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A dinâmica da transferência segundo Sigmund Freud (1912): síntese e


reflexão crítica

Technical Report · February 2016


DOI: 10.13140/RG.2.1.2243.9449

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Sandra Ramos and Jorge A. Ramos


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reflexão crítica

A dinâmica da transferência segundo Sigmund Freud (1912): síntese e reflexão crítica.

Barata, C., Ramos, J. A., & Ramos, S. (2015)

Notas dos Autores

Cátia Barata (n.º 20700), Jorge A. Ramos (n.º 24121) e Sandra Ramos (n.º 24122 são
discentes do 4.º ano do Mestrado Integrado em Psicologia Clínica (Turma 3) no ISPA –
Instituto Universitário, em Lisboa, ano letivo de 2015-2016.

Este trabalho faz parte da Unidade Curricular com o nome Teoria e Clínica
Psicanalítica ministrada pela Professora Doutora Ângela Vila-Real.

A correspondência para os autores deste trabalho pode ser remetida para


ankhsj@gmail.com ou para: ISPA – Instituto Universitário situado na Rua Jardim do Tabaco,
n.º 34, 1149-041 Lisboa, Portugal.
A dinâmica da transferência segundo Sigmund Freud (1912): síntese e reflexão crítica 3

Transferência
Conforme esclarecem Meyer e Bauer (2002) na sequência de cerca de duas décadas
de experiência clínica Freud publicou em 1912 o artigo – A Dinâmica da Transferência –,
onde radica este nosso trabalho que preconiza sintetizar e refletir sobre um conceito nuclear
da psicanálise: a transferência, que designa um “processo constitutivo do tratamento
psicanalítico mediante o qual os desejos inconscientes do analisando concernentes a objetos
externos passam a repetir-se, no âmbito da relação analítica, na pessoa do analista, colocado
na posição desses diversos objetos” (Roudinesco & Plon, 1998, pp. 766-767). Nas palavras
de Freud este conceito psicanalítico inclui a noção de que o paciente vê no analista “o
retorno, a reencarnação, de alguma importante figura saída da sua infância ou do passado, e,
consequentemente, transfere para ele sentimentos e reações que, indubitavelmente, se
aplicam a esse protótipo” (1939/1977, p. 112). No artigo que doravante iremos sintetizar, o
fundador da psicanálise explana os mecanismos deste processo inconsciente.

A Dinâmica da Transferência na Psicanálise


Freud salienta que em primeiro lugar é necessário compreender que é a combinação
dos fatores genéticos (que designa por disposições inatas constitucionais) com os ambientais
(a que dá o nome de fatores acidentais, i.e., as influências dos primeiros anos de vida) que
criam em cada indivíduo um “método específico próprio de conduzir-se na vida erótica”
(1912/1980, p. 111), ou seja, criam um estereótipo comportamental (onde se incluem as pré-
condições para o enamoramento, as pulsões que satisfazem e os objetivos que determinam)
que é repetido ao longo da vida (i.e., transferimos para novas situações as respostas
comportamentais de experiências formativas anteriores, que incluem crenças, afetos e ações).

Porém somente uma parte das pulsões libidinais (que determinam o curso da vida
erótica) é que passa por um processo normal de desenvolvimento, ou seja, o modo como as
pulsões se expressam vai evoluindo ao longo das fases do desenvolvimento (oral, anal, fálica,
latência e genital). Logo, há outra parte (das pulsões) que não evolui, de onde resultam efeitos
contrastantes: as pulsões que evoluem normalmente são integradas na personalidade e ficam-
lhe disponíveis, ao passo que as que não evoluem, ficam desintegradas da personalidade,
recalcadas e, consequentemente, indisponíveis a esta dimensão humana de superfície; por
outro lado as pulsões que evoluem orientam o indivíduo para a realidade, ao passo que as que
não passam por um processo normal de desenvolvimento implicam um afastamento da
realidade, embora sejam expansíveis nas fantasias (idem, 1912/1980, pp. 111-112).
A dinâmica da transferência segundo Sigmund Freud (1912): síntese e reflexão crítica 4

Por conseguinte Freud (ibidem) explica que quando as necessidades de amor (bem
como de amar) não são totalmente satisfeitas pela realidade, as pessoas aproximam-se de
outras com expetativas libidinais (conscientes e inconscientes). E assim sendo é normal que o
investimento libidinal (ou catexia, i.e., a fixação da líbido numa representação mental de um
objeto, que fica associado e.g. à raiva ou ao amor) se transfira para o analista, incluindo-o
numa imago (e.g., paterna, materna ou fraterna) com caraterísticas que são inteligíveis para o
analista (se este estiver ciente desse fenómeno transferencial). Freud (ibidem) refere que
desta sequência salientam-se dois tópicos interessantes para os psicanalistas:

