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Destino Texano
Lorraine Heath
TRILOGIA TEXAS 01
Agradecimentos
Eu frequentemente ouço que vida de escritor é algo solitário. Para aqueles que provaram que o mito
não é verdadeiro, ofereço o meu agradecimento mais sincero. Sem a ajuda e instruções de vocês, esta
história não teria sido escrita.
Jennifer Sawyer Fisher, viu meu potencial e me encorajou para que eu buscasse o que queria;
Robin Rue, viu nos desvios uma oportunidade;
Chris e Jim Armstrong, por fornecerem informações médicas, além de responderem minhas
perguntas sobre armas e a Guerra Civil;
Alan Beaubien, por seu conhecimento inestimável sobre a Guerra civil.
Susan Broadwater-Chen, por incansavelmente buscar informações sobre as noivas por
correspondência e compartilhar comigo tudo o que descobriu.
Stef Ann Holm, por deixar seu trabalho de escritora um pouco de lado e me ajudar com a minha
pesquisa;
Os bibliotecários de referência do Piano Public Library, por sua pesquisa exaustiva sobre noivas por
correspondência;
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Os muitos leitores que usaram um pouco de seu tempo para me dizerem que minhas histórias e
personagens tocam seus corações, da mesma maneira, suas cartas tocam o meu;
E Jack Thomaston, que não só compartilha seu conhecimento sobre cavalos, qualquer hora do dia ou
da noite, mas que também, cortesmente, me perdoa quando eu me retiro às escondidas para que sua
esposa, Carmel, possa criticar meu trabalho.
Obrigada a todos.
Lorraine Heath
O quente início de Texas trilogy, com os irmãos Leigh, escrito por uma ganhadora do RITA
Award1.
“Uma linda história de coragem e corações valentes... Fiquei encantada” - Jennifer Blake2.
1
O prêmio RITA é o mais proeminente do gênero da novela românica e ficção romântica. É apresentado pelos
Escritores Românticos de América (RWA). Recebeu esse nome devido a primeira presidente do RWA, Rita Clay
Estrada. O prêmio significa a excelência em uma das 13 categorias da ficção romântica.
2
Jennifer Blake é uma famosa autora de Bestsellers.
3
Capítulo Um
Setembro, 1876
Amelia Carson nunca tinha estado tão apavorada em seus dezenove anos.
Tinha medo de que o trem a lançasse para fora da plataforma antes de ela estar
pronta para desembarcar, então ela colou na cadeira e esperou o trem parar de
balançar. As rodas guincharam por cima dos trilhos frouxos e o apito soprou
enquanto o motor ainda roncava. O cheiro pungente da fumaça da lenha chegou até
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o compartimento dos passageiros que abriram as portas, esqueceram as boas-
maneiras e começaram a se empurrar de um lado para o outro na corrida para sair
do trem. Amelia nunca tinha visto tanta gente estranha junta em um só lugar.
Mulheres com vozes guturais e vestidos decotados davam elegância ao
compartimento. Alguns homens vestiam ternos sob medida como se tivessem sido
convidados para jantar com uma rainha. Só as armas de fogo que faziam volume
sob suas jaquetas indicavam o contrário. Alguns homens, cheirando a suor e fumo,
olhavam para ela como que contemplando a idéia de rasgar sua garganta se ela
fechasse os olhos. Então ela raramente dormia.
Em vez disso, ela gastava o tempo lendo as cartas que Dallas Leigh tinha escrito
para ela. Ela estava certa de que a caligrafia corajosa e forte era um reflexo do
homem que tinha respondido ao anúncio dela, no qual dizia que tinha desejo de
viajar para o Oeste e se tornar uma esposa. Ele tinha sido um herói—se é que o Sul
podia chamar alguém de herói já que eles tinham perdido a guerra. Ele tinha sido
tenente aos dezessete, um capitão aos dezenove. Ele tinha a própria terra, gado e
destino.
Ele tinha envolvido a proposta de casamento com sonhos, sonhos de construir
um império, de administrar uma fazenda e compartilhar um filho.
Amelia sabia que sonhos são coisas grandiosas e que era assustador agarrá-los
sozinha. Juntos, ela e Dallas Leigh poderiam fazer mais do que simplesmente
agarrar os sonhos. Eles os teriam na palma das mãos.
Incontáveis vezes durante a jornada, ela tinha imaginado Dallas Leigh a
esperando em Fort Worth, impacientemente andando pela plataforma. E quando o
trem chegasse, ele esticaria o pescoço para olhar nos vagões, ansiosamente tentando
achá-la. Ela o imaginava perdendo a paciência e entrando no trem, gritando o nome
dela e tirando as pessoas do caminho, desesperado para colocá-la em seus braços.
Com os sonhos re-acesos e o coração leve, ela olhou para fora pela janela,
esperando dar de cara com seu futuro marido.
Ela viu muitos homens impacientes, mas todos eles estavam fugindo do trem,
gritando e empurrando a multidão, tentando fazer ponto na parte mais ao norte do
terminal. Nenhum deles usava seu tecido trabalhado a mão enrolado em volta da
coroa do chapéu. Nenhum deles olhava para o trem como se se importasse com
quem pudesse estar a bordo dele.
Ela deixou a decepção de lado e saiu da janela. Talvez ele estivesse apenas
tendo consideração com ela, dando-a tempo para que ela se recompusesse da
jornada árdua.
Ela pegou sua bolsa de viagem que estava no banco ao lado e abriu. Com a
respiração trêmula, ela olhou fixamente para o monte de tiras, flores, e um pássaro
marrom que o noivo tinha prometido que iria mandar bordar no chapéu. Já que ela
não tinha nenhum retrato para enviar para ele, tinha enviado algo para que ele
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usasse e ela pudesse identificá-lo.
Ela estava grata... .
Ela olhou fixamente para o chapéu.
Ela estava grata... Muito grata...
Ela enrugou a testa, procurando no chapéu alguma coisa que a fizesse ficar
agradecida. Não era uma indagação fácil, entretanto nada em sua vida tinha sido
fácil desde a guerra. De repente, ela sorriu.
Ela estava grata pelo fato do senhor Leigh não a ter conhecido em Geórgia. Ela
estava agradecida por ela não ter colocado o chapéu na cabeça até este momento,
estava contente que nenhum de seus colegas de viagem o tinham visto ainda.
Ela o tirou da bolsa, colocou na cabeça e respirou fundo. Seu futuro marido
estava esperando por ela.
Ela somente desejava que nenhum dos caubóis que ainda estavam no armazém
atirasse no pássaro do chapéu dela antes que o senhor Leigh a achasse.
Ficando de pé, ela andou pelo corredor, ergueu a bolsa, e marchou para a
entrada aberta com toda a determinação que ela conseguiu reunir. Ela sorriu para o
porteiro que a ajudou a descer os degraus, e então se viu na plataforma de madeira
no meio do caos.
Apertando a bolsa com força, ela foi para longe do trem. Ela se sentia como um
pequeno arbusto cercado por árvores de carvalho poderosas. Ela duvidava um
pouco que seu chapéu não fosse visível mesmo entre todos estes homens
perguntando direções, trocando dinheiro, vendendo jornal e se batendo no
empurra-empurra.
Ela tinha pensado em gritar pelo senhor Dallas Leigh, mas ela não achava que
conseguiria erguer a voz acima da horrível barulheira que a cercava. Ela tinha
achado que o Texas era um lugar quieto e tranqüilo, não que fosse um local de
reunião de todos os aventureiros políticos, assim como os que tinham ido fazer
reclamações por seus direitos depois da reedificação da Geórgia.
Ela estremeceu com as memórias borradas, imagens da Geórgia durante e
depois da guerra, que corriam por sua mente. Com um esforço tremendo, ela as
empurrou de volta para o canto escuro que não conseguiria atingi-la.
Os homens e mulheres começaram a ir embora. Amelia considerou segui-los,
mas o senhor Leigh tinha escrito que a encontraria na estação de trem em Fort
Worth. As letras no edifício de madeira orgulhosamente ostentavam: “Fort Worth”.
Ela estava certa de ter chegado ao armazém correto.
Lentamente ela se virou, procurando entre os poucos remanescentes por um
homem usando um chapéu com as flores que ela tinha bordado. E se ele tinha
estado aqui? E se ele a viu e a achou carente de atrativos? Talvez ele tivesse
esperado que ela fosse mais bonita ou que fosse de linhagem mais robusta. Ela
sempre tinha sido de pequena estatura, mas ela era competente. Se ele desse a ela
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uma chance, ela poderia provar que não tinha medo de trabalho duro, honrado.
Ela colocou sua bolsa de viagem na plataforma que sacudia. Lágrimas surgiram
nos seus olhos. Ela queria tão pouco. Só um lugar longe das memórias que ela tinha,
um lugar onde os pesadelos não viviam. Ela fechou os olhos e os apertou, tentando
organizar sua decepção.
Nenhum homem enviaria passagens para uma mulher e depois não viria
encontrá-la. De alguma maneira, ela já o tinha desapontado... Ou uma tragédia tinha
acontecido, evitando que ele conseguisse chegar.
As pessoas se referiam às regiões do Texas como uma fronteira, um deserto
perigoso, um abrigo para bandidos. Notícias de jornal vieram à mente dela. Ela
olhou para uma, e sua imaginação começou a fluir. Os bandidos o tinham
emboscado. A caminho de Fort Worth, a caminho de encontrá-la, ele tinha sido
brutalmente atacado, e agora, seu corpo estava cravejado de balas, o nome dela
flutuava nos lábios dele, ele estava rastejando através do sol escaldante da
pradaria—.
“Senhorita Carson?”.
Os olhos de Amelia se abriram de repente com a voz profunda que a envolveu
como um cobertor morno numa tarde de outono. Através das lágrimas, ela viu o
perfil de um homem alto vestindo um casaco preto longo. Sua presença era forte o
suficiente para bloquear o sol do meio-dia.
Ela podia dizer pouco sobre a aparência dele a não ser que ele obviamente tinha
comprado um chapéu novo a fim de impressioná-la. Ele o usava tão baixo que
criava uma sombra escura por cima do rosto, uma sombra que ela vislumbrou por
entre lágrimas. Embora ele não estivesse usando as flores no chapéu, ela estava certa
de que tinha encontrando seu futuro marido.
Tirando as lágrimas dos olhos, ela deu a ele um sorriso trêmulo. “Senhor
Leigh?”.
“Sim, madame”. Lentamente, ele tirou o chapéu da cabeça. As sombras se
retirando, revelando um perfil forte, corajoso. O cabelo preto enrolava acima do
colarinho. Uma tira de couro preta cobria sua testa e dava a volta em sua cabeça.
Amelia tinha visto vários soldados que tinha retornado da guerra para
reconhecer que ele tinha colocado um trapo por cima do olho que não podia mais
ver. Ele tinha falhado ao não mencionar em suas cartas que tinha sacrificado uma
parte de sua visão pelo Sul.
O óbvio desconforto dele fez com que uma dor surgisse dentro do coração dela.
Ansiosa de assegurar que a perda dele não importava, ela entrou na frente dele.
Com um minúsculo grito sufocado, ela prendeu a respiração. Ela tinha esperado um
tapa-olho preto. Ela não estava preparada para as cicatrizes desiguais que estavam
desenhadas na face e que se arrastavam no rosto dele até embaixo como uma
imitação de uma cera que derrete ao sol. Com lágrimas brotando nos olhos, ela
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tentou tocar na carne arruinada. A mão poderosa dele agarrou os dedos trêmulos
dela, parando a jornada de conforto.
“Eu sinto muito” ela sussurrou enquanto procurava pelas palavras certas. “Eu
não sabia. Você não mencionou... Mas não importa. Realmente não importa. Eu
estou tão agradecida—”.
“Eu não sou Dallas” ele disse tranquilamente enquanto soltava a mão dela. “Eu
sou Houston. Dallas quebrou a perna e não pôde fazer a viagem. Ele mandou que
eu viesse buscar você”. Ele colocou a mão no bolso e retirou o pano bordado. “Ele
pediu que eu trouxesse isso comigo para que assim você soubesse que estava segura
comigo”.
Se os nós dos dedos dele não estivessem brancos enquanto ele segurava o linho,
Amelia o teria tomado dele. Ele trocou um pouco de posição de forma que somente
o perfil dele preenchesse a visão dela.
Um perfil perfeito.
“Ele mencionou você nas cartas”, ela gaguejou. “Ele não disse algo importante
—”.
“Não há muito para contar”. Ele colocou o chapéu de volta na cabeça. “Se você
me mostrar onde estão suas outras bolsas, nós poderemos partir”.
