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A transferência

Freud

Transferência seria reimpressões dos impulsos e fantasias que


surgem durante o processo da análise, e que substituem alguma
pessoa anterior pela pessoa do médico.

Experiências vividas pelo paciente em suas primeiras relações


durante sua infância são revividas, porém, não como pertencente ao
passado, mas manifestas e transferidas à pessoa do médico.
• Elaboração do conceito de transferência, formulado por Freud, enquanto construto
fundamental que norteou as descobertas que permitiram a articulação da clínica
psicanalítica.
• A Dinâmica da Transferência, de 1912,
• Recordar, Repetir e Elaborar, de 1914,
• Conferências Introdutórias sobre Psicanálise, de 1916-1917
• Após deter-se nos fatores determinantes do adoecer e
na reorganização defensiva que entra em jogo depois
de o paciente haver adoecido, Freud se interroga
sobre a possibilidade de eles darem lugar a
alguma influência terapêutica que possa
encorajar o neurótico a superar o conflito entre os
impulsos libidinais e, assim, recuperar sua saúde
psíquica (entendida, aqui, como tornar-se livre da ação
inconsciente dos impulsos reprimidos).
• Para Freud, aí reside a única tarefa que o tratamento analítico
pode realizar. O caminho consiste na "tradução daquilo que é
inconsciente para o que é consciente" (1916-1917a, p.507).
• Este trabalho operaria uma retirada progressiva
das barreiras (resistências) que mantêm as repressões, e que
obstaculizam o acesso aos conteúdos reprimidos.
• À medida que se suspendem as repressões, removem-se as pré-
condições para a formação dos sintomas; desse modo, o conflito
patogênico se transforma em "conflito normal", e para este pode
ser finalmente encontrado algum tipo de solução.
• A modificação psíquica fundamental que o tratamento elicia é, por
conseguinte, proporcionar condições para que as forças psíquicas possam,
então, confrontar-se diretamente e travar sua luta em um território idêntico:
o consciente.

• Tomar consciente algo que, até então, se encontrava inconsciente, remover


repressões e desfazer as barreiras psíquicas que impedem o acesso ao
material conflitivo, preencher lacunas de memória de modo a facultar a tarefa
de rememoração, todas estas expressões podem ser usadas com um mesmo
sentido: marcar a especificidade do trabalho de análise.
• O conflito antigo, que levou à repressão, é desse modo revivido no processo analítico,
e o tipo de solução que fora empregado à época pode, então, ser finalmente revisto e
até mesmo modificado.
• Se a decisão tomada anteriormente conduziu à doença, cria-se a oportunidade de que,
uma vez adotado um caminho diferente, ele possa levar o indivíduo à recuperação.
• O ego frágil e imaturo, frente à ameaça representada pelas exigências libidinais, pode
mesmo não ter encontrado uma saída mais vantajosa do que aquela que a repressão
oferecia.
• Mas, atualmente, tendo se tornado mais forte e contando com a figura do analista
como aliado, o ego pode conduzir o conflito (então revivido) na direção de um
resultado mais satisfatório do que aquele auferido no passado, que redundou em
repressão.
• A interpretação desvanece a anticatexia responsável pela
intromissão da resistencia em meio à tarefa de trazer o impulso
inconsciente para o seu reconhecimento consciente.
• Contudo, ela só é eficaz se encontrar, da parte do paciente, um
desejo real de recuperação e o auxílio de sua
inteligência.
• Só assim a resistência pode ser abandonada e as anticatexias
retiradas, no momento em que a interpretação facultar ao ego o
seu reconhecimento.
• A interpretação nada mais faz do que fornecer ao ego um ponto
de apoio para expandir sua tarefa de traduzir o reprimido.
• (...) Constatamos, pois, que o paciente, que deveria não desejar outra coisa senão
encontrar uma saída para seus penosos conflitos, desenvolve especial interesse pela
pessoa do médico." (1916-1917 a, p.512)
• Quando o paciente passa a se interessar por tudo o que se relaciona com a figura do
médico, atribuindo a isso por vezes maior importância do que a que demonstra por
suas próprias questões, parece se desviar de sua própria doença. Estamos, então,
diante de uma relação transferencial.
• É este tipo de relação muito especial que sustenta o trabalho de análise. A posição
simbólica assumida pelo analista no percurso de uma análise.
• No início do tratamento, via de regra, observa-se a emergência de um vínculo muito
agradável na situação analítica. O paciente mostra-se entusiasmado com a pessoa
do analista, supervaloriza suas qualidades, é amável e reage de modo favorável às
interpretações, esforçando-se por compreendê-las e se deixando absorver pela tarefa.

