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São
Paulo: Lafonte. 2017.
Resenha “O Príncipe”
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FONTANA, Josep. Historia: Análisis del pasado y proyecto social. Barcelona: Editorial Crítica. 1982.
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Livro pequeno de poucas páginas.
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O Papa Leão X era tio de Lorenzo de Médici.
julgam que mais lhe causem agrado”.4 E considerando o conhecimento das coisas novas e
antigas o bem mais precioso que tem, o oferece ao príncipe que, dessa forma, poderia
compreender rapidamente tudo o que o autor demorou anos aprendendo.
Do capítulo I ao XI, Maquiavel trata dos tipos de principados e dos modos de adquiri-
los e conservá-los. Segundo o autor existem cinco tipos de principados, são estes: os
principados hereditários, os mistos, os novos, o civil e o eclesiástico. As maneiras de se obter
um principado variam em cada situação e sua conservação depende da astúcia e da sorte do
soberano.
Nos principados hereditários existem menores dificuldades em governar e em conservar
o Estado, pois os súditos e o povo já estão acostumados com a linhagem do príncipe e basta
que este mantenha os costumes de seus antepassados, saiba governar com astúcia e de acordo
com as circunstâncias. Em contrapartida, nos principados mistos existem inúmeros
inconvenientes que o senhor deve vencer para firmar seu poder e seu prestígio. Essas
complicações acontecem em razão de que ao anexar outro Estado em seu principado, o
monarca deve lidar com os súditos, as leis, os costumes e a língua dos povos conquistados.
Nesse sentido Maquiavel propõe que o soberano conquistador proceda com energia e com
cautela, “ofendendo” os novos súditos fiéis ao antigo monarca, e beneficiando aqueles que
contribuíram para a conquista da província anexada, porém, deixa claro que os súditos
colaboradores não devem ser considerados seus amigos.
A tomada do Estado é mais fácil caso os conquistados estejam habituados a viver em
regimes monárquicos, pois basta ao conquistador extinguir a linhagem do príncipe que
governava. Para conservar as novas províncias, o senhor conquistador não deve alterar suas
leis e seus impostos. Fazendo isso, rapidamente “o território conquistado passa a constituir
um só corpo todo com o principado antigo”.5 Porém, caso os Estados conquistados se situem
em regiões distantes, que tenham línguas, costumes e leis diferentes, a dificuldade de
conservá-los é maior. As soluções encontradas para tal ocorrência são: o príncipe
conquistador ir habitar no território (facilitando o controle sobre os funcionários e a
população), estabelecer colônias na região (pois evitaria gastos com a manutenção de
exércitos nesses locais) e defender e chefiar Estados vizinhos (enfraquecendo os poderosos
dessas regiões e evitando a entrada de forasteiros mais fortes).
Quando a conquista é sobre Estados em que a população está acostumada a viver livre e
com suas próprias leis, as soluções para conservá-los são: destruir suas cidades, o soberano ir
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Pg. 11.
5
Pg. 19.
habitar nos territórios ocupados, arrecadar tributos e criar um governo de poucos em seu
interior, mantendo o Estado conquistador como amigo. Porém, Maquiavel afirma que a
melhor solução é destruir suas cidades para conservar a província, pois, desse modo, seus
habitantes se desunem e se dispersam, evitando rebeliões ou conspirações contra o monarca.
Sobre os principados novos, Maquiavel afirma que eles podem ser conquistados com
“armas próprias e virtuosamente”, “com as armas e a sorte dos outros” e “por meio de
crimes”. 6 Na primeira situação, há maiores dificuldades para alcançar o poder, porém, quando
já estabelecido o principado, o monarca consegue conservar mais facilmente seu Estado.
Além disso, o senhor que conquistar principados com armas próprias e virtuosamente
necessita utilizar a força para evitar correr riscos, e, desse modo, erguer novas instituições.
Somente depois da conquista do poder se superará o uso da força através da virtude.
No segundo caso, é mais fácil para o senhor chegar ao poder, porém, é mais difícil
conservá-lo. Esta situação acontece quando o Estado é concedido por um soberano, mais
poderoso, a outro. Este principado só é sustentado graças à vontade e à sorte daquele que o
concedeu. Dessa forma, os monarcas desses novos principados tornam-se dependentes de
Estados maiores e sujeitos a perderem seu poder de acordo com a sorte de seu protetor.
Contudo, Maquiavel deixa claro que aqueles que forem mais astutos e virtuosos conseguem
lançar as bases de seu poder sobre o principado que lhe foi dado e não se sujeitar mais às
armas e sorte de terceiros, passando a depender apenas de seus próprios exércitos e de sua
própria sorte.
Em relação aos principados conquistados por meio de crimes, o autor aponta que de
nenhuma forma são virtuosos, e os feitos daqueles que conquistam o poder dessa maneira
nunca serão gloriosos. Além disso, esses príncipes estão mais sujeitos ao ódio e à traição, por
usarem a crueldade e a força desmedidamente contra seus súditos e seu povo.
