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Introdução à Saúde

Mental da População
LGBTQIAPN+
Cuidados no Processo de
Transição de Gênero

Professor Saulo Vito Ciasca


Psiquiatra CRM 125035 RQE 57364
Evolução do pensamento
etiológico psiquiátrico
● Doença;
● Doença mental;
● Transtorno mental;
● Significado do diagnóstico;
● Diagnósticos de saúde, situações e vulnerabilidades.

Transtorno mental como patologia da liberdade,


constrangimento do ser, fechamento, fossilização das
possibilidades existenciais, incapacidade da pessoa de
desenvolver seu potencial.
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Transexualidades e
diagnósticos - CID
CID – Classificação Estatística Internacional de Doenças
e Problemas Relacionados à Saúde
● OMS: Organização Mundial da Saúde;

CID-10 (OMS, 1993) – Transexualismo


● F64.0 – Capítulo de transtornos mentais;
● Toda pessoa trans tem transexualismo = doença.

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Transexualidades e
diagnósticos - CID
CID-11 – Incongruência de gênero
● Sai do capítulo de transtornos mentais e entra em Saúde
Sexual e de Gênero;
● Não é transtorno mental;
● Toda pessoa trans tem “incongruência de gênero” (com
o gênero designado ao nascimento);
● “Incongruência de gênero” na infância.

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Transexualidades e
diagnósticos - DSM
*DSM – Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais
*APA: Associação Psiquiátrica Americana

Antes: DSM-IV TR – Transtorno de identidade de gênero (TIG)


● Toda pessoa trans tem TIG = transtorno;

A partir de 2013: DSM - 5 – Disforia de gênero (DG)


● Refere-se ao sofrimento associado à condição de “não
conformidade de gênero”;
● Nem toda pessoa trans tem DG.

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Processo de transição de
gênero
Palco de disputas:
● Transexualidade – do
diagnóstico à identidade;
● Resgate identitário;
● Biopoder psiquiátrico;
● Necessidade de uma avaliação
médica;
● Necessidade de uma avaliação
psicológica.

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Modelos de cuidados no
processo de transição de
gênero
Modelo antigo:
Psiquiatria obrigatória – avaliação psiquiátrica de todos
os casos;
Psicoterapia obrigatória – psicoterapia individual ou de
grupo para todas as pessoas que desejam modificações
corporais.

O que falar para seu psiquiatra para conseguir o laudo

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Modelo afirmativo
O que avaliar?

➔ Capacidade de consentimento;

➔ Autonomia e autodeterminação;

➔ Contraindicações para modificações corporais.

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Modelo afirmativo
Quem avalia para hormonização?

➔ Médico (médico de família, pediatra, psiquiatra, clínico,


endócrino, ginecologista, urologista, etc);

Quem avalia para cirurgias de modificações corporais?

➔ Equipe multiprofissional.

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Alguns fatos
● A identidade de gênero é autoatribuída (inclusive na
infância);
● Pessoas trans podem experienciar desconforto
significativo com seus corpos ou não, e isso não é
definidor de transexualidade;
● Pessoas trans podem querer ou não realizar
modificações corporais e isso não é definidor de
transexualidade;
● Travestis podem desejar ou não modificações corporais,
e isso não é definidor de travestilidade;
● Pessoas trans podem ser binárias ou não binárias, com
demandas diferentes;

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● Muitas pessoas trans não precisam de assistência
psicológica para transição de gênero;
● Há pessoas trans que passam por experiências que as
fazem ressignificar seus corpos, passando a não ter as
mesmas demandas para modificações corporais;
● Há pessoas trans que mesmo ressignificando seus
corpos em uma lógica não binária podem pretender
modificações corporais;
● Há pessoas trans que idealizam as modificações
corporais de forma extrema, a ponto de não entrar em
contato com a própria realidade trans ou tentar negá-la
a partir dos procedimentos (considerar-se "cis");
● O ímpeto para realização de modificações corporais
pode ultrapassar outras necessidades de cuidado na
prioridade da pessoa trans.
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Contraindicações psiquiátricas
para modificações corporais
● Quadros psicóticos graves;
● Deficiência intelectual grave;
● Transtorno do espectro autista grave;
● Transtorno de humor grave;
● Transtorno alimentar grave.

Prejuízo do consentimento e capacidade de


autodeterminação.

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Modificações
corporais em pessoas
trans

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Transição de Gênero
Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM nº
2.265/2019)
● Transição social - qualquer idade;
● Bloqueio puberal - a partir da entrada na puberdade;
● Hormonização - a partir de 16 anos;
● Cirurgias - a partir de 18 anos.

Somente com
Não são prescritos
acompanhamento de equipe
Não é um processo hormônios e nem
multiprofissional e com
linear, padronizado indicadas cirurgias
consentimento do
para crianças!
adolescente e dos familiares

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Recursos para Homens Trans
Packers

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Recursos para Homens Trans
Binders

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Problemas associados ao uso do binder

● Dor torácica;
● Dor no ombro;
● Dor lombar;
● Fratura e deformidade de costelas;
● Deformidade de coluna;
● Parestesia;
● Calor excessivo;
● Cefaleia;
● Dispneia;
● Tontura;
● Azia;
● Tosse;
● Limitação de ombros;
● Problemas digestivos;

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● Prurido;
● Problemas de assoalho pélvico;
● Infecções e alterações de pele;
● Infecções respiratórias;
● Fadiga;
● Dor abdominal;
● Alterações mamárias;
● Sudorese;
● Atrofia muscular;
● Restrição da expansão torácica.

