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FREUDIANA
Uma introdução
Paul-Laurent Assoun
METAPSICOLOGIA
FREUDIANA
uma introdução
Tradução;
DULCE DUQUE ESTRADA
Revisão:
MARCOS COMARU
Mestre em teora
i psicanalítica. UFRJ
T@íbhoteta jf reullíana
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Assoun, Paul-Laurent
A869m Metapsicologia freudiana: uma introdução I Paul-
Laurent Assoun; tradução, Dulce Duque Estrada;
revisão Marcos Comaru. - Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1996
-(Transmissão da psicanálise)
INTRODUÇÃO
PROLEGÔMENOS
a um ''Tratado de Metapsicologia" . . . . . . . . . . . . . . . . . l3
PRIMEIRA PARTE
OS FUNDAMENTOS
Da forma metapsicológica
CAPiTULO I
O OBJETO METAPSICOLÓGICO.
O evento freudiano . . . . . . .
. . . . . . . . . . . 23
1. Da matéria metapsicológica 23
2. Da exigência de real ao enunciado metapsicológico 26
3. Metapsicologia e metafísica 31
4. A certeza de alteridade 32
5. O sujeito, operador metapsicológico 33
6. Metapsicologia do id�: destinos da Kultur 35
·
Notas 39
CAP{TULOII
O EXEMPLO E A COISA.
Clínica e metapsicologia . . . . . . . . . . . . . . 42
Notas 54
CAPÍTULO III
Notas 72
SEGUNDA PARTE
OS ELEMENTOS
Doutrina da representação: da matéria metapsicológica
CAPÍTULO IV
REPRESENTAÇÃO DE COISA E
REPRESENTAÇÃO DE PALAVRA.
Por uma metapsicologia da linguagem . . 77
CAPÍTULO V
A COISA.
Metapsicologia e psicossexualidade . . . . . . . . . . . . . . . 96
Notas 124
CAPÍTULO VI
A LETRA.
Por uma metapsicologia do ler 127
Notas 146
TERCEIRA PARTE
AS MARGENS
O aquém da representação:
da situação metapsicl6gica
CAPÍTULO VII
OAFETOo
O evento .metapsicológico o o o o o o 0 151
Notas 172
CAPÍTULO VIII
O CORPO.
O Outro metapsicológico . . . . . . . . . . 174
Notas 192
CAPITUWIX
OATO.
Por uma pragmática metapsicológica . 194
Notas 222
CAPÍTULO X
O RELATO.
Escrita do sintoma e escrita metapsicológica 226
Notas 252
CONCLUSÃO
O SUJEITO.
A função metapsicológica 257
ÍNDICES
Apresentação 285
PROLEGÔMENOS
a um
"Tratado de Metapsicologia"
13
14 introdução
*****
* Este Metapsicologia freudiana: uma introdução deve ser entendido como uma
Nota
NOTAS À INTRODUÇÃO
OS FU1VDAMENTOS
Da forma metapsicológica
O OBJETO METAPSICOLÓGICO
O evento freudiano
1. Da matéria metapsicológica
"É de Freud, entre outros - mais que nos físicos -, que se deve
tomar emprestada uma representação da matéria ( . . . )." Talvez
devamos p artir desse paradoxo provocante enunciado por Georges
B atai lle1 p ara compreender o desafio que o freudismo dirige ao
entendimento filosófico, através do " entendimento" específico que
ele faz emergir.2
Que tem Freud a ver com o " materialismo" , ele que se recomenda
por um ideal cientista demarcado por Naturwissenschaften e por seu
" agnosticismo" correlativo? Existe realmente, a seus olhos, a exigên
cia de uma ciência dos processos psíquicos inconscientes, à qual
convém fazer justiça. Em que essa psiquê inconsciente, ou melhor, o
conjunto do s processos pensáveis sob esse termo, seria matéria, ou
antes, a matéria?
O que nos desorienta nessa representação é o nosso próprio conceito
de materiali smo, que supõe uma subordinação de todos os fenômenos
à instância da " matéria morta" , de sorte que, como observa Bataille
nesse mesmo contexto, a doutrina materialista se apóia paradoxalmente
numa visão idealista: é um idealismo do princípio-matéria? É um
materialismo inteiramente outro que Freud torna possível, aquele
baseado numa " interpretação direta, excluindo todo idealismo, dos
fenômenos brutos" . Talvez fizéssemos melhor batizando isso de
" fenomenismo" , se, justamente, a ele não se acrescentasse uma de-
23
24 os fundamentos
3. Metapsicologia e metafísica
4. A certeza da alteridade
7. A ética do metapsicólogo
NOTAS AO CAPÍTULO I
16. Cf. a troca de cartas de abril-maio de 1 936, in Jones, op. cit., vol. III, pp.
232-3. Nesse contexto, remetemos a nosso estudo crítico da correspondência
Freud/Einstein de 1932, in Hermes, CNRS, 1989.
1 7. Cf. nosso prefácio a L 'lnterêt de la psychanalyse (Retz, 1980) sobre a
estratégia sutil de Freud.
1 8. " Descoberta" perceptível desde 1 894 (manuscrito E de 21 de maio). Cf.
nosso artigo " Mystere de J'être-sexué et inconscient" , in Lumiere et vie, 1989.
19. Prefácio a "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" , 1920. [ESB voi.
VII]
20. Deve-se aí destacar a divergência radical entre psicanálise e sexologia,
como aquela que se dá entre o saber da sexualidade e sua ideologia.
2 1 . Freud pergunta a Fliess, em 1 896, se ele tem razão em chamar assim a
essa " transpsicologia" , já que ela incide sobre processos que levam " além do
consciente" . Cf. , nesse ponto, nosso Freud, la philosophie et les philosophes,
cap. n.
22. Op. cit., cap. I.
23. Como se sabe, Freud faz do Acheronta movebo a epígrafe da Traumdeutung,
enquanto evoca o gesto de Palissy como a prova que se deve dar da sua vontade
de sacrificar seu instinto de conservação à pulsão de saber - o que supõe que
esta, por si só, anime o sujeito . . .
24. Autor d e Philosophie de l 'inconscient, 1 869. Ver, sobre a s relações entre
Freud e von Hartmann, Freud, la philosophie et les philosophes.
25. Isso se faz pela i nterpelação de um filósofo (Hiiberlin): não é o que você,
filósofo, chama " coisa em si" que eu, Freud, chamo de " inconsciente" (cf. Freud,
la philosophie et les philosophes, sobre esse contexto).
26. Freud evoca com humor, no período de fundação da psicanálise, a situação
de Itzig, o cavaleiro do domingo, que o leva aonde quer. O saber metapsicológico
só serve para esporeá-lo...
27. Cf. lntroduction à l'épistémologie freudienne, i ntrodução, p.7s.
28. É esse o termo aplicado à investigação do inconsciente (Metapsicologia).
. 29. Esse é realmente um dos sentidos do termo empregado por Freud no início
de seu ensaio metapsicológico sobre o Inconsciente.
30. Conclusão de O futuro de uma ilusão, GW XIV, p.380. [ESB vol. XXI]
3 1 . Cf. L' entendement freudien. Lagos et Ananke, introdução, p. l 6s.
32. " Análise terminável e interminável" , GW XVI, p.69. [ESB vol. XXIII]
33. Cf. nosso esclarecimento em lntroduction à l 'épistémologie freudienne, p.
39s.
34. Cf. nossa contribuição in Encyclopédie philosophique universelle, vol. I,
" L'Univers philosophique" , PUF, 1989, " Crise du sujet et modernité philosophi
que. Marx, Nietzsche, Freud" , p.73 1-8.
35. Carta a Ludwig Binswanger de 28 de maio de 1 9 1 1 .
36. Remetemos, neste ponto, à nossa confrontação, Freud et Wittgenstein, PUF,
1988, p.34s: " Com sua análise, Freud fornece explicações que numerosas pessoas
são inclinadas a aceitar" , embora ele " frise que as pessoas não estão inclinadas
a aceitá-lo" (Conversations sur Freud, Gallimard, p.90- 1).
37. Introdução ao narcisismo, 1 9 1 4 [ESB vol. XIV]
38. A clivagem do eu nos processos de defesa, 1938. [ESB vol. XXIII]
39. Ver. neste ponto a conclusão da presente pesquisa, infra, cap. X.
o objeto 41
0 EXEMPLO E A COISA
Clínica e metapsicologia
• Que diz respeito ao doente acamado; que se faz à cabeceira do doente. (N.RT.)
42
o exemplo 43
instituído por Freud enquanto tal encontrou uma questão que deve
fazer eco àquilo que toca, de certa forma, a intimidade mais dramática
da clínica: a psicanálise, portanto, vai interessar-nos aqui na medida
em que nos dá a pensar, de certa forma, um " entendimento clínico"
de seus próprios procedimentos de racionalidade. Através dessa
reflexão, poderá tornar-se visível a ruptura determinante que ela
promoveu, ou melhor, a " reforma do entendimento" que ela teve de
promover para aceder a sua própria identidade.
É esse advento à ordem da concepção pato-lógica- que escrevemos
em duas palavras para marcar a incidência de pensamento do objeto
clínico - que vamos procurar fazer compreender, para aí discernir o
que a pesquisa clínica pode obter por conta própria quanto à elucidação
de sua própria natureza, bem como de seu método, de resto insepa
ráveis. Logo, o que se segue deve ser lido como o deciframento prévio
do lugar próprio onde se pode observar e enunciar, à luz da psicanálise,
a especificidade da abordagem clínica como atitude de pesquisa de
um gênero próprio. Revisão formal, que pode ela mesma verificar-se
na atuação da pesquisa e de seus considerandos metodológicos.
É tempo de mostrar por que razão aquilo que Freud nos convida a
pensar sobre o poder constituinte do exemplo pode mostrar-se deter
minante no problema exposto inicialmente, o da . " racionalidade
clínica" .
A racionalidade clínica encontra-se diante de um objeto que não
é, forçosamente, " irracional" , mas que apresenta o caráter de um real
singular. Ora, tradicionalmente, no enunciado do problema do conhe
cimento em geral, gira-se em torno de dois modelos de deciframento
da relação entre esses dois termos que são o " saber" e o seu " objeto" .
o exemplo 47
que o operador produz suas " idéias" , mas estas funcionam simulta
neamente para se antecipar ao material e " ficcioná-lo" .1 5 O cerne da
questão pode, pois, reformular-se como o das relações entre clínica e
metapsicologia.
Ora, Freud convida-nos a pensar, se prestarmos bastante atenção à
substância da sua trajetória, outra coisa que não a alternativa enunciada
acima. Isso é o que significa a idéia de uma congruência entre " o
exemplo" e " a coisa" , anunciada acima, no quadro d a sua pesquisa
clínica, precisamente.
Vamos traduzir, com efeito, o paradoxo do que ele nos fez pensar
naquela ocasião, no plano da concepção da episteme.
Na concepção corrente, " a exemplificação" serve para " ilustrar" ,
por um fato singular, uma generalidade conceitual, o que implica ao
mesmo tempo e inseparavelmente que ele a evoca e que ele não a
esgota. Se ele não pudesse exprimir suficientemente a " coisa" -refe
rente, não poderia funcionar como exemplo pertinente. Mas, se a
ilustrasse totalmente, iria confundir-se por inteiro com ela, a ponto
de não ser mais um espécimen da coisa e sim ela mesma. Neste último
caso, deveríamos falar em " pleonasmo" ou, no plano lógico, em
" tautologia" .
Logo, a concepção corrente refere-se a uma retórica em que " o
exemplo" d á a ver e perceber sem mostrar inteiramente e sem esgotar
a concepção. É , pois, uma semi-experiência e um semiconceito.
Convocando-nos a pensar que, na ordem da experiência incons
ciente, o exemplo pode valer como a própria coisa, Freud faz mais
que manejar um paradoxo brilhante. Ele sugere que o exemplo é um
verdadeiro esquema intermediário entre o dado clínico e a " coisa"
metapsicológica, o que remete à especificidade da esfera clínica.
Melhor: ele obriga a pensar que a " coisa" metapsicológica, tal como
" concebida" ou a conceber, é algo diverso de uma generalidade a se
" ilustrar" por exemplos-fatos: ela nada mais é que o avesso pensado"
da própria experiência clínica. É precisamente o exemplo-coisa,
surpreendido em plena massa da experiência dita clínica, que permite
ver a coisa na experiência, ou pensar a experiência. Isso recusa ao
mesmo tempo o platonismo de inteligível e o empirismo do fato bruto.
Entretanto, não se trata de uma posição filosófica a mais, e sim da
expressão do movimento mesmo do saber clínico, que requer um
modelo ad hoc.
O que assim é dado a pensar é um processo, do qual " a coisa" e
" o exemplo" são os dois momentos solidários. É isso que parece mais
o exemplo 49
Não é por acaso que Freud evoca seu material - a própria neurose
- como " uma obra de arte da natureza psíquica" . 23 Isso bem poderia
fazer metáfora ao objeto clínico em geral.
