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Princípios para uma Ética do Cuidado em

Psicanálise: Hospitalidade, Empatia e


Saúde do Analista

Apesar de a Psicanálise poder ser considerada, desde a sua


origem com Sigmund Freud, uma prática de cuidado do so-
frimento psíquico, foi apenas a partir das formulaçôes de 5án-
dor Ferenczi de 1928 acerca da importância da adaptação da
família e/ou do meio ambiente à criança, e das elaboraçoes
sobre o manejo transferencial que as sucederam, que se en-
contram explicitadas as premissas norteadoras de uma ética
do cuidado na clínica psicanalítica. Pretendo demonstrar,
neste breve capítulo introdutório, que as concepçÕes que re-
giam a técnica psicanalítica - o princípio de abstinência no
campo transferencial e o primado da interpretação - cederam
gradativamente lugar, na história da constituição do campo
psicanalítico, a um estilo clínico caracterlzado pelo privilégio
atribuído aos princípios para uma etica do cuidado em Psica-
nálise: a hospitalidade, a empatia e a saúde do analista. Esses
princípios, bem como as balizas do estilo clínico neles inspira-
do, estão explicitados nos três principais ensaios publicados
por Sándor Ferenczi no ano de 1928: "A adaptação da famÍlia
à criança", "Elasticidade da técnica psicanalítica" e "O proble-
rrr,r rlo linr cla análise".

