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RESUMO
1. Introdução
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Neli Gomes da Rocha, natural de Teresina/PI. Reside em Curitiba/PR desde 2000. Graduada em
Ciências Sociais UFPR (Bacharelado e Licenciatura), Mestra em Sociologia pela UFPR e Doutoranda
em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Docente Conteudista em Instituições de
Ensino Superior – IES com ênfase nas temáticas Diversidade, Raça, Gênero, Estética e
Multiculturalismo. Pesquisadora da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN.
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compreender essa diversidade como riqueza cultural e não como um peso na rotina
de trabalho. Em pé de igualdade estão os desafios apresentados na tentativa de
equalizar práticas pedagógicas multiculturais sem cair na cilada da estereotipia,
como podemos perceber em determinadas ações realizadas em datas
comemorativas, a exemplo do Dia do Índio em 14 de abril ou do Dia da Consciência
Negra em 20 de novembro, especialmente nos anos iniciais.
Agir de forma multicultural no espaço escolar exige trabalho e dedicação, além
de estudo e formação continuada, assim como a necessária produção de material
pedagógico adaptado aos elementos culturais e a sensibilidade por parte da
comunidade escolar em abordar a temática com empatia e profissionalismo. Os
desafios são significativos e a legislação se impõe como mecanismo legal para sua
efetivação nos mais diferentes contextos sociais.
A reflexão teórica ecoa para outras dimensões do social, chega aos espaços
políticos, legislativos e ganha efetivação na forma de leis. Ao chegar aos espaços
escolares, a efetividade das leis adquire outro patamar, pois passa a interferir na vida
das pessoas. Vimos dois exemplos, a Lei n. 10.639/2003 e a Lei n. 11.645/2008, e
chegando ao cotidiano, isso afeta muito além do conteúdo programático. Nesse
sentido, você já parou para pensar sobre os hábitos de vida que temos na realidade
brasileira? Quais são de origem indígena e africana?
A valorização dessa multiplicidade de expressões está presente em nossa
Constituição de forma mais explicita a partir de 1988, conhecida com a Constituição
Cidadã. A Carta Magna do Brasil reafirma direitos de povos originários e seu direito
à terra, assim como em relação aos povos descendentes de africanos, como os
povos quilombolas. Essas duas matrizes culturais, indígena e africana, ao lado da
cultura portuguesa forjam o povo brasileiro, como apontam as intelectualidades do
pensamento social brasileiro, nomes como Gilberto Freire, Florestan Fernandes,
Lélia Gonzalez, Clóvis Moura, Ailton Krenak, Beatriz Nascimento, Kabengele
Munanga, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva.
Abordar a identidade indígena nos leva a pensar nas pluralidades, nas redes
de relações culturais e na teia de visões de mundo com a complexidade que lhe é
peculiar. O fazer diário já configura diferentes espaços de ensino-aprendizagem
desde a mais tenra idade. Não há mais espaço para generalizações puramente
conceituais como muito foi feito com os povos originários das Américas. Um ponto
que merece destaque é trazer a relação com a natureza como elemento central,
observando que as fases da natureza se consroem também o ritmo de vida das
comunidades. Nesse sentido, Luciano (2006) expõe:
inserindo, por exemplo, a questão das tecnologias cada vez mais presentes na vida
das pessoas. Segundo Luciano (2006):
Por outro lado, o acesso à educação formal tem ampliado a entrada no ensino
superior e nas escolas técnicas. Gradualmente, gerações são formadas em cursos
como Pedagogia, Enfermagem, Direito, Medicina e Comunicação Social. São
conquistas que, embora individuais, também são coletivas.
Saiba mais
Indicamos que o material a seguir seja acessado e consultado para maior
aprofundamento do tema, sustentado a partir das narrativas de representantes
indígenas, expressando suas visões de mundo. Um exemplo é a fala de Jacira,
uma mulher Kangwaá, da terra Indígena Bananal/SP: “Eu sou povo vivo, minha
cultura permanece. [...] Enquanto houver um indígena vai haver cultura, vai haver
canto, vai haver espiritualidade e com certeza natureza” (Jacira, mulher Kangwaá).
realidade brasileira, e apesar dos pesares foram esses povos que permitiram a
continuidade de elementos culturais de matrizes africanas pela inevitável adaptação
ao contexto social, geográfico e cultural. Essa faceta multirracial do Brasil é celebrada
mundo afora e está presente na produção intelectual dos pensadores e literatos.
Também se apresenta em dados sociais de intensa desigualdade.
Importante ressaltar que nem a dominação física nem a dominação simbólica
anularam ou deixaram cair no esquecimento a riqueza cultural oriunda do contexto
cultural africano existente em terras das Américas e Caribe. Nosso propósito aqui é
apontar conceitos de grande importância para o entendimento das culturas negras
do Brasil.
