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HO FFMA N N
A noz de
casca dura
TRA DU ÇÃO DE 1
P E T Ê R I SSAT T I
DAS
BY E D ITO R A WIS H
Tradução:
Petê Rissatti
Revisão:
Karine Ribeiro
Ilustração de capa:
Bruno Felix
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Especial
de Natal
Uma época encantadora!
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UMA RELÍQUIA DE
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Sinopse
Uma princesa amaldiçoada,
uma rainha dos camundongos
e um Quebra-Nozes
Publicada originalmente no
século XIX, a versão original de
uma das histórias de Natal mais
famosas chega para os Caçadores
de Relíquias.
CO NTI N UA . . .
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rei, o governante ordena que
o bando de camundongos do
palácio seja executado. Dona
Ratarina, rainha do Reino da
Ratólia, indignada e revoltada,
amaldiçoa a adorada princesa
e filha do rei. Pretendentes
de todo o reino se aventuram
na tentativa de se tornar o
profético Quebra-Nozes que
acabará com o feitiço e se
tornará o marido da princesa.
7
Sugestão de leitura
Você sabia que a história d'O Quebra-
Nozes é também um balé adaptado
pelo compositor Tchaikovsky?
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ESPECIAL
DE NATAL
A história da noz
de casca dura
Sendo um excerto de O Quebra-Nozes
E. T. A. Hoffmann, 1816
“A
mãe de Pirlipat era es-
posa de um rei, por-
tanto uma rainha, e
a própria Pirlipat era uma princesa
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nata a partir do momento em que
nasceu. O rei estava em êxtase pela
linda filhinha que estava deitada no
berço; comemorava em alto e bom
som, dançava e claudicava com uma
perna e berrava por cima da outra:
— Hei-hei! Alguém já viu algo
mais bonito que a minha Pirlipatita?
E todos os ministros, generais,
presidentes e oficiais de estado-maior,
como o pai do campo, pularam de
uma perna só e gritaram muito.
— Não, nunca!
Na verdade, era impossível negar
que, na existência de todo o mundo,
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não nasceu nenhuma criança mais
linda que a Princesa Pirlipat. Seu ros-
tinho parecia tecido como se feito de
delicados fios de seda branca como
lírios e vermelha como rosas, e seus
olhos eram de um azul vivo e cinti-
lante, e seu cabelo era tão bonito que
era como se os cachos se enrolassem
em fios dourados brilhantes. Além
disso, Pirlipatita veio ao mundo com
duas fileiras de minúsculos dentes de
pérola, com os quais mordeu o dedo
do Chanceler duas horas após o nas-
cimento, quando ele quis examinar o
alinhamento mais de perto, de modo
que ele gritou bem alto: ‘Ó, minha
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nossa!’. Outros afirmam que ele ber-
rou ‘Ai, ui, ui!’, e as opiniões ainda hoje
estão muito divididas sobre isso. Em
suma, Pirlipatita realmente mordeu o
dedo do Chanceler, e o país encantado
agora sabia que a mente, o espírito e
a inteligência também residiam no
lindo corpinho angelical de Pirlipat.
Como dito, tudo era só felicidade,
apenas a rainha estava muito ansiosa
e inquieta, e ninguém sabia por quê.
Era especialmente estranho que ela
mandasse vigiar o berço de Pirlipat
com tanto esmero. Além do fato de as
portas estarem vigiadas por guardas,
duas amas sempre estavam ao lado
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do berço, e outros seis tinham que fi-
car ao redor dos aposentos noite após
noite. Mas o que parecia uma loucura
completa e que ninguém conseguia
entender era que cada um desses seis
guardas precisava ficar com um gato
no colo e acariciá-lo a noite toda para
que fosse forçado a prestar vigilância
o tempo todo. É impossível que vocês,
caras crianças, possam adivinhar por
que a mãe de Pirlipat fez todos esses
arranjos, mas eu sei e já lhes contarei.