1) Não se compreende porque a transferência é mais intensa nos neuróticos em


análise (do que nos que não estão a ser analisados). Freud advoga que esta asserção não é
válida e sustenta a sua posição referindo o trabalho de Reuter (1895), que descreve as
transferências efetuadas por «doentes dos nervos» (antes de existir a psicanálise). Portanto as
transferências não ocorrem devido à psicanalise mas é típica da neurose. Sublinha todavia
Freud o facto de que quando o paciente interrompe as associações livres, está a efetuar
transferência para o analista. E que quando esta explicação é dada ao paciente este retoma as
associações livres ou salta para uma situação recalcada (que o remete para o silêncio).

2) É um enigma o porquê de, na análise, a transferência ser a resistência mais


poderosa, enquanto fora da psicanálise é encarada como um veículo de cura. Freud esclarece
que na base de uma neurose está a introversão libidinal, onde decresce a parte da líbido
voltada para a realidade (tornando-se inconsciente e afastada da realidade). E dado que a
psicanálise procura rastrear a líbido introvertida (ou recalcada), torná-la acessível à
consciência e útil à realidade, quando o analista a encontra surge a resistência: a energia que
recalcou a líbido ergue-se para a manter introvertida (dado que ela está associada à frustração
de uma satisfação, portanto é conveniente mantê-la no inconsciente).

Porém, Freud (ibidem) refere que para libertar a líbido, a energia que a atrai para o
inconsciente (i.e., para fora da realidade) tem de ser eliminada, o que provoca uma maior
resistência. Assim o analista precisa de considerar que existem duas fontes de resistência, que
querem manter a introversão libidinal e que radicam em forças internas: (1) as que resistem
às tentativas do analista de libertar a líbido; (2) as que resistem à vontade de o paciente se
restabelecer. Por sua vez estas duas fontes de resistência estão na base da transferência:
quando na associação livre o paciente se aproxima de um complexo patogénico (e.g., um
complexo de édipo, um complexo de castração ou um complexo narcísico) e a associação
seguinte tem de o considerar (e expressar) há uma parte (desse complexo) que se transfere
A dinâmica da transferência segundo Sigmund Freud (1912): síntese e reflexão crítica 5

para o analista. Conforme Freud explica posteriormente (1914/1958, p. 150) “o paciente não
se recorda do que se esqueceu e recalcou, mas representa esse material”, ou seja, a ação –
transferência para o analista – substitui a relembrança. Portanto, o paciente reproduz o
material recalcado não como uma memória, mas como uma ação (sem saber que o faz) pois
ele não consegue fugir a essa compulsão. Assim, conforme esclarecem Meyer e Bauer (2002)
transferência e resistência são os dois lados de uma mesma moeda: a transferência é a parte
expressiva (pois dá voz e vida aos amores e ódios do paciente, da forma mais livre que está
disponível naquele momento); a resistência é a parte protetora (de aspetos desconfortáveis
dos sentimentos do paciente, que devem permanecer ocultos). Salienta então Freud
(1912/1980) que quanto mais o paciente reconhece que as distorções (ou fantasias) do seu
material patogénico (relacionado com as imagos infantis) não impedem a sua revelação, mais
usa a transferência como resistência; e por isso ela é nuclear no tratamento.

Nesta sequência Freud (ibidem) levanta outra questão: se no contexto terapêutico,


através da transferência, o paciente consegue expressar um desejo proibido (inviável no
contexto da realidade) e até diz ao analista: «na sua frente não me envergonho; falo de tudo»,
porque é que a transferência não resolve o problema do paciente, mas ao invés, serve de
resistência para o manter? Para responder a esta questão Freud (ibidem) salienta que é
necessário considerar (e distinguir) a transferência positiva (de sentimentos ternos e
amigáveis) da transferência negativa (que implica hostilidade).

Quanto à transferência negativa, nas psiconeuroses, é paralela à transferência


positiva (i.e., ocorre ambivalência, que em elevado grau é típica dos neuróticos); nas neuroses
obsessivas parece ser vulgar uma separação precoce dos pares de opostos (portanto este tipo
de neurose aparenta radicar em ambivalência). Por conseguinte, a ambivalência afetiva é o
que melhor explica a capacidade dos neuróticos usarem a transferência como resistência. Nos
casos em que a transferência é predominantemente negativa (o que é típico dos indivíduos
paranóicos) a cura é impossibilitada.

