, que estão relacionados às diversas áreas do conhecimento. Em outras
palavras, a escola é o lócus privilegiado para ampliar o repertório cultural dos alunos.
Assim sendo, propomos a você um exercício de aprofundamento teórico acerca
de alguns conceitos: índio, povo indígena, entre outros. Para isso, antes de ler o
texto a seguir, registre por escrito como você define índio, ou seja, ao conhecer uma
pessoa como você faria para chegar à conclusão se ela é ou não indígena?
Faça esta mesma indagação para três pessoas do seu convívio (alunos, familiares,
amigos) e registre as respostas por escrito.
Em seguida, leia o texto proposto e compare as representações que você registrou
acerca da definição de índio com as definições apresentadas pelo texto.

Resumo

Este texto objetiva analisar a terminologia utilizada para definir índios, povos indíge-
nas e outros termos correlatos tais como: silvícolas, tribos, grupos indígenas, nações
indígenas, sociedades indígenas etc. Para tal exercício, optou-se por uma análise políti-
co-histórica dessa terminologia, identificando o contexto sócio-histórico e político do
da constituição desses conceitos, assim como as implicações dos seus usos e desusos.

Introdução

Uma das preocupações metodológicas que se tem no campo das Ciências Sociais é a
definição dos conceitos com os quais se está trabalhando, uma vez que, a maior parte
desses conceitos é polissêmica, ou seja, tem mais de um sentido. Na afirmação “isto é
programa de índio”, a palavra índio tem uma conotação diferente daquela encontrada
na afirmação “A FUNAI confirmou a identidade étnica dos índios Tupinikim.”
Além disso, uma mesma situação pode ser definida de diferentes maneiras, de-
pendendo do contexto histórico-político em que se realiza. Os índios brasileiros se

8
autodefinem como “povos”, ou seja, povo Tupinikim, povo Guarani. Já o Estado, os
define como tribos, grupos indígenas, ou sociedades indígenas.
Levando em consideração essas situações, é que propomos analisar de um pon-
to de vista histórico-político os conceitos de índio, de povo indígena, de nação
indígena e também de termos correlatos como: silvícolas, tribos, grupos indígenas,
sociedades indígenas etc.
Os usos e desusos que são feitos desses termos estão diretamente relacionados às
concepções que se tem de cultura, Estado, Nação, soberania nacional e dos direitos dos
povos indígenas. A categoria índio é um termo genérico, que foi criado pelos europeus,
para designar os diferentes povos que viviam na América, uma vez que Cristóvão Co-
lombo e outros exploradores pensavam que haviam chegado à Índia. Por sua vez, cabe
ressaltar que esses povos não se autodenominavam índios, mas sim Tupinikim, Guarani,
Pataxó, Mapuche, Maia etc. Séculos mais tarde, esses povos acabaram incorporando esse
termo para demarcar a diferença entre eles próprios e o restante da sociedade.
De acordo com Silva (1999), o termo índio passou a ter um significado
relacionado à descoberta das semelhanças que unem os diversos grupos indígenas e
à distância que os separa das sociedades nacionais. O mesmo ponto de vista é com-
partilhado por Durham (1983), para quem, na medida em que os povos indígenas se
apropriam da categoria índio, estão no caminho de construir uma nova identidade
coletiva e constituírem-se efetivamente como minoria étnica, emergindo assim como
atores políticos coletivos (DURHAM, 1983, pág. 135).
Darcy Ribeiro (1997) utiliza o conceito de índio baseado no critério da autoi-
dentificação étnica:

[...] indígena é aquela parcela da população que apresenta problemas de inadaptação


à sociedade brasileira, motivados pela conservação de costumes, hábitos ou meras leal-
dades que a vinculam a uma tradição pré-colonial. Ou ainda mais amplamente: índio é
todo individua reconhecido como membro por uma comunidade pré-colombiana que se
identifica como etnicamente diversa da colonial e é considerada indígena pela popula-
ção brasileira com que está em contato (RIBEIRO 1987, p. 26).

No Brasil, a Lei n° 6001 de 19 de dezembro de 1983, que se encontra ainda


em vigor e que dispõe sobre o Estatuto do Índio, define em seu artigo 3° índio ou
silvícola como: “[...] todo indivíduo de origem e ascendência precolombiana que se

9
identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características
culturais o distinguem da sociedade nacional”.
Ainda segundo esse documento, quanto ao grau de integração à sociedade na-
cional, os índios são divididos em três categorias: isolados, em vias de integração e
integrados. Assim sendo, qualquer índio que já se encontra totalmente integrado à
“sociedade nacional”, mas que conserve usos, costumes e tradições características da
sua cultura, continua sendo considerado índio.
De acordo com Oliveira (1993), essas definições de índio retratam o estereótipo
de índio cristalizado em nossa sociedade.

Há um uso muito difuso e generalizado do termo índio, materializado nas definições de


dicionário, expresso na fala cotidiana, no imaginário popular, na literatura e nas falas
eruditas, enraizando-se inclusive no pensamento científico [...] Os elementos fixos que
compõem tal representação propiciam tanto a articulação de um discurso romântico,
onde a natureza humana aflora com mais propriedade no homem primitivo, quanto na
visão do selvagem cruel e repulsivo [...] Melhor seria pensá-los como povos indígenas,
como objetos de direito e como sujeitos políticos coletivos, distanciando-se do mito
da primitividade e das improcedentes cobranças que o senso comum instiga a cada
momento (OLIVEIRA, 1993, p. 5).

A partir da segunda metade do século XX, os povos indígenas passaram a lutar


para ter suas culturas reconhecidas não como estágios inferiores da “cultura oci-
dental”, como pregavam os positivistas, mas sim, como culturas diferentes. Além do
reconhecimento ao direito à diversidade cultural, os indígenas lutam também pelo
direito à terra que tradicionalmente ocupam, por sistemas de saúde e de educação
escolar que respeitem seus conhecimentos, línguas e formas de aprendizagem.
Essa mudança trouxe implicações na forma de relacionamento do Estado com
essas sociedades e para o processo de institucionalização de políticas públicas
que garantam os direitos dos povos indígenas. Os direitos dos povos indígenas
encontram-se atualmente incluídos como parte dos direitos sociais na Constitui-
ção de diversos países, além de estarem presentes como tema nas declarações e
convênios internacionais e incorporados às metas de políticas públicas em muitos
países da América Latina.
A institucionalização dos direitos indígenas é produto de influências de vá-

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rios níveis, desde as locais, ligadas aos movimentos ambientais e sociais, até as
internacionais. Uma das principais características da luta dos povos indígenas em
todo o mundo é o clamor por direito em diversos aspectos: educação específica e
diferenciada, reconhecimento da diversidade étnica, propriedade coletiva da terra
e assistência médica. Em outras palavras, a luta dos povos indígenas se realiza pelo
reconhecimento da diversidade e também pelo combate às desigualdades sociais,
que por séculos têm submetido os índios e outros segmentos da sociedade à situ-
ações de pobreza e de violência.
Os povos indígenas, vítimas das discriminações sociais e culturais vêm, cada vez
mais, se organizando para lutar contra a ideologia que os declara ausentes e contra
as práticas que os oprimem, que os consideram presenças desvalorizadas, provocan-
do assim a crise final das democracias de baixa intensidade.

Os agentes dessas lutas distinguem-se dos seus antecessores por duas razões. Em pri-
meiro lugar, empenham-se na luta simultânea pela igualdade e pelo reconhecimento da
diferença. Reivindicam o direito de ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direi-
to de ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza. Em segundo lugar, apostam
em soluções institucionais dentro e fora do Estado para que o reconhecimento dos dois
princípios seja efetivo (SANTOS, 2006, p. 1).

No pleito pelos seus direitos, os povos indígenas da América Latina têm rea-
lizado encontros para discutir seus problemas, ampliar as suas alianças e traçar
novas estratégias de luta, fortalecendo as redes de comunicação e solidariedade.
Durante esses encontros são reivindicados direitos à educação como marco da
diversidade e da cidadania.
A IV Assembleia Geral do Conselho Mundial dos Povos Indígenas, ocorrida no
Panamá, em 1986, adotou a Declaração de Princípios, segundo a qual os povos
indígenas têm o direito de receber educação escolar em sua própria língua ou de
estabelecer suas próprias instituições educacionais. O Encontro sobre o Direito Com-
parativo Indígena na América, realizado em Quito, em 1990, teve como uma de suas
reivindicações o estabelecimento de Programas de Educação Bilíngue e Intercultural
também para as populações não indígenas (MONTE, 2001, p. 49).
Em 2004, aconteceu em Quito, Equador, o II Encontro Continental dos Povos
Indígenas das Américas, no qual estiveram presentes 600 lideranças representativas

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de povos indígenas. Nesse encontro, foram abordados os seguintes temas: terras,
territórios e recursos naturais; autonomia e livre autodeterminação; diversidade e
pluralidade; conhecimentos indígenas e propriedade intelectual; direitos indígenas
e organismos multilaterais; nacionalidades e povos indígenas; movimentos sociais e
Fórum Social Mundial; mulheres indígenas; educação escolar; participação política e
governos alternativos e militarização (BITTENCOURT; DANTAS, 2004, p.1).
Em outubro de 2006, aconteceu, em La Paz, Bolívia, o Encontro Continental de
Povos e Nacionalidades Indígenas de Abya Yala (América Latina), cujo tema foi “Da
resistência ao poder”. Milhares de indígenas de países como Colômbia, Argentina,
Equador, Canadá, Venezuela, Panamá, Nicarágua, México, Guatemala e Chile discu-
tiram diversos temas, como: soberania e governo; análise dos direitos internacionais
indígenas; identidade e convivência; culturas, educação e línguas; organização e
perspectivas econômicas; dívidas históricas, sociais e ecológicas; juventude e com-
plementação homem-mulher no processo de mudança; alianças estratégicas e co-
municação indígena (DA RESISTÊNCIA, Acesso em 11 de outubro, 2006).
Outro encontro de representantes de povos indígenas, realizado em 2006, acon-
teceu na cidade de Buenos Aires na Argentina, quando se reuniram representantes
do Chile, da Bolívia, do Brasil, do Peru, da Colômbia, do Panamá e do México, com
o objetivo de compartilhar experiências e analisar o contexto da comunicação entre
os diversos povos indígenas do continente americano.
Os direitos indígenas instituídos não foram ainda materializados por meio das
práticas governamentais, porém não restam dúvidas de que os povos indígenas al-
cançaram um novo patamar, em suas relações entre si e com o Estado. Outro aspecto
interessante da luta dos povos indígenas é que, apesar de todas as dificuldades e da
exclusão, os líderes indígenas da América Latina têm-se apropriado de novos espaços
políticos, pondo fim a governos e influenciando nas esferas de poder local e parlamen-
tar. Os movimentos indígenas da América Latina derrubaram os presidentes da Bolívia
e do Peru, desenvolveram novos caminhos nos processos políticos e ocuparam diversos
cargos em parlamentos, ministérios e prefeituras (CEVALLOS, 2004, p. 4).
Os resultados da última eleição presidencial da Bolívia, realizada em dezembro de 2005,
surpreenderam o mundo inteiro com a eleição do líder indígena Evo Morales e intelectual
Álvaro Garcia, obtiveram 1,535 milhões de votos, o que correspondeu a 53,7% dos votos
válidos, vencendo o candidato da oposição, Jorge Quiroga, que obteve 819 mil votos.
No México, em que há dez milhões de indígenas, o Exército Zapatista de Liber-

12
tação Nacional, integrado em sua maioria por nativos, pegou em armas no início de
1994 para reclamar democracia, política eleitoral e justiça para os povos originários.
Graças a esse e outros fatores que afetaram o sistema político dominado, desde
1929, pelo Partido Revolucionário Institucional, o governo do México iniciou em
2000 a construção de um sistema eleitoral mais transparente. Graças à luta dos
zapatistas, o sistema político do México passou por uma ampla reforma em 2001,
assegurando assim vários direitos aos povos indígenas daquele país.
Na Guatemala, durante os anos 70 e 80 do século XX, os indígenas sofreram uma
dura repressão política, o que custou centenas de milhares de vidas. Porém, com o
passar dos anos, os povos indígenas conseguiram representatividade no governo:17
dos 113 deputados que atuavam em 2006, nesse país, eram indígenas; uma nativa
era ministra de Estado e outros cinco eram vice-ministros. Além disso, 106 dos 331
municípios eram dirigidos por indígenas. Essas conquistas seriam impensáveis menos
de uma década atrás nesse país centro-americano.
Além das redes locais e internacionais relacionadas aos movimentos indígenas,
outros tipos de redes estão sendo organizados em escala global. Segundo Monte
(2001, p. 50), isso acontece mais precisamente no âmbito das organizações que lu-
tam pelo respeito aos direitos humanos.
Uma das primeiras organizações que, desde a sua fundação em 1919, tem contri-
buído para garantir os direitos dos povos indígenas e, consequentemente, participa-
do dessa rede é a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa organização tem
como objetivo melhorar as condições de trabalho, assegurar a liberdade de expressão
e de associação e combater a pobreza no mundo. A OIT, em 2006, foi a primeira
agência especializada a integrar o Sistema das Nações Unidas.
Na Convenção n° 107, sobre as populações indígenas e tribais, aprovada em
Genebra, em 26 de junho de 1957, durante a Conferência Geral da Organização In-
ternacional do Trabalho, convocada pelo Conselho de Administração da Repartição
Internacional do Trabalho, definiu-se a categoria índio como:

Membros das populações tribais ou semi-tribais de países independentes (de todos os


continentes) pelo fato de descenderem das populações que habitavam o país, na época
da conquista ou da colonização e que, qualquer que seja seu estatuto jurídico, levem
uma vida mais conforme às instituições sociais econômica e culturais daquela época
do que as instituições peculiares à nação a que pertencem. (GUIMARÃES, 1989, p. 23).

13
Em muitos aspectos, a Convenção n.º 107 foi bastante avançada para a sua
época, pois assegurava aos povos indígenas o direito a uma propriedade coletiva
ou individual sobre as terras tradicionalmente ocupadas e a uma educação escolar
na língua materna. No entanto, adotou ainda uma perspectiva evolucionista e inte-
gracionista, uma vez que considerava os índios ou populações tribais ou semitribais
como sendo aqueles cujas condições sociais e econômicas correspondiam a um “[...]
estágio menos adiantado que o atingido pelos outros setores da comunidade nacio-
nal e que sejam regidos, total ou parcialmente, por costumes e tradições que lhes
sejam peculiares” (Convenção nº. 107, art. 1º).
A Convenção 107 da OIT foi promulgada, no Brasil em 18 de julho de 1965, pelo
Decreto Legislativo n.º 20, de 30 de abril de 1965, e pelo Decreto Presidencial n.º
58.824, de 14 de julho de 1966, quando estavam no poder os militares.
Devido às transformações de paradigmas no âmbito das Ciências Sociais, prin-
cipalmente no Direito Internacional, e à mobilização das organizações indígenas e
indigenistas3, fez-se necessário realizar uma reformulação da Convenção nº. 107,
principalmente daqueles pontos que não eram aceitos pelos indígenas. Assim sendo,
a Conferência Geral da OIT aprovou, em 1989, a Convenção n.º 169, que trata da
questão dos povos indígenas e tribais em países independentes.
De acordo com essa convenção, a consciência da sua identidade indígena ou
tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos
interessados. Portanto, nenhum Estado pode negar a identidade de um povo indíge-
na que se reconheça como tal.
A Convenção utiliza o termo “povos indígenas”, em substituição a “populações”
da Convenção n.º 107. O uso do termo “povos” tem a ressalva de que esse “[...] não
deverá ser interpretado no sentido de ter implicação alguma no que se refere aos
3
Organizações Indígenas são
direitos que possam ser conferidos a esse termo no direito internacional”. Com isso,
aquelas organizadas e administra- elimina-se qualquer possibilidade de essa Convenção ser utilizada para dar legitimi-
das pelos próprios indígenas como dade a movimentos separatistas dos povos indígenas, seja na reivindicação de sua
é o caso da Associação Indígena
soberania sobre seus territórios, seja na afirmação de sua autodeterminação.
Tupinikim e Guarani (AITG), de
Aracruz,ES. As associações indige- Os grupos indígenas brasileiros se autodenominam povos indígenas. Povo no sen-
nistas são organizadas pelos não tido de um grupo de indivíduos que fala a mesma língua, tem costumes e hábitos co-
indígenas para o apoio a causa
muns, afinidades de interesses, uma história e tradições comuns. Na legislação brasilei-
indígena, exemplo: Conselho
Indigenista Missionário (CIMI), ra as denominações mais utilizadas são: comunidade indígena, grupo tribal, população
ligado à CNBB. etc. O Estatuto do Índio apresenta em seu artigo 3° o seguinte conceito: “Comunidade

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indígena ou grupo tribal – é um conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vi-
vendo em estado de isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional,
quer em contatos intermitentes, sem, contudo estarem neles integrados”.
A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 231 utiliza as categorias
grupos indígenas e população.

É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, referendum do Congres-
so Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou
no interesse da soberania do país, após deliberação do Congresso Nacional, garantindo
em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

Em toda a legislação brasileira que trata da questão indígena, comumente uti-


lizam-se os termos grupos ou sociedades e nunca povo ou nação. O termo “nações
indígenas” para se referir aos diferentes povos indígenas, mesmo com todas as limi-
tações ao uso do termo expressas na própria Convenção, não agradou aos represen-
tantes do Governo Brasileiro, por isso o Brasil se absteve de votar.
O Estado brasileiro, representado por alguns de seus segmentos burocráticos mais
tradicionais, oferecia assim indicação de que não estava de acordo com essa propos-
ta, ou seja, estava se recusando a ser caracterizado como pluriétnico e multissocie-
tário, negando assim que conviviam em seu território diferentes etnias e sociedades
(SANTOS, 2004). Essa posição conservadora do Estado brasileiro refletiu posterior-
mente no processo de aprovação dessa Convenção pelo Congresso Nacional, como
veremos mais à frente em texto que trata da questão.
Do ponto de vista dos setores mais tradicionais da sociedade brasileira, o Es-
tado Nacional é formado por uma única nação: a brasileira. Assim sendo, o re-
conhecimento da existência de diferentes nações indígenas no interior do Estado
brasileiro poderia colocar em risco a integridade de nossa soberania e território,
uma vez que abriria precedentes para a separação dessas nações, com seus respec-
tivos territórios, do restante do País.
Essas conjecturas que povoam os discursos e a imaginação, principalmente das
Forças Armadas, não parecem razoáveis, se levarmos em consideração o tamanho das
populações de cada um dos grupos indígenas existentes. Na realidade, o que susten-
ta esses discursos são interesses econômicos das mineradoras, fazendeiros e outros.
Segundo a Convenção n.º 169, os Estados deverão reconhecer os direitos de

15
propriedade e posse dos povos em questão sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, assim como os direitos sobre os recursos naturais existentes em suas terras.
Os povos indígenas não deverão ser removidos das terras ou territórios que ocupam.
A Convenção n.º 169 assegura a participação dos povos indígenas na elaboração
dos programas educacionais que respondam às suas necessidades particulares. Os
currículos deverão incorporar suas histórias, seus conhecimentos e técnicas, seus
sistemas de valores e suas aspirações sociais, econômicas e culturais adicionais. As-
segura também a formação de membros desses povos para que eles mesmos possam
responder pelos serviços educacionais.
As crianças deverão aprender a ler e a escrever sua própria língua garantindo-se também
que elas tenham a oportunidade de dominar a(s) língua(s) oficial (is) do país onde vivem.
O âmbito de luta pelos direitos dos povos indígenas foi ampliado com a criação
da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, e de outras organizações que
se encontram vinculadas a essa, como a Organização para a Alimentação e a Agri-
cultura (FAO, 1945), a Organização das Nações Unidas para a Educação e Ciência
(UNESCO, 1945) e a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1948).
Os Estados membros dessas organizações são responsáveis pela elaboração, ne-
gociação e fiscalização do cumprimento dos instrumentos juridicamente vinculató-
rios (tratados, pactos, convenções, acordos e outros). As organizações não gover-
namentais desempenham um importante papel de pressão sobre os Estados e as
instituições internacionais tanto na elaboração, quanto na aprovação e cumprimento
do que esses documentos estipulam.
Na ONU, a questão indígena passou a ser aprofundada a partir dos anos 70 do
século XX, quando o seu Conselho Econômico e Social autorizou o estudo sobre as
condições de vida das populações indígenas, trabalho realizado pelo embaixador
Martinez Cobo. Por sua recomendação , deu-se início a uma crescente inclusão do
tema indígena na pauta de debates e conferências internacionais, sobretudo graças
aos anos de lóbi por parte dos próprios índios, que fizeram com que em 1982, a
ONU criasse o “Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas”.
Em 1985, a Subcomissão de Prevenção de Discriminação e Proteção de Minorias,
que deriva da Comissão de Direitos Humanos e do Conselho Econômico e Social,
conforme a estrutura interna da ONU, optou pela criação de uma declaração sobre
os direitos dos povos indígenas para futura consideração pela Assembleia Geral da
ONU. A primeira minuta do documento foi redigida por Erica-Irene Daes e, depois

16
de pronta, passou a ser discutida e comentada por representantes governamentais,
povos indígenas, ONGs e demais presentes às sessões anuais do Órgão4.
Em 2006, os representantes do governo de Botswana, com o apoio de outros
países da África, dos Estados Unidos, do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia,
apresentaram uma moção ao Terceiro Comitê da Assembleia Geral da ONU, tentando
retardar a aprovação dessa tão esperada Declaração.
Tudo indicava que a aprovação da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indí-
genas, depois de tramitar na ONU por 22 anos, seria novamente postergada, mas,
graças às pressões dos povos indígenas e de várias organizações, a Declaração foi
aprovada em 13 de setembro de 2007, com 143 votos a favor, 4 contrários (Canadá,
Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália) e 11 abstenções. A Declaração reconhe-
ce o autogoverno e a livre determinação dos povos e recomenda que as nações do
mundo respeitem as formas políticas, sociais e jurídicas de cada povo.

Atividades

Caro aluno, após a leitura do texto, responda às questões abaixo:

1- Em qual contexto histórico surgiu o termo índio? Qual a diferença ente os usos
que a sociedade em geral faz deste termo daquele adotado pelos povos originários
(Tupinikim, Pataxó, Guarani entre outros)?

2- Por que os Estados nacionais, e mais especificamente o Brasil, apresentam resis-


tências quanto ao uso dos termos nações e povos quando se trata de indígenas?

3- Qual a importância, para a luta dos povos indígenas brasileiros, do reconheci-


mento de seus direitos por diversos organismos internacionais (ONU, OIT e outros)?
4
Em 1999, a ONU instituiu o
“Fundo Voluntário para Popula-
ções Indígenas”, com o objetivo
Avaliação de auxiliar representantes indíge-
nas em suas despesas de viagem e
estadia, facilitando a participação
Pesquise em livros, em sítios da internet e em arquivos de jornais e revistas, materiais de muitos povos e comunidades
acerca das lutas dos povos Tupinikim e Guarani do Espírito Santo. Produza um texto, nesse processo.

17
para ser usado com seus alunos, apresentando a relação entre o assunto tratado no
texto “Índios, povos indígenas e termos correlatos” e os argumentos da Empresa
Aracruz Celulose para não devolver as terras tupinikim ocupadas indevidamente, na
década de 60 do século XX.

Sugestão de leituras

COTA, Maria das Graças. Os Tupinikim e a questão da luta pela terra. Dimensões
- Revista de História da UFES. Dossiê. Identidades Negras e indígenas. Nº 21,
2008. p. 83 a 100.

LOUREIRO, Klítia; TEAO, Kalna Mareto. História dos índios no Espírito Santo. Vi-
tória: Editora do Autor, 2009.

Referências

DA RESISTÊNCIA ao poder. Disponível em http://www.adital.com.br, acesso em: 11


de out. de 2006.

DENÚNICA na OEA. Disponível em: <http://www.cejis.org>, acesso em: 10 de


dez. de 2006.

DESRESPEITO aos direitos indígenas na Bolívia. Disponível em: www.cejis.org:


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20
2

21
22
Poder e desigualdade:
assimetria nas
relações interétnicas
Marluce Leila Simões Lopes1

Nossas terras são invadidas, nossas terras são


tomadas, os nossos territórios são invadidos...
Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não
foi descoberto não, o Brasil foi invadido e to-
mado dos indígenas do Brasil. (Marçal Tupã’i)

Este texto tem como objetivo suscitar algumas discussões sobre as relações entre
os diferentes grupos étnicos, tendo em vista a lógica racial dominante na história
da humanidade, que instituiu a ideia da hierarquização dos conhecimentos e das
culturas. No Brasil, isso ocorreu durante o longo do processo de colonização ex-
ploratória e se perpetuou na sociedade brasileira. As terríveis consequências desse 1
Doutoranda em Educação/Ufes.

fato para as etnias concebidas como inferiores foram se expandindo no decorrer dos 2
Civilidade neste contexto está
tempos - profundas desigualdades geradas na formação de uma sociedade que se relacionada ao progresso econô-
desejava civilizada2. mico capitalista, evidenciado por
Frente à complexidade das contradições sociais advindas desse cenário institu- promessas de universalização dos
direitos. (TELLES, 2006). Tese
íram-se critérios de desenvolvimento de sociedade com tipificação e classificação
que significava a promessa de
étnica. No contexto político colonial, por exemplo, os indígenas eram retratados construção de uma sociedade em
de forma estereotipada. Essas representações se solidificaram em toda a sociedade que todos tivessem seus direitos
garantidos e este ideal não se con-
e principalmente em instituições como a escola. (APPLE, 1995), espaço importante
cretizou. Além desta contradição,
para a reprodução de concepções eurocêntricas. desconsideram-se as especificidades
Por meio de sua estrutura curricular, a instituição escolar compõe esta con- dos diferentes grupos humanos.

23
juntura histórico-política, quando se permite legitimar conteúdos e práticas pe-
dagógicas eurocêntricas. Proposta essa, que reproduz a invisibilidade ou a in-
feriorização de conhecimentos e modos de vida não brancos que compõem as
sociedades, principalmente a brasileira. Neste texto, pretende-se analisar as impli-
cações dessas representações na política educacional da instituição escolar, pois
entendemos que a perspectiva de uma educação para a diversidade coloca em
“cheque” argumentos fundamentados no imaginário racial construído no Brasil
sobre algumas etnias e suas culturas.
Para a discussão proposta buscamos alguns apontamentos teóricos sobre o poder
simbólico (BOURDIEU, 2007), sob o ponto de vista das relações interétnicas. Neste
sentido, esse autor afirma:

O poder sobre o grupo que se trata de trazer à existência enquanto grupo é, a um tem-
po, um poder de fazer o grupo impondo-lhe princípios de visão e de divisão comuns,
portanto, uma visão única de sua identidade, e uma visão idêntica da sua unidade
(BOURDIEU, 2007, p.117).

Destituídas de reconhecimento, negros, indígenas, ciganos e outros grupos lutam


há séculos contra a desumanidade a que foram e ainda são submetidos. Isso porque na
lógica racista, esses sujeitos não são percebidos enquanto humanos em suas diversida-
des, entretanto, são classificados por seus modos de ser e por suas práticas culturais.
Neste texto, a análise da naturalização das desigualdades demarca a condição
dos povos indígenas do Brasil. Populações essas, que convivem com a invisibilidade
de suas produções científicas e de suas culturas, além de serem representadas nos
discursos instituídos como seres exóticos, selvagens e primitivos. Isso nos leva a in-
dagar os fatores que atravessam a gênese desta problemática: as relações de poder
entre as diferentes etnias.
A suposta harmonia entre os diferentes grupos étnicos que compõem a sociedade
brasileira se contrapõe à realidade sociorracial de um país que se instituiu enquanto
nação, sob uma cena construída ideologicamente como uma estratégia de manu-
tenção e ampliação de poder das classes burguesas (CHAUÍ, 2006). Isso porque as
tensões entre povos e etnias impulsionadas por interesses de dominação, provoca-
ram grandes e profundas marcas em diferentes sociedades justificadas por: limpeza
étnica, exploração econômica, destituição cultural e/ou religiosa, segregação, enfim,

24
racismo sob diversas formas. E assim, as diferenças físicas e/ou culturais tornaram-se
critérios de dominação, quase sempre com objetivos econômicos. Ações essas pau-
tadas na crença na superioridade de grupos humanos sobre outros ou de um grupo
humano sobre os demais.
Esse etnocentrismo se reproduz na medida em que tais crenças ganham legitimi-
dade nos discursos instituídos. Nessa perspectiva, coisificar3 o outro pode tornar-se
instrumento para a dinâmica da dominação e, consequentemente, da desigualdade.
Indicadores econômicos e sociais demonstram esta realidade - a situação em que
vivem indígenas em diferentes regiões do Brasil, por exemplo, representa as contra-
dições de um país visto como um país de todos, porém, onde os direitos dos povos
indígenas, por exemplo, ainda não estão garantidos. Obviamente, a expropriação de
diversas formas sofridas por estes sujeitos, ao longo dos tempos, determinaria tal sina.
O processo colonialista exploratório avançou sobre as populações indígenas e
desfavoreceu, sobretudo, os valores simbólicos de suas culturas, consideradas infe-
riores. A trajetória social desses sujeitos ao longo dos últimos séculos foi marcada
pela produção de imagens estereotipadas, assim como pela subjugação em relação
ao grupo étnico dominante (branco). Não estamos desconsiderando as resistências
desses sujeitos, porém, ressaltamos as profundas marcas provocadas pelo longo e
violento massacre a que foram submetidos. Além do genocídio, sofreram também
pela imposição de modelos culturais europeus, por serem classificados sob critério
cultural, em uma lógica hierárquica. (BOSI, 1992). A linguagem dos diferentes po-
vos indígenas, o acúmulo de saberes e experiências e a religião tornaram-se alvo de
destruição, pois, desqualificar os conhecimentos produzidos pelos indígenas é parte
deste plano de dominação.
Nessa lógica, as formas de construção e organização dos conhecimentos dos po-
vos indígenas são consideradas ilegítimas, já que os saberes produzidos pelos povos
indígenas são organizados a partir da cosmologia indígena. Essa especificidade é
desqualificada pela visão ocidental, que imprime valor negativo às formas de produ-
ção de saber destes grupos.

3
Deste modo, os conhecimentos produzidos e transmitidos recebem esta função social e se Significa a desqualificação do
outro como sujeito de direitos. O
constituem em um pilar do poder político, portanto, objeto de disputa e manipulação de
outro como “coisa”, justificaria a
grupos e indivíduos, o que acaba criando status de poder diferenciado e uma escala de va- expropriação de sua humanidade.
lores subjetivos. Os conhecimentos indígenas são essencialmente subjetivos e empíricos, por (ARENDT, 2001).

25
isso mesmo livres de métodos e dogmas fechados e absolutos, e se garantem na efetividade
prática e nos resultados concretos que acontecem no seu cotidiano. (LUCIANO, 2006, p. 171).

O poder exercido pelos europeus no processo de colonização atrelado às re-


presentações e discursos que apregoavam a desqualificação de etnias, provocou o
empobrecimento das diversas populações indígenas que sobreviveram ao genocídio
provocado pelos colonizadores. Prova desse extermínio são os dados demográficos
que identificam aproximadamente 5 milhões de índios no Brasil no ano de 1500 e
hoje apontam aproximadamente 700.000 índios em todo o país, divididos em diver-
sas etnias e grupos linguísticos, sendo que 49% se concentram na região Norte e 2%
na região Sudeste (LUCIANO, 2006).
Além deste cenário de violência, no início do século XX, teorias naturalistas como
a eugenia e o darwinismo reforçaram a representação sobre a inferioridade racial dos
indígenas. Em conjunto com o Estado, intelectuais da época difundiram a tese de
uma suposta verdade sobre a inferioridade de algumas raças e a superioridade da
raça branca (SCHWARCZ, 2007). A mestiçagem e a teoria do embranquecimento se-
riam a alternativa de depuração das raças já que uma sociedade constituída de etnias
não brancas estaria relegada ao atraso. Como exemplo, no trabalho antropológico de
Lacerda os índios Botocudos eram descritos como de cérebro atrasado e incapazes
de serem civilizados.
Ainda no século XX, a teoria do embranquecimento protagonizou a institucio-
nalização de um ethos branco na constituição de uma nação que seria ordeira e
próspera. Essa farsa alavancou defensores nas mais diversas áreas – política, intelec-
tual, artística. Embranquecer significaria reduzir o índice de nascimento de negros
e índios. Nessa concepção racista, a miscigenação entre brancos e negros e/ou o
extermínio de indígenas mudaria o cenário racial do país. Nessa perspectiva, um país
de negros e indígenas representaria a degeneração de uma sociedade que se dese-
jaria “civilizada”, pois, o brasileiro é uma sub-raça mestiça, por descender do índio
e do negro. Seria preciso um projeto de embranquecimento da população por meio
da imigração europeia. Esses eram os ideais defendidos por pensadores da sociedade
da época (CHAUÍ, 2006).
O Estado autoritário institui este projeto de sociedade em parceria com a elite
brasileira, pois, o interesse dos grupos dominantes era voltado para a modernização
de um país que mergulhava na implementação de sua industrialização e para isso,

26
teria que manter privilégios e proteger interesses capitalistas que agora se ampliavam.
Isso significou a proliferação de atos racistas que determinaram práticas de segre-
gação, exclusão e violências contra a dignidade humana de negros e indígenas. O ra-
cismo representa a negação da alteridade com base na ideologia racial. Significa negar
a subjetividade do outro – anti-sujeito4, na medida em que este outro é invisibilizado
como sujeito. O anti-sujeito desqualifica aquilo/aquele que lhe é estranho. O desco-
nhecido ou não aceito é reduzido, silenciado ou invisibilizado. (WIEVIORKA, 2006).
Isso nos leva a refletir sobre a cidadania dos povos indígenas. A Declaração Uni-
versal dos Direitos do Homem, a Conferência de Durban (2001), assim como a Cons-
tituição Brasileira declaram: “Há que se buscar, sim, cumprir a legislação nacional e
aplicá-la aos povos indígenas, visando à sua proteção, resguardados os seus direitos
especiais para que se garantam a eles os seus usos, costumes, crenças e tradições”.
(GUARANY, 2006, p. 161)
Perceber-se superior como humano pode levar pessoas, grupos étnicos, culturas
e religiões à manifestações de ódio e exploração. Essas práticas, se estruturadas em
espaços privados ou coletivos, ameaçam a integridade dos grupos mais fragilizados
socialmente. Canais de divulgação dessa ideia sofreram transformações na história,
porém a intenção sempre se manteve – desqualificar para dominar e explorar. Atual-
mente, a mídia representa um importante instrumento de legitimação ideológica de
relações de poder assimétricas entre grupos étnicos.

[...] a classe burguesa aspira a universalizar sua ideologia”. Dessa forma, é pertinente
afirmar que, a diferença utilizada como juízo de valor, baseia-se na projeção de um
ideário personificado nos modos de ser, que reduz o pertencimento cultural dos sujeitos
a uma crença em uma cultura tida como única e aceita pela sociedade em geral. Essa
ideologia impõe a neutralização das contradições históricas de povos, etnias e grupos
humanos sob a referência de uma cultura dominante. (HELLER, 1992, p. 54).

No contexto das violências raciais podemos destacar duas estratégias de legiti-


mação de relações de poder direcionadas a etnias inferiorizadas no Brasil, neste caso,
4
o poder exercido pelo Estado, por meio de diferentes instituições que permitem a O antissujeito ou não sujeito des-
titui o outro de sua humanidade
manutenção de serviços públicos precários, dissociados da especificidade das dife-
na medida em que há a negação
rentes etnias indígenas existentes no Brasil. A desqualificação do indígena que se da subjetividade deste outro sujei-
reproduziu ideologicamente na sociedade em geral, legitimou a ocupação de espa- to. (WIEVIORKA, 2006).

27
ços por não índios, vistos como incapazes de participarem igualmente da construção
do país. Desse modo, construiu-se a tese do índio incapaz e tutelado por meio de
instrumentos jurídicos. Essa relação de poder e obediência reafirma a hierarquia que
se estruturou desde a colonização, situação que ainda não se alterou.
A relação hierárquica entre sujeitos e instituições é uma dos vetores do poder
simbólico, caracterizado por promover a perpetuação da dominação de um grupo
sobre outro, nas instituições e nas relações estabelecidas entre os diferentes (BOUR-
DIEU, 2007). A dimensão política do poder mantém o monopólio cultural e o poder
das instituições econômicas que assolam as comunidades indígenas com fins de
ampliação de suas atividades exploratórias.
Empresas implantadas em áreas indígenas ou em suas proximidades utilizam
de estratégias diversas pelas quais vão se adentrando em territórios indígenas e ao
mesmo tempo, tendenciam políticas de enfrentamento com os indígenas na busca
de lucro. Os aparelhos midiáticos integram essa rede de proteção do capital em de-
trimento das comunidades tradicionais como indígenas e quilombolas. O objetivo é
invisibilizar esses grupos visando a garantia da invasão territorial. Para isso, o argu-
mento da não existência dessas etnias é utilizado nos discursos dos que detêm o po-
der da mídia e contam também, com o poder do Estado, por meio da força policial.
Essa análise nos remete ao norte do estado do Espírito Santo. No município de
Aracruz, as aldeias indígenas Tupinikim e Guarani sobrevivem em meio à expan-
são da empresa Fibria, antiga Aracruz Celulose. Conflitos entre os indígenas e tal
empresa prolongam processos judiciais por meio dos quais esses sujeitos exigem a
ampliação de território ocupado pela empresa, além de denúncias em relação à dis-
criminação racial na postura da empresa diante da luta dos indígenas.

A não existência dos povos indígenas continua sendo produzida nos dias atuais. No ano
de 2006, a empresa Aracruz Celulose, lançou no Espírito Santo, uma ampla campanha,
pelos diversos meios de comunicação, tentando provar que no Estado não existiam mais
índios, argumento para tentar justificar seu domínio da área reivindicada pelos Tupini-
quim e Guarani. (COTA, 2008, p. 62).

A tese da não existência Tupinikim se reproduz em toda a sociedade local e


ganha apoio de empresas da região. Nas frases (em cartazes, outdoors) espalhadas
pelo município é possível identificar uma das estratégias de proteção dos interesses

28
de grupos econômicos na medida em que, dissimulam uma suposta “violência” por
parte dos indígenas e certa “fragilidade” das empresas, ou seja, há uma intenção
de manipular as informações com o objetivo de manter o poder sobre: a terra, os
recursos naturais, o lucro e a opinião pública.

A FUNAI defende os índios, quem defende nossos empregados?” “A Aracruz trouxe


o progresso, a FUNAI, os índios” “Basta de índio ameaçando os trabalhadores”; “Essa
agressão a Aracruz Celulose atinge nossas empresas também!”

As ideias revisionistas e negacionistas propõem a revisão ou negação da história


de racismo contra etnias. Podemos perceber essa concepção em relação à situação
vivida pelos índios Tupiniquim e Guarani no município capixaba de Aracruz: “Faz
alguns anos o nítido propósito desses outdoors é fortalecer e reproduzir um ideário
de discriminação e preconceito em relação aos índios” (LOUREIRO, 2006 p.05).
A negação da história do outro é uma prática de poder, portanto, afirmar a não
existência daqueles que sempre estiveram aqui é uma estratégia de dominação5.
Podemos compreender então, que o negacionismo objetiva a invenção de uma rea-
lidade a favor de uma lógica econômica instituída. As consequências dessa postura
político-ideológica alavancam profundas marcas sociais que assolam as comunida-
des indígenas em todo o país, o que não é diferente em Aracruz. Essa questão nos
remete à seguinte tese: “Quem inaugura a negação dos homens não são os que
5
A constatação da existência
tiveram a sua humanidade negada, mas os que a negaram, negando também a sua”.
de indígenas no Espírito Santo
Estas considerações situam a opressão do racismo como uma das artimanhas da anterior à colonização está regis-
dominação. (FREIRE, 1988, p. 43). trada em documentos históricos
e antropológicos. “Estima-se a
A situação social das comunidades indígenas locais pode ser percebida pela precarie-
fundação de dez aldeamentos no
dade dos serviços públicos, pelo nível de escolaridade, pela realidade dos trabalhadores, Espírito Santo, sendo que dois se
enfim, pela extrema desigualdade social em que vivem. Além disso, a ideologia sobre ser destacaram predominantemente,
índio é de inferioridade em relação a essa etnia. Vistos como seres exóticos, os indígenas que são o de Reritiba,e em seguida
Benavente e hoje denominado
são lembrados em data específica (19 de abril) e retratados com estranhamento:
Anchieta e Aldeia Nova, depois
chamada Reis Magos e atualmente
Desde a primeira invasão de Cristóvão Colombo ao continente americano, há mais de Nova Almeida [...] É importante
lembrar, porém, que o primeiro
500 anos, a denominação de índios dada aos habitantes nativos dessas terras continua
aldeamento do Espírito Santo foi
até os dias de hoje. Para muitos brasileiros brancos, a denominação tem um sentido fundado em Santa Cruz no ano
pejorativo, resultado de todo o processo histórico de discriminação e preconceito contra de 1556.” (ALMEIDA, 2007, p. 45).

29
os povos nativos da região. Para eles, o índio representa um ser sem civilização, sem
cultura, incapaz, selvagem, preguiçoso, traiçoeiro etc. (LUCIANO, 2006, p.30)

A histórica exploração e depreciação a que sempre foram submetidos torna-se


um detalhe no discurso da sociedade que ainda acredita na “primitividade” e alie-
nação dos povos indígenas do Brasil. A história contada diz respeito a um cenário
imaginado e fixado no imaginário racial instituído. As conquistas alcançadas vieram
por meio de movimentos de luta dos indígenas e de outros movimentos sociais.
Os indígenas continuam na luta por território, por suas culturas e tradições. Exi-
gem políticas públicas que considerem suas especificidades. Embora haja avanços no
que tange a educação escolar indígena, por exemplo, ainda há demanda de políticas
que venham consolidar direitos há tempo a esses negados. O combate à pobreza e às
doenças, e ao analfabetismo, por exemplo, exigem um reconhecimento desses povos
e investimentos nos vários campos de atendimento a suas necessidades.

O currículo escolar como instrumento de diálogo interétnico

Assim, quer gostemos ou não, um poder dife-


rencial intromete-se no âmago das questões de
currículo e de ensino. (APPLE)

Por meio do currículo escolar tem-se negado conhecimentos sobre a realidade histó-
rica e cultural dessas etnias. A prioridade dada pela escola aos conhecimentos dos grupos
humanos ocidentais é um dos aspectos reforçadores dos argumentos preconceituosos
em relação às diferentes culturas. O continente que favoreceu e incrementou a domina-
ção de etnias ao longo da história – a Europa – é destaque no currículo escolar.
A Lei 11.645 de 10 de março de 2008 inclui no currículo escolar de todas as
instituições educacionais, a História e Cultura dos povos indígenas. Essa conquista
se deve aos movimentos de resistência frente aos valores eurocêntricos e universa-
lizantes dominantes no currículo escolar das escolas brasileiras. O objetivo é de de-
mocratizar a cultura, ao introduzir diferentes perspectivas étnicas e seus valores, no
currículo escolar sem que haja uma supervalorização de umas sobre outras. Acredita-
se que, deste modo, abrir-se-á a possibilidade de encontros interculturais.

