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Na Paris dos anos 1920, o psiquiatra e psicanalista francês Jacques Lacan (1901-
1981) frequentava livrarias e se reunia com os surrealistas, assistia com
entusiasmo à leitura pú blica de Ulisses, de James Joyce (1882-1941), ligando-se a
escritores, poetas, artistas plá sticos, filó sofos. Formado em medicina, Lacan
orientou-se desde o começo de sua vida profissional para a psiquiatria e a
psicaná lise. Mas, por seus interesses e suas prá ticas mais abrangentes que os da
psicaná lise da primeira geraçã o, nunca foi reconhecido pela Sociedade
Psicanalítica de Paris (SPP), para a qual apresentava trabalhos que nã o eram
levados em conta.
Lacan sempre manteve fortes relaçõ es intelectuais fora do meio psicanalítico: com
o linguista Roman Jakobson (1896-1982), com o antropó logo Claude Lévi-Strauss
(1908-2009), com os filó sofos Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) e Martin
Heidegger (1889-1976), com os surrealistas, entre outros. Sob influência desses
pensadores, adotou um questionamento profundo sobre o estatuto da verdade, do
ser e do que significa considerar-se “sujeito” diante da complexidade do mundo
contemporâ neo. Da linguística, extraiu sua concepçã o de significante e de um
inconsciente organizado como linguagem; da antropologia, deduziu a noçã o de
simbó lico, que utilizou na tó pica SIR (simbó lico, imaginá rio, real), assim como sua
releitura universalista da interdiçã o do incesto e do complexo de É dipo.
Durante dez anos, duas vezes por mês, Lacan realizou seu seminá rio pú blico,
aberto a quaisquer interessados, comentando sistematicamente todos os grandes
textos do corpus freudiano e dando origem a uma nova corrente de pensamento: o
lacanismo, cujos preceitos seriam discutidos nã o apenas por psicanalistas, mas por
intelectuais de peso como Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (1925-
1995).
Em seus seminá rios, atraiu muitos alunos, fascinados por seu ensino e desejosos de
romper com o freudismo acadêmico da primeira geraçã o francesa de psicanalistas.
Começou entã o a ser reconhecido ao mesmo tempo como didata e como clínico,
fundando duas escolas de psicaná lise, que se dissolveram por divergências
internas. Seu senso agudo da ló gica da loucura, sua abordagem original do campo
das psicoses e seu talento discursivo lhe valeram, ao lado de Françoise Dolto
(1908-1988), um lugar especial aos olhos da jovem geraçã o psiquiá trica e
psicanalítica.
Em 1951, comprou uma casa de campo a cerca de cem quilô metros de Paris.
Retirava-se para lá aos domingos, onde recebia seus pacientes e dava recepçõ es.
Ao lado de sua segunda esposa, Sylvia Bataille, que era atriz, fazia teatro para os
amigos, fantasiava-se, dançava, divertia-se e à s vezes usava roupas extravagantes.
Nessa casa colecionava um nú mero considerá vel de livros que, ao longo dos anos,
formaram uma imensa biblioteca que demonstrava o tamanho de sua paixã o pelo
trabalho intelectual. Em um cô modo que dava para o jardim, organizou um
escritó rio repleto de objetos de arte. Nessa casa, pendurou o famoso quadro de
Gustave Courbet (1819-1877) A origem do mundo.
Segundo Lacan, nos primeiros meses de vida de uma criança, nã o há nada parecido
a um eu, com suas funçõ es de individualizaçã o e de síntese da experiência. Falta ao
bebê o esquema mental de unidade do corpo pró prio que lhe permite constituir
esse corpo como totalidade, assim como distinguir interno e externo,
individualidade e alteridade.
É só entre o sexto e o décimo oitavo mês de vida que tal esquema mental será
desenvolvido. Para tanto, faz-se necessá rio o reconhecimento de si na imagem do
espelho ou na identificaçã o com a imagem de outro bebê. Ao reconhecer pela
primeira vez sua imagem no espelho, a criança tem uma apreensã o global e
unificada de seu corpo. Assim, essa unidade do corpo será primeiramente visual e é
condiçã o fundamental para o desenvolvimento psíquico do bebê.
Dessa forma, a criança introjeta uma imagem que vem de fora (do espelho e dos
humanos que a cercam). Por meio do olhar, da linguagem, do toque, da entonaçã o
da voz do Outro e de outros aspectos da comunicaçã o inconsciente, se estabelece
uma intensa troca (ou uma falha também imensa) entre a criança e a cultura.
Assim nasce o sujeito lacaniano, aquela estrutura com a funçã o de ser o lugar em
que o eu pode reconhecer-se, mas onde sua autonomia total se quebra diante da
dependência do externo.
Outros conceitos desenvolvidos por Lacan
Gozo e perversão
Essa tríade de conceitos, a partir de 1953, forma uma estrutura que, segundo
Lacan, passaria a determinar e equilibrar as relaçõ es intrapsíquicas:
– O simbó lico designa a ordem civilizató ria a que o sujeito está ligado, como um
lugar psíquico em que sã o reconhecidos os discursos produtores de “verdades”.
– O imaginá rio se define como um lugar no eu onde sã o acolhidos os fenô menos de
representaçõ es ilusó rias, utilizados para aplacar as vivências angustiantes
advindas do real.
– O real designa qualquer fenô meno, aquilo que ainda nã o tem representaçõ es ou
simbolizaçõ es no eu, que está no plano das vivências corporais ou emocionais e
que, em geral, causa angú stia ou sofrimento.
Significante
Esse termo foi introduzido por Ferdinand de Saussure (1857-1913) para designar
a parte do signo linguístico que remete à representaçã o psíquica do som (ou
imagem acú stica), em oposiçã o à outra parte, ou significado, que remete ao
conceito.
Índice
O que determina o que somos? Uma resposta possível para essa pergunta poderia
ser: as experiências que temos ao longo da vida, certo? Essas experiências de
algum modo modelariam a nossa maneira de agir e de pensar. Precisamos nos
lembrar, contudo, que essas experiências acontecem dentro de um contexto
cultural específico. As experiências possíveis para alguém que nasceu no Oriente
Médio sã o completamente diferentes das experiências possíveis para quem nasceu
no Brasil, por exemplo. Em outras palavras, entre o indivíduo e o mundo de
experiências que a ele está acessível, existe alguma coisa que recorta a sua
realidade.
Pois bem. Pedi para você pensar em todas essas situaçõ es porque elas permitem
observar de forma clara que a nossa maneira de ser, de pensar e, sobretudo, de
enxergar a si mesmo é fortemente determinada por… palavras. Isso mesmo.
Palavras que foram enunciadas por pessoas, mas que parecem se organizar de
forma independente e agir sobre nó s com um peso de verdade, como se tivessem
sido ditas por Deus! Na clínica, por exemplo, à s vezes vemos que o sofrimento de
algumas pessoas está profundamente enraizado em certas palavras ouvidas
quando crianças.
(...) como uma identificaçã o, no sentido pleno que a aná lise atribui a esse termo, ou
seja, a transformaçã o produzida no sujeito quando ele assume uma imagem – cuja
predestinaçã o para este efeito de fase é suficientemente indicada pelo uso, na
teoria, do termo imago (LACAN, 1996, p. 97).
O Está dio do Espelho refere-se ao período que se inicia aos seis meses,
aproximadamente, encerrando aos dezoito meses, caraterizado pela representaçã o
da unidade corporal pela criança e também por sua identificaçã o com a imagem do
outro (GARCIA-ROZA, 1999).