No que concerne à transferência positiva Freud observou que é de dois subtipos: a


“de sentimentos amistosos ou afetuosos, que são admissíveis à consciência, e a transferência
dos prolongamentos desses sentimentos no inconsciente. Com referência aos últimos, a
análise demonstra que invariavelmente remontam a fontes eróticas” (1912/1980, p. 116), ou
seja, a transferência erótica, que radica no inconsciente, expressa-se a um nível consciente de
uma forma socialmente aceite. Nesta sequência Freud concluiu que todas as relações
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emocionais positivas têm raízes em desejos sexuais (i.e., ao transformar-se em simpatia ou


em confiança, a líbido expressa-se de uma forma mais suave).

Portanto, a transferência é uma resistência que expressa pulsões eróticas recalcadas e


que pode levar o paciente a dissociar-se da sua relação com o analista: (1) desprezando a
regra nuclear da psicanálise (dizer tudo o que vem à cabeça sem crítica); (2) esquecendo que
está ali para se tratar; e (3) desvalorizando argumentos e conclusões lógicas com as quais
tinha acabado de concordar.

Por outro lado, quando o analista torna a transferência consciente ao paciente, desfaz
a associação que este criou (com o analista), porém o que está na base (da transferência)
subsiste: a introversão libidinal. E chegar lá, é o veículo para o sucesso da psicanálise. Mas
para alcançar essa meta é necessário penetrar no inconsciente do paciente, o que lhe provoca
uma reação idêntica à que ocorre nos sonhos: o paciente atribui realidade às pulsões
inconscientes. E quando o analista tenta apoiar o paciente a trazer ao consciente a líbido
recalcada surge a transferência, que se expressa numa luta entre o analista e o paciente, o
intelecto e a líbido e entre o conhecer e a busca de ação. Freud salienta assim que é nesta luta
que se deve procurar a vitória: a cura da neurose. E finaliza concluindo que a transferência é
um processo tecnicamente desafiante para o analista, mas é ela que torna “manifestos os
impulsos eróticos ocultos e esquecidos do paciente” (1912/1980, p. 119).

Reflexões Críticas
As Redefinições da Transferência
Por Cátia Barata

O impacto deste trabalho de Freud na academia foi de tal ordem que o conceito de
transferência se tornou nuclear nas várias ramificações da psicanálise, onde foi repensado de
várias formas. Por exemplo Klein considerou que a transferência é uma reencenação de todas
as fantasias dos pacientes (e não apenas a expressão de defesas); Bion advogou que na análise
transferencial se deviam excluir as realidades materiais, em prol das psíquicas (que os
pacientes possuem do mundo e de si próprios); Winnicott incidiu sobre a transferência como
uma repetição do vínculo materno; Kohut focou-se na transferência narcísica onde o analista
é visto como um prolongamento do paciente; por sua vez Lacan ligou a transferência à pulsão
e definiu-a como uma encenação (no contexto analítico) da realidade do inconsciente
(Roudinesco & Plon, 1998).
A dinâmica da transferência segundo Sigmund Freud (1912): síntese e reflexão crítica 7

Mas as repercussões deste conceito, introduzido por Freud na prática clínica, não se
ficaram pelas suas redefinições. O psiquiatra austríaco Otto F. Kernberg criou (com início em
1976) uma nova psicoterapia psicanalítica que designou por Psicoterapia Focada na
Transferência (PFT) e que foi descrita em detalhe em 2008 (por Kernberg, Yeomans, Clarkin,
& Levy). Antes porém a PFT foi submetida a diversos testes de eficácia. Um deles foi o
efetuado por Clarkin, Levy e Schiavi (2005) que incidiu sobre o tratamento da perturbação de
personalidade borderline (N = 90) e onde concluíram que a PFT poderá ser um tratamento
eficaz para este tipo de perturbação. Num estudo mais recente, com base num projeto que já
tinha sido iniciado por várias instituições da rede catalã de saúde mental pública (que se
focaram, através da PFT, na melhoria da atenção dos pacientes com personalidade
borderline), Puig e Ignacio (2013) expuseram (do ponto de vista do observador) a supervisão
de um caso clínico onde foram mencionados os principais aspetos teóricos e técnicos da PFT.
Os resultados destacaram a grande utilidade das diferentes técnicas da PFT, mormente o
contrato terapêutico estabelecido entre o clínico e o paciente (que facilitou o trabalho com a
impulsividade do paciente). Os autores concluíram que a PFT teve diversas vantagens no
caso observado, de onde salientaram o seguinte facto: “dado que estes pacientes manifestam
os seus conflitos primitivos no seu comportamento dissociativo, e não nos conteúdos da
associação livre, as intervenções mais sistematizadas da PFT facilita o trabalho com eles”
(idem, p. 1).

