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Destino Texano
Lorraine Heath

TRILOGIA TEXAS 01

ELA ERA NOIVA DO IRMÃO DELE...


Chegava à estação de Fort Worth, a senhorita Amelia Carson, que tinha recebido um pedido de
casamento via correio, e nunca tinha visto Dallas Leigh, o texano com que estava prometida a se casar. O
alto caubói na estação não era Dallas. Ele era Houston, irmão de Dallas, que tinha sido enviado para escoltá-
la na árdua jornada de três semanas até o rancho onde Dallas a esperava. Educada na época da guerra da
Geórgia, Amelia achava que as cartas escritas por Dallas faziam o Texas soar como o céu, um lugar no qual
ela poderia realizar seus sonhos ao lado do homem ideal...

E SEU ÚNICO AMOR


Pela aparência, Houston Leigh dificilmente seria considerado o “homem ideal”. A guerra que ele tinha
sobrevivido, tinha-o deixado com cicatrizes por dentro e por fora, e ele era não era páreo comparado ao irmão
bonito. Mas, desde o momento em que Houston encontrou Amelia, ele percebeu que ela possuía a coragem
que esta terra selvagem precisava. Ela possui olhos que podem enxergar o passado através do seu rosto ferido
até sua alma. E ele lutaria com qualquer homem—exceto o irmão—pelo coração dela. Agora, ele e Amelia
estavam passando por trilhas perigosas, dormindo sob as estrelas, e, que Deus os ajudasse, estavam se
apaixonando...
Para Curtis
Quando nós mais precisamos, você nos ofereceu um ombro amigo.
Sinto muito orgulho por você ser meu irmão.

Agradecimentos

Eu frequentemente ouço que vida de escritor é algo solitário. Para aqueles que provaram que o mito
não é verdadeiro, ofereço o meu agradecimento mais sincero. Sem a ajuda e instruções de vocês, esta
história não teria sido escrita.
Jennifer Sawyer Fisher, viu meu potencial e me encorajou para que eu buscasse o que queria;
Robin Rue, viu nos desvios uma oportunidade;
Chris e Jim Armstrong, por fornecerem informações médicas, além de responderem minhas
perguntas sobre armas e a Guerra Civil;
Alan Beaubien, por seu conhecimento inestimável sobre a Guerra civil.
Susan Broadwater-Chen, por incansavelmente buscar informações sobre as noivas por
correspondência e compartilhar comigo tudo o que descobriu.
Stef Ann Holm, por deixar seu trabalho de escritora um pouco de lado e me ajudar com a minha
pesquisa;
Os bibliotecários de referência do Piano Public Library, por sua pesquisa exaustiva sobre noivas por
correspondência;

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Os muitos leitores que usaram um pouco de seu tempo para me dizerem que minhas histórias e
personagens tocam seus corações, da mesma maneira, suas cartas tocam o meu;
E Jack Thomaston, que não só compartilha seu conhecimento sobre cavalos, qualquer hora do dia ou
da noite, mas que também, cortesmente, me perdoa quando eu me retiro às escondidas para que sua
esposa, Carmel, possa criticar meu trabalho.

Obrigada a todos.
Lorraine Heath

Disponibilização e Tradução: Ana Claudia Rocha e Yuna


Revisão: Ana Mota
Revisão Final: Yuna
Formatação: Gisa
PROJETO REVISORAS TRADUÇÕES

O quente início de Texas trilogy, com os irmãos Leigh, escrito por uma ganhadora do RITA
Award1.

“Uma linda história de coragem e corações valentes... Fiquei encantada” - Jennifer Blake2.

1
O prêmio RITA é o mais proeminente do gênero da novela românica e ficção romântica. É apresentado pelos
Escritores Românticos de América (RWA). Recebeu esse nome devido a primeira presidente do RWA, Rita Clay
Estrada. O prêmio significa a excelência em uma das 13 categorias da ficção romântica.

2
Jennifer Blake é uma famosa autora de Bestsellers.
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Capítulo Um
Setembro, 1876

Ele não tinha um rosto com o qual as mulheres sonhavam.


Houston Leigh passou rapidamente o dedo polegar por cima do tapa-olho preto
antes de abaixar a borda do chapéu do lado esquerdo. O lado direito estava quase
novo, ao contrário do lado esquerdo que estava enrugado, marcado pelo constante
toque dos seus dedos suados. Embora o dia estivesse quente, ele usava o colarinho
preto do colete levantado.
Estava irritado com o mundo todo, mas mais precisamente com seu irmão mais
velho, Houston se debruçou contra a estrutura de madeira que teve a distinção
duvidosa de ser chamada de primeira estação da estrada de ferro de Fort Worth e
olhou os caminhos distantes que pareciam sem fim.
Ele odiava a estrada de ferro com todas as suas forças.
Fort Worth tinha se desvanecido em obscuridade, virado uma cidade fantasma,
antes dos cidadãos estenderem os limites da cidade para mais próximo da via férrea.
Levou nada além do que um piscar de olhos para transformar a cidade de vaqueiros
em uma cidade próspera que os oficiais eleitos queriam um dia chamar de a Rainha
da Pradaria.
A Rainha da Pradaria.
Houston gemeu. O seu irmão tinha começado a chamar sua noiva por
correspondência por esse mesmo nome, e Dallas nem sequer tinha colocado os olhos
na mulher.
Que droga, Dallas podia ser o garanhão que todos conheciam, mas ele tinha
gasto uma boa porção de seu dinheiro—e dinheiro dos seus irmãos—construindo
para essa mulher um palácio no meio do nada.
“Nós só precisamos trazer uma mulher para cá que o resto fluirá
naturalmente,” Dallas assegurou os irmãos com um sorriso confiante e largo sobre o
rosto moreno e bonito.
Porém Houston não queria mulheres passeando através da pradaria junto com
o gemido do vento. Os sorrisos suaves e risos gentis faziam um homem ansiar pelos
sonhos mais simples da mocidade, sonhos que ele tinha abandonado por causa da
aspereza da realidade.
Houston tinha conhecido homens que tinham ficado menos desfigurados. Os
homens que pegaram um rifle e acabaram com sua desgraça logo depois de terem se
olhado no espelho pela primeira vez depois de terem sido feridos. Se ele tivesse sido
um homem de coragem, teria feito o mesmo. Mas se ele tivesse sido um homem de
coragem, não teria sobrevivido com um rosto que fazia seu irmão ficar enjoado só
de ver.
Ele viu uma nuvem fraca de fumaça subir ao longe. Sua presença atraía as
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pessoas do armazém assim como a água atrai um homem cruzando o deserto.
Girando ligeiramente, Houston apertou o ombro esquerdo contra a madeira nova.
Maldito Dallas. Maldito por fazer Houston deixar seus cavalos e vir para este
lugar esquecido por Deus, cheio de mulheres, crianças, e homens muito jovens para
terem lutado na Guerra Entre os Estados. Se Houston não tivesse ficado atordoado e
mudo quando Dallas ordenou a ele que viesse a Fort Worth para vir buscar a noiva
dele, ele teria quebrado a outra perna de Dallas.
Talvez ele ainda fizesse isso quando voltasse ao rancho.
Ele ouviu o estrondoso apito do trem e colocou as mãos suadas nos bolsos do
colete. Os dedos ásperos tocaram o tecido suave que estava dentro dele. Contra a
vontade dele, seus dedos procuravam o tecido delicado.
A mulher tinha enviado a Dallas um pedaço longo e estreito de musselina
branca decorada finamente com flores que ele deveria ter embrulhado em torno da
coroa do chapéu para que assim ela pudesse identificá-lo facilmente.
Flores, pelo amor de Deus.
Um homem não usa flores no chapéu. Se ele tivesse que usar alguma coisa,
usaria a pele de uma cascavel que ele mesmo tivesse matado e esfolado, ou uma tira
de couro que ele tivesse trabalhado, ou... ou qualquer coisa menos delicada que
pétalas de rosa bordadas.
Houston estava começando a se perguntar se Dallas tinha quebrado a perna de
propósito só para não ter que sair usando este pedaço de pano ridículo. Ele não iria
querer irritar a mulher antes que ela se tornasse sua esposa.
Bom, Houston não iria se casar com ela então podia irritá-la o quanto quisesse, e
ele não, com certeza, não iria enrolar flores em torno da coroa do seu chapéu
marrom de aba larga.
Não, madame. De jeito nenhum.
Ele não costuma ser irredutível em muitas coisas, mas, por Deus, ele não ia
mudar de idéia nesse assunto.
Não iria colocar nenhuma droga de flor no chapéu.
Ele cerrou os olhos e pensou em Dallas quebrando a outra perna. O atrativo da
idéia crescia enquanto ele ouvia mais pessoas chegando, com vozes altas o irritando,
dando nos nervos igual a um garfo de metal arranhando um prato. Um sussurro
áspero chamou sua atenção entre as vozes.
“Como se atreve!”.
“Como se atreve você!”.
As duas vozes ficaram em silêncio, e ele pôde sentir os olhos do garoto fixos
nele. Deus, ele desejava que não tivesse fechado os olhos. Era mais difícil de
afugentar as pessoas uma vez que elas tinham começado a fitá-lo.
“Parece que ele está dormindo”.
“Mas ele está de pé”.
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“Meu pai pode dormir enquanto está sentado na sela. Já vi ele fazer isto uma
vez”.
“Então toque nele e veja se está dormindo”.
Uma expectativa sufocante preencheu o ar com tensão. Então o toque veio. Um
rápido encostar em cima do joelho.
Maldição! Ele queria que os meninos fossem mais velhos, maiores, então ele
poderia agarrá-los pelo colarinho, e encará-los no nível dos olhos, e assustá-los até o
último fio de cabelo. Ele sabia que se o garoto fosse grande, não teria tocado lá
embaixo no joelho dele.
Relutantemente, Houston lentamente abriu o olho e olhou para baixo. Dois
pirralhinhos que não deveriam ter mais que seis anos estavam olhando fixamente
para ele.
“Sumam,” ele rosnou.
“Ei, senhor, você é um ladrão de trem?”, um perguntou. “É por isso que você
está aí, é? Pra que ninguém te veja?”.
“Eu disse para sumirem”.
“Como você perdeu seu olho?”, o outro perguntou.
O olho? Houston tinha perdido muito mais do que um simples olho. Os
meninos enxergavam somente o óbvio. Assim como o irmão mais novo dele. Austin
parecia nunca ter notado que o irmão tinha deixado parte de seu rosto em algum
campo de batalha esquecido por Deus.
“Caiam fora daqui,” Houston ordenou, engrossando a voz.
Piscando, os meninos o observaram como se ele fosse um espantalho velho de
pé em um campo de milho.
Com uma rapidez, que eles obviamente não estavam esperando, ele bateu o pé
com firmeza no chão na direção deles, se debruçou para frente e puxou os lábios
para trás com um grunhido. Os olhos dos meninos se arregalaram ao mesmo tempo
em que as suas bocas se abriam e saíram correndo. A poeira que seus pés descalços
levantavam enquanto corriam para longe do armazém, fez Houston querer sair
correndo junto com eles, mas suas obrigações de família o obrigavam a ficar.
Resignado, ele se encostou novamente contra a parede, colocou a mão dentro
do bolso, e alisou a coronha do revólver Colt. O pensamento de quebrar a perna de
Dallas não trazia mais satisfação suficiente.
Houston decidiu que atiraria no irmão quando voltasse ao rancho.

Amelia Carson nunca tinha estado tão apavorada em seus dezenove anos.
Tinha medo de que o trem a lançasse para fora da plataforma antes de ela estar
pronta para desembarcar, então ela colou na cadeira e esperou o trem parar de
balançar. As rodas guincharam por cima dos trilhos frouxos e o apito soprou
enquanto o motor ainda roncava. O cheiro pungente da fumaça da lenha chegou até
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o compartimento dos passageiros que abriram as portas, esqueceram as boas-
maneiras e começaram a se empurrar de um lado para o outro na corrida para sair
do trem. Amelia nunca tinha visto tanta gente estranha junta em um só lugar.
Mulheres com vozes guturais e vestidos decotados davam elegância ao
compartimento. Alguns homens vestiam ternos sob medida como se tivessem sido
convidados para jantar com uma rainha. Só as armas de fogo que faziam volume
sob suas jaquetas indicavam o contrário. Alguns homens, cheirando a suor e fumo,
olhavam para ela como que contemplando a idéia de rasgar sua garganta se ela
fechasse os olhos. Então ela raramente dormia.
Em vez disso, ela gastava o tempo lendo as cartas que Dallas Leigh tinha escrito
para ela. Ela estava certa de que a caligrafia corajosa e forte era um reflexo do
homem que tinha respondido ao anúncio dela, no qual dizia que tinha desejo de
viajar para o Oeste e se tornar uma esposa. Ele tinha sido um herói—se é que o Sul
podia chamar alguém de herói já que eles tinham perdido a guerra. Ele tinha sido
tenente aos dezessete, um capitão aos dezenove. Ele tinha a própria terra, gado e
destino.
Ele tinha envolvido a proposta de casamento com sonhos, sonhos de construir
um império, de administrar uma fazenda e compartilhar um filho.
Amelia sabia que sonhos são coisas grandiosas e que era assustador agarrá-los
sozinha. Juntos, ela e Dallas Leigh poderiam fazer mais do que simplesmente
agarrar os sonhos. Eles os teriam na palma das mãos.
Incontáveis vezes durante a jornada, ela tinha imaginado Dallas Leigh a
esperando em Fort Worth, impacientemente andando pela plataforma. E quando o
trem chegasse, ele esticaria o pescoço para olhar nos vagões, ansiosamente tentando
achá-la. Ela o imaginava perdendo a paciência e entrando no trem, gritando o nome
dela e tirando as pessoas do caminho, desesperado para colocá-la em seus braços.
Com os sonhos re-acesos e o coração leve, ela olhou para fora pela janela,
esperando dar de cara com seu futuro marido.
Ela viu muitos homens impacientes, mas todos eles estavam fugindo do trem,
gritando e empurrando a multidão, tentando fazer ponto na parte mais ao norte do
terminal. Nenhum deles usava seu tecido trabalhado a mão enrolado em volta da
coroa do chapéu. Nenhum deles olhava para o trem como se se importasse com
quem pudesse estar a bordo dele.
Ela deixou a decepção de lado e saiu da janela. Talvez ele estivesse apenas
tendo consideração com ela, dando-a tempo para que ela se recompusesse da
jornada árdua.
Ela pegou sua bolsa de viagem que estava no banco ao lado e abriu. Com a
respiração trêmula, ela olhou fixamente para o monte de tiras, flores, e um pássaro
marrom que o noivo tinha prometido que iria mandar bordar no chapéu. Já que ela
não tinha nenhum retrato para enviar para ele, tinha enviado algo para que ele
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usasse e ela pudesse identificá-lo.
Ela estava grata... .
Ela olhou fixamente para o chapéu.
Ela estava grata... Muito grata...
Ela enrugou a testa, procurando no chapéu alguma coisa que a fizesse ficar
agradecida. Não era uma indagação fácil, entretanto nada em sua vida tinha sido
fácil desde a guerra. De repente, ela sorriu.
Ela estava grata pelo fato do senhor Leigh não a ter conhecido em Geórgia. Ela
estava agradecida por ela não ter colocado o chapéu na cabeça até este momento,
estava contente que nenhum de seus colegas de viagem o tinham visto ainda.
Ela o tirou da bolsa, colocou na cabeça e respirou fundo. Seu futuro marido
estava esperando por ela.
Ela somente desejava que nenhum dos caubóis que ainda estavam no armazém
atirasse no pássaro do chapéu dela antes que o senhor Leigh a achasse.
Ficando de pé, ela andou pelo corredor, ergueu a bolsa, e marchou para a
entrada aberta com toda a determinação que ela conseguiu reunir. Ela sorriu para o
porteiro que a ajudou a descer os degraus, e então se viu na plataforma de madeira
no meio do caos.
Apertando a bolsa com força, ela foi para longe do trem. Ela se sentia como um
pequeno arbusto cercado por árvores de carvalho poderosas. Ela duvidava um
pouco que seu chapéu não fosse visível mesmo entre todos estes homens
perguntando direções, trocando dinheiro, vendendo jornal e se batendo no
empurra-empurra.
Ela tinha pensado em gritar pelo senhor Dallas Leigh, mas ela não achava que
conseguiria erguer a voz acima da horrível barulheira que a cercava. Ela tinha
achado que o Texas era um lugar quieto e tranqüilo, não que fosse um local de
reunião de todos os aventureiros políticos, assim como os que tinham ido fazer
reclamações por seus direitos depois da reedificação da Geórgia.
Ela estremeceu com as memórias borradas, imagens da Geórgia durante e
depois da guerra, que corriam por sua mente. Com um esforço tremendo, ela as
empurrou de volta para o canto escuro que não conseguiria atingi-la.
Os homens e mulheres começaram a ir embora. Amelia considerou segui-los,
mas o senhor Leigh tinha escrito que a encontraria na estação de trem em Fort
Worth. As letras no edifício de madeira orgulhosamente ostentavam: “Fort Worth”.
Ela estava certa de ter chegado ao armazém correto.
Lentamente ela se virou, procurando entre os poucos remanescentes por um
homem usando um chapéu com as flores que ela tinha bordado. E se ele tinha
estado aqui? E se ele a viu e a achou carente de atrativos? Talvez ele tivesse
esperado que ela fosse mais bonita ou que fosse de linhagem mais robusta. Ela
sempre tinha sido de pequena estatura, mas ela era competente. Se ele desse a ela
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uma chance, ela poderia provar que não tinha medo de trabalho duro, honrado.
Ela colocou sua bolsa de viagem na plataforma que sacudia. Lágrimas surgiram
nos seus olhos. Ela queria tão pouco. Só um lugar longe das memórias que ela tinha,
um lugar onde os pesadelos não viviam. Ela fechou os olhos e os apertou, tentando
organizar sua decepção.
Nenhum homem enviaria passagens para uma mulher e depois não viria
encontrá-la. De alguma maneira, ela já o tinha desapontado... Ou uma tragédia tinha
acontecido, evitando que ele conseguisse chegar.
As pessoas se referiam às regiões do Texas como uma fronteira, um deserto
perigoso, um abrigo para bandidos. Notícias de jornal vieram à mente dela. Ela
olhou para uma, e sua imaginação começou a fluir. Os bandidos o tinham
emboscado. A caminho de Fort Worth, a caminho de encontrá-la, ele tinha sido
brutalmente atacado, e agora, seu corpo estava cravejado de balas, o nome dela
flutuava nos lábios dele, ele estava rastejando através do sol escaldante da
pradaria—.
“Senhorita Carson?”.
Os olhos de Amelia se abriram de repente com a voz profunda que a envolveu
como um cobertor morno numa tarde de outono. Através das lágrimas, ela viu o
perfil de um homem alto vestindo um casaco preto longo. Sua presença era forte o
suficiente para bloquear o sol do meio-dia.
Ela podia dizer pouco sobre a aparência dele a não ser que ele obviamente tinha
comprado um chapéu novo a fim de impressioná-la. Ele o usava tão baixo que
criava uma sombra escura por cima do rosto, uma sombra que ela vislumbrou por
entre lágrimas. Embora ele não estivesse usando as flores no chapéu, ela estava certa
de que tinha encontrando seu futuro marido.
Tirando as lágrimas dos olhos, ela deu a ele um sorriso trêmulo. “Senhor
Leigh?”.
“Sim, madame”. Lentamente, ele tirou o chapéu da cabeça. As sombras se
retirando, revelando um perfil forte, corajoso. O cabelo preto enrolava acima do
colarinho. Uma tira de couro preta cobria sua testa e dava a volta em sua cabeça.
Amelia tinha visto vários soldados que tinha retornado da guerra para
reconhecer que ele tinha colocado um trapo por cima do olho que não podia mais
ver. Ele tinha falhado ao não mencionar em suas cartas que tinha sacrificado uma
parte de sua visão pelo Sul.
O óbvio desconforto dele fez com que uma dor surgisse dentro do coração dela.
Ansiosa de assegurar que a perda dele não importava, ela entrou na frente dele.
Com um minúsculo grito sufocado, ela prendeu a respiração. Ela tinha esperado um
tapa-olho preto. Ela não estava preparada para as cicatrizes desiguais que estavam
desenhadas na face e que se arrastavam no rosto dele até embaixo como uma
imitação de uma cera que derrete ao sol. Com lágrimas brotando nos olhos, ela
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tentou tocar na carne arruinada. A mão poderosa dele agarrou os dedos trêmulos
dela, parando a jornada de conforto.
“Eu sinto muito” ela sussurrou enquanto procurava pelas palavras certas. “Eu
não sabia. Você não mencionou... Mas não importa. Realmente não importa. Eu
estou tão agradecida—”.
“Eu não sou Dallas” ele disse tranquilamente enquanto soltava a mão dela. “Eu
sou Houston. Dallas quebrou a perna e não pôde fazer a viagem. Ele mandou que
eu viesse buscar você”. Ele colocou a mão no bolso e retirou o pano bordado. “Ele
pediu que eu trouxesse isso comigo para que assim você soubesse que estava segura
comigo”.
Se os nós dos dedos dele não estivessem brancos enquanto ele segurava o linho,
Amelia o teria tomado dele. Ele trocou um pouco de posição de forma que somente
o perfil dele preenchesse a visão dela.
Um perfil perfeito.
“Ele mencionou você nas cartas”, ela gaguejou. “Ele não disse algo importante
—”.
“Não há muito para contar”. Ele colocou o chapéu de volta na cabeça. “Se você
me mostrar onde estão suas outras bolsas, nós poderemos partir”.
“Só tenho uma bolsa”.
Ele fixou os olhos marrons nela. “Uma bolsa?”.
“Sim. Você não pode imaginar como eu fiquei agradecida por só ter que me
preocupar com uma bolsa quando eu saí do trem”.
Não, Houston não podia imaginar que ela estava agradecida por causa de uma
bolsa. Ele permitiu que seu olhar fosse devagar da blusa branca para a saia preta,
notando o tecido do vestido. Uma mulher não vestiria sua melhor roupa quando iria
se encontrar com o homem que iria se casar?
Que droga, ele tinha vestido sua melhor roupa, e ele só tinha vindo buscá-la.
Ele dobrou os dedos em volta da bolsa e a ergueu do chão. Julgando pelo peso,
ele achou que ela estava carregando nada além de ar, e isso eles tinham bastante no
West Texas.
Ela deveria carregar todas as coisas que eles não tinham lá longe, naquele lugar
perto de lugar nenhum. Dallas não tinha dito a ela nada sobre o rancho nas cartas
que tinha escrito? Ele não disse a ela que eles estavam a quilômetros de uma cidade,
de vizinhos, de algumas conveniências?
Duas balas. Ele iria disparar duas balas no irmão.
“Eu estou pronta para ir” ela disse radiante, interrompendo os pensamentos
dele.
Não, ela não estava pronta para ir. Só que ele não sabia como dizer isso a ela
sem ofendê-la. Sem pensar, ele tirou o chapéu para coçar a testa. Os olhos verdes
dela brilharam, como se ela estivesse contente com o gesto dele, como se ela tivesse
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pensado que ele tinha feito isto para ela como um cavalheiro faria. Ele lutou contra o
impulso de colocar o chapéu e explicar a situação para ela por debaixo das sombras.
“Dallas mencionou quanto tempo a viagem leva?”.
“Ele escreveu que era longe um bocado. Eu pensei em separar um pedaço de
pano para bordar”. Ela separou as mãos ligeiramente e suas bochechas começaram a
pegar fogo. “Mas não é bem assim, não é?”.
Três balas. Ele iria atirar três balas no irmão.
“É pelo menos três semanas de carroça”.
Ela abaixou o olhar, os cílios descansando gentilmente em cima das bochechas.
Eles eram dourados e tão delicados—não espessas como as dele. Ele se perguntou se
eles seriam capazes de manter a poeira do Oeste Texano longe dos olhos.
“Você deve achar que eu sou uma idiota,” ela disse tranquilamente.
“Não acho isso, mas eu preciso de você entenda que essa é a última cidade que
você verá. Se existe qualquer coisa que você precisa, tem que comprar antes da
gente partir”.
“Eu tenho tudo o que preciso” ela disse.
“Se existe qualquer coisa que você queira—”.
“Eu tenho tudo” ela o assegurou. “Nós podemos partir para o rancho se você
estiver pronto”.
Ele estava pronto há mais de três horas atrás, conscientemente organizando
todas suas coisas na metade dele do carroça e deixado a outra metade para que ela
guardasse os pertences dela—só que ela não tinha qualquer pertence. Nenhuma
caixa, nenhum calção de banho, nenhuma bolsa. Ele limpou a garganta. “Eu... eu
ainda tenho que buscar algumas provisões”. Ele colocou o chapéu de volta na
cabeça, se virou e começou a caminhar. Ele ouviu o barulho apressado dos paços
dela e diminuiu a velocidade dos seus passos largos.
“Com licença, senhor Leigh, mas como meu noivo quebrou a perna?” Ela o
chamou por detrás com uma voz mais doce do que a memória que ele tinha da voz
de sua mãe.
Ele se virou para encará-la, e ela parou de um salto, o pássaro em seu chapéu se
mexendo como uma maçã em uma balde da água. Segurando os dedos para
preveni-los de tentar arrancar o pássaro do chapéu, ele desejou agora que tivesse
dito a Dallas sua verdadeira opinião a respeito da porcaria de pássaro que ele tinha
mandado bordar no chapéu. “Ele caiu de um cavalo”.
Suas sobrancelhas delicadas se juntaram. “Como um rancheiro, com certeza ele
sabe montar a cavalo”.
“Ele monta bem. Ele cismou que ia conseguir amansar um cavalo selvagem, e
acabou caindo”. Ele se virou novamente, aumentando o comprimento de seus
passos largos. Se Dallas o tivesse escutado, prestado atenção ao aviso de Houston,
ele estaria de volta a sua casa sentindo o cheiro do suor dos cavalos em vez do odor
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de flores de uma mulher, ouvindo o severo bufar dos cavalos em vez da voz gentil
de uma mulher. Ele não teria que assistir um pássaro estúpido movimentar a
cabeça. Ele não estaria levando uma bolsa, se perguntando o que diabos ela não
tinha.
Quatro balas. E ele ainda não tinha certeza de que este pensamento seria o
suficiente para que ele suportasse o inferno que o amanhã com certeza traria.

Capítulo Dois

Amelia seguia os passos do homem alto, eles levantavam pó enquanto eles


passavam em frente a várias lojas. Suas esporas chiavam, seu casaco batia ao redor
dos tornozelos, e ele afundava o chapéu no lado esquerdo.
Ele andou na passarela de madeira, fazendo o som grave ecoar ao redor dela.
Ele parecia tão impaciente quanto ela para começar a jornada, e ela se perguntava
por que ele não tinha pensado em comprar o que precisava antes de ela chegar. Ela
só podia estar contente por ele não ser o homem com quem ela tinha vindo se casar
no Texas.
Ele hesitou antes de empurrar a porta do hotel. Ele ligeiramente recuou,
esperando que ela entrasse. Ela sentiu como se ainda estivesse no trem, viajando a
toda velocidade em direção a um destino que ela não estava bem certa de que era o
melhor para ela.
“Por que nós vamos entrar aqui?”, ela perguntou.
O queixo dele se contraiu quando três pessoas passaram pela porta que ele
tinha aberto. “Eu acho que quando a gente tiver comprado o material, será muito
tarde para viajar hoje, e pela quantidade de pessoas que saíram daquele trem, eu
acho que a gente devia alugar os quartos antes de comprar o material”.
“Uma decisão muito sábia,” ela reconheceu enquanto deslizava por ele e
entrava no hotel. Pessoas lotavam o salão de entrada, muito próximas dela. Lutando
contra o desejo de correr, ela tentou buscar ar. Contanto que ela pudesse respirar,
ela poderia viver.
Houston soltou a bolsa dela no chão. “Espere aqui enquanto eu cuido dos
quartos”.
Ela o viu caminhar para a escrivaninha dianteira, segurando o chapéu com
força. Ela estava muito desapontada por Dallas Leigh não ter vindo encontrá-la. Ela
esperava ficar mais íntima dele antes de aceitar os votos. Mas ela tinha pouca
esperança agora de que isso acontecesse. Estava certa de que assim que ela chegasse
ao rancho, eles se casariam. Ela não teria nenhuma oportunidade para mudar de
idéia, retornar a Fort Worth, ou viajar para casa.
Casa. Como facilmente a palavra passeava pela mente dela. Como era difícil de
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lembrar que ela não tinha mais casa ou família. Tudo que era importante, tudo que
significava qualquer coisa para ela estava cuidadosamente empacotada dentro da
bolsa que estava próxima aos pés dela, junto com o contrato de casamento que
Dallas Leigh a tinha pedido para assinar. Seu conteúdo era simples e direto, uma
garantia de que ele a tornaria sua esposa se ela viajasse até Fort Worth, uma garantia
de que ela o tronaria seu marido se ele a fornecesse o capital necessário para viajar.
Ela não se ressentia pela precaução dele. Ele sabia tão pouco dele quanto ele
sabia dela. Confiança, assim como o amor, viria com tempo.
Enquanto o homem carrancudo retornava para o lado dela, ela só podia desejar
que o humor de Dallas não fosse tão sombrio.
“Por aqui”, ele murmurou enquanto pegava a bolsa dela.
Ela o seguiu pelo salão de entrada e por vários degraus. No patamar final, virou
à direita e seguiu para o final do corredor. Ele inseriu uma chave na fechadura,
girou e abriu a porta com força. Ele deu meia-volta e esperou que ela entrasse no
quarto.
Amelia caminhou pelo quarto pequeno. A cama ao lado da janela
imediatamente a fez lembrar um fato. Dallas tinha enviado e ela um recibo que a
permitia ter um quarto no trem. Ela tinha olhado o pequeno compartimento e
negociado o recibo, usando o dinheiro para comprar um presente de casamento
para ele—um relógio de bolso de ouro, de segunda-mão.
Durante sua jornada, ela pegou no sono aqui e ali se endireitando sempre que
ousava dormir. Ela quase tinha esquecido como era dormir em uma cama.
Ela encarou o homem de pé na entrada. Ele estava segurando o chapéu,
mostrando a ela o lado direito.
“Eu preciso levar a carroça e os animais para o depósito e avisar o gerente daqui
que eu deixarei eles lá durante a noite. Eu achei que você poderia querer ”—ele
bateu o chapéu sem jeito contra a coxa— “fazer o que quer que seja que as senhoras
fazem quando saem de um trem. Eu encontrarei você no salão da entrada em uma
hora, e nós iremos comprar as coisas”.
“Onde é o seu quarto?”, ela perguntou.
“Esse era o último quarto. Eu ficarei no depósito”.
“Isso não parece justo. Você está pagando pelo quarto—”.
“Você vai dormir com os cavalos?”.
“Eu já dormi em lugar pior”. Amelia baixou o olhar e um calor rapidamente
subiu até o rosto dela. Ela deveria explicar aquela declaração, mas não podia. Ela
não queria dar liberdade para as memórias borradas que a espreitavam num canto
sombrio da mente. “Eu simplesmente queria dizer... Que estou muito agradecida
pelo quarto, se você quiser dividir comigo—”.
“Isso não seria adequado”.
Ela se forçou a olhar para ele. “Nós não dormiremos juntos durante a viagem?”.
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A bochecha que era visível a ela ficou vermelha enquanto ele girava o chapéu
nas mãos. “Não, madame. A senhorita dormirá em uma barraca e eu dormirei perto
do fogo”. Ele colocou o chapéu na cabeça. “Hoje à noite eu dormirei no depósito. Eu
voltarei em uma hora. Eu gostaria de não ter que ficar esperando por muito tempo”.
Antes que ela pudesse lembrá-lo que ela deveria esperá-lo no armazém, ele
bateu a porta. Ela não sabia se ria ou se chorava. Três semanas. Ela estaria na
companhia daquele homem por três semanas, e se os últimos quinze minutos
podiam indicar qualquer coisa que ela pudesse esperar da jornada, então ela achava
que seriam três longas semanas.
Ela fechou os olhos. Grata, grata, grata. Ele tinha que possuir alguma qualidade
redentora. Ela abriu os olhos e sorriu. Ela podia ficar agradecida por ele parecer ser
um homem de poucas palavras, e ela estava incrivelmente agradecida por ele ter
partido.
Ele não duvidava de que ela tinha o cérebro de um mosquito, e talvez ela
tivesse mesmo: viajar da Geórgia até o Texas (*) só para se casar com um homem
que ela só conhecia por correspondência. E se ela tivesse julgado mal o conteúdo das
cartas de Dallas Leigh? E se ela tinha criado na mente um homem que só existia na
imaginação dela?
Desde a guerra, ela tinha recebido ofertas para melhor de vida, mas nenhuma
delas tinha a respeitabilidade de um casamento. Ao vencedor os espólios. A
plantação do pai dela, a esposa, e filhas tinham sido os espólios.
Tremendo, ela fechou os olhos com força e envolveu o corpo com os braços. Ela
estava cansada de manter as memórias e os medos à distância. Muito cansada.
Com desejo, ela olhou para a cama. Ela dormiria apenas alguns minutos. Então
ela lavaria o pó da jornada e encontraria Houston Leigh no salão de

N. da R.: De Atlanta (capital da Geórgia) até Fort Worth (Texas) são 2.306 km.
entrada. Ela achava que seria bastante interessante assisti-lo pechinchar as
compras. Com o temperamento que ele tinha, ela tinha pouca dúvida de que ele
acabaria pagando o dobro por qualquer coisa que estivesse procurando.
Ela se aconchegou na cama, suspirando com contentamento. O colchão, tão
suave quanto uma nuvem, afundou sob o peso dela.
Paraíso.
Só alguns minutos no paraíso.

Uma fúria tão grande rodeava Houston por tanto tempo que ele já não podia se
lembrar de que ele tivesse conhecido a paz. Ele tinha medo de que se não tivesse
cuidado, ele a envolveria nessa fúria.
Ele já a machucara. Ele sabia que tinha. Caso contrário, ela o teria encontrado no
salão de entrada.
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Ele estava bravo com Dallas, e ele descontou a raiva na mulher. Essa não era a
intenção dele, mas pensando agora, ele podia ver que tinha feito isso.
Ele parou do lado de fora da porta, ensaiando um pedido de desculpas. Ele não
se lembrava de já ter pedido desculpas antes, e as palavras adequadas para se usar
não vinham a sua mente. Uma desculpa para uma mulher deveria ser como o
pedaço de pano que ela tinha costurado para Dallas: florido, delicado e bonito.
Droga, ele não sabia usar nenhuma palavra assim. Ela teria que ficar feliz com
as palavras que ele sabia, mesmo que elas não fossem as ideais.
Graças a Deus, não era ele quem iria casar. Ele tinha gastado a manhã inteira
pensando no que diria a ela quando a encontrasse. Quando ele viu as lágrimas
brilharem naqueles olhos verdes, uma vergonha brotou dentro dele fazendo com
que todas as palavras que ele tinha praticado saíssem voando como o pó através da
pradaria. Vergonha por ter demorado tanto para reunir coragem suficiente para
atravessar a plataforma e ir cumprimentá-la. Vergonha por ele não ter achado que
ela poderia estar se sentido só em uma cidade estranha esperando por um homem
que não iria chegar.
No depósito, ele pensava em como poderia se explicar sobre as provisões. A
compra que eles tinham que fazer, com certeza, era um assunto delicado. Depois de
tudo que ele tinha pensado e de todas as palavras que tinha reunido, ela não tinha
vindo encontrá-lo.
Agora ele tinha que pensar em um pedido de desculpas.
Ele apenas queria voltar ao rancho, onde ele poderia caminhar e pensar
sozinho. Ele não queria responder perguntas, considerar os sentimentos dos outros
ou ter que retirar o chapéu.
Com um suspiro pesado, ele tirou o chapéu, bateu ligeiramente na porta dela, e
esperou. O pedido de desculpas esperando com ele, pronto para ser dito assim que
ela abrisse a porta.
Só que ela não abriu a porta.
Ou ela estava mais brava do que ele tinha pensado ou ela tinha partido. Se ela
tivesse partido, seria ele quem levaria quatro balas no couro porque Dallas sempre
acertava onde mirava.
Mais cedo, sem pensar, ele tinha colocado a chave do quarto no bolso,
deixando-a sem ter como fechar a porta. E se alguém a tivesse raptado? As mulheres
eram raras... Tão raras...
Ele bateu com um pouco mais de força. “Senhorita Carson?”.
Ele apertou a orelha boa contra a porta. A explosão que tinha rasgado o lado
esquerdo do rosto dele tinha levado a audição daquele lado também. Ele não ouviu
nada além de silêncio vindo do outro lado da porta.
Cuidadosamente, ele abriu a porta e deu uma olhada no interior. O sol de final
de tarde fluía através da janela, banhando a mulher com seu brilho dourado.
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Enrolada na cama, adormecida, ela parecia tão jovem, tão inocente, tão
desmerecedora do temperamento dele.
Ele deslizou para dentro e sutilmente fechou a porta. Ele cruzou o quarto,
deixou as bolsas no chão, e sentou na cadeira aveludada ao lado da cama. Ele
apoiou os cotovelos nas coxas e se debruçou para frente.
Deus, como ela era adorável, como um sol de primavera tentando as flores a
abrirem suas pétalas. As pestanas pálidas descansavam sobre as bochechas rosadas.
Os lábios, até durante o sono, se curvavam na sugestão de um sorriso.
Ele a tinha percebido imediatamente, assim que ela tinha chegado à porta do
vagão. Em baixo daquele chapéu horroroso, o sol refletia um cabelo que parecia ter
sido feito com fios que brilhavam tanto quanto a lua. O sorriso que ela deu ao
porteiro enquanto ele a ajudava a descer os degraus — mesmo à distância — tinha
feito Houston prender a respiração.
Ele ainda não estava respirando direito. Todas as vezes que ele olhava para ela
se sentia como se estivesse cavalgando em um cavalo selvagem.
Ela não era nada do que ele tinha esperado de uma mulher de coração e mão.
Ele esperava que ela fosse como uma camisa velha, lavada tantas vezes que tinha
perdido a cor e a força dos fios. Ele conhecia mulheres assim. Mulheres que
viajavam através de estradas ásperas, ficando rigorosas e grosseiras, com risadas
ásperas e sorrisos que eram muito brilhantes para serem sinceros. Mulheres que
sabiam que não deveriam confiar em nada.
Mas Amelia Carson confiava. Ela era uma mulher que refletia o coração nos
olhos. Tudo que ela pensava, tudo que ela sentia, claramente refletia nos olhos. Em
seus olhos verdes, muito verdes.
O calor profundo dos olhos o fazia se lembrar dos campos de trevos que ele
tinha corrido quando menino. Descalço. Os trevos pareciam veludo acariciando as
solas ásperas. Por um breve momento, ele realmente apreciou o pensamento de
manter o olhar dela.
Os olhos marrons dele podiam servir como terra para que o trevo verde dos
olhos dela germinasse.
Que idéia idiota! A próxima coisa que ele faria era recitar poesia. Ele estremeceu
com o pensamento. Vestindo flores e recitando poesia. Seu pai teria esfolado o couro
dele só de pensar em uma daquelas ações efeminadas.
Ele a viu dormir até os raios finais do sol se retiraram para o luar pálido. Ele
estremeceu com o frio da noite que desceu sobre ele. Pondo-se de pé, ele foi até ela e
a cobriu com um cobertor. Um calor surgiu dentro dele, e ele se imaginou colocando
cobertores sobre ela todas as noite pelo resto de sua vida.
Só que aquele privilégio pertencia ao irmão dele. Houston tinha testemunhado
o documento que Dallas tinha redigido, o mais próximo possível de um contrato de
casamento que ele conseguiu organizar sem usar a expressão “eu quero”. Para todos
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os propósitos práticos, Amelia Carson pertencia a Dallas.
E era assim que deveria ser. Dallas tinha passado um mês folheando a revista
esfarrapada que tinha achado enquanto eles estavam conduzido o gado para
Wichita, Kansas, na primavera de setenta e cinco. Houston conhecia o desespero de
ter um filho que tinha feito Dallas escrever sua primeira carta para Amelia.
Ele podia apenas imaginar o que a tinha feito responder a carta e aceitar a
proposta de casamento do irmão. Ele sentou de volta na cadeira. Não era seu direito
ficar questionando sobre ela. Ele não tinha que gostar dela. Ele não tinha que
conversar com ela. Ele não tinha que ser bom com ela. Ele só tinha que levá-la até o
rancho... E, por Deus, isso era tudo que ele planejava fazer.
Um pouquinho antes de despertar com os sonhos ainda permanecendo na
mente, Amelia se mexeu confortavelmente sob os cobertores, apreciando o conforto
da cama suave. Ela não tinha nenhuma memória de ter se coberto com os
cobertores, mas ela deu boas-vindas à proteção que eles davam contra o frio que
entrava no quarto.
Satisfeita consigo mesma e descansada, como um gatinho que tinha gasto a
maior parte do dia vadiando ao sol, ela se esticou vagarosamente, respirou
profundamente, e congelou.
O aroma de toucinho, café, e pão recentemente assado chegou ao nariz dela.
Lentamente ela abriu os olhos, esperando ver o clarão severo do sol da tarde
borrando sua vista. Em vez disso, o brilho suave da luz da manhã lançava seus
primeiros raios sobre a mobília, dirigindo a maior parte de seu foco a uma pequena
mesa coberta de pano no meio do quarto. A luz solar passava por cima de alguns
pratos cobertos.
A boca de Amelia se alargou ao mesmo tempo em que um alarme apressado
soou por dentro dela. Ela não tinha ouvido ninguém entrar no quarto.
Inesperadamente, ela percebeu um outro cheiro, muito mais fraco do que o
cheiro da comida que fazia seu estômago roncar, fraco, e ainda assim, de um modo
estranho, era mais poderoso. Couro e cavalo.
Ela viu as sacolas debruças contra uma cadeira próxima à cama.
Cautelosamente, movendo só os olhos, ela se permitiu dar uma olhada geral no
quarto.
O coração dela saltou quando ela notou a sombra longa estirada através da
cama. A sombra de um homem. Ela se sentou de um salto e olhou por cima do
ombro.
Com o ombro esquerdo apertado contra a parede, Houston Leigh estava de pé
ao lado da janela a observando. A luz do sol por um momento seguiu os contornos
do corpo alto e magro dele antes de completar sua jornada pelo quarto.
Amelia se livrou dos cobertores e saiu da cama, os joelhos dela quase bateram
no chão antes de ficar de pé. Ela apertou a mão trêmula contra o peito, o coração
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batia muito forte embaixo dos dedos. “Senhor Leigh, é manhã”.
“Sim, madame” ele reconheceu com uma voz lenta que não ajudava em nada a
tranqüilizar a batida irregular do coração dela.
“Você deve achar que eu fui terrivelmente rude. Eu só queria dormir um
momento—”.
“Não achei que você foi rude, não mesmo. Eu percebi que você estava cansada.
Percebi também que você provavelmente está faminta”. Ele inclinou a cabeça
ligeiramente em direção à mesa.
“Você fez isso?”, ela perguntou cautelosamente enquanto se aproximava da
mesa.
Ele ergueu os ombros de um jeito descuidado. “Precisava me desculpar por
ontem. Dallas tiraria meu couro se soubesse como eu te tratei ontem”.
“Ele se irrita facilmente?”.
“Ele não é o tipo de homem que você gostaria de aborrecer”. Ele colocou o
chapéu. “Aprecie sua comida”.
Ele levantou as sacolas, atirou por sobre os ombros, e andou meio caminho
através do quarto, ele já estava puxando o chapéu para baixo quando Amelia
percebeu que ele estava partindo. “Você não vai se juntar a mim?”.
“Eu já comi”.
“Então só me faça companhia”. Ele hesitou, e ela sabia que deveria deixá-lo
partir, mas ela estava incrivelmente cansada de ficar só. “Por favor”.
A resposta dele veio na forma de um movimento em direção à mesa enquanto
ele removia o chapéu e jogava os alforjes nas costas de uma cadeira próxima.
Amelia se apressou para se sentar. Ele se sentou na cadeira oposta a dela, se
girou ligeiramente dando a ela uma visão clara do seu perfil, e olhou fixamente para
o chapéu que tinha deixado no colo.
Houston procurou nos cantos mais obscuros de sua mente, mas ele não
conseguiu achar qualquer coisa que valesse a pena comentar. Ele pensou em dizer a
ela que o cabelo estava caindo no lado esquerdo, mas ele tinha medo de que ela o
endireitasse, puxando-o para trás e fazendo aquele rolo que ela estava usando na
véspera. Ele gostava do modo como ele estava agora, meio solto e torto. Ele
secretamente desejou que ele estivesse todo solto e que descesse através das costas.
Dallas poderia, provavelmente, preferir ver a mexa puxada para trás, de volta
no lugar adequado. O homem era um defensor do método, mas Houston sempre
tinha achado que cabelo de mulher deve fluir ao redor dela tão livremente quanto o
vento que sopra através da pradaria.
Ele pensou em descrever o rancho de Dallas, mas ela o veria logo, e ele não
tinha habilidade suficiente com as palavras para poder fazer justiça ao lugar. Falar
sobre o local onde ele morava, provavelmente não a interessaria. Era um bonito
pedaço de terra, mas nunca traria riqueza ou glória a um homem.
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“Você está certo de que não quer nada?”, ela perguntou.
“Eu estou certo,” ele respondeu, se amaldiçoando por ficar tão balançado pelo
som da voz dela. Tudo que ele tinha que fazer era se sentar quieto enquanto ela
comia e não dar nenhuma razão a ela por ter feito o café da manhã. Para que não
vissem seu rosto, no começo ele tomava café sozinho, mas isso tinha sido anos atrás
quando os ferimentos ainda não estavam cicatrizados... e a culpa que sentia ainda
estava infeccionada.
Amelia rasgou um pedaço de pão morno e passou manteiga nele, quietamente
estudando o homem que estava sentado na frente dela. O olhar dele permanecia fixo
no chapéu, a testa enrugada como se ele estivesse, desesperadamente, procurando
por algo que estava além do alcance.
“Por que você e seus irmãos têm esses nomes?”, ela perguntou antes dela
morder o pão com entusiasmo.
“Nossos pais tinham falta de imaginação. Eles deram para gente o nome do
local onde eles estavam vivendo no momento em que nós nascemos”.
“Eu suponho que você esteja agradecido por eles não estarem morando em
Galveston quando você nasceu”.
Ele pareceu pensar em uma resposta por um momento, já que ela tinha feito o
comentário com toda seriedade. O queixo dele ficou tenso. “Eu acho que ficaria, se
já tivesse pensado nisso alguma vez”.
Ela esperou por um sorriso, uma risada, ou até mesmo um riso contido, mas
Houston Leigh parecia o tipo de homem que não gostava de muito de brincadeiras
ou gracejos. Perceber isso a entristeceu. Todo mundo precisava de sorrisos e risos
para substituir a ausência dos raios de sol em um dia tempestuoso. Ela desejava que
os outros irmãos não compartilhassem esta perspectiva dura da vida. “Você acha
que Dallas vai querer continuar essa tradição de nome de família e dar aos nossos
filhos nomes de cidades do Texas?”.
“Eu não estou certo de que tipo de nome ele prefere”. Ele mudou de posição na
cadeira, levantou o pé direito e o apoiou no joelho esquerdo.
Amelia mastigou devagar o bacon com ovos, saboreando bem, e se
perguntando como ela poderia obter as informações que ainda não tinha a respeito
do futuro marido. Cartas podiam somente revelar os pensamentos de um homem.
Ela não sabia como era o sorriso dele, o som do riso dele, ou como as emoções
apareciam através das expressões do rosto. Ela estava incrivelmente curiosa sobre
todos os aspectos dele e de sua vida. “Dallas mencionou Austin frequentemente nas
cartas”.
Houston deu um aceno com a cabeça. “Ele é aficionado por Austin. Você
gostará dele, também. Ele é do tipo que as pessoas gostam imediatamente”.
Enquanto ele falava do irmão mais jovem, um rastro de calor atravessou a voz
dele, lembrando-a da sensação de se aconchegar diante do fogo numa noite de
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inverno bem fria. Ela queria manter as chamas queimando. “Eu não lembro quantos
anos Austin tem”.
“Dezesseis”.
“Então ele deve ter sido poupado de quaisquer memórias da guerra”.
“Eu duvido”.
Amelia abaixou o garfo. “Mas ele teria sido tão jovem. Seguramente ele não se
lembra—”.
Houston deslizou o pé por sobre o joelho, e bateu-o no chão com força fazendo
o chão ressoar. Ele se virou na cadeira. “Eu prefiro não conversar sobre a guerra, se
você não se importar”.
“Não, eu não me importo,” ela disse suavemente, ciente de que o calor na voz
dele tinha se perdido, de alguma forma. Ele apertou o queixo como se estivesse
desesperadamente lutando para permanecer onde estava. Ela podia sentir a tensão
que irradiava dele, com uma intensidade palpável. Embora mais de dez longos anos
tivessem passado, continuava a dilacerar a vida das pessoas. “Você acha que Dallas
tentará domar aquele cavalo selvagem novamente quando sua perna estiver
curada?”.
Ele se endireitou na cadeira, então deslizou de novo. “Eu deixei ele ir,” ele disse
em uma voz tão baixa que ela não estava bastante certa de que tinha ouvido
corretamente.
“Desculpe, não entendi?”.
Ele ligeiramente fez uma careta. “Eu libertei o cavalo”.
“Por quê?”.
Ele lentamente acenou a mão grande pelo ar como se ela fosse uma cortina
ondulando com uma brisa. “O cavalo tem uma crina pesada, ondulada. Essa é uma
marca de que mostra que ele é enganador e perigoso. Eu percebi que Dallas iria,
eventualmente, matar o cavalo ou acabaria se matando”. Ele suspirou. “Então eu o
libertei”.
“Você disse que ele não era um homem que deveria ser aborrecido. Isso não o
aborreceu?”.
“Ele estava ainda de cama. Eu já tinha partido a algum tempo quando ele
provavelmente descobriu o que eu fiz”.
“Então você terá de lidar com a raiva dele quando retornar ao rancho”.
“Eu espero que a sua presença o distraia, então ele se esquecerá do cavalo”.
Amelia limpou a garganta. Houston trocou um olhar com ela, e ela ergueu uma
sobrancelha. “Então, logo depois que eu me encontrar com seu irmão pessoalmente,
eu descobrirei se ele me estima mais do que o cavalo?”.
O horror foi visível no rosto dele. “Eu não quis dizer—”.
“Eu sei que você não quis,” Amelia disse, sorrindo enquanto cuidadosamente
dobrava o guardanapo e o colocava sobre a mesa. “Eu terminei de comer”.
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Houston se levantou rápido da cadeira. “Bom. Farei alguém trazer água quente
para o banho. Você vai demorar bastante para ter esse luxo de novo”.
Ele colocou o chapéu na cabeça, ajustando-o naquele ângulo inclinado para o
lado que ela já estava começando a se acostumar. Ele atirou o alforje por cima do
ombro e caminhou para a porta a passos largos que eram compatíveis com sua
altura.
“Dallas é tão alto quanto você?”, ela perguntou.
Ele parou, uma mão sobre a maçaneta. “Mais alto”.
Ele abriu a porta e hesitou. “Eu voltarei em aproximadamente uma hora. Então
nós iremos comprar o resto das provisões”. Ele deslizou para o corredor, fechando a
porta atrás de si.
Amelia saiu da mesa e caminhou até o lavatório e se olhou no espelho. Ela
gemeu. Uma parte do seu cabelo tinha se soltado e estava levantado igual ao pelo de
um gato bravo.
Não era à toa que Houston Leigh tinha evitado olhar para ela.
Ela soltou um suspiro longo. Um banho morno. A compra de alguns
suprimentos. Então ela começaria, a que estava certa de ser, a jornada mais
importante de sua vida.

Capítulo Três

Apertando as cartas de Dallas contra o peito, Amelia se sentou em frente à


janela e assistiu o sol formar sombras matutinas na rua empoeirada. Reunir coragem
nunca tinha parecido tão difícil.
Logo Houston viria até ela, e ela teria que estar pronta para viajar em direção a
um sonho.
Ela leu cada carta de Dallas após o banho. Ele não era um homem de falar com
floreios, ainda assim, ela sempre via beleza nas palavras simples dele. Durante o
tempo em que eles tinham se correspondido através das cartas, ela tinha começado a
conhecer o suficiente sobre o homem, e ela não hesitou em aceitar a proposta de
casamento dele.
Ela apertou as cartas contra os lábios. Ela já nutria um pouco de afeto por Dallas
Leigh. Seguramente, o amor não estaria muito longe.
A batida na porta veio tão suave quanto a luz do sol pálida que vinha através
da janela.
Com a respiração trêmula, ela colocou as cartas preciosas na bolsa de viagem,
levantou o chapéu, e caminhou até o espelho. Ignorando o pássaro do chapéu que ia
para cima e para baixo, ela colocou um alfinete feminino no chapéu a partir da
borda estreita. Embora provavelmente fossem pelo menos mais três semanas até
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que ela se encontrasse com o noivo, ela desejava que ele se recuperasse depressa o
suficiente para que viesse encontrá-los antes do fim da jornada.
Ela ansiosamente cruzou o quarto, colocando os dedos trêmulos em torno da
maçaneta e abriu a porta. A apreensão dela retrocedeu enquanto ela olhava para o
perfil do homem de pé no corredor.
Os fios úmidos do cabelo preto dele esbarravam no colarinho. Ele cheirava a
sabão, e ela percebeu que ele tinha tomado banho também. Ela supôs que a jornada
não teria nenhum luxo para ele, também.
“Pronto?”, ele perguntou com a voz baixa.
“Tão pronta quanto eu sempre estive, acho”. Ela pisou no corredor enquanto ele
caminhava pelo quarto até pegar a bolsa dela.
Ela não conseguia pensar em nada para dizer quando ouviu o clique da porta
ecoando ao longo do corredor, efetivamente dando um fim a uma fase da vida dela.
Ela evitou olhar o homem alto de pé ao lado dela. Ela não queria que ele visse as
dúvidas que brotavam dentro dela como uma criança malcriada que faz uma
travessura: num momento elas tinham ido embora e no próximo elas estavam de
volta brincando com as emoções dela. Ela colocou as mãos no relógio que tinha
guardado num bolso escondido dentro da saia. Ela imaginou que podia ouvir o
marcar constante e pacientemente dos segundos, marcando o transcorrer dos
momentos até que ela colocasse o presente nas mãos de Dallas Leigh, uma mão que
ela tinha certeza que era tão grande e bronzeada quanto a do irmão.
“É melhor a gente ir andando,” Houston disse.
Respirando profundamente, ela uma vez mais, forçou a sua apreensão a
retroceder. “Sim, eu suponho que nós devíamos. Você tem muitos suprimentos para
comprar?”.
“Não muito”.
Em silêncio, ela o seguiu para fora do hotel por sobre a passarela de madeira.
Os passos largos dele não eram tão longos e apressados quanto tinham sido na
véspera. Desfrutando do passo vagaroso enquanto caminhava ao lado dele, Amelia
estudou os edifícios de madeira, os homens curvados enquanto dirigiram as
carroças pelas ruas, os cavalos os levando a destinos desconhecidos para ela. A
antecipação vibrava através da brisa aconchegante. Saboreando o excitamento, ela
acumulou as imagens, sabendo que viria o dia em que ela as compartilharia com
suas crianças, as primeiras impressões de uma cidade que a tinha trazido para mais
próximo de seu destino.
Ela estava tão absorvida com seus pensamentos que quase esbarrou em
Houston quando ele parou, do nada, em frente a uma loja de vestidos.
Ele olhou para a simples placa de madeira como se esta fosse um inimigo
menosprezado. Considerando a prévia pressa que ele tinha em partir para o rancho,
ela achava que esse tempo seria mais bem gasto comprando os suprimentos que ele
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precisava. Ela estava à beira de sugerir que eles fossem andando quando ele
respirou fundo e empurrou a porta e abriu. Sinos tiniram acima da cabeça deles, e
ele se encolheu.
“Entre” ele disse em uma voz baixa.
Confusa pela loja que ele tinha escolhido, Amelia entrou na frente dele. Quando
ela tinha pensado em provisões, achava que eram bens enlatados, utensílios de
cozinha, algum sortimento de bugigangas que as pessoas normalmente compram
em uma loja mercantil ou armazém geral. Ela se perguntou se ele tinha uma esposa
para quem desejava comprar algumas roupas. Ela sabia muito pouco sobre
Houston, mas era reconfortante pensar que ela poderia estar viajando com um
homem, que estava em um lugar que obviamente não queria estar, somente para
comprar um presente. Ela imaginava se a esposa dele seria tão sombria quanto ele,
se era pequena e tranqüila. Muito tranqüila.
Uma mulher forte com cabelo vermelho claro puxou as cortinas atrás do balcão
e entrou quase que valsando na loja. “Eu acharr terr ouvido meus pequeninos
sinos,” ela exclamou em uma voz que insinuava linhagem francesa. As mãos
tremulavam no balcão. “Eu sou Mimi Saint Claire. Proprietárrria e exímia
costureirra”.
Amelia assistiu enquanto Houston dobrava e desdobrava os dedos da mão
antes de levá-las até o chapéu.
“Oh, nossa,” Mimi Saint Claire gritou, apertando a mão contra o peito. Ela riu
nervosamente. “Você me pegou de surrpresa, senhorr. Nas sombras em um
momento, no próximo na luz. O que posso fazerr por você?”
“Ela precisa ser vestida,” Houston disse com a voz tensa.
“Vestida?”, Mimi questionou.
Houston deu um aceno rude com a cabeça.
Atordoada, Amelia olhou fixamente para ele. “Você não quer dizer que vai
comprar roupas pra mim, não é?”.
“Dallas disse que eu deveria comprar para você tudo o que você precisasse
antes da gente voltar”.
“Essa que é a provisão?”.
“É”.
Ela firmou os dedos em volta do braço dele e o puxou para longe do balcão,
buscando um pouco de privacidade.
“Você não pode comprar roupas pra mim” ela sussurrou. Ele olhou fixamente
para a mão dela como se não conseguisse compreender como ela tinha chegado ao
braço dele. Ela estalou os dedos na frente dos olhos dele, tentando chamar sua
atenção e apertou ainda mais a mão que estava no braço dele para enfatizar. “Você
não pode comprar roupas pra mim,” ela repetiu.
Ele voltou o olhar para a mão dela. “Dallas é quem está comprando a roupa”.
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Com um suspiro, ela soltou o braço dele. “Ele já comprou as passagens da
minha viagem. Eu me não sinto confortável com ele gastando comigo o dinheiro
que conseguiu com tanto esforço. E se ele mudar de idéia sobre o fato de se casar
comigo?”.
O pomo de Adão de Houston deslizou devagar para cima e para baixo. “Ele não
mudará de idéia”.
Ela balançou a cabeça ligeiramente. “Você não acha?”
“Eu não sou um homem que mente”.
Mas ele era um homem que se ofendia facilmente, o tom em sua voz indicava
isso. Um irmão que ficava facilmente irritado, outro que se sentia facilmente
ofendido. Ela teria que aprender a lidar com ambos.
Passando os dedos pela roupa gasta, ela olhou com desejo para a loja de
vestidos. “Eu suponho que um—”.
“Cinco”.
“Eu não posso aceitar cinco”.
Ignorando-a, ele dirigiu sua atenção a Mimi Saint Claire, que estava se
debruçando sobre o balcão, tentando ouvir a conversa deles. Ela nem tentou parecer
envergonhada de suas ações, apenas endireitou as costas e prendeu uma mexa solta
do cabelo vermelho ao redor do dedo.
“Ela precisa de cinco vestidos,” Houston disse. “Faça dois para festas. Nós
precisamos deles hoje”.
Os olhos de Mimi se arregalaram. “Cinco? Hoje?” - Ela bateu levemente no
peito e sorriu brilhantemente. “Se sente na caderra, e eu mostrarrei a você o que já
costurrei”.
Como um furacão, Mimi desapareceu atrás das cortinas enquanto Houston
caminhou para o canto. Em vez de se sentar na cadeira com as pernas delicadas que
pareciam que poderiam facilmente se quebrar com o peso dele, preferiu encostar o
ombro esquerdo contra a parede.
Apertando as mãos firmemente, Amelia caminhou através da loja pequena. “Eu
não posso aceitar cinco—”.
“Cinco”.
Ela suspirou profundamente. “Não importa o que eu diga?”.
Ele deu um aceno longo de cabeça. “Contanto que você diga cinco”.
Ela estreitou os olhos, e estudou o homem que estava de pé em frente a ela,
tentando determinar se ele estava brincando com ela. Os lábios dele não tinham se
erguido, nada mesmo, e os olhos não mostravam nada. Na verdade, ele parecia
ainda mais sério do que antes.
“Mademoiselle!”. Mimi Saint Claire mostrou a cabeça por entre as cortinas
desenhadas. “Depressa, entre aqui. Nós devemos mostrarr ao cavalherro as roupas”.
Enquanto Amelia passava pelas cortinas ondulantes, Houston colocou a bolsa
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dela no chão e deslizou a mão para dentro do bolso. Ele ouviu a risada sonora de
Mimi Saint Claire. O riso gentil de Amélia se seguiu ao dela, lembrando-o de uma
chuva na primavera, calmante e doce, o tipo de chuva que um homem
simplesmente tirava o chapéu para poder ser lavado.
O toque dela tinha sido tão suave quanto o riso, mas ele tinha sentido a
determinação que havia nos dedos. Ele ficou surpreso por sentir o calor da mão
pequena dela penetrar através do tecido e chegar à pele dele.
Ele tentou prestar atenção nas vozes, mas não conseguia decifrar as palavras.
Ele se perguntou se Dallas tinha explicado nas cartas que Amelia não teria nenhuma
mulher com quem pudesse sussurrar seus segredos. Apertando mais o chapéu que
segurava, ele se perguntou se Amelia sabia que estava viajando rumo a uma solidão
enorme.
Ela andou entre as cortinas, vestindo um vestido amarelo que tinha babados e
rendas costuradas. Ela olhou de modo incerto.
Mimi Saint Claire foi na direção dela acenando e fazendo um círculo. “Virre,
virre para que possa vê-ra toda”.
Amelia pisou na ponta dos pés. O vestido tinha mais babados atrás do que na
frente. Houston imaginou que se um vento forte soprasse, levaria Amelia Carson e
aquele vestido frívolo através das planícies como as pétalas de um dente-de-leão.
Dallas gostaria desse vestido. Ele gostaria muito. Pena que ele tinha quebrado a
perna.
Balançando a cabeça, Houston pensou que tinha visto alívio nos olhos de
Amelia. “Você tem algo que se parecesse com terra?”, ele perguntou.
O rosto de Mimi Saint Claire se enrugou como se ela tivesse mordido um limão.
“Terrra?”.
Ela agarrou o braço de Amelia, e elas desapareceram atrás da cortina. Na
próxima vez que Amelia surgiu, usava um vestido marrom escuro que combinava
perfeitamente com o chapéu de pássaro. Houston o odiou.
“Eu não disse sujeira,” ele murmurou. “Algo que parecesse com a terra. Algo
como um trevo”.
“Trrevo?” Mimi perguntou. “Você querr verrde?”.
Houston ligeiramente concordou com a cabeça, não realmente certo do que ele
estava procurado, só estaria certo quando visse.
Mimi revirou os olhos. “Que homem prrra falarrr através de enigmas. Porr que
ele não disse verrde?”.
Ela puxou uma Amelia sorridente de volta para trás da cortina. Houston se
perguntou com que freqüência Amelia sorriria no Oeste do Texas, quando o sol
batesse nela, o pó a sufocasse, e percebesse que o vizinho mais próximo estava a um
dia de cavalgada rápida.
Ele desejou poder ignorar o riso que vinha da parte de trás da cortina, mas ele
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foi envolvido tão facilmente que seus dedos acariciavam o delicado bordado que
estava dentro de seu bolso. Ele não tinha mais motivos para manter o pedaço de
pano com ele. Ele se conhecia. Sabia que deveria ter dado o linho bordado de volta
para ela ou o colocado dentro de seu alforje. Em vez disso, ele ficava constantemente
tocando na única coisa que era suave em sua vida.
E olhava fixamente para a cortina, impacientemente esperando ver Amelia
novamente, com aquele clarão nos olhos, o modo como os lábios dela se levantava
fazia crê que estava achando a situação divertida.
A cortina ondulou e Amelia deslizou através dela, usando um vestido com um
desenho de trevo. Não tinha nenhum babado, renda ou lacinho. Era simples e
seguia as curvas dela, como um amante faria.
Cautelosamente estudando ele, ela girou devagar, mantendo o olhar nele até
que foi forçada a girar a cabeça. “Você não gosta desse também?”, ela perguntou.
“Está bom”, ele disse enquanto colocava o chapéu na cabeça e levantava o
alforje. “Pegue esse e qualquer outro que você queira. Não se apresse. Eu vou buscar
a carroça”.
Ele ignorou a expressão desanimada dela e saiu da loja, a porta bateu atrás dele.
Ele a tinha machucado novamente, mas dessa vez ele não tinha tido nenhuma
escolha. Se ele ficasse naquele quarto, ele teria cruzado aquele chão de madeira e
passado os dedos ao longo da delicada garganta dela.
Apenas um dedo, um toque, somente um doce momento... Mas ele o enterrou
no fundo do seu inferno, ele sabia que não tinha nenhum direito de reivindicar
quaisquer momentos doces, especialmente com a mulher que estava prometida ao
irmão.
Respirando com força, ele parou cambaleante e pousou o queixo sobre o peito.
Depois de anos querendo e esperando, ele finalmente tinha a oportunidade de se
provar. Ele só tinha que entregar Amelia Carson segura e intacta nos braços de
Dallas.
Ele nunca tinha percebido que a confiança era um fardo tão pesado.

Amelia olhou fixamente para a porta, desejando que o homem que tinha saído
como uma tempestade retornasse. Num momento ele parecia interessado no
guarda-roupa dela, e no seguinte ele estava saindo como se não conseguisse escapar
rápido o suficiente.
“Ele não gostou desse também?”, Mimi perguntou, com a irritação perceptível
na voz.
“Não, ele gostou deste aqui. É de mim que ele não gosta”.
Mimi virou as mãos em um gesto dramático. “Tolice! Ele adora você”.
Amelia caminhou através de quarto. “Realmente, eu sou um fardo para ele”.
Mimi começou a desabotoar as costas do vestido dela. “Oh, pequena, eu acho
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que você não entende muito do amorr. Um homem só vê uma mulher como um
farrdo se ele achar que não pode agradarrr ela”.
“Tudo que ele tem que fazer é me escoltar até o rancho do irmão. É tão difícil
assim?”.
“Isto, pequena, vai dependerr da jorrnada. Para você, serrrá fácil. Seu coração
pertence a outro, não é?”.
Com a esperança de que ela realmente daria o coração para Dallas logo depois
de encontrá-lo, Amelia concordou com a cabeça.
“Quando um coração pertencerr a ninguém, a jorrnada nunca é fácil”. Com um
floreado, Mimi girou. “Agora, vamos verr o que mais eu tenho que parrece com
chão!”.
Uma hora mais tarde, Amelia deu um suspiro fundo de alívio ao sair da loja de
Mimi vestindo suas próprias roupas. Ela guardaria as roupas novas até que eles
estivessem próximos ao rancho.
“Você conseguiu os cinco vestidos?”, uma voz profunda perguntou.
Amelia se virou. Junto com as sombras finais da manhã, Houston se debruçava
contra a parede.
“Sim, é necessário apenas que você pague por eles, e ela vai embrulhar. Embora
eu não possa imaginar o que eu possivelmente vou fazer com tanta roupa”.
Ele desencostou da parede. “Dallas acha que outras mulheres irão até lá assim
que você chegar. Ele acha que será o rei do Oeste do Texas”. Ele manteve o olhar
dela. “E você será a rainha”.
“Ele é tão bem-sucedido assim?”.
“Ele tem um bom começo, ele é inteligente, e não é um homem de deixar algo
atrapalhar seu caminho”.
“Você é bem-sucedido também?”.
Ele agitou a cabeça. “Não, eu deixo a glória e o sucesso para Dallas e os homens
como ele. Eu só quero assistir o pôr-do-sol em paz”.
Ele puxou o chapéu, e Amelia sentiu que algo mais profundo estava presente
nas palavras dele, algo que ele não tinha vontade de discutir. Embora ela não
pudesse ver, estava certa de que ele tinha construído um muro ao seu redor.
“Olhe em volta e veja se você consegue pensar em qualquer outra coisa que
esteja precisando enquanto eu compro as roupas. Se não, nós partiremos”.
Ele entrou na loja de Mimi e retornou alguns minutos mais tarde com dois
pacotes grandes. “Você pensou em alguma coisa?”, ele perguntou.
“Não, eu já me sinto culpada por tudo que você já comprou”.
“Não se sinta culpada. Dallas não ficará contra as compras. Ele é generoso
demais com as pessoas que são importantes para ele”.
“E você acha que ele virá a se importar comigo?”.
“Ele já se importa, Senhorita Carson. Dou a você minha palavra,” ele disse
27
enquanto andava através da passarela de madeira.
As apreensões de Amelia começaram a se derreter. Talvez o homem por trás
das cartas fosse como ela tinha imaginado. Ela tinha pensado no comentário de
Houston de que ela precisava de roupas para sair. Um dia ela encantaria as senhoras
do Oeste do Texas com festas e telefonemas sociais—da mesma maneira que sua
mãe tinha encantado as mulheres das plantações vizinhas. Talvez como a esposa de
um rancheiro, ela encontraria semelhança na vida que ela tinha conhecido de antes
da guerra, uma vida que ela tinha pensado que seria sua um dia.
Uma vida despedaçada por homens vestidos de azul e cinza desbotados.
Estremecendo, ela apertou os olhos com força e enviou o passado de volta para
o fundo da mente. O futuro estava à frente dela, claro e límpido, com um homem
que tinha mostrado a ela nada além de compaixão e respeito em suas cartas.
Amelia se virou enquanto Houston colocava os pacotes na parte de trás da
carroça. Um cavalo marrom cutucou o ombro de Houston. Ele colocou a mão no
bolso e pegou uma maçã. A égua a agarrou e começou a mastigar sofregamente.
Enquanto Houston puxava a lona para cobrir os suprimentos, segurando-os
com cordas, Amelia viu a corda passar por cima de uma marca feita a brasa no lado
da carroça. Um “A” caído para o lado direito até que tocasse o lado esquerdo de um
“D”.
“O que é isso?”, ela perguntou.
“A marca de Dallas. Um ‘A ' e um ‘D’ Juntos”.
Juntos. Como uma sociedade. Como um casamento. “Ele sempre teve esta
marca?”.
“Não. No princípio, ele tinha apenas o ‘D’ e ele adicionou o ‘A ' quando você
aceitou a proposta de casamento dele”.
Profundamente tocada, ela desejou que Dallas pudesse ter compartilhado este
momento quando ela descobrisse o presente. “Ele nunca mencionou isto nas cartas”.
“Lembre que ele queria fazer uma surpresa”.
“Uma marca é algo importante, não é?”.
“É algo que o homem não escolhe levianamente. Assim como a mudança dela.
“É por isso que você acha que ele se importa comigo?”.
“É uma das razões”.
“E as outras razões?”.
“Eu acho que elas estarão muito óbvias quando nós chegarmos no rancho”. Ele
amarrou um laço no final na corda. “Pronta?”.
Mais que pronta, ela acenou com a cabeça. Ele colocou as mãos grandes na
cintura dela. Ela se segurou nos ombros dele para que fosse levantada e sentasse na
carroça. Ela se sentou e arrumou a saia, tentando não pensar no calor das mãos dele
que tinha se espalhado pela roupa que ela vestia. As mãos de Dallas eram tão
mornas, os ombros tão firmes.
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Houston subiu e se sentou ao lado dela. Ele soltou o freio e fez as rédeas
baterem nas costas das quatro mulas que os levariam. “Bem, Senhorita Carson, dê
uma última olhada pois será a última vez. O lugar para onde estamos indo não
existe nada além de terra, vacas e caubóis”.