“Só tenho uma bolsa”.
Ele fixou os olhos marrons nela. “Uma bolsa?”.
“Sim. Você não pode imaginar como eu fiquei agradecida por só ter que me
preocupar com uma bolsa quando eu saí do trem”.
Não, Houston não podia imaginar que ela estava agradecida por causa de uma
bolsa. Ele permitiu que seu olhar fosse devagar da blusa branca para a saia preta,
notando o tecido do vestido. Uma mulher não vestiria sua melhor roupa quando iria
se encontrar com o homem que iria se casar?
Que droga, ele tinha vestido sua melhor roupa, e ele só tinha vindo buscá-la.
Ele dobrou os dedos em volta da bolsa e a ergueu do chão. Julgando pelo peso,
ele achou que ela estava carregando nada além de ar, e isso eles tinham bastante no
West Texas.
Ela deveria carregar todas as coisas que eles não tinham lá longe, naquele lugar
perto de lugar nenhum. Dallas não tinha dito a ela nada sobre o rancho nas cartas
que tinha escrito? Ele não disse a ela que eles estavam a quilômetros de uma cidade,
de vizinhos, de algumas conveniências?
Duas balas. Ele iria disparar duas balas no irmão.
“Eu estou pronta para ir” ela disse radiante, interrompendo os pensamentos
dele.
Não, ela não estava pronta para ir. Só que ele não sabia como dizer isso a ela
sem ofendê-la. Sem pensar, ele tirou o chapéu para coçar a testa. Os olhos verdes
dela brilharam, como se ela estivesse contente com o gesto dele, como se ela tivesse
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pensado que ele tinha feito isto para ela como um cavalheiro faria. Ele lutou contra o
impulso de colocar o chapéu e explicar a situação para ela por debaixo das sombras.
“Dallas mencionou quanto tempo a viagem leva?”.
“Ele escreveu que era longe um bocado. Eu pensei em separar um pedaço de
pano para bordar”. Ela separou as mãos ligeiramente e suas bochechas começaram a
pegar fogo. “Mas não é bem assim, não é?”.
Três balas. Ele iria atirar três balas no irmão.
“É pelo menos três semanas de carroça”.
Ela abaixou o olhar, os cílios descansando gentilmente em cima das bochechas.
Eles eram dourados e tão delicados—não espessas como as dele. Ele se perguntou se
eles seriam capazes de manter a poeira do Oeste Texano longe dos olhos.
“Você deve achar que eu sou uma idiota,” ela disse tranquilamente.
“Não acho isso, mas eu preciso de você entenda que essa é a última cidade que
você verá. Se existe qualquer coisa que você precisa, tem que comprar antes da
gente partir”.
“Eu tenho tudo o que preciso” ela disse.
“Se existe qualquer coisa que você queira—”.
“Eu tenho tudo” ela o assegurou. “Nós podemos partir para o rancho se você
estiver pronto”.
Ele estava pronto há mais de três horas atrás, conscientemente organizando
todas suas coisas na metade dele do carroça e deixado a outra metade para que ela
guardasse os pertences dela—só que ela não tinha qualquer pertence. Nenhuma
caixa, nenhum calção de banho, nenhuma bolsa. Ele limpou a garganta. “Eu... eu
ainda tenho que buscar algumas provisões”. Ele colocou o chapéu de volta na
cabeça, se virou e começou a caminhar. Ele ouviu o barulho apressado dos paços
dela e diminuiu a velocidade dos seus passos largos.
“Com licença, senhor Leigh, mas como meu noivo quebrou a perna?” Ela o
chamou por detrás com uma voz mais doce do que a memória que ele tinha da voz
de sua mãe.
Ele se virou para encará-la, e ela parou de um salto, o pássaro em seu chapéu se
mexendo como uma maçã em uma balde da água. Segurando os dedos para
preveni-los de tentar arrancar o pássaro do chapéu, ele desejou agora que tivesse
dito a Dallas sua verdadeira opinião a respeito da porcaria de pássaro que ele tinha
mandado bordar no chapéu. “Ele caiu de um cavalo”.
Suas sobrancelhas delicadas se juntaram. “Como um rancheiro, com certeza ele
sabe montar a cavalo”.
“Ele monta bem. Ele cismou que ia conseguir amansar um cavalo selvagem, e
acabou caindo”. Ele se virou novamente, aumentando o comprimento de seus
passos largos. Se Dallas o tivesse escutado, prestado atenção ao aviso de Houston,
ele estaria de volta a sua casa sentindo o cheiro do suor dos cavalos em vez do odor
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de flores de uma mulher, ouvindo o severo bufar dos cavalos em vez da voz gentil
de uma mulher. Ele não teria que assistir um pássaro estúpido movimentar a
cabeça. Ele não estaria levando uma bolsa, se perguntando o que diabos ela não
tinha.
Quatro balas. E ele ainda não tinha certeza de que este pensamento seria o
suficiente para que ele suportasse o inferno que o amanhã com certeza traria.
Capítulo Dois
N. da R.: De Atlanta (capital da Geórgia) até Fort Worth (Texas) são 2.306 km.
entrada. Ela achava que seria bastante interessante assisti-lo pechinchar as
compras. Com o temperamento que ele tinha, ela tinha pouca dúvida de que ele
acabaria pagando o dobro por qualquer coisa que estivesse procurando.
Ela se aconchegou na cama, suspirando com contentamento. O colchão, tão
suave quanto uma nuvem, afundou sob o peso dela.
Paraíso.
Só alguns minutos no paraíso.
Uma fúria tão grande rodeava Houston por tanto tempo que ele já não podia se
lembrar de que ele tivesse conhecido a paz. Ele tinha medo de que se não tivesse
cuidado, ele a envolveria nessa fúria.
Ele já a machucara. Ele sabia que tinha. Caso contrário, ela o teria encontrado no
salão de entrada.
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Ele estava bravo com Dallas, e ele descontou a raiva na mulher. Essa não era a
intenção dele, mas pensando agora, ele podia ver que tinha feito isso.
Ele parou do lado de fora da porta, ensaiando um pedido de desculpas. Ele não
se lembrava de já ter pedido desculpas antes, e as palavras adequadas para se usar
não vinham a sua mente. Uma desculpa para uma mulher deveria ser como o
pedaço de pano que ela tinha costurado para Dallas: florido, delicado e bonito.
Droga, ele não sabia usar nenhuma palavra assim. Ela teria que ficar feliz com
as palavras que ele sabia, mesmo que elas não fossem as ideais.
Graças a Deus, não era ele quem iria casar. Ele tinha gastado a manhã inteira
pensando no que diria a ela quando a encontrasse. Quando ele viu as lágrimas
brilharem naqueles olhos verdes, uma vergonha brotou dentro dele fazendo com
que todas as palavras que ele tinha praticado saíssem voando como o pó através da
pradaria. Vergonha por ter demorado tanto para reunir coragem suficiente para
atravessar a plataforma e ir cumprimentá-la. Vergonha por ele não ter achado que
ela poderia estar se sentido só em uma cidade estranha esperando por um homem
que não iria chegar.
No depósito, ele pensava em como poderia se explicar sobre as provisões. A
compra que eles tinham que fazer, com certeza, era um assunto delicado. Depois de
tudo que ele tinha pensado e de todas as palavras que tinha reunido, ela não tinha
vindo encontrá-lo.
Agora ele tinha que pensar em um pedido de desculpas.
Ele apenas queria voltar ao rancho, onde ele poderia caminhar e pensar
sozinho. Ele não queria responder perguntas, considerar os sentimentos dos outros
ou ter que retirar o chapéu.
Com um suspiro pesado, ele tirou o chapéu, bateu ligeiramente na porta dela, e
esperou. O pedido de desculpas esperando com ele, pronto para ser dito assim que
ela abrisse a porta.
Só que ela não abriu a porta.
Ou ela estava mais brava do que ele tinha pensado ou ela tinha partido. Se ela
tivesse partido, seria ele quem levaria quatro balas no couro porque Dallas sempre
acertava onde mirava.
Mais cedo, sem pensar, ele tinha colocado a chave do quarto no bolso,
deixando-a sem ter como fechar a porta. E se alguém a tivesse raptado? As mulheres
eram raras... Tão raras...
Ele bateu com um pouco mais de força. “Senhorita Carson?”.
Ele apertou a orelha boa contra a porta. A explosão que tinha rasgado o lado
esquerdo do rosto dele tinha levado a audição daquele lado também. Ele não ouviu
nada além de silêncio vindo do outro lado da porta.
Cuidadosamente, ele abriu a porta e deu uma olhada no interior. O sol de final
de tarde fluía através da janela, banhando a mulher com seu brilho dourado.
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Enrolada na cama, adormecida, ela parecia tão jovem, tão inocente, tão
desmerecedora do temperamento dele.
Ele deslizou para dentro e sutilmente fechou a porta. Ele cruzou o quarto,
deixou as bolsas no chão, e sentou na cadeira aveludada ao lado da cama. Ele
apoiou os cotovelos nas coxas e se debruçou para frente.
Deus, como ela era adorável, como um sol de primavera tentando as flores a
abrirem suas pétalas. As pestanas pálidas descansavam sobre as bochechas rosadas.
Os lábios, até durante o sono, se curvavam na sugestão de um sorriso.
Ele a tinha percebido imediatamente, assim que ela tinha chegado à porta do
vagão. Em baixo daquele chapéu horroroso, o sol refletia um cabelo que parecia ter
sido feito com fios que brilhavam tanto quanto a lua. O sorriso que ela deu ao
porteiro enquanto ele a ajudava a descer os degraus — mesmo à distância — tinha
feito Houston prender a respiração.
Ele ainda não estava respirando direito. Todas as vezes que ele olhava para ela
se sentia como se estivesse cavalgando em um cavalo selvagem.
Ela não era nada do que ele tinha esperado de uma mulher de coração e mão.
Ele esperava que ela fosse como uma camisa velha, lavada tantas vezes que tinha
perdido a cor e a força dos fios. Ele conhecia mulheres assim. Mulheres que
viajavam através de estradas ásperas, ficando rigorosas e grosseiras, com risadas
ásperas e sorrisos que eram muito brilhantes para serem sinceros. Mulheres que
sabiam que não deveriam confiar em nada.
Mas Amelia Carson confiava. Ela era uma mulher que refletia o coração nos
olhos. Tudo que ela pensava, tudo que ela sentia, claramente refletia nos olhos. Em
seus olhos verdes, muito verdes.
O calor profundo dos olhos o fazia se lembrar dos campos de trevos que ele
tinha corrido quando menino. Descalço. Os trevos pareciam veludo acariciando as
solas ásperas. Por um breve momento, ele realmente apreciou o pensamento de
manter o olhar dela.
Os olhos marrons dele podiam servir como terra para que o trevo verde dos
olhos dela germinasse.
Que idéia idiota! A próxima coisa que ele faria era recitar poesia. Ele estremeceu
com o pensamento. Vestindo flores e recitando poesia. Seu pai teria esfolado o couro
dele só de pensar em uma daquelas ações efeminadas.
Ele a viu dormir até os raios finais do sol se retiraram para o luar pálido. Ele
estremeceu com o frio da noite que desceu sobre ele. Pondo-se de pé, ele foi até ela e
a cobriu com um cobertor. Um calor surgiu dentro dele, e ele se imaginou colocando
cobertores sobre ela todas as noite pelo resto de sua vida.
Só que aquele privilégio pertencia ao irmão dele. Houston tinha testemunhado
o documento que Dallas tinha redigido, o mais próximo possível de um contrato de
casamento que ele conseguiu organizar sem usar a expressão “eu quero”. Para todos
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os propósitos práticos, Amelia Carson pertencia a Dallas.
E era assim que deveria ser. Dallas tinha passado um mês folheando a revista
esfarrapada que tinha achado enquanto eles estavam conduzido o gado para
Wichita, Kansas, na primavera de setenta e cinco. Houston conhecia o desespero de
ter um filho que tinha feito Dallas escrever sua primeira carta para Amelia.
Ele podia apenas imaginar o que a tinha feito responder a carta e aceitar a
proposta de casamento do irmão. Ele sentou de volta na cadeira. Não era seu direito
ficar questionando sobre ela. Ele não tinha que gostar dela. Ele não tinha que
conversar com ela. Ele não tinha que ser bom com ela. Ele só tinha que levá-la até o
rancho... E, por Deus, isso era tudo que ele planejava fazer.
