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GS

O príncipe sem trono


Erivaldo Tomás GS
Índice
1. A profecia
2. O assalto
3. Uma escolha arriscada
4. A grande fuga.
5. Procurados
6. O começo da viagem
7. Por terras áridas
8. A grande rainha
9. A árvore pesadelo
10. Apenas uma chance
11. O coração
12. Conhecemos a morte
13. Bem vindos ao inferno
14. A mulher de cabelos azuis
15. O rei dos mortos
16. Negócios de morte
17. O rio das almas
18. Deserto de ossos
19. Os olhos da morte
20. Uma segunda oportunidade
21. Segredos e decisões
22. Tristes até morrer
23. Órion
24. O mistério do castelo
25. Pista a pista
26. Um a um
27. O príncipe perdido
28. O desgraçado e os malogrados
29. O funeral
30. De volta a cada
31. Ao socorro do príncipe
Último capítulo

Boa leitura
Um
Darwin: A profecia
Estava em meu quarto quando a porta escancarou. Embora estava a espera, foi um
grande susto. Era Alan, o meu servo pessoal e melhor amigo, aliás, único amigo.

- Senhor. Estão todos a sua espera na sala do trono, o rei exige vê-lo imediatamente.
– disse ele.

- Eu sei Alan. Ah! Quem me dera que nada disso estivesse a acontecer, que eu
nascesse em outro lugar bem longe daqui. – falei com receio.

- Vá lá senhor. É só mais uma cerimónia chata, em que nós passamos um bom tempo
parados, a olhar os comes e bebes dos nobres. Depois acaba, somos liberados e tu podes
voltar a odiar todo o reino. – falou o Alan, o sarcasmo não era a ala dele.

- Não! Não Alan. Não é só mais um monte de balelas usada para encher a barriga de
um monte de gente gorda!

- Bom. Levando em conta que estão todos a nossa espera, devíamos ir andando e
contas-me os detalhes no caminho.

- Ok! Também, não queremos fazer «sua majestade meu pai» esperar. – falei com ar
cético.

Já estávamos no corredor. Alan usava uma roupa natural de um servo, uma camisa
branca simples e calças meio largas e castanhas. Já comigo era bem diferente, estava a usar
minha roupa normal, uma camisa azul marinho com bordados de ouro na gola e no fim das
mangas, uma calça de linho branco mais fino de sempre, uma capa super comprida azul
como a camisa e com bordados de ouro mostrando o brasão da minha família, um belo e
majestoso leão sobre uma coroa soberba.

Estávamos em um corredor cheio de adornos que era atravessado por um lindo


tapete vermelho. Andamos lentamente enquanto eu olhava para cada escultura mais
soberba e extravagante.

Aquele castelo ia para lá de toda grandeza. Era feito de pedra pura, o chão de
mármore. Um magnífico trabalho de meu bisavô e em parte do meu avó. Passei toda minha
infância aqui dentro e quando não estava a ser obrigado a treinar e estudar, estava a
explorar. Eu e Alan corríamos por estes corredores, procurando passagens e escondendo-
nos de tudo e todos.
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Eu conhecia pelo menos treze passagens secretas que mais ninguém conhecia.
Estavam por todo lado. Atrás de armaduras, quadros, pedestais e estátuas. Ainda assim
achei que não conhecia nem um terço de tudo isto.

Enquanto caminhávamos, fui observando a quantidade de riquezas guandadas


naquele castelo. Quadros com molduras de ouro, objetos de grande valor em tudo que é
canto, tudo banhado em ouro ou prata, um monte de coisas sem sentido e inúteis. Nós
tínhamos tudo alí dentro, boa comida, bebida, roupas e tudo de bom que se pode imaginar.
Enquanto isso o nosso povo estava lá fora a viver no lixo e na miséria. Eles não tinham
nada, estavam todos a lutar por migalhas enquanto nós nos fartávamos do bom e do
melhor, eu me sentia um hipócrita por isso.

Já andamos boa parte do caminho quando Alan quebrou o silêncio.

- Então; vais contar o quê que se passa hoje?

- Claro! Tinha me esquecido. Ah, onde começar?

- Que tal se fosse do princípios?- disse ele de forma sarcástica.

- Bem, cá vai. Já se vão quatro gerações que a minha família chegou a esta terra e
domina este povo. Depois de se instalarem o meu bisavô estabeleceu um acordo com as
harpias. “Nenhum de nós invade o seu território e dámos-lhes uma porção de ouro por ano,
se a cada príncipe que nasce uma delas entrar no reino e preparar uma profecia. Aconteceu
assim com meu avô, com meu pai e comigo. Depois disso, a harpia volta depois de catorze
anos e dez meses para revelar a profecia ao príncipe.

- Então como fazes anos daqui a dois meses, significa que a harpia vem hoje!-
concluir ele, com admiração.

- Sim, hoje é o dia de ouvir a minha profecia e tenho medo do que vai acontecer. –
disse eu muito receoso.

- Mas o que pode acontecer de tão mal? – disse ele com dúvida.

- Não é o que pode Alan, mas sim o que vai. Depois de hoje, eu me tornarei
oficialmente o novo herdeiro do trono, e não sei se o meu pai vai gostar de ser sucedido
por alguém como eu.

- Não digas isso, o teu pai sente algum amor. Pode não demonstra-lo, mas lá no
fundo, bem no fundo do seu coração, existe algum amor - disse Alan.
- Isso não é grande consolo. – falei ei – Sendo realista não sei se o meu pai conhece o
significado da palvra amor, bem, pelo menos desde que a minha mãe desapareceu.

- Não fiques triste senhor, isso não te faz bem. – falou-me o Alan – Então tudo que
for dito hoje, determina o teu futuro? Pode não ser algo assim tão mau.

- Mas vai ser Alan, eu sinto que vai.

- Anima-te príncipe, é só um monte de superstições, vai correr tudo bem. – falou ele
tentando me consolar.

- Obrigado por isso amigo, mas não ajuda muito agora que nós chegamos!

A sala estava cheia, e de repente um silêncio aterrador tomou conta de tudo. Eu


estava ali parado, quando um arauto anunciou em voz alta:

- Recebam todos com as mais boas graças, Príncipe Darwin, o herdeiro do trono e
nosso próximo rei.

Então palmas. Lentas e fingidas palmas. Não me importava com aquilo, mas pelos
vistos o rei se importava. Ele lançou um olhar imponente de reprovação a todos e as
palmas aumentaram, logo começaram os vivas e todo tipo de saudações esplendorosas.

Já estava na sala do trono,então não havia outro remédio se não caminhar até o
trono, e foi o que fiz. A sala do trono era bastante grande, haviam quatro enormes pilares
que a sustentavam e um gigante candelabro pendurado no meio da sala.

Fui andando lentamente até ao trono ao lado de meu pai, enquanto todos olhavam
para mim. Era um pedestal enorme com dois tronos, um maior e mais glorioso com
almofadas carmesim um glorioso conjunto de jaspes laranjas e rubis vermelhas de uma
borda a outra. Outro menor não muito interessante, madeira de carvalho e almofadas azul
marinho, o meu.

- Eis aqui o meu filho – exaclamou o rei – e como todos sabemos hoje é o dia em que
ele se torna um homem. – ele também não gostava de cerimônias.

E continuou dizendo:

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- Receberemos aqui a harpia da profecia e ela nos dirá o futuro glorioso que aguarda
o nosso príncipe, bem o que ele terá de fazer para alcança-lo. Então servos abram as portas
e deixem entrar a Harpia. – ordenou o rei.

Foi quando aconteceu. Uma criatura na forma de uma mulher entrou andando muito
vagarosamente. Ela parecia mais um cadáver do que outra coisa. Podia sentir que ela
emanava uma aura negra e arrepiante. Enquanto ela andava ninguém teve a mínima
coragem de abanar um dedo, era como se ela tivesse espetado uma estaca no coração de
cada um presente.

Todos estávamos estupefactos. Todos menos o rei, que lhe lançou um olhar de cima
e disse:

- Apressa-te harpia, não gosto de te ter no meu reino por muito tempo.

Como ele conseguiu falar alguma coisa? Era simplesmente incrível. Aquela criatura
era horrivelmente tenebrosa, parecia medir dois metros, mas ficava tão dobrada até atingir
no máximo um metro e vinte. Estava coberta por um enorme manto com um capuz cinza
que cobria quase tudo, apenas deixava a mostra as mãos e parte do rosto.

Parecia que ela não estava a andar, mas sim a deslizar sobre uma imensa nuvem
negra. As suas mãos eram apenas ossos, cobertos por uma camada preta do que eu não
chamaria de pele. As unhas eram compridas e imensamente brancas, como uma fria manhã
escura de inverno.

Dava para ver também o seu nariz que eram apenas duas ranhuras no centro da cara.
E a boca fina que não tinha lábios, por isso um conjunto de dentes pontiagudos e finos
saíam dela.

Não dava para ver os olhos, mas eu senti que eram grandes e negros. Não negros
normais, um negro arrepiante que não espelhava alma. Estava tão arrepiado que tinha me
esquecido que aquela criatura estava cada vez mais e mais próximo. De repente ela parou e
apontou um dos seus seis dedos para mim.Naquele momento estremeci e dei um passo
atrás, senti como se fosse desmaiar na hora, mas meu pai me lançou um olhar que me fez
ficar firme. Até aquele monstro abrir a boca.

- Ah, ah, ah. Mais um coitado da família real que se junta a esse reinado de terror – a
sua voz era arrepiante. Era baixa e leve, mas parecia congelar o espírito de cada um na sala.

- Cála-te demônio maldito e cumpre o que tu vieste hoje fazer – ordenou o rei.
- Meu querido rei. – disse ela parecendo nervosa – Eu falo o que eu bem entender,
quando e como eu quizer porque eu não sou mais um dos seus escravos.

Aquilo devia ter abalado o rei, mas só serviu para alimentar a sua fúria.

- Eu disse chega de papinhos inúteis. Vai direto ao ponto.

- E como eu disse, não obedeço as tuas ordens! – dessa vez a voz dela não pareceu
suave – Mas por mais que eu goste de deixar sua alteza irritada, essa alegria toda deixa-me
com náuseas.

Ela fez uma pausa depois disse em uma voz mais grave e ainda mais horrível:
Ouçam todos o que digo agora
Pois a destruição não demora
O pobre príncipe fará sua viajem
E descobrirá o que aí vem
Pela floresta da morte passará
E como um dos poucos retornará
Com bravos homens viajará Mas um dos
seus o trairá. E quando por fim ele
retornar A batalha final há de travar.
Um reino cairá e outro muito mais forte
será. A destruição cairá ao seu redor
E alguém morrerá pelo grande amor

Bem, a sala já estava em silêncio. Mas naquele momento é como se todo mundo se
tivesse calado para ouvir a minha desgraça. Nem um pássaro cantava nem o vento soprava.
Era com se o que aquela velha dissera havia feito o mundo parar de girar.

Quando eu já estava conformado com a minha desgraça, meu pai finalmente falou e
foi como o impulso para que todo mundo voltasse a falar.

- O quê que tu estás a ensinuar sua bruxa das cavernas? – falou o meu pai

- Eu fiz o que me pediram. Pediram uma profecia, aqui têm a vossa profecia. Eu não
disse o que o rei queria ouvir, TEMOS PENA. – ela deu meia voltae começou a deslizar para
fora da sala.

- Volta aqui sua larápia imunda. – exigiu ele.

Mas. A harpia não parou, saiu como se nada fosse. Foi a primeira vez que eu vi uma
pessoa… monstra… criatura, enfrentar a ira do meu pai. Ela realmente não tinha medo do
que podia acontecer.
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- Pai. – disse eu depois de tanto tempo calado – Posso ir para o meu quarto? Preciso
absorver o que se passou aqui.

- Sim, vai filho – e depois de descer três degraus ele acrescentou – Não me deseludas
Darwin.

Saí sem dar uma resposta, pois fiquei demasiado vertiginoso para aquilo.

Já estava quase fora da sala, então olhei para Alan. Estava a receber ordem do
Capitão da guarda real e braço direito do meu pai. Senti como se todo mundo tivesse me
abandonado. E era muito estranho um servo se dezaseis anos receber ordens do chefe da
guarda. Estranho!

Mas, ignorei tudo aquilo, afinal eu era causa de destruição do reino.

Estava no corredor quando vi algo estranho. O que era aquilo naquele canto?

Ah não; era a harpia, ela não tinha ido embora! E estava se aproximando lentamente
de mim, com aquele deslizar sinistro.

Queria sair a correr e gritar por todo castelo, mas, estava tão assustado que não
consegui mover uma pestana. Ela está a meu lado. Não tinha processado bem o que
aconteceu, mas… ela agarrou-me, aquela mão sinistra e ossuda estava em meu braço.

- Foge jovem príncipe, tu deves ir o quanto antes. O rei irá procurar-te e se te


encontrar não terá piedade de ti. Vai em tua viajem e não voltes antes que dois meses se
passem, então aí tu lutarás contra teu pai e um de vocês morrerá. Leva contigo uma equipa
de três guerreiros em quem confias. Quando a hora certa chegar, tu saberás a verdade.
Mas agora vai, para que a morte não te encontre antes do tempo.

- Ah! – Gritei tão alto que admiro ninguém ter ouvido. Onde estava a harpia? Ela
desaparecera? Ou nunca esteve aqui? Estarei a ficar louco?

Oh Dionísio não permita tal coisa…

De repente a porta escancarou-se, e era só Alan. Não havia passado muito tempo,
mas ele me pareceu surpreendido.

- O que é que se passa? Não ias ao teu quarto?- perguntou ele com uma estranha
admiração.

- Sim, eu só parei um pouco para pensar.


- Durante duas horas? – exclamou ele – No corredor?

- Duas!? Passaram-se duas horas? – estava confirmado. Eu estava a ficar louco.

- Sim, duas horas. Tu me pareces estranho. O que é que se passa?

- Alan, temos de ir ao meu quarto agora. – eu agarrei-lhe pelo braço e arrastei-lhe


corredor a fora até chegarmos ao meu quarto e confirmar que as portas estavam trancadas.

A minha respiração estava acelerada e o Alan muito confuso.

- O quê que se passa senhor?

- Alan está tudo mal, tudo. Eu pensei que estava mal, mas está horrivelmente
péssimo!

- Não entendo senhor, o quê que pode ser tão mal?

- Tu estavas lá Alan. Tu Ouviste o que a harpia disse, viste como o meu pai ficou.
Segundo o que as pessoas dizem, da profecia do meu pai ele sucumbe nos braços de quem
o ama, e a harpia, a harpia.

- Uou. Que tal nos acalmarmos primeiro. Ela realmente falou algo sobre destruição e
coisas dessas, mas não disse nada sobre tu «matares» o teu pai.

- Sim Alan, mas eu me encontrei com ela depois da festa e…

Não sabia se podia contar o que se passou para ele, mas ele era meu amigo e
segundo a harpia, eu tinha que levar três companheiros, então… Mas, eu nem sabia se meu
pai me deixaria ir numa missão, que “supostamente” acabaria com seu reinado.

Ele é meu amigo, o único do reino, eu tenho que conta-lo:

Então foi o que aconteceu. Contei tudo e ele pareceu mais chocado e preocupado
que eu.

- O que é Alan? Tu Ouviste. Eu vou tirar a vida do meu pai.

- Bem… A profecia não diz que serás tu a faze-lo. – ele fez uma observação.

- Sim, mas, quem mais poderia ser? Eu devo ser o único em todo mundo que ainda
tem algum afeto por ele.

- Ah. Talvez haja outra pessoa. – disse Alan tentando me tranquilizar.

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- Quem Alan? Quem? Ele é um tirano sem piedade. Achas que alguém sente algo por
ele se não ódio?

- Talvez essa pessoa existe, mas o que ela disse,pode ter um rumo diferente. Talvez
não ele, mas…

- Eu! Posso ser eu… - disse e me atirei na cama – ele vai matar-me.

- Bem, não vamos tomar decisões precipitadas. Que tal esquecermos essa situação
por um momento e dormirmos. Então amanhã com mais calma, conversas com o teu pai e
vemos no que dá.

- Não Alan! Eu não tenho uma conversa com ele desde… desde que nasci.

- Não consigo ver outra solução.

- OK, mas se vou fazer isso, é melhor que seja agora.

-Então, vais agora senhor?

- Em primeiro, o meu nome é Darwin não é senhor. Segundo, sim eu vou.

Estava na porta do quarto do meu pai, quando… espera, espera ele está com alguém.
De dentro do quarto ouviam-se vozes, uma dele, e outra do seu braço direito!

- Sim senhor, ele é um perigo. – falou o chefe da guarda.

- Ele continuar a ser meu filho, o que eu posso fazer? – o meu pai estava indeciso?
Wow. – Não posso atira-lo para um poço como fiz com os outros. Não é tão simples assim.

- Talvez possas senhor.

- O quê? Queres que eu me livre do meu filho? – foi mais uma afirmação que uma
pergunta.

- Não senhor, claro que não. Que tal se o prendessemos em uma das celas e o
deixássemos ali até o seu aniversário. Podiamos dizer a todos que ele está em sua missão –
sugeriu o chefe da guarda.

- Bem. Por uma vez na vida, tu boémio tríste, tiveste uma ideia que presta para
alguma coisa.
- Obrigado senhor. Mas, então se não funcionar?

- Terá de funcionar. Se não me verei obrigado a deixar o meu próprio filho no fundo
de um poço bem longo…

O quê?

Meu pai teria coragem de se livrar de mim? Só para manter a sua tirania em pé?

Tenho de fugir, AGORA! Mas, para onde? Onde?

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Dois
Leo: O assalto
Vamos! Tenho que ser rápido.

Eu sou um rapaz ágil, forte, corajoso e sem esquecer bonito.

Estava a dar motivação a mim mesmo, porque aquilo tinha de ser feito com
excelência.

Estava numa praça pública cheia de movimento. Pessoas iam e vinham de todos os
lados. Algumas até paravam para olhar algumas das misérias que outros vendiam e
trocavam.

Não havia nada mais que alguns pães, queijos bolorentos e alguns vegetais meio
podres. Era assim que nós «o povo» vivíamos. Não havia quase nada para ninguém. Haviam
campos verdes e bons frutos, mas os tiranos que nos governavam, levavam tudo para o
castelo, e nós os “plebeus” éramos obrigados a lutar por restos.

Todo sofrimento e problemas que nós passamos, eram obras do rei e do seu filhinho
mimado. Nós vivíamos no lixo e éramos obrigados a ser ladrões desprezíveis, por causa
deles.

O grande castelo, era só para as majestades, alguns soldados com alguns méritos,
alguns nobres de fachada, e pessoas que foram com a cara do rei.

Desde que eu nasci que era assim. Até a nossa pequena vila, estava dividida em duas
zonas. A “zona nobre” e onde nós vivemos. Esta segunda zona, servia apenas de escudo,
quando houvesse um ataque.

Talvez eu explique depois.

Não havia tempo para aquilo, estava no primeiro passo para que o meu plano desse
certo. Era um assalto a casa do tesouro do rei.

É um plano simples, mas eficiente. Olhem bem para isto:

Eu estava no lugar mais movimentado do reino, por isso só tenho de criar uma
“situação” que distraia os guardas.

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Andei normalmente até um espaço onde vendiam fruta. Eu era um ladrão
profissional – a vida me obrigou a ser – mas enfim. Fui até lá e peguei três maçãs, depois foi
só colocar na bolsa de um senhor que parou ali. Depois fui a zona do pão, onde tirei uma
cesta inteira de pão e levei na zona do peixe. Foi só esconder mais alguma coisa – peças de
tecido, algumas linhas e facas velhas que estavam a venda.

Então quando os seus donos dessem pela sua falta, iriam a procura delas, e então…
vocês sabem o resto.

Estava a demorar imenso! Não há tempo para esperar, ela está a minha espera. Eu
tinha que fazer alguma coisa, então gritei :

- LADRÃO!!!!

E foi assim, todos correram de um lado para o outro, acusações de todos os lados e o
maior caos que este reino já viu.

Aquilo estava sem dúvida, a resultar melhor do que eu esperava. Já haviam duas
lutas entre os senhores do peixe, e os dos tecidos.

Os guardas deixaram os seus postos num piscar de olhos. Era a nossa oportunidade.

Fui a correr o mais rápido que pude em direção ao grande portão. Olhei de todos os
lados, para ver se a reconhecia no meio da multidão, mas não vi nada.

Depois de passar os portões, entrei na zona nobre da cidade. Com zona nobre queria
dizer que as ruas eram um pouco mais limpas, que era habitada por alguns soldados e
parentes de nobres. Aqui as pessoas até tinham algo para comer quase todos os dias.

Enfim, só mais uma das muitas injustiças que vivemos.

Escondi-me atrás de alguns barris e estava a olhar para os portões para ver se ela
entrava. Logo depois os guardas voltaram para os seus postos. Ah não! Ela não conseguiu
entrar. O quê que eu faço sem…

-Ah! – gritei bem alto quando ela pegou no meu ombro.

- Ei. Grita mais baixo, ainda nos apanham aqui! – disse ela preocupada.

- Lia! Quando é que entraste? – perguntei a ela.

- Já estou aqui a bastante tempo a tua espera, porque demoraste tanto? – falou com
um sorriso presunçoso.

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- Tive de criar uma pequena distração para não chamar as atenções e tirar uma
metade dos guardas daqui. – Disse eu enquanto andávamos sigilosamente.

- Vamos, não temos tempo a perder.

- Olha! Para quem não concordava com este plano, estás muito emocionada.

- Não estou emocionada. Só quero fazer isto bem e não ser presa por aquele tirano.

Ela é incrível. Uma rapariga alta, com os cabelos negros como a noite e um olhar
igualmente escuro. Ela era magra e usava um vestido meio gasto, mas isso eu entendia, não
podíamos ter melhor.

Ela era a simples e única razão de eu ainda ter esperança de um futuro melhor. Ei,
nada desses pensamentos. Ela não é minha namorada, mas sim minha irmã gémea. Nota-se
logo pelo nosso cabelo preto e colares. Sim. Nós estamos a usar sempre colares gémeos.
Foram-nos dados pelos nossos falecidos pais e eles diziam que estes colares sempre nos
protegeriam.

Bem não é tempo para isso. Estamos a meio de um plano de gênio. Acabamos de
chegar de frente a casa do tesouro. Não é uma construção nada esplendorosa, mas o que
estava lá dentro é o que nos importava.

Estávamos em uma ruela pouco movimentada, escondidos por detrás de uma lona.
Olhamos para a “tesouraria do reino”.

Um edifício pequeno, feito com a mais dura pedra, uma porta vermelha e guardas,
claro. Lá dentro estava o dinheiro dos impostos, que o povo era obrigado a pagar ao rei.

Como previsto haviam guardas na frente e nas laterais.

- Então Leo, o que é que faremos agora? – perguntou-me ela.

- Ah. Bem, acho que esqueci uma pequena parte no meu plano. – falei embaraçado.

- O quê!? Leo! – e lançou-me aquele olhar que me fazia sentir um fracasso – Para tua
sorte, tens-me a mim.

Então ela pegou uma pedra bem grande e atirou na direção de uma tenda, não sei o
quê que partiu, mas fez um barulho enorme.

Quem diria, os dois guardas das laterais foram ver o que era.

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Ainda haviam mais dois na frente, mas não iriam ser um problema. Fomos até as
traseiras, onde encontramos uma janela – que conveniente – mas não podíamos usa-la,
atrairia muita atenção.

Subimos em um barril e ajudei Lia a subir até o teto e logo ela puxou-me para cima.
O teto era feito de telhas, agora era só procurar por uma falha no telhado, o que na
verdade não foi difícil – nós éramos profissionais.

Abrimos um buraco e entramos.

Era incrível, havia aí mais ouro e prata, do que todo povo junto tinha.

Nós não precisamos muito. Só o suficiente para deixarmos a cidade e começarmos


uma vida nova em outro lugar qualquer.

- Eu encho uma bolsa com prata e tu uma com ouro – avisou Lia.

- Claro, e temos de ser rápidos. – confirmei.

Enchemo-los e estávamos prontos para sair. Wau!

Havia tanto ouro que ninguém iriam sentir a mínima falta. Haviam no chão, em
mesas, só faltava paredes cobertas de ouro.

- Vamos embora Leo. – chamou Ela.

- Espera, os guardas já devem ter voltado. – pensei um pouco – Pega num desses
sacos de prata e vem comigo.

Subimos de volta no teto com dois sacos de vinte quilos de prata. Como esperado, os
guardas já tinham voltado.

Dei um sinal positivo com o dedo para ela e estão largamos os sacos nas cabeças de
cada um dos guardas na lateral. Pronto, desmaio instantâneo. Coitados.

Bem, não era tempo para ter pena. Era hora de deixar este reino, duma vez por
todas.

Descemos dali com dois sacos cheios, não devia pesar mais que um quilo cada bolsa,
mas se alguém soubesse… estávamos feitos ao bife.

Corremos dali para fora. Corremos e corremos mais, quando notamos os guardas a
nos perseguir, era tarde demais para eles, nunca conseguiriam nos apanhar.

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Enquanto corríamos, vi a alegria na cara de Lia, e a sua felicidade me deixou feliz.
Pela primeira vez em anos vi uma vida melhor a nossa frente.

Já havíamos sofrido bastante. Eu prometera ao meu pai, cuidar sempre da minha


irmã e deixar que ela seja feliz. No leito de sua morte, também prometi nunca falhar, nem
abandonar os meus amigos, mas eu não tinha nenhum amigo.

Falta só um pouquinho, só tínhamos que saltar um muro e podíamos ir para longe.


Quando chegamos ao muro, eu disse para Lia:

- Eu vou primeiro, depois você – ela consentiu com a cabeça.

Lá está a nossa liberdade. Pulei o muro e senti aquele…

O quê? Eu estou cercado. Há soldados de todos os lados, não há forma de fugir. A


única coisa me veio a cabeça foi:

- Lia corre! – gritei com todas força que tinha – Corre Lia, corre.

Mas nenhuma resposta. Os soldados agarraram-me e me algemaram em um


segundo. Eles bateram-me para eu parar de me mexer tanto. Eu só queria que Lia fugisse.

- LIA! Lia, Lia – ela não respondeu, onde ela está? – Lia, Lia…

Aqui está ela. Também já estava algemada e presa com correntes. Eu, eu falhei.

Prometi a ela que nada nem ninguém nos ia separar – esse era o meu maior medo –
e agora estávamos a ser arrastados para uma masmorra, onde seríamos presos e
provavelmente… mortos.

Nenhum de nós – nem Lia ou os soldados – ninguém disse uma só palavra.

Eu prometi ao nosso pai que iria protege-la, agora está tudo acabado.

O que farei agora?

14
Três
Darwin: Uma escolha arriscada
Estava a ser uma noite difícil. Primeiro aquela profecia maldita, depois descobri que o
meu pai poderia me matar se seu fizesse alguma coisa errada.

Saí daquele corredor a correr, estava com muito medo e não sabia o que fazer. Ia ter
com Alan, talvez ele tivesse uma ideia para salvar os nossos pescoços.

Estava a correr o mais rápido que os meus pés aguentaram, quando de repente…

- Au! – exclamei assustado quando me panquei em um guarda – o que é que se passa


soldado?

- Desculpa príncipe senhor. – ele prestou continência – Apanhamos estes dois a


tentar roubar da casa do tesouro do rei. Vamos ter com o rei para saber o que fazer com os
infratores.

Olhei de relance para os prisioneiros. Eram um rapaz e uma rapariga, mais ou menos
da minha idade, magros de cabelos pretos. Eles usavam dois colares que não sei porquê,
me chamaram muito a atenção. O da rapariga era verde como a primavera, e o do rapaz era
preto como a mais pura e lapidada obsidiana.

Não havia tempo para admirar bijutaria. Eles iam ser levados ao rei? Por roubar a
casa do tesouro!? Eles iriam ser mortos como eu.

Pensei um pouco e então disse ao soldado:

- O rei não está de bom humor agora. – disse pensando bem naquilo – Quem rouba
no tesouro do reino, rouba a mim. Levem-nos as salas superiores das masmorras que eu
mesmo trato deles.

Eles deram um olhar suspeitoso e perguntaram:

- Não seria melhor leva-los direto ao rei? – disse um deles – Não que eu queira
desrespeitar a sua autoridade meu príncipe.

- Eu dei ordens muito exatas – disse com firmeza e lancei um daqueles olhares como
os dois meu pai - Levem-nos para as masmorras, voltem para os vossos postos e não se fala
mais nisso.

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Resultou. Eles viraram-se fizeram uma pequena vénia e foram na direção das
masmorras.

OK. Saí a correr dali e voltei a pensar na minha fuga com Alan. Espera! A harpia disse
que eu deveria partir com mais três guerreiros. O primeiro era Alan, obviamente. Aqueles
dois eram mesmos corajosos para tentar roubar a casa do tesouro do rei. Por isso (1+2=3).

- Já sei. – não perdi mais tempo e fui para o quarto.

Quando cheguei, eu literalmente rompi a porta e em seguida tranquei-a. O meu


coração estava mais acelerado que o de um porco antes do churrasco. O Alan estava ai,
como habitual. Ele assustou-se depois de ver o meu estado.

- O que é que se passa? – perguntou ele – A conversa com o teu pai foi assim tão má?

- Alan, temos de ir embora já. Eu tenho um plano, mas é arriscado. – disse enquanto
corria de um lado para outro.

- O quê que aconteceu contigo!? – exclamou ele surpreso.

- Não tenho tempo para explicar, mas resumindo, o meu pai quer me matar.

- O quê!? – ele pareceu mais chocado que eu.

- Toma isso. – disse eu entregando-lhe uma bolsa de moedas de ouro – Vai até a
cozinha prepara o máximo de mantimentos que podes, e separa em quatro mochilas de
viagem. Prepara também uma roupa de viagem para cada mochila, uma para mim, outra
para ti, uma para um rapaz mais ou menos da minha altura e para uma rapariga.

Disse tudo aquilo tão rápido como um relâmpago, mas parecia que ele percebeu
tudo. Ainda assim acrescentei:

- Prepara também quatro cavalos e espera por mim nos limites do reino depois dos
campos de milho. Então percebeste tudo?

- Bem, sim – disse ele confuso.

Então saí do quarto e respirei fundo. Ah.

Tenho que fazer isso bem e com calma.

Andei pelos corredores do castelo sem chamar atenção para mim. Pelos vistos o rei
ainda não tinha dado a ordem para que e fosse capturado.

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Finalmente cheguei ao corredor que dava as masmorras. Olhei para os guardas da
porta e perguntei:

- Onde é que estão os saloios que tentaram roubar o meu tesouro? – falei com
imponência.

- Lá dentro príncipe senhor. – disse um deles.

- Colocamo-los em salas diferentes para qualquer eventualidade. – acrescentou o


outro.

- Tudo bem. – confirmei com ar sérios – Fiquem aqui, vou ter uma «conversinha»
com eles. – até fiz aspas quando disse conversinha.

Nenhum dos dois ousou me contrariar. Fui mesmo bem. Depois de entrar, ouvi os
dois guardas a cochicharem em como eu estava a ficar parecido com o meu pai.

Por Hermes! Tá amarrado.

Desci ao primeiro nível. Lá estavam eles em salas opostas, o carcereiro de olhos


neles.

- Carcereiro! Sai. Agora. – falei para ele, que nem teve coragem de resmungar.

Olhei para eles e pareciam as pessoas mais tristes que já vira na minha vida. Me
aproximei deles e o rapaz disse:

- Não te chega deixar-nos aqui presos? Oh Principezinho!? – disse ele.

Ele era realmente corajoso, já a sua irmã não disse nenhuma palavra.

- Chiu! Vim aqui para vos libertar – disse para eles – E falem baixo.

- Já não chega o que nos fizeste, oh boêmio de coroa!? – disse o rapaz outra vez, e
muito alto.

- O quê que vais nos fazer? Atirar-nos de um desfiladeiro, para nadarmos com os
peixinhos? – perguntou a rapariga.

- Não! Eu vim literalmente libertar-vos, mas temos todos que fugir.

- E por quê que alguém como tu faria isso? O bebê de capa azul não gosta da vida no
castelo? Ou estás aquela fase em que todos os príncipes ficam rebeldes – foi outra vez o
rapaz e já começava a irritar-me.

17
- Olha! Vocês querem sair daqui ou não? É que não têm muitas opções. E eu reparei
que vocês não gostam de estar separados. – falei para eles com cautela.

O rapaz não disse nada, mas por outro lado, a rapariga perguntou:

- Se é que tu vais tirar-nos mesmo daqui, como é que vais faze-lo? Não parece que o
rei te autorizou a isso. E acho que todos vão reparar num príncipe com dois adolescentes
no bolso. – disse ela com o maior sarcasmo do mundo.

- Ah, bom. Eu pensei em tirar-vos daqui. Mas não pensei bem no plano de fuga. –
falei um pouco envergonhado. Quem ia fazer uma super-fuga da prisão sem um plano?

- Ok – começou a rapariga – Para tua felicidade eu estou aqui, e tenho um plano.

O rapaz levantou-se e pela primeira vez, pareceu interessados na matéria.

18
Quatro
Lia: A grande fuga
Bem, na verdade é que eu não tinha nenhuma ideia para o pequeno príncipe, mas eu
iria arranjar alguma coisa. Olhei ao meu redor, ah, não havia quase nada ali. Tinha só um
balde, um monte de pedras e muito feno - sabe-se lá porquê.

Olhei ao meu redor, estávamos em um corredor de salas frias e escuras com grades
de ferro puro. Era muito escuro aqui dentro, havia apenas uma tocha que iluminava
fracamente todo corredor, eu mal conseguia ver o que estava a minha frente. Eu mal
conseguia ver o princesinho e o Leo, o que me assustava.

Não havia aqui mais ninguém. Todos que cá entravam, não saíram para contar como
era. Nós estávamos nas salas superiores, diziam que nas inferiores eram piores.

OK. Está na hora de trabalhar num plano.

- Ei. Principezinho, tens as chaves desta cela? – perguntei a ele.

- Não.

- Ah! Ok, enche aquele balde de pedras. – e foi o que ele fez – Agora, tens de chamar
o carcereiro e dar-lhe com o balde na cabeça.

- O quê? Não disseste que teria de matar alguém! — falou ele assustado.

- Ele não vai morrer. Bate na parte de trás da cabeça, bem abaixo da nuca e ele vai só
desmaiar. – avisei para ele.

- OK. – disse o principezinho – Carcereiro, anda cá imediatamente.

Quando o carcereiro chegou, eu pensei que o coroado não seria capaz, mas ele
disse.

- Carcereiro, uma das barras da cela o rapaz está solta. – quando o carcereiro baixou
para ver, ele levantou o balde e acertou-lhe bem na nuca.

Desmaio instantâneo. Coitado.

- Boa princeso, agora pega na chave e liberta-nos – falei para ele.

19
Ele fez tudo ao pé da letra e quando nos libertou finalmente consegui ver a cara do
príncipe. Ele é alto com a pele negra, um rosto fino, olhos castanhos escuros e os cabelos
em cachos encaracolados, cada um bem alinhado na sua cabeça.

Havia cinco degraus depois da porta e dois espaços vazios de cada lado, depois de
sermos soltos eu disse:

- Pequeno príncipe, arrasta o carcereiro até uma cela, Leo trás um grande monte de
feno aqui ao lado da porta. – depois disso, expliquei para o princeso, o que tinha de fazer. –
Anda Leo, vamos esconder-nos nos montes de palha ao lado da porta.

Fomos ao lado dos degraus, e cobrimo-nos com um monte de palha. Deixei um pouco
de espaço para ver se o principezinho iria fazer tudo como eu tinha explicado.

Ele rasgou parte da sua capa, despenteou o cabelo curto e cacheado que tinha,
colocou a coroa ao seu lado e deitou-se no chão.

Como eu havia planejado.

- Guardas, venham rápido, agora, depressa. – o pequeno príncipe gritou e os guardas


não fizeram mais que dois segundos para aparecer, e levanta-lo.

- O quê que aconteceu, senhor? – perguntou um deles.

- Aqueles meninos de cabelo preto conseguiram fugir e atacaram-me. Depois foram


os dois a correr até as sala profundas. – explicou o princeso. Não foi muito convincente,
mas os guardas caíram que nem patinhos. – O quê que estão a espera, vocês dois? Vão
atrás deles agora.

Os guardas saíram a correr em direção as escadas, quando finalmente desceram, eu e


o Leo saímos do nosso esconderijo.

- Boa, vamos embora. – falei para os rapazes.

Saímos a correr da masmorra e trancamos a porta do lado de fora. Colocamos


algumas armaduras decorativas, para garantir que nenhum dos dois sai.

- Agora é tua vez, princeso – falei para ele – leva-nos daqui para fora.

- Claro! – disse o pequeno príncipe.

Ela guiou-nos por cada corredor, e escadas em caracol, por cada beco e cada curva. 0
Fomos pelo caminho mais longo, ele disse que era para evitar os guardas.

20
Fomos de corredor a corredor, curva após curva e aquele castelo parecia não ter fim.
Ouvimos vozes de alguns soldados a caminho do nosso corredor, então:

- Escondam-se atrás dessa cortina, e não façam nenhum barulho – disse o pequeno
príncipe para nós.

Escondemo-nos atrás de uma grande e pesada cortina escarlate, ela estava a cobrir
um enorme quadro, de uma mulher. Quando os soldados passaram por nós, ouvimo-los a
dizer:

- O rei deu a ordem para captura do príncipe. – disse um deles.

- Sim. Sabe-se lá porquê, o pai quere mandar o filho para o calabouço – respondeu o
outro.

- Já passamos em seu quarto e não encontramos ninguém, - começou a falar outro


deles – o rei está na sala do trono extremamente furioso.

- Já há guardas em todo castelo a procura deles – disse o primeiro – e todas saídas


estão bloqueadas por dois…

Não consegui ouvir mais nada, eles tinham ido embora. Porquê que o príncipe estava
a ser caçado como nós? O que ele havia feito para isso? É por isso que ele libertou-nos? Se
fosse esse o caso, então não havia tempo para conversa. Saímos detrás da cortina, olhamos
dos dois lados, vi que o quadro mostrava a pintura de uma mulher, muito, mas muito
bonita mesmo.

Ela tinha cabelos compridos e castanhos, olhos duma cor âmbar, a pele morena e
parecia ser uma deusa da natureza.

Não havia tempo para admirar aquele quadro.

- Por onde é que vamos agora? – perguntei para o príncipe.

- Ah! Ajudem-me a empurrar esta armadura, há uma passagem secreta atrás dela –
disse ele, segurando uma armadura decorativa enorme.

Empurramos, e havia um pequeno buraco na parede. Rastejamos um a um para


dentro dela e levamos uma tocha do corredor. Voltamos a colocar a armadura onde estava,
o que foi bem difícil.

Andamos um pouco pela enorme passagem, e pelos vistos era bem longa. Eu não
queria falar com ele, mas a curiosidade falou mais alto.

21
— Olha! Pequeno príncipe. Por que os soldados do rei andam atrás de ti? –
perguntei a ele. – O que é que tu fizeste?

- Nada. Eu não fiz absolutamente nada. – começou a explicar o príncipe – É que o


meu pai me considera uma ameaça ao seu reinado.

- E por que ele acha isso? – dessa vez foi Leo a perguntar.

- Na noite de hoje aconteceram várias coisas, - disse o príncipe – foram lançados


boatos que eu seria a causa de destruição do reino, descobri que o meu pai quere me
matar, soltei dois prisioneiros das masmorras, e agora estou a fugir com eles. Tudo em
menos de quatro horas.

Wau! Era tanta coisa para processar ao mesmo tempo.

Ele tinha passado por tudo aquilo? Só em uma noite? Bem não havia mais tempo
para perguntas. Já chegamos ao fim do corredor e pelos vistos estávamos atrás de um
quadro.

O príncipe foi primeiro, depois o Leo e depois eu. Saímos dali e continuamos a andar
vagarosamente pelo corredor. Depois de andarmos um pouco, ouvimos vozes de soldados
atrás de nós. Andamos mais rápido e fomos para outro corredor, já estávamos meio a
correr, quando ouvimos vozes de soldados no corredor a nossa frente.

Estávamos cercados, havia soldados a nossa frente e a nossa trás. Só há uma única
passagem. Um quarto com uma porta ginórminca, com o pânico não perdemos tempo
empurramos a porta, entramos e começamos logo a barrica-la.

- Encontramos-lhes. Estão nos aposentos do rei – falou um soldado.

Era um quarto para lá de maravilhoso, era inacreditavelmente grande. Cabiam aqui


no mínimo cinco casas da vila. Mas enfim tínhamos que fugir e rápido.

Olhamos para os lados, eu fui para uma janela e disse:

- Estamos no segundo andar, é muito alto para pular. – avisei para eles.

Vi que a cama é enorme, então disse:

- Leo, príncipe, agarrem os lençóis da cama enrolem-nos como uma corda. – e eles
fizeram-no.

Para nossa sorte haviam três lençóis na cama. Ao puxar o terceiro, o pequeno
príncipe derrubou um espelho, que estilhaçou-se em milhões de pedacinhos.
22
Não sabia o porquê, mas aquilo nos deixou paralisados de medo. Foi como se
tivéssemos libertado o demónio mais maligno de sempre, mas não havia lá nada.

Ficamos em transe por cerca de dois minutos, então eu e o Leo despertamos. A porta
estava quase a ser arrombada. O príncipe pareceu estar ainda paralisado, puxei-o no braço
e disse:

- Ei princesinho! Vamos embora ou vamos ser apanhados. – ele terminou de tirar o


lençol – Agora amarrem uma ponta nas bordas da cama e a outra na vossa cintura.

Fizemos o nó mais forte que conseguimos em menos tempo possível. Já estávamos a


descer pela janela. Fomos o mais rápido que podíamos, enquanto os guardas nos olhavam
de dentro do quarto.

Chegamos ao jardim graças aos lençóis, então mais guardas saíram da entrada do
castelo atrás de nós, outros já estavam a nossa espera nos portões que davam ao lado de
fora do castelo na vila.

Fomos a correr, seguimos o príncipe até a uma porta nos muros do castelo. Entramos
por ela e subimos um grande conjunto de escadas, com os soldados ao nosso encalço.
Quando finalmente chegamos ao topo, saímos de um alçapão, que nos deixou diretamente
em cima das enormes muralhas. Estávamos a cerca de vinte metros do chão.

Corremos pela muralha com os guardas atrás de nós, então apareceram outros cinco
a nossa frente.

Paramos. Atrás de nós o castelo, cheio de guardas ao nossa espera, a nossa esquerda
doze guardas armados até aos dentes, a nossa direita mais cinco deles, a nossa frente uma
queda de vinte metros que nos deixaria esborrachados como tomates podres.

- Foi bom tentar fugir convosco. – disse o príncipe.

Olhei para o Leo e ele assentiu com a cabeça. Agarrei o braço esquerdo do príncipe, o
Leo agarrou o direito.

- O quê que vocês querem fazer?! – não lhe demos uma resposta.

Saltamos. Vinte metros, em direito a um chão cheio de pedras e um pouco de relva,


que sem dúvida não iria aparar a nossa queda.

Estávamos a cair para morte certa…

23
Cinco
Darwin: Procurados
Estávamos a cair. Uma queda lenta e demorada.

Conseguia sentir o vento a soprar o meu cabelo cacheado pelo ar. Ele batia na minha
cara com força. Senti a morte a se aproximar a cada centímetro a que nós descíamos.

Os gémeos pegaram-me pelos braços e arrastam-me para a morte. Eu não os culpava


por isso, era melhor morrer agora, do que viver uma vida escravizado, e eles decapitados
por um rei tirano. Aquela queda nunca mais acabava. Naquele momento não ouvi nada,
nem vi nada. Eu estava com os olhos completamente fechados.

Sabia que a minha vida estava no fim, por isso coloquei-me a pensar: será que após a
morte eu iria para os campos elísios, viver uma vida de paz, serenidade e harmonia com
tudo e todos? Um lugar sem o meu pai para me atormentar? Ou então, iria para os campos
da punição, pagar por todas as maldades que já cometi na vida?

Eu seria considerado uma pessoa boa ou então má?

Eu não me considero uma pessoa boa, na verdade achava que eu era muito mau.
Passei toda vida dentro do castelo, rodeado de luxo, enquanto via o meu povo sofrer. Comi
do bom e do melhor, enquanto via os outros passar fome. Seja qual for o meu destino, eu
aceitarei.

Wau! Aquela queda era mais longa do que eu pensava.

Finalmente senti as duas mãos largarem os meus braços, a minha capa parou de
voar. É agora eu morri.

Ouvi a voz de um rapaz me chamar:

- Hei. Princesinho! Levanta agora – era a voz do rapaz que eu libertara.

- Levanta pequeno príncipe. – desta vez foi a voz da rapariga.

Abri os olhos e lá estava eu, vivinho da silva. Mas o quê? Como? Porquê? Eu estou
vivo?! Estava deitado no chão, sem nenhum arranhão.

- O quê que se passa? – perguntei a eles.

- Não temos tempo para admirar um milagre. – disse o rapaz.

24
- Temos de ir agora ou seremos apanhados. – acrescentou a rapariga.

- Sim. Temos de ir – disse eu, me colocando em pé – vamos eu mostro o caminho.

Olhei para trás, para aquele grande muro, para a vila e para o grande castelo. Eu
estava a abandonar aquilo tudo, se um dia hei de voltar? Não sei, só o tempo dirá.

Ainda não acredito que sobrevivemos daquela queda de vinte metros.

Me virei e comecei a correr em direção aos campos de milho. A minha capa voava
pelo ar da noite fria, enquanto eu corria. Os gémeos vieram logo atrás de mim. Entramos a
correr em uma vasta plantação de milho. O rei ainda não tinha acionado os seus arqueiros,
ou achava que estávamos mortos, ou nos queria capturar vivos.

Nem tínhamos dado grande distância dos muros, quando vimos dois soldados a
chegar na zona onde havíamos caído.

- Temos mesmo que sair daqui o mais rapidamente possível. – falei eu.

Saímos a correr sem olhar para trás, quando vimos que mais guardas saíram para
nos capturar.

- Escondam-se – falei para os gémeos quando dois soldados passaram por nós.

Estávamos ofegantes com aquela correria toda. Estávamos escondido entre os


milheiros no meio do capim quando um soldado passou por nós, felizmente o breu da
noite nos escondia perfeitamente.

A partir daí, fomos andando agachados muito lento. Demos encontro com alguns
soldados que nos passaram sem ver nada. Estávamos quase fora do campo de milho, ou
seja, um campo aberto onde podíamos ser apanhados facilmente.

Paramos quando um soldado veio na nossa direção.

Oh não! Ele está vindo direito a nós. O quê que faríamos?

Não havia tempo para pensar, se ele nos apanhasse soltaria um alarme e seria o fim.
Quando ele se aproximou o suficiente não pensei mais, gritei:

- Ahhh! – então fui direto para cima dele, dei-lhe uma cotovelada no capacete e um
soco no fucinho.

Retirei a espada dele da bainha, então cortei um pouco na sua coxa. Um pouco não,
foi uma ferida enorme.

25
- Estão a espera de quê? – perguntei aos gémeos que estavam estupefatos – Vamos,
corram!

Eles não responderam, mas saíram a correr logo atrás de mim… Corremos, corremos
e corremos. Saímos do campo de milho sem chamar a atenção dos outros soldados, bem,
deviam estar ocupados com os gritos de dor do outro.

Estávamos quase a chegar no pequeno bosque onde Alan estaria a nossa espera.
Espera… Há um soldado a nossa frente. Eu ainda tinha a espada do outro na mão. Nem
pensei duas vezes. Parti num combate de espada direto contra ele.

Naquele momento enquanto lutava, senti uma chama a queimar dentro de mim. Eu
já tive um monte de aulas de espada, mas foi como se eu lutasse a dezenas de anos. Eu
conseguia antecipar cada pequeno movimento do inimigo como se fosse meu.

Era aquele poder? Era aquilo que o meu pai sentia quando lutava?

Fiz uma defesa rápida, e depois outra e quando o inimigo baixou a guarda, ataquei
com o cabo da minha espada direto na cabeça dele. Ele caiu redondinho no chão. E wau.
Eu me sentia lindamente bem. Mas por quê? Por deixar alguém inconsciente? Não havia
tempo para pensar naquilo.

Entramos no bosque. Sem nenhum soldado atrás de nós, fomos direto ao ponto de
encontro que combinei com o Alan. Quando chegamos, ele não estava lá. Onde estará ele!?

Eu disse a ele para ficar aqui a nossa espera. Será que… O Alan nunca na sua vida
desobediência uma ordem minha. Ele era meu amigo, claro, mas quando eu dizia algo para
ele, ele tinha o prazer de faze-lo melhor do que eu pedi.

Será que ele tinha sido capturado? Será que não conseguiu passar pelos guardas do
portão? Será que ele ficou com medo e não veio?

- Hei. Principezinho, o quê que fazemos agora? Se ficarmos aqui, vamos todos
morrer. – disse Leo.

Eu não soube o que responder. O quê que eu faria agora?

- Vá lá pequeno príncipe, não temos todo tempo do mundo. - avisou-me Lia.

- Eu sei. – disse para eles – Era suposto estar aqui alguém a nossa espera.

- Quem será que… - estava dizendo Lia quando um rapaz meio baixo de cabelo loiro
saiu de alguns arbustos.

26
- Alan! – falei surpreso – Onde é que estavas? Estava preocupado. Por um momento
pensei que não virias.

- Desculpa senhor. – começou a falar Alan – Cheguei aqui a bastante tempo, mas
depois vieram um monte de soldados, e tive que me esconder.

- Então. Trouxeste o que te pedi? – perguntei a ele.

- Claro senhor. - lancei-lhe um olhar – Claro Darwin. Guardei tudo ao lado de uma
clareira ali a frente. Vamos eu mostro o caminho.

Seguimos Alan por um caminho estreito entre as árvores, quando ouvimos alguns
soldados vindo atrás de nós. Aceleramos o passo, mas isso não nos daria muito tempo de
fuga. Quando os soldados nos avistaram, já íamos a metade da clareira. Eles começaram a
correr atrás de nós.

Eram apenas três deles. Nós conseguiríamos dar conta deles. Depois de chegarmos a
algumas árvores, a rapariga de cabelo preto disse para nós:

- Tu, oh loirinho. – falou ela para Alan – tu ficas a frente das árvores e atrais os
soldados. Vocês dois – disse para mim e para o Leo – escondam-se comigo e agarrem
alguma coisa pesada.

Fizemos o que ela mandou. Alan ficou a frente de uma árvore e fingiu estar ferido. Eu
já tinha uma espada na mão. Os gémeos pegaram cada um em uma pedra bem grande.

Os três soldados, eram burros como portas. Eles correram até o Alan, como traças
em uma lâmpada. Quando eles chegaram prontos para agarra-lo, saltamos dos nossos
esconderijos.

Acertei com o cabo da espada na nuca de um, que desmaiou logo. Lia bateu com a
sua pedra bem na cabeça do outro, mas este ainda soltou alguns gritos antes de cair
desmaiado no chão.

Leo não conseguiu, estava naquele exato momento, numa luta feroz com o soldado.
Não pensei duas vezes. Parti direto nas costas dele. Bati com a minha espada nas costelas e
depois acertei com o cabo na sua nuca.

Quando ele desmaiou, Leo pôs-se em pé.

- Ah. Obrigado princesinho. – disse ele para mim.

- De nada. – respondi.

27
Quando olhamos para os lados, o Alan já não estava ali. O quê? Onde é que foi? Não
tarda os soldados iriam nos alcançar. Passaram-se cerca de dois minutos quando ele voltou
com quatro cavalos. Na cela de cada um deles tinha uma mochila. Pegamos cada um em
uma mochila e wau, elas estavam realmente leves. Nem sabia se ele tinha colocado alguma
coisa dentro delas!

Estava a subir para o meu cavalo quando o Leo me pegou no braço e me fez descer.

- O que é que foi? – perguntei a ele.

- Ouve isto. – parei para ouvir, e eram sons de cavalos. – Eu e a Lia nunca subimos em
um cavalo. – disse ele para mim. – Se começarmos a cavalgar agora seremos apanhados
facilmente.

- Então o quê que fazemos? – perguntei a ele.

Ele não deu uma resposta, mas pegou nas rédeas dos cavalos e amarrou uma nas
outras. Os cavalos estavam agora todos amarrados. Ele bateu no da frente que começou
logo a correr.

Assim os cavalos foram todos juntos em direção ao norte. Eles deixaram um rastro
por onde passaram.

Inteligente.

- Agora escondam-se – disse Leo para nós.

Escondemo-nos. Quando um grupo de sete cavaleiros chegou na clareira. Um dos


soldados desceu do cavalo e analisou as pegadas.

- Eles foram para o norte. – disse ele. – Vamos homens. Tu – indicou para um dos
seus homens – Volta e avisa que fomos atrás deles.

Então os soldados foram-se.

Finalmente salvos.

Saímos dos arbustos, sacudimo-nos e olhamos uns para os outros.

- De momento estamos livres. – falei para eles – É melhor andarmos mais um pouco e
acharmos algum sítio para dormir.

Andamos para o interior do bosque, e tivemos o cuidado de apagar o nosso rastro.


Ninguém disse uma palavra. Quando achamos um bom local para dormir, paramos.

28
- Vamos parar aqui para descansar. – disse para os outros. – Pelos vistos teremos que
dormir sobre as folhas hoje.

- Senhor… Darwin – disse Alan – Não será necessário dormirmos nas folha. Coloquei
sacos-cama em cada mochila.

Virámos para abrir as mochilas e vimos o que tinha dentro. Wau! Havia ali comida,
duas mudas de roupa, um par de botas para viagem, um saco de cama e ainda a minha
coroa.

Eu não tinha de estar sempre a usa-la, mas era sempre bom ter por perto. Puxei o
meu saco de cama e me deitei olhando para as estrela. Os outros fizeram o mesmo.
Estávamos exaustos. Fiquei um momento a olhar para o céu. Um monte de pequenas gotas
brilhantes iluminando o céu. Pensei em como havíamos fugido. Como é que seria a minha
vida agora? O quê que faríamos a partir de agora?

Estava demasiado cansado para aquelas perguntas. Já passava da meia noite, virei-
me e fechei os olhos, e caí no sono em menos de nada…

29
Seis
Darwin: O começo da viagem
Naquela manhã acordamos cedo. O sol ainda mal havia nascido e nós já estávamos
de pé. Espreguiçamonos, e comemos um pouco da comida da mochila. Bebemos também
um pouco de água, dos cantis que estavam também dentro das mochilas.

Não tínhamos dormido muito, mas tinha de ser suficiente.

Durante todo aquele tempo nenhum de nós quatro falou nada. Quando pensei bem
nas palavras, virei-me para os outros e notei que os gémeos pegaram nas suas mochilas
para se irem embora.

- Hei! Esperem aí. – falei para eles – aonde é que vão?

- Desculpa pequeno príncipe, mas tu nos ajudaste e nós te ajudamos, agora estamos
quites. – falou Leo.

- Sim. Agradecemos por teres nos salvo – disse Lia – mas agora cada um toma o seu
caminho.

- O quê? – falei para eles – Vocês vão nos abandonar assim?

- Lamentamos e agradecemos. – falou Leo – Mas os nossos caminhos se separam


aqui.

O quê? Eles estavam a mandar-se. O quê que eu faço agora? Não posso deixar que a
minha equipa se separe antes mesmo de se unir.