Capítulo Quatro

Tinha passado do meio-dia quando eles chegaram a um pequeno córrego.


Enquanto Houston dava água e alimento para as mulas e seu cavalo, Amelia se
sentou em um tronco, usando um garfo para tirar os feijões de uma lata que ele
tinha aberto para ela.
Ela não podia ouvir as palavras, só a voz, enquanto ele conversava com a égua.
Nenhum dos dois tinha falado depois que a carroça tinha ido para longe de Fort
Worth. De vez em quando, ela dava uma olhada por cima do ombro. Ele nenhuma
vez olhou para trás.
Ele cruzou a clareira e se agachou na frente dela, o ombro direito dele próximo
do joelho dobrado dela. O colete preto estava aberto, revelando a arma de fogo
amarrada com uma cinta contra a coxa. Servia como um gentil lembrete de que ela
estava indo em direção a uma terra selvagem.
“Minhas desculpas pela comida simples, mas eu não queria perder tempo
fazendo fogo,” ele disse tranquilamente. “Nós teremos uma comida melhor à noite”.
“Eu estou realmente agradecida por você ter pensado em trazer alguns
enlatados”.
Tirando o chapéu, ele a estudou. “Você já comeu coisa pior”.
Ela sorriu suavemente. “De fato, já comi”.
“Sim, eu também”.
Ficando de pé, ele colocou o chapéu de volta na cabeça. “Você pode se lavar no
córrego. Nós iremos logo”.
Amelia se levantou e começou a caminhar em direção à água.
“Senhorita Carson?”.
Ela olhou por cima do ombro. Seu perfil estava virado para ela novamente, e ele
parecia a estar estudando de longe. “Sim, senhor Leigh?”.
“Uma vez, quando eu parei no córrego para lavar meu colete, eu coloquei meu
chapéu do meu lado. Um guaxinim veio e o levou para longe”. Ele mexeu o queixo
de um lado para outro. “Se você for tirar o chapéu enquanto se lava, algum bicho
pode levá-lo para longe”.
“Eu estou agradecida por você ter compartilhado isso comigo. Eu me
certificarei de que guardarei bem o chapéu”.
Ela achou que ele tinha feito uma careta antes de se virar. Ela andou pela borda
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da água e se ajoelhou. O chapéu, com todos os acessórios, pesava na cabeça dela. Ela
tinha pensado em remover o pássaro ou algumas tiras. Ela até pensou em fingir que
nunca tinha recebido o chapéu, mas ela não tinha nenhum talento para dizer
mentiras. Dallas conseguiria ver através da mentira, e ela não queria arriscar
machucar os sentimentos depois de ele ter feito tanta coisa por ela.
Ela imergiu as mãos na água fresca. Ela não podia recordar de Houston já ter
iniciando uma conversa entre eles. Ele educadamente respondia as perguntas, mas
na maior parte do tempo se mantinha quieto. Ainda assim ele tinha abertamente
compartilhado a história do guaxinim e do chapéu, embora ele parecesse
desconfortável contando sua estória como se temesse que estivesse a ofendendo. Ela
imaginava que ele deveria ter se apegado bastante ao chapéu, já que raramente o
tirava.
Ela viu por um momento seu reflexo oscilar na água, o pássaro ia para cima e
para baixo com o movimento da água. O chapéu era incrivelmente sem atrativos.
Ela o usava porque Dallas tinha enviado para ela, porque ele era um presente e ela
tinha recebido pouquíssimos em sua vida.
Ela olhou por cima do ombro e se perguntou se Houston não estava oferecendo
a ela um presente também: um jeito honrado de perder o chapéu sem machucar
ninguém.
Ela se levantou e caminhou para a carroça onde ele estava apertando as cordas
que seguravam a lona em cima das provisões. “Você não gosta do meu chapéu,” ela
declarou no tom mais neutro que pôde encontrar.
Ele visivelmente petrificou, as mãos congeladas. “Não, madame”. Ele tirou o
chapéu e encontrou o olhar dela. “Eu acho que é a coisa mais horrorosa que eu já
vi”.
Amelia soltou um grito minúsculo e cobriu a boca.
O remorso ficou visível no rosto dele. “Minhas desculpas, senhorita Carson. Eu
não tinha o direito—”.
“Não!”, ela levantou uma mão para pedir que ele parasse as desculpas e moveu
a outra mão para longe do rosto para revelar um sorriso. “Eu também acho que é
terrível”.
“Então por que, em nome de Deus, você está usando isto?”, ele perguntou,
claramente atordoado.
“Porque ele foi um presente do seu irmão”.
Ele bateu o chapéu contra o colete. “Bom, ele não é muito útil. A ponta do seu
nariz já está começando a ficar vermelha”.
Amelia apertou a ponta do nariz com os dedos. Ela podia sentir o leve pinicar
na pele. Ela tinha usado chapéus para proteger o rosto enquanto trabalhava nos
campos de algodão durante a guerra. Ela desejava não ter que usar um chapéu
novamente. “Eu não gosto muito de chapéus,” ela disse enquanto morda o lábio
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inferior.
“Se um guaxinim o levasse para longe, você poderia pegar emprestado o
chapéu que eu comprei para Austin,” ele ofereceu.
“Você acha que ele se importaria?”.
Ele encolheu os ombros. “Se ele se importar, pode continuar com o chapéu
velho. Eu acabei de comprar isto porque eu não sabia de alguma outra coisa para
comprar para ele, e nós não veremos outra cidade tão cedo. Ele pode nem querer o
chapéu”.
“Eu não quero magoar Dallas. O chapéu foi um presente—”.
“O chapéu era um modo de eu te reconhecer. E eu te reconheci”.
Uma ponta de culpa ficava incomodando a consciência dela. “Você acha que ele
usará a faixa que eu bordei ao redor do chapéu?”.
“Não, madame. Eu posso garantir a você que ele não usará”.
“Suponho que eu posse então guardar o chapéu”.
“Não tem lugar na carroça para mais nada”.
Ela sabia que era uma mentira. Um pouco menos do que metade da carroça
estava vazia. “Você realmente detesta o chapéu”.
“Se você guardar o chapéu, chegará um dia em que Dallas vai querer que você
o use... na frente de pessoas que ele precisa que o respeite. Do modo como eu vejo as
coisas, no final das contas, você estará fazendo um favor a ele se não o carregar”.
“Existem guaxinins por aqui?”.
“Sim, madame”.
“Eu acho que preciso dar uma boa esfregada no rosto”.
Ele concordou com a cabeça. “Eu acharei um chapéu para Austin”.
Amelia caminhou para o córrego e se ajoelhou. Pegou o chapéu, tirou-o da
cabeça e o estudou. Dallas o tinha comprado para ela para que assim ele pudesse
identificá-la. Tinha servido o propósito. Ela o deixou ao lado dela e violentamente
esfregou o rosto, rezando para que ele nunca descobrisse a desonestidade dela. Ela
ergueu a saia e enxugou a água fresca do rosto antes de lançar um olhar de lado
para o chapéu. Permanecia intacto.
Ela se pôs de pé e caminhou para a carroça. Houston deu a ela um chapéu preto
de abas largas.
“Você está certo de que Austin não irá se importará?”, ela perguntou enquanto
ajustava o chapéu na cabeça.
“Eu estou certo”. Ele colocou as mãos na cintura dela e a ergueu para que
subisse na carroça, e se sentou ao lado dela.
“Eu me sinto culpada,” ela disse enquanto ele agarrava as rédeas.
“Não se sinta”.
Ele sacudiu as rédeas e as mulas começaram a puxar a carroça. Amelia esperou
até que a carroça passasse sem tocar a corrente rasa e olhou para trás. O chapéu
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permanecia onde ela o tinha deixado.
“Você realmente acha que um guaxinim o levará?”, ela perguntou.
“Sim, madame. Talvez não hoje ou amanhã. Mas algum dia”.

O fogo suavemente crepitava, atirando faíscas na noite. Apesar da imensidade


do céu escuro, uma intimidade morava dentro do acampamento pequeno, uma
intimidade que não existia em Fort Worth. Amelia se perguntava se talvez ela
houvesse aqui porque eram apenas os dois, sozinhos, cercados por nada além das
sombras escuras do desconhecido.
Ela deu um olhar furtivo para seu companheiro ambulante enquanto ele se
sentava em um tronco próximo e colocava feijões na boca. Eles viajaram pela tarde
em silêncio, os pensamentos dela se dirigiam em direção ao chapéu e o guaxinim, os
pensamentos dele... Ela não tinha nenhuma idéia do rumo dos pensamentos dele.
Ele montou uma barraca, preparou os animais, e cozinhou uma refeição,
falando somente quando necessário para expressar suas necessidades. Enquanto ele
preparava o acampamento, ele se movia com graça e sem esforço mantinha o lado
direito do corpo voltado para ela. Ela não estava certa se ele buscava proteger o
rosto cicatrizado ou se tentava protegê-la dessa visão. Talvez fosse um pouco de
ambos.
“Você é casado?”, ela perguntou tranquilamente.
Ele saltou como se ela tivesse dado um tiro de rifle. O garfo dele bateu no prato
de lata e caiu no chão. Ele o pegou, limpou na perna da calça comprida, e começou a
mover os poucos feijões restantes ao redor do prato. “Não”.
Ele meteu o garfo com feijões na boca.
Ela sabia que os pais tinham vivido no Texas quando as crianças tinham
nascido. Ela se perguntou se eles tinham vivido em algum outro lugar. “Você
cresceu no Texas?”, ela perguntou, tentando fazê-lo falar sobre a infância, uma
infância que incluía Dallas.
“Não. Vivemos no Texas quando éramos crianças. Crescemos fora do Texas”.
Ela enrugada a testa. “Quando você deixou o Texas?”.
“Quando a guerra começou. Quando meu pai se alistou, ele mandou que Dallas
e eu fôssemos com ele”.
Trechos das cartas de Dallas voltaram à mente dela. A vida militar dele tinha-na
surpreendido, dando orgulho a ela, mas ela tinha achado que Dallas tinha quase
trinta anos e baseado no conhecimento, ela achava que ele tinha se alistado próximo
do fim da guerra. Ela se perguntou se tinha interpretado mal as cartas, julgando mal
a idade dele. “Você tinha quantos anos?”
“Doze. Dallas tinha quatorze anos”.
“Vocês eram crianças” ela sussurrou, lembrando de tantos rostos jovens que
tinham desfilado ao longo da estrada poeirenta em frente à plantação dela.
32
“Meu pai achava que a gente tiinha idade suficiente. Dallas estava comandando
sua própria unidade quando tinha dezesseis anos”.
A comida revirou no estômago dela. “Sim, ele me falou detalhadamente a
respeito das realizações dele. Eu apenas não tinha parado para pensar como ele era
jovem quando se alistou. Às vezes, eu me pergunto se não foi na verdade uma
guerra de crianças”.
Ele foi até o fogo. “Mais café?”.
“Não, obrigada”.
Ela o observou enquanto ele despejava a bebida preta na xícara de lata antes de
ela recusar. Ela teve a impressão de que a ida dele até o fogo tinha sido seu jeito de
mostrar a ela que ele não estava a fim de conversar. Já que ele tinha aversão a
conversar sobre a guerra, ela tinha decidido não obrigá-lo.
“Eu posse te pedir um favor?”, ela perguntou.
Houston tinha travado uma batalha a noite toda, lutando para manter sua
atenção focada no contorcer das chamas que dançavam na noite em vez de olhar
para a mulher que se sentava ao lado dele. Ele achava que Dallas não iria gostar de
saber quanto prazer dava a ele assistir Amelia, a melodia da voz dela, um sotaque
suave do sul que saía pausadamente, sem pressa de chegar a algum lugar, a
esperança ecoando nas palavras, era uma perdição para ele. Admitindo derrota, ele
ligeiramente desviou o olhar dela, e concordou com a cabeça.
“Quando seu irmão e eu escrevemos um para o outro, nós não nos
descrevemos, por isso que nós tivemos que enviar algo para nos identificarmos.
Estava pensando se eu poderia dizer como eu acho que ele deve ser e, se eu estiver
errada, você me corrige”.
“Eu posso dizer a você como ele é”.
Ela mexeu a cabeça com força. “Não, eu quero ver o quão íntima eu sou dele
para imaginá-lo como ele realmente é”.
Ela se sentou em um tronco pequeno, parecendo com uma menina que esperava
ganhar um pedaço de doce. Ele estava disposto a dar a ela todas as informações,
mas, em deferência ao irmão mais velho, Houston simplesmente encolheu os
ombros. “Vá em frente”.
Ela mordeu o lábio inferior. “Certo. Eu sei que ele é alto, já que você disse isso
para mim. E eu sempre pensei que ele tinha cabelo preto, como o seu. Só que não tão
longo. Eu acho que o cabelo dele cobre apenas as orelhas. Não passa nem perto dos
ombros”.
Houston movimentou a cabeça devagar, e os olhos dela brilharam. Ele
imaginou o quanto Dallas se divertiria tentando manter aqueles olhos brilhando. Ela
parecia ser incrivelmente fácil de agradar.
Ela fechou os olhos por um momento, então os abriu rápido. “Olhos azuis”.
Maldição! Ele detestou ter que desapontá-la. Ele agitou a cabeça lentamente.
33
“Austin pegou os olhos azuis da nossa mãe”.
“O de Dallas é marrom como o seu?”.
“Mesma cor, mas ele tem dois”.
Ela se virou para frente, os olhos se encheram de piedade, e ele desejou ter
mantido a boca fechada e não ter tentado implicar com ela. O que diabos ele sabia
sobre isso? Por algum motivo, ele queria ouvir novamente a risada dela como
quando ela estava com Mimi Saint Claire. E ele não queria, absolutamente,
nenhuma piedade.
“Que idade você tinha quando foi ferido?”, ela perguntou baixinho.
“Quinze. Achei que você queria saber sobre o Dallas”.
Endireitando-se, ela deu a ele um sorriso vago, e ele percebeu que a tinha
machucado novamente. Maldição, ele se odiava quando fazia isso.
“Você está certo,” ela admitiu. “Meus interesses estão em Dallas”. Ela franziu as
sobrancelhas delicadas.
“O nariz dele é reto, não muito grande, não muito pequeno, e fica no meio do
rosto”.
Ele estava à beira de perguntar onde mais ela achava que iria encontrar um
nariz quando ele notou o brilho nos olhos dela. Ela já o perdoara por sua grosseria, e
estava implicando com ele. Ela fazia isto com uma grande facilidade. Ele invejava
essa habilidade dela e não fez nada além de concordar com a cabeça.
“Ele tem uma mandíbula forte”, ela disse.
Ele agitou a cabeça ligeiramente, e o olhar dela se apagou.
“Ele não tem uma mandíbula forte?”, ela perguntou.
“Não tem, nunca o vi lutar com um boi no chão”.
O clarão que iluminou os olhos dela era suficiente para cegar um homem. O
sorriso. A risada. Por Deus, um homem podia começar a acreditar no céu, anjos e na
paz eterna.
Ela riu tanto que teve que enxugar uma lágrima no canto do olho. “Eu queria
dizer que ele tinha um queixo definido, como o seu”. Ela alcançou o rosto dele e
arrastou os dedos junto ao queixo.
Ele pulou para trás como se tivesse chamuscado a carne contra uma chapa de
ferro incandescente. Ele podia perceber a dor e a confusão nos olhos dela, mas ele
não podia explicar a ela sobre as necessidades que passavam pelo corpo dele com o
simples toque dela, um toque que pertencia exclusivamente ao irmão dele.
“Eu sinto muito,” ela gaguejou.
Ele se abaixou em frente ao fogo. “Não se desculpe. Amanhã será um dia longo.
É melhor que você vá descansar um pouco. Você pode levar um lampião para a sua
barraca. Eu quero partir ao amanhecer”.
“Devo lavar o prato naquela balde de água quente?”.
“Não. Eu aqueci a água para você. Só deixe seu prato perto do tronco, eu
34
cuidarei disso”.
Pegando o lampião e o balde de água, Amelia começou a caminhar em direção
à barraca.
“Senhorita Carson?”.
Parando, Amelia se virou. Ele permanecia de pé, ao lado do fogo, as sombras
brincando com o seu perfil. “Sim, senhor Leigh”.
“Dallas tem bigode”.
“Bigode?”.
“Sim, um daqueles bem cheios. Caem ao redor da boca. Ouviu uma mulher
dizer que ele era tão bonito quanto o pecado”.
“Obrigado por compartilhar essa informação comigo. Eu nunca o imaginei com
um bigode. Boa noite, Senhor Leigh”.
“Noite, madame”.
Ela entrou na barraca de lona, o encerado que ele usava para cobrir os
suprimentos servia como colchão. Ela colocou um lampião na mesa pequena e abriu
a bolsa. Cuidadosamente, ela tirou uma pilha de cartas. Ela desatou a tira e tirou a
primeira carta do envelope. Sentada na extremidade da cama estreita, ela tentou
imaginar uma imagem de Dallas Leigh já que agora ela sabia como ele era. Olhos
marrons. Bigode espesso.

21 de abril de 1875.
Querida Carson: Eu li o anúncio no qual você está buscando um marido. Se
você ainda estiver disponível, eu estou buscando uma esposa.
Eu estou com boa saúde, tenho todos os dentes, e me considero agradável aos
olhos. Eu tenho terra, gado, e o sonho de construir um império de gado como este
grande estado nunca viu.
Por favor, escreva de volta se você ainda não estiver casada, e terei o prazer de
lhe contar os detalhes.
Seu,
Dallas Leigh.

Um homem honrado teria olhado para outro lado.


Mas Houston Leigh nunca tinha sido um homem de honra.
Ele se deitou no catre ao lado do fogo, as sombras o rodeavam, o olhar se voltou
para a barraca.
Ele não tinha percebido, até que apagou o fogo e lançou o acampamento na
escuridão, que a luz do lampião dela formava sombras visíveis pelo lado de fora.
Ele podia ver a mulher sentada na cama lendo uma carta. Lendo com aqueles
olhos verdes da cor de trevo que se escurecia cada vez que ela falava.
Ela já estava lendo há algum tempo. Ele gostava de vê-la colocar uma carta no
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lugar e tirar uma outra carta do envelope. Os movimentos dela eram elegantes,
refinados, práticos, como se ela frequentemente lesse as cartas. Ele se perguntou se
ela ficava lendo as cartas que Dallas escrevia para ela. Ele se perguntava o quê
exatamente Dallas tinha dito a ela sobre os irmãos, e se condenava por se importar
com isso.
Ela colocou as cartas em uma mesa pequena ao lado da cama, a mesa que tinha
deixado o lampião. Ela levantava os braços acima da cabeça e quase encostou no
topo da barraca.
Quando ela abaixou os braços, começou a tirar os alfinetes do cabelo. Ele viu a
sombra do cabelo dela cair além dos ombros e os juntar atrás da cabeça.
Suas mãos se juntaram, e ele não tinha forças para desviar o olhar. Ela alcançou
a bolsa e pegou a escova. Lentamente, ela passou a escova pelo cabelo.
Ele contou as passadas.
E sentiu inveja da escova.
E invejou o irmão, que teria o privilégio de assistir a mulher sem a barraca para
separá-los.
Cem vezes. Cem longas e torturantes vezes.
Ela fez uma trança no cabelo. Ele achava um crime prender algo tão bonito.
Prender um cabelo glorioso em forma de trança, prender uma mulher adorável em
um rancho isolado como o West Texas.
Lentamente, ela tirou a roupa, cada peça, até que não sobrou nada além da
sombra da sua pele. O corpo dele reagiu a esta visão e ele colocou a mão envolta do
cobertor. O suor brotou na testa, no tórax e na garganta dele.
Ele rezou para que uma brisa fresca soprasse próximo ao seu corpo e levasse
parte do calor, mas o calor só intensificou quando ela colocou um pedaço de pano
no balde e se curvou para pegá-lo. Ela inclinou as costas para trás, ergueu os braços,
apertou o pano, e deixou as gotas escorrerem pelo rosto, ombros... e os seios.
Vagarosamente, ela passou o pano junto à garganta, seguindo a trilha das gotas
até a parte inferior do corpo.
Houston se imaginou sentindo o pulso do coração dela, o calor da pele. Ele
imaginou um vôo livre de suas mãos pelo corpo dela em vez do pano, sua mão
tocando as curvas dela, os lábios deixando uma trilha úmida por sobre a pele.
Virando de lado, ele trouxe os joelhos em direção ao tórax como uma criança
tentando se proteger da solidão dolorosa. Uma lágrima solitária deslizou junto a sua
bochecha.
Ele tinha os cavalos. Ele tinha a solidão. E nas noites quando a lua estava cheia,
ele podia olhar através da vasta pradaria e ouvir nada além do mugido do gado
distante, o sussurro do vento, e a promessa de um amanhã.
E se existiam momentos como este aqui, quando ele desejava algo mais, ele
tinha que olhar o próprio reflexo nas águas quietas de uma lagoa para se lembrar de
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que ele merecia menos.
Muito menos.

Capítulo Cinco

Amelia despertou com o odor de café forte preenchendo o ar. Ela tinha a
sensação de que ele seria tão espesso quanto um bom melaço em dia de inverno.
Fazendo uma ligeira careta, ela rolou para fora da cama. Todos os músculos, todos
os ossos protestavam contra os movimentos.
De pé, ela colocou as mãos na cintura e esticou as costas. Ela se perguntou se ela
faria caminhada durante parte do dia. Sentar em uma carroça o dia todo era ruim
para o corpo.
Usando a água restante da noite anterior, ela depressa lavou o rosto, então
separou as mexas da trança, escovou o cabelo, e o juntou em um coque. Ela olhou
para sua roupa, desejando agora que tivesse tirado um tempo para lavá-la enquanto
eles estavam próximos do córrego. Ela não tinha nenhuma idéia se eles teriam água
todas as noites.
Ela cuidadosamente colocou todos os pertences dentro da bolsa de viagem,
dobrou os cobertores que cobriam a cama, e apagou o lampião. Era uma coisa
infantil, realmente, dormir com uma chama queimando ao lado.
Cautelosamente, não muito certa do que encontraria por trás da barraca nesta
manhã, ela deslizou os dedos na sua abertura e deu uma espiada pela pequena
abertura. Ela podia ver Houston abaixado na frente de um pedregulho com uma
navalha nas mãos. Ele tinha colocado um espelho, não maior do que a palma da
mão dela, na pedra e o encostado contra a árvore. Ele balançou a cabeça
ligeiramente e deslizou a navalha por cima da garganta, tirando a espuma.
Amelia saiu da abertura, e com excitação pulsando nas veias, abriu a bolsa e
colocou as mãos no lado de dentro. Ela retirou um espelho de mão grande que tinha
pertencido a sua mãe.
Ela saiu com pressa da barraca, agradecida por ter, afinal, um modo de
agradecer a tudo que ele tinha feito por ela: a barraca, o fogo, as comidas, a água
morna. “Senhor Leigh!”.
Ele se virou, com as sobrancelhas muito frisadas.
“Você pode usar meu espelho,” ela disse com êxtase enquanto o empurrava em
direção a ele.
Balançando a mão no ar, ele saltou para trás como se ela estivesse oferecendo a
ele uma serpente. “Deus todo-poderoso! Tire isso de perto de mim!”.
Amelia abraçou o espelho contra o peito. “Mas é bem maior que o seu. Eu achei
que seria mais fácil para barbear”.
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“Eu nem sei por que perco tempo me barbeando,” ele murmurou enquanto
levantava o espelho pequeno e o jogava em cima de uma caixa junto com o resto do
equipamento de barbear. “Faça tudo o que precisa para se arrumar. Café e biscoitos
estão perto do fogo. Nós sairemos antes do café da manhã”.
Os olhos dela se encheram de lágrimas enquanto saía correndo como se sua
vida dependesse disso. Ela apertou ainda mais o espelho contra o peito. Ela se
perguntou se ele usava o espelho menor para não ter que ver o rosto todo, mas
apenas pedaços, talvez assim ele pudesse fingir que não tinha o rosto desfigurado.
Ele só tinha quinze anos quando tinha sido ferido. Ela tentou imaginar como
tinha sido devastador para um menino de quinze anos descobrir que uma parte do
rosto tinha sido devastado pelo fogo inimigo. Um homem mais velho que não desse
muito valor para as aparências poderia ter se aceitado, mas um homem jovem que
ainda tinha que cortejar uma garota e casar poderia se esconder do mundo.
Toda conversa que eles compartilhavam—exceto uma – tinha começado com
ela fazendo uma pergunta. Ela acreditava que ele a considerava um fardo. Agora,
ela se perguntava se talvez ele simplesmente não tivesse tido nenhuma experiência
social. Ele sempre olhava como se estivesse buscando algo. Será que ele estava
procurando as palavras certas para dizer?
Ela pegou o espelho e estudou seu reflexo. Ela não tinha vaidade, mas não
conseguia se imaginar evitando olhar o próprio rosto. Ela pensou no modo como ele
puxava a borda do chapéu para baixo, ficando contra as paredes, ou de pé nas
sombras. Ela tinha a sensação de que Houston Leigh carregava outras cicatrizes que
eram visíveis somente dentro do coração.

Houston se ajoelhou ao lado do riacho, o hábito o forçava a agitar a água antes


de se debruçar para encher as cantinas. Ainda assim a água mostrava a ele o reflexo
de um homem.
Ele endireitou as costas, fechou as cantinas, e esfregou a mão no rosto. Ele devia
desculpas a ela novamente. A reação de generosidade dela o tinha assustado. Ele
tinha visto naqueles olhos da cor de trevo o reflexo do coração dela, tão aberto
quanto um livro. Eles tinham se enchido de alegria quando ele se virou, e ele os
deixou ir embora cheios de desespero.
Ele se sentiu como se tivesse esmagado uma linda borboleta por ter tido a
ingenuidade de ter pousado no ombro dele.
Ele fechou os olhos evitando a memória da noite anterior. Ele a devia desculpas
por causa disso também, embora ela não tivesse como saber o que tinha acontecido
no acampamento depois que ela tinha entrado na barraca. Como um homem se
desculpa por ter se aproveitado de uma situação sem causar um dano ainda maior?
De uma forma ou de outra ele precisava fazer algo. Os pensamentos luxuriosos
dele não tinham lugar nesta viagem.
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Ele pegou uma vara e desenhou um “A” na lama. Ele levou a vareta para o lado
direito até que a ranhura ficasse funda e a água começasse a enchê-la. Então ele
escreveu um “D” e olhou fixamente para marca do irmão, tentando guarda-la na
mente e no coração.
Ele sabia que o casamento que aconteceria quando eles chegassem ao rancho
era apenas uma formalidade. Até onde Dallas estava ciente, Amelia tinha se tornado
a esposa dele no dia em que ele tinha juntado a inicial dela com a dele. Houston
tinha que se lembrar disso.
Ele lançou a vara barrenta de lado, se forçou a ficar de pé, e voltou ao
acampamento, carregando as desculpas como se elas fossem um filhote de cachorro
não desejado.
Ele parou no meio do caminho, as palavras que estava praticando ficaram
esquecidas quando ele olhou para Amelia que caminhava pelo acampamento, com a
mão cobrindo o olho esquerdo. Ela bateu numa pedra, tropeçou, perdeu o
equilíbrio, olhou para baixo, o olho ainda coberto, e falou com a pedra como se ela
fosse alguma criança que tinha entrado no caminho. “Oh, eu não tinha te visto”.
Ela ergueu o olhar e continuou vagando na área pequena, com a saia indo
perigosamente na direção do fogo.
“O que diabos você acha que está fazendo?”, ele berrou.
Ela se virou. As bochechas pegando fogo enquanto abaixava as mãos. “Eu
estava tentando ver o mundo como você”.
Ele se agachou diante do fogo e despejou o restante do café nas pequenas
chamas. “Acredite em mim, você não vai querer ver o mundo como eu vejo”.
Com passos hesitantes e curtos, ela chegou mais próximo do fogo, torcendo as
mãos. Ele sabia que deveria se desculpar agora, mas, droga, ele não conseguia se
lembrar das palavras que queria usar.
“Eu notei que você tenta mostrar para mim apenas... seu... seu lado direto. Eu
achei que era porque você estava tentando me poupar da visão das suas cicatrizes.”
As palavras dela o cortaram como uma faca. Se ele pudesse, a pouparia
completamente da presença dele. Maldito Dallas. Todas as seis balas não seriam
suficientes para satisfazê-lo.
“Eu percebo agora que sua vista é embaraçada,” ela continuou.
“Eu sou como um cavalo que usa uma viseira dos lados, então só ficou a direita
para mim,” ele disse rudemente.
“Eu não queria te deixar sem-jeito”.
“Não estou sem-jeito. Só que você foi perto demais do fogo e deixou sua saia
queimar”.
“Oh”. Ela mordeu o lábio inferior. “Pelo menos você não tem que fazer mira
quando usa um rifle”.
Os olhos dele se endureceram ante a piedade que encheu aqueles olhos verdes,
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junto com lágrimas.
“Eu estava tentando pensar em uma razão pela qual você pudesse ser
agradecido por ter perdido um olho. Eu sei que é uma razão tola, mas às vezes
quando eu fico aborrecida com algo se eu conseguir achar uma razão para me sentir
agradecida—”.
Ficando de pé e o mais reto que podia, ele olhou para ela. “Você sabe o que me
deixaria agradecido, senhorita Carson?”.
Ela agitou a cabeça ligeiramente.
“Se eu tivesse perdido ambos os olhos”.

Com o início do pôr-do-sol, Amelia esfregou a blusa com força no balde com
água morna que Houston tinha trazido—em silêncio. Ele não tinha falado nada
desde a manhã. Ele grunhiu, disse sim, disse não, e na maior parte do tempo a
deixou sozinha.
Eles tinham levantado acampamento um pouco mais cedo do que eles tinham
feito no dia anterior porque ele queria que eles se mantivessem o mais próximo
possível da água. Ele caçou uma lebre para o jantar. Amelia queria cavar um buraco
e se enfiar nele quando ele tinha andado a passos largos no acampamento com a
lebre e o rifle. Como ela pôde dizer aquelas coisas pela manhã? Como ela poderia
ter pensado que ele ficaria agradecido pela perda de um olho ou com as cicatrizes
de um rosto que ela tinha certeza que teria feito as mulheres desmaiarem por causa
da beleza?
Ela sabia que poderia se desculpar cem vezes, mas isso não seria o que Houston
Leigh queria... Ou precisaria. Ele precisava ser aceito como era, aprender que ele não
tinha que se esconder atrás de muros que ele mesmo construía.
Levantando-se, ela jogou a blusa na carroça, alisou para que saíssem as rugas
para que o tecido secasse até a noite. Ela passou os dedos por cima da marca de
Dallas. Ela tinha esperado muito mais desta viagem: risos, beijos roubados,
promessas de felicidade.
Ela devia deixar Houston ficar se lastimando do mundo que ele não tinha
nenhum desejo de compartilhar. Ela devia focar os pensamentos em Dallas e em
como ela poderia fazê-lo mais feliz. Ela não estava aprendendo muito a respeito do
irmão, mas talvez se ela lesse as cartas dele novamente, ela poderia descobrir algo
que tivesse deixado passar.
Ela esvaziou a água do balde, endireitou as costas com um suspiro, e começou a
caminhar em direção à barraca e a solidão.
O relincho do cavalo chamou sua atenção. Olhando em direção à área onde
Houston tinha amarrado as mulas, ela parou.
Houston tinha se sentado em um tronco, deixando o lado esquerdo voltado
para ela para que assim não pudesse vê-la. Ele colocou um tabuleiro de xadrez em
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cima de um toco de árvore. Ao lado dos pés estava o colete dobrado, e o chapéu em
cima dele.
Ele era mais magro do que ela esperava, e ainda assim ela viu que os ombros
dele eram proeminentes quando ele apoiou o cotovelo na coxa e apoiou o queixo na
palma da mão. Ele dobrou suas mangas, e ela podia ver a força dos antebraços dele.
Em frente a ele, o cavalo bufou.
“Você tem certeza?”, Houston perguntou.
O cavalo concordou com a cabeça, balançando-a para cima e para baixo.
“Certo,” Houston respondeu e moveu uma peça de xadrez preta através do
tabuleiro. Ele prontamente pegou uma de suas peças brancas e saltou por sobre uma
peça preta que ele tinha acabado de mover.
O cavalo relinchou, abaixou a cabeça, empurrou o tabuleiro de xadrez em
direção à árvore.
“Que droga! Você é um mau perdedor,” Houston sussurrou severamente.
Rindo, Amelia abordou a dupla. Em um movimento rápido, Houston agarrou o
chapéu, o colocou na cabeça, ficou na ponta dos pés, e se virou.
“Achei que você estava lavando suas roupas,” ele disse através das sombras do
chapéu.
Ela não se ofendeu com as ações dele, mas a tristeza brotou dentro dela. Ele
confiava no cavalo, mas não confiava nela. Ela tentou não mostrar o que sentia
enquanto passava a mão nos ombros do cavalo. “Eu estava, mas não se leva muito
tempo para lavar uma blusa”. Ela olhou para ele especulativamente. “Eu suponho
que deveria ter me oferecido para lavar sua camisa”.
“Isto não é necessário. Em uma comitiva de gado, um homem se acostuma a
ficar com as roupas sujas durante um bom tempo”.
“Mas nós não estamos em uma comitiva de gado. Eu lavarei sua camisa
amanhã”.
Ele abriu a boca para protestar, e então a fechou.
Amelia apertou o rosto contra o pescoço do cavalo. “Eu nunca mencionei que
acho seu cavalo bonito. Eu achei que ela era marrom, mas às vezes quando o sol
bate diretamente no pelo, ela parece vermelha”.
“Ela é da raça Sorrel. Velocidade e resistência são seus pontos fortes, além de
ser muito esperta”.
Ela estudou o homem que falava sobre o cavalo com afeto óbvio. Ela se lembrou
da descrição que ele tinha feito do cavalo que quebrou a perna de Dallas. “Você sabe
muito sobre cavalos”.
“Eu crio cavalos selvagens. É meu trabalho conhecer o temperamento dos
cavalos. Os cavalos selvagens são normalmente fáceis de lidar. A cor determina o
cavalo. Um pardo com juba e rabo preto é robusto, um albino é inútil, um negro é
um bom cavalo, a menos que tenha rabo e juba ondulada”.
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“Isto é impressionante,” ela disse tranquilamente, mais impressionada com a
quantidade de coisas que ele tinha falado do que com o que ele tinha dito. “Você
cria cavalos?”.
“Estou começando. Eles costumavam correr em liberdade pelo Texas mas eles
estão ficando cada vez mais difíceis de encontrar, então eu terei que fazer eles
procriarem”.
Ela esfregou o focinho do cavalo. “Qual é o nome dela?”.
“Sorrel”. Ele ergueu os ombros. “Leve em conta que eu recebi tanta imaginação
dos meus pais”.
Ela riu ligeiramente, encantada com a conversa. Embora ele ainda usasse o
chapéu, ele tinha relaxado a postura. Ele parecia ficar mais à vontade com cavalos
do que com pessoas. Ela se perguntou o que o faria ficar confortável ao redor dela, o
que teria de acontecer para que ele deixasse o chapéu no chão. “Eu jogo xadrez.
Provavelmente melhor do que seu cavalo”.
Ele estreitou os olhos. “Meu cavalo joga bem”.
Ela levantou o queixo. “Eu jogo melhor”.
“Vamos ver se é verdade?”.
Ela achou que ele nunca perguntaria, mas decidiu não mostrar muito
entusiasmo. Ela não queria espantar a companhia dele da sombra refrescante. Ela
simplesmente andou até o tronco onde ele estava sentado e levantou o rosto em
desafio, “Por que não?”.
Ele, rápido como uma bala, juntou o tabuleiro e as peças, e os colocou
cuidadosamente sob o toco da árvore. Empurrou Sorrel com graça enquanto o
cavalo cutucava seu ombro. “Esse jogo não é seu. Saia daqui”. Então ele se abaixou,
sentou sobre as coxas, e o jogo começou.
Amelia nunca tinha visto ninguém se concentrar tanto em um jogo. Houston se
equilibrava nas pontas dos pés, com os cotovelos sobre as coxas, a palma da mão
apoiando o queixo, estudando cada movimento que ela fazia como se fossem
igualmente importantes.
Ela se lembrou de jogar xadrez com o pai antes da guerra. Os jogos eram
rápidos, e normalmente terminava com os dois rindo, nenhum deles ganhava. Ela
estava começando a entender porquê o cavalo de Houston pisou no tabuleiro.
“Meu pai me ensinou a jogar xadrez,” ela disse. “Se eu achasse que iria perder,
eu movia as peças quando ele não estava olhando. Ele sempre fingia não notar”.
“Você diz como se tivesse amado seu pai”.
“Claro que eu amei. Muito. Ele era meu pai. Você não amou o seu?”.
“Particularmente, não”.
Ela sentiu pelo aperto do queixo dele que ele deveria ter se arrependido por ter
falado isso.
“Sua vez”, ele murmurou.
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Ela prontamente mexeu outra peça do tabuleiro e esperou o longo tempo em
que ele planejava a estratégia. Com o dedo polegar, ele levou o chapéu para cima da
sobrancelha. Com a atenção claramente focada no jogo, ela estava certa de que ele
não tinha percebido que tinha permitido as sombras escaparem do rosto. Ela deu
boas-vindas à oportunidade de visualizar mais do que o perfil dele. O tapa olho
preto era maior do que a maioria dos que ela já tinha visto. Ela supôs que ele queria
deixar as cicatrizes o menos visível possível. Os dedos dela se dobraram da mesma
maneira que ela tinha feito na primeira vez em que eles se encontraram, ela sentiu
uma imensa vontade de tocar nas cicatrizes pouco apresentáveis dele com
compaixão. Ela imaginou abraça-lo contra o peito dela, aliviando a dor que existia
dentro do olho restante.
Um calor inesperado a envolveu como se ela estivesse andando muito perto de
uma chama. Ela fechou os dedos bem apertados para fazê-los parar de tremer, para
que eles não fossem à direção a um rosto que a fascinava com a história que
revelava. O rosto arruinado de Houston não deixava nenhuma dúvida de que ele
tinha lutado na guerra. Ela se perguntou se o semblante de Dallas revelaria mais
coisas.
“Dallas foi ferido durante a guerra?”, ela perguntou.
Houston arrastou o dedo na borda do chapéu, trazendo as sombras para o
rosto. “Não”.
Ela se puniu, se perguntando se ela alguma vez tinha lembrado como conversar
sobre a guerra distanciava Houston. Embora ele se sentasse em frente a ela, ela
sentia que ele estava se distanciando. Ela queria desesperadamente mantê-lo
próximo.
“Dallas joga?”, ela perguntou agradecida ao ver a dureza dos ombros de
Houston se amenizarem enquanto ele se debruçava para frente.
“Com tudo que ele faz, não imagino que tenha tempo”.
“Vocês dois nunca jogaram?”.
Ele pegou uma peça, em seguida a puxou para trás, sua mão nunca tocando o
tabuleiro. “Não”.
Ele observou o tabuleiro com tal intensidade que Amelia desejava ter planejado
perder. Com um suspiro, ele moveu a peça para frente, colocando-a onde ela não
tinha nenhuma escolha além de saltar por cima dela e ganhá-la. Ela estava certa de
que a intenção dele era dar uma peça a fim de ganhar duas dela, mas ela não achava
que seria sacrifício suficiente para ele ganhar.
De alguma forma ela sabia que a vitória dela também seria sua perda.
Ela deslizou os dedos por baixo do tabuleiro e depressa o lançou para fora do
toco.
“O que v—”, ele a encarou com desgosto óbvio.
Amelia sorriu inocentemente. “Eu achei que poderia perder”.
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“Você sabia muito bem que não ia perder”.
Ele agarrou o tabuleiro, e Amelia firmou os dedos em volta do braço dele. Ele
parou, os músculos dos dedos tensos. “Era só um jogo. Você deveria se divertir
quando está jogando”.
“Eu estava me divertindo”, ele disse bruscamente.
“Você estava?”.
Ele concordou com a cabeça, mas os músculos embaixo da mão não relaxaram.
“Então vamos jogar novamente”. Ela se sentou no mesmo lugar em que ele
tinha colocado o tabuleiro. Ela tinha permitido a ele dar cinco movimentos antes de
virar o tabuleiro.
“Maldição!”, ele rugiu.
“Você não estava se divertindo”, ela disse.
“Eu sei que estou. Eu ia vencer desta vez”.
Ela sorriu docemente. “Não, você não ia”.
“Você está aborrecendo, sabia?”, ele disse enquanto pegava as peças e o
tabuleiro que estavam no chão.
“Dallas sorri mais frequentemente do que você?”, ela perguntou.
“Todo mundo sorri mais do que eu”. Ele colocou o tabuleiro no toco e as peças
sobre ele. “Vá em frente, comece”.
Amelia se debruçou para frente e colocou o cotovelo no toco da árvore,
embalando o queixo com a palma da mão. “Por que você não sorri?”.
Ele evitou o olhar dela, e Amelia estudou o seu perfil perfeito, imaginando
como ele seria se uma parte do rosto não tivesse sido rasgada por estilhaços quando
era mais jovem. As mulheres fariam de tudo para ganhar a atenção dele. Poderiam
ter dito que ele era tão bonito quanto o pecado.
Ele certamente tinha um temperamento dos diabos.
“Você quer cavalgar?”, ele perguntou.
As palavras a surpreenderam. Já estava começando a escurecer. “Você quer
viajar de noite?”.
Ele se voltou para ela. “Não, eu só quero mostrar uma coisa a você. Claro, você
terá que montar no cavalo comigo”.
Ela olhou para Sorrel e a sela no chão. Ela não montava há anos, desde que seu
pai tinha morrido. Um cavalo não tinha a largura de um banco de carroça. Ela não
poderia evitar o acidental roçar das coxas ou dos cotovelos. Ela não poderia ignorar
a proximidade de corpo de Houston. A boca ficou seca com o pensamento, o
coração batendo mais forte. Ele queria compartilhar alguma coisa com ela. Não
importava o quão pequeno fosse, amizade era fundamentada no compartilhar das
coisas. “O que você vai me mostrar?”.
“Se eu pudesse descrever, não teria que mostrar”.
Ela se levantou do tronco. “Então eu gostaria de ver”.
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Alguns minutos mais tarde, ele arrumou Sorrel e ergueu Amelia sobre a sela.
Ela se segurou na parte da frente enquanto ele deslizou um pé pelo estribo e lançava
a outra perna por cima da parte de trás do cavalo.
Passando os braços ao redor dela, ele pegou nas rédeas. “Relaxe”, ele ordenou.
“Você deixará o cavalo nervoso”
“Eu estou relaxada”, ela gritou se aconchegando entre as coxas dele, com os
ombros batendo contra o peito dele.
“Sim, e eu estava me divertindo jogando xadrez”, ele disse num tom de voz
baixo enquanto levava o cavalo para frente.
As planícies suavemente passavam sob eles. Ela olhou por cima do próprio
ombro, mas Fort Worth estava além da vista, era um pedaço do seu passado agora.
O futuro estava adiante.
Sorrel caminhava lentamente por uma subida íngreme. Quando eles alcançaram
o topo da colina, Houston parou o cavalo, desmontou, e olhou na direção do
horizonte.
“Vê onde o sol está tocando a terra?”, ele perguntou com uma voz reverente.
“Sim”.
“É onde você vai morar”.
Amelia admirou o esplendor tranqüilo do local distante. Lilases e matizes azuis
varriam o céu, desciam, e se derretiam no horizonte verde.
“Vê todas as pessoas?”, ele perguntou.
“Não”.
Muito tarde ela percebeu que a pergunta dele não exigia nenhuma resposta. Ela
olhou para baixo. As profundidades escuras dos olhos dela continham uma tristeza
profunda, e o propósito da pergunta a atingiu com uma dura intensidade. Ela olhou
novamente para a terra majestosa, as árvores dispersas, a vastidão vazia.
“Com quem você vai conversar senhorita Carson?”, ele perguntou.
“Eu conversarei com meu marido”.
“E quando ele não estiver lá?”.
“Com nossos filhos”.
“Eu não sei o que Dallas disse a você nas cartas, mas você está se dirigindo a
uma solidão tão profunda que machuca o coração”.
“Apenas se a pessoa deixar, senhor Leigh”.
Houston não sabia se já tinha ouvido palavras ditas com tanta determinação ou
se ele já tinha visto alguém parecer tão sereno quanto Amelia. A brisa soprou o
cabelo dela em cima do rosto, e os lábios se curvaram em um sorriso.
“Eu acho que é tão bonito”, ela disse tranquilamente.
“Você não tem idéia de aonde está indo”.
“Não, eu não tenho. Mas eu sei de onde vim. E eu não tenho nenhum desejo de
retornar para lá”. Virando ligeiramente a cabeça, ela olhou para ele e deu um sorriso
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sentido. “Você estava certo esta manhã quando disse que eu não iria querer
enxergar o mundo como você faz. Você vê apenas o vazio. E eu vejo um lugar que
está esperando para ser preenchido por sonhos”.

Capítulo Seis

“Dallas? Dallas, eu estou com medo”.


“Não tenha medo”.
Mas Houston tinha medo. As nuvens que passavam através do céu da meia-noite o
lembravam fantasmas, e ele imaginou que podia ouvir seus gemidos na corredeira do riacho
de Chickamauga. Ele levou o cobertor até o queixo, mas não parou de tremer.
“Dallas, eu estou com muito medo de amanhã”. O sussurro áspero ecoou ao redor dele,
mais assustando ainda porque o pai tinha dito a ele que Chickamauga quis dizer “rio da
morte” na língua Cherokee.
Estando no catre ao lado, Dallas rolou por cima dele murmurando, “eu não vou te
abraçar. Mas, se você quiser, pode chegar um pouco mais perto de mim. Só não deixe
ninguém ver você fazendo isto”.
Houston sentiu ele se aproximar, até que podia sentir o calor do corpo de Dallas, mas
não a firmeza do toque. Ele não queria que o pai o achasse dormindo perto do irmão.
“E se eu morrer?”, Houston sussurrou.
“Você não irá. Só fique do meu lado. Eu não deixarei nada acontecer a você”.
“Jura?”
“Dou minha palavra”.

Amelia despertou com um gemido angustiado que rasgou os seus sonhos e


chegou até seu coração. Com os dedos trêmulos, ela apagou a chama do lampião.
Com o sangue batendo nas têmporas, a respiração veio aos arrancos. Ela
respirou fundo para se acalmar. No sonho, ela e um homem, que ela queria
acreditar que era Dallas—mas que olhando era notavelmente parecido com
Houston—estava caminhando em um campo de trevos. Os braços dele estavam ao
redor dela, e ela se sentiu mais segura do que tinha se sentido em anos. Ela não
achava que o grito tinha vindo dela.
Ela se levantou da pequena cama e colocou a blusa, apertando-a firmemente ao
redor do corpo como se ela tivesse o poder de repelir seus medos.
Ela andou nas pontas dos pés através da barraca, colocou os dedos na abertura,
e olhou pela estreita fenda que seus dedos tinham aberto. Ela podia ver Houston
agachado diante do fogo, vestindo o seu colete e o chapéu cobrindo a sobrancelha
como se estivesse planejando montar.
Ela alargou a abertura na barraca. “Eu pensei ter ouvido um grito,” ela disse,
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com a voz tremendo.
Ele visivelmente endureceu. “Era só um animal. Volte a dormir”.
A voz áspera não aliviou as dúvidas dela. Ele agarrou o bule. Enquanto ele
despejava o café, tremia com tal intensidade que a bebida vazou pelos lados da
xícara de lata.
Amelia puxou a blusa para mais perto, tentando buscar coragem no
movimento. Deixando a barraca, ela andou através da área do acampamento e se
ajoelhou ao lado de Houston.
“Eu disse para voltar para a cama,” ele disse rudemente.
“Você acha que nós estamos em perigo?”.
“Não”.
Ele agarrou a alça da panela tão firmemente que os nós ficaram visíveis contra a
pele. Erguendo as mãos, Amelia cobriu a mão dele, as palmas embaladas juntas. Ele
se assustou com o toque dela, mas não tentou empurrá-la.
Ela esfregou a mão por cima da dele, surpresa por achá-la tão fria. Lentamente
ele relaxou, os dedos diminuíram o aperto na alça. Ela levou o bule para perto do
fogo.
Ele envolveu a xícara de lata com as mãos. Ela ficava pasma pela xícara não se
retorcer com a força do aperto dele.
“Quando eu era criança,” ela disse baixinho, “eu costumava ter pesadelos, e eu
rezava para crescer rápido para que assim os pesadelos fossem embora”. Ela
suavemente colocou a mão no braço dele, tentando ganhar sua atenção. Ignorando-
a, ele se focou no fogo e trincou o queixo firmemente. “Quando eu cresci, aprendi
que os pesadelos não vão embora. Eles só se tornam mais terríveis porque nós
entendemos mais”.
Ela tirou a xícara de lata das mãos dele, segurou as duas mãos, e permitiu que
ele olhasse para ela. Ele continuou a olhar fixamente para o fogo. “Você quer
conversar sobre seu pesadelo?”.
“Não”.
“Você não tem que ficar envergonhado por causa de um pesadelo”.
Ele se soltou das mãos dela e ficou de pé. “Assustado com um pesadelo?
Mulher, eu tenho medo da vida!”.
“Você se sente... só?”.
“Sim! Droga! Eu sou sozinho!”.
Houston lamentou a explosão que teve assim que viu a expressão aflita surgir
no adorável rosto de Amelia. Ela o olhou como se ele estivesse mostrado os punhos
para ela. Tinha momentos na vida quando ele se sentia pequeno, mas ele nunca
tinha se sentido tão pequeno ou envergonhado assim. Deus sabia que ele já tinha
feito o bastante que pudesse se envergonhar.
Ele deu um passo em direção a ela, as mãos se movendo como um moinho de
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vento com uma brisa fraca. Ele não sabia o que fazer com elas. Ele não queria
assustá-la, mas ele tinha medo de que ela pudesse agarrá-las e segurá-las, e então ele
acabaria a envolvendo com os braços. Só assim ele se sentiria seguro. Apenas uma
mulher não deveria ser capaz de fazer um homem se sentir seguro. Um homem
supostamente deveria proteger uma mulher. “Amelia—”.
Ela balançou a cabeça ligeiramente, a expressão ferida retrocedendo até que ela
sorriu muito docemente ao ponto de ele achar que o próprio coração se despedaçar.
Todas as palavras que ele conhecia sumiram de sua cabeça.
“Eu me lembro da primeira vez que dormi sozinha,” ela disse suavemente, as
palavras flutuavam na brisa tranqüila enquanto ela virava o olhar para o fogo. “A
cama era tão grande. A noite tão escura. Eu pensava que os dois me devorariam. E
os sons. Eu ouvi um rangido da porta e um gemido da tábua do piso. Eu me senti
incrivelmente só”. Ela envolveu o corpo com os braços e começou a se balançar de
um lado para outro. “Meu pai morreu durante a guerra. Assim como minhas irmãs.
Allison e Amanda”.
A serenidade no olhar dela o fascinou. As mãos dele se tranqüilizaram como se
a voz flutuasse na direção dele. Ela tinha o jeito certeiro de distrair um homem. As
recordações dela o acalmaram, levando as memórias para o esquecimento, levando
os tremores e o suor para longe. Ela olhou de relance para ele.
“Minha mãe gostava de nomes que começavam com A. O nome de meu pai era
Andrew, e eu freqüentemente me perguntei se era por isso que ela tinha se casado
com ele”.
“Essa razão não é muito lógica para se casar com alguém”, ele disse.
“Minha razão para casar com seu irmão é lógica?”.
Ele andou para mais perto do fogo, desejando alcançar a mesma altura que ela.
Ela sempre parecia em paz, apreciando cada momento à medida que este vinha.
Apoiando nas pontas dos pés, ele cautelosamente curvou os joelhos até que o olhar
dele era apenas ligeiramente mais alto que o dela. “Eu não sei sua razão”.
“Porque eu odeio estar só”. Ela fechou os olhos. “E porque eu quero
compartilhar os sonhos de alguém”.
“Você não tem seus próprios sonho?”.
Ela abriu os olhos e sorriu zombeteira. “Uma pergunta?”.
Deus, ele amava o brilho nos olhos dela. Era como se ela o prendesse, e ele não
estava completamente certo de que ela não tinha. Ele abaixou o olhar para o fogo e
assistiu as chamas laranja e vermelhas se retorcendo em uma valsa distorcida. “Eu
não tinha nenhum direito de perguntar”. Mas, droga, ele queria saber tudo sobre
ela, sobre os sonhos, suas razões para viajar uma distância tão grande para se casar
com o irmão dele.
“Eu sonho em não passar fome. Eu sonho ficar em um lugar quente”.
Ele trocou um olhar com ela. O sorriso tinha deixado seu rosto.
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“Eu sonho recuperar um pouco do que perdi durante a guerra: uma família,
uma promessa de que virá um amanhã, e que valerá a pena viver, saboreando, e
lembrando”.
“E você acha que Dallas dará a você tudo isso?”.
Os lábios dela se curvaram. “Outra pergunta. Estou impressionada”.
Ele não queria olhar, mas os olhos dela o mantinham cativo. Naquele momento,
com aqueles olhos verdes fixos nele, Houston quase teve um desejo esmagador de
procurar seus próprios sonhos. “Você não tem que responder”.
Ela chegou mais perto dele. “Eu acho que conseguirei. Não, eu não acho que ele
realizará meus sonhos, acho que nós trabalharemos juntos para realizá-los. Eu
sempre acreditei que sonhos devem ser compartilhados. Onde está a diversão em
agarrar algo se você não tiver ninguém olhando quando se consegue pegar?”.
Ele não tinha nenhuma idéia. Ele tinha parado de tentar alcançar algo há muito
tempo atrás.
Ela apoiou a mão no braço dele. “Eu não espero que você responda”.
“Isso é bom porque eu não saberia como responder”.
Ela riu, inclinou a cabeça para trás, e olhou para as constelações no céu. “Ah,
como o céu está bonito hoje à noite. Eu quase invejo você dormindo aqui fora”.
“É só às vezes”. Como ela fazia com ele. Momentos doces, momentos gentis. Os
momentos que eram sublimes.
Ela sorriu suavemente. “Eu devia parar de importunar você e deixá-lo voltar a
dormir”.
Ele se levantou enquanto ela, graciosamente, se pôs de pé e foi para longe do
fogo.
“Oh, olhe. Eu posso ver a sombra de uma mariposa voando dentro da barraca.
Não é bonito?”, o sorriso dela foi diminuindo no rosto. “Eu posso ver a sombra da
mariposa” ela disse com uma voz pensativa, “e tudo que há dentro da barraca”.
Houston endureceu enquanto o olhar dela como um raio se virava para o catre
dele. O olhar dela voltou para a barraca, não foi necessária muita imaginação para
compreender de que modo que ele estava dormindo nas noites anteriores ou o que
tinha estado em seu campo de visão.
Ela olhou de volta para a barraca, então novamente para o catre dele, os olhos
acusadores virados em sua direção. “Eu consigo ver tudo. Tudo. Você tem me
olhado todas essas noite?”.
Ó Deus, ele queria falar mas qualquer coisa que ele falasse o condenaria.
Enquanto ele se virava para ela, o silêncio o condenava.
Quando ela recuou a mão, ele deu a ela um alvo fácil. A batida veio e o rosto
dele foi para o lado.
Ela entrou na barraca como um furacão, a ponta da lona momentaneamente
ondulando e batendo atrás dela. A sombra dela refletia a raiva e a mágoa que ele
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achava que ela sentia. Então a sombra desapareceu na escuridão assim que ela
apagou a chama do lampião.
Houston sentia como se toda luz tivesse repentinamente sido retirada da vida
dele. Ele sentiu inesperadamente um suor frio enquanto seu olhar varria o
acampamento. Ele disse a ela que ele estava só, mas até este momento ele não
conhecia o verdadeiro significado da palavra.
Ela o mandou para fora de sua vida com um simples suspiro. Ela não o
perguntaria mais nada, ele estava certo. Ele deveria se sentir aliviado. Ao contrário,
ele achava que poderia simplesmente cair e morrer. Com o coração aos pulos, ele se
aproximou da barraca. “Senhorita Carson?”.
Um silêncio pesado foi a resposta. Por alguma razão, ele tinha pensado que se
sentiria melhor se pudesse ouvi-la soluçar ou que lançasse coisas nele.
“Senhorita Carson, você precisa sair e me dar outro tapa. O lado que você bateu
está quase morto. Você precisa bater do outro lado do meu rosto para que eu possa
sentir como deveria”.
Ele não podia ouvir nada além das fortes batidas do próprio coração. Ele podia
ver nada além de um vasto vazio enchendo os próximos dias. Ó Deus, que palavras
ele poderia usar para poder se redimir pelo que tinha feito?
“Senhorita Carson, eu sei que estava errado. Fui vergonhoso, eu lamento ter
feito isto, mas, por Deus mulher, eu juro por Deus, eu nunca vi uma sombra mais
doce do que a sua... Foi apenas isto que eu vi. Sua sombra”.
“Sem roupas! Me lavando! Apreciando alguns momentos de liberdade!”.
Oh Deus, sim, e ele tinha apreciado esses momentos de liberdade acima de
tudo, mas ele não achava que ela gostaria de ouvir isso neste momento.
“Senhorita Carson, se eu pudesse desfazer o que eu fiz, eu faria. Mas eu não
posso. Se você soubesse como é bonita—”.
“Eu não quero ouvir isto, senhor Leigh. Me deixe só”.
“Você tem todo direito de estar chateada—”, ele ouviu um soluço. Ele tinha
pensado errado. Ouvir um barulho era pior do que ouvir o silêncio.
“Senhorita Carson, eu faria qualquer coisa para me redimir com você. Eu
arrancaria meu outro olho—”.
Uma luz chamejou dentro da barraca, e a entrada se abriu de repente. Ela ficou
diante dele, os olhos vermelhos, e ele podia ver a trilha de lágrimas através das
bochechas dela. Em toda sua vida, ele nunca tinha se abominado tanto.
Ela fungou. “Você disse isso mesmo? Que faria qualquer coisa?”
Ele deu uma olhada rápida nas mãos dela, esperando ver uma faca que ela, sem
dúvida, planejava usar para remover o olho restante dele. Mas suas mãos
seguravam nada além do ar da noite fresca.
Ele respirou fundo. “Sim, madame. Qualquer coisa”.
Ela cruzou os braços por baixo dos seios e saiu da barraca como uma rainha que
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concede um pouco do seu tempo a assuntos menos interessantes. Ela segurou o
queixo alto com uma dignidade diferente que ele nunca tinha visto. Dallas estava
certo quando tinha se referido a ela como a Rainha da Pradaria.
Ela se virou e olhou por cima do nariz na direção do nariz nele— era o máximo
que ela podia, considerando que o topo da cabeça dela não alcançava a altura do
ombro dele.
“Você pode dormir na barraca hoje à noite”.
Embora as palavras tenham sido ditas suavemente, ela as tinha dito com a força
de um silvo de serpente. O estômago dele se revirou. Ele não estava certo de aonde
os pensamentos dela queriam chegar, e ele não estava certo de que queria saber,
mas ela parecia estar esperando a resposta dele.
“Desculpe, não entendi”.
“Você pode dormir na barraca”, ela repetiu devagar como se ele não tivesse
nenhum pouco de sanidade mental, e ele estava começando a pensar que não tinha
mesmo. “Dispa-se. Lave-se. Faça o que quer que os homens fazem antes de ir
dormir”. Ela se sentou no tronco, apoiando o cotovelo nas coxas, e apoiando o
queixo na palma da mão, e sorriu docemente. “E eu assistirei”.
“Você está doida?”, ele rugiu.
“Você disse que faria qualquer coisa. Bom, senhor Leigh, você acabou de ouvir
a minha idéia de ‘qualquer coisa’ “.
Ele deu uma olhada rápida na barraca. A maldita mariposa ainda estava
voando ao redor. Se ele andasse naquela barraca, a primeira coisa que faria seria
matar aquele inseto irritante. Ele deu uma olhada rápida na mulher que se sentava
no tronco. “Não, madame, eu não posso fazer isto”.
“Por que não? O que os olhos não vêem o coração não sente”.
“Não é o mesmo. Eu sei que você está vendo”.
Ela se levantou do tronco com fúria. “E você acha que o fato de eu não ter sabido
faz com que seu ato tenha sido aceitável?”.
Não, não faz ser aceitável, não mesmo.
“E se eu lhe pedisse desculpas com algumas palavras bonitas—”.
“Não”.
“Se eu não fizer isto, você vai permanecer com raiva, não é?”.
“Sim”.
Senhor, baseado no tom que ela disse aquela simples “sim”, ela ficaria brava
com eles até que eles alcançassem o rancho... E talvez depois disso. Ele estaria
viajando por um inferno enquanto ele estava apenas se acostumando a ficar
próximo do céu.
Ele sentia o estômago se revirar tão forte que se sentia sem forças para andar até
a barraca. Mas a lágrima que ele vislumbrou no canto do olho dela o tinha feito se
decidir. A luz do fogo o pegou, e ele pôde se vir como ela provavelmente o via:
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como um homem que tinha quebrado a confiança dela.
Sem outra palavra, ele se lançou de volta à barraca e entrou, permitindo que a
entrada caísse atrás dele, deixando-o na névoa dourada que preenchia a barraca.
Ele podia sentir o cheiro doce que o cercava. Ele não podia identificar o odor.
Não era de cavalo, couro ou suor. Era suave, como uma lembrança que estava lá no
fundo da memória que ele não sabia se conseguiria trazê-la do passado. Sua mãe,
talvez, se debruçando perto dele, tirando o cabelo dele da sobrancelha, dizendo a ele
para não ter medo.
“Você não pode ficar aí, senhor Leigh. Você tem que se lavar!”.
A voz dela penetrou nas memórias dele, lembrando-o mais de seu pai do que
de sua mãe. “Não fique lá de pé, menino! Quando a batalha começar, você tem que
se envolver nela”.
E ele marchou, enquanto tudo dentro dele o mandava correr.
Ele tomou um passo em direção ao balde pequeno e deu uma olhada rápida na
água. Sem vapor, a água deveria estar fria, mas ele tinha tomado banhos frios antes.
“Senhor Leigh!”.
“Certo!”. Droga de mulher impaciente. Ele tirou o chapéu da cabeça e o lançou
sobre a cama com o lençol amarrotado. Cama essa onde ela tinha dormido e
chorado. Ele queria colocar a palma da mão na cama para ver se ainda tinha o calor
dela, mas ela o estava observando agora, observando-o do mesmo modo que ele a
tinha observado. Maldito olho que ficou aberto quando deveria ter ficado fechado.
Estendendo os ombros, ele tirou o colete e o colocou ao lado do chapéu. Ele se
sentou na extremidade da cama e discretamente colocou a mão próxima do
travesseiro dela. Os dedos passaram ligeiramente pela área procurando pelo calor
dela e achando somente o frio.
Ela não irradiaria qualquer calor até que ele fizesse o que ela tinha pedido.
Qualquer coisa, ele tinha dito. No futuro, ele não usaria aquela palavra com ela de
novo.
Ele tirou as botas. Desabotoou a camisa, ficou de pé, puxou-a por cima da
cabeça, e colocou do lado do colete.
Ele se virou, deixando a silhueta de costas para a frente da barraca. Rezando
para que ela não estivesse circulando a barraca, ele começou a desabotoar a calça
comprida.
Amelia assistiu, hipnotizada. As sombras eram torcidas, longe de ser tão claras
quanto ela tinha imaginado, mas isso não mudava o fato de que ele tinha agido
errado com ela. Considerando a lentidão com que ele estava removendo a roupa, ela
supôs que ele estava começando a entender isto.
Com uma rapidez que ela não estava esperando, ele tirou a calça comprida. Ela
enterrou o rosto nas mãos. Dallas não titubearia em enviá-la de volta para a Geórgia
se ele descobrisse o que ela tinha exigido do irmão dele. Não importava que ela não
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pudesse vê a pele ou os contornos rígidos que, provavelmente, havia no corpo dele.
Ele estava de pé dentro da barraca, nu em pelo. Como que ela tinha pensado em
exigir tal coisa dele? Ela queria que ele experimentasse a humilhação que ela tinha
sentido quando descobriu que ele a tinha observado.
Só agora ela se sentia mortificada. O calor incendiou suas bochechas enquanto
várias imagens de Houston se lavando preenchiam sua mente. Ela não conseguia
olhar, mas em sua mente, ela podia ver o brilho das gotas que deslizavam pela
garganta, em cima do peito, ao longo da barriga, indo para baixo...
Ela se dobrou e apertou o rosto contra os joelhos, mas ela não podia bloquear as
imagens. Ela sempre tinha sido uma sonhadora, mas nenhuma mulher decente
imaginaria a fantasia que passava pela cabeça dela.
Será que ele tinha ficado contente em olhar fixamente para a silhueta dela ou ele
tinha imaginado as gotas deslizarem—.
“Eu aprendi minha lição”.
Amelia gritou e pulou do tronco, mas não antes de por um momento um joelho
dela bater em uma batata da perna cabeluda. Ela não tinha ouvido ele se ajoelhar ao
lado dela, mas ela estava escutando agora, escutando enquanto ficava próxima na
borda das sombras, dentro do anel de luz que o fogo criava. “Eu disse para você ir
dormir na barraca,” ela se lembrou do homem atrás dela, agradecida por ele não
poder vê-la.
“Eu não acho que você está realmente interessada em me ver dormir. Eu te dei
seu show. Agora, entre na barraca e durma. Nós sairemos ao amanhecer”.
“Esse não era o acordo”.
Ela ouviu o joelho dele estalar e supôs que ele tinha ficado de pé. Ela estava
tentada a andar até a luz, desaparecer na noite, mas ela temia a escuridão enquanto
ela estava apenas cautelosa com o homem.
“Eu estou acostumado a dormir do lado de fora. Eu não estou certo de que você
saberá o que fazer se acordar com uma serpente enrolada sobre o peito”.
“Uma serpente?”, sem pensar, ela se virou e prendeu a respiração. Ele
permaneceu parado ao lado do fogo, com as roupas emboladas, juntas, diante do
corpo oferecendo a ele alguma proteção do olhar vago dela.
O brilho do fogo tocou a pele dele como uma carícia de amante. Ele tinha
cicatrizes no ombro esquerdo, a pele já curada que se arrastava até a parte inferior
do peito em direção ao estômago e finalmente sumia. Velhas feridas que a água
beijou durante o banho.
Ele trocou de posição, e seus músculos ondularam com os movimentos leves.
Ele parecia muito mais forte do que ela tinha imaginado. Ela abaixou o olhar para as
mãos que apertavam as roupas. Ela podia ver as veias e músculos dos braços que
apertavam a roupa com força.
“Entre na barraca,” ele rosnou em tom baixo, com advertência na voz, “ou você
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vai ver muito mais do que a sombra”.
Com um aceno de cabeça rápido, Amelia correu para a barraca.
Houston lutou para conter o riso. A mulher era preciosa. Corajosa em um
minuto, ordenando a ele que entrasse na barraca; tímida como um rato no próximo,
com olhos arregalados e um rubor que implorava um homem para tocar nas suas
bochechas.
Voltando para o catre, ele colocou as roupas. Dentro da cabana, ele dormiu sem
roupa nenhuma, mas aqui fora um homem realmente podia acordar com uma
serpente enrolada em cima do peito.
Ele colocou a sela do outro lado do catre e se esticou, com o olhar focado nas
mulas em vez da barraca. Ele devia ter feito isso desde a primeira noite.
Ele riu baixo, lembrando o alívio que tinha sentido quando ele espiou para fora
da barraca e viu Amelia abaixada no tronco, com o rosto escondido. Ele se
perguntou em que ponto ela tinha coberto os olhos. Talvez ele devesse ter se
poupado do banho frio. Ele o tinha feito tão depressa que o corpo tinha apenas
notado o toque do pano. Ele supôs que para ser justo, ele deveria ter deixado a
carícia do pano tocar o corpo do mesmo modo que ela fazia quando se lavava. Ele
devia ter tirado devagar cada partícula de poeira e todo resto de suor até que
pudesse sair da barraca cheirando como ela: limpa, pura e tentadora.
Como uma mulher podia ser pura e tentadora? Uma mulher respeitável não se
lavaria do modo que Amelia fazia. Uma mulher respeitável não viajaria meio país
para se casar com um homem que só conhecia através de cartas. Talvez Amelia
Carson não fosse uma mulher decente. Talvez—.
“Senhor Leigh?”.
A voz suave, gentil, que roçava contra o corpo dele como o toque de linho
contra um corpo firme, enviou os pensamentos dele para a perdição onde eles
pertenciam.
Rolando, ele se apoiou no cotovelo e encontrou o olhar dela que estava
ajoelhada ao lado do catre dele, as mãos dobradas sobre o colo. “Amelia, você não
acha que depois do que nós aprendemos um sobre o outro hoje à noite que nós
podemos nos chamar pelos nossos primeiros nomes?”.
Até nas sombras da noite, ele podia ver o rubor das bochechas enquanto ela
abaixou o olhar para as mãos enlaçadas.
“É isso que eu queria explicar. Eu não fiquei assistindo por muito tempo, eu
só... Eu não queria que você achasse que eu fui maliciosa”.
Ele não sabia o que o possuiu para deslizar o dedo embaixo do queixo dela e
ergueu seu olhar dela na direção do dele. Ele podia sentir o tremor leve embaixo da
pele suave dela e se odiou porque a fraqueza dele —e não a dela—os tinha colocado
nessa situação.
“Eu não acho isso”.
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Os olhos verdes dela continham uma profunda tristeza. “Dallas poderia se
sentir de outra maneira se descobrisse o que aconteceu hoje à noite”.
“Ele não ouvirá isto de mim”.
Os dedos dele queriam andar através do rosto dela, a palma da mão queria
abraçar as bochechas dela, o polegar queria sentir a suavidade da pele, sua mão
queria desenhar a boca em forma de coração dela. Em toda vida, ele só tinha beijado
uma mulher—uma prostituta cuja respiração levava o fedor de todos os homens que
tinham vindo antes dele.
Ele tinha a sensação de que a primeira vez que Dallas beijasse Amelia, ele
sentiria apenas doçura... Dallas tinha ganhado o direito de mordiscar aqueles lábios
tentadores porque ele tinha ousado oferecer a ela uma porção de seus sonhos.
Houston levou a mão para longe antes que os dedos parassem de ouvir sua
cabeça e começasse a escutar o coração que batia irregular.
“É melhor você voltar para a cama agora”, ele disse com uma voz áspera que
dificilmente reconhecia como sua.
“Eu não gosto de ficar na escuridão, mas se eu mantiver o lampião queimando,
fará sombras”.
“Eu não olharei”.
“Promete?”.
Ele merecia aquela hesitação, aquela falta de confiança. Dallas disse a ele uma
vez que se um homem voltasse com a palavra uma só vez, sua reputação como um
homem de honra ficaria menor do que um grão de areia. Ele nunca tinha soube de
Dallas ter quebrando uma promessa. A força das palavras dele era a base de seu
império. “Eu dou a você minha palavra”.
Ela ficou de pé. “Durma bem”.
Acenando com a cabeça, ele colocou as costas contra a sela, resistindo ao desejo
de vê-la caminhar até a barraca, sabendo que se o fizesse, ele poderia não achar a
força para parar de olhar.

