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CURSO: ESPECIALIZAÇÃO EM CLÍNICA PSICANALÍTICA LACANIANA

RESENHA MÓDULO I

Aluno: Natanael Jotar Santos

Tema: Quais são as demarcações conceituais fundantes da Clínica Lacaniana no


momento em que Jacques Lacan enuncia seu notório ‘retorno a Freud’ (anos 1950)
e como estas balizas influenciam a presença de Lacan junto à Psicanálise no
Brasil?

Curitiba
2022
No início da década de 50, Jacques Lacan lança o seu seminário “Écrist” com um texto,
com tema inusitado “O retorno a Freud”, ocasionando questionamentos. O objetivo do trabalho
era de alertar os psicanalistas da época, onde a teoria e prática fundadas por Sigmund Freud
tinham sido profundamente deturpadas pelos seus seguidores, perdendo a sua essência por
influências da Psicologia do Ego, movimento que surgiu em torno de 1920, nos Estados
Unidos, desenvolvida pelos pós freudianos, dando inicio a uma concepção particular da
psicanálise (LEITÃO; MENDES, 2018).

“o que eu tento fazer é restituir aos termos freudianos sua função. Do que se trata nestes
termos é de uma perturbação dos próprios princípios de questionamento. Dito de outra
forma, o que não quer dizer: dizer a mesma coisa – dito de outra forma, o que aí está
penhorado é a exigência mínima de passagem a este questionamento renovado. A
exigência mínima é esta: Trata-se de fazer psicanalistas.” (Lacan citado por Coimbra,
2007, p. 32).

Lacan denuncia os desvios e concessões pelos psicanalistas pós freudianos com a


próprio legado de inaugural de Freud, onde a teoria e escritos foram deixados de lado, para se
aprofundarem a psicologia do Ego, perdendo os aspectos fundamentais da pratica analítica,
tornando-se lentamente em uma prática baseada em relações interpessoais e místicas, por meio
de projeções e de identificações do imaginário do analisando com o analista, onde o foco passa
a ser o ego do sujeito, suas fragilidades e defesas egóicas, analisando o movimento que o ego
utiliza para ser coeso ao seu sofrimento.
A crítica de Lacan advêm desse movimento dos analistas de se fazerem como suporte
egoicos, visando somente os aspectos do Ego, deixando de fazer as intervenções, de ouvir o
outro, e quais competências esse analistas teriam para ser esse “ego auxiliar de alguém?”, e
quais condições teria esse analista para ser este ego? assim como, as classificações do sujeito
dependendo das defesas que se apresentam.
O texto não se trata de uma releitura a teoria elaborada por Freud, mas sim, de um
retorno aos fundamentos éticos da psicanálise, revisitando a primeira tópica Freudiana, que
seria a linguagem (COIMBRA, 2007). A primeira tópica edita “A Interpretação dos Sonhos,
(1900)”, onde a segunda tópica “na publicação do Ego, Eu o Isso/ID (1923)”. Nesse retorno,
Lacan restitua a dimensão ética do desejo na experiência psicanalítica e na noção de sujeito,
expondo e problematizando a “dualidade” do sujeito/objeto, assim como a importância do
fundamento lógico verbal “A cura pela fala” e ao retorno dos seus textos.
Ao retornarmos a Freud, encontramos a fala como um método, onde o manejo se dá na
aplicabilidade da associação livre, como via de acesso ao inconsciente do analisando. A grande
descoberta freudiana é entender que as formações do inconsciente seguem uma lógica de
linguagem, que operam pelo deslocamento e condensação de representações inconscientes, seja
por meio de sonhos, chistes, sintomas e/ou atos falho (MORESCHI, 2013).