• A livre associação, assim como o material mnêmico, aparecem em profusão. Além da


relação cordial que prevalece durante o trabalho, ocorre uma melhora objetiva em
vários aspectos da doença. Estamos em plena vigência de uma transferência
positiva. A transferência positiva é um fenômeno que facilita o processo analítico.
Torna o paciente mais suscetível à influência do analista por nutrir por ele um
sentimento de empatia, respeito, admiração etc, que o faz baixar as resistências e
se esforçar por associar livremente.
• Esta relação amistosa, entretanto, não pendura indefinitivamente.
• Logo surgem dificuldades no tratamento, que se revelam de diversas maneiras,
refletindo-se na impossibilidade de o paciente continuar seguindo a regra fundamental.
• Como reconhecer esta resistência ao tratamento? A resposta é: toda vez que
aparecem dificuldades de comunicar os pensamentos (isto é, torná-los públicos),
interrompendo o processo associativo.
• De um modo geral, aparece uma certa negligência em relação às instruções
inicialmente dadas no sentido de "dizer tudo o que lhe vem à cabeça e de não permitir
que obstáculos críticos impeçam de fazê-lo" (Freud, 1917-1916a, p.513).
• Sempre que nos deparamos com um paciente que se comporta como se
estivesse fora do tratamento, estamos diante de uma resistência. Nestes casos, a
situação precisa ser esclarecida, do contrário o próprio processo analítico estará em
risco.
• A transferência, segundo Freud, pode emergir como uma
exigência intensa de amor, de atenção, de reconhecimento, ou
sob formas mais moderadas: desejo se ser recebido como
filho(a) predileto(a), de ser alvo de uma estreita amizade
(necessidade libidinal sublimada) etc.