Assim, as repercussões do conceito freudiano onde este trabalho radica levou-nos a


levantar a seguinte questão: que outros conceitos conhecemos, aferidos na prática clínica, que
tiveram (e continuam a ter) o impacto que a noção de transferência teve (e continua a ter)?

A Transferência em Outros Contextos


Por Sandra Ramos

Para além do contexto psicanalítico, Ferenczi (1909) observou que a transferência é


um fenómeno que ocorre noutras dinâmicas relacionais humanas, como por exemplo nas
interações entre médicos e pacientes ou entre professores e alunos, o que nos remete para
situações já vivenciadas por nós. No decurso de uma formação para adultos um de nós estava
a fazer referência à importância de as pessoas, cuja profissão tem uma forte ênfase no apoio
psicológico, mental e espiritual, se trabalharem interiormente, no sentido de se conhecerem
melhor, de reconhecerem e de transformarem esquemas cognitivos orientados para o conflito,
bem como situações traumáticas que estejam a dificultar as interdinâmicas sociais, para que
A dinâmica da transferência segundo Sigmund Freud (1912): síntese e reflexão crítica 8

não façam projeções inconscientes sobre os seus pacientes. Especificou depois que nesse
sentido é também importante trabalhar-se a relação com os pais, pois é com eles que se
possui as ligações humanas mais fortes e foi com eles que fomos atravessando as várias
etapas do nosso desenvolvimento. Perante o espanto de todos, um dos formandos interrompeu
e disse (num tom hostil): «Já estou farto de a ouvir!» o que deixou na sala uns longos dois
segundos de silêncio. Não havendo qualquer justificação lógica para aquela intervenção, a
formadora olhou para o formando, sorriu-lhe e disse-lhe “sinto muito, mas vou ter de
continuar”. E continuou a sua exposição exemplificando algumas formas de trabalhar o que
tinha sugerido. Porém ficou sem perceber em concreto o que tinha sucedido, ou seja, é
provável que aquilo que motivou aquela reação àquele indivíduo estaria ligado ao que estava
a ser dito pela formadora, mas qual o processo que levou àquela reação hostil? Com a leitura
deste artigo de Freud (1912/1980) salienta-se a possibilidade de ter ocorrido uma
transferência: as referências efetuadas a traumas e às figuras parentais poderão ter tocado em
representações recalcadas, que ergueram resistências, que se manifestaram sob a forma de
transferência de afetos negativos para com a formadora, os quais, hipoteticamente,
expressaram um aspeto hostil recalcado decorrente da relação do indivíduo com um objeto do
seu passado (e.g., o objeto materno).

Freud (1933/2010b) também fez referência à importância da transferência no


contexto educativo, observando que “até agora a educação cumpriu muito mal [a] sua tarefa e
causou às crianças grandes prejuízos. Se ela descobrir o ponto ótimo e executar [as] suas
tarefas de maneira ideal, ela pode esperar eliminar um dos fatores da etiologia do adoecer – a
influência dos traumas acidentais da infância” (p. 101). Salienta ainda que o educador deve
saber reconhecer o que se está a passar na mente das crianças para conseguir dosear o amor e
a autoridade. E que para esse efeito é essencial que o educador possua formação psicanalítica,
mas “seria melhor que o educador tivesse sido, ele próprio, analisado (…) [pois é] impossível
assimilar a análise sem experimentá-la pessoalmente. A análise de professores e educadores
parece ser uma medida profilática mais eficiente do que a análise das próprias crianças, e são
menores as dificuldades para pô-la em prática” (idem, pp. 101-102).

Por conseguinte este trabalho ajudou-nos a entender melhor algumas situações do


nosso passado e será certamente muito útil para estabelecermos relações interpessoais mais
saudáveis no futuro. Por outro lado, salientou também a importância de efetuarmos a nossa
análise, para objetivarmos um ótimo desempenho como potenciais futuros psicoterapeutas.
A dinâmica da transferência segundo Sigmund Freud (1912): síntese e reflexão crítica 9