- Esperem! – falei para eles, e eles pararam – O meu pai anda atrás de mim.

- E o quê que nós temos a ver com isso? – perguntou Lia.

- Vocês têm tudo a ver. – disse para eles – O meu pai sabe que vocês fugiram comigo.
Então também vai atrás de vocês.

- Isso não importa. – falou Leo – Nós vamos para o reino mais distante possível.

- Sim vocês vão. – comecei a falar – Mas a esta hora o meu pai já deve ter alertado
todo exército para nos procurar. Além disso ele domina quase todos reinos ao redor, se
vocês aparecerem em algum lugar, serão capturados na hora.

- Então, basicamente não temos escolha? – perguntou Lia.


30
- Somos obrigados a te seguir, seja onde for que tu vais? – Acrescentou Leo.

- Exato. Eu preciso de vocês e vocês precisam de mim. – disse eu.

Eles ficaram ali parados a pensar. Cochicharam alguma coisa um para o outro. Depois
de um minuto viraram para mim e disseram:

- Já que não temos outra escolha. Ficamos contigo princesinho. – disse Leo.

Eles não paravam de me chamar “princesinho”. Isso era gramatical errado, e a


gramática ainda nem sequer foi inventada.

- Olhem, não podemos ficar aqui muito tempo. – comecei a dizer – Então temos de
começar a andar.

- E para onde vamos? – perguntou Leo.

- Ainda não sei bem. – eu sabia sim – Temos roupas nas nossa mochilas, vamos
trocar-nos e partir em viagem.

- Tu nem sabes para onde vamos. – repetiu Lia.

- Sim. Mas é melhor andar, que ficar aqui parados. – disse para eles.

Ninguém disse mais uma única palavra. Lia se afastou para se trocar. O Alan já estava
a usar uma roupa de viagem. Eu e Leo nos trocamos, ele colocou uma camisa de algodão
castanho claro, calças pretas meio justas e botas castanhas de viagem. Eu vesti
praticamente o mesmo, só a minha camisa era azul que era escura, passou para uma mais
clara.

Guardamos as nossas roupas velhas, e esperamos que Lia voltasse.

Waaaaaau!!! Estava tão linda agora. Estava a usar calças vermelho-marrom botas
pretas até as canelas. Uma camisa castanho claro como do seu irmão, e um colete de couro
preto. Ela tinha arranjado o seu cabelo, que agora pareciam duas cascatas de águas negras
que caíam sobre os seus ombros.

Agora que tinha tirado aquele vestido velho, parecia mais linda do que nunca.

O Alan acertou em cheio no tamanho das roupas de cada um. As vezes eu achava que
ele tinha alguma espécie de poderes mágicos. A sério, as nossas mochilas deviam estar a
pesar uns vinte quilos, mas eu nem a sentia nas costas. Sem falar que tudo parecia encolher
um pouco quando colocávamos dentro delas.

31
Estávamos em um bosque pequeno, havia árvores espalhadas de todos os lados,
capim no chão e folhas caídas.

Já estávamos reunidos e ainda não sabia por onde ir.

- Senhor. Devíamos seguir para sudoeste. - disse-me Alan.

Ele parou por um momento e então disse- Fica na direção daquelas árvores. – indicou
ele para um caminho aberto.

- Ok. Vamos estão? – falei aos outros.

Eles não responderam, mas seguiram todos pelo trilho. Andamos, andamos e
andamos mais. Quando finalmente tínhamos deixado o bosque, estávamos em um campo
aberto, só com capim e alguns arbustos dispersos.

Estávamos praticamente a andar aos pares. Eu e Alan, Leo e Lia. Se agora éramos
uma equipa, tínhamos de começar a confiar uns nos outros.

- Olhem. – falei e todos prestaram atenção – Acho que já estamos juntos a tempo
suficiente para nos conhecermos melhor. Eu sou o Darwin.

- Nós sabemos quem tu és. - disse-me Leo.

- Quem nunca ouviu falar do grande príncipe Darwin? – disse Lia de forma sarcástica.

- Olhem. – falei para eles – Se a partir de agora vamos trabalhar juntos, temos de
confiar mais uns nos outros.

- Sim. É muito fácil confiar em alguém que nem nos diz para onde está a nos levar. –
disse Lia.

- Eh! Por que não nos contas o quê que aconteceu contigo e com o teu pai e talvez
nós comecemos a confiar em ti – falou Leo.

- Bem, é complicado e uma história longa. – falei para eles.

- Acho que temos tempo para te ouvir, princesinho. – falou Leo.

- Bem, tudo começou com o meu bisavô… - contei para eles a história dos bebés
príncipes e das profecias que eram feitas.

- Então. Já recebeste a tua profecia? O quê que diz? – perguntou Lia.

32
Contei a parte da minha profecia que falava sobre destrui o reino e ser a causa da ruina do
meu pai.

- O teu pai se considera ameaçado por ti! – disse Leo admirado.

- Sim. Mas não é só isso. – disse eu para eles. – A profecia do meu pai dizia algo sobre
ele ser jogado na lama, e morrer nas mãos de quem o ama.

Eles ficaram calados.

- Assim sendo. Ele acha que eu irei o matar.

- Oh! Então tu podes matar o teu pai. – disse Lia.

- Ou ele pode matar-me. – acrescentei.

- Isso deve ser muita coisa para processar. – foi Leo a falar – Onde é que vamos? Eu
sei bem que tu sabes, por isso não adianta enrolar.

- Vamos… Para a floresta da morte. – falei receoso.

- O quê? – disseram os dois surpreendido e eles pararam de andar.

- Sim vamos para lá. – acrescentei ainda mais receoso.

- Não podemos, vamos morrer. – disse Lia.

- Somos só um bando de miúdos de quinze anos. – disse Leo.

- Na verdade o Darwin ainda tem catorze. – falou Alan, «que grande ajuda que ele
deu».

- Vamos morrer Darwin. Todos que entraram naquela floresta não voltaram. Os que
voltaram, não viveram o suficiente para contar estória. E os que viveram perderam
completamente o juízo. – repreendeu-me o Leo.

- Eu sei, mas a profecia diz que nós voltaremos de lá. – disse para eles, o que não era
bem verdade, a profecia dizia que eu voltaria.

- Ainda assim não estou convencido. – replicou Leo – O quê que me garante que a tal
profecia está certa e não vai falhar?

- Tenho, duas razões. – falei para ele – Todos os anciãos do castelo dizem que a
profecia do meu avó se realizou tal como disse a harpia.

33
- E então. – falou Lia – A do teu pai não se realizou.

- Bem, talvez não. – falei para eles – Mas não significa que não se realizará. Eu
conheço o meu pai, se ele está tão preocupado com isso é porque realmente acredita que
eu posso destruir o seu reinado.

Eles ficaram todos em silêncio. Pareceu-me que ainda não os convenci.

- Olhem. Eu também não estou feliz com isso. – comecei a falar para eles – Nunca
gostei de estar oprimido e trancafiado naquele castelo, mas nesse momento daria tudo
para não estar aqui. Eu vou ter que lutar contra o meu pai, ele pode ser um rei tirano, mas
continua a ser meu pai.

Eles olharam um para o outro e Leo disse.

- Se eu e a minha irmã morrermos, eu irei voltar e o meu espírito irá atormentar-te


até o fim da tua vida. – disse ele – E já agora, eu sou o Leo.

- Eu sou a Lia, e como já devem ter reparado, somos gémeos.

- Eu sou Alan, sou o fiel servo do Darwin.

- Na verdade ele é meu amigo. – disse eu – Mas insiste em me chamar de senhor.

- Não consigo evitar Darwin, senhor. – disse Alan.

- Vamos andando. – falou Leo – Não podemos ficar aqui parados.

Começamos a andar. Leo estava a conversar com Lia e eu a contar a história da fuga
para o Alan. O clima entre nós estava mais leve, então perguntei:

- Como é que sobrevivemos daquela queda de vinte metros no muro?

- Isso é um assunto que preferimos não falar. – disse Lia.

Ela disse aquilo com tanta seriedade, que não voltei a tocar naquele assunto.
Tínhamos de continuar a andar.

Em direção a morte certa.

34
Sete
Darwin: Por terras áridas
Era de manhã bem cedo e nós já estávamos a andar.

Tínhamos acordado bem cedo, antes mesmo do sol nascer.

Já estávamos em viagem a dois dias. Começamos a aprender a confiar mais uns nos
outros, mas ainda assim, os gémeos insistiam em não me contar, como tínhamos
sobrevivido aquela queda. Era muito estranho duas pessoas normais da vila, terem um
segredo deste, não que eu conhecia o segredo de toda gente, mas aquilo era muito
estranho.

Enfim! Hoje seria um dia difícil. Chegamos na última parte da nossa caminhada.

Temos agora, de atravessar por um pequeno deserto. Não era muito grande, nem
muito difícil de passar, mas haviam lendas. Segundo o que os viajantes diziam, temos que
atravessara-lo em apenas um dia.

Seria um pouco difícil. As lendas diziam que se ficássemos mais tempo do que o
necessário, seríamos atacados por demónios da areia.

O que são demónios da areia? Não sei. Pelos vistos pouca gente deu de cara com
eles, os que deram não sobreviveram, e os que sobreviveram, não conseguiram explicar o
que viram.

A melhor descrição deles é de monstros de dois metros, feitos de areia dos pés a
cabeça. Não tinham garras ou dentes afiados, mas possuíam a força de quinze homens
adultos. Também se dizia, que os seus olhos brilhavam como o fogo ardente de um vulcão.

Eu não sabia se aquilo era verdade. Até hoje a única criatura «sobrenatural» que eu
tinha visto, era aquela harpia tenebrosa.

Chegamos!

Estávamos em uma área em que a erva do chão, parava bruscamente e se


transformava em areia. A nossa frente só conseguia ver areia, areia e um pouco mais de
arei. Dunas e rochas cobriam o imenso deserto que estava a nossa frente, não havia
nenhum sinal de vida, nem pessoas, nem as tais criaturas da areia.

- Então. Vamos? – perguntei aos outros.

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- Não. – respondeu-me Leo – Passaremos todo o dia a andar. Se queremos sair o mais
rápido possível deste deserto, vamos precisar de mais água.

- Eu acho que consigo localizar um riacho aqui próximo. – disse Alan.

- Ok. Eu vou contigo. – falou Leo.

Eles pegaram em dois cantis vazios, e nos deixaram dois cheios. Deixaram-nos
também com as suas mochilas.

Nos últimos dias, o Alan e o Leo, estavam a ficar amigos. Já conversavam e até riam
juntos. Eu achava ser muito bom, mas sinceramente, estava com um pouco ciúmes. Eu não
tinha avançado em nada nas minhas relações com.os outros, o Leo insistia em não falar
comigo e a Lia olhava para mim com um olhar muito suspeito. Parecia que iria me matar a
qualquer momento. Talvez seja porque passei a minha vida toda trancado em um castelo,
ou por ter apenas uma única pessoa para conversar. As outras eram professores,
treinadores ou instrutores de combate.

Nunca tinha ficado sozinho com a Lia. O quê que eu falo!?

– Então, Lia. A quanto tempo tu e o Leo são irmãos? – falei eu com sarcasmo.

– Não tentes nenhum joguinho, oh princesinho. – ela falou para mim com um pouco
de agrecividade.

– Estou só a tentar aliviar a tensão. – disse eu – Não vão mesmo me contar.

– O quê? – disse ela.

– Como é que sobrevivemos aquela queda do muro? – perguntei a ela.

– Eu disse, que prefiro não tocar nesse assunto. – disse ela para mim – Fala de outra
coisa qualquer.

– Que tal se me contasses a vossa tentativa de assalto, que vos trouxe até aqui? –
disse para ela um pouco relutante.

Ela pensou um pouco, e então começou a contar. Contou como tinham traçado o
plano, – era simples, mas eficaz – falou em como entraram na casa do tesouro e colocaram
os guardas inconscientes. Era triste saber em como a vida na vila obrigava até crianças e
adolescêntes a se tornarem ladrões para sobreviver, mas agora, eu não podia fazer nada.

Ela pareceu um pouco feliz, a contar aquilo para mim. Depois de terminar, ela disse:

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– Foi um plano estúpido – disse ela.

– Não diz isso. – falei para ela – pode não ter corrido lá muito bem, mas foi incrível.

– Incrível?! – exclamou ela – Fomos apanhados de primeira e atirados num


calabouço.

– Pensando bem, se não tivessem sido apanhados, não teríamos nos conhecido.

– Sim. Isso é um grande consolo. – disse ela de forma sarcástica.

Passou-se mais um minuto, quando Alan e Leo voltam. Naquele momento eu estava
a conversar com Lia e nunca a tinha visto tão animadae. O Leo passou-me um olhar, que
me assustou mais que harpia.

– Já temos a água, – disse ele – vamos embora.

– Claro. – respondi.

Pegamos nas nossas coisas e começamos a andar. Aquele deserto era muito
estranho. O sol parecia brilhar mais aqui.

Só estávamos a andar a dois minutos, mas já não conseguia ver mais nada além de
areia e pedras. Olhei ao redor e só vi dunas, mas o quê que se passa? Andamos e andamos.
Andamos um pouco mais. Já devíamos estar a andar a cerca de duas horas, e segundo o sol,
já devia ser meio dia.

Estava exausto. Peguei o meu cantil, para beber um pouco de água, mas estava vazio.
O que é a se passa?

– Parem todos. – disse eu aos outros. – algo está mal.

– O meu cantil está vazio. – falei para os outros.

– O quê! – exclamou Leo – Estavam todos cheio quando partimos.

– Sim, mas agora está vazio. – falei para eles – Vejam os vossos.

Os gémeos pegaram nos seus cantis e olharam, Alan ficou parado a olhar o sol.

– Tens razão. – disse Lia – os nossos também estão vazios.

– Sim, temos que fazer alguma coisa, em…

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– Senhor. Darwin. – chamou Alan – Algo estranho se passa. Andei a verificar a nossa
posição, e acho que não nos movemos, um único centímetro.

– O quê?! – disseram os gémeos.

– Sim. Estamos a andar a horas, e continuamos no mesmo sítio. – explicou Alan –


Além disso, desde que chegamos aqui que é meio dia. O sol não avança nem recua um
milímetro.

– A sério? – falei eu – Como é que saímos daqui se nem conseguimos avançar?

– Então é melhor recuar. – disse Leo – Rápido, depois arranjamos outra forma de atravessar
isto.

Demos meia volta e começamos a andar. Andamos pelo que pareceu uma
eternidade, mas na verdade foi só por meia hora, aquele deserto era tão quente e seco,
que eu já nem sentia o meu próprio corpo, só calor e tontura.

Eu estava preocupado com os outros. Eu tinha a pele negra, por isso ia ficar bem por
algum tempo, mas não tarda eles iriam apanhar um escaldão. Eles já estavam vermelhos
que nem tomates.

– Esperem. – disse Alan – Não podemos continuar.

– Porquê? – perguntei – temos de sair daqui o mais rápido possível.

– Mas ainda estamos no mesmo lugar. – disse ele – E eu estou cansadíssimo.

Agora que ele falou, notei que estava exausto. Sem forças para continuar, sentámo-
nos na areia. Não fazia ideia do que estava a acontecer, mas algo dentro de mim, dizia que
vem aí uma coisa terrível.

Estávamos para lá de cansados e não sabia o que fazer. Sentamos de costas, uns para
os outros. Olhei ao redor para ver se arranjava uma solução para o nosso problema.

Quando dei por mim, uma enorme tempestade de areia se formou. Levantei-me de
imediato e os outros fizeram o mesmo.

Não era uma tempestade como outra qualquer. Aquela estava a volta de nós. A areia
girava ao redor de nós, como uma aranha prestes a atacar a sua presa.

Não esperei mais. Peguei na minha espada, e preparei-me para monstros terríveis de
dois metros. Olhei aquele redemoinho de areia a ficar cada vez mais…

38
- O que foi aquilo? – perguntei aos outros.

– O quê? – perguntou Alan.

- Vi alguma coisa se mover debaixo da areia. – falei a eles.

Olhamos todos para, baixo quando a…

- Olhem! – avisei aos outros.

Estavam na areia, um par de olhos grandes e vermelhos. Estavam bem fixados em


nós, e eles pareciam deixar-nos cada vez mais fracos.

Estava prestes a desmaiar quando…

Um monstrinho de olhos grandes e vermelhos saltou em direção da minha cara.


Agarrei-a pelo abdómen e ele se debateu fortemente. Não aguantei mais, atirei a criatura
para o lado. Ela era pequena, cerca de trinta e cinco centímetros. Tinha olhos arredondado
e orelhas pontiagudas, numa cabeça muito grande para o seu corpo.

Os seu bracinhos também eram compridos demais, e as perninhas demasiado curtas.


A pele dele é rija e castanha, parecia feita de areia.

Quando ele se virou para fugir, vi uns pequenos dentinhos na sua boquinha.
Reconheci aquela criatura. Era um gremlin.

Pequenas criaturas da florestas. Este era diferente, parecia ter sido feito para viver na
areia. Se vamos enfrentar aquilo, então seria fácil. Eu nunca tinha visto um pessoalmente,
mas pelo que eu sabia, andavam e caçavam sempre em grupo, por isso aquele pequeno te
não deve estar sozinho.

– Fiquem atentos. Devem haver mais deles! – avisei aos outros.

Só conseguíamos ouvir o som do vento e da areia. Ainda assim havia no ar um


silêncio assustador. Não tínhamos muito a fazer, apenas ficar parados a espera do pior. Isso
era demasiado para nós, éramos só um rapaz de catorze anos, dois de quinze e um de
dezasseis. Sem dúvida não estávamos preparados para uma coisa dessa.

Nós precisávamos de alguém para cuidar de nós. Quando olhei para o Leo e a Lia,
vida questava a ser um menino mimado. Eles cresceram juntos cuidando um do outro e eu
aqui a chorar pela mamã que nunca tive. Peguei a espada com firmeza e esperamos.

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De repente outro deles saltou da areia. Leo pegou nele, e atirou-o ao chão. Saltou
mais um na direção de Lia que lhe deu um murro em cheio. Saltou mais um, depois outros e
mais dois. Eram muitos, estávamos a bater, a atirar e a nos esquivar de todos os lados.

Eram muitos, não iríamos conseguir. Um deles saltou em mim e atingiu o meu braço.
Criou uma enorme ferida. Sacudi o meu braço, e atirei-o ao chão. Saltou outro na minha
direção, virei-me e dei um gancho direito na cara dele. Eles vinhas de todos os lados e me
deixaram mais que ferido, as su pequenas garras eram bem afiadas e fizeram em mim
várias feridas.

Eram muitos. Fiquei tão ocupado que nem tinha notado, um deles a subir pela minha
perna. Sacudi e sacudi mais, quando consegui tira-lo, outros dois já tinham me ferido a
cabeça e o ombro esquerdo.

Estava exausto e magoado. Dei um soco a mais dois deles, mas não aguentava mais.
Eles estavam a saltar da areia, uns atrás dos outros. Era demais para mim.

Estava tão ocupado com a minha luta, que esqueci-me dos outros. Olhei para eles.
Leo tentava proteger Lia, mas era demais para ele, além disso, a Lia se saía bem sozinha. O
Alan estava deitado na areia, a lutar contra três dele.

Eu queria ajudar, mas cinco gremlins atacaram-me. Fizeram mais feridas em todo
meu corpo. Os outros também estavam muito magoados.

Tenho de fazer alguma coisa…

Queria começar a fugir, mas quando olhei para trás, vi Leo e Lia. Cada um com o
joelho direito no chão, as mãos esquerdas bem agarradas e as suas cabeças tocaram uma
na outra.

Não soube o que eles estavam a fazer, mas de repente, os cabelos pretos deles,
pareceram brilhar em um cinzento forte. De repente, uma luz azul e verde se formou ao
redor deles.

Aquilo era tão forte, que afugentou os gremlins. Senti a grandeza, do poder a volta
deles. De repente…

- Ahhhh!!! – gritei.

Aquela energia a sua volta, havia explodido, e me lançado ao chão. Comparado com
os gremlins, eu estava mais do que bem. Eles estavam espalhados pela areia, por tudo que
é lado.

Olhei para Leo e Lia, e eles não estavam assim tão bem. Estavam os dois desmaiados.
Olhei para o lados, Alan estava a se levantar e mais criaturinhas a sair da areia.
40
- Tenho de fazer alguma coisa. – falei para mim mesmo.

O Leo e a Lia estavam desmaiados. O Alan mal se aguentava em pé. Quando vi a


minha equipa aí a lutar pela vida, um chama ardente se acendeu em meu peito.

Levantei, peguei na espada e senti aquele poder a fluir pelas minhas veias. Uns
quinze gremlins saltaram para mim, mas eu também saltei.

Foi como se o mundo todo estivesse em câmara lenta. Aquele golpe, iria decidir a
nossa vitória.

Os gremlins estavam todos em cima de mim, quando eu espetei a espada na areia…

Uma explosão vermelha como fogo atingiu-os a todos, menos no Alan. A explosão
não foi tão forte quanto a dos gémeos, mas foi o suficiente para afastar todos gremlins.

Cai fraco no chão. Vi Alan cair também de exaustão. Deitado, olhei para os lados, via
a tempestade de areia se dissipar. Não só a tempestade, como também todo deserto.

Foi tudo uma ilusão. Aquela caminhada, foi só um truque dos gremlins, para nos
cansar. Vi um montão deles a correr em fuga para os todos os lados. Olhei para a sombra
de algumas árvores e não tinham passado mais que dez minutos, desde que entramos
nesta armadilha.

Já estavam todos inconscientes, eu ia desmaiar também, não tarda nada.

Virei a cabeça e vi. Lá estava ela, a floresta da morte. Não sabia o que me esperava,
mas senti que parte da minha vida estava nesta floresta amaldiçoada.

A minha visão estava a se apagar, quando vi algo espantoso. Vi a silhueta de uma


mulher, e muitos animais detrás dela.

Era uma mulher muito bonita…

Não sabia se ela era amiga ou inimiga, mas eu já não podia fazer nada.

Estamos perdidos…

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Oito
Darwin: A grande Rainha
Fiquei inconsciente por um bom tempo. Quando finalmente acordei, fiquei ali
deitado. Passou bastante tempo, que eu fiquei de olhos fechados. O meu corpo todo doía.
Aquele último golpe que fiz no falso deserto, foi eficaz, mas cobrou muito ao meu corpo. Os
meus ferimentos doíam, mas não tanto, pareceu-me que alguém tinha cuidado deles.

Abri um pouco os meus olhos. Olhei para o teto feito de madeira. Virei a cabeça e vi
que as paredes e o chão também eram feitos de madeira. Não sei como eu tinha chegado
aqui e nesse momento nem queria saber.

Só agora reparei que estou deitado em uma cama. Era tão confortável. Estava aqui
deitado, e já não queria mais me levantar.

Quem me trouxer para cá? Como eu vim parar nesta pequena casa de madeira? O
mais importante; onde estão os meus amigos?!

Sobressaltei-me, mas o meu corpo não me deixou mover. Quando tentei me


levantar, o meu corpo doeu tanto que eu quase desmaiei de novo. O máximo que consegui
fazer, foi olhar para os lados.

Lá estavam eles. Leo e o Alan estavam também em camas ao meu lado, cobertos por
um manto de folhas.

Folhas! O quê? – admirei.

Olhei para mim, e também estava coberto por uma enorme e quente folha. Olhei
para o Alan e ele também já estava acordado a olhar para o teto.

– Alan! Estas bem? – perguntei a ele.

– Não muito bem senhor! Quer dizer Darwin. – respondeu ele.

- Alan. – falei para ele – Sabes onde é que estamos?

– Não senhor. – respondeu ele – Mas parece que alguém cuidou bem de nós.

Olhei de novo para mim, vi que todos os meu ferimentos estavam cobertos por
bandagens. Todinhos. Quem quer que seja, cuidou muito bem de nós. Eu me sentia um
pouco melhor, mas depois de ser atacado por centenas de monstrinhos assassinos, o corpo
precisava de um bom tempo para descansar e recuperar.

– Alan – falei de novo – Sabes o que é que se passa?

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– Não senhor. – respondeu ele – Não faço ideia de onde estamos, nem de como
viemos aqui parar.

Olhei para a outra cama, e Leo estava completamente apagado. Ficamos um bom
tempo ali deitados sem dizer uma única palávra. Depois de muito tempo abriu os olhos,
pôs- se sentado e disse assustado:

– Lia! – falou ele – Onde está a Lia?!

– Não sei. – respondi a ele – Acordamos aqui sem saber o que…

Ele não estava a me ouvir. Levantou-se rápido. Pelos vistos o corpo dele aguentava
mais um pouco.

– Lia! Lia. – gritou ele.

– Estou aqui. – respondeu ela de outro quarto.

O Leo foi a correr para abrir a porta, mas ela disse.

– Não entres Leo. – avisou ela com firmeza. Leo parou de frente da porta.

– Porquê? – perguntou ele.

– Porque estou a dar um banho no meu porco de estimação. – disse ela com
sarcasmo. – Tu sabes bem por que não deves entrar. Eu sou uma mulher e preciso do meu
espaço.

– Ok – respondeu Leo envergonhado – Mas tu estás bem?

– Depois da batalha que tivemos… Estou arranhada, cansada e muito ferida. Não, não
estou nada bem – respondeu ela nervosa.

Depois daquilo, o Leo não disse nada. Voltou para a sua cama, deitou-se e cobriu-se
com a sua folha. Ninguém disse mais nada depois de muito tempo. Ficámos todos deitados
a recuperar durante cerca de uma hora, segundo o Alan…

Estávamos todos demasiado cansados para nos mover. No quarto onde estávamos,
tinha uma janela aberta, e pelos fracos raios solares que entravam por ela, tinha
amanhecido, a não muito tempo.

A serio?! Ficámos um dia inteiro em coma! Uau.

Depois de mais algum tempo, o Leo perguntou:

– Alguém sabe como viemos aqui parar?

43
– Não. – respondi a ele.

– Alguém sabe, quem tratou de nós? – perguntou Leo outra vez.

– Não. – respondeu Alan.

– Então. O quê que aconteceu depois de eu desmaiar? – perguntou Leo.

– Não muita coisa. – disse eu – Depois de tu e a Lia afugentarem uns cem gremlins,
eu e o Alan continuamos a lutar. Usei o poder que não sabia que tinha, e afugentei os dez
que faltavam.

– Aquele deserto acabou mesmo connosco. – comentou Lia do outro quarto.

– Não era um deserto. – falei para ela – Era só uma ilusão criada para nos atrair
direto à morte.

– Malditos. – falou Leo – Passamos horas a andar numa mentira.

– Na verdade, não foram horas. – falou o Alan – Não passou nenhum tempo, desde
que entramos no falso deserto. O tempo também foi uma ilusão.

– Depois disso desmaiamos, e acordamos aqui. – falou a Lia.

– Sim. – respondi a ela – Esperem! Lembrei-me de algo.

– O que foi? – perguntou Lia

Antes de desmaiar, vi uma mulher a se aproximar de nós. – respondi a eles.

– Uma mulher! – admirou a Lia – Talvez foi ela quem cuidou dos nossos ferimentos.

Fiz o esforço de me levantar e caminhar até a janela. Olhei para o lado de fora e …
Wau!

– Lá está ela. – Falei aos outros, que também vieram a janela.

Depois de Olharem para ela, ficaram tão espantados como eu.

– Ela é linda. – disse Lia do outro quarto.

– Acho que devíamos ir até lá fora. – disse Alan.

Vimos as nossa mochilas encostadas em uma parede, mas nem foi necessário. Ao
lado da cama de cada um, havia um par de calças e uma camisa.

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Vestimo-nos. Enquanto me vestia, fui reparando aquele quarto. Não estávamos em
uma casa feita de madeira, mas sim uma casa de madeira. Estávamos dentro de uma
árvore.

– Estamos dentro de uma árvore. – falei eu.

– Sim estamos. E acho que isso não é o mais importante agora. – disse Leo – Lia estás
pronta?

– Sim. – respondeu ela – Posso entrar?

– Claro. – disse Alan.

Ela entrou no nosso quarto e estava linda. Estava a usar um vestido verde, com um
cinto castanho na cintura. Estava também a usar bandagens por todo corpo, mas pareceu-
me magnífica. Estava com os cabelos presos com um elastico, e pareceram estar mais
brilhantes e suaves que o normal. Ela era simplesmente maravilhosa.

Ainda estávamos todos cansados, mas fizemos o esforço de andar apoiando-nos uns
nos outros para não cairmos.

– Ela deve ser mesmo simpática. – falou o Leo.

– É claro que é. – disse o Alan – Algúem tão bonita não pode ser má. Alem disso ela
cuidou de nós, não me parece que vai nos matar agora.

Eu estava a olhar para Lia e queria lhe perguntar como…

– Hei principezinho. Vamos - disse-me Leo e deu-me um olhar desconfiado.

Andamos até a porta. Eu, Alan e Leo, estávamos a usar calças de linho grosso e
castanho e uma camisa de mangas curtas branca.

Quando saímos, vimos que estávamos na florestas. Milhares de árvores gigantes, a


nossa volta. Estávamos em um pequeno pátio com flores e todo tipo de plantas. Estávamos
todos descalços, mas aquilo não nos encomodou.

Andamos até aquela mulher, que estava sentada no chão a colher algumas ervas,
numa pequena horta. Quando nos aproximamos dela, ele lentou-se e virou para nós. Ela
era bastante alta, os cabelos castanhos caíam até metade do abdómen, e as pontas
estavam cortadas com a maior previsão.

A sua pele morena, brilhava sobre aquele sol da floresta. Os olhos eram cor de
âmbar, meio castanho, laranja e dourado. Os seus lábios eram meio rosados. Era a mulher
mais bonita que já vi na vida. Ela usava um vestido lilás, com bordados nas mangas e na
cintura. Era apertado na cintura e largo nos ombros.
45
Ela estava descalça e pareceu-me estar em total sintonia com a natureza.

Eu estava na frente dela. Ela fixou o seu olhar em mim, e eu nela.

– Eu…Tu, ah – eu não sabia o que dizer.

– Esperei tanto por este momento. – disse ela e abraçou-me – Eu estive a


tua espera filho.

Filho? Ela é a minha mãe? Eu tenho uma mãe?

Abracei-a também. Eu nunca tinha abraçado ninguém. Era quente e reconfortante.


Naquele momento senti que tinha todas as respostas para as minhas perguntas. Senti que
estava em harmonia total com a natureza. Sentia-me em casa.t

Lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. Os outros ficaram apenas ali
parados a olhar. Ficamos um tanto de tempo abraçados, sem dizer nada.

Eu tenho uma mãe.

Quando finalmente nos largamos ela olhou para mim e disse:

– Meu filho. – passou a mão em meu rosto – Da última vez que ti vi, ainda eras um
bebezinho.

Eu ainda não sabia o que dizer.

– Andem. Venham comigo. – disse ela, a minha mãe.

Seguimo-la para de trás da árvore casa, o que nos levou a um lago azul. Era enorme,
vasto e lindo. Um lago tão lindo no meio de milhar de árvores. Eu conseguia até ver os
peixes. As aves cantavam e voavam livremente pelas árvores, viam-se também raposas,
coelhos e veados que passavam por nós sem medo.

Era tudo tão lindo e calmo aqui. Sentamo-nos no chão, em direção ao lago e eu
perguntei:

– Esta é tal floresta da morte? – falei eu.

– Sim filho. – respondeu minha mãe – Não é mesmo uma floresta da morte.

– Então, por que é chamada assim? – pergunta Lia.

– É uma longa história, que terei o prazer de contar. – disse minha mãe. – Este lugar,
sempre foi assim bonito. Antigamente, viviam aqui todo tipo de animais, plantas e criaturas
mágicas. Foi a quinhentos anos, quando começaram a chegar aqui humanos, no princípio,
eles pareciam amigos, mas depois começaram a cortar árvores e a caçar animais.
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Quando ela contou essa parte, com sua voz melodiosa, caiu uma lágrima verde do
seu olho. Ainda assim ela continuou.

– Depois disto acontecer, as ninfas das árvores ficaram revoltadas, porque as suas
irmãs árvores estavam a desaparecer. Então com ajuda das harpias, gremlins e todo tipo de
criaturas, começaram a afugentar os humanos. Lançavam todo tipo de ilusões, para faze-
los acreditar que estavam prestes a morrer.

Não demorou, para que rumores começassem a se espalhar por todos os lados. Então
começaram a chamar esta linda floresta, de floresta da morte.

As ninfas deixaram o nome se espalhar, assim mais nenhum humano ousaria entrar
aqui de novo. Ainda assim, muitos tentaram voltar, e não houve outra solução, se não
deixa-los completamente loucos. Os humanos se afastaram e poucos tiveram coragem de
vir até aqui. Então nós fizemos um acordo com as outras criaturas da floresta para
afugentar qualquer humano que se aproximasse daqui. Vivemos assim em paz, durante
vários anos.

Uau. Isso explica muita coisa. A floresta não era assim tão perigosa, mas a maldade
que os homens cometeram contra ela, voltou-se contra eles.

– Isso explica o nome da floresta. – falei eu – Mas, porquê que eu me sinto em casa?
É como se vivi toda a minha vida aqui, e essa é a minha casa.

– Essa é uma história mais curta. – disse minha mãe – A duzentos e quarenta e dois
anos atrás, de uma pequena árvore, nasceu uma ninfa da floresta. Não uma como as
outras, uma que lançava a volta de si, um poder magnífico de criar vida. Ela podia curar
qualquer ferimento, dar vida a animais e árvores. Ela cresceu, aprendeu a usar os seus
poderes, e a cerca de catorze anos e dez meses teve um filho… Tu Darwin.

Uou. Fiquei completamente chocado com aquilo.

– Tu és uma ninfa? – perguntei eu – E tens duzentos e quarenta e dois anos?! Como?

– Sim eu sou uma ninfa. – respondeu ela. – Sim tenho duzentos e quarenta e dois
anos. E as ninfas vivem de acordo as suas árvores. A minha vive cerca de seiscentos anos.
Então, eu viverei cerca de seiscentos anos.

– Por mais incrível que seja, descobrir, que sou metade ninfa da floresta, metade rei
tirano. – disse eu – Porquê? Por que te foste embora, quando eu ainda era um bebê?

Naquele momento, minha mãe olhou para o lado. Vi mais algumas lágrimas
escorrerem de seu rosto.

Ela virou para mim, abraçou-me e disse:

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– Eu nunca quis te abandonar meu filho – disse ela – mas foi necessário.

– Porquê mãe? Porquê?

– Para entenderem o presente, têm de compreender o passado. – falou ela, e


começou a falar:

– Aconteceu quando eu tive duzentos e poucos anos. Estávamos em um grupo de


ninfas, a brincar com alguns coelhinhos, quando fomos chamadas pela rainha. “Entrou um
humano na nossa floresta” disse ela. Eu fui designada para afasta-lo daqui. Era uma tarefa
fácil, eu fui treinada para aquilo.

Quando me aproximei, vi um lindo jovem a montar um cavalo branco. Fiquei


escondida a observa-lo. Fiquei ali tanto tempo, que ele acabou notando a minha presença.
Quando ele olhou para mim, eu fugi. Era suposto eu apagar a memória dele, mas fugi. Olhei
para ele, um belo jovem de rosto fino, pele negra e cabelos castanhos aos caracóis. Tal
como tu.

Para minha sorte, ele abandonou a floresta, sem ninguém o ver. Pensei que estava
tudo acabado, mas ele voltou depois de três semanas. Quando eu o vi da segunda vez,
entrei em pânico. As outras ninfas descobririam que eu não tinha lhe apagado a memória e
sabe-se lá o que fariam comigo.

Daquela vez, ele me viu de novo, e eu fugi, mas desta vez, ele me seguiu. Me
transformei rapidamente em uma árvore. Ele esteve a minha procura por bastante tempo.

Ele foi-se embora, mas voltou depois de uma semana. Desta vez, ele estava a minha
procura. Eu estava a observalo, e como das outras vezes, ele me viu. Desta vez ele
conseguiu agarrar-me antes mesmo de eu conseguir me mexer.. Ele olhou para os meu
olhos, e não disse nada. Quando olhei para ele, percebi o porquê de não conseguir apagar
a memória dele. Eu estava apaixonada.

Desde esse momento ele começou a entrar e a sair da floresta, eu o encobria.


Tivemos vários encontros as escondidas por vários meses, até as outras ninfas descobrirem
tudo. Elas ficaram revoltadas, mas deixaram-me partir com ele, desde que eu não contasse
a ninguém, quem eu era e de onde eu vinha.

Casei-me com ele e éramos felizes, mas ele começou a mudar. Quando eu estava
grávida, notei que ele já não era o mesmo homem simpático, amável e corajoso. O teu avó
acabou por morrer não muito tempo depois.

Então o teu pai se tornou rei, foi quando tudo mudou. Ele já não ouvia o que eu lhe
dizia, o povo começou a sofrer e tu nasceste. Eu estava disposta a enfrentar tudo para fazer
o teu pai se tornar o mesmo homem que um dia foi.

48
No dia em que veio a harpia e viu-te, ela chamou-me em segredo.. Disse-me que eu
estava a ser chamada pela floresta, e que se eu não partisse o meu filho morreria. Falei com
o teu pai, mas ele recusou-se a me ouvir.

Decidi ir-me embora e levar-te comigo. O teu pai não gostou da ideia, mas ainda
assim, deixou-me partir, mas não permitiu que eu te levasse comigo.

Quando eu cheguei aqui, descobri que a árvore da antiga rainha havia acabado de
murchar, por isso ela desapareceu. Então eu fui nomeada rainha da floresta. Desde esse
momento, eu tenho esperado o dia para te voltar a ver meu filho.

Quando ela acabou de contar a história, desatou a derramar um mar de lágrimas


verdes. Era minha vez de abraça-la. Dei-lhe o abraço mais apertado que consegui, e disse:

– Eu não te culpo por isso mãe. – falei a ela – Mas. Tu te arrependes de ter conhecido
o meu pai?

– Não filho – respondeu enquanto me abraçava – Ele é o homem que eu mais amei
na vida, e se vermos bem, se eu não o tivesse conhecido, tu não estarias aqui, meu filho.

Ficamos assim abraçados. Os meus companheiros estavam apenas a olhar. Foi a


minha vez de contar para ela a minha história. Como cresci, conheci o Alan, sobre a
situação do reino, a profecia a fuga em diante. No final de tudo eu pensei:

– Se tu és a rainha, então eu sou uma espécie de príncipe da floresta. – falei eu –


Então por quê que não ficamos aqui ? Eu não teria de lutar com o meu pai, o reino não
seria destruído, nem nada.

A minha mãe lançou-me um olhar de repreensão.

– Não podes Darwin. – disse ela – Eu gostaria de te ter aqui comigo, mas o teu reino
precisa de ti. Do mesmo jeito, que eu tive de voltar para a floresta, tu tens que voltar para o
reino e salvar o teu povo. Tu és o príncipe, isso significa servir ao teu povo, e não permitir
que nada o destrua. Não podes abandona-los assim.

Eu baixei a cabeça. Naquele momento, me senti um menino mimado, que foi a


correr nos braços da mamã, depois de ter tropeçado. Levantei-me, e falei:

– Eu vou. Vou recuperar o meu reino e tornar-lhe um lugar melhor para se viver. –
falei eu.

– Nós vamos contigo – disse Lia.

– E eu nunca te abandonarei senhor. – disse Alan.

– Eu queria ficar, mas tenho um reino a recuperar, e vou agora…


49
– Nem penses. – repreendeu minha mãe – Vocês estão feridos, cansados e
desarmados. Ninguém sai daqui até vocês melhorarem.

Eu olhei para ela, e agradeci com um olhar, eu estava mesmo cansado para fazer
aquela viagem.

- Tenho só mais uma pergunta. – falei – Na nossa luta com os gremlins, o que foi
aquela explosão vermelha que fiz?

- Não sei filho. – respondeu ela – Tu és um mistério biológico, nunca aconteceu uma
ninfa ter um filho com um humano. Sabe-se lá que poderes escondidos tu tens.

Não foi a resposta que queria ouvir, mas serviu de consolo. Eu encontrei a minha mãe

Encontrei a verdade e sou um duplo príncipe. Não tem como as coisa melhorarem…

50
Nove
Darwin: A árvore pesadelo
Passaram-se duas semanas desde que chegamos aqui. Já estávamos noventa e sete
porcentos recuperados, e andávamos a ajudar a minha mãe.

Durante este tempo todo, a minha mãe contou-nos imensas histórias sobre a
floresta, as suas criaturas e os seus perigos. Além disso, andou a dar-nos treinamento. Não
sei como mas a grande rainha da floresta era mesmo boa em luta. Só tínhamos uma
espada, por isso eu continuei o meu treino com espada, a Lia estava a treinar com arco e
flecha, o Alan e o Leo com bastões.

Nos últimos dias havia uma ninfa a espiar-nos. Acho que ela pensa que nós não
conseguimos vê-la. Ela vinha aqui todos os dias, nos observava ao longe de trás de uma
árvore e ía-se embora.

Nós estávamos cada vez melhores na luta, mas ainda assim, as chances de
derrotarmos o meu pai era zero. Eu não sabia o que fazer, mas me pareceu que a minha
mãe tinha um plano.

Está na hora de partir. O Alan voltou a arrumar as nossa mochilas, e como sempre,
estavam leves como uma pena. Reunimo-nos por detrás da árvore grande ao lado do lago.

— Ouçam bem. – disse a minha mãe – A floresta está cheia de perigos e eu não posso
acompanhar-vos. Vocês ficaram muito mais fortes, mas eu sei que não chega para derrotar
o rei.

— Então! Como fazemos? – perguntou Leo.

— Não podemos fazer grande coisa – respondeu minha mãe – Mas se vocês buscam
sabedoria, e uma forma de derrotar o rei, podem perguntar as harpias. — ah não. As
harpias! Elas são assustadoras.

— Onde é que as encontramos? – disse Lia.

— Na zona oeste da floresta, há lá uma montanha de pedras, onde está a entrada do


reino das harpias. – disse ela – Depois dali, passem no reino de Órion, o rei de lá vai com
certeza ajudar-vos.

Ela deu um pequeno abraço no Leo, um no Alan, e na vez da Lia ela disse:

— Tu és a única rapariga, cuida bem dos desses cabeças-duras. – disse a minha mãe.

— Está prometido rainha. – respondeu Lia.


51
Finalmente, ela chegou até a mim, abraçou-me e disse:

— Cuida bem de ti e dos outros Darwin. – disse ela – Volta sempre para me visitar,
meu principezinho.

— Farei isso, mãe – respondi.

— Eu sei que não estarei no momento do teu aniversário, mas leva isto contigo e
abre apenas quando fizeres quinze anos. – falou ela, enquanto me entregava um pequeno
pacote de folhas, bem dobrado.

Acabamos de nos despedir, e começamos a andar. A minha mãe ficou ali, a ver-nos
partir e eu vi que algumas lágrimas verdes se formavam em seus olhos. Deixamos aquele
lugar. Eu ia sentir saudades, porque naquele lugar, eu me sentia em paz, uma paz que
nunca senti na vida.

Paramos por um momento, para Alan analisar a área.

— Não consigo saber para onde vamos. – disse ele – as árvores são muito altas e
fechadas aqui, não consigo ver o movimento do sol.

— É por ali. – indiquei para outro monte de árvores.

— Como é que tu sabes? – perguntou Lia receosa.

— Não sei explicar. – respondi para ela – É como se as árvores me indicassem o


caminho.

— Ok. Senhor príncipe da floresta. – falou ela, sarcástica como sempre.

Quando começamos a andar, ouvimos a voz de alguém a chamar por nós:

— Esperem! – era a voz de uma rapariga.

Paramos e olhamos para trás, vimos a ninfa que andara a nos espiar. Por que ela só
vinha ter connosco agora?

— Esperem – disse ela – Eu posso ir convosco?

— O quê!? – falei eu.

— Tu ouviste bem. – respondeu ela – Eu quero ir convosco na vossa missão.

— Não acho ser boa ideia. – respondeu Alan.

— Sim, tu não estás treinada, nem tens contigo nenhum mantimento. – falou Lia.

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— Eu não preciso. – respondeu a ninfa – Eu sou uma ninfa. Não preciso comer e
durmo para dormir me transformo em árvore, além disso conheço bem a floresta e tenho
meus poderes para me ajudar.

— Ainda assim não sei. – falei eu – Porquê que tu quererias abandonar a tua casa
para ir connosco?

— Eu quero realmente ajudar. – disse ela – Ouvi a tua história, e quero realmente
ajudar.

Olhei para os outros, o Alan e a Lia partilhavam o mesmo receio que eu, já o Leo
estava só parado como uma estátua a olhar para a ninfa.

Ela tinha o cabelo castanho, curto e ondulado até os ombros, a pele morena como da
minha mãe e olhos verdes. Ela estava a usar um vestido verde até abaixo do joelho,
apertado na cintura e aberto nas mangas.

— Não acho que estejas preparada para a viagem. – falei eu – tu estás descalça.

— Eu acho que ela devia ir connosco – falou Leo.

— Porquê Leo? – perguntou Lia.

— Tu ouviste. Ela tem aqueles poderes de ninfa, e… e todo resto. – respondeu Leo. –
Ela pode ajudar-nos.

— Não tenho certeza disso. – falei eu.

— Se vocês não me levarem, posso sempre seguir-vos – falou a ninfa. A floresta é um


espaço para todos e vocês não podem me impedir de andar pela floresta.

— Seguir-nos não é a mesma coisa que dar um passeio pela floresta. — indagou o
Alan.

— Som, não é. Mas eu não estou a vos seguir só estou a ir no mesmo caminho que
vocês, no mesmo local que vocês. Em relação a isso, vocês não podem fazer nada. — falou
a ninfa chantagista — Eu vou para o reino das harpias, então e vocês? — perguntou ela com
sarcasmo.

— Ok. Podes vir connosco. – falei eu por fim.

— Boa! – disse a ninfa – Já agora, chamo-me Ninfadora, mas podem chamar-me


Dora.

— E eu chamo-me Leo… — falou ele dando um passo em frente.

53
— Eu sei quem tu és – disse ela e o Leo ficou vermelho como um tomate.

Eles ficaram a olhar um para o outro de perto, o Leo parecia um pombinho


apaixonado, enquanto ela parecia só constrangida.

— Então! – falou Lia – Vamos?

— Por mim tudo bem, já aqui o pombinho. – falei eu e o Leo recompôs-se.

Começamos a andar, andar e a andar. Era só andar em linha reta até chegar ao reino
das harpias. Ainda assim eram muito perigoso. Segundo a minha mãe, haviam aqui harpias
más, que atacavam qualquer um que entre no seu território. Se uma harpia boa já era extra
assustadora, imaginem uma que vos quer comer ao jantar.

Continuamos a caminhar, enquanto que eu e Alan mantínhamo-nos alerta para


qualquer perigos, a Lia e a nossa “nova parceira” Dora, estavam aos cochichos, o Leo estava
só a observá-las de uma distância segura. O quê que as raparigas conversavam quando
estavam sozinhas e tinham acabado de se conhecer?

Já devíamos ter andado um quarto do caminho, quando decidimos parar para


descansar.

Naquele momento, senti que todos os meus ossos, cobravam-me por uma pausa.
Sentamos ali, e decidimos comer alguma coisa, tínhamos frutos e pão. Comemos, bebemos
um pouco de água e ficamos mais cansados ainda.

Eu estava tão cansado, que quando pestanejei, já tinha…

O sonho do Darwin:

— Ah! – gritei e levantei-me – o que é que se passou, Alan?

Perguntei, mas não recebi nenhuma resposta. Olhei ao meu redor e ainda estava na
floresta. Eu tinha adormecido e eles foram sem mim?! Não estavam aqui.

Comecei a andar e a gritar pelos seus nomes:

— Alan!... Leo!.. Lia!... Mãe… — nenhum deles respondeu.

O quê que se passa, estou sozinho na floresta?!

Não sei porquê, mas comecei logo a correr, corri e corri a procura de alguém.
Enquanto corria, fui gritando o nome dos outros:

— Alan!... Leo!... Lia!... Mãe!... – eu estava desesperado – Pai, socorro!


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Nenhuma resposta. Parei de correr e comecei só a caminhar. Olhei para floresta e
tentei ouvir alguma coisa. A única coisa que consegui ouvir, foi o vento soprando
sinistramente pelas folhas das árvores.

Foi como se todo resto do mundo havia desaparecido. Continuei a andar até ao fim
da floresta. A partir daqui, nem o vento soprava mais.

Sai da floresta e vi o castelo.

— O quê! O que é isso?! – falei assustado.

Vi todos animais da floresta de frente ao reino. Todos mortos. Sangue espalhado por
todo o chão, e um cheiro insuportável a podre.

Tapei logo o nariz com a manga da camisola. Estavam todos mortos, desde um
pequeno ratinho, até o mais grande alce. Foi como se uma fera os tivesse arrastado até
aqui, para os matar, lenta e dolorosamente.

Rasgou as suas barrigas e gargantas, e viu o sangue a jorrar pelas feridas que ele
abrira. Não sei o que tinha feito isto, mas era sem dúvida um monstro.

Fui em direção do castelo, tive que pisar em um monte de carne podre, sangue fresco
e animais mortos. Aquilo foi a coisa mais difícil e assustadora que já fiz na vida.

Depois de atravessar aquele campo de animais mortos, cheguei finalmente na vila.


Não estava lá ninguém, o silêncio era tenebrosamente assustador.

Andei pelas ruas em direção ao castelo, não estava lá ninguém, nenhuma vela ou
tocha estava acesa. Continuei a andar pelas ruas totalmente assustado.

Quando cheguei na zona nobre da vila, pareceu que aquele silêncio que me…

O que é aquilo? – perguntei para mim mesmo.

Havia alguém ali.

Graças a Poseidon.

Vi um homem parado, encostado a uma parede. Ele parecia tão assustado quanto eu.

— Senhor! – chamei por ele – Senhor, estás a ouvir-me?

Ele não deu nenhuma resposta. Aproximei-me bem devagarinho.

— Senhor! – peguei no ombro dele, e ele caiu direto nos meus braços, empurrei-o
para o chão – Ahhhh – gritei.

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Ele estava morto. Alguma coisa com garras afiadas rasgou-lhe as entranhas. A minha
respiração ficou descontrolada, estava todo transpirado e o meu coração mega acelerado.

Virei-me na direção do castelo e lá estavam eles. Minha mãe, Alan, Leo e Lia. Eles
estão… eles estão mortos.

Olhei para frente, eles estavam deitados no chão, com outros milhares de pessoas.

Ajoelhei-me numa poça de sangue fresco, e comecei a derramar lágrimas. Não


adiantava chorar, ninguém estava mais vivo para me ouvir. Ver os corpos de todos que um
dia amei, ali deitados e estraçalhados, deixou-me arrasado.

A minha cabeça latejava de dor, os olhos estavam vermelhos como o sangue do chão,
o meu coração estava a mil batimentos por segundo. Eu estou desesperado.

Me deitei naquele chão ensanguentado e comecei a gritar, mesmo sabendo que


ninguém mais me podia ouvir.

Olhei mais uma vez para o castelo… Vi uma luz. Em um dos quartos, havia uma luz
acesa e uma pessoa a se mover.

Havia alguém vivo? É a minha salvação.

Parti a correr para o castelo, fui… Por cima de todos aqueles cadáveres, em direção
ao castelo.

Passei os portões do muro, depois a porta principal. Fui andando lentamente pelos
corredores, subi escadas passei portas e mais portas. Estava tudo vazio. Os corredores
estavam limpos e escuros.

Cheguei – finalmente – no quarto do meu pai. Empurrei a porta e entrei logo. Então
estremeci. Eu estava assustado, sozinho e com o corpo todo cheio de sangue, vida todas as
pessoas que eu conhecia com o pescoço cortado e pelas marcas que vi na cidade, devia ser
uma Criaturas com garras bem afiadas.

Estava lá alguém. Sentado em uma cadeira muito grande, que não me permitiu ver
mais nada além do braço forte dessa pessoa.

— Olá! – falei assustado para ele.

Ele levantou-se e virou para mim.

— Pai! – exclamei. Queria sair a correr e abraça-lo, mas não o fiz. – Pai, lá fora, estão
todos mortos, pai, mortos.

— Eu sei Darwin. – respondeu ele.


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— Como? Quem fez isso!? Eu estava na floresta, quando adormeci, acordei e
encontrei todos assim, eu não sei o que pode…

— Cala-te Darwin – disse ele para mim – Eu os matei.

— O quê!?! – exclamei completamente assustado.

— Sim filho. Eles ameaçaram o meu reinado, tiveram que morrer e agora é tua vez
querido filho.

Ele começou a andar na minha direção. Tentei fugir pela porta, mas já não estava ali,
só estava uma parede de pedra.

Gritei e gritei mais, mesmo sabendo que ninguém viria em meu socorro. Então parei,
virei para o meu pai a chorar. Ele estava a caminhar na minha direção, e a cada passo que
dava ele se transformava em um monstro. Cresceram nas sua unhas, garras do tamanho de
adagas, os dentes tornaram-se mais grandes e ferozes que os de um leão, os seus olhos
ficaram vermelhos como sangue e pelo cresceu por todo seu corpo.

Eu não fiz outra coisa se não chorar.

Ele agarrou-me pelo braço da e levantou-me pela parede.

— Está na hora de partir Darwin – falou ele para mim com a sua voz de monstro.

Colocou as sua garras no meu pescoço, e foi rasgando lenta e dolorosamente. Senti o
meu pescoço a abrir e sangue a escorrer, mas eu não morria. Ele continuou a cortar o meu
pescoço lentamente.

Senti que a minha cabeça ia…

O sonho de Lia:

Tinha adormecido. Acordei com um enorme susto. Olhei ao redor, mas não vi nada
além de árvores. Árvores e mais árvores por todo lado, mas nada dos rapazes, nem da
Dora.

Levantei-me, e chamei:

— Leo! Estás aí?.

Não recebi nenhuma resposta. Então, comecei a andar. A floresta estava


assustadoramente silenciosa, mas não deixei isso me abalar. Continuei a andar

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vagarosamente, passando cada árvore com cuidado e olhando sigilosamente ao redor, para
ver se localizava algum dos meus amigos.

Estava tão concentrada na minha caminhada, que nem reparei que já estava no fim
da floresta. Olhei para frente e lá estava o reino.

Eu sabia que estava a ser procurada por toda guarda, mas ainda assim comecei a
andar na direção do reino. Eu ia ser cuidadosa, ninguém ia reparar que eu estava lá.

Quando cheguei ao reino, pareceu que o mundo havia reiniciado. De repente aquele
tenebroso silêncio transformou-se no barulho de uma grande multidão . Ouvi barulhos de
carroças, música e muita gente a falar. Fui andando por aquela gente, quando na minha
frente vi, a casa dos nossos pais.

Uma casa branca, acolhedora e grande. Grande demais para estar na zona pobre da
vila, até tinha dois andares. Algo dentro de mim disse-me para não entrar, mas aquilo foi
mais forte que eu.

Peguei no puxador, mas hesitei. Era a casa onde eu nasci, cresci e vivi toda a minha
vida. Eu não precisava bater a porta. Empurrei bem devagarinho, espreitei lá para dentro e
então vi.