Acontece que certa vez, na corte do
pai de Pirlipat, muitos reis excelentes
e príncipes muito agradáveis se reu-
niram, e por isso as coisas iam muito
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bem, e muitas justas, apresentações
de comédias e bailes da corte acon-
teciam. O rei, para mostrar correta-
mente que não lhe faltava nem ouro
nem prata, lançou mão do tesouro
da coroa para esbanjar como se de-
via. Assim, ele ordenou, ainda mais
porque soube secretamente pelo co-
zinheiro principal da corte que o as-
trônomo da corte havia anunciado
a hora da matança, que se montasse
um grande banquete com salsichas,
jogou-se na carruagem e até convi-
dou todos os reis e príncipes para
tomarem apenas uma colherzinha
de sopa e se surpreenderem com as
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delícias que os aguardavam. Então,
ele falou com a rainha de um jeito
bastante gentil:
— Já sabes, minha querida, como
eu gosto das salsichas!
A rainha já sabia o que ele que-
ria dizer com aquilo, pois nada mais
significava: ela própria, como antes
já havia feito, deveria se lançar à útil
tarefa de fazer as salsichas. O tesou-
reiro-chefe precisou entregar ime-
diatamente na cozinha uma grande
vasilha dourada de fazer salsicha e as
caçarolas prateadas; acenderam uma
grande fogueira de sândalo, a rainha
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se amarrou no avental de cozinha
adamascado, e logo os benfazejos
aromas adocicados da sopa de salsi-
cha fumegaram do caldeirão. O de-
licioso cheiro penetrou até a câmara
do Conselho de Estado; o rei, tomado
de um deleite interior, não conseguiu
se segurar.
— Com vossa licença, senhores!
— gritou ele, seguiu aos saltos ra-
pidamente até a cozinha, abraçou a
rainha, mexeu alguma coisa no cal-
deirão com o cetro de ouro e voltou
tranquilizado ao Conselho de Estado.
Então, chegou o impor tante
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momento em que o toucinho deve-
ria ser cortado em cubos e torrado
em grelhas prateadas. As damas de
companhia retiraram-se, pois a rai-
nha queria realizar sozinha a tarefa
por verdadeira devoção e temor ao
consorte real. Estando a rainha sozi-
nha, assim que o toucinho começou
a fritar, uma voz pequenina e sussur-
rante foi ouvida:
— Irmã, me dê um assadinho
também! Também quero banque-
tear, também sou rainha. Dê-me um
pouco do assadinho!
A rainha soube logo que era a dona
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Ratarina quem estava falando. Dona
Ratarina havia muitos anos vivia no
palácio do rei. Ela alegava ser parente
da família real e ela mesma ser a go-
vernante do Reino da Ratólia, então
tinha também uma grande corte em-
baixo dos fogões. A rainha era uma
mulher boazinha e benevolente e,
embora não quisesse reconhecer a
dona Ratarina como rainha e irmã,
permitiu, de todo o coração, que ela
participasse daquele dia festivo e
exclamou:
— Ora, venha, dona Ratarina. Sem-
pre poderá saborear meu toucinho.
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Dona Ratarina saiu saltitante,
muito rápida e divertida, pulou sobre
o fogão e com as delicadas patinhas
agarrou um pedaço de toucinho atrás
do outro que a rainha lhe estendia.
Mas, então, vieram saltando toda
a parentela da dona Ratarina, e até
mesmo os sete filhos, sacripantas
bem malcomportados, que voaram
sobre o toucinho sem dar chance
de a assustada rainha se defender
deles. Felizmente, a chefe-cama-
reira da corte chegou e afugentou os
convidados intrometidos, e por isso
ainda sobrou um pouco de toucinho
que, de acordo com as instrução do
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matemático convocado pela corte,
foi distribuído de maneira bastante
habilidosa em todas as salsichas.