I I
Principios para uma Etica do Cuidado em Psicanálise: tl.ttttt'nlt'o[lr'tlit'ttlt's (l()ri s('uli l]rr'rPtios tttcsln'r; t'irrrlritlor; t'nr st'(r ,rlo
Hospitalidade, Empatia e Saúde do Analista pclir int'itli'rrt'irt tlt'tttt.r sr.rIx'r('li() ltit'rtierl ()l)r(,sr.i()t'.
Assit.rr, rro longo clo pcrcttrso cnr (lLlc so irrrpirs trrrno plint'il.ll in
terlocutor de Freud, Ferenczi, o enJrtnt tcrribla da psicarriilisc, sc tlt.pir
rou com a necessidade de explicitar os princípios eticos nortcadoles
da prática psicanalítica. Três ensaios, todos publicados no ano de l92ft,
compõem a trilogia que pode ser considerada o pivô de uma revolução
no pensamento psicanalítico, no sentido de uma volta aos princípios
N To tradição psicanalítica, as obras dos autores que influenciaram da ética do cuidado que caracterízou a invenção da Psicanálise, cn'r
I \ or gcrações subsequentes apresentam contribuições originais ao
fins do século XIX, por Sigmund Freud. Os ensaios são: "A adaptação
1-rcnsamento freudiano em três registros distintos, porém intimamente
da família à criança", "Elasticidade da técnica psicanalítica" e "O pro-
a rticulados:
blema do fim da análise". Os princípios éticos apresentados, respecti-
.:
1. o metnpsicológico (ou teórico propriamente dito), que termina
vamente, em cada um deles são: a hospitalidade, a empatia e a saúde
: por constituir também uma nova leitura psicopatológica;
do analista.
2. o da teoria da clínica, referido, por sua vez, ao modo como se
compreende a gênese do sofrimento psíquico e os meios de
tratá-lo; e Hospitalidade
.rl 3. o ético-político-institucional, referido às condições de possibili-
dade encontradas pelo psicanalista para o exercício do seu ofí- O ensaio "A adaptação da família à criança" (Ferenczi, 7928a)
L cio, o que tem implicações sobre a maneira como se concebe o constitui um marco na história da Psicanálise. Trata-se de uma répli-
.rl
processo de institucionalização da Psicanálise e, sobretudo, a ca às formulações freudianas acerca do estado de desamparo (Hilflo-
formação do psicanalista. sigkeit) que caracterizaria o ser humano desde o seu nascimento, teci-
íl
das em "Inibições, sintomas e ansiedade" (Freud, 1926). O argumento
É o que se encontra na obra de Sándor Ferenczi, o "pai da psica- freudiano, que por sua vez estabelece um diálogo com a concepção de
nálise moderna", nas palavras de André Greery bem como nas obras trauma do nascimento, de Otto Rank, sugere que, em função da de-
de alguns dos seus principais herdeiros, como Melanie Kleiru Donald pendência biopsicossocial originári4 a relação do bebê com Outro pri-
trl Woods Winnicott e Jacques Lacan. mordial é marcada pela ameaça do abandono e da perda do seu amor
Dessa maneira, as contribuições teóricas ferenczianas, baseadas - experimentada psiquicamente como angústia. O nascimento seria as-
na concepção de que a subjetividade se constitui a partir das vivências sim, para Freud, apenas o primeiro evento de uma série interminável
corporais e afetivas experimentadas no contato com Outro, como dita ao longo da vida do sujeito, da qual fariam parte outras experiências
seu conceito de "introjeção", culminaram na criação de um estilo clíni- traumatizantes como o desmame e o aprendizado do asseio pessoai,
co marcado pelo acolhimento empático e pela presenÇa sensíael do psi- até que, após a constituição do superego - herdeiro do complexo de
canalista, que passava a se oferecer como suporte afetivo para as expe- Éaipo - a culpa e o medo da perda de amor do Outro se perpetuariam,
riências de regressão à dependência, bem como de júbilo criador, dos finalmente, como as figuras da angústia na vida adulta.
seus analisandos. Entretanto, a apresentação desse novo estilo clínico Evidentemente, Freud concebia que a presença do Outro era in-