30
Exigir a visibilidade de sua história e sua cultura no currículo escolar é uma estra-
tégia de resistência frente aos estigmas sofridos pelas populações indígenas. Para Ian-
ni (2004), o estigmatizado, “o estranho” produz outros movimentos, de consciência
para si, na contramão da história. Esses grupos impõem politicamente a efetivação
dos seus direitos frente às concepções estruturadas na sociedade. Lideranças indíge-
nas juntamente com outros movimentos sociais buscam conquistar espaços nas mais
diversas áreas. Na educação, insistem na construção de uma educação diferenciada e
na valorização de suas culturas nas escolas indígenas e não indígenas, ou seja, avan-
çar no reconhecimento das especificidades dos diversos povos indígenas do Brasil.
No entanto, a visão do indígena nas propostas curriculares das escolas brasileiras é
preconceituosa, pois universaliza as diferentes culturas e etnias e concebe esses sujeitos en-
quanto passivos, incapazes, primitivos, selvagens e exóticos. Além disso, há uma negação e,
consequentemente, uma invisibilidade dos valores desses grupos, nos conteúdos escolares.
A associação entre ideologia e currículo, nos leva a problematizar a educação im-
plicada pela representação dos povos indígenas pela visão etnocêntrica. Nessa proposi-
ção, os conteúdos curriculares são homogeneizantes, enaltecem personagens e heróis
brancos, valorizam a cultura, a religiosidade e a história do branco. (APPLE, 1995).
Diante deste impasse, a Lei 11.645/08 provoca o debate sobre a abordagem dos
conhecimentos da história e cultura indígenas no currículo escolar. Democratizar o
currículo significa garantir o conhecimento da contribuição dos diferentes povos
para o patrimônio da humanidade. Isso nos leva a pensar sobre a necessidade e a ur-
gência da promoção de espaços públicos nos quais a interlocução entre os conflitos
emergentes, a justiça e os direitos sociais construam outros modos de interlocução
entre as culturas estabelecendo assim, novas sociabilidades (TELLES, 1999).
Na medida em que o currículo escolar e a prática pedagógica estão desvinculadas
das contradições humanas, assim como dos conflitos inerentes às relações de poder
e de dominação, a visão da naturalização das relações de poder se perpetua. Desse
modo, ignorar a opressão que as comunidades indígenas vivenciam há séculos e as
demandas oriundas deste processo, acaba por contribuir para a exclusão desses gru-
pos. Nega-se a resistência histórica como instrumento de emancipação.

É através do conflito que os excluídos, os, impõem seu reconhecimento como indivíduos
e interlocutores legítimos, dissolvendo as hierarquias nas quais estavam subsumidos em
uma diferença sem equivalência possível (TELLES, 2006, p.101).

31
Seria possível dissolver hierarquias étnicas por meio de um currículo interétnico?
Como a escola poderá desenvolver uma proposta de ensino intercultural? Faz-se neces-
sário reformular a organização curricular tendo em vista as diferentes visões de mundo
e incorporar de forma equânime, os valores dos diversos grupos étnicos no currículo
escolar. Aparentemente algo simples, mas que exigirá uma transformação em toda a ló-
gica dos tempos e espaços escolares, assim como, a criação de proposta de formação de
professores que preencha a lacuna histórica demandada por conhecimentos sobre os di-
ferentes povos e culturas indígenas que a escola sempre negou aos que por ela passaram.
Outro aspecto que merece atenção deriva da perspectiva do universalismo o qual
generaliza direitos em detrimento das diferenças entre os grupos humanos. Diferenças
que se traduzem em demandas de políticas específicas. Essa abstrata nudez6, (AREN-
DT, 2001), significa conceber o sujeito enquanto natureza humana, o humano despido
de suas diferenciações. Entendemos, porém, que a afirmação da igualdade entre os
homens requer considerar a diversidade e reconhecer as necessidades e os interesses
dessa diversidade. Essa problemática da universalização permeia o currículo escolar, as
práticas educativas e o olhar sobre o ser índio. Afirmações preconceituosas e atributos
depreciativos (GOFFMAN, 1963) acentuam a discriminação aos povos indígenas.
A aposta em uma educação que tenha como proposição levar os estudantes a co-
nhecer a história e cultura dos povos indígenas pode significar uma possibilidade de
reconhecimento da humanidade desses, ou seja, reconhecer no sentido de ver no outro
um alter, um sujeito de direitos, (ALVES, 2009), parafraseando Maturana, “reconhecer os
outros como legítimo outro”. Dessa forma, aquele outro, antes concebido como inferior,
passa a gozar do direito de ser percebido na sua especificidade, em uma perspectiva de
igualdade – igualdade na diferença. Nesse caminho, a interculturalidade pode possibilitar
a transformação de relações de poder e hierarquia em indicativos de relações orientadas
por princípios humanitários, de diálogos e de respeito entre os diferentes.
A discriminação racial está imbricada nas formas encontradas pelo ser huma-
no de impor sentidos e realidades a seu favor (BOURDIEU, 2007), reiterada pelos
discursos assumidos pela instituição escolar. Afirmações preconceituosas sobre os
considerados diferentes estão carregadas de significados – justificados e naturaliza-
dos pela ideia de que uns nascem com características fenotípicas que desencadeiam
6
Crítica à naturalização do
naturalmente uma posição na escala social. Lógica racial que se reproduz na medida
sujeito, do ser humano abstrato,
despojado de sua especificidade. em que as representações sobre as etnias estão atreladas à valorização ou desquali-
(ARENDT, 2001). ficação. Vale lembrar os horrores do nazismo e da escravização de povos indígenas e

32
africanos, justificados biologicamente, até mesmo pela Igreja. O olhar da sociedade
sobre os povos indígenas nestes últimos tempos manifesta, ainda, a rejeição a seus
modos de produção de conhecimento e cultura.
A expectativa de desconstrução desse imaginário no espaço da escola é um ca-
minho que precisa ser trilhado por aqueles que acreditam no diálogo entre as etnias,
como contraponto à naturalização das relações de poder balizadoras das desigual-
dades. Enfim, possibilitar aos estudantes a apropriação de saberes diversos que vão
de encontro ao currículo hegemônico. Instigar a reflexão e exercitar o debate desco-
lonizador da visão de saberes legitimados acende a chama da inquietação sobre as
relações de poder e as desigualdades entre os humanos.
Transformar a escola em um lugar de todos pressupõe articular políticas sociais,
culturais e educacionais voltadas para a consolidação de uma sociedade que se pre-
tende democrática. Nesse projeto, a instituição escolar pode contribuir para romper
com posturas e práticas racistas em relação aos povos indígenas, ao dar visibilidade
aos conhecimentos produzidos por esses e que estão no cotidiano, mas não são
reconhecidos enquanto patrimônio construído por esses sujeitos – a linguagem, os
artefatos culturais, a ciência, a relação com a natureza, a religiosidade.
A implementação dessas políticas será transformadora se expressar as expectati-
vas das comunidades indígenas e estabelecer um diálogo com outras coletividades.
Essa interculturalidade abarca o encontro não hierárquico entre as diferentes cultu-
ras e etnias. Nesse sentido, a relação entre as etnias seguirá outro curso, por ações
empreendidas no processo de reconhecimento e partilha das experiências com outros
sujeitos. Experiências pautadas na concepção de interação humana sob o ponto de
vista dos direitos humanos, da igualdade, da justiça e do direito à diferença.

Cuiamá
(José Elias/Flávio Vezzoni)
A meia-lua no céu avermelhou.
Ergueu a lua, um canto ecoou.
A liberdade no couro do “tambô”.
A lua, girassol, a roda girou.
Floreia pomba, flor do sol,
que cuiamá, no vento, vai dançar
sob o manto da cor da lua.

33
Os desafios colocados à sociedade brasileira em relação aos povos indígenas
atualmente são diversos – a territorialidade, a educação escolar indígena, a lin-
guagem, a saúde, a manutenção de suas tradições. No entanto, toda essa rede
de políticas específicas demanda o cumprimento do aparato legal em relação
aos povos indígenas, uma vez que o campo jurídico caminha a passos lentos
nesta direção, qual seja, a de garantir os direitos das diversas etnias indíge-
nas do Brasil. Não faltam exemplos de expropriação dos direitos dos povos
indígenas nas notícias de violências por parte de madeireiros e posseiros em
diferentes regiões do país. Constata-se que o poder político das elites brasileiras
persiste por meio de mecanismos repressivos ao avanço das reivindicações dos
movimentos de resistência dos povos indígenas e de outros movimentos sociais
e religiosos, como a Pastoral Indigenista. A liberdade virá no toque do tambor,
metaforicamente, no grito de repúdio das populações indígenas frente à invisi-
bilidade da legitimidade de suas lutas.

Avaliação da leitura

Com base no texto e nas referências sugeridas, responda as questões abaixo:

1) Para o colonizador europeu os indígenas eram considerados “animais selvagens”


ou seres incivilizados. Explique o que significa “civilizar” os indígenas na concepção
dos dominadores?

2) Identifique no texto argumentos etnocêntricos utilizados pelos grupos dominan-


tes que tentam justificar o discurso da naturalização das desigualdades em relação
aos povos indígenas.

3) Com o objetivo de obter mais lucro, empresa instalada em área próxima a al-
deias indígenas tenta invisibilizar a presença destes grupos, a exemplo do ocorrido
no município de Aracruz no estado do Espírito Santo. Discuta com seu grupo de
trabalho e descrevam algumas das estratégias utilizadas por esta empresa para a
manutenção do poder econômico, assim como, provocar a desqualificação de gru-
pos indígenas que lutam por territórios por esta ocupados.

34
4) De que forma o currículo escolar reproduz a ideologia etnicorracial preconcei-
tuosa contra os povos indígenas e apresente sugestões que visem democratizar
o currículo de sua escola.

Exercícios

1) Pesquise os seguintes conceitos: eurocentrismo, interculturalidade e genocídio.

2) Identifique e faça uma análise de imagens e discursos no livro didático que apre-
sentem os povos indígenas. Observe se estas representações são estereotipadas e
descreva sua compreensão sobre as mesmas.

3) Pesquise sobre as teorias naturalistas: eugenia e darwinismo no contexto da cons-


trução da sociedade que visava a dominação da raça branca.

4) Cite um exemplo que apresente a desigualdade entre brancos e índios na socieda-


de brasileira atual. Justifique o exemplo apontado.

Sugestão de livros

ALMEIDA, Cristina. A Consciência argumentativa entre as educadoras Tupinikim


de Aracruz - ES que atuam nas primeiras séries do Ensino Fundamental de esco-
las indígenas. São Paulo: PUC, Dissertação de mestrado, 2007.

APPLE, Michael. Repensando a ideologia e o currículo. In: MOREIRA, Antônio F. e


SILVA, Tomaz T. (Orgs.) São Paulo: Cortez, 1995.

BRASIL, MEC. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas
no Brasil de hoje Coleção Educação para Todos vol. 12, 2004.

BRASIL, MEC/UNESCO. A Presença Indígena na Formação do Brasil. Coleção Edu-


cação para Todos vol. 13, 2004.

35
BRASIL, MEC/UNESCO. Povos Indígenas a Lei dos “Brancos”: o direito à diferença

CHAUI, M. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu


Abramo, 2000.

COTA, M.G. Educação escolar indígena: a construção de uma educação diferenciada


e específica, intercultural e bilíngüe entre os Tupinikim do Espírito Santo. Disserta-
ção Mestrado em Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universi-
dade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2000.

Sugestão de sites

www.socioambiental.org
www.museudoindio.org.br
www.cimi.org.br
portal.mec.gov.br
www.funai.gov.br
paje-filmes.blogspot.com

Sugestão de vídeos, documentários e filmes

“1492: A conquista do paraíso”


“A Missão”
“Casca do Chão”, de Glaysson e Jaciara Caxixó, e “Yiax Kaax”, de Isael Maxakali
“Yiax Kaax”, filme de Isael Maxakali,

Referências

ALMEIDA, Cristina. A Consciência argumentativa entre as educadoras Tupinikim


de Aracruz - ES que atuam nas primeiras séries do Ensino Fundamental de esco-
las indígenas. São Paulo: PUC, Dissertação de mestrado, 2007.

36
ALVES, Nilda. V Seminário Internacional As Redes de Conhecimentos e as Tecnolo-
gias. Apresentação, 2009.

APPLE, Michael. Repensando a ideologia e o currículo. In: MOREIRA, Antônio F. e


SILVA, Tomaz T. (Orgs.) São Paulo: Cortez, 1995. Não faltou o título do livro?

ARENDT, Hanna. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras,1992.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. São Paulo: Cortez, 2006.

COTA, Graça. O processo de escolarização dos Guarani no Espírito Santo. UFES:


Centro de Educação, 2008. (Tese de Doutorado).

COUTINHO, José M. Uma história do povo de Aracruz. Vol. I: Das origens pré-
históricas à conquista do poder político pelos ítalo-brasileiros, Aracruz, ES, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação deteriorada. RJ, ZAHAR, 1988.

GUARANY, Vilmar M. M. Desafios e perspectivas para a construção e o exercício da


cidadania indígena. In: Povos indígenas e a lei dos “Brancos”: o direito à diferen-
ça. Coleção Educação para Todos, MEC, 2006.

HELLER, Agnes. Cotidiano e História. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

IANNI, Octávio. Dialética das relações sociais. In: I congresso luso-afro- brasilei-
ro de ciências sociais, Portugal: Disponível: http://www.scielo.br/pdf/ea v18n50/
a03v1850.pdf. São Paulo, 2004. Acessado em: 28/05/2007.

37
LOUREIRO, Robson; DELLA FONTE, Sandra S. Revisionismo histórico e a agenda
pós-moderna: reflexões a partir da Teoria Crítica. Disponível em: http://w3.ufsm.
br/senafe/trabalhos/eixo5/eixo5_robsonloureiro.pdf. Acessado em: 30/06/2010.

LUCIANO, Gersem dos S. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC, Coleção Educação para Todos. 2006.

SCHWARSZ, Lilia M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial


no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

TELLES, Vera da S. Direitos Sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: Ed


UFMG, 2006.

WIEVIORKA, Michel. Em que mundo viveremos? São Paulo: Perspectiva, 2006.

38
3

39
40
História dos
povos indígenas do Brasil
Kalna Mareto Teao1
Klítia Loureiro2

Introdução

E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disse-
ram os navios pequenos que chegaram primeiro [....]. [...] E o Capitão-mor mandou
em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio.[...] acudiram pela praia ho-
mens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca
do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.
Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau
Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.
Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar
na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que le-
vava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de
ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio;
e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer
de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, [...].
Foram-se lá todos, e andaram entre eles. E, segundo eles diziam, foram bem uma
1
légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais eram tão Doutoranda em História pela UFF
(Universidade Federal Fluminense).
compridas, cada uma, como esta nau capitânia. Eram de madeira, e das ilhargas de
tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum 2
Mestre em História pela UFES (Uni-
repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada versidade Federal do Espírito Santo).

41
pelos cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos.
E tinha cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e outra no outro.
Diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim
os achavam; e que lhes davam de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber,
muito inhame e outras sementes, que na terra há e eles comem.
Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a
nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segun-
do as aparências. E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem
bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção
de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a
Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade.
E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois
Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por
aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa.
Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha,
nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens.
Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a
terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, que o
não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos. (Pero Vaz de Caminha.
Carta do achamento do Brasil)3
É comum ouvirmos falar que a história do Brasil começa oficialmente em 22
de abril de 1500, quando a esquadra de Pedro Álvares Cabral ancorou na baía de
Santa Cruz de Cabrália tomando posse destas terras em nome da Coroa Portuguesa4.
3
A Carta de Pero Vaz Caminha a El Como a história depende de documentos escritos, é também em 1500 que começa
Rey D. Manuel é o primeiro docu-
oficialmente a história dos índios que aqui viviam. História esta que já começa sendo
mento escrito que relata o contato
entre índios e portugueses. escrita pelos invasores, pelos portugueses.
Ao chegarem ao Brasil, os portugueses encontraram um território povoado. Seus
4
Vale ressaltar que o primeiro a habitantes, porém, desconheciam a escrita e não deixaram documentos sobre o pró-
descobrir o Brasil foi o navegador
prio passado. O conhecimento que temos sobre os índios brasileiros do século XVI
espanhol Vicente Yanes Pizon no
ano de 1499. fundamenta-se principalmente em relatos e descrições dos viajantes europeus que
aqui estiveram na época.
5
Cardim, Fernão (1625); Gandavo,
A carta de Pero Vaz de Caminha fornece uma dimensão de como a narrativa sobre
Pero de Magalhães (1576); Lery,
Jean (1578); Staden, Hans (1557), a história dos povos indígenas e a história do Brasil foi sendo construída ao longo
Thevet, André (1556) entre outros. dos séculos. Variados são os relatos5, diferentes são as perspectivas. Mas, uma coisa é

42
certa: a história dos povos indígenas tem sido sempre descrita a partir da coloniza-
ção, do encontro entre dois mundos, como a narrativa da transferência de pessoas,
instituições e conhecimentos para um novo mundo, não-europeu.
Nesses relatos as sociedades indígenas são apresentadas marcadamente pelo bár-
baro, pelo exótico e pelo efêmero, como se a existência desses povos fosse algo
fortuito, um obstáculo que logo seria superado e, que com o passar do tempo quase
foi totalmente esquecido.
A “descoberta” é apresentada como um mero acaso, um feliz e casual acidente
de percurso. O primeiro contato entre índios e portugueses narrado com surpresa e
estupor. Um contato amistoso como é possível ler nos trechos da carta de Pero Vaz
de Caminha (1500).
Todavia, um olhar mais atento sobre essas crônicas nos permite perceber uma
exacerbação da diferença na experiência humana no qual o abismo existente entre
usos e costumes é ressaltado de forma unilateral.
Por sua vez, falar sobre a história dos índios no Brasil é uma tarefa árdua visto
que se faz necessário romper paradigmas, propor novos olhares, desconstruir os este-
reótipos, a visão romântica e congelada que a sociedade brasileira tem desses povos.
Nesse sentido, nosso objetivo, não é esgotar o debate sobre qualquer evento
ou período histórico, ao contrário, nossa intenção é fazer pensar, suscitar debates,
estimular a revisão das narrativas sobre os povos indígenas e a história do Brasil que
está equivocadamente descrita ou deformada por visões preconceituosas.

O choque dos mundos

Pindorama
Palavra Cantada

(Terra à vista!)

Pindorama, Pindorama
É o Brasil antes de Cabral
Pindorama, Pindorama
É tão longe de Portugal
Fica além, muito além

43
Do encontro do mar com o céu
Fica além, muito além
Dos domínios de Dom Manuel
Vera Cruz, Vera Cruz
Quem achou foi Portugal
Vera Cruz, Vera Cruz
Atrás do Monte Pascoal
Bem ali Cabral viu
Dia 22 de abril
Não só viu, descobriu
Toda a terra do Brasil
Pindorama, Pindorama
Mas os índios já estavam aqui
Pindorama, Pindorama
Já falavam tupi-tupi
Só depois, vêm vocês
Que falavam tupi-português
Só depois com vocês
Nossa vida mudou de uma vez
Pero Vaz, Pero Vaz
Disse em uma carta ao rei
Que num altar, sob a cruz
Rezou missa o nosso frei
Mas depois seu Cabral
Foi saindo devagar
Do país tropical
Para as Índias encontrar
Para as índias, para as índias
Mas as índias já estavam aqui
Avisamos: “olha as índias!”
Mas Cabral não entende tupi
Se mudou para o mar
Ver as índias em outro lugar
Deu chabu, deu azar

44
Muitas naus não puderam voltar
Mas, enfim, desconfio
Não foi nada ocasional
Que Cabral, num desvio
Viu a terra e disse: “Uau!”
Não foi nau, foi navio
Foi um plano imperial
Pra aportar seu navio
Num país monumental
Ao Álvares Cabral
Ao El Rei Dom Manuel
Ao índio do Brasil
E ainda quem me ouviu
Vou dizer, descobri
O Brasil tá inteirinho na voz
Quem quiser vai ouvir
Pindorama tá dentro de nós
Ao Álvares Cabral
Ao El Rei Dom Manuel
Ao índio do Brasil
E ainda quem me ouviu
Vou dizer, vem ouvir
É um país muito sutil
Quem quiser descobrir
Só depois do ano 2000
(Sandra Perez e Luiz Tatit)

O objetivo neste tópico é responder às seguintes questões: o que permeou


o imaginário de índios e brancos ao se entreolharem pela primeira vez? O que
sentiram? Quem era essa gente que acabara de chegar? O que buscavam? Seriam
deuses aqueles seres saídos do mar? E aos olhos dos recém-chegados? Seria o
paraíso terrestre?
O antropólogo Darcy Ribeiro (1995) ao descrever o que teria sido a percepção de
índios e brancos ao se “encontrarem” pela primeira vez nos revela:

45
Ao longo das praias brasileiras de 1500, se defrontaram, pasmos de se verem uns aos outros
tal qual eram, a selvageria e a civilização. Suas concepções, não só diferentes, mas opostas,
do mundo, da vida, da morte, do amor, se chocaram cruamente. Os navegantes, barbudos,
hirsutos, fedentos de meses de navegação oceânica, escalavrados de feridas do escorbuto,
olhavam, em espanto, o que parecia ser a inocência e a beleza encarnadas. Os índios, ves-
tidos da nudez emplumada, esplendidos de vigor e de beleza, tapando as ventas contra a
pestilência, viam, ainda mais pasmos aqueles seres que saiam do mar (RIBEIRO, 1995, p. 44).

De qualquer forma, o contato pacífico e a visão idílica que a priori se estabeleceu


rapidamente se dissipa e reverte-se no seu contrário: se em princípio, os índios eram
vistos como a boa gente bela, que recebeu dadivosa aos recém-chegados, passaram
logo a ser vistos como canibais, comedores de carne humana, totalmente detestáveis.
Povos sem Lei, sem Rei e sem Fé!
Como ressalta Ribeiro (1995), com a convivência tanto os índios passaram a
precisar diferenças culturais entre os europeus como estes começaram a distingui-
los em grupos de aliados e inimigos, falando línguas diferentes e tendo hábitos e
costumes discrepantes.
Assim, foi surgindo uma etnologia recíproca, por meio do qual uns iam figurando o
outro. Na Europa, as cartas dos navegantes, as crônicas e os testemunhos provocaram
uma gama de interpretações das novidades bizarras que chegavam do Novo Mundo.
No plano religioso, as notícias motivaram o projeto jesuítico de colonização,
uma teologia com a missão salvacionista, que cumpria à cristandade exercer, a ferro
e fogo, se preciso, para incorporar as novas gentes ao rebanho do rei e da igreja.
Cabe lembrar que coube aos missionários religiosos, viajantes e nobres portugue-
ses, franceses e holandeses, que viajaram pelo Brasil ou aqui se instalaram, atuarem
como cronistas do Novo Mundo.
Ora assumindo a posição dos recém-chegados ora assumindo a visão dos índios
da terra, Ribeiro (1995, p. 45-6) relata o seguinte:

Aos olhos dos recém-chegados, aquela indiada louçã, de encher os olhos só pelo prazer
de vê-los, aos homens e as mulheres, com seus corpos em flor, tinha um defeito capital:
eram vadios, vivendo uma vida inútil e sem prestança. Que é que produziam? Nada.
Viviam suas fúteis vidas fartas, como se nesse mundo só lhes coubesse viver.
Aos olhos dos índios, os oriundos do mar oceano pareciam aflitos demais. Por que se

46
afanavam tanto em seus fazimentos? Por que acumulavam tudo, gostando mais de to-
mar e reter do que dar, intercambiar? Sua sofreguidão seria inverossímil se não fosse tão
visível no empenho de juntar toras de pau vermelho, como se estivessem condenados,
para sobreviver, a alcançá-las e embarcá-las incansavelmente? Temeriam eles, acaso,
que as florestas fossem acabar e, com elas, as aves e as caças? Que os rios e o mar fos-
sem secar, matando os peixes todos?

Se para os índios, a vida era uma tranqüila fruição da existência num mundo dadivoso
e numa sociedade solidária. Para os brancos, a vida representava uma tarefa árdua, uma
sofrida obrigação, que a todos condenava ao trabalho e tudo subordinava ao lucro.
De acordo com Ribeiro (1995) o desencontro que aqui se deu de gente índia
que enchia as praias, pasmas de ver as velas enfunadas, e que era vista com fascínio
pelos recém-chegados de além-mar, representava também, o choque biótico mortal
da higidez e da morbidade.
Se por um lado os índios não conheciam doenças, por outro os brancos traziam
da cárie dental à bexiga, à coqueluche e o sarampo. Um exemplo do poder desar-
ticulador das doenças foi a primeira epidemia de varíola que atingiu a Bahia entre
1562-1565 deixando cerca de 30.000 índios mortos. É assim que aqui desde o pri-
meiro contato desencadeou-se uma guerra biológica.
Ou seja, em um primeiro momento a civilização se impôs como uma epidemia
de enfermidades que os índios desconheciam e que eram fatais. Já em um segundo
momento por meio de guerras de extermínio e da escravização.
É nesse ambiente de epidemias, guerras sangrentas de extermínio e escravização
que em poucas décadas desapareceram as povoações indígenas que as caravelas do
descobrimento encontraram por toda a costa brasileira e os primeiros cronistas con-
templaram maravilhados.
Não obstante, a superioridade cristã diante dos nativos “degenerados” justificava
a conquista: para mudar costumes e valores era necessário integrar os nativos ao
trabalho colonial. No Brasil, os diferentes tipos de trabalho compulsório dos índios
junto aos aldeamentos expressavam os conflitos entre os projetos coloniais dos mis-
sionários e os dos colonos, pois envolviam tanto diferentes visões sobre os índios,
quanto à disputa sobre a posse do trabalho indígena, com a consequente consolida-
ção desses respectivos projetos (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 30).
As “guerras justas” para aprisionamento dos índios hostis tinham sua legislação

47
baseada num imaginário difuso sobre práticas indígenas “bárbaras” – canibalismo,
poligamia etc. Tal imaginário era sempre acionado em defesa dos interesses econô-
micos dos colonos. O embate dos missionários com pajés supostamente demoníacos
tinha raízes no imaginário medieval da luta cristã contra feiticeiros, bruxas. Por isso
encontramos uma iconografia recorrente nos textos dos cronistas muito distante
da realidade. Foi embasado nessas representações, associadas a argumentações de
distintas ordens, que se forjou a crença do caráter filantrópico e humanitário da
intervenção colonizadora (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 30).

Os índios na Colônia

No período colonial, os índios


eram divididos em livres ou al-
deados e tapuias ou inimigos da
Coroa portuguesa. Tal classifica-
ção envolvia relações complexas
entre os povos indígenas e os
europeus. Cabe ressaltar que os
índios estabeleciam relações de
Rugendas. Aldeia de tapuias. aliança ou de conflitos conforme
seus interesses e de acordo com o contexto regional e temporal do Brasil. Os índios livres
eram considerados aliados dos portugueses e a eles era garantida a liberdade durante
toda colonização. São considerados donos de suas terras, passíveis de serem recrutados
para trabalhos dos moradores, devendo receber salários e serem bem tratados.
O índio servia como importante defensor das fronteiras coloniais, além de con-
tribuir para a produção de alimentos e promover o povoamento nos aldeamentos.
Trabalhavam na agricultura, na construção de casas, igrejas, aldeias, serviços domés-
ticos, obras públicas e nas tropas coloniais.
No aldeamento, os chefes indígenas tinham papel importante, pois ainda desem-
penhavam a função de liderança mesmo com a ação missionária dos jesuítas. Muitos
povos preferiam viver nas aldeias como forma de evitar a dizimação de seus grupos,
bem como garantir a posse da terra e ao se aliarem com os portugueses estabeleciam
domínio de áreas antes disputadas com outros povos rivais.

48
Os portugueses incentivavam as disputas interétnicas dos grupos indígenas,
assim como os índios buscavam alianças com outros povos europeus quando o
enfrentamento com os portugueses se fazia por meio de guerras e dizimação.
Nesse contexto, podemos citar o caso dos Tupinikim que no início da colonização
preferiram aliar-se aos franceses. No Rio de Janeiro, temos os Tamoios que se
aliaram aos franceses enquanto os Temiminós aos portugueses. E os Tamoios e os
Temiminós eram povos inimigos.
Nesse período, muito se discutiu sobre a ação de dizimação dos portugueses por
meio das guerras, das doenças e dos trabalhos forçados. Nos aldeamentos, os povos
eram obrigados a seguir costumes e novos hábitos distintos do seu universo cultural.
Eram proibidos de falar seu idioma nativo, não podiam praticar sua antiga religião e
destituídos de seus costumes e tradições.
A política do aldeamento teve sua condução pelos jesuítas. Dentre suas estraté-
gias de colonização e doutrinação ao cristianismo, destacam-se o aprendizado do
Tupi, o ensino de músicas, de cantos, de rezas, de teatro, das festas e das procissões.
Os línguas eram os intérpretes indígenas. Os jesuítas ensinavam a leitura e a escrita
do evangelho. Nos colégios de meninos, as crianças eram educadas através de músi-
ca sacra, liturgias, catecismos, gramáticas e vocabulários com o auxilio de intérpretes.
Segundo Almeida (2010, p.91), o Tupi ou língua geral, poderia ser utilizado como
uma língua de homogeneização pelos europeus. No entanto, atuou como fator de
coesão identitária dos diversos povos indígenas. Ao aprender a ler e escrever, algumas
chefias indígenas reivindicavam seus interesses diretamente à Coroa portuguesa.
Os jesuítas eram responsáveis pela catequese e também pela organização e pela re-
partição dos trabalhadores indígenas para a aldeia e para a Coroa. Quanto à produção
a repartição correspondia ao regime da “terça parte”, sendo um terço reservado para a
aldeia, outro terço para a Coroa e o restante repartido para os moradores. Períodos de
trabalho eram divididos em seis meses por ano, em períodos alternados de dois meses.
Além da ação jesuítica, foi uma constante da política colonial promover os des-
cimentos. Os descimentos eram deslocamentos de às vezes centenas de índios de
seu local de origem para pontos distantes visando promover o aldeamento. Essas
expedições saíam do interior para o litoral, com o objetivo de deslocar índios de suas
aldeias de origem para os núcleos portugueses. Era comum, nesses descimentos, que
os colonos ofertassem presentes aos chefes indígenas como forma de convencimen-
to para o empreendimento colonial. Resultavam de deslocamentos de povos inteiros

49
e partem da persuasão das tropas lideradas ou acompanhadas por um missionário.
Para Almeida, 2010, p.76, os descimentos eram atividades importantes e essenciais
para originar as aldeias e manter os níveis populacionais diante de um cotidiano de
fugas, mortes, guerras, maus tratos e epidemias.

A guerra justa
era aplicável a todo
índio que se recu-
sava a receber a fé
cristã e não aceitasse
a política colonial.
Suas principais cau-
sas eram a recusa à
Dança tapuia. Albert Eckout. conversão, impedi-
mento de propagação da fé, prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portu-
gueses e quebra de pactos celebrados. Os Botocudos destacaram-se como povo hostil à
Coroa portuguesa sendo frequentemente passíveis de guerras e políticas de extermínio.
O resgate no aprisionamento dos índios. Os índios de corda deveriam ser con-
vertidos e civilizados. Quando o cativo pagasse com seu trabalho o preço do resgate,
poderia ser liberto. A Coroa permitia que os índios também possuíssem resgatados,
que geralmente eram povos inimigos.
Os índios possuíam formas de resistência à política de dominação colonial como
as fugas dos aldeamentos, o batismo invertido, o não cumprimento dos trabalhos,
dentre outros. Ao aceitar o aldeamento, os índios consideravam-se súditos e vassalos
da Coroa, portanto, possuidores dos mesmos direitos que homens livres que servem
ao rei. Nos documentos coloniais, existem casos de chefes indígenas que reivindicam
seus interesses utilizando-se dessa condição de considerarem-se súditos da Coroa.
Embora existissem leis favoráveis aos índios no período colonial, elas não se
efetivavam na prática. Algumas leis estabeleciam a proibição de misturar etnias. No
entanto, os aldeamentos possuíam índios de diversos povos, brancos e negros. Fazia
parte da política colonial promover casamentos interétnicos.
A lei de 1 de abril de 1680 estabelecia a proibição de cativeiro indígena. No en-
tanto, sua promulgação promoveu revoltas dos colonos. Nos grandes aldeamentos,
os índios haviam garantido o direito às terras para sua sobrevivência e para o cultivo.

50
A guerra dos bárbaros

Durante o século XVII, no semi-árido nordestino entre a Bahia e o Ceará, ocorreram


conflitos pela posse da terra entre colonos e índios das etnias: Tarairiú, Ariú, Janduí,
Payayá, Icó, Paiacu, considerados como tapuios ou hostis.
Na Bahia, conflitos envolvendo povos Tupinambá, nas chamadas guerras do re-
côncavo, datam de 1555, com a construção de Salvador e só terminaram com as
expedições punitivas de Mem de Sá.
Os combates contra os Tapuios ocorreram com o apoio de índios aldeados.
Esses combates foram marcados por deslocamentos, mobilidades e unificações
de grupos estimuladas pelos jesuítas. Entre 1651 e 1656, os Tapuios atacaram a
região do Recôncavo baiano em fatos chamados de Guerra de Orobó, Guerra do
Aporá e Guerras no São Francisco.
Na Guerra de Orobó, os índios Payayá foram recrutados pelos portugueses para
lutarem contra os Tapuios. Alguns Payayá se revoltaram contra os portugueses e
foram deslocados pra o litoral. A Guerra de Aporá consistiu em uma guerra justa
contra os Topin e outros povos. Novamente, os índios Payayá foram contatados para
lutar contra os Tapuios.
Nas guerras do rio São Francisco, sete aldeias dos Anaio se revoltaram contra os
criadores de gado. Dessa vez, os portugueses convocaram os Kariri e promoveram o
apresamento de centenas de índios.
Oliveira; Freire (2006, p.55), afirmam que a guerra dos bárbaros mostrou que os
povos indígenas possuíam reações diversas diante da colonização. A complexidade
das relações envolveu articulações de diferentes formas entre os povos e reelabo-
rações socioculturais. Também houve um processo de territorizalização, a partir do
tratado de paz e seu não cumprimento pelos colonizadores.

A Revolta de Ajuricaba

No Vale do Rio Negro, na Amazônia, a população indígena, no século XVII, explorava


as drogas do sertão como mão de obra para os portugueses interessados em expandir
as fronteiras coloniais e comercializar escravos indígenas. Em 1649, com a constru-
ção da Fortaleza de São José da Barra, o jesuíta Antonio Vieira afirmou que mais de

51
dois milhões de índios haviam sido mortos durante a colonização do Maranhão e
Grão-Pará (PREZIA; HOONAERT, citado por OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p.58).
Os índios Manao dessa região, de língua aruak, dominavam outros povos da
bacia do Rio Negro. Os portugueses trocavam cativos por armas, utensílios e fer-
ramentas. Huiubene, tuxaua manao foi morto pelos portugueses por desenten-
dimentos comerciais. Em 1723, o filho de Huiubene, Ajuricaba afastou os povos
indígenas das aldeias portuguesas e preparou emboscada contra eles. Os índios ob-
tiveram armas com os holandeses da Guiana. Por meio da lei de 28/04/1688 sobre
a guerra justa, foram realizados dois Regimentos de Tropa de Guerra e Resgates no
Rio Negro. Dessa forma, os índios Manao e o líder Ajuricaba foram considerados
inimigos dos portugueses.
Estima-se que mais de 40 mil índios foram mortos nas lutas contra os portugue-
ses. Ajuricaba rebelou-se, no caminho da prisão para Belém, e morreu afogado no
rio Negro em sua tentativa de fuga. Ele se tornou mito na Amazônia.

As missões jesuíticas

As missões, ou reduções jesuíticas, se estabeleceram na bacia platina em 1588. Os je-


suítas espanhóis fizeram um acordo com a Coroa espanhola para se afastarem dos nú-
cleos coloniais e estabeleceram missões na região do Guairá. (Decreto de 11/10/1611).
Na região do Guairá, atual estado do Paraná, as missões garantiam a navegação
e o comércio pela Bacia do Prata e aldeavam índios hostis à colonização e impe-
diam as bandeiras paulistas.
Nas missões, houve muitos conflitos entre índios e jesuítas em função da diver-
gência entre as autoridades dos xamãs e dos padres.
A Coroa espanhola tornou-se omissa quanto aos desentendimentos entre colo-
nos e jesuítas sobre a utilização da mão de obra indígena. As missões tornaram-se
suscetíveis aos ataques dos bandeirantes paulistas. Segundo Monteiro( 1994), ban-
deirantes como Manuel Preto preavam mais de dois mil índios Tupi de São Paulo e
milhares de índios Guarani aldeados das missões. Em apenas quatro anos, os ataques
dos bandeirantes levaram ao fim do Guairá.
Os bandeirantes, aliados pelos índios Tupi, chegaram até o oeste do Mato Grosso
e atacavam as missões do Tape, região correspondente ao estado do Rio Grande do

52
Adaptado de: http://cafehistoria.
ning.com/photo/mapa-historico-
brasil-povos?context=popular

Sul. As bandeiras paulistas foram derrotadas pelos Guarani nas batalhas de Casapa-
guaçu e na batalha de Mbororé (1638 e 1641, respectivamente).
As guerras guaraníticas foram conflitos violentos entre os Guarani e os coloniza-
dores portugueses e espanhóis. O Tratado de Madri, assinado por Portugal e Espanha
em 1750, permutou os territórios espanhóis dos Sete Povos das Missões (São Borja,
São Nicolau, São Miguel, São Luiz Gonzaga, São Lourenço, São João e Santo Ângelo)
com o território português da colônia do Sacramento. Esse tratado garantiu os limites
de território das colônias dos dois países, mas os índios da região sul do Brasil não
aceitaram ser transferidos para o outro lado do rio Uruguai, originando o conflito.
Em 1753, os índios começaram a resistir às tentativas de demarcação de frontei-
ra. Em resposta à resistência indígena, os governos espanhol e português enviaram
tropas de Buenos Aires e Rio de Janeiro para combater os índios. O capitão Sepé
Tiaraju foi um dos principais líderes da guerra. Em 1756, os índios guarani se ren-
deram, pondo fim ao conflito.

53
O Diretório dos índios

Em 1755, foi decretada a Lei de


Liberdade que proibia definitiva-
mente a escravização dos índios.
No século XVIII, em relação aos
povos indígenas, foi estabelecida a
Botocudos. Maximilien de política do Diretório dos índios. O
Wied-Newied Diretório, implantado em 1757 no
Pará e no Maranhão, se estendeu como política colonial para o Brasil em 1758 e
tratava da liberdade e da administração dos povos indígenas. Suas funções eram:
a expansão da fé cristã e do Evangelho, a civilização dos índios, o aumento da
agricultura, a introdução do comércio e o bem comum dos vassalos.
Inicialmente, os índios seriam os administradores dos Diretórios. Porém, o go-
verno avaliou que eles não eram capazes de governar, devido à ignorância e falta de
aptidão. Então, nos Diretórios apregoou-se a necessidade de um diretor nas povoa-
ções que dominasse a língua indígena.
As aldeias foram transformadas em vilas. Os índios passaram a ser governados por
juízes e vereadores. A Diocese ficou responsável pela cristianização dos índios e todo
o ensino e a comunicação deveriam ser efetuados somente em língua portuguesa.
As escolas atuavam como espaço de civilização dos índios, que aprenderiam
ofícios domésticos e de subsistência. As famílias indígenas passaram a viverem sepa-
radas, em casas próprias. Os índios foram obrigados a se vestirem.
Quanto à distribuição de terras, os índios não deviam ser prejudicados, favorecendo o
comércio e a agricultura. Permitia-se o emprego da força de trabalho indígena para particu-
lares e a produção de gêneros alimentícios e o cultivo de algodão para produção de tecidos.
O Diretório determinava o pagamento de dízimos sobre a produção dos índios.
Os diretores eram responsáveis pela contabilidade e pelo controle dos dízimos e do
comércio com os índios. As Câmaras das povoações eram responsáveis pela extração
de drogas do sertão, descontavam os dízimos, os custos da expedição e dos diretores
das povoações. O restante ficava com os índios.
Em 1798, após o fim do Diretório, os juízes de órfãos passaram a cuidar dos
contratos de trabalhos dos índios civilizados. Os juízes e o Estado brasileiro conside-
ravam os índios incapazes de assegurar seus direitos.

54
Os índios e o Império

Com a lei de Terras, em 1850, o interesse do Estado brasileiro atuava em estabele-


cer uma política pública de controle das terras devolutas. No início do século XIX,
As cartas régias (13.05; 28.04; 05.11 e 02.12 de 1808) estabeleciam que as terras
conquistadas por meio de guerras justas seriam consideradas devolutas. (OLIVEI-
RA; FREIRE, 2006, p.74)
O Regulamento das Missões (1845)
permitiu a reunião e remoção de aldeias,
o arrendamento e o aforamento das terras.
Permitia-se aos índios, de bom comporta-
mento, receberem, depois de 12 anos de
cultivo, as terras separadas da aldeia por
meio de Carta de Sesmaria. (OLIVEIRA;
FREIRE, 2006, p.74)
Em 1850, uma decisão do Império man-
dou incorporar às terras da União às ter-
ras indígenas não aldeados. A Lei 3.348 de Puris. Rugendas
20/10/1887 passou as terras de aldeias extintas para os municípios. As terras, das
aldeias extintas e também as devolutas das províncias, passaram ao poder dos esta-
dos durante a Constituição de 1891.
No império, os índios sofreram grandes perdas territoriais. Os direitos indígenas
dependiam dos dirigentes públicos. Os aldeamentos e as sesmarias foram reavalia-
dos. As terras do litoral, muitas vezes foram identificadas como devolutas e passavam
ao domínio privado. Muitos índios foram expulsos de suas terras nesse período.
As terras demarcadas aos índios remanescentes ampliaram a desestrutu-
ração interna, alteraram sua forma de trabalho tradicional e os subjugou ao
mercado regional. Os índios viviam como trabalhadores sem terra e eram con-
siderados caboclos.
Nesse período, os índios eram recrutados pela Marinha e pelo Exército em
lutas contra quilombolas, conflitos interétnicos e na Guerra do Paraguai. Após a
Guerra do Paraguai, o governo imperial adotou medidas para defender e ocupar
a região amazônica e criou postos militares, vilas e povoados, além de incentivar
atividades econômicas locais.