Este é, de fato, aquilo que se mostra numa rede de fenômenos.
Assim como a " obra de arte" não é o exemplo de uma outra coisa,
mais abstrata ou geral, mas aquilo mesmo que se mostra, assim também
" a obra de arte da natureza psíquica" se descobre como tal. Mas
quando se consegue selar uma certa configuração, esta se torna, à sua
maneira, utilizável e transmissível. Isso é o que permite basear-se
nessa experiência sem cair no logro de sua imediatez. De resto, todo
o trabalho de constituição das relações e de modelização é tomado
entre estes dois aspectos: o do próprio processo, que é a forma mais
visível e cotidiana do trabalho clínico, e esses momentos, ao mesmo
tempo raros e precisos, em que se mostra um fragmento da objetividade
em construção. Não era esse prazer da descoberta que Freud já notava
em Charcot, no limiar da moderna pesquisa clínica? Como sublinha
Freud, o conhecimento é da ordem da " pulsão" , o momento " estético"
seria o do encontro da pulsão de saber (Erkenntnistrieb) com seu
objeto. O " exemplo" é, nesse sentido, " conteúdo-de-coisa" (Sachven
halt).
o exemplo 53
NOTAS AO CAPÍTULO II
I . Da palavra grega que designa o " leito" onde se estende o doente. É num
sentido literal que abordaremos a racionalidade da clínica enquanto tal, que é o
horizonte de terrenos variados. Nesse sentido, falamos " do" clínico (e não da
clínica).
2. Freud denunciava espiritualmente aqueles que parecem hesitar para aparentar
um " estilo científico" - o que não é adequado quando se deve, como na
experiência clínica, saber cortar os nós górdios...
3. "Sun-piptein " (que conota a idéia de queda), diz a etimologia. Remetemos
a nosso artigo " La femme, symptôme de I ' organisation sociale" , in Le sexe du
pouvoir, Ed. de I'Epi, 1 986, para a análise de tal modelo, tomando o social pelo
sintoma, bem como a nossa obra Freud et la femme, Calmann-Lévy, 1 983.
4. S. Freud, L 'Homme aux rats. Journal d 'une analyse, PUF, 3a.ed., 1 99 1 .
Em suas notas, Freud emprega o termo francês ( est" ) que liga o s dois termos
"
alemães.
5. Sobre esses aspectos, permitimo-nos remeter a nosso trabalho " Réflexions
critiques sur !e normal et !e pathologique, in Anthropologie Médicale, n. l ,
1 978.
6. " Remarques sur un cas de névrose obsessionnelle (L'Homme aux rats)'.' ,
trad. francesa in Cinq psychanalyses, PUF, p.204. [ESB vol. X).
7. L 'Homme aux rats. Joumal d'une analyse, op. cit.
8. É sabido que, nesse caso, acontece de não se encontrar outro exemplo, o
que comprova, se acompanharmos Freud, que a coisa já foi dada sob esse disfarce
de exemplo ...
9. Estaríamos, assim, dando com uma variedade do fenômeno de "denegação"
estudado por Freud no curto escrito de 1 925 que leva esse nome. Ver, infra, nossa
conclusão sobre a referência ao sujeito locutor implicada por semelhante processo.
1 0. Atribuído a Aristóteles.
1 1 . Vamos assinalar que Freud nunca teve simpatia pelo " ficcionalismo"
sustentado no início do século por Vaíhinger. Cf. infra, cap. lll.
12. Sobre esse tema complexo que aqui só podemos evocar, referimos a nossa
pesquisa lntroduction à l 'épistémologiefreudienne, Payot, 1 98 1 , e L 'entendement
freudien, Gallímard, 1 984.
o exemplo 55
FICÇÃO E FICCIONAMENTO
METAPSICOLÓGICOS
56
a ficção 57
Figuras da ficção
Que se deve entender por " ficção" em geral - e como situar sua
figura metapsicológica?
" De modo geral" , diz o Vocabulaire de Lalande, " o que é fingido
pelo espírito" - no sentido de Jictum.2 Esse truísmo especifica-se
por uma distinção que indica como a questão foi progressivamente
sobredeterminada.
- Em primeiro lugar, é " uma construção lógica ou . artística à qual
se sabe que nada corresponde na realidade; por exemplo, na matemá
tica, no romance etc." . Uma ficção não é simplesmente o " não
verdadeiro" , semblante ou aparência, mas um constructo portador de
virtualidades de conhecimentos: se construímos alguma coisa de que
se sabe que " nada (lhe) corresponde na realidade" , é que, por uma
estratégia epistêmica deliberáda, esperamos tirar disso um efeito que,
sem esse " ficcionamento" , seria impossível. Há aí a idéia de uma
indiferença metodológica pela " realidade" objetiva da " imagem"
(fictícia).
- Logo, é também, pelo mesmo motivo, uma " hipótese útil para
representar a lei ou o mecanismo de um fenômeno, mas da qual nos
servimos sem afirmar sua realidade objetiva" . O exemplo citado é
desta vez o do " modelo físico" . Sob o efeito do debate epistemológico
do começo do século XX, precisamente contemporâneo da psicanálise,
o termo " ficção" assumiu, além de sua conotação lógico-matemática,
o sentido de modelo de inteligibilidade dos fenômenos físicos.
- Enfim - na medida mesma em que a questão da " crença" e
da " legitimidade" é engajada pela própria idéia da ficção -, o termo
ganhou o sentido de " enunciação falsa ou incerta que deve ser
igualmente considerada como verdadeira" : é nesse sentido que se fala
e m " ficção legal" . Aqui, vai suspeitar-se ainda de ser o exemplo a
própria coisa: " ninguém é suposto ignorar a lei" , ou ainda "pater est
quem nuptiae demonstrant" . O " pai" poderia ser, com efeito, o
paradigma da " ficção lega1" 3• Isso revela o avesso ético-religioso da
questão da ficção: questão do direito à enunciação e à designação
pela enunciação (Bezeichnung). A ficção é determinada, em seu
conteúdo, por um certo " coeficiente de incerteza" , que permite dar-se
o direito de considerá-la " verdadei ra" . " Valor de verdade" avali ado
na medida da crença e de seu reconhecimento pelo outro.
Tal é a herança da noção no momento em que Freud dela se
apropria:
58 os fundamentos
I. A ficção metapsicológica:
o aparelho psíquico e o "imaginário tópico"
um fantasma!).
Mas Freud observa logo depois que: " A partir da descrição, não
se pode deixar de aplicar certas idéias abstratas (abstrakte Ideen) ao
material que se vai buscar em alguma parte e não, certamente, apenas
na nova experiência." Essas " idéias" , germes dos " conceitos funda
mentais" ulteriores da ciência, são " indispensáveis" como instrumen
tos de elaboração (Verarbeitung) da matéria (Stoffes) - logo, são de
certa maneira " formas" . Iniciado sob o signo do " empirismo" , o
discurso freudiano reafirma, conforme um equilíbrio clássico na teoria
do conhecimento, uma espécie de " racionalismo" metodológico: não
62 os fundamentos
será deixando girar o moinho da experiência bruta que se vai " moer"
conhecimento !
Qual é, pois, o estatuto epistêmico dessas " idéias-conceitos" ? Como
compromisso entre a experiência e essa " outra coisa" da experiência,
" elas devem portar em si, em primeiro lugar, um certo grau de
indeterminação" , já que " não se pode falar numa clara delimitação
( Umzeichnung) de seu conteúdo" . Logo, são " formas" à espera, ou
melhor, na antecipação de conteúdo: deve-se então tentar, como Freud
tentará com o conceito de " pulsão" , " preencher diferentes lados com
conteúdo" (lnhalt)14• Existe aí um " círculo" : por um lado, sua
" significação" se adquire pela " referência repetida ao material da
experiência" ; por outro lado, aquilo de que " elas parecem ser tomadas
de empréstimo" lhes está, " na realidade, submetido" . S ão essas, em
suma, as " convenções" (Konventionen). Freud define aí uma forma
de " convencionalismo" , mas especificada por um " relacionismo"
cujas fontes mostramos, noutra parte, no " empirismo" de Ernst
Mach: 15 " Logo, elas têm, estritamente falando, o caráter de conven
ções, mas nas quais se trata, antes de mais nada, de não serem
escolhidas arbitrariamente, e sim serem determinadas por relações
significativas à matéria empírica, que se presume ter adivinhado
(erraten) antes de podê-las reconhecer e demonstrar."
Esse " convencionalismo" , como se vê, faz parte de uma " decisão"
constante relativa ao grau de objetividade que se pode atribuir a esses
" constructos" : estes põem em movimento a faculdade de " adivinhar" ,
que Freud dizia, desde a origem, ser característica da atividade
metapsicológica.
Assim se inaugura o processo de " preenchimento" dos " conceitos
científicos fundamentais" , na medida mesma da " investigação (Er
forschung) do domínio da experiência envolvida" . É só depois de se
atingir um ponto de determinação aceitável que pode soar, enfim, a
hora das " definições" , colocadas como " ponto de partida" , vamos
lembrar, pela concepção corrente aqui refutada; é só quando " utili
záveis em seus grandes contornos" e relativamente desembaraçados
de suas contradições (widerspruchsfrei) que " os conceitos podem
encadear-se (bannen) em definições" . É claro, doravante, que um
" nominalismo" é exigido aqui, aliás proporcional à busca de objeti
vação das " convenções" : não se poderá falar em " definições rígidas" ,
j á que é da essência desses conceitos, convenções especificadas,
abrigar " uma mudança constante de conteúdo" (lnhaltswandel).
a ficção 63
Isso caracteriza bem tudo o que Freud não quer - e sua crítica
de uma síntese aliás bastante pesada, por " expeditiva" que seja, visa
pontos precisos do projeto " ficcionalista" . É um " sistema" - tudo
se toma ficção, a Ficção é o nome do " Todo" paradoxalmente fundado
num relativismo subjetivista; é uma forma de " idealismo" , parado
xalmente ligado a um " positivismo" que adia, sine die, a questão da
verdade; é, enfim, uma -teoria do conhecimento que autoriza uma
espécie de hiperpragmatísmo de tonalidade fideísta.
É nos antípÓdas do " ficcionalismo" assim concebido que se deverá
procurar a concepção metapsicológica da " ficção" : mas isso é também
um meio de compreender melhor o esforço próprio, entre Caribdes
empirista e Cila racionalista.
Vaihinger opunha à " hipótese" , " criadora do saber" , que pretendia
indicar " as reais coerências e causas" , pretendendo assim sua " com
preensão" e a " explicação da realidade" , a " ficção" , pressuposição
arbitrária, produzida com a consciência do caráter subjetivo de " modo
de representação" . A hipótese (Annahme), constructo provisório ávido
de se verificar por uma objetividade: aí está precisamente o estatuto
da hipótese metapsicológica - demarcando-se, assim, esse caráter de
complacência subjetiva comportada pela ficção (no sentído ficciona
lista); compreende-se melhor assim o peso de realidade e, de certa
maneira, de gravidade que convém dar ao termo metapsychologiscfie
Annahme.
4. O fantasiar metapsicológico
Sob uma última forma, Freud vai sugerir uma pista para dar estatuto
à " atividade ficcionante" : é a introdução da teoria da " construção" .
Em " Construções em análise" ( 1 937), reconhecem-se, para além
da " interpretação" de um fragmento significante, o direito e a
necessidade para o analista de " adivinhar o que foi esquecido a partir
dos índícios (Anzeichen) deixados ou, expresso de modo mais exato,
de construir" .29 Ali onde é possível " adivinhar" (erraten), tem-se o
direito de reconhecer o trabalho do Phantasieren: a " construção" é,
pois, a forma de " fantasiar" necessária no processo analítico, e é
permissível considerar a Konstruktion como a forma adequada de
Fiktion. O analista " construtor" é apresentado igualmente como o
" pólo ativo" da relação.
Mas ainda aqui o virtual entusiasmo " ficcionalista" da ficção
interpretativa é prevenido, na medida em que esse " trabalho" é
subordinado à lógica de seu objeto. É assim que se deve entender a
famosa comparação arqueológica: se há " reconstrução" (Rekonstruk
tion) é porque existe um objeto de origem que, tendo existido, a toma
possível. Lembrete de evidência que mostra que, se o objeto deve ser
de alguma forma " reinventado" - é realmente isso que faz da
arqueologia uma " arte" em seu gênero --:-. ele deve igualmente unir-se
" assintoticamente" ao objeto real de origem.
Ora, aqui o objeto é .. . o sujeito, ou seja, o " analisado" , que é o
único habilitado a legitimar as " ficções" interpretativas do intérprete.