no campo psicanalítico obrigou a um questionamento dos dispositivos dispensável e estruturante para a sobrevivência biológica e psíquica do
da formação psicanalítica vigentes no final dos anos 7920 - e ainda hoje bebê. A teoria libidinal dita que os primeiros circuitos adotados pelas
em algumas sociedades psicanalíticas - que favorecia, no processo de pulsões e pelo desejo são efeito do encontro organizador com o Outro,
institucionalizaçáo da Psicanálise, a emergência de analistas exagera- que tem a função tanto de despertar o corpo erógeno da criança - atra-
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l)t'()(lltl()t (l(,5{,1:i,)\,(x,:i (,()t.l}()t,,tiri (lltiytl() rlt,st,1lt,lt,r,t,r. I1(,s11(), ,r, r,r,llirlp tlt,r.t',rlitl,ttlr'. li1l.t,rrt,zi (l()ll()) trorrrt'orr rlt'"irrt'spolr-
('()lll{r ()l)i('l(}l),ll,l ,t ('()ltslillli(',i() tlo t'irrrrPo irlt.rrlilit'trlrilio. No (,ntat1to, sabilitlirtlt.tlir inlânt'i.r" o t'st.trlo itssittt pt'otlttz.itlo, por rttcitl tlo tlttal
{)('lll('tl(lilll('tllo Íttttrli;tt1() l('vi) ir ('r'('r (lu('it ll(,rirtçil tlcssa clcpendência a criança consl-itt-ti os it'r.tpLtlsos p'rositivcls t1c vitla c a ptlssibilidade de
olir;irr;iliir ti. jrrstirr»r'rrtc, .) cxpt: riôrrcia cla angústia traumática frente a brincar, de sirnbolizar e de introjetar suas experiências de satisfação'
r'ittIit ttrtva ilt)t('aÇil cltt abandono. A mudança de enfoque teórico residiu, portanto, no sentido do
A Prirt'ipal clivcrgôrrcia de Freud com as formulações de Rank emprego do termo adaptação: se é evidente que o bebê precisa se
ir('('l'('ir tlo traurra dO nascimento incidia sobre as consequências clí- adaptar ao novo meio * ênfase da teoria psicanalítica até então - era
rricas t'xtraíclas pelo último, que pretendia uma prática psicoterapêu- preciso ressaltar que o ambiente precisa se adaptar àquele que chega,
lica rcstrita c pontual para tratar de um sujeito cujo sofrimento era acolhendo-o de maneira ativa. O estado de desamparo primordial só
.riunclo dc'cansas mais complexas. Assim como não se apaga um in- se tornará traumatizante se receber como destino as figuras do abando-
t'ôrrclio provocado pela queda de uma lanterna a querosene retirando no ou da intrusão, tão presentes na clínica dos "pacientes difíceis" que
ir lantcrna da casa já em chamas, dizia Freud, não se pode tratar o buscavam socorro no divã de Ferenczi.
rlcsarlparo traumatizante do ser humano focando a cura das dores do Dessa maneira, o ensaio "A adaptação da família à criança" ter-
rrascirlcr.rto. mina por receber um complemento, publicado no ano seguinte, "A
I A julgar pelos escritos técnicos de Freud, a psicanálise constitui-se criança mal acolhida e sua pulsão de morte". As dificuldades expe-
('oÍr1o Llma prática fundada, sobretudo, no manejo da angústia (segun- rimentadas por Ferenczi no tratamento dos pacientes traumatizados,
tl.. "princípio de abstinência"), de maneira que o analisando pudesse que se encontram severamente comprometidos em sua competência z
z
st: rcconstruir cle modos mais sincrônicos a partir do enfrentamento e simbólica e em sua capacidade criativa, levaram-no a formular que o
ú
rla claboração do seu irredutível estado de desamparo. A,,garantia,, psicanalista deveria poder oferecer sua presença pulsional e afetiva de
p
afe'tiva para o sucesso terapêutico residiria nos poderes da transferên- modo a proporcionar, àqueles que foram "hóspedes não bem-aindos na Y
cia, que se ofereceria como a parcela de amor substitutiva que impeli-
família" (Ferenczi, 7929,p.48, grifo do autor), o acolhimento necessário 3
z
ria o anaiisando ao penoso trabalho analítico. No entanto, rapidamente à experiência vital de constituição de si e ao luclismo criador, talvez o
percebeu-se que o emprego da técnica-padrão tendia a reproduzir ex- pela primeira vez em suas vidas.
)