Tímpanos e trombetas ressoaram,
todos os potentados e príncipes pre-
sentes marcharam para o banquete
da salsicha, com roupas festivas bri-
lhantes, alguns em palafréns bran-
cos, outros em carruagens de cristal.
O rei recebeu-os com calorosa sim-
patia e graça, e, em seguida, como
soberano com coroa e cetro, sentou-
-se à cabeceira da mesa. Já na estação
de salsicha de fígado se via como o
rei empalidecia cada vez mais, como
erguia os olhos ao céu, deixando
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escapar do peito suaves suspiros,
como se uma dor tremenda estivesse
consumindo o homem por dentro!
Porém, na estação do chouriço, ele
caiu de novo na poltrona, soluçando
e gemendo alto, cobriu o rosto com
as mãos, reclamando e grunhindo.
Todos ergueram-se da mesa, o mé-
dico tentou em vão capturar o pulso
do infeliz rei, um sofrimento pro-
fundo e inominável parecia parti-lo
ao meio. Finalmente, finalmente,
depois de muito convencimento e de
usar os meios mais poderosos que
existiam, como plumas destiladas e
coisas do gênero, o rei pareceu voltar
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a si um pouco e gaguejou as palavras
quase inaudíveis:
— Tinha pouco toucinho.
Assim, desolada, a rainha se lan-
çou aos pés dele aos prantos:
— Ó, meu pobre e infeliz consorte
real! Ó, que dor tiveste que supor-
tar! Mas vê a culpada aqui, a seus
pés, puna-a, puna-a com severidade,
ah, dona Ratarina com seus sete fi-
lhos e toda a parentela devoraram o
toucinho e…
Com isso, a rainha caiu de costas,
desfalecida. Já o rei se levantou furi-
bundo e gritou:
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— Camareira-chefe, como isso
se deu?
A camareira-chefe contou o que
sabia, e o rei decidiu pela vingança
contra a dona Ratarina e sua família,
que haviam devorado o toucinho das
salsichas. O Conselho do Estado con-
vocou uma reunião secreta e se de-
cidiu por processar a dona Ratarina
e sequestrar todos os seus bens; mas
como o rei temia que ela ainda as-
sim pudesse continuar devorando
o toucinho, a questão foi repassada
ao relojoeiro e arcanista da corte.
Esse homem, cujo nome também era
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meu nome, ou seja, Christian Elias
Drosselmeier, prometeu expulsar a
dona Ratarina e sua família do palá-
cio para sempre com uma operação
política especialmente inteligente.
Ele também inventou maquininhas
muito engenhosas nas quais era co-
locado toucinho frito com um fio, e
Drosselmeier as instalou em torno
da moradia da dona Comedora de
Toucinho. A dona Ratarina era sábia
demais para não enxergar o ardil
de Drosselmeier, mas todos os seus
avisos, todas as suas admoestações
foram em vão: tentados pelo cheiro
adocicado do toucinho frito, todos os
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sete filhos e muitos, muitos membros
da parentela da dona Ratarina entra-
ram nas máquinas de Drosselmeier
e, quando estavam prestes a morder
o toucinho, ficavam presos por uma
grade que caía de repente diante
deles, sendo, na sequência, vergo-
nhosamente executados na própria
cozinha. A dona Ratarina deixou o
local do horror com um pequeno sé-
quito. Tristeza, desespero e vingança
enchiam seu peito. A corte ficou
muito contente, mas a rainha ficou
preocupada, pois conhecia a natureza
da dona Ratarina e sabia que ela não
permitiria que a morte de seus filhos
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e parentes ficasse sem vingança. Na
verdade, a dona Ratarina também
apareceu quando a rainha estava pre-
parando para o consorte real um patê
de miúdos que ele gostava muito de
comer e disse:
— Meus filhos, parentes e parentas
foram assassinados. Tome cuidado,
senhora rainha, para que a rainha
dos ratos não rasgue tua princesinha
ao meio. Tome cuidado.
