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Notas - Gestalt-Terapia Explicada (Frederick S.

Perls, 1969)
Gestalt Therapy Verbatim - Notas de Mauricio Aguiar, 2020

Os objetivos destas anotações são: (1) Para quem leu o livro - poder
relembrar alguns tópicos do mesmo lendo apenas 21 páginas, ao invés das
mais de 300 do original. (2) Para quem não leu - ter uma ideia do tipo de
assunto que o livro aborda e, quem sabe, decidir pela aquisição e leitura do
mesmo. Também é uma oportunidade para conhecer um pouco sobre o
pensamento de Frederick S. Perls, o criador da Gestalt-Terapia.

Cabe notar que, embora exista a versão em português, estas anotações foram
elaboradas a partir da versão original em inglês. Assim sendo, algumas
palavras e expressões poderão estar com tradução diferente da versão
brasileira do livro. A seguir, apresento comentários e trechos selecionados da
obra.

Prefácio do Editor

A edição que utilizei para fazer este resumo é a de 1992. O editor, Joe Wysong, escreveu: “Esta
nova edição de Gestalt-Terapia Explicada (‘Gestalt Therapy Verbatim’) foi reeditada utilizando
equipamentos eletrônicos modernos, para adequar as transcrições às gravações originais feitas no
Instituto Esalen em Big Sur, Califórnia, de 1966 a 1968. (...) A primeira edição de Gestalt-Terapia
Explicada foi compilada e editada por John O. Stevens [que depois mudou seu nome para Steve
Andreas] e publicada pela Real People Press em 1969.”

“Perls foi um clínico brilhante, cujo impacto nas teorias atuais da psicoterapia foi imensurável. Este
livro foi o evento de mídia que trouxe Perls e a Gestalt-Terapia, conforme ele a praticava, à atenção
do público em geral, indo muito além do círculo profissional de praticantes da área de saúde
mental.”

Introdução à Edição do Gestalt Journal

Esta (algo longa) introdução foi escrita por Michael Vincent Miller. Trechos abaixo:

“A primeira vez em que vi Frederick “Fritz” Perls demonstrar a Gestalt-Terapia foi em 1966 e ele já
tinha mais de 70 anos. (...) Parecia mais um pintor boêmio do que um psiquiatra europeu.”

“Terapia-Gestalt Explicada é puro Perls, uma série de performances ao vivo no final dos anos 60 no
Instituto Esalen, aquela cidadela da autorealização na costa oeste norte-americana.”

“Cheio de vida, ad hoc e inspirador, este livro tornou-se, inevitavelmente, o mais popular de Perls,
um fato que teve uma consequência infeliz. Foi recebido por muitas pessoas como se contivesse
tudo o que se precisa saber para aprender Gestalt-Terapia, o que certamente não é verdade.”

“Os analistas e supervisores de Perls incluíram Wilhelm Reich, Karen Horney, Otto Fenichel e
Helene Deutsch, entre outros.”

“Não se deve esquecer que, neste livro, Perls está demonstrando a Terapia-Gestalt e não praticando
a mesma. A má intepretação do conteúdo encorajou algumas concepções erradas e amplamente
divulgadas: que a Gestalt-Terapia era um conjunto de técnicas, baseadas em utilizar duas cadeiras
para o paciente, ao invés de uma; que era uma maneira rápida e fácil de ultrapassar as defesas
neuróticas; e, em geral, que o estilo pessoal de Perls era idêntico à própria Gestalt-Terapia.”

“O livro é melhor lido na companhia dos dois volumes anteriores de Perls: Ego, Fome e Agressão
(‘Ego, Hunger and Agression’) e o volume II de Gestalt Therapy: Excitement and Growth in the
Human Personality (‘Gestalt-Terapia: Excitação e Crescimento na Personalidade Humana’). Ambos
os livros anteriores possuem co-autores - o primeiro escrito com sua mulher Laura, que permaneceu
como uma co-autora invisível; e o segundo, com Paul Goodman, que transformou um manuscrito de
Perls em algo parecido com uma descrição teórica completa da Gestalt-Terapia.”

“Segundo Perls, a tarefa central da terapia não é convencer os pacientes a aceitarem intepretações
misteriosas e enigmáticas de sua história pessoal antiga, mas ajudá-los a se tornarem vivos em sua
experiência imediata, no momento presente.”

“As rápidas montagens que caracterizam as demonstrações de Perls em Gestalt-Terapia Explicada


não se traduzem diretamente nos ritmos da psicoterapia atual. No entanto, o princípio subjacente -
sua ênfase na consciência plena e contato com o momento presente, que ele chama o ‘aqui e agora’ -
podem ser extremamente úteis.”

“Meio e mensagem, forma e conteúdo, possuem quase o relacionamento oposto ao que


tradicionalmente tiveram na psicanálise, onde os relatos do paciente e as interpretações do terapeuta
são os itens principais, enquanto a forma do paciente se apresentar permanece periférica.”

“Enquanto o analista tenderia a utilizar a transferência, principalmente, como uma pista para suas
fontes no passado e explicá-la dessa forma ao paciente, o terapeuta Gestalt se concentraria em
ajudar o paciente a criar uma nova solução imediatamente, a partir de experiências baseadas no
contato entre eles. Por exemplo, um paciente muito submisso (e provavelmente obsessivo), que
iniba suas críticas em função do desejo de agradar, poderia precisar descobrir como ser crítico ao
lidar com algo desagradável em sua vida, começando com suas críticas ao terapeuta.”

“Por que se ligar em explicações na terapia? A Terapia-Gestalt de Perls desistiu das explicações;
tornou-se impaciente para que algo acontecesse.”

“Os remédios para aliviar o sofrimento psicológico de uma era mostraram-se inadequados em outra.
A ‘cura pela palavra’ de Freud, por exemplo, funcionava bem com as neuroses vitorianas, porque
seus sintomas complexos refletiam as tensões sexuais ocultas na família do século dezenove.”

“As pessoas não entram na terapia com sintomas bem definidos e limitados, mas sim com um mal
mais genérico, um distanciamento de suas próprias vidas. Se muitos ainda estão divididos a respeito
de sexo, frequentemente também estão em conflito sobre tudo mais - intimidade em um sentido
amplo, todo o contato com os outros, seu trabalho, seu próprio senso de identidade e seu lugar no
mundo.”

“Os profissionais da saúde têm procurado inventar novas terapias e revisar as antigas. A própria
análise se modificou, de sintomática para caracterológica (“characterological”). Ao mudar o local da
descoberta e da mudança, do passado para o presente, bem como da lógica de causas para o drama
dos efeitos, Perls foi capaz de ir ainda além: tornou possível que o paciente de terapia ilumine e
revise todo o padrão de sua existência, a partir da perspectiva do momento, como o mundo em um
grão de areia, de Blake. Assim, a construção da vida do paciente torna-se mais uma opção do que
um ato do destino.”
“Neste livro, o leitor encontrará uma mescla de conceitos provenientes de várias tradições. De
Reich, que foi um de seus analistas, Perls obteve o conceito de armadura do caráter, que soma as
tensões físicas do caráter neurótico às psicológicas. De Horney, que o analisou e supervisionou,
pegou a ideia de que o comportamento neurótico baseia-se em manipulação para obter amor. Do
existencialismo sartreano, veio a sua insistência na responsabilidade individual diante da construção
da própria vida. Da psicologia experimental Gestalt, pegou os conceitos de figura/fundo e de
situação não acabada (“unfinished situation”), para dar conta das diferentes experiências da
realidade e tendência das pessoas em ficarem prisioneiras de suas próprias histórias.”

“Ao final das contas, para Perls, a medida da saúde é a habilidade de experienciar o novo como
novo.”

“A Gestalt-Terapia, conforme concebida por Perls, procurava restaurar a nossa inocência perdida.”

“A evolução da Gestalt-Terapia não pode ser completamente entendida a partir da norte-


americanização de Frederick Perls. Tanto sua vida, quanto seus pontos de vista em mudança,
poderiam ser descritos como uma progressão da história européia para a inocência norte-
americana.”

“Com a ajuda de Ernest Jones, Perls seguiu para Johannesburg, onde passou os doze anos seguintes
- trocou a Alemanha pela África em 1933. Durante esse período (até 1946), ele e Laura escreveram
Ego, Fome e Agressão, um livro contendo algumas de suas principais ideias, ainda preso a uma
estrutura psicanalítica, que mais tarde fez parte do desenvolvimento da Gestalt-Terapia.”

“Os norte-americanos tendem a considerar o passado, principalmente o passado recente, como uma
fonte de opressão e corrupção, rejeitando-o periodicamente ou rebelando-se contra ele, na crença de
que podem apagar tudo e começar do zero, como se fosse uma segunda chance no Paraíso.”

“Na época em que Perls chegou à Califórnia, as ruas estavam plenas com a última safra da
inocência norte-americana, a inocência espetacular e frenética dos anos 60.”

“Em uma época de desilusão, talvez a inocência apareça como a alternativa otimista ao seu irmão
mais sombrio, o niilismo. Ultrajantemente brincalhão, promíscuo, utópico e rebelde, o humor dos
anos sessenta era alternativamente bem-humorado e zangado, de alguma forma conseguindo ser ao
mesmo tempo sofisticado e ingênuo.”