Essa é a idéia de " processo" que ali ainda é determinante: com o
tempo, e " no decorrer dos eventos, tudo ficará claro" ! 30
Não é de surpreender, portanto, que se veja surgir, ao fim desse
escrito (simbolicamente inacabado), a referência a um " pedaço de
verdade histórica" 3 1 • A " sanção" da construção é o próprio evento
do retomo do passado reconstruído na cena do presente - o que se
produz ocasionalmente quando um surto de lembranças percebidas de
modo quase alucinatório (" ecmnésico" ) volta aos próprios olhos do
a ficção 71
6. O supereu metapsicológico
OS ELEMENTOS
Doutrina da representação:
da matéria metapsicológica
REPRESENTAÇÃO DE COISA
E REPRESENTAÇÃO DE PALAVRA
Por uma metapsicologia da linguagem
77
78 os elementos
I. DA PATOLOGIA DA LINGUAGEM
À LÓGICA DA REPRESENTAÇ ÃO
metapsicológica.
Ora, a " palavra" , " unidade de base da função de linguagem" , é
" uma representação complexa, composta de elementos acústicos,
visuais e cinestésicos" .9 Distinguem-se portanto, no seio dessa reali
dade supostamente simples, um conglomerado de quatro elementos:
(a) a imagem sonora (verbal); (b) a imagem visual da letra; (c) a
imagem motora da linguagem e (d) a imagem motora da escrita.
Assim, " à palavra corresponde um processo associativo complicado,
em que os elementos enumerados de origem visual, acústica e
cinestésica entram em ligação uns com os outros" .10 Vemos esboçar-se,
f! O quadro associacionista, uma verdadeira " iconografia" da letra.
Ora: " A palavra (assim definida) requer ( ... ) sua significação por
sua ligação com a 'representação de objeto"' - ela mesma um
" complexo associativo constituído de representações as mais hetero
gêneas, visuais, acústicas, táteis, cinestésicas e outras" . A união da
" palavra" com a " coisa" (ou, mais exatamente, com o objeto,
Objektvorstellung) remete, em Freud, ao encontro de duas " nebulosas"
complexuais 1 1 - donde uma notável consonância com a concepção
a representação 81
2. O associacionismo lógico
ele recusa de uma vez por todas pela ruptura epistemológica que a
metapsicologia toma possível. Mas ele designa um ponto irredutível,
aquém da verbalização, lugar mesmo do inconsciente - · como
memória ou estoque de traços mnésicos.
O que o recalcamento neurótico realiza é a recusa da " tradução
em palavras que devem permanecer conectadas ao objeto" . Tal é o
neurótico, como " locutor inconsciente" : afastado de " suas palavras'' ,
na medida em que estas ficam " coladas" à sua " coisa" . Ausência de
distância que realiza o sintoma, a clínica neurótica mostra esse corte
entre palavra e coisa. Mas, precisamente, o destino das sv é aceder
à verbalização, logo, à " conscientização" : em conformidade com a
linha aberta desde a Traumdeutung, os " processos sem qualidade"
vêm a ser " providos de qualidades" . Tudo isso, deve-se lembrar,
desenrola-se no próprio interior de uma ordem da representação, que
86 os elementos
NOTAS AO CAPÍTULO IV
I . " Psicanálise " e "teoria da libido ", 1 923: " Procedimento de investigação
de processos psíquicos inacessíveis de outra maneira" .
2. Cf., sobre esse ponto, nossos estudos L 'Entendement freudien. Logos et
Ananke, Gallimard, 1984, e Le freudisme, PUF, " Que sais-je?" , n.2563, 1 990,
cap. II, p.36s. [Ed. bras.: O freudismo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1 99 1 .]
3. Vamos encontrar seus elementos em L 'Entendementfreudien, op. cit., livro
I, p.49- 1 00.
4. Destacamos sua evolução global em nosso texto "Les grandes découvertes
de la psychanalyse" , in Histoire de la psychanalyse, Hachette, 1 982, Le Livre de
Poche, 1 985.
5. Cf. La naissance de la psychanalyse, PUF (6ied., 1 99 1 ) , carta de 1 0 de
março de 1 898, p.21 8 - o termo estando confirmado desde a época do " Projeto
para uma psicologia científica" .
6. Reproduzido em seguida à correspondência de Freud in La naissance de la
psychanalyse, op. cit.
• 7. Zur Auffassung der Aphasien, eine kritische Studie, publicado em 1 89 1 , foi
traduzido para o francês por Roland Kuhn, PUF, 1 983. Citamos o texto segundo
essa tradução, Contribution à la conception des aphasies.
8. Op. cit., p. 1 22.
9. Op. cit., p. 1 23.
1 0. Op. cit., p. 1 27.
1 1 . Cours de linguistique générale. Sabe-se que este foi pronunciado em
1 907- 1 1 por Saussure e publicado em 1 9 1 6.
1 2. Cf. E. Jones, La vie et l 'oeuvre de Sigmund Freud, op. cit., vol. I, p.6 1 .
1 3. Op. cit., p. l 28.
1 4. Aí está o comentário do " esquema psicológico da representação de palavra"
(op. cit., p. l 27), que pode ser considerado um dos primeiros esboços tópicos de
Freud.
1 5 . Op. cit., p. 1 54.
1 6. Op. cit., introdução, §7, p. l l -2.
17. Esse é o título do capítulo III do livro I da Lógica a que Freud se refere
explicitamente em sua nota.
1 8. Op. cit., p.8 1 , seção VII da conclusão do capítulo.
19. Op. cit., p.83.
20. Encontrado no capítulo XVII, em que Freud parece estar pensando (embora
ele cite a obra sem maior precisão) em Doctrine des concepts ou notions générales,
trad. fr. E. Cazelles, Germer-Bailliere, 1 869.
2 1 . Op. cit., p.358.
22. Op. cit., p.387.
23. Introduction à I 'épistémologie freudienne, Payot, 198 1 , 2ied., 1 990.
24. GW X, p.300.
25. A Paul Hãberlin. Ver, nesse ponto, nosso Freud, la philosophie et les
philosophes, PUF, 1976. .
26. Freud, la philosophie et les philosophes.
a representação 95
27. Sobre a importância epistemológica desse " adágio" freudiano, ver supra,
p.35-45.
28. O inconsciente, op. cit., p.302 [ESB vol. XIV].
29. Op. cit., p.303.
30. Cf. Freud, la philosophie et les philosophes, op. cit.
3 1 . GW X, p.419.
32. Sobre essa categoria cf. L 'entendement freudien p.49-95.
33. Carta a Jacques Riviere de 6 de junho de 1 924, in L 'ombilic des rêves,
·
A COISA
Metapsicologia e psicossexualidade
96
a Coisa 97
vocação da coisa. Uma vez que ele a disse, para que continuar a falar
disso?
Mas é o caso de se dizer que esse dizer não caiu nos ouvidos de
um surdo. Esse ouvido vai, pelo menos, recolher o eco dessa estranha
história, encontrando-se numa situação análoga (sinal, sem dúvida, de
seu destino). Uma outra figura identificatória de mestre, dessa vez
chamado Charcot, que, ainda aí, fala a uma outra pessoa: Freud é a
testemunha, ao mesmo tempo um pouco excluído e atento; seu colega
Brouardel conta o caso de uma mulher neurótica, mais uma vez, cujo
" marido era impotente ou totalmente desajeitado" . Para espanto de
Brouardel, Charcot responde ... nomeando a Coisa: " Mas, em casos
semelhantes, é sempre a coisa genital, sempre, sempre, sempre." Eis,
portanto, a coisa nomeada solene e clandestinamente pela segunda
v�z: dessa feita, sob sua denominação mais determinada, que é também
a mais geral ou genética. É como se fossem progredindo: não é mais
,, a metáfora da " alcova" , nem a do " leito conjugal" , mas a coisa
genital em pessoa. Dessa vez, a testemunha, Freud, não interroga mais,
mas interroga a si mesmo e progride desta maneira: " Já que ele o
sabe, por que não o diz?" Questão, afinal, incongruente, j á que ele a
disse, maciçamente: é de se acreditar que, no espírito de Freud, ele,
no entanto, não a disse verdadeiramente. Isso nos sugere uma outra
formulação de nossa pergunta: como se pode nomear tão francamente
a realidade da Coisa genital sem enunciá-la verdadeiramente? Qual
deve ser a potência dessa Coisa para impor tal desdobramento da
realidade e da verdade?
Mas eis que j á ressoa o último anúncio, que é também a última
intimação da Coisa. Dessa vez, Freud é o interlocutor ativo do
" anunciador" , Chrobak: entre os dois, o corpo sofredor da paciente,
" doente que ( ... ) sendo casada há 1 8 anos, ( . .. ) ainda é virgem, sendo
seu marido impotente" . A Coisa será nomeada como aquilo que o
médico não pode tratar, mas cujo tratamento ele conhece: " Pp. Penis
normalisldosim/Repetatur" ! A Coisa é claramente dita de novo, como
o objeto inacessível de uma receita (médica) impossível.
A lição dessa estranha história, o " sempre" três vezes repetido de
Charcot dá a sua parábola. A " coisa" é o objeto de uma repetição
insistente, até mesmo exasperada, mas acontece que, precisamente,
ela nunca é dita de verdade. O que se repete de modo mais compulsivo
é j ustamente aquilo que não pode ser dito, de modo efetivo, uma
única vez. É por ser ela quem age " sempre" que não pode ser dita
de uma vez por todas. É o estribilho da canção, que se deve repetir
1 02 os elementos
.
I
2. Por que não o dizem? ou a Vrszene freudiana
Isso torna-se possível porque a Coisa se trai. Não por si mesma: ela
pôde passar despercebida, como se viu, aos olhos daqueles que a
1 06 os elementos
ele não pôde trazer à luz. Velada para sempre no discurso dos mestres,
metaforizada para sempre na fala dos neuróticos, ele requer, ainda
assim, os seus restos e funda com eles um saber novo, mas, afinal,
pouco " glorioso" .
Pouco glorioso, com efeito, pois ninguém quer a Coisa. Aqueles
que a sabem nada querem dizer dela, aqueles que a dizem nada querem
dela saber. Ao final desse silogismo, Freud vai encarnar uma estranha
síntese: ser aquele que, ao mesmo tempo, vai dizê-la e sabê-la, isto
é, vai tirar desse dizer mudo um saber eloqüente - o psicanalista é
a partir de então aquele que a Coisa faz falar - e fundará sobre esse
saber singular um dizer específico - o psicanalista será, com efeito,
aquele que considera a Coisa sexual digna de um saber.
4. Por que eles não o sabem? ou A Coisa nem sabida nem dita
Coisa Sexual que revela como elas foram votadas uma à outra. Convém
agora compreender o que a psicanálise, em seu princípio mesmo, pode
dizer da Coisa sexual, em outras palavras, como ela exerce o ser
sexual que lhe passa a ser reconhecido.
Isso remete igualmente a uma outra espécie de relato, aquele da
relação do sujeito com a Coisa sexual que o inconsciente serve para
designar. Vamos organizá-lo a partir de um tipo de fenomenologia
como a Coisa aparece para um sujeito ou como ele aparece através
da Coisa -, o que vai desembocar numa verdadeira lógica da Coisa
atuando no inconsciente, em sua escansão singular. Dessa maneira, o
que vamos propor é uma demarcação do rastro metapsicológico da
Coisa sexual no inconsciente.
2. O odor do recalcado
querer-se-dizer.
Vamos tentar, então, surpreender esse trabalho da Coisa em
flagrante delito. Inicialmente, temos que lidar de preferência com o
conteúdo (lnhalt) do julgamento, uma vez que " é a função da função
intelectual de julgamento afirmar ou negar os conteúdos do pensa-
1 16 os elementos
de faltar lá - o que supõe " fingir" ir até lá. É nesse sentido mesmo
que a Coisa é faltosa para um sujeito, sempre, sempre, sempre . . .
Apenas, por u m movimento contrastado, é também o psicanalista
que deve manter-se suficientemente a distância do inconsciente para
não fazer dele uma causa em si, para se desprender da superstição do
" misterioso inconsciente" .42 Deve recolher deste, exclusivamente, os
efeitos de fenômeno e ordenar aí o seu próprio saber. Em outras
palavras, os fatos inconscientes não são coisas.
No plano da episteme, é sempre a Coisa que se deve descoser -
para nela discernir a rede das relações -, ao passo que, na clínica,
é sempre com a Coisa que se deve brigar! É isso o que é conotado
pela ironia com a qual Freud maneja seu objeto: essa matéria-prima
de sua experiência e de seu saber jamais desemboca numa mística do
Inconsciente ou da Sexualidade.43
É por isso que a coisa sexual não é aquilo sobre o que a psicanálise
pode repousar: antes, é isso que a faz trabalhar e o que ela deve
trabalhar em retomo. É isso que demarca o freudismo do que se vê
com freqüência, a distância, a saber, uma Weltanschauung sexualista44
2. A ilusão sexológica
3. A Coisa-pretexto
Não é "o menor paradoxo da nossa genealogia poder formular, à guisa
de conclusão, que em suma a Coisa é inocente. Vamos entender que
o essencial daquilo que aí se passa é deslanchado pelo sujeito,
1 24 os elementos
NOTAS AO CAPÍTULO V
A LETRA
Por uma metapsicologia do ler
I. METAPSICOLOGIA DO LESEN
1 27
1 28 os elementos
pois, que ocorra para que essa modesta função de aprendizado se torne
meio de acesso, por retroação, ao conteúdo da própria " coisa" ? Aí
começa o que se pode considerar como o " efeito mágico" da leitura.