Lá estava o eles. Leo, Dora, Darwin, Alan e… Os meus pais. Entrei na sala, muito
relutante. A minha mente me dizia que aquilo era uma armadilha, mas o meu coração só
queria sair a correr e abraça-los.

Fui a correr na direção deles, para…

— Au! - panquei-me em uma espécie de barreira de vidro – O que é isso? Por quê
que vocês estão aqui? Ajudem-me.

Falei para eles, mas eles não responderam.

— O que é que se passa convosco!?

Ninguém me respondeu. Olhei para frente, onde eles estavam, e duma porta entrou
um homem grande, com uma armadura toda preta. Ele tinha uma espada na mão.

— Fujam, vão! – falei para eles – Ou pelo menos lutem. – quando falei isso, já estava
com os olhos cheios de lágrimas.

— É tarde demais para nós Lia. – falou Leo.

— Sim, a nossa hora chegou. – acrescentou Darwin.

— NÃO! NÃO. – gritei enquanto batia com toda minha força no vidro.
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O soldado pegou na sua espada, e picou na barriga do meu pai.

— Não! Para… por favor, para. – chorei para eles.

O soldado deixou o corpo do meu pai no chão, e seguiu para a minha mãe. Eles fez o
mesmo. Espetou a espada na barriga da minha mãe, ela caiu direto no chão.

A seguir foi, Alan, depois Dora e Darwin. Eu estava a chorar, como nunca antes
chorei. Bati no vidro com toda força que tinha, mas nem sequer estremeceu. Quando o
soldado pegou no Leo, ele disse-me:

— Foge Lia, não há nada que possas fazer por nós.

O soldado matou-o. Agora estavam todos mortos, e eu não podia fazer nada. Chorei.
A única coisa que podia fazer, era chorar. Fechei os olhos e caí…

Levantei-me com um enorme susto. Olhei ao redor, estava sozinha na floresta, outra
vez

Desta vez eu sabia o que fazer. Fui a correr em direção a vila e convenientemente, no
caminho encontro um martelo. Cheguei na minha casa, mas desta vez fui pela porta de trás,
assim estaríamos todos do mesmo lado do vidro.

Entrei a correr e…

Eles não estavam aqui. Estavam do outro lado. Como?!

Tentei sair pela porta, para dar a volta, mas a porta já não estava ali. Só havia uma
parede bem sólida.

Virei para o vidro, o soldado entrou por uma porta, peguei no martelo e comecei a
golpear o vidro. Bati, bati e voltei a bater, mas nada, o vidro nem se mexeu.

Dessa vez o soldado estava com uma faca, ele foi picando devagar no peito de cada
um. Primeiro o meu pai, depois minha mãe, Alan, Dora, Darwin e Leo.

Vi-os a morrer outra vez e eu não podia fazer nada. Caí de joelhos e chorei.. Quando
fechei os olhos…

— Ah! – gritei assustada, quando voltei a acordar na floresta sozinha.

Desta vez eu sabia o que fazer, não iria deixa-los morrer.

O sonho do Alan:

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— Ah! – acordei com um grande susto.

Como? Como é que eu adormeço num momento desses? Olhei ao meu redor, ainda
estava na floresta. Estavam também ali adormecidos os outros.

Não… espera. Onde está o Darwin?!

Levantei-me rapidamente e comecei a gritar:

— Príncipe. Darwin! Senhor… — gritei e gritei mais, mas ninguém respondeu.

A minha gritaria fez com que Leo acordasse.

— Leo! – falei para ele – Onde está o Darwin!?

— Foi-se Alan. – respondeu ele.

— Como assim foi-se?! – perguntei a ele.

— Levantou-se, pegou nas suas coisas e foi-se.

O Leo parecia estranho, ele estava mais frio do que o habitual, parecia até um morto
vivo. Não pensei mais naquilo, comecei a correr e a gritar, a procura do Darwin.

— Príncipe! Darwin! Príncipe – gritei bastante, mas ainda assim, não recebi nenhuma
resposta.

Fui a correr. Corri tanto, que as minhas pernas reclamaram de dor, foi então que
cheguei ao fim da floresta, olhei além e vi o reino.

Era pouco provável, mas algo me disse que o encontraria ali. Não pensei duas vezes,
nem pensei nos outros. Neste momento a minha única missão era encontrar o Darwin.

Corri em direção a cidade. O meu corpo estava todo a doer de cansaço, ainda assim
continuei a correr, nesse momento encontrar o Darwin era mais importante que o meu
próprio bem estar.

Quando cheguei na vila, encontrei uma multidão que ia e vinha de todos os lados e
enchia a rua. Penetrei naquele amontoado de gente e comecei a gritar:

— Darwin. Onde estás!

Não recebi resposta. Fui cortando pela multidão, empurrando todo tipo de pessoas e
fui recebendo todo tipo de insultos. Isso não importa para nada, agora a minha prioridade é
encontrar o Darwin.

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Estava a procura, já a um bom tempo, quando decidi parar e analisar a situação a
área e o local. Fiquei ali parado no meio da gente a refletir, quando vi ao longe, um rapaz
negro, de cabelo castanho aos caracóis.

Fui imediatamente a correr na sua direção. Ele não olhou para mim, mas percebeu
que alguém estava a seguilo, então começou a correr. Persegui-o pelas ruas do vilarejo, por
becos, curvas e esquinas, mas não conseguia alcança-lo.

Estava exausto de correr. Pensei no que me iria acontecer se eu não encontrasse o


Darwin. Isso me deu forças para correr mais depressa e alcançá-lo.

Finalmente cheguei até ele. Peguei no ombro dele e virei-o.

— Darwin, estava a tua… — estava eu a falar, mas reparei que não era ele.

Era outra pessoa. O que eu faço agora? Virei-me e vi outro rapaz parecido. Pele negra
e cabelo castanho aos caracóis. Fui a correr até ele. Puxei o seu ombro e também não era
ele. Quando olhei na outra direção, havia outro.

Queria ir a correr na direção dele, mas não fui, porque do outro lado, vi outro. Olhei
para frente, para trás, esquerda e direita, era tudo o mesmo. Estava numa rua rodeado de
um grande grupo de rapazes negros de cabelo aos caracóis.

Fiquei completamente desesperado.

— Darwin!!! Onde estás… — lamentei.

Ajoelhei-me no chão e peguei no peito. Senti uma pequena chama negra a queimar
lentamente no meu peito, corroendo aos poucos meu coração. O que começou a ser uma
pequena dor, foi se alastrando vagarosamente pelo meu interior, espalhando por mim uma
dor insuportável.

A dor era tanta que quando dei por mim, já estava no chão desvanecendo na minha
dor. Abri os olhos de relance, vi parado a frente de mim, meu pai.

— Pai, ajuda-me. Por favor… — pedi a ele.

— Tu não mereces a minha ajuda Alan – falou ele com raiva.

— Pai! Por favor. – implorei a ele.

— Nunca! – respondeu ele – Tu tinhas uma única missão, ainda assim, falhaste. Nem
mereces ser chamado meu filho.

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Ele deu-me as costas e começou a andar. Foi se afastando lentamente, enquanto que
eu sofria a maior dor da minha vida. Eu estava a morrer. Usei as poucas forças que me
restavam para virar a cabeça e vi os meus irmãos mais velhos.

Eles também ficaram só parados a me ver sucumbir a dor. Nenhum deles fez o
mínimo esforço que seja para me ajudar. Senti o fogo que ardia dentro de mim, chegar ao
lado de fora.

Eu ia morrer. É agora.

Como eu deixei isso acontecer? Como fui perder o Darwin?

O sonho do Leo:

Acordei assustado no meio da floresta. A primeira coisa que pensei foi: onde está a
Lia.

Levantei rapidamente, olhei ao redor e não a vi. Estavam todos ali adormecidos,
menos a Lia.

— Lia! Lia. – gritei pra os sete ventos o nome dela – Lia. Onde estás?!

Comecei a correr pela floresta a procura dela. Não vi outra solução se não gritar o
nome dela.

Parei de correr e concentrei-me em ouvir. Depois de algum tempo, ouvi o eco de


uma voz muito baixa a chamar por mim:

— Leo… socorro! – chamou a voz.

Concentrei-me na voz e percebi de onde vinha. Não perdi nem mais um segundo,
comecei logo a correr. Corri tão rápido como nunca corri na vida. Estava ficando sem fôlego
quando ouvi ela gritar de novo:

— Leo, ajuda-me. – gritou ela.

Aquilo foi um impulso para correr ainda mais rápido. A medida em que eu ia
correndo, a voz ficava mais audível. Finalmente saí da floresta e parei. Olhei para frente e vi
o reino. Eu estava a ser procurado como criminoso, mas preferia ser preso e ajudar a minha
irmã. Ela gritou outra vez:

— Leo! Ajuda-me, não aguento mais.

62
Reuni todas as forças que eu não tinha, para correr mais e mais rápido, dei tudo de
mim. A minha irmã precisava de mim, eu não mediria esforços para ajuda-la.

Entrei a correr na vila e já estava quase sem fôlego, quando vida a Lia parada no fim
de uma rua, comlepamente sozinha e assustada.

Logo que dei o primeiro passo na direção dela, uma flexa vinda do nada, lhe acertou
no peito e ela caiu bruscamente no chão. Fui logo a correr em direção dela.

Ajoelhei-me ao lado dela e pus a sua cabeça no meu colo.

— Lia, eu estou aqui, vai ficar tudo bem. – falei para ela.

— Não, não vai. – falou ela sem abrir os olhos – É tarde demais para mim. Tu
chegaste tarde…

Quando ela disse aquela última parte, senti que ela tinha dado o seu último suspiro.
Vi a pessoa mais importante da minha vida, morrer mesmo nos meus braços e eu não pude
fazer nada. Mesmo depois de tanto esforço, eu cheguei tarde.

Comecei logo a chorar, não havia outra coisa a fazer, agora que perdi toda minha
família. Eu não a tirei do meu colo, queria ver o seu rosto mais uma…

— Leo! – ouvi a voz de um homem chamar por mim.

Olhei para trás do nada tinha aparecido uma multidão, de repente todas pessoas
tinham aberto o caminho para duas pessoas. Um homem alto de cabelo ruivo avermelhado
até o queixo e uma mulher de cabelo preto, até a cintura.

— Pai!? – exclamei admirado.

— Tu falhaste Leo. – disse ele – Prometeste que irias protege-la sempre, mas viste-a
morrer nos teus braços.

— Eu fiz tudo o que podia. Dei tudo de mim para salva-la, mas…

— Mas não chegou. – disse minha mãe – Tu podias ter feito mais, mas não fizeste,
deixaste a tua irmã morrer. – falou ela.

— Mãe, eu… ah… não – eu não sabia o que dizer.

— Deixaste-a morrer, boémio! – gritou alguém na multidão.

— Não prestas para nada. – falou outro.

— Tu merecias morrer, em vez dela.

63
As pessoas foram gritando todo tipo de ofensas para mim. Eu fiquei apenas ali
parado, ajoelhado no chão, enquanto via os meus pais irem-se embora, me dando as
costas.

— Ah!!! – gritei.

Eu estava de novo na floresta.

Desta vez não vou deixa-la morrer. Eu vou salva-la…

O sonho de Ninfadora:

— Ah!

Acordei com maior susto que já tive em toda minha vida. Levantei-me rapidamente,
olhei ao meu redor, e… oh não! A floresta toda estava em chamas.

Havia um enorme fogo, em todas as direções em que eu virava. Pensei rápido e:

— Tenho de salvar os meus amigos. – falei.

Quando olhei para o chão e a minha volta, eles não estavam ali, então só havia uma
coisa a fazer, salvar as árvores e as outras ninfas.

Comecei a correr pela floresta a procura das outras ninfas, chamei pelos nomes delas
uma vez e outra, mas nada. Não recebi nenhuma resposta.

O fogo estava a se espalhar por todas as árvores. Vi os animais a correrem assustados


por todos os lados.

Tinha que chegar as árvores espirituais, para salva-las. Se essas árvores queimassem,
todas as ninfas desapareceriam.

Corri o mais rápidos que consegui. Depois de alguns minutos a correr, reparei em
algo estranho. Já estava a correr a um bom tempo, mas pareceu que nem sequer saí do
mesmo lugar.

Olhei bem a minha volta e reparei que estava no mesmo lugar, onde eu tinha
acordado. O fogo estava a alastrar-se, e a queimar tudo a minha volta. Algo me pareceu
estranho. O fogo se espalhava por todo lado, menos na minha direção.

Não pensei mais naquilo. Comecei a correr de novo. Corri, corri, corri, corri e corri
mais um pouco, mas quando parei ainda estava no mesmo lugar.

64
Eu não podia desistir. Levantei e corri noutra direção. Fui correndo e olhando para as
árvores que estavam ao meu redor, mas ainda assim pareceu-me estranho demais. Eu
nunca tinha visto estas árvores antes.

Eu só tinha oitenta e sete anos, mas vivi toda a minha vida nesta floresta, eu conhecia
este lugar como a palma da minha mão.

Quando parei de correr outra vez. Vi que não tinha me deslocado nem um milímetro.
Eu estava desesperada. Sozinha em uma floresta em chamas. Sentei no chão e me encolhi.

Senti as lágrimas encherem os olhos. Eu não podia fazer mais nada. A minha árvore
provavelmente já estava a queimar e eu iria desaparecer não tarda nada.

Pensei nos amigos que eu acabara de arranjar. Eu cresci sozinha. Ninfas não tinham
pai ou mãe, somos só todas irmãs. Ainda assim a minha vida foi muito solitária, por não
conviver muito com outras ninfas. Passei toda vida a treinar meus poderes, para que um dia
eu me tornasse rainha.

Os meus sonhos agora estavam destruídos.

— Não. — gritei para mim mesma — Uma rainha nunca desistiria de salavar a sua
casa.

Não vou desistir agora. Levantei-me, sequei as lágrimas e fechei os olhos. Corri na
direção do fogo com os olhos fechados.

Corri e corri mais. Em condições normais já teria batido em umas vinte árvores, mas
não panquei.

Quando abri os olhos, estava em uma área diferente da floresta.

— Boa! – falei para mim mesma.

Olhei a volta, o fogo continuava a crescer cada vez mais, mas por alguma razão eu
não senti nenhum calor. Vi o fogo aproximar-se das árvores espirituais, elas ainda estavam
bem, mas não por muito tempo. Tenho que fazer alguma coisa.

Fui a correr na direção do lago, talvez encontre lá a rainha, se não, eu mesma apago
aquele fogo.

Fui o mais depressa que consegui até chegar ao lago. Fui em direção à árvore da
rainha, empurrei a porta com a maior brutalidade, mas não estava lá ninguém.

Eu tinha de fazer isso sozinha. Sai dali e fui para o lago. Quando cheguei, até os
peixes tinham desaparecido e a água do lago estava na metade.

65
Fiquei parada de frente ao lago e tentei usar um feitiço para mover a água até as
árvores. Fechei os olhos, e me concentrei no poder que havia dentro de mim. Fiquei ali
parada por algum tempo.

Levantar aquela quantidade de água não era para qualquer principiante. Até eu, só
conseguia mover no máximo, um litro.

Eu tinha fé em mim mesma. Eu iria me superar e conseguir levar água suficiente para
apagar o fogo.

— Eu consigo. Eu consigo. Eu consigo. – fui repetindo para mim várias vezes, até
mentalizar aquilo.

Quando me senti preparada para agir, abri os olhos, olhei para a água e gritei:

— Yaguarium! – nada aconteceu. – Yaguarium, yaguarium.

Nada. Eu não consigo fazer algo tão grande como aquilo, até a própria rainha teria
dificuldades.

Olhei para o fogo, que estava quase a chegar nas árvores espirituais, soube logo que
eu não podia fazer nada. Eu iria ficar aqui, parada a olhar tudo o que amo desaparecer, por
eu ser forte como uma folha murcha.

Comecei a derramar lágrimas verdes. Senti o meu mundo acabar pouco a pouco.
Uma voz dentro de mim, começou a recitar um poema, com uma voz baixa e tenebrosa:

Choro da noite e tristeza completa

Lágrimas da lua caem como cometas

Nuvens negras dão ao costas ao céu

Dócil terror nos olhos do réu

A torre desabou em intolerância

Derrubou cada tijolo de malícia

Tronco sobre tronco não sobrou

Da pura paz, que outro mostrou

66
Firme! Cabeça erguida

Amor, alegria? Nada

Mágoa e dor é o que lhe levanta

Negra e conistra aura da floresta

Olhos negros não refletem alma

Maldade pura em incomodante calma

Eternamente vagueando sem norte Sepultado nesta floresta da


morte.

Disse a voz sinistra no meu coração. Ainda acrescentou:

Tu não consegues salvar ninguém.

— Eu não consigo salvar ninguém. – Caí de joelhos no chão e comecei a chorar.


Chorei e chorei, mas depois percebi que isso não serve de nada.

Limpei as lágrimas, levantei-me e gritei para o céu:

— Eu vou apagar este fogo. Nem que tenha de transportar uma caneca de água de
cada vez.

Fui a correr até a árvore da rainha, entrei, encontrei uma caneca e voltei a correr.

Quando cheguei de frente ao lago, peguei na caneca pronta para fazer a maior
loucura da minha vida, quando senti os meus poderes voltarem.

Larguei a caneca, olhei para o lago e gritei:

— YAGUARIUM!

As minhas mãos começaram a brilhar azul, mas antes que qualquer coisa
acontecesse, vi uma luz branca muito intensa brilhar do céu.

Levei os meus braços ao rosto para cobrir os meus olhos, quando…

67
Dez
Ninfadora: Apenas uma chance
— Ah – gritei.

Acordei com muitas dores, no que me parecia ser o chão da floresta. Como!? Quando
eu dormia, me transformava em uma árvore…

Não sabia o que tinha acontecido, mas uma voz em mim, continuava a dizer-me para
levantar. Levantei lentamente e…

— Au! – estava tudo a doer. Até a minha cabeça doía, nos meus oitenta e três anos
de vida, a cabeça nunca me doeu.

Fiquei sentada e fui abrindo os olhos lentamente, senti uma tontura gigantesca.
Quando abri completamente os olhos, estiquei-me um pouco e quando virei-me, vi quatro
pessoas deitadas no chão.

Fiquei assustada quando vi aquilo. A minha memória estava cheia de lapsos, por isso
demorei algum tempo para me lembrar de quem eram eles, mas depois…

— Ah! Amigos! Vocês estão bem? – engatinhei até onde a Lia estava deitada.

Peguei-a nos ombros e abanei-a para ver se ela acordava, mas nada.

— Lia, lia acorda! – gritei por ela, mas ela não acordou.

Isso seria o suficiente para acordar um humano, porquê que ela não acordou? Eu fiz
de tudo…

— Ah não a floresta estava toda a arder!

Virei-me depressa para ver, mas estava tudo calmo. Os pássaros cantavam, as
abelhas zumbiam e as árvores abanavam lentamente ao sabor do vento.

O quê que se passa?

Eu lembro-me exatamente da floresta a arder. Eu iria apagar o fogo, mas depois veio
aquela luz estranha e… Não sei. Não aconteceu mais nada depois da luz.

Eu acordei aqui no meio da floresta, os meus amigos estavam deitados no chão,


nenhum deles acorda, será que?

— Ah não! Só pode ser…

68
Olhei ao meu redor e fui caminhando na direção a uma clareira. Quando cheguei
vi… A árvore pesadelo.

Uma grande árvore com o tronco completamente branco. Fazia lembrar uma enorme
mulembeira ou um carvalho, carregado de folhas azuis e os frutos… Eram bolas de vidro,
que revelavam dentro si, um conjunto de pesadelos de todos que já passaram por aqui.

Havia rumores de uma árvore assim, mas eu nunca acreditei que existisse mesmo.
Voltei a correr até onde os meus amigos estavam, o que não foi muito difícil porque eles
estavam a cinco passos dali.

Tentei acorda-los de novo, mas não deu nenhum resultado. Não me ocorria nada que
eu pudesse fazer, por isso fui até onde o Darwin estava coloquei as minhas mãos na sua
cabeça e concentrei toda minha energia nela.

Não sabia bem o quê que eu estava a fazer, mas talvez isso acordava-o, ou pelo
menos…

Acordei com um pequeno susto dentro de uma casa, um pouco escura. Fui em
direção a porta, abri e quando olhei para fora, o seu estava escuro e avermelhado. Isso não
era o pior.

Estava um monte de cadáveres ali fora e quando olhei para o lado, vi um rapaz
assustado encostado em uma parede. Ele estava a tremer de medo.

Eu estava dentro do sonho do Darwin. Pensei em ir logo a procura dele para sairmos
daqui, mas quando avancei um pouco, vi que o rapaz choroso na parede, era o Darwin.

Nunca pensei vê-lo naquele estado, mas quando o reconheci fui logo a correr ao seu
encontro. Ele estava encolhido com a cabeça para baixo e sentado numa possa de sangue
do seu sonho.

Quando cheguei ao pé dele, aproximei-me lentamente e chamei por ele devagarinho:

— Darwin, és tu? – chamei por ele.

Ele levantou a cabeça, e vi o seu rosto melancólico cheio de lágrimas e o seu cabelo
ensopado. Quando me viu, levantou rapidamente e abraçou-me.

— Graças a Zeus! Alguém está vivo. – falou ele.

— Darwin, ouve-me – falei para ele – isto é um sonho que só vai desaparecer se tu
fores mais forte que o teu maior medo.

69
— Não! Eu não consigo. – começou ele a falar – Estão todos mortos, estou sozinho e
vem aí um monstro.

— Darwin! – falei para ele – Tens que acordar e salvar os outros.

— Eu não consigo. – afirmou ele chorando – Eu nem consigo salvar a mim mesmo,
como é que vou salvar os meus amigos, o meu reino, a minha mãe…

— Isto é tudo uma mentira Darwin. – falei para ele – Isto não é real. Tu consegues
salvar todos, mas tens de voltar comigo para a realidade.

— Não eu…

Ele olhou para o lado em direção a um castelo, e segurou com força o meu pulso e
começou a correr.

— Darwin, o quê que se passa, por que estamos a correr? – perguntei a ele.

— Corre Dora, apenas corre. – falou ele para mim.

Não sabia o porquê, mas corri o mais rápido que consegui atrás dele, e foi quando
reparei o quão assustador era o seu sonho.

Haviam nuvem negras que cobriam um céu completamente vermelho. Vermelho


como o sangue. Havia também pessoas e animais mortos por todo lado.

Eu sabia que nada daquilo era real, mas fiquei completamente perplexa com aquela
horrível cena. Quando olhei para trás, vi que estávamos a ser perseguidos por monstro que
corria ao nosso encalço a toda velocidade.

Ele era do tamanho de homem adulto, tinha as pernas com o formato as de um lobo
e os braços que pareciam ser de uma pessoa, só que cobertos com imensos pelo e os dedos
terminavam com garras do tamanho de facas. O corpo era todo coberto de pelos e os olhos
assustadoramente vermelhos.

Olhei de novo para a criatura que corria de quatro patas e vi um rosto semelhante ao
de um homem. Olhei também na cabeça e os seus pelos pareciam-se muito com cabelos
cacheados, como os do Darwin.

Eu sabia bem o que tinha de fazer para sair daqui. Peguei no braço do Darwin e
puxei-o para que parasse de correr.

— Vamos Dora! Temos que fugir agora. – lamentou ele.

— Não! Temos que enfrentar aquela coisa, ou isto nunca vai acabar. – falei para ele.

70
— Não Dora, não conseguimos enfrenta-lo. Não podemos.

— Tem de ser Darwin. Tem de ser – supliquei a ele – se quiseres salvar os nossos
amigos tens de enfrentá-lo.

— Não! Não, não. – ele empurrou-me.

Quando tentei avançar de novo até ele, vi aquela luz branca muito forte outra vez.
Levei os braços até os olhos e…

— Ah!

Voltei a acordar no chão da floresta e como da primeira vez, me doía o corpo todo.
Antes de levantar olhei para o Darwin, e eu tinha conseguido lhe acordar… Mais ou menos.

Ele estava a delirar. Ele ia de um lado para o outro, sem ter consciência do que estava
a fazer. Ele também por vezes gritava – não! Socorro! Sai, sai! – e me pareceu muito
assustado.

Virei a cabeça e olhei para trás, então vi aquela arvora, majestosamente aterradora.

Se não consigo acorda-los, vou cortar o mal pela raiz.

Puxei a espada da bainha, no cinto do Darwin – o que foi bem difícil, porque ele não
parava com os pontapés e empurrões.

Sair daquele pesadelo, deixou-me mais que cansada. Ainda assim, peguei a espada
com todas as forças que me restavam e fui a correr em direção a árvore. Quando cheguei,
reuni todas as forças que me restavam para levantar a espada e bati com toda força no
tronco da árvore.

Aquilo não causou nem um arranhão. Por isso bati, bati e bati outra vez. Nada! Nem
um só arranhão.

Coloquei a ponta da espada no tronco e pressionei para ver se cria um pequeno


buraco, mas… O que é isso?

Senti alguma coisa. Pareceu-me que esta árvore estava viva. Não viva como as outras,
eu senti como se houvesse um coração a bater dentro daquela casca dura.

Encostei a mão no tronco e senti mesmo um coração a bater… dei logo um passo
para trás porque aquilo é assustador.

71
Não sabia mais o que fazer. Olhei para trás e vi o Darwin a delirar e os outros
desacordados, então soube logo que não havia outra escolha. Tinha que usa-lo.

Afastei-me um pouco da árvore e reuni o pouco de poder que restava dentro de


mim. Aqui na floresta, era proibido aprender feitiços de destruição, mas ainda assim
aprendi um as escondidas e eu ia usa-lo.

Levantei as minhas mãos em direção da árvore e gritei com toda a força:

— Morium. – uma luz vermelha intensa sai das minhas mãos e atingiu o tronco.

Aquilo causou uma explosão tão grande, que lançou de costas para as árvores, ao
lado dos outros. Bati com as costas no tronco de uma árvore e caí.

Demorei um tempinho para levantar a cabeça e ver que eu tinha feito um buraco na
árvore. O que me deixou aterrorizada, porque aquela árvore sangrava.

Sim a árvore estava a deitar sangue. Uma estranha luz lilás vinha de dentro do buraco
que eu tinha criado e consegui ver uma pequena parte do que havia lá dentro. Haviam
veias na casca de dentro da árvore.

Eu tinha que destruir o coração daquilo, mas não conseguiria voltar a levantar. Como
não havia outra coisa a fazer, comecei a chamar:

— Darwin! Darwin. Darwin – chamei por ele, mas ele não fez mais nada além de
sussurrar para, para com isso. – Darwin, Darwin.

Não conseguia fazer mais nada, por isso continuei a chamar:

— Darwin! Darwin…

72
Onze
Darwin: O coração
— Corre. Corre Darwin, corre! – falei para mim mesmo.

Estava frenético, a correr como um louco para fugir daquele monstro. Já não sabia o
que fazer, eu já fui morto por aquela fera trinta e seis vezes.

Não quero experimentar isso de novo. Aquela coisa cravava as suas garras no meu
pescoço e rasgava lentamente. Eu via o meu sangue escorrer pelo meu corpo, sentia a dor
da morte se acumular no meu coração.

Quando sentia a morte chegar, eu simplesmente reaparecia no meio da vila e tinha


que viver o mesmo tormento, vezes e vezes sem conta. Já tentei espetar uma faca no meu
peito, para ver se morria, mas voltei a aparecer. Era sempre o mesmo sofrimento.

Neste momento, já não consigo mais correr, mas tenho que continuar. Se aquele
monstro me agarra outra vez eu… O pior é que eu sabia que aquele monstro é o meu pai.

A Dora esteve aqui, mas foi-se sei lá para onde. Ela disse que isto era um pesadelo,
mas não consigo entender.

Eu já tinha medo do meu pai, de ver toda gente que eu conheço morrer na minha
frente, mas por quê que o meu pai era um monstro? Eu nunca o imaginei ele como um
monstro.

Continuei a correr, quando me apercebi que aquilo não me levaria a lado nenhum. Se
isto era mesmo um pesadelo, eu tinha de enfrentar o meu medo.

— Não consigo! – falei para mim mesmo.

Eu tinha que fugir. Eu tinha que…

— Darwin! – ouvi alguém me chamar. – Darwin, Darwin.

Era a voz de uma rapariga. Eu não sabia de onde vinha, mas ela continuou a chamar:

— Darwin, ajuda-nos! Por favor. – implorou a voz. – Precisamos de ti. Salva-nos.

Não sabia de quem era a voz, ou de onde vinha, mas me fez perceber que era
estúpido continuar a correr. Eu iria sempre ser apanhado.

Parei no meio de uma rua cheia de cadáveres e virei-me em direção ao monstro. Ouvi
aquela voz me chamar outra vez:

73
— Darwin, ajuda-nos! – disse ela.

Olhei para aquele monstro e soube que nunca teria hipóteses, mas ainda assim
peguei em uma pedra no chão e me preparei para o que vinha.

Lágrima escorriam pelo meu rosto, ainda assim, permaneci firme e confiante. Quando
a criatura estava a uns quinze metros, preparei-me para…

O que é aquilo?

Veio uma luz branca muito intensa do céu, foi quando larguei a pedra e…

— Au! – exclamei, porque senti todo meu corpo a doer.

Respirei fundo e abri os olhos. Olhando para cima, reparei as copas das árvores, por
isso notei logo que estava em uma floresta. Porque quê?

O meu corpo estava todo a doer, desde uma unha até o último fio de cabelo.

Não me lembrava de muita coisa, mas algo dentro de mim me dizia que havia algo
muito importante para fazer, eu não sabia o quê. Tentei buscar pelas poucas recordações
que me restavam, mas ainda assim…

— Darwin, finalmente acordaste – ouvi alguém dizer.

Virei a minha cabeça para o lado e vi encostada numa árvore, uma rapariga estranha
e cabelo castanho curto.

O quê?

Ela pareceu ainda mais exausta que eu.

— Porque quê que nós estamos aqui? Quem és tu? – perguntei a ela.

— Isso não importa agora. – respondeu ela. – Agora só tens que destruir aquela
árvore. – ela apontou para uma árvore no meio de uma clareira.

Quando vi aquela coisa… Wau! Como é que eu não havia reparado naquilo.

— Rápido Darwin. Tens que destrui-la. – disse a rapariga – As nossas vidas dependem
de ti.

Ela desmaiou e caiu no chão logo em seguida.

O quê?

74
A vida de alguém dependia de mim e eu estava aqui deitado sem conseguir mover o
meu corpo. Fiz todos os possíveis e impossíveis para me colocar de joelhos, mas cai logo em
seguida.

Não sabia porquê, mas o meu corpo estava acabado. Tentei levantar de novo, mas
desta vez só consegui ficar na posição de um gato.

Não importava, eu ia engatinhar até chegar aquela árvore.

Não tinha avançado nem meio metro, quando olhei para trás e vi mais três pessoas
deitadas no chão. Uma delas era uma linda rapariga de cabelos pretos e compridos. Wau.

Não sei o porquê, mas aquilo deu-me coragem e força para me levantar.

Eu tenho que salva-los.

Levantei-me, mas não consegui fazer nada mais do que caminhar devagarinho.
Durante o caminho até a árvore, ouvi na minha cabeça as palavras que a rapariga na árvore
me disse:

As nossas vidas dependem de ti.

Quando me aproximei da árvore, reparei numa espada caída no chão.

Que conveniente!

Peguei na espada, mas foi muito difícil levanta-la. Quando finalmente consegui
levantar a espada, fui em direção da árvore e quando cheguei.

Wau! O tronco da árvore era branco brilhante como prata, as folhas azuis e os frutos
em pequenos globos de vidro, onde dentro podia-se ver pequenas nuvens negras que
revelavam o pesadelos de pessoas que por aqui passaram.

Eu quase que sentia remorso em destruir algo tão bonito, sem ao menos saber o
motivo. Olhei outra vez para trás e revendo aquela rapariga bonita, decidi que iria destruir
aquela árvore der por onde der.

Vi marcas de queimaduras e um buraco na casca da árvore, estava a escorrer sangue


daquele boraco, parecia que haviam veias na parte interna da árvore. Quando toquei na
árvore, senti algo tão estranho, que retirei a minha mão logo em seguida.

Senti alguma coisa bater lá dentro. Voltei a colocar a mão na casca da árvore e senti
mesmo um coração a bater.

Tenho que acabar com isso.

75
Quando olhei de novo no buraco, vi que a árvore estava a regenerar-se, o buraco ia
fechar não tarda nada. Fiquei relutante em entrar naquela árvore, mas quando vi de novo
aquela rapariga linda de cabelos pretos, não hesitei e me atirei para dentro do buraco.

Foi uma má ideia pular para aqui. O buraco acabou de se fechar atrás de mim e eu já
não tinha como sair. O meu corpo cobrava-me cada movimento que eu fazia, com uma dor
indiscritível.

Agora que eu estava aqui dentro, não havia outra coisa a fazer, se não arranjar uma
forma de matar aquela árvore do demônio.

Olhei para cima e vi no final do tronco bem acima de mim, um coração de verdade.
Ele batia como um coração humano, não estava ligado per veias e artérias, mas sim por
algumas vinhas e lianas.

Reuni todas as forças que me restavam, para trepar até lá e matar aquela árvore.
Peguei na espada, coloquei na bainha do meu cinto e comecei a trepar.

A medida que ia subindo falei:

— Chega de atormentar os meus amigos árvore demoníaca. – falei para ela.

Não sabia como é que eles eram meus amigos, apenas sabia que são.

A resposta da árvore foi um conjunto de lianas que vieram sabe-se lá de onde e


começaram a me prender. Depois de alguns segundos eu estava completamente preso.

Já não tinha força suficiente para sair daqui. Aquelas pessoas lá fora que eu achava
que eram meus amigos iriam morrer e eu ficaria sepultado aqui nesta árvore.

Baixei a cabeça e perdi toda esperança que tinha. Pensei naquela rapariga de cabelo
curto, ela tinha feito o buraco na árvore, ela esgotou todas as suas forças para que eu
pudesse destruir esta árvore e salvar-nos a todos.

Pensei também naquela outra rapariga de cabelo preto e comprido. Eu tenho que
salva-las. Não importa como, mas eu tenho que salva-las.

Naquele momento, senti um pequeno fogo arder no meu coração e espalhou-se


rapidamente por todo meu corpo. Senti uma força sobrenatural tomar conta de mim.

Fiz força e arranquei as lianas que prendiam os meus braços, agarrei nas paredes
internas da árvore e puxei também as minha pernas. Arranquei o resto da vinhas do meu
corpo e continuei trepando até o coração daquela coisa. Tive de usar uma das minhas mãos
para trepar e outra para pegar a espada e acabar com as vinhas que vinham na minha
direção para me prender.

76
Quando cheguei, mais vinhas vieram para me amarrar, não dei tempo para elas. Olhei
no coração azul daquela árvore, puxei a minha espada e pulei para trás, deferindo um golpe
em cheio no coração da coisa.

Depois daquilo, caí – obviamente – bati com as costas na base da árvore e senti todas
as dores que tinham desaparecido, voltarem para o meu corpo.

Vi em cima de mim aquele coração sinistro parar de bater, logo ele começou a
murchar e a ficar preto. Não só o coração, mas toda árvore escureceu. A luz roxa que havia
aqui dentro, foi perdendo o seu brilho. De repente lá em cima se acendeu um fogo negro.
Aquele fogo do inferno foi queimando a árvore de cima para baixo e eu seria queimado
com ela.

Tenho de sair daqui agora!

Se eu ficasse aqui, seria queimado e iria para o submundo com esta árvore maldita,
mas o buraco por onde eu entrei já não estava aqui. Como é que eu saio?

Além disso, o meu corpo já não consegue fazer nenhum movimento. Senti a morte a
aproximar-se a medida em que aquela chama descia lentamente. Não soube o que fazer.

Vi a minha vida toda a passar-me pela frente, o que não foi muito, porque eu não me
lembrava de quase nada.

Peguei nas poucas recordações que me restavam e fui enumerando. Acordei na


floresta. Uma rapariga estranha que eu não conheço mandou-me destruir uma árvore
maligna. Saltei para dentro de uma árvore demoníaca em direção da morte. Vi uma
rapariga lindíssima, com quem não tive a oportunidade de falar… A rapariga!

Da última vez que pensei nela, fiquei com uma força sobrenatural. Eu não posso
morrer aqui. Eu consigo sair dessa.

Levantei-me, peguei na espada e golpeei a casca da árvore por dentro. Fiz aquilo com
toda a força que me restava, mas não foi suficiente. Aquele fogo negro estava a se
aproximar e a árvore não sofreu nem um arranhão.

Estava a perder as esperanças, quando pensei de novo na rapariga e senti aquela


força monstruosa voltar ao meu corpo.

Guardei a espada na bainha, senti que se eu não descarregasse aquela força toda iria
explodir literalmente.

Então serrei o meu punho direito, preparei-me, reuni toda força no meu braço,
apanhei balanço e dei o soco mais forte que consegui e… - Bummmm!!!

A casca da árvore partiu como um copinho de vidro.


77
Saltei dali para fora e corri para me afastar um pouco da árvore. Estava a cerca de dez
metros da árvore que começou a incendiar por fora também.

Aquela majestosa árvore prateada de folhas azuis, começou a murchar, as folhas a


queimarem e os globos… Os globos foram caindo um a um e quebrando quando chegavam
ao chão.

Quando os globos partiam, era liberada uma luz dourada, como se todos os
pesadelos fossem libertados e transformados em pura luz. Depois de alguns minutos, no
lugar onde estava a linda árvore estava agora um monte de cinzas negras.

Quando me virei, para ir ver se aquelas pessoas estavam bem, reparei que no lugar
onde estava a rapariga de cabelo castanho, estava agora uma linda oliveira com a casca
dourada. Wau.

Procurei pela rapariga, mas não a encontrei, então fui ver os outros.

Sentei no chão e encostei-me em uma árvore. Ela era linda. Os cabelos negros, a pela
branca… era simplesmente fantástica.

Ela era o motivo de eu ter conseguido sair vivo daquela árvore. Nunca pensei sentir
uma coisa dessas pela Lia…

— Lia. – gritei o nome dela surpreendido.

A minha memória voltou e eu estou apaixonado pela Lia.

— Ah não. – falei para mim mesmo admirado

Afinal estar apaixonado é assim!? Começas as sentir umas coisa tipo coiso, nuns sítios
que não dá para explicar

Passaram-se cerca de três horas, quando vi o Alan e a Lia acordarem. Eles sentaram-
se lentamente. Logo em seguida, o Leo acordou também.

— O que é que aconteceu? – falou ele. – Lia! Lia estás bem? – disse ele assustado.

— Sim, estou bem. – respondeu ela – Se bem que com algumas falhas de memória e
muitas… muitas dores.

— Senhor! – exclamou Alan – O quê que aconteceu?

78
— Não sei bem o que aconteceu. – respondi a ele – Eu sei apenas uma parte da
história e quem pode contar a outra parte está ali. – apontei em direção da oliveira
dourada.

— Uma árvore! – falou Lia de forma sarcástica.

— É a Dora, lembraste dela? Ninfadora? – falei para ela.

— A Dora, claro! – falou ela confusa - Escapou-me na memória.

— Então. Como é que viemos parar aqui? – perguntou Leo.

— Bem, nós estávamos a…

Estava a falar, quando olhamos para trás vimos a oliveira se transformar. As folhas
foram desaparecendo, a árvore foi encolhendo e o caule engroçando-se. A árvore ficou
pequena e tomou a forma de uma rapariga.

Ela apareceu desta vez, não com o vestido verde, mas com calças azul escura, uma
camisa feminina florada, com um decote leve que não mostrava nada que não devia.

Quando a transformação acabou, lá estava Dora. Olhei para o lado e o Leo pareceu
ainda mais espantado que da primeira vez.

— Que… Quem és tu? – perguntou ele.

— Sou a Dora. – respondeu ela. – Acordaram a pouco tempo? – perguntou ela para
mim.

— Sim. – respondi.

— Ninfadora!? – exclamou Alan – Finalmente lembrei-me de ti.

— Sim. Por quê, que nós não nos lembrávamos de ti? – falou o Leo.

— É uma história longa que eu teria o prazer de contar. – disse ela.

Era uma vez, uma floresta magnífica. A floresta da morte. Uma floresta que guarda
todo tipo de criaturas mágicas e magníficas, mas por outro lado, também guarda criaturas
maléficas e assassinas.

Dizia-se entre as ninfas, que existe algures na vasta floresta, uma árvore que tem o
poder de transformar os piores pesadelos das pessoas em realidade.

Quem se aproximava desta árvore, era levado em um sono profundo e morria de


medo dos seus próprios pesadelos. Dizia-se também que a árvore guardava os pesadelos de

79
todos que já passaram por aqui em globos de vidro, para se deliciar dos medos das pessoas
para toda eternidade.

Ela terminou de contar a história e deixou-nos a todos arrepiados com aquilo. Em


seguida, ela contou o seu sonho, e como tinha o enfrentado. Contou também o que tinha
feito para entrar na minha cabeça e como ela abriu o buraco na árvore.

Em seguida eu contei como tinha entrado na árvore e destruído o seu coração. Todos
pareceram mais que admirados nessa parte.

— No meu sonho. Eu estava sozinho e todos estavam mortos. Todos menos o meu
pai, que me perseguiu inúmeras vezes e em todas elas conseguiu me agarrar e me matar. –
falei para eles.

— No meu sonho, eu via todos os que amo morrerem na minha frente e de todas as
vezes, eu não consegui fazer nada. – contou Lia.

— No meu, eu ouvia a voz de Lia gritar por socorro, mas sempre que eu chegava lá,
ela estava morta. – falou Leo.

— No meu pesadelo, eu tinha perdido o Darwin. – falou Alan.

— O quê? – exclamei eu – O teu pior medo, é me perder?

— Não é só isso. – acrescentou Alan – Depois de eu procurar exaustivamente para te


encontrar, eu não te encontrava, então apareciam os meus irmãos e o meu pai para me
repreender. Depois deles me magoarem com suas palavras, eu morria, transformado em
espuma.

— O quê!? – exclamou Leo com toda admiração. – Porquê?

— Bem, eu nunca te contei Darwin, mas é que… — ele esitou por um momento – Eu
sou um elfo real.

Ele deu um toque com o dedo na ponta da orelha, e elas ficaram pontiagudas.

— Wau! O quê! Tu és um elfo? – exclamei, admirei e perguntei.

— Sim. – respondeu ele – Só o rei e o chefe da guarda sabiam.

— É claro. – falou Lia. – Por isso é que estás sempre tão bem orientado, por isso é
que as nossa mochilas estavam tão leves. Devia ser um pouco de magia de elfo.

— Sim. – respondeu Alan – Os elfos reais, são nascidos para servir, por isso não
conseguimos desobedecer aos nossos senhores e caso falharmos nas nossa missões,
transformamo-nos em espuma.
80
— Isso é incrível. – disse Leo – Mas não explica o porquê de estarmos tão cansados.

Alan levantou-se, deu três passos para frente, observou as árvores, as sombras e o
por-do-sol. Depois ele disse:

— Estamos todos exaustos, porque estamos a dormir à cinco dias. – falou ele.

— O quê!? – exclamou Lia surpreendida – Cinco dias?.

Estávamos todos chocados com aquilo. Ficamos adormecidos cinco dias. Quando
abrimos as nossas mochilas vimos toda comida estragada, só havia água para beber.

— Não sei quanto a vocês, mas eu acho que esta árvore não foi e nem será o maior
dos nossos problemas. – falou Leo e nós concordamos.

— O importante. – falou Lia – é que agora estamos bem. – disse ela e olhou para
mim.

Quando eu olhei para ela, ela desviou rapidamente o olhar.

Será que ela também gosta de mim!?...

81
Doze
Lia: Conhecemos a morte
Depois de acordarmos daquele pesadelo, ficamos todos cansados e meio
desmemoriados, por isso tivemos que ficar a descansar e recuperar durante quatro dias.

Nós queríamos ficar mais um pouco para descansar e treinar, mas o Darwin disse que
o tempo estava a acabar.

Já estávamos a caminhar para a direção oeste da floresta. O Darwin não parava de


nos apressar, dizendo que “ o tempo está a acabar, temos de ir a ao reino das harpias,
temos de ir a Órion e blá blá blá, blá blá blá!

Ele estava um chato! Preferia lutar com mil gremlins, do que ficar a ouvir as suas
ladainhas.

Na floresta haviam árvores altas, baixas, grossas e finas, eucaliptos, carvalhos, todo
tipo de árvores de frutos e arbustos. Além disso havia uma grande e maravilhosa
diversidade animal, com aves, veados, esquilos, doninhas e furões e até insetos que eram
lindos.

Esta floresta era tão espetacular, que eu podia ficar aqui a vida toda, mas… Quando
eu me lembro da árvore pesadelo…

Era terrível, aquela árvore colocava-te em um pesadelo interminável, que tinhas de


repetir, repetir e repetir e… Passavam-se dias a se ter o mesmo sonho, até morrer à fome e
o teu corpo se desintegrar no chão da floresta.

Era terrível! E eu estava com o pressentimento de alguma coisa terrível ainda iria
acontecer. Não sei o porquê, mas o meu amuleto estava a aquecer e isso não significava
boa coisa, mas olhei para a floresta e não vi nada que nos pudesse fazer mal.

Estávamos agora em uma zona da floresta em que as árvores eram altas, com casca
branca e folhas bem lá no topo de um caule bem longo. Eu não sabia o nome daquela
árvore, mas pareceu-me estranho.

Nesta parte da floresta, só haviam estas árvores, mais nada, nadinha de nada. Era
lindo e um pouco sinistro. Aqui não se ouvia nem uma ave a cantar, nem uma abelha a
zumbir ou um esquilo a… esquilar.

— Vamos parar aqui para descansar. – falou o Darwin.

— Aleluia! – exclamou Alan – Graças a Athena.

82
— Fiquem descansados, segundo a rainha já estamos bem perto do reino das harpias.
– disse Dora.

—E segundo os meus cálculos, estamos na direção certa. – acrescentou Alan.

— Eu apenas sei, que estou exausto. – falou Leo e sentou nas folhas secas do chão.

— Vamos, descansem. – apelou Darwin – Não temos muito tempo para ir ao reino
das harpias e depois a Órion.

— Sim, sim. – falei com sarcasmo – Já percebemos isso das primeiras oito vezes que
falaste.

— Desculpem-me se eu só quero ser cauteloso, mas temos de nos apressar. – disse


Darwin.

— Ainda não nos explicaste o porquê que temos de regressar antes do teu
aniversário! – falei para ele.

— Bem, a harpia disse que deveríamos retornar antes de dois meses ou algo mal iria
acontecer. – explicou Darwin.

- Já aconteceu muita coisa má. – falei para ele.

— Quase morremos de fome por dormirmos durante cinco dias. – falou Leo.

— Quase morremos atacados por centenas de criatura minúsculas em um deserto


falso. – disse Alan.

— Quase morremos ao ser caçados pelo rei. – falei eu.

— E quase morremos ao cair vinte metros de uma muralha. – falou Darwin de forma
sarcástica – Eu sei, eu sei. Quase morremos muitas vezes, mas tenho certeza que daqui
para frente, as coisas vão melhorar.

Ele deu uma pequena pausa e depois acrescentou:

— Tocando no assunto, vocês vão contar como sobrevivemos daquela queda suicida?
– perguntou Darwin.

- Já dissemos que não queremos falar nisso. – respondeu Leo.

Depois de alguns segundos sem ninguém dizer nada, a Dora disse:

— Podiam me contar a história de como vocês fugiram do reino? – pediu ela.

— Claro que sim. – respondeu Darwin.


83
Ele começou a contar a história, enquanto eu pensava.

Era bom termos a Dora connosco. Tipo, ela salvou-nos da árvore pesadelo e é bom
não ser a única rapariga no meio de três rapazes.

Levantei-me e dei uma pequena volta ao redor do lugar onde nós estávamos. Era
muito estranho! As árvores aqui eram mais dispersas e todas iguais, era bonito sim, mas
havia também uma neblina que não permitia ver de onde vínhamos ou para onde vamos.

Olhei atentamente e não vi nada. Dizem que o que os olhos não vêm o coração não
sente, mas nesse caso eu não vi nada, mas o meu coração me dizia para me preparar para
alguma coisa horrível.

Voltei para o meio dos outros e falei para eles:

— Pessoal, acho melhor sairmos daqui. – falei para eles – Não me sinto bem no meio
destas árvores.

—O quê que se passa? – perguntou Dora – Eu sinto a energia destas árvores e não
detetei nada estranho.

— Ainda assim… Não acho que seja com as árvores, mas há algo muito estranho aqui.
– falei para eles – Tu não sentes Leo?

— Ah, não. Não sinto nada de estranho. – respondeu ele.

O meu colar estava morno e era suposto o dele também estar, não sei por quê, mas
não estava.

— Vá-la! Confiem em mim. – disse eu para eles.

— Se tu insistes, nós vamos. – falou Darwin – Peguem nas vossas coisas! Vamos.

Fiquei um pouco aliviada com aquilo, mas não totalmente. O Leo tentou falar comigo
para saber o que é que se passava, mas nem mesmo eu consegui explicar.

Finalmente estávamos a chegar no fim daquilo e eu me senti muito melhor. Andamos


por mais cerca de quinze minutos, até chegarmos ao lugar onde acabavam as árvores.

Quando finalmente saímos de lá, dei um suspiro de alívio e fiquei mais calma. Então
observei a área.

Era uma área pedregosa, com pedras brancas e cinzentas pelo chão. A uns
quinhentos metros de nós, estavam um monte grande de pedregulhos, com uma fenda no
meio delas. Calculei logo que devia ser ali a entrada do reino das harpias.

84
Por de trás dos pedregulhos, a cerca de um quilómetro, haviam montanhas – muitas
montanhas – e a toda a volta, via-se a floresta, com os seus milhões de árvores, por
milhares de quilómetros quadrados.

Andamos um pouco, mas paramos todos de repente, quando vimos algumas rochas
estranhas com formato de pessoas, mas depois de uma observação mais atenta, reparamos
que não eram rochas, mas sim pessoas e pareciam ser velhas.

Uma delas estava agachada, como se precisasse de ajuda. O Leo ao ver aquilo, tentou
ir ajudar, mas o Darwin e a Dora agarraram-lhe pelos braços sem dizerem nada.

— O quê que foi?! – exclamou Leo indignado – Temos que ajuda-las.

— Leo! – falou Darwin.

— Aquilo não são pessoas. – acrescentou Dora.

— Muito menos velhas. – terminou Darwin.

Observamos bem para elas e vi apenas três velhas com manto e capuz.

— Eu só vejo três velhas. – falei para eles – o quê que vocês…

— Lia! – chamou Alan. – Aquilo não são pessoas. São harpias.

— Isso não é bom? – perguntou Leo – É delas que estamos a procura.

— Não. Não acho que seja boa coisa. – falou Dora – As harpias dificilmente saem do
seu reino, se estão aqui fora, é porque algo muito mau aconteceu, ou vai acontecer.

— Mas; nós queremos ir ao reino delas. – afirmou Darwin – Por isso, temos que
passar por elas.

As harpias nos viram a distância, viraram para nós e começaram a deslizar na nossa
direção. Elas foram se aproximando lentamente de nós, com um deslizar sinistramente
mau.

A medida em que elas foram se aproximando, eu comecei a ver algumas partes do


corpo delas. Duas delas vestiam um manto cinzento, com algumas manchas do que eu
esperava não ser sangue, a outra do meio estava com um manto preto.

Todas elas usavam capuz, que não permitia ver muita coisa, mas ainda assim
consegui ver as mão ossudas, sem carne e com a pele bem esticada por cima. As duas
tinham a pele preta-avermelhada, mas a outra tinha a pele cem por centos branca.

85
Elas estavam a se aproximar cada vez mais e nós estávamos aqui paralisados de
medo. Não consegui mover nenhum músculo e tudo piorou quando consegui ver as caras
delas. Havia um pouco de cabelo, que caia para fora do capuz. Um cabelo cinzento, que
podiam ser contados os fios.

Nas suas bocas não tinham lábios e saiam pequenos dentinhos pontiagudos delas.
Não consegui ver os olhos, mas pareceu-me que estavam fixados em mim, carregando a
escuridão dentro de si e sendo alimentados pelos meus medos.

No lugar onde deveria estar o nariz, não estava o nariz. Haviam duas fendas escuras.

Fiquei tão atenta a caracterizar aquelas coisas que esqueci-me que elas se estavam a
aproximar. Peguei no braço do Alan e do Darwin e comecei a puxa-los para trás. Ao
percebem aquilo, todos nós começamos a recuar.

Aquelas coisas eram lentas, nós conseguimos fugir delas com facilidade.

Ainda estavam a uma boa distância, mas quando a do meio falou, foi como se
estivessem mesmo ao nosso lado:

— Humanos!? Na floresta? Que sorte a nossa. – a voz dela penetrava no nosso corpo
e nos deixava paralisados de medo.

— Nada disso irmã. Não são só humanos. Sinto também um elfo e uma ninfa. – disse
a do lado direito.

— Sinto também um par de gémeos. Um rapaz e uma rapariga de cabelos pretos e


sinto uma grande energia vindo deles. – falou a terceira com voz baixa e arrepiante.

— Jovens e guerreiros. Que bom que vocês vieram. A muito tempo que não temos
um banquete desses. – falou de novo a do meio.

— Nós não seremos banquete de ninguém. – gritou o Darwin para elas.

— Ora, ora. Um principezinho armado em bom. Este vai ser o mais saboroso. – falou
a harpia da direita.

Depois daquilo, não acreditei no que os meus olhos viram: as harpias que pareciam
ter um metro e vinte, ergueram-se e atingiram cada uma dois metros e meio de altura. Elas
eram muito altas, bem magras e parecia que elas não tinham pernas, elas deslizavam por
uma nuvem negra de dor e remorso.

Eu já estava muito assustada, sabia que se corrêssemos seríamos logo apanhados por
aquelas coisas, e a do meio de capa preta disse:

— Irmãs! O banquete está pronto. Sirvam-se. – falou ela.


86
As três vieram a nossa direção com aquele deslisar pavoroso, a uns trinta quilómetros
por hora. Em quanto elas vinham, cresceram garras enormes. Garras do tamanho de
punhais, nos seis dedos de cada mão.

Não tivemos outra opção, se não nos equiparmos para lutar. O Leo e o Alan tiraram
das suas mochilas, três peças de bastões de combate, que se montavam com muita
facilidade. O Darwin desembainhou a sua espada e pôs-se em posição de combate.

A Dora recuou para a nossa trás, porque ela era a única desarmada. Eu tirei da minha
mochila, um arco com o dobro do tamanho da mochila – não é hora para explicações –
haviam dez flechas na lateral da mochila – cortesia da rainha.

As harpias se separaram. A de capuz preto foi atrás do Darwin, uma das suas irmãs
atacou o Alan e o Leo, a outra veio atrás de mim. Eu sabia que os meus amigos dependiam
de mim. O Darwin tinha aulas de espada no castelo, por isso não estava tão preocupada
com ele, mas o Alan e o Leo eram inexperientes, mas eu acredito que eles se safam.

Não perdi mais tempo, agarrei uma das flechas, montei no meu arco, apontei para a
harpia e disparei. Eu não tinha muito treinamento, mas o que eu tive, chegou para lançar
uma flecha bem na cara da harpia.