“Sob um aspecto, a Gestalt-Terapia parecia tanto com os radicais militantes quanto com os jovens
das flores, com seus olhos arregalados: estimulava uma auto-expressão agressiva, aproximando-se
do que Sartre caracterizava como ‘aquela violência diligente e quase sádica, que denomino a
utilização plena de si próprio.”

“Tal qual Emerson, Perls tornou-se um apóstolo da individualidade, semelhante em espírito ao


individualismo radical Emersoniano, o evangelho da auto-suficiência. Era essa a mensagem na
“Oração Gestalt” com a qual Perls conclui a introdução a este livro: ‘Faço a minha coisa e você faz
a sua / Não estou neste mundo para satisfazer as suas expectativas / E você não está neste mundo
para satisfazer as minhas...’ Este é um conselho valioso para adolescentes lutando para se
separarem de seus pais, mas tem utilidade limitada para quem está buscando um casamento bem
sucedido ou a vida em família.”

“A Gestalt-Terapia teve um destino semelhante a muitos outros desvios radicais ou avant-garde da


vida artística e profissional norte-americana. Declinou para a posição de aceitação parcial, um tipo
de fracasso e sucesso simultâneos.”
“Os livros-texto acadêmicos sobre métodos de psicoterapia geralmente tratam a Gestalt-Terapia
como um conjunto de técnicas, colocando-a junto com o psicodrama e com as chamadas terapias
emotivas ou expressivas, uma interpretação errônea que mostra quão penetrante se tornou a
tendência de identificar o gosto de Perls com o todo da Gestalt-Terapia.”

“Ainda falta à Gestalt-Terapia uma visão completa do desenvolvimento humano e da personalidade


(acredito que poderia fornecer algumas contribuições importantes para o nosso entendimento dessas
questões). Também nada produziu semelhante aos melhores escritos psicanalíticos, com suas
arquiteturas barrocas, cores trágicas e complicações irônicas, principalmente os de Freud, uma
literatura rica e duradoura, embora algo do trabalho de Goodman chegue perto. Cabe dizer que,
nisso, a Gestalt-Terapia não é diferente das outras terapias modernas.”

“Michael Vincent Miller. Newton, Massachusetts, Verão de 1988.”

Introdução

“Quero falar sobre o desenvolvimento atual da psicologia humanista. Levamos muito tempo
desmascarando todo o lixo freudiano, e agora estamos entrando em uma fase nova e mais perigosa.
Estamos entrando na fase dos ‘ligadores’ (‘turner-onners’): ligar-se na cura instantânea, ligar-se na
alegria instantânea, ligar-se na consciência sensorial instantânea. Estamos entrando na fase dos
impostores e vigaristas, que acham que, se você fizer algum progresso, está curado - ignorando todo
o potencial real e o gênio que existe em cada um de vocês.”

“Uma das objeções que tenho contra alguém se intitular Gestalt-terapeuta é que a pessoa usa
alguma técnica. Uma técnica é um truque. Um truque só deveria ser usado em um caso extremo.”

“Fizemos uma guinada de 180 graus, do puritanismo e moralismo para o hedonismo. De repente,
tudo tem que ser divertido. O prazer, qualquer envolvimento sincero, qualquer verdadeiro estar aqui
é desencorajado.

Mil flores de plástico


Não fazem um deserto florescer
Mil rostos vazios
Não enchem um quarto vazio

Na Gestalt-Terapia, estamos trabalhando para obter algo diferente. Estamos aqui para promover o
processo de crescimento e desenvolver o potencial humano. Não falamos de alegria instantânea,
consciência sensorial instantânea ou cura instantânea. O processo de crescimento é um processo que
leva tempo. Não podemos apenas estalar os dedos e dizer, ‘Vamos lá, vamos ser alegres! Vamos
fazer isso!’ Você pode ‘se ligar’ com LSD, se quiser e colocar tudo para cima, mas isso não tem
nada a ver com o trabalho sincero da abordagem psiquiátrica que chamo de Gestalt-Terapia.”

“Se você está ansioso, precisa aprender um novo tipo de comportamento, e os psiquiatras
geralmente têm medo da ansiedade. Não sabem o que é ansiedade. Ansiedade é a animação, a élan
vital (energia vital) que carregamos conosco e que se torna estagnada se não estamos certos quanto
ao nosso papel.”

“A ansiedade é o intervalo entre o agora e o então. Se você está no agora, não pode estar ansioso,
porque a energia flui imediatamente para a atividade espontânea. Se você está no agora, está em um
estado criativo. Se está com os seus sentidos ativos, se tem os olhos e ouvidos abertos, como as
crianças pequenas, você encontrará uma solução.
“Para tornar-se real, para aprender a se firmar em uma posição, para desenvolver o seu centro, para
entender a base do existencialismo: uma rosa é uma rosa é uma rosa. Sou o que sou e, neste
momento, não posso ser diferente do que sou. Este livro é a respeito disto. Ofereço a oração Gestalt,
talvez como uma orientação:

Faço a minha coisa e você faz a sua.


Não estou neste mundo para satisfazer as suas expectativas
E você não está neste mundo para satisfazer as minhas.
Você é você e eu sou eu,
E, se por acaso nos encontramos, é lindo.
Senão, nada há a fazer.”

Parte I

“Agora, o que sempre deve ser considerado é que o organismo sempre funciona como um todo. Nós
não temos um fígado ou um coração. Nós somos fígado e coração e cérebro e assim por diante, e
mesmo isto está errado. Não somos uma soma de partes, mas sim uma coordenação - uma
coordenação sutil de todos esses pedaços que entram na confecção do organismo.”

“É por isso que consideramos nossa abordagem a abordagem existencial: existimos como um
organismo - um organismo como um molusco, como um animal e assim por diante, e nos
relacionamos com o mundo externo exatamente como qualquer outro organismo na natureza.”

“Você não consegue sequer separar o organismo e o ambiente. Uma planta removida de seu
ambiente não consegue sobreviver e nem um ser humano, se você retirá-lo de seu ambiente, deixá-
lo sem oxigênio e comida e assim por diante. Dessa forma, temos que considerar sempre o
segmento do mundo em que vivemos como uma parte de nós. Onde quer que a gente vá,
carregamos um tipo de mundo conosco.”

“Quando você tem um caráter, você desenvolveu um sistema rígido. Seu comportamento torna-se
petrificado, previsível e você perde a sua habilidade de lidar livremente com o mundo, de posse de
todos os seus recursos. Você estará condenado a lidar com os eventos de uma certa maneira, ou seja,
como o seu caráter especificar que deve ser. Assim sendo, parece um paradoxo quando digo que a
pessoa mais rica, mais produtiva, mais criativa é pessoa que não tem caráter. Na nossa sociedade,
exigimos que uma pessoa tenha um caráter, e especialmente um bom caráter, porque aí você pode
ser previsível, pode ser classificado e assim por diante.”

“Agora, vamos falar um pouco mais sobre o relacionamento do organismo com o seu ambiente.
Aqui introduzimos o conceito de fronteira do ego. Uma fronteira define uma coisa. Agora, a coisa
tem suas fronteiras, é definida por suas fronteiras em relação ao ambiente.”

“Introduzimos mais uma vez um novo conceito, o desejo de mudar baseado no fenômeno da
insatisfação. Toda vez que você quer mudar a si próprio, ou que você deseja mudar o ambiente, a
base sempre é a insatisfação.”

“Basicamente, chamamos de fronteira do ego a diferenciação entre o self e os outros. Na Gestalt-


Terapia, escrevemos self com ‘s’ minúsculo. Sei que muitos psicólogos gostam de escrever self com
‘S’ maiúsculo, como fosse algo precioso, algo extraordinariamente valioso. Vão para a descoberta
do self como se fosse a caça ao tesouro. O self não significa nada além dessa coisa definida pelo
território dos outros. ‘Faço eu mesmo’ significa que ninguém mais está fazendo isso, que é este
organismo que o faz.”
“Dois fenômenos da fronteira do ego são identificação e alienação. Eu me identifico com meu
movimento. Digo que eu mexo meu braço. Quando vejo você sentada aí em uma certa postura, não
digo ‘Eu estou sentado aí’, mas sim ‘Você está sentada aí’. Diferencio a experiência aqui da
experiência aí, e esta experiência de identificação possui vários aspectos. O eu parece muito mais
precioso que os outros.”

“Assim, dentro da fronteira do ego geralmente há coesão, amor, cooperação; fora da fronteira do
ego há suspeita, estranhamento, falta de familiaridade.”

“Normalmente não amamos uma pessoa. Isso é muito, muito raro. Amamos uma certa propriedade
da pessoa, que ou é idêntica ao nosso comportamento, ou suplementar a ele, geralmente algo que
nos completa. Achamos que estamos apaixonados pela pessoa inteira, quando na verdade estamos
enojados diante dos outros aspectos da pessoa. Assim, quando a pessoa se comporta de uma
maneira que nos enoja, não dizemos ‘Isto em você é nojento, embora essa outra parte seja adorável.’
Dizemos, ‘Você é nojenta - saia da minha vida.’”

“O ódio é uma função de chutar alguém para fora da fronteira, por algum motivo. O termo que
utilizamos na psiquiatria existencial é alienação, exclusão. Excluímos uma pessoa e, se a existência
desta pessoa constituir uma ameaça a nós, queremos aniquilá-la. Mas trata-se, definitivamente, de
uma exclusão da nossa fronteira, de nós.”