1. O Ler-sintoma
* No original, " dé-lire" , ou " des-ler" , que soa como "délire," delírio. (N.T.)
1 34 os elementos
2. O sonhador e o leitor
3. Édipo leitor
Ele sonhou um dia que fazia uma peregrinação a Jerusalém ou a Meca; depois
de numerosas aventuras, encontrava-se na casa do químico Pelletier que, depois
de uma conversa, lhe dava uma pá de zinco; de outra vez, seguia em sonho
por uma estrada e lia as marcas dos quilômetros; encontrava-se em seguida
1 38 os elementos
numa mercearia onde havia uma grande balança, e um homem punha pesos
de um quilo sobre um prato da balança ( ... ). Seguiam-se diversas cenas onde
via a flor Lobelia, depois o general Lopez ( ... ) acordava, enfim, jogando na
loto." 24
1. A Trieb do leitor
autorizada por uma psicologia dita profunda). É que Freud não postula
nenhum inconsciente do qual o leitor seria o depositário ou o
proprietário. Trata-se, antes, de perceber que " ocorrência" capacita
o sujeito a manter, como leitor, uma relação com o objeto do Wunsch.
Existe aí uma verdadeira " pulsão" que coloca o sujeito diante da letra
de seu desejo e presentifica uma ausência que lhe é de interesse.
Devidamente " despsicologizada" , a questão pode articular-se com
sua brutalidade própria: que quer quem lê?
2. O leitor e o neurótico
" Em breve" - conta Goethe -, "o calor forçou-nos a parar num lugar à
sombra, onde começamos a nos divertir com pequenos jogos e, ao pagar as
prendas, os beijos não foram poupados. Desde que a filha do professor de
dança havia anatematizado meus lábios, um temor supersticioso me fizera evitar
com o maior cuidado a ocasião de desfrutar do prazer mais ou menos
significativo de um beijo de mulher; naquela tarde, esqueci todos os meus
escrúpulos e me entreguei sem reservas à felicidade de dar temos beijos em
minha querida Frédérique e de recebê-los, por minha vez." 35
3. A excitação do escrito
4. O atestado do sintoma
0 L IVRO INCONSCIENTE
I. O livro do sonho
modo que o leitor joga com aquilo que agrada ao " seu" Outro, ou
com aquilo que ele desaprova, " prêmio" do qual procede o prazer
de ler.45 Assim se esclarece a dialética cujas figuras destacamos.
O efeito cativante deste trabalho de troca ambíguo entre o incons
ciente e o texto é essa impressão à qual Freud, escritor do caso clínico,
é tão sensível, a saber, que, retomadas no só-depois imediato, as
histórias neuróticas sejam " legíveis como romances" .46 De modo que
Freud, ele próprio um grande leitor,47 se encontra no dever de criar
um verdadeiro " gênero literário" ,48 para fazer justiça ao texto, ao qual
ele dá seus títulos de nobreza. Se é preciso escrever a neurose, obcecado
pela " bagunça" , é porque, realmente, ela se dá a ler como " obra de
arte da natureza psíquica" .49
NOTAS AO CAPÍTULO VI
escrevendo " Poesia e ficção" em vez de "Poesia e verdade" - erro que se repete
às p.42- 1 1 3 e é corrigido nas p.57- 1 43.
34. Op. cit., p.34-98.
35. Memórias de Goethe, I Parte, "Poesia e realidade" . Citamos de acordo
com a tradução publicada pela Bibliotheque Charpentier, p.252.
36. " Notas sobre um caso de neurose obsessiva" , in Cinq psychanalyses, p.232.
37. Observe-se que, por decreto municipal, invocava-se a proibição de tocar
trompa na cidade, o que tomava impossível a própria infração obsessiva! ...
38. É assim que situaríamos o " lido" na dialética da coisa restituída · supra,
cap. v.
39. Análise terminável e interminável, GW XVI, p.78, cap. IV. [ESB vol. XXIII].
40. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise, in GW VIII, p.386
[ESB vol. XII).
4 1 . S. Freud, Diário de uma análise, op. cit., p.63.
42. GW XIII, p.304, Observações sobre a teoria e a prática da interpretação
de sonhos, 1 923, seção V.
43. Carta de 22 de dezembro de 1 897, in Naissance de Úl psychanalyse, p.213.
44. " Conferências introdutórias" , GW XI, p . l 39, IX Conferência.
45. Encontramos sua manifestação espetacular na emoção de Malebranche,
lendo o Tratado do homem de Descartes, com o objetivo primitivo de refutá-lo:
"A alegria de aprender um número tão grande de coisas novas causou-lhe
palpitações cardíacas tão violentas que era obrigado a largar o livro a cada instante
e interromper a leitura para respirar melhor" (segundo seu biógrafo, o padre
André). Existe aí como que uma parábola do evento de que reconstituímos a trama
metapsicológica: o do sujeito tocado em pleno coração pela letra da coisa tão
esperada e tão inesperada que lhe " tira o fôlego" .
46. Conhecem-se as desculpas dos Estudos sobre a histeria, em que Freud
opõe o prazer da leitura proporcionado pelos seus relatos de casos e o " carimbo
de cientificidade" , que se teria o direito de esperar delas e que ele relaciona com
o caráter da Novelle (relato romanceado) da história histérica, cf. infra, cap. X.
47. Vamos contentar-nos em observar que as leituras favoritas de Freud, tal
como se depreende do famoso questionário de 1 9 1 0, manifestam uma constante:
os autores, além da sua diversidade (G. Keller, C. F. Meyer, Multatuli, A. France,
Kipling, Zola, Merejkowski, Twain, Macaulay, Gomperz), apresentam uma visão
crítica e realista dô mundo social, ligada a um projeto ético e uma visão satírica:
a dimensão parabólica é sempre associada a um sentido propriamente histórico
do quadro (erudito ou romanceado). Tem-se aí como que um compromisso entre
a Phantasie e o sentido do real que se opõe ao mundo de satisfação neurótica do
livro ...
48. Sobre essa problemática, remetemos a nosso estudo " Freud, romancier du
symptôme" , prefácio de H. Stroeken, En analyse avec Freud, Payot, 1 987.
49. Conhece-se a queixa a Jung quando da redação do caso do Homem dos
Ratos: " Que desperdício, nossas reproduções, como fazemos em pedaços, lamen
tavelmente, essas grandes obras de arte da natureza psíquica" , 30 de junho de
1 909, in Correspondance S. Freud, C.G. Jung, Gallimard, vol. I, p.3 1 7.
TERCEIRA PARTE
AS MARGENS
O aquém da representação:
da situação metapsicológica
O AFETO
O evento metapsicológico
151
! 52 as margens
1. O "afeto encurralado"
3. Afeto e trauma
1. Um estranho afeto
" Se quisermos (no seio deste processo patológico) separar de maneira mais
clara o destino da representação daquele do afeto e reservar a expressão
'recalque' ( Verdriingung) para o destino do afeto, então a designação justa em
alemão para o destino da representação seria 'renegação' (Verleugnung)" .29
3. O afeto no tratamento
Não é por acaso que o debate aberto com Ferenczi sobre a " técnica
ativa" não cessa de reativar esse problema: é sob o signo da
" neocatarse" e da traumatologia realista que será reimplicado o afeto
- enquanto que, passo decisivo, não se hesitará mais em falar de um
" afeto recalcado" , logo em seguida à afirmação de Freud de que o
recalque incide eletivamente sobre a representação. Freud passa então
à resistência, de certo modo, recusando, juntamente com o furor
sanandi e seus excessos de afetos, e bem mais fundamentalmente, a
tese de uma verdade do afeto de certo modo intrínseca,39 - o que
legitima Ferenczi a falar sem rodeios de " recalque do afeto" ,40
transgredindo a útil distinção freudiana que ordena respeitar a " pauta"
metapsicológica !
Foi assim que, para além d a proveitosa contribuição d e Ferenczi à
questão da terapia analítica, autorizou-se um uso que, sob a aparência
de devolver ao afeto toda a sua potência e seus direitos, " desgasta"
todo o esforço metapsicológico para " seriar" os aspectos do processo.
Para Freud, é no momento em que se faz o trabalho de " levantamento
do recalque" pela prova da representação que o afeto pode ser dito,
propriamente falando, " inconsciente" .
I. Psicologia de grupo e análise do eu, IV, GW XIII, p.98 [ESB vol. XVIII].
2. De acordo com o artigo " Affectif' , do Vocabulaire technique et critique
de la philosophie de André Lalande, Libraire Felix Alcan, 1926, vol. I, p.24.
3. Lalande, op. cit., artigo " Affection" , p.2S.
4. "O recalque" , in Metapsicologia GW X, p.2SS [ESB vol. XIV].
5. "O inconsciente" , in Metapsicologia, GW X, p.276-7 [ESB vol. XIV].
6. Estudos sobre a histeria, setor 2, GW I, p.86 [ESB vol. VII].
7. Op. cit.
8. Cinco lições sobre a psicanálise, I, GW VIII, p. 1 4.
9. Esse texto, publicado em 1 872, tinha por objetivo, com efeito, confirmar
no plano " psicológico" a teoria da evolução consignada em A origem das espécies
( 1 859) e atualizada em A descendência do homem ( 1 87 1 ), mostrando a ação de
leis semelhantes no animal e no homem. Sobre a influência geral de Darwin em
Freud, remetemos a nossa síntese " Freudisme et darwinisme" , in Dictionnaire du
darwinisme et de l 'évolution, PUF, 1 994. Cf. igualmente Lucile B. Ritvo,
L 'ascendant de Darwin sur Freud, 199 1 , trad. franc. Gallimard.
1 0. A associação de " hábitos úteis" enuncia que " todas as vezes que o mesmo
estado de espírito se reproduz, mesmo em baixo grau, a força do hábito e da
associação tende a gerar os mesmos atos, mesmo quando eles não podem ser de
nenhuma utilidade" ; a antítese assinala que, "quando se produz um estado
diretamente inverso, é-se, forte e involuntariamente, tentado a realizar movimen
tos absolutamente opostos, por inúteis que sejam" ; enfim, " a ação direta do sis
tema nervoso" postula um dispêndio da força nervosa engendrada em excesso
pela excitação do sensório. Cf. nossa contribuição " L' héritage darwinien de la
psychanalyse" , in Darwinisme et societé (PUF, 1 992), p.61 7-35, principalmente
p.623-4.
1 1 . Segundo a expressão de Henri Wallon resumindo a teoria darwiniana, Les
origines du caractere chez l 'enfant, PUF, 1949 (coleção " Quadrige" , n.53),
p.4S.
o afeto 1 73
33. Por ironia, Freud fala sobre isso para dizer que o " coup de foudre" (em
francês no seu texto) não é exigível na psicanálise do paciente (Introdução à
psicanálise, GW XI, p.250)!
34. Teoria elaborada a partir do escrito Sobre a ambivalência ( 1 9 1 0) com
relação à esquizofrenia em sua releitura à luz da psicanálise (1 926).
35. Sobre a dinâmica da transferência, 1 9 1 2, GW VIII, p.372-3.
36. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise, " e" , GW VIII,
p.380- l .
37. O Moisés de Michelangelo, 1 9 1 0, setor III, GW X , 1 98.
38. Termo atual a partír do texto O tratamento psíquico (que se sabe agora
datar de 1 890).
39. Cf. Os novos caminhos da técnica psicanalítica, 1 9 1 8.
40. Cf. a expressão " afeto recalcado puro" , Journal Clinique, 30/1/1932.
4 1 . Ensaio sobre a origem das línguas.
CAPÍTULO VIII
O CORPO
O Outro metapsicológico
1 74
o Corpo 175
1. O corpo-sintoma: a histeria
• No original, " il montre " - jogo de palavras com monstre, monstro. (N.T.)
o Corpo 1 79
para j ustificar que o sujeito não seja por demais econômico. Se isso
não for possível, o afeto estará condenado a permanecer no domínio
psíquico e seguir a via da obsessão (supra). A inervação somática
(somatische lnnervation) é ainda a via de trilhamento mais maciça
mente eficaz.
Vamos observar que o corpo está colocado aí como o receptáculo
econômico de uma energia, cuja dinâmica representativa permanece
do lado do recalcado. O processo é, pois, representado como mecânico,
até mesmo automático e laborioso, pois abre caminho para a questão
complexa de uma dialética do recalcado, que atua ao mesmo tempo
no corpo e fora dele. Este último ponto é justamente requerido para
conjurar a crença, propriamente histérica, de que o Corpo " fala
sozinho" .