O conceito de identidade em relação ao território aponta tensionamentos
pertinentes para nossa reflexão. Segundo Munanga (2012):
Tal qual ocorrido com as culturas indígenas, alguns elementos culturais foram
(e são) fundamentais para o longo processo de resiliência das populações negras do
Brasil. Inúmeros são os legados afro-brasileiros que permeiam nosso cotidiano,
muitas vezes sem nem percebermos. Façamos um rápido exercício. Você
certamente já saboreou uma feijoada, não é? Ou mesmo já ouviu falar em alimentos
que recebem o óleo de dendê, a exemplo do acarajé? Em algum momento, já ouviu
os toques musicais com tambores? Ou já recebeu um cafuné, que é uma carícia com
as mãos nos cabelos? Para todas as opções, o forte elo com as culturas africanas
presentes nos trópicos, por exemplo, é de origem iorubana, como o akarà-jẹ, que é
o bolinho de feijão fradinho com camarão muito consumido na Bahia.
Nosso propósito agora é a aproximação com alguns legados que são
inspirados nas culturais africanas, porém, genuinamente brasileiros. A capoeira é um
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deles, com seus movimentos corporais híbridos que transitam entre os espaços: dos
jogos, das lutas marcial e das danças. Repreendida intensamente em tempos
coloniais, ela se ramificou por todo o território brasileiro de Norte a Sul com a ginga
que lhe é peculiar. Os mestres de capoeira recebem hoje o reconhecimento como
guardiões dessa técnica como patrimônio imaterial, envolvendo muito além do corpo
de quem joga e abarcando a construção de instrumentos musicais como o berimbau.
Ao olharmos para os espaços educacionais, não raro a capoeira está presente
nos mais diversos contextos na forma de ação pedagógica de implementação da Lei
n. 10.639/2003. E podemos associar a prática da capoeira ao conceito de Diáspora
Africana, como bem pontua Stuart Hall (2015): “um sistema de representação
cultural” e “as identidades nacionais não são coisas com as quais nascemos, mas
são formadas e transformadas no interior da representação” (Hall, 2015, p. 30).
Assim, apresentamos a perspectiva da experiência da Diáspora como forma de
reconhecimento de toda a diversidade que abarca a concepção de identidade.
Tal qual a cultura afro-brasileira, as culturas indígenas possuem diferentes
formas de danças e jogos corporais próprios de suas realidades. Citamos dois
exemplos: o povo Kyikatêjê/Parakatêyes, da região do Pará, pratica o Aipenkuit, e os
Karajás praticam o Idjassú. Assim como os povos indígenas Xinguanos, Bakairis,
Huka Hukas e Xavantes, do Mato Grosso.
Para cada uma dessas perspectivas, há possiblidade de sensibilização para a
abordagem da temática. Segundo Trindade (2006), “ao redescobrirmos os valores
civilizatórios afro-brasileiros, podemos compreender que vivemos embates terríveis,
sociais e históricos [...] Outros modos de ser, fazer, brincar e interagir existem”
(TRINDADE, 2006, p. 30). Para a intelectual Azoilda Loretto da Trindade, é de suma
importância a utilização de “armas da sedução” para o exercício de convencimento
dos profissionais da educação como mote para a implementação da legislação
anteriormente mencionada.
Para as matrizes dos povos indígenas e africanos, podemos indicar
aproximações entre os chamados “valores civilizatórios”, como circularidade,
religiosidade, corporeidade, musicalidade, memória, ancestralidade, cooperativismo,
oralidade, energia vital e ludicidade (TRINDADE, 2000).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
é realidade no Brasil, com acesso ainda limitado aos conhecimentos produzidos para
além da lógica eurocentrada. A língua é um marcador social importante e falar
português atualmente coloca o indivíduo em um cenário de reconfiguração do uso da
própria língua e seu lócus original. A diversidade de línguas de base oral africanas e
indígenas é uma realidade e, resilientes, elas não se deixam cair no esquecimento.
Nosso foco nesse momento foi apresentar reflexões de intelectuais indígenas
e afro-brasileiros contemporâneos, com o objetivo de aproximação das temáticas que
têm inquietado campos complexos da cultura e do sagrado, mas também reforçar a
importância de sensibilização com as temáticas aqui apresentadas. A diversidade
cultural é um importante legado que sustenta nossas identidades e deve receber a
devida visibilidade e reconhecimento.
Cabe mencionar, ainda, o quanto é desafiador esse propósito que exige
esforço contínuo de alteridade e respeito. Para isso, é necessário ter a leitura atenta
e a escuta aguçada, como formas de maior e melhor entendimento das expressões
humanas que são múltiplas e refletem o quanto precisamos olhar para dentro e
reconhecer o nosso papel em todo esse contexto. Considerando que há muito tempo
o silêncio foi a regra e, agora, temos a oportunidade de reconhecer em nossas
trajetórias tais legados.
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5. FONTES
6. BIBLIOGRAFIA
LUCIANO, G. dos S. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
_____. Somos Aqueles por Quem Esperamos. In: Currículo da Cidade: Povos
Indígenas. São Paulo: [S.n.], 2019, p. 74-78.