Um pouquinho antes de despertar com os sonhos ainda permanecendo na
mente, Amelia se mexeu confortavelmente sob os cobertores, apreciando o conforto
da cama suave. Ela não tinha nenhuma memória de ter se coberto com os
cobertores, mas ela deu boas-vindas à proteção que eles davam contra o frio que
entrava no quarto.
Satisfeita consigo mesma e descansada, como um gatinho que tinha gasto a
maior parte do dia vadiando ao sol, ela se esticou vagarosamente, respirou
profundamente, e congelou.
O aroma de toucinho, café, e pão recentemente assado chegou ao nariz dela.
Lentamente ela abriu os olhos, esperando ver o clarão severo do sol da tarde
borrando sua vista. Em vez disso, o brilho suave da luz da manhã lançava seus
primeiros raios sobre a mobília, dirigindo a maior parte de seu foco a uma pequena
mesa coberta de pano no meio do quarto. A luz solar passava por cima de alguns
pratos cobertos.
A boca de Amelia se alargou ao mesmo tempo em que um alarme apressado
soou por dentro dela. Ela não tinha ouvido ninguém entrar no quarto.
Inesperadamente, ela percebeu um outro cheiro, muito mais fraco do que o
cheiro da comida que fazia seu estômago roncar, fraco, e ainda assim, de um modo
estranho, era mais poderoso. Couro e cavalo.
Ela viu as sacolas debruças contra uma cadeira próxima à cama.
Cautelosamente, movendo só os olhos, ela se permitiu dar uma olhada geral no
quarto.
O coração dela saltou quando ela notou a sombra longa estirada através da
cama. A sombra de um homem. Ela se sentou de um salto e olhou por cima do
ombro.
Com o ombro esquerdo apertado contra a parede, Houston Leigh estava de pé
ao lado da janela a observando. A luz do sol por um momento seguiu os contornos
do corpo alto e magro dele antes de completar sua jornada pelo quarto.
Amelia se livrou dos cobertores e saiu da cama, os joelhos dela quase bateram
no chão antes de ficar de pé. Ela apertou a mão trêmula contra o peito, o coração
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batia muito forte embaixo dos dedos. “Senhor Leigh, é manhã”.
“Sim, madame” ele reconheceu com uma voz lenta que não ajudava em nada a
tranqüilizar a batida irregular do coração dela.
“Você deve achar que eu fui terrivelmente rude. Eu só queria dormir um
momento—”.
“Não achei que você foi rude, não mesmo. Eu percebi que você estava cansada.
Percebi também que você provavelmente está faminta”. Ele inclinou a cabeça
ligeiramente em direção à mesa.
“Você fez isso?”, ela perguntou cautelosamente enquanto se aproximava da
mesa.
Ele ergueu os ombros de um jeito descuidado. “Precisava me desculpar por
ontem. Dallas tiraria meu couro se soubesse como eu te tratei ontem”.
“Ele se irrita facilmente?”.
“Ele não é o tipo de homem que você gostaria de aborrecer”. Ele colocou o
chapéu. “Aprecie sua comida”.
Ele levantou as sacolas, atirou por sobre os ombros, e andou meio caminho
através do quarto, ele já estava puxando o chapéu para baixo quando Amelia
percebeu que ele estava partindo. “Você não vai se juntar a mim?”.
“Eu já comi”.
“Então só me faça companhia”. Ele hesitou, e ela sabia que deveria deixá-lo
partir, mas ela estava incrivelmente cansada de ficar só. “Por favor”.
A resposta dele veio na forma de um movimento em direção à mesa enquanto
ele removia o chapéu e jogava os alforjes nas costas de uma cadeira próxima.
Amelia se apressou para se sentar. Ele se sentou na cadeira oposta a dela, se
girou ligeiramente dando a ela uma visão clara do seu perfil, e olhou fixamente para
o chapéu que tinha deixado no colo.
Houston procurou nos cantos mais obscuros de sua mente, mas ele não
conseguiu achar qualquer coisa que valesse a pena comentar. Ele pensou em dizer a
ela que o cabelo estava caindo no lado esquerdo, mas ele tinha medo de que ela o
endireitasse, puxando-o para trás e fazendo aquele rolo que ela estava usando na
véspera. Ele gostava do modo como ele estava agora, meio solto e torto. Ele
secretamente desejou que ele estivesse todo solto e que descesse através das costas.
Dallas poderia, provavelmente, preferir ver a mexa puxada para trás, de volta
no lugar adequado. O homem era um defensor do método, mas Houston sempre
tinha achado que cabelo de mulher deve fluir ao redor dela tão livremente quanto o
vento que sopra através da pradaria.
Ele pensou em descrever o rancho de Dallas, mas ela o veria logo, e ele não
tinha habilidade suficiente com as palavras para poder fazer justiça ao lugar. Falar
sobre o local onde ele morava, provavelmente não a interessaria. Era um bonito
pedaço de terra, mas nunca traria riqueza ou glória a um homem.
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“Você está certo de que não quer nada?”, ela perguntou.
“Eu estou certo,” ele respondeu, se amaldiçoando por ficar tão balançado pelo
som da voz dela. Tudo que ele tinha que fazer era se sentar quieto enquanto ela
comia e não dar nenhuma razão a ela por ter feito o café da manhã. Para que não
vissem seu rosto, no começo ele tomava café sozinho, mas isso tinha sido anos atrás
quando os ferimentos ainda não estavam cicatrizados... e a culpa que sentia ainda
estava infeccionada.
Amelia rasgou um pedaço de pão morno e passou manteiga nele, quietamente
estudando o homem que estava sentado na frente dela. O olhar dele permanecia fixo
no chapéu, a testa enrugada como se ele estivesse, desesperadamente, procurando
por algo que estava além do alcance.
“Por que você e seus irmãos têm esses nomes?”, ela perguntou antes dela
morder o pão com entusiasmo.
“Nossos pais tinham falta de imaginação. Eles deram para gente o nome do
local onde eles estavam vivendo no momento em que nós nascemos”.
“Eu suponho que você esteja agradecido por eles não estarem morando em
Galveston quando você nasceu”.
Ele pareceu pensar em uma resposta por um momento, já que ela tinha feito o
comentário com toda seriedade. O queixo dele ficou tenso. “Eu acho que ficaria, se
já tivesse pensado nisso alguma vez”.
Ela esperou por um sorriso, uma risada, ou até mesmo um riso contido, mas
Houston Leigh parecia o tipo de homem que não gostava de muito de brincadeiras
ou gracejos. Perceber isso a entristeceu. Todo mundo precisava de sorrisos e risos
para substituir a ausência dos raios de sol em um dia tempestuoso. Ela desejava que
os outros irmãos não compartilhassem esta perspectiva dura da vida. “Você acha
que Dallas vai querer continuar essa tradição de nome de família e dar aos nossos
filhos nomes de cidades do Texas?”.
“Eu não estou certo de que tipo de nome ele prefere”. Ele mudou de posição na
cadeira, levantou o pé direito e o apoiou no joelho esquerdo.
Amelia mastigou devagar o bacon com ovos, saboreando bem, e se
perguntando como ela poderia obter as informações que ainda não tinha a respeito
do futuro marido. Cartas podiam somente revelar os pensamentos de um homem.
Ela não sabia como era o sorriso dele, o som do riso dele, ou como as emoções
apareciam através das expressões do rosto. Ela estava incrivelmente curiosa sobre
todos os aspectos dele e de sua vida. “Dallas mencionou Austin frequentemente nas
cartas”.
Houston deu um aceno com a cabeça. “Ele é aficionado por Austin. Você
gostará dele, também. Ele é do tipo que as pessoas gostam imediatamente”.
Enquanto ele falava do irmão mais jovem, um rastro de calor atravessou a voz
dele, lembrando-a da sensação de se aconchegar diante do fogo numa noite de
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inverno bem fria. Ela queria manter as chamas queimando. “Eu não lembro quantos
anos Austin tem”.
“Dezesseis”.
“Então ele deve ter sido poupado de quaisquer memórias da guerra”.
“Eu duvido”.
Amelia abaixou o garfo. “Mas ele teria sido tão jovem. Seguramente ele não se
lembra—”.
Houston deslizou o pé por sobre o joelho, e bateu-o no chão com força fazendo
o chão ressoar. Ele se virou na cadeira. “Eu prefiro não conversar sobre a guerra, se
você não se importar”.
“Não, eu não me importo,” ela disse suavemente, ciente de que o calor na voz
dele tinha se perdido, de alguma forma. Ele apertou o queixo como se estivesse
desesperadamente lutando para permanecer onde estava. Ela podia sentir a tensão
que irradiava dele, com uma intensidade palpável. Embora mais de dez longos anos
tivessem passado, continuava a dilacerar a vida das pessoas. “Você acha que Dallas
tentará domar aquele cavalo selvagem novamente quando sua perna estiver
curada?”.
Ele se endireitou na cadeira, então deslizou de novo. “Eu deixei ele ir,” ele disse
em uma voz tão baixa que ela não estava bastante certa de que tinha ouvido
corretamente.
“Desculpe, não entendi?”.
Ele ligeiramente fez uma careta. “Eu libertei o cavalo”.
“Por quê?”.
Ele lentamente acenou a mão grande pelo ar como se ela fosse uma cortina
ondulando com uma brisa. “O cavalo tem uma crina pesada, ondulada. Essa é uma
marca de que mostra que ele é enganador e perigoso. Eu percebi que Dallas iria,
eventualmente, matar o cavalo ou acabaria se matando”. Ele suspirou. “Então eu o
libertei”.
“Você disse que ele não era um homem que deveria ser aborrecido. Isso não o
aborreceu?”.
“Ele estava ainda de cama. Eu já tinha partido a algum tempo quando ele
provavelmente descobriu o que eu fiz”.
“Então você terá de lidar com a raiva dele quando retornar ao rancho”.
“Eu espero que a sua presença o distraia, então ele se esquecerá do cavalo”.
Amelia limpou a garganta. Houston trocou um olhar com ela, e ela ergueu uma
sobrancelha. “Então, logo depois que eu me encontrar com seu irmão pessoalmente,
eu descobrirei se ele me estima mais do que o cavalo?”.
O horror foi visível no rosto dele. “Eu não quis dizer—”.
“Eu sei que você não quis,” Amelia disse, sorrindo enquanto cuidadosamente
dobrava o guardanapo e o colocava sobre a mesa. “Eu terminei de comer”.
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Houston se levantou rápido da cadeira. “Bom. Farei alguém trazer água quente
para o banho. Você vai demorar bastante para ter esse luxo de novo”.
Ele colocou o chapéu na cabeça, ajustando-o naquele ângulo inclinado para o
lado que ela já estava começando a se acostumar. Ele atirou o alforje por cima do
ombro e caminhou para a porta a passos largos que eram compatíveis com sua
altura.
“Dallas é tão alto quanto você?”, ela perguntou.
Ele parou, uma mão sobre a maçaneta. “Mais alto”.
Ele abriu a porta e hesitou. “Eu voltarei em aproximadamente uma hora. Então
nós iremos comprar o resto das provisões”. Ele deslizou para o corredor, fechando a
porta atrás de si.
Amelia saiu da mesa e caminhou até o lavatório e se olhou no espelho. Ela
gemeu. Uma parte do seu cabelo tinha se soltado e estava levantado igual ao pelo de
um gato bravo.
Não era à toa que Houston Leigh tinha evitado olhar para ela.
Ela soltou um suspiro longo. Um banho morno. A compra de alguns
suprimentos. Então ela começaria, a que estava certa de ser, a jornada mais
importante de sua vida.
Capítulo Três
Amelia olhou fixamente para a porta, desejando que o homem que tinha saído
como uma tempestade retornasse. Num momento ele parecia interessado no
guarda-roupa dela, e no seguinte ele estava saindo como se não conseguisse escapar
rápido o suficiente.
“Ele não gostou desse também?”, Mimi perguntou, com a irritação perceptível
na voz.
“Não, ele gostou deste aqui. É de mim que ele não gosta”.
Mimi virou as mãos em um gesto dramático. “Tolice! Ele adora você”.
Amelia caminhou através de quarto. “Realmente, eu sou um fardo para ele”.
Mimi começou a desabotoar as costas do vestido dela. “Oh, pequena, eu acho
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que você não entende muito do amorr. Um homem só vê uma mulher como um
farrdo se ele achar que não pode agradarrr ela”.
“Tudo que ele tem que fazer é me escoltar até o rancho do irmão. É tão difícil
assim?”.
“Isto, pequena, vai dependerr da jorrnada. Para você, serrrá fácil. Seu coração
pertence a outro, não é?”.
