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Transferência como fator de sucesso

e resistência no tratamento psicanalítico


Autoras: Danielle de Faria ReisDanielle
Rose Araújo Santos
Fernanda Bitencourt Costa
Alunas do 10º período de Psicologia da PUCC-MG – campus Arcos

Resumo 
O presente artigo trata-se do principal instrumento usado no tratamento psicanalítico, a
transferência, e esta pode atuar como fator de sucesso e resistência durante o
tratamento e que se mal manejada leva ao fracasso. Como exemplo utilizaremos o Caso
Clínico Dora em que Freud não conseguiu manejar a transferência adequadamente,
levando ao abandono precoce de Dora no tratamento.
Palavras-chaves: Transferência; Tratamento Psicanalítico; Caso Clínico Dora
Com os estágios de intervenção e consequentemente com nossa entrada no NEIPP
(Núcleo Escola de Intervenção Psicoterápicas e Psicossociais) deparamo-nos com
várias perguntas e com muito mais dúvidas se comparamos com os primeiros anos de
faculdade. Começamos a lidar mais de perto com o sofrimento, as fraquezas e as
limitações humanas e tentamos oferecer nossa escuta para ajudar na elaboração das
demandas trazidas pelos sujeitos que procuram os serviços do Núcleo Escola da PUC.
Mas colocar a escuta a serviço nos traz dificuldades em como atender a demanda do
paciente, pois como o próprio Freud afirmou “todo psicanalista iniciante começa
temendo as dificuldades que lhe oferecem a interpretação das associações do paciente
e a necessidade de encontrar materiais recalcados”. E acrescenta: “Mas ele logo
aprende a atribuir menos importância a essas dificuldades e a convencer-se de que os
únicos obstáculos verdadeiramente sérios se encontram no manejo da transferência”.
(FREUD citado por NASIO. J, 1999 p. 80).
Diante disso e das preocupações que nosso grupo tem demonstrado em relação ao
cuidado com paciente oferecendo-lhe uma escuta que propicie sua saúde psíquica,
queremos discutir um instrumento usado na abordagem psicanalítica: a transferência,
visto que essa, segundo Freud (1912), constitui, para psicanálise como método, o fator
mais forte no sentido do sucesso da análise e também o mais poderoso meio de
resistência no tratamento.
Ao tecer algumas considerações acerca do tópico da transferência tratado por Wilhelm
Stekel (1911 b), Freud (1912), destina algumas explicações de como a transferência é
necessariamente ocasionada durante o tratamento psicanalítico, e como ela
desempenha seu papel e destaca o que denominou como enigma da razão na análise:
“por que a transferência surge como resistência mais poderosa no tratamento, enquanto
que fora dela, deve ser encarada com veículo de cura e condição de sucesso” (FREUD,
1996, p.112).
Interessa-nos aqui discutir, a luz dos escritos de Freud, como esses dois fatores
(sucesso e resistência) se apresentam dentro da análise, que a priori, nos parece
incompatíveis. Também é de igual interesse compreender o porquê, “o que alhures
constitui o fator mais forte para o sucesso na psicanálise, transforma-se no mais
poderoso meio de resistência para a mesma” (FREUD, 1996, p. 113). Para isso será
utilizado o caso “Dora” de Freud por ser esse um exemplo rico do manejo da
transferência na análise que nos servirá para exemplificar algumas passagens do texto.
De acordo com Freud, o problema de saber por que a transferência aparece na
psicanálise como resistência está na precondição invariável e indispensável de todo
desencadeamento de uma psiconeurose, é o processo que Jung denominou
introversão.
 