Então, ela voltou a desaparecer e
não foi mais vista, mas a rainha ficou
tão assustada que deixou o patê de
miúdos cair no fogo e, pela segunda
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vez, a dona Ratarina estragou um
prato favorito do rei, deixando-o
muito zangado. Mas por hoje já chega,
o restante ficará para a próxima vez.”
Por mais que Marie, que tinha
pensamentos próprios sobre a histó-
ria, pedisse ao padrinho Drosselmeier
que continuasse a contá-la, ele não se
deixou convencer, se ergueu de uma
vez e falou:
— Muito de uma vez não faz bem
à saúde. Amanhã continuo.
Assim que o desembargador es-
tava prestes a sair pela porta, Fritz
perguntou:
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— Mas me diga, padrinho Drossel
meier, é mesmo verdade que o senhor
inventou a ratoeira?
— Que pergunta mais boba —
gritou a mãe, mas o desembargador
sorriu de um jeito bem peculiar e res-
pondeu baixinho:
— Não sou eu um relojoeiro ha-
bilidoso e não poderia inventar
ratoeiras?
— Hu m. Ii i h. A i, a i. Ó! Mas
que diabos!
TH E E N D
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A história da noz de
casca dura
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E X TR A: BIOGR AFIA
E. T. A. Hoffmann
Ernst Theodor Amadeus Wilhelm
Hoffmann nasceu em 1776, em
Königsberg, na antiga Prússia. Foi
70
um escritor romântico, compositor,
desenhista e jurista alemão, mas fi-
cou conhecido por ser um dos maio-
res nomes da literatura fantástica
e do horror.
Hoffmann foi criado por um tio e se
tornou um oficial da lei, servindo em
províncias polonesas. Apaixonado
pelas artes, Hoffmann se voltou
para a música, trabalhando como
maestro, crítico, diretor e compo-
sitor. Sua paixão principalmente
pela música e literatura eram no-
táveis. Hoffmann chegou a mudar
71
seu nome de batismo, inserindo o
Amadeus em homenagem ao com-
positor Wolfgang Amadeus Mozart.
73
Profissionais que
trabalharam neste conto
Petê Rissatti
TR A DUÇÃO
Petê Rissatti nasceu em São Paulo, no propício Dia
Nacional do Livro. Bacharel em Tradução Inglês-
Português pela UNIBERO e especialista em Tradução
Alemão-Português pela USP e trabalha com textos
e tradução desde 1998. Foi semifinalista do Prêmio
Jabuti em 2020 na categoria tradução com a obra
Bambi: a história de uma vida na floresta, de Felix Salten
(Editora Wish). @pete_tradutor
74
Karine Ribeiro
RE V ISÃO
Escritora premiada,
tradutora e revisora,
graduanda em Tradução
pela UFMG. @realkirs
75
Bruno Felix
ILUSTR AÇÃO
Ilustrador apaixonado
por games e boas
histórias. No concept art
achou o lugar para suas
ideias criativas.
@brunofelixart
Marina Avila
PROJE TO G R Á FICO
Produtora editorial e
fundadora da Wish. Mãe
de gatos e de livros.
@marinalivros
76
Valquíria Vlad
COMUNICAÇÃO E
COMUNIDA DE
Escritora, pesquisadora
e publicitária formada
pela Universidade
Federal do Ceará (UFC).
@valquiriavlad
Laura Brand
ME DIAÇÃO E
PA R ATE X TOS
Editora, coordenadora
editorial, jornalista e
criadora de conteúdo.
Formada pela PUC-MG
e Columbia Journalism
School. @nostalgiacinza
77
Muito obrigada
por apoiar este
financiamento
coletivo!
Neste mês foi possível viabilizar a curadoria,
tradução, revisão e ilustração do conto Das
Märchen von der harten Nuss! A cada mês de
assinatura, a Wish continuará resgatando
os tesouros do passado em novas edições
para os caçadores das Relíquias Literárias.
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N O P R ÓX I M O M Ê S
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