Capítulo Sete

A manhã trouxe com ela o sol brilhante e a dura realidade. Amelia tinha
evitado o olhar de Houston enquanto comia o café da manhã. Quando ele começou
a colocar os pertences na carroça, ela foi ao córrego buscando consolo.
Uma coisa tinha sido encontrar o olhar de Houston através da fogueira do
acampamento, com mais sombras do que luz, mas quando nenhuma sombra os
separava... Ela não podia encará-lo, sabendo o que ele tinha visto, sabendo o que ela
tinha visto.
Ela tinha lançado o desafio na noite anterior como ela freqüentemente fazia com
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as irmãs — assim como elas faziam com ela — para que saíssem das normas rígidas
que os pais tinham fixado para elas. Mas, por mais imaginativos que os desafios
tivessem sido, eles tinham sido apenas coisas de crianças, que faziam o coração
bater mais rápido e as risadinhas surgirem, com a intenção de fortalecer o laço entre
elas.
Na noite anterior o coração dela tinha batido mais forte e rápido, mas ela não
tinha sentido nenhum desejo de dar uma risadinha, de rir ou sorrir. Nenhum laço
existia entre ela e Houston que pudesse ser fortalecido.
Ela olhou fixamente para o córrego pequeno e escutou o murmúrio da água. Ela
se sentia suja, mais por dentro do que por fora. Ela queria que Dallas tivesse vindo
buscá-la. Ela desejava que eles alcançassem o rancho hoje. Ela desejava nunca ter
visto a luz do fogo passar pela pele bronzeada de Houston.
Ela se levantou, tirou os sapatos e meias e colocou os dedos do pé na água fria.
Não era suficiente para levar para longe as memórias da noite anterior, fazê-la se
esquecer de que, por um momento louco, ela tinha invejado a luz do fogo.
Levantando a saia, ela andou com dificuldade na água marrom e a água ficou
na altura de sua canela. Marrom como o olhar de Houston, marrom como os olhos
de Dallas. Marrom da cor da terra fértil.
“Amelia?”.
Recusando-se a reconhecer a presença de Houston se ela se virasse, deu uma
olhada rápida nas árvores enfileiradas na margem oposta. A raiva cresceu
novamente, a raiva que ela sentia por gostar do modo como o nome dela soava
vindo dos lábios dele, como gostava do timbre fundo da voz dele que envolvia os
sons. Ela desejava que a voz de Dallas ressoasse do mesmo modo.
“Você tem planos de olhar para mim ou conversar comigo hoje?”, ele
perguntou.
“Talvez ao anoitecer. É mais fácil com as sombras ao nosso redor”.
“Então eu acho melhor a gente esperar aqui até anoitecer”.
Ela enlaçou as mãos. “Eu pensei que se eu fizesse com você o mesmo que você
tinha feito comigo, eu acharia o que você tinha tirado de mim. Mas confiança não
volta assim tão facilmente”. Ela revolveu a água e levantou o rosto ligeiramente.
Ele não estava usando chapéu. Nenhuma sombra mantinha o olhar dele longe
do dela. Dentro da escuridão profunda, ela lia tristeza, vergonha, e um pedido de
desculpas tão profundo que quase a fez se lamentar. “Eu sinto muito”, ela suspirou
roucamente.
“Não há nenhuma necessidade de se desculpar. Foi tudo minha culpa. Eu tenho
o hábito de pegar o caminho fácil. Era mais fácil assistir do que parar e dar as
costas”. Ele colocou o chapéu na cabeça. “Já carreguei a carroça. Nós podemos partir
assim que você estiver pronta”.
“Só alguns—Oh!”, a dor aguda veio de repente, sem aviso prévio. Ela tropeçou
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e caiu na água fria.
“Houston trilhou pela água, a ergueu pelos braços, levando-a para fora da
corrente. O que aconteceu?“.
“Minha perna. Algo me mordeu. Um peixe ou algo assim”.
Cuidadosamente ele a sentou na grama e se ajoelhou ao lado dela.
“Feche os olhos,” ele exigiu enquanto ele arrancava o chapéu da cabeça.
“Droga! Feche os olhos!”.
Ele só tinha gritado assim com ela uma vez — na noite anterior — e
normalmente ela teria obedecido qualquer um que gritasse com nela com tal
urgência. Mas ela não conseguia se mover, agir, fazer qualquer coisa exceto olhar
fixamente as duas marcas de perfuração na sua canela e o sangue que escorria em
direção ao tornozelo.
“O que me mordeu?”, ela perguntou.
“Serpente,” ele respondeu enquanto enrolava uma tira de couro ao redor da
canela antes de desembainhar a faca que levava no cinto. A luz da manhã refletia no
aço da faca.
“Vai doer. Sinto muito” ele disse baixinho enquanto passava a lâmina através
da canela dela. Ela trincou os dentes e fechou as mãos, desejando poder tranqüilizá-
lo, mas com medo de que se abrisse a boca para falar, acabaria gritando.
Ele soltou a faca. Envolvendo a canela dela com as mãos mornas, ele abaixou a
boca em direção ao ferimento. Seu queixo trabalhou incansavelmente enquanto ele
chupava e cuspia. Chupava e cuspia. Repetidas vezes.
Ela tocou o dedo no remendo preto da canela e desviou o olhar. Nenhuma tira
de couro cobria os olhos dele enquanto trabalhava. Os fios negros e grossos do
cabelo caíam sobre o rosto, e ela teve o forte desejo de jogá-lo para trás.
“Eu vou morrer?”, ela perguntou tranquilamente.
Ele levantou a cabeça, aparentemente esquecendo ou sem perceber que não
estava protegendo o rosto do olhar dela. Nada cobria o olho esquerdo ou a
bochecha. A pele estava esticada em alguns lugares, fortemente cicatrizada em
outros, como se a pele do rosto não soubesse como se consertar propriamente. Ela
queria lamentar a dor que ele devia ter suportado, a criança ferida que um dia
deveria ter sido.
“Não”, ele disse com convicção. “Não, você não vai morrer”.
Ele a segurou nos braços como se ela fosse pouco maior do que um buquê de
flores recentemente colhidas. Ela apertou o rosto contra o peito enquanto ele a
levava a passos largos e longos através do acampamento. Ela podia ouvir o bater do
coração dele, tão firme, tão rápido que ela estava certa de que ele estava sentindo
dor. Ele a deixou próxima das cinzas frias da fogueira do acampamento.
“Eu ainda estou sangrando”.
“Está tudo bem. Deixe sua perna sangrar durante algum tempo. Eu vou armar a
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barraca de novo”.
“Por quê?”, ela perguntou, o pânico fazendo o estômago revirar.
Suavemente, ele embalou a bochecha dela. Ela sentiu o leve tremer dos dedos
dele e os cobriu com as mãos. O pomo de Adão dele lentamente deslizou para cima
e para baixo.
“Você vai ficar doente,” ele disse, com a voz irregular. “Realmente doente”.
“Eu não vi nenhuma serpente”, ela disse esperançosa.
“Ela deixou a marca da presa. Provavelmente uma cobra d’água, talvez uma
cascavel que estava perto da água”.
Ele levou os dedos que a tocavam e um frio percorreu o corpo dela. Um tremor
passou por todo seu corpo.
Ele arrancou o colete e suavemente o deslizou por cima dos ombros dela,
aconchegando em volta dela. Ele tirou a camisa por cima da cabeça e a enrolou para
fazer um tipo de travesseiro. “Aqui, deite”.
Ela se deitou. “Eu estou cansada,” ela disse, com a língua meio espessa. “Não
dormi bem na noite passada”.
“Você dormirá hoje. Eu voltarei para você”.
Antes que ela pudesse responder, ele correu para a carroça e começou a
procurar por entre as coisas, os movimentos urgentes. As pálpebras dela ficaram
pesadas, mas ela se obrigou a ficar com os olhos abertos enquanto ela o via montar a
barraca na sombra de uma árvore.
As costas dele eram magra, bronzeada, e ela se perguntou se ele
frequentemente trabalhava sem camisa. Seus músculos lembravam a ela um
garanhão: macio, lustroso e poderoso, com uma graça visível na medida em que ele
trabalhava.
Ela fechou os olhos e a vertigem a assaltou enquanto a escuridão a rodeava.
Abrindo os olhos, ela tentou ignorar a dor pulsante na canela e se concentrou no
simples tapa-olho que cobria as cicatrizes de Houston. Talvez ela o decorasse com
flores minúsculas antes de devolver a ele.
Antes que ela pudesse examiná-lo, longos dedos marrons o alcançaram. Ela
assistiu enquanto Houston removia a tira de couro da perna dela e a amarrava ao
redor da cabeça, colocando o tapa-olho no local das cicatrizes.
Ele embrulhou uma tira de pano ao redor do ferimento dela. Então ele a ergueu
nos braços e a levou até a barraca, cuidadosamente a colocando na cama.
“Você acha que consegue trocar de roupa ou precisa da minha ajudar?”, ele
perguntou.
Ela deu uma olhada rápida na camisola esperando por ela em cima do
travesseiro. Ela movimentou a cabeça letargicamente, com a língua atrapalhando a
formar palavras. “Eu... consi...go”.
“Bom. Voltarei em alguns minutos”.
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Ele desapareceu antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa. Lentamente, ela
tirou as roupas, deixando-as largada no chão. Ela deslizou na camisola antes de
virar de lado e começar a dormir, confiando sua vida a Houston.

Houston mergulhou a colher na lama da tigela e a passou levemente sobre a


pele da canela inchada de Amelia, desejando que o frescor reduzisse o inchaço.
Maldição, ele não queria ter que cortar parte do músculo. Ele sabia que o veneno
podia matar a carne, o músculo, e em alguns casos raros, a vítima.
Só pensamento da morte dela causava uma dor forte no fundo do peito dele. Ele
estava certo de que ela tinha mais perguntas que queria fazer, mais descobertas que
queria fazer.
Ele queria que ela visse um pôr-do-sol da varanda da sua cabana, com a névoa
do horizonte distante. Ele queria aprender a responder as perguntas dela com
paciência.
Ele queria ver a filha dela crescer.
Por alguma razão descrente, ele achava que ela daria a Dallas uma menina em
vez do filho que ele almejava. Ele imaginava uma garotinha com o cabelo dourado
de Amelia, seus olhos verdes, e seu minúsculo nariz arrebitado, correndo pelo
rancho de Dallas, enlaçando os bois com seu dedo minúsculo. Ele desejava que
algum dia ela visitasse junto com a filha o Tio Houston. Ele daria carona a ela em
uma égua gentil e compartilharia com ela o seu lugar secreto onde as flores
silvestres florescem, a água é pura, e o céu é sempre azul.
E ele a adoraria. Se ela tivesse a metade da doçura da mãe, ele a adoraria.
Ele virou o olhar para o rosto de Amelia. Deus, como ela estava pálida. Ele
passou os dedos sujos de lama na calça comprida até que achou que estavam
limpos, então ele suavemente enxugou o suor de cima do lábio superior dela.
Ele desejava tê-la poupado da visão do rosto dele descoberto. Ele disse a ela que
fechasse os olhos, mas ela não o tinha obedecido, e ele não teve tempo para fazê-la
fecha-los.
Se Dallas dissesse a ela para fechar os olhos, ela os teria fechado. Sua voz tinha a
marca de autoridade. Se ele dissesse, “Pule!”, todos os outros homens perguntariam
de pronto, “Quanto?”.
Droga, Houston não tinha conseguido fazer aqueles dois moleques na estação
seguirem suas ordens de deixá-lo só. Talvez esta fosse a razão pela qual ele
apreciava tanto trabalhar com cavalos. Eles o escutavam.
Os olhos de Amelia estavam trêmulos, um verde vago. Maldição, ele queria que
a serpente o tivesse escolhido.
Com os lábios erguidos ligeiramente, e com uma faísca pequena refletida nos
olhos. “Não tem show de sombras hoje à noite”.
Ele respirou fundo, se perguntando como ela poderia brincar com ele quando
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estava parecendo tão mal. “Se isto fizer você se sentir melhor, eu te darei um”, ele
prometeu, sabendo que daria qualquer coisa, faria qualquer coisa, para que ela não
morresse.
O sorriso dela murchou como uma flor arrancada da terra que tivesse ficado
muito tempo sem água. Elevando as mãos, ela apertou a palma contra o ombro
esquerdo dele, o calor passando através da camisa de flanela. “Você conseguiu
todos estes ferimentos ao mesmo tempo?”.
“Sim. Eu sinto muito por você ter visto meu rosto—”.
Ela moveu a palma da mão por sobre o queixo esquerdo dele. As cicatrizes
eram menores lá, e ele podia sentir a suavidade do toque dela.
“As cicatrizes combinam com você,” ela disse tranquilamente.
Sim, as cicatrizes combinavam com ele. Um homem deveria ser tão feio por fora
quanto era por dentro.
Inconscientemente ele envolveu os dedos dela e os pousou na cama. Ela colocou
a mão embaixo do queixo, puxou as pernas para cima enquanto se deitava de lado,
tão vulnerável quanto no dia que tinha vindo ao mundo. Ele colocou o cobertor
sobre os ombros dela, mas ele somente podia protegê-la do frio da noite, não da
aspereza da vida. Oferecer conforto era para ele tão incomum quanto pedir
desculpas. Ele desesperadamente procurou na mente algumas palavras que
pudessem ajudá-lo a se desculpar.
Uma imagem veio, tão poderosa que suas mãos se agitaram. Um tempo em que
ele não tinha nada além de dor, medo e o desejo esmagador de morrer. Outra
memória o perturbava no fundo da mente. Mãos pequenas, mãos de enfermeira,
roçando em suas costas, fazendo a dor tolerável por causa da doçura. Como a maior
parte dos soldados feridos jovens, ele se entretinha com a idéia de se casar com ela...
Até que ele viu, por um momento, seu reflexo no espelho.
Ele colocou a mão contra as costas de Amelia e sentiu ela se enrijecer embaixo
das pontas dos dedos dele. “Eu não machucarei você,” ele a assegurou. “Apenas vai
te ajudar a esquecer”.
Desajeitadamente, ele esfregou os dedos largos nas costas dela. Ela tinha costas
tão pequenas. Ele se perguntou se ela teria forças para trazer ao mundo o filho que
Dallas queria... Ou a filha que Houston achava que ela teria.
Ele afagou os ombros dela, parando pouco antes da nuca. Tocava o corpo,
absorvia o calor que vinha da pele, calor que chegava a ele de uma maneira que não
deveria. Ele não tinha nenhum direito de sentir a pele dela embaixo de seus dedos,
ainda que eles estivessem apenas oferecendo conforto.
“Minha mãe costumava esfregar minhas costas quando eu estava doente,” ela
disse baixinho, e os dedos dele hesitaram.
Os pensamentos dele eram qualquer coisa exceto maternais. “Eu apenas pensei
que poderia ajudar”.
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“E ajuda”.
A mão dele continuou o caminho lentamente nas costas esbeltas dela. Tocá-la
dessa maneira o lembrava de coisas que são melhores apreciadas com o silêncio: o
nascer de uma lua cheia dourada ou o uivo de um lobo chamando seus
companheiros.
“Você se importaria de ler uma das cartas que o Dallas escreveu para mim? Eu
sempre acho conforto nas palavras dele. Elas estão na minha bolsa”. A boca se
curvou para cima. “Mas eu suponho que você sabe isso”.
Ele preferia massagear as costas dela a ler, mas os desejos dele não eram tão
importantes quanto os dela. Abrindo a bolsa, ele removeu o pacote de cartas. Os
dedos desajeitados desatavam a tira delicada que unia as cartas.
“Pegue uma do meio,” ela disse. “Qualquer uma”.
Ele pegou a que parecia mais gasta, que seria, provavelmente, a favorita dela.
Ele tirou a carta do envelope. “Você está certa que quer que eu leia isto?”.
Ela concordou com a cabeça. Ele aumentou a chama do lampião e virou a carta
de forma que a luz iluminasse as palavras do irmão. Ele limpou a garganta.

6 de abril de 1876.
Minha querida senhorita Carson,
O vento soprou forte esta tarde, girando as pás do meu moinho de vento pela primeira
vez. A roda gemeu e os homens reclamaram que não seria o suficiente mas eventualmente
começou a girar o suficiente para trazer a água. Eu apreciei ouvir o barulho ritmado. Espero
que, durante muitas longas noites, o som, como uma serenada, faça minha família dormir.
Não sinto solidão quando estou rodeado pela vasta extensão de terra e suas infinitas
possibilidades. Eu acho que você vai achar aqui muita coisa para aliviar sua solidão—a terra,
o vento uivando, o mugir do gado, o sol, a lua, as estrelas. Quando eu cavalgo à noite
sozinho, eu acho companhia em tudo que me cerca. Eu digo isto a você porque não quero que
pense que as palavras seguintes são devidas à solidão.
Eu acredito que uma esposa e filhos seriam uma riqueza muito grande na minha vida. E
eu faria de tudo ao meu alcance para trazer riqueza à vida de vocês.
Depois de um ano de correspondência, estou seguro de que você e eu somos adequados
um para ou outro, e eu ficaria honrado em ter você como minha esposa. Aguardo
ansiosamente sua resposta.
Seu,
Dallas Leigh

“Eu disse sim”, Amelia declarou suavemente.


Houston colocou as cartas de lado, pegou um pano, e enxugou a testa dela. “Sei.
Dallas ficou sorrindo feito bobo durante uma semana depois que ele recebeu sua
carta”.
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O sorriso dela o lavou como um gentil pingo de chuva. Ele não podia se
lembrar de já ter feito alguém rir... Ou causado felicidade a alguém. Um pouco de
inquietação surgiu dentro dele. Ele não queria que ela dependesse dele para rir, ser
feliz ou ter conforto porque eventualmente ela aprenderia a verdade sobre ele: que
ele não era um homem em quem se podia depender.
Ele sabia que Dallas tinha sentido dúvidas se deveria enviá-lo ou não para
buscar sua futura esposa, mas ele não teve nenhuma escolha. Ele queria acreditar
que Dallas o tinha enviado porque confiava nele e porque ele tinha ganhado seu
respeito, mas ele sabia a verdade: Dallas não teve mais ninguém para enviar.
O riso dela foi se esvaindo com o silêncio, e ela colocou a mão no braço dele.
“Você realmente consegue ser bastante encantador”. As bochechas ficaram
vermelhas, e ele não estava muito certo que isso fosse por causa da febre. “Dallas
será um bom marido, não é?”.
“O melhor”. Ele colocou o pano na tigela com água. “Eu pegarei água para você
beber”.
Ele começou a se levantar. Ela alcançou as mãos dele as embrulhando com as
dela. “Obrigada por salvar a minha vida”.
Ele não teve coragem de dizer a ela que o pior ainda estava por vir.

Amelia rezou para morrer quando achava que iria viver, e rezou para viver
quando achava que iria morrer. Ela rezou enquanto tomou café da manhã. Ela rezou
quando não tinha mais forças para se levantar mas seu corpo insistia para que ela
tentasse de alguma maneira. Rezou quando estava tremendo de frio e rezou quando
estava queimando de febre.
Ela rezou para que Houston não a deixasse. Para sua satisfação, era a única
oração atendida. Ele ficou com ela todo o tempo de sua provação, mentindo
constantemente.
Ele dizia a ela que o pior já tinha passado quando ainda não tinha para que ela
não desistisse. Ele dizia a ela que o frio era um bom sinal, então ele dizia que a febre
era boa. Usando um pano fresco, ele enxugava o suor da testa, bochecha e
garganta... O tempo todo dizendo que ela ficaria bem, com sua voz profunda.
Ela descobriu que amava a voz dele, até quando estava mentindo. Tinha uma
doçura, era como um calmante. Ela imaginava os cavalos atendendo seus comandos.
Ela queria viver o suficiente para poder vê-lo treinando um cavalo, o cavalo dela, o
cavalo que ele tinha prometido a ela quando ela se sentia certa de que iria morrer.
Ela o fitava enquanto ele suavemente lavava a lama da canela dela. As
sobrancelhas não estavam mais tão frisadas quanto antes. Ela se perguntou se
alguém o tinha tratado com esta ternura quando ele tinha sido ferido. Ela não podia
imaginar com todas as vítimas de guerra, se alguém teria achado tempo para cuidar
de um menino de quinze anos muito ferido. Ela ficava surpresa pensando como ele
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tinha sido bem sucedido em sua provação.
Mas ele tinha sobrevivido, e ela estava determinada a não deixar que uma
pequena serpente levasse sua vida.
“Seu pai cuidou de você enquanto estava machucado?”, ela perguntou.
Ele visivelmente enrijeceu. Ele odiava conversar sobre a guerra, e, ainda assim,
essa era parte do passado de Dallas também. Como ela podia entender os homens
com quem viveria se não entendesse a história deles?
“Nosso pai já estava morto. Dallas cuidou de mim”.
“Dallas parece ter o hábito de cuidar das pessoas”.
“Ele tem jeito pra isto. Ele teria cuidado melhor de você do que eu”.
“Eu não posso imaginar como ele conseguiria fazer isso,” ela disse enquanto
colocava a mão por cima da dele. Os olhos dele estavam vermelhos, o rosto
desfigurado pelo cansaço. “Você precisa dormir,” ela disse.
“Vou dormir assim que a sua febre baixar”.
“Quando isso vai acontecer?”.
“Logo”.
Logo podia ser qualquer momento, qualquer dia. Logo podia ser quando a
morte viesse.
“Diga algo bom para mim,” ela disse. “Algo bom sobre o lugar aonde estamos
indo”.
Ele tocou o pano úmido na garganta dela. “Flores. Você verá flores bonitas na
primavera: azuis, vermelhas, amarelas. Não tão bonitas quanto as que você costura,
mas quase a mesma coisa”.
“O que mais?”.
“Não existe nada para bloquear sua visão do pôr-do-sol. Você pode ver ele
correr através do campo, faz com que a gente se sinta tão pequeno”.
“Eu sou pequena”.
Ele ergueu um canto da boca. “Sim, você é pequena”.
Sorrindo suavemente, ela tocou o canto da boca de Houston. “Um sorriso. Eu
pensei que morreria sem ver você sorrir”.
“Você não vai morrer”.
Ela ergueu uma sobrancelha. “Dallas arrancará seu couro se eu morrer”.
Inclinando-se, ele tirou uma mexa do cabelo dela da bochecha. “Com certeza,
ele irá”.
“Não deixe isso acontecer”, ela disse enquanto caia no sono.

Ele tinha os cílios mais longos que ela já tinha visto. Ela nunca os tinha notado
antes, mas enquanto ele dormia com o rosto pressionado contra o catre próximo ao
quadril dela, ela claramente podia ver o comprimento e a espessura dos cílios dele.
O cabelo—preto como um céu de meia-noite sem estrelas — enrolava por acima da
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orelha, descansado contra o queixo. Ele precisava se barbear.
Olhando fixamente para o perfil dele, ela não mais tentava imaginar como ele
seria se nunca tivesse sido ferido, mas ela se viu pensando nas coisas que ele
poderia ter tido. Uma vida que incluísse uma esposa e crianças. Um sorriso que teria
aquecido o coração de muitas mulheres. Uma risada que ecoaria forte e verdadeira.
Ela nunca o tinha ouvido rir, tinha visto somente o fantasma de um sorriso. Ele
não era nada dela para que se importasse, mas ela se importava. Ela queria ouvir a
risada dele. Queria que ele sorrisse sem se sentir constrangido. Ele tinha lutado para
trazê-la de volta à vida. Dar a ele um sorriso era um pagamento pequeno.
Ela passou os dedos pelas mexas espessas do cabelo dele. Era mais grosso que o
dela, como se tivesse travado uma batalha com o vento e o sol.
Ele acordou com um solavanco. “Sua febre acabou”.
Ela sorriu suavemente. “Eu sei. Você estava dormindo”. Ele se sentou e esticou
os ombros para trás.
“Como você se sente?”.
“Cansada”.
“Você se sentirá fraca por uns dias”.
“Você já foi picado por uma serpente?”.
“Não, mas acontece de vez em quando com alguns homens na comitiva”.
“Você cuida dos homens então?”.
“Não. O cozinheiro normalmente dá os medicamentos. Acha que consegue
comer alguma coisa?”.
“Eu tentarei. Nós vamos viajar hoje?”.
“Não, nós deixaremos você descansar por uns dias”.
“Dallas não ficará preocupado se nós não estivermos lá na hora certa?”.
“Eu acho que ele só começará a se preocupar se a gente não chegar lá em um
mês”.

Houston a levava para fora durante o dia para que apreciasse o sol e a trazia de
volta para a barraca de noite para dormir. Ele dormia no próprio catre, a sela
colocada de forma tal que ele pudesse olhar a barraca dela. Dadas as circunstâncias,
ele não achava que ela se importaria. Ela não estava fazendo nenhuma sombra.
Na manhã do terceiro dia após o fim da febre, ele despertou com o olhar fixo na
barraca. Com as primeiras luzes do amanhecer passando através das folhas e
dançando na lona, ele não podia ver quaisquer sombras ou movimentos dentro da
barraca, mas ele podia pressentir Amelia claramente, deitada na cama, dormindo
profundamente. Nos últimos dois dias, ela mais tinha dormido do que ficado
acordada.
Ele achava que eles poderiam viajar hoje. Ele achava que deveria levantar e
despertá-la, mas ele gostava da idéia de deixá-la dormir, deixando-a acordar por si
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só, se esticando, lavando o rosto, escovando o cabelo. Ele não conseguiria ver
nenhum dos movimentos, mas saber que eles aconteceriam quase o fez sorrir.
Ela era doce, tão incrivelmente doce.
Ele se livrou do cobertor, colocou os pés no chão, apoiou as mãos nas coxas, e
continuou a olhar fixamente para a barraca. Ele faria café antes de ela despertar.
Cheio de açúcar como ela gostava. Ele iria aquecer água para ela.
Ele se virou e congelou. Ela estava sentada em um tronco, com as mãos
apertadas entre os joelhos.
“Bom dia,” ela disse suavemente.
“Você está acordada,” ele disse rouco, fazendo careta por dizer algo que ela
obviamente sabia.
Ela sorriu, e ele quase se esqueceu de respirar.
“Eu queria ver um amanhecer do Texas. Foi bonito”.
Ele se virou, lutando contra o desejo de dizer a ela que ela era mais bonita do
que qualquer sol que ele já tinha visto. O cabelo trançado estava por cima de um
ombro, a cor rosa do rosto banhada pela luz da manhã, os olhos verdes brilhando de
admiração. Ele achava que nunca mais seria capaz de olhar para o sol surgindo no
horizonte sem pensar nela, não conseguiria apenas apreciar o começo de um novo
dia. Para ele, um dia era algo para ser ultrapassado.
“Eu acho que quando a gente pensa que vai morrer, começa a apreciar as coisas
um pouco mais. Qual foi a primeira coisa que você queria fazer depois que foi
ferido?”, ela perguntou.
“Queria ver minha mãe”. Ele agarrou o chapéu e colocou no lugar. Ele nunca
tinha dito isto a ninguém. Ele queria tanto a mãe que tinha se sentido como um
bebê.
“Mas ela estava muito longe para ir até você”.
Os olhos dela continham tanta compreensão que ele não pôde impedir que as
memórias voltassem. “Sim, ela estava muito longe, e ela tinha que cuidar de Austin,
então ainda que ela soubesse que eu tinha sido ferido, ela não poderia ir”.
“Você não disse a ela que tinha sido ferido?”.
Ele agitou a cabeça. “Dallas disse que saber apenas a faria ficar preocupada.
Depois da guerra terminada, nós fomos para casa. Quando nós chegamos lá, estava
tão quieto. Podia sentir que algo não estava certo...”.
A voz dele foi diminuindo.
“O que não estava certo?”, ela perguntou, suavemente pedindo para que ele
continuasse.
Houston se sentou no chão duro. Conforto era algo tão esquivo a ele quanto à
paz da mente. Ele nunca tinha falado sobre aquele dia com ninguém, nem mesmo
com Dallas. Às vezes, ele sentia uma forte necessidade de conversar sobre isto com
Austin, saber se ele se lembrava, mas se Austin não tinha nenhuma memória
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daquele fato, ele não queria dá-la a ele. “Nós achamos nossa mãe na cama. Ela já
estava morta há algum tempo. Eu fiquei contente então por Dallas não ter escrito a
ela sobre mim, que nós não demos mais um motivo para ela se preocupar”.
“Você sabe como sua mãe morreu?”, ela perguntou.
“Acho que ela pegou algum tipo de febre. Nosso pai não era de fazer muitos
amigos então ninguém verificou a fazenda enquanto nós não estávamos. Nós não
sabemos como Austin conseguiu sobreviver. Ele era como um animal selvagem
quando nós o achamos”.
“Essas são as memórias que você acha que o Austin tem da guerra?”.
“Eu não tenho nenhuma idéia das memórias que ele tem. Se ele não tiver
alguma, eu não quero dar a ele a minha”.
“Então você nunca conversa sobre isto”.
“Não”. Ele se levantou e esfregou as mãos nas coxas. “Se você estiver
recuperada o suficiente, nós vamos seguir caminho esta manhã”.
Ela sorriu então, um sorriso que fez o coração dele doer, um sorriso que fez com
que ele desejasse, na juventude, ter seguido um caminho diferente.

Capítulo Oito

Enquanto a carroça sacolejava por causa do chão desnivelado, Amelia se


agarrava firmemente na cadeira. A cada dia ela estava recuperando as forças e a
cada dia do percurso, a cada quilômetro percorrido, ela ficava mais íntima de
Houston.
Ela sabia que não deveria ter esse tipo de sentimento. Ela sabia que não podia ter
esse tipo de sentimento. Ela tinha assinado um contrato declarando que viajaria
para o oeste para se casar com Dallas. Ela não achava que ele era um homem de
quebrar contratos ou ignorá-los. Ela tinha sido cercada pelas profundezas do
desespero, com seu mundo se fechando, suas opções escasseando quando ela
recebeu uma carta de esperança. Ela devia muito a ele por tê-la erguido das trevas
que a guerra a tinha jogado, para mudar seu destino.
Ela lia as cartas dele todas as noites antes de ir dormir, tentando manter uma
imagem do homem dentro de seu coração, mas era Houston que tinha ouvido o
choro dela nas últimas noites, era Houston que entrava sorrateiramente na barraca
dela para assisti-la dormir.
Ele nunca parecia verdadeiramente descansar. Enquanto ele dormia, gotas de
suor cobriam seu rosto e pescoço. Ele começava a respirar forte como se estivesse
correndo pela própria vida.
Ela disse a ele que tinha despertado cedo para apreciar o amanhecer, mas a
verdade era que ela gostava daqueles momentos antes do amanhecer quando o sol
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tocava o rosto dele e sua respiração se acalmava como se no sono ele tivesse
percebido que tinha sobrevivido a mais uma noite.
Amelia olhou para a pequena choupana de madeira próxima. O coração dela
saltou quando viu alguns poucos bois pastando nos campos ao redor. “Nós já
estamos no rancho do Dallas?” Ela perguntou.
“Não. Só parando para fazer uma breve visita a alguns vizinhos”.
“Então nós estamos perto”.
“Não. Aqui, qualquer casa que fique no caminho é considerado um vizinho”.
Ele parou a carroça entre a casa e um celeiro encharcado.
Um homem alto e magro segurando um rifle saiu de casa. “Ele colocou as mãos
por cima dos olhos para poder olhar contra o sol”. Houston, é você?
“Sim, Dallas disse que eu passasse por aqui”. Houston desceu da carroça e
segurou os braços de Amelia.
Ela se preparou para descer e o homem veio andado relaxadamente.
“Você trouxe uma mulher de lá?”, o homem perguntou.
Houston colocou as mãos ao redor da cintura dela e a desceu até o chão. “Sim.
A senhorita Carson é noiva do Dallas. Ele quebrou a perna. Mandou que eu fosse
buscar ela”.
Um sorriso largo apareceu no rosto do homem. “Sim, entendo. Ela é uma
mulher de coração e mão?”
“Sim”.
“Dallas certamente conseguiu uma bonita, não é?”.
“Acho que sim,” Houston disse tranquilamente. “Senhorita Carson, este aqui é
John Denton”.
Sorridente, Amelia bateu a saia empoeirada e acenou movendo a borda do
chapéu de Austin. No momento ela se imaginava qualquer coisa, menos bonita.
“Beth, nós temos companhia!”, John gritou.
Uma jovem, de cabelo escuro chegou apressada na varanda, enxugando as
mãos no avental. Uma garotinha, com uma boneca de trapo no braço, se escondeu
atrás da saia da mulher e olhou ao redor. “Por Deus, John, não fique aí de pé.
Mande eles entrarem”.
Amelia deu uma olhada rápida para Houston. Ele acenou rudemente com a
cabeça. “Eu verei o que os animais precisam, e depois irei até vocês”.
John se arrastou atrás de Houston enquanto Houston levava as mulas para uma
coxia. Amelia entrou na casa.
O sorriso da mulher ficou mais brilhante. “Eu sou Beth”. Ela colocou a mão na
cabeça escura da criança. “Esta é Sarah. Ela tem quatro anos de idade e é muito
esperta”.
Amelia se ajoelhou na frente da criança. Ela tinha os olhos azuis do pai e os
cabelos escuros da mãe. “Oi, Sarah. Eu sou Amelia”.
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Sarah abraçou a boneca. “Esta é Mary Margaret”.
Amelia tocou o braço de pano da boneca. “Ela é muito bonita, assim como
você”.
Sarah apertou o rosto contra a saia da mãe e deu uma risadinha para ela.
“Perdoe a timidez dela. Nós não temos muita companhia por aqui”.
Amelia ficou de pé. “Eu acho que isso é uma coisa com a qual vou ter que me
acostumar”.
“Eu nunca esperei que Houston fosse se casar”.
“Na verdade, eu vou me casar com Dallas”.
Os olhos de Beth se arregalaram. “Dallas? Você já se encontrou com ele?”.
Amelia negou com a cabeça. Beth deu uma palmada no peito dela. “Bonito
como o pecado”. Ela olhou para Amelia especulando. “Você é uma mulher de
coração e mão?”.
“Eu acabei de ouvir Houston dizer que eu sou, então talvez eu seja, embora não
esteja muito certa do que seja isso”.
Beth deslizou o braço pelas costas de Amelia e a levou para dentro da casa.
“Uma noiva por pedido de correio. Os caubóis nos chamam de coração e mão
porque a maioria deles escreve com o coração e a mão. Foi assim que o John me achou.
Nossa pequena casa não é muita coisa, mas o que eu tenho aqui é cem vezes melhor
do que o que eu tinha antes”.
A mobília parecia ter sido trabalhada cuidadosamente a mão. O fogo crepitava
na lareira. O quarto cheirava a pão recentemente assado e canela.
Beth alcançou uma cômoda de madeira e pegou uma tigela, colocando-a na
mesa de carvalho quadrada. Ela levantou Sarah e a sentou em uma cadeira que era
mais alta que a dos outros. “John fez toda a mobília”.
“É adorável”.
“Ele trabalha duro tentando me fazer feliz. Eu acredito que Dallas fará o mesmo
por você”.
“Eu só conheço o Dallas das correspondências. Eu esperava aprender mais
sobre ele durante a viagem mas Houston não é de falar muito”.
Beth olhou para ela, com a compreensão completamente refletida nos olhos.
“Oh, Amelia, nenhum dos homens aqui é de falar. Eles não vão te questionar. Eles
acreditam que se você quiser compartilhar alguma coisa, você vai decidir a hora
certa de falar”.
“Por que você acha que eles são assim?”.
Beth pegou uma panela do forno e começou a colocar o cozido na tigela. “Eu
acho que é porque muitos dos homens vieram para cá depois que a guerra começou.
Ou eles tinham um passado do qual não se orgulhavam muito. Muitos deles
mudaram de nome, ou apenas falam o primeiro nome. Ninguém fica questionando
isso. É por isso que eles terminam aqui. Se eles quiserem ficar sozinhos, eles serão
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deixados em paz”.
“E se eles não quiserem ficar sozinhos?”.
Beth sorriu. “Então eles mesmos pedirão uma noiva”. Ela colocou a panela na
mesa e voltou ao forno, trazendo uma fôrma preta que tinha algo que lembrava a
Amelia um bolo amarelo.
“Bolo de milho e cozido,” Beth explicou. “Não é algo sofisticado, mas enche e os
homens precisam de comida forte”. Ela olhou para trás de Amelia e apontou com
um dedo. “Deixem o pó aí fora!”.
John e Houston limparam os pés na varanda por um minuto antes de entrarem
e sentarem. Amelia se sentou ao lado de Sarah, em frente a Houston, que se sentou
de forma que seu lado do rosto com as cicatrizes ficasse longe da mesa.
Quando Beth se sentou, todo mundo curvou a cabeça.
“Querido Deus,” John começou, “obrigado por trazer uma companhia para
dividir o fardo de conviver com a gente por um dia. Amém”.
Rindo, ele olhou para Beth. Ela apontou o dedo para ele. “Você estava
escutando atrás da porta”.
“Não, querida, mas estou casado com você por tempo suficiente para saber que
a pobre senhorita Carson aqui estará com o ouvido cheio antes da noite”.
“Por favor, chame-me Amelia”.
Ele ficou vermelho antes de pegar um pouco de cozido.
Beth colocou uma mão sobre a de Amelia e a apertou. “Você terá que me
perdoar,” ela disse. “Desde que eu comecei a amar John, eu sinto a falta da voz de
uma mulher de vez em quando”.
Amelia lançou um olhar furtivo para Houston. Ele a via com um olhar inocente,
mas ela ficava pensando se Dallas realmente tinha dito a ele para que parasse por
aqui ou se ele só estava tentando levá-la a uma companhia nesta parte do Texas.
“Eu acho que você é encantadora”, Amelia disse com toda sinceridade. “E eu
sei o que é desejar uma voz gentil”.
Amelia percebeu o que Houston tinha suportado todas as noites enquanto Beth
despejava perguntas, uma após outra. Ela queria saber sobre a vida no Leste, a
jornada no trem e como a moda tinha mudado. Ela conversou sobre tudo exceto o
tempo. John fazia um comentário de vez em quando, mas Houston ficou em silêncio
o tempo todo.
Quando a tigela de John estava vazia, ele se recostou na cadeira e fez uma
pergunta que só Houston poderia responder. “Quantas cabeças de gado Dallas tem
agora?”.
Houston deu uma olhada rápida por cima do cozido como se não tivesse
notado que a maioria da conversação anterior não o incluía. Ele não tinha feito
perguntas, não tinha iniciado nenhuma resposta, e não tinha causado nenhuma
risada. “Mais ou menos duas mil”.
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John assoviou baixo. “Se ele precisar de alguma ajuda para levar o gado para
vender, é só chamar. Eu levarei Beth para o rancho e ela e Amelia poderiam se ver”.
“Eu direi a ele”.
“John, por que você não coloca um colchão de feno aqui para a gente? Nós
deixaremos Amelia e Houston dormirem na cama hoje à noite. Você e eu podemos
dormir no sótão”.
O coração de Amelia deu um pulo. Ela pensou que a intimidade que os cercava
enquanto eles se sentavam lado a lado perto da fogueira do acampamento não era
nada em comparação com a intimidade de dormir no mesmo quarto, mesma cama,
embaixo das mesmas cobertas.
John limpou a garganta. “Eu não estou certo de que isso seria adequado, Beth.
Normalmente, nós só colocamos o colchão de feno quando as duas pessoas estão
comprometidas”.
“Não seja tolo. Dallas confia em Houston, ou ele não teria mandado que ele
buscasse Amelia. E ela deve confiar nele, senão não estariam viajando. Nada
acontecerá naquele quarto que não pode acontecer na trilha”.
John encolheu os ombros. “Eu acho que você tem razão nisso”.
“Eu aprecio a generosidade, mas eu dormirei no celeiro,” Houston disse.
“Tolice,” Beth disse, batendo com a mão contra a mesa para dar ênfase.
“Quando foi a última vez que você dormiu em uma cama?”.
Houston olhava para ela como se fosse cair numa armadilha quando Amelia já
tinha percebido que ele tinha caído. Ele não podia nem dizer que tinha dormido em
uma cama enquanto eles estavam em Fort Worth.
“Há bastante tempo, mas eu estou acostumado a dormir no chão”.
“Então hoje à noite você dormirá em uma cama, e nós vamos preparar o banho
para cada um. Uma boa comida quente, um banho quente, e uma cama suave. Eu
teria vendido minha alma para conseguir isso quando estava vindo para cá. Fico
muito contente em poder oferecer isto a vocês”.
Amelia encontrou o olhar de Houston, e ela soube que ele queria uma saída
honrada da situação, sabia que ela deveria ajudá-lo a achar uma. Mas ele fazia um
sacrifício atrás do outro nesta viagem. Com certeza Dallas não a culparia por fazer
este sacrifício por Houston.
“Eu realmente aprecio sua generosidade, Beth” ela disse tranquilamente. “Eu
adoraria um banho quente”.
Beth bateu a mão na mesa na frente da filha. “Sarah, pare de ficar encarando.
Não é educado”.
Amelia deu uma olhada rápida para a pequena menina. Ela curvou a cabeça,
mas Amelia podia ver que seu olhar ainda estava na direção de Houston.
Houston empurrou sua tigela para trás. “A comida estava boa, madame. Se
vocês me dão licença, eu preciso verificar as mulas”. Ele arrastou a cadeira pelo
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chão, ficou de pé e saiu.
Beth suspirou. “É uma pena ele ter se ferido assim, mas eu imagino Dallas
dormindo tranquilamente de noite”.
“O que você quer dizer?”, Amelia perguntou.
“Não é incomum para uma noiva pedida pelo correio encontrar alguém no
caminho e nunca chegar ao homem que a tinha mandado buscar. Creio que Dallas
percebeu que isto não aconteceria se ele fizesse Houston ir te buscar. Você não vai se
apaixonar por ele”.

Houston cruzou os braços por cima da cerca. A Sorrel bufou e cutucou o


cotovelo dele.
“Não tenho maçã”. Ele coçou a orelha do cavalo. A maioria dos caubóis não
morria quando montava uma égua, e Houston descobriu que ele podia abordar um
rebanho de cavalos selvagens com mais sucesso quando montava em uma. Apesar
de ficarem cautelosos com um cavalo estranho, um garanhão provavelmente
aceitaria melhor uma fêmea sob seu domínio. E, com certeza, ele lutaria contra um
outro garanhão. “É melhor você dormir esta noite, velha amiga. Eu tenho certeza de
que não vou conseguir”.
O cavalo cutucou o cotovelo de Houston novamente e quando percebeu que
não ganharia nenhuma maçã, trotou para longe, deixando Houston apreciando a
solidão que desejava.
Ele sabia que não era incomum as pessoas oferecerem suas camas para visitas,
até quando os viajantes não eram casados. A falta de cidades e hotéis resultaram em
um código de hospitalidade pelas planícies, coisa que Houston não conseguia deixar
de admirar. Ainda assim, ele não estava certo de que Dallas apreciaria a
generosidade dos vizinhos. Ele só podia desejar que seu irmão entendesse que Beth
não poderia ter falado palavras mais verdadeiras: nada iria acontecer naquela cama.
Nada. Maldição, ele provavelmente não conseguiria dormir.
Houston sentiu que alguém olhava para ele, um olhar sutil quase fixo. Ele deu
uma olhada rápida para baixo. Grandes olhos azuis o fitavam. Olhos incrivelmente
inocentes. Ele desejou poder dar à pequena garotinha um sorriso, mas ele sabia que
não importa o quanto ele tentasse, o lado esquerdo do rosto dele não cooperaria, e
ele acabaria dando a ela a visão de algo torcido e ainda mais feio do que o que ela
estava olhando agora, algo que poderia assustá-la.
“Eu me machuquei,” ela disse. Ela ergueu a saia até que sua calça branca ficou à
mostra junto com o joelho arranhado. “Minha mãe deu um beijou para que ele
melhorasse”. Ela soltou a saia e apontou com o dedo. “Você tem um machucado”.
“Sim, acho que tenho”. Bem no meio do coração.
Ela levantou o rosto. “Eu posso beijar para que ele melhore”.
Algo dentro do peito dele ficou tão apertado que ele achou que não conseguiria
71
respirar. Ela curvou o dedo mindinho e acenou para ele. “Vem aqui”.
Segurando-se na grade, ele curvou os joelhos, agachou até que ficasse o mais
próximo possível da altura dela. Os olhos dela cresceram e ficaram sérios. Ela
enrugou os lábios minúsculos, foi para frente com a cabeça, então saiu correndo. O
toque dos lábios dela contra a bochecha dele tinha sido como o toque da brisa da
manhã. Lá no fundo, ele sorriu.
De pé alguns passos atrás e ligeiramente do lado esquerdo dele, Amelia sabia
que assim ele não poderia vê-la por causa da vista perdida. Ela também percebeu,
espantada, que ele estava sorrindo. Não do lado de fora onde as pessoas
normalmente sorriem, mas sorria por dentro, em um lugar secreto onde ele abrigava
os medos e as dúvidas, onde ela imaginava um menino de quinze anos de idade
lamentando a perda da mocidade.
Ela sabia que estava errada por ficar observando-o sem seu conhecimento, mas
ela queria conhecê-lo tanto quanto ela precisa conhecer Dallas. Com Dallas ela teria
uma vantagem. Ela estava certa de que ele conversaria com ela e responderia suas
perguntas. O irmão dele guardava as mágoas, os desejos e sonhos perto do coração,
onde ninguém poderia compartilhá-los.
Ela se virou e caminhou de volta para a casa onde o banho a esperava. Ela não
viu o sorriso de Houston, mas ele pairava ao seu redor como um suspiro
sussurrado, doce e inesperado.

Houston afundou na água quente e soltou um lento e apreciativo suspiro. Beth


colocou cobertores em cima da grade da parte de trás da varanda para poder dar a
ele um pouco de isolamento. Ele podia sentir o ar da noite se mover, ao longe as
cores vermelhas e azuis varriam o céu.
Um homem não poderia desejar muito mais do que isto.
Ele fechou o olho. Amelia tinha estado na água antes dele. Embora Beth tivesse
adicionado mais água quente na tina depois que ela tinha saído, se ele se
concentrasse o suficiente, achava que poderia sentir o odor doce dela. O cheiro dela
parecia ser de alguma flor, mas ele não conhecia nenhuma flor que cheirasse
daquela forma. Ele imaginou os pés minúsculos dela descansando contra a parte
inferior da tina de madeira onde os dele estavam agora. Ele imaginou o sabão de
lixívia deslizar por cima do corpo dela, tocando-a antes de ter tocado nele. Parecia
uma imagem tão íntima, usar a mesma água, sabão, e o ar acariciando ambos os
corpos.
A boca dele ficou tão seca quanto a brisa do West Texas. Ele estava sentando em
uma tina de água, morrendo de sede. Ele abriu o olho. O sabão tinha escapado de
suas mãos, girado no ar, batido na varanda, e deslizado em direção à sujeira.
Amelia se curvou e o pegou.
“O que você está fazendo aqui?”, ele berrou.
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Ela se levantou e se debruçou contra a grade da varanda, com o olhar preso no
dele. “Eu nunca vi você se divertir com qualquer coisa”.
“Eu estava apreciando o banho”.
“Eu sei”. Ela sorriu tão docemente que ele achou que seus pensamentos tinham
sido audíveis. Ele esticou os braços. “Eu preciso do sabão e um pouco de
isolamento”.
Ela deu o sabão para ele e levantou uma xícara cheia até a borda com espuma
de barbear. “Barba não fica bem em você”.
Ele esfregou a mão por sobre o queixo áspero. “Eu farei a barba, então”.
“Eu teria muito prazer em te barbear”.
“Eu posso fazer isto”.
Ela mordeu o lábio inferior. “Eu tenho muita experiência em barbear. Eu fazia a
barba do senhor Bryant todas as manhãs”.
Amelia viu várias expressões passarem pelo rosto dele, e ela sabia que ele
queria perguntar, mas como sempre, com raras exceções, ele se manteve em silêncio.
Ela caminhou na direção dele e se ajoelhou ao lado da tina, a coragem
começando a faltar enquanto ele mergulhava as mãos na água escura, espirrando
água nela com esforços frenéticos.
“Mulher, eu não estou usando nada!”.
Ela já o tinha visto sem roupas, mas ela não via nenhuma razão para relembrá-
lo deste fato. Ele falaria que as circunstâncias tinham sido diferentes, e ela não teria
nenhuma escolha senão concordar. Embora ela não tivesse nenhuma intenção de
olhar para baixo dos ombros nus dele, ela pegou um cobertor da grade da varanda e
o colocou em cima da tina. “Eu não posso ver qualquer coisa além do seu rosto e
ombro agora. Eu gostaria muito de fazer sua barba. É uma coisa tão pequena, uma
forma de agradecer por você ter sido tão atencioso comigo enquanto eu estava
doente”.
Ele deu uma olhada rápida em torno da varanda.
“Beth e Sarah já foram para a cama. John está fechando o celeiro”.
Vendo os músculos da garganta dele trabalharem, ela teria jurado que ele
estava apavorado. “Eu não machucarei você,” ela o assegurou, sorrindo
suavemente. “Eu só quero te ajudar a esquecer”.
“Você está usando minhas palavras,” ele murmurou.
“Eles são fáceis lembrar. E você não diz muitas”.
“Você está me provocando, sabia?”.
Ela sorriu calorosamente com a expressão aborrecida dele e começou a passar a
escova na xícara, tentando deixar os dois à vontade antes da noite cair, e ambos se
virem juntos na mesma cama.
“Meu pai possuía uma plantação antes da guerra”. Ela tinha a atenção exclusiva
dele e passou a espuma pelo seu rosto até junto à garganta. “Nós tínhamos escravos,
73
campos de algodão, uma casa grande. Eu tinha duas irmãs. Nenhum irmão. Eu era a
mais jovem. Favorita do papai. Eu era bastante gorducha e ele costumava me
chamar de ‘minha pequena abóbora’”.
Ele enrugou a testa. “Não consigo imaginar você gorducha”.
“A guerra muda as pessoas”.
A testa dele relaxou. “Sim, eu sei que muda”.
Ela pôs a xícara de lado e tirou uma navalha do bolso, dando a ele tempo para
fazer uma pergunta, mas nenhuma dúvida surgiu.
Colocando o dedo embaixo do queixo, ela inclinou a cabeça dele para trás. “Eu
disse a você que meu pai morreu. Foi logo antes da guerra terminar. Mamãe disse
que ele tinha pegado a febre, mas eu acho que ele ficou deprimido de ver que o Sul
que amava desaparecendo. Minhas irmãs morreram logo depois dele. Então ficaram
só mamãe e eu”.
Ela parou por um momento para apreciar o som da navalha que deslizava pelo
queixo dele. “Senhor Bryant veio do Norte e pagou os impostos da nossa plantação.
Ele deixou que eu e a mamãe trabalhássemos para ele. Nós nos mudamos para o
espaço dos escravos”.
O queixo dele se moveu. Ela a empurrou de volta no lugar. “Você precisa ficar
quieto para que eu não te corte”.
“Ele não devia ter feito isto”.
Ela encolheu os ombros. “Eu me sinto agradecida por ele não nos ter feito
dormir no campo ou nos expulsado de lá completamente. Quando ele plantou
algodão, nós o colhemos”.
“Eu e Dallas costumávamos colher algodão quando éramos jovens”.
Ela se sentou sobre o salto dos sapatos. “Vocês já colheram algodão?”.
Ele concordou com a cabeça. “Eu não me importei tanto com isto, mas Dallas
odiou. Jurou que quando ficasse velho o suficiente, ele acharia um trabalho que não
envolvesse plantar ou colher. Acho que é por isso que ele gosta de gado”.
Ela ficou de pé e caminhou para o outro lado.
“Eu posso terminar de me barbear,” ele disse, agarrando a navalha.
Ela empurrou a mão dele para longe. “Eu posso fazer isto”. Com cuidado, ela
começou a barbear a área embaixo do tapa-olho, seguindo caminho até as cicatrizes.
“De qualquer maneira, uma hora, senhor Bryant deixou mamãe trabalhar na casa.
Quando ela morreu, eu assumi o comando das tarefas dela. Eu cuidei das
necessidades dele quando ele estava muito fraco para cuidar de si mesmo. Ele era
um homem muito orgulhoso. No fim, eu acabei gostando dele, embora fosse um
Yankee(*)”.
Ela angulou a cabeça para estudar o rosto de Houston. “Eu devo deixar um
pouco de pêlo em cima do lábio para que cresça um bigode?”.

74
*N. da R. = adjetivo pátrio (estadunidenses) historicamente carregado com
sentido de ódio.
“Se você quiser. Um homem com o rosto como o meu não importa muito se tem
bigode ou não”.
Mas ele se importava, ela percebeu, pensando naquele dia em que ela o tinha
conhecido. Ele estava limpo e barbeado. Na manhã em que eles partiriam, ele tomou
banho e se barbeou. E ele trouxe junto seu equipamento de barbear e um espelho
minúsculo para que pudesse continuar cuidando da aparência enquanto eles
viajavam. Se ele quisesse um bigode, ele teria deixado crescer sem que ela sugerisse.
Ela mordeu o lábio inferior e estreitou os olhos. “Não, eu acho que um bigode
esconderia sua boca, e você tem uma boca bonita”.
Na luz que desvanecia, ela podia ver o rubor aparecer no rosto dele.
Cuidadosamente, ela barbeou a parte de cima do lábio. Um calafrio desceu pela
espinha dela quando as respirações dos dois se encontraram.
Ela enxugou as sobras de espuma e deslizou os dedos junto ao queixo liso dele
e em cima da bochecha até que a palma da mão dela embalou o lado do rosto dele,
as pontas dos dedos tocando ligeiramente as cicatrizes. Ela ficou contente por ele
não ter agarrado o pulso dela e levado sua mão para longe. “Ainda dói?”.
Ela o viu respirava fundo. “Às vezes... Quando bate um vento do Norte, dói”.
Ela olhou de volta para os lábios dele. Eles pareciam incrivelmente suaves e
fora de lugar em um rosto tão enrugado quanto o dele. Ela ergueu os olhos e
descobriu que ele estava observando os lábios dela também. Conscientemente, ela
lambeu os lábios.
O olhar dele vagou pelas formas dela até que os olhares se encontraram. “Vai
escurecer logo. É melhor que você entre. Todos os tipos de animais aparecem à
noite”.
Retirando a mão da bochecha, ela se levantou. “Deixei algumas toalhas perto do
fogo para esquentar. A brisa pode ser bastante gelada quando se está molhado. Vou
pegar para você”.
Tão calmamente quanto podia, com o estômago revirando, ela saiu andando,
sabendo que ela não deveria ter apreciado barbear Houston tanto quanto ela tinha,
sabendo que ela não devia se perguntar se os lábios dele eram tão suaves e quentes
quanto pareciam. Ela fez um voto silencioso de que na manhã seguinte ao
casamento, ela barbearia Dallas.

Amelia se sentou na extremidade da cama, esperando por seu companheiro de


cama. Ela colocou uma blusa e saia limpa que tinha trazido da Geórgia. Ela não
conseguiu se forçar a colocar uma camisola. Ouviu uma batida suave e ficou de pé.
“Entre”.
A porta abriu, e Houston espiou o quarto. “Você está pronta? Posso entrar?”.
75
Ela concordou com a cabeça. Com um passo largo e longo, ele estava dentro do
quarto, olhando tão desconfortável quanto ela se sentia.
“Você quer que eu feche a porta?”, ele perguntou.
Ela concordou com a cabeça novamente, não totalmente certa de que sua voz
tinha entrado com ela no quarto.
Ele deixou os sacos de viagem próximos à porta e deu uma olhada rápida em
torno do quarto, olhando para tudo. Exceto Amelia e a cama. Finalmente, ele soltou
um suspiro longo, lento e encontrou o olhar dela. “Eu acho que nós temos duas
escolhas aqui. Eu posso: sair pela janela e voltar ao amanhecer ou dormir no chão”.
“Ou você pode dormir na cama”.
O olhar dele foi para a cama.
“Eu acho que Beth ficaria magoada se, de alguma maneira, ela descobrisse que
você não dormiu na cama”.
“Sim, certo, mas agora eu estou mais preocupado é com como você se sente“.
“Está preocupado?”.
Ele se virou para ela. “Sim”.
“Bem, agora mesmo, eu estou cansado e adoro dormir em uma cama. Se nós
mantivermos nossas roupas, com uma tábua nos separando, não vejo nenhum
problema se a gente compartilhar a mesma cama”.
Um canto da boca de Houston se ergueu. “Você não acha que eu não consigo
passar por cima da tábua?”.
Ela ergueu o queixo. “Eu não acho que você pensaria em passar por cima dela”.
Ele aceitou o desafio graciosamente. “Certo. Qual lado você quer?”.
“Eu ficarei com o lado próximo à mesa”.
Ele caminhou através do quarto e sentou no lado da cama mais próxima à
janela. A cama rangeu com o peso do corpo dele. “Eu posso tirar minhas botas?”.
“E seu chapéu e seu casaco”.
Amelia deu uma última olhada no quarto. As roupas de Beth estavam
penduradas em um guarda-roupa sem portas. Ele continha menos roupas do que o
novo guarda-roupa de Amelia, mas Beth possuía algo que Amelia não possuía.
“Oh, este vestido não é bonito?”. Ela perguntou com uma voz tranqüila
enquanto cruzava o quarto e tocava os dedos no delicado fio branco de renda que
enfeitava o vestido de seda.
“Branco não é muito prático”, Houston disse. “Estaria todo sujo antes da
metade do dia”.
“Uma mulher só veste isto uma vez”.
“Parece um desperdício de dinheiro então”.
“Talvez seja, mas eu acho que a pessoa paga por todas as memórias que ele
constrói”.
“Memórias?”.
76
“Sim”, ela respondeu, olhando por cima do ombro para o homem sentado na
cama, perguntando-se brevemente se os homens guardavam as memórias como as
mulheres fazem. “Uma mulher vestiria isto somente no dia do casamento”.
Ele enrugou a testa. “O que você vai vestir quando se casar com Dallas?”.
Ela encolheu os ombros e caminhou para a cama. “Algum vestido que a gente
tenha comprado em Fort Worth, imagino”.
“Você devia ter dito para mim que precisava de algo especial”.
Ela se sentou na cama com as costas viradas para ele e removeu os sapatos. “Eu
não preciso de algo especial”. Ela depressa deslizou para debaixo das coberturas e
rolou para o lado, as costas contra a tábua de madeira.
A cama se mexeu quando ele se esticou do outro lado da tábua.
“Você se importa se eu mantiver a lamparina acesa?”, ela perguntou.
“Não me importo”.
“Vai te atrapalhar a dormir?”.
“Não. Eu sempre durmo com luz”.
Amelia rolou de lado. “Você deixa a luz acesa?”.
“Deixo. Pode ser a luz de uma fogueira de acampamento ou a lamparina ao
lado da minha cama”.
A rudeza na voz dele demonstrou mais claramente do que as palavras que
tinha usado que tinha revelado uma parte de si mesmo que ela imaginava que
ninguém mais conhecia. Ela se aconchegou na cama, tentando acumular mais esta
informação que ele tinha compartilhado com ela. “A casa de Dallas é como esta
aqui?”.
“Não”.
“Como que ela é?”.
Ele demorou um longo momento para responder. “É grande”.
“É bonita?”.
“Dallas acha”.
“Mas você não acha”.
Ele suspirou fundo. “Eu não acho que você pode realmente apreciar até que
tenha visto”.
“Você vive lá?”.
“Não, eu tenho meu lugar que é uma hora de viagem”.
“É grande?”, ela perguntou.
“Não. É menor que este lugar. Só um quarto, mas é o suficiente pra mim”.
Amelia puxou o coberto até o queixo e assistiu as sombras tocarem na parede
enquanto a chama da lamparina balançava. Ela podia imaginar Houston em uma
casa de um quarto, cuidando dos cavalos durante o dia e olhando as estrelas à noite.
“Boa noite”, ela disse suavemente, virando de lado mais uma vez.
“Amelia?”.
77
“Sim?”.
“Se você ouvir aquele animal gemer da mesma forma que você ouviu algum
tempo atrás... Apenas ignore”.
Ela tinha suspeitado desde o princípio que o grito que ela tinha ouvido não era
dela, mas o som não tinha sido de um animal; Parecia o gemido de alguém que
estava perdido.
“Às vezes, eu fico gemendo à noite, também”, ela disse suavemente.
Ele não respondeu. Ela realmente não esperava que ele fizesse. Ela permitiu que
o silêncio pairasse no ar. Então fechou os olhos. A luz do lampião dançava através
das pálpebras dela, a confortando com sua presença. A cama rangeu.
“Amelia?”.
Virando de barriga para baixo, ela se apoiou no cotovelo, e viu que Houston
tinha feito o mesmo. Os olhares se encontraram, o dele ligeiramente mais alto do
que o dela. Ela enrijeceu, a respiração presa. Ela viu o pomo-de-adão dele
lentamente subir e descer.
“Eu... É... Queria agradecer por ter me barbeado. Nunca tinha sentido algo tão
bom em toda minha vida”.
“O prazer foi meu. Eu... Eu vou barbear Dallas depois que nós nos casarmos”,
ela sentiu que deveria acrescentar.
Ele deu um rude aceno com a cabeça. “Que seja. Noite”.
“Boa noite”. Ela se aconchegou embaixo das cobertas, tentando esquecer a
textura da pele de Houston. Uma vez ela tinha tentado imaginar como teria sido o
sorriso dele. Agora ela imaginava como seria sua boca durante um beijo.
Ela fechou os olhos com força. Ela não tinha feito nada de errado. Ela
simplesmente tinha barbeado o irmão do noivo como uma maneira de agradecê-lo
por sua generosidade... Mas o raciocínio dela não conseguia diminuir sua culpa.

Capítulo Nove

Com o Sol surgindo no horizonte, Amelia abraçou Beth firmemente.


“Nós tentaremos ir durante a primavera, para a gente se reunir”, Beth
prometeu.
“Vamos aguardar ansiosamente”, Amelia a tinha assegurado logo antes dela
permitiu que Houston a levantasse e a ajudasse a subir na carroça. Ela apertou as
tiras do gorro que Beth deu a ela. Enquanto as rodas da carroça começavam a rolar
para frente, ela se virou e acenou para a família que deixava para trás.
John deslizou o braço ao redor da esposa. Amelia sorriu. Logo ela teria um
marido para fazer o mesmo com ela. Se ele a amasse tanto quanto John amava Beth.
Amelia se endireitou. “Não foi legal a Beth ter me dado um gorro?”.
78
Houston mantinha suas opiniões para si mesmo. Tudo que ele podia ver era a
ponta do nariz e apesar de ser tão atraente, não era o suficiente. Ele sabia que o
gorro a protegeria do sol e do vento, manteria a pele do rosto suave, o tom pálido da
pele. Mas isso não queria dizer que ele deveria gostar dele.
“Nós nos encontraremos com algum outro vizinho?”, Amelia perguntou.
“Não que eu saiba”.
“O quanto a gente ainda está distante do rancho?”.
“Uns bons quinze dias”. Ou uns ruins quinze dias, dependendo de como ele
encarasse as coisas. Ele a deixaria na porta de Dallas e iria para seu próprio lugar:
pequeno, onde ele comia só, dormia só e sonhava só.
Se ele ousasse sonhar. Ele tinha sido assim desde o princípio. Ter uma mulher
ao redor fazia um homem ansiar por coisas que ele não deveria. Ele ficou acordado
a noite toda escutando a respiração dela, vendo se ela se aconchegava debaixo dos
cobertores, e desejando que a maldita tábua de madeira não estivesse lá para que
assim ela pudesse se aconchegar nele.
Seu estômago se revirou quando ele pensou em Dallas a abraçando durante a
noite, protegendo-a do que quer que fosse que a fazia dormir com uma luz
queimando.
Uma luz raramente mantinha os demônios das pessoas longe. Ele com certeza
não tinha conseguido manter os dela longe.

Eles viajaram quatro dias, o chão ficando mais plano, as árvores mais escassas.
Amelia imaginou o verão, quando o sol banharia a terra, quando os homens
adorariam se refugiar nas sombras das poucas árvores dispersas pelo chão. Como
Houston tinha mencionado, nada bloqueava a visão do pôr-do-sol.
Enquanto o crepúsculo ia se formando, ela deu uma olhada rápida nas árvores
dispersas, nos arbustos, a grama murchando e balançado com a brisa, ondulando
através da terra como o mar quando bate na orla.
“O que posso fazer para ajudar?”, ela perguntou enquanto seguia Houston com
os braços cheios, carregando as coisas da carroça enquanto as mãos dela
permaneciam vazias.
“Você pode juntar um pouco de carvão da pradaria”.
“Carvão da pradaria?”.
Um canto de sua boca se curvou para cima. “Esterco de vaca”.
“O que você vai fazer com isto?”.
“Quando não houver nenhuma madeira, nós queimaremos esterco de vaca”.
Ela enrugou o nariz. “Isto não é bastante desagradável?”.
“Você se acostumará com isto”. O canto da boca de Houston se ergueu um
pouco mais alto. “Eu juntarei. Por que você não olha na carroça e decide o que eu
posso abrir hoje à noite para a gente comer?”.
79
Ela levantou o queixo. “Desde que a gente deixou Fort Worth você tem feito
tudo. Eu posso lidar com o carvão da pradaria”. Ela caminhou de volta para a
carroça, pegou uma bolsinha e retirou um lenço de linho branco com os cantos
bordados.
Ela marchou para o primeiro montinho marrom que pôde ver através da grama
alta. Com cuidado, ela colocou o lenço em cima do objeto e cuidadosamente o
ergueu do chão, para ter certeza de que os dedos nunca tocariam nada além do
linho.
Mantendo o carvão—ela preferia pensar naquilo como carvão em lugar de
esterco—o mais longe possível, prendendo a respiração, ela caminhou de volta para
o acampamento. “Onde você quer o fogo?”.
Tentando estirar a barraca no lugar, Houston deu uma olhada rápida por cima
do ombro e uma seta de calor perfurou seu coração. Ele nunca tinha pensado em
Amélia como uma pessoa afetada e fresca, mas ela certamente parecia ser com
aquele pedaço de tecido rendado segurando o esterco de vaca. “Aí mesmo está
bom”.
Ela começou a se curvar para baixo.
“Não, não,” ele corrigiu. “Um pouco mais perto da barraca seria melhor”.
Ela se endireitou e caminhou em direção a ele. “Aqui?”, ela perguntou.
“É”.
Ela colocou o esterco no chão e começou a agitar o lenço.
“Pensando melhor, aqui poderia ser muito perto. Um vento forte pode vir e
deixar a barraca em chamas”.
“Onde você quer isto, então?”, ela perguntou com os lábios enrugados.
Ele se perguntou o que diabos ele achava que estava fazendo. Ele
frequentemente já tinha visto caubóis brincarem uns com os outros, mas ele não
tinha feito isso há tanto tempo, tantos anos, que tinha se esquecido de como se fazia
e todo mundo acabou rindo.
Ele queria ouvir a risada dela, mas brincar com estrume com certeza não era o
jeito de conseguir isso. Irritado com sua estupidez, ele largou a barraca, que acabou
desmontando. Ele levantou o esterco de vaca e o lançou a mais ou menos um pé de
distância. “Aí estará bom”.
Um olhar de horror cruzou o rosto dela. “Você pegou nisso”.
“Assim é mais rápido”.
Ela visivelmente estremeceu. “Devo colocar fogo nisso ou você vai?”.
“Nós só o usaremos daqui a alguns dias. Já que as minhas mãos estão sujas eu
juntarei. Você verifica as latas”.
Dessa vez Amelia não protestou. Ela correu de volta para a carroça e estudou o
material. Nada a atraía.
Um calafrio desceu pela sua espinha, e ela estremeceu quando percebeu que
80
tudo tinha ficado tão quieto de repente. Mudo, como um funeral. Até as mulas e a
Sorrel pareceram sentir enquanto erguiam os narizes e mexiam as orelhas.
Ela deu uma olhada rápida no céu. As nuvens estavam escuras, mas não como a
noite. Bloqueavam o sol de final de tarde. As nuvens pretas chegavam como que
empurradas pelas mãos de um poderoso gigante.
Sem aviso prévio, o vento uivou, levantou poeira, bateu nela como um chicote,
com surpreendente ferocidade. Um pingo de chuva gordo caiu no seu nariz.
Ela ouviu um palavrão. Houston estava lutando contra o vento para conseguir
colocar a barraca no lugar e estava com pouca sorte. Ela se perguntou se ele ficaria
na barraca com ela quando chovesse.
Ela ouviu o estrondo do trovão. Um brilho de relâmpago acendeu o céu tão
brilhantemente que ela teria jurado que estava de pé no centro dele. Houston jogou
a barraca no chão e andou a passos largos em direção a ela, aparentemente um
homem com um objetivo.
Uma seta larga e branca se dirigiu ao chão. Sorrel relinchou e colocou a cabeça
entre os joelhos. O céu reverberou com o trovão enquanto outro raio estourava
através do céu escuro. Houston a alcançou.
“Suba na carroça,” ele ordenou enquanto começou a desafivelar o cinto onde ele
colocava a arma.
Amelia deu um passo para trás. “Eu não me importo de ficar molhada”.
“Não é com a chuva que eu estou preocupado,” ele disse enquanto colocava a
arma de fogo na tábua do assoalho. “É o raio. Agora, entre na carroça”. Ajoelhando,
ele removeu as esporas e as jogou na carroça.
“Você vai entrar na carroça?”.
“Não, eu preciso tirar todo o metal dos animais”. Como se estivesse cansado de
esperar por ela, ele rapidamente ficou de pé, a agarrou pela cintura e a levantou
como se ela fosse um saco de farinha.
O vento uivou, um trovão rugiu, e um raio relampejou através do céu.
“Desça, logo! Eu não tenho muito tempo!”.
Foi o desespero na voz dele que a convenceu. Ela se sentou de lado e rodeou os
joelhos com os braços para trazê-los para mais perto e ele colocou a capa da carroça
sobre ela. A escuridão a abraçou, a circulou, e a zombou com memórias de outro
tempo quando ela tinha ficado dentro de uma caixa de madeira.
A chuva começou a molhar o encerado, como uma batida constante em
staccato(*), como o som de uma artilharia distante, o pulsar de mil cascos... foi o que
tinha parecido naquele momento.
A escuridão apavorante a prendeu dentro de seu casulo sem janelas, mais preto
do que uma noite sem estrelas, sem lua. Ela era como uma menina novamente, com
oito anos de idade. Muito pequena. Muito assusta. E o inimigo estava vindo.