Com a esperança de que ela realmente daria o coração para Dallas logo depois
de encontrá-lo, Amelia concordou com a cabeça.
“Quando um coração pertencerr a ninguém, a jorrnada nunca é fácil”. Com um
floreado, Mimi girou. “Agora, vamos verr o que mais eu tenho que parrece com
chão!”.
Uma hora mais tarde, Amelia deu um suspiro fundo de alívio ao sair da loja de
Mimi vestindo suas próprias roupas. Ela guardaria as roupas novas até que eles
estivessem próximos ao rancho.
“Você conseguiu os cinco vestidos?”, uma voz profunda perguntou.
Amelia se virou. Junto com as sombras finais da manhã, Houston se debruçava
contra a parede.
“Sim, é necessário apenas que você pague por eles, e ela vai embrulhar. Embora
eu não possa imaginar o que eu possivelmente vou fazer com tanta roupa”.
Ele desencostou da parede. “Dallas acha que outras mulheres irão até lá assim
que você chegar. Ele acha que será o rei do Oeste do Texas”. Ele manteve o olhar
dela. “E você será a rainha”.
“Ele é tão bem-sucedido assim?”.
“Ele tem um bom começo, ele é inteligente, e não é um homem de deixar algo
atrapalhar seu caminho”.
“Você é bem-sucedido também?”.
Ele agitou a cabeça. “Não, eu deixo a glória e o sucesso para Dallas e os homens
como ele. Eu só quero assistir o pôr-do-sol em paz”.
Ele puxou o chapéu, e Amelia sentiu que algo mais profundo estava presente
nas palavras dele, algo que ele não tinha vontade de discutir. Embora ela não
pudesse ver, estava certa de que ele tinha construído um muro ao seu redor.
“Olhe em volta e veja se você consegue pensar em qualquer outra coisa que
esteja precisando enquanto eu compro as roupas. Se não, nós partiremos”.
Ele entrou na loja de Mimi e retornou alguns minutos mais tarde com dois
pacotes grandes. “Você pensou em alguma coisa?”, ele perguntou.
“Não, eu já me sinto culpada por tudo que você já comprou”.
“Não se sinta culpada. Dallas não ficará contra as compras. Ele é generoso
demais com as pessoas que são importantes para ele”.
“E você acha que ele virá a se importar comigo?”.
“Ele já se importa, Senhorita Carson. Dou a você minha palavra,” ele disse
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enquanto andava através da passarela de madeira.
As apreensões de Amelia começaram a se derreter. Talvez o homem por trás
das cartas fosse como ela tinha imaginado. Ela tinha pensado no comentário de
Houston de que ela precisava de roupas para sair. Um dia ela encantaria as senhoras
do Oeste do Texas com festas e telefonemas sociais—da mesma maneira que sua
mãe tinha encantado as mulheres das plantações vizinhas. Talvez como a esposa de
um rancheiro, ela encontraria semelhança na vida que ela tinha conhecido de antes
da guerra, uma vida que ela tinha pensado que seria sua um dia.
Uma vida despedaçada por homens vestidos de azul e cinza desbotados.
Estremecendo, ela apertou os olhos com força e enviou o passado de volta para
o fundo da mente. O futuro estava à frente dela, claro e límpido, com um homem
que tinha mostrado a ela nada além de compaixão e respeito em suas cartas.
Amelia se virou enquanto Houston colocava os pacotes na parte de trás da
carroça. Um cavalo marrom cutucou o ombro de Houston. Ele colocou a mão no
bolso e pegou uma maçã. A égua a agarrou e começou a mastigar sofregamente.
Enquanto Houston puxava a lona para cobrir os suprimentos, segurando-os
com cordas, Amelia viu a corda passar por cima de uma marca feita a brasa no lado
da carroça. Um “A” caído para o lado direito até que tocasse o lado esquerdo de um
“D”.
“O que é isso?”, ela perguntou.
“A marca de Dallas. Um ‘A ' e um ‘D’ Juntos”.
Juntos. Como uma sociedade. Como um casamento. “Ele sempre teve esta
marca?”.
“Não. No princípio, ele tinha apenas o ‘D’ e ele adicionou o ‘A ' quando você
aceitou a proposta de casamento dele”.
Profundamente tocada, ela desejou que Dallas pudesse ter compartilhado este
momento quando ela descobrisse o presente. “Ele nunca mencionou isto nas cartas”.
“Lembre que ele queria fazer uma surpresa”.
“Uma marca é algo importante, não é?”.
“É algo que o homem não escolhe levianamente. Assim como a mudança dela.
“É por isso que você acha que ele se importa comigo?”.
“É uma das razões”.
“E as outras razões?”.
“Eu acho que elas estarão muito óbvias quando nós chegarmos no rancho”. Ele
amarrou um laço no final na corda. “Pronta?”.
Mais que pronta, ela acenou com a cabeça. Ele colocou as mãos grandes na
cintura dela. Ela se segurou nos ombros dele para que fosse levantada e sentasse na
carroça. Ela se sentou e arrumou a saia, tentando não pensar no calor das mãos dele
que tinha se espalhado pela roupa que ela vestia. As mãos de Dallas eram tão
mornas, os ombros tão firmes.
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Houston subiu e se sentou ao lado dela. Ele soltou o freio e fez as rédeas
baterem nas costas das quatro mulas que os levariam. “Bem, Senhorita Carson, dê
uma última olhada pois será a última vez. O lugar para onde estamos indo não
existe nada além de terra, vacas e caubóis”.
Capítulo Quatro
21 de abril de 1875.
Querida Carson: Eu li o anúncio no qual você está buscando um marido. Se
você ainda estiver disponível, eu estou buscando uma esposa.
Eu estou com boa saúde, tenho todos os dentes, e me considero agradável aos
olhos. Eu tenho terra, gado, e o sonho de construir um império de gado como este
grande estado nunca viu.
Por favor, escreva de volta se você ainda não estiver casada, e terei o prazer de
lhe contar os detalhes.
Seu,
Dallas Leigh.
Capítulo Cinco
Amelia despertou com o odor de café forte preenchendo o ar. Ela tinha a
sensação de que ele seria tão espesso quanto um bom melaço em dia de inverno.
Fazendo uma ligeira careta, ela rolou para fora da cama. Todos os músculos, todos
os ossos protestavam contra os movimentos.
De pé, ela colocou as mãos na cintura e esticou as costas. Ela se perguntou se ela
faria caminhada durante parte do dia. Sentar em uma carroça o dia todo era ruim
para o corpo.
Usando a água restante da noite anterior, ela depressa lavou o rosto, então
separou as mexas da trança, escovou o cabelo, e o juntou em um coque. Ela olhou
para sua roupa, desejando agora que tivesse tirado um tempo para lavá-la enquanto
eles estavam próximos do córrego. Ela não tinha nenhuma idéia se eles teriam água
todas as noites.
Ela cuidadosamente colocou todos os pertences dentro da bolsa de viagem,
dobrou os cobertores que cobriam a cama, e apagou o lampião. Era uma coisa
infantil, realmente, dormir com uma chama queimando ao lado.
Cautelosamente, não muito certa do que encontraria por trás da barraca nesta
manhã, ela deslizou os dedos na sua abertura e deu uma espiada pela pequena
abertura. Ela podia ver Houston abaixado na frente de um pedregulho com uma
navalha nas mãos. Ele tinha colocado um espelho, não maior do que a palma da
mão dela, na pedra e o encostado contra a árvore. Ele balançou a cabeça
ligeiramente e deslizou a navalha por cima da garganta, tirando a espuma.
Amelia saiu da abertura, e com excitação pulsando nas veias, abriu a bolsa e
colocou as mãos no lado de dentro. Ela retirou um espelho de mão grande que tinha
pertencido a sua mãe.
Ela saiu com pressa da barraca, agradecida por ter, afinal, um modo de
agradecer a tudo que ele tinha feito por ela: a barraca, o fogo, as comidas, a água
morna. “Senhor Leigh!”.
Ele se virou, com as sobrancelhas muito frisadas.
“Você pode usar meu espelho,” ela disse com êxtase enquanto o empurrava em
direção a ele.
Balançando a mão no ar, ele saltou para trás como se ela estivesse oferecendo a
ele uma serpente. “Deus todo-poderoso! Tire isso de perto de mim!”.
Amelia abraçou o espelho contra o peito. “Mas é bem maior que o seu. Eu achei
que seria mais fácil para barbear”.
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“Eu nem sei por que perco tempo me barbeando,” ele murmurou enquanto
levantava o espelho pequeno e o jogava em cima de uma caixa junto com o resto do
equipamento de barbear. “Faça tudo o que precisa para se arrumar. Café e biscoitos
estão perto do fogo. Nós sairemos antes do café da manhã”.
Os olhos dela se encheram de lágrimas enquanto saía correndo como se sua
vida dependesse disso. Ela apertou ainda mais o espelho contra o peito. Ela se
perguntou se ele usava o espelho menor para não ter que ver o rosto todo, mas
apenas pedaços, talvez assim ele pudesse fingir que não tinha o rosto desfigurado.
Ele só tinha quinze anos quando tinha sido ferido. Ela tentou imaginar como
tinha sido devastador para um menino de quinze anos descobrir que uma parte do
rosto tinha sido devastado pelo fogo inimigo. Um homem mais velho que não desse
muito valor para as aparências poderia ter se aceitado, mas um homem jovem que
ainda tinha que cortejar uma garota e casar poderia se esconder do mundo.
Toda conversa que eles compartilhavam—exceto uma – tinha começado com
ela fazendo uma pergunta. Ela acreditava que ele a considerava um fardo. Agora,
ela se perguntava se talvez ele simplesmente não tivesse tido nenhuma experiência
social. Ele sempre olhava como se estivesse buscando algo. Será que ele estava
procurando as palavras certas para dizer?
Ela pegou o espelho e estudou seu reflexo. Ela não tinha vaidade, mas não
conseguia se imaginar evitando olhar o próprio rosto. Ela pensou no modo como ele
puxava a borda do chapéu para baixo, ficando contra as paredes, ou de pé nas
sombras. Ela tinha a sensação de que Houston Leigh carregava outras cicatrizes que
eram visíveis somente dentro do coração.
Com o início do pôr-do-sol, Amelia esfregou a blusa com força no balde com
água morna que Houston tinha trazido—em silêncio. Ele não tinha falado nada
desde a manhã. Ele grunhiu, disse sim, disse não, e na maior parte do tempo a
deixou sozinha.
Eles tinham levantado acampamento um pouco mais cedo do que eles tinham
feito no dia anterior porque ele queria que eles se mantivessem o mais próximo
possível da água. Ele caçou uma lebre para o jantar. Amelia queria cavar um buraco
e se enfiar nele quando ele tinha andado a passos largos no acampamento com a
lebre e o rifle. Como ela pôde dizer aquelas coisas pela manhã? Como ela poderia
ter pensado que ele ficaria agradecido pela perda de um olho ou com as cicatrizes
de um rosto que ela tinha certeza que teria feito as mulheres desmaiarem por causa
da beleza?
Ela sabia que poderia se desculpar cem vezes, mas isso não seria o que Houston
Leigh queria... Ou precisaria. Ele precisava ser aceito como era, aprender que ele não
tinha que se esconder atrás de muros que ele mesmo construía.
Levantando-se, ela jogou a blusa na carroça, alisou para que saíssem as rugas
para que o tecido secasse até a noite. Ela passou os dedos por cima da marca de
Dallas. Ela tinha esperado muito mais desta viagem: risos, beijos roubados,
promessas de felicidade.
Ela devia deixar Houston ficar se lastimando do mundo que ele não tinha
nenhum desejo de compartilhar. Ela devia focar os pensamentos em Dallas e em
como ela poderia fazê-lo mais feliz. Ela não estava aprendendo muito a respeito do
irmão, mas talvez se ela lesse as cartas dele novamente, ela poderia descobrir algo
que tivesse deixado passar.
Ela esvaziou a água do balde, endireitou as costas com um suspiro, e começou a
caminhar em direção à barraca e a solidão.
O relincho do cavalo chamou sua atenção. Olhando em direção à área onde
Houston tinha amarrado as mulas, ela parou.
Houston tinha se sentado em um tronco, deixando o lado esquerdo voltado
para ela para que assim não pudesse vê-la. Ele colocou um tabuleiro de xadrez em
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cima de um toco de árvore. Ao lado dos pés estava o colete dobrado, e o chapéu em
cima dele.
Ele era mais magro do que ela esperava, e ainda assim ela viu que os ombros
dele eram proeminentes quando ele apoiou o cotovelo na coxa e apoiou o queixo na
palma da mão. Ele dobrou suas mangas, e ela podia ver a força dos antebraços dele.