“Esta fronteira, esta fronteira de identificação/alienação, que prefiro chamar de fronteira do ego,
aplica-se a todas as situações da vida. (...) Acho que não há a hipótese de viver sem uma fronteira -
sempre há, ‘Estou do lado correto da cerca e você está do lado errado’.”

“Pessoalmente, não acredito que exista a objetividade. A objetividade da ciência também é, apenas,
uma questão de acordo mútuo. Um certo número de pessoas observa o mesmo fenômeno e aí falam
sobre um critério objetivo. Todavia, foi do lado científico que veio a primeira prova da
subjetividade. Veio de Einstein. Ele compreendeu que não é possível que todos os fenômenos no
universo sejam objetivos, porque o observador e a velocidade no seu sistema nervoso precisam ser
considerados nos cálculos desse fenômeno externo. Se você tiver perspectiva, e conseguir ter uma
visão mais ampla, você parecerá mais justo, objetivo, equilibrado. Mas mesmo assim, é você como
sujeito que vê isso. Não temos muita noção do que seja o universo.”

“Há um tipo de integração - sei que a formulação não é bem correta - do subjetivo e do objetivo.
Essa é a palavra consciência (‘awareness’, a qualidade de perceber ou estar consciente de algo). A
consciência (de algo) é sempre uma experiência subjetiva. Não posso estar consciente do que você
está consciente. A ideia Zen de consciência absoluta, na minha opinião, é uma bobagem. A
consciência absoluta não pode existir porque, tanto quanto sei, a consciência (de algo) sempre tem
conteúdo. Algúem está sempre consciente de alguma coisa. Se digo que nada sinto, pelo menos
estou consciente do nada (‘nothingness’), que se for melhor examinado tem um caráter bastante
positivo, tal como um estado de dormência, ou uma lacuna, e quando você fala da experiência
psicodélica, há uma consciência, mas também há uma consciência de algo.”

“Tenho sido, muitas vezes, chamado de fundador da Gestalt-Terapia. Isso é besteira. Se você me
chamar de descobridor ou redescobridor da Gestalt terapia, okeh1. A Gestalt é tão antiga e velha
quanto o próprio mundo. O mundo, especialmente cada organismo, se mantém, e a única lei
constante é a formação de gestalts - de totalidades, de completude. Uma gestalt é uma função
orgânica. Uma gestalt é uma unidade experiencial única. Tão logo você quebre uma gestalt, deixa
de ser uma gestalt.”

1 “okeh”, é a versão de “OK” utilizada por Perls nos seminários.


“A Gestalt-Terapia é um dos três tipos de terapia existencial: a Logoterapia de Frankl, a Terapia
Daseins de Binswanger e a Gestalt-Terapia. O importante é que a Gestalt-Terapia é primeira
filosofia existencial que se sustenta sobre os próprios pés. Faço distinção entre três tipos de
filosofia. Um é o ‘sobrismo’ (‘aboutism’). Falamos e falamos sobre isso e nada é realizado. O
segundo tipo de filosofia eu poderia chamar de ‘devismo’ (‘shouldism’). Moralismo. Você devia ser
isto, você devia se modificar, você não devia fazer aquilo - cem mil comandos, mas sem nenhuma
consideração quanto à possibilidade da pessoa que ‘devia’ poder realmente executar. A terceira
filosofia é a que chamo de existencialismo. O existencialismo quer eliminar os conceitos e trabalhar
no princípio da consciência, na fenomenologia. O problema é que precisam sempre de suporte em
outro lugar. Se observar os existencialistas, eles dizem que são não-conceituais, mas se olhar as
pessoas, todas pegam conceitos de outras fontes. Buber os pega do judaísmo, Tilich do
protestantismo, Sartre do socialismo, Heidegger da linguagem, Binswanger da psicanálise e assim
por diante.”

“A Gestalt-Terapia tem suporte na sua própria formação, porque a formação da gestalt, a


emergência das necessidades, é um fenômeno biológico primário.”

“Assim, estamos descartando toda a teoria dos instintos, simplesmente consideramos o organismo
como um sistema que está em equilíbrio e que tem que funcionar adequadamente. Qualquer
desequilíbrio é experienciado como uma necessidade de correção.”

“Uma outra lei que descobri é que, do ponto de vista da sobrevivência, a situação mais urgente
torna-se a controladora, a diretora, assumindo o controle.”

“Como, com a consciência total, você se torna consciente desta autoregulação organísmica, pode
deixar o organismo assumir sem interferir, sem interromper; podemos confiar na sabedoria do
organismo.”

“Agora, se você estiver disposto a ficar no centro do nosso mundo e não ficar centrado no nosso
computador ou em algum outro lugar, mas realmente no centro, então seremos ambidestros. Então
veremos os dois polos de cada evento. Poderemos ver que a luz não pode existir sem a não-luz.”

“Freud fez a metade do trabalho. Ele viu o ‘topdog’, o superego, mas deixou de lado o ‘underdog’,
que é tanto uma personalidade quanto o ‘topdog’. (...) Esta é a base para o famoso jogo de
autotortura. Geralmente assumimos que o ‘topdog’ está certo e, em muitos casos, o ‘topdog’ faz
demandas impossíveis e perfeccionistas. Aí, se você estiver amaldiçoado pelo perfeccionismo,
estará absolutamente derrotado. (...) Se assumir este ideal, o ideal perfeccionista ao seu redor, terá
uma maravilhosa ferramenta para jogar o jogo amado do neurótico, o jogo da autotortura, ficar se
autoperturbando, se autocastigando. Isso se esconde sob a máscara da ‘automelhoria’ (‘self-
improvement’). Nunca funciona.”

“Muitas pessoas dedicam sua vida a tornar real um conceito de como deveriam ser, ao invés de
tornarem-se reais. Esta diferença entre a imagem de si mesmo e se autorealizar é muito importante.
A maioria das pessoas vive apenas para a sua imagem. Enquanto muitas pessoas possuem um self,
outras possuem um vazio, porque estão ocupadas demais, projetando-se como isto ou aquilo.”

“Todo controle externo, ou internalizado, - ‘você devia’ - interfere com o funcionamento normal do
organismo. Há apenas uma coisa que deveria ter o controle: a situação. Se você entender a situação
em que está, e deixá-la controlar suas ações, então aprenderá a lidar com a vida.”
“A próxima coisa sobre a qual eu gostaria de falar é a diferença entre objetivo-ganho e meios-como.
O objetivo-ganho é sempre fixado por uma necessidade. A escolha livre é nos meios-como.
Digamos que preciso enviar uma mensagem a Nova Iorque. Esta é a coisa fixa, o objetivo-ganho.
Os meios-como enviar a mensagem, o canal, é de importância secundária - não importa se enviar
por cabo, boca, carta ou telepatia, se acreditar nisto. Assim, apesar da tese de McLuhan ‘O meio é a
mensagem’, ainda acredito que o objetivo-ganho é o principal.”

“A intuição é a inteligência do organismo. A inteligência é o todo, o intelecto é a prostituta [‘whore’


- na tradução brasileira o termo usado é ‘corrupção’] da inteligência - o computador, o jogo de
encaixe. Se isto é assim, então aquilo é assado - todas essas conclusões que as pessoas colocam no
lugar de ver e ouvir o que está acontecendo.”

Parte II

“Agora quero falar sobre amadurecimento. E, para entender amadurecimento, temos que falar de
aprendizagem. Para mim, aprendizagem é descoberta.”

“Enquanto você tiver os seus sentidos, enquanto você puder ver e ouvir e entender o que está
acontecendo, você entende. Se aprender conceitos, buscar informação, então você não entende.
Você apenas explica. E não é fácil explicar a diferença entre a capacidade de explicar e a de
entender.”

“O aprendizado é descoberta. Não há outro meio eficaz de aprender. Você pode dizer à criança mil
vezes, ‘O fogão está quente’. Não adianta. A criança tem que descobrir por si própria.”

“Temos um objetivo muito específico na Gestalt-Terapia, o mesmo objetivo que existe, pelo menos
verbalmente, em outras formas de terapia, em outras maneiras de descobrir a vida. O objetivo é
amadurecer, crescer.”

“A ideia da pessoa incompleta foi trazida a nós, pela primeira vez, por Nietzsche e, um pouco
depois, por Freud. A formulação de Freud é um pouco diferente. Ele diz que uma certa parte da
personalidade da pessoa é reprimida - está no inconsciente. Mas, quando fala do inconsciente, ele
apenas quer dizer que nem todo o nosso potencial está disponível. Sua ideia é que há uma barreira
entre a pessoa e o inconsciente, o potencial não disponível. E, se levantarmos a barreira, poderemos
novamente ser totalmente nós. A ideia está basicamente correta. E todo tipo de psicoterapia está
mais ou menos interessada no enriquecimento da personalidade - em liberar o que se costuma
chamar de partes reprimidas e inibidas da personalidade.”

“A palavra ‘neurose’ é muito ruim. Eu a uso, também, mas na verdade o nome deveria ser
‘desordem do crescimento’.”

“Minha formulação é que o amadurecimento é a transcendência do suporte ambiental para o


autosuporte.”