A flecha iria sem dúvida acerta-la, ia a toda velocidade, quando chegou bem perto da
harpia, ela fez um movimento rápido para a direita e desviou com toda facilidade. Eu não
iria lhe facilitar o serviço.

Peguei em duas flechas e lancei as duas de rajada, uma a seguir a outra. Ela
conseguiu desviar da primeira e agarrou a segunda com a sua mão ossuda.

Eu não vi o que fazer, aquela coisa iria nos me alcançar e me estraçalhar ao


bocados. Não vi outra solução se não correr.

Eu não estava a fugir, estava a fazer uma retirada estratégica. Corri e virei e lancei
mais duas flechas, que ela desviou com toda facilidade. Não tive outra escolha, parei e notei
que me restavam apenas cinco flechas. Virei na direção da harpia, preparei e lancei as
cinco…

Uma de cada vez sequencialmente, uma a esquerda, uma a direita, uma em cima,
uma em baixo e uma no meio. Eu sabia que dessa vez acertaria pelo menos uma… mas… as
flechas iam direto a harpia, mas ela conseguiu esquivar com os movimentos mais graciosos
que já vi na vida.

Ela pareceu uma a bailarina bem treinada! Fez uma pirueta a esquerda, uma elevação
a direita e uma rotação lateral perfeita. Depois daquilo, ou soube logo que estava acabada.

87
— Lia baixa-te! – não percebi quem disse aquilo, mas me atirei instantaneamente ao
chão.

Uma luz verde escura passou por cima de mim e acertou bem no meio do peito da
harpia. Quando me levantei e virei, vi que a responsável daquilo era a Dora. A minha ninfa
favorita neste momento.

Fui a correr até ela e dei-lhe logo um abraço. A seguir, olhamos para a harpia que se
debatia de um lado para o outro, sem sair do mesmo sítio.

— Ela está apenas atordoada e não vai ficar assim por muito tempo. - falou-me Dora.

Enquanto que a harpia armava o maior espalhafato que eu já vi, o capuz dela cai de
sua cabeça e… e… ah não! Os olhos que eu senti que estavam fixados em mim, eles… eles
simplesmente não existem. Na cara dela não tem olhos, só há aquela boca horrível e
aquelas duas fendas na metade do rosto.

Não esperamos a harpia acabar o seu escândalo zinho, agarramos uma na outra e
saímos dali a correr, íamos ter com o Darwin, que travava uma luta feroz com a feroz a
chefe e estava a se sair muito bem, mas parecia que ele não ia aguentar aquilo para
sempre.

Olhei também para o Alan e o Leo. Eles estavam bem, estavam a proteger um ao
outro, mas também não iriam aguentar por muito tempo. Eu iria fazer algo, eu iria protege-
los.

Estava tão focada nos outros, que quando dei por mim, a harpia já estava atrás de
nós, com o braço direito preparado para atacar com aquelas garras mortais.

Quando ela deu o golpe…

— Ah. – gritei quando caí no chão cheio de pedras.

A Dora, ela tinha me empurrado e para nossa sorte eu cai para a direita e ela para
esquerda. Nenhuma de nós tinha sido apanhada.

Aida assim, aquilo não nos garantiu a vitória. A harpia vinha na minha direção e já
tinha preparado para atacar. Ela elevou o braço esquerdo para dar um golpe, mas eu
também levantei e travei com o meu arco.

Ela atacou pela esquerda, eu defendi, atacou pela direita e esquivei-me. Repetimos
isso até que eu decidi contra tacar. Levantei o meu arco acima do meu ombro e tentei bater
com toda a força na barriga da monstra.

88
Quando fiz isso, ela desviou facilmente. Ela levantou o braço e ia me atacar, eu não
tinha como me defender. Ela levou as sua garras na direção da minha barriga e …
Rhaaaw!... Perfurou.

Ela perfurou a barriga. Mas não a minha. A de Dora, ela tinha se colocado a minha
frente para eu não ser ferida. A sua barriga tinha sido completamente furada pelas garras
daquele demónios maléfico.

Ela começou a transformar-se em árvore instantaneamente. A harpia ficou presa na


oliveira da Dora por um tempo. Naquele momento eu me senti ao mesmo tempo triste e
furiosa.

Sabia que eu não tinha nenhuma flecha, mas ainda assim, peguei no arco e estiquei a
corda. Não sei bem porquê que fiz aquilo, mas…

Uma energia verde veio do meu colar, passou pelo meu corpo, atravessou o meu
braço e se formou uma linda flecha de luz no meu arco. Não pensei duas vezes. Apontei
para a harpia e a flecha voou, direto para a parte entre o seu ombro e o braço direito.

A flecha transpassou o seu corpo e foi quando ouvimos…

Ela lançou um grito tão alto… Pareciam mil mulheres gritando na voz mais aguda que
elas conseguiam e todas as vozes vinham de uma só pessoa, neste caso, monstro. Quando
ela abriu a boca, vi que aqueles dentes que pareciam minúsculos, eram na verdade grandes
lâminas afiadas de cinco centímetros.

Fiquei aterrorizada. Olhei para o Darwin, que agora estava a começar a perder a luta,
o Leo e o Darwin estavam a ficar demasiado cansados para lutar, a Dora era agora uma
árvore e eu… Eu vou lutar até o fim.

Peguei no fio do meu arco, puxei e apareceu outra flecha de luz. Disparei direito no
peito da harpia, mas ela tinha conseguido se soltar da árvore, e a flecha só acertou ela na
mão.

Ela deu aquele grito aterrador mais uma vez e começou a deslizar na minha direção.
Fiquei assutada, mas ainda assim, não me deixei abalar, peguei no arco e lancei mais três
flechas e uma delas acertou o braço esquerdo da coisa.

Lancei mais cinco… seis… sete flechas, mas desta vez ela usou os seus movimentos
bem sincronizados para desviar de todas elas. Comecei a ficar cansada. Aquelas flechas de
luz queimavam muita da minha energia. Consegui lançar mais três flechas, mas cheguei ao
meu limite.

A harpia finalmente conseguiu alcançar-me e deu-me um soco na barriga que me fez


ficar de joelhos no chão apedrejado.
89
Naquele momento vi a minha vida toda a passar-me pela frente. A morte dos meus
pais, a minha vida de ladra com o meu irmão, os novos amigos que tinha feito, as várias
vezes que quase morremos, a linda e simpática rainha da floresta…

Vi todas as coisas que eu amava desaparecerem em um só momento. Levantei os


olhos e vi a harpia com a mão esticada, preparada para me atacar e me dividir em dois
pedaços.

Ela fez o movimento e quando chegou ao lado do meu pescoço…

Ela parou. Todas pararam. Eu estava quase a ser decapitada e ela simplesmente
parou. As suas irmãs também pararam no meio da luta.

Eu estou viva, eu estou viva.

— Irmãs! Sentem isso?! – falou a harpia que estava a lutar com o Darwin.

— Sim. É ele. – falou a que quase me matou.

— Temos de ir agora! – falou a terceira. – Agora!

E foi assim. Elas simplesmente começaram a deslizar a uns cinquenta quilómetros por
hora e desta pareceram de vista.

Nós estamos salvos, salvos. Nem pensei no porquê da fuga das harpias e fui logo a
correr até a árvore Dora. Ela tinha sido atingida para que eu ficasse bem. O Darwin também
vinha já a correr. Quando chegamos ao lado da oliveira que tinha fixado raízes no meio das
pedras, ela começou a mudar e a tomar a forma de uma pessoa.

Quando ela terminou de mudar, caiu direto para os meus braços.

— Dora, estás bem? – perguntei a ela.

— Sim. Eu vou recuperar. – respondeu ela ao soluços.

— Por quê que fizeste uma coisa dessas? – falei para ela.

— Porque eu tinha de te salvar. – respondeu ela – Tu irias morrer, mas eu não.

Não disse mais nada, dei-lhe apenas o maior abraço que já em toda a minha vida.
Ainda assim havia uma coisa que me inquietava, então perguntei:

— As harpias quase conseguiram o que elas queriam, por quê que elas simplesmente
fugiram!? Elas não teriam…

Bruuuuurrrrhhhhhh!

90
A terra moveu. Era um terramoto a grande escala. As árvores abanavam
freneticamente pelo ar, os pássaros começaram a fugir desordenadamente por tudo que é
canto.

O Leo e o Alan caíram instantaneamente, eu o Darwin e a Dora só não caímos porque


já estávamos no chão. Estava tudo assustadoramente assombroso. O céu escureceu de
repente e as nuvens ficaram vermelhas como sangue.

Era isso… era isso que as harpias estavam a fugir. Estava a se formar uma tempestade
gigante que iria nos aniquilar.

Isso não foi o mais assustador. De repente, a terra se abriu, bem ao lado do lugar
onde estavam o Leo e o Alan. Levantei para tentar ir ajudá-los, mas o terramoto me fez cair
tão rápido quanto me levantei.

De repente, a fenda que tinha se formado ao lado do Leo e do Alan, se tornou um


pouco maior e dentro dela se acendeu uma luz vermelha sinistra, e… e.

Vi a coisa…

Saiu daquela fenda, o que parecia um homem gigante. Ele estava coberto por um
enorme manto negro e levava uma grande foice na mão esquerda. O corpo dele… ele… ele
é um esqueleto, cujos olhos eram apenas dois buracos onde ardiam duas chamas
vermelhas.

Fiquei paralisada de medo.

Do nada a coisa agarrou o pé do Leo e começou a arrasta-lo para a fenda. O Alan


tentou fazer de tudo para trava-lo, bateu, chutou, empurrou e puxou, mas não adiantou de
nada.

O Leo estava ser levado. Levantei-me e apesar do abanar da terra fui a correr… mas…
mas… era tarde.

A própria morte veio a superfície e arrastou o meu irmão para o fundo da terra. Eu…
não pude fazer nada. A terra fechou-se após ele ter sido engolido por ela.

Nós nos encontramos com a morte e ela levou o meu irmão. Não deixou sequer o
corpo para eu chorar.

Eu não sabia o que fazer… eu não tinha o que fazer.

O que eu faço.

Olhei de cara para a morte.

91
Treze
Darwin: Bem vindos ao inferno!
O Leo foi levado. A morte veio do fundo do submundo e levou o nosso amigo. Eu
estava arrasado. Se eu estou arrasado, imaginem a Lia. O seu irmão, a única família que lhe
restava, foi levada pela própria morte.

O meu coração doía só de pensar no tamanho da sua dor. Olhei para ela, ela estava
agora no local onde o Leo foi arrastado. Estava de joelhos no chão, mas não estava a
chorar. Parecia que a sua dor era tanta, que lágrimas não chegavam para expressar o
quanto doía.

Quando vi a sua cara, quase que eu comecei a chorar por ela. Ela estava mais que
arrasada, estava… estava. Uma palavra que ainda nem foi inventada. Estava a passar para o
lado de lá do sofrimento, da dor e de toda angústia.

Eu não sabia o que fazer. Eu era príncipe de um reino e de uma floresta, mas nem
toda educação que recebi me dizia o que fazer agora. O meu corpo simplesmente se moveu
sozinho.

Eu andei em passos curtos até ao pé dela, ajoelhei-me ao seu lado e dei-lhe um


abraço. De primeira pensei que ela me rejeitaria, mas ela retribuiu e foi então que começou
a chorar sobre os meus ombros.

Ela não disse nenhuma palavra, mas senti como se ela estive a lamentar, a passar um
pouco da sua dor para mim.

Não era algo bom para se pedir, mas era o melhor que eu podia fazer.

Ficamos assim abraçados por um tempo, até que a Dora e o Alan se juntaram a nós.
Demos-lhe o abraço mais caloroso que podíamos dar – claro que eu preferia que fosse só
eu, mas não é momento para egoísmo.

— Lia! Eu não sei o que dizer. – falei para ela – É tudo culpa minha. Se eu não vos
tivesse arrastado para aqui, ele não…

— Não Darwin! – ela interrompeu chorando – A culpa não foi só tua. Nós
concordamos em vir contigo, concordamos em fazer esta viajem, nós decidimos pelas
nossas cabeças estar aqui. Tu não tens culpa de nada. E não vale a pena ficar aqui a
lamentar, porque isso não trás o Leo de volta. Vamos continuar a nossa viagem.

— Não Lia! Não precisamos ir agora! – falei.

92
— É claro que precisamos. Tu mesmo tens dito que o tempo está a acabar. Além
disso. Ficarmos aqui parados não lhe trás de volta. – falou ela, ainda derramando algumas
lágrimas.

— Talvez haja uma maneira. – falei – Nem que tivermos de cavar até chegar ao
inferno, vamos estar sempre ao teu lado.

Peguei em uma pedra, e comecei a escavar o chão.

— Para Darwin. – falou Lia – Não temos outra escolha se não aceitar…

— Esperam! – disse Dora – talvez aja algo que possamos fazer.

— O quê!? – exclamou Alan e eu parei de escavar.

— Não há nada. Tu acabaste de ver o que aconteceu. – lamentou Lia.

Ao ver de novo a tristeza nos olhos negros da Lia, voltei a sentir-me triste com tudo. E
não fui só eu. Olhei ao meu redor, nenhum pássaros cantava, nem mesmos as árvores
abanavam. Havia uma leve ventania, mas as folhas das árvores não se moviam, estavam
todas viradas para baixo, como se também lamentável pela perda do Leo.

O céu começou a escurecer. Era suposto ser meio dia, mas o céu estava azul escuro
como a noite. Haviam nuvem a cobrir o céu e ouvia-se de longe o canto dos corvos.
Pareceu, que toda natureza compartilhava a dor da Lia, e se lamentava com ela.

— Talvez haja uma forma – repetiu Dora – Oiçam. Há rumores na floresta, de que
quem deseja do fundo do coração encontrar o lugar onde os mortos descansam, pode
encontrar.

— O quê!? – exclamei.

— Sim. Foi um pardal que contou a uma doninha, que contou ao tio do primo de uma
coruja e uma raposa que falou a um furão que me contou, mas eu acho que seja verdade. –
falou ela.

— Não adianta Dora. – falou Lia.

— É claro que adianta. Se houver alguma forma de salvar o Leo nós vamos tentar. –
falei.

Vi que a Lia ainda estava um pouco relutante e receosa, então eu disse:

— Eu não te conheço tão bem, mas sei que tu nunca desistirias de salvar alguém que
amas e nós vamos te apoiar até o fim. – falei a ela, e achei que foi muito bom.

93
Ela não respondeu, mas os lábios dela se torceram em um pequeno sorriso.

— Então Dora, o quê que sabes? – falei a ela.

— Bem segundo o que dizem, temos de andar para o este, até que as árvores nos
digam o caminho. – disse ela.

A Lia levantou-se. Eu não tinha reparado, mas o dia voltou a ficar lindo. Eu não sou
nenhum especialista do clima, mas acho que o clima dependia de como a Lia se sentia.

— Então. Eu vou. – disse Lia – Vocês não precisam vir comigo. Eu vou salvar o meu
irmão, vocês vão para o reino das harpias, o tempo está a acabar e…

— Lia! – chamei a atenção dela – Nós vamos contigo.

— Não. Tu mesmo disseste que estávamos a ficar sem…

— Lia, isto não foi um pedido. Nós vamos e ponto o final. – falei a ela.

— Não! Nós nem sabemos se esse lugar existe mesmo, alem disso vocês têm….

— Eu disse ponto final. – repeti para ela – Eu sei que tu nunca nos abandonarias,
então não vamos te abandonar também.

Achei que ela iria dizer alguma coisa para contra tacar, mas não disse, ela avançou e
deu-me um abraço, mas também me disse baixinho:

— Não te habitues. – falou ela para mim e depois falou para todos – Então. Vamos?

Já estávamos a andar a dois dias.

Quem diria que em um dia tão belo quanto aquele, lutaríamos contra três demónios
de dois metros e meio, sem alma e que a morte em osso e osso viria diretamente do
inferno para levar o nosso amigo.

Eu achava que a tal entrada da floresta para o submundo era uma grande balela, mas
eu também achava que o lugar dos mortos é no submundo e o próprio responsável pela
morte veio até cá acima para dar um olá.

Estávamos a andar em direção ao este, na direção oposta do lugar onde deveríamos


ir, eu estava um pouco chateado com isso, mas o Leo é nosso amigo e a Lia estava muito
feliz pelo facto de nós acompanharmo-la.

— O quê que vocês acham? – perguntou Alan.

94
— Achar o quê? – interroguei a ele.

— Onde estará a tal passagem para o submundo? – falou.

— Sinceramente não sei. – respondeu Dora – Mas pelo que dizem, estamos na
direção certa.

— Então, só temos de seguir ao este até encontrarmos alguma coisa? – perguntei.

— Acho que sim, pelo menos é o que dizem os animais. – respondeu Dora.

— Mas e se eles estiverem errados? – interrogou Alan.

- É pouco provável. Os animais da floresta nunca se enganam e mentiras, é coisa que


eles não contam – respondeu Dora.

— E se estivermos a ir na direção errada? – falei eu.

— Impossível. – respondeu Alan – Eu sou um servo elfo e nunca me engano nas


direções.

— Mas… Ah… Bem – eu não queria perguntar aquilo, mas tinha que ser – E se o Leo…
se ele.

— Se ele já não estiver vivo? – falou Lia e foi mais afirmação do que interrogação. Ela
quase que não falou nada nestes dias, estava só decidida a encontrar o irmão e a traze-lo
de volta. – Eu sei que ele não está, eu sei.

— Bem, além disso, ele não morreu, só foi levado pelo Tânatos. – disse Dora.

— Quem é esse tal de Tânatos? – perguntei.

— Vocês o conhecem como “o ceifeiro” e não sabem muita coisa acerca dele. –
Começou a explicar Dora – Ele é o temido “deus da morte”, um subordinado de Hades. É
conhecido por ser um grande esqueleto, que em seus olhos ardem as chamas da morte. Ele
está sempre coberto por um enorme manto preto com capuz e leva consigo uma grande
foice. A sua função é garantir que as almas perdida chegam ao submundo, e que ninguém
tente escapar da morte.

— Se for assim, por quê levar o Leo? – falei.

— Ah! Não sei. – falou a Dora – Talvez ele queira alguma coisa, ou então tenha uma
dívida com a morte. Talvez ele tinha algo que a morte queria, ou…

— NÃO!!! – gritou Lia – Ele não morreu. Não deveu a morte e nem tem nada que a
morte quere. Eu sei que ele está vivo e eu vou busca-lo.

95
Quando ela falou aquilo, pôs um ponto final na conversa. Não importa se eu acho isso
uma baboseira, mas eu vou acompanhar a Lia, até o fim do mundo.

Continuamos a andar, a andar e a andar, depois disso andamos mais um pouco.


Depois de mais algum tempo a andar, a Dora pediu:

— Ah! Estou tão cansada. Podemos parar para descansar um pouco? – pediu ela.

— Sim, estamos a andar a horas, devíamos mesmo descansar. – falou Alan.

— Não podemos! – disse Lia – O Leo está neste momento de baixo da terra, sabe-se
lá o que estão a fazer com ele. Não podemos parar agora, eu sinto… sinto que estamos
próximo.

— Lia! Estamos a andar a horas. – falei para ela – Se quisermos encontrar o Leo,
temos que descansar.

Ela deu uma olhada para a Dora, depois no Alan e finalmente olhou para mim.

— Está bem. – falou ela relutante – Fazemos aqui uma pausa.

— Aleluia! – exclamou Dora, sentando-se no chão, ao pé de uma árvore.

Ficamos ali sentados por um bom tempo, a recuperar as forças, todos precisamos,
mais ou menos. A Lia não descansou por nenhum momento. Ela ia de baixo para cima, de
um lado para o outro a analisar as árvores.

Segundo o que a Dora nos disse, as árvores nos mostrariam o caminho, mas já
andamos mais de cinco quilómetros e as árvores me pareceram todas iguais.

Mas… Agora que penso nisso, comecei a reparar bem mas árvores. Elas… elas.

— Pessoal, olhem para isso. – falou a Lia, bem antes de mim. – Olhem bem para as
árvores. – disse ela entusiasmada.

— Sim tens razão. – falou Dora.

— Como é que não reparamos nisso antes!? – acrescentou o Alan.

— As árvores, elas….

— Estão a mostrar-nos o caminho. – falou Lia admirada.

As árvores, todas elas, estavam minimamente inclinadas, apontando em direção ao


este. Não era só coincidência , porque a medida que avançavam, as árvores ficavam mais e
mais inclinadas.

96
A Lia não esperou nem mais um segundo. Pegou na sua mochila e começou logo a
andar. Não tivemos outra escolha. Tivemos que pegar nas nossas coisas e começamos a
segui-la, apressados. Quando demos por nós, já estávamos a correr. Fomos seguindo as
árvores. Eu estava a começar a acreditar que existe mesmo uma passagem para o outro
mundo.

Corremos e corremos um pouco mais atrás da Lia. Quando as árvores começaram a


ficar um pouco mais separada, e depois mais um pouco, olhamos para frente e… e… nada.

Não havia nada. Tínhamos chegado em uma clareira redonda. Havia apenas relva, em
um círculo perfeito. A volta estavam as árvores, todas apontando para o mesmo lugar. O
centro da clareira.

Nós não tivemos boas experiências com clareiras. Da primeira vez, quase morremos a
dormir por causa de uma árvore demoníaca. Da segunda, fomos atacados por três irmãs
demónios, que por um fio não nos mataram e o preço, foi a morte ter levado o nosso
amigo.

— Tem que haver alguma coisa. – disse Lia – Vamos todos procurar por aqui. Talvez
encontremos alguma coisa.

Procuramos por aí – o que não demorou muito – e havia apenas uma pequena pedra
redonda no meio da clareira. Não sabia bem o que era aquilo, mas tinha certeza que não
era a porta do inferno. A Lia pegou na pedra e foi mexendo, virando e revirando, mas não
encontrou nada.

— Talvez seja a chave de alguma coisa, só temos de pô-la em algum sítio. – sugeriu
Alan.

— Ou apenas uma parte do quebra-cabeças. – falei eu.

— Ou pode ser apenas uma pedra e temos de procurar outra coisa. – falou Alan.

— O que achas Dora? – perguntei a ela.

Ela não respondeu. Ela estava a olhar fixamente no céu. Olhei também para lá, mas
não vi nada de especial, só nuvens, pássaros e as copas das árvores.

— Dora, estás bem? – perguntei.

Ela não respondeu, foi então que a Lia largou a pedra e aproximou-se de nós. Ela
olhou para a Dora e disse:

— Estás bem? O quê que se passa Dora!? – falou Lia.

— Eu acho que… - estava ela a falar, mas parou de repente – Corram!


97
- O quê!? – exclamei preocupado.

— Corram, agora! Escondam-se atrás das árvores, rápido. – falou ela e começou a
correr em direção das árvores.

Não sabíamos o porquê, mas fomos a correr para as árvores. A Lia ficou um tempinho
parada, mas veio atrás de nós logo a seguir. Fomos de trás das árvores e nos escondemos
lá. Ficamos todos parados em silêncio, até que a Lia disse:

Por que estamos escondidos? – perguntou ela para a Dora.

— Olhem bem para o céu. Entre aquelas árvores. - dissenos Dora e mostrou-nos onde
olhar.

Observei uma vez e outra, mas não vi nada de estranho.

— O quê que nós deveríamos estar a ver? – perguntou Alan.

— Observem bem. – falou Dora.

— Só consigo ver um morcego. – falei eu.

— Não é só um morcego. Olhem com atenção. – disse Dora.

Olhei atentamente para aquele morcego e… e…

— Parece ser uma pessoa. – falei – Parece ser uma mulher com asas de morcego
envés de braços.

— Uma ninfa do submundo. – Acrescentou Dora.

Olhei para aquilo. Era uma criatura parecida com uma mulher, ela estava bem longe,
mas estava a se aproximar. Ela estava vestida com uma fronha muito suja e como já disse
tinha asas de morcego envés de braços. A pele dela era muito pálida e as pernas um pouco
retorcidas como as de um gato. No fim do dedos dos pés haviam garras, não eram tão
grandes como as das harpias, mas pareciam ser perigosas.

Espera aí! – falou Lia – Tu não és uma ninfa? Como é que aquela coisa pode também
ser uma?

— Eu sou uma ninfa, mas uma ninfa da florestas. – falou a Dora.

— Calma aí um pouco. – falei eu – Então tu e aquela coisa voadora, são uma espécie
de primas!?

98
— Não. Deixa-me contar bem a história.

Ela fez uma pequena pausa e começou a falar:

Depois do mundo ser criado, uma estranha força de vida se espalhou pelo mundo,
criando todo tipo de espíritos da natureza. Centauros, minotauros, poodles e ninfas foram
criados, quando essa força tocou nas mais diversas coisas. Com as ninfas não foi diferente.
Quando o que nós chamamos de líquido da vida tocou nas árvores, dali surgiram as ninfas
da floresta como eu, das cavernas nasceram as harpias.

Isso não foi tudo. Advieram também ninfas da montanhas, dos rios, dos mares, do céu
e alguns diziam que aquela força tocou também no mundo interior, criando assim as ninfas
do submundo. Eu pensava que elas não existiam, mas pelos vistos são verdadeiras.

Cada tipo de ninfa tem a função de proteger a sua fonte de vida. Eu protejo a floresta
e aquela deve estar a proteger o submundo.

— Espera! – falou Lia – Se aquilo protege o submundo, então devemos estar próximo.

A Lia não esperou mais nenhuma palavra. Tirou o seu arco da mochila e preparou
para disparar. Eu até queria travá-la, mas quando era puxou o fio do arco, apareceu uma
flexa de luz verde muito brilhante. Ela sacudiu o cabelo que estava na sua cara que voou
levemente com o vento que nos soprava.

Eu vi no seu rosto, a dor de quem perdeu alguém que amava, mas além dessa dor,
havia raiva, muita raiva. Ela perdeu o seu irmão sem poder fazer nada, agora queria fazer
qualquer coisa para o salvar.

Olhei para a ninfa do submundo que estava mesmo acima de nós. A Lia soltou a
flecha. O sol já se estava a pôr, por isso a sua flecha brilhou pelo céu e voou direto para a
criatura alada.

Quando a ninfa se apercebeu, já era tarde demais para ela. A flecha acertou bem na
sua asa esquerda, o que fez com que a ninfa caísse como um fruto podre no chão. Quando
a criatura bateu no chão, bem no meio da clareira, a Lia foi a correr em direção dela, sem
medo nem receio.

— Lia espera! – gritei para ela, e também fui a correr. O Alan e a Dora seguiram a
nossa trás.

A Lia correu com uma determinação que eu nunca vira antes. Quando ela chegou no
centro da clareira, agarrou na monstra e virou-a para cima, depois disso ela agarrou nas
asas da criatura para impedi-la de se mover e agachou colocando a ninfa entre os seus
joelhos.

99
— Ahhhhhhhhh!!!! – a ninfa soltou um grito de morte, eu o Alan e a Dora tivemos
que tapar as nossas orelhas com todas as nossas forças.

Nem com aquele grito a Lia se deixou abalar. Ela olhou nos olhos vermelhos da
criatura e falou:

- Onde é a tua casa!!! – disse ela, mas a criatura não respondeu – Onde fica o
submundo?

A criatura olhou-a nos olhos, mas não respondeu.

— Eu perguntei….

— Onde fica o submundo. – falou a ninfa – Eu sei.

— Então responde, seu demônio alado! – gritou ela.

— Hahahaha! – gargalhou a ninfa – Como se um dia eu falasse. Eu vou proteger o


meu lar de vocês, sacos de carne, até a morte.

A voz daquela ninfa, era aguda e áspera, mas ainda assim a Lia não se deixou abalar,
ela…

Ela saltou de cima da criatura direto para o chão. No momento certo, porque a ninfa
do submundo foi consumida por um fogo intenso, ela queimou sem deixar nenhuma cinza.

Quando demos por nós, outro fogo intenso queimava a uns cinco metros acima de
nós, foi então que… que… a ninfa apareceu do fogo, batendo as suas asas como se não
tivesse sido traspassada por uma flecha mágica.

Ela olhou para nós e abriu a boca, lá dentro brilhava uma intensa luz vermelha. Ela
respirou fundo e com um abanar de asas, cuspiu na nossa direção uma bola de fogo, que se
desfez em uma enorme explosão e lançou cada um de nós em um canto.

Antes mesmo de eu saber se estava bem, vi que a Lia já se tinha levantado e já


estava a apontar uma flecha para a ninfa, desta vez não estava a apontar para a asa. No
momento em ela largou a flecha, a ninfa do submundo lançou outra bola de fogo na
direção da Lia. Naquele momento eu quase morri de um ataque cardíaco.

A flecha e a bola de fogo passaram uma pela outra sem se dissiparem. A flecha foi em
direção da ninfa, mas ela fez uma pirueta aérea e desviou, a bola de fogo foi direto para a
Lia, mas ela fez um rolamento para o lado e escapou da explosão. Ela levantou-se pegou no
fio do arco e lançou outra flecha.

100
A ninfa do submundo era habilidosa, ela desviou de uma flecha, outra e depois mais
uma. A Lia não ficou para trás, ela deu uma cambalhota para trás, um rolamento para o
lado e uma pirueta de um braço.

Wau! Ela é tão habilidosa, não conhecia esse lado de super-guerreira da Lia. Eu nem
sabia o que fazer para ajudar, eu ainda estava deitada no chão. Quando vi aquilo me
levantei rapidamente e peguei na minha espada, mas não sabia o que fazer.

Eu vi que a Lia estava a ficar cansada. Aquelas flechas mágicas a deixavam muito
exausta. Ela não iria aguentar muito tempo. A ninfa do submundo lançou outra bola de
fogo e ela não conseguiu desviar a tempo, a bola de fogo explodiu bem ao lado dela o que
fez com que ela fosse lançada para o lado.

Ela estava no chão. Olhei para a ninfa e ela estava a preparar outra bola de fogo. O
meu coração parou por um segundo, depois fui a correr em direção a Lia. Eu tinha que
protege-la.

Agarrei-a e dei as costas a bola de fogo. O que foi a coisa mais estúpida que eu já
tinha feito na minha vida toda. Agora nós dois iríamos morrer. Pelo menos assim
estaríamos no submundo.

A bola de fogo estava a demorar muito tempo para nos acertar. Quando me virei, vi
que o Alan estava a jogar ping-pong com a ninfa. Mais ou menos.

A ninfa lançava uma bola de fogo e o Alan dava um golpe na bola com o seu bastão,
que refletia a bola de novo para a ninfa. Depois a ninfa batia com a asa na bola e mandava-
a para o Alan. Eles faziam este jogo repetidamente, e o Alan estava a se sair mesmo bem.

Olhei de lado e vi que a Dora estava com o braço esticado em direção da ninfa, foi
então que ela gritou:

— Sarce – uma luz verde escura saiu da sua mão e acertou a ninfa no peito. Bem a
tempo porque o Alan tinha atirado a bola de fogo, que lhe acertou em cheio.

A explosão foi forte. Vimos a ninfa cair devagar e a incendiar-se até chegar ao chão.
Quando ela deveria ter batido no chão, simplesmente não bateu, ela tinha desaparecido.
Outra vez.

Dessa vez ela apareceu atrás de nós, sentada no chão.

— Vocês achavam que me conseguiam me derrotar? – falou a monstra – Chegou a


hora do vosso fim, sacos de carne.

101
Já tinha escurecido, por isso foi fácil ver a luz vermelha, que brilhava acima de nós.
Quando olhamos para cima, vimos que estávamos rodeados por um legião de ninfas do
submundo. Finalmente larguei a Lia.

Estávamos condenados, nunca conseguiríamos fugir de uma explosão daquelas, é o


nosso fim. Todos tinham feito alguma coisa para ajudar na luta contra a ninfa do
submundo, e a única coisa que consegui fazer, foi se aproveitar da situação para abraçar a
Lia.

Quando as criaturas do inferno estavam prontas para disparar, a Lia tirou o seu colar
do pescoço, e foi bem no centro da clareira, ergueu o colar com o braço direito e… e…

Os olhos dela acenderam com uma cor verde intensa, o cabelo dela começou a voar
com um vento repentino e ela ficou envolvida por uma aura verde que eu nem conseguia
explicar. De repente um vapor verde se espalhou por todos os lados e as ninfas do
submundo começaram a cair uma por uma.

Eu fiquei assombrado por aquele poder. Como é possível uma pessoa ter tanto poder
assim!? Uma pessoa normal nem sequer tinha qualquer poder. Era majestoso e ao mesmo
tempo assombroso, a forma como aquela força fluía do seu corpo para fora.

Ela conseguiu sozinha, por todas as ninfas do submundo desmaiadas. Eu estava tão
assustado, mas também tão… tão… apaixonado por ela….

Buhddhj!!!!.

O chão começou a tremer e quando…

Bummmmm!

O chão se abriu de baixo de nós e nós caímos. Vi a Lia a desmaiar também, a terra se
abriu e estava a engolir-nos. Nós estávamos a cair em um abismo de morte, mas eu só
conseguia pensar em como a Lia iria se salvar. Ou nos salvar, dessa vez nós vamos todos
morrer nesta queda.

Vamos todos morrer!

102
Catorze
Darwin: A mulher de cabelos azuis
Estávamos a cair! Era o nosso fim, a Lia estava desmaiada, o Leo não estava aqui e eu
não podia fazer nada. Ultimamente a única coisa que eu sabia fazer era criticar e ser um
inútil. Agora vamos morrer e a culpa é minha.

Olhei para baixo e vi que não estávamos quase a chegar ao fim daquele abismo. Fixei
o fundo e a única coisa que vi, foi uma pequena luz vermelha, bem no fundo do túnel.

Tentei no ar agarrar a Lia. Eu não conseguiria fazer muita coisa, mas queria pegá-la
uma última vez. Estiquei o meu braço tentei e tentei mais um pouco, até que consegui
agarrar o braço dela. Peguei nela e senti que o seu corpo estava frio como uma triste
manhã de inverno. Ainda assim, peguei nela, abracei e não queria mais largar.

— Dora! – gritou o Alan com toda a força.

Ele esticou o braço para tenter agarra-la, mas estava muito longe dela. Ela também
tentou pegá-los mas não conseguiu. Olhei para a Lia mais uma vez e tentei fazer alguma
coisa. Pensei naquela força que tinha tomado conta de mim, quando eu estava dentro da
árvore pesadelo, e tentei invocá-la.

Não consegui! Tentei com todas as forças, mas não consegui. Desde aquela vez na
árvore pesadelo, nunca mais senti aquilo em mim. Olhei para baixo e vi que a luz vermelha
estava cada vez mais e mais forte. Aconteceu em um segundo. Ultrapassamos aquele
buraco, e fomos parar em uma caverna gigante, ainda tínhamos mais uns dois minutos de
queda até chegar no chão.

Bem! Pelo menos se morrermos aqui, a viajem não será longa, já estamos no
submundo. Olhei para o lado e vi que a Dora e o Alan tinham conseguido chegar um no
outro, eles com as duas mãos dadas e a nossa hora chegou! Em três, dois, um…

Estava com os olhos fechados, quando abri, vi o chão da caverna bem a frente da
minha cara. Olhei para o lado e vi que isso era obra do Alan e da Dora. Eles tinhas
combinado os seus poderes, para salvar as nossas vidas. Eles estavam a soltar de si, uma
pequena luz branca, que tinha nos deixado suspensos no ar.

Quando eles largaram as mãos, caí de cara no chão, com a Lia em cima de mim. O
Alan e a Dora, flutuaram levemente até chegar ao chão. Sentei-me e coloquei a cabeça da
Lia no meu colo.

— Lia! Lia! – chamei por ela e abanei-a um pouco, mas ela não acordou – Dora,
ajuda-me, a Lia…
103
Olhei para o lado e vis que os dois também tinham desmaiado. O quê que eu faço
agora!? Estão todos desmaiados e eu não sei o que fazer. Eu tento ser forte, mas no final
das contas sou apenas um menino de catorze anos, que não sabe o que fazer. Não consigo
nem salvar os meus amigos, como é que vou salvar o reino inteiro do meu pai!? Estou
condenado.

Olhei ao meu redor, eu…

Tirei a Lia do meu colo e tirei os sacos de cama das mochilas dos outros. A da Lia, do
Alan e a do Leo, que estava com a Dora. Coloquei cada um no seu saco de cama e peguei na
testa de cada um para ver se estavam com febre. O Alan e a Dora estavam bem, mas a Lia
estava a queimar de febre.

Eu tinha que baixar a temperatura dela, o que vai ser bem difícil, porque aqui, dentro
desta caverna estavam cerca de 35 graus celsius.

A Dora normalmente já teria se transformado em árvore, mas algo de estranho se


passava. Eles usaram demais os seus poderes, estavam desmaiados de exaustão. Vi que já
não nos restava muita comida, nem água, mas ainda assim, tirei um pouco de água, molhei
um pano que rasguei de uma camisa minha e pus na testa da Lia. Fui trocando de pano de
vez em quanto.

Peguei nas frutas que nos restavam e coloquei ao lado da Dora. As frutas nunca
estragavam quando ficavam ao lado dela.

Depois disso encostei-me em uma pedra e comecei a observar a área. Estávamos


dentro de uma caverna que vai para lá de toda grandeza. Eu não estive em muitas cavernas,
mas acho que esta é a maior que existe no mundo.

O teto estava a uns cinco quilômetros acima de nós, o chão, as paredes e todo resto
era feito de uma pedra vermelho-escura Nós estávamos encima de uma espécie de
montanhas, e lá em baixo eu conseguia ver quatro rios gigantes, uma floresta enorme com
árvores brancas de folhas pretas, e a coisa mais deslumbrante que consegui ver era uma
grande cidade.

Estava rodeada por uma enorme muralha de pedras azuis marinho, e dividida em
duas partes, eu estava muito longe para ver cada detalhe, mas no centro da cidade, tinha
um castelo gigante, completamente preto, feito de obsidiana. Havia também no castelo,
um grande jardim.

Dos quatro rios, um deles era de águas pretas. Havia um rio vermelho, um branco e o
último era um rio normal, pelo menos, é o que eu podia ver.

Aquí dentro não havia sol, óbvio, só uma luz vermelha que brilhava em todo o lado e
vinha sabe-se lá de onde. Era um lugar lindo, a sua maneira. Vi lá muito distante pequenos
104
pontinhos a se moverem, acho que devem ser pessoas, ou talvez mortos, esqueletos! Será
que o Leo está no meio deles? Não sei, mas eu não saio daqui sem ele.

Passou-se um dia, eu ainda estava aqui, sem nada a fazer sem ser ficar sentado a
espera que os outros acordem. Estava a guardar algumas frutas e a racionar água para
quando eles…

— Ah!!! – gritou o Alan quando acordou com um susto.

— Alan! Finalmente. – falei eu.

— Darwin, estás bem? – perguntou ele.

— Eu estou bem. Estou mais preocupado contigo e com as outras. – disse eu.

Ele olhou para o lado e viu ali a Lia e a Dora e ficou um tempinho a pensar.

— O quê que aconteceu? – perguntou ele – Só me lembro de estarmos a cair.

— Tu a Dora salvaram-nos. – falei para ele – Vocês deram as mão e fizeram-nos cair
lentamente, mas depois disso desmaiaram os dois.

Ele olhou ao nosso redor e perguntou:

— Então, isso é o submundo? – disse o Alan.

— Sim! – respondi a ele, e ele pareceu admirado com o que viu – Estamos aqui a um
dia, e já não temos muita comida, nem água. A Dora parece estar bem, mas a Lia está
queimando em febre.

— Sabes onde podemos encontrar o Leo? – disse ele.

— Não. Mas acho que podemos encontrar respostas naquela grande cidade ali. –
indiquei em direção da cidade.

Ele levantou-se e veio a caminhar até a mim. Também me levantei.

— Para Alan! – exclamei eu – Tens de descansar, acabaste de sair de coma!

— Não! Não é necessário. – disse ele – Nós os elfos nos recuperamos muito rápido,
ficar um dia a dormir, corresponde a uma semana de recuperação humana. Além disso,
devia ser eu a cuidar de ti e não o inverso.

Ele me convenceu. Ficamos mais parados a olhar para cidade durante mais algum
tempo, mas algo me inquietava.
105
— Alan desculpa. – falei para ele.

— O quê!? Por quê? – perguntou ele.

— Era suposto eu ser o teu melhor amigo, vivemos juntos os catorze anos da minha
vida e eu nem sequer sabia quem tu eras de verdade. Eu não sei nada sobre ti, mas tu sabes
tudo sobre mim. Eu te arrastei para essa missão suicida, sem o teu consentimento. Era para
nos proteger-nos um ao outro, mas tu me proteges, enquanto eu fico parado a ser um
inútil. E ultimamente parece que o Leo tem sido um melhor amigo para ti. – falei eu para
ele de cabeça para baixo.

Ele olhou para mim, pôs a mão no meu ombro e disse:

— Há mais uma coisa que precisas sobre os elfos servos. – disse ele – Nós temos o
simples propósito de proteger e servir os nossos senhores, mais nada. Desde o momento
em que me consideraste um amigo, eu me tornei no elfo mais feliz deste mundo, e assim
consegui fazer mais amigos. Não importa o que eu tenha que fazer, mas se for por uma
amizade, eu vou continuar a lutar e sofrer.

O Alan estava a ajudar-me a cuidar da Lia e da Dora. Ele disse que passaram doze
horas, mas como? Aqui não havia sol para saber as horas, como podia ele saber o tempo
que já se tinha passado!?

Eu estava meio preocupado com…

Pareceu-me que a Dora tinha se mexido. Ela realmente moveu-se. De repente ela
começou a se transformar em uma árvore. Não sei como é que será possível, visto que o
chão aqui é feito de pedra pura. Ainda assim, as suas raízes começaram a penetrar no chão
a rachar a pedra e fixar-se bem profundo.

Era incrível como ela era forte. Tivemos que esperar mais duas horas. Foi então que a
Dora voltou a se transformar em uma bela rapariga, desta vez com uma camisa sem mangas
de cor preta e calças vermelhas como o fogo. Os seus cabelos curtos estavam preços em
duas tranças que acabavam em um rabo de cavalo. Parece que ela se vestiu a rigor, por que
aqui dentro está muito quente, mas aquele calor fazia brilhar a pele morena dela.

— Dora! – exclamei eu e fui a correr até ela – Tu estás bem, que bom. A Lia está a
queimar em febre. Podes fazer alguma coisa para ajudá-la?

106
— Também é bom ver-te Darwin. – disse ela – Mas lamento eu não consigo ajuda-la.
Quando não estou na floresta, os meus poderes ficam mais fracos, e feitiços de cura são os
mais difíceis.

Fiquei tão triste que nem falei mais nada para ela. Apenas sai dali e fui dar uma volta.
Me afastei um pouco para pensar, na minha caminhada encontrei algo.

— É o colar da Lia! – falei para mim mesmo – Eu sei que aquele poder veio todo desta
pequena pedra, mas como?

Peguei na pequena pedra, amarrada em um fio preto e fui observando. Não me


pareceu nada demais. Era uma jade, com forma de uma pequena moeda e com o desenho
estampado de uma flor em cada lado.

Peguei nele e coloquei no meu bolso. Fiquei ali um tempo, então me apercebi que
estava a ser imaturo. Me levantei da pedra onde estava sentado e voltei para o lado dos
meus amigos. Quando cheguei, vi a Ninfadora a cuidar da Lia. Ela não tinha os seus poderes,
mas ainda assim, ela esforçava-se.

— Dora! – chamei por ela – Desculpa, eu estava a ser infantil. Tu também ficaste
adormecida por muito tempo e eu nem perguntei como é que estavas, eu só …

— Darwin! – interrompeu ela – Não precisas pedir desculpa. É difícil ver a nossa
amiga nesse estado e não poder fazer nada.

— Sim não podemos fazer muita coisa. – falei, mas depois pensei um pouco – Espera!
Talvez haja uma maneira. Eu encontrei o amuleto mágico da Lia lá em baixo, talvez isso
possa ajudar.

Cheguei mais perto da Lia, abaixei-me ao lado dela, tirei o colar do meu bolso e
coloquei no peito dela. Esperei que alguma coisa acontecesse, mas nada. Peguei de novo no
colar e tentei usar a minha energia pra ativá-lo mas nada. Tentei com todas as minhas
forças tirar aquela força poderosa de dentro de mim mas nada. Eu quase que chorei, mas
não.

— Por quê que não resulta! – gritei.

— Acalma-te Darwin. – falou-me Dora – Ela vai ficar bem.

Larguei o colar, e deixei em cima do peito dela. Quando a Ninfadora tentou tirá-lo, eu
disse:

107
— Não Dora. Vamos deixa-lo aí, talvez aconteça alguma coisa. – falei para ela, ela
apenas olhou para mim e viu com eu estava desesperado e não disse mais nada.

Segundo o Alan, passou-se mais um dia e meio. A Lia não dava nenhum sinal de
recuperação, pelo contrário a febre tinha aumentado e ela estava com dificuldades em
respirar. Levantei-me e fui até ela, baixei-me e peguei no colar dela.

— Por favor, por favor. – implorei – eu sei que não sou o teu dono, mas por favor,
salva a Lia.

Depois de ter feito isso, notei que era estúpido, mas eu não podia vê-la assim, não
posso deixa-la morrer, não agora, não aqui, não…

Brrrrrruuuuumm

O chão, as paredes e o teto da caverna estavam a tremer como nunca. Me afastei um


porco da Lia para ver o que era e o Alan e a Dora já estavam aí para ver também.

Quando olhei para a cidade, senti uma força gigante vinda de lá. Transmitia paz,
calma e amor, mas ao mesmo tempo raiva, muita raiva. Estava a fazer tudo abanar, eu nem
reparei na luz verde que vinha atrás de nós. Me virei e viu a Lia a flutuar no ar, com o colar
no seu peito.

Fui e correr e bem a tempo, porque ela caiu, e eu consegui agarra-la, mais ou menos.
Ela tinha caído em cima de mim. A luz do colar dela tinha parado de brilhar, e o tremor de
caverna também. Endireitei-a e chamei por ela:

— Lia! Lia. – ela demorou um pouco, mas começou a abrir os olhos muito
lentamente.

Ela ainda estava muito fraca para falar e aquele tremor de caverna recomeçou. O
colar dela voltou a brilhar, mas desta vez aquela energia passou também para mim. Senti
uma força, como nunca antes tinha sentido.

Larguei a Lia e comecei a perder a cabeça, como é que ela suportava tanto poder?
Senti uma repentina e estranha vontade de matar alguém. Uma sede de sangue e um
anseio de rasgar lentamente um pescoço. Olhei para a Dora e o Alan, e quis logo atacar, eu
não precisaria de espada, porque as minhas unhas tinham crescido o suficiente e ficaram
também bastante afiadas.

108
Quando finalmente eu iria atacar e acabar com aquele desejo sanguinário, ouvi atrás
de mim:

— Darwin! – virei, era a Lia.

Quando a vi de pé, a chamar pelo meu nome, aquela fúria toda simplesmente
passou. Olhei para as minhas mãos, as minhas unhas tinham simplesmente voltado ao
normal, já não queria matar ninguém, mas ainda assim, senti aquele poder dentro de mim,
a espera do momento certo para sair.

Olhei para a Lia, ela estava bem, até toda sujeira e ferimentos tinham desaparecido.
Ela estava limpa, impecável e linda, mas como? A pouco ela estava a beira da morte e agora
ela está simplesmente bem. Eu sei que isso é obra daquele colar. Eu estava preocupado
com ela, mas ela também pareceu preocupada comigo, foi então que ela disse:

— Darwin! Estás bem? – disse ela – Tu pareces estranho.

— Lia! Eu estou bem. A questão é, tu estás? – falei para ela – Tu ficaste desmaiada
durante tanto tempo, além disso parecias doente e cansada.

— O quê!? – disse ela assustada – Eu sinto bem. Para falar a verdade, acho que nunca
estive melhor.

— Ah, ok. – disse eu muito relutante – A então… Vi o colar dela no chão e apanhei.

— Aqui tens o teu colar. – disse a ela – Deve ter caído enquanto, aconteceu tudo
isso…

— Onde é que nós estamos? Isto é o inferno? – admirou ela – O que aconteceu?

Eu expliquei tudo o que aconteceu para ela, demorou um pouco, e reparei numa
coisa muito estranha.

— Onde estão o Alan e a Dora? – falei eu.

Virámo-nos e vimos que eles estavam atrás de uma rocha a olhar em direção à
cidade. Chegamos até eles devagar e a Lia perguntou:

— Alan, Dora, o quê que se passa? – disse ela.

— Lia! Estás bem. – exclamou o Alan – Olhem para a cidade, está estranha.

109
Parecia mesmo estranha. Todos edifícios de lá estavam a vibrar e uma nuvem de ira
vinha do castelo – literalmente – havia uma nuvem verde que cobria o castelo e parte da
cidade.

— Ok, já chega. – falei – É melhor começarmos a andar, ou vamos ficar aqui presos,
sem água ou comida.

— Não devíamos esperar um pouco para que a Lia se recupere? – perguntou a Dora.

— Não é necessário. Eu estou bem, alhas, a cada minuto que passa, me sinto melhor.
– respondeu a Lia.

Foi assim. Pegamos nas nossas coisas e começamos a andar. Não sabíamos bem para
onde deveríamos ir, mas decidimos ir ao palácio. Era a casa de Hades, o deus e rei do
submundo, a Dora disse que ele era assustador, mas justo, talvez ele pudesse nos ajudar.

Andamos, andamos e andamos mais um pouco. Não foi fácil, mas agora estávamos
bem ao lado dos muros da cidade. Havia uma única entrada, nela passavam as almas de
todos os que morriam, de verdade, porque havia uma fila de recém mortos a tentarem
entrar na cidade. Esse era o menor dos nossos problemas, porque bem na entrada, havia
um cão gigante.

Cinquenta vezes maior que um cão normal, vinte vezes maior que uma pessoa. Ele
tinha três cabeças a sair do mesmo pescoço e parecia ser uma mistura entre um rottweiler
e um bulldog. Os seus dentes eram gigantescos e bem afiados. Ele não estava a atacar
ninguém, mas pareceu-me que ele estava ali com um motivo e não nos deixaria passar sem
mais nem menos.

— Então, alguém tem um plano? – perguntei.

— Se algum de vocês tiver um osso gigante. – falou o Alan.

— Talvez ele não nos faça mal. – falei eu.

— Impossível. — repreendeu-me a Dora – Aquele é o cérbero. O cão demônios de


Hades, ele garante que nenhuma pessoa viva entre e nenhuma morta saia.

— Então, não dá para passar. – falou o Alan.

— Dá sim, é só sermos rápidos e fortes. – disse a Lia confiante.

—Não acho boa ideia! – falou a Dora um pouco relutante.

110
— Nós lutamos com harpias, derrotamos um milhão de gremlins. – disse ela
demasiado confiante – Derrotamos as ninfas do submundo…

— Não, não, não! – interrompi – Tu derrotaste as ninfas do submundo, isso é uma


situação bem diferente. Aquela coisa vai nos estraçalhar.

— Nós já chegamos até aqui. Não vamos parar agora! – reclamou ela.

— Lia! Já viste o tamanho daquele…

— Calem-se. – falou o Alan baixinho – Acho e o cão sentiu o nosso cheiro.

A fila de almas perdidas parou e o cão estava a farejar o ar. Todas as três cabeças
estavam agora viradas para nós. A nossa sorte é que estávamos escondidos atrás de uma
rocha, mas ele iria nos encontrar não tarde nada. Espreitei um pouco, e o cão estava a
caminhar em nossa direção, e alguns espíritos na fila já estavam a reclamar.

Não havia o que fazer. O cérberos vai nos encontrar não tarda nada, e se corrermos
ele vai nos apanhar e nos desfazer em mil bocados. Não havia outra opção, pegamos as
nossas arma e nos preparamos para lutar. Olhei por cima da rocha e o cão já estava a meio
do caminho, a Lia preparou o arco, a Dora as mãos, o Alan o bastão e eu a espada.

Estava a ficar ofegante. Quase me engasguei de medo.

Senti aquela criatura demoníaca cada vez mais próximas e… - — Psiu… -


chamou alguém por nós – psiu… aqui!

Era uma mulher, ela estava a uns cinco metros de nós, escondida de trás de uma
pedra. Não tínhamos outra escolha, ou seguíamos uma mulher estranha pelo inferno, ou
éramos estraçalhados por um cão gigante de três cabeças.

Saímos de trás da rocha e rastejamos até onde estava a mulher. Bem a tempo,
porque o cérberos chegou na rocha onde nós estávamos e começou a farejar de novo.

— Vamos por aqui. – disse a mulher – Ele vai sentir o nosso cheiro.

Seguimos a mulher a rastejar pelo chão duro do submundo, até que chegamos em
um buraco.

— Entrem rápido. – disse ela.

— Entrem! – exclamou Lia – Entrar em um buraco no inferno, com uma mulher


estranha! Não me parece.

111
— Vocês não têm muitas opções. – falou a mulher.

— Ela tem razão, vamos rápidos entrem. – falou o Alan.

A Dora não esperou mais um segundo. Saltou direto para o buraco, depois o Alan e a
Lia. Foi então que o cérberos nos viu e começou a correr na nossa direção. A mulher saltou
e eu saltei bem atrás dela. Não era um buraco muito grande, mas era completamente feito
de pedra e caí em cima da mulher.

— Ai! Sai de cima de mim Darwin – gritou ela.

Levantei-me rápido e olhei para cima. O buraco era muitíssimo pequeno para o
cérberos entrar, mas ele estava a ladrar como nunca. Criou um barulho imenso. Agora
que ele sabe da nossa existência, ele não vai descansar até nos apanhar.

— Vamos por aqui. – disse a mulher.

— Espera aí! – falei eu – Como é que tu sabes o meu nome?

- Tu e a Dora me conhecem, olhem bem para mim. – disse ela.

Ela tinha uma altura média, vestia um vestido prateado e leve até aos pés, estava
descalça e o cabelo dela era loiro nas raízes azul da metade até as pontas. Os seus olhos
eram meio esbranquiçados, e ela parecia muito pálida. Não a reconheci e pareceu-me que a
Dora também não. Foi então que vi os brincos dela, dois globos brilhantes que no seu
interior girava uma luz que parecia o sonho de alguém.

— Já sei quem é ela! – falou a Dora – Tu não, Darwin?

— Sim, é ela. – falei, mas na verdade não sabia quem era ela.

— Quem é ela? – perguntou a Dora para mim, com um ar presunçoso.

— Ah! Bem, nós conhecemo-la no… ah… - gaguejei.

— Não precisas fingir Darwin. – disse a Dora – É a árvore pesadelo!

— O quê!!! – exclamou a Lia – Como? Ah…

Ela era mesmo a árvore pesadelo, eu reconheci agora.

— Sim, sou eu a árvore que quase vos matou. – falou a mulher – Eu conto os detalhes
pelo caminho, vamos…

112
Quinze
Lia: O rei dos mortos
Estávamos a andar um pouco apertados por aquelas cavernas, e ainda se ouvia o
cérberos a latir. Eu estava chocada ao descobrir que a mulher que andava a nossa guiar, era
na realidade a árvore que quase nos matou. Eu tinha muitas dúvidas, mas antes de eu
poder perguntar alguma coisa, a mulher começou a falar:

— Eu era a árvore pesadelo. – disse ela.

— Como? Não entendo. – falou o Darwin.

— É uma longa história, que eu terei o prazer de contar. – falou ela – No princípio de
tudo, eu era apenas uma ninfa.