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*N.R = um tipo de fraseio ou articulação na qual as notas e os motivos das frase
musicais devem ser executadas com suspensões entre elas, ficando com curta
duração.
Amelia começou a sentir um calor, como uma febre. A respiração ficou difícil...
da mesma maneira que antes. As memórias se rebelavam e uivaram mais altas do
que o vento que passava apressado pela carroça.
Ela podia ouvir a voz assustada da mãe. “Se apresse, Amelia. Se apresse!”.
“Não, Mamãe! Não!”.
Os dedos de sua mãe se cravando na carne delicada do braço enquanto Amelia
tentava firmar os pés contra o chão de madeira. A mãe a empurrou com tanta força
que ela pensou que o braço se separaria do corpo. “Vamos, criança. Seu papai vai te
proteger. Você estará segura com ele”.
“Não, Mamãe! Não!”.
O quarto parecia cada vez menor. Um quarto escuro. As chamas das velas
chamejaram, e os fantasmas dançaram ao longo da parede.
“Se apresse, Amelia. O papai salvará você”.
“Não, Mamãe! Não, por favor! O papai não pode me salvar. Papai está morto!”.
Amelia não conseguia respirar. Ela estava sufocando, se afogando nas
memórias. Ela soltou as fitas e tirou o chapéu da cabeça. Ainda assim ela não
conseguia levar o ar até os pulmões. Desesperadamente ela rasgou a capa da
carroça.
Houston estava tentando tirar os metais das mulas quando viu Amelia sair da
carroça e começar a correr em direção ao... nada. Nada além de um horizonte
distante. Ele estava familiarizado o suficiente com as tempestades de raios para
saber o dano que elas podiam fazer nas planícies abertas. Com um palavrão, ele
correu atrás dela.
Ela tropeçou, os joelhos bateram no chão. Ela ficou em pé de novo e continuou a
correr, os braços sacudindo como se ela estivesse guerreando com muitos demônios
vindos do inferno.
As pernas dele eram mais longas, indo mais rápidas do que as dela. Ele a
pegou, totalmente desprevenido do terror que viu nos olhos dela quando a virou.
Ele bateu nos braços dela, no rosto, nos ombros, no peito.
“Não me mande de volta para lá! Por favor, não me mande de volta para lá! Eu
morrerei! Eu juro por Deus, eu morrerei se você me mandar de volta para lá!”.
Ele a abraçou, apertando-a contra o peito. “Eu não irei,” ele prometeu, a
respiração difícil, o coração batendo tão duro que ele estava certo de que ela podia
sentir. “Eu não irei”.
Ela caiu contra ele. Ainda a segurando, ele colocou o colete ao redor dela e
ambos foram para o chão. Ela tremeu violentamente.
“Está tudo bem”, ele quase assobiou como se ela fosse um cavalo que ele queria
82
amansar. “Está tudo bem”. Ele começou a embalá-la suavemente de um lado para
outro enquanto a chuva branda salpicava as costas dele e gotejavam lentamente do
chapéu. O raio relampejou ao redor deles, tão brilhante, tão perto que ele achou que
iria cegá-lo. Ele puxou o lado direito do chapéu para baixo e inclinou a cabeça,
tentando dar mais abrigo a ela. A uma curta distância, um raio atingiu o chão,
começando uma pequena chama que a chuva depressa apagou. A fumaça se
arrastou ao longo do chão.
“Se cair na gente, vamos morrer, né?”, ela perguntou com a voz tranqüila, um
tom calmo, calmo demais.
“Provavelmente”.
“Você acha que vai doer?”.
“Não,” ele respondeu, apertando o abraço. “Nós só veremos um flash de luz
brilhante, e tudo ficará preto”.
Ela balançou o rosto. “Você não tem que esperar aqui comigo”.
“Você ficará molhado”.
Ela sorriu, um sorriso gentil e torto, e então, ele não se importava mais se um
raio o atingisse. Morrer com ela nos braços não seria pior do que viver uma vida
solitária.
O traseiro dele estava encharcado, a lama cobria a calça comprida, a bota estava
ensopada, e a água pingava da borda do chapéu nos ombros. Os músculos doíam
pelo modo como ele se contorcia ao tentar protegê-la da tempestade. Ele passou o
nó dos dedos no caminho das lágrimas, do canto dos olhos dela até o queixo. “Diga
pra mim,” ele disse simplesmente.
Outro soar de trovão preencheu o ar. O sorriso no rosto dela diminuiu e uma
grande tristeza preencheu seus olhos. Ele desejou ter o poder de acabar com a
tristeza da vida dela—para sempre.
A chuva diminuía, caía suavemente, como uma melodia sombria que
acompanhava as palavras dela.
“Eu disse a você que meu pai foi morto durante a guerra. No dia em que nós
fomos enterrá-lo...”. Ela engoliu em seco e virou o olhar em direção ao céu escuro.
“Alguns homens vieram. Eu não sei se eles eram soldados ou desertores. Eles
vestiam uniformes azuis, mas ninguém parecia estar trabalhando. Minha mãe
estava apavorada, então ela me escondeu”.
Um tremor percorreu o pequeno corpo dela. Ele se lembrou de que ela tinha
dito que não gostava de ficar no escuro. Não era o escuro, não era medo do escuro.
Era ficar dentro da escuridão. O medo o percorreu. “Onde ela escondeu você?”.
“Com o meu pai”. Ela olhou para ele, lágrimas brotando nos olhos. “Dentro do
caixão. Estava tão escuro. Eu tive medo de que ninguém me achasse. Que me
enterrassem com ele. Eu chorei até que adormeci”.
“Você disse no hotel que já tinha dormido em lugares piores”.
83
Ela concordou com a cabeça, com a voz ficando irregular. “Ele estava tão frio.
Quando eu acordei, mãe estava me segurando, mas ela estava diferente. Eu não sei o
que eles fizeram com ela. O rosto e garganta dela estavam contundidos. O vestido
estava rasgado. Eu sempre achei que ela deveria ter estado chorando, mas ela não
estava. Ela apenas olhava fixamente, mas não era algo que eu poderia ver. Era como
se ela estivesse olhando fixamente dentro dela mesma, com a mente, o coração tinha
ido embora e só o corpo tinha permanecido para me segurar”.
Ele sentiu gosto de bílis na garganta. “E suas irmãs?”.
Ela apertou o rosto com tanta força contra o ombro dele que ele achou que ela
iria rachar os ossos de seu ombro. Ela endireitou as costas e o calor das lágrimas
passou através da camisa de flanela dele. “Elas estavam olhando fixamente,
também,” ela disse asperamente. “Olhando fixamente para o céu. Elas estavam
deitadas lado a lado, segurando as mãos... e não havia sobrado muito de suas
roupas. Era tão feio”. Ela apertou os dedos nos braços deles.
“Não pense nisso,” ele ordenou. Ele odiava guerras. Trazia o que havia de
melhor em homens como o irmão dele, o pior em homens como ele, e transformava
o resto em animais.
Ela soluçou. “Eu não queria olhar para minhas irmãs, mas olhei. Eu não queria
ver o sangue, mas vi. Tanto. Eu acho que sei o que aqueles homens fizeram—”.
“Eles não eram homens. Animais, talvez, mas não homens. Homens não ferem
inocentes”. Ele tocou o rosto dela e o puxou para perto do peito. “Eles não
machucaram você?”.
“Não meu corpo, mas meu coração. Eu quis deixar a plantação, mas eu só tinha
oito anos. E mamãe não estava em condições de viajar. Então nós ficamos e
sobrevivemos da melhor forma que podíamos”.
Ela deixou a cabeça cair para trás, os olhos tão escuros quanto às nuvens da
tempestade. “Foi quando eu comecei a procurar por coisas, coisas pequenas, que me
fizessem sentir agradecida. Não importava o quanto trivial fosse, quão tolo fosse. Eu
apenas precisava todo dia de algo que me fizesse continuar vivendo no dia
seguinte”.
Ele conhecia essa sensação. Maldição, ele conhecia essa sensação muito bem.
“Quando Mamãe morreu, eu coloquei um anúncio para viajar para oeste e me
tornar uma esposa. Eu tinha que partir, sair da terra que estava encharcada com o
sangue das minhas irmãs, ir para longe das memórias. Eu preciso de novo memórias
para substituir aquelas que me assombram quando eu me aproximo da escuridão”.
O trovão ecoou ao redor eles, o raio vislumbrou pelo ar, e a chuva começou a
cair novamente, mais forte que antes. Ela se aconchegou contra o ombro dele.
Houston tirou o chapéu, deixando que a chuva os lavasse, lavasse as lágrimas
do rosto dela, e aliviasse as feridas do coração dele.
O dilúvio não deixou que ele ouvisse a voz dela, mas o contorno dos lábios dela
84
revelou a palavra: “Obrigada”.
Ele apenas pôde concordar com a cabeça e rezar para que quando a tempestade
terminasse, ele achasse forças para deixá-la ir.

Capítulo Dez

Houston olhou fixamente para o rio marrom turbulento e amaldiçoou a noite


anterior. Ainda estava no ar, ameaçando retornar, com nuvens baixas cinzas e um
vento forte brincando com a grama da pradaria. Se a tempestade retornasse,
deixaria o rio intransitável por dias, deixando-os com opções limitadas.
Eles podiam esperar até a água baixasse e esperar que a tempestade fosse
embora e torcer para que não viesse outra no lugar. Mas eles já estavam atrasados.
Como as coisas estavam, eles não chegariam quando Dallas estava esperando. Ele
não achava que Dallas teria condições de enviar seus homens atrás deles, ao invés
disso, o irmão estaria mancando com a perna ruim, olhando fixamente em direção
ao sol nascente, e ficando cada vez mais irritado. Ou Houston poderia arrastar
Amelia e a carroça através do rio, e esperar que a sorte que ele tinha perdido em
algum lugar do caminho o alcançasse. Nada o tinha atrasado no caminho para Fort
Worth. Nada devia impedi-lo de retornar ao rancho.
Ele levou Sorrel adiante. A égua se movia cautelosamente através da água, mas
ela não hesitou. Houston confiava nos instintos do animal. Se o cavalo empacasse,
ele não a pressionaria.
A água fria bateu nas canelas de Houston. Cruzar o rio nunca tinha sido sua
parte favorita ao conduzir o gado de um lugar para outro.
Eles alcançaram o meio do rio. As pequenas ondas bateram nos lados de Sorrel,
mas o rio não estava tão fundo quanto Houston esperava que estivesse. Ele deu uma
olhada rápida por cima do ombro. Amelia se sentou na carroça, com a preocupação
marcada nas suas feições delicadas.
Apesar da água fria, a conversa dela o tinha aquecido. Ela logo se tornaria sua
irmã por causa do casamento, mas ele parecia incapaz de guiar sua afeição em
direção à preocupação fraterna. Elas eram profundas, muito mais profundas. Ele
puxou as rédeas à direita, guiando o cavalo de volta para o banco de onde eles
tinham vindo.
“O que você acha?”, Amelia perguntou enquanto eles passavam sem tocar a
água.
“Acho que está seguro, mas quero te tirar do cavalo. Então eu voltarei para a
carroça”.
“Por que tem cruzes de madeira na beira do rio?”, ela perguntou.
Ele deu uma olhada rápida para os marcadores, feitos de troncos de árvore.
85
“Não é incomum perder um homem quando se está cruzando um rio conduzindo os
bois. Os cavalos se espantam, as vacas se espantam. O homem cai, não consegue
nadar, as vacas o impedem de voltar à superfície”.
“Eu suponho, então, que eu devia estar agradecida por nós não estarmos
conduzindo bois”.
“Sim. Acho que você deveria ser”.
Ela mordeu o lábio inferior. “Você sabe nadar?”.
“Sim”.
O alívio rapidamente apareceu nos olhos dela, confiança veio logo depois. A
confiança de Dallas era difícil de agüentar, a dela parecida incrivelmente mais
difícil.
Ele parou o cavalo e esticou o braço antecipando o calor dos dedos dela. Ela
deslizou elegantemente sobre a parte de trás do cavalo e colocou os braços ao redor
dele.
“A água está fria,” ele disse enquanto o cavalo deslizava rio abaixo e espirrava
água.
Soltando um pequeno suspiro com a água pelas canelas, ela o apertou ainda
mais. “Quantos rios mais nós teremos que cruzar?”, ela perguntou.
“Não muitos, mas este é o mais largo e fundo. Teria sido melhor se a gente
tivesse cruzado ele antes da tempestade”.
Sorrel momentaneamente perdeu o equilíbrio. O coração de Houston saltou na
garganta, quase o sufocando com o pensamento de Amelia caindo do abraço
precário que a segurava atrás dele, mas ela o agarrou com força enquanto ele
rapidamente segurava o chifre da sela, acalmando o cavalo com a pressão das coxas,
a mão segurando as rédeas.
Ele percebeu o momento em que o cavalo recuperou o equilíbrio. Ele persuadiu
Sorrel para frente, dando um suspiro de alívio quando a água foi ficando rasa.
Sorrel lutava para se livrar dos arbustos do banco do rio.
Houston ajudou Amelia a deslizar para fora do cavalo. Ele tirou o colete e o
colocou em cima dos ombros dela. “Por que você não vê se consegue achar alguma
madeira seca para que a gente pode se aquecer antes de continuar a viagem?”.
Com a preocupação claramente refletida nos olhos, ela descansou a mão na
coxa dele. Ele poderia jurar que o toque dela tinha alcançado seu coração.
“Por favor, tenha cuidado,” ela disse tranquilamente.
Ele deu a ela o que ele esperava que fosse um sorriso. Ele não conseguia se
lembrar da última vez que seu rosto tinha dado um sorriso verdadeiro. Os músculos
pareciam tensos, desacostumados com o movimento. Ele desejava não estar
parecendo ridículo. “Não tenho nenhuma escolha. Dallas arrancaria meu couro se
eu dissesse que deixei você aqui sozinha”.
Ela deu a ele um sorriso, um sorriso bonito que fez com que o clarão dos olhos
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verdes afugentasse a carranca preocupada. Esta visão fez com que algo se apertasse
dentro do peito dele.
Ele levou Sorrel de volta para o rio. No outro lado, ele amarrou uma corda no
chifre da sela, com intenção de levar Sorrel para o outro lado do rio. Ele deixou o
outro lado solto, simplesmente preso pelos seus dedos junto às rédeas. Ele não
queria o cavalo amarrado na carroça caso algo acontecesse. De vez em quando, uma
corrente forte tinha vindo contra eles enquanto eles tinham cruzado o rio.
O lado mais prático dele dizia para que esperasse... Mas o lado que continha seu
coração dizia que ele deveria atravessar a carroça e levar Amelia para o rancho o
mais rápido possível.
Ele olhou através do rio. Ela estava na beira do rio, observando-o, não estava
juntando madeira como ele tinha dito a ela para fazer. Por alguma razão que ele não
podia explicar, ele ficou alarmado pelo fato de ela o estar observando, esperando
por ele.
Ele se satisfez por um momento olhando para ela. De pé perto da entrada da
cabana, vestindo aquele vestido verde que eles tinham comprado em Fort Worth, o
cabelo solto escovado com um brilho dourado, o cheiro de pão recém saído do forno
flutuado atrás dela...
Ele se livrou da imagem. Ela ficaria de pé na varanda de Dallas. Houston Leigh
não seria nada mais do que ser um irmão pelo casamento, que era como deveria ser.
Mulheres como Amelia pertenciam a homens como Dallas. E Dallas já tinha
marcado o nome dela a ferro muito antes de Houston tê-la conhecido.
Com um tapa nas rédeas e um grito grosso, ele enviou as mulas lentamente em
direção à extremidade do rio. A carroça balançou e se moveu sobre o chão barrento.
Houston bateu as rédeas nos traseiros das mulas e gritou mais alto, para que os
animais fossem mais rápidos. As quatro mulas se moveram lentamente, arrastando
a carroça através do rio. O mato flutuante afundou rapidamente girando.
A carroça parou. Houston bateu as rédeas e gritou. As mulas lutaram contra a
carroça, contra a água. Houston estava à beira de saltar na água a fim de soltar as
rodas quando a carroça balançou, e um som alto de rachadura encheu o ar, e
começou o inferno.
Uma mula zurrou, e as outras pararam de trabalhar em conjunto. Como um
raio, passou pela mente de Houston que—possivelmente uma serpente—poderia tê-
las picado.
Então, nada além de pânico passou pela mente dele quando a carroça começou
a se virar com a força da corrente. Ele soltou a corda que segurava Sorrel e rezou
para que o cavalo tivesse o bom senso de cruzar para o outro lado do rio. Então ele
rezou para que Amelia tivesse o bom senso de montar o cavalo para oeste.
Um tronco veio rapidamente em direção à carroça e bateu nela. As mulas
gritaram. Houston estava perdendo controle, perdendo controle do grupo,
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perdendo o controle da carroça. Ele saltou no rio com a idéia de ganhar controle
novamente agarrando a mula principal, mas a corrente era mais forte e o fundo do
rio mais liso do que ele tinha imaginado. O pé dele deslizou e ele afundou.
Amelia assistiu com horror enquanto Houston brigava contra a corrente furiosa.
Quando ele voltou à superfície, mergulhou novamente até chegar às costas da
carroça. Ele colocou a mão em uma roda, se curvou, a outra mão desapareceu
dentro da água, e ela se perguntou se ele achava que poderia erguer a carroça, soltá-
la, e traze-la de volta para cima.
Então a carroça gemeu e balançou como se fosse tombar por cima dele. Ela
agarrou o colete dele, silenciosamente desejando que ele deixasse a carroça de lado e
escapasse do rio. Como se ele estivesse ouvindo os apelos dela, ele começou a lutar
contra a corrente. Ela apenas teve tempo de prender a respiração antes de perceber
que ele não estava vindo em direção à orla, e que seu destino era na verdade em
direção às mulas. Sem poder fazer nada, ela o viu lutou para soltar as mulas. Uma
eternidade pareceu passar antes que uma mula começasse a vagar em direção à orla
onde ficou.
O coração de Amelia saltou na garganta quando ela viu outro toco indo
depressa em direção à costa onde ela estava. Ela deu um grito de advertência no
mesmo momento em que as mulas restantes deram um passo para trás e
empurraram o ombro de Houston. Houston tropeçou para trás. O tronco bateu na
base do crânio dele. Uma vez mais, a corrente o levou para o fundo do rio.
Amelia livrou-se do colete e saltou no rio.
Uma luz branca explodiu na cabeça de Houston antes da água marrom o levar
para baixo. Ele ouviu o grito de Amelia, e Deus o ajudasse, ele acreditava tê-la visto
pular no rio.
Ele se forçou para afastar a dor, se forçou a voltar do clarão, e voltou à
superfície para vê-la espirrando água e gritando seu nome.
Com longas e rápidas braçadas nascidas do desespero, ele nadou em direção a
ela, lutando contra a corrente, lutando contra o medo. Se ela perdesse o equilíbrio
como ele, ela afundaria nas águas escuras... e se encontraria cercada pela escuridão
que a apavoraria. Não haveria luz solar através da água que a guiasse para a
superfície novamente. Ele queria que ela visse outro amanhecer, que sentisse
novamente o toque sutil do amanhecer.
Enquanto ele se aproximava, podia ver o medo escurecer os olhos dela. Ficando
de pé, ele tirou os braços da água e envolveu a cintura dela, trazendo seu corpo
trêmulo contra o dele. A lama puxava as botas dele enquanto eles tentavam sair do
rio e desmoronavam na lama, o corpo dela caindo ao lado do dele, ela respirava com
dificuldade, o peito dele doía como se estivesse lutando para puxar o ar. Com a
visão escura, vendo apenas estrelinhas dançando, ele se apoiou com o cotovelo e
deu uma olhada rápida para a mulher que tremia ao seu lado. Os lábios dela
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estavam incrivelmente azuis e o rosto estava incrivelmente branco. Ele apertou o
corpo molhado contra o dela, tentando aquecê-la.
Ela colocou a palma contra a bochecha eriçada dele. “Você está bem,” ela
sussurrou.
“Que diabos você acha que estava fazendo?”, ele rosnou, o coração batendo de
um modo selvagem contra o peito.
“Eu ia te salvar”.
Ele passou os dedos através do cabelo bagunçado dela. Ela tinha perdido o
chapéu. Ela era muito sortuda de não ter perdido a vida. “Sua pequena tola”, ele
disse rouco com emoção incontida na voz. “Sua pequena e valente tola”.
A boca de Houston cobriu a de Amelia. Os lábios frios e trêmulos dela se
separaram ligeiramente, e ele introduziu a língua na abertura como um homem que
desesperadamente procura um tesouro.
E ele achou o tesouro que buscava.
Ele deu a ela um beijo gentil porque ela não era uma prostituta cujo corpo que
ele queria para satisfazer sua luxúria. Ela era uma mulher cujo calor ele queria
apreciar enquanto se infiltrava pelo corpo dele, tocando o coração dele como
nenhuma mulher tinha feito antes. Ele queria sentir o contorno gentil das curvas
dela que se apertava contra os contornos firmes do corpo dele. Ele queria— só por
um momento—ser jovem novamente e inocente. Queria não saber o que é traição.
A boca de Amélia era morna e doce, incrivelmente doce. E pequena, assim
como todo o resto dela. Ela tinha um gosto tão bom. Ele a queria saborear do mesmo
modo que um homem deve apreciar uma boa garrafa de uísque, vagarosamente,
permitindo que o uísque preenchesse a boca antes de soltar a respiração, permitindo
que ele queimasse a garganta.
Ele tocou a língua dela e pôde ouvir um pequeno gemido. Ela passou os dedos
pelo rosto dele e foi até a nuca. Ele tinha perdido o chapéu também, e, pela primeira
vez, desde que tinha sido ferido, ele deu boas-vindas à ausência das sombras.
Ela estava com o cheiro do rio, mas ainda assim ele conseguiu sentir o odor que
era dela e de mais ninguém. Ele queria muito dar a boca a liberdade de aquecê-la,
de beijar cada pedacinho do corpo dela.
Ela parou de tremer de frio, e ele pôde sentir o calor intoxicante que emanava
dos corpos unidos. Outro tremor passou pelo corpo dela, um tremor que não tinha
nada a ver com frio. Ele aprofundou o beijo, ele envolveu o rosto dela com as mãos e
o girou para que assim pudesse melhorar o ângulo do beijo e beijá-la com a
intimidade de amantes.
Beijá-la como ele nunca tinha beijado outra. Beijá-la de uma forma que ele não
tinha direito.
Ele se afastou e a fitou. Os olhos dela estavam escuros com paixão, os lábios não
estavam mais azuis, mas vermelhos, com um vermelho profundo, os lábios
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inchados por causa do beijo.
“Eu não devia ter feito isto,” ele disse em voz baixa.
Ele pôde ver nos olhos dela que a tinha machucado. Cuidadosamente, ele tirou
os dedos do cabelo bagunçado dela. “Eu vou fazer um fogo”.
Ele ficou de pé e foi cambaleante até o lugar em que estava seu colete. Ele o
pegou, retornou para o lado dela, e o colocou por cima dela enquanto ela
continuava deitada olhando fixamente para ele. Um frio entrou pelas mãos e foi até
o coração dele. Ele foi à procura de algo—qualquer coisa—com a qual pudesse fazer
um fogo.
Amelia se sentou e vestiu o colete, apertando-o firmemente contra o corpo.
Tinha o cheiro dele: de cavalo e couro.
Ela tocou os lábios trêmulos com o dedo. Ela sempre tinha imaginado que
Dallas Leigh seria o primeiro a beijá-la. Mas ela nunca tinha imaginado que o beijo
seria como o que ela tinha recebido que a deixaria tão quente, tão assustada, tão
segura. Todas as sensações se misturando deixava-a confusa.
Ela viu Houston fazer um fogo próximo. Ela esperou até que ele criasse o fogo,
da mesma maneira que ele tinha criado vida dentro dela.
Ela ficou de pé, caminhou para o fogo, e se ajoelhou ao lado dele. “Eu suponho
que não deveria ter correspondido ao seu beijo”.
“Não, você não deveria,” ele disse, firmemente, nunca tirando os olhos da
chama. “Mas eu acho que você provavelmente estava assustada e não estava
pensando”.
“Você estava assustado?”.
Houston sentiu um aperto no estômago. Por Deus, ele tinha ficado apavorado,
mas agora ele estava ainda mais do que na hora em que a viu entrando no rio.
Aquele beijo o tinha deixando tremendo até as botas.
Ele não esperava que ela fosse tão doce. Ele não tinha esperado que ela fosse
tudo que ele já tinha sonhado quando era mais jovem e merecia sonhar.
Maldito Dallas! Maldito por querer mulheres, além de gado, terra e riqueza.
Maldito por querer esta mulher, por ter ganhado o direito de possuí-la.
Houston se forçou a ficar de pé. “Eu preciso juntar as mulas. Você fica aqui e se
seca”.
Seus passos largos e longos não podiam o levar longe o suficiente, rápido o
suficiente. O odor dela o seguia como uma sombra. O gosto dos lábios dela ainda
estava nos seus lábios, e o deixava com fome de mais. Ele ainda podia sentir o suave
toque dos seios dela contra o peito dele. Os dedos dele doíam com a vontade de
segurá-los, sentir o formato e acariciá-los com uma ternura que até então ele não
sabia que existia.
Ele sentiu um tremor enquanto deslizava pelo banco barrento. Ele precisava de
uma mulher da vida. Ele tinha ficado muito tempo longe de uma mulher. Essa era a
90
razão pela qual ele achava esta maldita jornada tão difícil, a razão pela qual ele
queria abraçar Amelia tão forte. Ele apenas precisava saciar seus desejos. Maria o
ajudaria. Ela sempre fazia. Ela apagaria todas as chamas, na escuridão total, ele a
pegaria sem paixão, sem amor, sem esperança. E, na escuridão, ela não poderia ver a
feiúra que o fazia o homem que era.
Ele não queria que Amelia visse o lado feio dele, mas ela iria. Cedo ou tarde.

Quando a noite caiu, Amelia se sentou o mais próximo possível do fogo e


enrolou o cobertor em volta do corpo. O vento vinha do rio, úmido e congelante. Ela
estremeceu.
“Frio?”.
Ela ergueu o olhar para o homem que se sentava no outro lado do fogo. Ele
tinha achado o cavalo e três mulas. Ela tinha a impressão de que ele tinha
encontrado a quarta mula também. Ela tinha ouvido um som de tiro, mas ele não
tinha trazido nenhuma caça para o pequeno acampamento deles. Amanhã eles iriam
vasculhar o banco do rio em busca de algo da carroça.
“Um pouco,” ela disse, odiando o modo como os dentes batiam à medida que
falava. Ela não conseguia recuperar o calor desde que ele tinha terminado o beijo.
Observando-o, se ela não o conhecesse, teria pensado que ele estava discutindo
com alguém. A sobrancelha enrugada profundamente, o queixo firme, e com o dedo
desenhava algo na sujeira. Então, como um homem que perdeu a batalha, ele se
levantou passou pelo fogo e caminhou para o lado dela.
Com a curiosidade ganhando, ela foi até onde ele estava antes e se ajoelhou
para poder ver o que ele tinha escrito. A luz das chamas dançava por cima da marca
de Dallas.
Houston se sentou ao lado dela, e os olhos se encontraram. “Por que você
desenhou isto?”.
“Para me lembrar de que ele tem direito sobre você”. Ele se esticou no chão e
abriu o colete. “Venha aqui”.
Ela hesitou, com o coração batendo forte. Como noiva do irmão dele, ela sabia
que deveria sofrer com o frio, que não deveria dar boas-vindas ao calor que o corpo
dele podia fornecer. Ela apertou o relógio com as mãos, era o presente para Dallas
que ainda estava escondido no bolso, e sentou próximo a Houston.
Ele a envolveu com o colete e virou o outro braço. “Aqui, use meu braço como
travesseiro,” ele disse tranquilamente.
Ela se encostou, aconchegou as costas contra a barriga dele e deitou a cabeça no
braço.
“Melhor?”, ele perguntou.
“Mais quente”. Ela olhou o braço dele e os longos dedos bronzeados. Ela
conhecia a força daqueles dedos, tinha sentido durante a tarde quando ele tinha
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segurado o rosto dela e coberto sua boca. A palma da mão era calosa, e ela resistiu
ao desejo de colocar a mão sobre a dele, colocar palma contra palma, ponta do dedo
contra ponta do dedo.
“O que nós faremos amanhã?”, ela perguntou.
“Veremos o que podemos salvar. Usar as mulas para carregar as coisas”.
“Acho que a gente devia ter esperado antes de cruzar o rio”.
“Sim”.
Ela ouviu o suspiro dele mais do que as palavras.
“Por que nós cruzamos, então?”.
O silêncio ficou pesado. Amelia se mexeu dentro dos braços dele e sentiu que
ele tinha enrijecido o corpo. “Por que nós não esperamos?”
“Porque nós já tínhamos perdido tempo demais,” ele disse sem mudar a voz.
“Por que você me beijou?”.
“Porque eu sou um tolo”.
Ela tocou os dedos nos lábios dele. Ele agarrou o pulso dela e empurrou a mão.
“Não faça isto,” ele disse com a voz brusca.
“Nós não deveríamos ter cruzado o rio. Você não deveria ter me beijado. Ainda
assim, você fez as duas coisas. Por quê?”
“Porque já faz muito tempo que eu estive com uma mulher. Não teve nenhum
sentimento no que aconteceu esta tarde. Eu sou um homem e tenho necessidades.
Necessidades que qualquer mulher pode satisfazer. Você é a única mulher dentro de
trezentos e vinte quilômetros”.
“Então não foi por minha causa. Foi só porque eu sou uma mulher”.
“Isso mesmo,” ele disse grosseiro.
“E por que eu beijei você de volta?”.
“Eu acho que mulheres têm necessidades, também”.
“E qualquer homem serviria? Isso não me faz melhor do que uma prostituta”.
Ele soltou o pulso dela. “Não foi isso que eu quis dizer”.
“Eu sei,” ela disse suavemente. “Você pensa que foi por causa das
circunstâncias e não por nossa causa que a gente se beijou hoje à tarde”.
“Isso mesmo. Quando chegarmos ao rancho não será comigo. Já que você terá o
Dallas. Agora vá dormir”.
Ela se virou novamente e deu as costas para ele. Ela observou as chamas do
fogo baixo balançarem, da mesma maneira que os pensamentos dela. Será que ele
estava certo? Será que ela o tinha beijado somente porque ele estava lá? Só porque
ela tinha ficado apavorada? - “Houston?”.
Ela tinha ficado quieta por tanto tempo que Houston estava certo de que ela
tinha adormecido. Ele nunca antes a tinha ouvido chamar seu nome dessa maneira
doce. O coração dele se apertou, e ele lutou contra a vontade de puxá-la para mais
perto. “O quê?”.
92
“Que tipo de homem é Dallas?”.
Um homem melhor do que eu. Ele respirou fundo, procurando pelas palavras
que fariam justiça ao irmão, palavras verdadeiras que aliviariam as dúvidas dela.
“Ele é o tipo de homem que faz uma sombra longa... Uma sombra que alcança tudo
e todos. Daqui a anos, pessoas que nunca o viram irão ouvir falar dele”.
Ela se virou, apertando o rosto contra o ombro dele. “E minha sombra será
pequena. Eu fico preocupada que o homem que eu imaginei nas cartas na realidade
não exista. Ele parece quase perfeito”.
“Tudo o que eu posso dizer a você é que eu não podia pedir um irmão melhor,
e eu não imagino que você possa pedir um marido melhor”.
“E se ele ficar desapontado quando me encontrar?”.
A insegurança dela o encheu de ternura. “Ele não ficará desapontado. Eu posso
dar minha palavra a você”. Passando as mãos por cima dela, ele dobrou o colete ao
redor dela. “Agora é melhor você dormir. Amanhã será um outro longo dia”.
“Eu estou tão agradecida por você ter estado comigo hoje,” ela disse
tranquilamente enquanto fechava os olhos.
Houston não podia saber se alguém tinha ficado agradecido por sua presença.
Sua mãe, talvez. Certamente não o pai.
Diferentemente de Dallas, Houston nunca tinha estado à altura das expectativas
de seu pai. Ele nunca tinha sido forte o suficiente, esperto o suficiente ou rápido o
suficiente.
“Juro por Deus que eu devia te vestir com roupas de menina!”. O pai dele tinha
berrado no dia em que viu Houston segurando uma boneca de trapo no mercado.
A boneca parecia tão sozinha espalhada em cima do contador, onde uma
menininha a tinha deixado antes de ir procurar a seção de doces. E parecia tão
suave. Ele só queria saber se ela era realmente tão suave quanto parecia.
E ela era. O rosto bordado tinha um sorriso permanente, um sorriso que fez
Houston sorrir de volta.
Ele percebia agora que o sorriso dele mais do que a boneca em si tinha sido,
provavelmente, o que tinha deixado o pai fora de si. Ou talvez tivesse sido ambos.
De qualquer modo, suas ações não tinham sido de uma natureza masculina.
Quando eles retornaram a casa, seu pai tinha lhe deu uma chicotada no traseiro.
Quando o castigo terminou, Houston pegou sua calça comprida com o máximo
de dignidade que tinha conseguido reunir. Quando ele se virou, e seu pai viu as
lágrimas mudas descendo pelas bochechas, ele batera no rosto de Houston. O
chicote tinha cortado a pele dele, deixando uma cicatriz que ia até a bochecha.
Ele odiava a cicatriz, e frequentemente desejava que sumisse.
A mãe o tinha advertido para que fosse cauteloso com o que desejava.
Quando ele tinha quinze anos, seu desejo tinha se realizado. O fogo de
artilharia de um Yankee tinha arrancado a cicatriz do rosto, deixando no lugar
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cicatrizes mais fundas. Desde então ele nunca mais tinha desejado nada.
Mas tinha percebido que agora mesmo ele estava desejando. Desejando que o
braço esquerdo que segurava Amelia não ficasse tão entorpecido quanto o lado
esquerdo de seu rosto. Porque se isso acontecesse, ele não poderia mais sentir o
calor do corpo dela, sentir o peso dela. Sua única chance de abraçar uma mulher
decente nos braços noite afora e seu braço tinha adormecido.
Ele tinha pensado em mudar de posição, mas ele não queria despertá-la. Sua
mão livre estava pairando sobre o rosto dela como um raio de luar beijando a
superfície de um lago, então ele tirou o cabelo dela da bochecha. Tão suave. Tão
incrivelmente suave. Como a boneca de trapo que ele tinha segurado tanto tempos
atrás.
Só que ela não era uma boneca. Ela era uma mulher, de carne e osso, uma
mulher que Dallas tinha deixado aos cuidados dele.
Uma mulher com os olhos verdes da cor de um trevo, e o cabelo com a cor do
brilho da luz de uma noite de outono.
E uma coragem tão ilimitada quanto às planícies do West Texas.

Capítulo Onze

Tudo. Tudo tinha ido embora. Amelia olhou fixamente para o rio com sua
corrente marrom e se perguntava por que eles ainda se preocupavam em procurar.
As cartas de Dallas tinham ido embora. Uma miniatura da mãe dela. Ela tinha
trazido tudo o que já tinha significado alguma coisa para ela—e agora tudo tinha
sido perdido.
Tudo. Exceto o relógio de bolso que ela tinha comprado para Dallas.
Ela lutou contra as lágrimas que brotavam nos olhos. Ela tinha perdido tudo
uma vez antes, e, de alguma maneira, ela tinha conseguido sobreviver. Ela
sobreviveria novamente.
Ela ergueu o queixo como que em desafio, ousando chamar o destino para
brincar com ela. Pelo canto do olho, ela viu a luz do sol refletir na lama. Erguendo a
saia, ela caminhou cautelosamente para a extremidade da água.
Um espelho, o espelho que sua mãe tinha dado a ela, refletia a luz do sol.
Pegando-o, ela o tirou da lama e o lavou suavemente na água. Uma doce memória
de um passado distante.
Ela secou o espelho com a saia, então o segurou para que pudesse ver seu
reflexo. Ela estava horrível. O cabelo estava embolado, havia um roxo em sua
bochecha, um botão faltava na blusa. Ela olhou fixamente para o espelho. No fundo,
algo como uma nuvem verde descia pelo rio. Ela olhou por cima do ombro e olhou
o fluxo.
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Ela marchou ao longo da água até que alcançou o vestido verde, o espartilho
embrulhado firmemente em torno dos galhos delgados de um arbusto, a saia
balançando com o vento. Amelia pegou a saia, segurou o tecido liso contra o rosto e
deixou as lágrimas caírem.
E foi nessa hora que Houston a achou. Sentada na lama com a água na altura
dos pés, os joelhos dobrados, a face escondida pela abundância de seda verde.
Ele desejava poder poupá-la desta jornada, queria tê-la arrancado da estação e
colocado na casa de Dallas sem pedir a ela para suportar aflições, tempestades e rios
furiosos.
Ele se imaginou sentado na varanda com suas sobrinhas e sobrinhos ao redor,
contando a eles sobre a jornada que tinha feito com a mãe deles. Ele diria que ela era
uma mulher de coragem.
E ele desejava que nenhum deles percebesse em sua voz ou visse refletido em
seus olhos que ele tinha se apaixonado por ela.
Ele deslizou pelo banco barrento e recuperou o equilíbrio, parando antes que
acabasse mergulhando nele. Ele marchou pela lama e se ajoelhou ao lado dela.
“Amelia?”.
Ela ergueu o rosto coberto de lágrimas. “Esse foi o primeiro vestido que eu tive
em dez anos que não tinha pertencido a nenhuma outra pessoa antes. Eu iria
guardá-lo para o dia em que me casasse com Dallas”. Ela apertou a saia contra o
peito. “Ele foi rasgado pelos galhos”.
Ele conhecia o sentimento de vestir algo que tinha sido de outra pessoa. Ele
tinha usado as roupas desgastadas de Dallas até a guerra. A primeira peça de roupa
que ele tinha vestido que tinha sido só dele foi uma jaqueta cinza que a mãe tinha
costurado para que assim ele pudesse montar com algum orgulho junto ao pai e ao
irmão mais velho.
Só que ele não tinha sentido orgulho... Apenas temor, um frio que ficava preso
no estômago. Um terror que o deixava inseguro. Como o de agora. Ele queria que
esta mulher estivesse segura, em segurança nos braços do irmão, onde Houston não
a poderia tocar, onde ele não poderia arrastá-la para o inferno que era a vida dele.
Ele tirou a faca da cintura. “Eu cortarei os galhos e você poderá pegar o vestido.
Talvez você possa consertar o dano”.
Ele foi para o lado dela e começou a cortar os galhos.
“Eu achei o espelho da minha mãe,” ela disse tranquilamente. E tocou na borda
do chapéu dele. “Você achou seu chapéu”.
“Sim. Fora isso, eu não tive muita sorte. A água está muito forte. A corrente está
muito rápida”.
“Nós vamos voltar na casa de John e Beth?”.
“Acho que eles não têm muita coisa. Acho que a gente só vai perder tempo e
ganhar muito pouco”.
95
“Então, o que nós vamos fazer?”.
Ele corta o último galho e embainha a faca. “Nós sobreviveremos. Nós ainda
temos todo o material que tinha colocado na Sorrel. Não é muito, mas é o suficiente.
Eu já viajei com menos”.
Ela guardou o tecido de seda verde e rosa. Houston ficou de pé, tirou o chapéu,
e o estendeu na direção dela. “Você precisará usar isto”.
Os olhos dela se arregalaram. “Mas esse é o seu chapéu”.
“Eu sei, mas eu não consegui achar o chapéu de Austin ou o seu gorro, e o sol
vai transformar sua pele bonita em couro. Não pode machucar tanto a minha”. Ele
fez careta enquanto uma lágrima se arrastava na bochecha dela. “Não comece a
chorar por mim”.
“Mas eu sei o quanto o chapéu significa para você”.
Ele quase disse que ela significava muito mais, mas as palavras permaneceram
junto com as outras que não tinha nenhum direito de dizer em voz alta. “Então tome
cuidado com ele porque eu vou querer de volta quando a gente chegar no rancho”.

O vento frio chicoteava o modesto acampamento. Amelia puxou o cobertor para


mais próximo de si, e abaixou a borda do chapéu de Houston para protegeu o
pescoço, e foi para mais perto do fogo. Eles tinham viajado a maior parte do dia, ela
em Sorrel, e Houston em uma mula. Eles tinham a manta de Sorrel e os arbustos
próximos para repelir os ventos.
“Você acha que vai nevar?”, ela perguntou.
Ele deu uma olhada rápida para o céu. “Não. Acho que em um dia ou dois, está
quente novamente”.
“Isto não é inverno?”.
Ele balançou a cabeça. Ela retornou o olhar para o fogo. Ela desejava ter as
cartas de Dallas. Depois de todas as vezes que ela tinha lido, ela devia ter
memorizado cada palavra, mas ela não conseguia se lembrar de qualquer coisa que
ele tinha escrito.
Tudo que ela conseguia se lembrar era do modo como Houston a tinha beijado
que tinha feito seus dedões do pé se torcerem, o corpo firme dele ao redor do dela
na noite anterior e o calor de sua respiração suavemente tocando em suas
bochechas.
Será que Dallas curvaria o corpo e a protegeria da mesma forma quando eles
dormissem juntos depois de casados? Ele tiraria suavemente o cabelo do rosto dela
quando achasse que ela estava dormindo? Faria o corpo dela ficar tão quente quanto
às chamas que lambiam a lenha?
Ela ficou de pé, deu a volta em torno do fogo e se ajoelhou ao lado de Houston.
“Eu estava pensando”.
“Sim, eu já percebi”.
96
As palavras dele a surpreenderam, embora ela achasse que ele estava
começando a conhecê-la da mesma forma que ela estava começando a conhecê-lo.
“Como você sabe?”.
“Você está enrugando as sobrancelhas”.
“O que mais você sabe sobre mim?”.
“Que você vai começar a me fazer perguntas”.
“Não exatamente”. Ela foi para um pouco mais perto dele. “Você disse que
tinha necessidades—”
“Eu não devia ter dito isto”.
“Você não tem necessidades?”.
“Sim, eu tenho necessidades, mas eu não devia dizer isso a uma dama”.
“Por que não?”.
“Eu não deveria, é só”.
Ela mordeu o lábio inferior. “Então eu não deveria dizer a você que eu também
tenho necessidades, não é?”.
“Não, não devia”.
Trazendo o cobertor para mais perto, ela olhou fixamente o fogo. Ela tentou
imaginar Dallas enquanto ela olhava fixamente o fogo. Ela tentava imaginar Dallas
como ela tinha todos aqueles meses, sem um bigode e com olhos azuis. Ela tinha
que se concentrar na imagem que ela agora tinha dele: olhos marrons, um bigode.
Um sonho para qualquer mulher. Um sonho que ela ainda não podia tocar... “eu
tenho necessidades,” ela disse baixinho. Ela girou a cabeça ligeiramente e achou que
ele parecia apavorado. “Eu estava pensando sobre o que você disse... que qualquer
mulher serviria. Eu estava me perguntando se seria o mesmo para mim. Se qualquer
homem satisfaria o que eu estou sentindo agora mesmo”.
“O que exatamente você está sentindo?”.
“Que eu quero ser beijada. Se você quer ser beijado, e qualquer mulher serve,
então por que não me beija? Então as nossas vontades iriam embora, e talvez nós
pudéssemos ir dormir em vez de ficar aqui sentado olhando o fogo”.
“Eu prefiro olhar o fogo”.
Então uma dor aguda como se ela tivesse sido pisada por um rebanho de
cavalos a transpassou. As palavras dele não deveriam machucá-la. Ele não era o
homem com que ela iria casar—.
“Não faça isto,” ele ordenou. “Não quero que fique com lágrimas nos olhos”.
Ela deu as costas a ele, lutando contra a tristeza, a raiva e a dor. “Não é justo.
Antes de a gente ter cruzado aquele rio, eu nunca tinha sido beijada”. Ficando de pé,
ela foi para cima dele como um lobo feroz do deserto. “Não é justo você me fazer
ficar com vontade e então dizer que eu tenho que lidar com isso sozinha. Eu nunca
tinha me sentido assim... como se eu fosse morrer se você não me beijasse”.
Ela se virou como um vento selvagem e marchou para longe da luz do fogo,
97
imediatamente lamentando sua tolice, mas tinha orgulho demais para retornar ao
calor e à luz. Com certeza Dallas não ia querer beijá-la e satisfazer as suas
necessidades a qualquer hora que ela o procurasse.
Uma mão grande encostou no ombro dela. “Eu sinto muito,” ela sussurrou. “Eu
fui uma tola mesmo. Eu não consigo me lembrar o que Dallas escreveu nas cartas.
Eu me sinto perdida... assim como os nossos pertences. E com medo. E—”.
“Ele disse que não estava solitário”. Suavemente, Houston a girou e colocou o
chapéu em cima da sobrancelha dela. A luz do fogo tocava o ombro e acariciava o
remendo e as cicatrizes enquanto deixava o olho arruinado e a bochecha na
escuridão. Uma vez, ela tinha perdido tempo imaginando como ele seria se não
tivesse sido ferido. Agora, ela simplesmente aceitava as feições ásperas que a guerra
tinha esculpido no rosto dele.
“Ele disse que uma esposa e filhos enriqueceriam sua vida”. Ele subiu a mão
que estava no ombro dela até a bochecha e deu uma pequena sacudida no rosto
dela. “Ele perguntou a você se você queria ser a esposa dele”.
“E eu disse sim, mas com certeza um simples beijo...”, ela disse quando ele em
silêncio passou o dedo polegar por cima do lábio inferior dela. Desde a guerra, ela
sempre tinha temido a escuridão, e ela parecia que tinha tragado ambos quando ele
cobriu sua boca com a dele.
Inclinando-se contra ele, ela enroscou os braços ao redor do pescoço dele,
querendo-o mais próximo, apreciando o calor dele que chegava a ela.
Ele gemeu profundamente, e ela sentiu o peito dele contra os seios dela. Ele
passou a mão pelos cabelos dela enquanto sua boca buscava a dela, com a língua
sondando, buscando, fazendo com que os dedões do pé dela se contorcessem.
Ele deslizou um braço pelos joelhos dela e a ergueu contra o peito dele. Ela
beijou o pescoço dele, a garganta, o queixo enquanto ele a levava para o fogo. Ela se
segurou na camisa dele enquanto ele a deitava no chão e tirava o colete antes de
estirar o corpo por cima do dela colando as duas bocas.
Ela podia ouvir o uivar do vento, e ao longe o gemido de um lobo, e a batida do
coração dele acompanhando a dele. A vontade cresceu dentro dela, necessidades
que ela nunca tinha conhecido. As linhas firmes do corpo dele se moldavam contra
as curvas suaves do corpo dela. Acima do tecido do vestido e do espartilho, ele
tocou no peito dela, apertando ternamente. Ela não conseguiu conter o gemido de
desejo que veio à garganta e seu desejo que explodia como fogos de Quatro de
julho*. Ela arqueou o corpo em retorno, querendo, precisando de algo mais íntimo.
Ele levantou a cabeça e arrastou os lábios ao longo do pescoço dela.
“Não está adiantando,” ela disse rouca.
“Eu sei”. Erguendo a cabeça, ele olhou para ela, levando as mexas de cabelo
para longe da bochecha.
“Você soube que não adiantaria, que o que eu estava propondo era tolice—”.
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“Não era tolice”. Uma grande ternura encheu o olhar dele. “Definitivamente
não era tolice”.
“Eu preciso de mais”.
Ele levou a mão dela até os lábios e beijou a palma da mão. “Não sou eu quem
deve dar mais a você”.
“Dallas dará a mim o que eu preciso?”.
“Dará mais. Ele dará a você algo muito melhor. As mulheres da vida nunca o
escolhem pelo charme da companhia”.
“Elas escolhem você?”.
“Pelo dobro”. Ele mordiscou os lábios dela. “Lembre-se disso. Você terá
conseguido o melhor quando se casar com Dallas. Não há necessidade de se
conformar com menos antes disso”.
Ele virou o corpo e embrulhou o colete ao redor dela. Então ele pegou o
cobertor, o colocou por cima dela, e a puxou para o lado dele. “Agora, vá dormir”.
Mas ela não podia dormir. Desejos não satisfeitos percorriam seu corpo. Ela
observava a luz do fogo tocar na face dele, sombras douradas, matizes de âmbar. O
corpo dele tinha uma tensão que rivalizava com a dela. Como ele esperava que ela
dormisse quando os dedões do pé dela ainda estavam curvados, a pele formigando
com o toque e o peito doendo com o desejo do toque das mãos dele? “Teria sido
melhor se Dallas tivesse vindo”.
“Sim”.
Ela se virou para ele. “Esfregue as minhas costas como você fez quando eu
estava doente”.
Ele abriu a palma da mão e passou os dedos pelas costas dela e começou o
solitário vai-e-vem.

*N. da R.: Quatro de julho: dia da declaração da Independência dos Estados


Unidos da América
“O que eu sinto quando você me beija—”
“É luxúria, apenas luxúria,” ele interrompeu.
“É por isso que você disse que qualquer mulher serviria”.
“É”.
Ela se aconchegou contra ele e se concentrou no movimento da mão, os círculos
pequenos, o toque leve. Ela se imaginou deitada nos braços de Dallas, querendo seu
calor, seu toque, e sua respiração perto da dela.
Mas quando ela dormiu, sonhou com Houston.

Amelia despertou com o som de um trovão e gemeu. “Não outra tempestade”.


“Não é uma tempestade, é um estouro,” Houston disse, uma urgência na voz
que chegou até ela. “Levante”.
99
Ela se pôs de pé, a lua cheia brincando de esconde-esconde com as sombras. Ele
agarrou a mão dela e a arrastou em direção a uma árvore. “O que você está
fazendo?”, ela perguntou.
“Saia do chão. Agarre aquele galho”, ele ordenou enquanto a tirava do chão.
Ela fez como ele tinha instruído e subiu na árvore. “Você não vem?”, ela gritou
enquanto o barulho crescia.
Ela não sabia se ele a tinha ouvido enquanto ele corria para as mulas e as
livrava de suas cordas. Então ele soltou o cavalo e começou a correr de volta em
direção à árvore.
O terror aumentou no coração dela quando a árvore começou a se agitar e o ar
começou a reverberar ao redor dela. “Rápido!”.
Ele arremeteu em direção à árvore, agarrou um galho, e ficou em segurança no
mesmo momento em que o rebanho alcançava o pequeno acampamento deles.
Amelia apertou o corpo contra a árvore quando os cavalos passaram apressados
por baixo dela. A luz da lua banhava as costas dos animais, esboçando seus
músculos enquanto eles se esticavam com os movimentos. As crinas balançavam
com a brisa. O galope levantava poeira que apagou a fogueira do acampamento.
Seus relinchos frenéticos encheram a noite.
Amelia assistiu, hipnotizada por sua beleza, seu propósito singular. O último
cavalo era o que brilhava mais, com a cor da lua. Parou cambaleando, levantou as
narinas, olhou ao redor, e relinchou desafiadoramente antes de continuar seguindo
o rebanho.
Quando o trovejar dos cascos virou um silêncio tímido, Houston deslizou
árvore abaixo. Ele levantou uma mão e esperou, como que testando a noite. Amelia
podia sentir a tensão em sua postura. Lentamente, ele a segurou. “Vamos”.
Ela desceu, e ele envolveu sua cintura com as mãos. Ela podia sentir o tremor
dos dedos dele, e sentia o próprio corpo tremendo. Ela caiu contra o peito dele e
escutou o bater de seu coração.
“Isso foi incrível”, ela disse entre um suspiro.
“Sim, foi”, ele disse tranquilamente enquanto a levava de volta para onde tinha
estado a fogueira do acampamento.
Ela se sentou no chão e o viu tentar fazer um novo fogo. “Aquele último
cavalo... eu nunca tinha visto um cavalo com a cor da lua,” ela disse admirada.
“Palomino. Aquela coloração é chamada Palomino”.
“Ela era bonita”.
“Ele”.
Ela olhou para Houston. “Ele? Como você sabe?”.
“O orgulho no modo como ele andava. E o fato de ele ser o último. Esse era seu
bando de éguas”.
“Eu sempre esperei que o garanhão fosse o mais rápido. Ele não conseguia nem
100
acompanha os outros”.
Houston riu baixo. “Ele é rápido. Ele estava se colando entre as éguas e o
perigo. A égua que veio na frente deveria ser sua égua favorita. Ela é a mais rápida,
mais forte, provavelmente a mais esperta de sua ninhada”.
Quando o fogo começou a crepitar, ele olhou na escuridão onde os cavalos
selvagens tinham desaparecido. Ela sentia uma melancolia nele, como se ele
desejasse poder ter galopado junto deles.
As mulas e Sorrel tinham saído do caminho e estavam seguras. Enquanto eles
perambulavam de volta para o acampamento, Houston os tinha colocado em um
lugar seguro pela noite. Ele estava quieto, contemplativo quando ele se reuniu
novamente a ela perto do fogo, sentou ao lado dela, e a tomou entre os braços.
“No que você está pensando?”, ela perguntou.
O abraço dele se apertou mais. “A beleza daqueles cavalos selvagens”.
“Quem você acha que é o dono deles?”.
“O campo. Eles só pertencem ao campo. Eles são selvagens e estão livres”.
“Você vai tentar capturar eles?”.
“Não, eu preciso levar você para Dallas”. A voz dele refletia luto, perda.
“Você voltará para buscar eles?”.
“Talvez. Cavalos selvagens normalmente ficam na mesma área durante algum
tempo”.
“E se eles partirem antes de você voltar?”.
Ele encolheu os ombros o máximo que podia com ela dentro deles. “Haverá
outros”.
Ela ergueu um cotovelo e encontrou o olhar dele. “Você disse a mim uma vez
que os selvagens estão se tornando raros, e é por isso que você está criando eles. Se
eu não estivesse aqui, você separaria um tempo para capturar eles?”.
“Se você não estivesse aqui, eu não estaria aqui. Eu nunca teria deixado meu
lugar, nunca teria visto eles, não saberia que eles existiam... assim eu nunca teria
tido eles de qualquer maneira”.
Ela sorriu e tocou no queixo áspero dele. “Mas eu estou aqui, e você sabe que
eles existem. Quando você deixou o rancho e foi até Fort Worth, alguma coisa o fez
diminuir a velocidade?”.
Ele enrugou a testa. “Não”.
“E na volta, nós tivemos um infortúnio—”.
Ele riu baixo. “Infortúnio?”.
“Certo. Nós tivemos uma catástrofe atrás da outra. Talvez estes cavalos sejam
seu destino, a razão desta jornada estar sendo tão difícil. Eles te darão bons cavalos
para criar. Como você pode partir sem pelo menos tentar capturar eles?”.
Ela achou que ele poderia empurrá-la de lado se ela não estivesse tão
embrulhada dentro do colete dele.
101
“Nós já perdemos tempo demais”. Ele apertou o rosto dela contra o ombro dele.
“Vá dormir”.
“Então eu estou agradecida por este incidente ter diminuído a nossa velocidade.
Só de ter visto aqueles cavalos magníficos já valeu a pena. Você não concorda?”.
O silêncio foi sua resposta. Ela se perguntou se ele tinha desejado alguma coisa
na vida, mas tinha posto de lado para favorecer os desejos de outra pessoa. O
relincho do cavalo atravessou o silêncio. Através da bochecha, ela sentiu o coração
de Houston bater rapidamente.
“Você acha que é ele?”, ela sussurrou.
“É”.
“E você vai deixar ele ir?”.
“Amelia”, ela ouviu a frustração na voz dele. “Eu não vou sair correndo e
amarrar ele com uma corda e pronto. Capturar Cavalos selvagens do meu jeito é
algo lento”.
Ela se virou por cima do cotovelo. “Como você captura eles?”.
Ele suspirou profundamente. “Eu me torno um deles”.
Um sorriso caloroso passou pelo rosto dela. “Eu adoraria ver isto”.
“Bom, você não vai. Eu preciso te levar até Dallas. Agora vá dormir”.
Ela se aconchegou de volta contra o peito dele. “Que cor você disse que ele
tinha?”.
“Palomino”.
“E a primeira égua, a favorita dele era da mesma cor, não é?”.
“É”.
“E as éguas dele pareciam prateadas ao luar”.
“Elas eram prata”.
“Eles corriam incrivelmente rápido. Você já viu algum cavalo correr tão
rápido?”.
Ele ficou em silêncio.
“Eu gostei do jeito como ele olhou ao redor—”.
“Você está me provocando, sabia? Eu estou tentando esquecer o que vi, e você
não pára de falar deles”.
“Se você não capturar eles enquanto nós estamos aqui, você poderá perder eles
para sempre”. Ela se virou novamente e embalou o queixo dele com a barba por
fazer com as mãos. “Às vezes, nós só temos uma chance de realizar nossos sonhos”.
Ele passou os dedos pelo cabelo dela, segurando o rosto imóvel. “Eu não
mereço ter sonhos,” ele rosnou através dos dentes trincados.
“Todo mundo merece ter um sonho. Dallas quer um filho. Se a gente ficar aqui
mais alguns dias não o atrapalhará de ter o que deseja. Seu sonho é criar cavalos.
Não deixe que os sonhos de Dallas se sobreponham aos seus. O seu é importante da
mesma maneira. Aqueles cavalos podem fazer parte dele”. Ela colocou as mãos por
102
cima da dele. Ele girou a palma da mão dela, entrelaçou os seus dedos com os dela,
e levou a mão dela aos lábios.
“Você não sabe o que você está pedindo,” ele disse, a voz tensa.
Ela ouviu o Palomino garanhão relinchar ao longe. “Eu estou comprometida
com o seu irmão, mas isso não significa que eu tenha fechado meu coração para
outros sonhos. Se eu estiver com você quando você capturar os cavalos, então eu me
tornarei parte do seu sonho também. E daqui a anos, quando alguém montar um
magnífico Palomino será porque nós ousamos agarrar um sonho... e nós seremos
lembrados”.

Capítulo Doze

Houston nunca tinha considerado que seu desejo de criar cavalos fosse um
sonho, mas ele supôs que fosse. Ele sempre ficava em paz quando ele trabalhava
com os cavalos selvagens, talvez porque ele soubesse o que era ter a alma destruída,
ser abatido, ser deixado para trás e se sentir sem valor. Como resultado, ele
trabalhava duro para não destruir o espírito do cavalo.
Alguns cavalos, como o cavalo selvagem preto que Dallas tinha tentado
amansar, simplesmente não podia ser amansado. Ele era muito orgulhoso ou muito
teimoso, exatamente como o irmão mais velho dele era. Ele percebeu que o pai tinha
reconhecido esta característica teimosa em Dallas e percebido que ele não poderia
ser adestrado assim ele nunca tentaria submetê-lo às suas vontades. Ele o aceitou
como era.
Com Houston, entretanto, tinha sido outra história. Ele teria alegremente dado
a vida se apenas uma vez só o pai o tivesse olhado com orgulho refletindo nos
olhos, entretanto ele teve que admitir que ele provavelmente nunca tinha dado ao
pai nenhum motivo para que sentisse orgulho dele.
Ele deu uma olhada rápida no cercado pequeno. Os cavalos selvagens
poderiam beber na lagoa do canto e descansar depois da perseguição até que ele
estivesse pronto para tirá-los. Ele não teria corda suficiente para levar todos, mas ele
levaria o melhor. O garanhão, sua égua favorita, e qualquer outro que ele achasse
que valesse a pena. Os cavalos restantes ele deixaria livre.
Enxugando a testa, ele observou a mulher que queria ser parte de seu sonho,
seus dedos ágeis desenrolando uma corda grossa para que assim ele pudesse
enrolar as cordas em torno dos galhos de árvore que ele tinha juntado. Ele não
ousou dizer a ela que ela já pertencia aos sonhos dele, não ousou falar dos sonhos
que ele tinha tido naquela noite em que a teve nos braços, não ousou falar daqueles
sonhos que nunca se tornariam realidade.
Ele nunca acordaria com ela em sua cama. Ele não envelheceria segurando a
103
mão dela. Ele nunca veria os olhos dela se escurecerem com paixão. Ele nunca diria
a ela que a amava.
Ele podia apenas desejar que os sonhos de Dallas se estendessem além de ter
um filho com Amélia depois que a encontrasse. Que ele gostasse dela tanto quanto
ele gostava.
Ele não achava que Dallas conseguiria não se apaixonar por Amelia. A coragem
dela seria atraente para o irmão. Houston a tinha arrastado por três semanas num
inferno, e ela não tinha reclamado nenhuma vez. Ela seria uma maravilhosa esposa
para Dallas.
Agachando, ele começou a juntar os galhos firmes um sobre o outro até que eles
ficaram parecidos com um tabuleiro de damas. Quando Amélia concluísse a tarefa,
ele amarraria os galhos firmemente juntos nas quinas onde eles se encontravam para
formar um “T”. A entrada do vale era pequena o suficiente para que sua porta
improvisada o fechasse. Ele seguraria um lado do portão e Amelia conseguiria
facilmente puxar o material improvisado e bloquear a entrada do cercado quando
ele trouxesse os cavalos. Ele era provavelmente insano por tentar capturar cavalos
com os poucos mantimentos que tinha e com uma mulher ao lado. Austin tinha
estado com ele anteriormente quando ele tinha capturado cavalos selvagens, ficando
no perímetro enquanto Houston se infiltrava no rebanho. Ele não tinha esse luxo
dessa vez. Ele poderia deixar Amelia se defender pois achava que ela era capaz, mas
o tempo estava correndo. Ele só a teria por mais um pouco de tempo... e então ele
não a teria mais.

O amanhecer chegou. Amelia dormiu pouco, a possibilidade de ver os cavalos


correr para o cercado a enchendo com excitação.
Houston tinha apagado o fogo assim que eles tinham terminado o café da
manhã. Ela o via agora enquanto ele andava pelo acampamento se preparando para
partir, sua ansiedade crescente. Ele tinha colocado um cabresto de corda que tinha
adaptado em Sorrel. Ele tirou as botas e meias antes de puxar a camisa por cima da
cabeça e colocou-a em cima do colete.
Ele se virou para ela, e ela fechou os dedos das mãos para preveni-los de
tentarem alcançar tocar os contornos endurecidos do corpo dele. “Quanto tempo
você acha que vai demorar?”.
“Não muito. Hoje, eu só preciso achar eles”. Ele caminhou através da pequena
distância que os separava e tomou a mão dela. “Nós precisamos conversar”.
A respiração dela ficou presa. Naquele momento, ela precisava de um beijo.
Deus, como ela precisava de um beijo. Ela lutou para manter o olhar fixo no dele, as
mãos queriam se arrastar ao longo das cicatrizes do ombro e peito dele. Ela lambeu
os lábios.
“Eu quero que você venha comigo, mas eu preciso que você entenda o que eu
104
estou pedindo. Eu estou deixando todas as minhas coisas aqui: meu revólver, minha
calça comprida, e meu cantil. Eu quero que os cavalos selvagens se me acostumem
com o meu cheiro; Quanto menos eu tiver, com menos coisas eles terão de se
acostumar. Eu ficarei com eles até que eles confiem em mim o suficiente para me
seguirem. Eu escaparei de noite para procurar comida e água. Eu irei dormir
quando eles forem. Se eles começarem um estouro... eu farei de tudo que puder para
te proteger, mas poderá não ser o suficiente”. Ele soltou a mão dela e começou a
andar. “Droga, essa é uma idéia estúpida. Eu não posso te deixar e não posso te
levar comigo. Eu não sei o que estava pensando. Eu não estava pensando. Se Dallas
souber no que eu estava pensando, ele vai arrancar o meu couro”.
“Eu quero ir”.
Ele parou de andar e olhou fixamente para ela. “Isto não é nenhum passeio de
carruagem de luxo”.
Ela se abraçou para afastar a excitação que a levaria às nuvens. “Nós vamos
montar com o rebanho? Nos tornar parte do rebanho? Isto é algo que poderei
compartilhar com meus netos”. Ela se sentou no chão e começou a tirar os sapatos.
Ele se ajoelhou ao lado dela, colocado o pé dela no colo, e a ajudou a tirar o sapato.
“Se algo acontecer—”.
“Nada vai acontecer”. Ela desejou e cuidadosamente colocou os sapatos ao lado
das botas dele; o ato não podia ter sido mais íntimo mesmo que ela o tivesse feito
em um quarto onde só estivessem os dois. Ela arrancou o chapéu.
“Fique de chapéu,” ele ordenou.
Ela se virou. Ele já tinha montado Sorrel. “Provavelmente não vamos achar
muita sombra”.
Ela colocou o chapéu no lugar, agradecido por ele não querer que ela o deixasse
para trás. Ela teria odiado que um guaxinim o levasse para longe.
“Suba naquela pedra,” ele disse.
Ele moveu o cavalo para perto da pedra e ofereceu a mão. Ela deslizou a mão
por cima da dele, usando o braço como alavanca enquanto ela lançava uma perna
por cima do cavalo e subia. Ela envolveu o peito nu dele com os braços e apertou o
rosto contra as costas largas dele.
O mundo pareceu mais bonito do que na véspera; as folhas estavam começando
a ficar douradas e a atmosfera prometia que o frio iria retornar. Eles tinham
montado várias horas em silêncio, Houston tinha estudando o chão e o terreno. Ela
facilmente poderia dormir usando as costas dele como travesseiro. Ela se
perguntava se Dallas teria as costas tão largas, tão lisas, tão quentes.
Houston esticou o pescoço e parou o cavalo. “Eles estão ali”.
Inclinando-se para o lado, ela olhou ao redor. Os cavalos selvagens pastavam ao
ar livre.
Houston levou Sorrel adiante. Amelia estava certa de que o bater do coração
105
dela espantaria os cavalos para longe. Eles se aproximaram do rebanho. O garanhão
ergueu a cabeça, os olhou cautelosamente, relinchou alto, e saiu em galope. As
éguas rapidamente começaram a correr, as crinas prateadas balançando com o
vento, o rabo erguido no ar.
Amelia lamentou. “Eles foram embora”.
Houston passou a perna por cima da cabeça do cavalo e foi para o chão.
Levantando as mãos, ele as colocou na cintura dela e a levou para o chão. “Já
esperava, é a primeira vez. Foi por isso que eu disse que hoje não demoraria muito”.
“Por que você não foi atrás deles?”.
“Eles apenas teriam corrido mais rápido. É o jeito deles; Eles vão voltar. E
quando eles votarem, nós estaremos esperando”.
“Quanto tempo vai demorar para eles nos aceitarem?”.
“Difícil dizer”.
Ele deslizou o braço ao redor dela, e, em um gesto que parecia tão natural
quanto respirar, ela se debruçou contra ele, esperando pela promessa do sonho dele
retornar.

Por vários dias, eles acharam o rebanho, caminharam até ele, e viam os cavalos
irem para longe, mas a cada dia os cavalos selvagens corriam menos e mais devagar.
No quarto dia, eles não correram mais.
Houston sentiu os braços de Amelia o abraçarem pelas costas enquanto ele
guiava Sorrel para o meio do rebanho. O Palomino garanhão os olhou
cautelosamente, lentamente se aproximou, cheirou Sorrel, cheirou a perna de
Houston. Houston achou que ele poderia sentir Amelia prendendo a respiração
contra as costas dele. Como ele desejava poder se virar e olhar para ela. Ele
imaginou os olhos verdes dela brilhando, os lábios curvados formando um sorriso.
Quando o garanhão determinou que eles não eram uma ameaça, ele agitou a
cabeça, fez a longa juba de prata longa ondular por cima do pescoço e saiu andando
como se dissesse, “Faça como quiser”.
E foi o que Houston fez. Ele andou com o cavalo pelo rebanho, estudando cada
cavalo, julgando suas qualidades. Ele capturaria todos, mas só ficaria com o melhor.
Ele não tinha corda suficiente para amarrar todos.
A outra coisa que ele sentia falta eram as perguntas de Amelia. Ela se mantinha
silenciosa, e ele queria ouvir a voz dela. Ele tinha a impressão de que tudo ficaria
muito mais silencioso depois que ela tivesse ido.