“O impasse é o ponto crucial na terapia - o ponto crucial no crescimento. (...) O impasse é a posição
onde o suporte ambiental, ou o suporte interno obsoleto não funcionam mais e o autosuporte
autêntico ainda não foi alcançado.”

“A pessoa média da nossa época, acreditem ou não, vive, no máximo, apenas de cinco a quinze por
cento de seu potencial. Uma pessoa que tem apenas vinte por cento de seu potencial disponível já é
considerada um gênio.”
“O ‘problema’ com as pessoas que são capazes de revisar a situação a cada segundo é que não
somos previsíveis. O papel do bom cidadão requer que ele seja previsível, porque nosso desejo de
ter segurança, de não assumir riscos, nosso medo de sermos autênticos, nosso medo de ficar sobre
nossos próprios pés, especialmente sobre nossa própria inteligência - este medo é horroroso.”

“Estamos vivendo em uma sociedade insana, onde a escolha é entre participar desta psicose
coletiva, ou assumir o risco de tornar-se são e, talvez, também, ser crucificado.”

“Minha definição de ansiedade é o intervalo entre o agora e o depois. Quando você deixa a base real
do agora e se torna preocupado com o futuro, você experimenta a ansiedade.”

“Todo indivíduo, toda planta, todo animal tem apenas um objetivo nato - realizar-se como é. Uma
rosa é uma rosa é uma rosa. Uma rosa tão tem a intenção de realizar-se como um cangurú. Um
elefante não tem a intenção de realizar-se como um pássaro. Na natureza, exceto no caso do ser
humano - constituição, saúde, potencial, crescimento, é tudo uma coisa unificada.”

“No processo de crescimento há duas escolhas: ou a criança cresce e aprende a superar a frustração,
ou é estragada pelos pais, que respondem a todas as perguntas, de forma certa ou errada. Pode ser
estragada de sorte que, tão logo deseje alguma coisa, a recebe - porque a criança ‘deveria ter tudo,
porque papai nunca teve’, ou porque os pais não sabem como frustrar as crianças - não sabem como
utilizar a frustração.”

“Sem frustração não há necessidade, nem razão para mobilizar seus recursos, para descobrir que
você pode fazer alguma coisa sozinho. Para não ser frustrada, que é uma experiência bastante
dolorosa, a criança aprende a manipular o ambiente.”

“Agora, toda vez que a criança, em seu desenvolvimento, for impedida de crescer pelo mundo
adulto, toda vez que a criança for estragada por não vivenciar frustração suficiente, a criança
empaca. Assim, ao invés de utilizar seu potencial para crescer, ela agora utiliza seu potencial para
controlar os adultos - para controlar o mundo. Em vez de mobilizar seus próprios recursos, cria
dependências. Investe sua energia para controlar o ambiente e obter suporte. Controla os adultos por
meio de manipulação, encontrando seus pontos fracos. Conforme a criança começa a desenvolver
os meios de manipulação, adquire o que é chamado ‘caráter’. Quanto mais caráter uma pessoa tem,
menos potencial. Isto parece paradoxal, mas um personagem [em inglês personagem e caráter são a
mesma palavra - ‘character’] é uma pessoa previsível, que tem apenas um número fixo de reações,
ou, como diz T.S. Eliot em ‘The Cocktail Party’, ‘Você não é nada, mas apenas um conjunto de
reações obsoletas.’”

“Por exemplo, um dos piores diagnósticos que encontro é um ‘bom garoto’. Há sempre um pirralho
rancoroso dentro do bom garoto. Todavia, ao fingir concordar e cumprir as regras, pelo menos na
superfície, ele suborna o adulto. Ou finge de tolo e solicita suporte intelectual - faz perguntas, por
exemplo, que são o sintoma típico da tolice. Conforme Albert Einstein me disse, uma vez: ‘Duas
coisas são infinitas - o universo e a tolice humana.”

“Você pode imaginar quanto da nossa energia vai para manipularmos o mundo, ao invés de
utilizarmos esta energia criativamente, para o nosso próprio desenvolvimento. E isto se aplica,
especialmente, a fazer perguntas. Você conhece o provérbio, ‘Um tolo consegue fazer mais
perguntas do que mil sábios conseguem responder.’ Todas as respostas são dadas. A maioria das
perguntas são apenas intervenções para nos torturarmos e as outras pessoas. A maneira de
desenvolver nossa própria inteligência é transformar cada pergunta em uma afirmação. Se você
transforma sua pergunta em uma afirmação, o pano de fundo de onde a pergunta surgiu se abre, e as
possibilidades são descobertas pela própria pessoa que perguntou.”
“Toda vez que você se nega a responder uma pergunta, ajuda a outra pessoa a desenvolver seus
próprios recursos. O aprendizado nada mais é do que a descoberta de que algo é possível. Ensinar
significa mostrar a alguém que algo é possível.”

“As partes faltantes na pessoa são sempre visíveis. Estão sempre lá, na projeção do paciente sobre o
terapeuta - que o terapeuta deve ter todas as propriedades que estão faltando na pessoa.”

“O terapeuta deve oferecer a oportunidade, a situação na qual a pessoa possa crescer. O meio para
isto é frustrarmos o paciente de tal maneira, que o mesmo seja forçado a desenvolver seu próprio
potencial. Aplicamos, habilmente, a quantidade de frustração suficiente para que o paciente seja
forçado a encontrar seu próprio caminho, descobrir suas próprias possibilidades, seu próprio
potencial e descobrir que aquilo que ele espera do terapeuta, ele mesmo pode fazer.”

“O que estamos tentando fazer na terapia é, retomar posse, passo a passo, das partes rejeitadas da
personalidade, até que a pessoa se torne suficientemente forte para facilitar seu própro crescimento,
compreendendo onde estão os seus ‘buracos’ - quais são os sintomas dos ‘buracos’. E os sintomas
dos buracos são sempre indicados por uma palavra: evitar.”

“E isto é o que estamos sempre tentando fazer, frustrar a pessoa até que ela esteja frente a frente
com seus bloqueios, suas inibições, sua maneira de evitar ter olhos, ter ouvidos, ter músculos, ter
autoridade, ter segurança em si mesma.
Assim, estamos sempre tentando chegar ao impasse, encontrar o ponto onde você acredita que não
tem chance de sobrevivência, porque você não encontra os meios em si próprio. Quando
encontramos o lugar onde a pessoa está empacada, chegamos à surpreendente descoberta de que o
impasse é acima de tudo uma simples questão de fantasia.”

“Muito poucas pessoas entram na terapia para serem curadas; ao invés disso, entram para
melhorarem sua neurose. Preferimos manipular os outros, a fim de obter suporte, do que aprender a
ficarmos sobre nossos próprios pés e a limparmos nosso próprio traseiro. E, para manipularmos os
outros, tornamos-nos fanáticos por controle, utilizando toda espécie de truques.”

“A pessoa louca diz, “Sou Abraham Lincoln”, e o neurótico diz, “Eu queria ser Abraham Lincoln”,
assim como a pessoa sã diz, “Eu sou eu, e você é você.”

Parte III

“Nada existe além do aqui e agora.”

“Algumas pessoas fazem disto um programa. Eles demandam, ‘Você deveria viver no aqui e
agora.” E eu digo que não é possível viver no aqui e agora e, contudo, nada existe exceto o aqui e
agora.”

“O grande erro da psicanálise é assumir que a memória é a realidade. Todos os chamados traumas,
que supostamente são as raízes da neurose, são na verdade uma invenção do paciente, para salvar
sua autoestima. Jamais se conseguiu provar a existência desses traumas. Nunca vi um único caso de
trama infantil que não fosse falso. São todos mentiras, nas quais as pessoas se apoiam, para
justificar a falta de vontade de crescer.”

“Freud dedicou toda a sua vida a provar, para si e para os outros, que o sexo não é ruim, e ele tinha
que provar isto cientificamente. No seu tempo, a abordagem científica era a da causalidade,
segundo a qual o problema era causado por alguma coisa no passado, tal qual um taco de sinuca
empurra uma bola de bilhar, sendo então o taco a causa do movimento da bola. Desde então, a nossa
atitude científica mudou. Não mais olhamos para o mundo em termos de causa e efeito. Olhamos
para o mundo como um processo contínuo, em andamento. Voltamos a Hieráclito, à ideia pré-
socrática de que tudo está fluindo. Nunca pisamos duas vezes no mesmo rio. Em outras palavras,
fizemos - na ciência, mas infelizmente ainda não na psiquiatria - a transição da causalidade linear
para o pensamento baseado no processo, do por que para o como.”

“Por que e porque são palavrões na Gestalt-Terapia. Levam apenas à racionalização, pertencendo à
segunda classe de produção verbal. Faço distinção entre três níveis de produção verbal: cocô de
galinha (‘chickenshit’) - isto é ‘bom dia’, ‘como vai’ e assim por diante; cocô de gado (‘bullshit’) -
isto é ‘porque’, racionalização, desculpas; e cocô de elefante (‘elephant shit’) - quando você fala em
filosofia, Gestalt-Terapia existencial, etc. - o que estou fazendo agora.”