— Como a Dora? – perguntou o Alan.

— Não. Eu sou uma ninfa dos sonhos. – disse ela – Um espíritos da natureza, que é
responsável por distribuir e recolher os sonhos e pesadelos das pessoas, durante a noite.
Assim foi, em um dia normal, eu estava a colher os frutos de uma árvore de sonhos…

— Existem árvores de sonhos?! – interrompeu a Dora.

— Sim existem. – respondeu a mulher – Continuando. Nesse mesmo dia, reparei que
havia alguém de olho em mim. Ele andou a me observar durante alguns dias, quando
finalmente eu fui atrás dele, ele nem tentou fugir.

Quando me aproximou dele, vi um homem alto, lindo, de cabelos e olhos negros como
a noite e uma pele branquinha. Ele era o Hades, o rei do submundo, mas eu não sabia isso.
Pelos vistos ele estava apaixonado por mim, e não fez questão de esconder. Enquanto que
ele me conquistava, foi me mostrando várias coisas maravilhosas, até que um dia ele me
mostrou a passagem para o submundo.

Depois de alguns dias, eu tive que dizer que eu não o amava, apesar de tudo, eu não
correspondia os seus sentimentos. Ele me disse tudo bem, mas que eu nunca podia contar a
mais ninguém o que ele tinha me mostrado, ou aconteceria algo muito mal. Passaram vinte
anos, que fiquei sem abrir a boca, mas em um dia, veio outro homem que conquistou o meu
coração.

Ele perguntou-me onde era a entrada do submundo. Eu disse que não podia contar,
mas ele me fez quebrar a minha promessa, eu não só contei como mostrei a entrada e
113
ajudeio a entrar. Ele despediu-se e prometeu que nunca me esqueceria. Alguns dias
passaram e enquanto que eu caminhava por um vale, vi a terra se abrir na minha frente e
dela saiu um homem gigante, cerca de dez metros, cabelo e olhos negros, era ele o homem
que eu tinha visto a vinte anos atrás.

Eu sou Hades, o rei do submundo e por teres desobedecido a minha ordem vou
castigar-te. Tornar-te-ei em uma árvore que recolhe os pesadelos das pessoas e viveos a
todos vezes e vezes sem conta. Ele nem me deixou dizer uma palavra. Transformou-me na
árvore pesadelo e colocou-me no meio da floresta.

— Oh! Que triste. – disse o Alan.

— Quanto tempo ficaste assim? – perguntou o Darwin.

— Fiquei exatamente, catorze anos e onze meses. – respondeu a mulher árvore – Até
o dia em que vocês me mataram e vim para aqui.

— Tu lembras do homem. O que entrou aqui no submundo? – falou a Dora.

— Sim eu lembro. – respondeu ela – Mas gostaria de esquecer. Ele apenas me usou
para alcançar os seus objetivos. Olhem chegamos.

Acabamos por sair, em um pequeno buraco, dentro das muralhas daquela gigantesca
cidade.

— Esperem. – disse a Dora – Como é que estás aqui, os espíritos da natureza quando
morrem não vêm para o submundo.

— Sim. Mas acho que ser uma árvore demoníaca por quase quinze anos me afetou
de certa forma. – respondeu ela – Olhem.

Viramos as cabeças e vimos dois esqueletos uniformizados, vindo na nossa direção.


Acho que são os guardas daqui, e deviam estar a nossa procura.

— Corram, vocês têm que sair daqui agora. - falou-nos a mulher – Vão até o centro
da cidade, é lá onde está o castelo de Hades. Não se deixem ser apanhados. Vão.

Começamos a correr, mas o Darwin parou e perguntou para a mulher:

— Hei! Qual é o teu nome? – perguntou ele.

— O meu nome não importa. – respondeu ela – Se te lembrares de mim, sempre


estrarei presente nos teus sonhos.

114
Saímos dali a correr. Aquela historieta pareceu verdade, mas ainda assim eu não
conseguia acreditar naquela, ninfa do pesadelos. Fomos passando de beco em beco,
naquele grande cidade. Já estávamos a nos mover por um bom tempo, quando decidimos
finalmente que estávamos perdidos.

Decidimos então, que devíamos passar por uma rua principal. Fomos lentamente até
uma avenida, eu e o Darwin, fomos a frente para ver se havia algum perigo. Chegamos no
fim do beco onde estávamos e espreitamos para aquela avenida.

Estava demasiado movimentada. Haviam almas flutuantes se movendo de um lado


para outro, além disso haviam cerca de oito soldados esqueletos, a rondar essa zona.
Tínhamos que arranjar um plano b para chegar ao castelo.

— Vamos Darwin. — falei para ele, virei e comecei a correr para… — ahhhh! — gritei
eu e o Darwin.

Estávamos os dois no chão e eu tinha sentido o maior calafrio da minha vida. Sentei-
me e olhei para cima, onde estava o espírito de um velho a flutuar. Ele era meio
transparente e estava a olhar fixamente para nós, eu estava preparada para correr…

— Olhem para isso! — falou o espírito admirado — Dois meninos vivos, é coisa que
não se vê todos os dias.

— Por favor, não queremos confusão! — falou o Darwin.

— O quê? — indagou o espírito — confusão é a última coisa que eu quero. Levantem-


se, não fiquem aí com essa cara de gatinho assustado.

Levantámo-nos e observamos o espírito flutuante. Ele era mais ou menos velho e


tinha um rosto redondo com ar amigável e o cabelo preto. Pareceu-me familiar, mas eu
nunca obtinha visto antes. Quando olhei para ele, vida os seus olhos negros e pele pálida,
que me fez lembrar o Leo.

— O quê que este casal de encantadores jovens faz aqui em baixo? — perguntou ele
— Não é comum ver pessoas vivas aqui.

— Ah, bem. Estamos a tentar chegar até o castelo de Hades. — falei eu.

— A sério! — exclamou ele — Falar com o rei do submundo! O próprio deus das
almas mortas! Que absurdo.

— É a verdade senhor. — indagou o Darwin — Precisamos urgentemente falar com o


rei.
115
— Isso não é coisa que se vê todos os dias! Faço o pleonasmo. — disse o espírito
admirado — Da última vez que um ser humano entrou aqui, a quase quinze anos, ele estava
a tentar se manter o mais longe possível de Hades. Mas se vocês querem tanto vê-lo, é
porque devem ter mesmo um bom motivo. Ter com ele é quase um suicídio, mas se for
mesmo importante, eu vis levo até ele. Sigam-me e conversamos mais no caminho.

Nos encontramos com o Alan e a Dora e fomos com o espírito em direção ao castelo,
durante esse tempo, observamos a cidade que era linda, e ouvimos a história de como o
senhor fantasma tinha morrido. Algo sobre ser um bravo cavaleiro,que lutou pela paz e
justiça, mas que por uma flecha perdina numa gerra.

Estávamos a andar calmamente pelas ruas, os outros espíritos olhavam para nós, e
apenas começavam a contar histórias das suas vidas. Nenhum deles pareceu que iria nos
denunciar, ou coisa parecida. Depois de andarmos um bom bucado, nos deparamos com
três esqueletos vestidos de uniformes azuis. Por instinto, fomos a correr para nos esconder
atrás de um grande relógio de sol. Aqui dentro não há sol, porque que há um relógio de
sol?

Enfim! Quando o nosso espírito guia deu pela nossa falta, começou a procurar por
nós, até nos encontrar.

— O quê que estão a fazer? — perguntou ele.

— Aqueles esqueletos não podem nos ver. — disse a Dora.

— Oh. Não se preocupem com isso, venham comigo. — levantámo-nos e seguimo-lo,


passamos mesmo a frente dos esqueletos e eles não fizeram nada — Vocês não devem
fugir de qualquer esqueleto. Os de azul são guardas, que nunca abandonam o seu posto,
eles não vão mexer nenhum osso, para vos parar. Os de Verde estão a fazer patrulha e só
vão vos observar e ultrapassar. Os de vermelho é que devem vos preocupar, eles vão tentar
capturar-vos, mas eles devem estar a vossa procura lá fora e não aqui dentro, por isso não
se preocupem. Por último os de branco é que são o real problema, se virem algum deles,
corram, porque eles vão atirar-vos no rio da agonia.

Depois de uma pequena pausa, eu perguntei:

— Por quê que estás a ajudar-nos? Não tens motivos para isso. — falei.

— Oh minha querida rapariga, motivos é que não me faltam. — respondeu ele —


Aqui são os campos Elísios, antigamente era, agora é a passou a ser chamada de cidade de
Elísios, este lugar está cheio de pessoas que durante a vida, foram boas e agora estão a ser

116
recompensadas. As pessoas más vão para os campos da punição, onde cada um recebe o
castigo pelas maldades que cometeu durante a sua época em vida e blá, blá, blá, blá, blá…

O espírito senhor começou a tagarelar sobre tudo e mais um pouco, eu parti de


prestar atenção. A cidade era bela, o chão era azul escuro, feito de lápis-lasuli pura, As casa
eram variadas em rubis, safiras, esmeraldas e jaspes. Haviam também árvores brancas, com
as folhas pretas, que brilhavam com o brilho natural da cidade e flores feitas de diamante.
Imprecionante.

Quando finalmente chegamos ao castelo, vi a imensidão daquilo. Era um castelo


gigantesco feito de pura obsidiana. O castelo era cem por centos preto devia ser dez vezes
mais grande que o do nosso reino. Estávamos de frente ao portão principal quando o
espírito do velhote se despediu de nós.

— Então, cá está o castelo. — disse ele — Foi muito bom caminhar convosco, agora
temos de nos despedir. E tu minha rapariga, fazes-me lembrar alguém, mas ainda não sei
quem. — ele falou para mim — Ainda assim foi um prazer conhecer-vos a todos.

— Agradecemos muito pelo gesto senhor. — disse o Darwin — Gostaríamos muito


saber o teu nome.

— Não posso contar o meu nome. — falou o senhor — Sabem, os vivos as vezes usam
o nome dos que já partiram para rituais, como assustar ratos e afugentar baratas. Não me
levem a mal, mas talvez eu diga outro dia quando vocês estiverem mortos.

— Ah! Obrigado… — disse o Alan confuso.

Assim foi, o espírito foi flutuando lentamente enquanto coçava, o seu pequeno
bigode, como se tentasse lembrar de algo. Nós viramos para o castelo e vimos os quatro
guardas de azul que estavam de frente do portão.

— Precisamos falar com o Hades. — falou o Darwin para os esqueletos, mas eles
deram uma enorme gargalhada.

— Vocês! Falar com o Hade! Poupem-nos. — falou um deles.

— Como se nós um dia vos deixaríamos passar. — falou outro ironicamente.

— Vamos parar com os rodeios. — falei — Eu preciso falar com o vosso rei, para dar-
lhe isto.

117
Tirei o meu colar e mostrei para os esqueletos, eles ficaram estupefatos, o Darwin só
olhou para mim, com uma certa suspeita. Os esqueletos reuniram e cochichavam alguma
coisa uns para os outros, depois viraram para nós.

— Vamos falar com um superior para saber o que fazer. — disse um deles. Depois
disso todos ficaram parados como pedras, sem dizer nenhuma palavra.

— Eles não estão a fazer nada. — sussurrou a Dora para nós, mas depois de um curto
tempo, os portou abriram e veio dele um guarda esqueleto vestido de púrpura.

— Meus cavalheiros vivos, por favor sigam-me. — disse ele —O lorde Hades espera
por vocês na sala do tronos, fassam o favor de acompanhar-me.

Seguimos aquele esqueleto, sem dizer uma palavra. O jardim da frente do castelo,
Era de relva azul e flores de diamante rosa. Haviam também duas grandes árvores brancas
de cada lado do paceio que dava a porta principal.

Depois de entrar, vimos que as paredes do castelo estavam atravessadas por duas
linhas de ouro, bem direitinhas, ao longo daquele grande corredor. Vimos no caminho uma
sala de espera, uma sala de jogos, um ginásio e um lugar onde faziam massagens, acho que
se chama spá.

Chegamos finalmente de frente de uma gigante porta com cerca de seis metros de
altura. O esqueleto bateu palmas com os ossos da mão e as portas escancararam.

— Apresentam-se diante do rei do submundo, o deus dos mortos o lorde Hades, a


ninfa da floresta Ninfadora, o elfo real Alan, a proprietária do amuleto de Perséfone Lia, e o
príncipe do reino do leão Darwin. — anunciou o servo esqueleto — Entrem e apresentem-
se ao senhor do castelo.

Entramos vagarosamente, e quando chegamos em cima de um círculo dourado no


centro da sala. Olhamos de lado, o Alan e o Darwin tinham ficado com um joelho no chão e
baixado a cabeça, eu e a Dora fizemos o mesmo por instinto.

— Chega de reverências desnecessárias. — falou a voz fria e leve, mas muito severa e
imponente do rei do submundo — Levantem-se e olhem para o meu rosto.

Levantamos e olhamos para o grande trono feito de madeira preta, almofadas pretas
e obsidiana. Estava lá um homem gigante, cerca de cinco metros de altura. Tinha a pele
branquinha, muito, mas muito pálida, o cabelo e os olhos totalmente pretos. Tinha o rosto
fino e uma expressão fria, mas ao mesmo tempo calorosa e imponente. Ele tinha na cabeça
uma coroa de ouro brilhante e pedras pretas que eu não consegui identificar.

118
Ele levantou-se e começou a andar na nossa direção, eu senti muito medo. A cada
passo que ele dava na nossa direção ele encolhiam um merro, depois de quatro passos,
estava parado a frente do nós, um homem com cerca de um metro e oitenta. Ele pegou a
coroa e atirou no chão.

— Tu tens o colar da minha esposa? — perguntou com frieza.

— Sim eu tenho. — respondi com firmeza.

Ele me olhou de cima e estendeu a mão.

— Dá! — ordenou.

— Não! — falei, mas logo me senti amedrontada — Não ainda senhor. Tenho um
pedido a fazer.

— É claro que tens um pedido a fazer, todos têm. Ninguém vem falar com o
assustador rei do submundo sem querer alguma coisa. — falou ele — Fala jovem Lia, sou
todo ouvidos.

O que eu falar aqui, vai decidir o futuro do Leo. Tenho que ser cuidadosa…

119
Dezasseis
Darwin: Negócios de morte
— Temos um assunto muito sério para discutir contigo, senhor do submundo. —
disse a Lia com firmeza.

— Chama-me de Hades, além disso, façamos as nossas propostas e se concordarmos


um com o outro, fechamos negócio. — indagou o deus do submundo — O que achas
menina?

— Acho muito bom. — respondeu a Lia — Mas primeiro, precisamos de algumas


explicações. Posso fazer algumas perguntas?

— És muito corajosa menina. — falou o Hades — Faz as tuas perguntas, se eu estiver


de bom humor, vou responder, se não… morte.

A mim, não parecia que ele estava de bom humor, mas a Lia estava decidida a
receber satisfação do deus do inferno sobre o desaparecimento do irmão. Ela levou algum
tempo para realinhar as ideias e depois começou:

— Hades, nós fomos atacados por um dos teus subordinados, o deus responsável por
levar as almas, Tânatos, e ele arrastou para o submundo o meu irmão Leo e nós viemos
aqui a procura dele. — falou a Lia decidida a encontrar respostas — Nós gostaríamos saber
os motivos para tu levarem o nosso companheiro.

— Hur! O estrupício do Tânatos fez uma coisa dessas de novo! — falou ele irritado —
Não fui eu quem raptou o vosso amigo, também não sei o motivo para aquele boelo do
Tânatos ter feito uma coisa dessas de novo. — resmungou ele — Se quiserem respostas vão
falar diretamente com ele e descubram. Satisfeita com a minha resposta?

— Sinceramente não senhor. — respondeu a Lia — Mas, isso já aconteceu antes?

— Sim uma vez. — disse Hades — Ele raptou um jovem ruivo e veio aqui uma mulher
de cabelos negros atrás dele.

— E onde estão eles agora? — perguntou a Dora

— Morreram os dois. — indagou Hades muito friamente.

— Então o Leo está morto? — perguntou o Alan assustado.

— Não. Infelizmente não. — respondeu ele friamente.


120
— Então ainda podemos encontra-lo e leva-lo connosco? — perguntei.

— Encontra-lo até podem, mas quanto a sair daqui… não tenho muita certeza. —
disse o rei do submundo com um olhar bastante presunçoso.

— Como assim não podemos sair?! — exclamou Dora — Nós não morremos.

Hades andou lentamente até o seu trono, e a cada passo que dava ele ficava maior,
quando voltou a se sentar no seu trono, ele já tinha uns seis metros. Ele recostou-se no seu
trono e olhou-nos de cima.

— Vocês não podem sair. Quem entra no submundo, não pode sair sem mais nem
menos. — disse ele e olhou-nos com um ar assustador — Quanto ao facto de ainda estarem
vivos, isso resolve-se facilmente. Eu posso matar-vos com um olhar, da forma mais lenta e
dolorosa possível.

Fiquei assustado com aquilo, mas a Lia manteve-se firme e disse:

— Não podes matar-nos. — disse ela — Se isso acontecer, o colar passa a ser inútil
para ti. Então comecemos as nossas propostas.

— Claro. O que é que queres? — perguntou Hades.

— Bem. Primeiro, queremos que nos leves até o Tânatos. Segundo, nos ajudas a
salvar o meu irmão. Terceiro, mostra-nos uma maneira de sair daqui e quarto, dá-nos algo
para comer. — disse a Lia muito decidida.

— Agora é a minha vez. — disse Hades — Não vou levar-vos até o Tânatos, mas posso
mostrar-vos onde está. Não vou de maneira nenhuma ajudar-vos a salva-lo. Posso até
mostrar-vos onde está a saída, mas não podem comer nada daqui do submundo. Se vocês
comerem alguma coisa do submundo, não podem sair daqui nem que tentarem, mas eu
posso renovar as vossas forças para poderem lutar, mas isso não vai retirar a vossa fome.

— Aceito. Mas tens que nos levar diretamente para a saída daqui e garantir que
saímos. — disse a Lia de forma inteligente.

— Tudo bem, mas se vocês morrerem, estarão nas minhas mãos e nunca mais
poderão sair. — disse ele.

— Ok. Agora fechamos o acordo? — perguntou Lia.

Hades saiu do seu trono e caminhou até a nós, quando chegou, estava com o seu
metro e oitenta.
121
— Damos as mãos e nenhum de nós pode quebrar o acordo.

Eles apertaram as mãos e o colar verde claro da Lia voou lentamente até a mão
esquerda do Hades. Depois do colar chegar na sua mão, uma aura negra passou para a Lia e
depois para nós. Naquele momento senti uma força entrar dentro de mim e estava a curar-
me e a deixar-me mais forte.

Depois de alguns segundos vi que aquilo era demais, a força de um deus estava a
entrar dentro de mim e eu estava a ficar descontrolado. Olhei para as minhas mãos, e as
minhas unhas eram outra vez garras enormes, a minha visão ficou avermelhada e os pelos
dos meu braços cresceram mais um pouco.

Mata, mata alguém… — dizia uma voz dentro de mim — acaba com a raça de todos e
depois vais procurar mais pessoas para matar.

Virei-me, e a frente de mim estavam a Dora, o Alan e a Lia. Estava pronto para saltar
em cima deles eu iria rasgar tudo que podia e só iria para quando restasse apenas uma
lagoa de sangue, bem vermelho. Olhei fixamente para eles e então…

O Hades colocou o dedo dele na minha testa e acalmei-me.

— Fecha a boca monstrinho. — disse ele para mim. Os outros nem repararam em
mim.

— Ah! Obrigado… — falei relutante.

— Tenta não descontrolar-te monstrinho. — falou ele e pareceu muito sério.

Não sabia o que dizer. Ele parou a frente da Lia e disse:

— Saiam pela entrada de trás do castelo, daí só tenham que andar em linha recta.
Atravessam o rio das almas e depois dali, perto da floresta de ossos, vão encontrar um
passagem subterrânea. Depois de sairem dali, é só cada um de vocês dizer o meu nome
uma vez e eu vou aparecer para tirar-vos daqui, alguma dúvida.

— Não. Agradecemos muito pela ajuda. Permita que nos retiremos. — falou o Alan.

— Vão-se embora loga. — respondeu ele.

Começamos a andar para fora da sala do trono, onde o esqueleto de uniforme roxo
nos esperava.

— Esperem! — disse Hades e nós paramos — O Tânatos pode ser der mais fraco, mas
ele continua a ser um deus. Ainda assim ele é muito ingénuo. Tenham cuidado.
122
Saímos da sala e o esqueleto nos dirigiu para a saída de trás. No caminho fiquei a
pensar na minha pequena transformação. O que era aquilo? Por que estava a acontecer
comigo? Será que eu sou um monstro? Onde é que…

— Vocês repararam? — perguntou a Dora e eu fiquei um pouco nervoso.

— O quê que viste, quem te contou, o que é que sabes? — falei nervoso — Quer
dizer. Reparar no quê?

— No Hades — disse ela com um olhar suspeito, como o dos outros — Ele estava a
tentar ajudar-nos.

— Sim, aquele último aviso sobre o Tânatos pareceu-me bem útil. — falou o Alan

— Talvez ele não seja tão mau como parece, afinal ele revigorou as nossas forças não
é? — disse Lia.

Pensei que eles tinham reparado em mim. É um alívio saber que eles não tinham
visto aquilo, eu queria manter aquilo em segredo.

Quando saímos do castelo e estávamos no jardim, vimos uma mulher, muito parecida
com a minha mãe, só que esta tinha a pele mais clara e o rosto mais fino. Estava a usar um
vestido verde comprido, com uma racha frontal, muito tendenciosa. Tinha uma coroa de
flores e muitas mais flores no seu cabelo castanho e os seus olhos verdes eram penetrantes
e aconchegantes.

— Lia! — disse ela para nós.

— Como sabes o meu nome? — perguntou ela.

— As paredes desse castelo têm ouvidos. — disse ela — Vamos direto ao ponto. Eu
sou a deusa Perséfone, deusa da primavera e esposa de Hades. Soube que tu trouxeste o
meu colar de volta, tenho certeza que o meu marido vai dá-lo a mim, no entanto, tu já não
tendo o colar, não tens mais os poderes para te proteger. Assim sendoeu dou-te um pouco
do meu poder. Vais conseguir lançar as flechas de luz outra vez, mas não vais poder fazer
tudo que fazias antes.

A Lia ficou apenas parada sem dizer nada.

— Não te preocupes Lia, vai salvar o teu irmão rápido. Agora tu tens a minha
protecção. — disse ela para nós e deu um sorriso, nos dizendo para ir.

123
Saímos dali confuso, mas agradecidos. Depois de passarmos os portões de trás, o
esqueleto parou e fechou o portão o mais rápido que conseguiu. Só não nos olhou de cima,
porque ele não tinha olhos.

Olhamos para frente, o espírito velho que tinha nos trago aqui estava a vir na nossa
direção, à uns cinquenta quilómetros por hora, ele vinha com mais dois espíritos atrás dele.
Quando ele parou a nossa frente, disse:

— Lia! Eu sabia que iria te encontrar aqui. — falou ele — Eu disse que te reconhecia
de algum lado. Olha quem eu trouxe para ti.

A Lia olhou para trás do velho fantasma e exclamou admirada:

— Pai! Mãe!...

124
Dezassete
Lia: O rio das almas
— Lia! O que é tu fazes aqui? — disse o espírito de uma mulher de cabelos pretos,
muito parecida comigo, a minha mãe.

— Ah! Bem, é uma longa história. — respondi.

— Então faz um resumo, porque nenhum de nós tem muito tempo. — falou o meu
pai. Um homem um pouco baixo de cabelo e uma curta barba ruiva.

— Bem, reunindo. Depois de vocês morrerem, eu e o Leo ficamos ladrões, fomos


presos, fomos salvos pelo príncipe, entramos na floresta da morte, quase morremos várias
vezes. — falei para eles.

— Mas qual é o motivo de vocês estarem aqui? — perguntou a minha mãe um pouco
estérica, como sempre foi.

— E onde está o Leo? — disse o meu pai — Ele prometeu que sempre estaria contigo,
para te proteger, onde ele está num momento desses?

— Esse é o motivo de estarmos aqui. — falei — O deus da morte, Tânatos, raptou-o e


lhe trouxe para aqui.

— O quê?! — gritou a minha mãe — Outra vez! Aquele maldito do Tânatos.

— Como assim outra vez? — perguntou o Darwin.

— Bem, uma vez, a muitos anos, o Tantos raptou-me a mim e a minha querida esposa
veio até aqui sozinha para salvar-me. — falou meu pai. — Atendendo as circunstâncias, nós
podemos acompanhar-vos até o fio das almas, mas dali têm de ir sozinhos. Depois só têm
de…

— Não te preocupes pai, calmos com Hades e ele mostrou-nos o caminho e como sair
daqui. — falei.

— Então vamos, rápido. — falou o espírito do velho.

Começamos a andar o mais rápido que conseguíamos, enquanto três espíritos


flutuavam ao nosso lado.

— Já agora filha, — falou minha mãe — este senhor aqui é o teu avó.
125
— Wau! A sério! — admirei — E estes são meus amigos, Dora, Alan e o príncipe que
nos salvou e o culpado de estarmos aqui, Darwin.

— Tu és o Darwin! — exclamou meu pai — Tu eras um bebezinho desde a ultima vez


que te vi. Pareces igualzinho ao teu pai quando tinha a tua idade.

— Vocês conhecem o meu pai? — falou o Darwin curioso.

— Claro que sim. Nós éramos os três amigos, melhores amigos. — respondeu minha
mãe.

— O meu pai já teve amigos! — admirou ele outra vez.

— Sim. Nós estivemos juntos desde as nossas infâncias. — respondeu meu pai —
Mesmo ele sendo um príncipe e nós meros camponeses.

— Então filha, ele é o teu namorado? — perguntou minha mãe um pouco


presunçosa.

— O quê? Não, que nojo! — respondi rapidamente.

— Sim que nojo. — falou o Darwin, num tom muito suspeito.

Dai andamos e conversamos mais um pouco, até chegarmos perto das margens de
um rio de águas totalmente brancas.

— No temos de regressar aqui, filha, mas sabemos que tu consegues. — falou minha
mãe.

— Nós adoramos-te Lia. — falou meu pai — Diz isso também ao Leo quando o
salvares.

— E agora conheces o teu avó. — falou ele.

— Sim. — falei — Também vos amo, e queria dar-vos um grande abraço, mas vocês
estão mortos e eu não.

— Adeus! — disseram eles e foram embora a flutuar.

Citamos para o rio e havia lá a nossa espera, um barco, não uma barcassa, disse o
Darwin. Parecia um barco normal, mas era a remos e tinha a poupa e a proa muito
compridas em uma madeira bem escura. Subimos naquele barco e tivemos o cuidado de
não tocar na água.

126
— Não há remos neste barco. — disse o Alan.

— Barcassa! — currigiu o Darwin — Mas sim, não há remos, como saímos daqui?

Logo que ele disse isso, o barco começou a navegar sozinho. Seguramo-nos, e
aproveitamos a viagem. O rio era calmo, mas extremamente grande. Na velocidade em que
o barco estava a navegar, iríamos demorar uns dez minutos atéchegar ao outro lado, disse
o Alan. As água brancas do rio fluiam lentamente e o barco não parava por…

— Aaaaahhhhhhhhhh! — ouvimos um gemido. Parecia um homem de voz grossa,


gritando de forma melancólica, triste e baixa.

— Vocês também ouviram isso? — perguntou a Dora e nós confirmamos com a


cabeça.

— O que vocês acham que era? — perguntou o Darwin, logo após, ouvimos o som
outra vez, só que agora eram duas vozes.

Ficamos assustados com aquilo, porque as vozes lamentadoras não paravam de gritar
e aumentar. Era simplismente sinistro. Algo me dizia para eu não fazer aquilo, mas ainda
assim, fui até a borda esquerda do barco. Então eu vi.

Milhares de vozes lamentavam lá em baixo, bem no fundo do rio. Lá eu conseguia ver


almas perdidas e desesperadas a lamentarem o seu sofrimento eterno.

— Olhem para isso pessoal. — falei para os outros.

Eles olharam e viram o mesmo que eu. Aqueles gritos das almas perdidas, faziam o
barco abanar por causa das ondas que eles causavam. De repente, um silêncio aterrador e
depois…

— Aaaaaahhhhhhhh! — gritaram um milhão de vozes ao mesmo tempo. Aquilo fez


com as águas ficassem tão agitadas que não tarda a água branca começaria a entrar no
barco.

— Rápido, tentem subir em alguma coisa! — gritou o Darwin, tentando abafar os


lamentos incessantes.

— Aaaaaaahhhhhh — dessa vez o grito foi ainda mais alto. Causou uma onda tão
grande que com um baque a água entrou dentro do barco.

— Ah não! O barco. — lamentou o Alan.

— Barcassa! — currigiu o Darwin.


127
— Isso não importa agora! Não importa nada. — falei furiosa.

Eu e o Darwin estávamos na proa do barco, enquanto que a Dora e o Alan estavam na


polpa. Era assustador…

— Olhem pessoal! — gritou a Dora — O tecido que estava no fundo do barco se


dissolveu.

— É ácido! — disse o Alan — Façam o que fizerem, não o toquem!

A Dora apontou a mão para a água dentro do barco e disse suavemente:

— Yaguarium! — de repente, a água começou a se esvair do barco, como se estivesse


a sair por uma mangueira, mas sem a mangueira.

Aquilo estava bom de mais para ser verdade. A água do barco estava quase a acabar,
as vozes gritantes pararam e o rio aclamou-se. Agora as águas fluiam tão lentamente, que o
barco navegava sem abanar nem um pouquinho. Aquele silêncio me incomodava mais que
as ondas de a pouco.

— Ok, já está. — falou a Dora — Podemos voltar a descer.

— Não! Esperem. — falei eu — sinto que algo de mau vem aí. Algo muito mau.

— É melhor te dar ouvidos, da última vez que tiveste um pressentimento destes,


fomos atacados pelas harpia. — falou o Alan e nós nos mantivemos agarrados a polpa e a
proa do barco.

— Olhem aquilo! — disse a Dora assustada.

Quando olhamos, uma onda gigantesca tinha se formado na parte superior do rio, e
vinha na nossa direção bem rápido. A onda não demorou nem mais um minuto, acertou em
cheio no barco, que ficou cheio de água. Foi difícil nos segurar, mas conseguimos aguentar.

— Deixem que eu tiro a água do barco. — falou a Dora.

— Espera! Olhem para aquilo! — gritou l Darwin.

A onda gigantesca agora vinha de baixo do rio em nossa direção. Olhei com mais
atentado dentro da onda que se aproximava e dentro dela…

— Olhem bem para a onda. Há alguma coisa dentro dela! — falei eu.

128
— Segurem-se bem, aquela coisa quer nos deixar cair na água. — gritou o Darwin e
cada um de nós nos Agarramos o mais forte que conseguimos.

A segunda onda bateu no barco, que ficou tão agitado que uma da minhas mão se
soltou, e eu fiquei suspensa entre a madeira da proa e a água ácida do rio. Depois da água
ter se acalmado um pouco,consegui me erguer até me agarrar outra vez.

— Está bem Lia? — perguntou a Dora assustada.

— Sim. Agora temos que nos preocupar mais com aquilo.

Dentro da onda que já nos atacou duas vezes, estava um monstro gigante. Parecia ser
um sapo, mas sem as patas da frente e sem olhos, com uma série de dentes molares na
grande boca. Ele nadava com as patas traseiras e devia ser do tamanho do sérberos, o cão
demónio do Hades.

Dessa vez ele não iria conseguir. Fiz o esforço de me equilibrar e tirei o meu arco da
mochila. Pensei que seria difícil sem o meu colar, mas foi só puxar o fio que apareceu logo
uma flecha de luz. Díspares direto para o que eu achava ser a cabeça do monstro. Uma,
duas, três… Lancei quinze flechas naquela coisa, mas não fez efeito. A pele daquela criatura
era muito grossa.

Quando ela chegou ao lado do barco, não bateu nele. O monstro saltou da água e
quando voltou a entrar, o estrondo foi tão grande que o barco saltou da água. E eu… Eu não
consegui me agarrar a tempo. As minhas mãos escorregaram do barco e eu, caí. Vi a vida
toda passar-me a frente dos olhos e senti que eu estava a cair muito lentamente. Eu estava
a cair de costas e não tarda iria ser dissolvida pelo ácido. Estava grata, porque os meus
amigos me acompanharam até aqui, mas triste por não ter salvado o Leo, eu…

— Lia! — gritou o Darwin, ele conseguiu agarrar-me pelo braço, mas ele estava a
escorregar também…

— Deixa-me Darwin, ou vamos cair os dois… — gritei.

— Não! — exclamou ele — Só um de nós vai cair…

Ele usou toda a força que tinha e puxou e me lançou para o barco, em troca, ele
próprio caiu na água.

— Darwin… — gritei com todo fôlego dos meus pulmões.

— Darwin! Darwin… — gritaram também o Alan e a Dora.

129
Olhei para a água e já não conseguia ver nada… ou ele tinha sido dissolvido, ou então
afundou bem rápido… Lá no fundo! Havia qualquer coisa a nadar para cima, podia ser ele…

Ele estava a vir na minha direção, então me preparei para o agarrar, ele nadou e
nadou, quando estava mesmo perto, saltou da água…

Agarrou-me o braço, era outro monstro. Ele era super peludo de olhos vermelhos, e
garras compridas e afiadas. Tinha presas tão grandes que saiam da sua boca, como dentes
de um leão feroz.

O monstro agitou o seu braço direito para mim, mas eu consegui esquivar. Ele quase
me cortava o pescoço em duas partes, senti parte do meu cabelo ser cortado. Foi então que
dei-lhe um pontapé na cara, ele caiu direto para água e voltou a afundar.

Eu queria continuar a procura do Darwin, mas agora tínhamos de lidar com dois
monstros e um deles estava prestes a atacar. O sapo gigante preparou-se para atacar mais
uma vez. Preparámo-nos para o impacto, quando… O monstro peludo saltou da água,
direto para para o sapo gigante.

Ambos se debruçaram em uma luta feroz. Não consegui ver muita, coisa. Eles
estavam sempre a emergir e a saltar da água, mas pelos vistos o pequeno peludo estava a
ganhar. Os dois mergulharam e as águas ficaram calmas. Apenas silêncio, a Dora
aproveitou para retirar o ácido do barco. Estávamos quase a chegar na outra margem,
quando o sapo gigante finalmente emergiu.

Ele estava a flutuar e em cima dele estava o monstro mais pequeno, ele tinha
ganhado e matou o outro. Ele podia ser mais pequeno, mas era muito forte. Ele saltou para
água e começou a nadar em nossa direção. Não demorou mais de dois segundos, saltou
direto para dentro do barco. Eu estava de um lado, a Dora e o Alan de outro, ele ficou entro
nós e virou na minha direção.

Ele me olhou com aqueles olhos vermelhos e deu o primeiro passo em minha
direção, eu estava… espera! Na cabeça deles, ele… ele tem cabelo, encaracolado. Aquele
monstro, é o Darwin.

Ele estava com as pernas contorcidas como de um lobo, era difícil reconhece-lo, mas
eu sabia que era ele.

— Sarce! — gritou a Dora atrás dele, uma luz verde atingiu as costas do monstro e o
fez cair desmaiado. As roupas dele tinham se dissolvido por completo, mas felizmente os
pelos comprido não nos deixavam ver nada que não devíamos.

130
— Eu acho que este monstro é…

— O Darwin. — terminou o Alan, enquanto que o cubria com um lençol que tinha
trago.

O barco parou na outra margem do rio e descemos. O Alan teve a bondade de


levantar o Darwin e pó-lo deitado em um saco de cama.

Eu não tinha raparado, mas as nossas roupas estavam todas esburacadas e


queimadas por causa o ácido.

— As nossas roupas… ainda bem que temos outras. — Falei.

— Bem Lia! — falou a Dora — O rei cabelo…

Olhei para o meu cabelo e estava todo queimado. Os meus lindos fios negros que
chegam quase à cintura estavam todos queimados e embaraçados. O importante é que
estamos bem e o Darwin não morreu.

Agora… Vou salvar o meu irmão…

131
Dezoito
Darwin: Deserto de ossos
— Ai que dor! — falei para mim mesmo no meu interior.

Notei que eu estava dentro de um saco cama, e pelos vistos sem roupa… as minhas
memórias foram voltando lentamente e ah não.

Por algum motivo, eu tinha me transformado em um monstro, e pior ainda, eu tinha


atacado os meus amigos. Eu tinha receio de abrir os olhos, mas não podia ficar assim para
sempre.

Ainda estava um pouco sem forças, por isso abri lentamente os meus olhos, primeira
coisa que vi, foi um Alan muito desfocado. Quando ele reparou que eu estava acordado, ele
exclamou:

— Darwin! — gritou ele, a Dora e a Lia que estavam um pouco afastadas,


aproximaram-se a correr.

— Darwin estás bem? — perguntou a Lia.

— Não. — respondi.

— Não te preocupes, vais recuperar. — disse a Dora calmamente.

— Não é isso que me preocupa. — falei para eles.

— Não vamos nos preocupar com isso agora. — indagou o Alan — Bem, a tua mochila
e a espada foram dissolvidas pelo ácido, então tens de vestir estas roupas do Leo...

A Lia e a Dora afastaram-se e eu vesti-me, eram um pouquinho não pequenas, mas só


um pouco justas. Eu estava envergonhado, não sabia o que dizer. Sentei-me ao lado do
Alan, nas margens daquele rio do terror.

— Tu lembras do que aconteceu? — perguntou a Dora ao aproximar-se de nós.

— Sim. Lembro de tudo, pelo menos o que aconteceu antes de eu desmaie.

— Não te culpes Darwin, se não tivesses te transformado, não terias sobrevivido ao


ácido e eu não teria me perdoado. — falou a Lia, que agora estava com o cabelo mais curto,
um pouco abaixo dos ombros.

132
— Não é por ter me transformado, mas sim por ter vos atacado! Eu estava bem
consciente do que estava a fazer, uma voz na minha cabeça me mandava atacar tudo o que
aparecia a minha frente e eu não consegui resistir-lhe. — expliquei — Eu podia feito algo
muito mau. Graças a mim o cabelo da Lia está mais curto, mas continuas linda…

Eu disse que a Lia estava linda, estou tão envergonhado…

— O meu cabelo queimou com o ácido, e acho que gosto mais dele assim. — disse a
Lia — Além disso, tu eliminaste aquele sapo gigante, graças a ti estamos bem.

— Além disso, — falou o Alan — Nós viemos até o submundo para salvar um amigo,
não vamos desistir de ti só por teres umas unhas compridas.

— Mas… e se eu atacar outra vez? — perguntei.

— Eu sei que o verdadeiro Darwin nunca nos atacaria por vontade própria, — falou a
Dora — então teremos de te trazer de volta a razão. Podes atacar-nos, mas nós nunca
vamos desistir de ti.

Era confortável saber que tenho amigos tão bons. Já passamos por muito juntos, não
vamos desistir uns dos outros agora.

— Então,vamos? — falei.

— Não precisas descansar? — perguntou a Lia.

— Não! Afinal já não temos comida nem tempo. E o mais importante temos de salvar
o nosso amigo.

Levantei-me e os outros levantaram também. Começamos a andar, e pelos vistos


estávamos em uma espécie de deserto, mais ou menos. Haviam alguns ossos espalhados
por aí, e a área era fina e braça pareciam ossos moídos.

Não era uma caminhada tão longa, nós conseguíamos ver uma zona rochosa depois
do pequeno deserto, não iria demorar muito até…

— Vocês! Humanos. — virámo-nos e vimos atrás de nós, um esqueleto, mas este não
estava uniformizados.

— Ah não! Vem aí confusão outra vez. — reclamou o Alan.

— Tens razão humano. — respondeu o esqueleto — Nós não temos nenhum motivo,
mas vocês não vão sair daqui vivos.

133
— Sim! Não temos um só dia de descanso. — falou a Dora.

O esqueleto enterrou a mão na areia e quando tirou saiu de lá uma espada.

— É apenas um, não vai ser tão difícil derrotá-lo. — disse a Lia.

— Oh isso querias tu. — ele pôs dois dedos na boca e sabe-se lá como, ele assubiou…

Os ossos que estavam espalhados começaram a juntar-se e em dez segundos, haviam


mais de vinte esqueletos a nossa volta, todos armados até aos dentes. A Dora passou-me o
bastão do Leo, visto que a minha espada tinha se dissolvido.

Eu já tive nas minhas aulas de combate, treinamento com bastão, por isso não iria ser
muito difícil.

O primeiro esqueleto veio a correr na minha direção, fiz com que uma ponta do
bastão transpassasse as suas costelas, levantei-o sobre a minha cabeça e bati-lhe no chão.
Ele se desfez em pequenas partes, cada osso foi para um lado diferente. Eles eram super
leves, assim, isso iria terminar rapidinho.

Os esqueletos atacaram com tudo o que tinham, nós defendemos com tudo o que
tínhamos. A cada pancada, os esqueletos se reduziam a um monte de ossos sem vida. Bati,
chutei, girei o bastão e em menos de cinco minutos, todos os ossudos tinham sido
derrotados.

— Foi rápido! — disse a Dora.

— Sinceramente, pensei que seria mais difícil. — acrescentou a Lia.

— Vamos embora, — começou a falar o Alan — não temos tempo para…

Ah não! Os ossos dos esqueletos se juntaram de novo, e em menos de nada todos


esqueletos voltaram a atacar. Mais uma vez, bati, chutei, pontapeei e os esqueletos eram
só mais um monte de ossos.

Só que, os ossos se juntaram outra vez.

— Tomos de sair daqui agora! — ordenou a Lia.

— Se ficarmos mais tempo, não vamos conseguir resistir. — falou a Dora — Não
temos força para aguentar mais vezes.

— Derotámo-los mais uma vez e depois fugimos! — disse o Alan.

134
Lutamos mais uma vez. Bati, chutei e pontapeei, mas desta vez foi mais difícil, porque
já não como nem bebo água a algum tempo, além disso aqui em baixo está um calor dos
infernos, literalmente.

Faltava apenas um, girei o meu bastão pelo ar, e bati em cheio na cabeça dele.
Quando a cabeça dele voou para longe, gritei:

— Corram!

Começamos a correr, mas não demorou para notarmos que os ossos ainda
separados, estavam atrás de nós. A cada passo que dávamos os ossos nos seguiam.

— O que fazemos agora? — perguntou a Dora aflita.

— Temos que lutar! — falei confiante, mesmo não acreditando no que eu falava.

Desta vez não foi assim tão fácil. Bati, tentei chutar, tentei pontapear, mas quase que
não consegui fazer nada. Os esqueletos estavam a levar a melhor sobre nós. Eles batíam-
me e por pouco eu não desviava das suas espadas.

Olhei de relance para trás e vida um deles pontapear a Dora. Fiquei furioso com
aquilo, senti uma força que não era minha entrar no meu corpo e mover os meus músculos.
Comecei a atacar os esqueletos com mais força que nunca.

Desta vez os esqueletos estavam mais rápidos, eu destruía um, e dois se


regeneravam a seguir. Vi um deles dar uma cotovelada no Alan, que o fez cair ao chão.
Aquilo só serviu para alimentar na minha fúria, via as minhas unhas tornarem-se em garras
enormes e senti dentro da minha boca os caninos a crescerem e a engrossar.

A minha transformação ainda nem tinha terminado, quando um esqueleto deu um


soco na cara da Lia. Essa foi a gota dágua.

— Fujam! — gritei a eles. Eles olharam para mim e tentaram resistir — Fujam agora!

Sem dizer única palavra, eles começaram a correr e os esqueletos nem sequer os
seguiram, depois deles terem ido embora…

— Agora é entre vocês e eu! Vou partir cada um dos vossos ossos em mil pedacinhos
para nunca mais voltarem a se juntar! — falei para eles seguindo os meus instintos
assassinos.

— Tu não consegues derrotar-nos a… — tá! Dei um soco na cara do esqueleto que


estava a falar, o seu crânio se reduziu a areia de ossos.
135
Todos esqueletos partiram para cima sem mim, o meu corpo praticamente se moveu
sozinho. Bati chutei e pontapeei e como prometido, parti cada osso em tantos fragmentos
que eles não voltaram a se unir.

Era tão bom sentir aqueles ossos partirem-se, se bem que eu preferia sangue a jorrar
por todo lado, mas me contento com o que tenho.

Os esqueletos estavam a acabar, era uma luta fez entre mim e eles, mas eu já tinha
praticamente vencido. Senti-me tão bem em aniquilar aquela raça de estrupícios, que parei
por um momento e gritei bem alto.

— Sou invencível! In-ven-cí-vel. — dei mais um soco ultra potente em um esqueleto e


voltei a gritar — Invencível! In-ven-cí…

A palavra ficou assim por metade. De repente aquela natureza monstruosa começou
a abandonar o meu corpo e eu voltei ao normal.

Olhei para baixo e vi o meu sangue escorrer, uma espada tinha entrado por minhas
costas e saído de minha barriga. Vida o meu sangue escorrer lentamente e aquela espada
transpassada em meu corpo. O esqueleto me acertou tirou a sua espada no meu abdómen
e caí.

Deitado no chão, senti frio. Os esqueletos riram antes de se irem embora por aquele
deserto de ossos.

Eu sabia que não tinha nem mais um minuto de vida, senti que estava a ficar frio
como uma pedra. É uma pena não poder ajudar os meus amigos, mas não posso fazer mais
nada.

Pelos vistos, é aqui que acaba a história desse príncipe sem trono. Foi num último
suspiro, que senti a minha alma sair do meu corpo.

Eu estava morto…

136
Dezanove
Lia: Os olhos da morte
— Esperem! — gritei aos outros — Temos de voltar e ajudar o Darwin.

— A esta altura os esqueletos já estão todos mortos, e se não sairemos daqui, será o
Darwin a eliminar-nos também. — falou a Dora.

— Ainda assim, não me sinto bem em abandaná-lo. — lamentei.

— Sim Lia, eu te entendo. — falou o Alan —Ele é também é meu amigo, mas é muito
perigoso voltarmos agora. Vamos até o Tânatos, salvamos o Leo e depois buscamos o
Darwin para sairemos daqui todos juntos.

— Eu não consigo lançar mais um feitiço daqueles, se voltarmos não teremos como
acalmá-lo. — falou a Dora.

Pensei por um momento e…

— Vamos! — falei — Salvamos o Darwin depois.

Saímos dali, mas o meu coração ficou naquela batalha que o Darwin travava com os
esqueletos.

Não faltava mmuito para sairmos daquele deserto de ossos. Depois dali, eu via uma
espécie de catedral. Parecia um grande igreja, com tochas na parte exterior. Era toda feita
de obsidiana como o palácio do Hades.

Era assustadora. Tinha uma cruz gigante cheia de correntes em cima da porta, onde
estava desenhada uma foice gigante.

Quanto mais nos aproximavamos, mais assustada eu ficava com aquele lugar.
Finalmente chegamos. Andamos lentamente até a porta, com a esperança de arranjamos
alguma forma de entrar, mas qual do nos aproximamos, a porta gigante se abriu sozinha,
muito lentamente com um ranger tão alto, que tivemos de tapar os ouvidos.

De dentro veio uma voz…

— Entrem. — era fria e muito grave, simplesmente aterradora.

— Acho que não devemos. — falou a Dora.

137
— Parece muito suspeito. — disse o Alan. Estávamos todos assustado, e ainda nem
sequer tínhamos entrado.

Estávamos prontos para dar a volta e arranjar outro plano, quando…

— Lia! És tu? — eu reconhecia bem aquela voz, era o Leo — Não entres, fujam todos.

Como sempre a tentar me proteger, e eu como sempre teimosa como uma mula. Dei
meia volta, e avancei em direção aos degraus que davam a porta, o Alan e a Dora seguiram-
me sem exitar.

Entramos. Havia um enorme tapete vermelho, que começa na porta e terminava em


um grande trono feito de ossos, em cima dele estavam sentados mais ossos. Estava lá o
gigante de ossos Tânatos, dessa vez sem capuz. O grande esqueleto tinha um manto que
arrastava no chão, os seus olhos brilhavam com chamas vermelhas e dentro da sua
mandíbula uma intensa chama azul.

Dentro desta espécie de catedral, haviam tochas que ardiam com chamas azuis, o
que tornava o ambiente mais sinistro. Olhei ao redor e não vida o Leo.

— Lia! — chamou ele.

Ele estava dentro de uma gaiola bem ao lado da cabeça do esqueleto de dez metros.
Ele olhava nos de cima, se tivesse lábios, certamente estaria a sorrir agora mesmo.

— Finalmente chegaram. — falou com a sua voz extremamente grave — Estava a


vossa espera.

— Viemos em busca do meu irmão! — falei.

— Eu sei! — falou ele — Vou ser direto, quando vocês estavam na floresta, eu senti o
poder do colar da Perséfone em ti rapariga. Eu quero esse colar, com ele vou poder
manipular o estúpido do meu tio, Hades, como eu não podia recebe-lo de ti, desidi tirar
uma coisa que amavas muito, assim podíamos fazer uma troca justa. Dá-me o teu colar, eu
dou-te o teu irmão.

Então era esse o motivo de ele ter levado o meu irmão. Pelos vistos ele também não
sabe que eu já não tenho o colar. O Hades disse que ele não era muito intelectual, dentro
daquele crânio não deve haver um cérebro.

Olhei para ele, ele tinha grandes correntes de ferro na mão direita e uma enorme
foice na mão esquerda, em si só, já parecia ameaçador, com aquelas armas, eu sabia que
era impossível derrotá-lo. Nós podíamos ser corajosos e fortes, mas ele continua a ser um
138
Deus, só tenho que arranjar uma maneira de ele me devolver o meu irmão, sem e tarde
numa luta.

— Façamos um negócio. — falei com cautela — Eu dou o colar a ao senhor dos


mortos, e tu dás-me o meu irmão.

— Fechado. — disse Tânatos.

— Espera! Não é só. — falei — Desculpa senhor Tânatos, mas é difícil confiar em
alguém que arrasta o nosso irmão até o inferno, então, depois de dar-nos o meu irmão, nós
saímos daqui e tu podes vir buscar o colar na margem do rio branco.

— Isso é muito suspeito, eu já fui enganado uma vez por alguém da tua espécie, por
quê eu deveria confiar em ti? — disse ele inteligentemente.

— Se eu quebrar um acordo com um deus tão grandioso quando o senhor, eu


morreria e essa viajem toda seria em vão. — falei — E se achas que já não tenho o colar,
olha para isso:

Tirei o meu arco, e disparei uma flecha na direção, ele nem precisou desviar, eu
estava tão fraca, que a minha flecha, bateu na cara dele e ele nem sentiu côsegas. Ainda
assim…

— Acordo fechado. — falou ele — Toca no meu dedo, e o acordo fica selado.

Ele estendeu a sua mão na minha direção com o osso do indicador a apontar para
mim. Se eu lhe tocasse, o acordo seria oficial e como era totalmente falso, eu me daria
muito mal. O dedo dele estava bem perto, se me tocasse era o fim, se entrássemos em uma
luta, estaríamos acabados. O quê que eu faço, não tenho saída…

— Wau! — exclamou a Dora — O grande deus Tânatos, o deus da morte vai tocar em
alguém que eu conheço! Posso tocar também, todos vão querer saber da grande história de
generosidade do deus do inferno. Serias conhecido pela tua bondade e amor e todos
saberiam que afinal há um coração a bater nesse monte de ossos.

Ele de repente parou, parece que a Dora tocou bem no seu orgulho e no seu ego.

— É desnecessário o toque, eu vou buscar o colar na margem do rio, daqui a quinze


minutos, se tentares me enganar humana, vou garantir que tenhas uma morte lenta e
dolorosa. — falou ele, e as chamas nos seus olhos brilharam mais intensamente, olhei nos
olhos da morte, senti que iria morrer agora.

— Então tá! — falei, dessa vez não muito confiante.


139
O Tantos de dez metros pegou na gaiola onde estava o Leo, tirou de onde tinha
pendurado e abriu devagar com os seus dedos gigantes. Depois colocou a gaiola no chão e
o Leo saiu dela a correr na nossa direção. Demos-lhe todos um abraço rápido e eu falei.

— Permita-nos que nos retiremos, lorde Tânatos. — disse eu.

— Vão. — respondeu ele.

Estávamos a andar rápido, para sair logo daquele lugar, não iríamos conseguir
engana-lo por muito mais tempo.

— Lia! Espera um pouco, estou tão feliz por… — estava a falar o Leo, mas eu
interrompi com um olhar de silêncio que ele entendia bem.

Ao chegarmos na porta, ela abriu-se sozinha e quando saímos fechou-se lentamente


atrás de nós. Antes de fechar, vi a cara indecifrável de esqueleto do Tânatos e foi um alívio
sair dali com vida.

— O quê que se passa Lia? — perguntou o Leo, quando do nada começamos a correr.

— Nós enganamos o Tânatos, quando ele perceber, vai com certeza tentar nos
matar, temos de ir buscar o Darwin o mais rápido possível e sair daqui. — falei eu.

— Como assim enganaste-o? Não vais dar o colar? — falou ele.

— Não. Porque eu já não o tenho. — falei.

— O quê? — exclamou ele — Tu sabes o que estes colares significam para nós.

— Sim eu sei. — respondi — Mas tu és mais importante do que qualquer outra coisa,
além disso, os pais não se importam. Já agora, eles dizem olá e que te amam…

— Tu falaste com os nossos…

Não acabou de falar, porque houve um grande estrondo e a terra do submundo


começou a tremer, alguns segundos depois, abriu-se uma fenda no chão e dentro dela saiu
um esqueleto de dez metros com uma foice gigante na mão esquerda, e correntes na
direita.

— EU SABIA! – disse o gigante de dez metros — Vocês tentaram enganar-me. Sou eu


sempre o deuszinho ingénuo que é enganado por todos. Desta vez não, já me fizeram de
burro vezes suficientes. Já tenho de aturar o estúpido do meu tio Hades, a governar tudo,
não serei enganado por uma criança! MORRAM MISERÁVEIS!

140
Ele abanou a foice na nossa direção, lançámo-nos para o chão e conseguimos não ser
cortados ao meio. Veio outra vez com a foice para cima de nós e cada um saltou para um
lado, eu fiquei com a Dora, o Leo com o Alan.

O Tânatos girou as correntes no ar, e lançou um das pontas na nossa direção, eu e a


Dora saltamos e conseguimos desviar, mas a foice voo logo a seguir. Tudo ficou em câmara
lenta. Eu e a Dora estávamos no ar, por isso não conseguiríamos desviar, então morte, seria
rápido…

— Morium! — gritou a Dora. Uma luz vermelha saiu das suas mãos, e bateu no cabo
da foice.

Uma expulsão lançou-nos para trás, e batemos de costas no chão. A foice partiu-se
em duas mestades. Olhei para a Dora, ela tinha desmaiado, não aguenta a mais um feito
daqueles. Atrás de nós, o Tânatos abanou a foice uma vez no ar, e ela voltou a crescer e
ficou novinha em folha. Pronta para matar.

— por favor! Não te transformes numa árvore agora. — falei para a Dora
inconsciente, quando atrás de nós o Gigante preparáva-se para dar o golpe final.

O que é aquilo? Uma luz? O Alan tinha uma luz? Não! O Alan era a luz. Ele estava
literalmente a brilhar como uma lamparina. Os seus cabelos loiros e as orelhas pontiagudas,
ficavam mais destacadas com aquela luz.