Fonte: Peitzmeier, 2017

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Recursos para Mulheres Trans

Aquendar
ou
Tucking

Calcinhas
Especiais

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Efeitos do processo de transição de
gênero na saúde mental
Pessoas que desejaram bloqueio puberal e realizaram têm menores
índices de ideação suicida ao longo da vida em comparação com as
que não realizaram

Turban JL, King D, Carswell JM, Keuroghlian AS. Pubertal suppression for transgender youth and risk of suicidal ideation.
Pediatrics. 2020 Feb 1;145(2).

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Efeitos do processo de transição de
gênero na saúde mental
Estudo com 206 pessoas trans (2018):
- Pessoas que realizam hormonização + cirurgias no tórax e
genitais têm menores índices de depressão e ideação suicida;
Tucker RP, Testa RJ, Simpson TL, Shipherd JC, Blosnich JR, Lehavot K. Hormone therapy, gender affirmation surgery, and their association
with recent suicidal ideation and depression symptoms in transgender veterans. Psychological medicine. 2018 Oct;48(14):2329-36.

Estudo com 11914 jovens trans e não binários:


- hormonização reduz risco de depressão e ideação suicida com
planejamento em comparação aos que desejam e não usam.
- para jovens entre 16-18 anos: hormonização reduz risco de
depressão recente e tentativa de suicídio no último ano.
Green AE, DeChants JP, Price MN, Davis CK. Association of gender-affirming hormone therapy with depression, thoughts of suicide, and
attempted suicide among transgender and nonbinary youth. Journal of adolescent health. 2022 Apr 1;70(4):643-9.

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Destransição / Retransição
Estudo EUA / Harvard:
● 27715 pessoas trans;
● 17151 (61.9%) fizeram transição de gênero;
● 2242 (13.1%) reportaram história de destransição.

Motivos para destransição:


● 82.5% - fatores externos: pressão familiar, estigma
- sexo masculino, identidade de gênero não binária, orientação
sexual bissexual e ter uma família não suportiva em relação à
identidade de gênero;
● 15.9% reportaram pelo menos um fator interno como
flutuações ou incertezas em relação à identidade de gênero
- equivale a aprox. 2% das pessoas trans que fizeram transição.
Turban JL, Loo SS, Almazan AN, Keuroghlian AS. Factors leading to “detransition” among transgender and gender diverse people in the
United States: a mixed-methods analysis. LGBT health. 2021 Jun 1;8(4):273-80.

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Indicações de psicoterapia
(não obrigatória)
● Presença de psicopatologia psiquiátrica com
sofrimento psicológico intenso (depressão,
ansiedade, transtornos alimentares, transtornos de
personalidade, transtornos por uso de substâncias);
● Exposição a comportamentos de risco;
● Vivências de violência, discriminação, estigma e
preconceito;
● Insatisfação com a imagem corporal;
● Questões relacionadas ao corpo e à vida sexual;
● Transfobia internalizada (culpa, vergonha,
sentimento de menos valia);
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● Impacto negativo no desenvolvimento de outras
áreas da vida (escolar, profissional, relacional e
amorosa);
● Dificuldades em relacionamentos familiares,
amorosos e sociais;
● Dificuldades com a transição social de gênero
(questões em relação à leitura social/"passabilidade",
voz e autorreferência);
● Idealização das modificações corporais de forma
extrema, a ponto de não entrar em contato com a
própria realidade trans ou negá-la a partir dos
procedimentos (considerar-se "cis");

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● Dependência das modificações corporais e seus
resultados para o desenvolvimento de outras áreas
da vida (escolar, profissional, relacional e amorosa);
● Negligência no autocuidado em detrimento à
demanda para modificações corporais;
● Dificuldade de lidar com frustrações;
● Dificuldade de lidar com o resultado das
modificações corporais já realizadas.

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Referências
Sabra L. Katz-Wise, Sari L. Reisner, Jaclyn White Hughto & Colton L.
Keo-Meier (2016) Differences in Sexual Orientation Diversity and
Sexual Fluidity in Attractions Among Gender Minority Adults in
Massachusetts,The Journal of Sex Research, 53:1, 74-84,

Auer MK, Fuss J, Höhne N, Stalla GK, Sievers C (2014) Transgender


Transitioning and Change of Self-Reported Sexual Orientation.
PLoS ONE 9(10): e110016.

Lawrence, A.A. Arch Sex Behav (2005) 34: 147.


https://doi.org/10.1007/s10508-005-1793-y

Meier, S.C., Pardo, S.T., Labuski, C. et al. Arch Sex Behav (2013) 42: 463.
European Society of Endocrinology. Transgender brains are more
like their desired gender from an early age. 2018
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Referências
Genetic Link Between Gender Dysphoria and Sex Hormone
Signaling. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism,
Volume 104, Issue 2, 1 February 2019, Pages 390–396, in
https://doi.org/10.1210/jc.2018-01105

Wierckx K, Van Caenegem E, Elaut E, Dedecker D, Van de Peer F,


Toye K, Weyers S, Hoebeke P, Monstrey S, De Cuypere G, and
T'Sjoen G. Quality of life and sexual health after sex reassignment
surgery in transsexual men. J Sex Med

Wierckx K, Elaut E, Van Hoorde B, Heylens G, De Cuypere G,


Monstrey S, Weyers S, Hoebeke P, and T'Sjoen G. Sexual desire in
trans persons: Associations with sex reassignment treatment. J
Sex Med 2014;11:107–118.

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