Em frente a ele, o cavalo bufou.
“Você tem certeza?”, Houston perguntou.
O cavalo concordou com a cabeça, balançando-a para cima e para baixo.
“Certo,” Houston respondeu e moveu uma peça de xadrez preta através do
tabuleiro. Ele prontamente pegou uma de suas peças brancas e saltou por sobre uma
peça preta que ele tinha acabado de mover.
O cavalo relinchou, abaixou a cabeça, empurrou o tabuleiro de xadrez em
direção à árvore.
“Que droga! Você é um mau perdedor,” Houston sussurrou severamente.
Rindo, Amelia abordou a dupla. Em um movimento rápido, Houston agarrou o
chapéu, o colocou na cabeça, ficou na ponta dos pés, e se virou.
“Achei que você estava lavando suas roupas,” ele disse através das sombras do
chapéu.
Ela não se ofendeu com as ações dele, mas a tristeza brotou dentro dela. Ele
confiava no cavalo, mas não confiava nela. Ela tentou não mostrar o que sentia
enquanto passava a mão nos ombros do cavalo. “Eu estava, mas não se leva muito
tempo para lavar uma blusa”. Ela olhou para ele especulativamente. “Eu suponho
que deveria ter me oferecido para lavar sua camisa”.
“Isto não é necessário. Em uma comitiva de gado, um homem se acostuma a
ficar com as roupas sujas durante um bom tempo”.
“Mas nós não estamos em uma comitiva de gado. Eu lavarei sua camisa
amanhã”.
Ele abriu a boca para protestar, e então a fechou.
Amelia apertou o rosto contra o pescoço do cavalo. “Eu nunca mencionei que
acho seu cavalo bonito. Eu achei que ela era marrom, mas às vezes quando o sol
bate diretamente no pelo, ela parece vermelha”.
“Ela é da raça Sorrel. Velocidade e resistência são seus pontos fortes, além de
ser muito esperta”.
Ela estudou o homem que falava sobre o cavalo com afeto óbvio. Ela se lembrou
da descrição que ele tinha feito do cavalo que quebrou a perna de Dallas. “Você sabe
muito sobre cavalos”.
“Eu crio cavalos selvagens. É meu trabalho conhecer o temperamento dos
cavalos. Os cavalos selvagens são normalmente fáceis de lidar. A cor determina o
cavalo. Um pardo com juba e rabo preto é robusto, um albino é inútil, um negro é
um bom cavalo, a menos que tenha rabo e juba ondulada”.
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“Isto é impressionante,” ela disse tranquilamente, mais impressionada com a
quantidade de coisas que ele tinha falado do que com o que ele tinha dito. “Você
cria cavalos?”.
“Estou começando. Eles costumavam correr em liberdade pelo Texas mas eles
estão ficando cada vez mais difíceis de encontrar, então eu terei que fazer eles
procriarem”.
Ela esfregou o focinho do cavalo. “Qual é o nome dela?”.
“Sorrel”. Ele ergueu os ombros. “Leve em conta que eu recebi tanta imaginação
dos meus pais”.
Ela riu ligeiramente, encantada com a conversa. Embora ele ainda usasse o
chapéu, ele tinha relaxado a postura. Ele parecia ficar mais à vontade com cavalos
do que com pessoas. Ela se perguntou o que o faria ficar confortável ao redor dela, o
que teria de acontecer para que ele deixasse o chapéu no chão. “Eu jogo xadrez.
Provavelmente melhor do que seu cavalo”.
Ele estreitou os olhos. “Meu cavalo joga bem”.
Ela levantou o queixo. “Eu jogo melhor”.
“Vamos ver se é verdade?”.
Ela achou que ele nunca perguntaria, mas decidiu não mostrar muito
entusiasmo. Ela não queria espantar a companhia dele da sombra refrescante. Ela
simplesmente andou até o tronco onde ele estava sentado e levantou o rosto em
desafio, “Por que não?”.
Ele, rápido como uma bala, juntou o tabuleiro e as peças, e os colocou
cuidadosamente sob o toco da árvore. Empurrou Sorrel com graça enquanto o
cavalo cutucava seu ombro. “Esse jogo não é seu. Saia daqui”. Então ele se abaixou,
sentou sobre as coxas, e o jogo começou.
Amelia nunca tinha visto ninguém se concentrar tanto em um jogo. Houston se
equilibrava nas pontas dos pés, com os cotovelos sobre as coxas, a palma da mão
apoiando o queixo, estudando cada movimento que ela fazia como se fossem
igualmente importantes.
Ela se lembrou de jogar xadrez com o pai antes da guerra. Os jogos eram
rápidos, e normalmente terminava com os dois rindo, nenhum deles ganhava. Ela
estava começando a entender porquê o cavalo de Houston pisou no tabuleiro.
“Meu pai me ensinou a jogar xadrez,” ela disse. “Se eu achasse que iria perder,
eu movia as peças quando ele não estava olhando. Ele sempre fingia não notar”.
“Você diz como se tivesse amado seu pai”.
“Claro que eu amei. Muito. Ele era meu pai. Você não amou o seu?”.
“Particularmente, não”.
Ela sentiu pelo aperto do queixo dele que ele deveria ter se arrependido por ter
falado isso.
“Sua vez”, ele murmurou.
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Ela prontamente mexeu outra peça do tabuleiro e esperou o longo tempo em
que ele planejava a estratégia. Com o dedo polegar, ele levou o chapéu para cima da
sobrancelha. Com a atenção claramente focada no jogo, ela estava certa de que ele
não tinha percebido que tinha permitido as sombras escaparem do rosto. Ela deu
boas-vindas à oportunidade de visualizar mais do que o perfil dele. O tapa olho
preto era maior do que a maioria dos que ela já tinha visto. Ela supôs que ele queria
deixar as cicatrizes o menos visível possível. Os dedos dela se dobraram da mesma
maneira que ela tinha feito na primeira vez em que eles se encontraram, ela sentiu
uma imensa vontade de tocar nas cicatrizes pouco apresentáveis dele com
compaixão. Ela imaginou abraça-lo contra o peito dela, aliviando a dor que existia
dentro do olho restante.
Um calor inesperado a envolveu como se ela estivesse andando muito perto de
uma chama. Ela fechou os dedos bem apertados para fazê-los parar de tremer, para
que eles não fossem à direção a um rosto que a fascinava com a história que
revelava. O rosto arruinado de Houston não deixava nenhuma dúvida de que ele
tinha lutado na guerra. Ela se perguntou se o semblante de Dallas revelaria mais
coisas.
“Dallas foi ferido durante a guerra?”, ela perguntou.
Houston arrastou o dedo na borda do chapéu, trazendo as sombras para o
rosto. “Não”.
Ela se puniu, se perguntando se ela alguma vez tinha lembrado como conversar
sobre a guerra distanciava Houston. Embora ele se sentasse em frente a ela, ela
sentia que ele estava se distanciando. Ela queria desesperadamente mantê-lo
próximo.
“Dallas joga?”, ela perguntou agradecida ao ver a dureza dos ombros de
Houston se amenizarem enquanto ele se debruçava para frente.
“Com tudo que ele faz, não imagino que tenha tempo”.
“Vocês dois nunca jogaram?”.
Ele pegou uma peça, em seguida a puxou para trás, sua mão nunca tocando o
tabuleiro. “Não”.
Ele observou o tabuleiro com tal intensidade que Amelia desejava ter planejado
perder. Com um suspiro, ele moveu a peça para frente, colocando-a onde ela não
tinha nenhuma escolha além de saltar por cima dela e ganhá-la. Ela estava certa de
que a intenção dele era dar uma peça a fim de ganhar duas dela, mas ela não achava
que seria sacrifício suficiente para ele ganhar.
De alguma forma ela sabia que a vitória dela também seria sua perda.
Ela deslizou os dedos por baixo do tabuleiro e depressa o lançou para fora do
toco.
“O que v—”, ele a encarou com desgosto óbvio.
Amelia sorriu inocentemente. “Eu achei que poderia perder”.
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“Você sabia muito bem que não ia perder”.
Ele agarrou o tabuleiro, e Amelia firmou os dedos em volta do braço dele. Ele
parou, os músculos dos dedos tensos. “Era só um jogo. Você deveria se divertir
quando está jogando”.
“Eu estava me divertindo”, ele disse bruscamente.
“Você estava?”.
Ele concordou com a cabeça, mas os músculos embaixo da mão não relaxaram.
“Então vamos jogar novamente”. Ela se sentou no mesmo lugar em que ele
tinha colocado o tabuleiro. Ela tinha permitido a ele dar cinco movimentos antes de
virar o tabuleiro.
“Maldição!”, ele rugiu.
“Você não estava se divertindo”, ela disse.
“Eu sei que estou. Eu ia vencer desta vez”.
Ela sorriu docemente. “Não, você não ia”.
“Você está aborrecendo, sabia?”, ele disse enquanto pegava as peças e o
tabuleiro que estavam no chão.
“Dallas sorri mais frequentemente do que você?”, ela perguntou.
“Todo mundo sorri mais do que eu”. Ele colocou o tabuleiro no toco e as peças
sobre ele. “Vá em frente, comece”.
Amelia se debruçou para frente e colocou o cotovelo no toco da árvore,
embalando o queixo com a palma da mão. “Por que você não sorri?”.
Ele evitou o olhar dela, e Amelia estudou o seu perfil perfeito, imaginando
como ele seria se uma parte do rosto não tivesse sido rasgada por estilhaços quando
era mais jovem. As mulheres fariam de tudo para ganhar a atenção dele. Poderiam
ter dito que ele era tão bonito quanto o pecado.
Ele certamente tinha um temperamento dos diabos.
“Você quer cavalgar?”, ele perguntou.
As palavras a surpreenderam. Já estava começando a escurecer. “Você quer
viajar de noite?”.
Ele se voltou para ela. “Não, eu só quero mostrar uma coisa a você. Claro, você
terá que montar no cavalo comigo”.
Ela olhou para Sorrel e a sela no chão. Ela não montava há anos, desde que seu
pai tinha morrido. Um cavalo não tinha a largura de um banco de carroça. Ela não
poderia evitar o acidental roçar das coxas ou dos cotovelos. Ela não poderia ignorar
a proximidade de corpo de Houston. A boca ficou seca com o pensamento, o
coração batendo mais forte. Ele queria compartilhar alguma coisa com ela. Não
importava o quão pequeno fosse, amizade era fundamentada no compartilhar das
coisas. “O que você vai me mostrar?”.
“Se eu pudesse descrever, não teria que mostrar”.
Ela se levantou do tronco. “Então eu gostaria de ver”.
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Alguns minutos mais tarde, ele arrumou Sorrel e ergueu Amelia sobre a sela.
Ela se segurou na parte da frente enquanto ele deslizou um pé pelo estribo e lançava
a outra perna por cima da parte de trás do cavalo.
Passando os braços ao redor dela, ele pegou nas rédeas. “Relaxe”, ele ordenou.
“Você deixará o cavalo nervoso”
“Eu estou relaxada”, ela gritou se aconchegando entre as coxas dele, com os
ombros batendo contra o peito dele.
“Sim, e eu estava me divertindo jogando xadrez”, ele disse num tom de voz
baixo enquanto levava o cavalo para frente.
As planícies suavemente passavam sob eles. Ela olhou por cima do próprio
ombro, mas Fort Worth estava além da vista, era um pedaço do seu passado agora.
O futuro estava adiante.
Sorrel caminhava lentamente por uma subida íngreme. Quando eles alcançaram
o topo da colina, Houston parou o cavalo, desmontou, e olhou na direção do
horizonte.
“Vê onde o sol está tocando a terra?”, ele perguntou com uma voz reverente.
“Sim”.
“É onde você vai morar”.
Amelia admirou o esplendor tranqüilo do local distante. Lilases e matizes azuis
varriam o céu, desciam, e se derretiam no horizonte verde.
“Vê todas as pessoas?”, ele perguntou.
“Não”.
Muito tarde ela percebeu que a pergunta dele não exigia nenhuma resposta. Ela
olhou para baixo. As profundidades escuras dos olhos dela continham uma tristeza
profunda, e o propósito da pergunta a atingiu com uma dura intensidade. Ela olhou
novamente para a terra majestosa, as árvores dispersas, a vastidão vazia.
“Com quem você vai conversar senhorita Carson?”, ele perguntou.
“Eu conversarei com meu marido”.
“E quando ele não estiver lá?”.