O Tânatos parou de olhar para nós, então foi atrás dos outros dois. Felizmente para
mim, a Dora não tinha se transformado em uma árvore e acordou logo em seguida. Sem
dizer nada, levantei-a e falei com ela.

— Temos de fugir. — falei — Quando eu dar o sinal, tu chamas o nome do Tânatos.


— ela consentiu com a cabeça.

Retirei o meu arco da mochila, preparei uma flecha. Senti aquela flecha de luz sugar
toda energia que me restava, ainda assim, mantive-me forte e firme. Apontei calmamente e
preparei-me para disparar.

— Agora! — falei para a Dora, o mais alto poss8vel ela gritou:

— Tânatos!

Quando ele virou, deixei a flecha voar livremente, em direção ao seu olho esquerdo.
Ela acertou em cheio e aquela chama que ardia dentro dele se apagou. Ele levou a mão até
ao olho e pareceu estar com dor.

141
— Ah! Sabem quanto tempo isso demora para acender de novo!? — resmungou o
gigante.

Nós já não estávamos a prestar atenção, estávamos a correr o mais rápido que
aguntávamos para onde o Darwin tinha ficado. Quando olhei para trás, o morte já não
estava a contorcer-se estava a preparar uma bola de fogo gigante para lançar para nós. A
sua boca abriu e se formou em frente a cara dele, uma gigantesca bola de fogo.

Paramos de correr, nunca conseguiríamos fugir aquilo. Parei virei em direção a


grande bola de fogo que vinha na nossa direção e falei:

— Hades. — disse eu.

— Hades. — falou o Alan.

— Hades. — disse a Dora.

— Hades. — falou a o Leo confuso e assustado.

A bola de fogo estava a um centímetro do meu rosto, quando simplesmente,


desapareceu. O Tânatos a nossa frente estava confuso. Atrás de nós, um fogo preto ardeu
intensamente e dentro dele saiu o assustador e frio rei do submundo, Hades.

— Tu! — falou o Tânatos — Não podes interferir, eu…

— Eu posso interferir desde o memonto em que tu conspiraste contra mim, tentasse


te apoderar do colar da minha esposa e trouxeste um humano até o meu reino.

— Hades! Eles tentaram…

— Não importa o que eles tentaram, ou deixaram de tentar. — falou ele com voz
baixa, mas assustadora — Eu vou ter uma conversinha com eles, depois trato de ti.

— Mas eu…

Tá! Hades estalou os dedos e o Tânatos encolheu e contorceu-se de uma forma que
parecia ser muito dolorosa, até que no fim desapareceu.

— Wau! Vocês conseguiram salva-lo! — disse o Hades de forma sarcástica.

— Sim muito obrigado senhor Hades. — falou a Dora.

— Não me agradeçam ainda. Tenho más notícias. — falou ele, e pareceu sério — Tu
com este da comida que o estúpido do meu sobrinho te deu? — perguntou para o Leo.
142
— Sim, eu fiquei aqui dias e tive…

— Ali está! Quem come da comida do submundo não pode sair nunca mais.

— O quê? — exclamei assustada — Tu disseste que…

— Cála-te! — ordenou — Eu dou-vos duas opção, a primeira, ele escolhe estar morto
e não sai daqui por decisão própria, ou a segunda ele fica apenas 36% vivo.

— O quê? — exclamou o Leo.

— Estarás 64% morto, a escolha é tua, pensa bem.

O Leo pensou um pouco, então respondeu.

— Não há mais nada em que pensar, eu quero estar ao lado da minha irmã e dos
meus amigos, nem que for só 36% vivo. Eu vou com eles. — respondeu o Leo.

— Então preparem-se para…

— Espera! — falei — Temos de ir buscar o Darwin, ele ficou no…

— Não podem. — falou o Hades.

— Mas ele…

— Eu disse que nenhum de vós podia morrer, o Darwin está morto. — falou ele da
forma mais fria de sempre.

Tá! Ele estalou os dedos e nós fomos transportados. Senti calor e frio ao mesmo
tempo. Fiquei perdida no espaço e no tempo sem saber se isto era o submundo ou a vida
real. Quando finalmente aquele sentimento acabou, notei que eu estava ajoelhada no
chão da floresta. Então comecei a chorar, a chorar como uma louca por não saber o que
fazer.

Eu perdi um amigo, um companheiro… um amado.

— Lia! O quê que se passa? — perguntou uma voz atrás de nós. Virei e vi que era a
rainha da floresta.

— O Darwin… — pausa dramática — está morto…

143
Vinte
Darwin: Uma segunda oportunidade
Quando senti aquela espada dentro de mim, senti frio, senti dor, mágoa,
desespero, remorso. Quando finalmente aquela lâmina saiu do meu corpo, eu caí. Bati de
cara com aquele chão arenoso do submundo, sabendo que eu tinha desiludido os meus
amigos, a minha mãe, o meu reino.

Virei a cabeça para o lado e vida os esqueletos a rirem e a irem-se embora. Já tinha
acabado de me destransformar, agora era só o pobre e moribundo Darwin. Senti o meu
último suspiro, quando finalmente… Nada.

Foi como se por um instante todo mundo tivesse acabado, mas eu acordei em um
segundo depois.

Toda dor passou, toda raiva, se foi, roda magia desvaneceu. Sentía-me bem, aliás
nunca estive melhor. O meu corpo era jovem e cheio de vida, levantei-me e preparei-me
para a acção, porque realmente eu nunca estive tão bem na minha vida.

Olhei a minha frente e vi o submundo. A estas horas, os outros deviam estar a


minha espera para sair os daqui juntos. Virei-me pronto para ir ter com eles, mas… mas
eu olhei para o chão e vi.

No chão, estava um cadáver. Rapaz alto, cor negra, cabelos encaracolados, muito
sangue a sua volta e na sua cara, uma amarga expressão de arrependimento. Aquele
corpo era meu. Olhei para as minhas mãos e estavam brancas e meio transparentes, eu
morri mesmo.

Mas então! Por quê que me sinto tão bem? É essa a sensação de ter terminado a
vida? Era uma sensação muito boa. Eu não queria o meu velho corpo de volta, eu morri e
vou continuar assim. Era um pouco perturbador ver aí o meu corpo morto no chão, mas a
vida como recém morto, seria muito melhor, talvez eu posso agora conhecer o meu avó,
ou um outro meu antepassado.

Fiquei tanto tempo a vagar pelos meus pensamentos de recém falecido, que perdi
noção do tempo. Quando me apercebi, olhei mais uma vez o meu corpo e despedi-me.

— Foste um bom companheiro, contigo tive bons e maus momentos, senti dor,
raiva e alegria, tive o prazer de fazer pelo menos quatro amigos e conhecer a minha mãe.
Foi muito bom em quanto durou, meu corpo, mas agora tenho que dizer, adeus…

144
Virei-me para flutuar até o reino do Hades e começas a minha vida nova. Eu estava
ansioso para…

— Para aí Darwin! — ordenou uma voz fria e maldosa, que eu conhecia muito bem,
me virei e vida na minha frente o adorado deus do submundo, o grandioso e sinistro
Hades.

— Senhor Hades! — admirei — Por que estás aqui? Eu morri e agora não posso
voltar, foi o combinado.

— O nosso acordo mudou a partir de agora. — disse ele com um pequeno sorriso
maldoso — Eu vou te deixar viver.

— O quê?! — admirei — Eu morri e estar morto é muito melhor do que parece, eu


não quero voltar para uma vida de dor e sofrimento.

— Isto não é um acordo, monstrinho. — retrucou o rei — Eu ouvi falar da tua


profecia, as harpias raramente falham em cheirar o futuro. Então, eu fiquei interessado
na tua profecia, vou te mandar de volta ao mundo dos vivos e vais matar o teu pai. Assim
eu finalmente terei a alma daquele boémio nas minhas mãos e a minha tão esperada
vingança.

— Espera aí? O que ele te fez? — perguntei — Por quê que não podes
simplesmente matá-lo tu e resolveres os teus problemas.

— Não vou te dar explicações mostrengo. — reputou ele — Basicamente, o


Tânatos fez agineiras mais de uma vez. Eu vou mandar-te para o mundo, matas o teu pai
e ponto final.

— Mas espera, EU… — tá!

Ele estalou os dedos. A minha alma, foi rapinmente sugada para o meu corpo e de
um momento para o outro, eu me senti num vazia de espaço e tempo. Não ouvia, não
via, nem sentia nada. De repente…

Senti um ar fresco, muito melhor que o do submundo, mas apesar daquele


sentimento de frescura, eu estava de volta no meu corpo que havia sido transpassado
por uma espada. Uma dor abismal tomou conta de mim. A ferida estava fechada, mas a
dor permanecia intacta, eu perdi muito sangue e estava fraco, sem falar da fome e do
cansaço.

145
Olhei para cima e para os lados, eu estava dentro da casa árvore da minha mãe e lá
fora, eu ouvia vozes, pessoas estavam a chorar. Deviam ser os meus amigos e a minha
mãe a pensar que eu ainda estava morto.

Com muita coragem e esforço levantei-me. O meu corpo todo, cada músculo e
cada osso doía mais alguma vez já doeu, mas fiz o esforço de me levantar e ir até a porta.
Foram os dês minutos mais longos da minha vida, demorei todo esse tempo a atravessar
um quarto de dois metros.

Lá de fora ouvi a voz de choros. A da Lia, do Alan, da Dora e da minha mãe, nada do
Leo. Ele não estava lá, ou não estava triste por eu ter morrido?

Com a pouca força que me restava, eu me encostei na parede ao lado da porta e


puchei. Foi o maior esforço que já fiz na vida. A porta abriu. Lá fora, ajoelhados no chão
estavam todos, incluindo o Leo. A voz dele não se ouvia, mas estava com a expressão
mais melancólica de sempre.

— Eu queria vê-lo uma última vez. — lamentou a Lia chorando.

— Talvez, ainda possas ve-lo! — falei em voz alta.

Todos viraram-se assustados para mim e ao verem-me parado na porta da árvore.


Foi um grande susto para todos, mas ainda assim, eles levantaram-se e viram a correr na
minha direção.

Primeira a chegar foi a Lia, ela me deu um abraço tão forte, que senti que tudo que
ainda não estava esmagado, acabou de se esmagar.

— Não Voltes a assustar-me desse geito. — disse ela com lágrimas nos olhos.

— Estás a apertar muito. — falei para ela — Afinal de contas, acabei de ressuscitar
dos mortos.

Ela nem sequer respondeu, chegaram o Leo, a Dora e o Alan para me abraçar.
Quando….

— Au! — gritei depous de levar um soco no estômago.

— Isso é para nunca mais voltares a fazer uma coisa dessas. — falou o Alan e
depois também me abraçou.

— Pensei que estavas mesmo morto, nada do que fizemos faria mais sentido. —
falou a Dora, dando um abraço bem forte como castigo pelo susto.
146
Só faltava um.

— Leo. — falei — É bom ter-te de volta.

— A ti também Darwin. — respondeu ele, e graças a Hades ele não exagerou no


abraço.

Era estranho! Quando toquei na pele dele, estava fria, não tão fria, mas aquela não
era a temperatura normal de um ser humano. Ele estava muito diferente. Os seus cabelos
pretos, passaram a ser também cinzentos da raiz até a metade, mantendo só as pontas
pretas. A sua pele branca estava ainda mais branca, pálido como a neve de uma manhã
de inverno.

Os seus olhos que eram negros e cheios de vida, passaram para uma cor cinzenta e
melancólica, um profundo fazio, que já só mostrava um pedaço do que foi uma alma
completa. Senti que a sua respiração tinha abrandado e muito.

— O quê que se passou contigo? — perguntei.

— Nada de mais, apenas estou 64% morto e 36% vivo. — respondeu ele — Então e
tu?

— Acabei de morrer e ressuscitar, não é uma boa sensação. — aconselhei.

Por último veio a minha mãe. Sem dizer uma única palavra, ela se aproximou, deu
um abraço bem apertado que quase me fez desmaiar, e um beijo na testa, que doeu
tanto quanto o abraço.

— É bom voltar a ver-te meu príncipe. — disse a minha mãe.

— Também é bom ver-te mãe. — disse eu.

147
Vinte e um
Alan: Segredos e decisões
Os últimos dias passaram a voar. Foram exatamente cinco dias, em que o Darwin
estava a recuperar, enquanto a rainha e a Dora cuidavam dele. A Lia e o Leo estavam a
matar as saudades, parecia que ficaram anos separados. O Darwin e a sua mãe estavam
também a tentar entender o porquê dele se transformar em um monstro, mas pelos
vistos nem a rainha fazia a menor ideia.

O Darwin pelos vistos era um mistério biológico, uma mistura entre pura maldade
de um rei tirano e pura humildade de uma bela rainha.

Hoje era o dia de partir, faltavam oito dias para o aniversário do Darwin e tínhamos
que nos despachar. Não acredito que ele só tem quinze anos, parece que tinha cinquenta
anos de experiência a lutar contra monstros que pensava que eram lendas.

Enfim. Eu estava aqui sozinho de frente ao lago, a pensar no que eu acabei de


fazer, era algo mesmo mau, mas eu não podia desobedecer. Não havia outro jeito.

Ao menos agora vou me esforçar ao máximo para remediar o meu erro. Eu falhei
como amigo, mas sei que no seu tempo, eles vão me entender e me perdoar.

Nos últimos dias, eu tenho sido o inútil. O Leo, a Dora e principalmente a Lia, têm
sido essências na missão primordial do Darwin, enquanto eu tenho só estado a arrumar
mochilas e a dizer as horas. Estou sempre parado a espera de uma oportunidade para
mostrar que o que eu valho, mas essa oportunidade não aparecia.

O Darwin considera-me seu melhor amigo, sem dúvida há de perdoar-me um dia.

Levantei-me, fui até onde os outros estavam. Estavam já todos reunidos e


preparados para sair, parece que eu tinha demorado mais tempo do que eu conseguira
contar.

— Alan! Ainda bem que chegaste. — falou o Darwin — Com a Dora e a minha mãe
a cuidar de mim, recuperei-me mais rápido do que o esperado.

— Então está na hora de partir. — disse a Lia — Outra vez.

— Mas como? — perguntou o Leo com a sua nova voz, só um pouco mais fria —
Falta-nos oito dias, são pelo menos três dias até a caverna das harpias, quatro até o reino
de Órion, isso se não descansarmos em nenhum momento.
148
— Tens razão. — falou o Darwin — Nesse momento precisariam o de um milagre!

Esperamos um pouco, mas nenhum milagre aconteceu.

— Humm! Pensei que aconteceria mesmo um milagre. — disse a Dora.

Ficamos ali parados um bom tempo sem ter nenhuma ideia, quando a Dora disse;

— Já sei. — falou — Óh Davy! — gritou ela.

— O quê que foi isso, quem é o Davy? — perguntou a rainha.

— Acabei de chamar um amigo, agora temos de esperar. — respondeu ela.

Esperamos, esperamos e esperamos um pouco mais. Depois de dez minutos, veio


algo até nós.

— Este é meu amigo Davy, e estes são os amigos dele.

Era um veado, bem grande. Era castanho, olhos pretos, chifres mais do que
grandes para um veado normal. Era majestoso. A Dora ficou a conversar com ele para ver
se nos dava uma boleia, mas a sua cara não era animadora.

— Tenho boas e más notícias. — falou a Dora — As boas é que os veados aceitaram
nos levar, mas só a ninfa, o elfo e a humana, o que significa que eles não querem levar o
Darwin e o Leo. Dizem que não transmitem uma boa energia.

— Calma aí! — disse a rainha — Quando é que tu aprendeste a falar com os


animais, nenhuma ninfa que eu conheço sabe. Além disso tu não vais, Ninfadora. Já
quebrasse um monte de regras quando foste da primeira vez.

— Mas rainha! Eu não posso deixar os meu companheiros agora. — resmungou a


Dora.

— Eu sou a rainha, se digo que não vais, tu não vais. — disse a rainha com
autoridade.

— Tento faz! Vou fugir na mesma mais tarde. — disse a Dora.

— Nem tentes minha menina. Se eu ficar a saber que tu puseste um pé fora desta
floresta…

149
— Mas eu não quero ficar aqui presa todos os meus quinhentos anos. — reclamou
a Dora — Eu vou ver o mundo. Se não autorizares simplesmente posso fugir e problema
resolvido.

— Bem raínha. Sem a Dora não estaríamos aqui, os seus conhecimentos e


habilidades nos salvaram a vida inúmeras vezes. — disse o Leo.

— Não estamos abertos a discussões, e…

— Hey! Olhem. — gritou o Darwin ele estava em cima do Davy — Eu falei com ele,
e ele aceitou levar-me, acho que também podem levar o Leo.

— Também falas com animais? — perguntou a Dora.

— Ele não falou comigo, mas pareceu entender o que eu lhe disse. — respondeu
ele — Então vamos?

A Lia também já tinha montado em uma corça, eu e o Leo também subimos nos
nossas veado, mas a Dora não.

— Desculpa rainha, mas eu tenho que fazer isso. — disse ela, apontou a mão no
chão e disse — Frum!

Uma grande fumaça se levantou e se espalhou por todos o lado, de repente os


nossos veados começaram a correr, quando consegui olhar a minha volta, a Dora estava
montada em uma corça e cavalgava ao nosso lado.

— Desculpa rainha. — gritou ela.

— Desculpa mãe. — disse o Darwin.

Os veados correram a alta velocidade por vários kilómetros, pelos meus cálculos
chegaríamos a caverna das harpias ainda hoje. Depois de duas horas a correr sem cessar,
os veados reduziram a velocidade, segundo a Dora eles precisavam descansar um pouco.

Naquela velocidade eu conseguia conversar com o Darwin, mas não queria faze-lo.
Sentía-me culpado depois do que eu tinha feito, mas pelos vistos ele não tinha nenhum
motivo para não falar comigo.

— Alan! — disse ele — Pareces triste e abatido, o que se passa?

— Nada. — respondi — Só estou um pouco cansado.

150
— Não precisas mentir, eu te conheço muito bem para saber que algo se passa. —
falou ele.

— Bem, — respondi — é que as vezes me sinto que sou o inútil do grupo. A Dora
está sempre a fazer algo para ajudar, a Lia é quem mais trabalha por todos, o Leo está
sempre do lado dela, tu és o nosso lider e eu só sirvo para arrumar mochilas e dizer as
horas.

— Ah é isso. — falou ele com um sorriso animador — Tu também és muito


importante para nós, sem ti não teríamos passado pelas ninfas do submundo ou por
outras várias dificuldades com que nos deparamos. Sem dizer que é muito útil carregar
uma mochila tão ele e dá sempre jeito ter um relógio de orelhas pontiagudas.

— Isso muda muito as coisas. É bom saber que ainda sou considerado. — falei.

— Claro que és, isto não seria a mesma coisa sem o meu melhor amigo. — disse
ele.

Felizmente ele não percebeu que não é essa a coisa que mais me aflige neste
momento. Tenho que mudar de assunto.

— Como é que foi a conversa com a tua mãe, sabes, sobre tu seres diferente? —
perguntei.

— Ela não tinha grande coisa a me dizer, apenas disse que nunca antes se tinha
visto o filho de um humano e uma ninfa, eu sou um caso especial. Pelos vistos essa minha
parte deve ter vindo dali, ela disse apenas para manter os meus sentimentos sobre
controlo, mas ultimamente está difícil, a voz em minha cabeça grita mais alto, de cada
vez que sinto algo forte. — explicou o Darwin.

— Não te preocupes, vamos superar isso. — falei.

— Juntos. — disse ele.

— Juntos. — respondi.

— Preparem-se. — disse a Dora — Eles vão começar a correr.

Seguramo-nos e os veados saíram desparados a correr pela florestas. Corremos por


mais vários quilómetros, quando os veados pararam de novo, dessa vez, estávamos
naquela área onde as árvores eram altas com o tronco branco. Aqui não se ouvia nenhum
ruido de nenhum animal. Estávamos perto da casa das harpias.

151
— Temos de descer aqui. — disse a Dora. Descemos agradecemos pela boleia e
vimos os veados irem-se embora.

— Já está a escurecer. — disse o Darwin — Vamos acampar aqui, não quero ver as
harpias de noite.

Fizemos o que ele disse, montamos o nosso pequeno acampamento e dormimos ali
no chão da floresta, sobre a luz da lua. Todos já tinham adormecido, eu permaneci
acordado a olhar para aquela lua cheia.

Quando confirmei que todos estavam mesmo apagados, levantei-me e afastei-me


um pouco deles. Sentei-me no chão da floresta e comecei a falar com a lua. Entre os elfos
diz-se sempre que aquilo que não podemos falar com ninguém, podemos contar para lua,
ninguém melhor que ela para guardar os nossos segredos.

— Olá lua. — falei baixo — Nem sei por onde começar. Fiz algo terrível e eu nem
tive escolha. Eu sou um elfo real, significa que quando recebo uma ordem do meu
superior, simplesmente não consigo desobedecer. Então eu tive que trair os meus
amigos. Eu estou aqui para manter o rei informado sobre os passos do Darwin e infotma-
lo de cada pequena coisa que ele faça. Neste momento o rei já sabe que estamos a
caminho do reino das harpias e depois para Órion.

Ouvi um pequeno barulho, então parei de falar, mas quando confirmei que não era
nada, continuei.

— O rei quere atacar quando menos esperamos, então está a usar-me para isso,
tive que trair os meus amigos de forma fria e cruel. O pior é que não posso falar disso
com eles. — fiz uma pequena pausa — Por favor guarda o meu segredo lua. Só espero
que eles me perdoem.

— O quê que fazes aqui? — falou alguém atrás de mim, virei e vimos que era o Leo
— Não podes falar com quem? Quem deve te perdoar, fizeste algo de mal?

— Estás acordado? — admirei.

— Sim, desde que quase estou morto, passei a dormir durante menos tempo. —
respondeu — Do quê que estavas a falar?

— Bem. É que desde que fugi do castelo que quebrei um milhão de regras dos elfos
e eu não posso contar-lhes, espero que eles me perdoem em…

152
Levantamos assustados depois de ouvir um grito estranho. Fomos a correr até
onde os outros estavam e acordámo-los. Depois de todos estarem de pé e a Dora ter
votado ao normal, fomos andando lentamente.

Quando chegamos outra vez naquela área rochosa, lá estavam elas. As três harpias
ransosas que tínhamos encontrado da primeira vez.

— Sentem esse cheiro irmãs? — disse a do meio.

— Sim, são eles outra vez. — disse a da esquerda.

— Mas estão diferentes. — terminou a da direita.

— Uma humana, uma ninfa da floresta, um elfo, um príncipe com odor a monstro e
um quase morto. Parece-me saboroso. — falou a do meio.

— Não vamos perder mais tempo. Ataquem. — falaram as outras duas em coro.

Elas ergueram-se e ficaram com os seus dois metros e meio. Elas prepararam-se
para atacar, mas eu disse:

— Não! — falei — Já chega de correr perigo de morte e ser salvo por uma
coincidência.

Dei dois passos a frente e comecei a brilhar. Não sei como, mas uma luz dourada
saia de minha pele e brilhava, brilhava e brilhava mais. Fiz a luz mais forte que consegui,
as harpias tentaram fugir, mas não conseguiram a minha luz acertou-lhes e elas
começaram a desfazer-se em cinzas.

A partir dali não vida mais nada. A luz era tão forte que nem mesmo eu conseguia
enchergar através dela. Quando comecei a ficar mais fraco, parei.

Olhei para onde estavam as harpias, agora era só um monte de cinzas negras. Por
instinto me virei rapidamente para olhar para os outros.

Eles estavam bem.

Eu brilhei tanto, que os meus olhos começaram a fechar-se até que…

153
Vinte e dois
Darwin: Tristes até morrer
As harpias foram desintegradas pela luz do Alan.

Mas desde quando ele brilha daquele jeito? E ele não me contou que conseguia
fazer aquilo!? Aquela luz foi tão forte que mesmo com os olhos fechados, sofri
queimaduras nas retinas. Senti a minha pele aquecer com o calor daquela luz e as harpias
nem suportaram.

Aquela luz, além de ser muito forte, ela transmitia uma estranha felicidade que eu
mal podia processar. Parecia que as harpias não suportaram tanta alegria no mesmo sítio
e vaporizaram.

— Alan! O que foi aquilo? — falei espantado.

— Um pequeno truque de elfo, descobri o meu no submundo. — respondeu.

— Vês como és útil. — falei para ele — Além de seres uma bússola e um relógio
que nunca atrasa, agora és uma lanterna andante.

Ele deu um pequeno sorriso e depois caiu. Caiu mole como uma folha nos meus
braços. O segurei para que não batesse no chão, parece que aquilo exigiu bastante do
corpo dele. Um amigo que abdicava do seu próprio bem estar para nos proteger. Eu não
podia pedir melhor.

Ainda estávamos no meio da noite. Como no submundo foi o Alan a carregar-me


quando eu estava desmaiado, é minha vez de retribuir o favor. Voltamos para o nosso
pequeno acampamento e descansamos.

Depois daquilo foi um pouco difícil pegar no sono, havia ainda uma luz a brilhar no
fundo dos meus olhos. Acabei por adormecer olhando para as estrelas e nos meus
pensamentos sobre o meu amigo…

— Ah! — acordei sobressaltado depois de um esquilo ter passado na minha cara e


desaparecer a correr.

Fiquei sentado um tempinho e quando a minha alma regressou ao corpo, a


primeira coisa que fiz, foi olhar para o Alan que não estava lá… onde?... olhei para o outro
lado e o Leo estava sentado encostado em uma árvore.

154
— Já estás acordado… — falei.

— Desde que me tornei num morto-vivo que não preciso dormir tantas horas. —
respondeu ele.

— Viste o Alan? — perguntei.

— Está naquelas árvores. — mostrou-me ele.

Levantei, arrumei as minha coisas e fui até ele. Tinha acabado de amanhecer, ele
estava sentado a olhar para a lua que desaparecia aos poucos. Cheguei mais próximo e
sentei ao lado dele.

— Uma linda manhã. — falei.

— Acho que sim. — disse ele.

— O que é que se passa Alan? — perguntei — Ultimamente andas muito estranho.


— ele demorou um bom bocado antes de responder, mas depois disse.

— Achas que um dia eu te trairia? — perguntou ele do nada.

— O quê? — exclamei — Claro que não. Tu és o meu melhor amigo, e depois


daquilo que fizeste esta noite, eu confio plenamente em ti. És a única pessoa em quem
eu confiaria a minha vida.

Do nada um abraço. Ele abraçou-me sem mais nem menos, mas ainda senti nele
uma forte tristeza. Não sabia o que se passa com ele, mas era muito estranho e ele não
iria me contar… não agora.

Ele levantou-se e estendeu a mão para levantar-me também.

— É bom saber que confias em mim. — agradeceu.

— Não importa a situação, para mim estás sempre em primeiro lugar. — falei —
Mas talvez quando eu arranjar uma namorada passas a segundo ou terceiro na minha
lista de prioridades.

Ele riu-se um pouco e depois voltamos juntos ao pé dos outros.

Quando chegamos, encontramos os outros prontos para ir, então não demoramos
nada. Saímos a caminhar em direção a caverna das harpias.

155
Eu estava mais ou menos feliz quando chegamos, mas de repente comecei a pensar
em todas as coisas más que já tinham acontecido. Já agora, como é que vamos derrotar o
meu pai? As harpias tinham uma solução? Eu sou apenas uma criança!

— Vamos entrar? — perguntou o Leo.

— Claro. Podes ir na frente. — Eu respondi com sarcasmo, não sei porquê.

— O quê? — disse ele — Tu nos arrastasse até aqui, passa tu a frente.

— Eu não arrastei ninguém. Vocês vieram por livre escolha. — falei.

— Sim. E tu nos deste muitas opções por onde escolher! — disse ele irritado.

— Não vou ficar aqui a discutir com um mal agradecido! — resmunguei.

— Agradecer pelo quê? — perguntou de forma sarcástica — Por correr risco de


vida? Por ajudar alguém que não reconhece? Por discutir com um idiota?

— Eu nunca pedi para tu…

— Darwin. — interrompeu a Lia — Tenho medo, podes passar a frente?

Ah não! Odeio quando as mulheres fazem isso. Elas fingem ser fracas e ingénuas
para nos pedir algo, e um homem não pode recusar. Ela pediu com uma voz tão tranquila
que eu não pude negar e tive que passar a frente.

Era assustador entrar em uma gruta escura, sabendo que lá dentro vamos
encontrar um ser tenebroso nas sombras. Bem, é melhor passar a frente do que descutir
com o Leo sobre coisas parvas, para ver quem dá o primeiro passo.

Dei o primeiro passo e entrei naquela caverna escura, fria, húmida e apertada. Tive
que andar de lado e os outros seguiram. Depois de vários passos, já não conseguíamos
ver a luz do dia, nem víamos para onde íamos.

— Esperem acho que eu… — disse o Alan, então começou a brilhar um pouco,
comparado com a última vez.

Pelo menos agora sabíamos que estávamos rodeados por pedras e mais pedras em
um buraco assustadoramente estreito. Andamos por tanto tempo, pareceu que eram
quilómetros, mas o Alan como sempre, disse que tínhamos percorrido apenas cento e
cinquenta metros.

156
— Não acham que deveríamos voltar? — perguntou a Dora — talvez aja outra
entrada. — sugeriu ela.

— Não acho boa ideia. — disse a Lia — Mais cedo ou mais tarde haveremos de
chegar em algum lado.

Andamos andamos e andamos mais e fartamo-nos.

— Agora também acho que deveríamos parar. — falou o Alan.

— Espera! — disse o Leo — Para de brilhar Alan. — ele parou — Vocês vêm o
mesmo que eu?

— Não, não vejo nada. — falei eu, e os outros concordaram.

— Eu vejo, uma luz como a de uma tocha, no fim deste buraco, vamos. — falou ele
decidido.

Não tivemos outra escolha, ou avançávamos todos, ou não avançava nenhum.


Depois de mais cinquenta metros, segundo o Alan, também vimos a luz no fim do
túnel.Aquilo foi a esperança, a partir dali andamos o mais rápido que conseguimos,
quando por fim…

Sai primeiro eu, depois a Dora, o Alan, Lia e por último Leo. Logo quando eu ia
olhar a minha volta, estava uma harpia a minha frente, por instinto dei um passo rápido
para trás, tropecei e quando estava prestes a bater com a nuca no chão…

A harpia segurou-me. Usou os seus seis dedos e agarrou com as pontas das unhas o
meu nariz. Foi como se o tempo congelasse só para mim. Senti aquelas unhas afiadas no
meu rosto, ela puxou-me devagar até eu estar em pé.

Eu já sabia que as harpias não tinham olhos, mas senti que ela fixava um forte olhar
para nós. Ela cheirou levemente o ar.

— Jovem príncipe! — admirou — O que fazem aqui?

Não sei porquê, comecei a chorar e pelos vistos não era o único. Todos ao meu
lado, com excepção do Leo estavam a derramar rios de lágrimas, nas seus rostos uma
profunda tristeza, sem mesmo saber o porquê. Ajoelhei-me na rocha e lamentei:

— Eu não sei o que fazer. O tempo está a acabar, então não me restará mais nada.

— Acalma-te jovem príncipe, deixar-te levar pelas emoções não te leva a lados
nenhum. Concentra-te. — disse ela com a sua voz baixa e fria.
157
Respirei fundo e falei:

— Precisamos de ajuda, buscamos sabedoria. — falei.

— Se é sabedoria que procuram, vieram no lugar errado. Nós sabemos adivinhar o


futuro, mas não sabemos de todas as coisas, passamos toda nossa vida nas cavernas. E
lamento, mas não vos posso ajudar. — Ela virou-se, deslizou e fez uma curva.

Seguímos-la e… wau! Quando diziam reino das harpias, era mesmo um reino das
harpias. Haviam harpias a vaguear por todos os lados dentro daquela caverna. Parecia o
submundo, só que muuuuuuuuito mais pequeno, a pedra era cinzenta. Haviam buracos
nas paredes da caverna, primeiro, segundo e terceiro andar, dentro deles pareciam as
casas das harpias.

No centro do seu reino havia um posto comprido a girar e bem no topo tinha ouro.
Era para isso que elas pediam ouro? Mas para quê.

— Espera! — falei para a harpia — Por favor, tens que nos ajudar. Pelo menos diz-
me o que tenho de fazer para derrotar o meu pai.

— Estás a ver aquele posto? — disse a harpia e eu confirmei — Ele usa o ouro para
manter o nosso reino afastado da felicidade do mundo exterior. Mas o ouro não é
suficiente. Ele não funciona corretamente e nos deixa mais felizes do que deveríamos
estar. Nós nem sempre utilizamos ouro, a muito tempo havia ali em cima a pedra da
tristeza. Uma pedra negra, que espalhava uma aura de morte e nos deixava tão tristes
que quase morríamos de depressão.

— O quê que aconteceu a pedra? — perguntou a Dora.

— Desapareceu a muito tempo e nós não podemos sair para recuperá-la. Se a


felicidade continuar a aumentar, não tarda vamos todas desaparecer.

Ficamos sem palavras. Se elas não encontrarem a pedra, vão todas morrer. Eu não
gostava muito das harpias mas não quero que elas morram. Não sei o que fazer.

— Esperem! — falou o Leo — Acho que conheço a vossa pedra… — disse ele um
pouco triste.

Então retirou do peito o fio com uma pedra negra. Ele olhou para a Lia e ela
consentiu com a cabeça.

158
— Este é o colar de Hades, ele é vosso. Não importa se vocês não nos ajudem, mas
podem ficar com ele, não quero que vocês desapareçam. — disse o Leo, entregou a
pedra a harpia, que recebeu com a expressão mais neutra que já tinha visto.

— Agradeço jovem meio morto. — disse ela — Agora a nossa tristeza vai voltar a
ser o que era. Vou colocar no sítio depois de vocês saírem, se não vocês morrem,
também vou fazer o favor de vos levar até o vosso destino. Façam um pedido, se estiver
ao nosso alcance não exitaremos em ajudar.

— Podem me dizer como derrotar o meu pai. — falei.

— Isso não posso fazer. Nós as harpias vemos como acaba, mas não processo. —
disse ela.

— O quê? — perguntou o Leo.

— Todas as histórias têm um fim. Nós as harpias podemos ver o fim mais provável
da história de cada criatura que existe, mas o processo só a própria criatura pode decidir.
Escolher entre o bem e o mal é dever de cada um, essa escolha afeta diretamente no fim
da história. — disse a harpia.

— Então as escolhas que fazemos agora afetam directamente na luta inevitável


entre o pai do Darwin e ele? — disse a Lia.

— Exato. — respondeu a Lia — Façam as escolhas certas. Agora subam mas nossas
costas, que nós levamo-vos a Órion.

Do nada vieram mais quatro harpias. Elas puseram-se prontas para nos levantar. Eu
tinha receio quanto a subir nas costas de uma harpias, mas como o Leo tinha subido sem
exitar, não tivemos escolha se não subir naquelas criaturas de metro e meio. Depois de
estarmos todos a postos, ela ergueram-se nos seus dois metros e disseram:

— Segurem firme!

Elas aceleraram com tudo que tinham. Entramos naquele beco estreito no meio
das rochas e aqueles movimentos graciosos que vimos da vez passada se fizeram sentir.
Elas deslizavam com tal facilidade, que em menos de um minutos estariam o fora da
caverna.

Que mais me assustava não era estarmos a correr a cinquenta quilómetros por
hora dentro de um beco achatado com rochas afiadas de todos os lados, mas sim o facto
de estar em cima de uma harpia. Eu sabia que estar perto dela fazia qualquer um ter
depressão, mas era horrível, de uma maneira que nem eu posso explicar.
159
Trinta segundos depois estávamos fora daquela grande rocha. Quando finalmente
eu pude respirar, uma das harpias disse:

— Segurem firme, a pior parte vem agora. — afinal podia piorar — Respirem fundo
e prendam a respiração. Segurem o mais forte que conseguirem.

Fizemos o que elas mandaram. Quando menos esperava… o mundo parou. Foi
como se elas tivessem parado o mundo a nossa volta. Estava tudo congelado, mas nós
continuávamos em movimento. Senti o ar dos meus pulmões congelar e os meus
músculos a derreter, nem que eu tentasse não conseguia respirar. Senti que estava quase
a desmaiar.

Quando olhei de lado, ainda não tínhamos avançado nem um centímetro. Os meus
braços começaram a perder força e quando eu estava prestes a cair… aconteceu tudo
num piscar de olhos. Parecia que tínhamos nos transportado até aqui automaticamente,
em um momento estávamos na floresta e no segundo depois estávamos d frente ao
reino.

Finalmente acabei por cair, e não fui o único, a Lia e o Alan também tinham
tombado no chão. Já o Leo e a Dora desceram calmamente, como se nada tivesse
acontecido.

— Até mais, jovem corajosos. — disse uma das harpias, eu mal pestanejei os olhos,
elas já tinham desaparecido. Wau elas eram mais rápidas que a luz, realmente
impressionante.

Estávamos de frente a um reino, duas vezes mais rápidas pequeno que o nosso,
com um castelo três ou quatro vezes menor, não que este seja pequeno, só que o nosso é
que era bastante grande.

De repente o Alan caiu de joelhos e começou a tossir fortemente. Me aproximei


dele e o segurei, rapidamente ele elavantou-se e disse:

— Não é nada, está tudo bem. — falou ele, mas eu sabia que não era verdade, ele
estava mais pálido que o normal, os seus cabelos dourados estavam agora
esbranquiçados e começavam a aparecer olheiras.

— Eu sei que não estás bem Alan. — falei.

— Deve ser do esforço de ontem e da viajem estranha. Vou ficar melhor em um


instante. — disse ele — Agora chegamos a Órion.

Olhei em direção do reino.


160
Chegamos a Órion, faltam sete dias para o meu aniversário e a minha morte.

161
Vinte e três
Lia: Órion
Quando entramos naquele reino, pensávamos que ninguém sabia da nossa
existência, mas haviam alguns cartazes com os nossos retratos dizendo procurados, mas
ainda assim, passávamos no meio das pessoas e elas não faziam nada suspeito, só
olhavam para nós, apontavam e continuavam as suas vidas.

Não era mais grande, mas era o reino mais organizado que eu já tinha visto, se bem
que até hoje só estive em um único reino. Aqui se viam as pessoas a sorrir, comprovam,
vendiam e eram felizes. Sem dúvida aqui era um lugar muito melhor. Talvez eu viesse
viver aqui, caso a luta do Darwin não corram bem.

Enfim, basicamente andamos livremente, até o palácio. Quando chegamos, não


havia um muro gigante a separar-nos do castelo. Apenas um murinho de um metro com
gradeamentos por cima. Nos portões, haviam dois guardas. Pensei que seria difícil, mas
quando os guardas nos viram, sobressaltaram-se:

— É o príncipe Darwin! — disse um. Eles prestaram continência e depois o outro


disse:

— Estávamos a espera de um grupo de quatro e não de cinco, mas tanto faz. O rei
terá todo prazer em recebe-los no seu palácio. — falou ele.

— Estejam a vontade soldados. — disse o Darwin — Eu não estou a ser procurado


aqui? Atualizem-me da minha situação.

— Sua majestade seu pai veio pessoalmente até aqui a tua procura, eles deixou
ordens soberanas para que todos ficassem de olho em ti e repararmos quando
aparecesses para reportar cada um dos movimentos do jovem príncipe. Mas depois o rei
deste reino fez uma reunião secreta para que caso o avistássemos, levá-lo imediatamente
ao castelo. As ordens do nosso rei são soberanas para nós, ele fez deste reino o que ele é
hoje e nem que tivesse que morrer eu morreria. — falou o soldado com todo orgulho.

— Espera aí! — disse o Darwin — O meu pai disse “quando eu aparecer” ele sabia
que eu viria?

— De alguma forma sim, sabia. — respondeu o guarda.

Ao nosso o lado o Alan voltou a tossir repentinamente, quando tentamos ajudá-lo


ele disse:
162
— Não foi nada. Só preciso descansar. — falou.

— Então é melhor entrarmos. — falei.

Os guardas levam-nos para dentro onde antes mesmo de podermos largar as


nossas mochilas, levam-nos directo para o rei. Quando entramos na sala do trono, o Alan
e o Darwin pareceram já habituados aquele ambiente, eu e o Leo estávamos admirados,
mas a Dora estava completamente boquiaberta, ela nunca antes esteve entre tantas
pessoas.

Haviam uns cinco soldados na sala, alguns servos, o rei no seu trono e mais dez
pessoas de cabelo vermelho. O Darwin vez uma pequena vénia e nós apenas seguimos.

— Príncipe Darwin, finalmente chegaste, estávamos todos a tua espera. — disse o


velho rei.

Ele era mesmo velho, os cabelos quase já tinham desaparecido da sua cabeça e
eram tão brancos que quase ficavam transparentes. Acho que os cabelos também já
foram vermelhos. A pele estava toda enrugada e os solos quase a cegueira, parecia que já
não se conseguia levantar, mas por outro lado parecia super forte. Sinceramente, ele já
estava com um pé na cova.

— Agradecemos a recepção, vossa majestade. — falou o Darwin — Espero que


possamos nos ajudar.

— É muito cedo para conversarmos sobre mortes. Vocês devem estar cansados, já
preparamos os vossos quartos daqui a nada poderão se recolher. — disse o rei — Da
última vez que te vida eras quase um bebé. Lembraste do meu filho mãos novo, Tobias?

— Claro que sim. Foi uma das mimhas poucas amizadesde infância. — respondeu o
Darwin.

— Aliás, deixem-me aprensentar-vos aos meus onze filhos. — disse o rei, ele
apresentou-os um a um do primeiro ao último, suas qualidades e defeitos e o seu papel
no reino.

Sinceramente não prestei atenção, só consegui prestar atenção no nome do


último, o tal Tobias. Tinham todos os cabelos vermelhos, distinguiam-se bem do mais
velho ao mais novo e pareceram ser simpáticos.

— E estes são os meus companheiros, o elfo real Alan, a ninfa da floresta Ninfadora
e os gémeos Leo e Lia. — disse ele.

163
— Que grupo tão peculiar. — disse o rei sorridente — Estão despensados para irem
descansar.

Apresentámo-nos mais formalmente aos príncipes e ainda assim só consegui reter


o nome do Tobias. Quando finalmente, depois de um banquete, saímos, conversamos um
pouco pelos corredores até os quartos.

— Darwin! — chamei — Prestaste atenção nos nomes do rai ou dos outros


príncipes?

— Além do Tobias, não. Só sei que todos têm um cabelo ruivo bem destacado. —
respondeu — O quê que tu achastes da recepção?

— Foi melhor do qualquer outra que tive na vida, mas o mal nos persegue. Tenho a
impressão de que algo vai correr mal. — falei.

— As vezes parece que somos uma espécie de imãns de calamidades. — suspirou


— Mas enfim. Achas que o rei pode ajudar-nos?

— Não tenho certeza, sinceramente, acho que ele está nas últimas. — falei — E o
único imã de problemas és tu. Eu estava bem antes de te conhecer.

— E fala quem tentou assaltar um dos locais mais protegidos do reino. — disse ele.

— Não é bem assim senhor príncipe monstrinho, sucessor do trono e mestre da


floresta. — falei. Ele fez um sorriso fofinho, mas o servo que nos acompanhava
interrompeu.

— Aqui estamos. — disse ele — O sr. Leo e o elfo Alan ficaram com um quarto,
srta. Lia e Montadora com o outro. Preparamos um aposento especial para a sua realeza.

— É que eu preferia ficar com os meus amigos. — disse o Darwin, mas ao ver a cara
do servo acrescentou — Mas aceito de bom grado o quarto que preparardes para mim.

— Têm reoupas, sapatos, água e tudo que precisarem nos quartos, se precisarem
de alguma coisa é só chamar. — falou o servo.

Separámo-nos e fomos para os nossos quartos.

— Wau! Que lindo. — admirou a Dora ao ver o quarto. Ela se atirou numa das
camas — Acho que hoje posso tentar dormir numa cama. Também não há nenhum lugar
para fixar as minhas raízes.

— Tive saudades de dormir numa cama. — falei.


164
— Adorei a recepção, apesar de não ter memorizado o nome de nenhum príncipe.
— disse a Dora — Não acredito que vocês comem carne! Havia tantos animais mortos
naquela mesa.

— O quê que esperavam? — falei com sarcasmo — É a lei da natureza, o mais forte
sempre come o mais fraco.

— Sim, mas só de pensar nos pobres animais, que nojo! — disse ela.

— Tu nem nos vegetais e na gruta tocaste. — falei.

— Sim. Mas não vos custava nada parar de matar e comer os pobres animais. —
disse ela.

— Eu nunca pararia de comer carne. — falei — Mas conheço alguém que se


tornaria vegetariano em um segundo, só para te ver feliz. Infelizmente não posso dizer
um nome.

— E nem precisas. — respondeu — Eu sei que o teu irmão está mortinho por mim.
Literalmente. Então e tu? Como vai a tua «situação» com o Darwin?

— O quê! — falei com um pouco de pânico — Não sei do que estás a falar. — disse,
escovando o meu cabelo.

— Eu reparei como passaste a olhar para ele, e reparei que ele te olha do mesmo
jeito, nem consegue disfarçar. Só falta escrever “apaixonado” na testa.

— Talvez ele sim, mas eu não. — falei, mas pela cara dela era óbvio que não estava
a acreditar em mim — Achas que ele sabe, ou reparou?

— Claro que não. Os rapazes nunca se a percebem dessas coisas. — respondeu ela.

— Diz a miúda que passou toda vida no meio o da floresta, onde não há nenhum
rapaz. — falei com sarcasmo.

Ficamos a conversar por um longo, longo tempo. Depois disso, finalmente fomos
dormir. Foi fácil pegar no sono, visto que a quase dois meses que só durmo no chão…

— Ah! — eu e a Dora acordamos assustadas, depois de ouvir um estrondo e um


enorme barulho de gente a correr de um lado para outro. Acho que ouvi também a gritar.

Levantámo-nos e saímos do quarto. Do lado de fora estavam o Leo e o Darwin,


nem perguntei onde o Alan estava, porque já sabia que ele não estava lá muito bem.

165
— Vocês sabem o que se passa? — perguntou a Dora aos rapazes.

— Não. — disse o Leo — Achamos melhor vir ver como vocês estavam.

— Serva! — chamou o Darwin a uma mulher que passava por ali — O quê que se
passou?

— Príncipe Darwin. — disse ela fazendo uma vénia — Parece que uma das
princesas está desaparecida. A décima filha do rei, estão todos agora na sala do trono.

— Eu te disse que as coisas estavam a correr bem de mais. — falei para o Darwin.

Fomos a correr para a sala do trono, quando chegamos todos os príncipes, o rei e
mais um tanto de servos estavam lá. Parece que a guarda real também foi convocada.

— Vocês saem em trinta minutos. — ia dizendo o rei para os guardas — A pessoa


responsável por isso não deve ter se afastado muito. Onde quer que ele esteja,
encontrem-no e tragam a minha filha de volta. — quando ele terminou a guarda saiu da
sala a correr.

— Sua majestade. — disse o Darwin — Há alguma coisa que possamos fazer para
ajudar?

— Não, não. Não se preocupem com nada. Podem voltar aos vossos quartos e
descansar. Eu insisto. — respondeu o rei — Quem quer que seja o culpado, vai ser preso.

Aceitamos o que o rei disse e fomos embora. No caminho o Darwin disse que quem
fez isso provavelmente queria ouro em troca da princesa. Quando chegamos no quarto,
paramos por um momento.

— Vamos mesmo ficar aqui paradas e esperar? — perguntou a Dora para mim.

— É claro que não. Eu vou investigar. Vens comigo? — perguntei.

— Claro que sim.

166
Vinte e quatro
Leo: O mistério do castelo
— Vamos mesmo dormir? — perguntei ao Darwin — É que estou mesmo sem
sono.

— Se fosse para dormir, eu nem teria vindo para cá, ia direito para o meu quarto.
— respondeu.

O Alan ainda estava sentado na cama. Ele parecia mesmo mau, mas já começou a
receber tratamento e tinha melhorado um pouco.

— O que aconteceu? — perguntou ele.

— Pelos vistos a princesa mais nova desapareceu e ninguém sabe de nada. Nós
vamos investigar. — respondeu o Darwin.

— Boa sorte. — disse o Alan — É melhor eu ficar aqui, não quero atrapalhar.

— Também acho melhor, tens que recuperar. — falei.

Saímos do quarto e no corredor perguntei:

— Para onde vamos primeiro? — falei.

— O sequestrador deve ter entrado de algum lado, vamos saber das possíveis
entradas e saídas. — respondeu o Darwin — Ninguém leva uma princesa de dezacete
anos no bolso sem deixar vestígios.

Enquanto andávamos pelps corredores, p Darwin ia olhando para as janelas a


verificar tudo, enquanto eu ficava atento para não termos nenhum encontro indesejado,
já que a minha visão e audição ficaram melhores desde que eu quase morri.

— Encontraste alguma coisa? — perguntei.

— Sim, algo muito estranho. — respondeu — Repara que estamos no segundo


andar, mas as janelas estão gradeadas. E se em todas as janelas houverem
gradeamentos, uma delas está danificada, é por ali onde o bandido deve ter entrado.

— Mas eu acho que alguém falaria numa janela partida, mas ninguém falou.

167
— Sim, isso é que é estranho. Se não houver nenhuma janela quebrada, então o
sequestrador deve ter entrado por uma porta no andar de baixo. — disse o Darwin.

— Sim, mas os guardas devem… — fui interrompido, quando ouvi alguns passos e
vozes vindo na nossa direção — Esconde-te. Área destas cortinas rápido.

O Darwin tinha razão nas janelas haviam gradeamentos, não permitiam ninguém
passar, por mais magro que fosse.

— Não quero saber! — disse a voz que se aproximava e pelos vistos era a do rei —
Encontrem a minha filha, têm autorização de usar quantos homens quiserem, todos os
recursos necessários, não importa quantas pessoas vocês tenham que…

E a voz do rei desapareceu. Saímos detrás das cortinas.

— Ouviste aquilo? — perguntei ao Darwin.

— Não consegui ouvir quase nada, só a parte de encontrem a minha filha. —


respondeu.

— Ele disse para usar os recursos necessários e todo pessoal possível. — falei —
Podemos usar isso para investigar a vontade.

— Então vamos logo. Vamos a ré-do-chão conferir as entradas principais.

Descemos e na porta principal encontramos dois guardas do lado de dentro.

— Guardas! — chamou o Darwin — A quanto tempo vocês estão aqui?

— Desde que tudo aconteceu, mas já haviam guardas do lado de fora. Ninguém
entrou durante o dia, e as ordens atuais é que ninguém entra e ninguém sai. — disse o
guarda.

— E onde ficam as outras entradas do castelo? — perguntei.

— Outras cinco. Se seguirem por este corredor vão passar por todas elas. Uma dá
ao jardim das princesas, uma ao campo de treino, uma está sempre fechada, uma parte
traseira e a última a uma espécie de armazém.

— Obrigado. Foram uma grande ajuda. — disse o Darwin.

Saímos dali, sabendo que o sequestrador pode ter entrado por uma delas.
Andamos até encontrar a primeira porta, notá-ve que havia um jardim por trás da porta.

168
A porta era de madeira bem grossa, e havia musgo a crescer nas bordas. Também haviam
dois guardas aqui.

— Guardas! — disse o Darwin — O quê que estão a fazer?

— O chefe ordenou para que todas as possíveis saídas fossem vigiadas.

— E alguém passou por essa porta hoje? Há guardas do outro lado? — perguntei.

— Não há ninguém do outro lado. Esse jardim é reservado apaenas para as


princesas, inclusive a mais velha é que está com a chave. A porta é aberta apenas uma
vez por ano quando…

Não prestamos atenção no resto. A não ser que o nosso homem tivesse a chave
não podia ter entrado por aqui, não havia nenhum sinal de arrombamento e se hoje
ninguém entrou ali, a porta nunca esteve aberta. Faltam-nos quatro opções, parece que o
Darwin estava a pensar no mesmo que eu. Saímos dali para a próxima porta.

— É muito estranho. — falei — Até agora nenhum vestígio de um intruso, e mesmo


que ele tivesse entrado, como é que chegou até a porta com a princesa sem ninguém
notar?

— É a pergunta que eu tenho feito. O castelo estava bem movimentado durante


todo dia e toda noite, e como podia ele saber onde estava a princesa.

Verificamos as outras portas. A que dá ao campo de treinamento esteve vigiada


todo dia e durante a noite estava trancada e não havia sinais de arrombamento. A porta
fechada, permanecia fechada e também sem algum sinal de alguém ter forçado a
fechadura. Quando chegamos até a última porta, encontramos com o Tobias.

— Tobias? — disse o Darwin — O que faze aqui?

— A procura da minha urmã. — disse ele triste — Aqui há uma sala e do outro lado
há mais uma porta que leva directamente para o exterior do quintal do castelo. Se
alguém tivesse entrado, seria por aqui. E o que vocês estão a fazer?

— Nada. — falei antes que o Darwin podesse responder — Não conseguimos


adormecer então viemos dar uma volta. Tenho certeza de que vão conseguir encontrar a
tua irmã.

— De certeza que ele não entrou por aqui? — perguntou o Darwin.

169
— Esta área esteve cheia de servos durante o dia todo e também a noite. —
respondeu — Vou para o o meu quarto, tenho certeza de que vão encontra-la em breve.

Ele retirou-se. Se era triste para nós, quanto mais para os seus irmãos?! Vimos
aquele rapaz de cabelos ruivos meio bagunça do e espetado, a pele muito branca e um
rosto muito triste. Ele era dá nossa idade, devia estar…

— Sentes isso! — perguntei ao Darwin depois de sentir uma pequena corrente de


ar.

— Sentir o quê? — perguntou ele.

Aproximei-me da parede mais interna e realmente havi um pequenino buraco, de


onde vinha uma leve corrente de ar.

— Isso é normal. — falou o Darwin — Quando se constrói um castelo, nem todas as


pedras encaixam. Já vim aqui algumas vezes quando criança, e há vários buracos desses.
Por quê que não contaste ao Tobias o que estamos a fazer?

— Tu confias nele? — perguntei.

— Sim. Não somos propriamente amigos, mas quando crianças eu brincava muito
com ele. O jogo predileto dele era as escondidas. Ele se escondia e eu nunca conseguia
encontrá-lo, ele aparecia sempre depois de duas horas, era divertido, mas estressante
porque ele me encontrava sempre.

— Isso foi muita informação para mim. — falei — Mas nesta situação, o bandido
não pode ter entrado por nenhuma delas.

— Tens razão. Isso só pode significar duas coisas. — disse o Darwin — Ou alguém
está a fazer uma brincadeira de muito mal gosto, ou o sequestrador é alguém do palácio
e ainda está aqui…

170
Vinte e cinco
Dora: Pista a pista

— Por onde começamos? — perguntou a Lia.

— Deixa comigo, eu sou praticamente uma profissional. De todos animais que


procurei nenhum me escapou. — respondi.

— Isso não é grande coisa. — falou ela, enquanto andávamos sigilosamente pelo
corredor.

— Vamos começar por onde começa qualquer mistério. No local do crime. — falei.

— Não podemos procurar por todo castelo, é muito grande. E nós não sabemos
exatamente onde a princesa desapareceu.