Mas o mais importante ainda está por vir: destacando o corpo histérico
do corpo neurastênico, rejeitado com sua somatização difusa do lado
das " neuroses atuais" onde o Corpo fala só, Freud realiza uma
operação considerável: faz do Corpo o lugar de uma simbolização.
Se a histérica se seduz por seu próprio órgão, é que esse corpo foi
seduzido: é na experiência originária da sedução ( Veiführung) que se
produz essa entrada na neurose. Dizer que o sintoma toma corpo é
dizer, pois, que o sujeito volta a se endereçar a mensagem que lhe
veio do Outro. O corpo, portanto, é a engrenagem viva dessa ligação
pela qual a mensagem do Outro é literalmente incorporada. Mas,
como essa mensagem é problemática por definição - emanando do
que Freud designa por proton pseudos (primeira mentira) -, o corpo
será doravante o relé dessa mentira. Certamente muito particular, é
verdade, já que o sujeito mente para si mesmo, engana-se quanto ao
desejo do Outro (o pronome aqui é decisivo), urdindo seu sintoma.
É por essa via que o sintoma captura o corpo.
O corpo neurótico forma-se, então, no ponto de encontro do próprio
com o Outro. A histérica põe seu corpo à frente para (se) fazer crer
que nada tem a ver com o processo de sedução, mas ao mesmo tempo
exibe, sobre seu próprio corpo, ao mesm"o tempo que contra a sua
vontade [à son corps défendant], como se diz tão bem, 14 a marca
inesquecível do desejo do Outro. Logo, é essencial que o corpo, na
o Corpo 181
mais quer ver, tendo " abusado" do órgão orientado para a autocon
servação.
Mas isso vale igualmente para " a mão que queria cometer uma
agressão sexual" e se vê " atingida por uma paralisia histérica" .
Adivinha-se que essa é uma ocasião privilegiada para Freud enfatizar
que " a psicanálise não esquece j amais que o psíquico repousa sobre
o orgânico, embora seu trabalho só possa acompanhar o psíquico até
este fundamento, e não além" . Ele chega, mesmo, a esta espantosa
concessão: " Se um orgão que serve às duas pulsões intensifica seu
papel erógeno, pode-se esperar, de modo absolutamente geral, que
isso não aconteça sem que sua excitabilidade e sua inervação sofram
modificações que se vão manifestar por distúrbios da função de órgão
que está a serviço do Eu" . Existe mesmo a possibilidade, para um
órgão sensorial qualquer, de " conduzir-se claramente como órgão
genital em conseqüência da elevação de seu papel erógeno" , o que
pode deixar supor " modificações tóxicas" . Em suma, o sintoma pode
reinventar uma fisiologia própria !
S e é possível " servir a dois senhores ao mesmo tempo" , o que d á
a chave d a estrutura conflitual correspondente, 1 8 deve-se notar aqui
que o corpo está associado a cada um desses dois senhores - mas
como o mesmo corpo ou um outro? Aí está a questão que revela seu
estatuto paradoxal na psicanálise.
Existe, de fato, o corpo suporte das " funções corporais importantes
para a vida" (lebenswichtigen Korperfunktionen) 1 9 no modelo das
quais se opera o apoio, corpo de necessidade, de certa forma. Mas,
pelo viés desse lucro obtido à margem (Lustnebengewinn), é realmente
um corpo erotizado que se situa - por onde reencontramos o corpo
do sintoma evocado na histeria.
Para além da vasta questão do apoio, parece-nos importante, para
nossos propósitos, registrar essa divisão que o corpo serve para
demarcar, na medida em que ela o atravessa.
Dizer que existem dois corpos é renegar o papel causador do corpo,
que se presta mais ao suporte como causa ocasional. Isso não significa
reduzir, de resto, sua importância, mas situá-la em seu verdadeiro
lugar, o de um mais além ou um mais aquém da pulsão que ele
inscreve numa defasagem estrutural.
Seja como uma fonte-pretexto (corpo de apoio), seja como mosaico
de zonas erógenas (corpo-fontes}, o corpo não pode fazer mais que
nomear a realidade de pulsão na sua ausência de fundação. Se pertence
à essência da pulsão reencontrar o impossível de satisfazer do objeto,
1 84 as margens
ela é tentada a se designar por sua fonte, mas só encontra ali o rumor
do corpo, o Órgão, depósito da excitação, que não revela nenhum
segredo do Lust. É a ilusão do perverso tentar assegurar o Lust
pelo domínio do órgão, o corpo da anatomia tentando tamponar a
Spaltung.
2. A retórica do órgão
3. Do corpo-Narciso ao corpo-isso
sismo e o isso. O corpo está imerso no fundo do ser vivo, ele materializa
o ser da pulsão, de alguma forma, mas a cada vez que se aproxima
da hipótese de uma teoria do arcaico25 Freud parece tomar um impulso
para voltar à superfície, ali onde o corpo nada mais é que o lugar de
afloramento de pulsões impalpáveis.
Encontra-se no relato mítico de Narciso em sua origem, nas
Metamorfoses de Ovídio26, uma descrição das mais precisas dessa
ligação entre imagem do corpo e miragem imaginária, de modo que
se é tentado a dizer que a psicanálise não fez mais que tomá-la ao pé
da letra e daí tirar conseqüências clínicas - com a introdução freudiana
do narcisismo -, ocasião de capturar, num exemplo privilegiado, o
efeito de paráfrase da " mitológica" pela " metapsicológica" , que a
reconverte em " psicologia" .
Desventura exemplar, com efeito, a do filho de Cefiso e Linope,
de beleza orgulhosa e cheia de desdém, o qual Tirésias havia
profetizado viveria muito tempo " se não se conhecesse" , e a quem
havia lançado a enigmática maldição: " Possa ele amar, ele também,
e jamais possuir o objeto de seu amor!"
De fato, Narciso não ama ninguém - nem mesmo a ninfa Eco,
tão fascinada por ele - até o momento em que percebe, na água de
uma fonte, o objeto por que fica, enfim, perdidamente apaixonado. A
desgraça é que ele faça apenas um com esse " objeto" , que não é
outro senão a imagem de seu próprio corpo: " Ele quer apaziguar sua
sede, mas sente nascer em si uma sede nova; enquanto bebe, capturado
por sua imagem, que vê refletida na água, apaixona-se por uma ilusão
sem corpo; toma por um corpo o que é apenas água" , " extasia-se
diante de si mesmo" . Eis a ironia que vai envolver a tragédia de
Narciso: essa " ilusão sem corpo" é seu próprio corpo, que ele toma
pelo de um outro: " Estendido no solo, ele contempla seus olhos, dois
astros, sua cabeleira digna de B aco, e não menos digna de Apolo,
suas faces lisas, seu pescoço de marfim, sua boca graciosa, sua tez,
que um fulgor rubro une à brancura da neve; enfim, ele admira tudo
o que o toma admirável. Sem suspeitar, deseja a si mesmo; ele é o
amante e o objeto amado, o alvo para o qual se dirigem seus votos
( . . . ) ."
Narciso não é tanto aquele que ama a si mesmo quanto aquele que
se apaixona por esse outro (esse " fantasma" ) que não é outro senão ...
ele mesmo (reflexo de sua própria imagem). Tem-se aí a " captação
imaginária" primitiva que estabelece sua confusão mortal: não po
dendo, com efeito, capturar esse outro - e com razão, já que ele não
o Corpo 1 87
passa de sua " imagem fugidia" que lhe escapa assim que dela se
aproxima -, nem renunciar a ela - de tal modo está apaixonado -,
perde o sentido de sua própria autoconservação, renunciando a se
alimentar, e exala uma estranha declaração de amor: " Um ser me
encanta, e eu o vejo: mas esse ser que vejo e que me encanta, não
posso alcançá-lo ( . . . ). Ele também deseja meu abraço, mas cada vez
que estendo meus lábios para essas águas límpidas para um beijo,
cada vez ele se esforça por erguer em minha direção a sua boca ( . . . )."
Enfim, descobre o engano e seu impasse: " Ardo de amor por mim
mesmo, acendo a chama que trago em meu seio ( ... ). O que desejo
está em mim ( . . . ) Oh ! Por que não posso separar-me do meu corpo !"
Assim ele definha a olhos vistos, de modo que " em seu corpo nada
mais resta da beleza" . Ele deita raízes, de alguma forma, e se consome:
" O corpo havia desaparecido; em lugar do corpo, encontra-se uma
flor cor de açafrão, cujo centro é cercado de pétalas brancas."
Narciso, pois, amou-se até a morte - a história conta mesmo que,
" depois que entrou nos domínios infernais, mirava-se ainda nas águas
do Estige" . Imagem do laço entre o gozo auto-erótico e a prova da
morte . . .
I. O Eu-corpo
2. O Corpo-passagem
3. O Corpo e a Kultur
I . Ver sua Filosofia do inconsciente ( 1 873) que, pelo Inconsciente, realiza uma
verdadeira metafísica 4o corpo. Sobre as relaçpes com Freud, ver nosso Freud,
la philosophie et les philosophes, PUF, 1 976.
2. Ver a correspondência de Freud e Grocldeck, in Georg Groddeck, Ça et
Moi, Gallimard, 1977, e nosso comentário em L 'entendement freudien, Gallimard,
1 984.
3. Cf. lntroduction à L' épistémologie freudienne, Payot, 1 98 1 , cap. 11.
4. Esse é o primeiro elemento da definição dada por Freud, Psicanálise e teoria
da libido, 1 923.
5. L 'intérêt de la psychanalyse, B, L 'intérêt pour la philosophie, Retz, 1 980,
p.75.
6. Análise temlinável e interminável, GW XVI, p.99.
7. Ver, sobre esse ponto, nossa tese em Freud e a mulher, Jorge Zahar Editor,
1993.
o Corpo 193
O ATO
1
lm Anfang war die Tat
1 94
o ato 1 95
2. Da inércia à ação
3. A função do Outro
por diante.
204 as margens
2. O ato-sintoma
desse " real" que perturba a " intenção" (simplesmente, isto é, " cons
ciente" ).
É por esse motivo que a ação é sintoma: vamos entender que é
somente no " passo em falso" que o real do ato se mostra, à luz do
saber do inconsciente. Vê-se o perigo que reside em apresentar os
atos falhos como expressão de uma intenção, como se o " ator" se
servisse deles para dizer alguma coisa que já teria sido enunciada por
" seu inconsciente" : é o ato que, enquanto ato, diz, o sujeito sendo
" atuado" e dito" ele mesmo, via " seu" ato.
•·
Na idade de oito anos, ela havia entrado duas vezes num armazém para comprar
doces, e o comerciante pusera a mão, através do seu vestido, em seus órgãos
genitais. Apesar desse primeiro incidente, voltara à loja, e depois parou de ir
lá. Mais tarde, reprovou-se por voltar à loja daquele homem, como se tivesse
querido provocar um novo atentado. E, de fato, a 'consciência pesada' que a
51
atormentava bem poderia derivar desse incidente.
O primitivo do ato
mente em ato. O que Freud diz aqui sobre o primitivo vale, aí, para
a encenação neurótica. Mas justamente nesse último caso é o conteúdo
do recalcamento, o " pensamento recalcado" , que é encenado. Com
preende-se, portanto, ao mesmo tempo por que Freud mantém o ato
na sua função de Ersatz - de sorte que não se encontrará nele nem
" atualismo" nem o lirismo do Ato72 -, mas também porque o
momento do ato, por seu caráter regressivo mesmo, dá toda a sua
potência e seu valor de Agieren à moção recalcada.
E se precisamente, para pensar nos termos de Totem e tabu, o
Agieren fosse a expressão mais " primitiva" da transferência - o que
permitiria pensar ao mesmo tempo a regressão e a originalidade?
A ponta metapsicológica dessa equivocidade do ato deveria ser
buscada na terceira dimensão que o ato acrescenta à relação funda
mental entre a " representação" e a " coisa" . Dimensão que o exprime
como a sua mediação cega.
Se o inconsciente se distingue, com efeito, do consciente em sua
elaboração metapsicológica mais central73 como a " representação de
coisa somente" que se opõe à " representação de coisa mais a
representação de palavra correspondente" , o processo deve poder
decifrar-se segundo as duas racionalidades : a da " verbalização" , que
designa a rememoração falada como a via real da análise, e aquela,
rr lis obscura e no entanto fundamental, do " dizer da Coisa" .
..
NOTAS AO CAPÍTULO IX
7 1 . GW IX, p. l 94.
72. É notável que as filosofias do Ato o erijam como princípio puro de subversão
do conhecimento (Gentile), enquanto as filosofias da Ação se baseiam numa síntese
interna imediata contra uma concepção do conhecimento como representação
(Maurice Blondel); Freud experimenta, com efeito, a atuação como vacilação do
conhecimento e emergência imediata de um " dentro" do sujeito, mas sem
hipostasiá-lo como tal, remetendo-o obstinadamente a uma dialética da repre
sentação.