• Quanto mais crus - isto é, menos sublimados - forem os impulsos


transferidos, mais próximos estaremos de uma expressão não
elaborada do conflito original, vinculado aos objetos
primários, e via de regra impossível de ser satisfatoriamente
resolvido.
• Freud logo diferencia uma forma de expressão da transferência: a transferência hostil,
também chamada de negativa. E assevera que é principalmente com ela que o analista
deve se preocupar, porque este tipo de vinculação reflete, de forma direta, a
resistência ao trabalho analítico.
• A transferência constitui um fenômeno presente desde o início do tratamento.
• Comumente, ela corresponde, de início, ao deslocamento de sentimentos amistosos
em relação ao analista; nesse sentido, funciona como um poderoso motor do progresso
analítico.
• Desse modo, não há porque se preocupar, enquanto a transferência age a favor do
trabalho. Observamos, assim, que, para Freud, a análise se centra na idéia de
transferência positiva sublimada, isto é, aquela reação transferencial apoiada na
confiança e na simpatia.
A Dinâmica da Transferência, Freud
(1912)
• Distingue duas atitudes básicas do analisando:
• de um lado, a cooperação,
• e de outro, a resistência.
• Estas atitudes, que se contrapõem entre si, foram incluídas na transferência.
• A teoria da transferência em Freud permite, assim, discriminar:
• (1) uma "transferência positiva sublimada" e
• (2) as resistências que se alimentam tanto da transferência erótica (quando o vínculo
transferencial assume um caráter sexual), quanto da transferência negativa (quando o
vínculo transferencial adquire um caráter hostil, seja de um modo aberto ou velado).
• No que diz respeito à transferência erótica, Freud a
define como uma "inclinação amorosa" que,
diferentemente da transferência positiva, torna-se
intensa, revelando sua origem localizada em uma
necessidade sexual direta, que inevitavelmente produz
uma oposição interna a si própria.
• Observações sobre o Amor Transferencial-1915, com
seu enfoque sobre o manejo da transferência erótica,
bem como sobre o ponto de vista profissional e ético.
Transferência negativa
• Deslocamento de impulsos agressivos em vez de
libidinais.
• Os sentimentos hostis costumam se ocultar por detrás
dos afetuosos, e tendem a se revelar mais tarde,
embora também se possa encontrar a coexistência de
ambos, marcando a ambivalência emocional.
A Dinâmica da Transferência-1912
• A relação transferencial se estabelece como resistência ao trabalho de investigação
analítica.
• O paciente tenderia a atuar para não recordar uma experiência infantil reprimida.
• Isto é, ao colocar em ato o conteúdo reprimido, o paciente entregar-se-ia a um movimento
regressivo, inconsciente (a repetição de conteúdos internos, relativos às suas disposições
pulsionais) em vez de controlá-lo conscientemente, mediante o recordar.
• Esta atitude psíquica frente aos aspectos infantis reprimidos promoveria um processo
defensivo do ego frente ao analista, que seria então transformado, na transferência, em
um representante daquelas tendências pulsionais em relação às quais o ego se opõe.
• O analista, assim, passa a ocupar este lugar predeterminado na série psíquica do paciente.
• O trabalho de análise procuraria superar esta resistência de transferência, que obstrui o
avanço do processo.
• Sterba (1929) diz, a propósito, que o analista se encontra em uma situação difícil, pois se
converteu no destinatário (objeto) da repetição emocional que o paciente engendra
justamente para obstruir as lembranças
• O indivíduo, de forma não intencional, tende a repetir as escolhas dos objetos
amorosos ao longo da vida.
• Esta repetição deve-se tanto à influência das disposições congênitas, como das
experiências afetivas da primeira infância, quando foram moldadas as primitivas
formas de satisfação das pulsões.
• .Como tudo o que é da ordem do inconsciente insiste, aquilo que no campo pulsional
não foi satisfeito e ficou reprimido tende a retornar e exigir satisfação.
• Nesse sentido, é esperado que o paciente, sob as condições favorecidas pelo
dispositivo analítico, vá buscar o caminho da gratificação não promovida no
passado e tentar resolver suas demandas afetivas insatisfeitas (o reprimido
infantil), reatualizando-as perante a figura do analista.
• Elas procuram também porque têm em suas "séries psíquicas" (no que foi vivenciado
tanto em termos de satisfação como de insatisfação pulsional) as experiências de
satisfação, que também se repetem na análise.
• Onde surge a transferência, que dificuldades ele impõe ao trabalho de
análise, como podemos superar tais dificuldades e que vantagens
podemos auferir desta situação?
• Como regra geral, propõe Freud que o analista não ceda às exigências
do paciente, decorrentes da transferência, nem as rejeite de modo
brusco ou indignado.
• O analista procura superar a transferência através da interpretação,
mostrando ao paciente que a origem de seus sentimentos não está na
situação atual, nem se aplica à pessoa do analista, tratando-se,
antes, de uma repetição de algo pertencente ao seu passado,
graças à influência da regressão.
• Desse modo, esta repetição pode ser finalmente transformada em
lembrança (Freud, 1914)
Mudança importante no pensamento de
Freud:
• A transferência, seja ela amorosa ou hostil, que antes parecia servir exclusivamente à
resistência e, nessa medida, constituía uma ameaça ao tratamento, torna-se então
"seu melhor instrumento" .
• A técnica de tratamento consiste na descoberta do material reprimido (isto é, não
recordado) através das associações livres do paciente e da interpretação (dentro da
transferência) das resistências, a fim de torná-las conscientes ao paciente (Freud,
1914).
• A resistência é vista como condição inerente ao tratamento psicanalítico e o manejo da
transferência é a arma que o analista dispõe para reprimir a compulsão à repetição.
• A doença não estanca, não paralisa sua evolução uma vez iniciado o tratamento.
Quando o dispositivo do tratamento está plenamente instalado, e sua influência é
decisiva sobre o paciente, um outro importante fenômeno ocorre - a doença começa a
convergir para um único ponto: a relação com o analista.
• Nesse ponto, diz Freud (1916-1917), não é a compreensão intelectual (o insight)
que é decisiva, mas unicamente a relação com o analista.
• Caso se esteja sob uma transferência positiva, o paciente reveste o analista de
autoridade e atribui alguma credibilidade às suas comunicações.
• O acesso se dá a partir do aspecto intelectual, mas se completa apenas quando é
possível a contrapartida libidinal, à medida que o paciente se mostre capaz de operar
uma catexia libidinal de objetos e tome o analista como um novo objeto de seus
desejos.
• Notamos, assim, que, para Freud, a transferência envolve sempre um
deslocamento da libido dos objetos originais do passado para a figura do
analista, uma operação evidentemente inconsciente e que obedece à noção da
compulsão à repetição - o paciente repete na transferência as situações reprimidas no
passado como algo efetivamente pertencente ao presente.
• A transferência funciona, no âmbito do tratamento psicanalítico, como uma lente única,
que permite ao analista ampliar uma determinada situação psíquica e assim observar,
de uma maneira privilegiada, fenômenos psíquicos microscópicos, que normalmente
não podem ser identificados a olho nu.

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