55
A Cabanada

A Cabanada durou entre 1833-1834. Na região Nordeste, em Alagoas e Pernambu-


co, a política imperial visava favorecer as elites da burguesia comercial portuguesa,
aos senhores de engenho, ao clero e aos pequenos e médios proprietários de terra.
A política liberal estimulava a apropriação fundiária que acarretou em revoltas de
moradores, lavradores e índios que defendiam suas terras. Em 1831, ocorreu uma
revolta no Ceará seguida por Pernambuco e Recife.
As terras dos índios foram obtidas por meio de doações dos portugueses em
função do combate contra os holandeses e negros quilombolas. No entanto, as
terras indígenas sofriam pressões dos senhores de engenhos. Escravos fugidos,
índios e mestiços, os cabanos, se insurgiram contra a apropriação de suas ter-
ras pelos senhores de engenho. A população se aliava a setores conservadores
da burguesia lusitana e do Clero para trazer de volta D. Pedro, símbolo das leis
absolutistas e coloniais.
Os cabanos reuniram-se na região de Panelas do Miranda, no interior de Alagoas,
liderado pelo lavrador Antonio Timóteo de Andrade. Nesse contexto, os índios de
Jacuípe foram recrutados à força pelos latifundiários e políticos para comporem suas
terras. Um cacique foi assassinado e os índios se uniram aos rebeldes de Panela do
Miranda. Os cabanos foram atacados por índios Tupi, arregimentados pelo presiden-
te da Província do Pernambuco.
No conflito, índios tapuios, como de Atalaia, Palmeira dos Índios, Jacuípe e Pa-
nelas do Miranda enfrentaram os índios legalistas. Os Xucuru combateram ao lado
dos Cabanos. O bispo de Pernambuco propôs a rendição e a anistia dos índios.

A Cabanagem

Ocorreu no Pará e no Amazonas. Os cabanos eram os Tapuias, isto é, índios cristiani-


zados e considerados pacíficos, mas também formados por negros escravizados e di-
versos grupos indígenas e ribeirinhos. Esse grupo se aliou a pequenos proprietários e
outros trabalhadores explorados pelos intermediários contra interesses políticos con-
servadores. A população ribeirinha era denominada de Tapuios, maioria na revolta.
Dentre as causas do movimento, destacam-se a escravidão, a negação da cidadania

56
aos tapuios, a morte de mais de 200 paraenses e um navio prisão, a impunidade dos as-
sassinos dos cabanos, os golpes políticos regionais e do Partido Caramuru (restaurador).
A Cabanagem defendia ideais republicanos e a autonomia do Estado brasileiro.
Depois centralizou-se na defesa da liberdade dos escravos e da cidadania dos cabanos.
A rebelião envolveu diversos combates contra as tropas imperiais. Como resultado, o
movimento teve um massacre de comunidades indígenas em torno de 30 mil cabanos.

Os índios e a República

O Marechal Cândido Rondon foi


nomeado para trabalhar na chefia
da Comissão Construtora de Li-
nhas Telegráficas de Mato Grosso,
com o objetivo de expandir as li-
nhas pela fronteira do Mato Gros- O Marechal Rondon diante de
três Tiriyó.
so e ao mesmo tempo promover
a colonização e o desenvolvimen- Fonte: acervo Comissão
to agrícola e pecuário da região. Rondon, 1928.
Rondon acreditava que os índios podiam se tornar mão de obra na defesa das
fronteiras e no desenvolvimento econômico.
Os trabalhos adotados no Mato Grosso se expandiram, em 1907, para a região
Amazônica e o Acre. Rondon foi então convidado pelo presidente Afonso Pena
para chefiar a nova Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas de Mato Gros-
so ao Amazonas. Assim, impulsionados por ideias positivistas, a missão Rondon
procurou civilizar e integrar os índios à nação e ao mundo do trabalho. Rondon
contou com a participação de naturalistas que coletavam artefatos indígenas,
plantas, animais e minerais.
Os índios Paresi e Cabixi participaram da construção do telégrafo. Instalaram
2.268 km de linhas telegráficas, estradas de rodagem, além de cartografar rios e
uma imensa região.
O Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPIL-
TN) ou SPI foi criado em 1910, a partir das redes sociais do Ministério da Agricultura
e Comércio (MAIC), do Apostolado Positivista e do Museu Nacional.

57
Desde 1906, o MAIC previa a civilização e a catequese dos índios. Os positi-
vistas da Comissão Rondon participaram das discussões sobre a capacidade e a
evolução dos povos indígenas do Brasil. Rondon propôs a criação de uma agência
indigenista do governo com agentes delegados regionais. Os objetivos dessa agên-
cia eram: promover a convivência pacífica com os índios, garantir a sobrevivência
física dos povos, promover a civilização dos índios, influir sobre a vida indígena,
fixar o índio à terra, promover o povoamento no interior do país, utilizar o índio
como mão de obra agrícola, integrar o índio como cidadão nacional. (SOUZA
LIMA, citado por ROCHA; FREIRE, 2006, p. 113).
O SPI procura afastar as igrejas e a catequese indígena do trabalho com os ín-
dios obedecendo ao princípio laico republicano. Os índios aprendiam nas escolas
agrícolas ofícios, como marceneiros, pedreiros, agricultores, etc. O objetivo do SPI
era transformar o índio em trabalhador nacional e integrá-lo à nação. O SPI atuava
em estratégias em fases de atração, pacificação, civilização e regularização da pos-
se. Existiam também os postos indígenas, as povoações e os centros agrícolas. Os
quadros do SPI não eram qualificados para se relacionar com os índios. Havia desde
militares positivistas a trabalhadores rurais sem formação.
Durante o contato do SPI com os índios foram registradas epidemias de varí-
ola, gripe, tuberculose, coqueluche, pneumonia, sarampo e outras que levaram a
dizimação dos povos.
O Código Civil de 1916 e o Decreto n. 5.484 de 1928 estabeleciam que os índios
eram tutelados pelo Estado. As terras indígenas, seu modo de vida, suas sociabilida-
des e suas relações com não índios passaram a ser gerenciadas pelo governo.

A Funai

Durante meados dos anos 1960, o SPI sofreu acusações de genocídio contra índios,
corrupção dos funcionários e ineficácia administrativa do órgão. Diante disso, foi
instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Dessa investigação resultou em
demissão e suspensão de diversos servidores. Em 1967, o SPI foi extinto. Em 5 de
dezembro de 1967 foi criada, pela Lei 5.371, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Em 19 de dezembro de 1973 foi sancionada a Lei n. 6001, o Estatuto do Índio
que regulava sobre a situação jurídica dos índios e das comunidades. O estatuto é

58
formado sobre os direitos civis e políticos, terras, bens, rendas, educação, saúde,
cultura e penalidades. A ideologia que marca o estatuto é a civilizatória e integracio-
nista. A Funai também era organizada por meio de postos indígenas e de inspetorias
depois transformadas em delegacias regionais.

O Parque Nacional do Xingu

Em 1961, no governo do Presidente


Jânio Quadros, foi criado o Parque
Índios Kayapó no Encontro Xingu
Nacional do Xingu, resultado de uma Vivo para Sempre.
luta dos irmãos Villas-Boas e o antro-
Foto: Raul Telles do Valle/ISA, 2008
pólogo e educador Darcy Ribeiro, cujo
intuito era preservar não apenas as Fonte: http://g1.globo.com/platb/
condições de sobrevivência dos povos, natureza-isa/2010/04/
mas também o patrimônio natural dessa região.
A criação do Parque teve como inspiração o modelo estadunidense de preser-
vação da natureza. A concepção de proteção aos índios fazia-se necessária dian-
te do medo de extermínio desses povos e sua consequente evolução e assimila-
ção pela sociedade não-índia. Entre a proposta original e o decreto do parque
houve perda de mais da metade da área inicialmente prevista, sendo excluídas
as nascentes dos rios.
Atualmente, em sua porção sul, o Parque do Xingu engloba a área cultural co-
nhecida como Alto Xingu, da qual fazem parte os povos Aweti, Kalapalo, Kamaiurá,
Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukuá, Wauja e Yawalapiti.

O massacre do Paralelo 11

Entre 1950 e 1960, no estado do Mato Grosso, grupos de fazendeiros, ma-


deireiros e colonos lançavam alimentos contaminados com arsênico, roupas
e brinquedos com vírus da gripe, sarampo e varíola sobre os povos indígenas

59
da região, pois se tratava de uma área de fronteira agrícola. O assassinato
em massa de índios cinta-largas teve participação de funcionários do SPI,
como o diretor, o Major da Aeronáutica Luiz Vinhas Neves, em meados dos
anos 1960. Após a investigação baseada em um relatório oficial de 5.115
páginas distribuído ao longo de 21 volumes, o Major Neves foi demitido.
O relatório, produzido por uma comissão instalada para estudar o caso,
afastou 200 funcionários do SPI, indiciou 134, incluindo dois ex-ministros,
dois generais, um tenente-coronel e dois majores. Dos acusados, 38 foram
demitidos a bem do serviço público e 17 presos, entre eles Vinhas Neves. O
Massacre do Paralelo 11 incluiu do roubo ao estupro, passando por grila-
gem, assassinato, suborno, tortura.

Fonte: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/05/280435.shtml

60
Espírito Santo:
especificidades locais
Kalna Mareto Teao
Klítia Loureiro

Objetivo

Apresentar estudos arqueológicos que indicam a presença de povos indígenas no territó-


rio do atual Estado do Espírito Santo desde a pré-história até primórdios da colonização.

Os índios no Espírito Santo: um resgate arqueológico

No Espírito Santo, de um modo específico notícias sobre a presença de povos indí-


genas remontam à pré-história. Estudos arqueológicos concluem que a ocupação
do território do atual Estado do Espírito Santo começou durante a pré-história
6
Sambaquis: amontoados de
brasileira, 3.200 a.C. (antes de Cristo), ou 5.200 a.P. (antes do Presente), cujos
conchas de ostras e outros maris-
vestígios são os sambaquis6. cos, encontrados principalmente
A partir do ano 500 d.C, enquanto o Império Romano era destruído pelos “bárba- ao longo dos rios Piraquê-açú,
ros”, em 475 d.C., conviviam em períodos próximos no território capixaba, possivel- Riacho e Comboios, depositado
pelos povos caçadores, pescadores
mente três tradições culturais indígenas, nomeadas pelos especialistas (arqueólogos,
ou coletores de alimentos na na-
antropólogos e historiadores) como: tureza, que costumavam escavar e
1) 500 – 1.500 – Tradição Tupi ou Tupi-Guarani – representada pelos Tupinam- fazer moradias.

bá, Tupinikim, Guarani; 7


PEROTA, Celso. Os índios em Ara-
2) 800 – 1800 – Tradição Aratu; cruz. Vitória, 1996. Texto produzido
3) 1.000 –1.600 – Tradição Una, principal referência os Puri e os Coroado. para A empresa Aracruz celulose.

61
8
A nação brasileira quando Cabral A tradição tupi-guarani no Espírito Santo
aqui chegou conforme Capistrano
de Abreu era formada por setenta
e seis tribos, divididas em cinco Tupi-Guarani é uma denominação criada pelos arqueólogos que identifica a pro-
grupos distintos. 1) Os Tupis ou dução cerâmica associada aos grupos humanos de origem Proto-Tupi ou Proto-
Tupi-guarani, considerados o
Guarani7. A palavra Tupi-Guarani refere-se à família linguística que reúne um
principal povo indígena e o mais
numeroso, habitava o litoral do Rio conjunto pluriétnico, composto pelos Tupinambás, Tupiniquin e Guarani. Os gru-
Grande do Norte ao Rio Grande pos com esta produção cerâmica correspondem àqueles que estabeleceram os pri-
do Sul. Também encontrados no meiros contatos com os europeus.
médio Uruguai, no Paraguai e,
pela costa, quase até os Andes; no
A tradição Tupi-Guarani8 é encontrada em todos os estados brasileiros e apresen-
baixo e no médio São Francisco ta uma infinidade de particularidades. No Espírito Santo costuma ser identificada em
e também na margem meridional três fases: a Cricaré, a Tucum e a Itabapoana.
do Amazonas. Entre o Rio Grande
Evidências arqueológicas indicam que o povoamento tupi-guarani era constitu-
do Norte e o Rio Grande do
Sul, subdividiam-se em: Carijós, ído de um grupo de casas comunais, cada uma abrigando um número de famílias
Tupiniquims e Tupinambás; 2) Os aparentadas. A agricultura era praticada em larga escala, com o plantio de mandioca
Kiriris ou Cariris (tristonhos em
e o milho, no final do período. A presença do milho é devidamente comprovada
língua tupi), viviam no interior,
desde os rios Paraguaçu e São
pela decoração plástica da cerâmica denominada escovado que é o resultado da
Francisco ao Parnaíba. Esse grupo impressão dos sulcos do sabugo de milho na pasta da cerâmica (PEROTA, 1996). É
só entrou em contato com os in- encontrada no Vale do Rio Doce e em seus afluentes, também no Vale do Rio Cricaré
vasores no século XVII; 3) O grupo
ou Rio São Mateus e em toda a faixa litorânea do Estado.
Jê, também conhecido pelo nome
de Aimorés, na Bahia, Botocudos, O grupo linguístico tupi-guarani é representado pelos povos indígenas Tupinam-
no Espírito Santo e Minas Gerais; bá, Tupinikim e Temiminó que habitaram ou habitam, como no caso dos Tupinikim
Apinagés, no Maranhão, e Bugres
e dos Guarani Mbya, predominantemente o litoral, parte dos Vales dos rios Cricaré,
ou Sinklão, em Santa Catarina;
4) Composto pelos Caraíbas ou Ca- Itapemirim e Itabapoana.
ribes; 5) Faziam parte os Maipures,
de Gilli; Nuaruaquis, de Steine,
Aruães e Nheegaibas (os que falam
mal a língua), da foz do rio Ama-
A tradição Aratu
zonas; Wapichanas e Manaus, do
Amazonas e da Guiana; Paramaris, Os povos denominados Aratu9 são conhecidos apenas arqueologicamente, uma vez
do Purus; Castenaus, do Xingu,
que não tiveram contato com os europeus que aqui chegaram, no início do século XVI.
e Guanás, do Paraguai. Além
desses cinco grupos, Capistrano Os grupos Aratu estão relacionados ao tronco linguístico Macro-Jê. Há registros
aponta para a existência de outros desta tradição cultural desde Mato Grosso, passando por Minas Gerais, interior de
menores, como Goitacases, em São Paulo, Goiás, litoral do Espírito Santo, todas as regiões do Estado da Bahia, Ser-
Campos/RJ; Guaicurus, Charruas
e Minuanos, no rio da Prata, além
gipe, Piauí e outros Estados do Nordeste.
dos Panos, no Amazonas. Na costa brasileira, são poucos os sítios Aratu bem preservados e até agora iden-

62
tificados. De acordo com os resultados de datações, os Aratu habitaram esta região
entre os séculos X e XIV. No Espírito Santo encontra-se representada por quatro
fases: Jacaraípe, Itaúnas, Guarabu e Camburi. Sobre essas duas últimas fases não
existem estudos detalhados devido a pouca quantidade de sítios encontrados.
Os dados etnográficos e etnológicos indicam que a filiação dessa tradição é com
os índios classificados na família lingüística Malali, Maxacali e Pataxó.

A tradição Una

A família Puri-coroado, cuja representação no Estado do Espírito foi mais significativa


é a de Puri e esteve presente no Sul do Estado, principalmente no vale do Rio Itapemi-
rim e na região montanhosa dos municípios de Castelo, Conceição do Castelo, Muniz
Freire, Iúna, Alegre, Guaçui e em toda a Serra do Caparaó. (PEROTA, 1996, p. 11).
Pequenos grupos dessa família fixaram-se no litoral sul até o século XIX e outros
foram aldeados na região serrana, nas cabeceiras dos formadores do Rio Itapemirim.

Os índios do Espírito Santo e a colonização

A costa atlântica, ao longo de milênios foi percorrida e ocupada por inúmeros povos
indígenas que disputavam os melhores nichos ecológicos, se alojando e desalojando e
realojando, incessantemente. Nos últimos séculos, porém, índios de fala tupi, bons guer-
reiros, se instalaram dominadores, na imensidade da área, tanto à beira-mar, ao longo de
toda a costa atlântica e pelo Amazonas acima, como subindo pelos rios principais, como
o Paraguai, o Guaporé, o Tapajós, até suas nascentes.
Configuraram, desse modo, a ilha Brasil, de que falava o velho Jaime Cortesão (1958),
perfigurando, no chão da América do Sul, o que viria a ser nosso país. Não era obvia-
mente, uma nação, porque eles não se sabiam tantos nem tão dominadores. Eram tão só,
uma miríade de povos tribais, falando línguas do mesmo tronco, dialetos de uma mesma 9
O termo Aratu foi empregado pela
língua, cada um dos quais, ao crescer, se bipartia, fazendo dois grupos que começavam a primeira vez como identificador dos
vestígios arqueológicos encontrados
se diferenciar e logo se desconheciam e se hostilizavam (RIBEIRO, 1995, p. 29).
nas escavações no Centro Industrial
de Aratu, região metropolitana de
Antes de apresentarmos a situação atual dos povos indígenas Tupinikim e Gua- Salvador – Bahia.

63
rani Mbya que habitam o litoral norte do estado do Espírito Santo, mais precisa-
mente o município de Aracruz, cabe tecer algumas considerações sobre o passado
histórico desses povos e os conflitos estabelecidos com as frentes de expansão da
sociedade luso-brasileira. Cabe ainda verificar até que ponto esses povos, em con-
tato direto com a “civilização”, desde o período colonial, conseguiram resistir às
mais variadas formas de opressão exercidas por componentes diversos advindos de
um modelo cultural ocidental-cristão.
Quando Pedro Álvares Cabral10 aqui desembarcou, habitavam nestas terras
aproximadamente 5 milhões de índios que se estendiam por mais de 8 milhões
de km2. É fato que dois universos culturais totalmente distintos se defrontaram
e se defrontam. De um lado, o universo indígena que representa o desconhecido,
as formas de pensar e agir não condizentes com a doutrina da Igreja e do Esta-
do à época da Revolução Comercial, do individualismo econômico e da Contra-
Reforma, sem falar do Absolutismo em processo de consolidação. Do outro lado, o
mundo europeu dominado por uma ideologia maniqueísta, dualista e eurocêntrica.
10
Ao contrário do que ensinam O objetivo era, tão somente, submeter esses povos a formas alienígenas de traba-
boa parte dos livros didáticos não lho, de organização social e política, de credos religiosos com o aval do Estado e
foram os cabralinos os primeiros
da Igreja (MARCATO, 1980a).
estrangeiros que aqui aportaram.
Historicamente está provado que
Em outras palavras, o desejo maior do colonizador sempre foi converter os povos
no período que vai de junho de indígenas em mão-de-obra dócil, passiva e obediente, para assim auferir lucros de
1499 a mio de 1500, estas plagas seu trabalho. O índio litorâneo foi mão-de-obra essencial nos primórdios da coloni-
foram visitadas por três espanhóis:
zação européia, sofrendo, portanto, todas as compulsões impostas por um trabalho
Alfonso Hojeda, Vicente Yanez
Pinzón e Diego de Lepe, pela escravo de fato ou de direito.
ordem cronológica. Por falta de Ao analisar o lugar dos povos na formação do Brasil contemporâneo Caio Prado
perspectivas ou por outro motivo
Júnior (1942, p. 79-110) afirma que “[...] o índio foi o problema mais complexo que
qualquer, esses aventureiros ibéricos
não se fixaram e também não a colonização teve que enfrentar”. Trata-se, de acordo com o autor, de um problema
tiveram i patriotismo de assegurar concreto e agudo: em todas as capitanias, os índios resistiram à incorporação força-
ao seu país de origem o domínio e da pela sociedade colonial. Sem a intervenção agressiva do governo português, que
a glória da descoberta. Olharam a
desorganizou as sociedades indígenas e as diluiu na massa geral da população, era
terra, aspiraram o ar hospitaleiro,
naturalmente fizeram algum saque, de se esperar que algumas capitanias jamais fizessem parte do País. Devido ao avan-
e foram embora. Deixaram para os ço das frentes de expansão econômica por todo o território conquistado, o conflito
portugueses a honra da descoberta
entre colonos e índios se intensificara.
(LUNA, Luís. Resistência do índio
à dominação do Brasil. Fora do No Espírito Santo, desde o início da colonização os conflitos entre os indígenas e
Texto, Coimbra, 1993, p. 9. colonizadores se fizeram presentes. A primeira reação aos portugueses foi de hostili-

64
dade. Já em 1535, o donatário Vasco Fernandes Coutinho enfrentou os indígenas na
edificação da Vila Velha. Os índios “insubmissos” embrenharam-se na Mata Atlântica
e atacaram os moradores dos núcleos coloniais.
Para melhor se obter a sujeição dos índios do litoral do Espírito Santo, bem
como afastar a ameaça francesa e ao mesmo tempo incorporar a capitania ao sis-
tema colonial, a partir de meados do século XVI a metrópole passou a incentivar a
política de aldeamentos jesuíticos. Isso porque a resistência indígena tornou infru-
tífero qualquer empreendimento colonizador na capitania (MACATO, 1989, p. 5).
Ao término do século XVI, quatro são os aldeamentos a que temos referên-
cias: São João, Nossa Senhora da Conceição (atual município da Serra), Nossa
Senhora de Assunção ou Reritiba (Anchieta) e Santo Ignácio dos Reis Magos
((1580) Nova Almeida). Em 1606 é criado o aldeamento de Nossa Senhora de
Guarapari (atual Guarapari).
Obrigados a equiparar seu modus vivendi, língua e religião aos do colono, no
início do século XVII, os índios do litoral do Espírito Santo, principalmente os aldea-
dos, destribalizados e falantes da língua geral – nheengatu11, já haviam perdido seus
padrões de cultura.

Foi tão amplo seu grau de descaracterização que muitos deles foram levados para outras
regiões a fim de servirem de modelo de adaptação aos moldes civilizados. São Pedro da
Aldeia, atual Cabo Frio, teve assim seu começo, quando em 1617 para lá foi enviado um
grupo de 500 indígenas originários do Espírito Santo. Rompeu-se, pois, no século XVII,
a resistência desses índios litorâneos à dominação civilizada, eficazmente convertidos e
doutrinados pelos jesuítas (MACATO, 1980b).

Com o passar dos séculos, os índios litorâneos foram cada vez mais misturados
com a população luso-brasileira. Forçados pelas circunstâncias, deixaram de lado 11
Trata-se da língua geral, variante
seus costumes específicos, incorporaram a cada dia o substrato cultural do coloni- do Tupi que, adotada e modifi-
cada pelo colonizador, constituiu
zador que se auto–intitulava “civilizado”. Já no século XIX, esses índios tinham pas-
a língua mais falada no Brasil
sado por todas as compulsões (catequese, violências físicas, escravidão, entre outras) nos dois primeiros séculos de
capazes de descaracterizá-los étnica e culturalmente. colonização. Cf. RIBEIRO, Darcy.
Os índios e a civilização: a inte-
Grosso modo, os povos indígenas do litoral passaram, ao longo de séculos, pelas
gração das populações indígenas
mais diversas experiências de enfrentamento com o universo, a geopolítica não- no Brasil moderno. São Paulo:
índia. Eles foram submetidos às mais variadas formas de repressão e de colonialismo, Companhia das Letras, 1996.

65
desde a “civilização” imposta pelos aldeamentos missionários, até a oficialização do
extermínio e da escravidão. Ao findar o século XVI, e início do XVII, a grande maioria
desses povos litorâneos já havia desaparecido ou se encontrava diluída por meio da
mestiçagem (MARCATO, 1980b).
Nos dias atuais, dois povos indígenas remanescentes dos Tupi-Guarani habitam
o litoral norte do Espírito Santo, mais especificamente o município de Aracruz, são
eles: os Tupinikim e os Guarani Mbya.

Movimentos indígenas

No final dos anos 1970, durante o regime militar, surgiram, no cenário político na-
cional, movimentos indígenas que se multiplicaram em todo o país a partir da crise
do indigenismo oficial da Funai. No início, as manifestações indígenas eram isoladas
e impedidas pelos militares. A proposta do governo, de emancipação dos povos,
envolvia a perda de seus territórios e estimulou o surgimento de novas lideranças
indígenas que se aproximaram dos movimentos da sociedade civil desvinculada dos
interesses dos militares e das elites que apoiavam a Ditadura Militar no Brasil.
Setores progressistas da Igreja Católica, influenciados pelas reuniões de Medellín
(1968) e Puebla (1978), realizaram o 1° e o 2º Encontros Sul-Americanos de Bispos.
Nesses encontros, a Igreja Católica passou a adotar uma linha de atuação voltada
para a defesa dos direitos humanos e das minorias étnicas. Reviu sua posição em
relação aos índios. Em 1969 foi criada a Operação Anchieta (OPAN) e em 1972, o
Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Em 1974 ocorreu, na Missão Anchieta, em Diamantino, Mato Grosso, a primei-
ra Assembleia nacional de líderes indígenas. A partir de então, o CIMI apoiou 16
assembleias de povos indígenas. O CIMI apoiava os líderes diferentes das chefias
tradicionais que estavam voltados para questões com a sociedade nacional e que
conheciam bem o português. As demandas principais eram referentes aos problemas
enfrentados nas aldeias. À medida que os povos participavam de assembleias nacio-
nais, os índios passavam a refletir sobre demandas comuns aos demais povos.
Na década de 1970, inúmeras foram as assembleias que mobilizaram diversas lideranças
indígenas em diferentes regiões do país. Em 1978, destacou-se a XI Assembleia de Chefes
Indígenas, em Barra do Garças, Mato Grosso, representando 16 etnias de sete Estados.

66
Surgiam, no cenário nacional, organizações não governamentais voltadas para
a causa indígena. Dentre elas destacam-se a Comissão Pró-Índio de São Paulo
(CPI/SP), o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), a Associa-
ção Nacional de Apoio ao Índio (ANAI), o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), o
Instituto Socioambiental (ISA).
Em junho de 1980 surgiu, no Mato Grosso do Sul, a ideia da criação da União
das Nações Indígenas (UNI) com o intuito e promover a autonomia cultural, a au-
todeterminação dos povos, a recuperação das terras e o fortalecimento comunitário.
Nessa época, a UNI teve um crescimento acentuado e chegou a se constituir como
entidade de representação nacional. Atualmente restringe-se à atuação regional.
Em junho de 1982 destacou-se o I Encontro Nacional dos Povos Indígenas no
Brasil, realizado em Brasília. Nesse encontro, os líderes definiram questões relativas
à sua mobilização e à organização.
O Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas no Brasil (CAPOIB)
foi criado em 1992, em Brasília. O CAPOIB é organizado por uma assembleia geral e
uma coordenação composta por cinco lideranças representativas de cada região do país.
Na região amazônica, destacam-se duas organizações expressivas como a
UNI-Acre e Sul do Amazonas e a Coordenação das Organizações Indígenas da
Bacia Amazônica (COIAB).
No Espírito Santo, destacam-se a Associação Indígena Tupinikim de Caieiras
Velhas (AITG) e a de Comboios (AITC). Essas organizações trabalham, principalmente,
com projetos de sustentabilidade ambiental e geração de renda com a prática agrícola.

Constituição de 1988

A Constituição de 1988 estabeleceu 1 º Encontro dos Povos Indígenas


do Xingu. Na foto, Paulo Paiakan,
o princípio da diversidade e da al-
Raoni, Marcos Terena, Ailton Krenak,
teridade dos povos indígenas, a de- vários deputados e o cacique Pombo.
fesa de que devem ser respeitados
Foto: Murilo Santos/ISA, 1989.
em suas diversas culturas e que são
cidadãos brasileiros portadores de Fonte: http://g1.globo.com/platb/
direitos civis e políticos. natureza-isa/2010/04/

67
A elaboração e aprovação da Constituição aconteceram em um contexto de rede-
mocratização do país. As lideranças indígenas pressionaram o Congresso para con-
seguirem ver seus direitos assegurados na nova Constituição. A luta pelo reconheci-
mento dos direitos indígenas passava principalmente pelo reconhecimento das terras
indígenas. A sociedade civil organizada, junto às organizações não governamentais
e associações cientificas, participou ativamente desse processo.
Dentre os direitos reconhecidos aos povos, podemos citar:
◊ Direito à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições
◊ Direitos originários sobre à terra
◊ O obrigatoriedade da União em demarcar as terras indígenas
◊ Direito à posse permanente das terras indígenas
◊ Proibição da remoção dos povos de suas terras
◊ Uso de língua materna os processos próprios de aprendizagem
◊ Proteção e valorização das manifestações culturais

Os índios na Constituição Federal de 1988

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de


maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais
e artísticos, nacionais e regionais.

§ 2.º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,


assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem.

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais.

§ 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e


afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

68
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos forma-
dores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destina-
dos às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1.º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e


protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautela-
mento e preservação.

§ 2.º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da do-


cumentação governamental e as providências para franquear sua consulta
a quantos dela necessitem.

CAPÍTULO VIII

Dos Índios

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1.º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em

69
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis
à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias
a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2.º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua


posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo,
dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3.º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais ener-


géticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só
podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados
da lavra, na forma da lei.

§ 4.º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os


direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5.º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo,


ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia
que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País,
após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese,
o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6.º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere
este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o
que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a
indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às ben-
feitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

§ 7.º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3.º e 4.º.

70
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas
para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o
Ministério Público em todos os atos do processo. ADCT

Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de


cinco anos a partir da promulgação da Constituição.

Fonte: http://www.funai.gov.br/quem/legislacao/indios_na_constitui.htm

Referências

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MEC/ SECAD/LACED/Museu Nacional. 2006.

CARDIM, Fernão. Tratado da terra e gente do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Edusp, 1980.

CUNHA, Manuela C. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

GANDAVO, Pero de Magalhaes. Tratado da terra do Brasil: história da Província de


Santa Cruz. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980.

LERY, Jean de. Viagem a terra do Brasil. Biblioteca do Exército-Editora, 1961.

MARCATO, Sônia de Almeida. Remanescentes indígenas do leste brasileiro.


Brasília, 1980a.

______. Funai. Da indianidade dos Tupinikim (Índios do litoral do Espírito San-


to). Brasília, 13 de junho 1980b.

71
OLIVEIRA, João P. de. FREIRE, Carlos A. da R. A presença indígena na formação do
Brasil. Brasília: MEC/ SECAD/LACED/Museu Nacional. 2006.

OLIVIERI, Antonio Carlos; VILLA, Marcos Antonio. Carta do achamento do Brasil.


São Paulo: Callis, 1999.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação o sentido do Brasil. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1995.

SILVA, Aracy L. GRUPIONI, Luís D. B. (orgs). A temática indígena na escola: novos


subsídios para professores de 1º e 2º graus. 4. ed. São Paulo: Global, Brasília: MEC/
MARI, UNESCO, 2004.

STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1974.

THEVET, Andre. As singularidades da França Antártica. Belo Horizonte: Itatiaia;


São Paulo: Edusp, 1978.

72
Anexos
Para saber mais sobre Raposa Terra do Sol

A destruição como desforra

Resposta ao arrozeiro que apela para a ‘terra arrasada’ em reserva indígena


dirá se temos, de fato, uma Constituição a nos guiar
O Brasil inteiro acompanhou nos últimos tempos a saga do conflito envolvendo
índios e arrozeiros que disputavam a posse da Terra Indígena Raposa Serrado Sol, em
Roraima. A disputa trouxe à tona todos os argumentos contrários ao reconhecimento
dos direitos indígenas no País, como por exemplo: há muita terra para pouco índio;
terras indígenas em faixa de fronteira ameaçam a soberania nacional; índios preci-
sam ser integrados à sociedade nacional e suas terras utilizadas em prol do desenvol-
vimento econômico. O epicentro desse debate se deu no Supremo Tribunal Federal
(STF), que analisava pedido do governo de Roraima, dos arrozeiros e de políticos
locais para que a demarcação daquela terra indígena fosse anulada. Os autores da
ação argumentavam que os índios, quando muito, teriam direito a ficar confinados
em pequenas ilhas de terras, para que a maior parte da extensão da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol fosse liberada para a ocupação, legitimando-se assim a posse
daqueles que haviam invadido o território, usurpando direitos indígenas.
Em março deste ano, o STF decidiu em favor dos índios, determinando prazo
para a desocupação da área. A decisão pôs uma pá de cal sobre os argumentos
contrários, reconhecendo que a demarcação de terras indígenas é um imperativo
nacional decorrente da necessidade de o País preencher seus hiatos civilizatórios,
celebrando pactos de paz com segmentos sociais que historicamente tiveram seus
direitos negados. O relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, afirmou em seu
voto que a sociedade, de quem se exige solidariedade e humildade, precisa entender
que seu convívio com os índios é uma estrada de mão dupla, que beneficia todos.
Para o ministro, é a humildade que “refreia e dissipa de vez todo ímpeto discrimina-
tório ou preconceituoso contra os indígenas, como se eles não fossem os primeiros
habitantes de uma Terra Brasilis cuja integridade física tão bem souberam defender
no curso da nossa história de emancipação política...”.

73
Quem esperava que a decisão do STF fosse o fim da disputa, por se tratar da úl-
tima e mais importante instância do Poder Judiciário em nosso país, surpreendeu-se
com os episódios dessa semana, quando o principal líder dos invasores da Raposa
Serrado Sol, o arrozeiro Paulo César Quartiero, não só afirmou que não vai sair
do local no prazo determinado, como destruiu sede, galpões, rede de eletricidade,
sistema de irrigação e tudo mais que pudesse vir a ser utilizado pelos índios após
sua saída. Além da atitude de confronto com o STF, o ato de destruição tem um
caráter perverso de política de terra arrasada, próprio de quem declara guerra a seus
inimigos e procura inviabilizar sua existência. Era, por exemplo, o que se fazia nas
guerras travadas na Antiguidade, onde era costume salgar o solo do inimigo para
que ele não pudesse colher nem mais um fruto daquela terra. Era também esse o
costume colonial, quando se queria punir os inimigos do rei. A coroa portuguesa,
quando puniu Tiradentes em 1792, além de esquartejá-lo mandou que arrasassem
sua casa e salgassem o terreno onde ela estava, para que os seus descendentes jamais
pudessem viver ali.
Quartiero destruiu benfeitorias que se achavam sob investigação judicial. Tra-
mita na Justiça Federal em Roraima uma ação em que se discute o pagamento das
indenizações eventualmente devidas aos invasores da Raposa Serra do Sol. A Funai
inclusive já havia depositado no processo o valor do pagamento dessas indenizações.
Ao fazer isso, Quartiero acrescenta mais um item ao rol de sua extensa folha de ante-
cedentes policiais, que inclui crimes ambientais como a poluição de rios e a destrui-
ção de matas nativas na terra indígena, além do envolvimento no episódio de maio
de 2008, quando dez índios foram feridos à bala pelos seus capangas. Conforme
amplamente noticiado pelos jornais à época, Quartiero comandou a desobediência
às tentativas do Executivo e do Judiciário de pacificar o conflito dentro da Raposa,
sendo responsável, dentre outras coisas, por impedir o trabalho da Polícia Federal
no local, com a destruição de pontes e estradas, além da utilização de bombas e
armamentos pesados.
Neste momento, diante da coleção de atos criminosos de Quartiero, não se
pode deixar de perguntar: qual a resposta que será oferecida pelo Estado? Que fará
o Poder Judiciário? Que atitudes adotará o Poder Executivo? A qualidade da ação
do Estado definirá o espaço de garantia do efetivo exercício da cidadania no Brasil.
O filósofo Frédéric Gros, ao falar sobre os novos tipos de violência no mundo mo-
derno, resgata o conceito de que esses atos são remanescentes de uma barbárie que

74
UHE Belo Monte: Terras Indíge-
nas e UC’s Federais no entorno

Adaptado de: http://www.socio-


ambiental.org/esp/bm/isa.asp

“ressurge da natureza arcaica do homem”, e indaga se se trata mesmo de ações isoladas,


como alguns alegam, ou se essas na verdade integram o repertório das violências que
configuram o drama da sociedade nos dias atuais. A resposta que será dada pelo Estado
brasileiro no caso de Quartiero dirá se a barbárie em nosso país é rechaçada pela socie-
dade ou se subsiste como um traço indelével do caráter nacional. Isso vai dimensionar
nossa capacidade de atender ao que está escrito no preâmbulo da Constituição Federal,
que afirma que o Brasil é “uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

Ana Valéria Araújo, advogada, mestre em Direito Internacional pelo Washing-


ton College of Law sócia-fundadora do Instituto Socioambiental e coordenadora
executiva do Fundo Brasil de Direitos Humanos

Disponível em: http://www.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/548

75
Para saber mais sobre Belo Monte

Comunidades indígenas

Além dos Juruna da Terra Indígena Paquiçamba, localizados mais próximos à usina,
a área de influência de Belo Monte, segundo definição da Eletronorte, envolve outros
nove povos indígenas: os Assurini do Xingu, os Araweté, os Parakanã, os Kararaô, os
Xikrin do Bacajá, os Arara, os Xipaia e os Kuruaia. A Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) inclui ainda vários povos Kaiapó na região
e mais de 1 mil índios que vivem em Altamira.
“O pessoal de Paquiçamba depende muito do regime de águas de Volta Grande.
A perspectiva de terem de buscar alimento, atravessando canais, mostra que essa
aldeia indígena não está sendo considerada de forma adequada. Quando a gente
pensa que são mais de 20 etnias ao longo de toda a bacia, então é uma perspectiva
altamente arriscada do ponto de vista social. Principalmente, se a gente levar em
conta que a aprovação do projeto deveria ser submetida ao Congresso Nacional, já
que ele atinge diretamente uma comunidade indígena, e o Congresso Nacional ain-
da não opinou de forma devida sobre Belo Monte”, explicava, em entrevista ao ISA
em 2002, Célio Bermann, professor do Programa de Pós-Graduação em Energia da
Universidade de São Paulo.
O artigo 231 da Constituição Federal, relacionado aos direitos dos índios, deter-
mina que o aproveitamento de recursos hídricos em Terras Indígenas, aí incluídos
os potenciais energéticos, só pode ser efetivado com a autorização do Congresso
Nacional, ouvidas as comunidades afetadas. Também prevê que são nulos e extintos
todos os atos jurídicos que afetem essa posse, salvo relevante interesse público da
União, e que será necessária uma lei ordinária que fixe as condições específicas para
exploração mineral e de recursos hídricos nas Terras Indígenas.

76
4

77
78
Cultura(s) e interculturalidade:
conceitos e perspectivas de
construção de saberes
Adriana Vieira Guedes Hartuwig1

Objetivos:

◊ Compreender as diferentes concepções atribuídas ao termo de cultura, em diferen-


tes contextos e tempos históricos;
◊ Perceber que os conhecimentos escolares são construções específicas e próprias
da cultura escolar
◊ Compreender a relação entre cultura e educação;
◊ Analisar a importância a prática pedagógica intercultural, no contexto escolar, e as
contribuições de novos saberes que daí se origina;
◊ Refletir criticamente sobre os termos multiculturalismo e interculturalismo.

Uma aproximação inicial...

Este texto está pautado na necessidade de refletir criticamente sobre os diferentes


conceitos atribuídos ao termo cultura, em diferentes contextos e tempos históricos,
elemento importante para a compreensão das concepções que direcionam a esco-
lha de conhecimentos escolares e o desenvolvimento de práticas pedagógicas que
influenciam diretamente a formação de identidades. Essa questão “toca no cerne”
da relação entre educação dos povos e coletivos diversos, e o padrão único de ci- 1
Mestranda em Educação - (PPGE/
vilização. A análise crítica das racionalidades,que interferem em nossa existência CE/UFES).

79
humana, nos move ao aprendizado e à intervenção em processos e mecanismos de
discriminação, exclusão e desigualdade.

Mas, antes de iniciar essa leitura, é primordial que você realize as atividades
sugeridas abaixo:

1- Em primeiro lugar, tome como referência a palavra CULTURA. Escreva cinco palavras
que lhe venham à mente quando você pensa – CULTURA. Peça a outras cinco pesso-
as de seu convívio que façam o mesmo. Depois organize as palavras em categorias,
separando-as de acordo com o critério que você estabeleceu. Quais as palavras que mais
apareceram? Que sentido essas palavras tem para você, em relação à palavra CULTURA?

2- A seguir escreva o nome de três etnias que fazem parte da miscigenação do povo
brasileiro e dê cinco características culturais às etnias que você listou. Peça às cinco
pessoas que você selecionou que também façam o mesmo. Separe as características
em categorias, da mesma forma que você fez no exercício anterior.

Após ter feito todas essas tarefas, leia o texto com muita atenção e responda às
seguintes questões:

3- Que relações você estabelece entre os grupos de palavras e o texto?

4- As palavras referentes à CULTURA e às características culturais das etnias que


compõem o povo brasileiro possuem semelhanças com os conceitos de cultura men-
cionados no texto?

5- Cite pelo menos duas conclusões pessoais as quais você chegou após a realização
da atividade e da leitura do texto.

Resumo

O presente texto pauta-se na necessidade de refletir sobre os diferentes con-


ceitos atribuídos ao termo cultura, em diferentes contextos e tempos históri-

80
cos, bem como de analisar a maneira como seu conceito se expandiu gerando
distintas formas de situá-lo, defini-lo e interpretá-lo. A partir dos estudos da
Antropologia, da Linguística, da Filosofia e da Sociologia, iniciados no século
XX, e recentemente, dos Estudos Culturais começaram a surgir questionamen-
tos sobre o conceito eurocêntrico de cultura, que foi tomado como modelo
de referência mundo afora. Esses estudos entendem que é mais adequado
falarmos em culturas no plural em vez de cultura no singular. Apresentam
também, os conceitos que tentam incluir outras narrativas culturais no campo
da educação, como o multiculturalismo e o interculturalismo (interculturalida-
de, intercultural). Considera-se que o interculturalismo supera a proposta do
multiculturalismo já que, apesar do multiculturalismo reconhecer a pluralidade
de culturas, não propõe o diálogo entre as culturas. Por fim, são apresentadas
algumas reflexões e questões sobre as relações entre educação e cultura(s) de-
monstrando a relevância da perspectiva intercultural na educação, já que, essa
proposta possibilita a crítica da racionalidade moderna e também representa
uma alternativa para analisar e valorizar as diferentes manifestações de cultu-
ras, propondo uma ação dialógica, considerada por Paulo Freire a verdadeira
atribuição da educação.

Palavras-chaves: cultura; identidade; multiculturalismo, interculturalismo; diálogo.