— Sim, mas podemos ter uma pista. Fiquei a saber que alguns dos príncipes
partilham os quartos, então podemos interrogar a oitava filha do rei para saber o que
aconteceu anteriormente. — falei.

— É uma ótima ideia, mas achas que ela vai colaborar? — perguntou a Lia.

— Tem de colaborar se quiser a irmã de volta. Além disso, ei sei ser muito
persuasiva. — falei com um sorriso maroto.

Andamos sem sobressaltos até o quarto da princesa, mas quando chegamos, havia
um guarda na porta.

— Precisamos falar com a princesa. — disse a Lia, o guarda nem reclamou, deixou-
nos logo passar.

— Foi mais fácil do que eu pensava. — falei para a Lia.

Quando entramos, vimos duas camas, mas apenas uma pessoa. A princesa estava
sentada junto a cama da direita, terminando uma trança nos seus cabelos vermelhos. Ela
olhou para nós com o seu rosto triste e meio confusa nos perguntou:

— o que fazem aqui? — disse ela.

171
— Desculpa aparecermos assim sem avisar princesa, mas temos algumas perguntas
a fazer. — disse a Lia.

— Estamos a investigar o desaparecimento da sua irmã mais nova, podes nos


responder a algumas questões? — falei.

— Claro. — disse ela rapidamente — Faço qualquer coisa para encontrar a minha
irmãzinha.

— Então. — comecei a falar — Podes nos explicar detalhadamente o que


aconteceu depois do jantar?

— Claro, aconteceu assim: após todos se retirarem, como já é de hábito viemos as


duas até ao quarto. Conversamos um pouco enquanto nos trocávamos para nos deitar,
foi quando ela sentiu fome. Ela está sempre a comer, come tanto que até há sempre uma
bandeja com comida aqui no quarto para evitar sair daqui. Ela adora frutos vermelhos e
pão com compota. Assim sendo, ela levantou-se e foi para a cozinha, desde aí que não a
vejo.

— Calma um bucado! — disse a Lia — Não havia um bandeja com comida no


quarto?

— Pensando bem, quando voltamos a bandeja não estava aqui. — respondeu a


princesa.

— E onde fica a cozinha? — perguntei.

— Há duas. A grande lá em baixo, e outra aqui no primeiro andar, para evitar


deslocamentos. — respondeu.

— Obrigado, vamos fazer os possíveis para encontá-la. — falou a Lia.

Saímos dali com a nossa primeira pista, a princesa foi a cozinha. Pedimos algumas
indicações e chegamos rapidinho. Era um espaço não tão grande. Um balcão no meio e
armários e prateleiras a volta. A comida não era feita aqui, mas haviam aqui algumas
coisase para quem sentisse fome.

— Parece que ninguém mexeu em nada. — falei — Ótimo.

Demos uma pequena vista de olhos e não foi muito difícil perceber certas coisas.
Olhei para a Lia e ela estava na mesma linha de pensamento que eu. Havia uma bandeja
no balcão de centro, com morangos e mirtilos, e pão.

172
— Deve ser da sua princesa. — disse a Lia — Ela estava a preparar quando algo
aconteceu.

Havia um frasco com compota de manga no chão. Havia também um rastro com a
compota que levava a uma parede.

— Ela deixou cair o frasco quando foi abordada. — disse a Lia — Mas as marcas não
fazem sentido.

— Talvez não agora, mas eu inventei uma feitiço que é mesmo útil para essa
situação. Senta-te no balcão — ela sentou-se e eu também, então eu disse — Luz da
floresta mostra-me o que ninguém vê, revela o que que não vi, mas que sempre tu vês.

Depois disso a minha mão soltou uma luz branca e no chão acenderam quatro
pares de pegadas. Observamos e começamos a tomar as nossas conclusões.

— As verdes são minhas, as azuis tuas. — falei — As rosas devem ser da princesa e
as vermelhas do homem misterioso. Este feitiço só mostra o que aconteceu a uma hora
atrás, por isso é melhor nos despacharmos.

Como vimos, Haviam quatro pares de pegadas, as nossas entravam na cozinha e


terminavam no balcão. As da princesa iam de um armário ao outro, e terminavam ao lado
do balcão onde ela estava a preparar a sua comida. As do homem misterioso,
começavam na parede, iam até a princesa e depois estava tudo sujo com compota de
manga.

— Não há nada de anormal com as pegadas da princesa, mas as do homem


misterioso… — falei.

— Sim elas começam numa parede, vão até a princesa e desaparecem sem sair da
cozinha. — disse a Lia — Não conseguimos saber como ele entrou, nem como saiu.

— Visto que o feitiço tem o tempo limite de uma hora, ele deve ter entrado há
mais de uma hora e esperado pela princesa — falei — isso explica como ele entrou, mas
não como saiu.

— Pelo menos já sabemos uma parte essencial do caso. — disse a Lia — O homem
misterioso já está aqui há muito tempo e pelos vistos nunca chegou de sair.

Encontramos uma pista essencial. Eram só suposições, mas parecia que o homem
misterioso conhecia bem o castelo e o hábito da princesa de comer a noite. Deve ser
alguém próximo, ou mesmo um servo antigo. Enquanto voltávamos para o nosso quarto,
cruzamo-nos com o príncipe Tobias.
173
— Príncipe! — falei — O que fazes aqui?

— Olá. — disse ele triste — Procurava pistas da minha irmã, o Darwin e o Leo
também estavam a procura e suponho que vocês também estejam.

— Sim. — respondeu a Lia — Queremos encontrá-la tanto quanto o senhor.

— Por favor. Chamem-me Tobias — disse ele — e fiquem descansadas, sei que em
breve vão encontrá-la.

— Esperamos que sim. — falei eu — Então, boa noite prin… boa noite Tobias.

Saímos dalí e fomos dormir. Afinal dormir numa cama não é assim tão mal, só
recuperamos as energias muito lentamente. Enfim, vou aproveitar um pouco desse
conforto enquanto posso.

Acordei com um susto quando ouvi imenso barulho fora do quarto. A Lia também
já estava em pé. Logo que saímos nos deparamos com o Leo, mesmo a nossa frente.

— O quê que se passa? — perguntou a Lia.

— A oitava filha do rei foi raptada…

174
Vinte e seis
Darwin: Um a um
Havia um grande tumulto em todo castelo. Soldados corriam de um lado ao outro
sem necessidade, servos e servas comentavam e já começavam a criar fofocas e
especulações sobre maldições, bruxas e todo tipo de feitiçaria.

Ouvimos também dizer que o rei ia agora para a sala do trono, e tinha convocado
todos os servos, soldados, nobres e até cozinheiros para se apresentarem imediatamente.
Ainda estávamos com as roupas de dormir, mas não podíamos perder aquilo.

- Vamos nos trocar rápido e ir ver o quê que se passa! – falou a Dora e nós
obedecemos.

Depois de quinze minutos quando chegamos na sala do trono, o rei estava vermelho
como um tomate e a gritar como um louco:

- … duas das minhas amáveis filhas desapareceram. Como vocês explicam isso? –
gritou o rei, mas não pareceu uma pergunta – Onde está o guarda que se encontrava na
porta dos seus aposentos? Quero-o aqui imediatamente!

O guarda não demorou nem mais um segundo. Correu para a base do trono e caiu de
joelhos como um cãozinho obediente aos pés do dono.

- Vossa majestade. – disse ele com uma reverência – Eu juro estive o tempo todo na
porta do quarto, se alguma coisa entrou, então não foi pela porta. Prometo senhor, quando
a criada entrou para trocar os óleos das lámpadas, eu estava a conversar com o guarda que
me substituiria no turno.

- É a mais pura verdade majestade. – disse um segundo guarda que tinha acabado de
cair de joelhos – Ficamos juntos serca de uma hora.

A sala estava mergulhada num silêncio total quando nem o rei, nem outra pessoa
estivesse a falar. Sentía-se muita tensão no ar. Todos olhavam uns para os outros sem se
atrever a respirar alto demais.

- Então não há nemhuma explicação para o que aconteceu? Já perdi duas filhas e
quero que sejam encontradas ainda hoje. – disse o rei furioso – Cada um dos meus filhos
deve andar com dois guardas. Não quero ninguém sem autorização a se aproximar de um
príncipe ou princesa.

175
- Pai. – falou o filho mais velho do rei – Eu já tenho idade de ser um cavaleiro e serei
eu o sucessor do trono. Permita-me dirigir buscas para encontrar as minhas irmãs. Peço-te
meu pai.

O rei não pareceu muito confortável com aquilo, mas ainda assim teve que acenar
com a cabeça a concordar.

- Que seja. – falou ele finalmente – Quero as minhas princesas aqui ainda hoje. Quem
capturar o culpado e trazer-me-as de volta, será muito bem recompensado. ESTÃO TODOS
DISPENSADOS.

Com aquilo, a multidão que enchia a sala foi saindo e se empurrando para fora até a
sala ficar vazia. Já só sobrávamos nós, os filhos do rei e um pelotão de guardas para escolta-
los. Todos eles pareciam tão tristes e assustados, eram a princípio onze, mas agora estavam
ali nove .

O mais novo, que era da minha idade, veio até a nós.

- Estás bem Tobias? – perguntou a Lia.

- Não muito bem. – respondeu – É difícil passar por isso, eu sei que vocês querem
encontrar as minhas irmãs tanto quanto eu.

- Sim. Faremos tudo que estiver ao nosso alcanse. – falei.

- Obrigado por tudo. Agora só preciso descansar. O meu pai disse para estarmos nos
nossos quartos até tudo isso acabar.

- O teu irmão mais velho disse que também vai ajudar. – disse o Leo.

- Sim. Um dia ele será um grande rei. – falou tristemente. Para o alegrar a Dora disse:

- Então e tu? Pensas em ser um cavaleiro?

- Hummm, não. Não sou tão bom com a espada, mas penso em ser um inventor. Há
várias coisas maravilhosas que queria descobrir e inventar. – disse ele com um leve sorriso
no rosto.

- Príncipe Tobias. Está na hora de ir… - falou um guarda apressado com grande
rispidez.

- É melhor não desobedecer. Tchau. – falou sem sorrir e foi-se embora.

176
Depois de sairmos da sala do trono, os corredores estavam desertos. Parece que
todos ficaram ocupados.

- Vocês também estavam a investigar? – perguntou o Leo.

- Claro que sim. – disse a Lia – Descobrimos que o nosso homem mistério, conhecia
bem os hábitos da primeira princesa a desaparecer.

- Sim, e ele ainda pode estar aqui dentro. – terminou a Lia.

- Nós reparamos que não havia nenhuma forma de ele entrar, então já estava aqui
antes mesmo de nós termos chegado. – falei.

- Então vamos separar-nos e comtinuar a procura? – perguntou o Leo.

- Sim. É mais fácil e levanta menos suspeitas. – disse a Dora.

Separámo-nos ali. Fomos tomar o desjejum e começamos a investigar.

- Sinceramente não sei por onde começar. – disse o Leo.

- Nem eu, mas devíamos andar por aí, falar com as pessoas, talvez descubramos
alguma coisa. – falei – Por quê que estás a por um casaco? Estamos no verão.

- Talvez não percebas, mas sinto várias correntes de ar nesse castelo e são muito
frias.

- Que estranho. Mas não há tempo para isso. Vamos. – falei eu.

Saímos do quarto e andamos pelos corredores silenciosos. Não vimos ninguém por
longos minutos. Estava tudo muito estranho. Ninguém tinha entrado no quarto da princesa,
então como é ela tinha saído?

- Espera aí. – disse o Leo – Uma vez disseste que os castelos estavam cheios de
passagens secretas. Será que aqui não há também?

- Bem pensado. E se aqui houverem passagens, de certeza que consigo encontrar


pelo menos uma. – falei. - Segue-me.

Fomos pelos corredores olhando por de trás de tapeçarias de pesado linho,


empurrando armaduras, levantando quadros e apalpando paredes e por fim , nada. Se
houvesse algo estaria ali, mas não hávia nada.

Saímos para tentar noutra zona, quando sem querem esbarrei em alguém.
177
- Desculpa-me príncipe Darwin. – disse a segunda filha do rei.

- Eu é que lamento imenso princesa. – falei fazendo uma pequena reverência –


Desculpa pelo importuno, mas não devias estar em teu quarto protegida?

- Sim. Mas detesto estar sempre protegida pelos homens. Eu sou melhor que o
Tobias na espada. – falei – Ele é bastante inteligente, criativo e engenhoso, mas precisa ser
protegido. Ele falava sempre em mudar completamente o castelo e começar uma era
mecánica. – ela falou com um sorriso – Mas ele é só uma criança e eu como mais velha, vou
protege-los e encontrar as minhas irmãs.

- É muito corajoso. – falei – Mas será prudente?

- Eu não sou nenhuma novata, sei cuidar de mim. – ela disse – E por favor, não
contem nada disso a ninguém.

- As suas ordens princesa. – então ela foi corredor a dentro até desaparecer.

Sem mais lugares para procurar, fomos até o quarto de outros príncipes, para ver se
descobrimos alguma coisa. Chegamos a porta do quarto do sétimo e do nono príncipe. Os
guardas autorizaram-nos a entrar. Quando abriram a porta, o quarto estava vazio.

- O quê? Como? - espantou-se o guarda – Nós estivemos aqui o tempo todo.

- Temos de reportar isso agora. – disse o outro guarda e saíram a correr sem reparar
se nós ainda estávamos aí ou não.

- O fazemos agora? – perguntou o Leo.

- Vamos ter com a Lia e a Dora, agora. – falei.

Tal como os guardas, saímos dalí o mais depressa que conseguimos. Tivemos alguma
dificuldade em encontrá-las, e quando conseguimos elas pareciam tão preocupadas quanto
nós.

- O quê que aconteceu? – perguntou a Lia.

- Desapareceram mais dois príncipes. – disse o Leo rapidamente – Pelos vistos já a


algum tempo, mas os guardas não viram nada. E então do vosso lado?

- Desapareceram as três princesas que restavam. Pelos vistos duas delas estavam no
mesmo sítio, já a mais velha não se sabe de nada dela. – disse a Dora.

178
- Nos cruzamos com a mais velha, mas não sabíamos onde ela ia. – falei – Ela disse-
nos para não contarmos nada a ninguém.

- O príncipe Tobias também! – gritou alguém ao longe.

- Foram seis de uma só vez. – disse um assistente de cozinha ao nosso lado – É uma
maldição lançada ao rei. Estaremos todos condenados, mais cedo ou tarde.

Do nada havia um monte de gente onde nós estávamos. Tivemos de salir dalí para
podermos falar. Quando finalmente chegamos em um lugar isolado, podemos finalmente
falar.

- Temos de ser rápido então vou explicar. – disse a Dora – Em todos os lugares onde
desapareceu alguém, havia um par a mais de pegadas, mas elas nunca entravam no quarto,
apenas giravam o quarto e depois desapareciam com o resto das pegadas. Encontramos
uma coisa no chão que se parecia com compota de manga, mas estávamos enganadas e
não sabemos o que é.

- Trouxemos uma amostra daquela coisa, talvez consigamos saber o que é ou quem o
fabrica. – disse a Lia tirando um lenço do seu bolso e passou para a o Leo.

Wau! Elas estão tão a nossa frente.Como elas descobriram aquilo tudo? No final a
única coisa que eu e o Leo fizemos foi passear por alí.

- Nós concluímos que se sabermos o dono dessa coisa laranja podemos descobrir o
nosso homem mistério. – disse a Lia.

- E temos que ser rápidos, o rei não vai aguentar ficar sem filhos e nós temos mais
uma pista. – disse a Dora – A Lia disse que o castelo do Darwin estava cheio de passagens
secretas, e se o nosso homem mistério as conhece, pode entrar e sair sem ninguém saber.

- A pessoa que criou essa coisa laranja, pode ser a mesma que está a usar as
passagens , mas não conseguimos encontrar nenhuma delas. – falou a Dora - Então
pensamos que vocês soubessem de algo. E por quê que o Leo está de casaco no verão
dentro de um castelo de pedra?

- Senti um tanto de correntes de ar por aí, então…

- Espera. Correntes de ar? – disse a Lia. Senti que ela estava a pensar em mais uma
pista, o que fez-me sentir a pessoa mais burra do mundo, não havia correntes de ar nos
castelo – Se há correntes de ar, deve ser ali onde se encontram as passagens. Um castelo
de pedra não deixaria entrar vento por qualquer lugar.

179
- Então deve haver uma em cada quarto. Ou pelo menos em cada local onde
desapareceu alguém. – falei. Enquanto isso o Leo cheirava a substância laranja do pano.

Assim que ele encostou o nariz, afastou-o rapidamente como se uma abelha o tivesse
picado na ponta do nariz.

- Isto cheira imenso a lixívia e vinagre. - falou

- Então deve ser trabalho de um alquimista. – falei – Só temos que perguntar pelos
alquimistas do castelo e saberemos quem pode ser o dono.

Fomos a um corredor e assim que uma aia passava as pressas, chamei por ela. Ela
veio ofegante até a nós.

- O quê que os senhores fazem aqui? O rei mandou chamar todos na sala do trono. O
resto dos seus filhos acabou de desaparecer, um a um onde eles estavam. – disse a menina
– Só o primeiro dos seus filhos está na sala do trono com ele, rodeado por vinte guardas,
tudo porque ele não estava no castelo quando tudo aconteceu. – era bom saber tudo que
ela disse, mas nós tinhamos que encontrar os dez desaparecidos.

- Diga-me quem são os alquimistas do castelo e onde eles estão agora. – falei
ignorando tudo que ela disse antes.

- Oh! Senhor príncipe. O castelo não tem nenhum alquimista. O último acabou de
falecer no ano passado e não foi substituido. – ela parou, mas depois de pensar um pouco
falou – O jovem príncipe Tobias estava sempre com ele, e ele queria ser também
alquimista, mas agora só fazia algumas experiencias no seu quarto a espera do seu próximo
mestre. Pobre menino. Ele era tão frágil, só tinha os livros como amigos e nem sabe qual é
o lado certo da espada.

- Ok já chega, podes ir.

- O rei também deseja te-los na sala do trono imediatamente. – disse ela, fez uma
mínima vênia e foi embora.

- Temos coisas mais importantes a fazer antes de irmos na sala do trono. – disse a Lia.
O leo percebeu e nos levou até uma daquelas correntes de ar de que ele falava.

No fim das contas acabamos no nosso próprio quarto. O Alan estava lá, pálido e frio
como uma pedra branca debaixo dágua. Quando entramos ele estava a dormir e ninguém
fez o favor de lhe acordar. O Leo tirou o casaco para sentir melhor e nos levou até uma
parede que a mim parecia super normal.

180
- É esta parede. – disse ele.

- Onde mais especificamente? – perguntou a Lia. Ele apaupou um pouco a pare e


mostrou uma pequena ranhura.

- Os castelos estão cheios dessas coisas. – falei.

- Sim, mas nem todas se parecem com ranhuras para chaves. – falou a Lia.

- Parece uma porta enorme feita de pedra. Não temos a chave, mas podemos sempre
arrombá-la. – disse a Dora – Os mais fortes aqui são o morto vivo e o monstro peludo.

Claro. Eu e o Leo aproximamo-nos da perede e seguramos. Contamos até trê e


então… empurramos e empurramos e nada.

- Eu estou a usar toda a minha força, mas tu nâo. – disse o Leo.

- Eu nâo sei como. – respondi – Estava a espera que aparecesse.

- Não podes simplesmente esperar que apareça, tens que ser tu a chamá-lo. – ele
falou – O teu problema é não aceitares o que és. Olha para mim, sou um meio morto e
aceitei isso facilmente, pensado nos esforço que vocês fizeram para me salvar. Pensa nos
que amas e vai correr tudo bem. – pensei um pouco e disse ok.

Eu sou um monstro peludo, mas serei o monstro peludo que vai salvar todo mundo.

- Aos três. – falei – Um, dois, três… - empurramos e empurramos e finalmente senti
aquela força a invadir o meu corpo. Senti os meus dentes transformarem-se em presas, vi
as minhas unhas ficares grandes garras e sabia que os meus olhos estavam vermelhos como
o sangue.

Por fim sentimos aquela parede se mover quando por fim… ruuummmmm. Com um
estrondo sentimos alguma coisa se partir e agora a pedra começava a se mover abrindo
mais facilmente do que eu espera.

Não, não, não. Senti a força se descontrolar. Comecei a ver os meus pelos crescerem
e uma grande vontade de matar alguém, urgentemente.

181
Vinte e sete
Leo: O príncipe perdido
O Darwin parecia descontrolado. Os pelos dele estavam a crescer lentamente e via-se
nos seus olhos uma vontade assassina. Ele começou a rosnar e as pernas dele a retorcer-se.

- Darwin, acalma-te. – falei – Pensa nas coisas que te fizeram feliz até agora. Pensa no
teu amigo Alan, ele está doente.

Ele deu um olhar de relance ao acamado Alan agora acordado e depois a mim e
começou a rosnar. Ele estava a avançar e eu não tive outra escolha se não me preparar
para uma luta. Ele olhou para o lado e quando viu a Lia começou a debater-se. Ele estava a
tentar lutar para controlar.

- Tu consegues Darwin. – falei.

- Eu acredito em ti. – disse o Alan na sua cama.

- Tu podes controlar isso Darwin. – disse a Dora, mas ele não pareceu ouvir. Só
quando a Lia falou ele pareceu reagir.

- Darwin. – disse ela e foi o suficiente para ele começar a recuperar. Eu sabia o
significado daquilo e não gostei nada.

Finalmente começou a votal ao normal, mais ou menos. Ele voltou a ser um humano,
com excepção de ele ainda ter os dentes aguçados, as garras a mostra e os olhos num tom
vermelho acastanhado. Ele pôs-se em pé.

- Estás bem? – perguntou a Lia.

- Sim, acho que vou voltar ao normal em breve, até lá consigo aguentar. – respondeu.

Olhei para o buraco que tínhamos aberto na parede. Haviam roldanas e dobradiças,
correntes e uma fechadura bem pregada na porta de pedra. Engrenagens por todo lado
agora partidas pela força que nós usamos. Por dentro era uma passagem extreita para uma
só pessoa, escura e fria. Devia estar ligado a todo castelo porque havia uma leve corrente
de ar.

- Então, quem passa a frente? – falei.

- Infelizmente não posso vos iluminar o caminho. – disse o acamado Alan.

182
- Eu vou. – disse o Darwin sem exitar e foi na direção da passagem – Cuida de ti Alan,
voltamos quando possível.

Então entrou na ranhura da parede. Eu fui a seguir, depois a Dora e por último a Lia.
Não havia ali muito espaço, então tivemos que rastejar devagar pelas paredes.

- Wau! Tem que ser alguém mesmo magro e pequeno para passar por aquu com
tanta facilidade. – falei.

- E inteligente. Não deve ser fácil fazer uma grande porta de pedra mover-se tão
facilmente. – disse a Lia.

- Não deve ser muito difícil apanhá-lo , geralmente as pessoas muito inteligentes não
são tão fortes. – falou a Lia.

- Discordo, - disse o Darwin – Tu e a Dora são muito inteligentes e também bem


fortes.

- Não posso dizer que isso não é verdade. – concordou a Dora.

- Agora silêncio. – falei – Já consigo ver uma luz no fundo do túnel.

A partir dali, fomos o mais silenciosamente que podíamos. Tivemos de deslizar pelo
tunel por mais um bucado até que a luz ficou mais forte e mais um pouco. O tunel se
alargou, agora podíamos andar normalmente.

- Escondam-se e entrem com calma. – sussurou o Darwin através dos seus dentes
afiados. Fizemos o que ele disse. Muito lentamente avançamos até chegar a uma grande
sala.

Eu nâo tinha a orientão do Alan , mas podia dizer que estávamos no centro do
castelo. Quando os meus olhos se habituaram a fraca luz do lugar, consegui ver uma grande
sala, muito desageitada na estrutura. O chão era de pedra bruta e as paredes também,
havia pelo menos mais oito passagens como a que nós tínhamos usado.

Em um canto havia uma mesa de trabalho, por cima dela um grande conjunto de
garrafas e frascos a maioria cheia de pós e líquidos que nâo conhecia. Noutro canto uma
pilha de engrenagens, roudanas e outros materiais mecânicos que também desconhecia.

A melhor parte de todas, estavam lá todos os príncipes… bem, quase. Onde está o
Tobias?

- O Tobias não está aqui. – falei.


183
- Eu ainda não consigo ver nada. – respondeu o Darwin.

- Estamos em uma sala cheia de passagens que devem dar para todo castelo. Os
príncipes e princesas estão aqui, mas não vejo o Tobias. Estão todos em macas de madeira
cada um com uma corrente em um pulso e presa na parede. Parecem estar atordoados,
alguns deles estão inconscientes, ou outros muito tontos, parece que ainda não nos
notaram. – falei tudo e eles acenaram com as cabeças.

- Então estamos a espera de quê? – reclamou a Lia - Vamos tirá-los.

- Não sabemos quem, como, nem o porquê que os acorrentaram. – disse a Dora –
devia ir só um de nós e os demais ficam de vigia.

- Quem vai? – perguntei.

- Bem, só um de nós consegue ver no escuro. – respondeu, eu sabia que estava a


falar de mim, não tinha como negar.

- Ok eu vou, mas vocês ficam atentos.

Bem como me pareceu. Mesmo que eu conseguisse desacorrenta-los, eles não


conseguiriam sai daqui pelo próprio pé. Havia uma única tocha que iluminava fracamente a
sala, primeira coisa que fiz, foi pegar nela e acender as outras tochas, agora conseguia ver
claramente tudo a minha volta.

Um dos príncipes fez para mim um sinal para que eu me aproximasse. Quando
cheguei ao pé dele, ele sussurrou algumas palavras que uma pessoa normal não teria
ouvido.

- Cuidado, ele é mais perigoso do que parece. – disse ele, no mesmo momento em
que uma garrafa veio pelo ar na minha direção. Por instinto bati nela com a palma da mão e
voltou para quem a tinha atirado.

A garrafa partiu-se no chão espalhando cacos e uma coisa viscosa e laranja no chão.
Um gás da mesma cor levantou-se e estava escondendo-o atrás da fumaça, ainda assim,
conseguía-se ver que era uma pessoa pequena. Recuei até onde os outros estavam, agora
que todos conseguíamos ver o que se passava.

- Quem és tu? – disse o Darwin suavemente.

- Tão estúpido como parece. – disse o homem dando três passos a frente e
levantando uns óculos verdes até até aos seus cabelos vermelhos como o fogo.

184
- Tobias!? – exclamou a Dora.

- Wau. – disse de forma sarcastica – Não és assim tão burra como pareces.

- O quê que estás a fazer aqui? Por quê? – disse a Lia, mas não estava muito surpresa
com aquilo.

- Não é… da tua… CONTA. – gritou ele atirando uma daquelas garrafas de gás no
chão, bem a nossa frente.

Levei as mãos a boca e ao nariz de imediato , mas aquilo não pareceu ter efeito em
mim. Quando olhei para o lado, apenas a Lia estava tonta com aquilo e prestes a cair, mas o
Darwin segurou-a por trás e colocou-a suavemente no chão começando a rosnar para o
Tobias com os seus dentes afiados.

- O quê que fizeste? – perguntou com a voz grossa e arranhada de montro.

- Era para todos ficarem como ela. – disse furioso – Isso era para funcionar em
qualquer pessoa!

- Não sei se não reparaste, mas nós não somos qualquer pessoa. – falei com mais
orgulho do que devia – Um morto-vivo, uma ninfa e um montro peludo. Achas que
consegues derrotar-nos?

- Até podem ser mais do que pessoas normais, - começou a falar – mas morrem do
mesmo GEITO.

Ele atirou para nós uma garrafa com uma coisa vermelha dentro, quando o Darwin
deu-lhe um soco, a garrafa partiu e explodiu de imediato lançando o Darwin violentamente
contra uma parede. Aquilo não foi o suficiente para para-lo, ele levantou logo, como se
nada tivesse acontecido e começou a rosnar ainda mais alto.

- Não duvidem da minha mente. E saiam do meu caminho se quizerem viver. – falou
de novo o Tobias.

- Tu não terias coragem de nos matar. – disse a Dora – Nem aos teus irmãos. – ele
sorriu ao ouvir aquilo.

- Não duvides do que eu posso fazer para alcansar os meus objetivos. – disse ele – Eu
mataria qualquer um que atravessasse o meu caminho, as pessoas são burras e inúteis.
Tratam-me como se eu fosse uma criança inocente, mesmo eu sendo mais inteligente que
todos eles juntos. Eu queria mudar este reino e levá-lo a glória, mas eles só souberam dizer:

185
“és tão novo”, “dizes coisas tão engraçadas”, “o teu irmão vai governar grandemente o
nosso reino”, “é tão fofo o que dizes”.

Nos seus olhos havia grande fúria.

- Isso não justifica teres raptado os teus irmãos. – falou a Dora.

- Eu tenho ambições – disse ele sorrindo – já que não me dão o trono, vou tirá-lo a
força e os meus “queridos irmãos “ são só um obstáculo no meu caminho.

Ele atirou outra garrafa, mas desta vez verde. Quando ela se estilhaçou pelo chão, ele
levou os óculos de volta aos olhos e a sala ficou cheia de fumo verde. Os meus olhos eram
os melhores, mas ainda assim só consrguia ver sombras, um segundo mais tarde vi uma
pequena luz vermelha voar numa direção que não era a minha, quando aquilo explodiu
ouvi o Darwin gritar e depois rosnar.

- Varis. – ouvi a Dora dizer, então um vento vindo do nada abanou a sala e dissipou
rapidamente a fumaça.

Quando eu conseguia ver claramente, o Tobias já estava de trás da Dora e deu-lhe


uma cotovelada bem forte na parde de trás do pescoço dela. Ela caiu atordoada com a Lia,
mas não desmaiou. No momento seguinte eu estava a correr para alcançá-los, mas o
Darwin chegou muito antes de mim dirigindo um soco bem no focinho do Tobias, mas ele
segurou-o pelo cotovelo e o antebraço e atirou graciosa, mas perigosamente para um
parede.

- Achaste que eu não sabia lutar? – disse o Tobias em tom de zombaria – Não devias
acreditar em tudo o que te dizem. – ele voltou a lançar uma daquelas garrafas vermelhas
que acertou o Darwin nas costas explodindo fortemente.

A minha mente estava completamente vazia quando corri até ele e avancei com um
pontapé na sua barriga, ele denfendeu-se com as duas mãos, ele fez o mesmos com outros
cinco golpes que tentei acertar nele, quando por fim cometi o mesmo erro que o Darwin e
e fez exatamente o mesmo comigo. Quando ele preparou a pequena bomba para me
arremessar, o Darwin pôs-se a frente bloqueando com os dois braços, mas agora ele estava
mais transformado que antes.

O Tobias partiu outra garrafa de fumo, mas no momento em que o fumo se espalhou,
uma voz fraca disse: - Varis – o fumo voltou a se dissipar com o vento. Os demais príncipes
estavam todos encostados e acorrentados em uma parede, a Lia e a Dora meio demasiadas.
Transformado em monstro o Darwin iria extravasar o Tobias e depois cada um de nós. Tudo
dependia de mim.
186
Coloquei a minha mão no ombro do Darwin e falei baixo para ele.

- Somos amigos. – algo que nunca falei em voz alta – Conseguimos fazê-lo juntos, tu
vais pela esquerda, eu pela direita.

Ele não deu nenhum sinal, mas quando eu saí disparado pela direita, ele foi
imediatamente pela esquerda, a um metro de alcançar o Tobias, ele enfiou as mão mas nas
duas bolsas que eu não tinha reparado que ele tinha na cintura, delas dois sacos escarlates
que num movimento rápido atirou para nós estava a epera de uma explosão mas quando
aquilo chegou no meu rosto explodiu e fez entrar nos nossos olhos um pó roxo que me
segou por completo.

Pensei em um milésimo de segundo, tentei sentir o cheiro dele, mas não consegui,
então ouvi… a sua respiração lenta e calma, cada movimento que o corpo dele fazia.
Avancei levando o meu pé, em um pontapé no joelho dele, mas ele era mais habilidoso do
que as pessoas diziam, desviou e fez um movimento para o meu rosto e me acertou com
um soco. Tentei lutar, ele desviou, esquivou e bloqueou todos os meus golpes e quase
todos os golpes dele me acertaram.

Quando finalmente não aguentei, o Darwin veio e lançou-se sobre ele. Deu um soco,
um pontapé e uma cotovelada, mas eu consegui ouvir que o Tobias estava a ganhar a luta,
eu também sabia que o Darwin não podia ver, ele estava a ser guiado apenas pelo o olfato.
Quando finalmente consegui abrir os meus olhos e ver o que se passava, o Darwin estava a
perder a luta.

Não era possível ele ser tão bom, para acompanhar a força e velocidade do Darwin.
Eles trocaram ums bons golpes, quando finalmente o Darwin deu-lhe um soco de frente e
ele segurou o seu cotovelo e o braço pronto para atirá-lo. Eu sabia o que seguia àquilo,
levantei-me rapidamente para tentar ajudá-lo, quando o Darwin fez uma pirueta, agarrou o
Tobia com as duas mãos pela cintura levantando-o acima da cabeça e bateu-lhe no chão
com todo a força do seu corpo.

O Tobias arquejou por um breve momento no chão, só depois fechou os olhos


desmaiados.

- Estás bem Leo? – peguntou ele.

- Estou e tu? – ele acenou com a cabeça a confirmar – Eu vou ver os príncipes.

- E eu a Dora e a Lia. – respondeu rapidamente e foi embora.

187
Comecei logo a desacorrentar os príncipes e princesas, com uma chave que estava
pendurada num gancho. Era estranho finalmente admitir que o Darwin era meu amigo, mas
bom , e agora já tenho alguém mais para proteger se não a Lia.

Depois de terminar, alguns dos príncipes já conseguiam se por em pé. Com ajuda, os
outros se levantaram apoiando-se uns aos outros. Olhei para trás e a Dora já estava em pé,
a Lia apoiada no ombro do Darwin, que agora já parecia mais humano.

- Estou farto desse lugar, vamos sair daqui. – falei .

- Não. – falou uma voz baixinha, era o Tobias ainda no chão – Não me derrotaram
assim tão facilmente. – ele sussurrou, deixando escapar um esfera de vidro da mão, ela
rolou até a parede mais próxima onde eu e os príncipes estávamos – Buummm.

Bummmm. Uma enorme explosão surgiu, lançando alguns de nós para trás outros
para o chão, vi a parede perder os seus alicerces e cair, uma das enormes pedras caiu na
perna de um dos príncipes e uma menor atingiu uma princesa, a última coisa que eu senti,
fui eu mesmo bater em uma parede com as costas e…

188
Vinte e oito
Lia: O desgraçado e os malogrados
O Leo acabou de desmaiar, seu estava tão tonta que nem conseguia me por em pé
sem ajuda. A Dpra estava agora a recompor-se e o Darwin tinha esgotado todas as forças
com as explosões que o atingiram. A explosão tinha levantado uma grande nuvem de
poeira, mas quando começou a baixar, vi soldados entrarem pelo grande buraco da parede
que dava a sala do trono.

Eles pegaram nos príncipes e princesas e levaram-nos para fora. Um fos príncipes
ficou com uma perna esmagada por um pedregulho e uma princesa devia estar em coma.
Alguém pegou no Leo para tirá-lo de lá, eu fui ajudada pelo Darwin e a Dora saiu sozinha.
Só agora tinha reparado que o Tobias não estava entre nós.

Vi o rei e o seu sucessor gritarem ordens, os feridos foram levados, incluindo o Leo.
Eu sabia que ele iria ficar bem, o que me preocupava era onde estava o pequeno mas
perigoso Tobias.

- O que aconteceu? – gritou o rei confuso, um dos filhos deles que estava connosco
respondeu-lhe.

- O Tobias. – disse ele – Foi o Tobias.

- O quê!? – admirou o primeiro filho do rei.

- O Tobias, - disse uma das princesas a chorar – ele levou-nos a todos e fez isso tudo.
Ele quere o reino pai.

- Não pode ser. – disse o velho rei aturdido – Ele não consegue fazer isso, ele…

- É capaz de tudo para conseguir o que quere. – falou o Tobias de um canto da sala.

- Para Tobias! – falou o seu irmão mais velho – Tu não sabes o que estás a fazer…

- Ah não sei? – gritou ele – Então vamos rever. Rapteii todps os meus irmãos, mesnos
o parolo que decidiu sair do castelo. Já que não deixam mudar o reino a minha maneira,
vou tomá-lo a força e governar com punho de aço…

- Mas tu…

- Não voltas a me interromper! Nunca mais. – falou o Tobias com fúria – Ninguém vai
me impedir, e quem tentar vai morrer no processo.
189
- Tu não terias coragem de…

- Matar alguém? – ele completou a frase – Oh sim eu teria e é o que vou fazer. Um
último aviso: me entreguem este reino agora, ou vão sofrer as consequências.

- Olha a tua volta. – disse o irmão dele, o pai estava demasiado chocado para falar
uma palavra – São todos contra um, não tens como derrotar a todos.

- Então escolhem morrer… - disse ele tirando cinco esferas vermelhas em cada mão
das suas bolsas. Ele atirou-as de modo que se espalhassem por toda sala.

- Cuidado! – gritou a Dora…

Cada esfera explodiu em um lugar diferente. Não comsegui ver se alguém foi atingido
porque o Darwin atirou-me ao chão naquele exato momento. Foram explosões enormes,
quando comsegui olhar para cima, havia várias pessoas no chão, algumas fugiam, outras
ajoelhavam-se, algumas tentavam ajudar as que estavam caídas.

O Tobias avançou caminhando no meio do fumo e da confusão de pessoas. O rei e os


príncipes tinham subido os degraus até ao lugar onde o trono estava e ele ia na direção
dela. Quando os soldados vieram a correr, ele colocou as mão de novo nas bolsas, e tirou
de novo aquelas garrafas laranjas. Atirou-as por todos os lados, e levantou uma máscara
que ele tinha no pescoço.

Quando o fumo se espalhou, os soldados caíram um a um, incapases de fazer


qualquer coisa. O Tobias avançou firmememte em direção ao trono, o Darwin levou-me até
um canto e foi logo a correr para tentar pará-lo. Ele estava no seu limite, mas o Tobias
também não podia estar bem depois de levar um golpe daqueles.

O Darwin foi na direção dele e ele tirou caco roxo e atirou no rosto do Darwin, mas
desta vez ele estava a espera, ele baixou-se deslizando pelo chão. O Tobias estava
preparado, o Darwin ainda estava no chão quando ele pegou uma daquelas garrafas
vermelhas, ele não iria aguentar, agora não estava transformado…

- Sarce. – ouvi a voz da Dora gritar, mas antes da luz verde atingir o Tobias, ele
desviou com um rolamento lateral e atirou a garrafa para a Dora. Não sei o que ela fez,
mas parece que uma coisa que ela disse a protegeu da explosão.

O Darwin já tinha levantado e deu um golpe na barriga do Tobias, ele defendeu. Vi-
os lutar por um tempo, quando finalmente o Darwin deu-lhe uma brecha e ele pegou em
uma daquelas esferas laranjas pronto para atirar para o trono, dessa vez seria eu a fazer
alguma coisa.

190
Coloquei-me em pé, e estendi a mão. Contra tudo que eu esperava, uma luz verde
apareceu e uma flecha formou-se na monha mão. Não tinha um arco, então tive que
arremessá-la com a mão. Com toda a sorte do mundo, aquela flecha acertou no ombro
esquerdo do Tobias, o que lhe impediu de atirar a esfera. Ela caiu da sua mão rolando até
uma parede e destruindo-a parcialmente.

O Tobias praguejou, recuou rapidamente para uma parede que ele próprio
selecionou. Tirou da sua bolsa outra esfera vermelha e segurou-a com a mão boa.

- É a útima, eu sei que não posso vencer. – falou ele, mas não estava nem um
pouquinho triste.

- Então desiste. – falou o irmão mais velho dele, descendo os degraus, parando a
apenas alguns passos de mim – Já causaste tanto mal. – Ao ouvir aquilo, ele apenas
sorriu.

- Desistir? – ele disse – Nunca, eu vou vingar-me de todos nesta sala. Eu queria
governar este reino, mas agora vou destruí-lo, não sobrará pedra sobre PEDRA!

Ele gritou puxando uma alavanca ao seu lado. Uma corrente soltou-se e começou a
ranger. O mundo ficou em câmara lenta no momento em que olhei para cima, um
gigante candelabro de ferro estava a cair lentamenta e iria atingir-me em um segundo.
Fraca do geito que estava a única coisa que consegui fazer foi cobrir os olhos com os
braços.

Eu já não tinha o meu amuleto para me proteger, mas senti mãos a volta da minha
cintira. Alguém me empurrou bruscamente para o lado, atirando-me para o chão. O
gigante candelabro atingiu-o.

Não precisei pensar muito para saber que ele estava morto. Alguém soltou um
grito agudo e sofredor, mas eu só conseguia pensar em quem tinha salvado a minha vida.
Quando vi o corpo grande e os cabelos vermelhos compridos, soube logo que era o
herdeiro do trono. Lágrimas encheram os meus olhos e escorreram pelo meu rosto, ainda
assim não soltei nenhum som, estava demasiado chocada para chorar em condições.

Quando olhei para o outro lado, o Tobias não se importava se o seu irmão estava
morto ou não. Atirou a sua última esfera em direção ao trono à sua própria família.
Aquilo explodiu rápido, principes, princesas e o um belho rei ao ar.

Voltei a olhar para ele. Ele tinha aberto um pasaagem escura que se parecia com
uma grande queda.

191
- Eu voltarei. – prometeu o Tobias.

Ele saltou naquele buraco e um segundo depois um monte de pedras tinha se


desmoronado na passagem.

Olhei a destruição que ele tinha causado. O Darwin estava de joelhos no chão, a
Dora transformou-se em árvore ali mesmo. Só agora reparei que metade das pessoas que
estavam no chão tinham morrido. Ele não teve pena nem da própria família.

O seu irmão tinha morrido, ao lado do trono todos estavam no chão e eu nem
sabia qual deles ainda estava vivo. Eu nem mesmo sabia o que pensar.

Só agora reparei que aquela única flecha que eu tinha feito tinha me esgotado toda
energia. Não havia nada a fazer, deitei-me no chão e apenas deixei-me desmaiar…

192
Vinte e nove
Darwin: O funeral
Estava sozinho no quarto depois de acordar, como já era hábito. O dia acabou de
começar, mas senti de imediato que seria uma grande tristeza. Nos últimos dias era para
todos difícil dormir, sabendo o que aconteceu. E tudo depois de chegarmos.

Logo a minha frente estava um conjunto de roupas pretas que alguém tinha
preparado para mim. Vesti-me sem nenhuma vontade e sem perceber me aproximei de
um espelho. Acho que o meu rosto mudou. A minha pele tinha um brilho e um tom mais
fortes, parecia mais saudável , o meus cabelo e os meus olhos também pareciam mais
escuros e brilhantes. Nos meus olhos havia agora um pequeno tom de vermelho.

Nunca pensei que estar em viagem e em constantes lutas e perigos me faria bem a
saúde. Eu sei que cresci, física e mentalmente. Em quase dois meses viagei fugindo do
meu pai, conheci a minha a muito perdida mãe, quase morri a lutar com pequenas
criaturas na ilusão de um deserto, quase morri a dormir por causa de uma árvore
amaldiçoada, quase morri a lutar com criaturas de dois metros e láminas afiadas como
unhas, quase morri no submundo tentando salvar um amigo… espera. Eu morri mesmo.

Morri no submundo, senti-me tão bem como morto, mas sabia que ainda haviam
pessoas que precisavam de mim. Voltei a vida graças ao deus do submundo. Quase tinha
me esquecido da luta com aquelas ninfas do inferno.

Depois de chegar a Órion, vi um rapaz que todos achavam ser inocente mostrar o
pior lado que uma pessoa podia apresentar. Vi a morte de um dos seus irmãos esmagado
por um candelabro. Quase me esqueci da descoberta de que o meu melhor amigo
sempre foi um elfo, e agora está doente, sabe-se lá porquê.

Já estava na hora de ir. Dei uma última olhada no espelho e percebi que apesar de
tudo que enfrentei agora, ainda morria de medo por ter de enfrentar o meu pai. Ele não
era monstro como os outros, e eu era, mas ainda assim, senti que ele ia além de tudo que
eu poderia fazer, ou já tinha feito.

Esfaziei a cabeça e saí do meu quarto. Cheguei no quarto do Alan e do Leo, ambos
estavam também vestidos de preto. O Leo tinha acabado de recuperar de um
traumatismo e o Alan ainda parecia muito fraco.

- Têm a certeza de que querem vir? – falei – Se não conseguirem podem sempre
ficar.
193
- Eu prefiro sair deste quarto. – falou o Leo – Quero assistir o funeral e além disso,
acho que estou muito melhor em relação ao Alan.

- Estou farto de estar aqui. – falou o Alan – De certeza que não fui feito para estar
deitado numa cama o dia todo. Talvez só preciso de ar fresco para recuperar as forças.

Eles não me pareciam muito bem, mas não podia faze-los ficar aqui contra a sua
vontade. Saímos juntos para buscar a Lia e a Dora. Nos corredores silenciosos passava de
vez enquanto um servo ou outro.

- Alan, podemos falar? – pedi.

- Claro. – respondeu, deixamos o Leo afastar-se um pouco – O quê que queres


falar?

- Bom, tu disseste que não podes desobedecer a uma ordem. - falei

- Isso é verdade. – respondeu ele.

- Então isso é uma ordem, tens que dizer a verdade, somente a verdade e nada
mais além da verdade. – falei seriamemte – Promete.

- Ah! Isso vai depender. – disse ele receosamente.

- Preciso que prometas, Alan. – falei rigidamente.

- Ok, eu prometo te contar a verdade. – disse ele com remorso.

- Ok, preciso que me digas porquê que estás doente e diz-me a verdade. – falei.

- Por favor Darwin. Nós somos amigos, eu prometo contar-te tudo, mas quando
isto acabar. – falou tristemente – Por favor.

- Desculpa Alan, mas se for algo que está a fazer-te mal, eu tenho que saber. – falei
sério - Contas-me até o fim do dia? Desta vez a escolha é tua.

Ele baixou a cabeça e finalmente triste, respondeu: - Eu conto.

Depois daquilo, não voltamos a falar. Encontrámo-nos com o Leo a Dora e a Lia e
fomos todos juntos para o pátio principal do castelo. Havia filas de cadeiras divididas em
duas colunas. Entre as duas colunas havia im tapete vermelho e flores espalhas por todo
lado.

194
Quase todos os lugares estavam cheios, mas cinco lugares haviam sido reservados
para nós. Sentamos e esperamos a cerimónia começar. Depois de alguns minutos
chegaram os príncipes e princesas, com as suas vestes pretas e uma cara de desolação.

Dos onze que eram a princípio, estavam aqui agora sete. Era uma tristeza o que
tinha acontecido aquela família e a todos os outros envolvidos. A bomba que explodiu ao
lado do trono matou de imediato o velho rei e uma das princesas não suportou os
ferimentos e acabou por falecer também. Um dos príncipes era agora um homem de uma
perna só, e a última estava agora adormecida profundamente. Em coma desde o dia do
incidente.

Havia três pedestais na nossa frente, cada um pouco mais alto e largo que o
outro.Depois de todos se instalarem, entrou um mestre de cerimônias de um templo que
deu abertura ao funeral. Depois de proferir algumas palavras bem decoradas, seguiu-se
a entrada dos caixões. Naquele momento pelo menos metade das pessoas começou a
chorar baixinho, entre elas a Lia.

Ela ficou mais sensível, poque o herdeiro do trono morreu para salvar a sua vida.
Os caixões foram colocados em ordem, o do rei no pedestal a frente, no do meio o do
príncipe e da princesa. No de trás, os caixões de mais quinze pessoas que tinham sido
apanhadas no meio da confusão.

Foi colocada uma moeda de ouro em cima de cada caixão. Depois entrou um
sacerdote que começou uma longa cerimónia, que levou a manhã toda, só depois
chamaram um dos filhos para falar. Com os onze agora incompletos, a segunda filha do
rei era a mais velha e era ela quem iria representar os irmãos. Nas suas vestes pretas e na
sua cara de agonia, ela foi lentamente até o púlpito de cerimônias.

- Estamos todos tristes com o que aconteceu. – começou o seu discurso -Não só
pela morte dos nossos entes queridos, mas por tudo que aconteceu. Quase que não há
palavras para descrever a dor que cada um de nós está a passar. Um irmão, uma irmã,
um marido ou uma esposa… um pai amoroso. Uma pequena parte de nós se foi com eles,
mas vos garanto uma coisa. A sua força de vontade e sentimentos ainda vivem em nós. O
meu pai, sempre deu de tudo para que vivessemos bem, em paz. Soube ser forte e
submisso, soube quando avançar e recuar, soube dar-nos uma vida que podemos chamar
de nossa. Prometemos, acima de tudo, proteger este reino, continuar com a vontade do
nosso falecido rei e manter a paz que a muito conservamos. Por isso hoje digo.
Avançaremos, o caminho é para frente. Nunca fomos os mais ricos, mas sei que juntos,
nada poderá nos abalar.

195
Ela terminou, as pessoas ao redor bateram palmas, leves e baixas, mas sinceras. O
sacerdote voltou para proferir as palavras finais:

- Que o deus que guia a alma dos mortos os leve em segurança e em paz, e que
quando por fim chegarem ao seu destino, que perdure a paz nos seus corações e lhes
seja concedido o gozo no reino para lá deste. Pedimos ao senhor das terras inferiores que
guarde os nossos amados e que os trate com amor e carinho com o qual eram tratados
em vida. Para Hades entregamos as vossas almas. Descancem em paz. – falou ele e todos
repetiram.

- Descancem em paz.

Depois daquilo ouvimos um último gemido e então levantámo-nos e seguimos a


caravana até ao cemitério. Enterrando cada caixão no seu lugar predestinado, aquele
funeral acabou Quase todas as pessoas do reino haviam seguido a caravana e agora se
dirigiam ao pátio do castelo onde haveria um banquete fúnebre.

Em reinos como esse a morte do rei não é só um funeral, mas sim também, uma
festa muito triste em que um novo rei sobe ao trono. Depois do benquete fúnebre, as
pessoas da vila começaram a se retirar e uma classe mais privilegiada foi dirigida até a
sala do trono. Com todas as reparações feitas, decorações penduradas e funeral
terminado, só faltava nomear o novo rei.

Com o primeiro filho do rei morto, o próximo sucessor seria o terceiro, mas este
humildemente recusou por alegar não estar capacitado, por causa da sua perna perdida.
Assim sendo era mais provável que o quinto recebesse a coroa.

Entrou novamente um sacerdote, que começou com uma cerimónia. Mas


felizmente desta vez foi mais curta, ele proferiu algumas palavras, pediu a bênção e a
proteção dos deuses e um monte de outras coisas que não percebi. Todos os príncipes e
princesas já estavam na parte inferior do trono. Quando o sacerdote proferiu as últimas
palavras:

- Assim, com todas as graças lançadas sobre um novo reino que se ergue, chamo
para que se sente ao trono… a filha mais velha do finado rei, para ser a nova guardiã do
reino e protetora do território bem como dos seus humildes concidadãos. – ela subiu ao
trono. Ninguém estava a espera que em bez de um rei, fosse nomeada uma raínha.

Só agora eu tinha reparado que ela estava com uma armadura, toda trabalhada
para ela. Um peitoral leve, caneleiras, os seus cabelos vermelhos soltos sobre os seus
ombros e uma saia feita de fitas de couro. No peitoral da sua armadura estava

196
estampado o arqueiro, símbolo do seu reino. Fiquei tão distraído que nem notei que ela
já estava sobre um joelho e o bispo proferia as palavras

- … Por unanimidade na votação entre seus irmãos e conselheiros reais, declaro-te,


a nova caçadora das estrelas e defensora do reino de Órion. – ele deu um toque com a
espada em cada um dos ombros dela e deu-lhe a espada. Ela finalmente levantou-se.

- Não serei repetitiva. Eu já disse hoje tudo que havia para dizer, agora só peço, me
ajudem a manter a paz no nosso reino. – as pessoas começaram a aplaudir, ela
finalmente sentou-se no trono.

Seguiu-se um pequeno momento de conversas e quando a prince… a rainha saiu,


nós podemos nos retirar. O Leo e o Alan voltaram ao quarto, a Dora foi aos jardins do
castelo, já eu decidi caminhar um pouco e para meu azar, a Lia decidiu fazer o mesmo. Eu
não sabia o que dizer, me limitei a olhar para os lados tentando fingir que ela não estava
aí. Felizmente ela foi a primeira a falar.

- Como é que será a partir de agora? – perguntou.

- Como será o quê? – perguntei ficando receoso.

- A nossa “viagem “. O que faremos agora?

- Sinceramente, não faço ideia. Segundo a harpia eu estaria de volta até o dia do
meu aniversário e isso será amanhã. – falei baixando a cabeça – Falando sério, de tudo
que enfrentamos até agora, nada me assusta mais que o meu pai.

- Nós sobrevivemos até aqui, agora nada nos pode parar. – ela disse – Além disso,
agora sabes que não vais enfrentar o teu pai sozinho. Estarei contigo até o fim. – ela disse
estarei, e não estaremos. Ela quere estar comigo… corei, mas felizmente a minha pele
negra disfarçou.

- Achas que conseguimos mudar o destino que a harpia disse? – falei – Neste
momento não vejo como ele pode se realizar.

- Elas disseram que não importa o que façamos no caminho, o fim não pode ser
alterado. Ainda assim acho que tens razão.

- É estranho pensar que um de nós vai morrer. – falei triste – Apesar de não ser o
melhor do mundo ele continua a ser o meu pai. – ela iria responder àquilo, mas foi nesse
momento que passamos a frente do jardim das princesas. A porta estava aberta e lá
dentro estava a mais recente raínha.

197
Nós sabíamos que aquele era um lugar reservado, então quando iríamos
ultrapassar, a rainha nos chamou…

- Por favor, entrem! – nós entramos. Era um lugar bonito, pequeno, mas as fores
cresciam lindas, coloridas e desordenadas por todo chão paredes e em uma parte do teto
de vidro.

- Ao seu dispor, rainha. – falei.

- Por favor, deixemos as cortesias de lado, sentem-se aqui comigo. – ela convidou-
nos. Ficamos sentados por algum tempo, quando ela final falou – Nós já estávamos a
vossa espera, muito antes de vocês estarem a caminho.

- Como é que vocês sabiam? É de veras muito estranho. – disse a Lia.

- Foi o Tobias que sugeriu. Ele também disse que quando vocês alarececem seria
melhor ajudar-vos. – disse a rainha, no momento em que ela falou do irmão pareceu
despertar um monte de memórias - Ele era de todo um rapaz muito inteligente. Foi para
mim muito mais doloroso saber do caminho que o Tobias tomou. Mas não estamos aqui
para remoermos o passado.

- Então. O que pretendes fazer agora? – perguntei.

- Primeiro, vamos tratar de vocês. – disse ela – Vamos manter-te aqui até o fim do
teu aniversário e depois preparar-nos melhor para enfrentar o teu pai. É algo difícil de se
dizer, mas vamos todos ficar melhores sem ele.

- É, eu percebo. – falei.

Não tínhamos muita coisa para falar, então simplesmente nos despedimos e
saímos. Nos corredores a luz do pôr-do-sol entrava pelas janelas.