Amelia perdeu a conta de quantos dias eles tinham viajado com os cavalos
selvagens. O alcance deles tinha coberto uma distância considerável, mas ela não
teria se importado se eles galopassem para sempre em direção ao amanhecer. Ela
amava sentir o cavalo embaixo dela, o homem na frente dela e também gostou
106
quando o rebanho sentia o perigo e corria. Ela amava os sons da noite quando os
cavalos selvagens tinham se acostumados com eles. Houston a traria para mais
perto, e ela dormiria nos braços dele. Às vezes, eles conversavam baixinho sobre os
cavalos, sobre quais eles preferiam. Ou eles conversavam sobre os momentos
durante o dia quando eles não tinham falado, mas cada um sentia que os
pensamentos do outro iam para as mesmas conclusões.
Ela soube antes de ele dizer que ele preferia a égua principal do garanhão acima
de todos os outros. Ela sabia que ele a usaria como a progenitora de seu próprio
rebanho. Ela sabia que ele a domaria.
E ela soube nas horas antes do amanhecer quando ele quietamente levou Sorrel
para longe do rebanho e a levou para a pequena entrada do vale que ela tinha se
apaixonado por ele.
“Eu não entendo por que não posso ficar com você”.
Fechando as mãos em formato de concha, ele trouxe a água da pequena lagoa
até os lábios e bebeu. “Porque eu vou montar e levar eles para o cercado e preciso
que alguém feche o portão depois que eu tiver passado com eles”.
“E se eles não te seguirem?”.
Ele ficou de pé e secou as mãos na calça comprida. “Então eu terei que
perseguir eles e amarrar aqueles que nós queremos. Nós já perdemos tempo
suficiente com isso”.
Ela o envolveu com os braços. “Eu não entendo como você pode olhar para os
dias que passaram como perdendo alguma coisa. Foi a experiência mais incrível da
minha vida”.
Ele passou o dedo junto ao queixo dela. “Eu não quis dizer isto, mas há alguém
esperando por você. Eu preciso te levar até ele”.
Ele andou a passos largos até o cavalo e montou. “Fique atrás do arbusto até
que você me ouça gritar. Então comece a fechar o portão. Eu virei te ajudar o mais
rápido que puder”.
Ela se sentou em cima de uma pedra e esperou. Ela viu o sol descer através da
linha do horizonte e sentiu a solidão crescer. Uma pessoa podia amar mais do que
uma vez na vida, amar uma pessoa assim tão profundamente, com tanta força?
Dallas tinha respondido o anúncio dela; Ela tinha dado a ele sua palavra de que
se casaria com ele. Ela tinha uma obrigação a cumprir, mas ela imaginava que no
futuro, junto com suas crianças ao redor, ela diria a eles como ela tinha ajudado o tio
deles a capturar o início de seu sonho.
Ela ouviu o bater dos cascos, sentiu o chão vibrar. Ela pulou para trás do
arbusto e esperou. O rebanho surgiu, trovejando através das planícies, suas cabeças
jogadas para trás, o rabo levantado, os músculos macios e lustrosos se estendendo
enquanto eles se apressavam em direção ao seu destino.
Vindo atrás, os guiando, mantendo-os em curso, estava Houston, abaixado no
107
cavalo, com o vento batendo no cabelo, o suor brilhando no corpo. Ela acreditava
que mesmo que vivesse cem anos, ela nunca veria algo mais magnífico.
Respirando pesadamente, os pelos brilhando com o esforço, os Cavalos
selvagens galopavam no pequeno vale, rumo à lagoa. Ela ouviu Houston chamar o
nome dela enquanto passou rugindo.
Ela saiu detrás do arbusto e começou a empurrar o portão de galhos e cordas.
Então ele estava ao lado dela, empurrando-os para dentro do vale. Ele se apressou, a
agarrou pela cintura, e a levou para o lado. “Não sei se vai segurar eles,” ele disse
enquanto a soltava.
O garanhão foi o primeiro a notar que eles estavam presos. Ele se empinou e
correu em direção ao portão de galhos de árvore mas parou pouco antes de bater
nele. Ele trotou de um lado para outro. Amelia quase podia sentir sua raiva.
“Eu tenho a impressão de que ele é um cavalo que você não gostaria de
aborrecer,” ela disse.
“É”. Houston buscou algo no meio dos pertences, achou uma camisa e a
colocou por cima da cabeça. “Eu podia castrá-lo. Ele não ficaria tão animado então”.
Amelia disse tímida. “Você não vai, vai?”.
“Não. Ele não seria útil para mim”. Ele caminhou até o portão e apoiou a mão.
O garanhão bufou e trotou através das sombras finais da manhã.
“O que foi?”, ela perguntou.
“Nós daremos a eles um dia para se acalmar, então nós escolheremos aqueles
que queremos e iremos embora”.

Amelia começou a apreciar a aproximação da escuridão, a chegada da noite.


Houston nunca tinha falado seus pensamentos ou sentimentos, mas ela achava que
ele apreciava a noite tanto quanto ela.
Eles raramente falavam durante o dia, mas de noite, depois que comiam, depois
que ele fazia o fogo e a aninhava nos braços dele, eles conversavam tranquilamente
sobre o passado, o presente, mas nunca sobre o futuro.
Naqueles momentos tranqüilos ela começou a conhecer mais o homem com
quem iria se casar. Houston se sentia mais confortável falando sobre o irmão do que
sobre si mesmo, mas ela gostava mais dos momentos em que a história falava sobre
ele.
Ela aprendeu que Dallas era o filho favorito, embora Houston nunca tivesse
admitido isto. Através do calor da voz quando ele falava da mãe, ela sabia que
Houston tinha adorado a mulher que o tinha trazido ao mundo.
Ela guardava as histórias que ele contava a ela como um pão-duro que cata
moedinhas, peneirando as palavras, procurando por todas as chaves que
destrancariam os mistérios dele.
Houston tinha perdido o número de dias que eles tinham viajado, mas toda
108
noite quando ele tinha Amelia nos braços na hora de dormir, ele travava uma
batalha com sua consciência, tentando justificar o que fazia. Ele podia tê-la levado
até o rancho e retornado para pegar os cavalos selvagens. Ele deveria tê-la levado
para o rancho.
Mas, droga, ele a queria com ele, compartilhar a captura, queria que ela
aprendesse sobre os cavalos com ele, que ela fizesse parte de uma parte dos sonhos
dele.
Quando ele a levasse para Dallas, ela começaria a viver seu próprio sonho, e ele
não teria nenhum lugar nele.

Ele parou a mula. A montaria de Amelia parou, junto com os cavalos selvagens
que trazia a reboque. Eles concordaram em trazer oito. Um era fraquinho e ele
acreditava que não seria muito útil, mas a mulher ao lado dele tinha medo de que
ele não sobrevivesse sozinho quando eles soltassem os cavalos sem o garanhão e sua
égua favorita para guiá-los. Então ele tinha mantido a frágil criatura, sabendo que
em seu mundo não havia lugar não havia lugar para coisas gentis.
As sombras começavam a se prolongar mas eles ainda tinham bastante luz do
dia sobrando, então eles partiram. Ele levou o bando para a o monte à esquerda,
confiando que todo mundo o seguisse.

Com espanto, Amelia olhou fixamente para a pequena fonte. Três cachoeiras,
cada uma mais alta do que um homem, a água caía por cima das pedras cheias de
musgo, cobertas com arbustos, se fundindo na lagoa larga. Os cavalos andaram na
água clara.
Ao lado dela, Houston se agachou, remexeu na água próxima à extremidade do
banco e imergiu a palma da mão abaixo da superfície. “Está mais fria do que eu
tinha pensado”.
A voz dele refletia decepção, e ele deu uma olhada rápida nela. “Achei que você
iria gostar de nadar... mas está muito frio”.
Ela se ajoelhou ao lado dele e colocou os dedos na água. “Quando eu era
pequena, costumava correr e me esconder quando minha mãe dizia a Dulce para
preparar meu banho. Eu achava que seria maravilhoso nunca ter que tomar banho,
ficar tão suja quanto eu quisesse, e que ninguém ligasse”. Ela colocou a mão no
espartilho. “Eu nunca me senti tão imunda em toda minha vida. Eu fico surpresa de
que você consiga ficar tão perto de mim”. “Meu cheiro não é assim tão bom quando
eu não tomo um banho”.
“Eu acho que os cavalos estão cheirando melhor do que a gente”. Ele concordou
com a cabeça devagar. Ela colocou a mão na água. “Não fica assim tão frio depois
que se acostuma com ela”.
Ela olha a lagoa. “Você acha que há cobras por aqui?“.
109
“Eu nunca vi, mas é melhor eu dar uma olhada primeiro”.
Enquanto ele olhava os contornos da lagoa, ela tirou os sapatos, com os dedos
tremendo somente com o pensamento de uma serpente cravando as presas nela
novamente. Ela respirou fundo, tentando acalmar a respiração, determinada a não
deixar que o modo guiasse sua vida.
“Pense que você ficará bem. Eu vou juntar alguma madeira, e farei fogo. Você
pode ir andando. Grite se você vir qualquer coisa”.
Ele foi embora. Ela não se importava se a água estava fria. Eles tinham viajado
por dias vendo pequenos fluxos rasos de água que não molhavam nem o dedão do
pé. Ela queria um banho morno em uma tina de madeira grande, mas ela tinha de se
conformar com esta fonte fria.
Ela colocou o chapéu em cima de uma pedra e tirou as roupas sem pensar em
olhar por cima do ombro. Houston estava sentando por cima de uma pilha de
madeira, olhando para ela. Ele deu uma olhada ao redor até que virou as costas para
ela.
Depois de tudo que eles tinham passado, tirar as roupas na frente dele parecia
natural. Ela andou pelas águas que se agitaram.
Houston ficou de pé e andou através da clareira. Rindo, Amelia ofereceu as
mãos para ele. “Não, está tão frio”.
Ele parou. “Não fique gritando assim. Você quase fez meu coração parar de
bater”.
Tensa, segurando a respiração, ela afundou na água. Subiu rindo e balbuciando.
“N-não é tão ruim depois q-que você e acostuma. Venha para cá”.
Ele olhava como se ela tivesse dado um soco no estômago dele. Ela deu uma
olhada rápida para baixo. O linho branco estava agarrado no corpo dela, esboçando
as curvas, mostrando as formas do corpo. Ela entrou na água, dando boas-vindas ao
frio. “Venha se juntar a mim,” ela suavemente repetiu.
“Meu Deus, mulher, você está louca?”.
“Talvez eu esteja, viajando por todo o país para me casar com um homem que
eu apenas conheço por cartas. Viajar através do Texas com um homem que eu não
conhecia. Você podia ter se aproveitado de mim e não o fez. Eu não acho que você
vai fazer isso agora”. Ela pendeu a cabeça para o lado. “É muito bom tirar a poeira”.
Houston sabia que seu corpo precisava se acalmar... Nada bom. Ele jogou o
colete no chão e puxou a camisa por sobre a cabeça. Ele se abaixou para tirar as
botas e meias. Se o corpo dele não gostasse tanto da visão do corpo dela, tiraria a
calça. Do jeito como as coisas estavam, ele estava se complicando, ele se encolheu
com o frio que vazada através da sua roupa que restava. “Quanto tempo vai levar
para eu me acostumar com o frio?”, ele disse brincalhão.
Ela riu. Deus, como ele amava a risada dela. Ele amava o brilho dos olhos, o
modo como os lábios se curvavam para cima.
110
Ela espirrou água nele. Ele não pôde evitar de responder, com medo de que se
envolvesse aquele corpo liso com os braços, a puxaria contra si e nunca a deixaria ir.
Em vez disso, ele se sentou na parte arenosa inferior do rio e se debruçou contra
uma pedra, permitindo que a água fria batesse nele, lutando em uma batalha
perdida, tentando não notar que o algodão branco estava colado contra a pela dela.
Ela virou a cabeça para trás, com a garganta parecendo uma coluna curva de
marfim. Ele gostaria de dar uma dúzia de beijos da ponta do queixo dela até o final
do pescoço.
“Às vezes, eu desejo que esta viagem nunca acabe”, ela disse com um tom
sonhador. Ela baixou o olhar que encontrou o dele. “Mas ela vai terminar, não é?”.
“Sim, vai”.
Ela deslizou pela água até que se aproximou dele. “E tudo que eu terei são as
memórias do tempo que nós compartilhamos,” ela disse suavemente.
Um calor começou a fluir pelo corpo dele por causa da proximidade dela. Ele
ficou surpreso pela água que o cercava não emitir fumaça. “Nós provavelmente
deveríamos sair agora,” ele sugeriu enquanto começava a se levantar.
Ela colocou a mão no ombro nu dele, e ele afundou os ombros na água.
“Amelia—”.
“Eu não queria fazer você ficar sem-graça,” ela disse.
“Eu não estou sem-graça. É só que de vez em quando nós começamos a seguir
por estradas que nós não deveríamos, e eu acabei de perceber que você estava
começando a querer viajar por uma dessas estradas”.
“Porque eu apreciei o tempo que eu tenho estado com você?”.
Ele concordou com a cabeça.
“No primeiro dia em que eu me encontrei com você, eu achava que esta seria a
viagem mais longa da minha vida. Eu nunca pensei que acumularia estes momentos
com você como se eles fossem ouro”. Ela apertou o dedo contra os lábios dele antes
que ele pudesse protestar. “Você sabe qual foi o meu momento favorito?”.
Ele negou com a cabeça, com o olhar fixo no brilho dos olhos dela.
“Depois que nós cruzamos o rio com a Sorrel, antes de você retornar ao outro
lado com a carroça... você sorriu”.
Ele fez uma careta. “Mulher, você deve estar quase cega. Se isso tivesse
parecido com o que eu sentia, você deveria ter tido pesadelos”.
“Eu podia te mostrar meu espelho—”.
“Não”. Ele afundou mais fundo na água. “Eu não gosto de espelhos”.
“As suas cicatrizes não são tão ruins assim”.
“Não tem nada a ver com as minhas cicatrizes”. Que droga, por que ele estava
se explicando? Não hoje à noite, não quando seu tempo junto a ela estava acabando.
Ela suspirou com força. “Eu admito que o lado esquerdo não subiu tanto
quanto o lado direito, mas ainda assim eu gostei do seu sorriso”. Ela tocou com a
111
ponta do dedo o canto de sua boca. “Sorria para mim novamente”.
Ele apertou os lábios.
Ela colocou os dedos polegares em cada canto da boca áspera. Ele deu um pulo
para trás. “Eu não consigo sorrir se estiver pensando nisto”.
“Então não pense nisto”.
Ela foi para trás, pegou um pouco de água e jogou nele.
“Não faça isto,” ele ordenou.
Ela sorriu travessa. “Por quê?”, ela jogou água nele novamente.
“Porque eu disse que não, é só”.
“Oh, eu estou assustada,” ela o provocou enquanto respingou água nele
novamente.
“Se não parar, você vai ver”, ele ameaçou.
Ela riu então, riu alto e claro, o som melodioso ecoando em torno das quedas da
água. Ele provavelmente nunca saberia o que tinha acontecido com ele, mas ele foi
até ela, a agarrou pela cintura, e a levou para baixo da água.
Quando ele a trouxe para cima, os braços e pernas dela estavam ao redor dele.
Ela tirou o cabelo dos olhos e riu. “Eu ainda não estou assustada”.
Ele não podia mais se segurar. O riso dele se juntou ao dela e flutuou junto com
a brisa. Profunda e forte. O som o atingiu, e ele ficou mudo.
Amelia tocou na bochecha dele. “Você nunca riu antes,” ela declarou
simplesmente.
“Sendo já um homem, não consigo me lembrar”.
Lágrimas brotaram nos olhos dela. “Eu acho isso incrivelmente triste”.
Ele a colocou de lado e ficou de pé. “É hora de sair e se esquentar”.
Mas ele podia ainda ouvir o próprio riso ecoando entre as quedas da água, e foi
tudo o que ele pôde fazer para não lamentar por si mesmo.

Embrulhando-se em um cobertor, Amelia se sentou ao lado do crepitar do fogo


usando seu justilho e a saia úmida. As roupas de baixo estavam encharcadas e
estiradas em cima de uma pedra para secar.
A noite pairava ao redor dela. Um milhão de estrelas brilhava. Ela podia ouvir
as cachoeiras, o som do salto ocasional de um peixe, rãs coaxando, e o silêncio de
seu companheiro que olhava o fogo, com a testa enrugada. Ela se perguntou aonde
iam os pensamentos dele esta noite.
Baseada na profundidade das rugas, ela tinha a impressão de que ele estava
pensando na guerra que ele tinha sobrevivido que tinha roubado uma parte de sua
visão, seus sorrisos e seu riso.
“Um centavo pelos seus pensamentos,” ela disse baixinho.
Ele deu uma olhada rápida nela. “Eles não valem tanto”.
“Então diga para mim”.
112
Um canto da boca de Houston se entortou para cima e um calor percorreu o
corpo dela. Ela tinha dado a ele, por menor que fosse, um sorriso que ela desejava
que um dia iluminasse a vida dele.
“Até quando você não está fazendo perguntas, você está fazendo perguntas,”
ele disse.
“Você não gosta de perguntas”.
“Não me importo com perguntas. O que eu não gosto muito é de responder”.
Ela chegou mais próximo dele. Ele há muito tempo tinha parado de cobrir o
rosto. Ela não podia imaginá-lo mais perfeito do que ele já era naquele momento.
Nem poderia imaginá-lo fazendo alguma pergunta a ela, uma pergunta que fosse de
sua livre e espontânea vontade. “Jogue comigo”.
“O tabuleiro de xadrez está em alguma parte do rio”.
“Eu conheço um jogo que não usa um tabuleiro. Um jogo realmente simples. Eu
costumava jogar com as minhas irmãs. As regras são fáceis. Você decide se quer
responder as perguntas com sinceridade ou se quer a conseqüência. Eu farei as
perguntas ou agüentar as conseqüências”. Ela sorriu docemente. “A pergunta será
algo que você não iria querer responder; e a conseqüência será algo que o
assustará”.
O horror surgiu nos olhos dele. “Você chama isso de jogo?”.
Ela deu um tapinha no ombro dele. “É divertido. Nós sempre acabamos rindo.
Você quer responder uma pergunta ou agüentar uma conseqüência?”.
“Nenhuma das duas. Vou dormir”.
Ela colocou a mão na coxa dele, fazendo com que ele parasse os movimentos.
“Me alegre. Eu serei a primeira. Faça uma pergunta para mim”.
“Por que você é tão viciada em perguntas?”.
“Oh, é fácil. É o melhor caminho para descobrir informações. Agora você quer
responder a uma pergunta ou vai querer uma conseqüência?”.
Ele olhou para ela como se ela tivesse libertado os cavalos favoritos dele. “Isso
não foi justo”.
Ela lutou contra o desejo de rir quando percebeu que ele realmente iria jogar.
“Você tem que escolher suas perguntas com cuidado”.
Ele estreitou o olhar. “Eu farei uma pergunta”.
“Provavelmente será algo que você não queira responder”.
“Eu não quero responder nenhuma”.
“Tudo bem”. Ela sentou, colocou o cotovelo na coxa, o queixo na palma da mão,
e estudou o homem carrancudo, perguntando-se o que ela poderia perguntar que
seria um desafio mas que não o afugentaria. “Quando você grita durante o sono,
você está sonhando com a guerra?”.
“Um sonho é algo que você quer. Não, eu não sonho com a guerra”. Ele olhou
em direção ao fogo. “Mas está lá na minha cabeça quando eu vou dormir”. Ele
113
voltou o olhar para ela novamente. “Isto certamente não se parece com nenhum jogo
que eu já tenha jogado”.
“Quando foi a última vez que você jogou alguma coisa... sem contar o jogo de
xadrez?”.
“Quantas perguntas você pode fazer?”.
Ela sorriu. “Você está certo. Sua vez. Eu responderei uma pergunta”.
“Qualquer pergunta?”.
“Qualquer pergunta”.
Houston se esticou ao lado dela e passou o dedo pelo chão. Ele podia perguntar
a ela qualquer coisa e ela responderia. Talvez ela teria desde o princípio, mas fazer
perguntas era tão estranho para ele quanto pedir desculpas como ele tinha feito uma
vez. Ele não queria ficar perguntando muitas coisas, mas ele não conseguia pensar
em qualquer outra coisa para perguntar. “Às vezes, você choraminga durante o
sono. Com o que você está sonhando?”.
“Minhas irmãs... como eles estavam da última vez que as vi”.
“Eu devia ter percebido”.
“Eu não sonho tanto com elas desde a tempestade, desde que eu disse a você
sobre eles. E mais frequentemente quando eu sonho com eles, eu vejo como eles
eram antes da guerra... quando nós jogávamos jogos como este. Ainda machuca
pensar nelas, mas é algo diferente. Como uma dor boa”.
“Isso não faz qualquer sentido. O que exatamente é uma dor boa?”.
Ela levantou um dedo. “Uma pergunta. Diga a verdade ou agüente as
conseqüências”.
“Vou ousar, eu acho. Já respondi várias perguntas.
Ela se sentou ao lado dele. “Beije-me como se eu não tive nenhum contrato que
me ligasse a outro”.
“Você não quer isto”.
“Está com medo?”.
Maldição, sim, ele estava com medo. Com medo de que esquecesse que ela
estava destinada ao irmão. Com medo de que ele não achasse forças para manter o
rumo pela manha. Medo de que ela tocasse a parte dele que ansiava pela suavidade
dela até que ele não pudesse mais ignorar. “Solte seu cabelo,” ele disse cortante.
Ela se sentou e soltou a trança longa até depois os ombros. Agilmente os dedos
deixaram as mexas livre. A luz do fogo deixava um brilho vermelho por cima dos
cachos dourados, cada mexa parecendo ter vida própria enquanto se enrolava por
cima do ombro, circulando a curva do seio, e arrastando até a cintura.
Era o jogo dela, as regras dela. Ele sempre teria medo de que não pudesse
seguir as regras ou se perder durante o caminho. Ela passou a língua por cima dos
lábios, uma mulher que ele tinha conhecido inocente transformada em uma
sedutora. Levantado um cotovelo, ele passou os dedos pelo cabelo dela e desceu a
114
boca até a dela.
Ela soltou um som, mais um miado do que um gemido, os lábios se abrindo
ligeiramente em um convite. Ela não teria que pedir duas vezes.
Rolando por cima dela, ele deslizou a língua em sua boca e apreciou o gosto do
céu.
Amelia ignorou o chão duro debaixo dela, e deu boas-vindas ao homem firme
em cima dela. Seu beijo quente fez com que os dedões do pé dela se contorcessem
enquanto ela esfregou o pé junto à canela dele. Gemendo, ele deslizou o joelho por
entre as coxas dela, e ela se arqueou contra ele.
Ele separou sua boca da dela, a respiração difícil enquanto ele encostava a face
áspera contra a bochecha sedosa dela. “Não faça isto”.
“Por quê?”.
“Só não faça,” ele disse firme enquanto colava as bocas novamente.
Ela pensou que a boca quente dele poderia devorá-la, e ela não se importava.
Ela tinha abraçado os sonhos de Dallas, mas agora ela queria mais. Ela queria amor;
Ela queria sentir o nascer do sol em um beijo, o brilho de uma lua cheia em um
toque, o calor do fogo em uma carícia.
A boca vagava gentilmente, mas o toque os dedos ficou mais firme.
“Deus, como quero tocar você,” ele disse com uma voz rouca enquanto
arrastava a boca ao longo do pescoço dela.
“Então faça”.
Ele riu baixo. “Mulher, você não sabe o que está dizendo”.
“Mas eu sei o que eu preciso. Eu preciso do seu toque”.
Houston ficou de pé, foi até a fonte, e se debruçou contra uma pedra. “Você não
sabe de nada. Se eu tocar em você do modo que eu quero, eu destruirei todos os
sonhos que você veio aqui para construir”.
“Nós poderíamos construir novos sonhos juntos”.
Ele agitou sua cabeça, recusando reconhecer a esperança na voz dela. “Você
veio aqui para começar uma vida nova. Dallas pode dar isto a você”.
Ela se sentou. “Você pode me dar isto”.
“Não pode ser eu. Dallas pediu a você, droga. Ele construiu uma casa enorme
para você e até mudou a marca. Ele pode dar a você tudo o que eu não posso, todas
as coisas que você merece, tudo o que eu queria que você tivesse. Eu só posso te dar
trapos, solidão e pesadelos”.

Amelia empacotou as roupas úmidas e as colocou na sacola de viagem. O


amanhecer tinha sido claro e deveria estar cheio de alegria e não de desespero. Ela
tinha estado dentro dos braços de Houston, mas ele de alguma maneira tinha se
distanciado dela. Ela não estava nem certa se ele tinha dormido.
Ele agitou o cobertor, colocou-o por sobre o fogo e então o retirou depressa de
115
cima do fogo, sacudindo-o para trás. A fumaça preta subiu espiralando no ar. Ele
repetiu os movimentos.
“O que você está fazendo?”, ela perguntou.
“Fazendo que Dallas saiba que nós estamos aqui”.
O coração de Amelia bateu forte contra as costelas. “Nós estamos assim tão
perto?”.
Ele se levantou de um salto, cruzou o pequeno espaço que os separava, e tocou
a palma áspera contra a bochecha dela, segurando seu olhar. “Nós estamos bem
próximos”.
“Ontem à noite foi um adeus?”.
“Eu acho que sim. Eu não consegui pensar nas palavras certas para dizer. Você
merece palavras mais bonitas do que eu posso te dar”.
Passando ao lado dela, ele pegou os cantis, caminhou até a fonte, e começou a
enchê-los.
Como se ela estivesse dentro de um sonho, Amelia caminhou para a fonte e se
ajoelhou do lado esquerdo dele, para mostrar que ela não se importava com as
cicatrizes ou o fato de ele ser defeituoso. “Eu amo você”.
Ele continuou a tarefa como se ela não tivesse dito nada. Talvez fosse melhor
assim. Se ele tivesse reconhecido os sentimentos dela, ela poderia achar mais difícil
de honrar o contrato que tinha assinado.
“Houston?”, ela colocou a mão no braço dele.
Ele se virou, encontrando o olhar dela, a expressão sombria. Ela estendeu o
chapéu na direção dele. “Você vai querer isto de volta”.
Ele pegou o chapéu que ela oferecia, mas não o colocou sobre a cabeça. “Sim, eu
acho que irei”.
Como o toque de uma pluma, ela tocou as cicatrizes dele. Ele ficou tão parado
quanto uma pedra. Se ele não aceitasse a declaração de amor dela, ela daria a ele
algo mais fácil de aceitar, uma outra versão da verdade.
“Quando eu comecei esta jornada, eu gostava do Dallas,” ela disse baixinho. “E
ainda gosto. Só que eu comecei a gostar mais de você”.
“Isto é porque você tem estado comigo durante algum tempo. Assim que você
ficar um tempo com Dallas, seus sentimentos voltarão para o que eram”.
“E se eles não mudarem?”.
“Eu te levo de volta para Geórgia”.
Ela negou com a cabeça com força. “Eu não quero voltar para Geórgia”.
“Então dê uma chance a Dallas”.
“Você não gosta mesmo de mim?”.
Ele tocou a bochecha dela com os nós dos dedos. “Muito mais do que eu tenho
direito”.

116
Capítulo Treze

Houston viu a nuvem de pó cinza ondulando ao longe, os cavaleiros brilhando


contra o sol da tarde. Se ele não estivesse nas terras de Dallas ele teria sentido um
pouco de pânico, mas ele estava certo de que Dallas teria colocado seus homens
para patrulhar a área onde ele esperava que eles estivessem vindo. Além disso, ele
reconheceu o chapéu preto de aba larga que era a marca registrada do irmão, um
pedido especial na fábrica de Stetson na Filadélfia. Ele não conhecia qualquer outro
homem nas redondezas que tivesse um chapéu com a borda tão larga.
Ele parou a mula. Desejou que tivesse tido tempo para domesticar um dos
cavalos selvagens, mas seu método de domesticar um cavalo era mais lento do que
seu método de capturá-los. Ele não apreciava o fato de encontrar o irmão estando
montado em uma mula. Ele quase bufou pela hora estranha em que seu orgulho
apareceu. Orgulho. O pai tinha sido o primeiro a tirar isso dele. Então a guerra o
tinha enterrado em um sepulcro bem fundo.
Amelia parou Sorrel de uma forma graciosa. Houston não pôde deixar de ter
um momento de prazer próprio, ao observá-la por baixo das sombras de seu
chapéu. Ela era uma ótima amazona e até onde ele acreditava, seria uma boa esposa.
Ela faria Dallas orgulhoso.
“Por que nós estamos parando?”, ela perguntou.
Houston soltou o cantil da sela e deu para ela. “Cavaleiros”.
Ela colocou as mãos sobre a testa para olhar para eles. Ele pensou em uma
centena de coisas que deveria dizer a ela neste momento antes que saísse do lado
dele para nunca mais retornar.
Mas ele manteve o silêncio porque era mais fácil, muito mais fácil. Ou pelo
menos deveria ter sido mais fácil. Pela primeira vez em sua vida pegar o caminho
fácil parecia o mais difícil.
Ele assistiu a garganta dela se esticar enquanto ela jogava a cabeça para trás e
bebia a água do cantil. Várias mexas de seu cabelo se soltaram da trança e a brisa da
pradaria as balançou ao redor do rosto. Seu vestido estava sujo, seus pés nus, seu
rosto beijado pelo sol.
Ele achava que ela nunca tinha estado mais bonita.
Ela deu o cantil de volta para ele, com a preocupação marcada nos olhos.
“O homem que monta na frente, usando o chapéu preto, é Dallas,” ele disse.
Ela nervosamente penteou o cabelo para trás. “Eu estou uma bagunça”.
“Você está bonita”.
Ele virou o olhar para longe dela, e Amelia se perguntou o que seria o que ela
tinha visto brevemente refletido no rosto dele. Remorso? Solidão? Elas estavam tão
próximas uma da outra, como uma segunda pele.
117
A terra que a cercava era tão vasta, tão vasta quanto o futuro dela, quanto os
sonhos. O homem com quem ela tinha concordado em compartilhar tudo montava
em direção a ela. Ela torceu as mãos juntas, a batida do coração ficando mais rápida.
“Eu não esperava encontrar com ele em público”.
“São só alguns homens da trilha. Creio que ele tinha colocado eles para nos
procurar”.
O bater dos cascos se intensificou enquanto os cavaleiros se aproximavam, uma
onda de pó chegou até eles. Então um silêncio ensurdecedor rugiu ao redor de
Amelia quando os homens pararam os cavalos de uma forma cambaleante, como se
eles tivessem batido contra uma parede de tijolo. Os cavalos bufaram e relincharam,
abaixando a cabeça. Os homens simplesmente olhavam fixamente, as bocas abertas.
O homem que montava o cavalo principal tirou o chapéu, e Amelia foi atingida
por suas feições bonitas. O cabelo preto era cortado menor que o de Houston,
uniformemente aparado, e estava amassado onde o chapéu apertava. O bigode
preto espesso rodeava os lábios carnudos que ela queria ver formando um sorriso.
Os olhos marrons a observavam lentamente do topo da cabeça até a ponta do dedão
do pé minúsculo. Ela lutou contra o desejo de se torcer na sela, desejando que ela ao
menos tivesse se dado ao trabalho de colocar os sapatos.
Lentamente, cada um dos seis homens que os cercavam tiraram os chapéus
como que em transe, boquiabertos, os olhares solenes voltados para nela. Só o
homem jovem que montava na lateral de Dallas parecia confortável com a visão e os
saudou, o sorriso largo, os olhos de um azul hipnotizante como o das chamas mais
quentes se retorcendo dentro do fogo.
Dallas desmontou e, com uma perna manca, caminhou na direção de Sorrel, seu
olhar nunca deixando Amelia. Ele agarrou as rédeas quando o cavalo ficou
desconfiado, e Amelia sentiu que com o movimento ele não deixava nenhuma
dúvida na mente do cavalo de que ele tinha acabado de se tornar seu mestre.
“Senhorita Carson, é um prazer ter você aqui,” ele disse, a voz cheia de
confiança, com a postura corajosa de quem sabe que nada nem ninguém poderia
tombá-lo da montanha de sucesso que tinha subido.
Ele era tudo que ela tinha esperado. Ele vestia auto-confiança do mesmo modo
que Houston vestia o colete. Ele tocou em uma trança dela. “Um guaxinim sumiu
com o meu chapéu”.
Dallas piscou firme e olhou fixamente para ela. Houston limpou a garganta, e
Amelia desejou que uma tempestade de pó começasse e a varresse através das
planícies. Afinal, depois de todos estes meses, ela finalmente tinha a oportunidade
de falar com ele pessoalmente, e ela disse algo que poderia fazê-lo pensar que ela
tinha deixado a inteligência lá atrás na Geórgia.
“Eu disse a você para colocar uma cascavel no chapéu em vez de um pássaro.
Um guaxinim não teria tocado em uma cascavel”.
118
Dallas virou a cabeça ao redor e deu uma olhada intensa para o jovem
sorridente e ela ficou surpresa por ele não ter tombado fora da sela. “Ela estava
conversando com você?”.
O sorriso do jovem cresceu. “Não, mas eu estava escutando”.
Os olhos de Dallas se estreitaram. “Senhorita Carson, aquele jovem é meu
irmão, Austin. Eu apresentarei você aos meus homens na hora certa”.
Amelia sorriu calorosamente para o jovem. “É um prazer te conhecer,” ela
disse.
Austin abaixou a cabeça, o rosto corando até as raízes do cabelo preto
desgrenhado. As bochechas de Amelia ficaram quentes. Do canto do olho, ela viu
um músculo no queixo de Houston repuxar como se ele estivesse lutando para
conter o que ela estava certa de ser um sorriso. Ele disse a ela a verdade sobre
Austin: ele era o tipo de pessoa que todos gostam imediatamente. Até enquanto
estava sentado em uma sela, ele era mais relaxado do que qualquer um dos irmãos.
Os olhos marrons inflexíveis, o queixo firme, a postura firme, Dallas voltou sua
atenção a Houston. “Você está atrasado em três semanas, sem carroça e sem
nenhum material. Acho que você tem algumas explicações a dar”.
Houston curvou o corpo e puxou a borda do chapéu para baixo. “Sim, eu
tenho,” ele disse simplesmente.
“Nós discutiremos isto em casa,” Dallas disse antes de mancar até o cavalo e
subir na sela. Ele levou o cavalo adiante até que se moveu para o lado de Sorrel.
“Senhorita Carson, você me fará a honra de montar na frente comigo?”.
Ela deu uma olhada rápida para Houston. Ele deu um aceno rude com a cabeça.
Ela não esperava dizer adeus a ele assim—sem dizer um adeus apropriado. Ela
pensou em cem coisas que ela deveria dizer, queria dizer. Ela manteve o silêncio,
forçou um sorriso, encontrou o olhar do futuro marido, e apenas concordou com a
cabeça porque naquele momento sua garganta estava nodosa com emoções.
Enquanto Dallas guiou o cavalo dela através dos homens que esperavam, ela sentia
como se estivesse deixando algo muito precioso para trás.
Houston desejava que sua despedida com Amelia fosse algo mais do que um
aceno rápido com a cabeça, mas naquele momento ele não poderia falar, mesmo que
sua vida dependesse disto. Ele viu Dallas levá-la para longe dele, no local certo ao
lado dele. Ele disse a si mesmo que era melhor assim, mas ele não tinha se sentido
tão ferido desde que o fogo do morteiro de um Yankee o tinha ferido severamente.
Austin levou o cavalo na direção de Houston. “Você conseguiu alguns novos
pôneis”.
Houston limpou a garganta. “É”. Sua voz soou como se ele tivesse tragado um
monte de pó. Ele limpou a garganta novamente antes de levar a mula adiante atrás
da procissão.
Austin chutou o cavalo para que ficasse a meio galope e o alcançou antes de
119
diminuir a velocidade e manter o passo. “Ela é bonita, não é?”, Austin perguntou.
“É”.
“Acha que Dallas está contente?”.
Houston deu uma olhada rápida para Austin, o rosto jovem incrivelmente sério.
“Se ele não estiver contente, então ele é um bobo”.
O rosto de Austin abriu um sorriso largo. “Pelo que eu sei ele não é conhecido
por ser bobo”.
Houston ouviu a risada de Amelia, seguida depressa por uma risada mais
profunda de Dallas. Ela precisava de um homem que risse com ela. Ela acharia
aquilo em Dallas.
“Ela tem uma risada bonita,” Austin disse.
“É”.
“Dallas estava furioso esperando vocês chegarem”.
“Achei que estaria”.
“Ele não vai gostar nada de você ter perdido tempo capturando alguns
cavalos”.
Houston suspirou profundamente. “Não acho que ele vá gostar”.
“Ele disse que iria atirar em você por te deixado aquele garanhão preto ir
embora”.
Houston deu ao irmão um olhar de lado. “Mas, como ele saberia que eu deixei o
garanhão ir?”.
Austin encolheu os ombros. “Apenas adivinhou, eu acho. Ela será minha
mãe?”.
“Droga, não, ela não será sua mãe”.
Austin parecia um filhote de cachorro que tinha sido chutado. “Não é justo
crescer sem uma mãe. Eu estava achando que Amelia poderia fingir que era minha
mãe”.
“Ela é senhorita Carson para você, e ela estará muito ocupada sendo esposa de
Dallas para ficar fingindo qualquer coisa”.
“Não até aquele pastor itinerante voltar aqui, e Dallas provavelmente vai atirar
em você por causa disto, também”.
Houston virou o olhar para ele. “O pastor não está aqui?”.
“Não. Ele chegou aqui há mais ou menos três semanas atrás, esperou uma
semana inteira, então disse que precisava procurar almas perdidas”.
Houston apertou a pegada na juba tosada da pequena mula. Sem um pastor,
nenhum casamento aconteceria. Até Amelia estar seguramente confirmada como
esposa de Dallas, Houston não se sentiria protegido dos desejos que guardava no
coração.
Ele se perguntou por que ele achava que um pequeno pedaço de jornal poderia
extinguir as chamas de desejo que ardiam dentro dele. Ele se perguntou quanto
120
tempo mais ele teria que esperar antes de ter que suportar o inferno de assistir
Amelia se tornar a esposa de outro homem.

“Dois meses!”, Dallas gritou enquanto saltava da cadeira de couro atrás da


escrivaninha. Ele olhou para Houston, fez uma ligeira careta, girou a cadeira, e
desviou a vista para a janela. “Serão pelo menos dois meses antes do pastor
itinerante voltar aqui”.
Houston deslocou a cadeira para o outro lado da escrivaninha, Amelia estava
em um quarto do andar de cima, agradecida, tomando banho. Ele estava
acostumado a Dallas fazer careta sempre que estava com o pavio curto e olhava
para ele. Quando ele não estava nervoso, ele lembrava que não tinha estômago para
olhar o irmão. Houston sabia a razão pela qual Dallas preferia não olhar para ele.
Era a prova do amor que sentia pelo irmão e da força de seu caráter que o impedia
de jogar essa razão no rosto de Houston.
“Eu a trouxe até aqui o mais rápido que pude”.
Dallas se debruçou de volta na cadeira e levantou uma sobrancelha escura.
“Quer dizer que você achou um grupo de cavalos amarrados juntos em uma
corda?”.
“Os cavalos selvagens tão ficando escassos. Eu pensei—”.
“Eu não preciso de cavalos. Eu preciso de um filho!”.
“Então envie alguém para trazer o pastor de volta,” Austin sugeriu enquanto se
levantava de uma cadeira e sentava na extremidade da escrivaninha.
Dallas deu uma olhada rápida para ele. “Eu estava falando com você?”.
A boca de Austin se abriu em um sorriso largo. “Não, mas eu estava
escutando”.
“Por que você não vai escutar em outro lugar?”, Dallas perguntou.
“É que eu quero saber o que aconteceu com a carroça”.
Dallas tamborilou os dedos na escrivaninha. O queixo firme. “O que aconteceu
com a carroça?”.
“Perdi quando estava tentando cruzar um rio cheio”.
“Por que diabos você fez isto?”, Dallas rugiu.
“Porque nós já tínhamos perderíamos muito tempo, e eu pensei que você
estaria preocupando”.
“Ele estava realmente preocupando. Como uma velha—”.
Dallas bateu a mão na escrivaninha e se levantou da cadeira. Austin deslizou da
escrivaninha e deu um passo para trás, o sorriso diminuindo do rosto sem nunca
parar de olhar o irmão.
“As crianças são para serem vistas e não ouvidas,” Dallas disse com uma voz
baixa e profunda.
“Eu não sou uma criança,” Austin disse, o queixo tremendo, a voz qualquer
121
coisa menos profunda. Ele fechou os punhos ao lado do corpo. Houston podia ver
que ele estava tentando se decidir se esse era o momento de se impor ou se ele
deveria salvar o próprio couro e correr.
“Enquanto você estiver vivendo debaixo do meu teto, e comendo na minha
mesa...”.
Houston resistiu ao desejo de cobrir as orelhas enquanto Dallas continuava o
sermão assim como o pai deles tinha feito antes dele. Houston podia se lembrar
muito bem daquelas palavras dirigidas a ele. Ele tinha oito anos, sentado num
campo de trevos, enlaçando pequenas flores juntas, fazendo um colar para a mãe.
Ele tinha cometido o engano de colocar a coroa de flores em cima da cabeça para ver
se estava grande o suficiente. O pai tinha rasgado as flores, e as jogado ao vento
antes de dizer a Houston que ele deveria se comportar como um homem. Houston
se sentia tão pequeno quanto às formigas que andavam embaixo do trevo.
“Ele não falou por mal,” Houston disse baixo.
Dallas parou o sermão e agitou a cabeça. “O que você disse?”.
“Eu disse que Austin não fez por mal. Você está bravo comigo, não com ele.
Então desconte sua raiva em mim, não nele”.
“É minha culpa,” uma voz suave disse da porta.
Houston se levantou da cadeira, quase a derrubando.
Amelia caminhou pelo quarto vestindo uma blusa de camponês e uma saia
como as que as mulheres do México usam, os pés descalços, o cabelo solto. Ela
parecia um anjo, só Houston sabia que não era bem assim. Ele podia ver a raiva
refletida nos olhos dela.
A aparição dela o fez dar um passo para trás. Curiosamente ele ficou pensando
se Dallas tinha encontrado um par.
Dallas limpou a garganta. “Senhorita Carson, estou certo de que a senhorita não
fez nada de errado—”.
“Eu não disse que tinha feito algo errado,” ela o corrigiu enquanto parava
diante dele e virou o rosto. A luz do sol da tarde fluía pela janela, banhando-a como
uma auréola amarela. “Você está bravo porque nossa viagem atrasou, e eu não o
culpo por isto. Eu estou certa de que você estava preocupado e isto é o suficiente
para irritar uma pessoa. Mas quando nós vimos os cavalos...”. Ela suspirou
docemente. “Eles eram magníficos. Se você tivesse ouvido a voz de Houston
quando ele disse que iria voltar para eles... Eu sabia que eles iriam embora, que ele
nunca os teria. Então eu o disse para tirarmos um tempo para capturar eles. Nós
perdemos alguns dias de viagem, mas estamos aqui agora”.
Ela fez soar como se eles teriam sido bobos se tivessem continuado a viagem
sem os cavalos. Dallas estava olhando fixamente para ela enquanto não conseguia
pensar em qualquer coisa para dizer.
“E os cavalos eram tão importantes que Houston agora está criando eles”.
122
Interiormente, Houston gemeu. Por que ela não parou de falar enquanto a paz
estava reinando no quarto?
“O quê?” Dallas perguntou, aparentemente achando a voz. Ele olhou para
Houston e estremeceu. “Você está criando cavalos?”.
“Pensando. Estou apenas pensando nisto”.
“Isto não é—”.
Ele parou as palavras de Amelia com um olhar tão frio quanto pôde dar. Ela
abaixou o olhar mas não antes que ele pudesse ver o quanto a tinha magoado. Ele
sempre a magoava. Era seu jeito, e ele odiava quando isso a atingia. Ele precisava
partir, mas ele não poderia partir sem tentar pôr um sorriso de volta naqueles olhos
verdes. “Eu gosto dessas roupas. Onde você conseguiu?”.
Pegando os lados, ela mexeu a saia. “O cozinheiro trouxe para mim. Ele disse
que tinham pertencido à esposa”.
“Roupas usadas”, Houston disse baixinho, sabendo que não era mais da conta
dele se preocupar com a roupa que ela vestia. Dallas tinha assumido essa
responsabilidade ainda cedo, nesse mesmo dia, quando ele tinha levado Amelia
para longe de Houston, mas ele percebeu que se preocupava com ela do mesmo
jeito.
“Ela não usará roupa usada por muito tempo. Eu já enviei um dos meus
homens para trazer um monte de mercadorias”. Ele olhou para Amelia. “Nós temos
um pequeno arranjo com o Sul. Eu posso garantir que o que ele vai escolher é
material de primeira qualidade, mas até que eu tenha tempo—”.
Amelia levantou a mão, aquecida pela consideração de Dallas. “Você não tem
que explicar. Eu estou bastante agradecida pelo que tenho”.
“Ainda assim, eu o coloquei em um cavalo rápido para que ele retorne dentro
de três ou quatro dias”.
“Eu sinto muito que a gente tenha perdido a maior parte das roupas que você
comprou para mim em Fort Worth. Elas eram adoráveis”.
Dallas enrugou a testa. “Que roupas?”.
“As roupas que você disse a Houston para que comprasse para mim”.
“Ele não disse a Houston para comprar nenhuma roupa,” Austin disse.
“Ele disse que eu comprasse um pouco de roupa,” Houston disse em voz baixa.
“Eu não me lembro dele dizendo qualquer coisa sobre roupas”.
“Você não estava lá,” Houston disse.
“Eu estava lá o tempo inteiro enquanto vocês conversavam—”.
Com um movimento rápido, Houston agarrou a gola da camisa de Austin.
Apesar do protesto do garoto, Houston o arrastou para fora do quarto.
Dallas limpou a garganta. “Se você me dá licença, eu preciso resolver este
assunto”.
Amelia apertou a mão por sobre o coração aos pulos. “Certamente”.
123
Assim que ele saiu do quarto, o sussurro no corredor aumentou de volume. Se
ela fosse um jogador, teria apostado que Dallas não tinha dito a Houston para que
comprasse roupa para ela. Ele tinha comprado porque ela tinha levado uma bolsa
pequena com tudo que possuía. Os “suprimentos” tinham sido presentes de
Houston, um presente que ele nunca planejara reivindicar. Ela se perguntou
quantos outros presentes ele poderia ter dado a ela: sua vida, um pôr-do-sol do
Texas. Ela sorriu com a memória dele dentro da barraca, tirando a roupa... Ela
desejou agora ter assistido o show inteiro.
Os homens marcharam de volta ao escritório de Dallas, cada um com suas
expressões descontentes.
“Minhas desculpas, Senhorita Carson,” Austin disse. “Parece que eu estava
errado. Dallas disse a Houston para que comprasse algumas roupas para você”.
Ela deu uma olhada rápida primeiro para Houston, e então para Dallas. Os
queixos dos dois estavam firmes. A mentira, ela supôs, era por ela. “Tudo bem. Eu
estou certa de que foi dito... ou pensaram em dizer antes de Houston ir me buscar”.
Houston colocou o chapéu na cabeça. “Eu preciso ir”.
“O cozinheiro disse que a ceia estaria pronta logo. Com certeza você ficará para
comer,” Amelia disse, odiando o pensamento dele partindo.
Houston assistiu enquanto a tristeza e o nervosismo guerreavam dentro dos
olhos de Amelia. Ele queria ficar. Ele queria partir. Ele queria alguns minutos só
com ela para poder explicar o que não podia ser explicado.
“Você ficará. A senhorita Carson quer você aqui,” Dallas disse, o tom
firmemente colocando fim nas escolhas de Houston.
Cansado da jornada, Houston concordou com a cabeça. “Eu ficarei”.
“Fico contente,” Amelia disse antes de se virar para Dallas. “Eu tenho algo para
você”. Tirando a mão do bolso, ela revelou um relógio de bolso de ouro. “Uma
pequena demonstração de meu afeto. Mas ele quebrou”.
“Seu afeto se quebrou?”, Dallas perguntou.
Houston desejava não ter captado na voz de Dallas o quanto ele estava
dependendo de Amelia casar-se com ele, dar a ele o filho que ele queria.
Amelia sorriu suavemente. “Não, o relógio quebrou. Eu o estava levando em
um bolso escondido na minha saia, e ele estragou quando eu saltei no rio. Se você o
balançar, poderá ouvir a água que ainda está presa do lado de dentro”. Dallas
pegou o presente dela, segurou próximo da orelha, e sacudiu. “Bem, entendo. Eu o
guardarei para sempre”.
Amelia ficou vermelha. “Mas ele não marca mais o tempo”. Dallas sorriu
calorosamente. “Não, mas ele me lembrará de ficar longe de cavalos selvagens”.

Todos os cômodos que Amelia tinha pisado eram enormes: Seu quarto, o
escritório de Dallas, a sala de estar da frente e o corredor. A sala de jantar, porém,
124
era o maior de todo. Havia um lustre pendurado no teto alto. O piso da lareira
vazio. O forno vazio. Uma mesa de carvalho grande com quatro cadeiras em um
quarto com nada mais. A mobília em cada quarto parecia combinar de um modo
esquisito, como se o gosto de Dallas em madeira e tecidos correspondessem com o
gosto que ele tinha por chapéus de mulheres. Amelia não sabia se ela poderia se
sentir confortável em qualquer quarto. Eles pareciam incrivelmente frios, e ela sentia
que o fogo na lareira não os aqueceria.
As cadeiras roçaram no chão de pedra quando todos pegaram suas cadeiras,
Dallas na cabeceira da mesa na esquerda dela, Houston estava a sua direita, e
Austin em frente a ela. Ela estava fascinada com a beleza dos olhos de Austin, como
uma safira azul que qualquer mulher teria invejado. Seus cílios pretos espessos
emolduravam os olhos, atraindo a atenção para eles. Ela achava que se as mulheres
viessem para a região como Dallas desejava, Austin logo estaria casado.
Uma porta atrás do quarto se abriu com um chute, e o cozinheiro, andando de
um jeito largado, trazia uma panela preta de ferro fundido. O cabelo branco ia para
todas as direções enquanto batalhava com o vento e perdeu. Uma barba branca
fechada escondia a boca. As manchas salpicavam seu avental branco. Ele pegou
uma concha da panela e colocou o cozido na tigela de Amelia. “Não é requintado,
mas enche”.
Ela deu uma olhada rápida para ele e sorriu. “Obrigada. E obrigada por me
emprestar as roupas”.
“Não, não é nenhum empréstimo. Eles são suas. Não tenho mais uso para elas”.
“Não sabia que você foi casado, Cookie(*),” Austin disse.
“Anos atrás, garoto, anos atrás. Uma garota no México”. Ele colocou o cozido
na tigela de Dallas. “Ela apareceu e sumiu, mas eu mantive algumas roupas dela.
Costumava pegar de noite e ficar cheirando porque elas tinham o cheiro dela. Mas já
tem muito tempo. Não tem mais o cheiro. Vou deixar a senhorita Carson usar elas”.
“Qual era o nome de sua esposa?” Austin perguntou enquanto Cookie

N da R: os cozinheiros eram chamados de Cookie (biscoito).


enchia a tigela dele até que o cozido pingasse sobre a mesa.
“Juanita. Bonita. Cabelo preto, olhos pretos, e lábios vermelhos, muito
vermelhos”. Ele fechou os olhos para puxar a memória. “O que aqueles lábios
podiam fazer com um homem”. Ele andou até Houston. “Se eu continuar pensando
nela, eu vou ter que ir até os Apartamentos Empoeirados”.
“Apartamentos empoeirados?”, Amelia disse.
Foi visível como as bochechas de Cookie ficaram tão vermelhas quanto os lábios
da Juanita poderiam ter sido. Ele soltou a panela na mesa. “Eu deixarei ela com
vocês. Eu não sou nenhum mordomo”. Ele saiu através da porta que tinha entrado,
a chutou e sumiu.
125
“Apartamentos empoeirados?” Amelia repetiu. “Isto é uma cidade?”.
Houston e Dallas se mexeram nas cadeiras, os rostos impassíveis. “Não é uma
cidade que uma dama iria,” Dallas disse.
“Mas tem mulheres,” Austin disse. “Foi o que ouvi”. Ele esticou o lábio inferior.
“Mas não consegui ninguém para me levar”.
Dallas limpou a garganta. “Não é conversa adequada para a hora da comida”.
“Por quê?”, Austin perguntou.
“Porque nós temos uma dama comendo conosco”.
Austin movimentou a cabeça como se o que Dallas tinha dito fizesse sentido
para ele, mas Amelia podia ver a confusão claramente refletida nas profundezas
azuis dos olhos dele.
“O que você acha da casa?”, Dallas perguntou.
Amelia quase se sufocou com o cozido. Ela tomou um gole de água e olhou
para Houston. Ele se sentava com a cadeira virada para o lado. Ela esperava que ele
ficasse confortável com sua deformação pelo menos ao redor dos irmãos.
“É grande,” Amelia disse, voltando sua atenção para Dallas. Aquelas palavras
eram uma indicação incompleta.
“Adobe3,” Dallas disse. “A casa é construída de adobe pois assim ficará
refrigerada no verão. Aqui fica muito quente”.
“Sim, foi isso que Houston disse pra mim. Ele disse que você pode soltar um
ovo em cima da pedra que ela vira ovo cozido”.
“Ele disse isto, foi?”, Dallas perguntou.
Amelia concordou com a cabeça, lembrando de tantas coisas que Houston tinha
dito a ela enquanto eles conversavam toda noite, um nos braços do outro.
“Ele disse a você que eu projetei a casa? Fiz com que ela parecesse um castelo
com torres, como os da Inglaterra. Se bem que serve para defesa”.
Ela sorriu. “Não, ele não mencionou isto. Ele disse que não conseguia descrever
a casa. Que eu precisava ver. E agora eu vi. É muito incomum. Onde você aprendeu
sobre castelos?”.
Ele se debruçou para frente sem nenhuma hesitação como Amélia esperaria de
Houston todas as vezes que ela fazia uma pergunta a ele. “Tinha um cara na minha
companhia durante a guerra que tinha vindo da Inglaterra. Ele acreditava mais na
causa do Sul do que algum dos meus homens. Nós ficamos muitas noites
conversando sobre as diferenças dos dois países.

Quando a guerra terminou, ele retornou à Inglaterra”. Ele limpou a garganta e

3
Adobo (ou Adobe) tijolo feito com uma mistura de barro cru, areia em pequena quantidade, estrume e fibra
vegetal. Deve ser revestido com massa de cal e areia. O termo adobe vem do árabe attobi e designa, também, seixos
rolados dos leitos de rios.

126
se encostou na cadeira. “Aparentemente, ele tinha feito uma grande aposta no
resultado da guerra. O Sul perder não foi bom para ele”.
“Ele parecia ser uma pessoa interessante. Houston nunca o mencionou”.
Dallas olhou para Houston, e depois para Amelia. “Houston nunca o
encontrou. Eu não encontrei Winslow até depois de Chickamauga”. Ele bateu na
mesa com as mãos. “Mas ele era fascinante. Embora eu tenha usado muito do que
ele disse no projeto da casa, falta um toque feminino. Pense um pouco no que você
gostaria de ver na mobília e na decoração. Talvez na primavera, a gente vá até Fort
Worth para uma visita”.
“Eu gostaria. A cidade é muito animada”.
“Eu quero ir, também,” Austin disse. “Eu aposto que a cidade tem muitas
mulheres. Houston, tinha muitas mulheres em Fort Worth?”
“Não fiquei lá tempo suficiente para notar”.
“Se eu estivesse lá, nem ferrando que eu ia deixar de notar as mulheres,” Austin
disse.
O braço de Houston bateu no de Austin. “Não use esse idioma perto da
senhorita Carson”.
Austin olhou fixamente para ele. “Que idioma você quer que eu use?
Espanhol?”.
Houston agarrou a camisa de Austin e o arrastou para fora da cadeira. Austin
protestou ruidosamente enquanto Houston o levava do quarto.
Dallas suspirou profundamente. “Poderia fazer a gentileza de me dar licença?”.
Amelia engoliu o riso e quase sufocou. O toque feminino era necessário na casa.
“Certamente”.
Sussurros severos vieram do corredor junto com o som de um bofetão
possivelmente no braço ou ombro, que resultou em uma objeção furiosa do jovem.
Os irmãos ficaram no corredor do lado de fora da sala de jantar mais tempo do que
eles tinham ficado no corredor do lado de fora do escritório de Dallas. Quando eles
finalmente retornaram, estavam com a linha do queixo inflexível. Eles sentaram em
suas cadeiras.
Ela queria abraçar Austin; O rosto dele era igual ao de um menino que
desesperadamente tenta se tornar um homem.
Eles comeram em silêncio, Houston e Dallas concentrados na comida. Amelia
podia ver os pensamentos passarem através do rosto de Austin enquanto ele estava
tentando se decidir no que poderia dizer sem ser arrastado para fora do quarto. De
repente, seu rosto se iluminou como uma vela em uma árvore de Natal.
“Dallas vai comprar mais um pouco daquela cerca”.
Houston olhou para o irmão mais velho. “Aquele arame farpado?”
“É”, Dallas reconheceu.
Com isto, a conversa terminou e a comida continuou em silêncio.
127
Capítulo Quatorze

Amelia colocou uma manta sobre os ombros. Dallas tinha rasgado o cobertor de
lã pela metade, o modo mais fácil que ele conhecia de dar algo a ela que se
assemelhava a uma manta.
O sol estava se pondo acima do horizonte, pintando o céu de lavanda, a terra
em sombras. Ao lado dela, Dallas mantinha os passos junto com os dela, apoiando-
se em uma bengala, mancando levemente. Ela pensava que se ele não mancasse, sua
sombra poderia cobrir a sombra dela duas vezes.
Ele parou de caminhar e apontou em direção ao por do sol. “Vê onde o sol está
se pondo? Lá é onde minha terra termina”.
Ele encontrou o olhar dela. Ela não sabia se já tinha visto um homem mais
bonito, e ela achava que o coração iria parar quando ele tomou a mão dela.
“Quando você despertar de manhã, olhe pela janela. Onde o sol surge é onde
minha terra começa”. Ele trouxe a mão dela até o lábio morno, o bigode tocando a
pele enquanto ele segurava o olhar dela. “Você é tudo que eu tinha imaginado,” ele
disse tranquilamente.
Nessa hora o coração dela bateu muito forte, batendo tão rápido e furioso como
se ela estivesse correndo, como se ela quisesse correr. Ela não conseguia pensar em
nada inteligente para dizer. A língua tinha ficado inútil. “Eu imaginei que você
tinha olhos azuis,” ela disse, se encolhendo com o comentário vazio assim que as
palavras tinham deixado sua boca.
Ele levantou uma sobrancelha escura. “Olhos azuis?”.
Ela movimentou a cabeça. “Houston disse a mim que eles eram marrons. E que
você tem bigode. E que você faz uma sombra alta”. Ela deu uma olhada rápida no
chão onde a sombra dele se esticava muito além da dela. Sorrindo
inconscientemente em seu murmúrio, ela olhou para cima. “E ele estava certo”.
“Eu não consigo imaginar Houston falando tanto quanto parece que falou
enquanto te trazia até aqui”.
“Só porque eu perguntei. Ele não gostava muito, mas se perguntar, ele
responde. Além disso, foi uma jornada longa”.
“Eu sinto muito por não poder ter ido atrás de você”. Ele colocou a mão na
bengala e se apoiou. “Foi estúpido eu ter tentado amansar um cavalo na véspera da
partida”.
“Especialmente um cavalo preto com rabo e juba ondulados”.
“Desculpe, não entendi bem.” Ele perguntou com as sobrancelhas frisando.
“Houston explicou que a coloração do cavalo frequentemente diz sobre o
temperamento dele. Um cavalo preto com um rabo e juba ondulada é normalmente
128
indomável”.
“Ele disse isto, é?”.
“Sim. Eu não me lembro bem o que todas as outras cores querem dizer, mas ele
sabe. Você devia perguntar a ele”. Ela ouviu um relincho de cavalo e deu uma
olhada rápida por cima do ombro e viu Houston no curral, reunindo os cavalos
selvagens. “Ele está partindo?”.
“Acho que sim”.
“Eu preciso dizer adeus”.
“Por que você não vai na frente e eu te alcanço?”, Dallas sugeriu.
“Obrigado”. O pó vinha contra ela enquanto corria para o curral. Houston
estava partindo, e ela não poderia vê-lo antes de estar casada. Ela não conseguia
agüentar a simples idéia. Ela parou próxima ao curral enquanto Houston amarrava
o último dos cavalos junto.
Ela subiu na grade e ele foi na direção dela, tirando o chapéu para bater o pó
das calças. Ela queria tirar o cabelo dele da testa.
“Gostando do passeio da tarde?”, ele perguntou quando parou diante dela.
“Sim. Foi legal. Dallas é legal”.
“Legal?”, ele sorriu. “Eu estou certo de que ele ficará contente por ouvir que
você acha que ele é legal”.
“O rancho é enorme”.
“É, e você ainda não viu tudo. Um homem podia viajar por dias sem deixar as
terras de Dallas”.
“Foi isso que a gente fez, não é?” Ela perguntou. “Viajamos por dias nas terras
dele?”.
“Três dias”.
“Você poderia ter sinalizado mais cedo”.
“Poderia. Deveria, mas eu fiz muitas coisas enquanto viajava com você que não
deveria ter feito”.
Ela estava agradecida por todos eles. As memórias a seguiriam por toda vida,
ainda que o homem diante dela não estivesse por perto. “Eu suponho que não há
nenhuma chance de uma criatura poder assombrar a casa quando nós a deixarmos
vazia, não é?”.
Ele riu profundamente, com vontade, e o calor retornou ao coração de Amelia,
um calor que tinha desaparecido quando ele tinha saído do seu lado naquela
manhã.
“Não, eu não imagino que alguma criatura fique na casa”.
“Ela é... é...”.
“Eu disse a você que precisava ver”.
“Por que você acha que—”
“Um castelo para uma rainha,” ele disse, o sorriso desaparecendo. Ele tocou um
129
dedo na bochecha dela. “Você é sua rainha”.
“E se eu não quiser ser uma rainha? Se eu só quiser ser uma esposa?”.
“Ele deixará você fazer isto também. Uma coisa sobre Dallas, ele é tão leal que
chega a ser um defeito. Se você estiver ao lado dele, ele dará tudo a você”.
“Por que você não disse a ele que não acha que arame farpado é uma boa
idéia?”.
Ele estreitou o olhar. “O que faz você achar que eu não penso que o arame
farpado é uma boa idéia?”.
“Eu viajei com você por um longo mês, compartilhamos a comida,
compartilhamos a cama—”.
“Não ouse dizer isto a Dallas!” Ele sibilou. “Ele arrancaria meu couro e
penduraria para secar. Você não compartilhou a minha cama, você apenas dormiu
ao meu lado”.
“Isto é tudo que acha que eu fiz?”, ela perguntou.
“Isto foi tudo que você fez”.
“Eu comecei a me importar com você”.
“Você começará a se importar com Dallas logo. Você ainda não teve muito
tempo com ele”.
“Vou sentir falta de escutar seu ronco de noite”.
“Amelia—”.
“Sentirei sua falta”.
“Eu não ficarei tão longe. Se você precisar de algo, pode pedir que Austin vá me
buscar”.
“E você virá?”.
“Virei”.
Ela ouviu passos próximos e se virou. Dallas e Austin caminhavam em direção
a ela, Austin com um passo solto como se não tivesse nenhum problema no mundo,
Dallas rígido como se estivesse carregando o mundo nas costas.
Os irmãos pararam diante dela, e ela sentiu uma tensão vir de dentro de
Houston.
“Eu mandarei dizer quando o pastor voltar,” Dallas disse.
“Eu estarei esperando,” foi tudo o que Houston disse, e Amelia percebeu que
ela não o veria novamente até o dia em que casasse com o irmão dele. Ela sentiu
uma dor aguda no estômago.
“Austin e eu dormiremos no bangalô até o pastor chegar,” Dallas disse.
“No bangalô!” Austin exclamou, o horror na voz. “Por que nós temos que
dormir no bangalô?”.
“Porque não seria adequado uma mulher solteira dormir em uma casa com dois
homens,” Dallas explicou, com a voz cansada.
“Por que não? Houston dormiu com ela—”.
130
Houston agarrou Austin pela camisa e o arrastou para fora do alcance do
ouvido deles. Amelia pensou ter ouvido o rasgar de um tecido. O pobre garoto iria
precisar de uma camisa mais resistente.
“Você terá que se desculpar Austin,” Dallas disse, tirando a atenção dela dos
dois homens que estavam em uma discussão aquecida. “Ele não teve nenhuma
mulher durante seu crescimento e sua educação em certos assuntos é carente”.
“Houston disse que você acredita que mais mulheres virão para cá depois que
nos casarmos”.
Ele deslizou o braço ao redor dela e começou a caminhar em direção a casa. “Eu
desejo que esta parte do Texas se torne mais desenvolvida com o passar do tempo.
Meu pai me disse uma vez que alguns homens ficam contentes de caminhar onde
outros se foram”. Ele se virou e a olhou. “Eu não sou um desses homens. Minhas
aspirações são muito maiores”. Ele corou, algo que ela não achava que fizesse com
freqüência. “Eu sei que soa arrogante, mas nós temos a oportunidade de construir
um império cuja fundação é composta de sonhos, trabalho duro, e determinação. Eu
quero que você compartilhe isso comigo. Eu quero que nossas crianças herdem
isso”.
Ele se debruçou e a beijou na sobrancelha como um irmão beijaria sua irmã
preferida. “Eu estou contente por você estar aqui. Durma bem”.
Ele saiu da varanda mancando, deixando-a assistindo o pôr-do-sol
desvanecendo, sozinha.

“Dallas? Dallas?”, Austin sussurrou.


Olhando fixamente para as vigas de madeira que passavam pelo teto do
bangalô, a mente pensando em assuntos complicados, Dallas suspirou com força.
“O quê?”.
“Eu não me lembro de já ter ouvido Houston ri antes. Eu não tinha percebido
até que ouvi a risada dele hoje à noite. Você já ouviu Houston rir alguma vez
antes?”, Austin perguntou.
Dallas engoliu em seco, lutando para engolir a culpa. “Ele riu muito quando nós
éramos pequenos... antes da guerra”.
“Eu acho que você está certo. Trazer mulheres aqui é uma boa idéia. Elas
certamente fazem tudo parecer mais bonito”.
“Sim, elas fazem. Agora, durma. Nós temos coisas a fazer amanhã. Não
podemos parar de trabalhar só porque tem uma mulher na casa”.
“Se você decidir que não a quer, eu fico com ela”.
“Eu não estou desistindo dela. Assinei um contrato dizendo que a faria minha
esposa se ela viajasse até aqui. Um contrato é como dar a palavra. Eu nunca volto
atrás com a minha palavra”.
Ele fechou os olhos com força, sabendo que não conseguiria dormir esta noite.
131
Não importava quanto custasse, ou quanto ele pagasse... ele nunca voltava atrás
com a palavra.