“Eis as duas pernas sobre as quais a Gestalt-Terapia anda: agora e como. A essência da teoria da
Gestalt-Terapia é o entendimento dessas duas palavras. Agora cobre tudo que existe. O passado não
existe mais, o futuro ainda não existe. Agora inclui o estar aqui, experiência, envolvimento,
fenômeno, consciência. Como cobre tudo que é estrutura, comportamento, tudo que está realmente
acontecendo - o processo em andamento. Todo o resto é irrelevante - calcular, captar e assim por
diante.”

“É muito raro as pessoas serem capazes de falar e ouvir. Pouquíssimas pessoas conseguem ouvir
sem falar. A maioria das pessoas consegue falar sem ouvir. E, se você estiver ocupado falando, não
terá tempo de ouvir. A integração entre falar e ouvir é uma coisa muito rara. A maioria das pessoas
não ouve e não dá uma resposta sincera, apenas afasta a outra pessoa com uma pergunta. Ao invés
de ouvir e responder, imediatamente vem um contra-ataque, uma pergunta ou algo que desvia, muda
a direção, evita.”

“Não conseguimos suportar o vazio, a amplitude do passado. Não estamos dispostos a aceitar a
ideia de eternidade - ‘Sempre existiu’ - então temos que preencher esse espaço com a história da
criação. O tempo teve começo, de alguma forma. As pessoas perguntam, ‘Quando o tempo
começou?’ O mesmo se aplica ao futuro. Parece incrível que possamos viver sem objetivos, sem
preocupação com o futuro, que possamos estar abertos e prontos para o que der e vier. Não; temos
que garantir que não teremos futuro, que o status quo vai permanecer, ficando até um pouco melhor.
Mas não devemos assumir riscos, não devemos estar abertos ao futuro. Algo de novo e excitante
poderia acontecer e contribuir para o nosso crescimento. É perigoso demais aceitar o risco do
crescimento. Preferimos andar pelo mundo como semi-cadáveres do que viver perigosamente e
entender que viver perigosamente é muito mais seguro que este ‘seguro’ - vida de segurança e não
aceitar riscos, que a maioria de nós decide viver.”

“Na Gestalt-Terapia, a culpa é algo muito mais simples. Vemos a culpa como ressentimento
projetado. Quando você sentir culpa, descubra o foco de seu ressentimento que a culpa
desaparecerá, e você tentará fazer a outra pessoa sentir-se culpada.”

“Uma das experiências menos expressas é o ressentimento. Esta é a situação não concluída, por
excelência. Se você está ressentido, está empacado; você não consegue mover-se para a frente e
resolver a questão, expressar sua raiva, mudar o mundo de modo a obter satisfação, nem consegue
deixar para lá e esquecer o que o perturba. O ressentimento é o equivalente psicológico da mordida
que permanece - a mandíbula tensa e fechada.”

“Há uma grande vantagem em utilizar o ressentimento na terapia, no crescimento. Por trás de cada
ressentimento há demandas.”
“Um ressentimento não expresso frequentemente é experienciado como, ou se transforma em,
sentimentos de culpa. Quanto sentir culpa, descubra qual é o seu ressentimento e o expresse, torne
suas demandas explícitas. Isto, apenas, o ajudará bastante.”

“A consciência cobre, por assim dizer, três camadas ou três zonas: consciência de si mesmo (“self”),
consciência do mundo e consciência daquilo que está entre os dois - a zona intermediária de fantasia
que impede uma pessoa de estar em contato consigo ou com o mundo. Esta é a grande descoberta
de Freud - de que há alguma coisa entre você e o mundo. Há tantos processos acontecendo na
fantasia de uma pessoa. Ele chama isso de complexo ou preconceito.”

“Assim, a ideia de Freud de que a zona intermediária, esta terra de ninguém entre você e o mundo,
deveria ser eliminada, esvaziada com uma lavagem cerebral, ou como você quiser chamar, estava
perfeitamente correta. O único problema é que Freud ficou naquela zona e analisou esta parte
intermediária. Não considerou a consciência de si próprio ou a consciência do mundo; não levou em
conta o que precisamos fazer para entrar novamente em contato.”

“Você pode falar até o dia do fim do mundo, pode perseguir suas memórias da infância até o fim do
mundo, mas nada mudará. Você pode associar - ou desassociar - cem coisas a um evento, mas
consegue experienciar apenas uma realidade.”

“Assim, diferentemente de Freud, que colocou a maior ênfase nas resistências, coloquei a maior
ênfase na atitude fóbica, evitar, fugir de. Talvez alguns de vocês saibam que a doença de Freud foi
que ele sofria de um número imenso de fobias e, como tinha esta doença, ele tinha que evitar de
lidar com ‘evitar’. Sua atitude fóbica era tremenda. Não conseguia olhar para o paciente - não
conseguia enfrentar o encontro com o paciente - então tinha que colocá-lo em um sofá, e o sintoma
de Freud tornou-se a marca registrada da psicanálise.”

“Autenticidade, maturidade, responsabilidade por suas ações e por sua vida, capacidade de
responder, de viver no agora, com a criatividade disponível no agora, é tudo uma coisa só. Somente
no agora você está em contato com o que está acontecendo.”

“Não acredito em repressões. A teoria inteira da repressão é uma falácia. Não conseguimos reprimir
uma necessidade. Reprimimos apenas algumas formas de expressar essas necessidades.
Bloqueamos um lado, então vamos nos expressar de uma outra maneira, em nossos movimentos, na
nossa postura, e acima de tudo na nossa voz. Um bom terapeuta não escuta o conteúdo da bobagem
(“bullshit”) que o paciente produz, mas sim o som, a música, as hesitações. A comunicação verbal
normalmente é uma mentira. A comunicação real está além das palavras. Há um bom livro
disponível, A Voz da Neurose, de Paul Moses, um psicólogo de São Francisco (Califórnia) que
faleceu recentemente. Ele consegue dar um diagnóstico, a partir da voz, que é melhor do que o teste
de Rorschach.”

Parte IV

“Agora vejo a neurose como constituída por cinco camadas.


A primeira camada é a camada clichê. Se você encontra uma pessoa, vocês trocam clichês - ‘Bom
dia’, aperto de mãos, e todos os tokens sem significado correspondentes a um encontro.
Por trás do clichê, você encontrará a segunda camada, que chamo camada Eric Berne ou Sigmund
Freud - a camada onde brincamos de jogos e representamos papéis - a pessoa muito importante, o
valentão (“bully”), o bebê chorão, a garotinha boazinha, o bom garoto - quaisquer papéis que
queiramos desempenhar. Algumas dessas são as camadas superficiais, sociais, camadas como-se.
Fingimos ser melhores, mais corajosos, mais fracos, educados, etc., do que realmente nos sentimos.
Isto é essencialmente onde os psicanalistas ficam.”
“Agora, esta camada sintética precisa ser atravessada primeiro. Chamo-a camada sintética porque se
encaixa bem no pensamento dialético. Se traduzirmos a dialética - tese, antítese, síntese - em
existência, diremos: existência, anti-existência e existência sintética.”

“Se trabalharmos com a camada onde representamos papéis e removemos os papéis, o que
experienciamos, então? Aí experienciamos a anti-existência, experienciamos o nada, o vazio. Este é
o impasse sobre o qual falei antes, o sentimento de estar empacado e perdido.”

“Atrás do impasse está uma camada muito interessante, a camada da morte, ou camada implosiva.
A quarta camada aparece como morte, ou como medo da morte.”

“Quando realmente entramos em contato com esta ‘morte’ da camada implosiva, então algo
interessante acontece.
A implosão torna-se explosão. A camada da ‘morte’ torna-se viva, e esta explosão é a ligação com a
pessoa autêntica que é capaz de experienciar e expressar suas emoções.”

“As chamadas quebras de couraça da terapia reichiana e todas essas coisas têm tão pouca utilidade
quanto os insights da psicanálise. As coisas ainda precisam ser trabalhadas.”

“Nossa energia vital vai apenas para as partes da nossa personalidade com as quais nos
identificamos.”

“A maioria das pessoas pratica dois tipos de jogos intelectuais. Um jogo é o da comparação, o jogo
do “mais que” - meu carro é maior que o seu, minha casa é melhor que a sua, eu sou melhor que
você, minha infelicidade é maior que a sua e assim por diante. O outro jogo, que é da maior
importância, é o jogo do encaixe. Você conhece muitos aspectos deste jogo, que pode ser jogado em
duas direções. Uma é: olhamos para a realidade e identificamos onde ela se encaixa nas minhas
teorias, minhas hipóteses, minhas fantasias sobre como é a realidade. Você também pode trabalhar
na direção oposta. Pode ter fé em um certo conceito, em uma certa escola, seja na escola
psicológica, na escola freudiana, ou na escola de condicionamento. Aí você vai ver como encaixar a
realidade no modelo. É como Procusto, que tinha que encaixar todas as pessoas em uma cama de
tamanho fixo. Se as pessoas fossem muito altas, ele cortava-lhes as pernas. Se fosse muito baixas,
ele as esticava até que encaixassem na cama. Este é o jogo do encaixe.”

“Toda emoção, então, expressa-se no sistema muscular. Não se consegue imaginar raiva sem
movimento muscular. Não se consegue imaginar a alegria, que é mais ou menos a mesma coisa que
uma dança, sem movimento muscular.”