“Com nossos filhos”.
“Eu não sei o que Dallas disse a você nas cartas, mas você está se dirigindo a
uma solidão tão profunda que machuca o coração”.
“Apenas se a pessoa deixar, senhor Leigh”.
Houston não sabia se já tinha ouvido palavras ditas com tanta determinação ou
se ele já tinha visto alguém parecer tão sereno quanto Amelia. A brisa soprou o
cabelo dela em cima do rosto, e os lábios se curvaram em um sorriso.
“Eu acho que é tão bonito”, ela disse tranquilamente.
“Você não tem idéia de aonde está indo”.
“Não, eu não tenho. Mas eu sei de onde vim. E eu não tenho nenhum desejo de
retornar para lá”. Virando ligeiramente a cabeça, ela olhou para ele e deu um sorriso
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sentido. “Você estava certo esta manhã quando disse que eu não iria querer
enxergar o mundo como você faz. Você vê apenas o vazio. E eu vejo um lugar que
está esperando para ser preenchido por sonhos”.
Capítulo Seis
Capítulo Sete
A manhã trouxe com ela o sol brilhante e a dura realidade. Amelia tinha
evitado o olhar de Houston enquanto comia o café da manhã. Quando ele começou
a colocar os pertences na carroça, ela foi ao córrego buscando consolo.
Uma coisa tinha sido encontrar o olhar de Houston através da fogueira do
acampamento, com mais sombras do que luz, mas quando nenhuma sombra os
separava... Ela não podia encará-lo, sabendo o que ele tinha visto, sabendo o que ela
tinha visto.
Ela tinha lançado o desafio na noite anterior como ela freqüentemente fazia com
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as irmãs — assim como elas faziam com ela — para que saíssem das normas rígidas
que os pais tinham fixado para elas. Mas, por mais imaginativos que os desafios
tivessem sido, eles tinham sido apenas coisas de crianças, que faziam o coração
bater mais rápido e as risadinhas surgirem, com a intenção de fortalecer o laço entre
elas.
Na noite anterior o coração dela tinha batido mais forte e rápido, mas ela não
tinha sentido nenhum desejo de dar uma risadinha, de rir ou sorrir. Nenhum laço
existia entre ela e Houston que pudesse ser fortalecido.
Ela olhou fixamente para o córrego pequeno e escutou o murmúrio da água. Ela
se sentia suja, mais por dentro do que por fora. Ela queria que Dallas tivesse vindo
buscá-la. Ela desejava que eles alcançassem o rancho hoje. Ela desejava nunca ter
visto a luz do fogo passar pela pele bronzeada de Houston.
Ela se levantou, tirou os sapatos e meias e colocou os dedos do pé na água fria.
Não era suficiente para levar para longe as memórias da noite anterior, fazê-la se
esquecer de que, por um momento louco, ela tinha invejado a luz do fogo.
Levantando a saia, ela andou com dificuldade na água marrom e a água ficou
na altura de sua canela. Marrom como o olhar de Houston, marrom como os olhos
de Dallas. Marrom da cor da terra fértil.
“Amelia?”.
Recusando-se a reconhecer a presença de Houston se ela se virasse, deu uma
olhada rápida nas árvores enfileiradas na margem oposta. A raiva cresceu
novamente, a raiva que ela sentia por gostar do modo como o nome dela soava
vindo dos lábios dele, como gostava do timbre fundo da voz dele que envolvia os
sons. Ela desejava que a voz de Dallas ressoasse do mesmo modo.
“Você tem planos de olhar para mim ou conversar comigo hoje?”, ele
perguntou.
“Talvez ao anoitecer. É mais fácil com as sombras ao nosso redor”.
“Então eu acho melhor a gente esperar aqui até anoitecer”.
Ela enlaçou as mãos. “Eu pensei que se eu fizesse com você o mesmo que você
tinha feito comigo, eu acharia o que você tinha tirado de mim. Mas confiança não
volta assim tão facilmente”. Ela revolveu a água e levantou o rosto ligeiramente.
Ele não estava usando chapéu. Nenhuma sombra mantinha o olhar dele longe
do dela. Dentro da escuridão profunda, ela lia tristeza, vergonha, e um pedido de
desculpas tão profundo que quase a fez se lamentar. “Eu sinto muito”, ela suspirou
roucamente.
“Não há nenhuma necessidade de se desculpar. Foi tudo minha culpa. Eu tenho
o hábito de pegar o caminho fácil. Era mais fácil assistir do que parar e dar as
costas”. Ele colocou o chapéu na cabeça. “Já carreguei a carroça. Nós podemos partir
assim que você estiver pronta”.
“Só alguns—Oh!”, a dor aguda veio de repente, sem aviso prévio. Ela tropeçou
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e caiu na água fria.
“Houston trilhou pela água, a ergueu pelos braços, levando-a para fora da
corrente. O que aconteceu?“.
“Minha perna. Algo me mordeu. Um peixe ou algo assim”.
Cuidadosamente ele a sentou na grama e se ajoelhou ao lado dela.
“Feche os olhos,” ele exigiu enquanto ele arrancava o chapéu da cabeça.
“Droga! Feche os olhos!”.
Ele só tinha gritado assim com ela uma vez — na noite anterior — e
normalmente ela teria obedecido qualquer um que gritasse com nela com tal
urgência. Mas ela não conseguia se mover, agir, fazer qualquer coisa exceto olhar
fixamente as duas marcas de perfuração na sua canela e o sangue que escorria em
direção ao tornozelo.
“O que me mordeu?”, ela perguntou.
“Serpente,” ele respondeu enquanto enrolava uma tira de couro ao redor da
canela antes de desembainhar a faca que levava no cinto. A luz da manhã refletia no
aço da faca.
“Vai doer. Sinto muito” ele disse baixinho enquanto passava a lâmina através
da canela dela. Ela trincou os dentes e fechou as mãos, desejando poder tranqüilizá-
lo, mas com medo de que se abrisse a boca para falar, acabaria gritando.
Ele soltou a faca. Envolvendo a canela dela com as mãos mornas, ele abaixou a
boca em direção ao ferimento. Seu queixo trabalhou incansavelmente enquanto ele
chupava e cuspia. Chupava e cuspia. Repetidas vezes.
Ela tocou o dedo no remendo preto da canela e desviou o olhar. Nenhuma tira
de couro cobria os olhos dele enquanto trabalhava. Os fios negros e grossos do
cabelo caíam sobre o rosto, e ela teve o forte desejo de jogá-lo para trás.
“Eu vou morrer?”, ela perguntou tranquilamente.
Ele levantou a cabeça, aparentemente esquecendo ou sem perceber que não
estava protegendo o rosto do olhar dela. Nada cobria o olho esquerdo ou a
bochecha. A pele estava esticada em alguns lugares, fortemente cicatrizada em
outros, como se a pele do rosto não soubesse como se consertar propriamente. Ela
queria lamentar a dor que ele devia ter suportado, a criança ferida que um dia
deveria ter sido.
“Não”, ele disse com convicção. “Não, você não vai morrer”.
Ele a segurou nos braços como se ela fosse pouco maior do que um buquê de
flores recentemente colhidas. Ela apertou o rosto contra o peito enquanto ele a
levava a passos largos e longos através do acampamento. Ela podia ouvir o bater do
coração dele, tão firme, tão rápido que ela estava certa de que ele estava sentindo
dor. Ele a deixou próxima das cinzas frias da fogueira do acampamento.
“Eu ainda estou sangrando”.
“Está tudo bem. Deixe sua perna sangrar durante algum tempo. Eu vou armar a
57
barraca de novo”.
“Por quê?”, ela perguntou, o pânico fazendo o estômago revirar.
Suavemente, ele embalou a bochecha dela. Ela sentiu o leve tremer dos dedos
dele e os cobriu com as mãos. O pomo de Adão dele lentamente deslizou para cima
e para baixo.
“Você vai ficar doente,” ele disse, com a voz irregular. “Realmente doente”.
“Eu não vi nenhuma serpente”, ela disse esperançosa.
“Ela deixou a marca da presa. Provavelmente uma cobra d’água, talvez uma
cascavel que estava perto da água”.
Ele levou os dedos que a tocavam e um frio percorreu o corpo dela. Um tremor
passou por todo seu corpo.
Ele arrancou o colete e suavemente o deslizou por cima dos ombros dela,
aconchegando em volta dela. Ele tirou a camisa por cima da cabeça e a enrolou para
fazer um tipo de travesseiro. “Aqui, deite”.
Ela se deitou. “Eu estou cansada,” ela disse, com a língua meio espessa. “Não
dormi bem na noite passada”.
“Você dormirá hoje. Eu voltarei para você”.
Antes que ela pudesse responder, ele correu para a carroça e começou a
procurar por entre as coisas, os movimentos urgentes. As pálpebras dela ficaram
pesadas, mas ela se obrigou a ficar com os olhos abertos enquanto ela o via montar a
barraca na sombra de uma árvore.
As costas dele eram magra, bronzeada, e ela se perguntou se ele
frequentemente trabalhava sem camisa. Seus músculos lembravam a ela um
garanhão: macio, lustroso e poderoso, com uma graça visível na medida em que ele
trabalhava.
Ela fechou os olhos e a vertigem a assaltou enquanto a escuridão a rodeava.
Abrindo os olhos, ela tentou ignorar a dor pulsante na canela e se concentrou no
simples tapa-olho que cobria as cicatrizes de Houston. Talvez ela o decorasse com
flores minúsculas antes de devolver a ele.
Antes que ela pudesse examiná-lo, longos dedos marrons o alcançaram. Ela
assistiu enquanto Houston removia a tira de couro da perna dela e a amarrava ao
redor da cabeça, colocando o tapa-olho no local das cicatrizes.
Ele embrulhou uma tira de pano ao redor do ferimento dela. Então ele a ergueu
nos braços e a levou até a barraca, cuidadosamente a colocando na cama.
“Você acha que consegue trocar de roupa ou precisa da minha ajudar?”, ele
perguntou.
Ela deu uma olhada rápida na camisola esperando por ela em cima do
travesseiro. Ela movimentou a cabeça letargicamente, com a língua atrapalhando a
formar palavras. “Eu... consi...go”.
“Bom. Voltarei em alguns minutos”.
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Ele desapareceu antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa. Lentamente, ela
tirou as roupas, deixando-as largada no chão. Ela deslizou na camisola antes de
virar de lado e começar a dormir, confiando sua vida a Houston.
6 de abril de 1876.
Minha querida senhorita Carson,
O vento soprou forte esta tarde, girando as pás do meu moinho de vento pela primeira
vez. A roda gemeu e os homens reclamaram que não seria o suficiente mas eventualmente
começou a girar o suficiente para trazer a água. Eu apreciei ouvir o barulho ritmado. Espero
que, durante muitas longas noites, o som, como uma serenada, faça minha família dormir.
Não sinto solidão quando estou rodeado pela vasta extensão de terra e suas infinitas
possibilidades. Eu acho que você vai achar aqui muita coisa para aliviar sua solidão—a terra,
o vento uivando, o mugir do gado, o sol, a lua, as estrelas. Quando eu cavalgo à noite
sozinho, eu acho companhia em tudo que me cerca. Eu digo isto a você porque não quero que
pense que as palavras seguintes são devidas à solidão.
Eu acredito que uma esposa e filhos seriam uma riqueza muito grande na minha vida. E
eu faria de tudo ao meu alcance para trazer riqueza à vida de vocês.
Depois de um ano de correspondência, estou seguro de que você e eu somos adequados
um para ou outro, e eu ficaria honrado em ter você como minha esposa. Aguardo
ansiosamente sua resposta.
Seu,
Dallas Leigh
Amelia rezou para morrer quando achava que iria viver, e rezou para viver
quando achava que iria morrer. Ela rezou enquanto tomou café da manhã. Ela rezou
quando não tinha mais forças para se levantar mas seu corpo insistia para que ela
tentasse de alguma maneira. Rezou quando estava tremendo de frio e rezou quando
estava queimando de febre.
Ela rezou para que Houston não a deixasse. Para sua satisfação, era a única
oração atendida. Ele ficou com ela todo o tempo de sua provação, mentindo
constantemente.
Ele dizia a ela que o pior já tinha passado quando ainda não tinha para que ela
não desistisse. Ele dizia a ela que o frio era um bom sinal, então ele dizia que a febre
era boa. Usando um pano fresco, ele enxugava o suor da testa, bochecha e
garganta... O tempo todo dizendo que ela ficaria bem, com sua voz profunda.