Os principados civis são aqueles em que um cidadão privado, “com o favor de seus
concidadãos, tona-se príncipe de sua pátria”. 7 Não é necessária muita virtude ou sorte para
chegar a esse posto, mas muita astúcia para ai permanecer. O cidadão privado pode chegar à
posição de poder em um principado civil por meio do povo ou dos “grandes”, sendo melhor e
mais seguro ao soberano que este governe em favor do povo, pois é o povo que pode lhe tirar
mais facilmente desta posição.
6
Capítulos VI, VII e VIII respectivamente.
7
Pg. 49.
Sobre os principados eclesiásticos, Maquiavel afirma que são os únicos “seguros e
felizes” 8, pois possuem Estados, não os defendem e nem os perdem, não governam seus
súditos, mas estes não podem se separar deles. Para conseguir o poder de um principado
eclesiástico é necessária muita sorte e virtude, porém, para conservá-lo não é preciso ter
nenhum e nem outro, podendo o senhor proceder do modo que lhe agrade, pois as ordens e as
instituições estabelecidas há muito tempo pela religião sustentam essa forma de governo.
Depois de discutir os tipos de principados e explicar os modos de conquistá-los e
conservá-los, Maquiavel trata dos meios defensivos e ofensivos. Antes, porém, tece alguns
comentários sobre “como devem ser consideradas as forças de todos os principados” 9,
afirmando que os monarcas que têm um Estado forte, com abundância de dinheiro e de
homens, podendo organizar um exército forte o suficiente para combater qualquer outro que
tente lhe atacar, podem se manter sozinhos. Do contrário, são Estados fracos que necessitam
da ajuda de outros mais poderosos, correndo o risco de tornarem-se seus reféns.
O autor classifica as forças ofensivas e defensivas em: milícias, soldados mercenários,
soldados auxiliares, mistos e próprios. Sobre as milícias e os soldados mercenários é dito que
são inúteis e perigosos, “porque são desunidos, ambiciosos, indisciplinados, infiéis, corajosos
entre os amigos, vis entre os inimigos”. 10 O que mantém esse exército em campo é apenas o
soldo pago pelo príncipe, porém, isso não garante que os soldados queiram morrer para
proteger o monarca que os pagam, e em tempos de guerra a tendência é abandonarem seu
patrão. Além disso, os mercenários não têm outro compromisso senão aspirar à sua própria
grandeza, devendo o senhor não confiar em capitães mercenários para guiarem suas tropas.
Sobre os exércitos auxiliares, mistos e próprios, é dito que as tropas auxiliares também
são inúteis, pois, pertencendo a outro Estado, elas não lutam pelos interesses do príncipe que
as solicitam. Do mesmo modo, essas tropas “podem ser úteis e boas para si mesmas, mas,
para quem as chama, são quase sempre danosas, porque perdendo ficas liquidado, e vencendo
ficas seu prisioneiro”.11 Em relação aos exércitos mistos, Maquiavel afirma que essas são
melhores que os auxiliares ou os mercenários, porém, são inferiores às tropas próprias de um
príncipe. O motivo disso é o fato de que as tropas mistas são compostas por soldados próprios
e auxiliares. Todavia estes trabalham em conjunto como um único exército, e, dessa forma,
acabam por acostumarem-se em batalhar ao lado de soldados de outros exércitos, de modo
que ao lutarem sozinhos não terão as mesmas forças ou estratégias de quando estão unidos.
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Pg. 57.
9
Capítulo X.
10
Pg. 62.
11
Pg. 67.
Sendo assim, Maquiavel afirma que o melhor exército é composto por tropas próprias,
pois são formados por súditos, cidadãos, ou vassalos do principado, dispostos a dar a vida por
seu príncipe. Além disso, compete ao soberano organizar e comandar suas tropas, garantindo
assim o respeito perante seus soldados. O monarca, mesmo em tempos de paz, não deve
deixar de pensar sobre a guerra, exercitando seu corpo e sua mente, e de seus soldados, para
as batalhas.
Em relação às fortalezas, é dito que seus usos dependem das circunstâncias vivenciadas
pelo príncipe, que decidirá mantê-las ou destruí-las. Caso o monarca tenha mais medo de seu
povo que do inimigo externo, as muralhas lhe servem como locais de proteção, do contrário,
caso tema mais os estrangeiros, as fortalezas não lhe servem, cabendo ao seu povo lhe
proteger. Neste caso, as muralhas seriam mais úteis ao inimigo que invade seu território,
buscando conquistar o principado a partir destas fortificações. Sendo assim, é mais vantajoso
derrubá-las, evitando que seu Estado corra o risco de sucumbir.
Após tratar dos meios defensivos e ofensivos de um principado, Maquiavel discute as
virtudes e os modos de conduta que um príncipe deve seguir. Para ele, um senhor não deve ser
inteiramente bondoso, pois isso o levaria à ruína, sendo melhor ao monarca “aprender a poder
não ser bom e usá-lo ou não, segundo a necessidade”.12 Além disso, o soberano deve ser
prudente e fugir dos vícios que lhe tirariam do poder, porém, caso não consiga, é aconselhável
que os faça escrupulosamente.