Introdução

A diversidade de culturas é uma das questões de primeira ordem, discutidas no


âmbito da educação, na atualidade. Esse debate tem se intensificado devido a
alguns movimentos provocados pelo fenômeno da globalização, principalmente,
os intercâmbios culturais que transitam em diferentes espaços, desde o campo da
informação até as migrações e lutas das minorias, que buscam o reconhecimento
de identidades culturais como estratégia de luta pela inclusão. Alguns estudiosos
e intelectuais da educação argumentam que esse movimento é uma resposta à
ação da modernidade capitalista,que impôs aos diferentes povos um padrão único
e hegemônico de cultura.
São justamente esses intercâmbios entre as identidades culturais que provo-

81
carão uma série de deslocamentos e questionamentos a respeito da nossa identi-
dade e dos conceitos sobre os “outros” e sobre as diferenças. A partir daí, surgem
distintas abordagens culturais no campo das Ciências Humanas e Sociais que
discutem o conceito de identidade, cultura e outros termos derivados como multi,
pluri, trans e intercultural.
A crítica que se faz, a essas terminologias, reside na dívida se tais conceitos
contribuem para fortalecer a lógica cultural do “capitalismo selvagem”, caracterizado
aqui pela má distribuição dos recursos naturais, culturais e dos bens de consumo; ou
podem oferecer a fertilização teórica e prática de uma nova forma de existência, em
que seja possível uma convivência dialógica entre as culturas.
Nesse sentido, o presente texto pauta-se na necessidade de refletir critica-
mente sobre os diferentes conceitos atribuídos ao termo cultura, em contextos
e tempos históricos diversos, e os conceitos que tentam incluir outras narrativas
culturais no campo da educação, tais como multiculturalismo e interculturalismo
(interculturalidade, intercultural). Defende, ainda, que o interculturalismo supera
a proposta do multiculturalismo em sua versão liberal e também, porque não
propõe a interlocução entre as culturas.
O estudo das diferentes perspectivas multiculturais, especialmente o das propos-
tas críticas e interculturais são importantes, porque apresenta uma reflexão contra
um modelo de sociedade hegemônico e excludente. Estabelecer essas diferenciações
é muito importante para compreendermos as concepções que direcionam a esco-
lha de conhecimentos escolares e o desenvolvimento de práticas pedagógicas que
influenciam diretamente a formação de identidades, voltando-se a uma questão
chave da relação entre educação dos povos e coletivos diversos e o padrão único de
civilização. A análise crítica das racionalidades, que interferem em nossa existência
humana, nos move ao aprendizado e à intervenção em processos e mecanismos de
discriminação, exclusão e desigualdade social.
Como apreciação final, refletiremos acerca das relações entre educação e cultura
defendendo a importância da interculturalidade na educação, entendida como uma
proposta dialógica, plural e democrática, já sinalizada por Paulo Freire na década de
1960. Com isso, abre-se espaço para reeducar nossos olhares diante dos coletivos
culturais diversos inseridos na escola e, assim, reconhecer suas histórias na história,
no presente, fomentando uma educação a favor da valorização e equilíbrio dos sa-
beres, sejam eles do campo, da “aldeia” ou da cidade.

82
Cultura: diferentes concepções, contextos e tempos históricos

O futuro depende da faculdade que o homem


terá para transcender os limites das culturas
individuais. Edward T. Hall

Abordar o termo cultura nos exige a consciência de que estamos a lidar com um
dos conceitos mais amplos e polissêmicos da nossa língua. Há várias maneiras de
situá-lo, defini-lo e interpretá-lo. Além disso, a expressão cultura se configura como
um tema polêmico, pois muitos estudiosos e pesquisadores das Ciências Sociais che-
gam a afirmar que a busca por sua definição incita mais perguntas do que respostas.
Embora hoje em dia a natureza seja comumente considerada um produto da
cultura, o significado etimológico da palavra “cultura” é derivada do conceito de
natureza. Cultura provém do ato ou maneira de cultivar a terra ou o seu próprio
cultivo, o cultivo do que cresce naturalmente. Porém, a definição deste conceito foi
expandido e adquiriu vários sentidos distintos que refletem diferentes pressupostos
epistemológicos, diversas concepções a respeito da evolução humana e diferentes
campos de interesse, entre estes: a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia e a Edu-
cação, principal foco de reflexão neste texto.
O termo cultura passou a fazer parte de nosso vocabulário há dois séculos. Seu
sentido básico vinculava-se à formação do homem, ou seja, às suas características
humanas, visto que um ser social necessitava ser cultivado para tornar-se culto,
refinado, em evidente oposição a um inocente estado original “de natureza”.
Para compreendermos como o sentido de cultura foi expandido, precisamos co-
nhecer as características políticas e econômicas da Europa no século XVIII2.

◊ Características da política no século XVIII:


r permanência do absolutismo — centralização do poder nas mãos do monarca;
r inexistência de prática dos poderes legislativo, executivo e judiciário.

◊ Características da economia no século XVIII:


2
O século XVIII é conhecido como
r desenvolvimento das manufaturas;
o “Século das Luzes” ou “Iluminis-
r tímido desenvolvimento da mão-de-obra assalariada; mo”, quando a razão iluminaria o
r vestígios marcantes do regime de servidão. que a tradição obscurecera.

83
O mundo estava mudando... assim, esse período foi marcado por grandes realiza-
ções intelectuais, especialmente na França, Inglaterra e Alemanha. Há um significati-
vo aumento da população e, consequentemente, grande desenvolvimento das cida-
des. Milhares de pessoas saem do campo e vão trabalhar em ateliês de manufatura.
A ideia de um novo mundo construído por obra dos homens foi sendo desenvolvido;
um mundo novo, moderno.
É nesse contexto que o vocábulo “civilização” passou pertencer ao espírito geral
do Iluminismo francês, do ideal moderno de autodesenvolvimento secular e pro-
gressista. O civilizado opõe-se ao bárbaro, ao primitivo, ao selvagem.
Pesquisas de Williams (citado por SILVA, 2009), dispõem que a tensão entre “cul-
tura” e “civilização” foi um marco nos séculos XVIII e XIX, devido à rivalidade exis-
tente entre franceses e alemães. O modelo de “civilização era a França, considerada
uma nação de civilizados, que tinha como objetivo tanto o processo de refinamento
social como o ideal utópico rumo ao progresso.
“Cultura” era uma noção alemã, chamada por alguns intelectuais germânicos de
Kultur, que se referiam à sua própria contribuição para a humanidade, entre essas,
as maneiras de estar no mundo, de produzir e apreciar obras de arte e literatura,
de pensar e organizar sistemas religiosos e filosóficos (VEIGA-NETO, 2003). Como
destaca Santos (2003), encontramos aqui a ideia de cultura associada aos conhe-
cimentos impostos como universais alicerçados em determinados critérios de valor,
estéticos, morais e cognitivos.
Bauman (2005) explica que o conceito de “Cultura”, baseado na noção republi-
cano-iluminista, originou-se em um “Estado sem nação”, que tentou afirmar sua
identidade ao tentar impor um pouco de coesão a um conglomerado de etnias, de
dialetos e de “culturas locais” (costumes, crenças, mitologias, calendário). Dessa
forma, entendemos que para garantir a eficácia dessa afirmação, foram usados todos
os conhecimentos considerados superiores e que os diferenciava do resto do mundo.
Com efeito, a cultura é o mecanismo que mais tarde será associado à “hegemonia3”,
moldando os seres humanos aos interesses de novo tipo de sociedade.
3
Preponderância de uma cidade ou Outro sentido de cultura, muito difundido nessa época por teóricos evolucionis-
de um povo sobre outras cidades tas do século XIX, foi transposto da teoria de Charles Darwin sobre a evolução do
ou outros povos. Supremacia,
homem para o plano social e cultural. Para esses pensadores, a humanidade passaria
superioridade. Conceito desenvol-
vido por autores marxistas como por estágios de evolução cultural, de sociedades primitivas até ao modelo civilizado.
Althusser e Gramsci. Essa visão justificava o estabelecimento de uma escala de civilização que colocava

84
no topo as nações europeias, e abaixo delas, as demais nações cujos povos eram
considerados primitivos e selvagens.
É a partir dessas ideias que surge a diferenciação entre alta cultura e baixa cultu-
ra. A alta cultura passou a funcionar como modelo daquele que é culto, que possui
valores da cultura intelectual e artística, ao contrário da baixa cultura, sinônimo
daqueles de cultura inferior, popular.
Isso também explica a marca elitista da concepção de cultura tão presente no
imaginário social, vinculada a cultura culta, ao grau de instrução adquirida por meio
da escolarização, capaz de propiciar o acesso aos bens culturais gerais, às obras
artísticas e a comportamentos sociais refinados. Entretanto, essa é uma concepção
equivocada a respeito do que realmente significa o termo “cultura”, pois não se pode
dizer que um índio, um negro, um camponês, dentre outros, não possuem cultura.
Logo, “[...] a cultura pode ser entendida como tudo aquilo que é produzido
pelo ser humano” (CANDAU, 2002, p.72). Se é assim, toda pessoa humana é pro-
dutora de cultura independente de classe social a qual pertence ou do acesso à
escolarização formal.

A cultura é um fenômeno plural, multiforme, heterogêneo, dinâmico. Envolve criação e re-


criação, é atividade, ação. É considerada também como um sistema de símbolos que fornece
as indicações e contornos de grupos sociais e sociedades especificas (CANDAU, 2002, p. 72).

Aprendemos com Geertz (1989) que, os seres humanos ao transitarem da natu-


reza para o mundo da cultura teceram, eles mesmos, suas teias de significados. Esse
mesmo autor assume “a cultura como essas teias e a sua análise; portanto, não como
uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à
procura do significado” (GEERTZ, 1989, p. 4).
Um conceito de cultura ainda muito vigente entre nós é de um conjunto de
características imutáveis e acabadas, que permanece fixo ao longo dos anos, além
de outros traços como genuidade, pureza, autenticidade. Porém a cultura deve ser
entendida como dinâmica produzida e modificada no tempo histórico, de acordo
com a situação do contexto social vivido.
A cultura é, portanto, um processo contínuo de construção, reinventada, recriada
e transformada a todo momento partir da interação social. Assim, não há como um
ser humano viver uma vida humana fora do tecido social da cultura. Somos seres

85
naturais e fazemos parte da natureza, mas a cultura é o que nos torna humanos.
Somos seres culturais justamente por causa da nossa capacidade de transformar a
natureza em nós e para nós,criando sentidos, palavras, códigos, símbolos que só
possuem significados a partir da interação e da reciprocidade que geram nossos sa-
beres e aprendizagens próprios e locais, tão importantes como os universais. Assim,
precisamos aprender a pensar “transversalmente” as interações entre os universos de
referências individuais e sociais.

De cultura para culturas: o multiculturalismo e interculturalidade

Além das contribuições de estudos da Antropologia, da Linguística, da Filosofia e


da Sociologia, iniciados no século XX, recentemente, os Estudos Culturais têm sido
eficazes em questionar, ou até mesmo desmoronar a racionalidade moderna sobre o
conceito eurocêntrico de cultura.
Segundo Silva (2009), o campo de teorização e investigação conhecido como
Estudos Culturais surgiu em 1964, no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos
da Universidade de Birminghan, na Inglaterra. A incitação inicial surgiu a partir de
inquietações sobre a compreensão de cultura dominante presente na crítica literária
britânica, que refletia preceitos ligados à cultura das chamadas “grandes obras” da
literatura e das artes em geral, e logicamente, restrita à elite.
Assim, a desconstrução desse termo teve início com a concepção de cultura
construída por Raymond Williams (1958) e Richard Hoggart em Uses of literacy
(1957). Para Williams, a cultura deveria ser entendida como o modo de vida global
de uma sociedade, como experiência vivida por qualquer agrupamento humano.
De acordo com essa concepção, não há graus de superioridade e inferioridade
entre as culturas e suas produções e conhecimentos. Esses estudos entendem que
é mais adequado falarmos em Culturas no plural em vez de cultura no singular e
escrevermos com letra maiúscula.
De acordo com Veiga-Neto (2003), essa virada cultural não significou somente
uma mudança teórica, intelectual e epistemológica, mas muito mais do que isso, tal
deslocamento é inseparável de uma dimensão política na qual atuam forças podero-
sas em busca da dominação material e simbólica pela imposição de significados. “Se
o monoculturalismo coloca a ênfase no Humanismo e, em boa parte, na estética, o

86
multiculturalismo muda a ênfase para a política” (VEIGA-NETO, 2003, p.6).
Os Estudos Culturais interpretam a cultura como um conceito estratégico para
a afirmação da diferença e um campo de luta política em torno de significados
sociais, nos quais os diferentes grupos sociais, situados em diferentes posições
de poder, tentam e lutam para impor seus significados à sociedade em geral para
marcar sua identidade.

A cultura é nessa concepção um campo contestado de significação. O que está central-


mente envolvido nesse jogo é a definição da identidade cultural e social dos diferentes
grupos. A cultura é um campo onde se define não apenas a forma que o mundo deve
ter, mas também a forma como as pessoas e os grupos devem ser. A cultura é um jogo
de poder (SILVA, 2009, p. 134).

Considerando essa citação, tentarei expor como esse jogo de poder tem se confi-
gurado em nossa sociedade, identificando as estratégias de lutas utilizadas por povos
e coletivos cujas culturas foram negadas, inviabilizadas e até mesmo eliminadas.
Sabemos que vivemos um momento atual na história da humanidade quando
novas combinações de espaço-tempo são redimensionadas pela propagação crescen-
te de recursos tecnológicos. Esse processo que envolve uma rede complexa, por meio
da qual significados globais e locais são expressos, tem sido sintetizado sob o termo
“globalização”. Mc Grew, citado por Hall (2006), define esse termo como:

[...] a globalização se refere àqueles processos, atuantes, numa escala global, que atra-
vessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em
novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiên-
cia, mais interconectado (Mc GREW, citado por HALL, 2006, p. 67).

Esse fenômeno não tem sido processado de forma única, pois a desejável ou te-
mida uniformidade não ocorreu de maneira absoluta. A ideia de que a globalização
seria uma força capaz de atingir uma totalidade homogênea e uniforme, por meio da
qual indivíduos locais seriam transformados em seres planetários, com linguagens,
culturas e identidades gerais, não está ocorrendo. Assim, observamos uma explosão
de manifestações e expressões de grupos dominados como forma de resistência aos
discursos hegemônicos.

87
A compreensão antropológica de que nenhuma cultura pode ser julgada superior
a outra é que impulsiona os chamado multiculturalismo e interculturalismo. Multi-
culturalismo é um termo que se configura como um desafio conceitual, pois exis-
tem muitas interpretações sobre seu conceito. Conhecer esses conceitos nos permite
questionar concepções que historicamente fizeram parte da produção de desiguais.
Peter McLaren (2000)4 classifica multiculturalismo em quatro tendências: o mul-
ticulturalismo conservador (baseado no legado colonialista de supremacia branca
que deslegitima dialetos, línguas, saberes e valores de outros grupos étnicos); o
humanista liberal (que em nome de uma humanidade comum defende a igualdade
intelectual entre diferentes etnias e grupos sociais); o liberal de esquerda (que tende
a essencializar as diferenças, não levando em conta que essas são construções histó-
ricas, culturais, atravessadas por relações de poder); e o crítico e de resistência (que
questiona a construção da diferença no contexto de relações culturais e de poder).
Entendendo a cultura como conflitiva, McLaren (2000) afirma que é preciso estar
atento à questão da diferença. Diferenças são determinadas por processos históri-
cos, pelas mentalidades e ideologias, pelas relações de poder e influenciam proces-
sos políticos e sociais. “Como educadoras(es) e trabalhadoras(es) culturais, precisa-
mos intervir criticamente naquelas relações de poder que organizam as diferenças”
(McLAREN, 2000, p. 135).
Nessa perspectiva, não se trata de mudar a ordem hierárquica de brancos sobre
índios, negros e latinos, mas de transformar o valor da hierarquia, ou seja, recons-
truir os sistemas de diferença existentes que organizam a vida social em padrões de
dominação, subordinação e exploração.
Para Forquin (1993), o termo multiculturalismo possui simultaneamente sen-
tidos descritivo, normativo, ou prescritivo. No sentido descritivo, entende-se o
termo como a situação “objetiva” de cada país, ou seja, um dado da realidade, no
4
Reconhecido e polêmico Professor qual há grupos de diversas origens étnicas, geográficas, línguas, valores, religiões,
de Ciências Sociais da Universida- refletindo a realidade multicultural de uma determinada sociedade. Quanto ao
de da Califórnia em Los Angeles
sentido prescritivo, o multiculturalismo assume diferentes contornos, já que se
(UCLA). Seus estudos partem de
uma perspectiva transdisciplinar configura como um horizonte de intervenção que permite maneiras de atuar, de
que aborda quatro áreas pelas intervir, de transformar a dinâmica social. As formas de intervir e atuar dos gru-
quais ficou conhecido internacio-
pos culturais geram novas racionalidades que vão sendo vividas transformando-se
nalmente: a pedagogia crítica, a
educação multicultural, a etnogra- muitas vezes em demarcadores de políticas públicas. Nesse caso, poderíamos rela-
fia crítica e a teoria crítica. tar as experiências de movimentos sociais que se organizaram e provocaram mu-

88
danças, por exemplo, as reivindicações de diferentes etnias indígenas no Brasil que
foram agregadas a Constituição de 1998 e que desencadearam outras conquistas
no plano institucional.
Existem inúmeras críticas ao multiculturalismo, principalmente em sua versão
liberal. Para alguns estudiosos, o termo multiculturalismo abrange o reconhecimento
das diversas culturas, entretanto não há uma preocupação na questão da interrela-
ção entre esses grupos socioculturais, no sentido de possibilitar um diálogo entre os
diversos sujeitos nas suas diferenças, para uma troca de saberes. O multiculturalismo
também é acusado de ser uma nova forma de racismo, em que o “outro” diferente
deve ser “tolerado” e “respeitado”, como se existisse uma situação de permissão dada
por aquele pertencente a uma cultura superior. Dessa forma, a proposta intercultural
daria conta de preencher essa lacuna deixada pelo multiculturalismo, pois não acre-
dita em uma supercultura capaz de conceder respostas aos problemas universais. A
interculturalidade questiona e investiga quais são esses problemas ditos universais e
se abre para o diálogo na busca solidária da resolução das perguntas.
Candau (2002) sugere o interculturalismo como a possibilidade de promover
a inter-relação entre diferentes grupos socioculturais afetando principalmente
a educação em todas as dimensões, numa dinâmica de crítica e autocrítica, va-
lorizando a interação e a comunicação recíprocas. Essa proposta tem por base
o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra as discriminações e
desigualdades sociais, e nesse sentido, tenta promover relações dialógicas entre
aqueles que pertencem a diferentes universos culturais, trabalhando os conflitos
presentes nesta realidade.
A educação intercultural consiste num enfoque global que deve atingir a cultura
da escola, a cultura escolar5, e todos aqueles que fazem parte desse processo, ou
seja, todas as dimensões do sistema de ensino e de todo o universo educacional.
Sendo assim, essa proposta contribui para a construção de relações democráticas
que fortaleçam os diversos sujeitos presentes nos diversos contextos interculturais.
Conforme Candau:

5
A promoção de uma educação intercultural é uma questão bastante complexa, que exi- Para um entendimento do conceito
de cultura da escola e cultura escolar,
ge problematizar diferentes elementos da cultura escolar e da cultura da escola e do sis-
ver Jean-Claude Forquin, “Escola e
tema de ensino como um todo. Trata-se de uma abordagem educativa que aponta para cultura – as bases sociais e epistemo-
questões radicais que têm a ver com as funções da escola hoje (CANDAU 2002, p.100). lógicas do conhecimento escolar”.

89
Segundo Jordán citado por Candau (2002), o multiculturalismo e o intercultura-
lismo são termos que frequentemente são usados como sinônimos, mas propõe uma
diferenciação entre esses. O autor se situa numa perspectiva em que sugere como
mais adequado o termo interculturalismo para a abordagem que enfatiza em edu-
cação. Defende que a educação intercultural não é: uma educação compensatória,
assimilacionista, nem um simples ideal pedagógico humanista, ou um conjunto de
atividades pensadas e dirigidas a grupos culturalmente minoritários. “Para Jordán,
ao definirmos o que a educação intercultural não é, se está ao mesmo tempo deli-
neando o que ela é” (CANDAU, 2005, p.75).
Um dos pontos de sustentação do pensamento de Forquin em relação ao multi-
culturalismo e a educação é que a interculturalidade trabalha a tensão entre o uni-
versal e o particular. Ele ressalta que o respeito pelas culturas não deve se restringir
aos conhecimentos de uma cultura, mas sugere um pensamento transcultural6.
Afirma também que a interculturalidade demonstra um caráter de relação di-
nâmica em que os processos de hibridização cultural7 são intensos e mobilizam a
construção permanente de identidades, supondo que as culturas não são puras.
Assim considerado, o diálogo intercultural é apontado como uma proposta favo-
rável à busca de alternativas e práticas de convivência entre culturas, principalmente
no campo da educação.

6
Processo pelo qual as diversas
culturas trocam entre si elementos
culturais. Um exemplo: os imi-
A relação entre educação e cultura(s)
grantes libaneses que vieram para
o Brasil introduziram na nossa Tomando como referência a origem do caráter monocultural e dominador do con-
cultura o hábito de comer quibe,
ceito de cultura citado anteriormente, foi dada à educação a tarefa de levar os “in-
comida típica de sua cultura.
Em contrapartida, muitos deles civilizados” a alcançar as formas mais elevadas da cultura, por meio da dominação e
aprenderam a apreciar o feijão e o da negação “do outro”, tido como “estranhos”, “fora do ninho”.
arroz, pratos da cultura brasileira. Na situação política e econômica da Alemanha no século XVIII, (um “estado sem
7
nação”, tentando resistir às imposições do Absolutismo francês e assistindo à deca-
Termo que abarca distintas mistu-
ras culturais. Veja o livro Culturas dência da aristocracia alemã) a educação foi apontada como saída para as gerações
Híbridas (1997), de Garcia Canclini. futuras apostando na escolarização, capaz de alcançar o ideal utópico de um novo
Nesse livro, o autor se dedicou a
mundo. Sendo assim, o paradigma pedagógico moderno foi construído sob três ca-
estudar a questão da identidade
nacional como realidade configura- racterísticas essenciais do conceito de cultura: único, elitista e idealista.
dora da América Latina. Essa concepção de cultura teve ampla repercussão na educação de muitos pa-

90
íses. No Brasil, até os anos 70, o projeto que norteou a Educação Indígena no
Brasil foi baseado na catequese e na socialização para a assimilação dos índios
na sociedade brasileira. O objetivo era integrar e civilizar o índio, concebido como
um grupo primitivo e inferior, principalmente quando comparados aos modelos da
cultura ocidental cristã.
Em termos gerais, a educação brasileira se configurou como um espaço classi-
ficatório, em que os alunos mais “civilizados”, mais “capazes, mais “competentes”
eram bem sucedidos e aprovados, recebiam boas notas e eram bem classificados.
Aqueles que não se adequavam ao modelo idealizado estavam condenados à ex-
clusão e à reprovação.
Existem diferentes formas de abordar as relações entre educação e cultura(s) no
contexto escolar. A partir dos anos 60, muitos paradigmas foram formulados por
estudiosos que se propunham a explicar o fracasso escolar de estudantes oriundos
das chamadas camadas populares ou de determinados grupos étnicos. Banks (citado
por CANDAU, 2002) privilegia em sua análise dois paradigmas: o da privação cultural
e o da diferença cultural. O primeiro deles parte do pressuposto de que o fracasso
escolar desses alunos ocorre devido à cultura em que estão inseridos que os impede
de ter acesso aos conhecimentos da “alta cultura” ou conhecimento das Humani-
dades. Os defensores desse paradigma acreditam que o problema está localizado na
cultura de origem desses alunos e não na cultura da escola. Sendo assim, propõe que
o que deve ser mudado é a cultura do aluno e não a cultura da escola. Nesse tipo de
paradigma a diversidade cultural é reconhecida, porém na relação entre as culturas,
essas são hierarquizadas e classificadas em graus de superioridade e inferioridade.
O segundo paradigma se baseia na concepção de que diferentes culturas possuem
linguagens, valores, símbolos, e modos de comportamentos diferentes, que precisam
ser compreendidos tal como existem. Seus defensores se opõem ao paradigma da
privação cultural e afirmam que as relações entre as culturas não podem ser ana-
lisadas numa perspectiva hierarquizante. Sendo assim, também defendem que a
cultura da escola, construída e orientada a partir de um modelo cultural hegemônico
e monocultural, precisa ser modificada.
Como visto, não basta reconhecer a diversidade cultural, é preciso desfazer a hierar-
quia entre as diferenças culturais, que as concebe como superiores ou inferiores. Paulo
Freire, por meio de suas experiências educativas a partir dos anos 60, nos recorda que
a submissão à opressão leva à internalização da autoimagem de oprimido, de inferior.

91
Ao expor sua famosa frase: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mes-
mo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”, Freire (1970) já fer-
tilizava a ideia de uma proposta educacional baseada no interculturalismo, quando
em seus textos propunha a verdadeira atribuição da educação: a proposição de uma
ação dialógica. Suas preocupações quanto ao respeito à cultura do aluno, ao diálogo
e à liberdade, oferecem respaldo elementar para a compreensão das relações entre
educação e cultura(s).
Paulo Freire defendia uma educação que devesse se afastar de ações manipula-
doras e massificadoras e afirmava que toda educação deve ser um encontro entre
os homens (e mulheres), “que mediatizados pelo mundo, o “pronunciam”, isto é,
o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanização de todos”
(FREIRE, 1970, p.43).
Para que a educação intercultural avance, hoje, precisamos enfrentar alguns de-
safios, como o de reconciliar os saberes dos(as) alunos(as) com a cultura escolar e
desconstruir o legado dessa educação que nega a cultura do(a) aluno(a). A potência
da educação – não só no sentido da escolarização, mas no sentido mais amplo -
consiste em dialogar os saberes e fazer com que cada um deles encontre o interesse
e a relevância no outro.
Outro desafio, que se destaca dentro da perspectiva intercultural, é a superação
da polarização entre igualdade e diferença. No âmbito das políticas públicas e das
práticas pedagógicas, o reconhecimento da diferença deve estar articulada com as
questões referentes à igualdade e ao direito à educação de qualidade para todos.
Na tentativa de articular educação e cultura, os defensores da educação indígena
têm sido os que mais avançaram na busca de articular políticas públicas e propostas
pedagógicas que trabalham e buscam reconhecimento de sua cultura, mesmo diante
de inúmeros conflitos e adversidades.
Assumindo o olhar de que existem diferentes culturas, nós educadores(as), de-
vemos nos questionar: qual é o nosso olhar diante dos coletivos diversos inseridos
na escola? Como somos formados e preparados para atuar nesse contexto? Como
podemos superar as visões e representações preconceituosas sobre os diferentes?
Essas questões se colocam como essenciais, pois, se queremos combater os pre-
conceitos e as discriminações, devemos primeiro entender como os valores e as
relações entre as culturas, em nosso sistema, e a própria docência contribuíram, e
ainda contribuem, na produção das desigualdades e da hierarquização das culturas,

92
por meio da racionalidade moderna de ciência,progresso, conhecimento, cultura e
civilização, de avaliação e segregação.
Nessa dimensão, a educação intercultural se configura como uma prática que
propicia a democracia valorizando os distintos saberes tornando-se incentivadora
das transformações indispensáveis na geração da justiça social e da melhoria da
qualidade de vida.

Continuando as atividades

8- Como exemplo de grupos sociais que tiveram êxito na luta pelo direito à dife-
rença, citamos as reivindicações de diferentes etnias indígenas no Brasil ,que foram
agregadas à Constituição de 1998 e que desencadearam outras conquistas no
plano institucional.
Pesquise e socialize com os colegas, exemplos dessas outras conquistas alcança-
das pelos indígenas no plano institucional.

9- Você sabia?
No Espírito Santo existem experiências de grupos étnicos culturais (pomeranos,
quilombolas, indígenas, camponeses...) que buscam uma educação diferenciada e se
contrapõem ao modelo de educação baseado no conceito hegemônico de cultura.
Pesquise sobre a experiência cultural dos indígenas no Espírito Santo e descreva
como eles têm buscado essa educação diferenciada e quais seus objetivos. Depois de
registrar de suas descobertas, compartilhe-as com seus(as) colegas.

Filme

O menino de pijama listrado


Direção: Mark Herman.
EUA. 2008. (93 min.)

Um filme que retrata a história da amizade entre duas crianças — um alemão


e um judeu – durante a Segunda Guerra Mundial. Trata se de um bom filme, pois

93
ilustra a questão do etnocentrismo e a experiência de
um choque cultural e nos ajuda a refletir sobre as im-
plicações da falta de diálogo intercultural que geram
preconceito e racismo.
O racismo contra os judeus e o holocausto foram
justificados pelo darwinismo tortuoso que considerava
os arianos, alemães e outros povos nórdicos as “raças”
mais evoluídas e destinava-se a destruir as “raças in-
feriores” - principalmente os judeus, aos quais Hitler
atribuía a maioria dos males da humanidade.
Os ideais do nazismo são, em
grande parte, etnocêntricos.

Referências

BAUMAN, Sigmundo. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.

CANDAU, Vera Maria (org). Cultura(s) e educação: entre o crítico e o pós-crítico. Rio
de Janeiro: DP&A, 2005.

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ciedade, educação e cultura(s).Petrópolis: Vozes, 2002.

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FORQUIN, Jean Claude. Escola e Cultura: as bases e epistemológicas do conheci-


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MARX, Karl. Manuscritos econômicos e filosóficos. São Paulo: Martim Claret, 2002.

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PARAÍSO, M. A. Lutas entre culturas no currículo em ação da formação docente.


Educação e realidade, v. 1, n. 21, p. 137, jan./jun. 1996.

96
5

97
98
Classificação dos
povos indígenas pela
diversidade linguística:
troncos e famílias linguísticas
Kalna Mareto Teao

Você sabia que no Brasil...

◊ 11 línguas indígenas são faladas por mais de 5 mil pessoas?


◊ 110 línguas indígenas são faladas por menos de 400 pessoas?
◊ a língua Guarani é falada por uma população de aproximadamente 30 mil pessoas?

Línguas indígenas e diversidade cultural

No período que antecedeu a chegada dos europeus ao Brasil, os povos indígenas


eram aproximadamente da ordem de 4 a 6 milhões de habitantes, falantes de
1.200 idiomas distintos. Atualmente, os índios são cerca de 8000 mil e possuem
180 línguas, em nosso país.
Houve uma diminuição das línguas indígenas em quase 85 %. A que isso se
deve? A depopulação ocorrreu devido a muitos fatores, como as doenças que di-
zimaram os ameríndios: febre, varíola, gripe; a imposição dos trabalhos forçados,
as guerras, os deslocamentos e a alteração do modo de ser de cada povo indígena.
Soma-se a isso, a imposição da língua portuguesa aos índios e a proibição de uti-
lizarem seu idioma nativo.
O importante é ressaltar que o Brasil apresenta uma grande diversidade cul-
tural de povos indígenas, e, por conseguinte, de idiomas distintos. Não cabe,

99
portanto, afirmar, genericamente que o índio é um só, porque cada povo indí-
gena possui uma cultura própria e específica. Essa riqueza nos possibilita pensar
que as línguas podem ser um fator de expressão e conhecimento de uma cultura
e o respeito à essa diversidade possibilitará a constituição de uma política de
tolerância e paz em nosso país.
Em meio a essa diversidade, apenas 11 línguas têm acima de cinco mil falan-
tes: Baniwa, Guajajara, Kaingang, Kayapó, Makuxi, Sateré-Mawé, Terena, Ticuna,
Xavante, Yanomami e Guarani. Essa última é falada por uma população de apro-
ximadamente 30 mil pessoas. Por outro lado, cerca de 110 línguas contam com
menos de 400 falantes.
Para Franchetto (2001, p.6), cada língua tem suas características gramaticais e
de vocabulário, e cada sociedade, tem suas características culturais próprias, sua
visão de mundo, ou seja, uma maneira especial de ver, por meio do conhecimento,
as coisas do mundo humano e natural. Sendo assim, não existem línguas ricas ou
pobres, nem com pouca ou nenhuma gramática, ou com poucas ou muitas palavras.
Tampouco, não existe uma língua primitiva. Toda língua é completa e rica em si
mesma e serve para os usos aos quais se propõe existir.
As línguas, assim como a cultura, (a língua como o conceito de cultura) não
são estáticas, mudam conforme o tempo e cada uma tem sua história. As línguas
incorporam palavras de outras culturas e o seu processo de transformação é lento.
Uma língua pode desaparecer apenas se seus falantes desaparecerem também,
ou devido a acontecimentos como o genocídio, ou culturalmente, por meio da as-
similação pela força física resultante da dominação por outros povos. No caso dos
indígenas brasileiros, devido ao processo colonizador, muitos foram submetidos a
processos de assimilação, proibidos de falar suas línguas nativas nas escolas ou
nas missões. Entretanto, os ameríndios resistiram e continuam a falar seus idiomas.
É muito comum ouvirmos que os povos indígenas falam tupi-guarani, tupi ou
dialetos. Por trás dessas afirmativas, esconde-se o preconceito e o desconhecimen-
to da realidade da diversidade cultural em nosso país, pois os ameríndios possuem
línguas ou idiomas indígenas. Dialetos são variantes locais para um mesmo idioma
e duas pessoas podem falar de forma diferente, mas mesmo assim conseguirem se
entender com facilidade.
A língua é uma estrutura complexa que compreende:
◊ um sistema que permite a construção de palavras;

100
◊ um sistema que organiza os sons;
◊ regras e princípios que permitem construir frases e discursos.
A utilização da língua pode ter diversos fins como: expressar sentimentos, pen-
samentos e emoções, comunicar-se com os outros, construir discursos políticos, criar
narrativas, cantos, rezas, descrições, relatos etc.
As línguas indígenas são agrupadas em famílias que por sua vez se agrupam em
troncos linguísticos. Existem também línguas que não pertencem a nenhuma das
famílias conhecidas e que são chamadas pelos especialistas de línguas isoladas.
Ao afirmarmos que as línguas fazem parte da mesma família linguística, isso sig-
nifica que essas possuem uma origem comum, ou seja, que a língua mãe pertencia
a uma só etnia.
No entanto, com o passar dos anos, essa língua se dividiu com os povos que
migraram para outras regiões e que, na maior parte dos casos, não mais tinham con-
tato entre si, ou esse contato era ocasional. Os povos indígenas eram migratórios,
deslocavam-se constantemente de territórios, fato que impulsionou a mudança dos
idiomas e possibilitou a sua diversificação.
O tronco tupi é o maior e também o mais conhecido: possui dez famílias e cada
Confira as línguas das
uma delas agrupa várias línguas. No caso do guarani, há dialetos, como o mbya e o
famílias dos troncos Tupi,
nhandeva, o que não os restringe de se compreenderem entre si. Macro-Jê e de outras famí-
O tronco macro-jê possui nove famílias. Entre essas a língua jê, que conta com lias no anexo da página 109.

cerca de 25 línguas, faladas no Centro-oeste, no sul (kaingang, xokleng), no Pará e


na Amazônia meridional.
As famílias aruák e karib não constituem troncos linguísticos e a cada uma dessas
pertencem várias línguas. Os falantes das línguas aruák situam-se no norte, noroeste
e sul da Amazônia, em Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul e as línguas karib são
faladas no sul do rio Amazonas, ao longo do rio Xingu e no norte da Amazônia.
As línguas da família txapakúra são faladas na região de fronteira entre Brasil
e Bolívia, enquanto a língua tukano é falada no noroeste da Amazônia. A família
yanomami tem quatro línguas faladas na área fronteiriça entre Brasil e Venezuela e
a família guaikuru tem apenas um único representante: o kadiwéu, falado no Mato
Grosso do Sul, e também no Chaco argentino e paraguaio.
Há etnias muito pequenas que sobrevivem dos remanescentes de povos antes
numerosos, como os arikapu e os kwazá em Rondônia, os apiaká em Mato Grosso.
Em muitas aldeias, podem existir várias etnias, e por isso, há falantes mais de

101
uma língua, sendo, portanto, multilíngues, por exemplo as aldeias waiwai, no Ama-
zonas, onde vivem os xereu, os katuena e os warekena, de língua aruák.
Na região do Xingu, no Mato Grosso, convivem povos de língua aruák (mehi-
naku, waurá, yawalapíti), de língua karib (kuikúro, kalapálo, matipú, nahukwá) e de
língua tupi (kamyurá, awetí) que passaram a conviver de forma pacífica, estabele-
cendo alianças, casamentos, rituais, trocando artefatos. Temos nesse caso o exemplo
de uma região multiétnica, em que faz-se presente o multilinguismo.
Os povos do Xingu compartilham mitos, parentesco, organização familiar, festas,
crenças, hábitos alimentares, técnicas agrícolas e artesanato, no entanto mantêm
suas identidades próprias, sua língua e seu território.
Os povos indígenas sempre conviveram com situações de multilinguismo, já que
o número de línguas usadas por um indivíduo pode variar bastante. Há casos em
que os indivíduos falam e entendem mais de uma língua ou que entendem muitas
línguas, mas só falam uma ou algumas delas. É possível encontrar, numa mesma
aldeia, indivíduos que só falam a língua indígena, com outros que só falam a língua
portuguesa e outros ainda que são bilíngues ou multilíngues.
Muitas vezes, não há correspondência entre a nomenclatura que usamos em re-
lação aos povos indígenas e sua autodenominação. Trata-se da herança de denomi-
nações atribuídas pelos colonizadores ou por povos não indígenas da mesma região,
construídas muitas vezes a partir de características, como os botocudos, cinta-larga
etc. Um exemplo são os metuktire, conhecidos como txukarramãe.

Línguas da Família Tupi-Guarani (Tronco Tupi)

Palavras Guarani Mbyá Tapirapé Waiampí Língua Geral do Alto


Rio Negro

Pedra itá itã takúru itá


Fogo tatá tãtã táta tatá
Jacaré djakaré txãkãré iakáre iakaré
Fonte: ISA-Instituto Pássaro gwyrá wyrã wýra wirá
sócio-ambiental Onça djagwareté txãwãrã iáwa iawareté

102
Línguas da Família Jê (Tronco Macro-Jê)

Palavras Canela Apinayé Kayapó Xavante Xerente Kaingang

Pé par par par paara pra pen


Perna tè tè te te zda fa
Olho tò nò nò tò tò kane
Chuva taa na na tã tã ta
Sol pyt myt myt bââdâ bdâ rã
Cabeça khrã krã krã ‘rã krã kri
Pedra khèn kèn kèèn ‘eene kne pò
Asa, pena haaraa ‘ara ‘ara djèèrè sdarbi fer
Semente hyy ‘y ‘y djâ zâ fy Fonte: ISA-Instituto
Esposa prõ prõ prõ mrõ mrõ prõ sócio-ambiental

Línguas gerais

No início da colonização portuguesa no Brasil, a língua dos índios Tupinambá (tron-


co Tupi) era falada na região ao longo da costa atlântica e no século XVI, passou
a ser aprendida pelos portugueses. Aos poucos, o uso dessa língua, chamada de
Brasílica, intensificou-se e expandiu-se de tal forma que passou a ser falada pela
maioria da população.
Devido aos casamentos interétnicos entre colonos e índias, a Língua Brasílica se
constituiu como língua materna dos filhos por eles gerados. Além disso, as missões
jesuítas incorporaram essa língua como instrumento de catequização indígena. José
de Anchieta publicou uma gramática, em 1595, intitulada Arte de Gramática da Lín-
gua mais usada na Costa do Brasil e em 1618, foi publicado o primeiro Catecismo
na Língua Brasílica.
Já na segunda metade do século XVII, essa língua, já bastante modificada pelo
uso corrente de índios aldeados e não índios, passou a ser conhecida pelo nome Lín-
gua Geral. Entretanto, é necessário diferenciar as Línguas Gerais no Brasil Colônia:
a paulista e a amazônica.

103
Língua geral paulista

A Língua Geral paulista teve sua origem na língua dos índios Tupi de São Vicente e
do alto rio Tietê. No século XVII, era falada pelos bandeirantes e por seu intermédio
a Língua Geral paulista penetrou em áreas jamais alcançadas pelos índios tupi-
guarani, influenciando a linguagem corriqueira de brasileiros.

Língua geral amazônica

Essa segunda Língua Geral desenvolveu-se inicialmente no Maranhão e no Pará, a par-


tir dos Tupinambá, nos séculos XVII e XVIII. Até o século XIX, foi veículo da catequese
e da ação social e política portuguesa e luso-brasileira. Desde o final do século XIX,
a Língua Geral amazônica passou a ser conhecida, também, pelo nome Nheengatu.
Mesmo após muitas transformações, o Nheengatu continua sendo falado nos
dias de hoje, especialmente na bacia do rio Negro (rios Uaupés e Içana), e além de
ser a língua materna da população cabocla, mantém o caráter de língua de comuni-
cação entre índios e não índios, ou entre índios falantes de diferentes línguas.

As línguas indígenas na escola

No período de colonização, os povos indígenas eram proibidos de falar o seu idioma


materno nas escolas e sofriam inúmeros castigos físicos por tentarem expressar seu
modo de ser por meio do idioma.
Os Tupinikim falavam o idioma tupi até o século XVII e vários viajantes que
vieram ao Espírito Santo registraram suas palavras faladas, inclusive D. Pedro II,
quem em visita à região de Santa Cruz, no século XIX, chegou a registrar algumas
expressões em seu diário como:
Temiminó=neto Tuiúca=lama
Avá=homem Cendê= relâmpago
Íra=mel Berú=mosca
Avatché= milho
Atualmente, os Tupinikim têm como idioma materno o português. Em suas escolas, há

104
um projeto de resgate e valoriza-
ção do tupi antigo, por isso, des-
de 2004, a língua tupi se tornou
disciplina obrigatória no currículo
das escolas tupinikim. O objetivo
é ensinar, conservar e estimular o
Escola de Boa Esperança –
reconhecimento e o respeito ao
Guarani - ES
Tupi, incentivar o exercício da cul-
tura, de sua religiosidade, de seu Foto: Gabriel Lordello
modo de vida, de organização política, bem como valorizar a cultura indígena.
Os Guarani ensinam em suas escolas tanto o guarani, como o português, por
isso são, bilíngues. Da Educação Infantil ao quinto ano do Ensino Fundamental, as
crianças aprendem preferencialmente em língua materna. A partir do sexto ano, o
português é ensinado a fim de instrumentalizar os índios a dominarem melhor o
idioma para que possam se comunicar, receber turistas, ir ao hospital, comercializar
seu artesanato, ler e compreender os documentos, etc.
O ensino da língua materna tem a participação dos mais velhos, professores e
lideranças políticas da aldeia, já que por meio desse podem ser materializados co-
nhecimentos relativos aos rituais, à alimentação, às festas, ao modo de vida, à caça,
à religiosidade, ao artesanato, à medicina tradicional, dentre outros e, sobretudo,
pode-se produzir seu próprio conhecimento por meio dos materiais didáticos.

Kyringue a’e mba’e kuaawe


Akwery ma yvy rexaka’a a’e yyn wherá
Akuery nhe’e nhane miru, a’e nhane mbovy
Nhanemboporai nhanembojerojy
Nhende rera’a arare.

Criança e ancião,
São a luz da terra e o brilho da água,
O espírito deles é que nos apoia e nos
Impulsiona e nos faz cantar e dançar;
Que nos leva ao Universo.
Wanderley C. Moreira in: MAINÕ ‘I RAPÉ: O caminho da sabedoria. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFPC: UERJ, 2009, p.66.