Ela descobriu que amava a voz dele, até quando estava mentindo. Tinha uma
doçura, era como um calmante. Ela imaginava os cavalos atendendo seus comandos.
Ela queria viver o suficiente para poder vê-lo treinando um cavalo, o cavalo dela, o
cavalo que ele tinha prometido a ela quando ela se sentia certa de que iria morrer.
Ela o fitava enquanto ele suavemente lavava a lama da canela dela. As
sobrancelhas não estavam mais tão frisadas quanto antes. Ela se perguntou se
alguém o tinha tratado com esta ternura quando ele tinha sido ferido. Ela não podia
imaginar com todas as vítimas de guerra, se alguém teria achado tempo para cuidar
de um menino de quinze anos muito ferido. Ela ficava surpresa pensando como ele
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tinha sido bem sucedido em sua provação.
Mas ele tinha sobrevivido, e ela estava determinada a não deixar que uma
pequena serpente levasse sua vida.
“Seu pai cuidou de você enquanto estava machucado?”, ela perguntou.
Ele visivelmente enrijeceu. Ele odiava conversar sobre a guerra, e, ainda assim,
essa era parte do passado de Dallas também. Como ela podia entender os homens
com quem viveria se não entendesse a história deles?
“Nosso pai já estava morto. Dallas cuidou de mim”.
“Dallas parece ter o hábito de cuidar das pessoas”.
“Ele tem jeito pra isto. Ele teria cuidado melhor de você do que eu”.
“Eu não posso imaginar como ele conseguiria fazer isso,” ela disse enquanto
colocava a mão por cima da dele. Os olhos dele estavam vermelhos, o rosto
desfigurado pelo cansaço. “Você precisa dormir,” ela disse.
“Vou dormir assim que a sua febre baixar”.
“Quando isso vai acontecer?”.
“Logo”.
Logo podia ser qualquer momento, qualquer dia. Logo podia ser quando a
morte viesse.
“Diga algo bom para mim,” ela disse. “Algo bom sobre o lugar aonde estamos
indo”.
Ele tocou o pano úmido na garganta dela. “Flores. Você verá flores bonitas na
primavera: azuis, vermelhas, amarelas. Não tão bonitas quanto as que você costura,
mas quase a mesma coisa”.
“O que mais?”.
“Não existe nada para bloquear sua visão do pôr-do-sol. Você pode ver ele
correr através do campo, faz com que a gente se sinta tão pequeno”.
“Eu sou pequena”.
Ele ergueu um canto da boca. “Sim, você é pequena”.
Sorrindo suavemente, ela tocou o canto da boca de Houston. “Um sorriso. Eu
pensei que morreria sem ver você sorrir”.
“Você não vai morrer”.
Ela ergueu uma sobrancelha. “Dallas arrancará seu couro se eu morrer”.
Inclinando-se, ele tirou uma mexa do cabelo dela da bochecha. “Com certeza,
ele irá”.
“Não deixe isso acontecer”, ela disse enquanto caia no sono.
Ele tinha os cílios mais longos que ela já tinha visto. Ela nunca os tinha notado
antes, mas enquanto ele dormia com o rosto pressionado contra o catre próximo ao
quadril dela, ela claramente podia ver o comprimento e a espessura dos cílios dele.
O cabelo—preto como um céu de meia-noite sem estrelas — enrolava por acima da
63
orelha, descansado contra o queixo. Ele precisava se barbear.
Olhando fixamente para o perfil dele, ela não mais tentava imaginar como ele
seria se nunca tivesse sido ferido, mas ela se viu pensando nas coisas que ele
poderia ter tido. Uma vida que incluísse uma esposa e crianças. Um sorriso que teria
aquecido o coração de muitas mulheres. Uma risada que ecoaria forte e verdadeira.
Ela nunca o tinha ouvido rir, tinha visto somente o fantasma de um sorriso. Ele
não era nada dela para que se importasse, mas ela se importava. Ela queria ouvir a
risada dele. Queria que ele sorrisse sem se sentir constrangido. Ele tinha lutado para
trazê-la de volta à vida. Dar a ele um sorriso era um pagamento pequeno.
Ela passou os dedos pelas mexas espessas do cabelo dele. Era mais grosso que o
dela, como se tivesse travado uma batalha com o vento e o sol.
Ele acordou com um solavanco. “Sua febre acabou”.
Ela sorriu suavemente. “Eu sei. Você estava dormindo”. Ele se sentou e esticou
os ombros para trás.
“Como você se sente?”.
“Cansada”.
“Você se sentirá fraca por uns dias”.
“Você já foi picado por uma serpente?”.
“Não, mas acontece de vez em quando com alguns homens na comitiva”.
“Você cuida dos homens então?”.
“Não. O cozinheiro normalmente dá os medicamentos. Acha que consegue
comer alguma coisa?”.
“Eu tentarei. Nós vamos viajar hoje?”.
“Não, nós deixaremos você descansar por uns dias”.
“Dallas não ficará preocupado se nós não estivermos lá na hora certa?”.
“Eu acho que ele só começará a se preocupar se a gente não chegar lá em um
mês”.
Houston a levava para fora durante o dia para que apreciasse o sol e a trazia de
volta para a barraca de noite para dormir. Ele dormia no próprio catre, a sela
colocada de forma tal que ele pudesse olhar a barraca dela. Dadas as circunstâncias,
ele não achava que ela se importaria. Ela não estava fazendo nenhuma sombra.
Na manhã do terceiro dia após o fim da febre, ele despertou com o olhar fixo na
barraca. Com as primeiras luzes do amanhecer passando através das folhas e
dançando na lona, ele não podia ver quaisquer sombras ou movimentos dentro da
barraca, mas ele podia pressentir Amelia claramente, deitada na cama, dormindo
profundamente. Nos últimos dois dias, ela mais tinha dormido do que ficado
acordada.
Ele achava que eles poderiam viajar hoje. Ele achava que deveria levantar e
despertá-la, mas ele gostava da idéia de deixá-la dormir, deixando-a acordar por si
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só, se esticando, lavando o rosto, escovando o cabelo. Ele não conseguiria ver
nenhum dos movimentos, mas saber que eles aconteceriam quase o fez sorrir.
Ela era doce, tão incrivelmente doce.
Ele se livrou do cobertor, colocou os pés no chão, apoiou as mãos nas coxas, e
continuou a olhar fixamente para a barraca. Ele faria café antes de ela despertar.
Cheio de açúcar como ela gostava. Ele iria aquecer água para ela.
Ele se virou e congelou. Ela estava sentada em um tronco, com as mãos
apertadas entre os joelhos.
“Bom dia,” ela disse suavemente.
“Você está acordada,” ele disse rouco, fazendo careta por dizer algo que ela
obviamente sabia.
Ela sorriu, e ele quase se esqueceu de respirar.
“Eu queria ver um amanhecer do Texas. Foi bonito”.
Ele se virou, lutando contra o desejo de dizer a ela que ela era mais bonita do
que qualquer sol que ele já tinha visto. O cabelo trançado estava por cima de um
ombro, a cor rosa do rosto banhada pela luz da manhã, os olhos verdes brilhando de
admiração. Ele achava que nunca mais seria capaz de olhar para o sol surgindo no
horizonte sem pensar nela, não conseguiria apenas apreciar o começo de um novo
dia. Para ele, um dia era algo para ser ultrapassado.
“Eu acho que quando a gente pensa que vai morrer, começa a apreciar as coisas
um pouco mais. Qual foi a primeira coisa que você queria fazer depois que foi
ferido?”, ela perguntou.
“Queria ver minha mãe”. Ele agarrou o chapéu e colocou no lugar. Ele nunca
tinha dito isto a ninguém. Ele queria tanto a mãe que tinha se sentido como um
bebê.
“Mas ela estava muito longe para ir até você”.
Os olhos dela continham tanta compreensão que ele não pôde impedir que as
memórias voltassem. “Sim, ela estava muito longe, e ela tinha que cuidar de Austin,
então ainda que ela soubesse que eu tinha sido ferido, ela não poderia ir”.
“Você não disse a ela que tinha sido ferido?”.
Ele agitou a cabeça. “Dallas disse que saber apenas a faria ficar preocupada.
Depois da guerra terminada, nós fomos para casa. Quando nós chegamos lá, estava
tão quieto. Podia sentir que algo não estava certo...”.
A voz dele foi diminuindo.
“O que não estava certo?”, ela perguntou, suavemente pedindo para que ele
continuasse.
Houston se sentou no chão duro. Conforto era algo tão esquivo a ele quanto à
paz da mente. Ele nunca tinha falado sobre aquele dia com ninguém, nem mesmo
com Dallas. Às vezes, ele sentia uma forte necessidade de conversar sobre isto com
Austin, saber se ele se lembrava, mas se Austin não tinha nenhuma memória
65
daquele fato, ele não queria dá-la a ele. “Nós achamos nossa mãe na cama. Ela já
estava morta há algum tempo. Eu fiquei contente então por Dallas não ter escrito a
ela sobre mim, que nós não demos mais um motivo para ela se preocupar”.
“Você sabe como sua mãe morreu?”, ela perguntou.
“Acho que ela pegou algum tipo de febre. Nosso pai não era de fazer muitos
amigos então ninguém verificou a fazenda enquanto nós não estávamos. Nós não
sabemos como Austin conseguiu sobreviver. Ele era como um animal selvagem
quando nós o achamos”.
“Essas são as memórias que você acha que o Austin tem da guerra?”.
“Eu não tenho nenhuma idéia das memórias que ele tem. Se ele não tiver
alguma, eu não quero dar a ele a minha”.
“Então você nunca conversa sobre isto”.
“Não”. Ele se levantou e esfregou as mãos nas coxas. “Se você estiver
recuperada o suficiente, nós vamos seguir caminho esta manhã”.
Ela sorriu então, um sorriso que fez o coração dele doer, um sorriso que fez com
que ele desejasse, na juventude, ter seguido um caminho diferente.
Capítulo Oito
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*N. da R. = adjetivo pátrio (estadunidenses) historicamente carregado com
sentido de ódio.
“Se você quiser. Um homem com o rosto como o meu não importa muito se tem
bigode ou não”.
Mas ele se importava, ela percebeu, pensando naquele dia em que ela o tinha
conhecido. Ele estava limpo e barbeado. Na manhã em que eles partiriam, ele tomou
banho e se barbeou. E ele trouxe junto seu equipamento de barbear e um espelho
minúsculo para que pudesse continuar cuidando da aparência enquanto eles
viajavam. Se ele quisesse um bigode, ele teria deixado crescer sem que ela sugerisse.
Ela mordeu o lábio inferior e estreitou os olhos. “Não, eu acho que um bigode
esconderia sua boca, e você tem uma boca bonita”.
Na luz que desvanecia, ela podia ver o rubor aparecer no rosto dele.
Cuidadosamente, ela barbeou a parte de cima do lábio. Um calafrio desceu pela
espinha dela quando as respirações dos dois se encontraram.
Ela enxugou as sobras de espuma e deslizou os dedos junto ao queixo liso dele
e em cima da bochecha até que a palma da mão dela embalou o lado do rosto dele,
as pontas dos dedos tocando ligeiramente as cicatrizes. Ela ficou contente por ele
não ter agarrado o pulso dela e levado sua mão para longe. “Ainda dói?”.
Ela o viu respirava fundo. “Às vezes... Quando bate um vento do Norte, dói”.
Ela olhou de volta para os lábios dele. Eles pareciam incrivelmente suaves e
fora de lugar em um rosto tão enrugado quanto o dele. Ela ergueu os olhos e
descobriu que ele estava observando os lábios dela também. Conscientemente, ela
lambeu os lábios.
O olhar dele vagou pelas formas dela até que os olhares se encontraram. “Vai
escurecer logo. É melhor que você entre. Todos os tipos de animais aparecem à
noite”.
Retirando a mão da bochecha, ela se levantou. “Deixei algumas toalhas perto do
fogo para esquentar. A brisa pode ser bastante gelada quando se está molhado. Vou
pegar para você”.
Tão calmamente quanto podia, com o estômago revirando, ela saiu andando,
sabendo que ela não deveria ter apreciado barbear Houston tanto quanto ela tinha,
sabendo que ela não devia se perguntar se os lábios dele eram tão suaves e quentes
quanto pareciam. Ela fez um voto silencioso de que na manhã seguinte ao
casamento, ela barbearia Dallas.
Capítulo Nove
Eles viajaram quatro dias, o chão ficando mais plano, as árvores mais escassas.
Amelia imaginou o verão, quando o sol banharia a terra, quando os homens
adorariam se refugiar nas sombras das poucas árvores dispersas pelo chão. Como
Houston tinha mencionado, nada bloqueava a visão do pôr-do-sol.