“A diferença entre a Gestalt-Terapia e a maioria dos outros tipos de psicoterapia é, essencialmente,


que não analisamos. Nós integramos. O velho erro de misturar entendimento com capacidade de
explicar é o que esperamos evitar. Se explicamos, interpretamos, isto pode ser um jogo intelectual
muito interessante, mas é uma atividade vazia, e uma atividade vazia é pior do que não fazer nada.”

“A Gestalt-Terapia é uma abordagem existencial, o que significa que não estamos apenas ocupados
em lidar com sintomas ou com a estrutura do caráter, mas com a existência total de uma pessoa.
Esta existência, bem como os problemas a era inerentes, na minha opinião são mais claramente
indicados nos sonhos.”

“Freud uma vez chamou o sonho de Via Regia, o caminho real para o inconsciente. E acredito que
seja, realmente, o caminho real para a integração. Nunca sei o que é o ‘inconsciente’, mas sabemos
que o sonho é, definitivamente, a produção espontânea mais importante que possuímos.”
“Sugiro que comecemos com a suposição impossível de que aquilo que acreditamos ver em outra
pessoa ou no mundo é uma projeção.
Podemos reassimilar. Podemos tomar de volta nossas projeções, projetando-nos completamente
naquela outra coisa ou pessoa.”

“No Zen, não se permite que você pinte um galho de árvore até que você tenha se tornado aquele
galho.”

“Muitos de vocês sofreram lavagens cerebrais de psicanalistas, mas se quiserem obter algo real de
um sonho, não interpretem. Não joguem jogos intelectuais de insight, não associem livremente ou
não-livremente a partir dos sonhos.
Na Gestalt-Terapia não interpretamos sonhos. Fazemos algo muito mais interessante com eles. Ao
invés de analisar e decompor os sonhos em pedaços, desejamos trazê-los de volta à vida.
E a maneira de trazer um sonho de volta à vida é revivê-lo, como se estivesse acontecendo agora.
Ao invés de contar o sonho como se fosse uma história acontecendo no passado, reviva-o no
presente, intepretando-o como faria um ator, de modo que se torne uma parte de você, de modo que
esteja realmente envolvido.”

“Qualquer momento em que você utiliza as palavras aqui e como, tornando-se consciente disto,
você cresce. Cada vez que você usa a expressão por que, você diminui em estatura. Preocupa-se
com informações falsas, desnecessárias. Alimenta apenas o computador, o intelecto. E um intelecto
é a prostituta da inteligência. É um atraso em sua vida.”

Seminário de Trabalho com os Sonhos


Introdução

“Muitas vezes o grupo dá muito apoio, mas se estiverem dispostos apenas a ‘ajudar’, eu os corto do
grupo. ‘Gente da ajuda’ são vigaristas, interferindo. As pessoas têm que crescer por meio da
frustração - por meio de uma frustração hábil. Senão, não terão incentivo para desenvolver seus
próprios meios e maneiras de lidar com o mundo.”

“Toda esta atividade pretende ser uma experiência de crescimento. Esperamos que, desta vez,
consigamos produzir pessoas reais, que estejam dispostas a tomar uma atitude, pessoas que estejam
dispostas a assumir responsabilidade por suas vidas.”

“Minha função, como terapeuta, é ajudá-los na tomada de consciência do aqui e agora, e frustrá-los
em quaisquer tentativas de sair fora disto.”

“Assim, mostrei a ele que tinha uma escolha existencial, ser um homem zangado ou um gago. E
vocês sabem como um gago pode torturá-los, mantendo-os em ganchos suaves. Qualquer raiva que
não esteja saindo, fluindo livremente, irá se transformar em sadismo, sede de poder e outros meios
de tortura.”

“Prefiro, especialmente, trabalhar com sonhos. Acredito que, em um sonho, tenhamos uma clara
mensagem existencial sobre o que está faltando em nossas vidas, o que evitamos fazer e viver,
obtendo bastante material para reassimilar e recuperar as partes alienadas de nós.”

“Aqui temos uma situação típica de dominador (“topdog”) e dominado (“underdog”). O dominador
sempre tem razão - algumas vezes está correto, mas nem sempre - mas sempre acha que tem razão.
E o dominado está disposto a acreditar no dominador. O dominador é um juiz, é um “bully”. O
dominado geralmente é bastante esperto e controla o dominador com outros meios, tais como ‘Você
está certo’, ou ‘Eu faço o melhor que posso’, ‘Tentei tudo o que pude’, ‘Esqueci’, coisas assim.”
“Freud criou um termo, ‘repetição compulsiva’. E pensou que esta compulsão pela repetição leva à
petrificação e ao instinto de morte. Eu acredito que é exatamente o inverso. Se alguma coisa aparece
muitas vezes, isto significa que uma gestalt não foi concluída. Há um problema que não foi
concluído e terminado, dessa forma não consegue se recolher ao pano de fundo (‘background’).
Então, se for alguma coisa, é uma tentativa de tornar-se vivo, de lidar com as coisas. E, muitas
vezes, esses sonhos repetitivos são pesadelos. Novamente, é o oposto de Freud, que pensou que os
sonhos são desejos não realizados (“wishful thinking”). Nos pesadelos você sempre encontra como
se frustrar. Tudo bem.”

“Há pelo menos quatro tipos de explosões que - vamos considerar uma pessoa saudável, por
enquanto - alguém pode ser capaz de vivenciar. Tais são: raiva, alegria, tristeza e orgasmo. Digo
especificamente orgasmo e não sexo porque há muito sexo sem explosão. Agora, essas explosões,
por si só, não constituem o significado da vida ou da existência. São um tipo de energia que
explode, por assim dizer, uma represa, e se ligam à pessoa autêntica. De tal modo que o sentimento,
a habilidade de participar, de se envolver emocionalmente, torna-se possível. Uma vez que tenha
passado pela camada explosiva, aparece a pessoa autêntica, a pessoa real.”

“Mencionei anteriormente a camada da morte e, embora esteja bastante em desacordo com o


instinto de morte de Freud, conforme Freud o utiliza, esta petrificação muitas vezes ocorre a
caminho de se tornar algo morto: um organismo vivo tornando-se uma coisa, um processo
tornando-se um nome, o congelamento de um grande potencial, uma previsibilidade, uma fácil
utilização das palavras ao invés da experiência de experienciar processos vivos. Isto é uma maneira
de estarmos mortos sem saber que estamos.”

“A responsabilidade significa a habilidade de reagir: a habilidade de estar vivo, de sentir, de ser


sensível. Temos frequentemente igualado a responsabilidade à ideia de obrigação, o que é idêntico a
ser megalomaníaco, onipotente. Assumimos a responsabilidade por outra pessoa. Mas a
responsabilidade simplesmente significa que ‘eu sou eu, assumi e desenvolvi em mim mesmo o que
posso ser’. Em outras palavras, a responsabilidade é a habilidade de reagir e ser completamente
responsável por si e por ninguém mais. Esta é, acredito, a característica mais básica da pessoa
madura.”

“Veja a diferença entre as frases ‘Estou me estressando’ e ‘Há um estresse aqui.’ Quando diz ‘Eu
sinto estresse’, você é irresponsável, não é responsável por isto, está impotente e nada pode fazer a
respeito. O mundo deveria dar a você alguma coisa - uma aspirina, ou seja lá o que for. Mas,
quando você diz ‘Estou me estressando’, você assume a responsabilidade, aí podemos ver o
primeiro pedacinho de vida aparecendo. Então fique com esta sentença.”

“O desconforto aparece frequentemente. É sempre um sintoma de desonestidade. Se você não se


expressa honestamente, sente-se desconfortável. No momento em que você se expressa
adequadamente, o desconforto desaparece.”

“Eu, este Fritz, não posso ir para casa com você. Não posso ser seu terapeuta permanente. Mas você
pode conseguir seu próprio terapeuta personalizado e levar este com você. E ele sabe muito mais do
que eu, porque é sua própria criação. Posso tentar adivinhar, teorizar ou intepretar o que você está
experienciando. Posso ver o arranhão, mas não posso sentir a coceira. Não estou em você e não sou
arrogante ao ponto de ser um psicanalista e dizer que sei o que você experiencia, o que sente. Mas
se você entender a ideia deste Fritz puramente pessoal, você pode pegar uma cadeira, um sofá, ou o
que tiver, e quando surgir qualquer problema, vá lá e fale com este Fritz imaginário.”
“A primeira coisa que noto sobre qualquer pessoa é se é um sistema aberto ou fechado. Vejam,
Mark é um sistema fechado. Suas mãos estão fechadas, suas pernas estão fechadas, assim não sei se
posso estabelecer comunicação com ele.”

“Pergunta: E se eu não lembrar de nenhum sonho? O que significa isto?


Fritz: Tenho uma teoria sobre isto. Você não quer encarar a sua existência. Para mim, um sonho é
uma mensagem existencial sobre qual parte da sua personalidade está faltando e, no sonho, você
pode ver claramente como evita isso. Os pesadelos são típicos, aqueles nos quais você foge. Pode
estar certo de que as pessoas que não desejam lembrar seus sonhos são fóbicas. E, se você se
recusar a lembrar seus sonhos, recusa-se a encarar sua existência. Você evita lidar com as coisas
desagradáveis. Geralmente, tais pessoas são as que acham que chegaram a estabelecer um bom
termo com a vida. Você sonha, mas não se lembra. Sonha pelo menos quatro sonhos por noite.
Sabemos disto. Se uma pessoa não consegue lembrar seus sonhos, deixo que converse com seus
sonhos, que estão faltando. ‘Sonhos, onde estão vocês?’ e assim por diante.”