105
Meu povo era livre

Antigamente, nós, Pataxó, vivíamos exclusivamente da caça, da pesca e de frutas da


floresta. A caçada e a pescaria eram realizadas com suas próprias armas e armadilhas.
O arco, a flecha, a borduna, a lança, o mundéu, o kisô, o fojo e muitas outras que
nosso povo fazia.
Nós, Pataxó, não conhecíamos armas dos brancos, como machado, facão, foice,
enxada, faca e armas de fogo.
Antigamente, tinham muitas farturas, nosso povo não passava fome e nem sede.
Hoje, tem dia que o índio passa muita fome, pois a fartura que tinha antigamente,
hoje acabou tudo. Antigamente, meu povo não vestia roupa do branco, tinha sua
própria roupa.
Hoje vestimos as roupas que são fabricadas nas fábricas das cidades, usamos
relógios e sapatos. Hoje nós estudamos pra defender os nossos direitos e encarar o
mundo lá fora.
Hoje, nós somos a minoria, mas, antigamente, éramos a maioria e vivíamos fe-
lizes nessa terra.
Nós, Pataxó, somos fortes e guerreiros, como as outras nações indígenas que
vivem por aí, em outros estados.
O POVO PATAXÓ e suas histórias. 4. ed. São Paulo: Global, 2000.

Atividades

1. Comente sobre a diversidade cultural linguística dos povos indígenas hoje no Brasil.

2. Cite quais são os troncos linguísticos indígenas do Brasil.

3. Diferencie famílias, línguas, troncos linguísticos.

4. Comente acerca dos casos de bilinguismo e multilinguismo dos povos indígenas

5. Podemos afirmar que existe uma língua inferior à outra, ou mais complexa que
outra? Por quê?

106
Vídeos indígenas

Série Salto para o futuro, disponível em www.dominiopublico.gov.br

Ylia e o fogo, disponível em www.socioambiental.org

Pajerama, disponível em www.socioambiental.org

Aldeias vigilantes, disponível em www.socioambiental.org)

Documentários e vídeos indígenas, disponível em http://www.tvcultura.com.br/auwe

Referências

FRANCHETTO, Bruna. As línguas indígenas. In: Índios do Brasil 2. Secretaria de


Educação a distância. Secretaria de Educação Fundamental. Reimpressão. Brasília:
MEC/SEED/SEF, 2001.

FREIRE, José R. Bessa. Rio Babel: a história das línguas na Amazônia. Rio de Janei-
ro: Atlântica, 2004.

KITHÃULU, Renê. Irakisu e o menino criador. São Paulo: Peirópolis, 2002.

MAINÕ ‘I RAPÉ: O caminho da sabedoria. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFPC: UERJ, 2009.

MONTSERRAT, Ruth M. F. Línguas indígenas no Brasil Contemporâneo. In: GRU-


PIONI, Luís D. Índios no Brasil. 4. ed. São Paulo: Global, 2005. Brasília: MEC, 2000.

MUNDURUKU, Daniel. Coisas de índio. 3. ed. São Paulo: Callis Editora, 2005.

______. As serpentes que roubaram a noite e outros mitos. São Paulo: Peiró-
polis, 2001.

107
O POVO PATAXÓ e suas histórias. 4. ed. São Paulo: Global, 2000.

REFERENCIAL curricular nacional para as escolas indígenas. Brasília: MEC/SECAD, 2005.

ROCHA, Levy. Viagem de Pedro II ao Espírito Santo. 3. ed. Vitória: APEES/SEDU/


SECULT, 2008.

TEAO, Kalna M. LOUREIRO, Klítia. História dos índios do Espírito Santo. Vitória.
Editora do Autor, 2009.

TEIXEIRA, Raquel F. A. As línguas indígenas no Brasil In: SILVA, Aracy L. GRUPIONI,


Luís D. B. (orgs). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores
de 1º e 2º graus. 4. ed. São Paulo: Global, Brasília: MEC/MARI, UNESCO, 2004.

Sítio eletrônico: www.socioambiental.org

LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996.

Artigo 32.§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,


assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e pro-
cessos próprios de aprendizagem.

108
Anexo
Tupi

Tronco
Tupi-Guarani Arikém Awetí Juruna Mawé Mondé Puroborá Mundurukú Ramarama Tuparí
Famílias
Akwawa Karitiána Awetí Juruna Kuruáya Káro (Arara)
(Yuruna), Mundurukú
Amanayé Xipaia
Línguas
Anambé
Arují (Mayoró)
Asurini do Tocantins Mawé
Apiaká Makuráp
(Asurini do Trocará) e (Sateré-Mawé)
Dialetos Mekém
Araweté Parakanã
Sakirabiár
Aruá Tupari
Asurini do
Cinta-Larga
Xingu
(Asurini do
Gavião (Ikóro)
Koatinemo) Mondé
Kaiowá e Surui (Paiter)
Avá-Canoeiro Zoró
Omágua (Kambeba)
Guajá
Guarani
Kaapór
(Urutu-Kaapór)
Parintintin,
Kamayurá Diahói, Juma,
Karipúna,
Kayabi
Tenharin e
Kawahib Uru-Eu-Wav-Wav
Kokáma
Língua Geral Kokáma e
Amazônica Omágua (Kambeba)
Suruí do
Tocantins
Tapirapé
Tenetehára

Wayampi Guajajara e Tembé


(Waiãpi, Oiampi)

Xetá
Zo’e (Puturú)
Língua Geral Amazônica (Nheengatú). É Amazônica para distinguir da outra Língua Geral, a
Paulista, agora já extinta; Nheengatú é um nome um tanto artificial, que lhe deu mo Gen.
Couto de Magalhães em seu livro de 1876 - O Selvagem.

Puroborá (é um povo cuja língua há documentos dos anos 20 (Th. Koch. Grünberg) e dos
anos 50 (W. Hanke) e de que há ainda alguns remanescentes dispersos de Porto Velho até o
Guaporé e o pessoal do Setor Linguístico do Museu Goeldi tem contactado alguns e
gravado dados linguísticos).

Fonte: ISA-Instituto Sócioambiental


109
Macro-Jê

Tronco
Boróro Krenák Guató Jê Karajá Maxakali Ofayé Rikbaktsá Yatê

Famílias Bororó Krenák Guató Javaé Maxakali Ofayé Rikbaktsá Yatê


Umutina Karajá Pataxó e
Xambioá Pataxó
Hã-Hã-Hãe
Línguas
Xakriabá,
Xavante e Akwén
Xerente
Dialetos Apinayé

Kaingáng do Paraná, Kaingáng


Tapayúna
Kaingáng Central, Kayapó
Kaingáng do Sudoeste e
Kaingáng do Sudeste Panará
Suyá Canela Apaniekra,
Canela Ramkokamekra,
Gorotíre, Kararaó, Timbira Gavião do Pará (Parkateyé),
Kokraimoro,
Xokléng Gavião do Maranhão (Pukobiyé),
Kubenkrankegn,
Krahó Krenjê (Kren-yé) e
Menkrangnoti,
Krikati (Krinkati)
Mentuktire
(Txukahamãe) e
Xikrin

Fonte: ISA-Instituto Sócioambiental

110
Outras Famílias

Aikaná Aikaná (Masaká e Kasupá)

Famílias

Arawá Banawá-Yafi Dení Jarawára Kanamantí Kulína Paumarí Jamamadi Suruahá (Zuruahá)
Línguas

Dialetos Apurinã (Ipurinã) Baníwa do Içana (cf. Sasha) Baré Kampa (Axininka) Mandawáka Mehináku
Arúak
(Arawak, Palikúr Paresí (Arití, Haliti) Piro Manitenéri, Maxinéri Salumã (Enawenê-Nawê) Terena (Tereno)
Maipune)
Tariana Yurupari-Tapúya (Iyemi) Wapixana Warekena (cf. Sasha) Waurá Yawalapití

Guaikuru Kadiwéu

Iranxe Iránxe (Mynky)

Jabuti Arikapú Jabutí (Jeoromitxí)

Kanoê Kanoê (Kapixaná)

Aparaí (Apalai) Aparaí (Apalai) Arara do Pará Bakairi Galibí do Oiapoque Hixkaryána

Ingarikó (Kapóng) Kalapálo Kaxuyána Kuikúru Makuxí Matipú Mayongong (Makiritáre, Yekuána)
Karib
Nahukwá (Nafukwá) Taulipáng (Pemóng) Tiriyó (Tirió, Trio) Txikão (Ikpeng) Waimirí (Waimirí-Atroarí)

Warikyána Wayána Wai-Wai

Katukina Kanamari Katawixi Katukina do Rio Biá (Pedá Djapá) Txunhuã-Djapá (Tsohom-Djapá)

Koazá
Koazá (Koaiá)
(Kwazá)

Continua

111
Máku Máku

Makú Bará (Makú-Bará) Dow (Kamã) Dow (Kamã) Guariba (Wariía-tapúya) Húpda Nadab Yuhúp

Mura Mura Pirahã

Nanambikwára Nanambikwara do Norte Tawandê, Lacondê, Latundê, Mamaindê, Negarotê

Nanambikwara do Sul Galera, Kabixi, Mundúka, Mambikwára do Campo Sabanê

Amawáka (estes índios vivem no Peru, não é certeza se alguns vivem no Brasil) Katukina do Acre (Xanenawá) (cf. Aguiar)

Pano Kaxararí Kaxinawá Korúbo Marúbo Matís Matsé (Mayoruna) Matsé (Mayoruna) Nukini

Poyanáwa Yamináwa Yawanáwa

Trumái Trumái

Tikúna Tikúna

Arapaço Bará Desána Karapanã Kubewa (Kubeo) Makúna Pirá-Tapuya (Waíkana) Siriáno
Tukano
Tukano Tuyúka Wanano

Txapakúra Orowari Torá Urupá Warí (Pakaanova)

Yanomami Ninam Sanumá Yanomám Yanomami

Fonte: ISA-Instituto Sócioambiental

112
6

113
114
Os direitos dos
povos indígenas no Brasil
Maria das Graças Cota

Resumo

Este texto analisa a institucionalização das políticas públicas indigenistas no


Brasil, em uma perspectiva histórica, a partir da República, objetivando compre-
ender a relação entre os movimentos sociais e o reconhecimento dos direitos dos
povos indígenas.

Objetivos

◊ Analisar o histórico da institucionalização das políticas indigenistas no Brasil, a


partir da República;
◊ compreender a relação entre os movimentos sociais e o reconhecimento dos direi-
tos dos povos indígenas no Brasil.

Introdução

A república brasileira, nascida sob a influência do Positivismo, não apresentou, nos


primeiros anos de sua existência, preocupação com as questões indígenas, tanto
que os índios não são mencionados na primeira Constituição, promulgada em 1891.

115
A ausência de marcos regulatórios teve como resultado vários conflitos e mas-
sacres de povos indígenas. Um dos mais relevantes aconteceu em São Paulo, entre
os Kaigang, os funcionários das vias férreas e os fazendeiros que se dirigiram para
a região. O episódio foi tão marcante que, pela primeira vez, o Brasil foi acusado
publicamente pelo massacre de índios, durante o XVI Congresso dos Americanistas,
ocorrido em Viena – Áustria.
Essa denúncia foi um dos fatores que aceleraram o processo de criação do Serviço
de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais, já que esse e outros
massacres, ocorridos em outros estados, passaram a ser denunciados pela imprensa,
estendendo-se às Assembleias Legislativas estaduais e também ao Congresso Nacional.
A reação por parte dos diversos segmentos da sociedade levou o Governo Federal a
criar, por meio do Decreto n.º 8.072/1910, esse serviço, transformado, em 1918, no SPI.
Nesse processo destaca-se a contribuição da professora Leolinda Daltroe do Cen-
tro de Ciências, Letras e Artes da UNICAMP , que fundou, em 1908, a Associação de
Proteção e Auxílio aos Silvícolas do Brasil.
Os positivistas, e entre esses Rondon, eram defensores do pensamento segundo
o qual as sociedades indígenas estariam vivendo na etapa fetichista do estado te-
ológico e que, se lhes fossem fornecidas as condições materiais para a evolução,
poderiam passar diretamente para o estado positivo, desconsiderando assim o es-
tado metafísico. A partir da criação do SPI, o trabalho de catequese realizado pelas
diversas ordens religiosas em todo o território nacional passou a ser fiscalizado pelos
funcionários desse órgão.
Lima (1995) define a forma de poder exercida pelo Estado brasileiro, por meio
do SPI como poder tutelar. Segundo esse autor, o poder estatizado, exercido sobre
populações e territórios, buscava assegurar o monopólio dos procedimentos de
definição e controle sobre as populações indígenas. Para tanto, foram meios im-
portantes, e ao mesmo tempo seus produtos, a formulação de um código jurídico
acerca das populações indígenas e a implantação de uma malha administrativa
instituidora de um governo de índios. O poder tutelar é concebido como uma
forma reelaborada da guerra de conquista. Como modelo analítico, a conquista
é um empreendimento com distintas dimensões: fixação dos conquistadores nas
terras conquistadas, redefinição das unidades sociais conquistadas, promoção de
fissões e alianças no campo de ação das populações conquistadas, com objetivos
econômicos e empresa cognitiva.

116
A malha administrativa instituidora do poder tutelar sobre os índios era constitu-
ída no plano nacional, de subdiretorias e seções; no plano regional, de inspetorias; e,
no local, de postos, povoações indígenas, centros agrícolas e delegacias. Fazia parte
do corpus jurídico, que passou a regular a vida dos povos indígenas brasileiros, o
Código Civil, promulgado em 1916, que, em seu artigo 6.º, inciso IV, declarava os
índios como relativamente incapazes para a prática de atos da vida civil.
A criação do SPI representou a primeira tentativa de concentração dos serviços
em mãos de aparelhos estatizados do governo nacional, isto é, do uso de dispositivos
administrativos de poder destinados a anular a heterogeneidade histórico-cultural,
submetendo os povos indígenas a um controle com certo grau de centralização e à
imagem de homogeneidade fornecida pela ideia de nação. O controle estatal exer-
cido sobre os povos indígenas, por meio do SPI, permitiu o domínio intensivo sobre
o espaço e populações dele ocupantes. Além disso, criava novas terras destruindo
territorialidades históricas e culturalmente diferenciadas, dando resultados análogos
aos das ferrovias, revertendo-as para a mercantilização potencial e exploração inten-
siva pela iniciativa privada (LIMA, 1995).
Além disso, a criação do SPI não contribuiu com a proteção dos povos indígenas.
Entre os anos de 1900 e 1950, foram extintas cem tribos indígenas (DAVIS, 1978),
territórios de centenas de outros foram invadidos e apropriados por grileiros, fa-
zendeiros e grupos econômicos. Em 1958, Carlos Araújo Moreira Neto, etnólogo do
Museu Paraense Emílio Goeldi, forneceu dados estarrecedores sobre o extermínio de
grupos indígenas Cayapó, que habitavam o vale do Xingu, e que haviam sido conta-
tados pelo SPI. Em 1963, ocorreu a destruição de toda uma aldeia Cinta Larga, no
Mato Grosso, episódio conhecido como “o massacre do paralelo 11”.
Os constantes fracassos do SPI em relação à sua capacidade de proteção aos
povos indígenas eram explicados por seus dirigentes como consequência das verbas
insuficientes e irregulares, do exagero burocrático, da falta de auxiliares apropriados,
dentre outros motivos. Outro problema, que passou a ser enfrentado por esse órgão,
foram as suspeitas de irregularidades administrativas, como a apropriação indevida
do patrimônio indígena, a devastação de florestas e a venda da produção agrícola
dos índios (GAGLIARDI, 1989).
Ao longo dos anos de sua existência (1910-1967), o SPI obteve resultados espe-
taculares no contato com os grupos indígenas arredios, mas o mesmo não se pode
dizer em relação à proteção desses povos. Com frequência, a euforia da pacificação

117
era sucedida por doenças contagiosas que levavam ao extermínio grande parte do
grupo contatado. Não raro, grupos indígenas eram enxotados de seus territórios
pelas pressões de algum fazendeiro, que reclamava seu direito de propriedade (GA-
GLIARDI, 1989), mesmo estando assegurado pelas Constituições de 1934, 1937 e
1946, o direito à posse da terra.
Nos anos 60 do século XX, o SPI encontrava-se em situação bastante precária
e acabou sendo extinto após o golpe de Estado de 1964, quando uma auditoria
realizada nesse Órgão confirmou as suspeitas de irregularidades administrativas. Em
substituição ao SPI, foi criada em 1967, a FUNAI.
No período da Ditadura Militar (1964-1984), a situação dos povos indíge-
nas piorou ainda mais, devido à aceleração do processo de industrialização e à
expansão das fronteiras agrícolas, que levaram à extinção ou à dispersão vários
grupos indígenas.
Os Pankararu, originários de Pernambuco, migraram para a Região Sudeste
devido à construção da hidrelétrica de Itaparica, no Rio São Francisco, à seca,
aos conflitos oriundos da luta pela terra e às inúmeras outras agressões. Os
Xacriabá, do norte de Minas Gerais, perderam dois terços do território em decor-
rência do desenvolvimento de projetos agrícolas na região, pela Ruralminas, que
atraíram fortes grupos empresariais e grandes fazendeiros das cidades vizinhas.
Os Tupinikim, do Espírito Santo, perderam para a Aracruz Celulose cerca de 30
mil hectares de terras.
A situação não foi diferente na Região Sul do Brasil. Martins (1978) relata os
problemas de extermínio e invasão de terras dos povos indígenas nessa região:

Quando cheguei a este posto, em 1968, havia 48 famílias de intrusos, invasores da


reserva indígena. Habilmente esse número foi reduzido para 29 famílias apenas. Tão
logo encerrou o prazo do arrendamento, em 31 de julho deste ano, imaginei encerrada
a ocupação das terras indígenas. Mas vieram os políticos e insuflaram os invasores a
permanecer” (MARTINS, 1978, p. 271).

No Centro-Oeste, os povos indígenas também perderam terras, tanto que as li-


deranças Guarani-kaiowá e Guarani-nhandeva passaram a se articular para a reação
à perda de suas terras, que se vinha intensificando desde a década de 1960, com a
instalação da agricultura extensiva no sul de Mato Grosso do Sul.

118
A Constituição imposta aos brasileiros, pelos militares durante a Ditadura Militar
(1964-1984), previa em seu artigo 4.º “Incluem entre os bens da União as terras
ocupadas pelos silvícolas”. No entanto, no artigo 186 manteve-se “[...] aos silvícolas
a posse permanente das terras que habitam” reconhecendo seu direito ao usufruto
exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes. Percebe-se
assim, o distanciamento entre essas ideias e aquelas, propostas na Convenção n.º
107 da OIT, aprovada no Brasil no ano de 1965, no que diz respeito ao direito de
propriedade coletiva ou individual sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos
membros das populações indígenas.
Na Emenda Constitucional n.º 1, de 1969, foram mantidas as terras indígenas
incorporadas ao patrimônio da União (artigo 4.º, inciso IV) e a competência do mes-
mo ente público federal para legislar sobre “[...] nacionalidade, cidadania e natura-
lização; incorporação dos silvícolas à comunidade nacional” (artigo 6º, inciso XVIII,
alínea “o”). O artigo 189 da Emenda 1/69 dispunha:

[...]
Art. 189. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal de-
terminar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usu-
fruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes (BRASIL, 1969).

Mesmo com o direito à posse da terra garantida por todas as Constituições Fe-
derais, a partir de 1934, o que persistiu na história da República Brasileira foi um
constante desrespeito aos direitos dos povos indígenas, que perderam suas terras
devido à expansão das fronteiras econômicas e agrícolas.
Durante a ditadura, foi promulgado o Estatuto do Índio, Lei n.º 6.001, de 19
de dezembro de 1973, que “[...] regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e
das comunidades indígenas com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los
progressivamente e harmoniosamente à comunhão nacional” (artigo 1.º). Esse esta-
tuto, ainda em vigor, por seu caráter integracionista tem levado os povos indígenas
brasileiros a lutar por sua reformulação, junto ao Congresso Nacional, desde 1991,
como veremos mais adiante neste texto.
A Igreja exerceu papel importante junto à FUNAI no desempenho do seu pa-
pel tutelar em relação aos povos indígenas, por isso cresceu o número de missões
católicas entre os indígenas, na primeira metade do século XX. A trajetória dessas

119
missões da Igreja Católica, até a década 70 do século passado, foi praticamente a
história da missão na Amazônia, uma vez que não existia missão em outra região.
A Igreja da Amazônia continuava tradicional e estrangeira, já que, das trinta e seis
prelazias existentes nesse período, apenas duas possuíam majoritariamente clérigos
brasileiros. As missões não mantinham nenhum contato entre si; cada uma delas era
uma ilha e algumas simplesmente reproduziam as práticas pastorais de sua terra de
origem (PREZIA, 2003).
Mesmo sendo a maior parte das congregações muito tradicionais, já havia, na
década de 1960, algumas que desenvolviam experiências missionárias inovadoras e
que passaram a realizar encontros nacionais para refletir sobre suas práticas. Foi esse
grupo que tentou trabalhar em parceria com a recém-criada FUNAI.
A Igreja Católica, por meio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e da Con-
federação dos Bispos do Brasil (CNBB), acabou tornando-se uma das instituições
que mais criticaram e questionaram as políticas públicas colocadas em prática pela
FUNAI nos anos subsequentes. Por diversos motivos, foram constantes os atritos
entre as duas instituições: “A dissolução de uma assembleia de 140 chefes indígenas,
organizada pelos padres do CIMI, em Roraima, por decisão da FUNAI, gerou mais um
atrito, e as acusações se fizeram mutuamente” (MARTINS, 1978, p. 76). As diver-
gências foram tantas que o Ministro do Interior, Rangel Reis, proibiu o ingresso das
missões religiosas nas reservas indígenas.
Da segunda metade do século XX em diante, a Igreja Católica passou a levar em
consideração os conhecimentos das Ciências Sociais, especialmente da Antropologia,
em suas práticas com os povos indígenas. No meio eclesiástico, passou-se a defen-
der a ideia de que nenhum missionário antropologicamente responsável poderia
balizar sua atuação pastoral exclusivamente num dossiê bíblico-dogmático, e seria
necessário levar em consideração as contribuições do historiador, do etnólogo e do
sociólogo (SUEZ, 1981).
As críticas que a Igreja Católica passou a sofrer da sociedade civil, em relação à
catequização para a assimilação dos indígenas à sociedade, foram outro fator que
contribuiu para que essa Instituição começasse a rever suas práticas evangelizado-
ras. Uma das críticas mais significativas foi feita pelos participantes do Encontro de
Barbados I, organizado, em 1971, pelo Instituto da Universidade de Berna, de Brid-
getown, na Ilha de Barbados, e patrocinado pelo Programa de Combate ao Racismo
do Conselho Mundial das Igrejas. Nesse encontro, houve uma tomada de posição

120
por parte dos antropólogos, diante dos massacres físico e cultural contra os povos
indígenas do continente americano.
No documento final desse encontro, os antropólogos pediam que as missões
saíssem das aldeias indígenas. Do seu ponto de vista, a presença missionária sig-
nificava a imposição de critérios e padrões alheios às sociedades indígenas domi-
nadas, e que sob o manto da fé se escondia a exploração econômica e humana
das populações indígenas. Por isso, para as populações indígenas e também para
preservação da integridade moral das próprias igrejas seria melhor acabar com toda
atividade missionária.
Da década de 1970, em diante, aumentaram as tensões entre os processos de
estatização, postos em prática pelo Estado brasileiro, e os movimentos sociais dos
povos indígenas. Esses passaram a oferecer uma resistência mais organizada em re-
lação às políticas de integração e dominação, configurando assim o que poderíamos
chamar de movimentos políticos instituintes dos povos indígenas. A partir dessa
década, surgiram também várias instituições indigenistas não governamentais que
passaram a atuar ao lado dos povos indígenas, e que ganharam visibilidade nos
meios de comunicação. Paulatinamente, o respeito à diversidade cultural passou a
ser defendida por vários setores da sociedade.
A omissão da FUNAI, no cumprimento de seus deveres de demarcação e prote-
ção do patrimônio dos povos indígenas, e o fato de essa instituição governamental
configurar-se como uma agência tributária da “relativa capacidade” do indígena,
expressa no Código Civil e que persistia nas políticas indigenistas de integração ét-
nica, contribuíram também com a reação dessa população e com o surgimento de
entidades e movimentos de defesa e apoio a esses povos.
Na década de 1970, o descrédito dos povos indígenas em relação à FUNAI tor-
nou-se tão grande que uma liderança xavante — Mário Juruna — passou a gravar as
promessas dos funcionários da Instituição e de outros setores do Governo Federal,
para que pudesse posteriormente cobrá-las. O gravador virou o seu “arco e flecha no
mundo das promessas dos civilizados” (MARTINS, 1978).

Juruna – Eu comprei pra isso. Branco faz muita promessa. Esquece tudo logo. E índio
não podia provar. Quem vai me proibir assim? Então não fala comigo. Falo, gravo. Todo
branco deveria ter gravadora assim. Mas civilizado é bobo. Tem coisa boa e não usa
(JURUNA, apud MARTINS, 1978, p. 207).

121
Outro problema enfrentado pelos índios na relação com a FUNAI foi a proibição
das assembleias indígenas.

Juruna- Eu não tem sono dormi muito tarde. Tamo começando fazer contato com
outras tribo. Pra poder ajudar outro. Fazer força junto. Vamos reunindo. Eu tinha viage
marcada pra Acre. Conhecer índio de lá. Conversar, mostrar o que acontece entre xa-
vante. Dia 2 de janeiro ia pro Acre. Tava marcado reunião com 102 chefe índio. Depois
FUNAI proibiu tudo. FUNAI dispensou (JURUNA apud MARTINS, 1978, p. 206).

A proibição por parte da FUNAI, de realização de assembleias indígenas era feita


com base no princípio da tutela, previsto no Código Civil Brasileiro, porém, essa
Instituição não conseguiu conter o movimento e a organização dos povos indígenas.
De acordo com Terena (2003), a primeira organização indígena, criada pelos próprios
indígenas, foi a Organização das Nações Indígenas (UNIND), instituída no início da
década de 1980 por um grupo de índios de vários povos, que se encontravam estu-
dando na Universidade de Brasília.
A criação dessa organização foi uma reação dos estudantes à ordem do General
Golbery do Couto e Silva, que determinou ao presidente da FUNAI, Coronel do Exército
João Carlos Nobre da Veiga, que expulsasse os indígenas da Universidade. Do ponto
de vista desse general, o índio jamais deveria acessar aos antigos 1.º e 2.º graus, hoje
Ensino Fundamental e Médio, muito menos à universidade. Como argumento maior,
Golbery afirmava considerar Brasília uma cidade “atípica” para a educação indígena.
Em junho de 1980, as principais lideranças indígenas do país, reunidas em as-
sembleia na cidade de Campo Grande (MS), recusaram-se a reconhecer a UNIND
como representante dos povos indígenas, uma vez que, segundo elas, essa organi-
zação não resultou das discussões que vinham ocorrendo nas assembleias indígenas.
Por isso, resolveram criar outra organização, também denominada União das Nações
Indígenas, adotando a sigla UNI.
Ainda em 1980, a UNIND e a UNI foram fundidas, criando a primeira organiza-
ção nacional indígena, que se impôs como legítima representante de interesses dos
povos indígenas (NEVES, 2003).
As diversas organizações indigenistas não governamentais instituídas a partir dos
anos 70 do século XX são formadas por antropólogos, juristas, professores univer-
sitários, linguistas, indigenistas, missionários e outros profissionais, que apoiam a

122
causa indígena em seus mais diversos aspectos: organização política, luta pela terra,
registro de idiomas, educação e saúde.
Neste texto, optamos por apresentar dois momentos da luta dos povos indígenas e
do apoio das organizações indigenistas não governamentais pela institucionalização de
políticas públicas que levem em consideração a diversidade cultural e os direitos desses
povos, a saber: a Assembleia Nacional Constituinte e a Ratificação da Convenção 169.

A Assembleia Nacional Constituinte

Jamais se conseguirão mudanças estruturais profundas através de uma constituição. A cons-


tatação vale para qualquer época e lugar, inclusive ao atual momento constituinte brasileiro.
Sempre são os movimentos sociais os que forjam novas condições sociais – às quais, via de
regra, se segue, a edição de um novo ordenamento jurídico que institucionalize, no plano
formal, o que já está obtido no plano concreto. A constatação, porém, não autoriza que se
despreze o espaço da Assembleia Nacional Constituinte (GAIGER1, 1987, p. 11).

A Assembleia Nacional Constituinte (ANC) retratou o momento de transição po-


1
GAIGER, J. Informe Constituinte.
lítica pelo qual passou o País e também as relações de força existentes na sociedade Brasília: CIMI, 1987/1988
nacional. Uma característica desse momento político é que as organizações indige-
2
nistas não formavam um bloco homogêneo quanto ao que defendiam em relação Para a realização dos trabalhos na
ANC foram formadas oito comis-
aos princípios que deveriam nortear as políticas indigenistas.
sões constitucionais temáticas, que,
A ANC2 foi instalada em Brasília no dia 1.º de fevereiro de 1987 e esteve por sua vez, dividiram-se em 24
reunida até 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a nova Carta Magna. subcomissões, além da Comissão de
Sistematização. Cada subcomissão
Para acompanhar e influenciar o processo de elaboração da nova Constituição,
foi composta por 21 membros
as várias organizações indígenas e indigenistas passaram a atuar com os consti- que discutiam temas conexos. A
tuintes no Congresso Nacional em várias frentes, que ora trabalhavam separada- questão dos direitos indígenas
mente, ora em conjunto. ficou a cargo da Subcomissão dos
Negros, Populações Indígenas,
Os trabalhos das diversas organizações indígenas e indigenistas seguiram dois
Deficientes e Minorias e foi uma
eixos principais: 1) assessorar os constituintes na elaboração de propostas e emen- das três da Comissão da Ordem
das constitucionais e participar de debates sobre temas relacionados às questões Social. Cabe lembrar que questões
como saúde e educação indígenas
indígenas; 2) mobilizar e informar as lideranças indígenas e a opinião pública sobre
foram discutidas e aprovadas por
os desdobramentos dos trabalhos no sentido de se manter na nova Constituição os outras comissões e subcomissões
direitos dos índios, já consagrados em Constituições anteriores (CPI-SP). encarregadas desses assuntos.

123
As posições políticas defendidas pelas organizações indígenas e indigenistas du-
rante a realização da ANC foram frutos do trabalho prático e da articulação de diver-
sas organizações indigenistas, que já vinham amadurecendo seus posicionamentos
em relação a uma série de questões relativas aos direitos dos índios, como: as da ter-
ra, dos procedimentos nas demarcações; da tutela; da representatividade jurídica e
judicial das comunidades indígenas; da mineração em terras indígenas; da educação
e saúde indígenas, entre outras. Assim, quando chegou o momento dessas questões
serem discutidas na Constituinte, já havia propostas muito concretas, acordadas en-
tre as organizações indígenas e as várias entidades de apoio (CPI-SP).
A partir do início dos trabalhos da ANC, lideranças indígenas e indigenistas re-
alizaram uma série de reuniões com os parlamentares para a melhor definirem os
direitos indígenas relativos à cidadania, à defesa do patrimônio, à terra, ao uso dos
recursos naturais, à assistência à saúde e à educação.
Em abril de 1987, cerca de 40 índios, de diversos povos e representantes de
entidades indigenistas, estiveram presentes no Congresso Nacional. No Congresso
Nacional divulgaram e entregaram a proposta unitária, que, no seu processo de
construção, contou com o trabalho de Aílton Krenak, o grande articulador entre os
povos indígenas nesse processo. (GAIGER, 1988).

Em abril de 1987 o antropólogo e deputado José Carlos Sabóia (PMDB-MA) apresentou


à Subcomissão das Populações Indígenas uma proposta de texto com cinco artigos e
uma longa justificativa sobre os direitos indígenas, apoiada por extensa lista de organi-
zações da sociedade civil, encabeçada pela UNI, com quinze organizações de apoio aos
índios, centrais sindicais, associações profissionais e de igrejas. A proposta detalha os
direitos territoriais, veda qualquer exploração de recursos não renováveis por terceiros
e confere aos índios, ao Congresso e ao Ministério Público a faculdade de ingressar em
juízo em defesa dos direitos indígenas (CEDI, 1991, p. 16).

O início dos trabalhos nas comissões contou com audiências públicas, para as
quais vários políticos e acadêmicos foram convidados a expor o tema corresponden-
te a cada uma das subcomissões. No dia 29 de abril de 1987, foi realizada a primeira
audiência pública das entidades pró-índio na Subcomissão dos Negros, Populações
Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias do Congresso Nacional, em Brasília, com
a participação e depoimentos de D. Erwin Krautler (CIMI), Carlos Marés (CCPY/CPI-

124
SP), Wanderlino T. De Carvalho (CONAGE), Manuela C. da Cunha (ABA) e Mercio
Gomes (IPARJ-RJ) (CEDI, 1991).
Foi necessário um grande esforço, por parte das organizações indígenas e indi-
genistas, para conseguir novas articulações políticas, que decidissem favoravelmente
a cada um dos pontos do projeto da Constituição Federal que tivessem implicação
direta com a vida dos povos indígenas: “É que em relação aos direitos indígenas, o
texto do centrão “quase” conseguiu piorar o texto do Cabral... Não nos serve nem
este, nem aquele. Precisávamos montar um sistema de emendas e destaques que
opusessem a ambos” (GAIGER, 1988, p.78).
Esse momento político representou um marco decisivo para a nova correlação de for-
ças na ANC. Trabalharam de maneira conjunta todas as organizações indígenas e indige-
nistas, com o objetivo de redigir e encaminhar as emendas, para que fossem defendidas
no plenário pelos constituintes aliados. O trabalho foi árduo, mas foram assegurados
quase todos os direitos reivindicados pelos povos indígenas, para o que foram necessárias
também concessões por parte das organizações indígenas e indigenistas. Uma delas foi
em relação à estatização da mineração em terras indígenas; insistir nessa tese poderia
colocar em risco a possibilidade de resgatar a redação do capítulo sobre os índios.
Contando com 497 votos favoráveis, 5 votos contrários e 10 abstenções, foi apro-
vado, em 1 de junho, o Capítulo VIII, “Dos Índios”, “Da ordem Social”. Igualmente
importante foi a participação dos indígenas vindos de diversas regiões do País para
acompanhar as votações no Congresso Nacional

No mesmo período inicialmente quase 100, e ao final mais de 200 representantes indí-
genas de mais de 30 nações percorreram todos os gabinetes de deputados e senadores,
levando textos das demandas que apoiavam para o capítulo sobre os índios (Alce-
nir Guerra, Jarvas Passarinho, Carlos Cardenal, Flávio Feldman e Eraldo Trinidade). Na
última semana antes da votação, os índios fizeram “corredor polonês” no acesso ao
plenário, abordando cada constituinte que passava. Todos os índios compenetraram-
se em dominar a proposta em detalhe e em conhecer as propostas contrárias. [...] Os
índios utilizaram a estadia em Brasília, nos dias precedentes ao do acordo, para visitar
personalidades do “mundo branco” em busca de alianças: o Procurador Geral da Repú-
blica, o Presidente do Conselho Federal da OAB, o Reitor da Universidade de Brasília, o
Secretário-Geral do Ministério da Justiça e do Conselho da Defesa dos Direitos Humanos
e o Presidente da Diretoria da CNBB (GAIGER 1988, p. 96).

125
No mês de julho de 1988, o relator da Constituição, o deputado Bernardo
Cabral, entregou o Projeto de Constituição B, que foi a redação revisada e renu-
merada do que foi aprovado pelo Plenário da ANC. O Projeto de Constituição B
apresentava duas alterações antirregimentais em dois artigos relativos aos povos
indígenas: o que tratava da posse da terra pelos índios e o relativo à demarcação
das terras indígenas. Esse fato exigiu das organizações indígenas e indigenistas
uma grande correria à “caça” dos constituintes que pudessem apresentar as emen-
das necessárias para recompor os direitos indígenas.
No mês de agosto de 1988, foram iniciadas as votações das emendas ao Projeto
de Constituição B. Novamente, nesse período, indígenas de todo o País concentra-
ram-se em Brasília.

Desde a primeira semana do mês, estava em Brasília uma delegação de índios do Nordeste
(nações Kapinawá, Xokó, Karapotó, Xukuru, Xucuru-Kariri, Potiguara, Garimpanko e Fulni-ô) a
quem se somaram delegações Kayapó (inclusive Xikrin) e um Kaiowá. Os índios percorreram os
gabinetes, dançaram nos corredores do Congresso, e desde o dia 17 concentravam-se no audi-
tório da liderança do PMDB na Constituinte, junto à sala de reuniões (GAIGER, 1988, p.102).

A ANC encerrou os seus trabalhos no dia 22 de setembro de 1988. O texto cons-


titucional votado nesse dia obteve 474 votos favoráveis e o capítulo relativo aos
direitos indígenas constitui o Anexo B.
A Constituição de 1988 tornou-se um marco na luta dos povos indígenas, visto
que, pela primeira vez, o Estado brasileiro passou a adotar uma legislação de caráter
não integracionista na sua relação com os povos indígenas. Diferentemente das ou-
tras Constituições que existiram no País, essa reconhece o direito à alteridade cultural
dos povos indígenas. Outras conquistas expressivas foram:
◊ reconheceu-se que os direitos indígenas sobre as terras que ocupam são direi-
tos originários, isto é, anteriores ao próprio Estado;
◊ garantiu-se que os recursos hídricos e a pesquisa e a lavra das riquezas minerais só
podem ser efetivadas com a autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades
afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra, na forma da lei;
◊ condicionou-se a remoção de grupos indígenas à autorização ou referendo do
Congresso Nacional;
◊ definiu-se com precisão e amplitude o que são terras indígenas;

126
◊ reiterou-se a nulidade e a extinção dos atos incidentes sobre as terras indígenas;
◊ estabeleceu-se, expressamente, a legitimidade processual dos índios, suas co-
munidades e organizações, descondicionando-as de qualquer assistência;
◊ eliminou-se a distinção entre índios aculturados e não aculturados;
◊ rompeu-se com o monopólio da FUNAI em relação às causas indígenas ao es-
tabelecer expressamente como função do Ministério Público a defesa dos interesses
e direitos indígenas e fixando-se exclusivamente à Justiça Federal o papel de apreciar
as disputas sobre os direitos indígenas.
Cabe ressaltar, no entanto, a título de comparação, que no Continente Ameri-
cano existem constituições muito mais avançadas em se tratando dos direitos dos
povos indígenas, como é o caso da Bolívia, da Colômbia, do Equador, da Guatemala,
do México, da Nicarágua, do Paraguai e do Peru, em que há o reconhecimento ex-
plícito da diversidade étnica e cultural dessas sociedades:
[...]
Artigo 2º: A Nação (mexicana) tem uma composição pluricultural sustentada originalmen-
te nos seus povos indígenas que são aqueles que descendem de populações que habita-
vam no atual território do país, no início da colonização e que preservam suas próprias
instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte de elas (MÉXICO, 1989).

A promulgação da Constituição Federal de 1988 foi apenas o primeiro passo na


luta dos povos indígenas brasileiros, uma vez que continua a batalha contra o Estado
para que se cumpram os direitos estabelecidos pela Carta Magna. É necessário um
acompanhamento constante da atuação do Congresso Nacional para que a Cons-
tituição Federal não venha a sofrer reformulações que possam colocar em risco os
direitos conquistados.

A Ratificação da convenção n.º 169 pelo Brasil

A aprovação da Convenção n.º 169 da OIT era uma das bandeiras de luta das enti-
dades indígenas e indigenistas brasileiras. O texto da Convenção 169 foi enviado
à Câmara dos Deputados, pelo Presidente da República, Mensagem n.º 367, em
1991, submetido assim à apreciação do Congresso Nacional, em cumprimento ao
artigo 49, inciso I da Constituição Federal Brasileira, e ao artigo 19 da Constituição

127
da Organização Internacional do Trabalho. Depois de ter sido aprovada no Plená-
rio da Câmara dos Deputados, e também, na Comissão de Defesa do Consumidor,
Meio Ambiente e Minorias e ainda na Comissão de Constituição e Justiça, a matéria
passou a ser objeto de longa e controvertida trajetória no Senado Federal, principal-
mente quanto aos seus artigos 14, 15, 17 e 32.
O artigo 14 da Convenção 169 versa sobre a necessidade de se reconhecerem
aos povos indígenas os direitos de propriedade e posse sobre as terras que tradicio-
nalmente ocupam. Segundo alguns senadores, esse artigo da Convenção violaria o
inciso XI do artigo 20 da Constituição Federal Brasileira, que declara serem bens da
União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Ademais, pelo § 2.º do artigo
231, as terras indígenas tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua
posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios
e dos lagos nelas existentes.
Ao defender a ratificação da Convenção pelo Senado, o Senador Artur da Távola
afirmou que o texto do artigo 14 parecia opor-se ao do artigo 20, inciso XI da Cons-
tituição, se lido isoladamente. Contudo, a leitura dos artigos 34 e 35 da Convenção
n.º 169 demonstra a flexibilidade presente nessa:

[...]
Art. 34. A natureza e o alcance das medidas que sejam adotadas para pôr em efeito a
presente Convenção deverão ser determinadas com flexibilidade, levando em conta as
condições próprias de cada país.

Art. 35. A aplicação das disposições da presente Convenção não deverá prejudicar os
direitos e as vantagens garantidas aos povos interessados em virtude de outras conven-
ções e recomendações, instrumentos internacionais, tratados, ou leis, laudos, costumes
ou acordos nacionais (MAGALHÃES, 2002. p.100-101).

O artigo 15 estabelece que os direitos dos povos interessados nos recursos natu-
rais existentes nas próprias terras deverão ser especialmente protegidos e há a possi-
bilidade de esses povos participarem da utilização, administração e conservação dos
recursos mencionados. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios
ou dos recursos existentes na terra, os governos deverão estabelecer ou manter pro-
cedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de determinar se os

128
interesses deles seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou
autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes no
referido território. Os povos interessados deverão participar, sempre que for possível,
dos benefícios que essas atividades produzam e receber indenização equitativa por
qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades.
As consultas e indenizações previstas — para os povos indígenas, em caso de
exploração, pelos Estados, de recursos naturais existentes nas terras que ocupam
— pelo artigo 15 da Convenção, não estão entre as enumeradas no §1.º do artigo
20 da Constituição brasileira. Esse último só se refere aos estados, ao Distrito
Federal, aos municípios e aos órgãos da administração direta da União. O § 3.º
do artigo 231 da Constituição Brasileira é menos amplo ao referir-se aos índios
nestes termos: “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos potenciais ener-
géticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem
ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades
afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra, na for-
ma da lei” (BRASIL, 2000).
O artigo 16 prevê a permissão do translado e o reassentamento de povos indíge-
nas, desde que sejam considerados necessários e concedidos livremente e com pleno
conhecimento de causa. Esse artigo foi considerado um retrocesso pelos senadores,
uma vez que, pelo § 5.º do artigo 231 da Constituição Brasileira,

[...] é vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras salvo, ad referendum do Con-
gresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população,
ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantindo,
em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. (BRASIL, 1988, p. 8)

Por meio do artigo 32, os governos são conclamados a adotar medidas apropria-
das, inclusive mediante acordos internacionais, para facilitar os contatos e a coope-
ração entre povos indígenas e tribais através das fronteiras, inclusive as atividades
nas áreas econômica, social, cultural, espiritual e ambiental. Da parte de alguns
analistas, houve receio que a possibilidade de acordos intertribais ameaçasse de des-
membramento o território nacional.
A aprovação da Convenção nº. 169, que se deu em 1 de setembro de 1991, pela
Câmara dos Deputados, depois de superadas as controvérsias e esclarecidos os pon-

129
tos polêmicos levantados pelos senadores em relação aos artigos 14, 15, 17 e 32,
foi finalmente ratificada pelo Senado Federal em julho de 2004, ou seja, após treze
anos de espera. A aprovação da Convenção 169 deu-se graças à árdua luta dos po-
vos indígenas, de suas organizações e de todas as entidades que apoiavam as causas
indígenas, que, ano após ano, pressionaram os congressistas.