- Darwin. – chamou a Lia.

- Sim.

- Quando estavas a te transformar em mostro no quarto, em que estavas a pensar


para voltares ao normal? – ah, eu não queria dizer que tive apenas de pensar nela.

- Pensei na forma como vocês me apoiaram. Ficaram ao meu lado mesmo depois
de saber que eu era um monstro perigoso. Basta olhar para vocês, e eu consigo enfrentar
o monstro dentro de mim.. – sorri para ela, ela sorriu para mim.

- Vai correr tudo bem. – ela falou por fim.


198
Acompanhei-a até a porta do seu quarto no exato momento em que a Dora estava
a chegar. Eu estava a caminho do meu, quando me lembrei do Alan. Quando entrei no
quarto deles, o Leo não estava e o Alan estava deitado na sua cama. Ele sentou-se lohgo
que me viu.

- Como é que estás? – perguntei.

- Não muito melhor. – respondeu.

- Então, estás pronto para contar-me?

- Sim, claro. - sentei-me aos pés da cama dele. – Bem, como dizer?

- Antes de tudo, desculpa por te obrigar a contar-me. Não tens de fazê-lo se não
quiseres.

- Não te preocupes, eu falo. – respondeu – Bem, como já sabes eu não posso


desobedecer as ordens do meu mestre e nem falhar com a minha missão. Se eu falhar
com a minha missâo eu morro, se eu desobedecer fico extremamente doente, se eu não
for perdoado pelo meu mestre, acabo por morrer.

- Mas tu não me desobedeceste. – falei confuso.

- Isso porque tu nunca foste o meu verdadeiro mestre. – falou ele.

- O quê? Então quem é? – falei.

- O teu pai. – disse ele – Desde o momento que eu permiti que saísses do castelo
sem a sua permissão que comecei a desobedece-lo. Ao ajudar-te a fugir e a esconder-te
continuei a desobedecer. Comecei a ficar doente não muito depois de começarmos a
nossa viagem, disfarcei, mas agora já não consigo aguentar mais. O meu prazo é de três
meses, então acabarei por falecer daqui a mais um mês.

- O quê! – fiquei aturdido – Por quê que não me contaste antes?

- Porque isso é desobedecer ainda mais. Agora tenho cerca de duas ou três
semanas. – por instinto dei-lhe um abraço.

- Não há nada que podemos fazer para resolver isso? – ele viu a aflição nos meus
olhos.

- Bem, há três. – ele disse.

- Quais? – falei.
199
- Só ficarei curado se o meu mestre me perdoar, ele tem que dizer claramente
essas palavras para mim. A segunda é ele abrir mão de mim, dizendo que já não lhe
pertenço. A última, é ele morrer.

- O quê? – eu sabia que eu poderia matar o meu pai, mas faze-lo para salvar o meu
amigo? O mundo estava a pedir-me para escolher entre o meu pai e o meu melhor
amigo. A harpia tinha razão, todos os caminhos levam ao mesmo destino.

Ele ficou ainda mais fraco com aquilo. Coloquei-o deitado e ele adormeceu logo.
Saí dali com a minha mente as voltas. Eu decididamente não sabia o que fazer, acabei de
escrever a data da morte do meu amigo. Eu não vou conseguir fazer o meu pai abrir mão
de nada. E perdoar é coisa que ele nunca fez.

Fiquei no meu quarto por um longo momento perdido nos meus longos
pensamentos, quando finalmente adormeci

200
Trinta
Darwin: De volta a casa
Estava a sonbar, eu sabia que era um sonho. Eu não era um rei do reino ao qual me
foi predestinado. Eu estava na floresta com a minha mãe, o Alan o Leo e… a Lia. Pareciam
todos felizes. Tinhamos levado o meu povo para ali e todos haviam gostado. Já não havia
sofrimento, os nossos tetos eram as folhas das árvores e o nosso mosaico as folhas secas
no chão da floresta.

Absorvi aquele clima feliz, quando a minha mãe se aproximou de mim e me disse:

- Filho, estou orgulho… - ela parou no meio da frase – Príncipe! – gritou ela –
Príncipe, príncipe, príncipe…

Acordei com um susto. A minha mente ainda não tinha voltado completamente no
meu corpo, mas olhei para a janela e ainda estava escuro. Um dos guardas reais é que
estava a chamar por mim:

- Príncipe, ainda bem que acordaste, aconteceu algo terrível. A rainha está a
chamá-lo para a sala do trono. – disse ele apressadamente.

Ao ouvir aquilo o meu coração se afundou no meu peito. Será que… Alan? Afastei
esse pensamento da minha mente, mas isso não impediu de lágrimas encherem os meu
olhos. Me apressei a vestir e no momento seguinte já estava a caminhar, no outro já
estava a correr.

Quando entrei na sala do trono, ignorei tudo e todos menos a rainha. Ainda assim
não perdi a minha educação:

- Vossa majestade… - falei preocupado - O que aconteceu? Por quê reunir-nos a


essa hora? – lágrimas encheram os meus olhos – É o Alan?

- Acalma-te Darwin. – disse a rainha – Aconteceu algo horrível, inesperado. Bem,


havia várias pessoas infiltradas no castelo, eles… levaram os teus amigos.

- O… quê? – falei aturdido.

- Estavam todos infiltrados, eles planejaram ficar todos no mesmo turno, assim
conseguiram levá-los sem ninguém reparar. Eles usaram as armas do Tobias o que nos faz
pensar que…

201
Não me interecei em ouvir o resto. Eu estava num estado de transe e choque. O
Leo, a Dora, a Lia e… o pobre Alan. Não acredito que isso aconteceu mesmo debaixo do
meu nariz. Uma lágrima finalmente caiu do meu olho esquerdo. A rainha ainda estava a
falar, mas eu interrompi.

- Temos de ir atrás deles. – falei.

- Não ouviste o que acabei de dizer? Eles saíram a quase meio dia, nenhum cavalo
vai conseguir alcançá-los. – falou a rainha com autoridade.

- Mas eles…

- Não Darwin. – falou rigidamente - É isso que o teu pai quere, se fores serás
capturado e morto. Hoje é o teu aniversário, só falta este dia acabar e a profecia estará
nas nossas mãos. Tu sabes o que é melhor a fazer, pelo bem da maioria. Para o teu bem e
do teu reino.

Eu sabia o que tinha de ser feito. Eu já cheguei até aqui então não podia desistir
agora, por mais que me custe abandoná-los, eu tenho que salvar a minha nova família. O
Leo chamou-me de amigo e ele uma vez disse que nunca desistiria de um amigo, sempre
iria protegê-los como protegia a sua irmã.

Então dane-se se eu vou morrer ou não, eu vou lutar até o fim, por todos eles.

- Obrigado por tudo rainha, mas está na hora de cumprir a minha profecia. –
fazendo a saída mais dramática da minha vida, fui a correr em direção a porta.

Até agora o meu único plano era sair a correr do castelo. Quando consegui deixar o
último muro, olhei para trás e simplesmente pensei em avançar. Sabia que nenhum
cavalo me ajudaria a chegar a tempo ao meu reino, mas ainda assim eu estupidamente
fui a correr a pé.

Na minha cabeça giravam imagens dos meus amigos. Eles são tão fortes e
corajosos, não seii como deixaram ser capturados, mas o Alan e o Leo não estavam muito
bem ultimamente. Os meus pensamentos chegaram primeiro na Dora, era estúpida a
forma como ela se juntou a nós, mas ela mostrou-se uma pessoa sincera, forte e tão
simpática. Eu e o Leo, não fomos os melhores amigos a princípio, tinhamos discussões
frequentes por motivos estúpidos. A Lia, nesse momento não consigo imagimar alguém
mais corajosa, forte, destemida e claro bonita, seus olhos negros penetrantes eram
simplesmente…

202
E o Alan… ele sacrificou-se por mim, estava super doente e a beira da morte por
minha causa, se alguém nessa vida tem azar, com certeza não sou eu. Porque eu tenho os
melhores amigos que se pode imaginar.

Senti que lágrimas viriam novamente, mas envés disso, senti os meus olhos ficarem
grossos e vermelhos, as minhas unhas transformaram-se em garras afiadas, de um
momento para o outro eu já estava a correr de quatro patas, como um verdadeiro leão.
Pelos castanhos cobriam todo meu corpo e as minhas roupas ficaram todas esfarrapadas.

Percebi que estava agora a amanhecer, o sol da alvorada tocou-me e senti as


minhas forças aumentarem cada vez mais e notei que eu estava a correr mais rápido que
qualquer cavalo na face da terra. Talvez duas ou três vezes mais rápido, voltando para
casa.

Desse jeito eu chegaria, ainda hoje ao reino do Leão e sem dúvida apanharia a
carroça com os meus amigos. Foram quilómetros de pura e incansável corrida, eu não via
nada nem sentia nada. A única coisa que sabia é que eu ia em direção à minha família.

Estava vazio por dentro. Eu não podia sentir nada, ou eu me descontrolaria e


mataria alguém no processo. Foquei-me em correr e mais nada. Absorto em meus
pensamentos, finalmente ouvi sons de rodas. Não tinha notado, mas o sol começava a
pôr-se e não tarda viria o crepúsculo. Eu sabia que os esforços dessa corrida seriam
cobrados mais tarde, mas não importa, afinal hoje é o dia da minha morte.

Justo depois de conhecer a minha mãe, de fazer amigos de verdade e de completar


os meus quinze anos. Pelo menos não estou cheio de arrependimentos que vão
atormentar-me para toda eternidade na minha vida no submundo. Pensar em…

Lá estava ele. Erguendo-se nas enormes colinas do vale, o reino do Leão. A minha
casa, o lugar onde eu nasci e onde hei de morrer. Mais importante que isso, a carroça
também não tinha chegado, devíamos estar a um quilômetro e meio do reino. Não tinha
nenhum plano de ação. A única coisa que me veio em mente foi atacar.

Sabia que tinha dentes e garras melhores que qualquer espada, então corri. Corri
em direção à carroça puxada por quatro cavalos de guerra e com uma grande jaula na
parte traseira, onde estavam presos o meu objetivo. Não demorou muito para que um
dos guardas empoleirado na lateral da carroça me visse, ele gritou alguma coisa para os
outros e começaram se se movimentar.

Eram três nas laterais e dois na frente, se eu mantivesse a minha mente sã, eu
conseguia derrotá-los a todos. Um dos guardas nas laterais arremessou uma pequena

203
esfera na minha direção, eu reconheci logo aquele globo vermelho. Saltei para o lado
bem quando uma explosão me envolveu, mas ainda assim consegui sair ileso.

Tive que desviar de mais várias explosões. Várias cores de fumo invadiram o ar a
minha volta e ainda assim continuei a correr. Eu inalei um pouco daqueles fumos, pensei
que não me afetavam, mas comecei a ficar meio tonto e com uma vontade enorme de
matar alguém. Quando me aproximei o suficiente dei um impulso e saltei na parte
traseira da carroça.

Um dos guardas nas laterais tentou me alcançar com um punhal, mas a minha
perna lhe alcançou muito mais rápido, o pontapé lançou-o no ar e quando caiu no chão,
já tinha ficado muito para trás. Saltei para cima da carroça e me lancei para cima dos
dois que estavam na frente, empurrando um deles para fora. Queria mandar o outro
também pelos ares, mas se o fizesse a não haveria ninguém para controlar a carroça,
ainda assim ele pegou numa faca e tentou me acertar.

Agarrei-o pelo pulso e saltei de volta para a parte de cima da carroça, apertei com
força suficiente, partindo cada osso da mão dele, isso deixou-o focado na condução. Dos
dois que se encontravam nas laterais, o da direita tentou alcançar-me com uma espada
curta, mas desviei, o que permitiu que o do outro lado me agarrasse de trás pelo pescoço
, enquanto isso, o outro continuou a tentar alcançar-me com a espada. Dei um forte
impulso com as pernas, chutando o da espada e levantando o que me agarrava o
pescoço, ele bateu com força no teto da carroça, abrindo um buraco para onde os meus
companheiros estavam.

Ao ver aquilo, o último guarda da lateral se precipitou em agarrar


desesperadamente uma bolsa que tinha presa no pescoço, mas na atrapalhação, deixou
cair todas as esferas criando uma grande nuvem arco-íris na estrada. Ainda assim, ele
conseguiu agarrar um pequena esfera vermelha.

Ao tentar atirá-la para mim, dei-lhe um empurrão no braço, que fez com que ele
deixasse cair a esfera e… bummm. Tanto eu, os guardas e a carroça, voámos lançados
para a direita. Voei pelo ar, incapaz de fazer qualquer coisa pelos meus amigos.

No fim, bati com as costas e…

204
Trinta e um
Lia: Ao socorro do Príncipe
A carroça abanava muito. Os cavalos corriam como se tivessem bebido um barril de
água ardente, vi o Darwin saltar em cima da carroça e lutar com os guardas e eu aqui,
sem poder fazer nada. Aqueles malditos usaram as poções do Tobias contra nós. Pensei
que só eu seria afetada, mas pelos vistos alteraram a fórmula e o Leo e a Dora ficaram
piores que eu. O Alan já estava meio desnorteado antes de tudo.

Eu pelos menos conseguia ver e ouvir, apesar de não ter forças para me mover. O
Darwin lutava como um monstro, o que ele era, mas ainda assim a carroça não parou de
andar.

Quando por fim, não vi o que aconteceu, mas… a carroça voou, eu voei com ela, o
Darwin foi lançado para longe e o Leo a Dora e o Alan desacordados giraram
freneticamente dentro da pequena jaula em que estávamos, quando no final…

- Ah! – queria gritar, mas aquilo saiu mais como um guincho. A jaula se separou do
resto da carroça e estilhaçou-se o que fez com que eu fosse arrastada pelo chão e…

Aterramos em um campo cheio de erva, o que criou alguns leves ferimentos.


Quando finalmente consegui abrir os olhos, vi o Leo a Dora e o Alan ainda desmaiados e
esparramados no chão e consegui ver o Darwin deitado, com as costas em uma árvore.
Ele deve ter batido nela com as costas e desmaiado na hora.

Sabia que neste momento só ele podia salvar-nos, então reuni todas as forças que
me restavam e comecei a rastejar, usei os cotovelos, o queixo, a barriga e depois de tanto
esforço não consegui avançar mais que alguns centímetros, queria chorar, mas envés
disso decidi gritar.

- Darwin! – aquilo não passou de um sussurro – Darwin!

- Aqui estão eles. – ouvi a voz de um homem – Peguem neles e coloquem-nos nos
cavalos

- Não sei. Eu acho que isso tudo não vale a pena. – disse o segundo homem.

- Se os levarmos agora, o rei vai recompensar-nos. Seremos ricos. – disse ele – Se


falharmos, ele não terá piedade de nós.

- Mas então e aquele monstro que nos atacou?


205
- Deixem-no. Ele não nos interessa. – falou de novo o primeiro – Só temos de levar
estes miúdos e seremos ricos. Ricos.

- Tudo bem. – falou o terceiro, que era mais calado - Aquela coisa partiu a minha
mão, não vamos desistir agora.

- Eles são quatro, nós somos só três. – disse o segundo.

- Deixem o elfo moribundo. Ele vai mesmo morrer não tarda. – falou o primeiro
homem que parecia ser o líder. Quando ele pegou em mim e virou-me – Esta ainda está
acordada.

Um dos outros lançou-lhe e pano sujo e laranja, ele colocou ao lado do meu nariz
e…

- Ah! – gritei, e dessa vez não foi só um sussurro. Estava escuro e eu não sabia
onde estava. Havia uma fraca luz e o local era húmido.

- Lia. Finalmente acordaste. – Era a voz do Leo. Só depois de os meus olhos se


habituarem a escuridão que reconheci onde estava, as masmorras. – A quanto tempo
estou adormecida?

- Não sei. – respondeu ele – Acordei a não muito tempo e a Dora também. – pelos
vistos ele estava numa cela de frente a minha e a Dora ao meu lado.

- Não me lembro de muita coisa. – disse ela da cela ao lado – A última coisa de que
me recordo é de cinco homens terem entrado no nosso quarto e depois, nada. Acordei
aqui convosco. Alguém sabe o que aconteceu? – quando as memórias voltaram a minha
cabeça, felei:

- Nós fomos raptados. – falei – eram homens do pai do Darwin. Eles usaram as
poções do Tobias e nos deixaram inconscientes. Fomos transportados por uma carroça-
prisão e o Alan estava lá conosco. O Darwin foi atrás de nós e lutou com os guardas, mas
não sei como a carroça capotou. Quando estávamos no chão, tentei alcançar o Darwin,
mas ele estava desmaiado e depois… fui capturada.

Houve um grande tempo de silêncio.

- O rei planejou tudo isso. – falou a Dora – Ele sabia que se nos levasse o Darwin
voltaria a correr para casa. Mas como?

- Sim, como ele podia saber onde nós estávamos? Quem nós somos ou, ou como
nos apanhar? – disse o Leo.
206
- Não sei. – respondi – Mas o Darwin e o Alan estão lá fora e precisam de nós. E nós
aqui presos sem nada a fazer.

- Não é verdade. – disse a Dora – Vocês já fugiram daqui uma vez, não?
Conseguimos fugir de novo.

- Sim, mas da vez passada tínhamos o Darwin. – falei eu.

- E dessa vez temos a Dora. – falou o Leo.

- Sim, vocês têm a mim. E a única coisa que sei que pode libertar-nos, pode matar
pelo menos dós de nós. – disse ela.

- Tem de haver uma forma de nós…

O Leo já estava em pé e segurou duas barras das grades da sua cela, uma com cada
mão e estão. Vía-se na sua cara o esforço que ele estava a fazer, mas depois de algum
tempo , as barras começaram a entortar e por entortaram um pouco mais até que ele
perdeu o fólego e parou.

O espaço que ele tinha criado não era muito grande, mas ele espremeu-se por ele
até conseguir sair daquela cela. Nesse momento o carcereiro já estava a correr para
tentar pará-lo, mas ele colocou-se reto, olhou nos olhos do homem com aqueles olhos
cinzentos e frios e disse a ele:

- Agora vais abrir as celas e não vais fazer nenhuma pergunta . – falou ele com um
tom de voz ameaçador.

Sem responder a uma palavra, o carcereiro pegou nas chaves que tinha ao pescoço
e começou a abrir as celas. Ele demorou mais do que o necessário visto que estava a
tremer como um louco, as mãos dele não paravam quietas. Quando ele finalmente
terminou, ele baixou a cabeça na direção do Leo.

- Volta no reu posto e não comentes o que se passou aqui com ninguém, até
ordens contrárias. – falou o Leo. O carcereiro como um gatinho assustado voltou ao seu
lugar escuro sem soltar nenhuma palavra.

Foi então que saímos de mansinho das masmorras para não alertar ninguém, que
eu falei:

- O quê que foi aquilo, Leo? – perguntei.

207
- Sinceramente não sei. Ou ele estava com medo de me enfrentar numa luta, ou
eu aterrorizei-o com o meu olhar do submundo. – respondeu.

- Por mais interessante que isso seja, temos de encontrar o Alan e o Darwin. – disse
a Dora – Vocês já estiveram aqui, digam alguma coisa.

Eu olhei para a cara de confuso do Leo e ele também olhou para mim.

- Bem, da última vez estávamos um pouco ocupados e não prestamos bem atenção
ao caminho. – falei.

- Eu tenho quase a certeza que tínhamos subido três conjuntos de escadas e um


corredor com o chão de mármore azul. – disse o Leo.

- Também havia uma passagem secreta, mas eu não lembro onde. – falei – O
Darwin disse que havia várias, se soubéssemos procurar.

- Sim. Mas infelizmente não temos tempo de procurar caminhos escondidos. –


disse a Dora.

- Se ao menos o Alan estivesse aqui, tenho certeza de que ele conseguiria localizar
o Darwin a quilómetros de distância. – falou o Leo.

- Mas ele não está, e ainda assim temos de encontrar o Darwin. – falei – De nada
vai nos adiantar saber o caminho se não soubermos onde encontrá-lo.

- A Lia tem razão. – disse a Dora – A única opção que nos resta é procurar e termos
cuidado de não sermos encontrados primeiro.

Sem mais opções, começamos a andar lenta e silenciosamente pelos corredores,


mas aquele castelo era enorme. Subimos escadas, atravessamos portais sem portas,
andamos por corredores e não encontramos nenhuma pista, então continuámos a andar
e a andar.

- Esperem. – disse a Dora - Vocês reparam no mesmo que eu?

- Sim, é muito estranho. – falei.

- Sim, eu reparei no mesmo que vocês. – disse o Leo confuso – Mas só para
esclarecer, o quê que nós vimos?

- Os corredores. – falei.

208
- Sim, e também escadas e muitas portas e decorações e tudo mais. – disse ele com
sarcasmo.

- Sim vimos tudo isso, mas não achas estranho num castelo deste tamanho não
haver nenhuma pessoa? – falei.

- Sim agora que reparo nisso. Mas o quê que podemos fazer? – disse ele.

- Já sei. – disse a Dora – Luz da floresta mostra-me o que ninguém vê, revela o que
que não vi, mas que sempre tu vês. – de repente o chão acendeu e brilhou com milhares
de cores diferentes, mas fracas – As pessoas estiveram aqui, estas são as pegadas delas,
mas já devem ter ido a um bom tempo, as pegadas estão a apagar.

- Observem bem, uma metade das pegadas vai para um lado, enquanto que outra
metade vai para o outro. Qual delas vamos seguir? – perguntei.

- Pelo menos agora sabemos que esteve aqui alguém. – disse o Leo – Não importa
qual lado sigamos, temos de nos mover.

E fizemos aquilo mesmo. Escolhemos um lado e fomos. Então voltamos a andar e a


andar sem encontrar ninguém nem nenhuma pista. Parávamos em cada porta para ouvir
se havia alguém e pelos vistos não. Quando finalmente decidimos parar ao lado de uma
grande cortina vermelha, para verificarmos se estávamos perdidos, ouvimos:

- Temos de nos apressar. – disse a voz de um homem. Ao ouvir aquilo falei:

- Escondam-se atrás da cortina! – fomos atrás da cortinha e ouvimos.

- As ordens do rei foram bem claras. Se não estivermos na porta da sala do trono,
ele nos mata assim que descobrir. – disse a primeira voz.

- Não pude evitar, um homem tem necessidades que não podem esperar. – disse o
segundo.

- Achas que o rei se importa com isso? Ele enforcou homens por coisas muito
menores, não vai simplesmente deixar passar. – disse de novo o primeiro.

- Eu não posso evitar, é algo que… - e as vozes desapareceram. Saímos de trás da


cortina e só ali notei que havia uma grande, enorme, gigante pintura da rainha. Uma
beleza incomparável de cabelos castanho e olhos âmbar.

- Vocês ouviram o que eles disseram? – disse a Dora – Se eles estão a proteger a
sala do trono é porque o rei deve estar lá dentro.
209
- Mas perdemos os homens, não há como saber para onde foram nem como sair
daqui. – disse o Leo.

- Luz da floresta mostra-me o que ninguém vê, revela o que que não vi, mas que
sempre tu vês. – mais um grande conjunto de pegadas brilharam no chão, mas todas
fracas. As nossas e a dos guardas que acabaram de passar estavam mais brilhantes.

As nossas eram verdes e as dos guardas vermelhas.

- Agora só temos que seguir as pegadas deles. – disse o Leo.

- Não. – respondeu a Dora – Nós nem sabemos se o Darwin e o Alan também estão
lá.

- Esperem. Reparem neste para de pegadas azuis. – estavam num tom muito fraco
e prestes a apagar, mas dava para ver o que era – Todas as pegadas parecem ser de
botas, mas estas aqui são de alguém que estava descalço.

- Achas que podem ser do Darwin? – perguntou o Leo.

- Tenho a certeza. – falei – Ele também deve estar na sala do trono. Vamos! O quê
que estamos a espera?

Fomos numa corrida silenciosa, em direção as pegadas que os guardas deixaram,


achei que estávamos quase a chegar, quando estava prestar a fazer a curva para outro
corredor… a Dora pegou-me no braço e puxou-me, me impedindo de avançar.

- Espera! Sinto um grande número de pessoas a nossa frente. – ela disse aos
sussurros, olhou nos lados e disse – Olha para aquela armadura.

Ela apontou para uma armadura no lado oposto do corredor em que eu ia curvar.

- Há um monte deles. – disse o Leo. E era verdade, estavam no mínimo cem


guardas ali alinhados. Cinquenta em cada parede e no fim do corredor uma grande porta
com vários desenhos e bem decorada estava trancada por fora e sem dúvida devia estar
também por dentro.

- Como é que fazemos para passar por eles e para abrir aquela porta? – perguntei –
Não podemos lutar com todos.

- Ah, sabem. Na floresta, eu também sou conhecida por ninfa da destruição. –


disse a Dora – Eu nunca vos contei, mas vocês podem descobrir agora.

- O quê? Como? – perguntou o Leo.


210
- O que tens de fazer é apenas lançar-me até no meio dos guardas, eu desliso até lá
e trato do resto.

- Tens certeza Dora? Eles são muitos. – falei.

- Sim. E vocês apenas observem de uma distância segura. – disse ela.

Eles deram o sinal um para o outro e saltaram para o corredor a seguir. Um


segundo depois de os guardas terem os visto, levantaram todos ao mesmo tempo as suas
lanças em direção a eles. Sem perder tempo, o Leo segurou o braço da Dora e lançou-lhe
pelo chão, ela deslizou até bem no meio dos guardas e estão se dobrou numa bola
humana abraçando com força os seus joelhos.

Com todas as lanças agora viradas para ela, ela começou transformar-se numa
árvore. Desta vez foi muito mais rápido que das outras vezes, em um momento estava lá
uma rapariga e no outro uma oliveira dourada. Os guardas estavam confusos com aquilo,
foi quando, quando… quando…

Uma raiz gigante que saiu da oliveira cresceu até ao teto e depois caiu derrubando
uns dez soldados de uma parede. Mais uma raiz e mais outra e mais outras cinco a seguir.
Os guardas nem tiveram hipóteses de se proteger ou de contra atacar. O Leo saltou de
onde estava e veio até ao pé de mim.

Várias raízes continuaram a crescer, lançando guardas por todos os lado, e


prendendo os outros com o seu peso e força, o corredor começou a ficar destruído
quando as gigantes raízes começaram a penetrar no chão mas paredes e do teto,
atravessando pedra e tudo mais que se pusesse a frente.

Não demorou muito, mas quando aquilo acabou, havia raízes e trepadeiras por
todos os cantos, pelo menos noventa guardas estavam debaixo das raízes, os que não
estavam já tinham desmaiado à muito tempo. Os que estavam acordados, lutavam para
se libertar, mas isso só tornava as raízes mais fortes e maiores. Ao poucos estes guardas
perderam toda força, as raízes estavam a sugar toda a energia deles.

A medida que os enfraquecia, mais grandes elas se tornavam e começaram a


invadir outros corredores, paredes a subir para os andares de cima e de baixo. Era
simplesmente assustador. Eu e o Leo avançamos também um pouco aterrorizados com
aquela cena de destruição e quando chegamos ao lado da árvore que criou aquilo, eu só
pude dizer:

- Wau! Envés de Ninfadora, deviam chamar-te Destruidora ou Assustadora – as


raízes avançaram para as portas que estavam a nossa frente e não demorou muito, o
211
peso e força das raízes começou a quebrá-la. Ouviu-se ranger e quebrar de vários tipis de
fechaduras e a porta começou a colapsar…

- Lia, prepara-te. Sinto que o que está de trás desta porta é pior do que tudo que já
enfrentamos juntos. – disse o Leo. Preparámo-nos para entrar, até que…

212
Último capítulo
Darwin: Um fim e um começo
Estava demasiado tonto. As minhas costas doíam muito e não conseguia ver ou
ouvir qualquer coisa. Não sabia bem se estava consciente ou não, mas senti que neste
momento, a minha alma tinha fugido do meu corpo. Não sabia bem o que estava a fazer,
mas senti os meus pulmões se encherem de ar e respirei. Inspirei e expirei, e depois
daquilo senti-me um pouco melhor.

As memórias voltaram todas de uma só vez, o que me fez doer a cabeça. A carroça,
tenho… tenho de levantar. Pensei no Alan. Aquilo deu-me forças, pelo menos o suficiente
para abrir os olhos e me por sentado. Foi então que vi o Alan, aquilo deu-me forças para
me levantar e a cada passo que eu dava, parecia que os meus ossos e as minhas forças
voltavam no lugar.

- Alan. – falei depois de me ajoelhar ao lado dele – Tu, tu estás?

- Calma Darwin. – disse ele calmamente nos meu braços – Eu não estou nada bem,
mas isso não é novidade.

- Não te preocupes eu vou salvar-te, ainda há tempo. – falei com muita


preocupação.

- Eu sei que não posso te impedir. – falou ele depois de uma sessão de tosse – Mas
desta noite eu não passo. E pensar que eu morreria bem no teu aniversário.

- Tu não vais morrer. Já disse que vou te salvar, de uma forma ou de outra. – falei e
pensei nas formas de fazer isso, com lágrimas nos olhos falei – Só tenho que fazer o meu
pai dizer algumas palavras. Se isso não resultar, terei de matá-lo.

- O quê? – disse ele assustado – Fa… fa… farias isso, por mim?

- Tu és o meu irmão e além disso ouviste o que a harpia disse. Não há forma de
evitar o inevitável. Além do mais, ele nunca foi um pai muito bom. – falei com amargura.

- Nem que quisesse, no estado em que estou não conseguiria te impedir. – disse
ele.

Eu tinha que salvá-lo, eu vou salvá-lo e a única maneira de fazê-lo, é enfrentando o


meu pai agora. Pensar naquilo deu-me calafrios e um forte aperto no peito, mas ainda
assim, não tinha escolha. Peguei no Alan, porque sabia que ele não conseguia andar, e
213
coloquei-o nas minhas costas. Ele não reclamou e quando estava seguro, comecei a
caminhar em direção a minha casa e provavelmente a minha morte.

- Então. Sabes dos outros três? – perguntei.

- Não mais do que tu. Quando acordei, eles já não estavam lá, os guardas do rei
devem tê-los levado. – respondeu o Alan.

- Eu não entendo como. O meu pai sabia onde estávamos, sabia como nos alcançar,
teve tempo de planejar tudo com muita antecedência. Até de se apoderar das armas do
Tobias. Mas, como? – falei incrédulo enquanto andava.

O Alan não respondeu. Ele estava mesmo muito mal, então decidi não incomodá-lo
com mais perguntas e limitei-me a andar. Sabia que isto era tudo uma armadilha para me
atrair, e eu estava a me atirar direto para a boca do leão, mas eu também sou um Leão e
chegou a minha vez de reinar. Para começar, só salvar os meus amigos já é bom demais.

Já era noite quando finalmente chegamos na vila. Eu queria ir por um caminho


mais escondido e secreto, mas as ruas principais estavam completamente desertas. Não
era assim tão tarde, mas não havia uma única pessoa na rua, muito estranho. Todas as
portas e janelas estavam fechadas, eu sabia que haviam pessoas dentro das casas, mas
elas mantinham um silêncio que era tenebroso.

Aquilo podia ser assustador, mas não tinha tempo para me preocupar com aquilo,
apenas avancei ruas adentro com o Alan nas minhas costas. Já não sabia o que pensar e
talvez era melhor nem pensar. Se eu pensar muito naquilo, talvez eu acabasse por dar
meia volta e desistir.

Passei por ruas e mais ruas, casas e mais casa até finalmente chegar aos muros do
grande castelo. Nunca pensei que ficaria mais confortável numa floresta do que na
minha própria casa.

Quando chegamos ao grande portão do castelo, encontrámo-lo arreado. Eu sabia o


que aquilo significa. O meu pai estava a minha espera, ele tinha a certeza que eu viria e
garantiu que ninguém ficasse no caminho para atrapalhar.

Desassossegado, procurei por um lugar onde deixar o Alan. Como previsto, a


guarita dos guardas do portão também estava vazia, entrei e juntei um monte de toalhas
e feno num monte, onde coloquei o Alan deitado. Ele estava a dormir então quis sair sem
fazer barulho. Quando cheguei na porta…

- Darwin. – ouvi ele chamar.

214
- Não te preocupes, fica aqui e tudo vai acabar bem. – falei para ele, mas também
estava a tentar convencer a mim mesmo.

- Não é isso príncipe. Há algo que tens de ouvir. Eu escondi algo de ti. – disse ele
com cara de remorso.

- O quê? – falei incrédulo.

- Eu escondi muita coisa e queria que ouvisses antes de ires. – Olhei para a cara de
súplica dele.

- Claro. Mais alguns minutinhos não farão mal nenhum. - ajoelhei-me ao lado dele
para escutar.

- Tudo começa com a lei dos elfos. A lei dos elfos reais é muito simples: “tu servirás,
tu cuidarás, a teu mestre não desobedecerás e a teu irmão não trairás”. Simples assim. –
ele fez uma pausa. – No dia em que recebeste a tua profecia, tu saíste da sala do trono,
mas o chefe da guarda real me disse para não sair. Depois de algum tempo, eu fui
chamado pelo meu mestre, o rei.

“Desde que ele se tornou meu mestre, ele só tinha me dado uma única ordem,
proteger-te, saber onde estás e estar sempre contigo quando precisasses. Mas naquele
dia, ele deu-me uma segunda ordem. Quando ele te viu sair da sala do trono, ele sabia
que algo mal aconteceria então me disse: ‘não vais permitir que o Darwin vá embora, me
manterás informado de cada um dos seus passos. O que ele faz, o que ele come, com
quem está, para onde vai, tudo’. Estas foram as ordens dele, e quando ele estava para me
dispensar ele acrescentou: ‘sabes que se me desobedeceres morres na hora’, disse ele.

“Eu estava com medo, não queria morrer. E naquela noite enquanto foste buscar o
Leo e a Lia, eu escrevi uma carta detalhada de que iríamos fugir, e ele permitiu. A partir
daí, eu fui lhe informando das coisas que estávamos a fazer, mas nunca revelei certos
detalhes, até o dia em que me disseste que me consideravas um irmão”.

“ Por um lado, eu desobedecia o meu mestre e morria, por outro lado traía o meu
irmão e morria. Para isso, fui te ajudando, e ajudando o rei, traindo um pouco dos dois e
assim me mantive vivo por mais um tempo, até que não pude aguentar mais e”…

Acho que foi um impulso, mas naquele momento abracei o Alan e disse para ele:

- Não importa o que tu fizeste, ou o que tu farás, apenas saiba que somos irmãos,
não importa o erro, nem mesmo o quão furioso eu esteja, tu já estás perdoado. – falei
para ele e senti uma lágrima escorrer pelo meu ombro.

215
- Obrigado Darwin, obrigado irmão. – disse ele chorando e sorrindo – isso melhora
muito as coisas, mas ainda assim, estou a beira da morte.

- Para de dizer isso, eu já disse que vou te salvar e não se fala mais nisso. – falei
para ele – Agora chega de perder tempo, tenho um irmão, três amigos e um reino inteiro
para salvar.

Ele consentiu com a cabeça, saí daquela pequena sala e quando fechei a porta me
senti muito mais confiante sobre mim mesmo, então comecei a andar. Andei com vigor e
confiança e só nesse momento é que reparei que estava descalço e com as roupas muito
largas mas isso não importa, sei que ninguém se porá no meu caminho agora.

O caminho era para mim familiar e eu sabia bem onde o meu pai estava, a minha
espera. Naquele momento eu não vi nada, não senti nada, apenas caminhei, esquecendo
tudo o que estava a minha volta e tudo que estava a acontecer. Entrei no átrio do castelo
e subi os grandes degraus que me levaram ao primeiro andar.

Passei por portas e corredores que eu conhecia bem. Quartos, salas,


compartimentos e passagens secretas que eu descobri ao longo dos anos, nesse
momento podia não ser o melhor lugar onde estar, mas eu senti-me bem por estar nesse
lugar, o lugar onde eu nasci e onde cresci.

Seu estava próximo, quando virei o último corredor que dava a sala do trono, havia
uma grande fila de guardas alinhados nas duas paredes. Estavam todos de armadura e
com uma grande lança na mão esquerda. Eu sabia que o meu pai gostava de exagerar,
mas uma recepção daquelas era muito desnecessária.

Quando dei o primeiro passo, todos os guardas ficaram com um joelho no chão,
cabeça baixada e a mão direita no peito.

- Seja bem-vindo de volta a casa senhor nosso príncipe. – disseram todos eles em
coro. Não respondi apenas comecei a andar em direção à porta.

Olhei bem para as caras dos guardas, vi medo, vergonha, eles eram obrigados a
fazer tudo. Os juramentos que eles prestavam eram só palavras vagas, sabiam que
desobedecer significa morte, ninguém tinha coragem de se levantar em primeiro e se
opor ao rei. Esse primeiro, serei eu. Quando fiquei de frente da porta, na direção do
último guarda, ele pôs-se em pé e disse:

- Senhor meu príncipe, temos ordens de trancar as portas assim que entrares e não
deixá-lo sair. Sua majestade o rei, disse que podias ir embora se não quisesses entrar. –
disse ele.
216
Ele ainda me deu uma oportunidade de ir embora, será que ele quer que eu fique
seguro longe dele? Não. Ele só quere provar que tem o mundo nas mãos, me obrigando a
fazer o que ele quere.

- Abram as portas, eu vou entrar. – falei, sem dirigir aquilo para alguém em
especial.

- Sim meu príncipe. – respondeu o guarda do meu lado.

A porta abriu, calma e lentamente, sem sequer soltar algum ruído. Caminhei
devagar e entrei. Do mesmo jeito que a porta tinha se aberto, ela se fechou atrás de mim.
Ao lado dela estavam mais um monte de cadeados, sabia o que tinha de fazer. Peguei em
cada um deles, e tranquei também a porta por dentro.

Virei-me e caminhei em direção ao grande pedestal onde estava o trono. O meu


tinha sido removido, já só havia o grande trono vermelho cravejado de jaspes e rubis,
sentado nele o grande e soberbo rei do reino do Leão, o meu pai. E eu aqui, com as
roupas aos farrapos, descalço e despenteado, apenas eu, um príncipe sem um trono.

O meu pai tinha a sua coroa vermelha na cabeça, ouro tingido e muitos rubis
alinhados e lapidados para criar a mais bela coroa, por coma dos cabelos castanho e
encaracolados do meu pai. Negro, rosto fino, lábios sedosos e pura maldade. Diziam que
me pareço com ele, mas eu me acho muito diferente, mais pequeno, menos soberbo,
menos bonito.

- Filho. – cumprimentou ele calma ele calmamente.

- Pai. – falei com a mesma calma.

- Estava a tua espera a muito tempo. – disse ele.

- Lamento o atraso, mas os teus guardas quase mataram os meus amigos e a mim
no caminho. – não acredito na minha ousadia.

- Sabes Darwin. Nós podíamos ter evitado tudo isso, bastava não teres fugido. –
disse ele.

- E passar o resto dos meus dias num poço? Prefiro morrer com mais dignidade. –
falei – A harpia disse, que não importam as nossas escolhas, o final será sempre o
mesmo. Não podemos fugir do nosso destino.

- É claro que podemos filho. Olha para mim, anos se passaram e a minha profecia
não se concretizou. – ele fez uma pausa dramática – Ainda. Mas isso eu posso evitar.
217
- Desculpa pai, mas tu nunca foste muito…

- Bom pai? Bom rei? Simpático? – disse ele – Eu sei Darwin, eu não sou estúpido, as
pessoas me odeiam. Mas é o medo que elas sentem que as torna pobres ovelhinhas na
minha mão.

Eu baixei a cabeça e sorri para mim mesmo.

- Posso saber qual é a graça? – perguntou ele.

- É que esta é a nossa primeira conversa de pai e filho. Nunca pensei que seria
nestas circunstâncias. – falei.

- Tu achas engraçado? – disse ele apertando os seus lábios perfeitamente malvados


– Já ouviste aquele velho ditado, “uma maça podre no meio das outras”…

- Apodrece todas…

- Exatamente. – disse ele – Tu não tens medo. Isso pode encorajar os outros a não
terem também, já fizeste isso no reino de Órion, mas já chega, tenho que cortar o mal
pela raiz.

- Sim, eu não tenho medo. – na verdade o medo dentro de mim estava a consumir-
me as entranhas – Alguém de salvar este povo no final de contas.

- Já chega dessa lamechice. Qualquer coisa que tem a ver com paternidade dá-me
náuseas. – disse ele.

Levantou-se do trono, alto e imponente. Desceu os cinco degraus, e ficou a uns


quinze passos a minha frente. Ele pegou no pescoço e desatou a sua capa, atirou a
grande capa vermelha com um Leão bordado no outro canto da sala. Retirou a coroa de
rubis e depositou-a na base do trono, ele pegou no punho da espada que tinha no cinto,
eu preparei-me porque tinha de lutar com as mãos, mas…

- Não sou tão mau a ponto de te deixar lutar sem sequer ter uma arma para te
defenderes. – disse ele tirando uma segunda espada da parte de trás do cinto e atirou-a
no chão. Eu apanhei.

- É a minha espada, porquê?

- Tu conheces a tua espada, isso torna a luta muito mais interessante. – disse ele.

- Só mais uma pergunta. – falei – Sabes por quê que eu sou um monstro?

218
- A tua mãe tem poderes da floresta e eu do submundo. Simples.

- Tu me amas? Um dia já chegaste a amar? – perguntei.

- A única pessoa que um dia amei foi a tua mãe e isso já foi a muito tempo, se não,
não estaríamos aqui.

Segurei forte a minha espada e coloquei-me em posição de luta, o meu pai fez o
mesmo, olhou-me nos olhos e olhei também. Está na hora. Avançamos a correr um na
direção do outro, em três passos as nossas espadas colidiram no ar me lançando de volta
onde eu estava. Ele era muito forte.

Aquela força desnecessariamente humana me fez pensar que estava tudo perdido,
mas eu também tinha a minha força sobrenatural. Não sei de onde veio aquele controle
todo, mas no segundo seguinte, eu estava na minha forma meio transformada.

Levantei-me rapidamente e lancei um golpe circular, ele defendeu, ataquei e


ataquei mais uma vez, eu era sem dúvidas mais rápido, mas ele é muito forte e
habilidoso. Quando apliquei um golpe de cima, ele simplesmente deu um passinho a
esquerda, o que me desequilibrou, ele bateu com o punho da espada nas minhas costas e
ah…

Caí no chão. Ele tinha uma força avassaladora, se eu fosse uma pessoa normal com
certeza teria morrido com aquilo. Ele abanou a espada na minha direção, eu rolei pelo
chão, tentando evitar todos os golpes. Eu sabia que ele estava a poupar-me, ele era
melhor que aquilo, a pior parte é que ele estava com um rosto de satisfação que me fez
arrepiar.

Ainda estava a rolar, quando dei um impulso com as pernas e me coloquei em pé.
Segurei a espada, mas mal consegui aguentar os golpes dele. Um golpe veio de cima, e
preparei toda força que tinha para defendê-lo, quando senti a espada dele tocar
suavemente pela minha, logo percebi que aquele não era o verdadeiro golpe.

O seu punho esquerdo voou em direção a minha cara, e senti o meu maxilar
deslocar de lugar, quando me acertou com um soco que me fez deslizar até o outro lado
da sala.

- Pensei que serias um adversário melhor. Estou desiludido contigo filho. – disse
ele.

- A tua desilusão já não me importa. – falei, limpando o sangue que escorria pela
minha boca.

219
- Ainda não estou na metade da minha força, por isso podes desistir já. – falou.

- Nunca, tenho amigos para salvar. – falei – Tu também já tiveste amigos, tu sabes.

- Aqueles dois defuntos nunca foram meus amigos. – ele disse com raiva.

- Mas ainda assim, tenho um elfo que é teu escravo que preciso de curar, por isso
nunca vais me ver a desistir. – falei segurando novamente a espada.

- O estúpido elfo, não me faz diferença, fica com ele se quiseres já não me serve de
nada. – ele falou, alto e em bom som, com a melhor dicção. O Alan está livre dele, ele
passou a posse para mim, isso vai curá-lo. Com um sorriso no rosto falei para ele:

- Obrigado pai, quero sim ficar com ele e perdoá-lo de tudo que já fez. – um dos
objetivos cumpridos.

Corri e caí em cima dele com todos golpes que a minha velocidade aguentava,
aquilo nem o fez abanar, ele permaneceu firme bloqueando cada um dos meus golpes,
um atrás do outro… fiquei cansado, foi então que ele aproveitou, me preparei para
bloquear a espada e ele deu-me um pontapé na barriga, que quase me fez vomitar as
entranhas.

Pensei que iria me socar de novo, mas ele pegou-me no pescoço e me levantou
com apenas uma mão. Lágrimas vieram aos olhos, senti a cabeça pesada… estava a
sufocar. Nunca conseguiria me libertar daquilo, e o pior era a forma de desprezo com que
ele me olhava. Pensei que morreria assim, mas ele finalmente me atirou ao chão.

Inspirei profundamente para sentir uma dor palpável nos meus pulmões.

- Está na hora de acabar com isso. – disse ele preparando a espada – Não sei como
sobreviveste as harpias, mas vou acabar o que elas não fizeram.

Coloquei-me em pé. Vi-o aproximar-se lentamente, com a espada preparada para a


minha morte. Só agora me apercebi que já não tinha a minha espada, nem mesmo força
para erguê-la. Ele levantou a espada pronto para furar a minha barriga, os meus olhos
fecharam-se automaticamente.

- Morre. – disse ele sem piedade.

Senti um golpe e caí de costas no chão. Parecia que o mundo estava a desaparecer,
por instinto as minhas mãos foram até a minha barriga e senti… inteira. Não havia
nenhum buraco no umbigo, nem sangue, nem um só arranhão de espada.

220
Abri os olhos e vi sangue nos meus pés, não queria levantar a cabeça na, mas foi
involuntário, vi uma barriga furada, muito sangue escorria pelo seu corpo abaixo. Vi
aquela pele pálida e os cabelos de ouro.

- Alan. – sussurrei. Ele virou a cabeça para mim, com uma expressão que eu não
conseguia entender. – Porquê? – perguntei – Porquê?

- De novo tu? – gritou o rei – Sai daqui elfo estúpido! – gritou ele, lhe atirando para
o outro lado da sala, ele caiu como um saco de areia sem reação, o sangue se espalhando
por todo o lado. Lágrimas vieram aos meus olhos, mas antes que pudessem cair, o rei me
disse – Não chores, não tarda te juntas à ele.

As minhas garras cresceram, os meus dentes ficaram maiores e mais afiados, senti
os pelos cobrirem o meu corpo e as minhas pernas a retorcerem-se. A minha visão ficou
vermelha e eu só queria matar.

Ele foi o primeiro a atacar, mas agora a minha velocidade superava a força dele.
Desviei da espada e bati com o joelho no cotovelo dele, ele instantaneamente largou a
espada, mas ele atacou com um murro a seguir ao outro, consegui desviar todos, eu
podia ganhar. Projetei um soco para a barriga dele e quando acertei, percebi que foi um
erro.

Ele segurou o meu pulso, bateu com o joelho na minha barriga e me atirou para
longe dele. Usei as minhas garras para me segurar ao chão, então corri de quatro patas e
saltei em cima dele. Ele tentou se defender com braço, mas foi aí onde mordi com toda
força e cravei as minhas garras no braço dele.

Pensei que aquilo o afetaria, mas ele fez um sorriso de satisfação. Com a outra mão
agarrou o meu pescoço, eu mordi com mais força. Ele me ergueu por cima da sua cabeça,
e vi os seus lábios moverem-se, mas não ouvi o que ele disse. Ele caiu com todo seu peso
e força e me fez colidir com o chão.

Senti costelas partirem, aquilo me fez largar o braço dele, não só isso, mas também
as minhas forças tinham acabado. O meu corpo todo doía e escorria muito sangue pela
minha boca, não conseguia me mexer. Voltei ao normal e sabia que era o meu fim.

Vi-o se afastar e agarrar a espada dele. Ele caminhou na minha direção e senti o
chão tremer. Me foquei em escutar, sentir e cheirar. Ele parou a dois paços de mim e
aqueles tremores continuaram e aumentaram, mas ele não se importou com aquilo.

- Eu lutei com exércitos e ganhei. Esse é o fim. Está acabado. – falou

221
- Sim, acabou e eu ganhei. – disse para ele com um sorriso.

- Não percebes Darwin? – disse ele – Estás morto, já não tens nada.

- Tenho algo que nunca terás, a melhor arma de todas, a única coisa que me fez
vencer esta batalha. – ele me olhou com incredulidade – Eu tenho amigos.

- Cala-te idiota, os teus amigos não…

Buummm. As portas saíram a voar das dobradiças, um grande conjunto de raízes,


lianas e trepadeiras entraram com força e velocidade destruindo tudo. Paredes, chão,
teto, pilares e tudo o resto começaram a ser destruídos por aquela força incrivelmente
destrutiva. O meu pai tentou desviar, delas, cortou com a espada, chutou e esmurrou,
mas não adiantou.

Acabou tropeçando numa das raízes e começou a ser envolvido por elas. Ele lutou,
usou a força para se livrar de algumas delas e estava a funcionar, ele ergou o braço
direito para se soltar, mas no meio do processo, uma flecha verde atravessou o seu
ombro, furando a clavícula dele. O seu magnífico trono foi estilhaçado, espalhando um
monte de cacos vermelhos e laranjas pelo chão.

Quando ele ficou completamente preso, começou a gritar um monte de ofensas e


pragas, foi quando vi o Leo chegar.

- Devias relaxar um pouco. – disse ele e bateu com o cotovelo no pescoço do rei.
Ele desmaiou, mas ficou com os olhos abertos olhando para mim.

- Darwin! – gritou a Lia se ajoelhando ao lado de mim.

- Alan. – falei eu, virando a cabeça para onde ele estava. Os gêmeos me seguraram
e me levaram ao lado dele. Ele ainda esta vivo – Alan.

- Darwin.

- Não, Alan, por favor não. Eu consegui libertar-te.

- Eu reparei. Tu salvaste a minha vida, a única coisa que podia era salvar a tua. –
disse ele baixinho – A minha hora já tinha chegado a muito tempo.

- Por favor Alan. Ainda não é tarde, podemos salvar-te. Ainda nos veremos.

- Lamento, mas esta é a última vez que nos vemos. Espíritos da floresta não vão ao
submundo. – disse ele com um triste olhar.

222
- Mas e então… - já estava a chorar como um louco – Alan. Entes de partires, quero
que prometas uma coisa.

- Qualquer coisa.

- Por favor meu irmão. Espera por mim no submundo. Isso é uma ordem, não
podes desobedecer.

- Então prometido, lá estarei…

Abracei-o uma última vez.

- Terei saudades. – disse ele no meu ouvido. Então quando abri os olhos, só restava
um monte de areia nos meus braços, quando me mexi ele se desfez em pó criando um
monte a minha frente. Não sabia o que fazer, não sabia o que falar. Apenas senti um
abraço, da Lia, do Leo e da Dora. Se vencer era assim, preferia mil vezes ter perdido.

Olhei para o mente de pó no chão e havia um pequeno brilho. Comecei a espalha-


lo com as minhas mãos e naquele meio encontrei uma semente. Uma pequena semente
que acabou de germinar e deu origem a um pequeno rebento com apenas uma folha
verde com filamentos dourados. Abracei aquela pequena semente.

- Alan.

223
Prólogo
Estávamos no pátio, acabamos o funeral o funeral e de plantar bem no centro do
pátio do castelo a semente do Alan. Eu ainda estava a usar um monte de bandagens por
tudo que é lado. O Leo, a Lia e a Dora estavam comigo. Eles estiveram comigo em todos
os momentos, não podia pedir algo melhor.

- Vamos Darwin? – perguntou a Lia.

- Vamos. Levantei-me e começamos a caminhar.

- Pessoal. – disse a Dora – Preciso voltar à floresta. Vou recuperar as minha forças e
dar explicações a rainha. Mas não se preocupem, eu voltarei sempre e vocês podem
sempre me visitar na floresta. E Darwin, desculpa ter destruído metade do teu castelo. –
Olhei para o castelo, realmente metade dele tinha sido perfurado pelas raízes da Dora e
todas as raízes continuavam ali a enfeitar metade do castelo.

- Não faz mal. Quanto mais trabalho, mais ajudo as pessoas do meu reino.

- Sim, e nós vamos voltar a vila. – disse o Leo.

- O quê? – falei – Nem pensem. Como novo rei, declaro que se vocês dois me
deixarem sozinho, serão mandados para a masmorra.

- Mas…

- Mas nada. A Dora já se vai embora, vocês dois ficam e me ajudam a tirar esse
reino no buraco. – a Lia me olhou com incredulidade.

- Claro, se insistes. – disse ela, com um leve sorriso.

- Então e o teu pai? – perguntou a Dora.

- Está no fundo das masmorras, acorrentado e a sete chaves. Pode ser malvado,
mas ainda é meu pai, não vou matá-lo. – falei – No fim das contas, a profecia nem se
cumpriu, tanto eu como ele estamos vivos.

- Talvez estivéssemos a ser supersticiosos. – disse a Lia.

- Sim, está na hora de parar de pensar nisso e sermos felizes.

224
Três anos depois

Estávamos na sala do trono, tudo corria bem, e o reino começava a prosperar.


Acabei de completar dezoito anos e seria agora nomeado oficialmente como rei, mais
uma cerimónia chata. Estavam todos presentes e…

As portas se escancararam violentamente. Delas veio um homem ferido e sujo a


correr, na minha direção. Os guardas reagiram, mas mandei baixarem as espadas. Olhei
para o homem ele carregava o símbolo do arqueiro, ele veio do reino de Órion. Caíu de
joelhos no chão e disse:

- Rei Darwin, tenho notícias horríveis. O príncipe Tobias voltou, o reino de Órion
está destruído, as poucas pessoas que sobreviveram estão dispersas por aí. Ele destruiu
tudo e capturou os seu irmãos. Ele acabou sozinho com o nosso reino e disse que agora
vem atrás de ti…

Continua…

225
Agradecimentos

Em primeiro lugar agradeço a Deus pela vida, força e pela santa paciência de
escrever este livro. Não foi fácil terminá-lo, mas tenho a agradecer ao apoio incondicional
da minha família e amigos, a todos que fizeram uma pré-leitura e me fizeram corrigir os
milhares de erros que cometi durante a escrita. Em especial aos meus amigos JD, LC, AM
e ST por todos apoio, ao Gomës GC por acompanhar todo processo. E por último mas não
menos importante, agradeço ti, minha excelência por me alegrares sempre e me
incentivares a continuar.

Obrigado pela leitura

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Erivaldo Tomás Gaspar Sandala sou eu. Um jovem amante de leitura,
desde pequeno lendo livros e contos fantásticos, me tornei num apaixonado
pelo drama, suspense, mistério e aventura. Foi num dia chato que não tinha
mais nada para fazer que decidi dar vida a minha imaginação e comecei a
escrever a pior estória de sempre, mas melhorei.
Com prática e dedicação hoje posso dizer que publiquei o meu primeiro
livro e espero que venham muitos mais. Nasci em Angola, Bié, Cuito e ainda
vivo aqui e apesar de tudo, amo a minha casa e as pessoas que estão comigo.
Foi de uma má ideia que consegui escrever um livro e espero que tenha
te inspirado a dar asas a tua imaginação e criado em ti um gosto pela leitura.

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