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O papel da transferência no tratamento psicanalítico

Thalita Olive
Resumo
O presente artigo consiste em apresentar com base na teoria Freudiana, uma
elucidação sobre o conceito de transferência, da mesma forma que sua importância
como um fator do processo terapêutico da psicanálise. Para tanto, serão articulados
nesse trabalho, fragmentos da análise do caso clínico de Dora e experiências de estágio
oferecido pelo Núcleo-Escola de Intervenções Psicossociais e Psicoterapêuticas.
Ao adentrar na teoria da técnica psicanalítica é inevitável tropeçar no termo
transferência e entendê-la como exigência indispensável no tratamento analítico.
Entretanto, na prática torna-se certo que não há como evitá-la, evidente fica também a
sua dificuldade para o analista ao considerar que é preciso apurar quase que
independentemente, a partir de vestígios e sem estar sujeito a arbitrariedades. 
Transferências são experiências psíquicas preliminares revividas como um vínculo com
a pessoa do analista, podendo ser entendida como reproduções das fantasias, que no
decorrer da análise possam despertar e atingir o campo da consciência, substituindo
uma pessoa anterior pela pessoa do analista.
Seu estabelecimento se dá por ideias antecipadas conscientes, bem como por ideias
retidas ou inconscientes; assim cabe ressaltar que a transferência não é criada pelo
tratamento psicanalítico, mas é por ele revelada. Surge também como a mais poderosa
resistência ao tratamento, o amor transferencial obtura a análise porque o sujeito do
inconsciente não pode surgir.
" (…) Desde o início ficou claro que em sua fantasia eu substituía seu pai, o que era fácil
de compreender em vista de nossa diferença de idade. Dora chegou até a me comparar
com ele conscientemente, buscando, angustiada, assegurar-se de minha completa
sinceridade para com ela, já que seu pai "preferia sempre o segredo e os rodeios
tortuosos (…)."  (FREUD p.113)
Há, portanto, que se considerar a distinção entre dois tipos de transferência, dentre os
quais pode-se citar: a transferência positiva caracterizada por sentimentos amistosos e
afetuosos e a transferência negativa por sentimentos hostis. Tal distinção faz-se
compreender que nem sempre o analista servirá como objeto amoroso, mas por vezes
será um substituto alvo de sentimentos agressivos; cabe aqui destacar, porém, que nas
formas curáveis de neuroses, ambas são encontradas lado a lado e dirigidas
simultaneamente para a mesma pessoa.
"(…) Assim, fui surpreendido pela transferência e por causa desse "x" que me fazia
lembrar-lhe o Sr. K., ela se vingou de mim como queria vingar-se dele, e me abandonou
como se acreditara enganada e abandonada por ele (…)." (FREUD p. 113)
Incorporando a prática de estágio a esse trabalho é possível considerar que a
transferência aparece como a via de acesso ao tratamento psicanalítico, mas torna-se
difícil e muito complexo precaver-se afim de voltar a atenção do paciente para detalhes
do relacionamento com o analista, por trás do qual se esconde um ponto de semelhança
entre coisas diferentes. E diante da resolução da transferência o processo psicanalítico
terá acesso a novos conteúdos inconscientes, prováveis de estabelecer ligações a fatos
reais, ao passo que tal resolução revela a grande dificuldade da transferência. Qualquer
que seja o principiante na "arte" da psicanálise será surpreendido pela transferência, no
sentido de não saber lidar com o seu manejo.
          
Ao ocupar o lugar do analista e se deparar com a transferência, é inevitável que ocorra
desnorteamento e confusão ao longo da análise, constituindo, portanto, algum erro
técnico. Na psicanálise, despertam-se todas as moções do paciente, e tornar isso para
ele consciente, a fim de aproveitá-las para fins de análise constitui a mais árdua tarefa
do analista.
 
"(…) A transferência , destinada a constituir o maior obstáculo à psicanálise, converte-se
em sua mais poderosa aliada quando se consegue detectá-la cada surgimento e
traduzi-la para o paciente." ( FREUD p.112).
 
É pertinente ilustrar tais afirmações com a situação vivida pela estagiária que ocupa o
lugar de analista e o paciente J., que se encontra em análise no Núcleo-Escola de
Intervenções Psicossociais e Psicoterapêuticas. J. faz uma transferência da sua mãe
para a estagiária, percebida no momento em que a estagiária (analista) substitui a mãe,
no sentido de representar a autoridade materna. J. chega a comparar conscientemente
a "analista” com a figura materna procurando assegurar-se que a responsabilidade por
suas ações deveriam ser atribuições dela, questionando qual a melhor forma de agir em
determinadas situações.
          
Em outras circunstâncias do processo analítico, J. deixa claro que a estagiária substitui
a empregada, com a qual sua relação se estabelecera de forma satisfatória, mas
demonstrando a dificuldade de confiar suas revelações a ela. Tal transferência é
percebida nas associações de J. que faz alusões ora à empregada, ora à estagiária,
numa tendência a compará-las, suspeitando de que a qualquer momento suas
revelações pudessem ser transmitidas a terceiros, na tentativa de assegurar-se disso
faz insinuações à "analista".
          
Em conclusão, pode-se afirmar que a transferência não é algo facilmente manejada, e
deve ser também entendida como fundamental para o processo terapêutico da
psicanálise. Considera-se que não há tratamento sem que haja transferência, sendo
esta a via de acesso aos processos inconscientes. Para tanto é necessário
compreender que tal procedimento só pode ser entendido senão na prática da
psicanálise.

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