pcriências traumáticas de abandono, sendo efetivamente contraindica- A hospitalidade se apresenta, assim, como o primeiro dos princí-
do em muitos casos. pios da ética do cuidado na psicanálise, de modo a permitir aos pacien-
A torção operada por Ferenczi nessa discussão foi produto de tes "(.,.) desfrutar pela primeiravez a irresponsabilidade da infância,
l
uma efetiva mudança de paradigma teórico: seu olhar passou a recair o que equivale a introduzir impulsos de vitalidade positivos e razões
não mais na pressuposta experiência individual do sujeito pulsional, para se continuar existindo" (ibid., p.51).
mas na percepção, nada cartesiana, de uma indiscemibilidade entre Nesse sentido, as concepções que regiam a técnica psicanalítica
o l2ebê e o ambiente - a família - que o acolhe. É justamente a ênfase tradicional - como a abstinência e o privilégio dado à interpretação -
no ambiente e nas experiências transubjetivas o que lhe permite afir- passaram a ser consideradas, em muitos casos, iatrogênicas, cedendo,
mar em alto e bom tom que "o nascimento é um verdadeiro triunfo,, gradativamente, lugar ao que Ferenczi (7928c) nomeou "elasticidade
(1928a, p.4). De fato, na experiência do nascimento, não apenas o bebê
da técnica".
está pronto -
aparelho respiratório e digestivo, instintos de sucção e
tarnbém faculdades para interagir com a mãe - como a família bus-
ca se adaptar às particularidades do novo membro. Assim, as primei- Empatia
ras experiências vitais do bebê trariam a marca da alegria de existir e
cia exuberância onipotente, que favoreceriam o gesto espontâneo e a O ensaio "Elasticidacle da técnica psicanalítica" tem como ponto
expansão psíquica em clireção à constituição do campo dos objetos e, de partida o calcanhar de Aquiles dos escritos técnicos freudianos: a
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(,tl('l',()tt,l tlo "l,tlo lrr;ir olril,,it'p", .tpl'(,c(,11,t(l,l t'xt't't'it io tlt' itlt'Iitr;ito ttt(tlttit tlrr
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tlo,ttt.tlislit llitttstrilitlo lorit tlc unr c()nt('xt() n() (lLtitl o analisando pos-
 saúdc tlo annlista
sir irssirrril;i-lo Positivanrt'rrtc tcria o u'lcsrno valor clLre "a distribuição
tlt' cartliipios ltunta cporta clc cscasscz de víveres tem sobre a fome"
uma
(lin'Lrtl, l9l(), p.2 I l). A rnetáfora é, entretanto, insuficiente para ilustrar O princípio da empatia foi o que conduziu Ferenczi a buscar
"cabeça"' como
o t'lt'tivo 1-roclcr traurmatizante do abuso interpretativo. atuaçãá cHnica mais referida ao "coração" do que à
terrible da psicanáli-
se encontra no Diário clínico (1932). Para o enfant
O projcto clínico de Ferenczi, que tem em "Elasticidade da técnica
se, a hipocrisia (recusá dos próprios afetos por parte
do analista) é a
1'rsicarralítica" seu marco fundador, define-se justamente pelo resgate ao trabalho ela-
da clirncnsão sensível do encontro terapêutico. A interpretação, ao in- cuusadàra das principais resistências dos analisandos
levar a sério
vós cle ser: considerada o instrumento privilegiado do qual dispõe o borativo. "É,r"rdud"iramente impossível [ao analisando]
seus movimentos internos", escreve, "quando me sabe
tranquilamente
psicar-ralista para o exercício do seu ato, torna-se subordinada à quali- máximo' indi-
sentado atrás dele, fumando meu cigarro e reagindo no
clacle dos afetos que circulam entre analista e analisando. Assim, toda lhe ocorre a
ferente e frio, com a pergunta estereotipada: o que é que
.r lr'ar.rra de sutilezas estéticas implicadas na noção de tato - a forma e
esse respeito?' (ibid., p.72, colchetes nossos)'
o rnomcnto adequado de comunicar algo ao analisando, a percepção
rlc quando o silêncio lhe é torturante, as reações do analista às suas Como se pode intuir, a ênfase para a efetividade da experiência z
z
o próprio
atiturdes inusitadas etc. - é definida através do recurso a uma categoria psicanalítica recaía,no estilo clínico assim constituído, sobre
analista, convocado em sua Presença sensível para que se pudesse
cstótica bastante empregada no início do século XX: Einfühlu,?g - em-
,,soltar as línguas" como ocorrera no início da aventura 3
patia - cuja tradução ao pé da letra seria "sentir dentro"; sentir o outro novamente - v
freudiana - nas análises. Ferenczi formula então a segunda regra t'unda- :z
derntro de si. A empatia se apresenta, assim, como o segundo princípio
(1928c'
perra uma ética do cuidado na psicanálise.
mentnlda psicanálise: o analista cleve, ele próprio' ser analisado â
p.35).
Porém, ao contrário do que uma leitura apressada poderia sugerir, cru-
a empatia preconizada por Ferenczi não deve ser confundida com as
Como foi observado no início deste ensaio, toda contribuição i