“Acredito que cada parte do sonho é uma parte de você - não apenas a pessoa, mas cada item, cada
humor, qualquer coisa que apareça.”

“Deixo que o paciente represente todas essas partes, porque somente representando você pode se
identificar completamente, e a identificação é o contrário da alienação. Alienação significa, ‘Isto
não sou eu, é alguma outra coisa, algo estranho, algo que não me pertence.’ E, volta e meia, a gente
encontra um bocado de resistência contra representar essa parte alienada. Você não quer recuperar,
pegar de volta essas suas partes que expulsou de sua personalidade. Esta é a maneira como você se
empobreceu. Esta é a vantagem desta representação, e se deixo o paciente interpretar ele mesmo
todos os papéis, obtemos uma visão melhor do que quando utilizamos a técnica de psicodrama de
Moreno, trazendo pessoas que sabem muito pouco sobre você - porque trazem suas próprias
fantasias, suas próprias interpretações. O papel do paciente é falsificado pela singularidade das
outras pessoas. Mas, se você fizer tudo sozinho, então sabemos que você está dentro de si próprio.
Ainda, no psicodrama você geralmente tem que se limitar a pessoas, enquanto a cadeira vazia pode
ser usada para representar o papel de todos os tipos de coisas - rodas, aranhas, corrimãos faltando,
dores de cabeça, silêncio. Há tanta coisa investida nesses objetos. Se pudermos trazer essas coisas
de volta à vida, então teremos mais material para assimilar. E toda a minha técnica se desenvolve
mais e mais como nunca, nunca inteprete. Apenas dê feedback, oferecendo uma oportunidade para
que a outra pessoa se descubra.”

“Pergunta: Poderia fazer alguns comentários sobre problemas existenciais? O que são eles
exatamente? Poderia falar sobre isto?
Fritz: (...) Muitas pessoas sequer têm o sentimento de que realmente existem e, para ir mais fundo,
teríamos que entrar na filosofia do nada, que acredito esteja além do escopo deste seminário. Mas,
por enquanto, tome a filosofia existencial como uma filosofia preocupada com o ser. A primeira
pergunta, naturalmente, é: Por que existe ser ao invés de não-ser? A maioria dos filósofos está
interessada em explicar a vida, ou criar certos ideais a respeito de como uma pessoa deveria viver.”

“Não sabemos o que aconteceu no passado e, quando tentamos entender como foi o começo do
mundo, e assim por diante, não chegamos a nada. Agora, para muitas pessoas este nada traz um
sentimento de estranheza. Sentem que há um vazio. (...) Este é normalmente o caminho da filosofia,
explicar. Agora, esta explicabilidade, é claro, atrapalha o entendimento. Ele te dão alguma razão,
alguma justificativa, algum pedaço de cocô de elefante (‘elephant shit’). Eu diria que a melhor
definição de existencialismo foi dada pela frase de Gertrude Stein, ‘Uma rosa é uma rosa é uma
rosa.’ O que é, é.”
“Não há problema com o aqui e agora. Você pode criar um problema com isso, se esquecer que está
aqui e agora. Você está aqui, agora? Não. Você está aqui, mas você está basicamente não aqui. Está
em seu computador. Este é a sua agora-idade (‘now-ness’). Duvido que você esteja aqui respirando,
ou me vendo, ou consciente da sua postura, de modo que seu ser está restrito. Sua existência poderia
estar girando em torno do seu pensamento.”

“Já leu o livro As Vinhas da Ira (‘The Grapes of Wrath’) de Steinbeck? A mulher no final do livro, a
mãe - ela entendeu. Ela estava toda lá.”

“Fazemos muitas coisas que são, na verdade, parte do transe no qual vivemos. Pouquíssimos de nós
estão acordados. Diria que a maioria dos homens modernos vive em um transe verbal. O homem
moderno não vê, não ouve, e leva um bom tempo para acordar. Primeiro, na terapia - vocês notaram
alguns pequenos ‘despertar’ aqui - o que chamo ‘mini-satori’. É possível que, algum dia, a pessoa
esteja completamente acordada, então vivenciará o satori. Muitas vezes há um despertar, e então um
deslizamento de volta ao transe da perseguição, ou verbalismo, e o que você fala é definitivamente
uma parte deste estar em transe, mesmo que você encene este sonho na realidade.”

“Pergunta: Qual a sua opinião a respeito de meditação?


Fritz: Meditação é: nem defeca, nem sai do vaso sanitário.”

“Há uma famosa história de um homem que era um espadachim tão excelente, que era capaz de
acertar até uma gota de chuva. Então, quando estava chovendo, ele usava sua espada ao invés de um
guarda-chuva (risos). Agora, também existem espadachins intelectuais e comportamentais, que
golpeiam de volta em resposta a todas as perguntas, afirmações ou qualquer outra coisa. Assim, seja
lá o que você fizer, é imediatamente castrado ou derrubado por algum tipo de resposta, por um jogo
tipo ‘fingir de bobo’, ‘pobre de mim’, ou algum outro.”

“O amadurecimento é a transcendência de suporte do ambiente para o autosuporte. O neurótico, ao


invés de mobilizar seus próprios recursos, coloca toda a sua energia na manipulação do ambiente a
fim de receber suporte.”

“Transformar as suas perguntas em afirmações é muito importante para o amadurecimento. Toda


pergunta é um anzol ou gancho, e eu diria que a maioria das suas perguntas são invenções para se
torturar e aos outros. Mas, se você transformar sua pergunta em uma afirmação, abrirá um bocado
do seu histórico (“background”). Esta é uma das melhores maneiras de se desenvolver uma boa
inteligência.”

“Esta é a regra de ouro da Gestalt-Terapia: ‘Faça aos outros o que faz com você mesmo.”

“Jerry Greenwald, um ex-aluno meu, escreveu um artigo muito bonito. Como todos os psicólogos,
é claro, ele teria que incluir letras, números e nomes, assim ele acrescentou T pessoas e N pessoas.
T pessoas são pessoas tóxicas e N são pessoas nutridoras, e minha sugestão para você é que preste
atenção ao encontrar alguém, para ver se é tóxico ou nutridor. Se é tóxico, você se sente ‘blaaah’,
exausto, irritado; se for nutridor, você cresce, quer dançar, abraçá-lo. Assim, qualquer frase -
qualquer coisa que alguém diz ou faz - pode ser tóxica ou nutridora. Qualquer coisa que obtém
apoio do self é nutridora. Qualquer coisa que é manipulada, invocada, deliberada é, na maioria das
vezes, tóxica. É falsa, é hipocrisia, é uma mentira.”
“Na verdade - e este é o ponto decisivo - cada parte do sonho é você. A fragmentação da
personalidade humana aparece melhor no sonho. Se você criar associações livres ao sonho ou
procurar fatos reais nele, destruirá o que pode obter de um sonho ou fantasia. Na verdade, destruirá
a reintegração da sua personalidade não assumida. Quero enfatizar isto várias vezes. A Gestalt-
Terapia possui uma abordagem integrativa. Nós integramos. Nossa orientação não é analítica. Não
decompomos as coisas e procuramos razões e insights.”

“É uma velha piada minha dizer que as lágrimas são a segunda melhor arma de uma mulher (risos).
Sabem qual a melhor arma? A culinária. (risos)”

“A tarefa de todas as religiões profundas - especialmente do zen budismo - ou de qualquer terapia


realmente boa, é o satori, o grande despertar, cair em si mesmo, acordar do sonho - principalmente
do pesadelo. Podemos começar esta tarefa compreendendo que estamos representando papéis no
teatro da vida, entendendo que estamos sempre em um transe. Decidimos ‘Eis um inimigo’, ‘Eis um
amigo’, e jogamos todos esses jogos até que despertamos.”

“A habilidade de explodir em tristeza e trabalhar no luto (‘mourning labor’), como Freud chamou, é
necessária ao crescimento, para poder dizer adeus à imagem da criança. Isto é muito essencial.
Poucas pessoas podem se visualizar, se conceber como adultas. Precisam sempre de uma imagem
de mãe ou pai por perto. Aqui é onde Freud se perdeu completamente. Uma das poucas coisas onde
ele estava completamente errado. Achava que uma pessoa não amadurece porque tem traumas de
infância. É o contrário. A pessoa não quer assumir a responsabilidade de ser adulta, e por isso
racionaliza, prende-se às memórias da infância, à imagem de que ainda é criança e assim por diante.
Porque crescer significa estar sozinho, e estar sozinho é um pré-requisito para o amadurecimento e
o contato. A solidão, o isolamento, ainda significam sentir a falta do suporte.”

“Carol: Há dez anos que estou procurando decidir se me divorcio do meu marido, ou não.
Fritz: É um impasse real, yah! Uma verdadeira situação não acabada. E isso é típico do impasse.
Tentamos tudo para manter o status quo, ao invés de superar o impasse. Mantemos nossos jogos de
autotortura, nossos casamentos ruins, nossa terapia onde melhoramos, melhoramos, melhoramos e
nada muda, mas nosso conflito interno é sempre o mesmo, mantemos o status quo.”

