Você está na página 1de 4

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

JOANA SCHENATZ TRAUTWEIN

ATIVIDADE II - ANÁLISE DO FILME ‘’28 DIAS’’

CURITIBA

2020
O filme 28 dias se passa em uma clínica de reabilitação privada e conta a

história de uma mulher que faz uso abusivo de álcool e medicações. Desde o princípio,

vamos tendo notícias dos efeitos que essa substância produz em sua vida - uma

relação afetiva atravessada pelas drogas, desafetos com a irmã e problemas com a

justiça que, inclusive, a levarão à internação. Na perspectiva de Gwen, a protagonista,

a droga produz prazer e gratificação instantânea, logo é um processo longo no início da

terapia para que note que possui uma relação problemática com as substâncias e

talvez precise de ajuda para trabalhá-la.

Ao longo de sua inserção no projeto terapêutico da instituição, Gwen relembra

memórias de infância em que ela e sua irmã cuidavam de sua mãe que também fazia

uso abusivo de álcool. ‘’Se não é para se divertir, qual o ponto?’’, sua mãe dizia. Essas

imagens de infância aparecem de modo ambivalente: ao mesmo tempo que havia

lembranças boas de diversão com sua mãe, estas eram recheadas de riscos e

sofrimento às duas crianças. Essa ambivalência constitui também o uso das drogas: há

intensidade e pulsão de vida, todavia por contraste há também destruição e pulsão de

morte permeando esta relação. Logo, não é possível uma satisfação plena por meio do

uso, há elementos que escapam, e diante disso, Gwen percebe que seu uso tal como

estava a direcionava para uma aniquilação de si, precisando, portanto, apontar para

uma mudança.

A substância, no entanto, possui um lugar no psiquismo e funciona à serviço de

algo na subjetividade dos sujeitos. Por essa razão, não basta um ‘’querer parar’’, mas,

ao mesmo tempo, talvez não seja possível prescindir disso para que a relação abusiva

seja interrompida. É através do trabalho com os distintos elementos que ancoram


Gwen à droga que outra relação com a substância pôde surgir: ao perceber que ela

pode pedir ajuda, que ela pode cuidar e ser cuidada, que não é só o noivo que pode a

amar, que sua irmã a ama mesmo com todas as problemáticas. Essa nova dinâmica

que se abre ao longo do filme possibilita que Gwen saia da repetição do uso abusivo de

modo a introduzir novos objetos para se destinar. Como diz um personagem do filme a

respeito da equoterapia, ‘’é demência fazer a mesma coisa esperando resultados

diferentes’’, no mesmo sentido, é pela linha de fuga da repetição que Gwen introduz

novas possibilidades de se relacionar no mundo.

Outro ponto a ser levantado é que, neste filme, a única via para produção de

brechas para o vício é pela abstinência completa. Não por acaso, um dos pacientes

comenta que a cada 10, 7 pessoas irão retornar à clínica. Ou seja, embora seja um

modelo de tratamento possível e possa dar certo para alguns, há um imperativo que se

mostra impossível para outros. Esse tipo de produção cinematográfica pode muito bem

contribuir para uma simplificação do abuso de substâncias e uma moralização e um

fardo para aqueles que diante da abstinência ‘’não deram conta’’ e por isso voltariam

ao uso. Afinal, ‘’deus dá o frio conforme o cobertor’’ e se alguém não suportou, talvez

não possa fazê-lo - violento, não?

Ademais, após a pesada cena em que a jovem morre por overdose, a palestra

do dia foi num tom de ‘’é isso que acontece quando você usa mais uma vez, a droga

pode te matar’’. O que reduz toda a dinâmica psíquica complexa da relação com a

droga, de ser algo que pode ser destrutivo mas que também dá prazer ao sujeito, para

cair em uma moralização simplista que finca seu imperativo na culpa e no medo - em

um ‘’viu só? não façam isso’’.


Por fim, nessa dinâmica do tratamento pela abstinência, foi proposto um certo

etapismo na dinâmica de ‘’reabilitação’’. Vá à todas as reuniões do AA, encontre um

padrinho, tenha uma planta, se em um ano ela não morrer, compre um animal, se em

um ano não morrer, você pode ter uma relação sexual. Como vemos no final, o

sofrimento pode ser grande para aqueles que seguem essa lei e não dão conta de uma

etapa, gerando culpa, sensação de que é um fracasso e nunca mais poderá ter prazer

na vida. Parece que diante dessa abordagem o estigma de ‘’viciado’’ irrompe em todos

os aspectos da vida do sujeito, cabendo a ele aceitar esse lugar de renegar prazeres

tidos como ‘’fáceis’’ para ser considerado um bom reabilitado. Nesse sentido, ao seguir

todas as etapas, ele poderá se tornar parte de um grupo seleto escapando da

estatística esmagadora que impõe a uma maioria um retorno à instituição –

sustentando toda uma indústria que fatura em cima daqueles que não se encaixam na

lógica de abstinência.

Você também pode gostar