caráter ético-
formas do processo identificatório em Freud (identificação narcísica ou cial ao campo psicanalítico implica uma leitura crítica de :

histérica). Na sua perspectiva, a empatia exercitada pelo analista está po1ítico-insiituciona1aosmodospormeiodosquaisaPsicaná1isese


referida à capacidade de se deixar afetar pelo sofrimento do analisan- institucionalizanacu1turaeConCebeaformaçãodosnovosana1istas
do, e também à capacidade de afetá-lo, a partir do sentido produzido (cf. Kupermann, 2014). Nesse sentido, para Ferenczi' náo se tratava'
pela ressonância estabelecida entre o seu corpo pulsional e o corpo naanáli.sedosjovensanalistas,decumprirexigênciasinstitucionais,.
pulsional daquele. O analista deveria, assim, operar como o "diapa- comoduraçãoefrequênciadaaná1ise,masdeopsicanalistaconduzir
são" capaz de sintonizar as modulações afetivas do paciente.
Em,,E1asticidadedatécnicapsicanalítica,,,oqueStionamento
Dessa maneira, o efeito da hospitalidade com a criança que habita
cada analisando no setting psicanalítico possibilitou, por um lado, que
aCerCada,,metapsicologiadosprocessospsíquicosdoanalistadurante
a análise,, e das condifOes psíquicas desenvolvidas pelo
psicanalista .
os analisandos experimentassem regressões antes inviabilizadas pela decisiva'
técnica clássica que, privilegiando a interpretação do recalcado, apos- para o exercício de suas funções já se apresentava de maneira i

tava suas fichas nas faculdades inteligíveis para a produção de sentido.


ifi,'ul,eraprevisívelqueumestiloclínicobaseadonaregressãoeno
jogoexigiriaumenormetraba1hodopsicana1ista;paraFerenczi,trata-
Em contrapartida, manifestações lúdicas passaram também a colorir o
espaço terapêutico. A regressão à dependência e o jogo (ou o brincar)
va.se,então,derefletiracerCada,,higieneparticu1ardopsicanalista,,
tornaram-se, dessa maneira, as balizas do estilo clínico desenvolvido
(1928c, p.3a-35)' 23
22
lirrr "( ) rr*rlrl.rr,r tr, rirrr rr,r ,rrr,iri:;t," (r,r,rr,rrr
rr, rt)',,,\r\(.^,*,,r()rl lr':rlr'rnrrrrlro rll tttr ( )ttlt'o (llrr,l)or;,,,r llrr,,rftrtl,rr',r tl,rr',rl1,,rrttr scrrlirlo ir
st', l,rlvt'z P0l,r Prirrrcirir v('z lr,r rrisrtjr.i,r
rr,r pr;it,,rrr,irist,,.r tltrt,stri. rrc t,rPt'r'ii'ttt'i,r vivitlir. li, ,t ,ttlr,'tr, r,r tlt'sr;t' lcslt'tttttttlro t'tlit Pn,s1,11ç1 1;1,11-
itlt",tttlr,ir irrriilisr'tl. Psit,irrrirlista rlt,vt,ilvil,\,itr; tlt,.trlr.. rrt,rlo, cln sívt'l rltrc lltt'ti irtcrt'rtlc t;ttc lolrr,r o rrt'itlt'rrlt'irrcrrarriivt'l r'traurlático.
rlttt'rrrttsistt' turrit lornrirÇJo
1.r5içi111,,;ítir.a, c11psiclcritpcl1; a concepção _ () at'olhinrt'nto ria criança t'tl;r srrir lirrgrragcnr pcrmitc a polissernia da
rrrirrirrt't'.t.t.rls rrralistas tlc toclas as oricr-rtações _
de que a análi_ palavra c criação de scntidos irrtitlitos parâ a cxperiência do viver.
st' 1'rcss,al e a vt'rtcr.rtc privilegiada nesse
pr.ocesso formador.3 Assim,
subjacc,tc i\ icJcia crc Lrrna segunda regra Urna formulação preciosa do filósofo Jacques Derrida nos ajuda a
fundamental da psicanárise,
t'r'rc.^trir-.sc, lcrcciro pri,cípio para uma perceber de que maneira a Saúde do analista se impõe como condição
ética do cuidado na psicaná_
lisc: a Saúclc do analista. para cuidar para a hospitalidade e para a empatia inerentes ao ofício do psicanalis-
do outro, é preciso qru o pri.a.u_
Iista clisponlra do cuidado de si (cf. Rozenth ta. A cluestão da hospitalidade começa, justamente, no acolhimento da
al,2014).
estraneidade da língua do estrangeiro uma vez q:ue, se aquele que che-
Ncsse sentido, o que se pode constatar
no estilo clínico caracte_ ga, solicitando nossa hospitalidade, dominasse a nossa língua, deixaria,
rizado pela ética do cuidado não é uma dissimetria
radical de posi- paradoxalmente, de se apresentar como estrangeiro. Lê-se em Derrida:
ç.cs e*tre o que cuida e aquere que é alvo de cuidado. o ponto
mais
dclicado do manejo crínico ferencziano é, justament",
o qru se refere (...) Se ele já falasse a nossa língua, com tudo o que isso implica,
i)o encontro de Iinguagens na comunicação
I
que se dá entre anarista se nós já compartilhássemos tudo o que se compartilha com uma
c analisando. Ao conceber que o analista
se debruça sobre a criança lingua, o estrangeiro continuaria sendo um estrangeiro e dir-se-ia,
presente em cada analisando não apenas
- por meio do instrumento a propósito dele, em asilo e em hospitalidade? É este o paradoxo
z
irrterpretativo, porem, e sobretudo, apostando (...). (Derrida, 2003, p.1.5) z
na qualidade do plano
de afetação - o problema com o qrut Ferenczi
se deparou foi o de
L
conceber um regime linguageiro adequado
-t para esse encontro. Afi_ Nossa condição primordial e irredutível de infans (o que não fala)
nal, não de tratava de falar da criançi, mas V
de Íalar com a criança, o f.az, pofianto, de todos nós, estrangeiros no momento de nossa chega-
clue implicava poder vivenciar afetos e
perceptos apropriados a essa da. O psicanalista é, nesse estilo clínico, convocado em seu devir crian- 7-