Um príncipe também não deve se preocupar em ser chamado de mesquinho, sendo isso
o contrário de liberal. Pois a liberalidade só serve àqueles que almejam conquistar o poder de
um Estado, para um monarca já estabelecido em um principado o melhor é usar a parcimônia
para administrar as riquezas de seu reino, evitando assim onerar seus súditos e seu povo. Da
mesma forma, o príncipe não deve se importar com a fama de cruel, pois é a crueldade que
mantêm seus súditos fiéis e unidos. Contudo, o monarca deve fugir do ódio, pois isso o faz
acumular inimigos e correr riscos. Sendo assim, é melhor ser temido, mas não odiado, que
amado, e para evitar ser desprezado e odiado, o soberano não pode ser usurpador de seus
próprios súditos e nem deve ser visto como fraco e incapaz.
Um príncipe, para ser estimado, deve realizar grandes campanhas e assumir posições
políticas em relação a conflitos. Além do mais, ao soberano cabe ter astúcia para lidar com
acordos feitos com outros Estados, sabendo empregar a lei e a força para defender seus
interesses. Nesse sentido, é necessário que tenha a energia de um leão para se proteger dos
12
Pg. 76.
inimigos e a argúcia da raposa para de livrar das armadilhas. Segundo Maquiavel: “um senhor
prudente, portanto, não deve e nem pode manter sua palavra quando isso se torna prejudicial e
quando desapareceram as causas que o levaram a empenhá-la”.13 Em parte, a astúcia e
inteligência de um soberano são visíveis através das escolhas que este faz em relação aos seus
ministros, pois tendo ministros fiéis e capazes, o senhor demonstra sua sabedoria em tomar
decisões. Finalmente, os monarcas devem evitar aduladores, prezando por conselheiros que
lhe digam a verdade, sem temer sansões. Porém, mesmo com conselheiros que lhe deem
opiniões verdadeiras, cabe ao príncipe, ouvindo todos os conselhos dignos de confiança, dar a
última palavra e decidir por si próprio.
Sobre a fortuna, é dito que um monarca prudente não pode apenas se fiar na sorte
advinda de deus, mas deve procurar criar sua própria sorte. Se precavendo contra todos os
empecilhos e observado as circunstâncias do momento em que vive, o soberano evita ser
surpreendido pela má sorte, e mesmo que ocorra, tendo se prevenido, poderá minimizar os
prejuízos. Nesse sentido, a fortuna é em parte ação humana e em parte ação divina.
Por fim, no ultimo capítulo Maquiavel faz um apelo ao príncipe da Casa Médici para
aproveitar o momento favorável pelo qual a Itália estava passando e iniciar a unificação do
seu território, libertando seu povo dos exploradores estrangeiros, formando um grande
exército poderoso e fortificando o povo italiano. É necessário esclarecer que a obra foi escrita
em um contexto conturbado na Itália, pois seu território estava fragmentado em diversos
Estados e sofria frequentes ataques de invasores estrangeiros. Dessa forma, Maquiavel
pretendia, através de seus escritos, orientar o príncipe para que este fosse capaz de mudar essa
situação, de “reverter a calamità italiana, de se contrapor ao movimento de corrupção dos
costumes e das instituições”. 14
Maquiavel utiliza amplamente os acontecimentos do passado para exemplificar
situações e orientar o soberano a tomar as decisões com prudência, evitando repetir os erros
de outros monarcas. O diálogo com textos antigos é constante, e são muitos os exemplos das
ações dos grandes homens retirados da antiguidade. Mesmo seguindo o modelo da
exemplaridade, dentro da perspectiva humanista, podemos diferenciar o autor desta linha de
pensamento, pois ao relacionar o estudo das coisas antigas e a experiência das coisas
modernas Maquiavel não busca somente a reprodução do passado, mas a produção de algo
13
Pg. 86.
14
CHABEL, Felipe. “A história em Maquiavel”. In: Ciclo de Conferências “Visões da História”. Academia
Brasileira de Letras. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JKCI37rahpI&t=845s>
novo no presente através da observação dos exemplos de imperadores e reis, advindos dos
textos antigos.
Nesse sentido, sua atitude diante dos textos antigos era diferente, em comparação aos
humanistas, visto que não os via como monumentos ou apenas repositórios de exemplos que
poderiam ser acessados a qualquer momento. Maquiavel buscava as verdades efetivas,
procurava compreender como as coisas eram, e não como deveriam ser. Em suas palavras:
“pareceu-me mais conveniente ir em busca da verdade concreta da coisa e não da imaginação
dessa”. 15 Além disso, seu objetivo era informar e ensinar, sem pretensões estéticas, como
deixa claro na dedicatória de “O Príncipe” quando diz que não ornamentou a obra ou a encheu
de qualquer embelezamento artificial, pois seu desejo era de que se valorizasse somente o
assunto do qual tratava e não a beleza de seu texto.
REFERÊNCIAS
15
Pg. 75.