Atividades

1- Qual a diferença entre organizações indígenas e indigenistas? Procure em sítios da in-


ternet pelo menos dois exemplos de cada uma delas, assim como de suas áreas de atuação.

2- Qual é o papel desempenhado pelas organizações indígenas e indigenistas na luta


pela garantia dos direitos dos povos indígenas brasileiros?

3- Amplie seus conhecimentos: busque em sítios da internet as constituições do Para-


guai e da Argentina e identifique os direitos dos povos indígenas que são garantidos
nas cartas magnas desses dois países. Em seguida, produza um texto, para ser utilizado
com seus alunos apresentando as diferenças e semelhanças entre as Constituições do
Brasil, Argentina e Paraguai quanto à garantia dos direitos dos povos indígenas.

Avaliação

Pesquise em livros, em sítios da internet e em arquivos de jornais e revistas, materiais


acerca das lutas dos povos Tupinikim e Guarani do Espírito Santo. Produza um texto,
para ser usado com seus alunos, apresentando a relação entre a luta dos Tupinikim
e Guarani do Espírito Santo e a luta nacional dos povos indígenas.

Sugestões de leituras

COTA, Maria das Graças. Os Tupinikim e a questão da luta pela terra. Dimensões - Revista
de História da UFES. Dossiê. Identidades Negras e indígenas. Nº 21, 2008. p. 83 a 100.

130
LOUREIRO, Klítia; TEAO, Kalna Mareto. História dos índios no Espírito Santo. Vi-
tória: Editora do Autor, 2009.

Sugestão de documentários

Índios no Brasil. tvescola.mec.gov.br/index.php?option=com_zoo...

Referências

BARROS, M.C. D. M.. A missão Summer Institute of Linguistics e o indigenismo


latino-americano: história de uma aliança (décadas de 1930 a 1970). São Paulo:
Revista de Antropologia. vol.47 no.1

BITTENCOURT A. C.; DANTAS, I. Articulação indígena. São Paulo: IBASA. 2004.

BRASIL, (Governo). Emenda Constitucional n.º 1 de 1969. Brasília: 1969.

______. Ratificação da Convenção n.º 169. Diário do Senado Federal, 2000.

CENTRO ECUMÊNICO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO (CEDI). Os povos in-


dígenas e a Constituinte. São Paulo. 1991.

CEVALLOS, D. Indígenas sacodem o poder. São Paulo: Adital, 2004.

COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. [A questão indígena na Constituinte.]. São Paulo:


CPI/SP, 1988.

LIMA, A. C. S. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do


Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.

MAGALHÃES, E. D. Legislação indigenista brasileira e normas correlatas. Brasília:


FUNAI, 2002.

131
MARTINS, E. Nossos índios, nossos mortos. São Paulo: Círculo do Livro, 1978.

OLIVEIRA. R. C. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pioneira, 1975.

RAMOS, A. R. Convivência interétinica no Brasil: os índios e a nação brasileira.


Brasília: UNB, 1997 (Série antropologia, n.º6).

RIBEIRO, D. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no


Brasil moderno. Petrópolis: Vozes, 1969.

SUEZ, P. Culturas indígenas e evangelização: pressupostos para uma pastoral inculturada


de libertação. Revista Eclesiástica Brasileira. Rio de Janeiro: vol. 41, n. 162, 1981.

TERENA, M. Posso ser o que você é sem deixar de ser o que sou. In: Diversidade e
educação: reflexões e experiências. Brasília: MEC, 2003.

132
7

133
134
Sociodiversidade indígena
no Brasil: onde estão e
quais são os povos indígenas
Kalna Mareto Teao

Chegança (Antônio Nóbrega e Wilson Freire)

Sou Pataxó,
sou Xavante e Cariri,
Ianonami, sou Tupi
Guarani, sou Carajá.
Sou Pancararu,
Carijó, Tupinajé,
Potiguar, sou Caeté,
Ful-ni-o, Tupinambá.

Depois que os mares dividiram os continentes


quis ver terras diferentes.
Eu pensei: “vou procurar
um mundo novo,
lá depois do horizonte,
levo a rede balançante
pra no sol me espreguiçar”.

Eu atraquei
num porto muito seguro,

135
céu azul, paz e ar puro...
botei as pernas pro ar.
Logo sonhei
que estava no paraíso,
onde nem era preciso
dormir para se sonhar.

Mas de repente
me acordei com a surpresa:
uma esquadra portuguesa
veio na praia atracar.
De grande- nau,
um branco de barba escura,
vestindo uma armadura
me apontou pra me pegar.

E assustado
dei um pulo da rede,
pressenti a fome, a sede,
eu pensei: “vão me acabar”.
me levantei de borduna já na mão.
Ai, senti no coração,
o Brasil vai começar.

A população indígena na época do descobrimento

Os indígenas estão presentes no Brasil há mais de 12 mil anos, de acordo com


pesquisas arqueológicas que questionam os dados sobre o povoamento americano,
como a teoria do Estreito de Bering. Pesquisas da arqueóloga norte-americana Ana
Roosevelt (1992) apontam para registros de sociedades complexas na Amazônia,
considerando desenvolvimento da cerâmica e da organização social. Essa desco-
berta aponta para um povoamento anterior àquele indicado pela teoria do Estreito
de Bering na América. Outros estudos questionam as antigas hipóteses de povo-

136
amento que eram baseadas na existência de
sociedades pequenas e simples, de caçadores
e coletores, caracterizadas pela alta mobilida-
de e pelo uso de cestarias.
Segundo Nimeundaju, existiam cerca de
1.400 povos indígenas no Brasil na época
do descobrimento: tupi-guarani, jê, karib,
aruak, xirianá, tucano, entre outros, com di-
versidade geográfica e de organização social.
Os Tupi teriam se deslocado através de rotas
de expansão a partir da região do Madeira e Cerâmica marajoara

do Amazonas, segundo o arqueólogo Francisco Noell. De acordo com essa teo-


ria, os Tupinambá expandiram-se do Baixo Amazonas ao litoral do Nordeste até
atingirem a região de São Paulo; já os Guarani percorreram em direção ao rio da
Prata. Os Tupi encontravam-se na região da costa e do vale amazônico e os aru-
ák situavam-se próximos aos rios Negro e Madeira, enquanto os Karib estavam
na região das Guianas e no Baixo Amazonas.
Há várias estimativas sobre a população indígena na época do descobrimento:
Steward (1949) estimou 1.500.000 índios, Hemming (1978) 3.600.000 e Denevan
quase 5.000.000 de índios na Amazônia (Bethell, 1998:130-131). A depopulação in-
dígena ocorreu devido às guerras de conquista, ao extermínio e à escravização, além
do contágio de doenças como va-
ríola, sarampo e tuberculose.
Para Oliveira e Freire (2006,
p.24), a história demográfica não
deve ser compreendida apenas
como uma sucessão de doenças,
massacres e violências diversas já
que a dispersão populacional pos-
sibilitou diversas reações dos po-
vos indígenas em relação aos co-
lonizadores, como a promoção de
grandes deslocamentos para esca-
par da escravidão e das doenças. Gravura de Hans Staden

137
A população indígena atual

Estima-se que quando da chegada dos europeus, os indígenas eram entre 2.000.000
e 4.000.000 de habitantes, com uma diversidade de 1.000 grupos étnicos diferentes.
Hoje, segundo dados do IBGE (2011), a população indígena é estimada em 800.000
habitantes. Para o Instituto Socioambiental (ISA) a população ameríndia é estimada
em 600.000 indivíduos, sendo que 450.000 vivem em terras indígenas e 150.000
estão localizados em áreas urbanas.
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a Fundação Nacional de Saúde (FU-
NASA) consideram uma população de 300.000 índios. A variação populacional de-
corre da utilização de diferentes métodos para a obtenção dos dados. A FUNAI e
a FUNASA trabalham com as populações reconhecidas e registradas por essas, em
geral, populações aldeadas. Nesses dois órgãos não está contabilizada a população
indígena que reside nas cidades
e em terras indígenas ainda não
demarcadas. O IBGE utilizou
o método de autoidentificação
para chegar aos números des-
critos acima, mas ainda existem
povos indígenas não contabiliza-
dos nessas estimativas, como os
Índio guarani, liderança religiosa índios isolados, os índios urba-
nos e os índios em vias de reafirmação étnica.
Segundo dados da FUNASA, existem 374.123 índios distribuídos em 3.225 al-
deias, pertencentes a 291 etnias e falantes de 180 línguas. Dessa população, 192.773
são homens e 181.350 mulheres.
O maior índice de população indígena concentra-se na Região Norte (49%) e
na Região Sudeste encontra-se o menor índice (apenas 2%).
O crescimento demográfico da população indígena possui média de 4% enquan-
to a média nacional é de 1,6 % da população brasileira. Houve um aumento de
250.000 índios no início da década de 1970 para 700.000 em 2001.
A partir da última década do século passado ocorre no país o fenômeno de etnogê-
nese, principalmente nas Regiões Norte e Nordeste, já que devido às pressões políticas,
econômicas e religiosas os índios estão assumindo e recriando suas tradições.

138
Quem é índio?

O termo índio foi utilizado para designar os povos aqui encontrados pelos europeus
na época em que os portugueses aqui chegaram, pensando estar nas Índias. Atribui-
se o termo indígena aos povos nativos do Brasil e do continente americano, tam-
bém chamados de ameríndios. O termo silvícola foi muito utilizado para definir índio
como aquele originário da selva,
mas atualmente essa expressão
encontra-se em desuso.
O Estatuto do Índio (Lei
6.001/73) em seu artigo 3º,
item I considera índio ou silví-
cola: “todo individuo de origem
e ascendência pré-colombiana
que se identifica e é identificado Índia tupinikim, preparo de farinha
como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da
sociedade nacional”.
No item II, define-se comunidade indígena ou grupo tribal como um “conjunto
de famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento
em relação aos setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou
permanentes, sem contudo, estarem nele integrados”.
No artigo 4º, são classificados os índios isolados como os que “vivem em grupos
desconhecidos ou de que se possuem vagos conformes através de contatos eventuais
com elementos da comunhão nacional”.
Os índios em vias de integração são considerados aqueles que “quando em con-
tato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservem menor ou maior
parte das condições de sua vida nativa, mas aceitem algumas práticas e modos de
existência comuns aos demais setores da comunhão nacional da qual vão necessi-
tando cada vez mais para o próprio sustento”.
Os índios integrados são definidos como “incorporados à comunhão nacional e
reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costu-
mes e tradições característicos da sua cultura.”
Após séculos de exclusão e dizimação dos povos indígenas, devido aos pro-
cessos de colonização, de dominação econômica, religiosa, cultural, dos conflitos

139
fundiários e de interesses em áreas de mineração, os diversos países e organismos
internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização dos Estados Americanos (OEA)
apresentam critérios bastante distintos para identificar quem é indígena. Muitos
deles baseiam-se em conceitos e noções como: raça, traços culturais ou desen-
volvimento econômico.
A Convenção 169 da OIT classifica os povos indígenas como descendentes “de
populações que habitavam o país ou região geográfica pertencente ao país na época
da conquista ou da colonização ou estabelecimento de fronteiras estatais e que, seja
qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais,
econômicas, culturais a políticas, ou parte delas.”
Segundo definição da ONU (1986):

As comunidades, os povos e as nações indígenas são aquelas que, contando com uma
continuidade histórica das sociedades anteriores à invasão e à colonização que foi de-
senvolvida em seus territórios, consideram a si mesmos distintos de outros setores da
sociedade, e estão decididos a conservar, a desenvolver e a transmitir às gerações futuras
seus territórios ancestrais e sua identidade étnica, como base de sua existência continu-
ada como povos, em conformidade com seus próprios padrões culturais, as instituições
sociais e os sistemas jurídicos.

No Brasil, o critério para se definir indígena baseia-se na autoidentificação étni-


ca, isto é, se define índio como aquele que se reconhece como diferente da sociedade
nacional, por possuir uma ancestralidade de origem pré-colombiana. Todo indivíduo
que se reconhece como parte de um grupo com essas características e é reconhecido
pelo grupo como tal pode ser considerado índio.
Para Luciano (2006, p.27), entre os povos indígenas existem alguns critérios de
autoidentificação como:
◊ continuidade histórica com sociedades pré-coloniais;
◊ estreita vinculação com o território;
◊ sistemas sociais, econômicos e políticos bem definidos;
◊ língua, cultura e crenças definidas;
◊ identificação como diferente da sociedade nacional;
◊ vinculação ou articulação com a rede global dos povos indígenas.

140
O índio hoje

Diante das mudanças históricas, o índio hoje é visto como um sujeito portador de
direitos. Essa mudança de perspectiva deve-se à forte atuação das organizações e dos
movimentos indígenas no Brasil e na América Latina, a partir da década de 1970. As
lutas dos povos indígenas foram asseguradas em diversas leis, como a Constituição
de 1988, a Convenção 169 da OIT, a Lei 11.645/08, dentre outras.
Para se compreender a questão indígena é importante percebermos que, de-
vido às grandes transformações históricas, deve-se ter atenção a duas idéias,
descritas a seguir.
A primeira delas é acerca da dinâmica da cultura. Os povos indígenas não pos-
suem uma cultura estática, ao contrário, estão em constante transformação. O índio
de hoje é um cidadão do seu tempo, usa jeans, celular, internet; é professor, advo-
gado, cientista; mora na cidade, na favela, na aldeia, na mata ao mesmo tempo em
que mantém suas tradições e culturas vivas.
Mesmo em contato com a sociedade não índia, os povos indígenas mantêm seus
costumes, suas crenças, suas organizações, suas tradições. Enfim mantêm suas iden-
tidades, reconhecendo-se como diferentes da sociedade nacional.
No Brasil hoje, há cerca de 225 povos indígenas falantes de 180 idiomas dis-
tintos, tamanha é a diversidade cultural em nosso país. São povos que representam
culturas, conhecimentos, crenças, artes, literaturas de acordo com seus espaços ge-
ográficos, políticos e sociais. O conhecimento da história e da cultura desses povos
possibilita reconhecermos a sua contribuição para a formação da sociedade nacional.

Índios emergentes

No Brasil e na Bolívia, durante os últimos anos, aumentou a quantidade de povos


que passaram a reivindicar a condição de indígenas. São famílias miscigenadas e es-
poliadas de seus territórios que encontram no presente contexto histórico e político
condições favoráveis para a afirmação de suas identidades étnicas.
Nas últimas décadas esse fenômeno surge com mais frequência, devido ao avan-
ço dos estudos das histórias regionais, à ampliação e consolidação dos direitos indí-
genas e à atuação de organizações indígenas.

141
Etnogênese

Desde os anos de 1970, vêm se multiplicando os fenômenos de etnogênese. Há registro


de 50 novos grupos com demandas para serem reconhecidos como indígenas em 15
estados no país, concentrados no Nordeste (vinte e dois no Ceará e cinco em Alagoas)
e no Norte (sete no Pará), dos quais se sabe muito pouco além das próprias demandas.
As “emergências”, “ressurgimentos”, ou “viagens da volta” são designações al-
ternativas para etnogênese. Mesmo sendo um termo conceitualmente controvertido,
ainda assim, é usado para descrever a constituição de novos grupos étnicos.
Alguns obstáculos como a tradição legalista e os critérios de definição do que
deve ser um índio (naturalidade e imemorialidade) têm dificultado a implementação
de avanços teóricos e jurídicos no reconhecimento de povos indígenas resistentes.
Ao falarmos de etnogênese, estamos nos referindo a um processo social e não a
um tipo específico e diferenciado de grupos indígenas. Depois do reconhecimento
dos grupos indígenas diante do movimento indígena, da sociedade regional e dos
órgãos públicos oficiais, esses grupos devem deixar de ser contabilizados nas lista
dos emergentes, justamente por terem percorrido o mais ou menos longo, depen-
dendo de cada situação, processo de etnogênese.
Mas, um dos problemas em classificá-los como “emergentes”, “ressurgentes”,
“ressurgidos”, ou mesmo “remanescentes” consiste em não atentar para a dinâmica
da história e da cultura.

Índios isolados

Os índios isolados também são conhecidos como povos em situação de isolamento


voluntário, povos ocultos, povos não contatados, entre outros. São assim chamados
os grupos com os quais a Funai não obteve contato. As informações sobre eles são
heterogêneas, transmitidas por outros índios ou por regionais, além de indigenistas
e pesquisadores. Segundo Luciano (2006, p.51), são estimados 46 grupos isolados,
mas desses, apenas 12 foram confirmados pela Funai.
Pouco se sabe sobre esses povos: quem são, onde estão, quantos são e a lín-
gua que falam. Algumas poucas informações reunidas baseiam-se em vestígios ou
depoimentos orais.

142
Das 46 evidências de grupos isolados, seis estão em terras indígenas próprias, isto
é, reconhecidas e/ou demarcadas para eles, quinze estão localizados em terras reco-
nhecidas para outros grupos e seis estão em terras indígenas não reconhecidas. A
demarcação de terras para esses povos é importante na medida em que se garantem
seus direitos e evitam-se ataques de mineradoras e madeireiras.
Para Luciano (2006, p. 52), os índios isolados em algum momento do passado
tiveram contato com os não índios e optaram por refugiar-se em lugares distantes e
inóspitos com intuito de evitarem processos de dizimação de seus povos.
A Funai possui uma unidade para realizar estudos sobre localização e proteção
dos índios isolados chamado Departamento de índios isolados, que atua em frentes

Fonte: Instituto Socioambiental

143
de expansão etno-ambiental, nas regiões de Cuminapanema (PA), Envira(AC), Rio
Guaporé(RO), Madeirinha (RO/MT), Vale do Javari e Purus(AM).
Os povos isolados abaixo foram contatados e protegidos pela Funai devido aos inúme-
ros problemas advindos da situação de contato, das epidemias e das invasões de suas terras:
◊ os Kanoê: contatados há cinco anos em Rondônia;
◊ os Akuntsu: contatados há cinco anos em Rondônia;
Confira as tabelas dos Índios ◊ os Zoé: contatados desde 1989 pela Funai, no estado do Pará, pertencem ao
Isolados em TIs e o Quadro grupo tupi-guarani. Suas terras foram delimitadas entre os anos de 1996 e 1998.
Geral dos Povos Indígenas
◊ os Korubo: um grupo de 17 pessoas que se separaram dos demais e que perma-
no anexo da página 147.
necem em constante fuga. Foram contatados na região do Vale do Javari, Amazonas
e são conhecidos como “índios caceteiros” por usarem bordunas como instrumento
de defesa e ataque contra os inimigos.

Atividades

1) Desde o período colonial já existia uma grande diversidade de povos indígenas no


Brasil. Comente sobre alguns povos existentes.

2) Existe um consenso sobre as estatísticas dos povos indígenas hoje? A que se


deve essa variação?

3) Como a OIT define povos indígenas?

4) No Brasil é correto afirmar que os índios são povos com um fenótipo definido?
Como é trabalhado o conceito de povos indígenas em nosso país?

5) Por que os povos indígenas não podem ser compreendidos como povos do
passado e isolados?

6) Comente sobre os processos de etnogênese.

7) Pesquise sobre um povo indígena do seu estado. Relate um pouco de sua história,
seus costumes, sua cultura e seus problemas atuais.

144
Para saber mais sobre a temática indígena:

Referências

OLIVEIRA, João P. de. ROCHA FREIRE, Carlos A. A presença indígena na formação do


Brasil. Brasília: MEC/SECAD/LACED/ Museu nacional, 2006.

LUCIANO, Gersem dos S. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/SECAD/LACED, Museu Nacional, 2006.

SILVA, Aracy; L. GRUPIONI, Luís D. B. (orgs). A temática indígena na escola: novos subsídios
para professores de 1º e 2º graus. 4. ed. São Paulo: Global, Brasília: MEC/MARI, UNESCO, 2004.

TEAO, Kalna M.. LOUREIRO, Klítia. História dos índios do Espírito Santo. Vitória. Edi-
tora do Autor, 2009.

Sítios de pesquisa na Internet

http://temaindigena.blogspot.com/

http://www.sitesindigenas.blogspot.com/

CTI ( Centro de Trabalho indigenista): http://www.trabalhoindigenista.org.br/

ISA( Instituto socioambiental): http://www.socioambiental.org.br/

CIMI(Conselho indigenista missionário): http://www.cimi.org.br/

FUNAI(Fundação nacional do índio): http://www.funai.gov.br/

MEC (Ministério da educação): http://www.mec.gov.br/

Museu do Índio: http://www.museudoindio.org.br/

145
Museu Nacional do Rio de Janeiro: http://www.museunacional.ufrj.br/

Grupo de história indígena de John Monteiro: www.ifch.unicamp.br/ihb

146
Anexo

Isolados em TIs reconhecidas para eles

Terras Indígenas Estado Situação Jurídica

Alto Tarauacá Acre Homologada e Registrada


Hi Merimã Amazonas Homologada
Igarapé Taboca do Alto Tarauacá Acre Com restrição de uso
Jacareuba/Katawixi (quase integralmente dentro do Parque Nacio-
Amazonas Com restrição de uso
nal Mapinguari e com uma pequena parte dentro da Resex Ituxi)
Kawahiva do Rio Pardo Mato Grosso Com restrição de uso
Massaco Rondônia Homologada e registrada
Piripkura: chamados de Piripicura pelos índios Gavião da TI
Igarapé Lourdes. Esses índios se localizam na área entre os rios
Branco e Madeirinha, afluentes do Roosevelt,/MT. Já foram con- Mato Grosso Com restrição de uso
tatados dois índios, e parece existir mais um grupo sem contato
de cerca 17 pessoas.
Riozinho do Alto Envira (Xinane) Acre Identificada e aprovada pela Funai
Tanaru Rondônia Com restrição de uso

Fonte: Instituto Socioambiental

147
TIs demarcadas e/ou homologadas para outros índios, também habitadas por índios isolados

Terras Indígenas Isolados Estado Situação Jurídica

Em 1984, o antropólogo Eugenio Wenzel,


que viveu mais de 15 anos com os índios
Apiaká, informou que havia notícias
sobre a existência de um grupo de Apiaká
que, depois de viver em contato com a
Apiaká e sociedade regional e sofrer massacres no
MT e AM Em identificação
Apiaká isolados período da borracha, no início do século
XX, fugiu, afastando-se das margens dos
rios maiores. Localiza-se na região dos
rios Ximari e Matrinxã, entre os rios Teles
Pires e Juruena, no município de Apiacás/
MT e Apui/AM

Alto Turiaçu,
Isolados Guajá, no igarapé Jararaca MA Homologada e registrada
Kaapor e Tembé

Arara do Rio Branco MT Homologada e registrada


Arariboia
Isolados Guajá MA Homologada e registrada
Guajajara

Aripuanã
MT e RO Homologada e registrada
Cinta Larga

Caru
Isolados no Oeste da TI MA Homologada e registrada
Guajajara

Kampa e Isolados do Rio


AC Homologada
Envira, Ashaninka
Kaxinawá do Rio Humaitá AC Homologada e registrada
Kayapo Isolados Pituiaro, do grupo Kayapó PA Homologada e registrada
Continua

148
Terras Indígenas Isolados Estado Situação Jurídica

Koatinemo
Isolados PA Homologada e registrada
Assurini

Isolados Mengra Mrari, grupo Kayapó,


Menkragnoti PA Homologada e registrada
que se separou dos Gorotire em 1938

Isolados Masko, no verão circulam entre


Mamoadate dos
os rios Mamoadate e cabeceiras do Rio AC Homologada e registrada
Yaminawa e Manchineri
Purus, chamados de Masho-Piro, no Peru
Rio Tea (isolados Maku) AM Homologada e registrada
Trombetas/Mapuera RO, AM e
Karafawyana isolados Declarada
Wai Wai PA

Tumucumaque
Tiriyó, Katxuyana, PA e AP
Wayana e Apalai

Há pelo menos dois grupos isolados, a


Uru Eu Wau Wau RO Homologada e registrada
nordeste e ao sul da TI

Vários grupos isolados: do Jandiatuba, do


Vale do Javari Alto Jutaí, do São José, do Quixitos, do AM Homologada e registrada
Itaquaí e Mayá

Waimiri Atroari Isolados Piriutiti dentro e fora da TI RO e PA Registrada


Segundo a antropóloga Isabelle Giannini,
os Xikrin dizem que ao norte da TI, na re-
Xikrin do Catete
gião do Rio Cinzento, vivem índios iguais PA Homologada e registrada
dos Xikrin
aos que encontraram, em 1987 em suas
terras, um grupo de Araweté isolados
Fonte: Instituto Socioambiental

149
Quadro Geral dos Povos Indígenas

UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
Massaca, Tubarão, Co-
180 (Vasconcelos, 2005)
1 Aikanã lumbiara, Mundé, Huari, Aikaná RO
Cassupá, Aikaná
2 Ajuru Tupari RO 94 (Funasa, 2006)
3 Akuntsu Akunt’su Tupari RO 5 (Funai, 2009)
4 Amanayé Amanaié, Araradeua Tupi-Guarani PA 87 (Correia de Assis, 2002)
5 Amondawa Tupi-Guarani RO 83 (Kanindé, 2003
6 Anacé CE
7 Anambé Tupi-Guarani PA 182 (2000
Apalai, Apalay, Appirois,
8 Aparai Aparathy, Apareilles, Karib AP, PA 317 (Funasa, 2006)
Aparai
9 Apiaká Apiacá Tupi-Guarani AM, MT, PA 1.000 (Tempesta, 2009)
10 Apinajé Apinaié, Apinajés, Apinayé Jê TO 1.525 (Funasa, 2006)
11 Apurinã Ipurina, Popukare Aruak-maipure AM, MT, RO 3.256 (Funasa, 2006)
12 Aranã MG 54 (Funasa, 2006)
13 Arapaso Arapasso, Arapaço Tukano AM 569 (Dsei/Foirn, 2005)
14 Arapiuns PA
15 Arara Arara do Pará, Ukaragma Karib PA 271 (Funasa, 2006)
Arara do Rio Apolima-Arara, Arara
16 AC 278 (GT Funai, 2003)
Amônia Apolima
Arara do Rio Arara do Beiradão, Arara
17 MT 209 (Cimi, 2005)
Branco do Aripuanã
Arara Arara do Acre,
18 Pano AC 332 (CPI/AC, 2004)
Shawãdawa Shawanaua
19 Araweté Araueté, Bïde Tupi-Guarani PA 339 (Funasa, 2006)
20 Arikapu Jabuti RO 32 (Funasa, 2009)
21 Aruá Mondé RO 92 (Funasa, 2009)
22 Ashaninka Kampa, Ashenika Aruak AC, Peru 869 (CPI/Acre, 2004)
Asurini do
23 Akuawa, Asurini Tupi-Guarani PA 384 (Funasa, 2006)
Tocantins

Continua

150
UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
Asurini do
24 Assurini, Awaete Tupi-Guarani PA 124 (2006)
Xingu

25 Atikum Aticum BA, PE 5.852 (Funasa, 2006)


Canoeiro, Cara-Preta,
26 Avá-Canoeiro Tupi-Guarani GO, MG, TO 16 (Funasa, 2006)
Carijó

Awytyza, Enumaniá,
27 Aweti Aweti MT 140 (2006)
Anumaniá, Auetö
28 Bakairi Bacairi, Kurã, Kurâ Karib MT 950 (Taukane, 1999)
29 Banawá Arawá AM 101 (Funasa, 2006)
5.811 (Dsei/Foirn, 2005)
Baniva, Baniua, Curipa- AM, Venezuela,
30 Baniwa Aruak 7.000 (2000)
co, Walimanai Colômbia
1.192 (1992)
Bara tukano, Waípinõ- 1 (Dsei/Foirn, 2005)
31 Bará Tukano AM, Colômbia
makã 296 (1988)
939 (1998)
32 Barasana Panenoá Tukano AM, Colômbia
34 (Dsei/Foirn, 2005)
10.275 (Dsei/Foirn, 2005)
33 Baré Hanera Aruak AM, Venezuela
2.790 (1998)
34 Borari PA
Coxiponé, Araripoconé,
35 Bororo Araés, Cuiabá, Coroados, Bororo MT 1.392 (Funasa, 2006)
Porrudos, Boe
Ramkokamekrá,
36 Canela Jê MA 2.502 (Funasa, 2008)
Apanyekrá
40 (Grumberg, 1994)
37 Chamacoco Samuko MS, Paraguai
1.571 (2002)
40 (Prêmio Culturas Indíge-
38 Charrua RS, Argentina nas, 2007)
676 (INAI, 2004)
737 (Funasa, 2006)
39 Chiquitano Chiquito Chiquito MT, Bolívia
55.000 (1995)
40 Cinta larga Matetamãe Mondé MT, RO 1.440 (Funasa, 2006)

Continua

151
UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
Curipaco, Curripaco,
41 Coripaco Aruak AM 1.332 (Dsei/Foirn, 2005)
Kuripako
42 Deni Jamamadi Arawá AM 875 (Funasa, 2006)
2.204 (Dsei/Foirn, 2005)
43 Desana Desano, Dessano Tukano AM, Colômbia
2.036 (1998)
44 Djeoromitxí Jaboti Jabuti RO 187 (Funansa, 2009)
Enawenê- Enauenê nauê, Salumã,
45 Aruak MT 540 (Opan/Funasa, 2009)
nawê Enawenê-nawê
46 Fulni-ô Ia-tê PE 3.659 (Funasa, 2006)
Galibi do AP, Guiana 66 (Funasa, 2006)
47 Galibi, Kalinã Karib
Oiapoque Francesa 2.000 (1982)
Galibi-
48 Galibi do Uaçá, Aruá Creoulo AP 2.177 (Funasa, 2006)
Marworno
Gavião do Mãe Maria,
Gavião
49 Gavião Parakatejê, Ga- Jê PA 476 (Funasa, 2006)
Parkatêjê
vião do Oeste, Parkatejê
Gavião do Maranhão,
Gavião
50 Gavião Pukobiê, Gavião Jê MA 494 (Funasa, 2006)
Pykopjê
do Leste, Pykopcatejê
51 Guajá Avá, Awá Tupi-Guarani MA, PA 283 (Funasa, 2005)
52 Guajajara Guajajara, Tenetehara Tupi-Guarani MA 19.471 (Funasa, 2006)
Guarani Pai-Tavyterã, 31.000 (CTI, 2008)
53 Tupi-Guarani MS, Paraguai
Kaiowá Tembekuára 13.000 (CTI, 2008)
ES, PA, PR,
15.000 (CTI, 2008)
RJ, RS, SC, SP,
54 Guarani Mbya Guarani M’byá Tupi-Guarani 5.500 (CTI, 2008)
TO, Paraguai,
7.000 (CTI, 2008)
Argentina
MS, PR, RS, SC, 1.000 (CTI, 2008)
Guarani Ava-Chiripa, Ava-Guara-
55 Tupi-Guarani SP, Paraguai, 13.000 (CTI, 2008)
Ñandeva ni, Xiripa, Tupi-Guarani
Argentina 13.200 (CTI, 2008)
56 Guató Guató MT, MS (Funasa, 2008)
57 Hixkaryana Hixkariana Karib AM, PA, RR 631 (Funasa, 2006)
Gavião de Rondônia,
58 Ikolen Mondé RO 523 (Kanindé, 2004)
Gavião Ikolen, Digut
59 Ikpeng Txicão, Ikpeng Karib MT 342 (Funasa, 2006)
RR, Guiana 1.170 (Coping, 2007)
60 Ingarikó Akawaio, Kapon Karib Equatorial, 4.000 (1990)
Venezuela 728 (1992)

Continua
152
UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
Iranxe Ma-
61 Irantxe, Manoki Iranxe MT 356 (Funasa, 2006)
noki
62 Jamamadi Yamamadi, Kanamanti Arawá AM 884 (Funasa, 2006)
63 Jarawara Jarauara Arawá AM 180 (Funasa, 2006)
Karajá/Javaé,
64 Javaé Karajá GO, TO 1.456 (Funasa, 2009)
Itya Mahãdu
Jenipapo-
65 Payaku CE 272 (Funasa, 2006)
Kanindé
Jahoi, Diarroi, Djarroi,
66 Jiahui Parintintin, Diahoi, Tupi-Guarani AM 88 (Funasa, 2006)
Diahui, Kagwaniwa
67 Jiripancó Jeripancó, Geripancó AL 1.307 (Funasa, 2006)
68 Juma Yuma Tupi-Guarani AM 5 (Peggion, 2002)
69 Ka’apor Urubu Kaapor, Kaapor Tupi-Guarani MA, PA 991 (Funasa, 2006)

Kaduveo, Caduveo,
70 Kadiwéu Guaikuru MS 1.629 (Funasa, 2006)
Kadivéu, Kadiveo

Kayabi, Caiabi, Kaiaby,


71 Kaiabi Tupi-Guarani MT, PA 1.619 (Funasa, 2006)
Kajabi, Cajabi
72 Kaimbé BA 710 (Funasa, 2006
73 Kaingang Guayanás Jê PR, RS, SC, SP 28.000 (Funasa, 2006)
74 Kaixana Caixana AM 505 (Funasa, 2006)
75 Kalabaça
76 Kalankó Cacalancó AL 390 (Funasa, 2009)
77 Kalapalo Karib MT 504 (Funasa, 2006)
78 Kamaiurá Kamayurá Tupi-Guarani MT 492 (Funasa, 2006)
79 Kamba MS
80 Kambeba Cambemba, Omaguá Tupi-Guarani AM 347 (Funasa, 2006)
81 Kambiwá Cambiua PE 2.820 (Funasa, 2006)
82 Kanamari Canamari, Tukuna Katukina AM 1.654 (Funasa, 2006)
83 Kanindé
Canoe, Kapixaná,
84 Kanoê Kanoe RO 95 (2002)
Kapixanã
85 Kantaruré Cantaruré, Pankararu BA 493 (Funasa, 2006)
86 Kapinawa Capinawa PE 3.294 (Funasa, 2006)
87 Karajá Caraiauna, Iny Karajá GO, MT, PA, TO 2.532 (Funasa, 2006)

Continua
153
UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
Xambioá, Ixybiowa, Iraru
Karajá do
88 Mahãndu, Karajá do Karajá TO 269 (Funasa, 2006)
Norte
Norte
Muteamasa, 63 (Dsei/Foirn, 2005)
89 Karapanã Tukano AM, Colômbia
Ukopinõpõna 412 (1988)
90 Karapotó AL 2.189 (Funasa, 2006)
Karipuna de
91 Ahé, Karipuna, Ahé Tupi-Guarani RO 14 (Azanha, 2004)
Rondônia

Karipuna do
92 Creoulo AP 2.235 (Funasa, 2006)
Amapá
93 Kariri CE
94 Kariri-Xokó Cariri-xocó AL 1.763 (2000)
95 Karitiana Caritiana, Yjxa Arikén RO 320 (2005)

Arara de rondônia, arara


karo, arara tupi, ntoga-
96 Karo Ramarama RO 208 (Kanindé, 2006)
píd, ramaráma, urukú, e
urumí, Il´târap

97 Karuazu AL 336 (Funasa, 2006)


98 Katuena Waiwai Karib AM, PA, RR 136 (Funasa, 2006)
Katukina do
99 Tukuna Katukina AM 450 (2007)
Rio Biá
Katukina
100 Pano AC 585 (Funasa, 2008)
Pano
101 Kaxarari Caxarari Pano AM, RO 322 (Funasa, 2009)
Cashinauá, Caxinauá,
102 Kaxinawá Pano AC 4.500 (CPI/AC, 2004)
Huni Kuin, huni kuin
103 Kaxixó MG 256 (Funasa, 2006)
104 Kaxuyana Caxuiana, Katxuyana Karib AP, AM, PA 230 (Funasa, 2006)

Kaiapó, Caiapó, Goro-


tire, A’ukre, Kikretum,
Makragnotire, Kuben- 5.923 (Funasa, 2006)
105 Kayapó Jê MT, PA
Kran-Ken, Kokraimoro,
Metuktire, Xikrin,
Kararaô, Mebengokre

106 Kinikinau Kinikinao, Guaná Aruak MS 250 (2005)

154 Continua
UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
107 Kiriri Kariri BA 1.612 (Funasa, 2006)
108 Kisêdjê Suiá, Kisidjê Jê MT 351 (Funasa, 2006)
109 Koiupanká AL 1.263 (Funasa, 2009)
9.000 (CGTT, 2003)
AM, Peru,
110 Kokama Cocama, Kocama Tupi-Guarani 10.705 (1993)
Colômbia
236 (1988)
111 Korubo Pano AM 26 (FPEVJ, 2007)
735 (Dsei/Foirn, 2005)
112 Kotiria Wanana Tukano AM, Colômbia
1.113 (1988)
113 Krahô Craô, Kraô, Mehin Jê TO 2.184 (Funasa, 2006)
114 Krahô-Kanela Jê TO 83 (Funasa, 2006)
Crenaque, Crenac,
115 Krenak Krenac, Botocudos, Krenák MG, SP 204 (Funasa, 2006)
Aimorés, Krén
Kricati, Kricatijê, Põca-
116 Krikati Jê MA 682 (Funasa, 2005)
têjê, Kricatijê
Cubeo, Cobewa, Ku- 381 (Dsei/Foirn, 2005)
117 Kubeo Tukano AM, Colômbia
béwa, Pamíwa 4.238 (1988)
118 Kuikuro Kuikuru Karib MT 509 (Funasa, 2006)v
119 Kujubim Kuyubi Txapacura RO 55 (Funasa, 2006)
3.500 (Dienst, 2006)
120 Kulina Culina, Madiha, Madija Arawa AC, AM, Peru
450 (1998)
121 Kulina Pano Culina Pano AM 125 (Funasa, 2006)
122 Kuntanawa Kontanawa, Contanawa Pano AC 400 (Pantoja, 2008)
123 Kuruaya Xipáia-Kuruáia, Kuruaia Munduruku PA 129 (Funasa, 2006)
124 Kwazá Coaiá, Koaiá Koazá RO 40 (Van der Voort, 2008)
Macu, Yuhupde, Dow,
2.603 (Dsei/Foirn, 2005)
125 Maku Nadob, Hupda. Bara, Makú AM, Colômbia
678 (1995)
Kakwa, Kabori, Nukak
32 (Dsei/Foirn, 2005)
126 Makuna Yeba-masã Tukano AM, Colômbia
528 (Colômbia, 1988)
127 Makurap Macurap Tupari RO 381 (Funasa, 2006)

RR, Guiana 23.433 (Funasa, 2006)


128 Makuxi Macuxi, Macushi, Pemon Karib
Equatorial 9.500 (Guiana, 2001)

129 Manchineri Machineri Aruak AC 937 (CPI/AC, 2004)


130 Marubo Pano AM 1.252 (Funasa, 2006)

Continua 155
UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
131 Matipu Karib MT 103 (Funasa, 2006)
Mushabo,
132 Matis Pano AM 322 (2008)
Deshan Mikitbo
1.592 (Funasa, 2006)
133 Matsés Mayoruna Pano AM, Peru
1.000 (1988)
Maxacalis, Monacó,
134 Maxakali Kumanuxú, Tikmuún, Maxakali MG 1.271 (Funasa, 2006)
Kumanaxú - tikmu’ún
Meinaco, Meinacu,
135 Mehinako Aruak MT 227 (Funasa, 2006)
Meinaku
Menky Munku, Menku, Myky,
136 Iranxe MT 356 (Funasa, 2006)
Manoki Manoki
137 Migueleno Miqueleno RO
836 (Funasa, 2006)
138 Miranha Mirana Bora AM, Colômbia
445 (Colômbia, 1988)
139 Mirity-tapuya Buia-tapuya Tukano AM 75 (Dsei/Foirn, 2005)
140 Munduruku Mundurucu Munduruku AM, MT, PA 10.896 (Funasa, 2009)
141 Mura Mura AM 9.299 (2006)
Nafukwá, Nahkwá,
142 Nahukuá Karib MT 124 (Funasa, 2006)
Nafuquá, Nahukwá
Nambiquara, Anunsu,
Halotesu, Kithaulu,
Wakalitesu, Sawentesu,
Negarotê, Mamaindê,
143 Nambikwara Latundê, Sabanê, Man- Nambikwára MT, RO 1.682 (Renisi, 2008)
duka, Tawandê, Hahain-
tesu, Alantesu, Waikisu,
Alaketesu, Wasusu,
Sararé, Waikatesu
144 Naruvôtu Karib MT 78 (2003)
145 Nawa Náua AC 423 (Correia, 2005)
146 Nukini Nuquini Pano AC 600 (Correia, 2003)
147 Ofaié Ofaié-Xavante Ofayé MS 61 (Funasa, 2006)
148 Oro Win Txapacura RO 56 (Funasa, 2006)
149 Paiter Suruí Paiter, Paiter Mondé MT, RO 1.007 (Funasa, 2006)
Paricuria, Paricores,
Palincur, Parikurene, AP, Guiana 1.293 (Iepé, 2010)
150 Palikur Aruak
Parinkur-Iéne, Païkwené, Francesa 950 (Iepé, 2010)
Pa’ikwené

156 Continua
UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
Kreen-Akarore, Kre-
151 Panará nhakore, Krenakore, Jê MT, PA 374 (Yakiô, 2008)
Índios Gigantes
152 Pankaiuká PE
153 Pankará PE
154 Pankararé BA 1.562 (Funasa, 2006)
155 Pankararu MG, PE 6.515 (Funasa, 2006)
156 Pankaru Pankararu-Salambaia BA 79 (Funasa, 2006)
157 Parakanã Tupi-Guarani PA 900 (Fausto, 2004)
2.005 (AER Tangará da
158 Paresí Pareci, Halíti, Arití Aruak MT
Serra, 2008)
159 Parintintin Cabahyba Tupi-Guarani AM 284 (Funasa, 2006)
RR, Guiana 87 (Funasa, 2006)
160 Patamona Ingarikó, Kapon Karib
Equatorial 5.500 (1990)
161 Pataxó Maxacali BA, MG 10.897 (Funasa, 2006)
Pataxó Hã-
162 Maxakali BA 2.219 (Carvalho, 2005)
Hã-Hãe
163 Paumari Pamoari Arawá AM 892 (Funasa, 2006)
164 Pipipã PE 1.640 (Funasa, 2006)
165 Pirahã Mura Pirahã Mura AM 389 (Funasa, 2006)
Piratapuya, Piratapuyo, 1.433 (Dsei/Foirn, 2005)
166 Pira-tapuya Tukano AM, Colômbia
Piratuapuia, Pira-Tapuya 400 (1988)
167 Pitaguary Potiguara, Pitaguari CE 2.351 (Funasa, 2006)
168 Potiguara CE, PB 11.424 (Funasa, 2006)
169 Poyanawa Poianaua Pano AC 403 (CPI/AC, 2004)
170 Puroborá RO 62 (Funasa, 2006)
Erigbaktsa, Canoeiros,
171 Rikbaktsa Orelhas de Pau, Rikbaktsá MT 1.117 (Funasa, 2006)
Rikbaktsá
Sakiriabar, Mequéns,
172 Sakurabiat Tupari RO 84 (Funasa, 2006)
Sakurabiat
173 Sateré Mawé Sateré-Maué Mawé AM, PA 9.156 (Funasa, 2008)
Katukina Shanenawa,
174 Shanenawa Pano AC 361 (Funasa, 2006)
Shanenawa
71 (Dsei/Foirn, 2005)
175 Siriano Tukano AM, Colômbia
665 (1988)
176 Suruí Aikewara, Sororós, Aikewara Tupi-Guarani PA 264 (Funasa, 2006)