O sono tinha sido tão enganoso quanto às sombras que vagavam pelo quarto,
mudando como uma chama de lampião. Todo vez que o sono vinha Amelia o
agarrava, e ela acabava procurando sentir os braços de Houston, o som da
respiração, e cheiro de cavalo e couro que fazia parte dele. Ela acordou com um
pulo, sozinha. Ela odiava estar só.
Em alguma hora durante a noite, ela escapou da cama, colocado um cobertor
por cima dos ombros, foi até a janela, e deu boas-vindas à companhia das estrelas.
Elas tinham sido sua companhia durante tantas noites, traziam memórias vívidas de
um homem que ela não entendia. Ela achava que poderia questionar Houston por
toda a eternidade, mas suas respostas, cuidadosamente na defensiva, sempre fariam
com que ela não o entendesse completamente.
Ela estava certa de que significava mais para ele do que ele a tinha deixado
saber, achava possível que ele tivesse se apaixonado por ela, sabia que ela tinha
começado a amá-lo. Ela se perguntava porquê ele não tinha agido de acordo com os
sentimentos que tinha. Ela não estava casada com o irmão dele. Com certeza Dallas
entenderia que o coração dela tinha mudado. Ela não temia Dallas, mas ela sentia
que Houston era cautelosa com ele, como se achasse que o irmão pudesse atacá-lo se
ele falasse as palavras erradas ou tomasse a ação incorreta. Ela se perguntava o
quanto Dallas era parecido com o pai. Houston não gostava do pai. Ela ficava
pensando se ele tinha visto o pai quando tinha olhado para Dallas.
Na escuridão da aurora, ela suspirou e ouviu o barulho do moinho de vento
que Dallas tinha construído. Logo o sol tocaria a terra, lançando seu brilho por sobre
as terras de Dallas. Ela esperava que a visão trouxesse alegria para seu coração, que
pudesse substituir esta perda que ela não conseguia identificar ou explicar.
Ela ouviu um baque no corredor. Seu primeiro pensamento foi de que Houston
tinha vindo para vê-la, mas ela não achava que isso seria típico dele. Ele disse uma
vez que sempre tomava o caminho mais fácil. Por mais que doesse, ela tinha de
reconhecer que para ele, abandoná-la era mais fácil do que reivindicá-la.
Ela ouviu a pancada novamente. Amelia se levantou da cadeira e andou na
ponta dos pés através do quarto para o forno, onde as brasas do fogo agonizante
ardiam vermelhas. Ela pegou o menor tronco na pilha ao lado da lareira e foi
andando até a porta.
Ela abriu a porta ligeiramente e espreitou o lado de fora. Ela viu uma sombra
sair de um dos quartos ao longe. Ela não podia se lembrar se aquele cômodo era
outro quarto. A pessoa estava levando algo. Ela andou no corredor e grudou no
tronco como cola, desejando que ela tivesse força para executar sua ameaça se o
ladrão tentasse agir. “Pare aí mesmo!”.
132
O culpado girado, tropeçou, bateu na porta, e caiu no quarto do qual tinha
vindo. Amelia se apressou através do corredor, o coração batendo loucamente. Ela
parou com cuidado e ficou acima da pessoa estendida, tentando se decidir se ela
devia bater agora ou gritar por ajuda.
“Senhorita Carson! Sou eu! Austin”.
Ela estudou a escuridão, quase incapaz de reconhecer as características dele. Ela
podia ouvir sua respiração pesada. Ela não o tinha assustado tanto quanto ele a
tinha assustado. Ela abaixou os braços levantados. Eles tremeram quando ela os
relaxou. “O que você está fazendo aqui?”.
Ele ficou de pé. “Vim pegar meu violino. Dallas não me deu nenhum tempo
para pegar meus pertences. Você quase me matou de susto”.
Ela riu de uma forma estranha que demonstrava alívio. “Você me assustou
também”.
“Desculpe. Não tive a intenção”. Ele balançou a cabeça. “Senhorita Carson, você
quer vir ver o amanhecer comigo?”.
“Dallas estará lá?”.
“Não, Madame. Ele saiu com alguns homens para verificar os limites ao sul. Eu
deveria tomar conta de você hoje”.
“Vou me vestir”.
Ela entrou no quarto. Ela pensou em colocar suas próprias roupas. Ela as tinha
lavado na noite passada, mas ela apreciava a liberdade que sentia usando a saia e
blusa solta. Ela colocou as roupas, embrulhou-se na manta provisória ao redor dos
ombros, e caminhou através do corredor. Austin estava tirando alguns acordes do
violino.
Ele saiu da parede. “Vamos,” ele disse, tomando a mão dela e conduzindo-a
degraus abaixo através da casa e da varanda da parte de trás.
Ele soltou a mão dela e foi para o degrau superior. Ela se debruçou contra a
viga. “Dallas disse que onde o sol nasce é onde começa a terra dele”.
“Sim, madame. Há terra pra caramba—desculpe— muita terra”. Ele se
debruçou em direção a ela. “Eu posso dizer caramba?”.
Ela sorriu. Ele viveu em um mundo dominado por homens. Ela não esperava
que ele mudasse os hábitos da noite para o dia, ela não estava certa se ele deveria.
“Você pode dizer o que quiser. Eu não me importo”.
“Oh, não, madame. Eu estou acostumado a ver Dallas bravo, mas eu nunca
tinha visto Houston bravo. Eu não quero dizer nada que faça Houston ficar bravo,
então eu tenho que praticar conversa com uma dama para saber como devo falar. E
estou certo como o diabo, desculpe, de que não vou mencionar que vocês dormiram
juntos. Eu achei que ele fosse me partir ao meio”.
Amelia foi na direção dele, apertando as mãos juntas firmemente, e
descansando os cotovelos nas coxas. “Dallas e Houston não parecem conversar
133
muito um com o outro”.
“Não, madame. Com certeza eles não conversam. Eles nunca tiveram uma
longa conversa desde que eu consigo me lembrar”.
“Mas eles conversam com você?”.
“Sim, madame. É meio engraçado. Quando é só eu e Dallas, ele conversa
comigo como eu imagino que um pai conversaria com um filho, explicando as coisas
detalhadamente como um médico falando com seu paciente. Quando é só eu e
Houston, ele conversa comigo como um irmão conversaria com outro, mas eu nunca
vejo ele e Dallas conversando desse jeito. Quando são só nós três, é melhor ficar
quieto”.
“Você sabia que Houston estava criando cavalos selvagens?”.
“Oh, sim, madame. Ele disse para mim. Quando ele precisa de ajuda, ele me
deixa ajudar”.
“Dallas nunca o ajuda?”.
“Oh, não, madame. Dallas nunca foi à casa de Houston. Quando ele precisa de
Houston, ele me manda ir lá chamar ele”.
“Por quê?”.
“Eu acho que é porque ele precisa conversar com ele”.
Amelia sorriu com a inocência do menino, uma inocência que era desmentida
pelo revólver que ele usava na correia amarrada na coxa. Ela não estava certa se
algum dia se acostumaria com a abundância de armas de fogo e a facilidade com
que os jovens a carregavam. “Não, eu quis dizer por que Dallas não vai lá?”.
Austin encolheu os ombros. “Ocupado, eu acho. É isso o que Houston diz. Às
vezes eu acho que isso aborrece ele, Dallas nunca ter estado lá. Eu perguntei isso a
ele uma vez. Ele disse que Dallas tem impérios para construir. Que ele não tem
tempo para pequenas coisas, mas visita de família não parece pouca coisa para mim.
Mas como sou só uma criança, então o que eu sei?”.
Ela colocou a mão no braço dele. “Eu acho que você está muito próximo de se
tornar um homem, e acho também que você sabe muitas coisas. Você pode me levar
até a casa de Houston?”.
“Certo, posso. São só dois pulos. Assim que o sol termina de subir, a gente vai
lá. Se você não contar a Dallas, eu toco para você uma música enquanto o sol nasce”.
“Por que ele se importaria?”, ela perguntou, tirando a mão do braço dele.
Ele ergueu um ombro. “Cookie toca violino, e ele me ensinou algumas canções.
Dallas não se importa com isso. Mas eu ouço canções... que Dallas diz que não são
de homem, então eu só toco quando ele não está por perto. Já que ele não está aqui,
você quer ouvir o que eu penso que soa como um amanhecer?”.
Amelia se abraçou e se encostou contra a viga. “Eu gostaria muito de ouvir”.
Austin sentou na varanda, levantou uma perna e a passou por cima da outra.
Ele deslizou a parte arredondada do violino pelo o queixo e pegou o arco. Ele
134
apontou o arco em direção ao horizonte. “Ouça o amanhecer”.
Amelia virou sua atenção para o campo amplo, mas assim que ela ouviu a
primeira nota baixa da música, sua atenção se moveu para o menino que se sentava
na varanda com ela. Ela fechou os olhos e começou a se balançar de acordo com o
ritmo que ele criava. A música se elevou suavemente da mesma forma que o sol
fazia. Ela podia ver o amanhecer sem olhar para ele, podia sentir seu calor sem tocá-
lo, podia sentir seu poder ao trazer luz para a terra.
Como Dallas poderia não encorajar o menino a expandir seu talento? Se ele
podia tocar assim graciosamente depois de tomar lições com um cozinheiro, ela não
conseguia imaginar o quão bem ele poderia tocar se tivesse lições adequadas. Dallas
Leigh precisava de mais do que uma esposa. Ele precisava de alguém que pudesse
ensinar a ele que a vida era mais do que trabalho duro.
A música sumiu em um sussurro. Austin abriu os olhos, lágrimas eram visíveis
dentro das incríveis profundezas azuis.
“Isso foi bonito,” Amelia disse suavemente.
Austin fungou e piscou até as lágrimas desaparecerem. “O amanhecer é minha
hora favorita do dia, mas eu tenho uma canção para o pôr-do-sol, e para todas as
estações. Elas meio que surgem em mim. Como ontem, quando eu vi você pela
primeira vez, uma canção acabou de entrar na minha cabeça, mas eu não tive ainda
a chance de tocar”.
“Eu gostaria de ouvir quando você estiver pronto para tocar para mim”.
Ele deu um sorriso amplo. “Eu tocarei, desde que Dallas esteja fora com os
homens”. Ele ficou de pé e colocou o violino embaixo do braço. “Você está pronta
para que a gente vá até Houston?”.
Ela tentou não aparecer muito ávida à medida que se levantava, mas a verdade
era que ela não podia mais esperar para ver Houston novamente.

Ele estava de pé na varanda dianteira de uma cabana pequena, o ombro


esquerdo apertado contra a viga, seu olhar preso nos cavalos no curral. Ele não
usava chapéu, e o vento soprava seu cabelo preto tanto quanto soprava as mexas
loiras de Amelia. Ela usava o cabelo puxado para trás, uma tira de pano mantendo a
maior parte no lugar, mas muitos estavam se soltando.
“Talvez nós devêssemos gritar para que ele soubesse que nós estamos
entrando,” Amelia sugeriu, ansiosa para que ele se virasse e a visse, perguntando-se
se ele ficaria contente em ver que ela estava lá para vê-lo.
“Será inútil. Ele não pode ouvir daquele lado,” Austin disse.
Atordoada, Amelia olhou fixamente para Austin. “Ele é surdo?”.
“Só no lado esquerdo. Quando ele foi ferido durante a guerra, perdeu a visão e
audição daquele lado. Acho que é por isso que ele sempre se senta com o lado
direito voltado para nós, já que sua audição não é tão boa”.
135
Fazia razoável sentido o que Austin dizia, mas Amelia não pensava que estava
certo. Próximo ao fim da jornada, Houston nunca virava o rosto para longe dela.
Mas ela tinha sussurrado seu sentimento mais sincero próximo a sua orelha
esquerda. Ela percebia agora que ele não a tinha ignorado. Ele simplesmente não
tinha ouvido suas palavras, embora agora ela entendesse que sua audição não teria
alterado o fim da jornada.
Enquanto eles se aproximavam, Houston se virou ligeiramente e colocou a mão
no bolso da calça. A manhã estava fresca, mas ele não usava nenhum colete ou
chapéu. Ela estava certa de que ele não esperava nenhuma companhia.
“O que traz vocês aqui?”, ele perguntou enquanto andava para fora da varanda.
“Dallas levou os homens para o Sul. Ele disse que eu cuidasse de Amelia. Ela
queria ver onde você mora,” Austin disse enquanto desmontava.
“Oh, ela pediu foi?”, Houston perguntou, o lábio ligeiramente se curvando para
cima enquanto ele colocava as mãos na cintura dela e a ajudava a desmontar.
O calor do toque dele desceu até o dedão do pé dela. As mãos dele se
demoraram um pouco mais d que o necessário, os dedos dobrando quando ele sabia
que deveria deixá-la ir, mas não conseguia se obrigar a fazer isto. Ela queria dar um
passo para frente, encostar nele, e sentir os seus braços se fecharem ao redor dela.
Como se lesse os pensamentos dela, ele agitou a cabeça ligeiramente e andou
para longe dela. “Não há muito para ver. Casa, curral, abrigo. Nada de luxuoso”.
“Uma mulher nem sempre precisa de luxo,” Amelia disse suavemente.
“Mas ela deve ter da mesma forma”.
“Você vai deixar Amelia assistir quando um garanhão montar em uma égua?”,
Austin perguntou.
Houston rapidamente se virou para agarrar Austin. Austin se encolheu com a
mesma rapidez, indo para trás, a mão espalmada na frente dele. “O que eu fiz
agora?”.
“Você não deve conversar sobre procriação na frente de uma dama,” Houston
disse, com a voz baixa.
“Não faz sentido. Não se pode dizer nada perto de uma senhorita. Então o que
adianta compartilhar sua vida com ela se você não pode falar o que tem em
mente?”.
“Eu não vou casar com ela e nem você. E você precisa chamar ela de senhorita
Carson”.
“Por quê?, Dallas disse a mim ontem à noite que ela será como uma irmã pra
mim por causa do casamento deles. Eu não chamaria minha irmã de senhorita
Leigh”.
Houston fez menção de pegar em um chapéu que não estava em sua cabeça.
Então ele se girou e olhou para Amelia. “Como você quer que ele te chame?”.
“Eu desejo que Austin me veja como uma irmã então eu realmente prefiro que
136
ele me chame de Amelia”.
“Certo”. Ele balançou a mão no ar. “Certo. Chame ela de Amelia”.
Austin deu um grito. “Diabos! Essa é a primeira vez que eu ganho uma
discussão!”.
Houston apontou um dedo para ele. “Sem palavrão!”.
Com um sorriso largo, Austin levantou as palmas da mão como se estivesse
tentando se defender de um ataque. “Eu esqueci. Não farei novamente”.
“Espero que não faça,” Houston murmurou.
“Posso montar o Trovão Negro?”, Austin perguntou.
“Trovão Negro?”, Amelia perguntou.
“Sim, ele está aqui,” Austin disse, agarrando a mão dela e a puxando na direção
de um curral distante, levando os cavalos junto. “Ele não é castrado, então Houston
tem que manter ele separado das éguas”.
O garanhão preto lançou um olhar ao redor e trotou em torno do cercado. Em
um cercado próximo, o garanhão Palomino relinchou.
“Ele é bonito,” Amelia sussurrou. O pelo preto do cavalo brilhava com a luz do
sol da manhã.
“Eu que dei o nome,” Austin disse.
“Por que Trovão Negro?”, ela perguntou.
“Porque ele corre tão rápido e tão firme que soa como uma rajada pelas
planícies”. Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro. “Não é verdade,
Houston?”.
Relutantemente, Houston os seguiu, amaldiçoando a si mesmo por querer ver o
rosto de Amelia quando ela olhava para o garanhão. Ele nunca tinha pensado muito
em criar cavalos até que ele viu este garanhão preto em uma subida. Ele o tinha
procurado por dois anos, perguntou-se às vezes se ele era um fantasma, um cavalo
de lenda... até que ele o tinha capturado com a ajuda de Austin. Ele até agora não
tinha tido uma égua merecedora do garanhão preto.
Até a hora em que Amelia o convenceu a procurar o rebanho Palomino. Ele
cuidadosamente faria as seleções, escolheria as éguas que ficariam à disposição do
garanhão preto.
“É, ele é rápido, mas ele não é de jogar as pessoas no chão,” Houston disse.
“Eu adoro montar no pêlo,” Austin disse, esfregando uma mão de cima a baixo
na coxa. “Eu posso sentir o poder do cavalo, a força... Posso? Amelia pode esperar
aqui. Eu não ficarei muito. Só um passeio rápido”.
Houston sentia como se estivesse preso entre um rebanho e um abismo enorme.
O que ele queria e o que ele sabia que era direito estavam guerreando. Amelia olhou
para ele, os olhos verdes, verdes como a esperança, e ele não podia dizer não, não
poderia mandá-la de volta, embora ele soubesse que era o melhor.
“Só não fique muito tempo,” Houston disse de modo brusco, fazendo um
137
compromisso consigo mesmo.
“Eu não irei,” Austin o assegurou. Ele deu as rédeas de seu cavalo e o de
Amelia para Houston, pegou o freio de rédea em uma estaca e deslizou através das
grades.
O cavalo bufou. Amelia se moveu para o lado de Houston. “Ele é preto. Não é
perigoso?”.
“Todos os cavalos são perigosos se você não lidar com eles direito, mas ele não
é arisco”.
Ela sorriu enquanto Austin deslizava a rédea por cima do focinho do cavalo,
passando os dedos na juba preta longa, e montando no cavalo. O cavalo resistiu
uma vez, e Austin deu um grito, o sorriso mais brilhante do que o sol do meio-dia.
Houston puxou de volta o portão, e o cavalo com o cavaleiro pularam para
frente, levantando poeira enquanto eles iam para fora. Houston deu um tapinha nas
montarias de Austin e Amelia, levando-os para o curral vazio. Ele fechou o portão.
“Eu estava pensando em treinar a égua hoje. Preciso levar ela para o outro
curral para que assim ela se acostume com meu odor novamente”.
“Eu posso ir com você?”.
Houston concordou com a cabeça. Ele caminhou para o curral, Amelia ao seu
lado. Ó Deus, era tão bom sentir que ela estava lá com ele, sentir seu cheiro, ver sua
sombra tocando a dele. Ele cruzou os braços por sobre a grade, e os cavalos se
dispersarem pelo curral.
“Eles ainda não confiam em nós,” ela disse tranquilamente.
Ele achava que agora poderia ser uma boa hora para fazer com que a mulher
entendesse que não havia “nós,” que nunca haveria um “nós”. Mas a manhã estava
calma, a brisa leve, e ela parecia tão bonita de pé ao lado dele assistindo os cavalos
que ela o tinha ajudado a capturar.
Ele deveria ter explicado a Austin porquê um homem deseja ter uma mulher
em sua vida. Tinha pouca coisa a ver com a sensação física que o corpo deseja. Tinha
a ver com todas as memórias que ele tinha dela desde o momento em que a tinha
visto pela primeira vez no trem em Fort Worth até a hora em que tinha visto Dallas
beijá-la na noite anterior. Tinha a ver com o jeito suavidade que ela falava, com o
modo como ela acreditava nele quando ninguém mais já tinha acreditado.
“Eles se acostumarão com a gente com o tempo,” ele disse.
Ela tirou sua atenção dos cavalos, suas sobrancelhas delicadas juntas formando
uma depressão. “Por que você não disse a Dallas que estava criando cavalos
selvagens?”.
Ele evitou o olhar dela, decidindo que era mais fácil assistir os cavalos do que
ela. “Eu poderia não ter qualquer sucesso nisto. Dallas já viu fracassos meus mais do
que suficiente”.
“Como?”.
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“Você não gostaria de saber”.
“Eu não gostaria de saber ou você não gostaria de me contar?”.
Ele se forçou a olhar para ela. “Eu não quero dizer a você”.
“Você não confia em mim,” ela disse simplesmente. “Você é como os cavalos
selvagens. Você não confia facilmente”.
“Veja o que aconteceu quando eles finalmente decidiram confiar na gente. Nós
os traímos”.
“E você pensa que eu trairei você?”.
“Não,” ele disse, incapaz de evitar que sua voz fosse sumindo. “Eu acho que
você vai me odiar”.

Capítulo Quinze

Austin retornou tarde da manhã, enquanto a brisa ainda estava fresca. Amelia
não teria importado de ficar o dia inteiro com Houston, assistindo ele treinar a égua
Palomino, mas ela sentia que Austin estava pronto para partir.
Enquanto eles montavam de volta para o rancho, Amelia se encontrou intrigada
com o jovem que montava ao lado dela. Cheio de energia indomada, ele tinha uma
inquietude. Ela supôs que fosse algo ligado a sua juventude. Algo mais excitante
estava sempre esperando adiante, no próximo quilômetro, no próximo momento.
Amelia parou o cavalo. “O que é isto?”.
Austin se moveu para o lado dela. “O quê?”.
Ela apontou em direção à fera marrom avermelhada. Os olhos de Austin quase
se arregalaram descontroladamente. “É uma vaca. Você nunca tinha visto uma vaca
antes?”.
Ela agitou a cabeça. Não parecia nada com as vacas da Geórgia ou com aquelas
que ela tinha visto pastar na casa de John e Beth. “Não uma como essa. Aqueles
chifres parecem perigosos”.
“Eles são perigosos. De ponta até ponta, os chifres podem crescer mais alto do
que alguns homens. Longhorns gostam de um bom estouro também. Dallas mantém
o gado espalhado por que assim é menos provável que eles comecem um estouro.
Você quer ver Dallas trabalhando?”.
“Você sabe onde ele está?”.
“Sim. Ele está juntando o gado lá no sul, marcando eles para que estejam
prontos quando a primavera chegar”.
Ela percebeu muito tarde que a primeira coisa que deveria ter feito de manhã
era ter ido atrás de Dallas , em vez de Houston. Quando ela tinha começado esta
jornada, ela tinha a mente cheia de pensamentos com Dallas. Em algum lugar no
meio do caminho, Houston tinha tomado o lugar dele. “Eu gostaria de vê-lo
139
trabalhando”.
“Vamos, então”.
Eles montaram a galope com a brisa os envolvendo. Ela achava que nunca
conseguiria entender como homens poderiam olhar pela terra e saber exatamente
onde estavam. Mais gado ficou visível próximo à zona rural.
Então ela viu o que achava ser um rebanho inteiro, um mar de marrom e
vermelho. Não demorou muito para que ela visse Dallas. Ele andava no meio do
rebanho obviamente com um propósito. Ela o viu manobrar o cavalo, e mandar os
bezerros para longe do meio do rebanho.
“Ele monta bem,” Amelia disse.
“É. Ele tem homens para fazer o serviço mas de vez em quando, ele mesmo
faz”. Austin tirou o chapéu e acenou no ar.
Quando os bezerros saíram para a liberdade, um outro caubói o laçou. Dallas
passou pelo bezerro laçado e alcançou Austin e Amelia. “O que você estão fazendo
aqui?”.
“Levei Amelia para ver Houston. Descobri que ela não sabia o que era um
Longhorn então achei que ela nunca tinha visto uma laçada. Achei que deveria
mostrar para ela”.
Dallas moveu a cabeça e deu uma olhada rápida por cima do ombro. “Eles estão
pequenos no outono. Venha na primavera, você dificilmente conseguirá enxergar
por causa do pó que o gado provoca”.
“Houston disse que você tem duas mil cabeças de gado”.
Ele sorriu. “Da última vez que contei”.
“Eu pensava que um rancho seria como uma plantação, com sua graça e
charme”.
“Você não acha o cheiro do couro e o barulho do gado encantador?”.
Ela riu ligeiramente. “Eu acho fascinante, mas nada como o que eu tinha
esperado. É tão grande. Acho que deve ter algum tipo de homem treinado para
domesticá-lo”.
“Isso é verdade”.
“Houston mencionou que você era esse tipo de homem”.
Um rubor passou pelo rosto de Dallas, descendo até a bandana vermelha que
ele usava ao redor do pescoço. “Eu ainda não consigo acreditar o quanto ele
conversou com você. Acho que tenho que mudar meus conceitos”.
Um som de metal preencheu o ar. Amelia olhou na direção da origem do som:
uma carroça. Com uma barra de metal, o cozinheiro batia um triângulo de metal.
“Você está com fome?”, Dallas perguntou.
Amelia sorriu. “De fato, estou”.
“Austin, vá buscar alguns pratos”.
Enquanto Austin montava e ia até a carroça, Dallas desmontou e ajudou Amelia
140
a descer do cavalo. Ele tirou o colete e o deixou no chão. “Protegerá sua saia um
pouco”.
“Obrigada,” ela disse enquanto se sentava no chão.
“Acho que terá bife hoje,” ele disse, se sentando ao lado dela.
“Eu acho que quando a pessoa cria gado, você sempre tem carne para comer”.
“Sim, madame, a gente sempre tem”.
Ela suspirou, a mente de repente em branco. Fazer perguntas a Houston era
muito fácil. Ela não podia pensar em uma única coisa para perguntar ao homem
com quem iria casar.
“Você—”.
“Nunca—”.
Ela riu, ele sorriu porque tinham falado ao mesmo tempo.
“Você primeiro,” ele disse.
“Não, você”.
“Certo”. Ele arrancou uma folha de grama do chão e a colocou entre os lábios.
“Eu ia dizer que nunca tive uma garota na minha frente como você então me avise
se você precisar ou quiser alguma coisa”.
“Você nunca teve uma garota?”.
Ele levantou o braço na direção do cozinheiro. “Não, madame. Como você pode
ver, minha companhia é composta de homens e gado”.
“Mas você esteve em um bordel”.
Ele se sentou mais reto. “Desculpe, não entendi?”.
“Houston disse que mulheres da vida não cobram de você, então eu presumi
que você já tinha tido uma mulher”.
“Eu queria dizer que nunca tive uma garota fixa”. Ele se inclinou para frente até
que ela pôde ver seu reflexo nas profundidades marrons dos olhos dele. “Houston
mencionou que eu parei de visitar os bordéis quando eu recebi sua primeira carta?”.
“Não, ele não disse isso para mim”.
Dallas se esticou ao lado dela, levantou um cotovelo e sorriu. “Por que você não
me diz tudo o que ele mencionou?”.

Dallas montava no cavalo com pressa, o vento frio da meia-noite o circulando, e


sua cabeça mais quente do que ferro em brasa.
Houston disse que... Houston pensou... Houston disse a ela...
Dallas tinha passado a tarde e o início da noite ouvindo tudo o que Houston já
tinha dito a Amelia. Dallas tinha conhecido Houston por vinte e oito anos e seu
irmão nunca tinha, em sua vida inteira, conversada tanto! Nunca!
Nunca quando ele era um menino trabalhando nos campos de algodão, nunca
quando ele estava batendo um tambor para a Confederação, nunca quando eles
tinham viajado de volta para o Texas... Nunca!
141
Dallas não tinha planejado quebrar a perna, mas quando ele quebrou, enviar
Houston atrás de Amelia tinha parecido a decisão certa.
Ele achava que Amelia estaria segura com Houston. Houston tinha ficado
reservado desde a guerra. Tinha momentos em que Dallas sentia remorso... um
pouco de culpa. Às vezes, ele se perguntava se suas ações naquela noite fatídica
tinham sido egoístas. Ele nunca tinha voltado com a palavra em toda sua vida, mas
ele frequentemente se perguntava se o preço de manter sua palavra valia a pena.
Ele empurrou os pensamentos inquietantes de volta para o canto escuro de seu
coração que ele reservava para os remorsos, e bateu as esporas contra os lados do
cavalo.
Um passeio rápido normalmente o acalmava. Mas hoje à noite, nada estava
funcionando. Ele continuava ouvindo a voz de Amelia falar o nome de Houston
muito suavemente, como se ela gostasse do modo como soava ou como se
apreciasse dizer o nome dele. Como se ela ficasse pensando nele...
Ele parou o cavalo suado abruptamente e escutou a respiração ofegante do
animal na noite. Ele não era um homem que normalmente abusava dos seus
animais, e em qualquer outra época, ele teria desmontado e não teria pedido mais
do cavalo do que de pedia a si mesmo.
Mas dessa vez ele tinha uma chama não conseguia apagar. Ele levou o cavalo
adiante com um andar mais lento. Ele viu um lampião na varanda dianteira da
cabana, um lampião que daria boas-vindas a estranhos e amigos da mesma forma.
Ele não tinha esperado que Houston fosse tão receptivo.
Ele parou o cavalo diante da varanda dianteira e olhou para a estrutura de
madeira simples. Julgando pelo tamanho, ele não achava que poderia ter mais do
que um quarto. Lembrava a... casa.
A casa de antes da guerra. A casa onde a mãe batia neles com o avental quando
descobria que eles tinham pegado com os dedos seu mel ou açúcar precioso. Casa,
onde seu pai o deixara conduzir o pouco gado que eles possuíam em vez de fazê-lo
trabalhar no campo. Ele odiava o campo, odiava o algodão. Sentar em um cavalo
com o odor de gado montando contra o vento era preferível a despedaçar a terra e
quebrar as costas no processo.
Ele desmontou, empurrou as memórias de lado, e puxou a corda que traria sua
raiva. Ele não tomou nenhum cuidado em fazer silêncio enquanto andava na
varanda e batia a porta ruidosamente, certo de que despertaria até os mortos.
Se o irmão não viesse para fora, era exatamente isso o que ele seria—morto.
Dormindo em um catre contra a cerca do curral, Houston acordou com o som
dos cascos batendo sem pena contra o chão. Seu primeiro pensamento quando viu o
irmão montar como se tivesse vindo do inferno foi de que algo tinha acontecido a
Amelia. O coração bateu no mesmo ritmo do galope do cavalo, e embora o ar fresco
da noite ao redor dele estivesse quente, inesperadamente ele sentiu um suor frio e
142
úmido.
Ele se livrou do cobertor, ficou de pé, e sairia correndo como um louco se Dallas
não tivesse parado o cavalo, e então andado na varanda como de estivesse em um
tranqüilo passeio do domingo.
Agora o irmão estava batendo em sua porta fazendo barulho suficiente para
começar um estouro.
“Maldição, Houston! Abra a porta!”.
Uma memória voltou à mente de Houston do tempo em que eles eram meninos:
eles tinha ido nadar em um riacho frio. Dallas tinha saído da água, falando que
estava na hora de ir para casa, ordenando que Houston saísse do riacho, sempre
mandando nele. Nesse dia, Houston não estava com muita disposição de ficar
recebendo ordens. Respirando fundo, ele afundou na água e foi nadando até um
lugar onde a água eram mais fundas. Ele saiu da água justamente quando Dallas
estava começando a calçar as botas. Então Dallas olhou para cima do riacho e
começou a gritar por Houston. Mas Houston manteve o silêncio, como tinha feito,
até que Dallas finalmente pulou no riacho, as mãos cortando a água como se ele
fosse Moisés e pudesse separar as águas do riacho para revelar o irmão. Houston foi
aonde suas roupas estavam e subiu em uma árvore. Ele se sentou lá tranquilamente
esperando até que Dallas parasse de nadar e gritasse seu nome novamente.
“Você deveria tentar olhar um pouco para sua esquerda!” Houston gritou. “Eu
posso estar aí!”.
Dallas se virou muito depressa, perdeu o equilíbrio e deslizou água abaixo. Ele
voltou a subir e ficou bravo.
Eles lutaram, como os meninos gostam de fazer, até que começaram a rir, e os
dois concordaram que tinha sido um bom dia. Eles voltaram para casa cobertos de
lama, sorrindo enquanto contavam a história. Infelizmente, o pai deles não
compartilhava do entusiasmo dos dois com a brincadeira. Houston recebeu um
sermão por ter brigado sem motivo e foi para a cama sem janta. Mas tinha valido a
pena pela cara de surpresa no rosto de Dallas quando ele se virou e o horror que
tinha nos olhos quando percebeu que estava afundando.
Oh, sim, tinha valido a pena.
As batidas de Dallas não tinham enfraquecido quando ele gritou uma vez mais:
“Houston, abra a maldita porta!”.
Houston pisou silenciosamente na varanda, colocou a mão no punho do irmão
que batia na porta, agarrou a trinco, e empurrou a porta que sempre esteve aberta.
“Era o que você queria?”, ele perguntou.
Dallas de um passo para trás como se alguém o tivesse amarrado e dado um
puxão forte. Sua respiração estava difícil, e Houston estava certo de que se tivesse
ainda luz do dia, ele teria sido capaz de ver a fúria dentro dos olhos escuros do
irmão.
143
“Onde diabos você estava?”, Dallas perguntou.
“Dormindo perto do curral”.
Dallas se virou em direção ao curral, e Houston quase imaginou ver o horror no
rosto de Dallas. Ele não conseguiu deixar de acrescentar: “eu te vi no minuto em que
chegou”.
“Então você deveria ter falado, me avisado onde estava”.
“Mas assistir foi mais divertido”.
“Eu não te dei nada divertido para ver”.
Houston poderia ter argumentado contra aquela afirmação, mas achou melhor
não mexer em casa de marimbondos. “Aconteceu algo com Amelia?”.
“Não, ela está bem. Dallas limpou a garganta. “Eu apenas nunca tinhas vindo
aqui antes”.
“Parece melhor de noite,” Houston disse, com uma sensação ruim no estômago.
Não era típico de Dallas ter dificuldade em achar as palavras certas, e o homem
nunca explicava suas ações. Nunca. “O que você fez com Amelia?”.
Dallas virou a cabeça para o lado. “Eu não fiz nada com ela, mas eu gostaria de
saber o que você fez”.
Houston estreitou o olhar. “O que você quer dizer com isso?”.
Dallas deu um passo para frente. “Eu estou dizendo que todas as frases ela
coloca seu nome no meio. Houston disse isso... Houston acha aquilo... Parece que
vocês dois são uma pessoa só. As coisas que ela me diz fazem parecer que ela é uma
autoridade em saber o que passa na sua cabeça”.
Houston encolheu os ombros. “Quando se viaja com uma pessoa, você começa
a conhecê-la”.
“O quanto você chegou a conhecer a Amelia?”.
A vontade que Houston tinha era dar um soco bem no centro do rosto perfeito
do irmão. Em vez disso, ele fez o que sempre fazia. Ele pegou o caminho fácil. “Por
que você não vai para casa, e eu esqueço que você veio aqui hoje à noite?”.
“Me responde, droga!”.
“Eu acabei de responder. Saia agora mesmo das minhas terras”.
“Você dormiu com ela, não foi?”.
Como os demais caubóis, Houston nunca tinha batido antes em um homem. Os
homens se viravam com armas de fogo e não com punhos. O rosto do irmão parecia
uma parede de pedra quando Houston apertou o punho contra ele. A dor cresceu
rapidamente em seu braço enquanto Dallas tropeçava e caía na varanda. Houston
saiu da varanda e colocou o pé por sobre o tórax do irmão. Dallas grunhiu e
envolveu o tornozelo de Houston com a mão. Houston pisou com força.
“Eu te disse para ficar longe daquele maldito cavalo, mas você não me escutou!
E eu paguei o preço pela sua teimosia. Por quarenta e três dias eu viajei pelo inferno,
querendo aquela mulher como eu nunca quis nada durante toda a minha vida. Por
144
quarenta e três dias, eu desenhei a sua maldita marca no chão para me lembrar de
que ela pertence a você, que ela merecia o melhor dos homens. Pense o que quiser
de mim, mas nunca, nem por um maldito segundo, pense mal dela porque você a
forçou a ficar na minha companhia”. Ele puxou o pé para trás. “Ela passou pelo
inferno para chegar até você: serpente, tempestade, inundação, fome e frio, e ela
nenhuma vez reclamou. Ela é uma mulher de coragem, Dallas, e, por Deus, se você
não estiver no nível dela, eu acharei um outro homem que esteja. Agora, saia das
minhas terras”.
Sem olhar para trás, Houston andou a passos largos para o curral e cruzou os
braços por cima da grade. As pernas tremiam tanto que ele parecia estar afundando
na lama espessa de um pântano. Ele sentia como se elas fossem fraquejar a qualquer
momento. O que, com certeza, arruinaria sua saída. Ele pensou que poderia até estar
doente.
Ele ouviu o relincho do cavalo de Dallas e o bater dos cascos. Ele deslizou pela
cerca e de debruçou contra ela. Seu pai tinha sido um homem violento, rápido em
levantar a voz e os punhos raivosos. Houston nunca quis ser como ele. Ele mantinha
o temperamento difícil para si mesmo, deixando que isso o corroesse por dentro,
nunca deixando que extravasasse porque tinha medo do que poderia acontecer.
Bom, agora ele sabia. Ele era exatamente como o homem que desprezava.

Dentro das profundezas de seu sono, Amelia ouviu seu nome sussurrado
freneticamente. Ela lutou contra a névoa, que pairava contra a luz do lampião. Ela
podia ver uma forma esbelta acima dela na beirada da cama, um jovem com olhos
preocupados. Austin.
O coração de Amelia bateu mais rápido. As notícias ruins sempre chegam a
cavalo. Houston. Algo tinha acontecido com Houston. Ela se sentou na cama com
um salto e agarrou o braço dele. “O que aconteceu?”.
“Dallas está ferido”.
“Dallas?”, seu alívio momentâneo deu passagem para a culpa. Seu primeiro
pensamento deveria ter sido em Dallas. Saindo da cama, ela se embrulhou em um
cobertor.
“Não está tão ruim,” Austin explicou, “mas acho que ele vai precisar de uns
pontos”.
Ela se apressou e foi até a cadeira perto da janela e se ajoelhou ao lado do
vestido verde que estava tentado consertar. Ela agarrou a tesoura e cortou a linha
antes de tirar a agulha do tecido. “Onde ele está?”, ela perguntou enquanto se
virava. Pego com a guarda baixa, ela olhou fixamente para Austin, que apertava o
travesseiro dela contra o rosto.
Sentindo-se culpado, ele jogou o travesseiro dela na cama. “Seu travesseiro não
cheira como o meu”.
145
“Você quer ficar com ele?”, ela perguntou.
Ele enganchou os polegares no cós da calça comprida e baixou a cabeça. “Não, é
melhor não. Os homens poderiam rir de mim. Aquele cheiro doce com certeza seria
notado no bangalô. É fedorento lá, tem cheiro de carne velha”.
Ela fez uma nota mental rápida de se lembrar de borrifar alguma fragrância no
quarto dele quando ela estivesse casada com Dallas. “Onde está Dallas?”.
“Oh!”, ele saltou levantando os braços. “Por aqui”.
Ela o seguiu até o celeiro. Dallas estava sentado sozinho na entrada, a cabeça
apertada contra a parede, os olhos fechados. A roupa coberta de pó. Sangue fluía
lentamente pelo ferimento e pela bochecha inchada.
“Oh, meu Deus, o que aconteceu?”, Amelia exclamou enquanto se ajoelhou ao
lado dele.
Os olhos dele se abriram de repente, e ele deu uma olhada rápida para Austin.
“Eu disse a você para que trouxesse o cozinheiro”.
“Eu sei, mas eu achei que você provavelmente tinha se esquecido que nós temos
uma mulher aqui para atender cuidar da gente”.
“Amelia, volte para a cama,” Dallas ordenou. “Eu chamarei Cookie”.
Ele começou a se levantar, e Amelia colocou a mão no ombro dele. “Eu cuidarei
de você, mas nós precisamos te mover para a cozinha”.
“Isso não seria adequado”.
“Por que não?”.
“Porque nós não somos casados, e já é muito tarde da noite”.
Ela suspirou. “Você está ferido. Você é o homem com quem eu vou me casar.
Com certeza os homens com quem trabalha sabem que eu posso confiar em você na
minha cozinha”.
Ela podia ver seus argumentos percorrendo a mente dele. Ela achava que nunca
conseguiria entender os pensamentos de um homem. “Não faz nenhum sentido eu
viajar através de vários estados com o seu irmão e não danificar minha reputação,
mas ajudar você quando está precisando danificar”.
Ele evitou o olhar dela e lutou para ficar de pé. “Certo”. Ele apontou um
ameaçador para Austin. “Depois a gente acerta algumas coisas”.
Austin movimentou a cabeça, mas Amelia viu a confusão nos olhos dele, uma
confusão que ela compreendia.
“Dallas ficará bem,” ela assegurou Austin enquanto eles caminhavam para a
casa.
Já dentro da cozinha, Dallas puxou uma cadeira da mesa e sentou seu corpo
dolorido nela. Austin levantou um quadril e sentou na mesa.
“Seja útil e faça fogo no fogão para Amelia. Nós precisaremos de água morna”.
Austin deslizou para fora da mesa e foi fazer sua tarefa, deixando cair três
troncos no processo. Dallas tinha a sensação de que Austin estava gostando de
146
Amelia. Ele não podia culpar o menino. Ele era um jovem, nenhuma ameaça para
ele.
Ele assistiu Amelia esquentar a água. Ele tinha ficado tão agradecido por
finalmente vê-la pessoalmente no primeiro dia quando ela chegou ao rancho que ele
não pensou no quanto ela deveria ter suportado até chegar aqui. Ele deveria. Ele
deveria ter feito Houston dar um relato detalhado de cada dia—.
“Como você se machucou?”, ela perguntou enquanto colocava a tigela de água
morna na mesa e se sentava ao lado dele. Ela imergiu o pano na água e gentilmente
tocou a bochecha dele.
A humilhação o inundou. Ele teria preferido uma bala ao invés de um punho.
“Eu caí do cavalo”.
As mãos dela pararam, e ela observou o rosto dele. Ele tinha ficado tão imóvel
quanto uma pedra, sabia que ela estava procurando a verdade, desejava que ela não
a encontrasse. Ele nunca tinha mentido antes, e ele não tinha idéia de porquê estava
mentindo agora.
“Eu não conseguia dormir. Eu sempre vou cavalgar quando não consigo
dormir”.
Ela sorriu suavemente. “Bem, então, eu estou certa de que estou me casando na
família certa. Você não dorme. Houston não dorme. Eu não durmo”. Ela deu uma
olhada rápida para Austin. Ele tinha retornado ao seu lugar na quina da mesa.
“Você dorme?”.
“Não no bangalô. Muitos homens roncam. Dallas é o pior. Você não conseguirá
dormir um minuto depois que se casar com ele”.
“Se eu posso dormir com Houston roncando, eu posso dormir com qualquer
pessoa roncando”.
“Eu provavelmente ronco mais alto,” Dallas disse, perguntando-se porquê tinha
dado uma resposta tão infantil. Ele nunca tinha sido competitivo quando a situação
envolvia Houston. Ele sempre tinha sido reconhecido como o melhor dos dois. O
pai o tinha ensinado isso, todas as vezes apontava os defeitos de Houston e exaltava
as qualidades dele.
O sorriso dela aumentou. “Não levarei isso como um ponto negativo seu”. Ela
retirou a agulha de sua manga. “Eu acho que deveria te costurar”.
Ele movimentou a cabeça em direção a Austin. “Vá pegar o uísque”.
Austin pulou da mesa e se dirigiu ao escritório de Dallas. Amelia continuou a
tocar levemente o rosto dele, tão suavemente. Antes que ela percebesse, ele tinha
embalado a bochecha dela com a palma da mão e levado seus lábios até os dela. Ela
suspirou surpresa, e ele deslizou a língua dentro da boca de Amelia.
Ela correspondeu ao beijo timidamente, quase como se tivesse medo. Deus, ele
não queria que ela tivesse medo, não dele, nem de qualquer coisa. Ele recuou e
estudou o rosto dela. Tão inocente. Ele teve vergonha de suas antigas dúvidas. Ele
147
merecia o soco que Houston tinha dado nele; Merecia isto e muito mais.
“É, serão dois longos meses,” ele disse.
Ela corou lindamente, de uma forma tão incrivelmente linda, que pela primeira
vez, ele viu a jornada pelos olhos do irmão. E ele não gostou nada do que viu. Não
mesmo.

Logo antes do amanhecer, Amelia se sentou nos fundos da varanda, esperando,


desejando que estivesse errada.
Ela sorriu quando Austin apareceu de dentro da escuridão, suas pernas longas
o levando em direção a parte de trás da varanda, o violino debaixo do braço.
“Dia”, ele disse enquanto se sentava ao lado dela e colocava o violino embaixo
do queixo.
“Dallas saiu com os homens?”.
“Não, madame. Ele saiu logo depois que nós te deixamos. Disse que tinha
alguns negócios para resolver”.
O pânico cresceu dentro dela quando ela imaginou o que exatamente aqueles
negócios queriam dizer. Ela não devia ter esperado. Ela devia ter saído sozinha.
“Você me leva até Houston?”.
Fazendo careta, ele bateu o arco no violino. “Dallas me disse para não te levar
até Houston”.
O pânico crescia ainda mais enquanto ela ficava de pé. “Então eu irei sozinha”.
Austin ficou de pé de um salto. “Você não pode fazer isto”.
“Eu preciso ver o quanto Houston está machucado”.
“O que faz você achar que ele está machucado?”.
Ela balançou a cabeça e o estudou, perguntando-se quando que as pessoas
perdem o modo inocente de encarar as coisas. “Já vi como Dallas monta. Ele não
caiu do cavalo”.
“Então o que aconteceu?”.
Levando a mão até a testa dele, ela tirou o cabelo escuro da sobrancelha do
jovem. Ele abaixou a cabeça embaraçado com a ação dela. “Eu acho que ele e
Houston brigaram”.
“Houston? Ah, não, madame. Houston não teria batido nele. Houston nunca
briga. Talvez Dallas tenha se chocado contra o gado nervoso e não queria te
preocupar”.
“Então por que ele disse para você não me levar até o Houston?”.
“Eu não sei. Ele não é um homem que eu fico questionando”.
“Eu sei que você, provavelmente, está certo, e que eu, provavelmente, estou
errada mas eu preciso ver Houston”.
Ele suspirou com força. “E se eu for lá ver como ele está?”.
“Não, eu preciso vê-lo”.
148
“Certo. Eu pegarei nossos cavalos”.
Ela o ouviu resmungando alguns palavrões enquanto andava a passos largos
para longe. Se ela estivesse certa, ela esperaria falar alguns palavrões ela mesma
antes do dia ter terminado.

“Viu? Ele está bem”, Austin disse enquanto eles paravam os cavalos perto da
extremidade da propriedade de Houston. “Ele não estaria dentro do curral
adestrando a Palomino se não estivesse bem”.
“Eu quero vê-lo mais de perto”.
Ela começou a levar o cavalo adiante, mas Austin passou em sua frente e
agarrou seu braço.
“Nós não podemos ir de cavalo até lá enquanto ele está sozinho no curral. Nós
assustaremos o cavalo, e ela jogará Houston no chão”.
“Certo, eu caminharei”.
Ela desmontou, apenas para se encontrar com Austin barrando seu caminho.
“Sabe, você é mais teimosa do que Dallas jamais pensou em ser. Vou prender os
cavalos naquele arbusto e vou caminhando com você. Mas se a gente não for da
forma certa nós o mataremos”.
“Eu sei como abordar um cavalo selvagem. Eu estava com Houston quando ele
pegou o rebanho”.
Usando o dedo polegar, ele tirou o chapéu da sobrancelha, os olhos azuis
arregalando. “Ele te levou? Para o rebanho?”.
Ela sorriu com as lembranças.
“Que droga! Ele nunca me levou. Ele sempre me fazia esperar por ele no curral
para que quando ele viesse eu fechasse o portão. Por que ele te levou?”
“Eu acho que ele não podia me deixar sozinha”.
“Como que foi?” Ele perguntou assombrado. “O que você sentiu enquanto
estava no meio de todos aqueles cavalos?”.
“Foi maravilhoso”. Ela pôs a mão no braço dele. “Deixe-me ver se Houston está
bem, e então eu contarei a você toda a história”.
“Espere aqui,” ele ordenou antes de levar os cavalos para detrás de um arbusto.
Amelia voltou sua atenção para o curral. Sem camisa ou chapéu, Houston
permanecia no centro do curral conduzindo a Palomino por uma corda. O cavalo
trotava em círculo.
O animal era bonito, gracioso, e andava orgulhosamente como se soubesse que
seus antepassados eram da melhor linhagem. Houston poderia conseguir um bom
preço por ela, o suficiente para poder expandir sua pequena criação, criar os cavalos
com maior seriedade.
Ela imaginava a alegria que seria trabalhar ao lado de um homem, ajudá-lo a
construir e lapidar seus sonhos. Dallas já tinha construído seu império, realizado
149
todos os sonhos, menos um. Amelia daria a ele seu sonho final: um filho. Ela acharia
alegria e felicidade na criança. Através dos anos, ela o guiaria, como o pai, ele seria
alguém que os outros homens respeitariam e admirariam.
Ainda assim, ela não conseguia deixar de se perguntar se uma pequena parte
dela ansiava por mais.
Austin voltou, e juntos, eles foram lentamente até o curral. Ela não conseguia
parar de admirar a forma esbelta de Houston. Com tantos músculos quanto aquele
Cavalo selvagem, tão poderoso, os músculos definidos das costas, a parte superior
do peito, os longos braços que conduziam o cavalo.
Enquanto eles se aproximavam, ela podia ouvir o timbre gentil de sua voz
enquanto encorajava o cavalo. Ela achava que um homem poderia domesticar uma
serpente se quisesse.
“Ele não parece que andou brigando,” Austin sussurrado, se debruçando para
baixo para que assim ela pudesse ouvi-lo sem perturbar o cavalo.
Não, ele não parecia que tinha estado em uma briga. Ela não conseguia ver
nenhuma contusão em seu rosto ou corpo. Ela só podia ver a magnificência de sua
postura. Ele estava no local certo, com os cavalos. Ela supôs que alguns homens
simplesmente gostavam de ser solitários, simplesmente preferiam a solidão.
Ele os viu por um momento, e o coração dela bateu descompassado como
sempre fazia quando ele a olhava com aquela intensidade. Ela desejou, por um
minuto insano, ser o cavalo, para que ela pudesse ser tão amada por ele quanto o
cavalo selvagem.
Com um movimento gentil da mão, ele diminuiu a velocidade do cavalo, até
fazê-lo parar. Ele removeu o cabresto de corda e deu um tapinha na anca do cavalo
antes de caminhar na direção de Amelia.
O cavalo se virou e cutucou o traseiro de Houston. Sorrindo amplamente,
Houston colocou a mão no bolso e retirou uma maçã. O cavalo a pegou e trotou
para o lado mais distante do curral. Houston continuou andando e subiu na grade.
“O que traz vocês aqui?”, ele perguntou enquanto pegava a camisa e colocava.
Ela resistiu ao desejo de tocar na gota de suor que escorria pelo peito e se perdia
através do cós da calça.
“Amelia não acreditou que Dallas tinha caído do cavalo ontem à noite e batido
o rosto,” Austin disse.
Houston começou a abotoar a camisa, seu olhar preso na tarefa que ele deveria
ser capaz de fazer até no escuro. “Não é incomum um homem cair do cavalo
quando está montando de noite. Especialmente quando não há lua. O cavalo pode
pisar em um buraco e lançar o cavaleiro”.
Ela colocou a mão por sobre a dele, e ele ficou quieto. “Como você contundiu o
nó dos dedos?”, ela perguntou.
Ele ergueu o olhar. “Caí da varanda”.
150
“Como você fez isto?”, Austin perguntou.
“Tem um monte de malditas quedas acontecendo por aqui,” ela disse antes de
se virar, a raiva visível dentro dela.
“Eu achava que mulheres não deviam falar assim,” Austin disse.
“Leve o Trovão Negro para um passeio,” Houston disse.
“Mas eu quero ouvir—”.
Ela ouviu uma pancada gentil e estava certa de que tinha sido Houston batendo
na cabeça de Austin.
“Droga!”, Austin chorou.
“Pare de usar essa linguagem perto de Amelia”.
“Por quê? Ela fala assim perto de mim”.
Ela ouviu um suspiro de exasperado de Houston e lutou contra as lágrimas que
queimavam os olhos dela.
“Por favor, leve o cavalo para um passeio,” Houston disse resignado.
“Você me levará no rebanho com você da próxima vez que for capturar cavalos
selvagens?”, Austin perguntou.
“Sim”.
“Tá. Eu não irei muito longe”.
“Certo”.
Ela assistiu Austin correr para o curral. Ela esperou, o que pareceu ser uma
eternidade, até que ele montasse o cavalo e galopasse para longe da vista dela. Ela
sentiu a mão de Houston descansar em seu ombro. Ao se virar, ela não conseguiu
evitar entrar no abraço dele. Ele fechou os braços ao redor dela, e ela deitou a cabeça
contra o peito dele, apreciando a batida regular de seu coração.
“Dallas veio aqui ontem à noite, não é?”.
Os braços dele se apertaram ao redor dela. “Dallas tem sua vida planejada em
cada detalhe. Ele só está um pouco frustrado agora porque alguns desses detalhes
não estão saindo como foram planejados. Quando você estiver casada—”.
Ela ergueu o olhar. “Eu não o amo. E não sei se o amarei”.
Ele soltou a mão dela e deu um passo para trás como se, de repente, ela tivesse
mostrado presas venenosas. “Você sabia que não estaria casando por amor quando
colocou o anúncio”.
“Porque no momento, eu não sabia o que era amar, não sabia como é um
presente precioso”.
“Se ele é um presente, então você pode dá-lo, e você achará um jeito de dá-lo a
Dallas”.
“Eu já dei. Eu não posso pegar de volta. Mas você não o quer, não é?”.
Ela viu angústia refletida nas profundezas do olhar dele. “Não é que eu não
queira. É que eu não mereço isto”.
“Por quê?”.
151
“Pergunte a Dallas. É a razão pela qual ele não consegue nem me olhar”.

Capítulo Dezesseis

Sentando no cavalo resolutamente, Dallas olhou para a torre, admirando seu


simples projeto da mesma forma que admirava os projetos dos homens que sabem
aproveitar a natureza. Ele achou conforto na batida fixa do martelo de Jackson
trabalhando para terminar a estrutura de madeira. Dallas já tinha três moinhos de
vento trazendo água para as suas terras. O primeiro tinha sido construído onde ele
sempre tinha planejado construir sua casa assim para que assim ele pudesse dar de
presente à esposa o luxo de uma bomba de água.
Ele, os irmãos, e os homens que trabalhavam para ele tinham dormido sob as
estrelas antes de Amelia aceitar sua proposta de casamento. Suas palavras simples,
“eu considero uma honra me tornar sua esposa,” o tinha levado rumo a uma
estabilidade sólida. Ele construiu a casa na qual tinha pensado durante anos: algo
grande, merecedora da família que viveria dentro de suas paredes. Ele ergueu um
bangalô para que se lembrasse dos sentimento de permanência que as cartas de
Amelia criavam nele. Futuramente faria uma cozinha próxima ao bangalô para
substituir a carroça porque eventualmente o cozinheiro se tornaria tão estacionário
quanto o gado.
O arame farpado serviria para isso. Traria mudanças dramáticas para suas
vidas, da mesma maneira que a expansão das vias férreas continuava a fazer. Dallas
lutava constante para ficar à frente das mudanças, para que fizesse decisões que não
o deixasse comendo poeira. Ele tinha que ser o melhor. Seu pai não aceitaria menos
do que isso.
Dallas mudou a posição do traseiro sobre a sela. Ele queria levar seu filho para
o topo do moinho de vento para que juntos eles pudessem olhar de cima toda a terra
que ele tinha adquirido. Ele queria ensinar ao filho a apreciar a natureza, entender
suas debilidades, respeitar suas forças. Ele queria amar o filho incondicionalmente,
como seu pai nunca o tinha amado.
Tudo o que ele possuía, tudo que o cercava, ele tinha ganhado com seus
próprios esforços, sua própria persistência, sua vontade de se arriscar quando os
outros homens se continham. Se ele pudesse obter um filho sozinho, ele faria, mas
ele era um homem que conhecia suas limitações.
Ele precisava de uma esposa para que tivesse um filho. Ele precisava de Amelia.
E ela sabendo ou não, ele precisava dela.
Ele não teve tato quando confrontou Houston na noite anterior. Quando o
punho de Houston bateu no rosto dele, Dallas achava que o irmão teria a intenção
de reivindicar Amelia para si. Em vez disso, ele ameaçou achar um outro marido
152
para ela. Se Houston tivesse sentimentos por Amelia, eles não eram profundos o
suficiente para obscurecer o desejo de Dallas por um filho.
Quanto aos sentimentos de Amelia... depois de receber o gentil tratamento dela
enquanto consertava a bochecha dele, Dallas decidiu que era simplesmente da
natureza dela se importar com as pessoas. Ele via que tinha sido por isso que ela
nunca tinha lamentado torná-lo seu esposo.
E quanto mais rápido ela se tornasse sua esposa, mais cedo estas dúvidas
desnecessárias parariam de distraí-lo das suas preocupações com o rancho.
“Jackson!”.
A batida parou, o silêncio reverberando pelo ar como um homem no topo de
uma torre balançando o chapéu. “Sim, chefe?”
“Preciso conversar com você”.
Dallas parou seu garanhão diante de Jackson enquanto ele descia da estrutura
robusta. As pernas dele eram tão compridas quanto a de um Longhom. Dallas
admirou sua agilidade e o respeitava por fazer seu trabalho ser ter ninguém por
perto tomando conta. Era a característica de um bom caubói; uma característica que
todos os homens que trabalhavam para ele possuíam. Ele poderia não saber nada
sobre o passado deles, mas ele sabia como eles trabalhavam.
O homem bate o chão com ambos os pés e tira o chapéu da cabeça. “Sim,
senhor?”.
“Eu preciso que você vá achar o pastor itinerante”.
O queixo de Jackson caiu. “E o moinho de vento?”.
“Eu preciso de um filho mais do que preciso de água”.
“Mas e se nós formos atingidos por uma seca”.
Dallas levantou uma sobrancelha escura, e o homem colocou o chapéu em cima
do cabelo preto. “Sim, senhor. Eu o acharei”.
“Quando você o achar, traga ele e venha também para a casa. Eu vou querer
todos os homens lá para o casamento—por Amelia”.
“Sim, senhor”.
Dallas saiu com cavalo a galope. Daqui a um ano, ele estaria compartilhando
aquele moinho de vento e toda a terra que o cercava com o seu filho.

Uma liberdade incrível se estendeu por Austin enquanto ele ficava de pé na


extremidade do penhasco olhado fixamente através das pedras escarpadas para o
horizonte distante. Aqui seu sonho parecia atingível. Aqui, ele poderia falar o desejo
de seu coração em voz alta, e ele não se sentia um tolo com apenas o vento para
escutá-lo.
Algum dia, ele acharia a coragem para contar aos irmãos. Ou talvez ele partisse
sozinho, e quando tivesse realizado seu sonho, retornaria para compartilhar o
momento glorioso com eles. Ele sabia que assim que tivesse tido sucesso, eles não
153
ririam, mas até esse momento, ele temia a falta de fé ou de interesse deles que
poderia destruir o que ele desejava ter.
Um violino... criado por suas mãos... que faria a música mais doce de todas.
Subindo em um ‘crescendo’, suave como uma brisa de primavera, forte como
uma tempestade de inverno, as notas gentis atravessariam seu coração, sua mente,
tão claramente... tão claro e tão alto que ele não ouviria o som das pedras que
estavam sendo partidas ao longe. Trovão Negro bufou e bateu a pata no chão
enquanto Austin se virava.
Ele era um homem morto.
Ele fechou as mãos em um punho para não levá-la até a arma de fogo. Ele
nunca tinha atirado em um homem ... muito menos seis.
“Ei, garoto”. Os lábios se levantaram em um ato zombeteiro, o homem barbudo
se debruçou para frente e cruzou os braços por cima do chifre da sela. “Bom cavalo
esse que temos aqui”.
“Não vale a pena. Ele ainda não foi amansado”.
O homem riu. “Eu posso amansá-lo. Poderia te ‘amansar’ também se eu
quisesse”.
Austin não duvidou nem por um segundo enquanto baixava o olhar para as
mãos corpulentas do homem enorme. Ele teve uma sensação horrível na boca do
estômago porquê o homem parecia gostar de matança. “Olhe, senhor, eu não quero
nenhum problema”.
O sorriso do homem parecia uma peste maligna. “Isso é bom, menino, porque
eu não faço nenhum”. Ele tirou a arma de fogo do cinto e cinco outras armas de fogo
estavam visíveis.
A boca de Austin ficou seca, o coração batia tão forte e rápido que ele não
conseguia ouvir quase nada.
“Mead, pegue o cavalo”.
Um homem que parecia um touro desceu de seu cavalo e foi desajeitadamente
até Trovão Negro, e agarrou as rédeas. O cavalo puxou a cabeça para cima e o
homem o puxou com força novamente, arrastando o cavalo atrás de si.
Sem aviso prévio, o homem barbudo atirou próximo aos pés de Austin. Austin
pulou para trás. O homem riu.
“Só continue indo para trás, menino”.
Austin levantou as mãos. “Senhor, eu estou na ponta de um precipício. Se eu for
para trás—”.
“Eu sei, menino. Você pode gritar o quanto quiser durante a descida”.
Ele novamente atirou no chão, a bala levantando poeira entre as botas de
Austin. Austin se moveu para trás.
“O próximo vai pegar no seu dedão do pé, depois será o joelho”.
Austin ouviu a explosão, saltou para trás, e se viu envolvido apenas pelo ar e
154
risos dementes.

Caubóis não foram feitos para caminhar. Doendo da cabeça aos pés, Austin se
sentou e tirou as botas.
Ele tinha caído da ponta do precipício, se agarrado em um arbusto irregular, e
se segurado com toda a força, seus dedões do pé procuravam por um lugar onde se
apoiar no desfiladeiro rochoso. Ele esperou até que tivesse ouvido os cavaleiros
galopando para longe antes de ele começar a subir.
Ele tinha caminhado por horas, o sol o castigando, o vento seco chicoteando e o
pó sufocante. Ficando de pé, ele pegou sua arma de fogo do cinto e atirou para o
céu, percebendo tarde que ele poderia ter alertado os ladrões de cavalo o fato de que
ele tinha sobrevivido.
Furiosamente, ele deixou as lágrimas descerem pelo rosto. Ele devia ter feito
frente. Ele não devia ter permitido que aqueles homens levassem o melhor cavalo de
Houston. Ele devia ter puxado sua arma de fogo—ainda que, com certeza, ele
tivesse sido morto.
Ele devia ter prestando atenção, não ter ficado sonhando acordado. Se Dallas e
Houston descobrissem o que tinha acontecido hoje, eles nunca confiariam nele
novamente, o veriam como o menino que ele era e não como o homem que estava se
tornando.
Ele tinha sido irresponsável e estúpido. Dallas sempre dava sermões sobre os
perigos que abundavam pelos caminhos, onde eles estavam isolados da lei. Ele o
tinha ensinado a usar sua arma de fogo. Austin não tinha tido a coragem de testar
esse conhecimento.
Ele viu dois cavaleiros ao longe. Ele apontou sua arma de fogo, sua intenção era
matar ambos. Ele soltou a mão para o lado quando reconheceu Houston e Amelia.
Sem dúvida eles tinham ficado preocupados e começaram a procurá-lo.
Ele enxugou as lágrimas das bochechas. Ele preferia enfrentar os ladrões de
cavalos novamente a enfrentar Houston.
Houston e Amelia pararam os cavalos. Houston estava fora de sua sela e
agarrando o ombro de Austin na sua frente antes que ele tivesse tempo de esconder
as lágrimas. “Você está machucado?”, Houston perguntou, a voz cheia de
preocupação.
“Não, apenas arranhado. Eu não estava prestando atenção”. Ele fungou,
desejando a Deus que ele não estivesse chorando como um bebê. “Trovão Negro
caiu em um buraco. Partiu a perna em duas. Eu tive que atirar”.
Houston o empurrou como se Austin tivesse dado um tapa nele. “Onde está
ele?”.
Austin não esperava que ele quisesse ver o cavalo. Ele esfregou o dedo embaixo
do nariz, ganhando algum tempo enquanto pensava em uma outra mentira. “Eu
155
ouvi coiotes. Eu não acho que você vai achá-lo”.
“Não, não acho que vou”. Houston tirou a mão do ombro de Austin e passou
por ele.
Austin se virou para ver o irmão parar e abaixar o queixo contra o peito. Ele
sabia que Houston estava magoado, e sua culpa aumentou porque ele não tinha
nenhuma idéia de como aliviar a dor do irmão. Ele ficou surpreso quando Amelia
pegou em sua mão.
“Você está bem?”, ela perguntou.
“Sim. Eu não queria perder o cavalo”.
“Ele sabe”.
Ela foi até Houston e ele colocou o braço ao redor ela, puxando-a contra si.
Austin não achava que eles estivessem conversando, só segurando um ao outro
como se isso fosse o suficiente. Ele desejava que Amelia tivesse continuado tocando-
o, mas ele percebeu que agora Houston precisava mais dela do que ele. Austin não
conseguia se lembrar de como tinha se sentido quando tinha perdido a mãe, ele só
sabia que tinha uma dor permanente, como se uma parte dele estivesse faltando. Ele
imaginou que Houston estava se sentindo assim neste mesmo, e ele estava contente
por Dallas ter trazido uma mulher aqui para aliviar suas dores já que ele e os irmãos
tão certos quanto o calor do inferno não sabiam nada sobre dar conforto. Um olhar
atravessado, um grito, um tapa na cabeça era tudo o que eles sabiam.
Amelia virou seu rosto adorável para cima e disse algo para Houston, e Austin
teria jurado que o homem tinha sorrido. Ele trouxe Amelia para mais perto até o
momento em que eles pareciam ser um só antes que ele saísse de perto dela e
caminhasse até Austin, Amelia veio atrás dele.
“Eu fico agradecido por você ter posto um fim em Trovão para protegê-lo do
sofrimento. Matar um cavalo não é uma coisa fácil de fazer”.
As lágrimas voltaram aos olhos de Austin. “O que você fará sem um garanhão
agora?”.
“Como Amelia muito amavelmente me lembrou, eu tenho o Palomino. Venha
na primavera, você e eu vamos achar um outro garanhão. Eu te levarei para o
rebanho comigo”.
Austin se sentiu como se Houston o estivesse recompensando por uma ação
que na verdade ele deveria ser castigado. “Você não tem que me levar no rebanho”.
“Disse que iria. Um homem precisa manter sua palavra. Por que você não
monta comigo, e nós levaremos você para casa para que Amelia possa cuidar dos
seus cortes e arranhões?”.
Austin movimentou a cabeça em uma agonia muda. Sua consciência o fazia se
sentir mais inferior do que barriga de serpente.

Quando a noite caiu, Amelia se sentou na varanda dianteira, lanternas de cada


156
lado fornecendo a luz com a qual ela trabalhava, usando a paciência, cuidado e
dedicação para remendar a seda verde rasgada, desejando que ela pudesse
remendar as lágrimas de seu coração tão facilmente.
A mãe tinha dito a ela uma vez que machucava amar um homem. Sua mãe
tinha chorado nessa hora. Amelia tinha decidido então que nunca adoraria um
homem que a machucasse.
Ainda assim ela tinha se apaixonado por um homem que estava determinado a
machucá-la como forma de protegê-la. Ela não achava que algum dia sentiria essa
ânsia por Dallas.
Ela gostaria dele e teria afeição por ele.
Ela seria uma boa esposa, uma mãe maravilhosa para suas crianças. Ela
ganharia seu respeito, sua confiança, mas nunca seu amor.
E ele nunca a machucaria. Era impossível machucar alguém que tinha dado o
coração para outro.
Ela ouviu as notas tristes na serenada do violino. Ela teria se juntado a Austin
na varanda de trás, mas ela sentia que ele precisava ficar sozinho. Ele não tinha
desejado sua atenção ou pena quando eles tinham retornado a casa de Dallas. Se ela
não o conhecesse, pensaria que ele estava tentando se castigar por algo que não era
sua culpa.
Ela admirou a maneira como Houston tinha lidado com a perda de seu cavalo:
sem culpar Austin. Ela sabia que Houston estava magoado esta noite, que tinha
perdido uma parte de seus sonhos. Ela desejava poder ter aliviado sua dor, mas seu
lugar estava aqui, esperando, na varanda que Dallas tinha construído para ela,
esperando o futuro que uma vez ela tinha desejado.
Dallas era o homem com o qual ela tinha feito uma promessa, uma promessa
que ela manteria não importava o que isso causasse ao seu coração. Ele não merecia
suas dúvidas ou sua traição.
A música de Austin parou na mesma hora que Amelia viu o cavaleiro vir... de
uma longa distância. Ela tinha esperado por Dallas, precisava falar com ele. Ele
montou até a entrada da varanda, desmontou, e colocou as rédeas em volta da
grade.
Com as esporas chiando, ele andou sobre a varanda. Ele usava um colete por
cima da camisa marrom clara, a calça comprida marrom escura. Ele tirou o chapéu e
se ajoelhou ao lado dela, o comprido dedo bronzeado tocando a seda verde. “O que
é isto?”.
“Um dos vestidos que Houston comprou. Se rasgou quando a carroça foi
destruída, mas eu posso consertar”.
Estreitando as sobrancelhas, ele esfregou o pano de seda entre os dedos cheios
de calos. “Não tem nenhum babado ou renda”.
Ela colocou a agulha no pano. “É realmente um vestido de gala simples, mas eu
157
acho que fica bem elegante quando eu estou usando”.
Ele olhou para cima e as luzes dos lampiões brilhavam contra seu cabelo preto.
“As mulheres não gostam de coisas com babados?”.
Ela pensou no chapéu que ele tinha mandado para ela e tentou achar as
palavras certas. “Nós gostamos um pouco de coisas assim. Mas, depende da
ocasião”.
“Você deve ter ficado agradecida, então, quando aquele guaxinim levou seu
chapéu”.
“Eu acho que... fiquei aliviada”.
“Muitos babados, não é?”.
“Muitos pássaros,” ela confessou.
Ele concordou com a cabeça sabiamente e sorriu. “Acha que uma serpente com
um chocalho teria sido melhor?”.
“Se eu abrisse aquela caixa e visse a cabeça de um cascavel, eu não estaria tão
certa se viria”.
O sorriso diminuiu no rosto dele. “Por que você não disse que estava sem
dinheiro? Eu teria enviado para você”.
“Suas cartas eram confortantes o suficiente”.
Seus dedos rapidamente tocaram a bochecha dela. “Muito orgulhosa. Eu pude
sentir naquelas cartas.
“Nós combinamos um com o outro, Amelia, e depois de esperar tanto tempo
até vocês estar finalmente aqui, dois meses parecem uma eternidade. Eu enviei um
dos meus homens para achar o pastor itinerante. Acredito que dentro de um mês,
nós estaremos casados”.
Ela manteve o olhar dele. Se ela não pudesse ter um casamento com base no
amor, ela pelo menos insistia que ele tivesse como base a confiança e a honestidade.
As mentiras do passado, dele e dela, ela perdoaria e esqueceria. Mas o futuro deles
exigia uma fundação mais forte. “Eu quero sua palavra de que você nunca mais
mentirá para mim”.
Ele firmou o queixo. “Você viu Houston hoje?”.
Ela concordou com a cabeça. “Ele não me disse por que bateu em você, mas eu
suspeito que tenha algo a ver comigo. Eu não imagino que ele tenha dito a você mas
durante o tempo em que estivemos juntos, ele sempre me respeitou e foi leal a
você”.
“Não, ele não mencionou, mas eu estou começando a ver que foi assim”.
“Ele se tornou meu amigo, e eu gostaria de pensar que também me tornei amiga
dele. Você é o irmão dele, e eu ainda não entendo por que você não soube que ele
estava criando cavalos selvagens, por que você nunca tida ido a casa dele antes de
ontem à noite—”.
Dallas ficou de pé. “Ele nunca perguntou! Nenhuma vez. Ele gosta de sua
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solidão, e por Deus, eu devo isso a ele se ele quiser”.
“Mas você mandou que ele fosse me buscar”.
“Para proteger sua reputação. Ninguém questionaria sua reputação sabendo
que você tinha viajado com ele”.
“Por causa de sua deformação?”.
Dallas ficou ruborizado. “Isso e o temperamento. Ele sempre foi reservado ou
pelo menos ele era até a jornada”.
Ela baixou o olhar. Ele se ajoelhou ao lado dela novamente e tocou sua
bochecha. “Amelia, eu preciso de uma esposa que as pessoas respeitarão”.
Ela ergueu os olhos para ele. “Eu preciso de um marido que não mentirá para
mim”.
Os dedos se viraram para longe do rosto dela enquanto ele evitou o olhar dela,
e olhou fixamente para a escuridão além da varanda. “Eu preciso de você, Amelia, e
eu quero que você seja feliz”. Ele voltou o olhar para ela. “Dou a você minha
palavra de que não mentirei novamente para você”.
A palma da mão dele embalou sua bochecha, logo antes de seus lábios tocarem
os dela. O beijo foi tenro, gentil, tudo o que os de Houston não tinham sido.
Nas noites seguintes, nos dias seguintes, ela seria beijada dessa forma, sentiria
os sentimentos dele sem sentir calor, se sentiria segura, contente. Ela rezou para que
fosse suficiente.
Ele tirou a boca que estava por sobre a dela e sorriu. “Mais doce que o beijo de
ontem à noite”.
Ela coçou o lábio superior. “Seu bigode coça”.
“Você quer que eu corte?”.
“Não!”, ela tocou a mão na bochecha dele. “Combina com você”.
“Meu pai tinha bigode”. Ele agitou a cabeça. “Suponho que Houston tinha dito
a você”.
“Não, ele nunca falou muito sobre o pai”.
“Bom”. Dallas ficou de pé e esfregou as mãos nas coxas. “Eu pensei que em
celebrar a sua chegada amanhã à noite. Matar um bezerro gordo. Dar a você uma
chance de conhecer os meus homens”.
“Eu quero que você convide Houston”.
“Ele não virá”.
“Convide-o de qualquer maneira”.
Ele cruzou os braços por cima do tórax e se debruçou contra a viga da varanda.
“Se você ficar feliz—”.
“Ficarei”.
As notas baixas do violino fluíram pelo ar novamente. O som quase destruiu o
coração de Amelia.
Dallas virou a cabeça para o lado. “O que é esse barulho? Soa como se alguém
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estivesse morrendo”.
“Austin está tocando o violino. Eu acho que ele conta com a música para ajudá-
lo a lidar com as coisas que o chateiam”.
“Por que ele está chateado?”.
Ela suspirou profundamente. “Houston tinha um garanhão preto. Austin
montou nele à tarde, e o cavalou caiu em um buraco. Ele sabia que o cavalo era
importante para Houston, e eu acho que ele se sente culpado porque ter atirado
nele”.
“Ele não devia se sentir culpado. Esse é um perigo que se corre ao montar. É
uma coisa que se deve aceitar”.
“Você podia conversar com ele. Você é seu irmão, mas ele o vê como um pai.
Ele quer desesperadamente que você note que ele está se tornando um homem”.
“Como você faz isto?”.
“O quê?”.
“Fazer um homem dizer a você o que tem na mente”.
Ela sorriu suavemente. “Eu me preocupo o suficiente para perguntar”.