experiência (cf. Kupermanrç 2008). !


ça para o encontro com a linguagem da ternura produtora de sentidos,
Na teorização ferencziana, a linguagem própria em cujos extremos estão o horror do traumático e o júbilo da ilusão de
da criança é a
"linguagem da ternura,,, através da qual onipotência. Dessa maneira, a reviravolta promovida por Ferenczi no
a pollssemia aa prtrrr.u poa"
ser experimentada ludicamente de acordo campo psicanalítico teria culminado na concepção de que, na experiên-
i

lrl
com o gesto singurar de T
cada sujeito (Ferenczi, 1gg2).
Já ao adulto habitaria o domínio da ,,lin_ I
cia psicanalítica, encontramos muitas vezes duas crianças - analisando
guagem da paixão,,, marcado pelos imperativos
do apoderamento do e analista- gue, em seu desamparo, constituem uma comunidade de
outro e pela culpabilização que lhe é sucedânea. destino e de amizade (1932, p.97).
um encontro pode se
tornar traumático quando ocorre uma ,,confusão Depreende-se que, no horizonte da ética do cuidado em psicanáli-
de línguas,,, isto é,
quando os movimentos executados em nome
da linguagà da ternura se, não se vislumbra a abolição do conflito e da agonística, na figura de
são interpretados pero prisma da ringuagem
da paiiaolÉ o qrr" ocorre uma suposta maternagem que nã,o fazjus às contribuições ferenczia-
no assédio sexual inÍantil; o adulto "rol)co"
- aquele que dàsconhece nas, mas a perspectiva de compartilhamento do viver criativo.
a dissimetria entre a sua posição frente à sexuaridade
e à da criança
- interpreta a ternura da criança como amor sensuar. Mas a viorência
não e, para Ferenczi, emsi traumática. A Bibliografia
criança violentada buscará o

Derrida, ]. "Questão do estrangeiro: vinda do estrangeiro". In Derrida, J.;


I ó prin.ipur r,árá.iro o"r'
probremática foi Jacques Lacan, que associa, Dufourmantelle, A. Anne Dufourmantelle conaidn Jncques Derrida a falar da
passe, a emergência do desejo
no dispositivo do
do analista ao final da análise (Lacan, I 968). hospitalidade, São Paulo: Escuta, 2003.
25
Ferenczi, S. (1928a). A adaptação da família à criança. In Ferenczi, S. Psr-
canálise IV, Sáo Paulo: Martins Fontes, 1992.