Continua 157
UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
177 Tabajara CE, MA
178 Tapayuna Beiço de pau Jê MT 58 (1995)
179 Tapeba Tapebano, Perna-de-pau CE 5.741 (Funasa, 2006)
564 (Projeto Aranowayão,
180 Tapirapé Tupi-Guarani MT, TO
2006)
181 Tapuio Tapuya, Tapuia GO 180 (Funai/GO, 2006)
1.914 (PRN/ISA, 2002)
182 Tariana Aruak AM, Colômbia
205 (1988)
Taulipang, Taurepangue, 582 (Funasa, 2002)
183 Taurepang Karib RR, Venezuela
Taulipangue, Pemon 20.607 (1992)
184 Tembé Tenetehara Tupi-Guarani MA, PA 1.425 (Funasa, 2006)
185 Tenharim Kagwahiva Tupi-Guarani AM 699 (Funasa, 2006)
186 Terena Aruak MT, MS, SP 24.776 (Funasa, 2009)
4.535 (1988)
AM, Peru, Co-
187 Ticuna Tikuna, Tukuna, Maguta Tikuna 4.200 (1988)
lômbia
30.000 (CGTT, 2003)
188 Tingui Botó AL 302 (Funasa, 2006)
Tirió, Trio, Tarona, Yawi,
Pianokoto, Piano, Wü AP, PA, Suri- 1.156 (Funasa, 2006)
189 Tiriyó Karib
tarëno, Txukuyana, name 1.400 (2001)
Ewarhuyana, Akuriyó
190 Torá Txapacura AM 312 (Funasa, 2006)
191 Tremembé CE 2.049 (Funasa, 2006)
192 Truká BA, PE 4.169 (Funasa, 2006)
193 Trumai Trumái MT 147 (Funasa, 2006)
194 Tsohom Djapá Tucano Katukina AM 100 (1985)
6.241 (Dsei/Foirn, 2005)
195 Tukano Tucano Tukano AM, Colômbia
6.330 (1988)
196 Tumbalalá BA 1.469 (Funasa, 2006)
197 Tupari Tupari RO 433 (Funasa, 2006)
198 Tupinambá Tupinambá de Olivença BA 4.729 (FUNASA, 2009)
199 Tupiniquim ES 1.950 (Funasa, 2006)
200 Turiwara PA 60 (1998)
201 Tuxá AL, BA, PE 3.927 (Funasa, 2006)

Continua

158
UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
825 (Dsei/Foirn, 2005)
202 Tuyuka Tuiuca Tukano AM, Colômbia
570 (1988)
445 (Associação Indígena
203 Umutina Barbados, Omotina Bororo MT
Umutina Otoparé, 2009)
Bocas-negras, Bocas-
pretas, Cautários,
Uru-Eu-Wau- Sotérios, Cabeça-ver-
204 Tupi-Guarani RO 100 (Funasa, 2006)
Wau melha, Urupain, Jupaú,
Amondawa, Urupain,
Parakuara, Jurureís
Waimiri Kinja, Kiña, Uaimiry,
205 Karib AM, RR 1.120 (PWA, 2005)
Atroari Crichaná
Hixkaryana, Mawayana,
206 Waiwai Karapayana, Katuena, Karib AM, PA, RR 2.914 (Zea, 2005)
Xerew
AP, PA, Guiana 412 (1992)
207 Wajãpi Wayapi, Wajapi, Oiampi Tupi-Guarani
Francesa 905 (Apina/Funai, 2008)
RR, Guiana 7.000 (Funasa, 2008)
208 Wapixana Aruak
Equatorial 6.000 (Forte, 1990)
806 (Funasa, 2006)
209 Warekena Werekena Aruak AM, Venezuela
491 (1998)
210 Wari’ Uari, Wari, Pakaá Nova Txapacura RO 2.721 (Funasa, 2006)
211 Wassu AL 1.560 (Funasa, 2003)
212 Waujá Waurá Aruak MT 410 (Funasa, 2006)
Upurui, Roucouyen,
AP, PA, Guiana 288 (Funasa, 2006)
Orkokoyana, Urucuiana,
213 Wayana Karib Francesa, 400 (1999)
Urukuyana, Alucuyana,
Suriname 800 (1999)
Wayana
5.939 (1988)
AM, Peru,
214 Witoto Uitoto Witoto 42 (Funasa, 2008)
Colômbia
2.775 (1988)
215 Xakriabá Jê MG 7.665 (Funasa, 2006)
216 Xavante Akwe, A´uwe Jê MT 13.303 (Funasa, 2007)
217 Xerente Acuen, Akwen, Akwê Jê TO 2.569 (Funasa, 2006)
218 Xetá héta, chetá, setá Tupi-Guarani PR 86 (da Silva, 2006)
219 Xikrin Kayapó Jê PA 1.343 (Funasa, 2006)

Continua

159
UF (Brasil)
Outros Nomes ou População
Nomes Família/Língua Países
Grafias Censo/Estimativa
Limítrofes
220 Xipaya Xipáya Juruna PA 595 (Funasa, 2002)
bugres, botocudos,
Aweikoma, Xokrén,
221 Xokleng Kaingang de Santa Jê SC 887 (Funasa, 2004)
Catarina, Aweikoma-
Kaingang, Laklanõ
222 Xokó Chocó, Xocó SE 364 (Funasa, 2006)
223 Xukuru Xucuru PE 10.536 (Funasa, 2007)
224 Xukuru-Kariri Xucuru AL, BA 2.652 (Funasa, 2006)
855 (Funasa, 2006)
AC, AM, Peru,
225 Yaminawá Iaminaua, Jaminawa Pano 324 (1993)
Bolivia
630 (1997)
Yanoama, Yanomani, AM, RR, 15.682 (Funasa, 2006)
226 Yanomami Yanomami
Ianomami Venezuela 15.193 (1992)
227 Yawalapiti Aruak MT 222 (Funasa, 2006)
519 (Funasa, 2006)
AC, Peru,
228 Yawanawá Iauanaua Pano 324 (1993)
Bolivia
630 (1993)
430 (Moreira-Lauriola, 2000)
AM, RR,
229 Ye’kuana Yekuana Karib 4.800 (Rodriguez e Sar-
Venezuela
miento, 2000)
230 Yudjá Yuruna, Juruna, Yudjá Juruna MT, PA 362 (Funasa, 2006)
231 Zo’é Poturu Tupi-Guarani PA 177 (2003)
599 (Funai/Ji-Paraná, 2008)
232 Zoró Pangyjej Mondé MT
136 (Funai, 2007)
233 Zuruahã Índios do Coxodoá Arawá AM

Fonte: Instituto Socioambiental

160
8

161
162
Territorialidade e
povos indígenas:
dados gerais sobre a
demografia indígena
Klítia Loureiro1

Introdução

Nas últimas três décadas, boa parte das notícias divulgadas sobre os povos indígenas
foi e continua sendo acerca da questão de terras. Sem dúvida, essa é a maior proble-
mática na relação entre índios e não índios, o que leva algumas pessoas ao absurdo
de afirmar “que existem terras demais para índios”.
Cabe dizer que as maiores terras indígenas encontram-se na Amazônia, e cor-
rem o risco de, em muito pouco tempo, tornarem-se as únicas reservas florestais
do país. Não obstante, nas áreas mais “colonizadas”, principalmente na região
litorânea, os índios perderam quase tudo e lutam incansavelmente para recon-
quistar pelo menos parte de seus antigos territórios a fim de garantir a mínima
sobrevivência de seu povo.
Neste artigo apresentamos algumas questões que envolvem o conflito entre
índios e não índios no que diz respeito à noção de território: o que vêm a ser 1
Mestre em História Social das
“terras de índio?”; Por que demarcá-las?; Qual o significado para os povos in- Relações Políticas pela Universida-
dígenas de território? Qual a relação dos índios com seus territórios ancestrais? de Federal do Espírito Santo. Pes-
quisadora sobre a luta pela terra
Como ocorre o direito ao território indígena nos marcos do Estado brasileiro?
indígena no Espírito Santo. Autora
Apresentamos também dados sobre a demografia indígena: quantos são os indí- do Livro “História dos índios do
genas no Brasil do século XXI? Espírito Santo” (2009).

163
O que é terra indígena e por que demarcá-las

Objetivos: Refletir sobre o conceito de terra/território indígena a partir de uma visão


holística do ser humano, do mundo...

Realize uma leitura inicial do texto, fazendo anotações para elaboração de uma
síntese. Registre suas reflexões.
Para os povos indígenas, a terra representa

[...] muito mais do que simples meio de subsistência. Ela [a terra] representa o suporte
da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento. Não é
apenas um recurso natural – e tão importante quanto este – é um recurso sociocultural.2

Em outras palavras, o território é condição para a vida dos povos indígenas,


não somente no sentido de um bem material ou fator de produção, mas como o
ambiente em que se desenvolvem todas as formas de vida. Território, portanto, é o
conjunto de seres, espíritos, bens, valores, conhecimentos e tradições que garantem
a possibilidade e o sentido da vida individual e coletiva. Ou ainda, a terra é um fator
fundamental de resistência dos povos indígenas. É o tema que unifica, articula e
mobiliza todos: as aldeias, os povos e as organizações indígenas, em torno de uma
bandeira de luta comum que é a defesa de seus territórios (LUCIANO, 2006, p. 101).
O território indígena “[...] é sempre a referência à ancestralidade e a toda a for-
mação cósmica do universo e da humanidade. É nele que se encontram presentes e
atuantes os heróis indígenas, vivos ou mortos” (LUCIANO, 2006, p. 101).
Nesses termos, é possível conceituar terra como o espaço geográfico que compõe
o território, em que esse é entendido como um espaço do cosmos, mais abrangente
e completo. Para os povos indígenas o território compreende

[...] a própria natureza dos seres naturais e sobrenaturais, onde o rio não é simplesmente o
rio, mas inclui todos os seres, espíritos e deuses que nele habitam. No território uma mon-
tanha não é somente uma montanha, ela tem significado e importância cosmológica sa-
2
FUNAI. O que é terra indígena.
grada. Terra e território para os índios não significam apenas o espaço físico e geográfico,
Disponível em: <http://www.
funai.gov.br/indios>. mas sim toda a simbologia cosmológica que carrega como espaço primordial do mundo
Acesso em: 12 jun. 2005. humano e do mundo dos deuses que povoam a natureza (LUCIANO, 2006, p. 1001-02).

164
Isso significa que os povos indígenas estabelecem uma estreita e profunda rela-
ção com a terra, de modo que a questão inerente a ela não se resolve com o apro-
veitamento do solo agrário, mas também no sentido de territorialidade. Para eles,
o território é o habitat onde viveram e vivem os antepassados e está ligado às suas
manifestações culturais e às tradições, às relações familiares e sociais.
No entanto, é possível perceber no senso comum e no discurso cotidiano uma vi-
são equivocada sobre as terras indígenas já que essas, por exemplo, são apresentadas
como a antítese do desenvolvimento.
Um outro argumento que ainda hoje é bastante divulgado é que existem terras
“demais destinadas aos índios” no País. Mas, esses críticos se esquecem de que os
índios têm que tirar todo seu sustento da terra.
O antropólogo João Pacheco de Oliveira (1999, p. 162) adverte que é um equívoco
pensar o dilema indígena como se fosse somente uma questão fundiária capaz “[...]
de ser solucionada por meio de uma comparação implícita com o módulo rural e pelo
controle de uma variável (a relação terra/índio medida em hectares, por exemplo)”.
Para Oliveira (1999) as terras indígenas devem ser pensadas como algo muito
particular em relação a outras figuras fundiárias, visto que resultam de uma comple-
xa rede entre uma cultura, um dado meio ambiente e uma política governamental.
Desse modo, as conexões entre a política indigenista e a preservação da diversidade
cultural são bastante conhecidas, e fazem parte do imaginário político nacional,
afirma o autor. Por sua vez, as conexões entre as culturas indígenas e os nichos
ambientais em que se inserem são pouco conhecidas do ponto de vista científico, da
mesma forma que são subestimadas do ponto de vista administrativo as interligações
entre política indigenista e ambiental.
Um outro ponto a ser considerado, segundo Oliveira (1999, p. 162) é a represen-
tação caricatural e preconceituosa que se tem das terras indígenas: terras que estão
“subtraídas” ao “desenvolvimento”. Nessa perspectiva, as terras indígenas devem ser
3
concebidas como bens da União e os recursos ambientais ali existentes como parte A promulgação da Lei n.o 6.001,
de 19 de dezembro de 1973,
integrante do território nacional. Todavia, por constituírem habitat de índios, essas
mais conhecida como Estatuto
terras destinam-se exclusivamente à reprodução sociocultural dessas populações, de- do Índio, tinha por finalidade a re-
vendo, portanto, ser adequadas aos seus usos e costumes e covertidas em benefício gularização da situação jurídica do
índio. De acordo com o Estatuto,
para seus habitantes tradicionais.
o índio é considerado uma pessoa
O fato é que a política indigenista que desde 1967 se encontra a cargo da Funai, relativamente incapaz, por isso
como na Lei n.o 6.001/733, assim como o próprio interesse dos índios não prescre- deve ser tutelado pelo Estado.

165
vem que as terras indígenas estejam fora do sistema econômico nacional ou sejam o
seu contrário. O que ocorre é que o Estado, representado pelo órgão indigenista, não
possui conhecimento nem da especificidade das culturas nem da heterogeneidade
do meio ambiente, quanto mais da relação concretamente estabelecida entre esses.
Oliveira (1999, p. 163) ressalta:
Em vez de levantar alternativas novas e explorar as potencialidades deste [contato] –
como os conhecimentos acumulados sobre a natureza e as formas de manejo utilizadas
pelos índios, articulando-os com formas de exploração racional dos recursos ambientais
e uso de tecnologias de ponta –, o órgão indigenista, cerceado por sua precariedade
tecnocientífica e pelo anseio de definir normas homogeneizadoras, acaba por cingir-se
à mera presença protetora, em alguns casos agindo repressivamente e, em outros, por
4
A Funai foi criada em 5 de
iniciativas clientelísticas e paternalistas (como são os projetos econômicos da Funai4).
dezembro de 1967. A década de
1970 coincidiu com a criação
do Plano de Integração Nacional A definição de uma terra indígena, ou melhor, o processo político pelo qual o
(PIN) e a consequente implantação
Estado reconhece os direitos de uma sociedade indígena sobre parte do território
de grandes projetos na Amazônia:
rodoviários (Transamazônica, Peri- nacional não pode ser concebido ou expresso conforme as orientações de um fe-
metral Norte, Cuiabá – Santarém, nômeno natural. Longe de serem imutáveis, as áreas indígenas estão em constante
Manaus – Boa Vista etc.), de colo-
reformulação, com acréscimos, diminuições, junções e separações. Isso, escreve
nização (agrovilas), agrominerais,
agropecuários e industriais, por
Oliveira (1998, p. 291),
grandes empresas nacionais e mul-
tinacionais. A implantação desses [...] não é algo circunstancial, que decorra apenas dos desacertos do Estado ou de ini-
projetos normalmente implicava
ciativas espúrias de interesses contrariados, mas é constitutivo, fazendo parte da própria
a ocupação de terras indígenas,
a matança de índios e de outras natureza do processo de territorialização de uma sociedade indígena dentro do marco
pessoas defensoras da causa indí- institucional estabelecido pelo Estado-Nacional.
gena (padres, missionários etc.). A
omissão da Funai, no cumprimen-
to de seus deveres, favoreceu as Cabe lembrar que conceituar “terras de índio” remete-nos a uma definição ju-
reações indígenas e o surgimento rídica materializada em legislação específica (Lei n.º 6.001/73, artigos 17 a 38 do
de entidades e movimentos de Estatuto do Índio). Trata-se do habitat de grupos que se reconhecem (e são reconhe-
defesa ou de apoio ao índio, como
cidos pela sociedade) e que mantêm um vínculo de continuidade com os primitivos
o Conselho Indigenista Missionário
(Cimi), em 1972; as Assembleias habitantes de nosso País.
de Chefes Indígenas, em 1974 e Conforme Oliveira (1998), a noção de habitat sugere a necessidade de manu-
1975; a Associação Nacional de
tenção de um território, no qual um grupo humano, atuando como sujeito coletivo
Apoio ao Índio (Anai), em 1977,
e a União das Nações Indígenas e uno, tenha condições de garantir a sua sobrevivência físico-cultural. Trata-se,
(UNI), em 1980. portanto, de toda e qualquer parcela do território brasileiro ocupada e utilizada

166
em caráter permanente por uma sociedade indígena ou por um de seus segmentos
componentes, constituindo-se, desse modo, no habitat tradicional e na garantia de
reprodução socioeconômica desses grupos étnicos.
Para alcançar tal objetivo e no intuito de colocar a sua defesa diretamente no
âmbito de atuação do Estado, considerando-as merecedoras de cuidados especiais,
as terras indígenas são enquadradas como bens sob o domínio da União. Ao Estado
cabe o reconhecimento administrativo das terras indígenas, resguardando aos índios
a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas ali existentes.
Em outros termos, embora os índios detenham a posse permanente e o “usu-
fruto exclusivo de todas as riquezas” existentes em suas terras, conforme o Pará-
grafo único do artigo 22 da Lei no 6.001/73, elas constituem patrimônio da União.
Como bens públicos de uso especial, além de inalienáveis e indisponíveis, as terras
indígenas não podem ser objeto de utilização de qualquer espécie por outros que
não os próprios índios.
O direito indígena é originário, pois decorre de sua conexão sociocultural com
povos pré-colombianos que aqui habitavam. Tal direito não procede do reconheci-
mento pelo Estado (nem é anulado pelo não reconhecimento), mas é consequência
do próprio fato da sobrevivência atual dos grupos humanos que se identificam por
tradições ancestrais e que se consideram como etnicamente diferenciados de outros
segmentos da sociedade nacional (OLIVEIRA,1998, p. 45).
Nesses termos, é condição necessária e suficiente a existência de uma coletivida-
de que se identifica como indígena e cuja reprodução exige uma relação regular com
um conjunto de recursos ambientais ancorados em um dado espaço físico. É para
tais grupos humanos, ressalta Oliveira (1998, p. 45),

[...] que a lei prescreve direitos fundiários específicos, cuja destinação cabe ao Estado
garantir. Promover a demarcação da terra indígena é tarefa da União, reconhecendo
administrativamente o habitat de um grupo ou comunidade tribal, viabilizando a con-
tinuidade econômica e sociocultural daquela coletividade.

Ainda que o processo de regularização das terras indígenas seja conhecido como
demarcação, essa é apenas uma das fases administrativas do processo. As fases que
compõem o processo de legalização de terras indígenas são quatro: Identificação e
Delimitação, Demarcação, Homologação e Regularização.

167
Atividades

Realize as atividades abaixo. O objetivo é o aprofundamento da leitura do texto.

Atividade 1
◊ Elabore uma síntese das principais ideias apontadas no texto.

◊ Pesquise sobre as fases que compõem o processo de legalização de terras indíge-


nas. Contextualize o caso do estado do Espírito Santo.

Atividade 2
◊ Que novo olhar podemos lançar sobre a noção de território, a partir da leitura do artigo?

O direito ao território indígena nos marcos do estado brasileiro

Objetivo: Refletir acerca da noção de território indígena nos marcos do Estado brasileiro.

A priori, é preciso compreender que a territorialidade, segundo os povos


indígenas, não deve ser entendida no mesmo sentido com que um Estado so-
berano impera e controla o seu território, já que a eles não interessa a ideia de
Estado próprio. Isto porque trata-se de sociedades sem Estado ou até mesmo
contra o Estado, no sentido de que internamente negam a forma de poder
absoluta e centralizada “nas mãos” de uma estrutura política que não seja a
própria coletividade étnica como um todo, em que ninguém tem procuração
para representá-la. A territorialidade indígena não tem relação com soberania
política, jurídica e militar sobre um espaço territorial, como existe em um Esta-
do soberano. Tem relação com um espaço socionatural necessário para se viver
individual e coletivamente.
O direito ao território nos marcos do Estado brasileiro supõe, portanto, que
os povos indígenas brasileiros demandem “espaço étnico” para seu desenvolvi-
mento como povos, e não somente como cidadãos individualizados. A delimi-
tação territorial supõe fixação de limites para que neles os índios desenvolvam
seus costumes, culturas e seus modos de autogoverno e jurisdição. É isso que

168
as autoridades não índias não entendem quando repetem constantemente a
ideia equivocada de que no Brasil “há muitas terras para poucos índios”, como
se aos índios tivessem que ser concedidas terra, do mesmo modo que há es-
paços necessários para os que vivem em cidades ou no campo, guiados por
outras formas de relação com a terra. Os povos indígenas precisam de espaços
suficientes de terras para caçar, pescar e desenvolver suas tradições culturais
e seus rituais sagrados que só podem ser praticados em ambientes adequados
– diferente dos não índios ocidentais, que vivem em casas e apartamentos
patrimonialmente individualizados e por meio de empregos, de comércio, de
bancos, de outras atividades que não exigem espaço territorial amplo e coletivo
(LUCIANO, 2006, p. 103-104).

Quantos são os povos indígenas no brasil do século XXI?

Segundo estimativas, quando Cristóvão Colombo chegou ao continente americano,


em 1492, viviam por aqui pelo menos 250 milhões de pessoas, que foram denomi-
nadas de índios. Relatos de cronistas e historiadores da época calculavam que apenas
na região do atual México habitavam mais de 30 milhões de índios.
Apesar de todo tipo de violência implementada pelos invasores europeus, os
povos indígenas somam atualmente mais de 50 milhões de pessoas espalhadas por
todos os países do continente americano.
Relatório divulgado pelas Nações Unidas5 (2010) indica que nos dias atuais os 5
A primeira publicação da ONU so-
povos indígenas constituem uma população de cerca de 370 milhões de pessoas bre a situação dos povos indígenas
do mundo, produzida pelo Secreta-
(em torno de 5% do total mundial) e representem 5.000 culturas distintas. Juntos,
riado do Fórum Permanente sobre
ocupam cerca de 20% do território do planeta, distribuídos por 90 países. Questões Indígenas das Nações Uni-
São povos que representam culturas, línguas, conhecimentos e crenças únicas, das, foi lançada em 14 de janeiro de
e sua contribuição ao patrimônio mundial – na arte, na música, nas tecnologias, 2010 , no Rio de Janeiro e também,
simultaneamente, em Nova York,
nas medicinas e em outras riquezas culturais – é incalculável. Eles configuram uma
Bruxelas, Camberra, Manila, México,
enorme diversidade cultural, uma vez que vivem em espaços geográficos, sociais e Moscou, Pretória e Bogotá.
políticos diferenciados. A diversidade, a história de cada povo e o contexto em que O documento destaca que devido a
uma série de fatores como o analfa-
vivem criam dificuldades para enquadrá-los em uma definição única. Os próprios
betismo, o desemprego e a discrimi-
indígenas, em geral, rejeitam as tentativas exteriores de retratá-los e defendem como nação “a comunidade indígena está
princípio fundamental o direito à autodefinição. associada a ser pobre”.

169
Demografia Indígena no Brasil (1500-2010)

O Brasil [...] desconhece e ignora a imensa sociodiversidade nativa contemporânea dos


povos indígenas. Não se sabe ao certo sequer quantos povos nem quantas línguas nativas
existem. O (re)conhecimento, ainda que parcial dessa diversidade, não ultrapassa os res-
tritos círculos acadêmicos especializados. Hoje, um estudante ou um professor que quiser
saber algo mais sobre os índios brasileiros contemporâneos, aqueles que sobraram depois
dos tapuias, tupininquins e tupinambás, terá muitas dificuldades (RICARDO, 1995, p. 30).

Estimativas indicam que, por volta de 1500, quando Pedro Álvares Cabral apor-
6
Alguns especialistas criticam tou em terras brasileiras viviam por aqui pelo menos 5 milhões de índios. Hoje,
o método adotado pelo IBGE.
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2000) essa
Justificam suas críticas afirmando
que o IBGE chegou ao total de população está reduzida a aproximadamente de 700.000 índios.
734.131 indivíduos por meio do A Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa),
quesito cor de pele, e não por
por sua vez, trabalham com dados inferiores: pouco mais de 500.000 índios. Mas por
meio da autoidentificação étnica.
que essa diferença? Na verdade, essa diferença é resultado dos diferentes métodos
7
Sabe-se muito pouco sobre os cha- utilizados para a obtenção de dados. A Funai e a Funasa, por exemplo, trabalham
mados índios isolados - também apenas com as populações indígenas reconhecidas e registradas por elas, geralmente
conhecidos como povos em situação
de isolamento voluntário, povos
as populações habitantes de aldeias localizadas em terras indígenas reconhecidas
ocultos, povos não contatados, oficialmente. Ou seja, o grande número de indígenas que atualmente reside nas ci-
entre outros. São assim chamados dades ou em terras indígenas ainda não demarcadas ou reconhecidas, mas que nem
aqueles grupos com os quais a
por isso deixam de ser índios, estão fora das estatísticas.
Funai não estabeleceu contato.
As informações sobre eles são O IBGE, por sua vez, utilizou o método de autoidentificação6 para chegar aos seus
heterogêneas e escassas - trans- números. Além disso, ainda existem povos indígenas brasileiros que estão fora desses
mitidas por outros índios ou por
dados, inclusive os do IBGE, e que são denominados “índios isolados7”, ou índios ainda
regionais, além de indigenistas e
pesquisadores. Por vezes, vestígios em vias de reafirmação étnica após anos de dominação e repressão cultural.
como tapiris, flechas e outros Estimativas atentam para a existência de cerca de 190 mil índios vivendo fora
objetos encontrados nas áreas por das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Há também 63 referências de índios
onde passaram são fotografados.
ainda não contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconheci-
Os relatos verbais de existência
desses grupos são geralmente mento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista.
fornecidos por outros índios e Os dados da Funasa (2008) são importantes no que se referem às informações
regionais mais próximos, que
sobre as populações indígenas que vivem nas terras indígenas. Segundo dados do
narram encontros fortuitos, ou
que simplesmente reproduzem Sistema de Informação de Atenção à Saúde Indígena/SIASI/FUNASA, o contingente
informações de terceiros. populacional habitante das terras indígenas reconhecidas pelo governo brasileiro e

170
cadastrado pelo Sistema é de 538.154 índios, distribuídos em 4.413 aldeias, per-
tencentes a 291 etnias e falantes de mais de 180 línguas divididas por 35 grupos
linguísticos (Funasa. Demografia dos povos indígenas).
A população indígena encontra-se dispersa por todo o território brasileiro,
distribuída em 24 estados, 432 municípios, 336 pólos de base. Na região Nor-
te encontramos o maior contingente populacional indígena, com 44%, e na
região Sudeste está o menor contingente populacional indígena do país, com
apenas 2% (FUNASA).
No estado do Amazo- SUL
SUDESTE NORTE
9%
nas concentra-se a maior 2% 44%
população indígena do CENTRO-
país: são aproximada- OESTE
19%
mente 291.817 indivídu-
Gráfico. Distribuição da população
os, ou seja, 54,2% desta
indígena por região no Brasil, 2008.
população. Por outro NORDESTE
26%
lado o estado de Sergipe Fonte: Siasi/Funasa
apresenta uma população
de apenas 410 índios vivendo em terras indígenas. O estado do Mato Grosso do
Sul se destaca como o segundo maior estado com número de população indígena
com cerca de 70.537 índios (FUNASA).

Atividade

◊ Pesquise na internet o Relatório das Nações Unidas (2010) “sobre os povos indíge-
nas” e aponte as principais questões abordadas no documento.

Localização e extensão das terras indígenas

Objetivo: Identificar a localização e a extensão das terras indígenas no território brasileiro.

O Brasil possui uma extensão territorial de 851.196.500 hectares, o que corres-


ponde a 8.511.965 km2. As terras indígenas (TIs) somam 615 áreas (64,2% regula-

171
rizadas e 18,5% ainda em estudo) ocupando uma extensão total de 107.000.000
de hectares). Em outros termos, 12,6% das terras do País são reservadas aos povos
indígenas (Siasi/Funasa/2008).
A maior parte das TIs concentra-se na Amazônia Legal: são 409 áreas, 108.720.018
hectares, representando 21.67% do território amazônico e 98.61% da extensão de
todas as TIs do País. O restante, 1.39%, espalha-se pelas regiões Nordeste, Sudeste,
Sul e pelo estado do Mato Grosso do Sul.
Essa situação de flagrante contraste pode ser explicada pelo fato de a coloni-
zação do Brasil ter sido iniciada pelo litoral, o que levou a embates diretos contra
as populações indígenas que aí viviam, causando enorme depopulação e desocu-
pação das terras, que hoje estão em mãos da propriedade privada. Aos povos in-
dígenas restaram terras diminutas, conquistadas com muita luta. Por exemplo, em
São Paulo, a terra Guarani Aldeia Jaraguá tem apenas dois hectares de extensão, o
que impossibilita que os índios vivam da terra. Em outras palavras, na maioria das
vezes, as TIs têm grandes áreas não agricultáveis, e sofrem ou sofreram diversos
tipos de impactos.

Atividade 1

◊ Assista ao filme “Avatar” e a partir de suas reflexões e das leituras realizadas, elabore um
texto apontando que relação é possível estabelecer entre a “ficção” e a realidade dos povos
indígenas nos últimos 500 anos de “colonização”.

Avatar
EUA , 2009 - 162 minutos
Ação / Aventura / Ficção científica
Direção e Roteiro: James Cameron

172
Atividade 2

◊ Leia o texto abaixo com bastante atenção. Após a leitura, é possível afirmar que a
concepção de mundo, de sociedade, de indivíduo e de educação para índios e não
índios é a mesma? Justifique sua resposta.

A milenar arte de educar dos povos indígenas


Daniel Munduruku8

Educar é dar sentido. É dar sentido ao nosso estar no mundo. Nossos corpos preci-
sam desse sentido para se realizar plenamente. Mas também nossos corpos são vazios
de imagens e elas precisam fazer parte da nossa mente para que possamos dar respostas
ao que se nos apresenta diuturnamente como desafios da existência. É por isso que não
basta dar alimento apenas ao corpo, é preciso também alimentar a alma, o espírito. Sem
comida o corpo enfraquece e sem sentido é a alma que se entrega ao vazio da existência.
A educação tradicional entre os povos indígenas se preocupa com esta tríplice
necessidade: do corpo, da mente e do espírito. É uma preocupação que entende o
corpo como algo prenhe de necessidades para poder se manter vivo.
Esta visão de educação é sustentada pela ideia de que cada ser humano precisa
viver intensamente seu momento. A criança indígena é, então, provocada para ser
radicalmente criança. Não se pergunta nunca a ela o que pretende ser quando crescer.
Ela sabe que nada será se não viver plenamente seu ser infantil. Nada será porque já
é. Não precisará esperar crescer para ser alguém. Para ela é apresentado o desafio de
viver plenamente seu ser infantil para que depois, quando estiver vivendo outra fase
da vida, não se sinta vazia de infância. A elas são oferecidas atividades educativas para
que aprenda enquanto brinca e brinque enquanto aprende num processo contínuo
que irá fazê-la perceber que tudo faz parte de uma grande teia que se une ao infinito.
8
Num mesmo movimento ela vai sendo introduzida no universo espiritual. Em- Daniel Munduruku é indígena ,
escritor, graduado em Filosofia e
balada pelas histórias contadas pelos velhos da aldeia, a criança e o jovem passam a
Doutorando em Educação na Uni-
perceber que em seu corpo moram os sentidos da existência. Este sentido é oferecido versidade de São Paulo. Diretor-
pela memória ancestral concentrada nos velhos contadores de histórias. São eles que Presidente do Instituto Indígena
Brasileiro para Propriedade Inte-
atualizam o passado e o fazem se encontrar com o presente mostrando à comunida-
lectual - INBRAPI - e Comendador
de a presença do saber imemorial capaz de dar sentido ao estar no mundo. da Ordem do Mérito Cultural da
Este processo todo é alimentado por rituais que lembram o passado para significar Presidência da República.

173
o presente. São movimentos corpóreos embalados por cantos e danças repetidos mui-
tas vezes com o objetivo de “manter o céu suspenso”. A dança lembra a necessidade
de sermos gratos aos espíritos criadores; contam que precisamos de sentidos para viver
dignamente; ordena a existência. Cada grupo de idade ritualiza a seu modo. Cada um
se sente responsável pelo todo, pela unidade, pela continuidade social.
Educar é, portanto, envolver. É revelar. É significar. É mostrar os sentidos da
existência. É dar presente. E não acaba quando a pessoa se “forma”. Não existe for-
matura. Quem vive o presente está sempre em processo.
É por isso que a criança será sempre criança. Plenamente criança. Essa é a garantia
de que o jovem será jovem no seu momento. O homem adulto viverá sua fase de vida
sem saudades da infância, pois ele a viveu plenamente. O mesmo diga-se dos velhos.
O que cada um traz dentro de si é a alegria e as dores que viveram em cada momento.
Isso não se apaga de dentro deles, mas é o que os mantém ligados ao agora.

Resumo: A educação tradicional indígena tem dado certo. As pessoas se sentem


completas quando percebem que a completude só é possível num contexto social,
coletivo. Cada fase porque passa um indígena – desde a mais tenra idade – alimenta
um olhar para o todo, pois o conhecimento que aprendem e vivem é um saber ho-
lístico que não se desdobra em mil especialidades, mas compreende o humano como
uma unidade integrada a um Todo maior e Único.
Olhar os povos indígenas brasileiros a partir de uma visão rasa de produção, de
consumo, de riqueza e pobreza é, no mínimo, esvaziar os sentidos que buscam para si.
Pense nisso.

Referências

IBGE. Censo 2000. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acessado em jun. 2005.

FUNAI. O que é terra indígena. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/indios>.


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pírito Santo: os índios Tupiniqui e Guarani Mbya e a empresa Aracruz Celulose
S/A (1967-1983). 2006.199f. dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-
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www.pathwaystohighereducation.org/resources/pdf/0002.pdf. Acessado em: 30.05.2009.

OLIVEIRA, João Pacheco de. (Org.). Indigenismo e territorialização: poderes, roti-


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sil. In.: SILVA. Aracy L; GRUPIONI Luís Donisete B. (orgs.) A temática indígena na escola:
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15 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.overmundo.com.br/perfis/daniel-
munduruku>. Acesso em: jan. 2010.

Filme indicado

“BirdWatchers - a Terra dos Homens Vermelhos”


Título Original: BirdWatchers - La terra degli uomini rossi.
2008. Drama. 104m

Mato Grosso do Sul, Brasil, hoje. Os fazendeiros têm


uma vida rica e cheia de diversão. Possuem plantações

175
transgénicas que se perdem de vista e passam os serões com os turistas vindos para
ver os pássaros - Birdwatchers. Contudo, nos limites das suas propriedades cresce o
descontentamento por parte dos Índios, antigos proprietários legítimos das terras.
O suicídio de mais um jovem da reserva catalisa o conflito entre estes dois mundos
opostos. No entanto, reside a “curiosidade do outro”. Uma curiosidade que aproxi-
mará o jovem aprendiz de xamã, Osvaldo, e a filha de um fazendeiro.

176
9

177
178
O movimento indigenista e
o movimento indígena no
BRASIL: o caso Tupinikim e
Guarani no Espírito Santo
Arlete Maria Pinheiro Schubert1

Tupi, por excelência, extintos, de preferência!

Pensar criticamente a(s) política(s) indigenista(s) exige considerar os projetos dos


segmentos da elite brasileira, que se sentia afrontada pela ideia da “mestiçagem”
em debate desde a metade do século XIX. Portanto, faremos algumas digressões ao
discorrer sobre o tema, traçando um breve esboço do debate literário do Romantismo
que tomava para si o tema do indianismo e suas implicações com o que foi consi-
derado problema indígena.
Quanto ao indianismo, entendemos que deve ser considerado porque diz respeito
a nossa pretendida indianidade. O indianismo foi uma expressão do Romantismo,
idealizadora dos índios, feita a partir da literatura e que influenciou toda uma gera-
ção de escritores brasileiros que descobriu nela (no afã de estabelecer uma literatura
própria), o potencial da ficção indianista. Na literatura indianista, o índio é represen-
tado como o mito de fundação nacional, de preferência o Tupi. Certamente, trata-
se de um índio idealizado, literalmente pintado nos quadros e romances da época,
portanto, compatível com os valores e padrões de comportamento da civilização eu-
ropeia, estereótipo muito presente ainda hoje no imaginário brasileiro. Interessante
que se observados à luz do processo colonizador, indianismo e indigenismo ganham
conotação de compartilhamento de colonialidade. Nesse sentido, ambos se referem à
subordinação, hierarquização e/ou subordinação das diferenças e, portanto, negam
a igualdade da diversidade. 1
Mestre em Educação/Ufes.

179
Na perspectiva literária do Romantismo, o indianismo, que assemelhava indígenas
e europeus, rivalizou com as narrativas construídas a partir das perspectivas conside-
radas científicas (e nem por isso menos “ficcionais”), que ficaram a cargo do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1838. Discutia-se o que é ser
“brasileiro”, e as vozes mais potentes eram aquelas que apregoavam um nacionalismo
exclusivamente branco, excluindo índios e negros (entre essas, encontramos a voz forte
de Francisco Adolfo Varnhagen, sócio correspondente do IHGB, em 1841).
Gonçalves Dias, poeta e romancista brasileiro, também um estudioso da Histó-
ria do Brasil foi nomeado para o IHGB e desde 1846, integrou comissões e expe-
dições de reconhecimento das riquezas e populações do território brasileiro, tendo
sido encarregado de um dos trabalhos etnográficos que tinha como missão estudar
os índios, considerando três quesitos: aspectos físicos, moral e social; conhecer a
opinião deles sobre os brancos e buscar documentação sobre a história do Brasil
nos cartórios provinciais.
Para Carneiro Cunha (2002), o debate que aconteceu a partir do fim do século
XVIII até o século XIX, dizia respeito às ações a serem desenvolvidas em relação aos
índios. No fundo se perguntavam, se deviam “exterminar os índios ‘bravos’, ‘desinfe-
tando’ os sertões – solução em geral propícia aos colonos — ou, se cumpria civilizá-
los e incluí-los na sociedade política – solução em geral propugnada por estadistas
e que supunha a sua possível incorporação como mão-de-obra. Ou seja, em termos
da época, se deveriam usar de brandura ou de violência” (CARNEIRO CUNHA, 2002,
p.134). A autora conclui tratando das consequências desse debate, cujas práticas
não deixam dúvidas, “pois tratava mesmo de forma teórica, da humanidade ou ani-
malidade dos índios”, questão já anunciada desde o século XVI.
Diferente do século XVI , em que se havia perguntado se os indivíduos encontra-
dos no novo continente tinham ou não alma (mas não parece ter duvidado de que se
tratavam de homens e mulheres realmente), No século XIX não houve escrúpulos em
se questionar se “eram humanos ou animais” aqueles seres com os quais tratavam.
Foi por meio do cientificismo do século XIX que se ousou demarcar as fronteiras
entre humanos e antropóides. Blumenbach, um dos fundadores da antropologia
física, analisou o crânio de um Botocudo e o classificou a meio caminho entre o
orangotango e o homem. Presença constante no pensamento brasileiro, essa questão
atravessou a tradição antropológica da segunda metade do século XIX, eivada de
depreciações que se arraigaram profundamente no imaginário nacional.

180
O Museu Nacional foi outra instituição a partir da qual vários estudos foram es-
timulados. Apresentou pesquisas não somente a respeito dos “primitivos habitantes
do Brasil”, mas da mestiçagem e, enfim, do que podíamos antever para o futuro
do povo brasileiro. Nessa época era comum, a partir da recém-criada antropologia
física, “inferir atributos intelectuais e morais dos indivíduos a partir dos estudos de
características físicas” (SANTOS, 2002, p. 114).
Portanto, comparecem vários estudos com a disseminação de abundantes
argumentos alimentando “as convicções acerca da desigualdade entre as raças”
(SANTOS, 2002, p.144).
Tais estudos, baseados em detalhes de descrições da morfologia e das medições dos
ossos, em seu conjunto, tinham por objetivo, de acordo com um de seus autores, construir
“[...] uma história do homem fóssil no Brasil (LACERDA, citado por SANTOS, 2002, p. 116).
Naquele momento, respaldado por várias pesquisas cientificas, ganhava ares de
ciência no imaginário nacional o contraste entre índio histórico, matriz da naciona-
lidade - tupi por excelência, extinto de preferência -, e o índio contemporâneo, in-
tegrante das ‘hordas selvagens’ errantes pelos sertões, incultos. A primeira categoria
(índios históricos) seria a dos Tupi e Guarani, que figuravam na auto imagem que
o Brasil pretendia fazer de si, enquanto a segunda (índio contemporâneo) seria os
genericamente denominados Botocudo ou Tapuia, contraponto e inimigos dos Tupi
na história inicial da Colônia.
Varnhagen, em 1867, citado um discurso do senador Dantas de Barros Leite, escreveu:

No Reino animal, há raças perdidas; parece que a raça índia, por um efeito de sua
organização física, não podendo progredir no meio da civilização, está condenada a
esse desfecho. Há animais que só podem produzir e progredir no maio das trevas; e se
os levam para a presença da luz, ou morrem ou desaparecem. Da mesma sorte entre
as raças humanas, o índio parece ter uma organização incompatível com a civilização
(VARNHAGEN, citado por CARENEIRO da CUNHA, 2002, p. 135).

Parece-nos que esses foram alguns dos suportes “científicos”, a partir dos quais
foram modeladas e afirmadas algumas ideias e pré-conceitos que hoje se constituem
como senso comum a respeito dos indígenas na sociedade brasileira, entre esses:
bárbaros, animais, ferozes, desprovidos de cultura, preguiçosos, vadios, inaptos,
infantis, degenerados, e outros desqualificativos, nossos velhos conhecidos.