73. Podemos encontrá-la, com efeito, a partir dos escritos sobre as afasias de
1 891 e da Traumdeutung; cf. GW 11-111, p.302.
74. Sobre o sentido preciso do termo, cf. L' entendement freudien, p. l 26s.
75. Sabe-se que Freud, no trabalho de "construção" , sublinha esses momentos
privilegiados de emergência histórica da própria coisa do recalcado.
CAPÍTULO X
O RELATO
226
o relato 227
como não lhe repugna chamar de " doutor" o analista). Isso nos impõe
sondar as suas origens. Mas, ao manter a expressão bruta, Freud, como
de hábito, tem as mãos livres para a originalidade do emprego. A
Krankengeschichte, título comum, destaca-se do uso freudiano com a
dignidade de um verdadeiro gênero literário inédito. Para sustentar
essa afirmação, requer-se uma genealogia do escrito freudiano.
Isso supõe ver emergir o gênero in statu nascendi, num primeiro
tempo: é tomando a medida de suas fontes - na " história de caso ",
à qual Charcot deu seus títulos de nobreza - que se verá desprender
o princípio da escrita freudiana. Em seguida, uma análise estrutural
do modo de representação (Darstellungweise) se faz necessária: vai-se
compreender, pois, num segundo tempo, o trabalho de escrita do caso
em Freud, destacando-se seus momentos próprios. Então, será o tempo
de tirar as conclusões propriamente metapsicológicas.
1. Primum narrare
2. Da pintura à diegese
4. A Dichtung neurótica
que lhe permite fazer-se desejar, fingindo nada ter a ver com isso.
Irrepreensível, a não ser por umas poucas tentações obscuras, tira de
sua posição de parenta pobre, cobiçada por uma série de homens -
aos quais Else não cessa de se oferecer como atrativo -, um
nada-querer-saber sabiamente erotizado.
Não há " diagnóstico" em Schnitzler, nem mesmo semiologia.
Tampouco outra voz além daquela da moça que se distingue por não
ter outra história senão a de um certo segredo que alimenta seu pequeno
mundo. Até o momento em que se dá algo como um melodrama: uma
certa dívida, contraída por um pai " genial" mas desventurado que,
entre dois negócios " genialmente" planejados, se encontra com a faca
no pescoço. A mãe então lhe pede auxílio: tudo depende dela. Ela
precisa obter de um certo senhor idoso, de fortuna sólida e libido
equívoca, a soma que irá salvar seu pai da desonra. Aí começa a
segunda parte do relato, " tempestade mental" , onde a parte do fantasiar
é sutilmente bordada sobre a evocação realista de um drama. Pois,
solicitado, o empresário vai impor uma condição àquela a quem deseja:
vê-la nua. Nessa vertigem em que ela se envolve, por deslizamentos
que exacerbam a deliberação em delírio, Schnitzler oferece uma bela
fenomenologia da tragédia histérica: cedendo à atração de uma falta
que cativa seu desejo secreto, ao mesmo tempo em que se assinala
pela invasão de fantasias de morte. O desfecho é, ele próprio, digno
de uma imaginação histérica: já que é preciso, ela vai despir-se, de
fato, não na intimidade do espetáculo privado que lhe foi pedido, mas
aos olhos de todos, no salão do hotel, como que para pôr a nu, com
seu corpo, objeto de desejo exibido, o opróbrio de seu vil mestre-cantor.
É nessa passagem ao ato exibicionista, logo seguida por uma síncope,
que o sintoma, até então tecido num monólogo a que só o leitor tinha
acesso, passa à realidade. É somente então - quando se carrega o
corpo amortecido e inanimado para o seu quarto - que o diagnóstico
é proferido: " Uma crise de histeria ( . .. )" . 22
Todo o relato precedente assume, então, sentido como alguma
monografia de " um caso de histeria" ? Com efeito, tivemos uma fala,
a de uma jovem submetida à pressão conjugada de solicitações
exteriores (as menos imaginárias) e turbulências pulsionais as mais
inconfessáveis, cujo " sintoma" , quando surge na cena social, na sua
dramaturgia, é chamado " histeria" . Schnitzler não é apenas um médico
que, tornando-se escritor, romanceia seus casos: 23 ele é alguém que
faz surgir uma fala, por sua escrita, que concorre com o discurso da
" neuropatologia" .
234 as margens
5. O relato mnésico
com seu homólogo masculino, mais " ruidoso" , Freud conta. Ele põe
diante dos olhos o gesto sintomático, com um luxo de detalhes : e,
como espelho dessa " prolixa introdução" ( !),36 coloca " uma apresen
tação precisa e sintética da história da libido desse caso" . Didática
exemplar: a Libidogeschichte deixa-se decifrar como re-Ieitura da
história, ou melhor, de sua crise historicamente datada. Esta a ilustra,
certamente, a posteriori, porém, mais que isso, a induz. É como se o
metapsicólogo devesse fazer-se o comentador de sua própria história.
Uma ocorrência particularmente interessante é aquela em que a
escuta da história serve de núcleo para sua reescritura. Esse é o caso,
eminente, da paranóia, estruturado como relato querelante sobre o
qual se escora a queixa. Assim é necessário, sobre o fundo de debate
jurídico,37 dar a palavra à narradora, que se diz perseguida por um
apaixonado. Então, é um certo ruído de pêndulo que, em meio a essa
cena de abraço, polariza a escuta e alerta o ouvinte, Freud. Este " pede
imediatamente" à narradora que volte para " contar a história de uma
forma mais detalhada e com todas as circunstâncias anexas (Nebe
numstiinden) talvez omitidas dessa vez" . Assim, formulam-se para a
paciente as exigências que o narrador do caso deve satisfazer: o sentido
do detalhe.38 A interpretação aqui é ré-escritura da história com o grau
de verossimilhança exigível. Não é por acaso que o segundo relato é
que fornece esses " coadjuvantes" que levam à verdade da história.
Portanto, agora, é sobre o próprio dispositivo de escrita que devemos
voltar nossa atenção.
1. O momento da escrita
2. A arte da "apresentação"
4. A escrita da anamnese
Tal é o estatuto desse " saber anamnésico" . Freud expõe aqui uma
verdadeira lei de epistemologia clínica: " Tal estado das lembranças
que se referem à história da doença é o correlato, requerido teorica
mente, dos sintomas de doença." 54 É na própria memória, em sua
arquitetura barroca de erros, amnésias, furos de memória, falsas
lembranças, ilusões mnêmicas, que o Dichter da neurose deve fazer
emergir a porção de verdade essencial.
5. O ato de nomeação
dadeira Dora" . Será então chamada Dora aquela que não pode
conservar seu nome próprio (por motivos ancilares . . . ou de sigilo
profissional !). Pelo fio da associação, descobre-se uma " definição"
imperativa: " uma Dora" é uma mulher cujo nome não deve ser
pronunciado.
Por um efeito surpreendente, Freud vai, pois, como autor, restituir
a Ida, a título fictício, o nome real do qual outra mulher, Rosa, foi
espoliada. Ele repara, à sua maneira, uma injustiça - uma doméstica
não tem nem mesmo o direito de conservar seu nome -, voltando a
dar vida a esse nome abandonado por sua proprietária, numa ficção.
" Dora" virá habitar e vestir Ida, que vai passar, sob esse nome
emprestado, à posteridade. Esse nome tem sua necessidade íntima:
ele designa alguém e retém, mesmo, certos traços identificatórios da
pessoa originalmente significada.
O autor Freud escolheu, pois, com conhecimento de causa: ele foi
escolhido por " Dora" que vem, em seu lugar e em seu momento,
fazer-se admitir na sua " ficção" . Ela vai absorver, com sua potência
evocatória, uma trinca de mulheres.
A partir do momento em que, de fato, cedeu à força sugestiva do
nome, Freud se viu presa de uma série de atos falhos, que confirmam
que a Krankengeschichte é um tema eletivo de " psicologia social" .
Pois esse nome, uma vez escolhido, deve realmente ser proferido: que
fazer, então, quando durante uma conferência deve-se chamar " Dora"
por seu nome (a expressão adquire aqui toda a sua literalidade) e uma
das ouvintes responde, ela mesma, pelo nome de Dora? Que fazer da
"jovem aqui chamada Dora" , aquela que habita seu texto a partir de
então publicado? " Licenciá-la" (não se sai da metáfora ancilar) pelo
tempo de uma conferência, para não constranger sua ouvinte ! Como
poderia esta escutar o conteúdo da história sem se sobressaltar a cada
instante?
Imediatamente desbatizada, " Dora" é, portanto, rebatizada como
" Ema" , subterfúgio graças ao qual o relato freudiano pode seguir seu
curso. " Dora" , pois, não é mais o nome da heroína. Entretanto, seria
ingênuo pensar que se possa assim desbatizar o sujeito da história
impunemente: " A eventualidade temida" tinha " conseguido realizar
se ao menos em parte" , já que " outra ouvinte" se chamava, no
sobrenome, Lucerna, de que " eu havia tomado duas sílabas" ! Aí está
um emblema do poder do nome: expulso, exilado do relato, ele
consegue ainda, em seu novo aspecto, comprometer o autor, que
acreditou poder livrar-se da sua necessidade, enquanto, num efeito
bem-humorado de Unheimliche, o nome substituto encontra seu
o relato 245
7. A verdade da "pós-história"
I. As aporias epicríticas
pode tentar ordenar aqui, numa " epicrítica" do gênero. Essas são
outras tantas aporias que a história deve enfrentar e elaborar.
- No eixo do ato: a história é ao mesmo tempo o traço de um ato
terapêutico e a restituição de uma memória que se destaca da
representação. A história se escreve, pois, no e pelo " tratamento" ,
mas impõe sua própria temporalidade.
Trata-se, com efeito, de remontar do último sintoma à " primeira
mentira" , por reversão da temporalidade. Logo, a história ganha forma
tal como um quebra-cabeças que acarreta um " processo de constru
ção" . Vamos limitar-nos a recordar aqui o seu aspecto interdiscursivo:
o paciente conta, o analista comunica suas construções72 e é no
entre-dois que se constitui a história. O próprio " ato" deveria ser
apenas um suporte que desapareceria com o advento do relato na sua
autenticidade. Compreende-se por que Freud tem o cuidado de
distinguir a história do doente da história do tratamento, utilizando
ao mesmo tempo a memória do ato terapêutico como trama para
mostrar o surgimento da memória do sintoma.
- No eixo da realidade: a história é ao mesmo tempo uma ficção
útil e o modo de trilhamento de um real. Vimos com que rigor Freud
elabora essa questão central da Darstellung. O que se revela aqui nada
mais é que a " realidade psíquica" (distintiva do " mundo das neuro
ses" ). A história dá corpo a essa realidade sui generis. A historicidade
fornece em outros termos o meio pelo qual essa realidade é abrangida
em suas modalidades de crise (conflitos).
- No eixo do sujeito: a história é ao mesmo tempo o modo de
" mascaramento" do sujeito e o desenvolvimento de sua " verdade" .
Logo, é estruturada em torno de um " ponto obscuro" central, situado
fora dela mesma; mas, simultaneamente, é o modo de acesso privile
giado desse " recalcado" atemporal. Ela tem função de " revelação" . ·
É nesse sentido que escrever a história é o único meio de compreender
o sujeito. Dessa maneira, ela iria desatar a velha aporia sobriamente
apontada por Freud: " O Eu (lch) é, no entanto, o Sujeito em seu
sentido mais próprio (das eigentlichste Subjekt); como pode ele
tornar-se objeto ( Objekt)?" 73 Como sabemos, Freud traz nesse contexto
uma resposta estrutural - no registro da Spaltung. Mas, em contra
partida, a referência à historicidade sublinha seu avesso " genético" :
a " história" , partindo da figura do Egoísta - " o Doente" -, o faz
advir como sujeito de sua própria história, em suas modalidades
objetivantes cujo retrato descrevemos.
o relato 25 1
NOTAS AO CAPÍTULO X
1 . Cf. L 'Homme aux rats, Journal d 'une analyse, PVF, 1 974; Freud escreve
"Poesia e ficção" em vez de "Poesia e verdade" (p.35) - erro que se repete à
p.42- 1 1 3 e permanece no texto publicado (in Cinq psychanalyses, PVF, 1974,
p.232). Sobre o contexto desse erro, cf. acima.
2. Imperativo literalmente ético, sendo a ética " aquilo que é evidente por si" .
Sobre essa ligação ética/verdade, cf. nosso esclarecimento in L 'entendement
freudien. Lagos et Ananke, Gallimard, 1984.
3. Sobre a ocorrência mais significativa desse termo, ver p.227.
4. O termo é empregado principalmente a propósito do pequeno Hans: " A
história d o doente e da cura (Kranken-und Heilungsgeschichte), representada nas
páginas seguintes, de um paciente muito jovem." (Análise de uma fobia num
menino de cinco anos, GW VII, p.243), bem como a propósito do Homem dos
Lobos (num contexto interessante, analisado à p.248.).
o relato 253
5. Cf. a declaração a propósito da história do Homem dos Lobos: " Não posso
escrever a história de meu paciente nem de modo puramente histórico, nem
puramente pragmático; tampouco posso dar uma história de tratamento, nem uma
história de doente, mas vou ver-me obrigado a combinar as duas maneiras de
representação" (A partir da análise de uma neurose infantil, setor II, GW XII,
p.36).