(7928b). O problema do fim da análise. In Ferenczi, S. Psicanáli-


se M, São Paulo: Martins Fontes, 1992.

(1928c). Elasticidade da técnica psicanalítica. In Ferenczi, S. Psi-


canálise lV, São Paulo: Martins Fontes,7992.
A Maldição Egípcia e as Modalidades de
Intervenção Clínica em Freud, Ferenczi
(1929). A criança mal acolhida e sua pulsão de morte. In Feren-
czi,S. Psicanálise N, São Paulo: Martins Fontes, 1992.
e Winnicott

. (1931) Análises de crianças com adultos. In Ferenczi, S. Psica-


nálise lV, São Paulo: Martins Fontes, 1992.

(1932). Diário clínico. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

Iircud, S. (1910). Psicanálise'silvestre'. In Freud, S. Edíçao StnndLtrd Brssi-


Itirn dss Obras Completns de Sigmund Freud (E.S.B.) v. XI, Rio de Janeiro:
lnrago,1980.
Neste capítulo, o leitor acompanhará as modalidades de in-
(1926).Inibições, sintomas e ansiedade. In Freud, S. Ediçao tervenção clínica experimentadas por Sigmund Freud, Sándor
Stnndsrd Brnsileira das Obrss Completns de Sigmund" Freud (E.S.B.), v. XX, Ferenczi e Donald Woods Winnicott, de maneira a atender às
llio de Janeiro: Imago, 1980.
demandas impostas pelos diferentes quadros de sofrimento
Kupernrann , D. Ousnr rir'. Humor, criação e psicanálise. Rio de Janeiro: Ci- psíquico.
vilização Brasileira, 2003.
Por meio de um percurso histórico-crítico busquei descons-
Presença sensíael. Cuidndo e crinção na clínica psicanalítica. Rio de truir a ideia, ainda bastante difundida no campo psicanalítico,
Janciro: Civilização Brasileira, 2008. de que a clínica é, privilegiadamente, um exercício interpre-
tativo que, na analogia proposta por Freud, poderia ser apro-
Trnnsferências cruatdss. Uma história da psicanálise e suas institui-
ximado ao trabalho do escultor - per via di levare -, que nada
çôr's. São Paulo: Escuta, 201.4.
acrescenta à pedra bruta; apenas retira o excesso que recobre
Lircirn, J. (1968). Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista a forma ideal.
rla liscola. In Lacan, ). Outros escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2003.
Em contrapartida, indico como - a partir dos impasses en-
Itozt'ntlral, [i. O scr no gerúndio: corpo e sensibilidnde nnpsicanálise. Rio de contrados por Freud junto ao caso conhecido como "Homem
.f irrrciro: Crlnr;-rar.rlria dc Freud,2014. -
dos Lobos" assistimos, primeiro, ao advento da técnica
ativa; posteriormente, à inauguração, por Ferenczi, de um
estilo clÍrrico inspirado na etica do cuidado que enfatizou o
1;rirrrí1rio «lc rr:laxamento e a neocatarse, em diálogo direto
r orr ,r lrrolrlorrr,ilica cla elaboraçáo psÍquica (DLtrcharbeitung)
r li,,r rirrrrrr,rr l,r 1ror l rcu<l; llrlr Íirrt, ,trl rlost'ttvolvimonto, realiza-
r lr , |rr ,r Wrnrrtr r rll, r lo', ,r\lx'( l( )! t litrit o', r' tt tcl,tPsir r ll«)r;it rls da
r lr,t rr.nr ltnt i,r r, r lo l rt inr,tt r otttD,rt lillt,trlo.

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