“Quando você se sente culpado, na verdade você se sente ressentido. Risque a palavra culpado e
use, ao invés disso, a palavra ressentido, todas as vezes.”

“Sim, mas. É muito importante entender a palavra mas. Mas é uma assassina. Você diz ‘sim’ e,
então, vem o grande ‘mas’ que mata o ‘sim’ inteiro. Você não dá uma chance ao sim. Agora, se
substituir mas por e, aí você dará ao sim, o lado positivo, uma chance. Mais difícil de entender é o
mas não verbal, que aparece no comportamento. Você pode dizer ‘sim, sim, sim’ e a sua atitude ser
mas; sua voz ou seus gestos cancelam o que disser. ‘Sim, mas.’ Assim, não há oportunidade para
crescimento ou desenvolvimento.”

“Você pode utilizar tudo em um sonho. Se for perseguido por um ogro em um sonho e se tornar o
ogro, o pesadelo desaparece. Você retoma possa da energia que foi investida no demônio. Aí, o
poder do ogro não mais estará do lado de fora, alienado, mas dentro, onde você poderá utilizá-lo.”

“Esta é uma das situações não concluídas mais importantes: quando você ainda não chorou o
suficiente em função de uma pessoa querida que perdeu. Freud fez um trabalho maravilhoso sobre o
trabalho de luto, o qual na Europa geralmente leva um ano, até que você remova todas as raízes de
uma pessoa morta e possa dedicar-se, novamente, às vivas.”
“(Em um diálogo com Ellie) Fritz: Deixe-me dizer-lhe uma coisa, Ellie. A base deste trabalho é o
agora. Você está no futuro o tempo todo. ‘Eu quero trabalhar isto’ ‘Eu quero experimentar isto’ e
assim por diante. Se você consegue trabalhar, comece todas as frases com a palavra agora.”

“Estamos todos preocupados com a ideia de mudança, e a maioria das pessoas lida com isso criando
programas. Querem mudar. ‘Eu devia ser assim’ e assim por diante. O que acontece é que a ideia de
mudança intencional nunca, nunca, nunca funciona. Assim que você diz, ‘Eu quero mudar’ - criar
um programa - uma força contrária é criada que impede a sua mudança. As mudanças acontecem
por si só. Se você for mais fundo no que você é, se aceitar o que está lá, então uma mudança
acontece automaticamente, sozinha. Este é o paradoxo da mudança. Talvez eu possa reforçá-lo um
pouco com um bom e antigo provérbio que diz, ‘A estrada para o inferno é pavimentada com boas
intenções.’ Tão logo você toma uma decisão, tão logo você quer mudar, abre o caminho para o
inferno, porque não consegue alcançar o objetivo, então sente-se mal, e começa a jogar o famoso
jogo de autotortura que é tão popular entre as pessoas do nosso tempo.
Enquanto combate um sintoma, ele se torna pior. Se assumir a responsabilidade pelo que está
fazendo a si mesmo, como produz seus sintomas, como produz sua doença, como produz sua
existência - o próprio momento no qual faz contato consigo mesmo - começa o crescimento,
começa a integração.”

“O papel da agressão na personalidade bem-integrada é ser um meio de lidar com uma situação -
certas situações requerem agressão. Outras situações requerem, digamos, comportamento racional;
outras situações, por sua vez, requerem a retirada.”

“Tive uma experiência interessante há cerca de seis meses. Estava entediado, aí pensei, ‘Bem, por
que não usar este momento de tédio para começar a escrever?’ Então comecei a escrever sobre a
minha vida, e está começando a fluir - a maior parte em prosa, parte em poesia - mas flui. Neste
curto tempo, já escrevi mais de 300 páginas e acho que será um belo livro; chamei-o Dentro e Fora
da Lata de Lixo (“In and Out the Garbage Pail”). Deixo que a excitação tome conta de mim. Tenho
setenta e cinco anos. Então, pensem o que têm diante de vocês.”

“Você nunca supera nada por meio de resistência. Só consegue superar alguma coisa entrando mais
fundo nela. Se está rancoroso, seja mais rancoroso. Se está atuando, aumente a atuação. Seja lá o
que for, se entrar suficientemente fundo na coisa, ela desaparecerá; será assimilada. A resistência
nunca é boa.”

“Posso falar aqui um pouco sobre o significado histórico do Instituto Esalen. Esalen é uma Coney
Island espiritual. Esalen é uma oportunidade. Esalen tornou-se um símbolo, muito semelhante à
Bauhaus alemã, na qual vários artistas dissidentes se reuniam e, desta Bauhaus, veio uma
revitalização da arte em todo o mundo. Esalen e Gestalt não são coisas idênticas. Estamos vivendo
uma simbiose, uma simbiose muito prática. Vivo e trabalho aqui em uma bela casa, mas não sou
Esalen e Esalen não é eu. Há muitas pessoas, muitas formas de terapia diferentes: terapia da alma,
espiritual, um pouco de yoga, um pouco de massagem. Todos, quem quer que queira ser ouvido,
pode ministrar seminários em Esalen. Esalen é uma oportunidade, e tornou-se um símbolo da
revolução humanista que está acontecendo.
A segunda coisa que desejo dizer é que há vários programas misturados aqui, e gostaria de
distinguir dois tipos de programas: um é um programa de crescimento, e o outro é o que poderia ser
resumido como a falácia da cura instantânea - alegria instantânea, consciência sensorial
instantânea. Em outras palavras, os ‘ligadores’ (‘turner-onners’). Quero dizer que não faço parte
desse grupo. Na semana passada, tivemos um outro evento ‘instantâneo’ - violência instantânea -
um cara chinês que fazia caratê e algumas pessoas se machucaram bastante, e acho que já temos
bastante educação para a violência na TV e nos quadrinhos. Não precisamos que Esalen reforce
isso.”
“Fritz: Você achou a minha linguagem aqui muito técnica?
Q: Não, mas no livro Gestalt Therapy, achei.
Fritz: Quando escrevi aquele livro? Em 1951. Não, agora sou muito mais a favor de fazer filmes e
coisas assim para comunicar as ideias, e acredito ter encontrado uma linguagem mais simples. Na
verdade, acredito que, se não conseguir expressar minhas ideias em termos de bom senso, então
minha mensagem não servirá. Estou aprendendo lentamente.”

Workshop Intensivo

“As transcrições a seguir foram extraídas de gravações de áudio feitas durante um workshop
intensivo de Gestalt-Terapia com a duração de quatro semanas, envolvendo vinte e quatro pessoas
no Instituto Esalen, no verão de 1968.”

“A psicanálise é uma doença que finge ser uma cura.”

“A neurose é um compromisso entre a psicose e a realidade.”

“Vejo o processo do agora que buscamos alcançar como uma grande dificuldade na consciência,
uma falta de consciência das próprias atividades. Vamos tentar deixar isto bem claro. É muito
simples, para a maioria das pessoas, com um pouquinho de treinamento, descobrir o que está
acontecendo no mundo, descobrir cores, pessoas e assim por diante. Também é relativamente fácil -
exceto se você estiver realmente insensível - descobrir suas próprias sensações ou emoções. Onde
as pessoas escorregam é que não estão conscientes de suas próprias atividades. Há tantas coisas
acontecendo na zona intermediária, tais como: ‘Estou ensaiando’, ‘Estou jogando o jogo de
encaixe’, ‘Estou a fim de te enganar’. Este conhecimento da atividade que alguém está executando é
algo que gostaria que merecesse a sua atenção especial. Esta pode ser a razão-chave devido à qual
pessoas que são sensíveis em tudo mais e capazes de ver muitas coisas nas outras pessoas são
incapazes de alcançar a consciência do agora, da realidade, de si próprias.”

“Novamente, deixe-me enfatizar a diferença entre a pessoa que está no processo de descoberta,
sempre descobrindo algo novo, para quem o mundo se torna cada vez mais rico. Mais e mais, novas
coisas e experiências aparecem, contrastando com a pessoa que mantém o status quo - a pessoa
clichê.”

“Agora, a essência da descoberta real é a experiência ‘Ahah!’. Quando algo clica, se encaixa no
lugar; cada vez que uma gestalt se fecha, há este clique ‘Ahah!’, o choque do reconhecimento.”

“Vocês conhecem a história do monge Zen e a borboleta. Chuang-Tze sonhou que era uma
borboleta, e então começou a refletir, o que é isto? Sou um monge Zen que sonhou que era uma
borboleta, ou sou uma borboleta que está sonhando que acordou como um monge Zen?”

“Fritz: Não importa qual a projeção você pegar, desde que a trabalhe completamente.
S: Sim, vivê-la realmente. Fazer de verdade.
Fritz: Isto é o que desejamos alcançar com este trabalho sobre projeção. Quando der o clique, você
terminou a projeção e tudo acabou. Primeira você olha por uma janela, e de repente reconhece que
está apenas olhando para dentro de um espelho.”
Gestalt-Terapia na Internet

“A página da Gestalt-Terapia é a fonte mais antiga da internet para obter informações, publicações e
outros recursos relativos à teoria e prática da Gestalt-Terapia. (...) Visite hoje
http://www.gestalt.org.”

“Visite o novo website para a comunidade de Gestalt-Terapia - a rede de Gestalt-Terapia.


http://www.gestalttherapy.net.”

* * Fim das Anotações * * *

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