A Operacionalização dos Construtos Psicanalíticos


Por Jorge A. Ramos

O trabalho de Freud é simultaneamente importante (ao ponto de alguns dos seus


conceitos já se terem enraizado na linguagem coloquial) mas também é controverso (e tem
sido duramente criticado). Por exemplo Sulloway (1979) acusa Freud de ser devoto de ideias
loucas e de conclusões prematuras. Por seu turno, Grünbaum (1984) aponta para o problema
da contaminação (do pensamento dos pacientes, com as sugestões dos clínicos) e para a
ausência de evidências causais nas suas teorias. De facto a tentativa de operacionalizar alguns
conceitos freudianos (para que possam ser comprovados empiricamente) é desafiante. Por
exemplo, no caso específico da dinâmica da transferência existe uma série de variáveis que
não só implicam relações causais, como potenciais variáveis moderadoras e mediadoras. Por
exemplo, a necessidade de amor (e a necessidade de amar, em Freud, 2010a) são duas
variáveis independentes (VI) que influenciam o nível de angústia (uma variável dependente,
ou VD) que por sua vez exerce influência (e por conseguinte é também ela uma VI) sobre o
recalcamento das pulsões (outra VD). Por outro lado, entre as primeiras VIs e a VD <nível de
angústia> há uma potencial variável moderadora, isto é, um “efeito de uma terceira variável
ou construto que muda a relação entre duas outras variáveis também relacionadas” (Hair,
Black, Babin & Anderson, 2010, p. 729): os fatores pessoais (dado que diferentes indivíduos
reagem de formas diferentes a eventos que potencialmente levam a sentimentos angustiantes
e/ou frustrantes). Parece-nos que também é possível considerar o nível de resistência como
uma variável preditora (VP) que se relaciona positivamente com a transferência (uma
variável critério ou VC), ou seja, quanto mais resistência mais transferência (e vice-versa),
bem como, que esta correlação é mediada pela variável <relação terapêutica> (uma variável
mediadora, i.e., “uma terceira variável ou construto que intervém entre dois outros construtos
relacionados”, idem, ibidem), o que poderia levar à hipótese de que a relação terapêutica
mitiga a relação entre a VP e VC (i.e., quanto melhor for a relação terapêutica, menor será a
resistência e a transferência). Portanto com esta pequena reflexão sobre um possível desenho
experimental salienta-se bem a dificuldade em medir e operacionalizar os construtos. O
desenho poderia ainda ser bem mais complexo se adicionarmos outras variáveis, como por
exemplo a da contratransferência (i.e., a transferência do analista para com o paciente), e a
operacionalização poderia ser mesmo inviável a partir do momento em que fossem levados
em consideração alguns princípios éticos, como por exemplo o da beneficência e não-
maleficência aplicado à investigação (Ordem dos Psicólogos Portugueses, 2011).
A dinâmica da transferência segundo Sigmund Freud (1912): síntese e reflexão crítica 10

É um facto que estas (e outras) dificuldades têm suscitado na academia (bem como
na sociedade em geral) o levantamento de uma pressão no sentido de que a psicanálise prove
a sua eficácia como um método terapêutico que possa ser financiado pelas companhias de
seguros (Leuzinger-Bohleber, Stuhr, Rüger & Beutel, 2003). Mas as dificuldades podem ser
vistas como oportunidades para evoluir e conforme sugere Goethe: “O homem deve persistir
na crença de que o incompreensível é compreensível; de outra forma não investigaria” (1992,
p. 128). Por outro lado, a dificuldade em se operacionalizarem os processos psicanalíticos,
não invalida o facto de que os resultados desses processos podem ser medidos, que foi o que
fizeram Leuzinger-Bohleber et al. (2003) com um estudo longitudinal (de 7 anos; N = 401)
onde aferiram que cerca de 75% dos indivíduos que finalizaram os tratamentos psicanalíticos
conseguiram manter as mudanças psicológicas efetuadas (o que teve um grande impacto no
seu bem-estar). Por seu turno, de Maat, et al. (2013) efetuou uma meta-análise (de 14 estudos,
com N total = 603) e aferiu, com a comparação de pré-testes e de pós-testes que a terapia
psicanalítica proporcionou mudanças significativas (e estáveis) em perturbações mentais
complexas de longa duração na maioria dos pacientes (i.e., em cerca de 70%). Nesta
sequência este trabalho levou-nos também a refletir sobre a possibilidade de o foco excessivo
– da psicologia contemporânea em geral – no método científico (para chegar a conclusões
causais e relacionais), aliado à pressão académica para publicar artigos (Fergusson, 2015),
poder estar a desconsiderar fenómenos e dinâmicas que sugerem uma extrema complexidade.
A dinâmica da transferência segundo Sigmund Freud (1912): síntese e reflexão crítica 11

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