181
Políticas indigenistas

No Brasil do século XIX, podemos identificar três regimes políticos, embora dois ter-
ços desse século se configurem como Império, esse inicia ainda na Colônia e termina
na República Velha. Inicia-se com pleno tráfico negreiro e termina com as grandes
levas de imigrantes livres chegando ao Brasil. É um período de tensões entre oligar-
quias locais e surtos de centralização de poder.
No século XIX, a questão indígena adquire outros contornos, e torna-se essen-
cialmente uma questão de terras, passando a ser discutida como política geral a ser
adotada no Brasil, pois o índio era cada vez menos essencial como mão de obra.
Entretanto, ainda persistia a discussão se os índios apresentavam ou não indicio de
aperfeiçoamento, se deviam ser aniquilados ou integrados à sociedade brasileira etc.
(CARNEIRO DA CUNHA, 2002)
Havia também vozes dissonantes que se opunham à ideia do simples extermínio
dos índios. Lembremos dos debates e dos projetos então preparando a Constituição
de 1822, sendo o de José Bonifácio o mais célebre, embora hoje se constate que
não varia a ladainha. As suas considerações sob o título “Apontamentos para a
civilisação dos índios bravos do Império do Brazil”, tratando da “sujeição ao jugo
da lei e do trabalho, tratando de aldeamentos”, não foram incorporados ao projeto
constitucional (CARNEIRO DA CUNHA, 2002, p. 138). Outros documentos foram
apresentados dizendo-se reconhecer a premência do tema, mas nunca foram toma-
das “medidas mais amplas e permanentes” referentes à questão, como solicitado. O
Regulamento das Missões, promulgado em 1845, é considerado como o único do-
cumento indigenista geral do Império, mesmo assim, é considerado um documento
mais administrativo que político.
Em 1870, uma experiência de Couto de Magalhães, no vale do rio Araguaia, foi
reconhecida pelo governo, que pretendeu estendê-la a outras localidades. Seguia uma
diretriz que preconizava o abandono da política de concentração e aldeamento dos
índios, e previa a criação de um internato para crianças indígenas, obtidas a troca de
ferramentas, e destinadas a serem “intérpretes” linguísticas e culturais e a levarem,
juntamente com os missionários, a civilização aos seus parentes. O governo chegou a
preparar um programa de ensino Nheegantu, mas na última década do Império não se
ouvirá mais falar no assunto. (CARNEIRO DA CUNHA, 2002, p. 140). Nessas tentativas
já se apresenta a concepção integracionista que oficialmente se afirmará mais tarde.

182
Os positivistas também sinalizavam com proposta de uma política indigenista
que fosse mais respeitosa. Em seu projeto de 1890, a respeito dos índios, propunham
no artigo 1º. Inciso II:
[...] A federação deles limita-se à manutenção das relações amistosas hoje reconhecidas
como um dever entre nações distintas e simpáticas, por um lado: e, por outro lado,
em garantir-lhe a proteção do governo federal contra qualquer violência, quer em suas
pessoas, quer em seus territórios. Estes não poderão ser atravessados sem o seu prévio
consentimento pacificamente solicitado e só pacificamente obtido (LEMOS; MENDES
citados por CARNEIRO DA CUNHA, 2002, p. 136).

Nas décadas subsequentes, argumentos prós e contras os índios e “o que se de-


veria fazer com eles” continuaram sendo elaborados, inclusive por meio de estudos,
se estendendo a um tema que se lançou no debate internacional, entitulado Notas
de Tipos antropológicos do Brasil - de Roquete-Pinto, 1929. Esse estudo, especifi-
camente, tomava por base a defesa dos mestiços, que já se constituíam como “tipo
nacional”, e eram vistos com preconceito pelas elites nacionais e internacionais. As
investigações pretendiam “averiguar a viabilidade biológica e intelectual dos mesti-
ços” (SANTOS, 2002, p.121). O estudo também apresentava posicionamento crítico
à política migratória nacional, estabelecida pelo governo, que estimulava a vinda de
indivíduos brancos para o Brasil, em oposição aos mestiços.
É a partir desse contexto que procuramos localizar uma concepção oficial do que
seria a questão indígena no Brasil, a partir de então, considerada por órgão indígena
governamental específico, o Serviço de Proteção aos índios/SPI. Instituído em 1910,
esse sofre influências diretas das sucessivas fases econômicas nas quais o Brasil é
lançado. Serão consideradas, a seguir, as concepções indigenistas que orientaram as
práticas oficiais, para pensar suas transformações à luz dos movimentos indígenas e
dos movimentos indigenistas.

Atrair e pacificar: aos bárbaros, ordem e progresso!

Benedito Prezia (1991; 2004) é um dos autores que avalia o final do século XIX como
“[...] um cenário de guerra contra os indígenas” na sociedade brasileira, em quase todo
o território, sobretudo pelas novas áreas econômicas, que surgiam. Escreve ele:

183
[...] aldeias e até povos inteiros foram massacrados, desde os Apuinã, no Acre, Os Muras,
no Amazonas, os Canelas, no Maranhão, os Botocudos, no Leste, e os Oti, totalmente
exterminados no interior de SP. Além disso, eram frequentes as escravizações, como
faziam os seringalistas na Amazônia com os Yanomadi, Kulina e Kaxinawa, destruindo
aldeias e roubando mulheres. (PREZIA, 1991, p.144).

Foi sob intensa pressão de intelectuais nacionais e internacionais, que o governo


criou o Serviço de Apoio aos índios e de Localização dos Trabalhadores Nacionais,
que esteve ligado ao ministério da Guerra. Somente mais tarde houve o desmembra-
mento, criando-se o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910.
Nessa conjuntura, a partir da criação do SPI, não podemos falar em indigenismo
sem Rondon (engenheiro-militar) e os positivistas, que propunham outra maneira de
ver os povos indígenas. Rondon e os demais positivistas acreditavam na incorporação
da população indígena à civilização como “proveitosa” para os índios. Argumenta-
vam que os índios poderiam conhecer os “progressos da civilização”, se lhes fossem
dados os meios materiais e defendiam que essa ‘incorporação’ tinha que ser espon-
tânea. Por isso, defendiam métodos pacíficos e compreensão para a atitude agressiva
do índio que defende seu território. A partir dessa mesma visão, colocou-se como
uma das metas do SPI “[...] transformar os índios em populações laboriosas e úteis à
comunidade” (PREZIA, 1991, p.145).
Cândido da Silva Rondon criticava as praticas de extermínio, bem como de assi-
milação veloz, como as praticadas por algumas missões religiosas, defendendo que
deveria ser respeitada a passagem de algumas gerações para ascenderem ao pen-
samento científico. Defendia que eles poderiam ser os guardiões das fronteiras da
nação, conceituando-os como “os primeiros brasileiros”, lembrando que viviam sob
tutela da nação (OLIVEIRA, 1995, p.65).
Empregando o lema Morrer, se preciso for, matar, nunca, Rondon acreditava
que a pátria possuía um valor absoluto e que era preciso buscar “os interesses gerais
do país”. Por isso, usando o que foram considerados “processos fraternais”, trans-
feriu os Pareci de suas terras, para que eles protegessem e conservassem as linhas
telegráficas recém-construídas. Como veremos, pensar a questão indígena sob essas
perspectivas, logo deixou de corresponder à realidade, pois não se tratava mais de
ocupar ou vigiar fronteiras políticas, pois a expansão era, então, da ordem das fron-
teiras econômicas, desde as décadas de 1950 e 1960.

184
Oliveira (1995) defende que, mesmo tendo como objetivo o “respeito e
a demarcação das terras das populações contatadas”, a política indigenista
daquele período teve consequências muitas vezes desastrosas, pois se tratava
de uma visão integracionista, que misturava os interesses econômicos e os
políticos partidários.
Encontramos registros do próprio SPI que relatam a impossibilidade que encon-
travam em conformar interesses econômicos e culturais tão díspares como os das
culturas indígenas e os da civilização que desenvolvemos. Nos relatos, são encon-
trados alguns resultados funestos dessas ações de atração e pacificação que eram
desenvolvidas junto aos índios.
No relatório do SPI de 1954, encontrado na biblioteca do Museu Emilio Goeldi,
lemos o seguinte registro: “A pacificação de uma tribo tem representado sempre a
perda de seu território de caça e coleta, invadido por extratores de produtos da mata,
criadores, conforme a economia dominante na região. [...]. O relatório continua: “[...]
Os Xavantes, pacificados em 1946, estão perdendo suas terras para latifundiários
que nunca as viram, mas especulam sobre sua valorização futura (SPI/1954. Re-
latório de atividades, fl.7, grifo meu).
No relatório reclamava-se da confiança que o governo local e mesmo as ins-
tituições federais, inspirava nos usurpadores que, segundo o relato, “zombam
dos protestos do SPI, confiados no apoio do governo [...]”(SPI/1954. Relatório
de atividades, fl.7).
No Espírito Santo, logo após a criação do SPI a região do norte do estado,
bem como do sul da Bahia foram usadas para criar alguns polos de atuação.
Polos de atração foram criados para a pacificação dos índios Botocudos, com
objetivo de evitar a paralisação da construção das Estradas de Ferro Bahia- Mi-
nas e Vitória-Minas que penetraram no último território dos Botocudos (PA-
RAISO, 2002, p.420).
Segundo conclusão da FUNAI, os poucos autores que escreveram sobre os Tupi-
nikim “assinalam que os anos 1966 e 1967 foram decisivos na alteração do panora-
ma fundiário da região”. Guimarães (1982, p. 151), Medeiros (1983) e Martins (1986)
constataram que “[...] esses anos marcaram a entrada da empresa Aracruz Florestal
na região, seguida da progressiva expulsão dos índios” (Relatório FUNAI, fls 066).
Temos, assim, durante a construção de República Brasileira, uma concepção que
considera o índio inferior, incapaz de desenvolvimento se não se tornasse “civiliza-

185
do”. Como podemos constatar, tratou-se da imposição e do domínio de uma cultura,
de uma religião, de uma economia e seu modo de trabalho.
Algumas análises, como a de Darcy Ribeiro ao formular os pressupostos da políti-
ca indigenista na década de 1950, acreditavam que o Estado brasileiro seria capaz de
uma “intervenção racional e protetora” em relação aos índios. Para ele, as questões
econômicas e os processos capitalistas, não passariam de “meros resíduos de modos
superados de produção” e não pareciam ter influência no processo de destruição das
populações, como vinha ocorrendo. Essas ocorrências eram entendidas por Ribeiro
como “[...] abusos despóticos de interesses locais [...] que não teriam condição de
atuar, uma vez denunciados e postos sob vigilância dos órgãos governamentais e da
opinião pública esclarecida” (RIBEIRO, 1970, p. 196).
Infelizmente, para aspectos centrais do debate, como o econômico, essa ava-
liação se mostrara equivocada, posto que empreendimentos privados, bem como
estatais, contaram com incentivo ou aval do governo federal, como foi o caso
dos empreendimentos no Espírito Santo, onde habitavam os Tupinikim e Gua-
rani, na década de 1950/1960. Por outro lado, cada vez que tais abusos e vio-
lência foram cometidos, e que as vozes indígenas e não indígenas se elevaram,
ampliando-se para além da sociedade civil local, alcançando diferentes países,
resultou uma intervenção do Estado para solucionar ou considerar questões es-
pecíficas, até então ignoradas.
A partir desses confrontos, os povos indígenas foram aos poucos se tornando
uma das vozes mais enfáticas na defesa de suas territorialidades, constituindo
um processo próprio, nascido desses embates e aproximações, e que passamos a
denominar movimento indígena. Não raras vezes foram eles que fizeram o con-
traponto aos empreendimentos econômicos que identificaram como danosos as
suas territorialidades.
Em 1967, quando a FUNAI substituiu o SPI, assumiu-se a doutrina de proteção
fraternal ao índio, sistematizada, divulgada e colocada em prática pelo engenheiro-
militar Cândido Rondon, primeiro dirigente do SPI, que afirmava que os índios de-
viam ser integrados à comunhão nacional. Lembramos que nessa concepção, os
índios eram pensados como os guardiões das fronteiras políticas da nação, e viveriam
sob a tutela direta do Estado. A tese defendida era do breve desaparecimento desses
povos, assim que integrados à “comunhão nacional”, por isso não era considerada e
nem era necessário demarcar terras indígenas.

186
“Integrados à comunhão nacional” ou: apropriando-se dos
mecanismos da sociedade?

A tese de “extinção” defendida por diferentes correntes de pensamentos desde o


século XIX até o século XX e sustentada inicialmente por teorias da Antropologia
e da História, como vimos, se mostrou inapta para a questão, visto que os indí-
genas rexistiram ao embate com a civilização. Há muito que essas teorias foram
revistas, e nesse contexto de revisão vêm fornecendo importantes subsídios para
“desenvolver estratégias políticas para que os próprios indígenas moldem o seu
futuro diante dos desafios e das condições do contato e da dominação” (MON-
TEIRO, 1995, p. 227).
Nas últimas décadas, ocorreram mudanças significativas nos prognósticos que
apostavam no desaparecimento dos povos indígenas, de forma que há um certo oti-
mismo no futuro desses povos, animando a sociedade brasileira e boa parte da Amé-
rica Latina. Nesse contexto, os movimentos indígenas superaram sua invisibilidade, e
se explicitaram à medida que as sociedades não indígenas também ganharam certa
organicidade popular.
O movimento indígena e o movimento indigenista desenvolveram processos de
interação que apresentam contornos diferentes dos articulados até então. Não que
não houvesses antes um movimento indígena, mas agora esse se manifestava en-
quanto ator histórico, definindo o seu lugar e com poder de intervir em políticas
que antes não suspeitava intervir. Isso se reflete por conta de um movimento mais
geral de organização que ocorreu na sociedade civil, e supõe um movimento indíge-
na mais formalizado nos moldes da nossa sociedade, ocorrendo com mais ênfase a
partir de promulgação da Constituição de 1988.
A partir desse momento assistimos ao que Oliveira (2005, p. 7) denominou “fe-
nômeno da incorporação de mecanismos de representação política por delegação”,
apropriado por alguns povos para assim lidarem com uma sociedade que lhes impe-
dia o acesso a direitos. A partir dessa apropriação, os indígenas estabeleceram canais
de comunicação com nossas sociedades modernas, para tratar de suas demandas
territoriais, assistenciais, educacionais, comerciais, de comunicação, entre outras.
Alguns acreditaram por um bom tempo que um órgão indigenista forte resultaria
em melhoria da situação dos índios. A história mostrou que os próprios órgãos do
governo participavam na intrusão das áreas indígenas, mostrando-se a FUNAI inca-

187
paz de exercer o seu papel de controle e vigilância dessas áreas. A história recente
mostra também que são as próprias lideranças e organizações indígenas que conse-
guem avançar no cuidado de seus territórios e direitos. A questão da representação
dos interesses indígenas no plano supralocal somente poderia ser compreendida e
avaliada no Brasil se considerada uma “sociologia dos intermediários não indígenas”,
como algo que a constituiu e que a conformou.
Pensamos que atribuir o avanço dos direitos indígenas às mobilizações dos
próprios índios, sem desconsiderar o apoio do indigenismo não oficial credibiliza
e potencializa a solidariedade humana como balizadora de justiça. Essa afir-
mação se torna central nas considerações que faremos neste artigo, ao propor
uma breve exposição dos movimentos indigenistas organizados enquanto tais, e
suas transformações, para em seguida avançar para os movimentos indígenas e
suas organizações, ao longo das últimas décadas, considerando alguns dos seus
desafios e tensões.

O movimento indigenista e o indigenismo-ambiental

A percepção da sociedade civil organizada de que a sobrevivência dos povos indí-


genas em risco, “dependeria em parte da conscientização da sociedade brasileira”
(PREZIA, 1994, p. 61) foi um dos pilares das primeiras organizações não gover-
namentais de apoio a esses povos. O mesmo autor avalia ainda que foi o projeto
governamental de emancipação dos indígenas que causou a polêmica na sociedade,
despertando para um indigenismo mais organizado e formalizado na sociedade civil.
Considerando alguns dados organizados pelo pesquisador Carlos Alberto Ricardo
(p.50-51), as primeiras organizações indigenistas surgiram no final da década de
1960. A “Operação Padre Anchieta” — OPAN — no Mato Grosso, Amazonas e Mara-
nhão encontra-se como uma das primeiras com registro em cartório. Logo em segui-
da, outras organizações surgem, algumas com perfil missionário e outros laicos. Ou
seja, temos as primeiras organizações formalizadas constituindo-se em um período
de implantação dos grandes projetos econômicos no país.
No entanto, nessas organizações havia o discernimento de que a luta deveria
ser protagonizada pelos próprios indígenas. Incentivam, assim, a organização das
primeiras assembleias de lideranças indígenas que tiveram importância funda-

188
mental nas organizações indígenas representativas que surgiram e se formalizaram
no final da década de 1970.
Em continuidade ao movimento indigenista das décadas de 1960 a 1980, sur-
giu um novo movimento, também de apelo global, que vem sendo chamado de
“ambientalismo-indigenista”. Os defensores “do progresso e do desenvolvimento”
avaliam esse movimento como “uma guerra irregular”.
Para o jornalista Lorenzo Carrasco (2008), o Brasil passou a ocupar uma posição
privilegiada nessa estratégia irregular a partir da década de 1980. Após o assassinato
de Chico Mendes, “[...] cuja transformação em um fato de proporções mundiais, cons-
tituiu uma evidência cabal da intenção de apresentar o País como o ‘vilão ambiental
número um’ do planeta”. Essa afirmação, proferida no clube da aeronáutica, acrescenta
ainda, que após fortes campanhas internacionais que apresentavam a Amazônia em
iminente perigo de devastação, fortes pressões políticas e diplomáticas foram feitas
para que o País aceitasse os princípios de “soberania restrita” sobre a região.
Com versões semelhantes, os críticos do ambientalismo especulam ainda sobre
uma possível “conspiração” dos ambientalista-indigenistas que, junto a inimigos
internacionais, em uma

[...] autêntica força de ocupação territorial”, interferem diretamente sobre as políticas


governamentais “referentes à definição de grandes reservas naturais e indígenas e, igual-
mente, promovendo ruidosas campanhas e propaganda contra projetos, de infraestrutu-
ra energética, de energia nuclear, biotecnologia, (...)” (CARRASCO, 2008).

Trago essa abordagem para o texto para afirmar da dimensão dos confrontos
quando se trata de debater e defender interesses que dizem respeito não somente
aos indígenas, mas a outros modos de ser-produzir que não essa história única que
nos apresentam. Não poucas vezes, os argumentos trazidos pelos defensores dos
interesses econômicos capitalistas contêm apelos nacionalistas aceitos e defendidos
por pessoas que não se preocupam em acessar as informações ou diferentes perspec-
tivas, para considerá-las numa análise séria e contextualizada. Os neocolonizadores
“jogam” com o imaginário e o sentimentalismo, e contam com o desconhecimento
e a desinformação para formar seus exércitos de defensores de ideias como as ex-
postas, contra a diversidade, as diferenças, e a ecologia, defensores da sociedade
monocultural em todas as suas expressões.

189
Eles não estão enganados, pois se trata sim de uma estratégia quando pessoas,
grupos, coletividades se organizam e se articulam para defender ou opinar sobre
questões que incidem diretamente sobre suas vidas. Esses sujeitos estão pergun-
tando pelas opções em que uns poucos homens se arrogaram o direito de fazer
para construir nosso percurso de humanidade e a quais encruzilhadas nos têm
levado tais opções. Estão apontando para uma crise que determina a revisão dessas
opções, posto que vemos entrar em colapso o projeto de desenvolvimento que
parte da humanidade empreende.
Para os críticos do indigenismo, quase sempre avessos aos ambientalistas, atos
de obediência à Constituição Brasileira são considerados “prejuízos” ao País. Esses
mesmos críticos creditam a conta dos ditos prejuízos aos movimentos a que costu-
mam chamar de “aparato ambientalista-indigenista”. Eis uma pequena listagem dos
empreendimentos públicos e privados e ações que se encontram em conflito com os
movimentos indígenas e o movimento ambiental-indigenista:
◊ Usina hidrelétrica de Belo Monte (ex-Cararaô), no rio Xingu (PA);
◊ Complexo Hidrelétrico-Hidroviário do Rio Madeira;
◊ Hidrovias Araguaia-Tocantins, Tapajós-Teles Pires e Paraguai-Paraná;
◊ Prosseguimento do programa nuclear, em especial a conclusão da usina Angra-3;
◊ Desenvolvimento de organismos geneticamente modificados (transgênicos);
◊ Expansão da indústria agroflorestal (monoculturas do agronegócio exportador).
A propósito, deve haver para outros povos e populações uma outra noção do
que significa prejuízo, lembramos aqui apenas dois relatos pelos cronistas dos
séculos XVI e XVII que apresentam a existência de milhares de currais nas margens
do rio Amazonas, onde era praticada a semidomesticação das tartarugas fluviais,
alimentadas com mandioca e plantas leguminosas, pelos indígenas. Menos de dois
séculos depois da chegada dos colonizadores, inúmeras espécies desapareceram
devido ao manejo irracional praticado por esses, que entendem a existência da
natureza com o único objetivo de servi-los. Relatam também a respeito dos co-
nhecimentos indígenas das plantas da floresta: 1/4 de todas as drogas medicinais
prescritas provem das plantas das florestas e 3/4 destas foram colhidas a partir de
informações fornecidas pelos povos indígenas. Sabemos que eles não se opõem ao
uso de seus conhecimentos, mas revoltam-se quando sabem que tais informações
são transformadas em mercadorias, com fins sabidamente lucrativos, e não como
conhecimentos para salvar vidas.

190
Quando estes e outros dados são tomados em conjunto entendemos porque in-
dígenas e ambientalistas tendem sempre a se opor a empreendimentos gigantescos.
Certamente, trata-se de uma estratégia, e para consolidá-la - entendida por uns
como questionadora do modelo de desenvolvimento predador em curso - diversos
povos indígenas criaram e formalizaram as organizações indígenas, representativas
de suas reivindicações. A articulação com outros povos e com a sociedade nacional, e
muitas vezes internacional, constituiu o chamado movimento indígena organizado.
Por tudo que apresentamos, podemos refletir sobre porque as terras indígenas, o
capital simbólico representado por cerca de 222 povos e 180 línguas, são protago-
nistas de maior importância na luta desses povos.
A concepção ambiental-indigenista que desponta nas décadas de 1980 e 1990,
trouxe uma nova postura, pois contempla questões que tocam em cada um de
nós, indígenas e não indígenas, com diferentes intensidades: mulheres e homens,
crianças, jovens, idosos, doutores, professores, estudantes, camponeses, operários...
Aponta-nos uma oportunidade para refletirmos sobre a economia do acúmulo,
da destruição, e se realmente não há alternativas ao que nos apresentam como
única possibilidade; desafia-nos a sermos realmente inventores de respostas, ser-
mos capazes de ressignificar respostas credíveis à economia do egoísmo. Trata-se,
nesse caso, de potencializar o presente para que ele não deixe de ser uma fonte de
respostas coletivas e criativas.

O movimento indígena organizado e seus desafios


o caso Tupinikim e Guarani no ES

Quem se lembra, ainda, dos índios tupiniquins que as crianças brancas conheceram nas
aulas do primário e do ginásio? Porque muito tempo se disse: séculos de contato com
os brancos destruíram os tupiniquins... Eles viviam no litoral. Foram amigos dos portu-
gueses. Lutaram ao lado dos portugueses contra os ferozes Tupinambás. Na história da
nossa infância, os tupinambás eram os vilões, aliados dos franceses. Os tupiniquins eram
os bons índios, os amigos (MEDEIROS, 1983, p.65).

“Atrair e pacificar” sempre implicaram em impor arbitrariamente aos indígenas:


nomes de chefes, concentrar população, implantar sistemas de organizações estra-

191
nhos, explorar recursos naturais de forma predatória, tudo em nome da “integração
à comunhão nacional”: Há pouco tempo uma liderança indígena declarava em uma
mesa de debate de que participamos o seu verdadeiro nome, recusado e alterado no
cartório por se tratar de nome indígena: DE WOLILI, nome de seus avô ou bisavô,
passou a se chamar Lili.
Cansados de serem considerados objetos de observação, os indígenas prota-
gonizaram cenas marcantes na mídia televisa do país e no cenário da política
nacional nas décadas de 1980 e 1990. Passaram de observados a observadores
das reações provocadas na sociedade por suas ações muitas vezes espetaculares.
Conhecedores da nossa sociedade, ofereciam “produtos de troca” para a nossa
mídia do espetáculo.
Muitos têm conhecimento do cacique Mario Juruna, com seu gravador, gravando
promessas de políticos em Brasília; do gesto marcante de Ailton Krenak ao pintar o
rosto com jenipapo durante discurso no plenário do Congresso Nacional Constituin-
te. Um outro momento desses foi num dos eventos definidores da agenda das lutas
indígenas e indigenistas, na cidade paraense de Altamira, em 1989. Nesse encontro
foi criada a agenda de ações contra os grandes projetos para a Amazônia, quando
então diretor da Eletronorte foi interpelado por uma mulher Kaiapó – Truíra - que
lhe advertiu, chegando a tocar sua face com a lâmina de seu terçado.
A Usina de Belo Monte, no rio Xingu, estaria sendo construída naqueles anos,
mas o esforço conjunto das mobilizações indígenas, ambientalistas, indigenistas
conseguiu protelar a obra. Em 2009/2010 estamos novamente às voltas com o es-
forço do governo para o prosseguimento dessa obra gigantesca e de tantos outros
empreendimentos de grandes impactos socioculturais e socioambientais.
Para nos darmos conta dos esforços que devem ser conjugados para tentar frear
a depredação socioambiental em curso, lembramos as mobilizações que ocorreram
na realização da Conferência Internacional Rio 92; da criação da Raposa Serra do
Sol, (demarcada e homologada em 2009); da luta dos Tupinikim e dos Guarani , no
Espírito Santo, pela regularização de suas terras (demarcada em 2008, com homo-
logação em 09/11/2010, publicada no Diário Oficial da União). Momentos que se
constituíram num desses esforços conjuntos de pressão nacional e internacional para
que o território indígena finalmente fosse regularizado.
Algumas organizações indígenas existentes são de caráter étnico e de base
local, a exemplo da AITG – Associação Indígena Tupinikim e Guarani. Outras são

192
regionais ou nacionais e de caráter interétnico, a exemplo da APOINME, Articu-
lação dos Povos Indígenas Nordeste, Minas e Espírito Santo e o CIR- Conselho
Indígena de Roraima. Muitas surgiram a partir de alguma reivindicação específica
e nem chegaram a se institucionalizar formalmente, cumpriram seu papel e de-
sapareceram. Pesquisas apontam que as comunidades indígenas “entendem essas
organizações não tradicionais como canais para tratar e receber recursos externos,
apenas”(RICARDO, 1995, p. 50).
Algumas dessas organizações foram deliberadamente criadas com esse fim, num
momento crítico do serviço de assistência oficial, ou são organizações de serviço,
não de representação. O mesmo autor questiona se “serviriam aos índios modelos
sempre importados, que não reconhecem a especificidade volátil dessas sociedades
para transformá-la em virtude?” (RICARDO, 1995, p.20).
As primeiras organizações formalizadas, com registro em cartórios, são localizas
na Região Amazônica, sendo a primeira: Conselho Geral da Tribo Ticuna – CGTT, de
1982, seguido da Associação de Mulheres do alto Rio Negro - AMARN, em 1984. A
Associação dos Povos Indígenas de Roraima- APIR e Associação Xavante de Pimen-
tel Barbosa- AXPB são de 1988 e as não amazônicas surgem também no final da
década de 80. São formalizadas aproximadamente oitenta organizações indígenas
em uma década, e muitas surgiram desde então, enquanto outras desapareceram,
nem chegando a serem formalizadas.
Para algumas lideranças, um dos grandes desafios dessas organizações conti-
nua sendo o de não cair na armadilha da representação genérica, exigida e pressio-
nada pelos trâmites da organização da sociedade envolvente. O modelo associativo
geralmente entra em conflito com os modos tradicionais de organização social,
política e econômica da comunidade ou do povo indígena e são poucos compreen-
síveis os métodos, os encaminhamentos para as comunidades não indígenas. Isso
tem impedido a apropriação qualificada desses instrumentos, como desejavam os
indígenas e não indígenas.
O movimento indígena no Brasil, desde a sua criação / organização, a partir da
década de 1970, vem atuando em busca da garantia, efetivação e defesa dos direitos
indígenas. Segundo algumas de suas lideranças,

[...] tais reivindicações dar-se-ão pela necessidade dos povos indígenas obterem prote-
ção especial, sem ferir o princípio da organização social e de autonomia de cada povo,

193
por considerarmos inúmeros fatores que ameaçam a reprodução física/ cultural de nos-
sos povos. Assim sendo, o movimento indígena pautou como eixo mobilizador da luta:
“A Terra” (COSTA- Tapeba. Presidente da ACITA).

O antropólogo Marshal Sahlins defende:

Nas duas últimas décadas, vários povos do planeta têm contraposto conscientemente
sua “cultura” às forças do imperialismo ocidental que os têm afligido há tanto tempo.
A cultura aparece aqui como a antítese de um projeto colonialista de estabilização, uma
vez que os povos a utilizam não apenas para marcar sua identidade, como para retomar
o controle do próprio destino. (SAHLINS. O pessimismo Sentimental)

Assim, os indígenas reconstituem sua história, por meio de diferentes movimen-


tos político-culturais. Querem afirmar sua existência, e não sinalizar apenas para
uma construção cronológica e linear, do tipo: antes e depois. Eles estão afirmando
tempos e racionalidades que se cruzam e que exigem uma nova leitura da história
aprendida e ensinada até então, pois, como pergunta o jornalista Rogério Medeiros:
“Quem sabe dos jagunços que avançaram com armas na mão sobre as terras dos
Tupiniquins? Quem sabe das grandes florestas onde os índios caçavam e que estão
sendo derrubadas? Quem sabe da grande caminhada dos guaranis, sempre a pé, em
busca da Terra sem Males?” (MEDEIROS, 1988, p 61).
Tupinikim e Guarani, juntos iniciaram o movimento de retomada de suas terras,
na década de 1970, logo em seguida organizaram a instância política mais significa-
tiva das suas articulações: a Comissão de Caciques e Lideranças Tupinikim/Guarani,
criada em 1991. É nessa instância que os debates e encaminhamentos são realizados
e encaminhados às comunidade.
A Comissão estabeleceu como objetivo prioritário a retomada de seu território, e
na medida do possível articulação de questões de interesse coletivo, como a assistên-
cia nas áreas de saúde, educação e agricultura, ou seja, tratava-se de uma organiza-
ção cuja finalidade era encaminhar questões que diziam respeito a todas as aldeias.
No entanto, permaneceu como uma instância de debate e encaminhamentos, com
autoridade especialmente em torno da questão da terra, e não foi formalizada, ou
seja, não chegou a ser registrada em cartório.
Entre os anos de 2003/2004, a Comissão foi recomposta com representantes de

194
todas as aldeias Tupinikim e Guarani. Segue no quadro abaixo o número de partici-
pantes das reuniões:

Aldeias T/G Cacique e Lideranças Associação Grupo Total


Vice-Cacique Comunidades Indígena Mulheres
C. Velha 02 05 01 01 09
Pau Brasil 02 03 - 01 06
Comboios 02 03 01 - 06
Irajá 02 03 - 01 06
Boa Esperança 01 02 - 01 04
Três Palmeiras 01 02 - 01 04
Piraque-açu 01 02 - 01 04

Percebe-se que havia um grupo expressivo se reunindo, mas com participações


irregulares, em que reuniões aconteciam com metade do total das representações.
Entre eles havia o entendimento que os problemas precisavam ser debatidos pelas
lideranças de todas as aldeias, antes de serem tomadas as decisões. Nas reuniões
quinzenais eram discutidos temas como os divulgados no único número do Boletim
Informativo da Comissão, impresso em 2006: “Nossa Terra, Nossa Liberdade”. O
objetivo foi relembrar os antecedentes do movimento iniciado em 2005. Em pauta
várias questões: A recuperação dos rio Sahy e Guaxindiba , a estação de tratamento
de esgoto (ETE) na aldeia Piraque-Açu,; o canal do Rio Doce poluindo do rio Com-
boios; o modelo de agricultura implementado; legislação Indígena ameaçada pela
bancada parlamentar anti-indigenista, em Brasília; a negociação entre Petrobras e
empresa Aracruz, para a passagem da tubulação do gasoduto Cacimbas-Vitória, den-
tro da área indígena.
Para além desses desafios ficava uma grande questão, apontava o Informativo:
“Haverá retorno das terras [...] para o povo Tupinikim e Guarani? Em que condições?
Servirá para os que virão? As tentativas de diálogo com a empresa, os fracassos, tudo
apontava para uma única solução: a retomada das terras.
Assim, avaliamos que os movimentos indígenas têm se apresentando como veto-
res para reivindicar outras formas de vida, de relação com a natureza, outras formas
de “desenvolvimento e progresso”.
O cacique Tupinikim, em encontro com moradores da Vila do Riacho (2005)

195
para conversar sobre os danos sofridos pela ação da empresa, indagava e refletia
com os moradores da Vila: “[...] Perguntem para os antigos, os mais velhos... Per-
guntem como era antes, perguntem dos estragos feitos por aqui: Perguntem pelo
fundamento. Aí então vamos saber o que perdemos e quanto custa o reparo das
perdas pra nós e pra vocês”.
Perguntado pelo direito da empresa, respondeu:

Se a empresa tem direito? ... Se nós damos o direito a ela de fiscalizar o que sempre
foi nosso...? Se ela tem o direito de dizer o que você pode ou não fazer. [...]. Tem que
conhecer o fundamento. Como era, como foi e como é agora? [...] Porque, com a gente,
a gente era inexperiente e achava uma maravilha a derrubada [da mata] com aqueles
tratores, correntões fortes;
[...] se não tiver a mata não tem a caça, se não tiver a água não tem o peixe e se não tem isso,
acabou a vida. Nós fomos reunindo com os parceiros, formando as lideranças, e fomos con-
quistando os nossos direitos [...] (Seu Antonino- ex cacique de PB, 2005. Anotação pessoal).

Em 2005, sob o lema “Nossa Terra, Nossa Liberdade”, a Comissão de Caciques


organizou a assembleia das comunidades indígenas, em que foi decidida a retomada
das terras que permaneceram com a empresa nas duas lutas anteriores. O informe
divulgado pela Comissão de Caciques, afirma: “O Acordo com a Aracruz não conse-
guiu resolver nossos problemas, ao contrário, tem nos causado ainda mais dificul-
dades, gerando dependência econômica, divisão entre as aldeias e enfraquecendo
nossa cultura. A morte da nossa cultura é a morte simbólica do nosso povo” (Nota
pública das Comunidades Tupinikim e Guarani do ES. 28-02-2005).
Entendemos que algumas questões estão postas pelas comunidades nesse infor-
me, e que elas se constituem grandes desafios a enfrentar:
- Como ter autonomia em uma sociedade gerida por um único sistema de mer-
cado que encolhe as iniciativas que não obedecem as suas regras?
- Como conseguir garantir a sustentação, produzindo alimentos saudáveis e básicos
à subsistência, sem cair na tentação das ofertas que contrariam o equilíbrio ambiental?
Certamente encontramos no interior dessas vozes fortes elementos para um
grande debate e o desafio será fazer o percurso necessário na sociedade não índia,
abrindo espaços estratégicos para contribuírem para superar defasadas e preconcei-
tuosas concepções acerca de suas organizações tradicionais e de suas lutas.

196
Referências

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ração e a Amazônia no século XXI. Amazônia, ameaçada e cobiçada - seminário.
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MISIONÁRIO – CIMI/LESTE. Campanha Internacional pela ampliação e demarca-
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CUNHA Carneiro da, Manuela. (org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Com-
panhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: Fapes, 1992.

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RICARDO, Carlos Alberto. “Os índios” e a sociodiversidade nativa contemporânea


no Brasil. In: SILVA, Aracy L.; GRUPIONI, Luis D. B. (org.). A temática indígena na

197
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Homo Brasilis: aspectos genéticos, linguísticos, históricos e socioantropólogicos da
fomação do povo brasileiro. São Paulo: FUNDEPE-RP, 2002.

SCHUBERT, Arlete M.P. A sabedoria Ameríndia: uma antiga ecosofia. Disponível


em http// www.comin.org.br. Acesso em 12.08.2010.

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que a cultura não é um “objeto” em vias de extinção (parte I). Disponível em:
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Novos subsídios para professores de 1º e 2º. graus. São Paulo/Brasília: MEC/
MARI/UNESCO, 1995.

Orientações para trabalhar o texto

O indigenismo e o movimento indígena no brasil – suas lutas e desafios:


o caso tupinikim e guarani

Profa. Arlete M.Pinheiro Schubert

Objetivos

◊ Reconhecer os conceitos “indianismo” e “indigenismo” considerando suas im-


plicações para a questão indígena;
◊ identificar nas lutas dos movimentos indígenas, indigenistas e ambientais
questões relacionadas à diversidade ambiental e aos modos-de-ser-produzir;

198
◊ identificar o território como base de solidariedade entre as diferentes culturas
das florestas, na construção dos movimentos indígenas e ambientalistas;
◊ reconhecer algumas aproximações entre esses movimentos e seus desafios.

Resumo

Schubert, A.M.P.

O artigo procura reconstruir uma narrativa das lutas indígenas e indigenistas,


levando em conta quais teriam sido os olhares, os enfrentamentos e os paradoxos
do que se convencionou chamar a “questão indígena no Brasil”. Ao propor uma in-
terpretação para a questão, aborda temas que antecederam as políticas indigenistas
oficiais e que pautaram a relação dos colonizadores europeus com os povos indíge-
nas no processo de “invenção do Brasil” e do “homem brasileiro”.
Busca uma síntese das orientações das políticas indigenistas oficiais do Brasil, a
partir de 1910, em articulação com as fases econômicas desenvolvidas no país. Em
seguida, localiza o Espírito Santo nessa política de Estado, relacionando a econo-
mia ao processo de “atração e pacificação” dos índios. A partir de então, o artigo
identifica os confrontos indígenas com os grandes empreendimentos econômicos
como um dos principais fatores responsáveis pela consolidação do movimento indi-
genista e do movimento indígena organizados e articulados mais recentemente com
o movimento socioambiental. O movimento indígena organizado articula-se local e
globalmente como vemos em vários casos – entre esses o caso Tupinikim e Guarani
no ES – questionando seriamente o modelo de desenvolvimento predador em curso
em nossa sociedade. Com isso, esses movimentos atraem para si não somente a
hostilidade dos “três poderes” político, econômico e midiático, mas em decorrência
disso, a hostilidade da sociedade desinformada sobre a questão.
Entre tantos desafios urgentes, resta-lhes ainda, o desfio de fazerem o percurso
necessário na sociedade não índia, abrindo espaços estratégicos para contribuírem
para superar defasadas e preconceituosas concepções acerca de suas organizações
tradicionais e de suas lutas.

Palavras-chave: Movimento indígena, indigenismo políticas indigenistas, Tupinikim e Guarani

199
Procedimentos

Embora possam parecer “desnecessários”, os exercícios que propomos têm a função


de estimular a leitura crítica e consciente. Experimente e observe se o estudo será
mais proveitoso ao final da leitura. Essa prática pode auxiliar na escrita da sua pró-
pria síntese, podendo ainda agregar questionamentos novos enriquecendo o texto
(como respostas ou como perguntas).

1. Leia o texto reconhecendo os subtítulos e anotando-os separadamente. Em


seguida proceda a leitura de cada um deles, sublinhando em cada parágrafo o que
considerar importante. Note que esse procedimento auxiliará na síntese e na com-
preensão do tema ao realizar as atividades solicitadas abaixo

2. Para elaboração de sua síntese anote no caderno os fragmentos ou frases gri-


fadas, antes de ler o subtítulo seguinte. Surgindo dúvidas, questionamentos, seria
muito proveitoso anotar ao lado para respondê-lo após a leitura completa, ou mes-
mo compartilhá-la com seu grupo de estudo e/ou convívio.

Problematização

Tarefa 1. Pensando sobre imagens e concepções

1. Observem as fotografias e comentem. A partir das opiniões e impressões apresenta-


das prossiga com a reflexão sugerida.

Outdoors da Aracruz e indígenas


cortando eucalipto.

200
a. Que tipo de impressões ou ideias as imagens podem causar a um observador
externo ao conflito? Quais mensagens as imagens comunicam?

b. Qual o papel do conhecimento na compreensão da realidade? Que conheci-


mentos são fundamentais na interpretação da realidade?

Para sua reflexão individual:

1. Analise quais as concepções presentes acerca dos indígenas, nessas fotografias.

2. Caracterize o papel do conflito indígena para a sociedade não indígena. Como ele
nos interpela enquanto educadoras/es?

Tarefa 2: Entendendo os conceitos e suas relações com a questão indígena

1. Releia o primeiro item do texto e suas anotações e defina os conceitos abordados:


a. Indianismo;
b. indigenismo.

2. Estabeleça uma possível relação desses conceitos com as ideologias presentes nas
políticas do Estado, apresentadas no item 2 e 3.

3. Produza uma síntese abordando algumas características principais das políticas


indigenistas nos diferentes períodos da história do Brasil.. Busque mudanças e per-
manências entre elas.

4. A partir da leitura dos 4 primeiros itens do texto, especialmente, procure detectar


quais as influencias que exercem sobre o debate indígena, respectivamente:
a) na economia;
b) na política;
c) na cultura.

201
Tarefa 3: A terra como eixo articulador das lutas

1. Releia os itens 5 e 6 (e suas anotações) e defina “movimento indígena” e “movi-


mento indigenista”. Dê exemplos e analise algumas articulações existente entre ambos.

2. Comente sobre “a terra”, estabelecida como “eixo mobilizador” dos movimentos


indígenas. Por que concordamos que ela se tornou o elo principal entre esses mo-
vimentos e o indigenismo-ambiental?

Tarefa 4: Avanços e desafios

Ao reelaborar suas culturas e identidades, os indígenas são acusados de serem “falsos


índios”, como de fato ocorreu no Espírito Santo, no caso Tupinikim e Guarani (em 2006).

1. Considerando as informações obtidas por meio dos diferentes meios de comuni-


cação, considerando as leituras deste curso, quais as ideias que você faz da questão
indígena? Escreva alguns apontamentos para serem considerados.

2. Como você definiria os desafios que cabem hoje aos povos indígenas e não indí-
genas, no sentido de construir juntos sociedades em que caibam diferentes modos
de ser, de produzir e de viver, considerando a sustentabilidade ecológica.

Sugestões de leituras

1. História dos Índios do Espírito Santo. Kalna Maeto Teo e Klítia Loureiro. Vitória,
ES: Editora do Autor, 2009.

2. Esta terra tinha dono. Benedito Prezia; Eduardo Hoornaert. CEHILA POPULAR-
CIMI. FTD. 1994.

3. Indígenas do Leste do Brasil. Destruição e resistência. Benedito Prezia.


(Subsídio didáticos para o Ensino Fundamental e Médio. São Paulo: Paulinas, 2004

202
4. Os Tupinikim e os Guarani contam. Educadores Tupinikim e Guarani & Edivan-
dra Mugrabi. Vitória: MEC/SEDU, 1999

5. Os Tupinikim e Guarani na Luta pela terra. Educadores Tupinikim e Guarani.


Brasília: MEC/SEF, 2001.

6. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. Auguste Saint-Hilaire. Belo Horizonte: Ita-
tiaia; S.Paulo: Edusp, 1974. (Coleção. Reconquista do Brasil, v.6.) (Para professores)

203

Você também pode gostar