6. Esse termo é empregado principalmente num contexto particular, no exame
de Uma neurose demoníaca do século XVII, GW XIII, p.353.
7. Essa reflexão situa-se no começo da "epicrise" da Srta. Elisabeth von R.,
GW I, p.227. A Novelle, " quadro" realista, deve ser distinta da " romança" (ver
infra).
8. Cf. a passagem das Novas conferências introdutórias comentada na p.250,
e Conclusão, p.27 1 .
9 . Daí o constrangimento suscitado pelas reencenações literárias dos casos
freudianos, que ressoam como uma redundância da clínica pelo pathos.
10. Homenagem a . Charcot publicada em 1 893 na Wiener Medizinische
Wochenschrift (n.37), GW I, p.22. Deve-se destacar que Freud tirou essa descrição
de seu " método de trabalho" (Arbeitsweise) do próprio Charcot. As futuras
" auto-apresentações" de Freud são calcadas nessa sintaxe. Cf. sobre esse ponto
nossa obra Le freudisme, PUF, " Que sais-je?" , n.2563, cap. IV, p.64-70.
1 1 . Charcot, op. cit., p.26.
12. Cf., para uma apresentação detalhada, nosso artigo " Charcot et !e théâtra-
lisme clinique" , in Le Scarabée lnternational, n.3-4, 1 983, p.25 1 -63.
13. Charcot, op. cit., p.28.
1 4. Sobre o balizamento metapsicológico da noção, remetemos ao capítulo V.
15. GW I, p.5 1-99. Elas tomam, de resto, a parte do leão.
16. Expressão empregada a propósitp de Emmy v. N., GW, p. l 30.
17. GW VII, p.38 1 .
18. Sabe-se que ela denuncia o adultério paterno a que põe fim, que ela culpa
a complacência materna e acusa com um olhar tão terrível o sedutor Sr. K. que
ele é quase atropelado por um carro...
19. Cf. os acréscimos de 1923.
20. Estudos sobre a histeria, GW I, p.2.
2 1 . Frdulein Else, 1 926; trad. fr. Stock, 1980.
22. É sua amiga Cissy que, curvada sobre o corpo letárgico, profere: " Uma
1..rise de histeria, dizem, eu não sei de nada" , op. cit., p. l 30.
23. Sabe-se que Schnitzler se volta para o teatro depois de ter começado a
estudar medicina e se revela, no mesmo ano dos Estudos sobre a histeria, como
autor dramático.
24. " Penso que o tenho evitado por uma espécie de temor de encontrar meu
dupk."' , confia Freud a Schnitzler em 1 4 de maio de 1 922. " Tive, assim, a
impressão de que o senhor sabia intuitivamente - ou antes, em conseqüência de
uma auto-observação sutil - tudo o que descobri com a ajuda de um laborioso
trabalho aplicado ( ...) Quanto a mim, dou preferência ao investigador" (Corres
pondance, Gallimard, p.370- l ) .
25. Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade, GW VII, p. l 93
(grifos nossos).
26. GW I, p.86.
254 as margens
27. Cf. nossa análise " Le roman de la faute. Freud et la belle âme" , in Corps
Écrit, n. l 9, PUF, 1 987, p.89-96.
28. Estudos sobre a histeria, GW I, p.292.
29. Sobre a fundação dessa metáfora, referimos ao nosso estudo-prefácio a
Harry Stroeken, En analyse avec Freud, "Freud, romancier du symptôme. Sur
I' écriture clinique freudienne" , Payot, 1 987, p.7-4 1 .
30. Isso é o que ele lembra, incansavelmente, a Wilhelm Reich.
3 1 . Sob esse termo, Hegel designa a criança, encarnação da família, " substan
cialidade imediata do Espírito" , que " se determina pelo amor" (Príncipes de la
philosophie du droit, § 1 73, Gallimard, p. l 47).
32. Segundo tal inventário dos casos tratados por Freud, o balanço se elevaria
a 1 33 casos, acrescentando-se a 1 2 grandes casos (B. Brody, " Freud' s Cases-Load" ,
in Ruitenbeek H.M., Freud as We Knew Him, Detroit, 1 973). Na obra de Freud,
destacam-se 36 fragmentos nos quais se descrevem as histórias de casos: 15
referem-se explicitamente a pacientes. Isso nos dá uma idéia do afresco que o
Relato freudiano representa.
33. Isso poderia exprimir a própria essência da " novela" que, mais que um
" romance curto" , faria surgir um momento de verdade que objetiva - sob a
forma de uma situação crítica - um " mundo" de outra maneira oculto...
34. Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina ( 1 9 1 7),
GW XII, trad. fr., in Névrose, psychose et perversion, PUF, 1 973.
35. Um caso de paranóia que contraria a teoria psicanalítica da doença.
( 1 9 1 5) GW X, trad. fr. ibid.
36. Id., ibid.
37. É, com efeito, a pedido de um advogado, intrigado pelo conteúdo da queixa,
que Freud intervém como " expert" .
38. Regra lembrada a Pfister, inclinado a generalizações.
39. Carta a Jung de 30 de junho de 1909, in Sigmund Freud, C.G. Jung
Correspondance, carta 149 F, Gallimard, vol. r, p.3 1 7.
40. " Sobre o início do tratamento" , in La Technique psychanalytique, PUF,
1 972.
4 1 . Neurotische Existenl[orm.
42. Análise de uma fobia num menino de cinco anos, Ill, I . GW VII, p.338.
43. Um caso de paranóia que contraria a teoria psicanalítica da doença, GW
X p.234-5.
44. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise, GW VIII, p.379.
45. História de uma neurose infantil, GW XII, p.36.
46. Recomendações aos médicos, op. cit.
47. Aquele que é evocado em A questão da análise leiga, cujo subtítulo é
" Conversação com um imparcial" .
48. No sentido em que o debate com Wittgenstein o explicita, cf. nosso Freud
et Wittgenstein, PUF, 1988, p.33-88.
pela família adotiva. Sabe-se que ela sonhava com o casamento do filho com uma
moça daquele " clã" , que representava o sucesso social.
68. Análise terminável e interminável, setor I, GW XVI, p.62.
69. Cf. nosso texto " Opéra et mise-en-scene des voix du désir. Genese d'une
vocation" , in Corps/Écrit n.20, 1 987, p.69-76.
70. " Análise crítica" , nomeada como tal, dos Estudos sobre a histeria às
histórias de análises, GW I, p. 1 4 1 , 1 80, 194, 227; GW VII, p.336.
7 1 . O termo designa em alemão um " resumo" , a se entender literalmente como
só-depois do relato (pós-relato).
72. Construções em análise, 1 937.
73. Novas conferências introdutórias, GW XV, p.64.
74. GW XII, p.90.
75. GW IX, p. 1 7 1 : " Um dia ... " Vai-se notar a importância da " lei biogenética
fundamental" , relato acoplado da ontogênese e da filogênese.
76. Método reafirmado até no Esboço de psicanálise (segunda versão, 1 938):
o " método de apresentação genética" (genetische Darstellung) é aquele calcado
no relato da aquisição dos " resultados" pelo "pesquisador" (GW XVII, p. l 4 1 ).
CONCLUSÃO
O SUJEITO
A função metapsicológica
O sujeito da psicanálise
257
258 as margens
O paradoxo do sujeito
Ainda nos é necessário, para ver como Freud conquistou essa idéia,
partir de um traçado desse percurso onde três tempos se dão a
distinguir.
1 ) Na medida em que quer pensar em termos de processos, como
exige sua teoria da libido, Freud quer ao mesmo tempo fazer a
economia de todo conceito de " personalidade" .1 Isso é o que inaugura
a primeira fase de sua omissão expressa de um ponto de vista da
subjetividade. A " objetalidade" domina nesse primeiro tempo, a ponto
de excluir qualquer ponto de vista " subjetivo" (no qual ele só teria
visto uma retórica filosófica sofisticada e principalmente inútil). O
Eu, então, é concebido apenas como aquilo que " segue" o destino
do recalcamento do objeto libidinal: é nesse último plano que atua o
essencial.
2) Ora, a sombra do Eu começa a se estender sobre o objeto a
partir da introdução ao narcisismo, nos anos 1 9 1 0- 1 9 14. Introduzir o
narcisismo na teoria psicanalítica não será reconhecer, ao fim da
polêmica com Jung, que doravante é necessário um ponto de vista
" subjetivo" para a problemática do recalcamento? É verdade que Freud
nada mai s vê na instância ideal eu-óica do que uma " razão de recalcar" ,
mas esta é, justamente, a razão. O que assim " decide" que isso é
insuportável e aquilo insignificante, não será o que faz a divisão entre
um sujeito e outro?2 Paralelamente, o Eu é decifrado na " experiência
de satisfação" como desempate do prazer e da realidade.
Num desenvolvimento ulterior, o Eu se vê " instituído" pela segunda
tópica como instância própria (o que, em suma, chega tarde demais).
Sobretudo, o Eu só encontra seu reconhecimento acompanhado da sua
estrutura simbólica (supereu-óica), como se uma caminhasse neces
sariamente ao lado da outra (veremos toda a verdadeira significação
desse fato conhecido). Por outro lado, justo no momento em que o
Eu é assim entronizado, ele vê se erguer diante de si a potência
considerável da " pulsão de morte" introduzida no mesmo momento:3
essa compulsão à repetição inscreve-se até o coração do sujeito que
aí se põe em jogo.
260 as margens
ela (a patologia) nos mostra uma quebra (Bruch) ou uma fenda (Spalt),
uma articulação (Gliederung) pode normalmente estar presente. Quan
do jogamos um ctistal ao chão, ele se quebra, mas não de qualquer
maneira (willkiitlich), ele se parte segundo suas direções de clivagem
(Spaltrichtungen} em pedaços cuja delimitação (Abgrenzung), embora
invisível, já estava no entanto determinada previamente pela estrutura
(Struktur) do cristal. De tais estruturas fissuradas e partidas (rissige
und gesprungene Strukturen), tais são igualmente os doentes do espírito
(Geisteskranken)."
A " estrutura" encontrou aqui seu " sujeito" - é verdade que sob
a capa de uma metáfora: mas toda a gênese precedente mostrou como
a origem sinuosa, tanto quanto rigorosa, da função sujeito conduzia
a isso.
- Que se constatou, com efeito? Que, seja como sujeito-da-cons
tituição (libidinal) (forma 1), seja como sujeito narcísico (da identifi
cação/idealização) (forma 11), seja como sujeito da cli vagem, o
'' sujeito" - essa " ausência" tomada presença discreta - " cristali
za-se" - no sentido literal - como este elemento " invisível" , já lá
" antes" (vorher), como delimitação - pensemos nas '' arestas" de
um cristal - do evento da " fissão" . Essa estrutura-sujeito só se revela
no momento da " quebra" , mas tal é o " círculo" do sujeito: a " quebra"
- a formação do sintoma - só tem efeito na revelação da e strutura
fissurada (rissige Struktur) que a tornou virtualmente possível.
Texto fundamental em que se vê, de certa forma, desenhar-se um
sujeito " recortado" pela estrutura - o que só é possível no horizonte
de uma problemática da Spaltung. Esse gespaltener Subjekt constituí
aquilo que a psicanálise tem como contribuição mais específica - e
no fundo inaudita - à questão principal do sujeito. Vê-se também
por que o sujeito da psicanálise só existe objetivado pelo sintoma,
mas que o próprio sintoma traduz a preexistência de uma estrutura
assim revelada: existe aí uma forma de " reflexividade" complexa que
é uma das maiores conclusões da metapsicologia.
O sujeito torna-se objeto de um saber metapsicológico a partir do
sintoma: mas ele porta a marca de uma divisão cujo próprio " desenho"
é estrutural. Essa é, pois, realmente uma forma de a priori da
experiência analítica, menos como " portador" de sintoma(s) que como
modo de atualização singular de " direções de clivagem" da estrutura.
A diacronia sintomática deixa toda sua importância à historicidade
- o que demonstra toda a clínica analítica. Mas nesta retoma a
o sujeito 277
síntesé interna .
mático, que o suJeito recebe seu lugar propno. É por isso que,
decididamente, o sujeito não é uma " personalidade" , mas também
não é " qualquer um" ; esse é o ponto de referência de seu próprio
dilaceramento. Lá onde o Outro fez traço, forma-se um sujeito.