“ Pois nesta [a fala] a função da linguagem não é informar, mas evocar. O que busco na
fala é a resposta do outro. O que me constitui como sujeito é a minha pergunta. Para me
fazer reconhecer pelo outro, só profiro aquilo que foi com vistas ao que será. Para
encontrá-lo, chamo-o por um nome que ele deve assumir ou recusar para me
responder.” (E., p.300)

Lacan (1953/1998) observa que a técnica psicanalítica não pode ser corretamente
aplicada quando existem um desconhecimento e/ou um descumprimento dos conceitos que
fundamentam a psicanalise, se referindo aos sentido freudiano. O autor propõe uma leitura
destes conceitos, afirmando: "Nossa tarefa será demonstrar que esses conceitos só adquirem
pleno sentido ao se orientarem num campo de linguagem, ao se ordenarem na função da fala"
(Lacan, 1953/1998, p. 247).
A época que Lacan escrevera o seminário - década de 50, 60 e 70 – coincide com o
movimento de ouro estruturalismo, onde utilizou de certos conceitos para originar um
diagnóstico diferencial, passou a ser qualificado como “estrutural” ao destacar a distinção das
três grandes estruturas: neurose, perversão e psicose (PONTES; CALAZANS, 2017). Segundo
Pontes e Calazans (2017), Lacan encontra no método estrutural, a possibilidade da utilização do
seu aforismo para expor suas ideias, “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”,
discurso que reescreve o inconsciente em estrutura, condição essa que possibilita a utilização de
símbolos matemáticos em estudos e apropriações científicas.
Lacan utiliza de referências teóricos como os de Kojève, Lévi-Strauss e Saussure para
extrai suas ideias, possibilitando um releitura do inconsciente freudiano como efeito de
linguagem, complementando a teoria da relação ao Outro. Pensado no contexto social e
estrutural, o inconsciente deixa de ser o campo da ausência da consciência para ser lido como
estrutura de linguagem, no campo dos sonhos; pode ser decompostos/decifrados em palavras os
sintomas, como representações simbólicas, enquanto aquilo que escapa no domínio da razão,
seja por meio de atos falhos, contém dizeres endereçado ao Outro (PONTES; CALAZANS,
2017)
Se o inconsciente é estruturado como uma linguagem e o inconsciente está no
significante, e não no instinto, Lacan está a dizer que o inconsciente é um objeto de
possibilidades científicas. O estruturalismo propiciou as condições que permitiram a volta da
racionalidade científica que antes fora deturpada pelos psicanalistas da época (ALTOE;
MARTINHO, 2012)

Referencias:

ALTOE, Sônia; MARTINHO, Maria Helena. A noção de estrutura em psicanálise. Estilos clin., São Paulo , v.
17, n. 1, p. 14-25, jun. 2012. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
71282012000100002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 10 out. 2022.

COIMBRA, Maria Lúcia Salvo de. O retorno a Freud de Lacan. Reverso, Belo Horizonte , v. 29, n. 54, p. 29-36,
set. 2007. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
73952007000100005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 10 out. 2022.

Lacan, J. (1998). Função e campo da fala e da linguagem. In: J. Lacan, Escritos (pp. 238-324). Rio de Janeiro, RJ:
Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953).

LEITAO, Iagor Brum; MENDES, Flávio Martins de Souza. De que se trata ser freudiano pela psicanálise
lacaniana? Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise em Freud e Lacan. Estilos clin., São Paulo , v. 23, n.
2, p. 381-405, ago. 2018 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
71282018000200011&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 14 out. 2022. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-
1624.v23i2p381-405.

MORESCHI, Elizabeth Maria. LACAN E O RETORNO A FREUD: OS CAMINHOS DA


FORMALIZAÇÃO DA SUBVERSÃO DO SUJEITO E DA DIALÉTICA DO DESEJO. 2013. 107 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Setor de Ciências Humanas Letras e Artes, História da Filosofia Moderna e
Contemporânea, Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2013. Disponível em:
https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/31796. Acesso em: 10 out. 2022.

PONTES, Samira; CALAZANS, Roberto. O Legado Estruturalista em Lacan: clínica e diagnóstico da psicose.
Psicologia: Ciência e Profissão, [S.L.], v. 37, n. 3, p. 738-752, set. 2017. FapUNIFESP (SciELO).
http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703002952016.

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