Isto equivale a dizer: a parte da libido que é capaz de se tornar consciente e se acha
dirigida para a realidade é diminuída, e a parte que se dirige para longe da realidade e é
inconsciente, e que embora possa ainda alimentar as fantasias do indivíduo, pertence,
todavia a inconsciente, e é proporcionalmente aumentada. A libido (inteiramente ou em
parte) entrou num curso regressivo e reviveu as imagos infantis do indivíduo. O
tratamento analítico então passa a segui-la; ele procura rastrear a libido, torná-la
acessível à consciência e, enfim útil à realidade. No ponto em as investigações da
análise deparam com a libido retirada em seu esconderijo, está fadado a irromper um
combate; todas as forças que fizeram a libido regredir se erguerão como resistências ao
trabalho da análise, a fim de conservar o novo estado de coisas. Pois, se a introversão
ou regressão da libido não houvesse sido justificada por uma relação específica entre o
indivíduo e o mundo externo – enunciado, em termos mais gerais, pela frustração da
satisfação – e se não tivesse, no momento, tornado mesmo conveniente, não teria
absolutamente ocorrido (FREUD, 1996, p.113-114).
Podemos perceber que a resistência aparece, nesse caso, como um curso regressivo
da libido onde o tratamento analítico tenta localizá-la tornando-a acessível à realidade.
Quanto à investigação da análise depara com essa libido que regrediu, as forças que a
ocasionaram aparecerão como resistência com objetivo de manter esse estado
conservado. Nesse ponto Freud (1912) menciona o aparecimento da resistência no
tratamento porque o objetivo da análise é remover a repressão dos instintos
inconscientes e das suas produções, responsáveis pela persistência da doença, mesmo
após o afastamento da realidade haver perdido sua justificação temporária.  Assim,
quando algo no material complexivo serve para ser transferido para a figura do analista
essa transferência é realizada e se anuncia por sinais de resistência.
No caso Dora (1905), sua fantasia era que Freud substituía seu pai, o que era fácil de
compreender devido à diferença de idade. Dora chegou até a compará-lo com seu pai
conscientemente, buscando, angustiada, assegurar-se da completa sinceridade de
Freud para com ela, já que seu pai preferia sempre o segredo e os rodeios tortuosos.
Depois substituirá a figura do Sr. K pela de Freud e nesse momento o material
complexivo transferido para a figura de Freud é anunciado pela resistência ao
tratamento.
Assim, fui surpreendido pela transferência e, por causa desse “x” que me fazia lembrar-
lhe o Sr. K., ela se vingou de mim como queria vingar-se dele, e me abandonou como se
acreditara enganada e abandonada por ele. Assim, atuou uma parte essencial de suas
lembranças e fantasias, em vez de reproduzi-las no tratamento. (…) Quando as
transferências se deixam abarcar precocemente na análise, o curso desta é opacificado
e retardado, mas sua existência fica mais assegurada contra as resistências repentinas
e insuperáveis. (FREUD, 1996, p.113). 
Dora utilizou durante o tratamento as moções de crueldade e os motivos de vingança já
usados em sua vida para sustentar seus sintomas e em seguida essa hostilidade,
vontade de vingança, é transferida para o analista, antes que ele tenha tido tempo de
afastá-las de sua pessoa reconduzindo-os a suas origens.
Assim, Freud (1912) afirma que a solução do enigma é que a transferência para o
médico é apropriada para a resistência ao tratamento apenas na medida em que se
tratar de transferência negativa ou de transferência positiva de impulsos eróticos
reprimidos – em relação à Dora trata-se de transferência negativa. Se “removermos’ a
transferência por torná-la consciente, estamos desligando apenas, da pessoa do
médico, aqueles dois componentes do ato emocional; o outro componente admissível à
consciência e irrepreensível, persiste, constituindo o veículo de sucesso na psicanálise,
exatamente como o é em outros métodos de tratamento. O próprio Freud descreve
como poderia remover a transferência e torna–lá consciente no tratamento de Dora:
Depois, ao surgir o primeiro sonho, no qual ela se alertava a abandonar o tratamento tal
como antes deixara a casa do Sr. K., eu mesmo deveria ter-me precavido, dizendo-lhe:
“Agora você fez uma transferência do Sr. K. para mim. Acaso terá notado algo que a
leve a suspeitar de más intenções semelhantes às do Sr. K. (diretamente ou por meio de
alguma sublimação)? Ou será que algo em mim chamou sua atenção, ou que você
soube de alguma coisa a meu respeito que me fez cair em suas graças, como lhe
ocorreu antes com o Sr. K.?” Então a atenção dela ter-se-ia voltado para algum detalhe
de nosso relacionamento, em minha pessoa ou nas minhas condições, por trás do qual
se esconderia algo análogo, mas incomparavelmente mais importante, a respeito do Sr.
K.; e mediante a resolução dessa transferência a análise teria obtido acesso a um novo
material mnêmico, provavelmente ligado a fatos reais. (FREUD, 1996 p. 113). Dessa
maneira, pode-se perceber que quando Freud propõe outras possíveis intervenções,
agora, interrogando Dora sobre a transferência da figura do Sr. K para a de Freud,
facilitaria o acesso ao novo material mnêmico ligado a fatos reais, e não a fantasias,
como o que se apresentava no tratamento. Com isso a paciente poderia ter uma
melhora de sua situação psíquica.
Dora interrompeu seu tratamento precocemente (três meses) e Freud não conseguiu
manejar a transferência adequadamente, no entanto, deixou registrado o percurso da
análise porque trouxe aprendizados. Através do caso, por exemplo, compreende-se
como a resistência de Dora se configurou durante o tratamento e como a análise foi
conduzida ao fracasso: o abandono do tratamento sem que Freud conseguisse dominar
a tempo a transferência. E concomitante mostrou-se como poderia ser alcançado o
sucesso na análise por meio da remoção da transferência.
A nossa preocupação inicial como estudantes de psicologia era propiciar ao paciente
uma melhora de sua situação psíquica e na maioria das vezes ficávamos limitados a
interpretação dos sonhos, das associações livres, dos atos falhos, entre outras
lembranças inconscientes. Mas percebemos que é o próprio paciente que fornece o
material da análise e é inútil tais preocupações. Freud (1905), mesmo afirma que
somente a transferência é que se tem de apurar quase que independentemente, a partir
de indícios ínfimos e sem incorrer em arbitrariedades. Mas ela não é contornável e é
utilizada para produzir todos os empecilhos que tornam o material inacessível ao
tratamento, e que só depois de resolvida a transferência é que surge no paciente o
sentimento de convicção sobre o acerto das ligações construídas durante a análise.

Referências Bibliográficas
FREUD, S. A dinâmica da transferência. In Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
Imago vol. XII 1996 p. 111-119
  

NASIO, J. D. Como trabalha um psicanalista? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.


  

FREUD, S. Fragmento da análise de um caso de histeria. In Obras psicológicas completas de Sigmund Freud.
Rio de Janeiro, Imago vol VII. 1996 p.19-116

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