Da cena primitiva ao sujeito clivado, esta é mesmo, de certa maneira,
a saga do sujeito freudiano que se vê terminada. O ponto de chegada,
ou melhor, de interrupção, é este sujeito que emerge do cruzamento
de duas " reações" igualmente insuficientes para a revelação da falta,
essa " ameaça" que entrava uma satisfação que tenderia a se tornar
hábito. Não está aí o Cogito do impossível, emergindo da representação
da Falta, mas tornando a se fechar em si mesmo pela renegação?
Somente que, como " só a morte é para nada" , a perpetuação da
satisfação deve pagar o dízimo do " dilaceramento" . Prêmio do
" sucesso" , mas também " cicatriz" sobre a qual virá se agarrar e se
" encastoar" um sujeito, como se vê, todo particular e mesmo único
na história. Não é esse dilaceramento transcendental que Freud
descreve quando lembra que " o conjunto do processo" só parece " tão
estranho porque consideramos a síntese dos processos do Eu como
auto-evidentes" - em suma, se não se está emancipado do modo de
pensar kantiano? É a essa revisão que Freud incita, de modo ao mesmo
tempo modesto e radical.
Entre esse sujeito e a castração, impossível, com efeito, encontrar
a " determinante transcendental" .
Fato curioso: a referência à instância da verdade surte seu efeito
por menos que a combinem com a referência a este sujeito. Modelo
que se mostra bastante bem no fenômeno da " denegação" , pelo qual
o sujeito encontra meios de atestar que ele não deixa de saber a sua
verdade, mas que ele a aborda por essa colocação a distância do
recalcado. Acreditar que a verdade possa falar diante do sujeito,
funcionando apenas como porta-voz destacado de seu desejo.
Tal é, em suma, toda a bela racionalidade promovida pelo " enten
dimento freudiano" : retomar a racionalidade pelo que a faz, necessa
riamente, " claudicar" , ou seja, o afastamento ali introduzido pelo
sintoma. Que um sujeito seja lugar-tenente dessa carga, apesar de
tudo, de sua própria verdade que ele sabe tão mal e que diz tão bem,
isso é o que dá alguma razão a que se tome em consideração esse
sujeito que apenas a psicanálise pode nomear. E esse sujeito, já lá
para ele e para o Outro, é o sujeito da metapsicologia.
282 as margens
NOTAS À CONCLUSÃO
1. Assim, ele observa a Karl Abraham que a palavra " personalidade" não
explica nada.
2. " A diferença entre esses dois (homens) pode exprimir-se facilmente: ( ... )
um estabeleceu em si um ideal com o qual mede seu eu atual, enquanto no outro
tal formação de ideal está ausente" (Introdução ao narcisismo, GW X, 1 60- l ).
3. Além do princípio de prazer ( 1920).
4. Ver sobre esse ponto L'Entendement freudien, op. cit., p. l 42-4.
5. Neologismo forjado por Ferenczi a partir do latim uterque (um e outro),
para designar a necessidade de consideração complementar do " subjetivo" e do
"objetivo" (aplicado principalmente em Thalassa).
6. GW XIV, p. 1 4.
7. Op. cit., p. l 3.
8. Op. cit., p. 1 4.
9. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, GW V, p.9 1 .
10. Op. cit., p.36.
1 1 . Uma dificuldade no caminho da psicanálise, 1 9 1 7, GW XII, p.9.
1 2. In Meus pontos de vista sobre o papel desempenhado pela sexualidade na
etiologia das neuroses, 1 905-6 (texto decisivo para nosso propósito), GW V,
p. 1 54-5.
1 3 . Op. cit., p. 1 54.
14. XXIII lição de Introdução à psicanálise, 1 9 1 7, GW XI, p.375.
1 5 . Op. cit., p.376.
1 6. Termo empregado por Aristóteles para designar a " substância" .
1 7. Análise terminável e interminável, GW XVI.
1 8. As pulsões e suas vicissitudes, GW X, p.220.
19. Op. cit., p.222.
20. Op. cit., p.224.
2 1 . Op. cit., p.226.
22. Ver a Doutrina da ciência (Wissenschaftslehre) cujo universo de pensamento
é, aliás, estranho a Freud (mas ele o pôde " absorver" indiretamente através da
dialética herbartiana da representação).
23. Ver a Traumdeutung, cap. VII.
24. As pulsões e suas vicissitudes, GW X, p.227.
25. Op. cit., p.228.
26. GW XIII, p. 1 16.
27. Op. cit., cap. XI, p. 144.
28. GW XV, p.63/4.
29. Cap. VIII, GW XVII, p. l 35.
30. GW XII, p.248.
3 1 . GW XIII, p.6.
32. GW XIII, p. 1 20.
33. GW XIII, p.259.
34. GW XVII, p.60.
o sujeito 283
35. " Die Vorstellung !ch denke ( ... ) die alie anderen müssen begleiten konnen "
Crítica da razão pura. Dedução transcendental.
36. Essa é, como se sabe, a expressão de Friedrich Lange, Histoire du
matérialisme.
37. Ver nosso Freud, la philosophie et les philosophes, PUF, 1976, n Parte,
cap. III, p. l 59.
ÍNDICES
Apresentação
285
286 as margens
287
288 índices
histeria (ica), l i O, 1 54-5, 177, 1 78-80, 1 82- realidade, 27, 58, 203, 204-6, 250, 259-60,
3, 218, 230-2, 234-5 262-3, 275
recalcado, 1 1 2, 1 1 3, 1 79-80, 221 , 250, 274,
ideal, 25, 35-7, 1 67-9, 272 28 1
ideal do eu, 259, 270 recalcarnento, 27, 85, 1 12-3, 1 18-9, 1 35, 154,
idealização, 35, 1 68, 276 1 6 1 , 163, 1 65, 1 66, 221 , 259
identificação, 179, 267-8, 274, 276 regressão, 36-7, 221
inconsciente, 15, 24-7, 30-6, 60- 1 , 77-9, reminiscência, 1 58, 178, 2 1 1 , 2 1 7, 234, 242
85-6, 88-9, 92, 93, 98, 109, 1 l l, 1 1 2-5, renegação, 1 18-9, 1 36, 166, 2 1 2
l 16-7, l 19-22, 1 30, 132-3, 1 36-7, 1 38-9, representação, 6 , 1 6 , 26, 77-93, 1 14-5, 1 16,
1 43-4, 1 60, 1 62-3, 163-5, 168, 1 7 1 -80, l 19, 127, 149, 1 5 1 , 1 53, 155, 158, 158-9,
1 94-7, 201-3, 207-8, 2 1 1 , 2 1 3, 2 16, 2 1 9, 1 60, 1 62-5, 1 66-7, 168-72, 1 78, 208- 1 1 ,
222, 247, 251 , 260, 262, 274, 279-80
213, 2 1 4, 2 1 7-8, 220-1 , 250, 262, 277-8,
inervação, 180, 183
281
inquietante estranheza, 1 1 I
representação de coisa, 78-93, 1 27-8
interpretação, 32, 47, 49, 52, 237
representação de palavra, 78-93, 1 27-8
investimento, 84, 86, 1 3 1 , 1 32
isso, 35, 64, 69, 88, 1 74, 185-6, 1 87, 205-6, repressão, 154, 160, 1 63-5, 178
2 1 2, 264, 274
sadismo, 266, 267
libido, 1 52, 169, 246, 259, 263, 265 satisfação, 201 , 203-5, 214, 275, 28 1
luto, 162, 163 sedução, 1 79-80, 202, 2 1 2, 264
sexualidade, 29-30, 34, 98, 1 04-6, 1 2 1 , 1 22-
masoquismo, 266, 267 3, 1 24, 1 99, 202
melancolia, 162, 168, 269, 274 sintoma, 32-3, 43, 45, 52-4, 7 1 , 87, 1 07, 1 24,
memória, 1 6 1 , 238, 243, 250 1 34, 1 36, 1 42-3, 1 45, 1 57-8, 1 67, 1 77-8 1 ,
metapsicologia, passim 183-4, 199, 206-8, 2 1 1 -2, 2 1 4, 2 18, 226,
morte, 233 227, 229-30, 233, 235-6, 237, 239-40,
morte (pulsão de), 36, 259 243, 245-6, 247-52, 264, 266, 275, 276,
mulher, 1 10, 2 12, 213 280-1
sistema, 15, 60, 1 30, 1 64-5
narcisismo, 34, 131, 169, 185, 246, 259, 263, só-depois, 146, 2 1 1 , 275
. 265-9, 272 sonho, 32-3, 79, 143
sublimação, 1 30
obsessão, 1 58, 180
sujeito, 1 1 , 26, 33-4, 36-7, 45, 53, 70- 1 , 79,
outro, 34, 92, 1 09, 1 32, 144, 145, 1 7 1 , 174,
92-3, 1 08-9, l l l-4, 1 15-8, 1 21-3, 1 24,
1 79-8 1 , 1 90, 1 9 1 , 199-202, 208, 2 1 1,
1 30, 1 34, 1 35, 1 4 1 , 1 5 1 , 179-8 1 , 196,
2 1 2, 21 3-4, 219, 260- 1 , 263-4, 267, 278-
201-3, 206, 208, 2 1 1 , 213, 2 1 5, 2 1 7, 227,
9, 281
229-30, 234, 239, 244, 245-6, 248-50,
257-81
paranóia, 236, 237
pensamento, 45-6, 87, 88, 90, 168, 209, supereu, 7 1 , 1 4 1 , 206, 259
220- 1 , 230, 234, 235, 262, 277
percepção, 89, 160, 165-6, 205, 262 tanatos, 36
perversão, 1 66, 190, 213 terror, 202
prazer, 1 3 1 , 132, 140, 160, 204, 2 19, 259, tópica, 14, 3 1, 34, 60, 63, 79, 80, 82, 88,
261 , 269 9 1 , 93, 165, 205, 252, 259, 269, 271
pressão, 198, 206 transferência, 52-3, 170, 2 1 6-8, 22 1
pré-consciente, 93, 1 29, 1 33 trauma, 1 54, 158, 260
projeção, 167, 188-9
psicose, 86, 144
pulsão, 30, 52, 61-2, 84, 139, 144, 153, utraquismo, 262
1 62-3, 1 7 1 , 1 8 1 , 181-2, 183, 186, 191,
202, 203, 204, 265 visão do mundo, 28, 29, 37
,
289
290 índices .
Lesen, 1 27, 1 28, 1 29, 1 30, 1 3 1 , 1 32, 1 33, · Subjekt, 34, 250, 261 , 266, 267, 268, 269,
1 34 270, 27 1 , 273, 276
Lektur, 1 4 1
Lust, 1 84, 1 90 Tat, 194, 1 95, 217, 220, 221
Tiefenpsychologie, 27
Material, 27, 47, 241 Tragheit, 199
Methodenstreit, 32 Trauer, 1 62
Trieb, 30, 6 1 , 84, 1 38, 1 8 1
Nebenmensch, 92 Triebverzicht, 1 9 1
Nacherziihlung, 15, 149, 249
Naturwissenschaft, 23 Unbehagen, 36
Naturphilosophie, 24 Unheimliche, 1 1 1 , 1 12, 1 1 3, 1 14, 1 6 1 , 244
Novel/e, 132, 228, 232
Urmensch, 1 9 1
Objekt, 78, 80, 83, 92, 1 14, 250, 261 , 268, Ursz.ene, 34, 93, 108, 109, 1 17, 202, 2 1 1 ,
269, 270, 27 1 , 272 260
Organsprache, 1 84
Verdriingung, 1 1 8, 165
Pansexualismus, 29 Veiführung, 1 80
Phantasieren, 68 Verlesen, 133, 1 34, 1 35
Psychoanalysis, 13 Verleugnung, 1 1 8, 1 19, 165, 166
Verliebtheit, 163
Reiz, 181, 198, 205 Vemeinung, 93, 1 1 8, 262
Verweifung, 1 1 8
Sache, 78, 84, 92 Vorstel/ung, 69, 84, 88, 163, 1 78, 262, 283
Schreck, 202
Schlamperei, 28 Wahrheit, 226, 245, 252
Seele (isch), 1 77, 1 8 1 Wahrnehmung, 165, 262
Sehnsucht, 38, 245 Weltanschauung, 28, 29, 32, 1 22
Somatisch, 176, 1 8 1 , 199 Witz, 91
Spaltung, 34, 1 84, 250, 260, 27 1 , 272, 273, Wortvorstel/ung, 78, 83, 90, 9 1 , 1 1 5
274, 276 Wunderb/ock, 65
Spannung, 198 Wunsch, 1 3 1 , 133, 135, 203
Struktur, 276 Wunscheifüllung, 24, 29, 39
,
Charcot, 52, 53, 93, 100, 101, 102, 104, 105, Kant, 55, 1 25, 222, 280
1 10, 1 22, 228, 229, 230, 231 , 235, 264 Keller, 148
Chrobak. 101, 103, 104, 105, 1 1 0, 1 22 Kipling, 148
Copémico, 35 Krafft-ebing, 234
29 1
292 índices
I SBN 85 - 71 1 0-346- 1
9
111 1 1 1 111 1 11 1 11 11
788571 1 03467