Dallas ficou de pé nas sombras e escutou, realmente escutou a música, pela


primeira vez em sua vida. Ele imaginava realmente poder sentir o pesar de Austin
pairando ao redor dele. Quando Austin parou de tocar, o ar ainda estava carregado
com o som pairando na brisa. Austin deixou a cabeça cair para trás contra a viga.
Dallas quase não podia ver as características de seu irmão na escuridão.
“Austin?”.
Austin ficou de pé em um salto. “Eu não sabia que você estava aqui. Eu não
teria tocado se soubesse que você estava aqui”.
Dallas ouviu o terror refletido na voz de Austin. Por Deus, ele desejava que seus
homens tivessem medo dele, mas não sua família. Ele nunca tinha desejado que seus
irmãos o temessem do mesmo modo que ele tinha temido o pai.
“Bem, então, eu estou contente por você não ter percebido que eu estava aqui.
Eu nunca tinha ouvido uma coisa tão—”.
“Efeminada?”.
“Pelo contrário. Eu nunca tinha ouvido uma música que tivesse a força de
despir as emoções. Você tem um dom”. Ele amaldiçoou a escuridão porque não era
capaz de dizer se Austin tinha relaxado sua postura. “A nossa mãe costumava tocar
canções baixas assim, mas eu não acho que você se lembra”.
“Não, eu não lembro”.
“Esse violino era dela”.
Austin ergueu o violino para mais perto do rosto. “É mesmo?”.
“Sim. Foi idéia do Houston guardar. Ele achava que você teria os mesmo dedos
longos que a nossa mãe. Nunca tinha esperado que você tocaria melhor do que ela”.
160
“Nunca pensei que você achasse que eu toco bem”.
“Bem, então, eu acho que nós dois nos surpreendemos hoje à noite”.
O sorriso de Austin brilhou através da escuridão. “Acho que sim”.
Dallas andou até mais próximo do irmão. “Amelia me contou sobre o garanhão
de Houston”.
O sorriso de Austin desapareceu na noite. “Eu devia ter prestando mais
atenção”.
“Um homem não pode antecipar tudo o que vai acontecer em sua vida. Se nós
sempre soubéssemos o que o momento seguinte traria, nós nunca esperaríamos
ansiosamente que ele viesse”.
“Houston precisava daquele cavalo”.
“Um cavalo pode ser substituído. Um irmão não pode. Nós estamos muito
agradecidos por você não ter quebrado o pescoço”.
“Houston disse que nós iríamos procurar alguns cavalos selvagens na próxima
primavera”.
“E você vai encontrar”.
“Ainda assim, se eu estivesse prestando atenção—”.
“Não tenha o hábito de ficar olhando por sobre o ombro e pensar em tudo que
você deveria ter feito. Os remorsos transformam a vida em um inferno”.

Com a suave luz do amanhecer banhando a manhã, Dallas desmontou e


caminhou com o cavalo em direção ao curral de Houston, desejando que ele não
tivesse dado a Amelia sua palavra de que não mentiria. Ele tinha a sensação de que
ela o questionaria sobre o convite de Houston, então ele estava obrigado a chamá-lo,
embora ele soubesse que o irmão não viria.
Ele ficou observando enquanto Houston levava o Palomino em torno do curral
com um cabresto para amansar cavalo, um cobertor balançando nas costas do
cavalo. Uma sela estava pendurada no curral. Dallas tinha visto Houston amansar
cavalos selvagens o suficiente para saber que Houston conseguiria amansar o cavalo
fazendo-o ficar acostumado com o peso da sela antes de ele colocar o peso de um
homem. Ele só nunca tinha percebido que seu irmão tinha planejado criá-los. Ele
acreditava que o irmão teria sucesso nesta aventura, e ele ignorou a dor que surgiu
ao perceber que Houston não queria compartilhar seus planos com ele.
Dallas descansou os braços em cima da cerca do curral. Se Houston o tinha
visto chegar, ele estava fazendo um bom trabalho em fingir que não tinha visto.
Dallas estava com a paciência no limite, embora ele tivesse trabalho a fazer e não
tivesse o dia todo para ficar ao redor do irmão enquanto trabalhava.
Houston tirou o cabresto e a manta. Ele caminhou para o curral e deslizou pelo
sarrafo, presenteando Dallas com seu perfil. Dallas olhou fixamente para o cavalo.
“Parece um bom cavalo”.
161
“Será quando eu tiver concluído”.
“Quanto você quer por ela?”.
“Ela não está à venda”.
“Você não pode fazer um negócio desse jeito”.
Houston dobrou os cotovelos e os colocou por cima da grade. “Você não pode
construir um império desse modo, mas eu não estou interessado em construir um
império”.
“Não existe nada de errado em construir um império”.
“Não é errado quando isso é o que você quer. Só que eu não quero isso”.
Dallas agitou a cabeça, perguntando-se por que alguns homens sonhavam com
grandes realizações enquanto outros ficam contentes em não sonhar. “Eu farei uma
celebração hoje à noite em honra da chegada de Amelia. Ela queria que eu
convidasse você. Considere-se convidado”.
“Diga a ela que eu aprecio o convite, mas eu tenho outros planos”.
Dallas montou no cavalo. “Eu disse a ela que você não viria. Creio que nós dois
sabemos porquê”.
Ele saiu andando num galope rápido. Quando ele deixou Houston no hospital,
ele foi envolvido em bandagens. Quando ele retornou, Houston estava usando uma
camisa. Ele nunca o tinha visto sem camisa desde então e não tinha percebido o
quanto o corpo dele tinha ficado marcado com cicatrizes.
Quando a casa de Houston não estava mais a vista, Dallas deslizou para fora do
cavalo, ficou de joelhos e vomitou.

Houston não tinha planejado ir.


Celebrações e lugares cheios de pessoas não eram do estilo dele. Até quando ele
tinha ajudado Dallas a conduzir o gado até o norte, Houston tinha ficada na ponta
do rebanho, circulava o gado de noite, e mantinha-se sozinho.
Quando ele não estava pastoreando o gado, passava as noites sentado na
varanda, escutando as criaturas da noite saírem para a vida: O barulho dos grilos, o
uivo ocasional de um lobo solitário. Às vezes, ele ficava ouvindo.
Na maior parte das vezes, ele apenas ficava sentado e tentava buscar uma paz
que sempre o iludia, zombava dele e ficava além do alcance. Se ele pensasse no
passado, os pesadelos viriam; Se ele pensasse no futuro, a solidão o rodearia. Ele
aprendeu a ficar contente com o presente, passando cada dia à medida que ele
viesse.
Maldito Dallas por fazê-lo ansiar por um futuro diferente do que ele tinha
aceitado para si como justo.
Ainda assim, ele estava aqui, o ombro esquerdo apertado contra o adobe fresco
enquanto ele assistiu os homens andando ao redor. Ele podia sentir o cheiro da
carne de boi cozinhando no fogo, o café e os feijões.
162
Ele podia ouvir ao fundo as gargalhadas do homem. Ele podia ouvir a doçura, o
riso gentil da mulher. Ela estava caminhando ao lado de Dallas, o braço dele a
rodeando. Eles faziam uma dupla bonita: o rancheiro galante e a senhorita da
cidade.
Dallas sorria amplamente, parecia mais feliz do que Houston jamais tinha visto.
Amelia estava adorável como sempre. Usando o vestido verde que eles tinham
comprado na loja de Mimi Saint Claire, parecia uma rainha.
“Dallas disse que você não viria”.
Houston virou a cabeça para o lado e encontrou o olhar de Austin. “Mudei de
idéia”.
“Eu estava com medo de que talvez você tivesse chegado a conclusão de que
deveria ficar com raiva de mim por causa do Trovão Negro”.
“Eu admito que fiquei triste por ter perdido ele, mas ele com certeza teve alguns
filhotes em algum lugar. Eu o acharei”.
“Eu ajudarei você,” ele disse avidamente.
“Estou contando com isto”.
“Eu não desapontarei você dessa vez”.
“Você não me desapontou antes”.
Austin olhou para ele envergonhado.
“Eu vou pegar algo para comer. Você quer vir comigo?”.
“Não, eu não ficarei muito tempo”.
Enquanto Austin ia andando, Houston virou seu olhar para Amelia. Ela o viu, o
rosto se iluminando de uma forma maravilhosa que chagava a machucar seu
coração. Ele saiu da parede, seus passos largos comendo a distância entre eles. Ele
disse a si mesmo que estava tentando poupar Dallas de algum desconforto, mas ele
sabia que em seu coração ele queria ficar próximo de Amelia um pouco mais.
Ele tinha ferido os sentimentos dela na manhã anterior, não pela primeira vez,
e, provavelmente não pela última, ainda assim ela o tinha confortado quando ele
tinha perdido seu garanhão e dava boas-vindas a ele agora com um abraço feroz
antes de correr a mão pelos braços dele e deslizar os dedos contra os dele.
“Nós estamos tão contentes por você ter vindo”.
“Eu não posso ficar muito tempo,” ele disse, focando seu olhar em Amelia,
evitando olhar para o irmão, sabendo que o irmão estava tão agradecido quanto ele
por ter uma mulher para olhar em vez de um ficar olhando para o outro. Às vezes,
ele sentia falta da camaradagem fácil que ele tinha compartilhado com Dallas antes
da guerra. Durante a guerra, eles tinham viajados juntos lado a lado por caminhos
diferentes que os levaram para longe um do outro.
Dallas limpou a garganta. “Nós temos carne de boi para comer”.
“Eu comi antes de vir”.
Os lábios de Dallas tremeram, e Houston sabia que ele tinha dado uma resposta
163
injusta. Ele sempre dava respostas injustiças, fazia as coisas erradas. Ele nunca tinha
sido capaz de alegrar o pai, e estava certo de que não conseguiria alegrar o irmão.
O crepúsculo se formava, e ele pensava em voltar para casa. Ele só teria uma
minúscula luz da lua para viajar à noite. Era uma boa desculpa. Ele a viu. Ela
parecia feliz. Isso era tudo que importava para ele.
Um caubói magricelo, cujas pernas mexiam calmamente se aproximou e
removeu o chapéu. “Senhorita Carson, Cookie disse que afinaria o violino se você
nos honrasse com uma dança”.
Amelia corou lindamente e deu um olhar rápido para Houston, antes de olhar
para Dallas.
Ele sorriu com remorso. “Eu não posso dançar adequadamente com esta perna
ferida, mas isso não é motivo para que você não aprecie a música”.
Ela olhou para Houston, e, que droga, ele sabia que ela queria que ele se
oferecesse no lugar do irmão, mas se ele não estabelecesse um limite para si mesmo
agora, ele estaria para sempre fazendo coisas que não deveria.
“Eu nunca aprendi a dançar,” Houston disse, agradecido por ter uma desculpa
honrada para não segurá-la nos seus braços, desejando que não tivesse que dar
qualquer desculpa.
O rosto dela baixou momentaneamente antes de clarear novamente e se virar.
“Bem, então, eu estou agradecida por você ter me convidado... Skinny (esquelético),
certo?”.
O rosto do caubói se abriu em um sorriso. “Não, madame. Slim (esbelto)”.
“Oh, sim, Slim. Você terá que me dizer como conseguiu esse apelido,” ela disse
enquanto deslizava o braço pelo dele e seguia com ele para uma área próxima aos
currais.
Houston podia ter jurado que a atenção que ela teve com o caubói o tinha feito
crescer uns cinco centímetros. Quando a dupla se aproximou, os homens gritaram e
formaram um grande círculo. Cookie subiu em uma caixa de madeira, deslizou o
violino embaixo do queixo, e começou a tocar uma pequena e rápida melodia. Slim
enganchou o braço no de Amelia, a fez girar e deu um passo para trás, então
começou a bater palmas e se retirou do círculo enquanto outro caubói entrava nele,
deslizava o braço pelo dela e repetindo os movimentos que Slim tinha feito antes,
então ia para fora do círculo e dava a vez a outro homem.
Houston sorriu com a expressão surpresa de Amelia e o sorriso de
encantamento puro que logo sumiu.
“Acho que ela estava esperando por algo mais íntimo como uma valsa,” Dallas
disse, um sorriso largo brilhando embaixo do bigode.
“Acho que sim”.
Dallas apoiou-se na bengala. “Achei que você tinha outros planos para esta
noite”.
164
“Pensei um pouco e vi que se Amelia tinha me convidado, seria melhor vir. Ela
não é o tipo de mulher que um homem gostaria de aborrecer”.
“Ainda eu estou aprendendo”. Dallas trocou de posição. “Estou pensando em
comprar terra perto da cidade. Uma mulher precisa de certas coisas. Eu quero que
Amelia compre o que quiser”.
Uma cidade traria mais pessoas. Houston odiava esse pensamento, mas ele
odiava ainda mais a idéia de Amelia ficar sem o que precisava. “Quando eu estava
em Fort Worth, eu ouvi uma conversa de que eles estavam indo mais para o oeste
da via férrea. Se a linha continuar no curso que está seguindo, eu diria que ele vai
bater na parte mais ao sul do seu rancho. Você precisará da via férrea para trazer os
seus homens para o trabalho”.
Dallas movimentou a cabeça devagar. “Faz sentido. Manterei isso em mente.
Falando em Fort Worth, eu não acho que já tenha agradecido adequadamente por
você ter ido buscar Amelia para mim”.
Houston deslizou a mão para dentro do bolso do colete, arrastando os dedos
por cima das linhas do tecido que estavam ficando desgastadas. “Eu planejei atirar
em você quando eu voltasse”.
Dallas virou a cabeça, então voltou sua atenção para os dançarinos. “Por que
você não fez?”.
“Perdi o pente de balas quando a carroça virou, então no momento eu não
tenho qualquer bala reserva”.
Dallas riu alto. “Então é melhor que o pastor chegue aqui antes dos
suprimentos. Eu acho que você gosta demais de Amelia para fazê-la uma viúva”.
Houston viu quando Austin, com seus braços e pernas desajeitadas, dançava
com Amelia. Dallas estava certo. Houston gostava dela demais para fazê-la uma
viúva... gostava demais para fazê-la sua esposa.

Capítulo Dezessete

“Durante a formalidade amanhã, você acha que eu devo realçar que um marido
não deve bater na esposa?”.
Amelia observou o ministro que tinha acabado de falar, um homem que
vagarosamente tinha levantado o quadril e sentado na grade da varanda, a abertura
de sua batina preta e longa revelava um revólver que brilhava tanto quanto uma
pérola. “Eu acho que dificilmente isso será necessário,” ela o assegurou.
O reverendo Preston Tucker movimentou a cabeça devagar. “Depois de falar
com Dallas mais cedo, eu não achei necessário, mas uma formalidade como o
casamento é mais para a mulher do que para o homem. A maioria dos homens que
eu conheço acha que a cerimônia se resume a um ‘Você aceita?’ com uma resposta
165
‘aceito' e um aperto de mão”.
“Incrivelmente romântico”.
“O romance é raro. Eu já fiz várias formalidades envolvendo noivas por pedido
de correio. Algumas mulheres parecem mais confortáveis se eu realçar como elas
devem ser tratadas”.
“Eu me sinto bastante confiante de que Dallas me tratará bem”.
Ele a estudou como alguém que estudava um percevejo por baixo de uma
pedra, os olhos azuis penetrantes. Vestida toda de preto – camisa preta, calça
comprida preta, casaco longo preto—ele parecia relaxado, ainda assim ele deixava a
impressão de que estava sempre alerta, sempre atento. Ele lembrava mais um
pistoleiro do que um pastor.
Os seus lábios abriram um sorriso que ela achava que poderia tentar qualquer
mulher a pecar.
“Alguma coisa está te incomodando,” ele declarou simplesmente.
“Eu estava só me perguntando se você planeja carregar a arma de fogo durante
a formalidade”.
Ele lentamente acariciou o revólver que estava amarrado com a correia contra a
coxa. “Não, eu só uso isto quando estou viajando. Aborrece você, não é? Talvez eu
esteja te incomodando”.
“Eu só não esperava um homem de Deus carregando uma arma de fogo”.
“A vida é diferente lá fora Senhorita Carson. É ainda considerado um deserto.
Os renegados e bandidos estão ficando excessivos. A justiça de fronteira
frequentemente se torna mais uma injustiça. Eu não tenho nenhuma intenção de
encontrar meu Deus antes de estar pronto”.
“Você mataria um homem?”, ela perguntou.
Ele evitou o olhar dela e olhou para a distância. “Alguém está vindo”.
Amelia seguiu a direção do olhar dele e seu coração saltou de alegria. “É o
Irmão de Dallas”.
Ela se apressou para fora da varanda e cruzou o jardim, mantendo distância
enquanto Houston parava Sorrel. Ele estava trazendo a Palomino ao lado.
“Você a domesticou,” ela disse, com uma sugestão de pergunta na voz.
“É”.
Cautelosamente, ela abordou e esfregou o pescoço da égua. “Ela é tão bonita.
Dará a você um bom rebanho de cavalos para vender”.
“Eu duvido”. Ele se debruçou para baixo e estendeu as rédeas em direção a ela.
“Ela é sua”.
Ela fitou as tiras de couro penduradas nos longos dedos bronzeados dele. Ela
deu um passo para trás. “Eu não posso aceitá-la de presente”.
“Ela é o seu presente de casamento. A sela, também. Não é uma sela para
mulher, mas foi a melhor que eu pude achar em tempo tão curto”.
166
Ela tocou os dedos na gravura trabalhada no couro bom. A sela era tão bonita
quanto o cavalo, não era algo que ele simplesmente tinha encontrado casualmente.
“Eu cresci acostumado a montar em selas de homens,” ela disse.
“Já tinha percebido, já que você monta tanto com Austin”.
Ela olhou para cima. “Eu vou me casar amanhã”.
“Eu sei. Dallas mandou me avisarem esta manhã”.
“Ali na varanda está o Reverendo Tucker”.
Ele deu uma olhada rápida em direção à varanda e abaixou a borda do chapéu
com dois dedos como forma de comprimento. “Ele parece mais um pistoleiro”.
Amelia riu. “Foi o que eu pensei”.
“Eu já te disse que eu gosto do jeito como você ri?”, ele perguntou, a voz baixa.
Ela colocou a mão sobre a dele, lentamente trazendo os dedos dele com as
rédeas, apreciando a aspereza da palma dele contra a sua. “Leve-me para um
passeio”.
Ele se endireitou. “É melhor não”.
“Por favor. Eu acho que você deveria estar comigo na primeira vez que eu
montasse a Palomino porque assim ela entenderá que está mudando de dono”.
Ele sorriu contente consigo mesmo, e desejou poder ter a vida toda para ficar
com seus sorrisos.
“Eu dei um nome para a sua Palomino”.
“Dourada?”.
O sorriso dele aumentou. “Não”.
“Égua selvagem?”.
Ele agitou a cabeça. “Eu dei a ela o nome da mulher que a montará”.
Ela riu. “Amelia?”.
O sorriso dele escapou. “Valiant (Corajosa)”.
As lágrimas brotaram nos olhos dela. “Por favor, me leve para um passeio”.
Qualquer bom senso que ele pudesse ter o tinha deixado porque ele desmontou
e caminhou ao redor dela. “Nós não iremos longe,” ele disse.
Ela concordou com a cabeça. “Tudo bem”.
“Nós não ficaremos por muito tempo”.
“Tudo bem”.
Ele enlaçou os dedos e se curvou. Ela pôs o pé dentro das mãos dele, e ele a
ergue. Ela sentou na sela enquanto a égua andava para o lado, bufava e agitava a
cabeça.
Houston agarrou as rédeas e falou em voz baixa próxima à orelha da égua antes
de se mover para o lado e montar em Sorrel. Ele deu uma olhada rápida para
Amelia. “Vamos testar a velocidade e a resistência dela, mas eu vou estabelecer a
velocidade”.
Ela pôde apenas concordar com a cabeça enquanto ela começava a guardar
167
todas as imagens que formaria as memórias do último passeio deles.

Amelia tirou as meias e sapatos e imergiu os pés na água fria da fonte. Ela não
esperava que sua pequena viagem os levasse para tão longe, mas parecia
apropriado finalmente ter a chance de dizer adeus aqui.
Houston estava esticado ao lado dela, apoiado em um cotovelo, observando-a
como se ele nunca mais tivesse a oportunidade de observá-la. Porque ele não
deveria. Pelo menos não daquela maneira.
Amanhã, ela se tornaria sua irmã por casamento. Inclinado para frente, ela
deslizou os dedos na água então os tirou e os sacudiu na direção de Houston. Ele
virou a cabeça de lado enquanto a água caía em cima dele. Então ele encontrou o
olhar dela.
“Você não perguntou ao Dallas por que ele não olha para mim, não é?”
“Não”. Ela balançou o nariz ligeiramente, pedindo a ele que ousasse perguntar.
“Por quê?”.
“Porque você me disse há um tempo que você sempre pega o caminho mais
fácil. Perguntar para o Dallas seria fazer as coisas fáceis para você. Eu mereço mais
do que isto”.
Ele sorriu tristemente. “E eu nunca daria a você nada melhor, Amelia”.
“E você acha que ele irá?”.
“Sim, eu sei que ele irá”.
Ela se virou, perguntando-se por que ela estava tentando entrar à força na vida
de um homem que obviamente não a queria. Ela não poderia explicar por que o
amava, por que ela queria ser parte de sua vida, de seus sonhos.
“Aceitar a proposta de casamento de Dallas pareceu tão certo antes de eu
encontrar você. Agora, eu não mais o que é certo. Eu queria ser uma esposa. Eu
queria escapar das memórias da guerra. Eu nunca tinha esperado encontrar o
amor”.
Ela suavemente passou os nós dos dedos pela bochecha dele. “Você deveria
desejar encontrar o amor. Há tantas coisas em você para amar”.
Ela nunca tinha desejado uma coisa tão desesperadamente em sua vida quanto
ouvi-lo dizer em voz alta que a amava. Só três palavras. Três simples palavras.
Ainda assim, ela sabia que ele nunca diria. Porque se ele dissesse isso os forçaria a
reconhecer um sonho que nunca poderiam realizar, iria condená-los a se perguntar
como as coisas poderiam ter sido.
Ela colocou a mão por baixo da dele e esfregou a bochecha contra a palma
áspera dele. “Dallas me amará?”.
Ela o viu engolir em seco. Ele virou o olhar para as cachoeiras, a voz embargada
quando finalmente falou. “Sim, ele irá”.
Ela podia ouvir a pressa da água enquanto ela se derramava por sobre as
168
pedras, seus momentos com Houston fluindo tão rápido quanto ela. Nunca mais ela
iria estar a sós com ele, olhar para ele com um desejo que nunca deveria ter entrado
seu coração. Ela tinha tantas coisas que queria dizer a ele, mas sabia que as palavras
só fariam a partida deles desse santuário pacífico ainda mais difícil, então ela as
guardou, desejando que um dia ela viria a se esquecer que um dia já tinha pensado
nisso.
“Eu acredito que esse lugar seja muito bonito na primavera,” ela disse
suavemente.
“É. É muito mais verde então, e as flores aparecem”.
“Dallas me trará aqui para ver?”.
“Eu não sei se ele conhece aqui”. Ele deu uma olhada rápida para ela. “Eu darei
a ele as direções”.
“Como você conseguiu achar esse lugar?”.
Ele encolheu os ombros. “Apenas aconteceu um dia”.
“Às vezes, a vida nós dá os presentes mais inesperados, não é?”.
Houston queria dizer que ela tinha sido um presente inesperado, junto com seu
riso, seus sorrisos e sua coragem. Ele queria dizer que nunca tinha vivido algo tão
maravilhoso quanto os dias que eles tinham viajaram de Fort Worth até o West
Texas. “Sim, dá,” ele disse baixinho.

Dentro do celeiro de Dallas, Houston retirou a sela de Valiant e a colocou por


sobre os sarrafos do estábulo. Ela era um bom cavalo. Ela tinha um bom
temperamento. Ela seria ótima para Amelia.
Ele sentiu o odor doce de Amelia antes que pudesse ouvir seus passos gentis.
Ele tinha adiado o máximo possível a hora do adeus. As palavras faltavam, como
sempre faziam. Ele queria agradecer pelo raio de sol que ela tinha trazido para sua
vida, para as memórias que permaneceriam.
E ele desejou por Deus que tivesse feito outras escolhas na vida.
“Prefere a verdade ou arriscar uma conseqüência?”, ela disse suavemente atrás
dele.
Ele engoliu em seco, sabendo que estaria mal em qualquer uma das duas
escolhas. Ele girou devagar, memorizando a inclinação de sua sobrancelha, a ponta
de seu nariz, o rubor em suas bochechas. “Conseqüência,” ele disse rouco.
“Beije-me como se me amasse”.
Ela estava de pé valentemente... uma mulher que refletia o coração nos olhos.
Ele tinha de dizer a ela a verdade que apagaria as chamas de seu amor, que jogaria
nela as cinzas frias da decepção. Devia ter sido fácil, mas Deus, ele não queria que
ela o odiasse, que conhecesse o homem que ele realmente era.
Então ele se manteve em silêncio e jogou de acordo com as regras dela. Ele
emoldurou o rosto dela por entre as mãos grandes, virou seu rosto ligeiramente,
169
abaixou a boca até a dela, e mergulhou em um inferno.
Ela gemeu suavemente e se debruçou contra ele, seus braços subindo como uma
serpente ao redor do pescoço dele. Ele tentou ser gentil, queria ser tenro, mas tudo
que ele conseguia pensar era em sua boca morna sofregamente encontrando com a
sua. Os braços dele foram descendo até que suas mãos estavam vagando pelas
costas esbeltas dela, trazendo o corpo dela para mais perto do dele, até que suas
curvas suaves se encontraram com os músculos firmes do corpo dele.
Deus, como ele a queria. Ele a desejava aqui no feno ao lado dos cavalos. Ele a
queria embaixo das estrelas em uma noite quente, abafada, ou embaixo de uma
pilha de cobertores quando a neve estivesse caindo. Ele queria seu sorriso sonolento
pela manhã, seu sorriso contente à meia-noite.
Ele queria ver sua pele quando ela tirasse as roupas e colocasse seu corpo nu e
suado sobre o dele.
Ele queria ver tudo sem as sombras.
Ele queria fazê-la rir. Ele nunca queria fazê-la chorar. Ele nunca queria
machucá-la.
Ele recuou, a respiração difícil, o coração batendo tão forte que pensava que
com certeza ela poderia sentir. Mas a respiração dela estava como a dele e seus
olhos, da cor de um trevo verde, estavam procurando seu rosto, procurando por
algo que ele nunca deveria deixá-la ver.
“Eu quero uma conseqüência,” ela sussurrou roucamente.
Ele tocou o dedo polegar trêmulo nos lábios entreabertos dela. “Ache sua
felicidade com Dallas”.
Ele passou por ela, e sem olhar para trás, saiu do celeiro. Ele não deu a ela a
despedida que ela merecia, entretanto nada que ele já tivesse dado a ela seria o que
ela merecia.

Amelia se sentou atrás na varanda e olhou fixamente para a lua, incrivelmente


grande, tremulando brilhantemente no céu da noite. De vez em quando, algumas
nuvens lentamente passavam diante dela com um toque tão suave que ela
imaginava que seria como o toque de Houston.
Ela queria o amor dele, mas mais do que isso ela queria sua confiança. Ela tinha
visto a parte mais feia dele e tinha aceitado. Por que ele não entendia?
“Amelia?”.
Ela deu uma olhada rápida na figura nas sombras. As nuvens valsaram através
da lua, iluminando Dallas, as mãos dentro dos bolsos. Ele andou relaxadamente
pela varanda e se debruçou contra a viga. “Eu não conseguia dormir,” ele disse.
“Achei que seria melhor não arriscar montar esta noite”.
Colocando a mão contra a saia, ela deslizou as mãos entre os joelhos. “Eu não
consegui dormir, também”.
170
Ele se agachou na frente dela e apoiou as mãos nos joelhos. “Pensando no dia
de amanhã?”, ele perguntou.
Ela riu inconscientemente. “Sim. Você?”
“Também”.
Ela apertou as mãos entre os joelhos para parar de tremer. “Eu acho que
algumas pessoas se casam conhecendo um ao outro menos do que nós dois”.
“Meu pai se encontrou com minha mãe no dia em que eles se casaram”.
“Eu me pergunto se sua mãe estava com tanto medo quanto eu estou agora”.
“Eu não machucarei você, Amelia”.
“Mas eu poderia machucar você. Eu não sei se serei capaz de ter dar meu
coração”.
“Eu não estou pedindo seu coração. Só sua mão, sua lealdade, e seu respeito”.
Um calor surgiu nas bochechas dela. “E um filho”.
“Isso me faria muito feliz”.
“Qual nome nós daremos a ele?”.
Ele sorriu amplamente ao luar. “Qual nome que você gostaria de dar?”.
Amelia encolheu os ombros. “Não sei”.
“Bem, nós temos alguns meses para pensar sobre isto. Será sua escolha, mas eu
gostaria de um nome forte. Às vezes, tudo o que um homem precisa é de seu nome
para deixar sua marca no mundo”.
“Mark,” ela disse tranquilamente. “Nós podíamos dar o nome de Mark”.
“Diminutivo de Marcus?”.
Ela concordou com a cabeça. Ele sorriu. “Sim, Marcus. Marcus Leigh”. Ele
olhou para o horizonte. “Todos isto é para ele, Amelia. Seu legado”.
Ele ficou de pé. “É melhor você dormir um pouco”. Passando por ela, ele tomou
sua mão e a colocou de pé.
“Meu pai me disse uma vez que amor é algo que cresce com o passar do tempo.
Eu acho que será dessa forma com a gente”. Ele beijou a palma da mão dela, a boca
morna, o bigode suave. “Até amanhã”.
Amelia colocou os braços em torno da viga e assistiu ele desaparecer na noite.
Ela apertou a mão contra a barriga. Marcus Leigh.
Ela adoraria a criança, respeitaria e honraria seu pai, e esqueceria que seu tio
tinha a habilidade de fazer os dedões do pé dela se contorcerem.

Houston se sentou na varanda dianteira e escutou a noite. O vento soprava frio,


mas não estava tão frio quanto seu coração.
Ele esfregou um dedo por sobre a bochecha marcada. O destino tinha sido cruel
o suficiente para deixar uma porção de seu rosto incólume para que assim ele
sempre se lembrasse de como ele poderia ter tido... se tivesse feito escolhas
diferentes.
171
Sem pena, ele apertou os dedos contra as cicatrizes, lentamente traçando cada
cume, cada vale, cada pedaço de carne nodosa. Cada uma servia como uma
lembrança do homem que ele era.
O homem que ele sempre seria. O menino que ele tinha sido.
“Dallas, eu estou assustado”.
“Não seja. Não há nada para temer, só o medo. É isso que papai diz”.
“Eu não sei o que isso quer dizer”.
“Só significa não ter medo”.
Mas ele tinha sentido medo. Treze anos depois, o medo ainda pairava ao redor
dele, as memórias fortes o suficiente para enterrá-lo no passado.
Houston podia ouvir o rugir dos canhões, sentir o bater da terra. A terra tinha
sido tão verde, tão bonita ao amanhecer. Então tinha se tornado preta, vermelha e
destroçada. O ar com um clima pesado com fumaças e gritos de homens bravos,
homens valentes, homens assustados, homens morrendo.
Houston Leigh enterrou o rosto entre as mãos e fez o que ele tinha estado com
tanto medo de fazer treze anos antes.
Ele chorou.

O vento gélido chicoteava no amanhecer que se aproximava. Com a insistência


de Dallas, os homens deixaram o rebanho enquanto eles se reuniam na sala de estar,
empurrando e acotovelando um aos outros como crianças ansiosas para sair para
passear.
Um fogo ardia na lareira, mas seu calor não podia penetrar o frio que vazava
através dos ossos de Houston. Ele estava de pé ao lado do Reverendo Tucker,
esperando o inferno terminar, para que as decisões e escolhas fossem tiradas de suas
mãos.
Os homens ficaram em silêncio quando Amelia adentrou o quarto, Dallas ao
seu lado. Ela novamente usava o vestido de seda verde. Ele nunca tinha pedido a
Dallas o pagamento, ele não teria aceito se ele tivesse oferecido. Tudo o que ele tinha
dado a ela era seu modo de se desculpar por ter entrado em sua vida.
Se o valor de um presente era baseado no que ele significava para o doador, ele
daria a ela o presente melhor de todos: seu irmão como seu marido.
Dallas estava de pé de um lado de Amelia, Houston do outro. Austin estava
inquieto ao lado de Houston usando uma jaqueta marrom que ficaria pequena nele
antes que tivesse necessidade de vesti-la novamente.
No lado de fora o vento uivava e o céu ficava cinza.
No lado de dentro o fogo crepitava e o Reverendo Tucker pedia a todos que
curvassem suas cabeças em oração. Enquanto sua voz ecoava, Houston estudava a
mulher de pé ao lado dele. Ela não tinha olhado para ele enquanto tinha caminhado
para dentro do quarto, e ele não podia culpá-la.
172
Eles tinham viajados juntos através de um inferno e sobrevivido. Ela tinha
conseguido sair. Por que ele a arrastaria de volta?
O reverendo Tucker terminou a oração e falou sobre casamento, compromisso,
e dever. Houston parou de escutar as palavras. Elas não eram para ele. Elas eram
para Amelia e para o homem que estava de pé ao lado dela.
Então a voz do Reverendo Tucker estava entrando em sua cabeça, reverberando
em seu coração. “Se alguém sabe de algo que impeça a realização desse matrimônio,
fale agora ou cale-se para sempre”.
Amelia virou a cabeça ligeiramente, pegando e segurando o olhar de Houston.
Ele queria dizer a ela. Deus o ajudasse, ele preferia ter a decepção em seus olhos do
que a dor.
Ela se virou, e ele soube que ela estava se despedindo naquele momento, que
não havia volta para os ponteiros do relógio. Por ela, ele manteria o silêncio,
manteria para sempre sua paz.
Enquanto Dallas tomava Amelia em seus braços e a beijava, Houston
mergulhou nas profundezas mais escuras do inferno.

Os ventos estavam frios enquanto Houston estava na varanda de trás, sua capa
batendo ao redor das canelas. Ele deveria sair antes que ficasse mais escuro e levar
Austin com ele para que a dupla recém casada tivesse um pouco de isolamento.
Ele ouviu a porta abrir e deu uma olhada rápida por cima do ombro para ver
Amelia. “Está frio aqui fora. É melhor que você fique lá dentro”.
“Não posso escolher onde ficar em pé?”.
Ele sorriu com o comentário dela, mas ele não tinha nenhum desejo de provocá-
la de volta. Ela faria o que quisesse, da mesma maneira que ele tinha feito o que
tinha que fazer. Ele voltou a atenção para o horizonte.
Ela caminhou para a extremidade da varanda, vivamente roçando a mão de alto
a baixo pelos braços dele. Ele queria abraçá-la e aquecê-la. Em vez disso, ele
encolheu os ombros, tirou o colete e o embrulhou ao redor dela. Ela se fechou
firmemente dentro dele.
“Marcus,” ela disse suavemente.
Ele deu uma olhada rápida para ela. “Marcus?”.
Ela concordou com a cabeça. “É assim que vamos chamar nosso primeiro filho.
Nós o chamaremos de Mark porque Dallas espera que ele faça sua marca no
mundo”.
“Com Dallas como pai, imagino que ele irá”.
Os nós dos dedos dela ficaram brancos enquanto ela apertava o casaco. “Eu
estou nervosa por causa de hoje à noite. Eu não tenho nenhuma mulher com quem
conversar... e eu... Eu sempre considerei você... um amigo querido. Eu desejava que
talvez você pudesse ter algumas palavras de sabedoria para compartilhar comigo
173
para que assim eu não tenha medo de desapontar Dallas”.
“Você nunca conseguiria desapontá-lo”.
“A menos que eu dê a ele uma filha”.
“Nem mesmo assim”.
As bochechas dela se avermelharam, mas ele não achava que tinha alguma
relação com o frio que atingia sua pele.
“Vai doer?”, ela perguntou baixinho.
Ele se sentiu como se tivesse levado um coice de um cavalo selvagem na
barriga. Que diabos ele sabia sobre a primeira vez de uma mulher? Ele conhecia
prostitutas. Seu fedor, seus corpos que estavam sempre prontos para um homem,
suas mãos estendidas pedindo mais dinheiro. Ele desviou o olhar. “Por Deus, eu
não sei”.
Um silêncio pesado ficou entre eles.
“Obrigada,” ela finalmente disse e se virou para ir embora.
Ele agarrou o braço dela e a olhou, realmente olhou para ela pela primeira vez,
para as profundezas de seus olhos verdes. Ele podia ver o terror. Ele a puxou contra
ele, a envolveu em seus braços, tocou sua bochecha e seu cabelo suave.
“Ele não machucará você,” ele disse baixinho. “Se ele puder, ele não vai te
machucar. As mulheres que eu conheci eram tão usadas... Ele vai te beijar... e ele não
vai parar”.
“Mas beijar não fará um bebê”.
Ele deslizou o dedo polegar para baixo do queixo dela e balançou o rosto dela,
desesperadamente querendo acabar com a preocupação naqueles olhos verdes. Ele
engoliu em seco. “Ele colocará o corpo por sobre o seu”. Ele embalou o rosto dela,
desejando que ele pudesse embalar o corpo também. “E ele dará o que ele sempre
dá: o melhor de si mesmo”.
Ela sorriu então, tão docemente e com tanta confiança que o coração dele doeu.
“Eu sentirei sua falta,” ela disse baixinho.
“Você sabe onde eu vivo. Se precisar—”.
Ela agitou a cabeça com uma tristeza profunda. “Não, este é o nosso último
adeus”. Ela ficou na ponta do pé e o beijou ligeiramente nos lábios.
Ele não pôde suportar: a traição refletida em seus olhos, a dor, a decepção. Ele
preferia o ódio. “Eu matei meu pai”.
Ele a soltou e evitou seu olhar fixo. Ela o odiaria agora, como ele se odiava.
“Eu não acredito em você,” ela disse suavemente.
Ele riu zombeteiramente. “Acredite em mim, Amelia. Por treze anos eu corri
disso. Por treze anos, a verdade me perseguiu como uma sombra”.
“Como você o matou?”.
“Você quer os detalhes sangrentos?”.
“Eu quero entender como o homem com quem viajei poderia ter matado o pai”.
174
Ele olhou fixamente para longe, olhou para os anos passados. “Eu era seu
baterista. Ele dava as ordens e a batia do meu tambor dizia aos homens quais eram
aquelas ordens. No meio da batalha, você não consegue ouvir as palavras dos
homens, somente seus gritos agonizantes e o som do tambor. A fumaça fica tão
pesada que cai como gotas de uma névoa, te cercando, queima os olhos, a garganta,
sufoca. Até que você não consegue mais ver o homem emitindo as ordens.
“Mas você pode ouvir a batida do tambor. Então onde quer que meu pai fosse,
eu tinha que ir. Quando ele ia numa batalha, eu ficava ao lado dele, batendo...
batendo meu tambor enquanto as balas assobiavam e os canhões rugiam”.
A boca de Houston foi ficando seca com o medo familiar subindo à garganta.
Ele podia sentir o cheiro da fumaça e do sangue. Ele podia ouvir os gritos.
“O cavalo dele afundou, chutou o ar, gritando em agonia. Meu pai ficou de pé e
puxou a espada da bainha. ‘Vamos, garoto!’ ele gritou.
“Só que eu não pude. O homem de pé ao meu lado caiu. A terra explodiu no
meu rosto. Meu pai gritou comigo novamente. Eu comecei a correr. Tão rápido
quanto minhas pernas me levariam, eu comecei a correr de volta para o lugar onde
eu tinha dormido na noite anterior”.
“Ele veio atrás de mim, gritando, ‘Por Deus, eu não tenho um filho covarde!”.
“Ele agarrou meu braço, me empurrou, mas eu fui embora, lutei para me
libertar. De repente, teve uma explosão alta, uma luz brilhante, dor... e ele se foi. E
não existia nada além de escuridão”.
“Foi quando você se feriu não foi?”.
Ele riu mortificado. “Sim, eu deveria ter morrido também, mas eu não morri. Eu
rezei muito pela morte, mas algumas orações realmente não são para serem
atendidas”.
“Você realmente acredita que matou seu pai?”.
“Se eu não tivesse corrido, ele não teria morrido. Eu era o que ele sempre tinha
dito que eu era. Um covarde. Um fraco chamado de filho”.
“Mas você era uma criança”.
“Eu já tinha idade suficiente. Aos quinze, Dallas estava marchando na batalha
com um rifle na mão e homens o seguindo”.
“Você não é Dallas”.
Ele finalmente voltou do passado e encontrou o olhar de Amelia. “Está certa,
Amelia, eu não sou. E é por isso que eu mantive meu silêncio. Porque você merece
um homem melhor do que eu. Você não merece um homem que corre da própria
sombra, que tem medo da vida”.
Ela virou a cabeça, aquele gesto familiar como o de um filhote de cachorro
olhando para um cachorro maior e decidindo se deve ou não brigar pelo osso.
“Dallas sabe que você prefere a solidão e tem aversão a cidades?”.
“Sim, ele sabe”.
175
“Ainda assim ele mandou você ir me buscar”.
“Ele não teve escolha. Ele confia nos homens no trato com o gado, mas eu não
estou muito certo de que ele confiaria neles, que eles não se aproveitariam de uma
senhorita bonita em uma jornada longa”.
“Ele podia ter enviado Austin”.
“Austin?” Houston riu. “Austin é só um menino”.
Uma tristeza profunda apareceu no rosto dela, lágrimas brotaram nos olhos,
enquanto ela deitava a palma da mão contra a bochecha cicatrizada dele. “Ele é mais
velho do que você era quando foi levado ao campo de batalha”.
As palavras baterem nele, o atordoaram, deixaram-no paralisado. Ele tinha que
ter sido mais velho que Austin. Austin... Maldição. Austin tinha se barbeado pela
primeira vez pela manhã.
A porta abriu, e Dallas entrou na varanda, Austin atrás. Austin cruzou a
varanda, se debruçou e beijou a bochecha de Amelia.
“Pra que isto?”, Dallas perguntou.
Austin corou. “Eu estava só praticando”.
“Para quê?”.
“Houston vai me levar num bordel hoje à noite”.
Houston empurrou o ombro de Austin e tentou achar voz. “Isto é entre você e
eu”.
“O quê?”, Austin tropeçou. “Eu não entendo mais nada. A gente queria muito
uma mulher aqui, e agora que nós temos, nós temos que mudar. Não entendo mais
nada”.
Houston andou na direção dele. Austin levantou as mãos. “Estou muito
cansado de me baterem e gritarem comigo”.
Houston lentamente agitou a cabeça. “Eu não irei bater em você. Vá pegar seu
cavalo”.
Os olhos de Austin se arregalaram. “Você ainda vai me levar?”.
“Disse a você que iria. Agora vá pegar seu cavalo”.
Austin gritou e começou a correr em direção ao curral. Houston se virou para o
casal na varanda. “Pensei em tirar ele daqui por uns dias”.
“Já tinha imaginado,” Dallas disse enquanto tirava o colete de Houston dos
ombros de Amelia e o lançava para ele. Tirou a própria jaqueta e envolveu Amelia
com ela.
Ela deu uma olhada rápida para o marido e deu a ele um sorriso hesitante.
Houston pedia a Deus que ela não parecesse tão pequena de pé ao lado do irmão
dele, tão pequena e tão vulnerável.
Houston deu um passo para trás e lançou o dedo polegar por cima do ombro.
“Acho que está na hora de ir”.
“Cuide-se,” ela disse.
176
“Nós nos cuidaremos”. Ele começou a caminhar em direção ao curral, parou, e
olhou para trás por cima do ombro.
Dallas estava escoltando sua esposa para casa, as costas retas, o queixo
empinado.
A Rainha da Pradaria.

Capítulo Dezoito

Os apartamentos empoeirados não eram muito mais do que um buraco no chão,


um lugar aonde os caubóis iam gastar energia e dinheiro quando eles estavam
conduzindo o gado. O local possuía uma cantina com um banheiro atrás; Um
armazém com tão poucas mercadorias que as pessoas simplesmente passavam por
ele, pegavam o que precisavam, e jogavam o dinheiro por sobre o contador; e uma
casa lotada com mulheres da vida. Nenhuma igreja, nenhuma escola, nenhuma
calçada.
Fazia anos que Houston não voltava. Ele tinha esquecido como o lugar era
escuro à meia-noite, mas tinha o que ele precisava para distraí-lo dos pensamentos
instáveis que corriam por sua cabeça, e tinha o que Austin procurava. Seria o
suficiente.
Ele parou o cavalo na frente da casa quadrada de madeira e desmontou.
“É essa?”, Austin perguntou enquanto deslizava para fora do animal castrando
e distraidamente embrulhava as rédeas em torno do carril de amarração.
“É”.
Colocando a mão na cintura ele olhou o pó que cobria as janelas, Austin andou
até a varanda de madeira. “Não tem muita luz. E se eles estiverem fechados?”.
“Eles não estão fechados,” Houston o assegurou enquanto andava na varanda.
Ele se perguntou se ele já teria sido tão jovem quanto Austin parecia agora, se ele
tinha essa ansiedade pelas coisas. Houston fazia dezoito anos na primeira vez que
tinha pagado uma mulher por seus serviços. Ele se sentiu como um homem velho,
sem excitação, nenhuma antecipação. Só algo para fazer para que assim ele pudesse
dizer que tinha feito. “Você não precisa de muita luz para o que nós vamos fazer”.
As dobradiças secas da porta gritaram quando ele a empurrou. “Vamos”.
Austin saltou como um filhote de cachorro indo atrás de um osso. Ele tirou o
chapéu da cabeça, os olhos maiores do que uma lua de cheia enquanto olhava o
ambiente pardo. As cadeiras de madeira desocupadas que tinham sido polidas com
o traseiro dos caubóis que tinham se sentado esperando sua vez no decorrer dos
anos.
Uma mulher com cabelo vermelho ígneo, olhos violeta e lábios carnudos
pintados de vermelho sangue passou e arrastou os dedos pelo ombro de Austin
177
desceu até o cotovelo e subiu. Ela ronronou como um gato contente que tinha
acabado de engolir a última nata com seu sorriso de avaliação.
“Oi, querido,” ela arrulhou com uma voz tão abafa quanto um verão à noite.
“Olá,” Austin disse, a voz mudando de tom três vezes. Ele olhou para os seios
abundantes dela que Houston achava que poderiam pular do colete vermelho a
qualquer momento. Ele assistiu o pomo de Adão de Austin ir para cima e para baixo
e imaginou que ele estava pensando a mesma coisa.
“Maria ainda trabalha aqui?”, Houston perguntou.
A mulher gritou por cima do barulho de um piano distante. Maria empurrou o
caubói magricelo para longe e saiu andando, sorrindo quando reconheceu Houston.
Ela parecia mais velha do que ele se lembrava, tão gasta quanto à madeira nas
cadeiras. A pintura vermelha que ela usava nas bochechas não impedia que elas
caíssem e os círculos escuros embaixo dos olhos tinham pouco a ver com o Kohl(*)
que ela estava usando.
Porque ela o conhecia, o tinha servido antes, colocou a mão na parte de dentro
de sua coxa, embaraçosamente perto de sua forquilha. Deixando-o extremamente
desconfortável e fazendo-o ficar vermelho na frente do irmão mais novo.
“Faz muito tempo, caubói,” Maria disse com a voz cansada. “Eu consegui
aquele rapaz bonito ali interessado em mim. Eu não sei se o dobro me fará esquecer
ele”.
“Triplo, então”.
O sorriso dela cresceu, mas não chegou a alcançar os olhos enquanto ela
colocava o braço em volta do dele. “Eu sou sua”.
Ele olhou por sobre o ombro para Austin. “Essa é a primeira vez dele. Seja
gentil”.
O riso gutural da mulher se derramou através dos lábios curvados. “Ah,
docinho, eu sou sempre gentil”. Ela pegou a mão de Austin. “Vamos, coisa fofa”.
“Nós não devíamos conversar primeiro?”, Austin perguntou, e o riso da mulher
cresceu.
“Não se preocupe com ele. Velvet dará a ele algo que não esquecerá,” Maria
disse enquanto levava Houston em direção aos degraus, deixando Austin de pé e
gaguejando na sala de estar dianteira. “Você quer a mesma coisa da última vez?”.
A solidão cresceu dentro dele enquanto dava sua resposta. “Sim”.

Houston andou na varanda e deu uma respiração longa e profunda em busca


de ar fresco. Nenhuma fumaça. Nenhum perfume forte. Nenhum fedor almiscarado
de corpos gastos no cio como cães.
O ar da noite era claro, tão claro quanto às estrelas cintilando acima dele. Ele
achava que nunca mais seria capaz de olhar para o céu à noite sem pensar em
Amelia dentro de seus braços.
178
Ele assistiu Maria se despir... e sentiu nada além de desejo de partir. O corpo nu
da mulher não tinha nem metade da atração da sombra do corpo de Amelia. Ele
tinha se desculpado pela sua falta de interesse, pagado a ela o que tinha prometido,
e saído sem tocá-la. Desde que Amelia tinha entrado em sua vida, ele estava
começando a pedir desculpas demais.
Ele cruzou a varanda e sentou no degrau superior onde seu irmão mais jovem
estava debruçando contra a varanda, olhando para o longe como se

(*) N. da R.: Kohl é uma mistura de fuligem e outros ingredientes usada para
escurecer as pálpebras ou usada como rímel para os cílios.
estivesse apaixonado.
“Não demorou muito,” Houston disse enquanto ele se encostava no poste
oposto. Ele riu baixo.
“Bom, que eu me lembre, não levei muito tempo na minha primeira vez,
também”.
“Eu não fui com ela,” Austin disse em voz baixa. “Eu estava pensando em
Dallas e Amelia—”.
“Bem, não faça isso,” Houston falou seco.
Austin girou a cabeça ligeiramente. “Eu não estava pensando em nada pessoal
ou qualquer coisa do tipo. Eu pensava que todas as mulheres eram como Amelia,
todas limpas e cheirando doce e sorrindo contentes ao me ver”.
“Existe uma enorme diferença entre uma mulher da vida e uma mulher como
Amelia”.
“Como?”.
Houston suspirou com frustração. Ele não precisava ou queria esta conversa
hoje à noite. Dallas era a pessoa que tinha vasta experiência com mulheres. Ele devia
ter feito um trabalho melhor ao educar o menino. “Mulheres da vida, bem, eles são
feitas de acordo com o preço. Uma mulher como Amelia... não se dá por dinheiro.
Os homens não se apaixonam por mulheres da vida. Mas uma mulher como
Amelia... quando um homem se apaixona por uma mulher como Amelia... ele faz o
que é melhor para ela, não importa o que isso custe para ele”.
“Você já se apaixonou por uma mulher como Amelia?”.
“Uma vez”.
“Quando?”
Ele empurrou o cotovelo contra as coxas, sem dó, dando boas-vindas à
distração da dor. “Para sempre. Acredito que a amarei para sempre, até o dia em
que morrer”.
“O que aconteceu com ela?”.
“Ela se casou com outra pessoa”.
“Você a amou, mas você deixou ela se casar com algum outro cara? Por que
179
você faria uma coisa tola assim?”.
“Porque era o melhor para ela”.
“Como você sabia que era o melhor para ela?”.
Houston virou a cabeça e capturou o olhar do irmão. “O quê?”.
Austin encolheu os ombros. “E se o que você achava que era o melhor para ela
não era o que ela procurava?”.
“Do que você está falando?”.
Austin deslizou as costas na parede da varanda. “Eu não entendo desses
assuntos muito bem, então eu não entendo como você sabe que o que fez era o
melhor para ela”.
“Eu só sei, isto é tudo. Eu apenas sei”. Ele ficou de pé, saiu da varanda, e
começou a andar através do caminho iluminado pelo lampião, depois na escuridão,
depois de volta a luz. Escuridão. Luz. Sua vida antes de Amelia. Sua vida depois
que ele veio a conhecê-la. Escuridão. Luz.
Ele fez o que era melhor para Amelia. Ela não precisava acordar toda manhã ao
lado de um homem que tinha medo da escuridão, que tinha medo do amanhecer,
que tinha medo de como seria o dia. Ela merecia o melhor. Ele tinha dado a ela o
melhor.
Dallas não temia nenhum homem, não temia nada. Ele não correu quando os
canhões estavam rugindo e quando as balas estavam zumbindo. Ele se levantou e
levou as forças da Confederado para a batalha... repetidas vezes... batalhas após
batalhas.
Dallas era o tipo de homem que Amelia merecia. Amelia com seu coração
corajoso que tinha passado desastre após desastre. Amelia com lágrimas nos olhos,
junto com sua compreensão.
Por que ela tinha olhado para ele sem julgamento nos olhos, sem nenhuma
revolta após sua confissão?
Ele não era o herói que Dallas tinha sido. Ele nunca seria. Ele tinha corrido
como um coelhinho assustado e tinha pagado um preço alto: a vida de seu pai.
Ele nunca tinha conversado com Dallas sobre aquele dia. Às vezes, Houston se
perguntava se a batalha tinha acontecido mesmo. Então ele pegava seu cavalo e ia
até uma lagoa. Dentro das águas quietas e claras, ele via seu reflexo, uma lembrança
constante de como seu pai tinha morrido.
Ele sabia que seu rosto servia como uma lembrança para Dallas também. Por
meses depois que Houston tinha se ferido, Dallas preferia olhar fixamente para suas
botas cobertas de lama em vez de encontrar o olhar de Houston.
Amelia deveria ter evitado olhar para ele também. Ela deveria ter ficado
intimidada e horrorizada. A mulher mantinha o coração nos olhos e tudo o que ele
via refletido lá era seu amor por ele.
Ele parou repentinamente e olhou firme para Austin. O queixo do menino tinha
180
tantos arranhões com seu primeiro barbeado que era impressionante não ter
sangrado até a morte. Ele era um ano mais velho do que Houston quando tinha sido
levado ao campo de batalha pela última vez. Oh, Deus, Houston nunca tinha tido a
oportunidade de barbear o rosto inteiro; Ele nunca tinha paquerado uma menina,
cortejado uma mulher, ou dançado à noite. Ele nunca tinha sido amado.
Não até Amelia aparecer.
E ele tinha desistido dela porque achava que era o melhor para ela. Porque ele
não tinha nada a oferecer a ela exceto uma cabana de tronco de madeira, alguns
cavalos, um sonho tão pequeno que não cobria a palma de sua mão.
E seu coração. Seu coração ferido.
Ele arrancou as rédeas do poste e montou no cavalo.
Austin ficou de pé. “Aonde você vai?”.
“Vou voltar para o rancho”.

Eles montaram a toda velocidade na noite. Houston não estava tão certo do que
diria para Amelia, que explicação ele daria a Dallas.
Ele tinha ficado em silêncio, sacrificado seu direito de dizer qualquer coisa. Ela
tinha se comprometido com Dallas, se tornado sua esposa. Os votos que Houston
achou que tinha ignorado, o bater de seu coração como o ritmo do bater dos cascos:
Para amar, honrar, e obedecer... até que a morte os separe.
Ele apenas sabia que tinha que vê-la, tinha que conversar com ela, e tinha que
entender porquê ela não tinha virado as costas para ele, porquê não tinha sentido
repulsada em sua confissão. Senhor, se ele não a conhecesse melhor, juraria que ela
tinha olhado para ele como se o amasse mais.
Será que uma noite nos braços de Dallas levaria seu coração para longe de
Houston? Que diferença isso faria? Ela já poderia estar carregando o filho que
Dallas queria tão desesperadamente.
A fumaça preta ondulou ao longe, escurecendo o brilho do amanhecer. O
pânico familiar e o medo começaram a brotar na barriga de Houston. Ele persuadiu
seu cavalo para que galopasse mais rápido, com Austin o seguindo como uma
sombra.
“O que é isto?”, Austin gritou atrás dele.
“Problema!”.
O cavalo destroçou o chão com a intensidade do galope. Houston se abaixo,
pedindo que Sorrel galopasse com todas as forças. O bom senso disse para que ele
diminuísse a velocidade quando estava se aproximando da casa de Dallas, mas o
silêncio tímido o chamava.
Alguém tinha reduzido o celeiro a chamas em brasas e o curral a meras toras de
madeira. Com fuligem e suor preto nos rostos e roupas, os homens circundavam a
casa como que perdidos.
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Houston parou o cavalo. “O que aconteceu?”
Slim ergueu um ombro com o olhar vazio. “Não sei. Nós todos estávamos no
bangalô bêbados como porcos depois de celebrar o casamento. Nós ouvimos um
tiro. Veio do lado de fora, mas já era muito tarde para fazer qualquer coisa. O celeiro
estava queimando, os cavalos tinham sido levados. O chefe ainda está lá fora.
Cookie está com ele. Jackson saiu correndo para achar alguma ajuda, mas a pé
levará uma semana para alcançar outro rancho. O resto de nós é inútil sem um
cavalo embaixo”.
“Amelia? Como está Amelia?”.
Slim baixou o olhar. Houston desmontou e agarrou o homem pela camisa,
colocando o olhar dele no nível do seu. “Onde está Amelia?”.
Slim trocou um olhar com os outros homens. Eles deram um passo para trás.
Houston o agitou. “Que droga! Ela está machucada?”.
Slim engoliu em seco. “Nós não sabemos onde ela está”.
Bruscamente, Houston soltou Slim, seu coração batendo tão forte que ele estava
certo de que todos os homem no estado poderiam ouvir. “Ela tem que estar aqui.
Ache ela! Agora!”.
“Ela não está aqui,” uma voz furiosa ecoou da entrada.
Dallas subiu os degraus e se debruçou contra a viga suporte, respirando com
força, o sangue escorrendo perto da têmpora.
Houston colocou uma mão como forma de apoio no ombro do irmão. “Você
levou um tiro”.
“Foi só de raspão. Essa é a menor das minhas preocupações agora. Malditos
ladrões de cavalo levaram Amelia”. Dallas se afastou da varanda. “Eu vou trazê-la
de volta. Ninguém toma o que me pertence. Por Deus, ninguém. Austin, eu estou
pegando seu cavalo”.
Austin desceu do cavalo com tanta pressa que perdeu o equilíbrio e bateu o
traseiro na sujeira. Com um andar instável, Dallas seguiu em direção ao animal
castrado. Houston sabia que era a determinação que tinha colocado seu irmão sobre
a sela.
“Eu vou com você,” Houston disse enquanto montava em Sorrel.
“Como quiser. Austin, você está no comando até que a gente volte”.
Os olhos de Austin se arregalaram. “Eu?”
“Algum problema nisto?”, Dallas perguntou.
Austin agitou a cabeça vigorosamente. “Não, senhor”.
“Bom. Qualquer ordem que você der estará vindo de mim, então não dê ordens
que eu não daria”.
“Sim, senhor. Nós reconstruiremos o curral destruído. Acredito que você trará
os cavalos de volta”.
“Claro que irei. Junto com minha esposa”.
182
Dallas tinha uma reputação a proteger. Nem em seus sonhos mais selvagens,
Houston nunca teria pensado que alguém seria tolo o suficiente para tentar tomar
algo que pertencia a Dallas Leigh, mas como ele estava descobrindo, os homens que
levaram Amelia era bobos. Eles deixaram uma trilha que até um homem cego
poderia ter seguido.
“Eles não são muito cautelosos,” Houston observou.
“Já que eles levaram todos os cavalos, acho que eles não esperavam que alguém
viesse atrás deles antes de um dia ou dois. Esse engano vai custar caro para eles”.
Próximo ao crepúsculo eles encontraram os ladrões de cavalos. Eles estavam
escondidos em um desfiladeiro, fumaça subindo em espirais da fogueira do
acampamento. Houston e Dallas subiram o penhasco e rastejaram de barriga até a
extremidade.
“Eu contei seis,” Dallas disse. “Nós podíamos abatê-los daqui de cima”.
Houston acreditou na palavra de Dallas quanto ao número. Seu olhar estava
apenas em Amelia. Desta distância era difícil de ter certeza, mas ele não achava que
ela estava machucada.
“Eles poderiam pensar em usar Amelia como escudo,” Houston disse.
“É verdade, mas parece que só há um jeito. Seremos alvos fáceis se formos pelo
outro caminho,” Dallas disse.
“E nós colocaremos Amelia em risco se nós entrarmos lá disparando as armas.
Com certeza ela ficará ferida”.
“Então o que você sugere?”.
“Eu vou sozinho”.
Dallas virou a cabeça.
“Se eu não conseguir chegar perto dela,” Houston continuou, “eu poderei pelo
menos a proteger enquanto você atira daqui de cima. Se eu conseguir levar meu
cavalo até bem próximo dela, talvez eu consiga pegá-la e colocá-la no cavalo”.
Dallas firmou o queixo. “Ela é minha esposa”.
“Mas eles sabem como você é. Além disso, você atira melhor do que eu e meu
cavalo é mais rápido. Acredito que posso dizer que sou um bandido procurando um
lugar para me esconder”. Ele ergueu um canto da boca. “Meu rosto deve convencer
de que estou dizendo a verdade”.
Dallas vacilou e olhou de volta para o desfiladeiro. “Eu não quero os dois
presos lá. Eu não começarei a atirar até que você leve seu cavalo até perto dela. Use
a distração deles para colocá-la no cavalo e a tirar de lá. Eu cuidarei dos ladrões”.
“Sei que fará”.
“Será noite logo. Nós precisamos trabalhar rápido. Se qualquer coisa der
errado... a voz de Dallas foi sumindo.
Houston agarrou o casaco de Dallas e o empurrou. “Só tenha certeza de que
183
Amelia vem primeiro. Não importa o que aconteça, ela deve sair viva de lá”.

Amelia nunca tinha estado tão apavorada em toda sua vida. Ela abraçou a
parede do desfiladeiro rochoso desejando que pudesse se fundir nele e desaparecer.
Se ela sobrevivesse, ela não achava que apreciaria seu vestido de noiva verde ou
suas memórias.
As cordas esfolavam seus pulsos, seu queixo ainda doía. Quando ela achava
que não tinha ninguém olhando, tentava desfazer os nós. Sua tentativa tinha
resultado em um tapa e nós mais apertados.
Ela viu um homem, os braços levantados, caminhando no desfiladeiro levando
um cavalo. Dois homens foram atrás dele, rifles apontados dando a eles vantagem e
uma falsa arrogância. Ela reconheceu o chapéu, o casaco preto empoeirado e o
cavalo. Houston não olhou para ela ou gritou. Talvez ele não tivesse nenhuma
garantia para dar. Ou talvez ele estivesse simplesmente ganhando tempo. Ele
parecia notavelmente tranqüilo para um homem que tinha acabado de entrar em
um ninho de víboras. Ela mantinha o olhar nele, observando qualquer pequeno
sinal que indicasse que ele tinha um plano para salvá-la.
“O que nós temos aqui?”, o homem que ela sabia que era o líder disse enquanto
se levantava, sua mão descansando sobre a arma de fogo.
Houston caminhou para mais distante no acampamento, desejando que Dallas
visse os dois homens atrás dele. Ele não tinha como sinalizar para ele que outro
homem estava guardando a entrada.
“Ele estava montando, todo folgado, assobiando uma canção como se fosse o
dono do lugar,” um dos homens que o seguia disse quando eles pararam de
caminhar mais cedo do que Houston gostaria. Ele não sabia se Dallas poderia vê-los
de onde estava no topo do desfiladeiro.
“Eu sou o dono desse lugar,” Houston disse, tentando imitar a autoridade que
Dallas tinha quando elevava a voz. “Ou pelo menos eu sou quando estou
procurando por um lugar para me esconder por uns dias”. Ele se agachou, abaixou
os braços, e esquentou a mão diante do fogo, rezando para que não pudessem ver
como ele estava tremendo. “Mas, eu não me importo de compartilhar o lugar”.
O homem que ele supôs ser o líder estreitou os olhos. “Você está se
escondendo?”.
“Eu estou me escondendo de qualquer um que esteja me procurando”.
O homem arranhou a barba desgrenhada e riu. “Sei como é. Você tem um
nome?”.
“Dare4”.

4
Dare quer dizer: se atrever / enfrentar alguém. Houston está fazendo referência ao jogo que ele ‘brinca’ com
Amélia. “Verdade ou conseqüência(dare)?”.

184
“Dare?”, O homem perguntou, incrédulo.
Houston se levantou devagar, usado o polegar para empurrar o chapéu para
cima da sobrancelha, e encontrou o olhar do homem. “Você tem algum problema
com isto?”.
“Não, não tem nenhum problema mesmo”. Ele levantou a mão. “Eu sou
Colson. Estes aqui são meus homens”.
Ignorando a mão estendida, Houston deu uma olhada rápida em torno do
desfiladeiro. Um curral provisório segurava os cavalos roubados. Os outros cavalos
estavam selados e ligeiramente amarrados no arbusto crescente das pedras. Eles
podiam ser montados em um piscar de olhos e eles estariam fugindo a oeste meio
piscar depois. “Você parece ter mais cavalos do que homens”.
“Nós o pegamos todas as vezes que a sorte sorri para a gente. Sempre podemos
achar um homem disposto a pagar por um cavalo novo”.
“E a mulher?”.
Colson riu inconscientemente. “Os homens estão dispostos a pagar por isto,
também”.
“Acho que sim. Posso dar uma olhada?”.
Colson esfregou o queixo. “Contanto que você só olhe. Ela vai me aquecer esta
noite”.
“Compreendo”, Houston disse enquanto lutava contra o desejo de bater o
punho contra aquele rosto feio. Ele amaldiçoava os homens que tinham tomado seu
revólver. Graças a Deus, eles deixaram seu rifle na bainha, embora ele não soubesse
se ele seria útil neste local pequeno. Uma idéia surgiu na cabeça dele. Ele se virou
para Colson, desejando que o sorriso que ele lhe deu mostrasse ao homem o que ele
sentia. “Se importa se eu tiver um pouco de diversão inocente? Eu gosto de ouvir
mulheres gritarem”.
Colson estreitou os olhos. “O que você quer dizer com inocente?”
Houston empurrou a cabeça na direção de Amelia. “O modo como ela está
dentro daquela rachadura na pedra, eu acho que ela não percebeu os insetos que
tem lá. As mulheres odeiam coisas com pernas minúsculas. Acho que vou
mencionar para ela”.
Colson se agachou diante do fogo. “Eu não acho que ela é do tipo que grita com
algum inseto, mas não me aborrece se você tiver sua diversão”.
Houston caminhou tão calmamente quanto podia em direção ao canto longe do
despenhadeiro, agradecido por ninguém reclamar quando Sorrel o seguiu. Ele iria
recompensar o cavalo com uma cesta inteira de maçãs se eles vivessem esta noite.
Amelia tinha entrado em uma grande rachadura na parede do desfiladeiro. Ela
tinha uma contusão na bochecha, e ele fez de tudo que pôde para não se virar,
arrancar o rifle e começar a atirar.
Quando ele se aproximou, gritou, “Pequena senhora, escorpiões e serpentes
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certamente adoram se esconder nas rachaduras frescas”. Ele sussurrou “grita,” e,
graças a Deus, ela gritou.
Ela deu um berro enquanto saía da rachadura e entrava nos braços dele. Os
homens que os cercavam riram tumultuadamente. Um tiro ecoou.
Enquanto os ladrões saíam na cobertura, Houston envolveu a cintura de Amelia
com os braços e a içou na sela. Ela agarrou o chifre da sela. Ele montou atrás dela e
persuadiu Sorrel a um galope enquanto um segundo tiro ricocheteava nas pedras.
“Que diabos?”, alguém gritou.
Houston ouviu vários outros tiros ecoarem. Os pedaços de pedra voavam pelo
ar, chovendo em cima deles enquanto eles corriam em direção à entrada. Homens
berravam. Cavalos relinchavam. Era um inferno atrás deles, mas ele montou sem
olhar para trás.
Ele segurou Amelia o mais próximo que podia, usando seu corpo como uma
proteção ao redor dela quando eles saíram pela boca do desfiladeiro. Ele ouviu um
zunir de bala passar perto de sua orelha.
Ele chutou os lados da Sorrel, fazendo-a ir num galope mais rápido. Ele viu o
sol refletindo em um rifle e manteve a corrida. Ele ouviu a réplica de mais tiros. Ele
não sabia quanto tempo Dallas poderia pará-los. Ele temia que não fosse o
suficiente.
Ele deu uma olhada rápida para trás. Três cavaleiros estavam galopando
rápidos e furiosos vindos da boca do precipício. Inclinando para frente, ele puxou o
rifle da bainha. Ele olhou de novo por cima do ombro. Os três cavaleiros estavam se
aproximando deles. Um cavalo com dois cavaleiros não podia correr mais rápido do
que um cavalo com um cavaleiro, não importava o quão rápido ele fosse.
“Tome as rédeas!”, ele gritou.
Desajeitada com as mãos ainda amarradas, Amelia fez como ele instruiu. Com
as coxas abraçando o cavalo, ele puxou Amelia contra ele. “‘Mantenha o ritmo!”.
Ele puxou o ar pela última vez para sentir o odor doce dela. “Eu amo você”.
Em ato contínuo, ele a soltou, agarrou a parte de trás da sela, deu um impulso e
pulou do cavalo galopante, indo para longe do bater dos cascos. Em ato contínuo,
ele bateu no chão, rolou, ficou de joelho, apontou o rifle, e disparou.
Amelia ouviu as palavras de Houston como se eles estivessem em um campo de
flores em vez de planícies abertas montando contra um inferno. E então ela o sentiu
indo embora... para sempre.
Contrariando os desejos dele, ela puxou as rédeas lutando para fazer o cavalo
parar. Ela girou Sorrel na hora certa em que Houston atirava no segundo dos três
cavaleiros. O cavaleiro restante atirou. Houston caiu para trás, seus braços caindo
para o lado.
“Não!”, ela chorou, o coração gritando.
Outra réplica de fogo de artilharia encheu o ar, e o último cavaleiro caiu para
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frente antes de cair da sela. Amelia persuadiu a Sorrel a um novo galope, uma
liturgia de orações passando por sua mente. Ela parou o cavalo onde Houston tinha
caído. Ela desceu da sela e caiu de joelhos ao lado dele.
O sangue vermelho claro ensopava sua camisa. “Não,” ela sussurrou, lágrimas
desciam pelo rosto. “Não, não, não”. Ignorando a dor da corda nos pulsos, ela
arrancou um pedaço de sua anágua e o apertou contra o ferimento,
desesperadamente tentado parar o forte fluxo de vermelho. O algodão branco
rapidamente ficou vermelho.
Houston abriu os olhos. Ela tocou a palma da mão na bochecha dela. “Você não
pode morrer. Eu nunca vou te perdoar se você morrer”.
“Eu não corri,” ele sussurrou.
“Mas você devia, seu bobo! Você devia ter ficado comigo!”.
Um canto de sua boca se ergueu. “Esse teria sido o caminho fácil. Você merece
mais do que isto”.
Ele afundou no esquecimento, sua respiração fraca. Uma sombra passou por
cima de seu rosto. Amelia ergueu a cabeça enquanto Dallas ficava de joelhos, faca na
mão, e começava a cortar a camisa de Houston.
“Por que diabos ele não ficou no cavalo? Eu não estava assim tão longe-”.
“Ele tinha algo para provar a si mesmo,” ela disse tranquilamente, as lágrimas
descendo por suas bochechas.

Capítulo Dezenove

Em toda sua vida, Dallas nunca tinha se encontrado em um momento em que


não tivesse um plano de ação, não conhecia o que era se sentir inútil, sem uma
direção. E agora ele se sentia um completo inútil, e ele não sabia o que fazer quanto
a isto.
Ele juntou os cavalos roubados e deixou os homens que ele e Houston tinham
matado serem comidos pelos falcões e coiotes. Ele não tinha sido cruel em sua
vingança, agora o tempo estava rapidamente se tornando seu pior inimigo. A bala
entrou e saiu pelo ombro de Houston, deixando um ferimento relativamente limpo
mas deixou também dois buracos bem grandes pelos quais o sangue podia fluir. E
fluía.
Dallas odiou mas teve que amarrar uma corda ao redor de Houston para que
ele não caísse da sela. Eles montaram pela noite, mantendo os cavalos bem lentos,
passo constante, tendo como destinado planejado o rancho. No amanhecer seguinte,
quando cabana de Houston surgiu, Dallas não decidiu contar com a sorte.
Ele levou Houston, inconsciente, para sua cabana de tronco e o deitou tão
suavemente na cama quanto ele pôde. Ele ajudou Amelia a limpar, costurar, e
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colocar curativo no ferimento, sua admiração por ela crescente enquanto suas mãos
competentes lidavam com cada tarefa com eficiência. Ela estava pálida, suas mãos
tremiam de vez em quando, mas seu queixo testava firme com determinação, os
olhos desafiando a morte.
Ela era uma mulher sensacional.
Quando Dallas decidiu que tinha feito tudo o que podia no momento, ele
deixou seu irmão aos cuidados de Amelia enquanto ele corria para o rancho, os
cavalos a reboque, dava ordens aos homens, enviava quatro homens em direções
opostas para procurar um doutor na zona rural. Ele enviou outro homem para achar
o reverendo Tucker, rezando mais forte do que ele já tinha rezado em toda sua vida
para que ele não precisasse dos serviços do pastor.
Dallas retornou à cabana com Austin. Eles teriam se revezado se Amélia tivesse
deixado. Mas agora eles simplesmente se sentavam nas sombras e ficavam
preocupados.
Doía. Doía muito ver o irmão deitado tão quieto como se estivesse
simplesmente esperando a chegada da morte. Doía assistir Amelia sobre Houston,
enxugando o suor de sua testa, sua garganta, seu peito, conversando com ele
constantemente, suavemente, muito suavemente. Sempre conversando com ele
sobre seus cavalos, seu sonho de criá-los, e como ela não queria ser parte de um
sonho que tinha morrido.
Amelia Carson era tudo o que Dallas queria em uma esposa. Uma sobrevivente,
alguém que gostava de como o Sul tinha sido, uma vontade de alcançar o futuro. Ela
estava cheia de determinação, coragem e tinha um espírito indomável.
Ele achava que nunca esqueceria o modo como ela tinha olhado para Houston
durante a perseguição: destemida, brava, apavorada. Ou a profundidade do
desespero que ele viu refletida em seus olhos quando ela se ajoelhou ao lado dele e
tentou fazer seu sangue parar de derramar pelo chão.
Dallas ficou de pé, se esticou tentando tirar a dor e a tensão das costas, e
caminhou para o forno. Ele pegou uma tigela de madeira do armário, se curvou e
colocou o cozido no pote. A casa de Houston era tão simples quanto um homem
poderia fazer: uma mesa com uma cadeira, uma cama, um guarda-roupa, uma
cômoda, uma mesa de cabeceira e uma pilha de livros. Nenhum espelho. Nenhum
maldito espelho.
Endireitando o corpo, ele deu uma olhada rápida por sobre o ombro de Austin,
que estava sentado na mesa desde que Dallas tinha confiscado a cadeira. Ele ficava
surpreso pelos cotovelos dele não fazerem buracos nas coxas. Ele olhava como se
estivesse esperando a punição de um carrasco. “Você quer verificar os cavalos?”.
Austin ficou de pé e levou a cabeça para cima e para baixo. “Sim, senhor”. Ele
foi em direção à porta.
Dallas cruzou o quarto e se ajoelhou ao lado da cama. “Você precisa comer”.
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Amelia deu a ele um sorriso fraco. “Eu não consigo abaixar a febre dele. Onde
está o doutor?”.
“Eu enviei meus homens para achar um. É tão difícil achar um doutor quanto
uma esposa”. Ele colocou um pouco de cozido na colher e a ergueu. “Vamos. Coma
por mim”.
“Eu não estou com fome”.
“Então coma por ele”. Ele balançou a cabeça em direção a Houston. ‘“Você não
fará bem a ele se ficar doente”.
Ela abriu a boca, e ele deu o cozido a ela. Lambendo os lábios, ela pegou a tigela
dele. “Acho que estou com fome afinal”.
Ele a observou comer, esta mulher com quem ele tinha casado, esta mulher que
não era completamente sua esposa. Ela tinha sido tão arredia quanto uma potranca
recém-nascida na noite da lua-de-mel. Ele decidiu levá-la para um passeio,
desejando fazê-la relaxar. Em vez disso, ele a perdeu.
Ou talvez ele só tivesse falhado em reconhecer que nunca a teria.
Semanas passadas quando ele tinha se confrontado com Houston, ele tinha
ficado seguro de que Houston não sentia nada além de luxúria por Amelia. Ele tinha
fechado a mente à possibilidade de que Houston pudesse estar profundamente
apaixonada por Amelia.
Que ela poderia ter se apaixonado profundamente por Houston.
Ele tinha medido o amor dela com aquilo que ele sabia sobre o amor... nada. Ele
entendia lealdade, honra, e o valor de se manter a palavra.
Apesar de seus sentimentos por ela, Houston não a tinha reivindicado. Por
alguma razão, ele tinha mantido silêncio enquanto ela e Dallas trocavam os votos. E
com seu silêncio, ele abandonou Amelia e deu seu voto de que a deixaria em paz.
Amelia deu a tigela vazia de volta para Dallas, a testa enrugada tão
profundamente que ele pensava que seu rosto refletia a tensão dos dias passados.
“Obrigado”.
Ele se levantou. “Vou sair para pegar algum ar fresco. Grite se você precisar de
mim”.
Ele colocou a tigela na mesa, cruzou o quarto, abriu a porta, e saiu para a noite.
Ele nunca tinha se sentido tão incrivelmente inútil. A única vez foi quando Houston
tinha ficado ferido durante a guerra, Dallas podia tomar alguma atitude, fazer algo.
Ele curvou a cabeça. Por treze anos ele tinha lutado contra a culpa, nunca
sabendo se sua decisão naquela noite fatídica tinha sido a certa. Todas as vezes que
ele olhava para Houston, ele se lembrava das ações que tinha tomado e se
questionava sobre seus motivos para tais atos.
Dallas sempre supôs que Houston era tímido por causa de sua deformação, que
ele tinha se distanciado de Dallas porque Dallas tinha mantido sua palavra. Não o
tinha deixado morrer.
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Agora, ele se perguntava se o demônio que tinha forçado Houston a sair do
cavalo e enfrentar sozinho aqueles bandidos também eram os responsáveis por ele
preferir a solidão acima da companhia dos outros.
Dallas tirou do bolso o relógio que Amelia tinha dado a ele, o segurou próximo
à orelha, e o agitou vigorosamente. Ele podia ouvir a água do lado de dentro. Ele
não podia reparar a perda do afeto dela, ele não podia forçar Houston a reivindicá-
la, mas ele podia fazer de tudo ao seu alcance para amá-la como ela deveria ser
amada.
Lá no fundo, o estômago de Dallas se contorcia com seus pensamentos. Ele
caminhou para a extremidade da varanda e deu uma olhada rápida para os lados da
casa.
Austin se sentou no chão, os braços dobrados em cima dos joelhos, a cabeça
descansando sobre os braços, os ombros se agitando com a força de seu pesar.
Dallas nunca tinha visto um homem chorar. Seu pai o tinha levado a acreditar
que lágrimas eram coisas de mulheres, certamente não era algo que um homem
deixaria deslizar pelo rosto. Desajeitado e fora de seus domínios, ele abordou
Austin. “Austin?”
Austin empurrou a cabeça para trás. No luar, Dallas podia ver lágrimas fluindo
ao longo das bochechas dele, se juntando ao redor sua boca.
“Houston vai morrer, não é?”.
Dallas se agachou. “Eu duvido. Ele não gosta de ficar mal com Amelia, e ele
certamente ficaria se morresse”.
Com força, Austin esfregou a mão embaixo do nariz. “É minha culpa”.
“Não pense assim”.
Austin ficou de pé. “Mas é verdade. Se você examinar aqueles cavalos que
pegou, você achará o garanhão de Houston. Eles o roubaram de mim”.
Dallas lentamente ficou de pé. “Mas você disse—”.
“Eu menti! Eles levaram o animal e eu tive vergonha por ter deixado eles
fazerem isto porque eu não tentei parar eles e tomar o cavalo de volta. Se eu tivesse
falado a verdade—”.
“Pare!” Dallas rugiu. “Pare com isto. Você não sabe o que teria acontecido se
você tivesse dito a verdade. Poderia ter feito nenhuma diferença”. Ele levantou uma
mão para parar o protesto do irmão. “Eu não vou dizer que você deveria ter
mentido. Por Deus, você deveria ter dito a verdade para a gente. Mas você não pode
deixar que o que aconteceu corroa você. Está feito”. Ele girou a mão pelo ar. “Está
feito”.
Assim como o casamento dele com Amelia. Estava feito.
Austin fungou. “Você não devia me castigar ou algo assim?”.
Dallas agitou a cabeça. “Você é quase um homem agora. Nenhum homem vai
fazer tudo certo na vida. Um homem que se cerca de seus enganos é destinado a ter
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uma vida miserável. Aprenda que você se tornou um homem melhor por causa
disto”.
Austin endireitou os ombros. “Eu irei. Eu não decepcionarei você ou Houston
na mão novamente”.
“Ótimo. Agora cuide dos cavalos”.
“Sim, senhor”.
“Dallas!”.
O grito de Amelia levou Dallas para dentro da casa, abrindo a porta com tudo,
Austin via logo atrás. O coração dele bateu forte contra as costelas com o pânico
refletido nos olhos de Amelia.
“Houston começou a se bater, pedindo você. Ele vai abrir o ferimento”.
“Mas que droga. Austin, vá buscar uma corda”. Ele andou a passos largos para
a cama e agarrou Houston que batia os braços. “Por Deus, fique quieto”.
Houston o puxou pela camisa, puxando-o. “Dallas, eu estou assustado”.
Dallas teria jurado que estava encontrando o olhar de um menino de quinze
anos de idade. “Não fique,” ele disse rouco. “Eu não deixarei nada acontecer a
você”.
“Promete?”.
Dallas engoliu em seco. “Dou a minha palavra”.
Houston soltou sua roupa e afundou de volta para o esquecimento.
Austin entrou como um furacão. “Eu consegui a corda”.
“Nós não precisamos disto agora,” Dallas disse tranquilamente. Ele ergueu o
olhar para Amelia.
“Você dois estavam de volta na guerra,” ela disse suavemente.
“A noite em que ele se feriu. Você acha que ele pediria minha palavra se
soubesse que eu ao cumpri-la eu o condenaria à vida que ele tem levado todos estes
anos?”.
“Você devia perguntar a ele. Você ficaria surpreso com o que ele pensa”.
“É melhor que eu não saiba”.

Era quase meia-noite quando Amelia agitou o ombro de Dallas para despertá-
lo. “Ele está tremendo, e eu não acho mais cobertores”.
Dallas olhou em direção à cama. Tremendo? Houston estava tremendo como se
alguém o tivesse lançado em um rio glacial. “Droga, ele não tem uma porcaria de
cobertor por aqui”.
Ele saltou da cadeira e cutucou o pé de Austin. Desorientado, Austin abriu os
olhos e olhou fixamente para ele.
‘“Monte até em casa e junte todos os cobertores que puder. Eu pegarei alguma
madeira, farei fogo, vamos aquecer ele”.
Ele seguiu Austin até o lado de fora e se dirigiu à pilha de madeira. Graças a
191
Deus Houston tinha madeira. O modo de vida Espartano estava começando a cansá-
lo.
Ele juntou nos braços o máximo de madeira que podia levar e voltou para a
casa como uma tempestade. Ele empurrou a porta, foi para o lado de dentro, e
parou bruscamente.
Houston não estava mais tremendo. Ele estava perfeitamente quieto, seu rosto
refletia satisfação.
Ele não mais precisava de fogo ou de cobertores para se aquecer. Amelia estava
enrolada ao seu lado, adormecida, dando a ele todo o calor que precisava.

Amelia despertou encharcada de suor, o suor de Houston. Um cobertor tinha


sido colocado ao redor dela. Erguendo a cabeça, ela varreu o quarto até achar Dallas
que se sentava nas sombras ao lado da cama.
“Ele e-estava f-frio,” ela gaguejou. “Eu não conseguia fazer ele parar de
tremer”.
“Eu sei”.
Ela colocou o cobertor de lado e saiu da cama. “Eu acho que a febre dele
baixou”.
“Bom. Eu vou pegar água fresca. Ele acordará com sede”.
Ignorando seu próprio desconforto, Amelia começou a enxugar o suor no corpo
de Houston. Ate que ele agarrou o pulso dela e fez com que ela percebesse que ele
estava acordado. Ela sorriu suavemente. “Você nos deu um baita susto”.
“Dallas?”.
“Ele está bem”.
“Cavalos?”.
“Austin tem cuidado deles”.
Ela o viu lamber os lábios. “Deixe-me pegar água para você”.
Ele ligeiramente movimentou a cabeça. Girando, ela tomou a xícara de lata que
Dallas estava segurando, deslizou a mão embaixo da cabeça de Houston, e tocou a
xícara em seus lábios. “Beba devagar,” ela ordenou. Embora em seu estado
debilitado, ela não sabia se ele tinha outra escolha.
Quando ele bebeu toda a água, ela colocou a xícara de lado e pegou a mão dele.
O pomo de Adão foi para cima e para baixo. “Eu posso sentir seu cheiro,” ele
gemeu.
Ela passou os dedos junto à sobrancelha dele. “Austin trouxe os cobertores da
minha cama”.
“O que você usa que te faz cheirar tão doce?”.
“Magnólias. Elas cresciam em nossa plantação”.
Um canto da boca de Houston se entortou para cima. “Maggie. Esse é um bom
nome para uma menina. Dê a sua filha o nome de Maggie”. Os olhos dele se
192
fecharam.
“Eu irei,” ela sussurrou com uma voz que ia sumindo.
Ela sentiu uma mão forte com dedos longos descansar em seu ombro. Ela deu
uma olhada rápida para Dallas. Ele a tocou ligeiramente e apertou seu pescoço. Ela
esfregou sua bochecha contra a mão crespa dele. “Eu acho que o pior já passou,” ela
disse.
“Ele ficará fraco durante algum tempo e provavelmente selvagem como um
urso. Eu estou cansado de ser inútil. Eu preciso voltar para o rancho e cuidar dos
negócios”.
Ela se levantou da cama. “Você não foi inútil. Eu não conseguiria sem você e
Austin”.
Ele tocou a bochecha dela. “Eu acho que você teria se saído bem. Se você quiser
ficar aqui até que ele recupere a força, eu virei de vez em quando para dar uma
checada”.
“Eu gostaria de fazer isto, se você não se importar”.
Ele deu um selinho na testa dela. “Faça com que ele fique forte o suficiente para
realizar os sonhos que tem. Eu até então não sabia que ele tinha algum”.

Houston ficou deitado na cama por dois longos dias tentando recuperar força o
suficiente para que pudesse rastejar até a mesa. Ele desejava a Deus que nunca
tivesse dito a Amelia que a amava antes de pular do cavalo, mas no momento ele
tinha achado seguro revelar o que havia em coração porque ele não achava que
haveria uma mínima chance de sobreviver.
Ele pedia a Deus para que ficasse de boca fechada enquanto Amelia o barbeava
sem olhar para ele e o alimentava sem fazer uma maldita pergunta.
Ele desejava se manter em silêncio todas as noites quando ela arrumava em
silêncio a cama em que ia dormir. Ela colocaria seu espelho de mão contra uma
tigela na mesa, separaria as mechas da trança, e lentamente escovava o cabelo até
que ele brilhava como a luz do fogo da lareira. Ela juntava as mechas, então
verificava a chama do lampião, e com nada além de um “durma bem,” ela se
retirava para a noite... deitando em um catre no chão.
Ele a assistia horas após a meia-noite e escutava seu suave respirar. Ele a queria
em sua cama, ao lado dele, em seus braços.
Mas ele tinha desistido do direito de segurá-la novamente—para sempre.
Porque ele tinha medo. Como sempre, ele tinha medo.
E agora ela o odiava. Pela covardia que ele tinha mostrado treze anos antes
quando era um menino, e também pela covardia que ele tinha mostrado agora,
como um homem.
Ignorando a dor no ombro e a debilidade dos joelhos, Houston tinha rastejado
para fora da cama e pegado as roupas que Amelia tinha deixado na mesa. Ele
193
colocou a calça comprida e atrapalhadamente tentava abotoar a camisa quando ela
andou pela casa, trazendo um balde com água. Ela deixou o balde no chão,
caminhou através do quarto, botou as mãos dele de lado, e abotoou a camisa.
“Você nunca mais vai olhar para mim ou conversar comigo de novo?”, ele
perguntou.
“É mais difícil agora. Eu desejava que você não tivesse dito o que disse antes de
saltar do cavalo”.
“Sim, também acho, mas eu não acho que um homem deve morrer sem já ter
dito essas palavras”.
“Então foi só porque eu estava lá que você falou as palavras para mim. Poderia
ter sido qualquer mulher,” ela disse suavemente, encontrando o olhar dele pelo
instante do crepitar de uma chama.
Ele deslizou o dedo embaixo do queixo dela e balançou seu rosto. “Não. Eu
estava com medo de não conseguir parar os homens e você morrer sem saber que eu
te amei”.
Ela levantou os punhos, lágrimas brotando dos olhos.
“Que droga. Que droga você dizer isso para mim agora, quando já é muito
tarde”.
“Sempre foi muito tarde para nós, Amelia. Você estava comprometida com
Dallas. Ele não é um homem que desiste do que lhe pertence”.
“O que pertence a ele? Você acha que se eu erguer minha saia, você achará a
marca dele no meu traseiro? Eu não sou uma posse, Houston. Eu não sou algo para
ser possuído”.
“Você é sua esposa”.
“Sim, agora eu sou sua esposa. E você sabe o que eu descobri? Que você mentiu
para mim. Você disse para mim que as minhas necessidades eram luxúria. Eu não
negarei que uma parte era verdade, mas a maior parte das minhas necessidades
vem do amor que eu sinto por você. Eu não sinto aquelas necessidades quando
Dallas me toca. Eu me sinto vazia”.
Suas palavras o rasgaram por dentro. Ele conhecia o sentimento de vazio de
estar com uma pessoa que você não ama. Ele achava que Dallas teria o poder de
manter esse vazio à distância dela.
Ela de repente riu tristemente. “Por outro lado, eu suponho que deva ficar
agradecida. Eu teria odiado ficar casada com um homem tão vaidoso quanto você”.
“Vaidoso? Você acha que eu sou vaidoso?”.
Ela se virou, girando a mão como um círculo. “Você não tem um único espelho
nesta casa inteira. Você esconde seu rosto embaixo das sombras do seu chapéu”.
“Você acha que eu não tenho espelhos por causa disto?”, ele perguntou,
abaixando a mão até o lado esquerdo do rosto.
Ela concordou com a cabeça, o movimento aos arrancos.
194
Ele apontou para o seu olho direito. ‘“É este que eu não quero ver. Quando eu
encontro o meu olhar, vejo o homem que vive aqui dentro”. Ele bate contra o peito e
faz careta com a dor que vem do ombro baleado. “O que está aqui dentro é mais feio
do que qualquer coisa que você esteja vendo agora”.
“Você não conhece o homem que vive dentro de você,” ela disse furiosamente.
“Você só conhece o menino, o menino de quinze anos de idade que fugiu. Você não
o deixa ir; você não o deixa crescer! Você se vê como um covarde porque você não
olha seu reflexo no espelho. Você não vê o homem que se tornou, você só vê o
menino que era. Você saltou daquele cavalo porque achava que tinha algo a
provar—”.
“Eu saltei daquele cavalo porque eu estava com medo. Com medo de que
Dallas não conseguisse parar aqueles homens, medo de que você fosse morta. Todas
as decisões que eu tomo são baseadas no medo. O pensamento de ver você morrer
me assustava mais do que o pensamento de que eu poderia morrer. Foi por isso que
eu saltei. Eu sempre pego o caminho covarde”.
Ela agitou a cabeça tristemente. “O caminho covarde. Você me segurou em uma
tempestade que poderia ter facilmente matado nós dois; Nós lutamos contra um rio
furioso; Nós capturamos cavalos selvagens—”.
“Eu não teria feito nenhuma dessas coisas se você não estivesse comigo”.
“Sim, você teria. Porque esse é o homem que você se tornou. Você só não se
conhece tanto quanto eu te conheço. Se arrisque, olhe no espelho algum dia, e veja o
homem que eu aprendi a amar”.
A porta abriu. Amelia saltou para trás, as lágrimas escorrendo pelas bochechas.
Houston encontrou o olhar de Dallas enquanto ele caminhava pela casa, Austin o
seguindo.
“Você está fora da cama,” Dallas disse, seu olhar indo de Houston a Amelia.
Houston concordou com a cabeça, procurando sua voz. “Sim, eu me sinto mais
forte”.
“Então você não se importará se eu levar Amelia para casa”.
“Não, não, eu não me importo. Ela é sua esposa. Você devia levá-la para casa”.
“Então eu farei”, ele estendeu a mão.
Amelia deslizou a mão até a de Dallas, e Houston sentiu como se um rebanho
de cavalos selvagens tivesse passado por cima de seu coração.
Quando a dupla saiu fechando a porta, Houston afundou na cama.
“Você tem certeza de que está se sentindo bem?”, Austin perguntou.
“Sim”.
Austin arrastou a cadeira pelo chão, girou-a e se sentou, cruzando os braços na
parte de trás. “Eu devo desculpas a você pelo Trovão Negro”.
“Nós já discutimos sobre isto. Nós conseguiremos um novo garanhão na
primavera”.
195
Austin agitou a cabeça. “Você não deve ter olhado direito para aqueles cavalos
no desfiladeiro, os que aqueles ladrões tinham roubado”.
“Não, eu estava só pensando em Amelia e como tirar ela de lá”.
“O Trovão Negro estava lá. Dallas o devolveu. Eu o coloquei no cercado”.
Houston esfregou o ombro, a dor se intensificando. “O que você quer dizer que
ele estava lá e agora está aqui? Você atirou nele”.
“Não, eu menti”.
Houston olhou fixamente para seu irmão, perguntando-se quando ele tinha
deixado de ser um menino. Austin respirou fundo.
“Os ladrões me pegaram de surpresa e roubaram o Trovão Negro. Eu tinha
vergonha de dizer que não tinha tentado parar eles. Não importava que havia seis
deles e que eu estava só e com apenas uma arma de fogo. Eu não fiz nada. Eu
achava que iria desapontar você. Achava que você nunca mais confiaria em mim se
soubesse o que aconteceu. Então eu menti. E porque eu menti, você levou um tiro”.
“Eu não levei um tiro porque você mentiu—”.
“Se eu tivesse dito a verdade, você os teria seguido. Eles nunca teriam levado
Amelia”.
“Nós não temos como ter certeza disso. Você não pode ficar pensando no que
poderia ter acontecido”.
“Dallas disse a mesma coisa, mas eu precisava ouvir de você”.
“Bem, agora que ouviu, pegue o Trovão Negro e volte para o rancho”.
“Levar o Trovão Negro?”.
“Sim, ele é seu. Eu gostaria de pegar ele emprestado de vez em quando, claro,
mas ele pertence a você”.
“Por quê?”.
Houston se debruçou para frente. “Porque eu não quero que você fique
pensando o resto da vida que eu o culpo pelo que aconteceu. Não foi sua culpa”.
Austin riu. “Você não tem que me dar o cavalo. Dallas disse a mim que um
homem que se cerca de seus remorsos vive uma vida miserável. Eu tenho um sonho
que quero agarrar com as minhas mãos. Eu não quero viver cercado de remorsos”.
“De qualquer maneira, fique com o cavalo”.
Austin ficou de pé. “Certo, eu irei”. Ele caminhou para a porta e parou, a mão
sobre a maçaneta. Ele olhou para trás por cima do ombro. “Aquela mulher que você
ama... eu conheço?”.
Houston se forçou a encontrar o olhar do irmão. O menino só conhecia uma
mulher, se ele não contasse com as prostitutas dos Apartamentos Empoeirados.
“Sim, você conhece”.
“Ela nunca deixou seu lado, nem por um minuto”.
“Ela não deveria ter feito isso”.
“Bem, eu não entendo muito desses assuntos, mas se eu tivesse uma mulher
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que me amasse tanto quanto essa mulher te ama... eu rastejaria pelo inferno só para
ficar ao lado dela”.

Capítulo Vinte

Houston se sentou na mesa, correndo os dedos de um lado para outro em cima


do pano que Amelia tinha bordado para Dallas, um presente que ele tinha guardado
para si.
Ele tinha tentado dormir depois que Austin tinha partido, mas Amelia estava
ainda aqui com ele. Ele podia sentir seu cheiro doce de magnólia, o odor enchendo a
casa, enchendo a cama.
Ele se perguntava quanto tempo demoraria para que a fragrância
enfraquecesse, antes que ele ficasse igual a Cookie, vivendo de memórias até que
eles se tornassem tão usadas com os anos e fossem descartadas como algo de
segunda-mão. Houston já tinha gastado treze anos cercado de remorsos de sua
mocidade. Ele tinha a vida toda pela frente para se debater com seus remorsos mais
recentes.
Fosse intencional ou não, ela tinha deixado seu espelho na mesa, o lado do
vidro virado para baixo.
Ele a podia ver tão claramente segurando o espelho, sorrindo com o reflexo. Um
gesto tão simples, um passo tão difícil para se dar depois de todos estes anos. As
águas de uma lagoa sempre dão uma imagem distorcida, sem profundidade, sem
claridade.
Um espelho daria um reflexo claro e, se ele olhasse profundo o suficiente, se
arrastaria de volta do passado. Se ele olhasse por tempo suficiente, talvez ele ficasse
livre.
A boca de Houston foi ficando seca enquanto ele desviava o olhar entre o
espelho e as flores que ela tinha costurado com pontos delicados e linha rosa.
Com a mão trêmula, ele envolveu o cabo do espelho, o ergueu na mesa, e o
segurou diante dele.

Na luz desvanecida da noite, Amelia estava de pé na sacada com a manta mais


próxima do corpo. Em algum lugar, lá fora, onde o vento soprava livre e os cavalos
selvagens viviam em liberdade, vivia um homem com o coração de um menino de
quinze anos de idade.
Por Deus, como a mãe de Houston tinha deixado que seu marido levasse os
filhos para a guerra? Como alguma mulher deixava o filho sair para guerrear,
independente da idade?
A guerra tinha levado tantos meninos, até aqueles que ela não matou. Ela se
197
perguntava como teria sido diferente a jornada de Houston se ele não tivesse
marchado em um campo da batalha antes de ter se barbeado pela primeira vez.
Os cabelos da nuca se arrepiaram com a brisa fresca que passou. Ela ouviu um
movimento e se virou para ver Dallas contra a parede, estudando-a, um olhar
intenso, penetrante.
Ele precisou de apenas um passo para acabar a distância entre eles. Ele tocou os
nós dos dedos em sua bochecha, e ela não conseguiu deixar de enrijecer. A mão dele
pendeu para o lado. “Eu nunca forcei uma mulher. E não farei isso com a minha
esposa”.
Tocando a mão dele, ela colocou a dela por cima e mexeu a cabeça ligeiramente.
“Você não terá que me forçar”.
Ele chegou mais perto até que apenas um sussurro separava seus corpos. “Você
ama Houston?”.
“Eu sou sua esposa”.
“Eu se de quem você é esposa. Estou perguntando se você ama Houston”.
As lágrimas inundaram os olhos dela. Ela os apertou, lutando contra um rio de
emoções. “Uma vez”. Ela abriu os olhos e encontrou o olhar dele.
“Por que você se casou comigo?”.
Ela respirou fundo. “Eu não tinha nada na Georgia. Nenhuma casa, nenhuma
família. Você ofereceu a mim uma chance de ter uma casa, uma família, e um
sonho”.
“Em outras palavras, eu te pedi e Houston não”.
Ela deu a ele um sorriso trêmulo. “Você pediu. Ele não”.
Ele abriu os braços. Com uma aceitação muda, ela deitou a cabeça contra o peito
dele enquanto ele a envolvia em um abraço forte. Ela gostava dele. Ela se importava
com ele. Talvez, com o tempo, seu coração batesse mais rápido quando ele estivesse
perto, sua pele formigaria quando ele a tocasse, e seus dedões do pé se contorceriam
quando ele a beijasse.
Ele deslizou o dedo embaixo do queixo dela, embalou o rosto, e levou os lábios
de encontro aos dela enquanto a erguia nos braços e a levava para o quarto.
A boca morna de Dallas cobriu a dela enquanto ela afundava na cama. Seu beijo
era... bom. A mão dele tocou o peito dela. Bom. Ele gemeu e deitou o corpo por
sobre o dela. Esguio, forte... bom.
A porta se abriu com força e bateu contra a parede. Dallas saiu de cima dela
com a rapidez de uma bala. Ele tirou o revólver do cinto que estava na cabeceira e
mirou a porta, a respiração pesada. “O que foi isto?”.
Amelia encostou-se na cabeceira da cama, a mão em cima do coração que batia
rápido, a respiração presa na garganta.
Ela olhou com esforço para Dallas. Houston permanecia na entrada, as pernas
bem abertas. Ele olhou fixamente para o irmão. “Eu preciso conversar com você”.
198
Dallas deslizou a arma de fogo até o cinto e colocou a mão em torno do suporte,
as juntas dos dedos ficando brancas enquanto ele encarava o irmão. “Não pode
esperar até manhã?”.
“Não”. Houston olhou para Amelia, e então para Dallas. “Não, não pode”.
Dallas passou os dedos pelo cabelo e deu uma olhada rápida para Amelia.
“Você me dá licença?”.
Ela pôde apenas dar um pequeno aceno com a cabeça.

Dallas ficou de pé diante da janela de seu escritório, o uísque que ele tinha
colocado, esquecido enquanto ele assistia a mulher em pé ao lado do curral que
Austin tinha feito os homens reconstruir. Dallas sabia que ela escaparia da casa e
iria para o curral. Ele se perguntava quanto tempo demoraria até que ele a
conhecesse como Houston conhecia. A Palomino a abordou, cutucou seu braço, e ela
apertou o rosto contra o pescoço da égua.
Ele podia ouvir Houston andando atrás dele. Para um homem que queria
conversar tão desesperadamente, ele de repente tinha ficado misteriosamente
quieto.
Dallas girou e, pela primeira vez em anos, não vacilou quando encontrou o
olhar do irmão. “Você devia se sentar antes que caia”.
Houston parou e se segurou na parte de trás de uma cadeira. “Eu consigo ficar
de pé”.
“Você quer conversar?”.
Houston concordou com a cabeça, os dedos apertando o couro da cadeira. “Eu
estou apaixonado por Amelia”.
“E quando você decidiu isto?”.
“Foi em algum lugar entre Fort Worth e aqui”.
Dallas andou a passos largos através do quarto e lançou o copo de uísque na
lareira. O barulho do vidro quebrando não melhorou em nada seu humor. “Que
diabos, então nós temos uma situação muito complicada aqui”. Ele se virou. “Por
que em nome do Deus você não disse algo antes que nós estivéssemos casados?”.
“Porque eu achei que ela merecia algo melhor do que um covarde”.
Dallas sentia como se Houston tivesse acabado de dar um soco na boca do
estômago dele. “O quê?”.
“Ela tem mais coragem no dedo mindinho do que eu tenho no corpo inteiro. Eu
acreditava que ela não merecia alguém que foge da própria sombra”.
“Do que você está falando?”.
Houston atravessou o quarto e bateu uma mão na escrivaninha. “O quê? Após
todos estes anos, você quer que eu diga na sua cara o que você sabe lá no fundo? Eu
sou um covarde. Um ser desprezível, uma porcaria de homem. Você sabe disto, eu
sei também. É por isso que você não tem estômago para olhar para mim. Se eu
199
pudesse desfazer o que eu fiz, eu faria. Mas eu não posso. Deus sabe que toda noite
quando vou dormir, tento reviver aquele dia, desejando que eu tivesse feito o que
deveria ter feito, mas quando eu acordo o passado permanece como era”.
“Você soa como o nosso pai”.
Houston sentou na cadeira, fechou o olho e esfregou a testa. “Eu não espero que
você me perdoe por ter matado ele. Maldição, eu não me perdoei”.
“Você acha que eu te culpo pela morte do nosso pai?”.
Houston ergueu o olhar desesperado. “Creio que é por isso que você não
suporta olhar para mim. Porque você sabe que eu o matei. Se eu tivesse alguma
firmeza, eu teria me virado, e saído das suas vistas—”.
“Oh, Deus”. Dallas afundou na cadeira e afundou o rosto nas mãos. “Oh, meu
Deus”. Então ele lançou um olhar de volta e riu, uma risada seca. “Eu achava que
você evitava me olhar porque você lamentava o que eu tinha feito”.
“O que diabos você fez?”.
“Eu brinquei de ser Deus”.

A noite que seguia uma batalha era sempre a pior. Os gritos dos homens feridos
ecoando pela escuridão, o fedor de sangue espesso no ar.
Dallas andou por cima de um cadáver e se ajoelhou ao lado de um jovem
soldado que estava segurando nada menos do que o tronco de seu melhor amigo.
“Jimmy?”.
Jimmy olhou para ele sem expressão. “Não consegui achar as pernas. Ele iria
odiar ser enterrado sem as pernas”.
“Eu ajudarei você a procurar as pernas dele depois que eu achar Houston. Você
viu ele?”.
Jimmy enxugou as lágrimas com a mão ensangüentada antes de apontar com o
dedo. “Eles estão colocando os mortos lá em cima”.
Empilhados como troncos de madeira, um corpo em cima do outro. Dallas tinha
achado o pai lá, mas ele não podia pensar sobre isso agora, ele tinha que ignorar a
dor que esfaqueava seu coração.
“Houston não está lá”.
“Você verificou a barraca do hospital?”
“Sim, ele não estava lá, em nenhum dos dois”.
Jimmy apontou para um outro local. “Eles deixam os agonizantes ali”.
O estômago de Dallas se apertou, seu queixo formigou. Deus, ele queria
vomitar, mas não aqui, não na frente de um soldado. Ele colocou a mão no ombro
do jovem. “Nós vamos arrasar os Yankees amanhã”.
Ele lutou para ficar de pé e andou entre os mortos que ainda tinham que ser
removidos, até que o gemido começou a ficar mais alto. Tantos homens na clareira.
Ele poderia nunca ter encontrado Houston não fosse ele ter visto o tambor.
200
Ele se ajoelhou ao lado do irmão. Houston estava ensangüentado, deitado tão
quieto, tão pálido ao luar. Dallas tirou o tambor de perto do irmão e o lançou com
toda sua força e raiva em um arbusto perto. Ele deslizou os braços embaixo de
Houston e lutou para conseguir ficar de pé. Ele ignorou os pedidos de água dos
homens, ignorando os pedidos de ajuda enquanto ele se dirigia em direção à barraca
do hospital.
Nenhuma luz ardia do lado de dentro. Usando o ombro, ele cutucou a ponta da
barraca. O luar se derramava no interior. Ele julgou a distância até a mesa,
caminhou para o lado de dentro, e deitou o irmão na mesa na escuridão enquanto a
ponta da barraca caía atrás dele.
Houston não fazia nenhum som. Dallas foi do lado de fora e depressa retornou
com um lampião. Ele o pendurou em uma viga e estudou seu irmão através da
névoa dourada. Houston estava com a respiração fraca, o peito sangrento mexendo
um pouco apenas quando ele tentava respirar. A raiva inflou dentro de Dallas, e ele
saiu da barraca como um furacão.
Ele correu através do recinto, e sem formalidade, adentrou a barraca do médico.
“Dr. Barnes, eu achei um homem que precisa ser atendido”. Ele agitou o homem
dormente. “Eu achei um homem que precisa ser atendido!”
O doutor abriu os olhos e deu um suspiro cansado. Ele ainda estava vestido,
sangue salpicado em suas roupas. Sentando, ele colocou os pés no chão. “Onde está
ele?”.
“Na barraca do hospital. Nós precisamos nos apressar”.
Dr. Barnes esfregou o rosto antes de ficar de pé. “Vamos”.
Ele não caminhou rápido o suficiente para ajustar seu passo com o de Dallas,
mas pelo menos ele estava indo. Dallas levantou de novo a ponta da barraca e se
apressou indo até o lado do irmão. Houston não se movia, mas ainda estava
respirando. Dr. Barnes se moveu ao redor da mesa.
“Oh, céus”.
“Eu preciso que você o trate”, Dallas disse.
Dr. Barnes ergueu os olhos cansados. “Filho, é melhor que ele morra”.
“Eu dei a minha palavra a ele que não o deixaria morrer”.
Dr. Barnes balançou a cabeça, remorso enchia seus olhos. “Eu gastei meu tempo
para salvar homens com ferimentos faciais como esses, só para que eles se matassem
quando ficassem fortes novamente. Aqueles que não se matam acabam vivendo
sozinhos, não querem que as pessoas o vejam”. Ele colocou a mão na testa de
Houston. “Eu não estarei fazendo um favor a ele se fechar seus outros ferimentos.
Meu tempo seria melhor gasto se eu dormisse para que assim tenha forças para
salvar aqueles que ainda valem a pena serem salvos amanhã”.
Dallas puxou o revólver do cinto.
“Eu dei a ele a minha palavra de que não o deixaria morrer. Eu nunca volto
201
atrás com a minha palavra”. Ele colocou a arma de fogo no centro do peito do
médico. “Eu estou dando a você a minha palavra de que se ele morrer, você fará
companhia a ele no céu”.
“Não faça isto, filho”.
“Eu não sou seu filho”.
“Eu sei que é duro deixar aqueles que nós amamos ir embora, especialmente
quando eles são tão jovens, mas eu dou a você a minha palavra de que a morte é o
melhor para ele”.
“Eu não estou interessado na sua palavra. Eu só estou interessado na minha.
Agora, conserte ele”.
Resignado, o doutor suspirou, pegou atrás de si um par de tesouras e começou
a cortar a jaqueta cinza de Houston. Estoicamente, Dallas permaneceu e assistiu ao
doutor trabalhado. Duas horas. Duas longas e torturantes horas ele olhou fixamente
para a carne mutilada do irmão.
“Eu fiz tudo o que podia fazer”, Dr. Barnes disse quando terminou de colocar a
última bandagem ao redor da cabeça de Houston. “Agora é com ele, se vive ou
morre”.
Dallas abaixou a mão que tremia. “Eu aprecio muito o que você fez”.
“Eu garanto a você que ele não apreciará. Daqui a anos quando você olhar para
o rosto dele, você se lembrará da noite em que brincou de ser Deus”.

“Ele estava certo,” Dallas disse com um suspiro pesado. “Eu tive que partir, ir
com a minha companhia, mas quando eu voltei, você não estava sorrindo. Você não
conversava mais comigo. Quando nós estávamos viajando para casa, você se
resguardou, ficando nas sombras quando nós passávamos em uma cidade. Eu achei
que você tinha desejado que eu tivesse te deixado morrer. Quando eu construí a
casa para Amelia, você não quis viver aqui, construiu um lugar só para você.
Acreditava que você não queria ter qualquer relação comigo”.
Houston quase não conseguia falar com as emoções obstruindo sua garganta.
“Eu achei que você não olharia para mim porque você sabia que eu era um covarde.
Eu corri. Se eu não tivesse corrido, nosso pai não teria morrido”.
“Por Deus, Houston, você não tinha nenhuma arma de fogo para se defender,
apenas um tambor. Se um soldado não consegue matar o homem que dá as ordens,
ele faria de tudo ao seu alcance para silenciar o mensageiro. Você era o mensageiro.
Eu disse ao nosso pai que te desse um rifle, mas ele queria alguém que cumprisse as
ordens dele. Você era um menino. Nosso pai não tinha o direito de te alistar. Eu
disse a ele para que não o fizesse, mas ele não me escutava”.
“Você não era muito mais velho”.
“Nem em idade, nem em temperamento. Eu queria ir. Eu queria a glória que
vinha com a guerra. Só que eu descobri que a glória não vem com destruição. Eu
202
achei que encontraria isto aqui, domesticando a terra, construindo um império,
criando um legado que eu pudesse passar para o meu filho”.
O filho de Dallas. A fundação de seu sonho. Dallas tinha salvado a vida de
Houston—duas vezes—e agora Houston estava pedindo para que sacrificasse uma
porção de seu sonho para que ele achasse felicidade. “Isso nos trás de volta a
Amelia,” Houston disse baixinho.
“Sim, trás”. Dallas saiu da escrivaninha e caminhou para a janela.
O peito de Houston doeu mais do que quando tinha levado o tiro da
metralhadora. Ele se levantou e foi para perto do irmão. “Eu devo a você por ter
mantido a palavra e não me ter deixado morrer. O doutor estava errado. Eu nunca
lamentei ter vivido. Só lamentei que nosso pai não tivesse”.
Dallas balançou a cabeça. “Ele não tinha o direito de fazer o que fez com você.
Ele tinha homens para comandar. Seu lugar era com eles. Ele queria te transformar
no homem que achava que você deveria ser. Um campo de batalha não era o lugar
para isto”.
“Você não me culpa mesmo?”
Dallas deu uma olhada rápida para ele. “Foi decisão dele correr atrás de você,
porque ele era estúpido. Eu o amei, Houston. Eu admirei sua força, mas ele não era
perfeito”.
“Eu o amei, também,” Houston disse, pela primeira vez percebendo que
realmente tinha amado o pai. “Eu apenas não consegui ser o que ele queria que eu
fosse”.
“Não há nada de errado nisso. Que Deus me ajude, eu sou o reflexo dele”.
Dallas olhou em direção ao curral para a mulher de pé ao luar que a cercava. Ele não
esperava que ela o amasse. Ele era parecido demais com o pai, um homem difícil de
amar, não verdadeiramente apreciado até que ele se fosse. Ele também não gostava
da idéia de levar para cama uma mulher que ele sabia que estava pensando em
outro. Especialmente se aquele homem fosse Houston.
“Dê a ela o divórcio,” Houston disse. “Eu juro por Deus que não a tocarei
durante um mês, não até que ela tenha a certeza se está ou não carregando um filho
seu”.
Dallas levantou uma sobrancelha. “É altamente improvável que ela esteja
carregando um filho meu, já que nós somos constantemente interrompidos”.
“Então dê a anulação”.
“O que em nome do Deus faz você pensar que ela quer se casar com você? Você
ficou de pé na minha sala de estar e ficou calado. Você não pensa que poderia ter
destruído o coração dela?”.
“Ela tem todo o direito de me odiar, mas pelo menos deixe que eu pergunte a
ela”.
Culpas, enganos, e remorsos tinham dado a Houston treze anos de solidão.
203
Agora, Houston tinha a oportunidade de receber o amor de uma mulher, algo que
Dallas nunca teria. Qualquer mulher podia dar a Dallas o filho que ele queria, mas
só Amelia podia retribuir a Houston seus sorrisos e risos.
“Eu deixarei a decisão com Amelia,” Dallas disse tranquilamente. “Deixe-me
conversar com ela. Se ela quiser a anulação, eu darei. Se ela quiser se casar com
você... eu não farei nada”.

Uma lua cheia graciosamente enchia os céus, de modo leve iluminava Dallas
que se aproximava do curral. Valiant foi para o outro lado, mas a mulher continuou
parada, olhando a escuridão além do curral.
Dallas cruzou os braços por cima da grade. “Esse é um cavalo bonito”.
“Sim, ela é”.
“Houston tem a paciência para trabalha quando o assunto são os cavalos”.
“Sim, ele tem”.
“Você sabe no que eu pensei enquanto estava vindo para cá?”.
Agitando a cabeça, ela deu uma olhada rápida para ele.
“Eu estava pensando na última vez que ouvi Houston rir. Nós tínhamos
nadado no riacho. Eu disse a ele que saísse, e enquanto eu estava me vestindo, ele se
escondeu nas sombras. Quando eu olhei para cima, eu não o podia ver. Eu pensei
que ele tinha se afogado. Ele me fez de bobo, eu entrei na água, procurando por ele.
Ele riu tanto que achei que iria se engasgar”.
Ela sorriu suavemente. “Eu não consigo imaginar isto”.
“Não, eu não acho que você consiga. No dia seguinte, nosso pai foi guerrear e
nos arrastou junto com ele. Eu nunca ouvi Houston rir novamente até a primeira
noite em que você chegou aqui. Quinze anos é muito tempo para um homem ficar
sem rir”.
Ele arrastou o dedo contra a bochecha dela. “Eu não preciso de amor, Amelia,
mas eu acho que você precisa, e se você achar isto com um homem que tem o sonho
de criar cavalos, saiba que você tem a minha bênção”.
Lágrimas brotaram nos olhos dela, e um sorriso trêmulo curvou seus lábios.
“Eu acho que se você tivesse ido até Fort Worth me buscar, eu poderia ter me
apaixonado por você”.
Ele sorriu calorosamente. “Eu acreditaria que o destino conspirou contra a
gente se eu não acreditasse que a gente faz o próprio destino. No meu escritório está
um homem que quer que você faça parte do destino dele. Eu acho que vale a pena
escutar o que ele tem a dizer”.

Houston se sentou na cadeira, os cotovelos nas coxas, seu ombro doía sem dó.
Ele passava o pano de Amelia nos dedos repetidas vezes. Ele conhecia cada laço,
cada babado, cada ponto. Era tudo o que ele teria dela se ela não viesse, e ele tinha o
204
pressentimento de que ela não viria vê-lo.
“Dallas disse que você queria conversar comigo”.
Ele saltou na cadeira com o som de sua voz gentil. Ele dobrou o pedaço de pano
e o colocou no bolso do colete. “Sim, eu quero”. Ele puxou o espelho do outro bolso.
“Você deixou seu espelho na minha mesa”. Ele estendeu em direção a ela.
“Você pode ficar com ele,” ela disse baixinho. “Nós temos muitos espelhos
aqui”.
“Eu ficarei com ele, então”.
“Bom. Eu fico contente”.
Ele nunca tinha sido impetuoso em uma batalha, mas ele percebeu que desta
vez poderia ser a melhor abordagem. “Eu gastei muito tempo estudando o espelho.
A parte de trás é realmente bonita com ouro trabalhado. Levei uma hora para ter
coragem para virar e olhar o outro lado”.
“E o que você viu?”.
“Um homem que te ama mais do que a própria vida”.
Fechando os olhos, ela abaixou o queixo na direção do peito.
“Eu não te culparia se você se me odiasse. Eu não cuidei dos seus sentimentos
como deveria”.
“Eu não odeio você,” ela sussurrou rouca. “Eu tentei, mas não posso”.
“Dallas está disposto a dar a você uma anulação”.
Droga, essas palavras eram tão feias quanto seu rosto, não eram o que ela
merecia. Ele se consideraria o homem mais rico do mundo se possuísse as palavras
que ela queria ouvir, que merecia ouvir. Ele achava que havia uma lágrima
brilhando no canto do olho dela. “Maldição, mulher, olhe para mim”.
Lentamente, ela ergueu a cabeça. A visão das lágrimas que brotavam em seus
olhos o machucava mais do que o ferimento que tinha no ombro.
“Eu tive vários momentos na minha vida quando me senti assustado, mas eu
juro a você que eu nunca tinha me sentido tão assustado quanto eu fiquei agora
mesmo. Eu tenho medo de que você não aceite a oferta de Dallas da anulação... e eu
não terei nada na minha vida além do vazio que estava lá antes de você sair daquele
trem em Fort Worth. Eu não culparia você por querer ficar com ele. Deus sabe que
eu não fiz as coisas certas ao seu lado—” Ele fechou os olhos com força. “Ah, droga,
isto não era o que eu queria dizer”.
Ele deslizou o espelho de volta em seu bolso e afundou na cadeira. Ele nunca
tinha se sentido tão cansado em toda a vida. Ela andou e se ajoelhou ao lado dele.
“Você está sangrando?”.
“Não. Apenas um momento para reunir a minha força”.
“Você não devia ter vindo aqui hoje à noite. Você deveria ter ficado na cama—”.
“Eu não podia. Todas as vezes que eu respirava, sentia seu cheiro”. Ele colocou
a mão ao redor da dela, deu um beijo contra a palma da mão, e manteve o olhar
205
dela. “Eu tenho uma cabana de um quarto, alguns cavalos, e um sonho que é tão
pequeno que não cobrirá a palma da sua mão. Mas certamente parece muito maior
quando você está ao meu lado”.
O luar que fluía pela janela brilhava sobre as lágrimas que desciam pelas
bochechas dela. “Eu sempre quis um sonho que pudesse segurar na palma das
mãos,” ela disse baixinho.
O coração dele bateu mais rápido contra o peito, e todas as coisas que ele temia
foram embora. “Eu quero você ao meu lado até o dia em que eu morra, Amelia. Se
você me quiser... como seu marido”.
Ela sorriu suavemente. “Eu responderei uma pergunta”.
“O quê?”.
Ela levantou uma sobrancelha delicada. “Uma pergunta”.
Ele respirou fundo, tomou as mãos dela, e as trouxe contra os lábios. “Você
quer se casar comigo?”.
“Sim”.
A alegria alagou o coração dele, criando um raio de sol banhado com paixão.
“Eu quero uma conseqüência,” ele disse rouco.
“Beije-me como se você me amasse”.
“Mulher, você não sabe que eu sempre te beijei desse jeito?”.
Sentando-a no colo dele, ele a abraçou e levou sua boca até a dela, beijando-a
ternamente, esta mulher de coragem que logo se tornaria sua esposa.

Capítulo Vinte e um

Eles esperaram até a primavera, quando as flores silvestres formaram um tapete


multicor brilhando por sobre as planícies.
Amelia permanecia ao lado da nascente, escutando o murmúrio da água que
caía nas pedras cobertas de musgo. Seu vestido branco de seda e rendas flutuava
com a brisa, um presente de Houston, um dos muitos que ele tinha trazido de Fort
Worth. Um presente que trazia memórias.
Nos anos que viriam, ela sabia que o tiraria da cômoda de cedro, o olharia com
carinho, e se lembraria dos primeiros dias mais felizes de sua vida.
Ela entrelaçou o braço no de Houston, da mesma maneira que suas vidas para
sempre tinham se juntado. Nenhuma marca seria usada para demonstrar a união
deles. Somente as juras que eles trocavam hoje.
Ela não conseguia tirar os olhos de Houston que estava de pé ao lado dela com
sua jaqueta marrom nova e calça comprida de lã. Ela achava que ele estava mais
próximo de um banqueiro do que de um homem que gastava a maior parte do dia
com cavalos... e como ela tinha desejado, a melhor parte da noite com ela.
206
O tecido do chapéu de aba larga dele a fez sorrir, e ela se perguntou quanto
tempo demoraria para se acabar com velhos hábitos. Em torno da borda, ele usava o
tecido de linho antigo, com flores bordadas delicadas, desbotadas e desgastadas.
Pelos olhos de seu coração, ela sabia que nunca veria um homem mais bonito.
A voz melodiosa do reverendo Tucker ecoou enquanto ele uma vez mais falava
as mesmas palavras que tinha dito no outono passado. Dallas estava solenemente ao
lado dela, e ela se perguntava se ele estaria se lembrando do dia em que ela tinha se
tornado sua esposa ou se ele mentalmente estava projetando o plano da cidade que
queria construir. Ela desejava que ele estivesse pensando na cidade, e que ela o
trouxesse uma esposa.
Austin estava de pé ao lado de Houston, sorrindo amplamente, os olhos azuis
cintilantes competindo em beleza com a lagoa que refletia a luz do sol em suas
águas ondulantes.
“Se alguém sabe de alguma razão pela qual estes dois não deviam se reunir em
sagrado matrimônio, fale agora ou cale-se para sempre”—o Reverendo Tucker
olhou para os três homens durante um piscar de olhos—”e que para sempre seja
assim”.
Amelia prendeu a respiração e esperou. Ela sabia que Dallas tinha o direito de
falar alguma coisa. Uma parte dela ficava triste por não ter dado a ele o filho que ele
desesperadamente desejava; Uma parte de seu coração sempre seria reservada para
as memórias do pouco tempo em que ela tinha sido sua noiva, e então esposa. E o
amor dela por ele cresceria ao longo dos anos como ela imaginava, mas seria como o
amor de uma irmã pelo irmão.
O reverendo Tucker limpou a garganta. Amelia soltou a respiração e repetiu os
votos que tinha dito uma vez antes, com os olhos nunca deixando Houston.
O reverendo Tucker dirigiu sua atenção a Houston. “Repita depois de mim—”.
“Ela já ouviu essas palavras antes,” Houston disse brincalhão. “Ela merece algo
que não seja de segunda-mão. Eu tenho minhas próprias palavras a dizer”.
Levantando uma sobrancelha, o reverendo Tucker riu baixo. “Bem, eu nunca
ouvi minhas palavras serem chamadas de segunda-mão, mas eu suponho que
sejam. Eu não tenho nenhuma objeção que você dê seus próprios votos desde que a
noiva aprove. Amelia?”.
“Eu não tenho nenhuma objeção,” ela disse, com o coração batendo com o ritmo
da queda d’água. Ela acredita que ainda hoje o lugar carrega o som do riso de
Houston junto com o dela, e depois de hoje eles, para sempre, ecoariam junto com
seus votos.
Aproximando-se dela, Houston a segurou pelo cotovelo e a virou, até que ela o
olhasse cara a cara. Ele tirou o chapéu, as sombras revelando o lado esquerdo
escarpado, o lado direito perfeito que juntos formavam o rosto que ela amava.
Ele tomou a mão dela que não estava segurando o buquê de flores silvestres e
207
olhou fixamente para ela, segurando a mão com tanta firmeza que ela achava que
poderia rachar seus ossos. Então o toque ficou gentil. Ele deslizou um anel de ouro
por sobre o dedo dela e ergueu o olhar.
“Eu não sou um homem valente; Eu nunca serei um herói, mas eu amo você
mais do que minha própria vida, e amarei até o dia em que morrer. Com você ao
meu lado eu sou um homem muito melhor do que já fui um dia sozinho. Eu morro
de medo de te desapontar, mas eu não fugirei desta vez. Eu ficarei firme e
enfrentarei o desafio. Vou trabalhar duro para que você não tenha nenhum remorso.
Você disse a mim uma vez que queria compartilhar uma parte dos meus sonhos.
Sem você, Amelia, eu não teria nenhum sonho. Com você, eu tenho mais do que eu
poderia um dia sonhar em ter”.
Lágrimas queimavam os olhos dela quando ele deu uma olhada rápida para o
pastor. “Eu terminei”.
O reverendo Tucker sorriu. “Nesse caso, eu os declaro marido e esposa. Com
minha bênção, você pode beijar a noiva”.
Houston embalou a bochecha dela, amorosamente olhando para suas feições.
“Eu amo você, Amelia Carson Leigh,” ele disse rouco enquanto abaixava os lábios
que tocaram os dela, lacrando os votos com um beijo tenro, doce, cheio de
promessas de um amanhã.
Quando ele concluiu o beijo, ela apertou a bochecha contra o peito dele,
escutando o ritmo contínuo de seu coração, tentando guardar toda a felicidade que
sentia antes de sair do abraço e olhar para seu irmão por casamento.
Pegando as mãos dela, Dallas sorriu calorosamente. “Eu nunca pensei que você
ficaria ainda mais bonita do que no dia em que se casou comigo, mas com certeza
voe está linda hoje. O amor cai bem em você, Amelia”.
“Eu espero dizer o mesmo para você algum dia”.
“Que eu estou bonito?”.
Ficando na ponta do pé, ela deu um selinho nos lábios dele. “Que o amor fica
bem em você”.
“Não gaste seu tempo pensando nisso,” ele brincou.
“Você pode ordenar uma outra noiva,” Houston sugeriu.
“Droga, não. Eu construirei minha cidade e mulheres começarão a se reunir
aqui. Então eu farei uma seleção”.
“O amor nem sempre é tão prático,” Houston disse.
“Eu não estou procurando amor. Eu estou procurando por uma esposa que me
dará um filho”. Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro de Amelia. “Eu
construirei uma igreja na minha cidade, Pastor, então eu não terei que enviar meus
homens para chamá-lo todas as vezes que precisar de você”.
“Faça mesmo, senhor Leigh,” Reverendo Tucker disse enquanto deslizava a
Bíblia para dentro do bolso do casaco. “Enquanto isso, eu acho que meu trabalho
208
aqui está feito então eu vou voltar e procurar almas perdidas”. Ele apertou as mãos
dos homens e deu um selinho na bochecha de Amelia. “Seja feliz agora”.
“Eu serei”.
Ele montou num garanhão preto, e com um pequeno pontapé gentil nos lados
do cavalo, saiu em um galope voador.
Dallas limpou a garganta. “Bom, acho que eu e Austin devíamos voltar para o
rancho”.
“Eu preciso dar o meu presente a Amelia primeiro,” Austin disse. Ele foi até o
cavalo e voltou com o violino. Ele se sentou em uma pedra, esticou uma perna,
pondo-a sobre a outra, e colocou o violino sobre o ombro. “A primeira vez que eu te
vi, Amelia... bem, foi isto o que eu ouvi em meu coração”.
A música começou suavemente, pouco mais alta do que um suspiro. Amelia
sentiu um toque em seu ombro e deu uma olhada rápida para seu marido.
“O meu presente de casamento para você,” ele disse enquanto dava um passo
para trás e oferecia um braço. “Uma valsa”.
Os olhos dela se arregalaram. “Eu achava que você não sabia dançar”.
“Aconteceu que Mimi Saint Claire, proprietária e exímia costureira, me deu
aulas”. Ele disse ficando vermelho. “Elas custaram mais do que o vestido de noiva”.
“Eu amo o vestido de noiva”. Ela sorriu enquanto andava até o abraço dele, e
eles começaram a dançar no ritmo da música.
As notas líricas do violino bailaram em torno das quedas, pela brisa, beijando as
pétalas das flores silvestres. Subiram em um crescendo, grandiosas, bonitas, e
corajosas, antes de se tornarem o silêncio.
Amelia e Houston valsaram enquanto Austin colocava o violino debaixo do
braço. Eles valsaram depois que Dallas e Austin tinham montados em seus cavalos e
partido.
Eles valsaram até o crepúsculo, até a hora de ir para casa.

A cabana estava escura com exceção do fogo na lareira. Houston empurrou a


mesa para um lado do quarto e moveu a cama para mais perto da lareira.
Amelia tinha imaginado esta noite cem vezes desde a noite em que Houston a
tinha pedido em casamento. Ela tinha antecipado essa hora, ansiado, mas quando
ela olhou para seu reflexo no espelho, ela teve a impressão de que seus pensamentos
seriam muito vagos comparados com o que seria real nesta noite.
Seu marido estava de pé atrás dela, lentamente abrindo os botões do seu
vestido de noiva. Ele separava o tecido e dava um beijo em sua nuca.
Ele olhou para o espelho, encontrou o olhar dela e o manteve, os nós dos dedos
deslizando pela garganta dela. “Você não me fez uma pergunta a noite toda”.
“Eu não consigo pensar em qualquer coisa que precise ser respondido agora”.
“Você não consegue pensar em nada?”.
209
Ela esfregou a bochecha contra a mão dele. “Eu não estou conseguindo pensar
em nada, muito menos perguntar”.
“Eu tenho muitas perguntas que precisam ser respondidas”.
Ele mordiscou o lóbulo da orelha dela e arrastou a língua ao longo da concha da
orelha. Ela achou que iria derreter. “Você tem?”.
“Mmm-hum. Eu gostaria de assistir você sem uma lona entre a gente”.
“Não teria nenhuma sombra sem a lona”.
Ele sorriu, um lado da boca movendo mais que o outro. “Exatamente, mas
muitas das minhas perguntas certamente seriam respondidas sem que eu tivesse
que perguntar”.
Ele deu um passo para trás e se sentou na extremidade da cama. Ela se levantou
e angulou o queixo. “O que os olhos não vem—”.
“Entendido”.
Sorrindo serenamente, ela tirou primeiro uma manga e então a outra, vendo o
olhar de seu marido escurecer. O vestido caiu até os pés, e ela deu um passo por
cima Del e andou para mais próximo de Houston. Lentamente ela removeu as
roupas de baixo. Seu marido engoliu em seco, os lábios se separaram ligeiramente, e
ele se debruçou para frente.
De pé diante do marido com nada além do ar cercando sua pele, ela ficava
surpresa por não sentir nenhuma vergonha. Ela colocou a mão em volta dos seios.
“Você deve ter me achado terrivelmente indecente na primeira vez que me viu fazer
isto”.
“Eu não achei, não mesmo,” ele disse rouco enquanto ficava de pé. Ele encolheu
os ombros e tirou a jaqueta, arrancou a camisa por cima da cabeça, e tirou as calças
compridas em um movimento fluido. Então ele estava diante dela, embalando seu
rosto. “Se você não tivesse feito nenhuma pergunta a mim, eu acho que teria feito
aquela jornada inteira sem um pensamento na minha cabeça. A primeira vez que eu
te vi, eu não pude pensar em qualquer coisa para dizer”.
Ela passou os dedos pelo peito dele, admirando todos os aspectos de seu corpo
magro e firme. “‘E agora?”.
“Uma pergunta?” Ele sorriu calorosamente. “Por Deus, eu espero que você
goste da minha resposta”.
Os lábios dele foram até os dela, a boca quente, a língua explorando a dela
como se ele nunca a tivesse beijado quando na verdade ele a tinha beijado por todo
inverno e início da primavera. Ela começou a conhecer os beijos dele intimamente,
mas eles nunca prometiam tanto quanto pareciam prometer agora. Um beijo
prometia não ser um fim... mas apenas o começo.
Gemendo profundamente, ele arrastou a boca junto ao queixo dela, foi
mordiscando e subindo até que se encostou a boca contra a orelha dela. “Lembra de
como eu queria te tocar?”.
210
“Como meu marido, você tem esse direito”.
“Apenas se for o que você quiser”.
“Como você pode pensar que eu não gostaria que você me tocasse?”.
“Bom, porque eu vou tocar em você toda”.
Ele subiu as mãos pelo lado do corpo dela e envolveu os seios, os dedos
polegares circulando os mamilos sensíveis que ficaram túrgidos. Gemendo, ela
desmoronou contra o tórax largo dele. Ele deslizou o braço por baixo dos joelhos
dela e a ergueu. Ela nunca tinha se sentido mais em casa quando ele a levava para a
cama e suavemente a deitava no colchão de pena, estirando seu corpo ao lado do
dela.
Ela amava o comprimento do corpo dele, seus ombros largos. Ela passou o dedo
nas cicatrizes que corriam junto a seu rosto. “Você pode sentir?”.
“Muito pouco”. Ele tomou a mão dela e colocou em cima de seu coração. “Mas
eu sinto isto”.
Então o corpo dele estava cobrindo o dela, pele contra pele, calor contra calor. A
boca fazia uma trilha de beijos junto à garganta, indo para baixo, circulando cada
seio. Ela passou os dedos no cabelo dele até que uma tira de couro atrapalhou a
exploração. “Você se importa se eu tirar isto?”, ela perguntou.
Ele ergueu o olhar, e ela assistiu o pomo de Adão dele lentamente deslizar de
cima a baixo. “Se você quiser,” ele disse com uma voz estrangulada.
“Eu amo tudo em você, Houston. Tudo”.
“Até a feiúra”.
“Pode ser. Mas eu não vejo qualquer feiúra quando olho para você”.
Ele fechou o olho enquanto ela suavemente tirava a tira de couro que cobria o
remendo de seu rosto. Ele respirou fundo antes de erguer o olhar de volta para ela.
“Eu acho que você é tão bonito quanto o pecado,” ela disse suavemente.
Ele afundou o rosto entre os peitos dela. “Você não pode me amar tanto”.
“Eu te amo mais”.
“Oh, Deus”. Houston pensava que poderia chorar. Essa não seria uma reação de
homem na sua noite de lua-de-mel. Seu pai arrancaria seu couro—.
Só que seu pai não estava aqui, e ele não era o homem que seu pai queria que
ele se tornasse. Mas ele era o homem que esta mulher amava.
Ela tinha aceitado seus defeitos e cicatrizes, por dentro e por fora. As lágrimas
queimavam sua garganta, queimavam seu olho enquanto ele levantou o rosto do
travesseiro suave que era a pele dela. “Eu não tenho as palavras para dizer a você
quanto eu te amo, mas eu desejo poder mostrar a você”.
Ele usou todas as habilidades que tinha adquirido enquanto trabalhava com os
cavalos, tentando domesticar suas paixões, curvá-los a sua vontade, ao seu desejo.
Ele levava as mãos rapidamente junto ao corpo dela, indo do ombro até os dedões
dos pés nus minúsculos. Sombras valsavam por sobre a pele dela no ritmo da dança
211
das chamas dentro da lareira. Ele apreciava a visão de sua pele que ardia embaixo
de seus dedos.
Anos antes ele tinha parado de sonhar, e quando ele tinha começado a sonhar
novamente, todos os seus sonhos revolviam ao redor dela. Senti-la ao lado dele,
embaixo dele, ao redor dele.
Ele lutou contra a urgência de ter o que queria, forçando a si mesmo a ter a
mesma paciência com ela que ele tinha com os cavalos. Ela era tão mais importante
do que os cavalos. Sem ela, eles eram nada além de animais. Com ela, eles eram um
sonho esperando no horizonte, um sonho que eles alcançariam juntos.
Ele a beijou profundamente, inalando o odor de magnólias que para sempre
permaneceria em sua cama. Então ele começou a arrastar sua boca pela pele macia
dela, seguindo o caminho que suas mãos tinham traçado antes.
Ele ouviu o gemido dela. Ele esperou, permitindo a ela ficar acostumada com
sua boca nos seios dela, beijando, sugando, tocando, antes que ele descesse até suas
coxas.
Lentamente, vagarosamente, ele a beijou intimamente, apaixonadamente até
que ela estremeceu embaixo dele.
“Houston? Eu preciso—”.
Ele mexeu a língua em círculos no ponto mais sensível do corpo dela. “Eu quero
que você se contorça para mim”.
“Contorcer para você?”, Amelia perguntou com a voz rouca, seus dedos se
apertaram contra o rosto. “Oh, Deus”. Sensações que ela nunca tinha conhecido se
precipitaram nela: um raio relampejou e um trovão retumbou enquanto uma
tempestade acontecia dentro de seu corpo. Seu corpo inteiro se torceu tão
firmemente quanto os dedões do pé, e então a tempestade explodiu, chovendo
prazer e êxtase até que ela se contorceu como um cavalo selvagem.
Ela abriu os olhos para encontrá-lo olhando para ela, um sorriso de pura alegria
estendido através do rosto. “Você sabe que existem alguns cavalos selvagens que
não podem ser adestrados, mas que sempre são bons para passear?”.
“Eu acho que você acabou de me amansar,” ela confessou quase sem ar.
“Não. Você tem espírito demais, Amelia. Eu nunca tentaria amansar você, mas
eu sempre quero que você aprecie o passeio tanto quanto eu”.
Com uma penetração longa, ele juntou seu corpo ao dela. A dor que ela sentia
era passageira, enquanto isso o corpo dela instintivamente se ajustava ao dele. Então
ele estava montando nela, ela estava montando nele, duas pessoas com um só
destino.
A jornada era como nenhuma outra que ela já tivesse tomado, nenhuma que ela
já tivesse sonhado em tomar. Ela correu as mãos em volta dos músculos tensos do
tórax e costas dele, beijou sua garganta, apreciou a visão de seu queixo firme.
A boca dele cobriu a dela, acasalou as línguas da mesma maneira que acasalava
212
os corpos. Ela suspirou, ele gemeu. A respiração dela ficou mais curta, a dele mais
severa.
As estocadas ficaram mais rápidas, e ela manteve o ritmo de suas sensações até
que seu corpo a lançou em um abismo de prazer, e ele arqueou e estremeceu em
cima dela.
Admirada, ela vagarosamente arrastou os dedos nas costas brilhantes dele.
Ele esfregou a bochecha contra a dela. “Eu amo você,” ele sussurrou com a
respiração cansada.
“Aquelas prostitutas eram bobas por fazerem você pagar o dobro”.
Ele riu baixo, ergueu a cabeça, e tirou uma mexa de cabelo da bochecha dela.
“Eu nunca me dei dessa forma. Eu nunca me dei a ninguém dessa forma. Eu não
sabia que tinha algo assim para dar”. Ele segurou o olhar dela. “Eu quero que você
saiba que quando eu levei Austin para os Apartamentos Empoeirados, eu não
toquei nenhuma mulher”.
Ela deu um beijo no centro do tórax dele. “Eu estou contente. Apesar de que
você não estava casado comigo no momento, eu fico feliz”.
Ele rolou para o lado e a trouxe para cima dele. Ela se aconchegou contra seu
ombro, apreciando as memórias dos dias e noites, maravilhas antes de acabar
dormindo.

Amelia despertou várias horas mais tarde, o corpo dolorido, o coração contente.
O corpo de Houston estava sobre o dela, sua perna sobre a coxa dela, a palma da
mão grande sobre os seios dela, a respiração soprando na nuca dela como uma brisa
constante do West Texas. Levou um momento até que ela notasse que não estava só
cercada por ele, mas também pela escuridão. “Houston?”.
“Hmm?”, ele murmurou com a voz sonolenta.
“O fogo apagou”.
“Você está com frio?”.
“Não, mas não há nenhuma luz”.
“Quer que eu ache um lampião?”.
“Só me abrace um pouco mais forte”.
“Eu posso fazer melhor do que isto,” ele prometeu enquanto suavemente rolava
por cima dela e a beijava profundamente, dando a ela o que ele sempre daria
daquela noite em diante... o melhor de si.

FIM

213
Querido leitor:

Se você apreciou DESTINO: Texas, então você ficará excitado em saber que eu
escrevi a história de Dallas. Sua procura por uma mulher que lhe dê seu filho o leva
a Cordelia McQueen.
Incrivelmente tímida, ela parece um par estranho para um construtor de
impérios, mas Dallas logo reconhece a força que se esconde dentro de seu
comportamento recatado, e ela mostra a ele a ternura que ele sempre teve guardado.
O casamento de conveniência deles os leva a uma jornada de descobertas, aflições,
triunfos e—juntos—eles alcançarão os seus sonhos e glórias.

Procure Glória Texana à venda na primavera de 1998.

Sinceramente,

Lorraine Heath

214

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