Enquanto o crepúsculo ia se formando, ela deu uma olhada rápida nas árvores
dispersas, nos arbustos, a grama murchando e balançado com a brisa, ondulando
através da terra como o mar quando bate na orla.
“O que posso fazer para ajudar?”, ela perguntou enquanto seguia Houston com
os braços cheios, carregando as coisas da carroça enquanto as mãos dela
permaneciam vazias.
“Você pode juntar um pouco de carvão da pradaria”.
“Carvão da pradaria?”.
Um canto de sua boca se curvou para cima. “Esterco de vaca”.
“O que você vai fazer com isto?”.
“Quando não houver nenhuma madeira, nós queimaremos esterco de vaca”.
Ela enrugou o nariz. “Isto não é bastante desagradável?”.
“Você se acostumará com isto”. O canto da boca de Houston se ergueu um
pouco mais alto. “Eu juntarei. Por que você não olha na carroça e decide o que eu
posso abrir hoje à noite para a gente comer?”.
79
Ela levantou o queixo. “Desde que a gente deixou Fort Worth você tem feito
tudo. Eu posso lidar com o carvão da pradaria”. Ela caminhou de volta para a
carroça, pegou uma bolsinha e retirou um lenço de linho branco com os cantos
bordados.
Ela marchou para o primeiro montinho marrom que pôde ver através da grama
alta. Com cuidado, ela colocou o lenço em cima do objeto e cuidadosamente o
ergueu do chão, para ter certeza de que os dedos nunca tocariam nada além do
linho.
Mantendo o carvão—ela preferia pensar naquilo como carvão em lugar de
esterco—o mais longe possível, prendendo a respiração, ela caminhou de volta para
o acampamento. “Onde você quer o fogo?”.
Tentando estirar a barraca no lugar, Houston deu uma olhada rápida por cima
do ombro e uma seta de calor perfurou seu coração. Ele nunca tinha pensado em
Amélia como uma pessoa afetada e fresca, mas ela certamente parecia ser com
aquele pedaço de tecido rendado segurando o esterco de vaca. “Aí mesmo está
bom”.
Ela começou a se curvar para baixo.
“Não, não,” ele corrigiu. “Um pouco mais perto da barraca seria melhor”.
Ela se endireitou e caminhou em direção a ele. “Aqui?”, ela perguntou.
“É”.
Ela colocou o esterco no chão e começou a agitar o lenço.
“Pensando melhor, aqui poderia ser muito perto. Um vento forte pode vir e
deixar a barraca em chamas”.
“Onde você quer isto, então?”, ela perguntou com os lábios enrugados.
Ele se perguntou o que diabos ele achava que estava fazendo. Ele
frequentemente já tinha visto caubóis brincarem uns com os outros, mas ele não
tinha feito isso há tanto tempo, tantos anos, que tinha se esquecido de como se fazia
e todo mundo acabou rindo.
Ele queria ouvir a risada dela, mas brincar com estrume com certeza não era o
jeito de conseguir isso. Irritado com sua estupidez, ele largou a barraca, que acabou
desmontando. Ele levantou o esterco de vaca e o lançou a mais ou menos um pé de
distância. “Aí estará bom”.
Um olhar de horror cruzou o rosto dela. “Você pegou nisso”.
“Assim é mais rápido”.
Ela visivelmente estremeceu. “Devo colocar fogo nisso ou você vai?”.
“Nós só o usaremos daqui a alguns dias. Já que as minhas mãos estão sujas eu
juntarei. Você verifica as latas”.
Dessa vez Amelia não protestou. Ela correu de volta para a carroça e estudou o
material. Nada a atraía.
Um calafrio desceu pela sua espinha, e ela estremeceu quando percebeu que
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tudo tinha ficado tão quieto de repente. Mudo, como um funeral. Até as mulas e a
Sorrel pareceram sentir enquanto erguiam os narizes e mexiam as orelhas.
Ela deu uma olhada rápida no céu. As nuvens estavam escuras, mas não como a
noite. Bloqueavam o sol de final de tarde. As nuvens pretas chegavam como que
empurradas pelas mãos de um poderoso gigante.
Sem aviso prévio, o vento uivou, levantou poeira, bateu nela como um chicote,
com surpreendente ferocidade. Um pingo de chuva gordo caiu no seu nariz.
Ela ouviu um palavrão. Houston estava lutando contra o vento para conseguir
colocar a barraca no lugar e estava com pouca sorte. Ela se perguntou se ele ficaria
na barraca com ela quando chovesse.
Ela ouviu o estrondo do trovão. Um brilho de relâmpago acendeu o céu tão
brilhantemente que ela teria jurado que estava de pé no centro dele. Houston jogou
a barraca no chão e andou a passos largos em direção a ela, aparentemente um
homem com um objetivo.
Uma seta larga e branca se dirigiu ao chão. Sorrel relinchou e colocou a cabeça
entre os joelhos. O céu reverberou com o trovão enquanto outro raio estourava
através do céu escuro. Houston a alcançou.
“Suba na carroça,” ele ordenou enquanto começou a desafivelar o cinto onde ele
colocava a arma.
Amelia deu um passo para trás. “Eu não me importo de ficar molhada”.
“Não é com a chuva que eu estou preocupado,” ele disse enquanto colocava a
arma de fogo na tábua do assoalho. “É o raio. Agora, entre na carroça”. Ajoelhando,
ele removeu as esporas e as jogou na carroça.
“Você vai entrar na carroça?”.
“Não, eu preciso tirar todo o metal dos animais”. Como se estivesse cansado de
esperar por ela, ele rapidamente ficou de pé, a agarrou pela cintura e a levantou
como se ela fosse um saco de farinha.
O vento uivou, um trovão rugiu, e um raio relampejou através do céu.
“Desça, logo! Eu não tenho muito tempo!”.
Foi o desespero na voz dele que a convenceu. Ela se sentou de lado e rodeou os
joelhos com os braços para trazê-los para mais perto e ele colocou a capa da carroça
sobre ela. A escuridão a abraçou, a circulou, e a zombou com memórias de outro
tempo quando ela tinha ficado dentro de uma caixa de madeira.
A chuva começou a molhar o encerado, como uma batida constante em
staccato(*), como o som de uma artilharia distante, o pulsar de mil cascos... foi o que
tinha parecido naquele momento.
A escuridão apavorante a prendeu dentro de seu casulo sem janelas, mais preto
do que uma noite sem estrelas, sem lua. Ela era como uma menina novamente, com
oito anos de idade. Muito pequena. Muito assusta. E o inimigo estava vindo.
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*N.R = um tipo de fraseio ou articulação na qual as notas e os motivos das frase
musicais devem ser executadas com suspensões entre elas, ficando com curta
duração.
Amelia começou a sentir um calor, como uma febre. A respiração ficou difícil...
da mesma maneira que antes. As memórias se rebelavam e uivaram mais altas do
que o vento que passava apressado pela carroça.
Ela podia ouvir a voz assustada da mãe. “Se apresse, Amelia. Se apresse!”.
“Não, Mamãe! Não!”.
Os dedos de sua mãe se cravando na carne delicada do braço enquanto Amelia
tentava firmar os pés contra o chão de madeira. A mãe a empurrou com tanta força
que ela pensou que o braço se separaria do corpo. “Vamos, criança. Seu papai vai te
proteger. Você estará segura com ele”.
“Não, Mamãe! Não!”.
O quarto parecia cada vez menor. Um quarto escuro. As chamas das velas
chamejaram, e os fantasmas dançaram ao longo da parede.
“Se apresse, Amelia. O papai salvará você”.
“Não, Mamãe! Não, por favor! O papai não pode me salvar. Papai está morto!”.
Amelia não conseguia respirar. Ela estava sufocando, se afogando nas
memórias. Ela soltou as fitas e tirou o chapéu da cabeça. Ainda assim ela não
conseguia levar o ar até os pulmões. Desesperadamente ela rasgou a capa da
carroça.
Houston estava tentando tirar os metais das mulas quando viu Amelia sair da
carroça e começar a correr em direção ao... nada. Nada além de um horizonte
distante. Ele estava familiarizado o suficiente com as tempestades de raios para
saber o dano que elas podiam fazer nas planícies abertas. Com um palavrão, ele
correu atrás dela.
Ela tropeçou, os joelhos bateram no chão. Ela ficou em pé de novo e continuou a
correr, os braços sacudindo como se ela estivesse guerreando com muitos demônios
vindos do inferno.
As pernas dele eram mais longas, indo mais rápidas do que as dela. Ele a
pegou, totalmente desprevenido do terror que viu nos olhos dela quando a virou.
Ele bateu nos braços dela, no rosto, nos ombros, no peito.
“Não me mande de volta para lá! Por favor, não me mande de volta para lá! Eu
morrerei! Eu juro por Deus, eu morrerei se você me mandar de volta para lá!”.
Ele a abraçou, apertando-a contra o peito. “Eu não irei,” ele prometeu, a
respiração difícil, o coração batendo tão duro que ele estava certo de que ela podia
sentir. “Eu não irei”.
Ela caiu contra ele. Ainda a segurando, ele colocou o colete ao redor dela e
ambos foram para o chão. Ela tremeu violentamente.
“Está tudo bem”, ele quase assobiou como se ela fosse um cavalo que ele queria
82
amansar. “Está tudo bem”. Ele começou a embalá-la suavemente de um lado para
outro enquanto a chuva branda salpicava as costas dele e gotejavam lentamente do
chapéu. O raio relampejou ao redor deles, tão brilhante, tão perto que ele achou que
iria cegá-lo. Ele puxou o lado direito do chapéu para baixo e inclinou a cabeça,
tentando dar mais abrigo a ela. A uma curta distância, um raio atingiu o chão,
começando uma pequena chama que a chuva depressa apagou. A fumaça se
arrastou ao longo do chão.
“Se cair na gente, vamos morrer, né?”, ela perguntou com a voz tranqüila, um
tom calmo, calmo demais.
“Provavelmente”.
“Você acha que vai doer?”.
“Não,” ele respondeu, apertando o abraço. “Nós só veremos um flash de luz
brilhante, e tudo ficará preto”.
Ela balançou o rosto. “Você não tem que esperar aqui comigo”.
“Você ficará molhado”.
Ela sorriu, um sorriso gentil e torto, e então, ele não se importava mais se um
raio o atingisse. Morrer com ela nos braços não seria pior do que viver uma vida
solitária.
O traseiro dele estava encharcado, a lama cobria a calça comprida, a bota estava
ensopada, e a água pingava da borda do chapéu nos ombros. Os músculos doíam
pelo modo como ele se contorcia ao tentar protegê-la da tempestade. Ele passou o
nó dos dedos no caminho das lágrimas, do canto dos olhos dela até o queixo. “Diga
pra mim,” ele disse simplesmente.
Outro soar de trovão preencheu o ar. O sorriso no rosto dela diminuiu e uma
grande tristeza preencheu seus olhos. Ele desejou ter o poder de acabar com a
tristeza da vida dela—para sempre.
A chuva diminuía, caía suavemente, como uma melodia sombria que
acompanhava as palavras dela.
“Eu disse a você que meu pai foi morto durante a guerra. No dia em que nós
fomos enterrá-lo...”. Ela engoliu em seco e virou o olhar em direção ao céu escuro.
“Alguns homens vieram. Eu não sei se eles eram soldados ou desertores. Eles
vestiam uniformes azuis, mas ninguém parecia estar trabalhando. Minha mãe
estava apavorada, então ela me escondeu”.
Um tremor percorreu o pequeno corpo dela. Ele se lembrou de que ela tinha
dito que não gostava de ficar no escuro. Não era o escuro, não era medo do escuro.
Era ficar dentro da escuridão. O medo o percorreu. “Onde ela escondeu você?”.
“Com o meu pai”. Ela olhou para ele, lágrimas brotando nos olhos. “Dentro do
caixão. Estava tão escuro. Eu tive medo de que ninguém me achasse. Que me
enterrassem com ele. Eu chorei até que adormeci”.
“Você disse no hotel que já tinha dormido em lugares piores”.
83
Ela concordou com a cabeça, com a voz ficando irregular. “Ele estava tão frio.
Quando eu acordei, mãe estava me segurando, mas ela estava diferente. Eu não sei o
que eles fizeram com ela. O rosto e garganta dela estavam contundidos. O vestido
estava rasgado. Eu sempre achei que ela deveria ter estado chorando, mas ela não
estava. Ela apenas olhava fixamente, mas não era algo que eu poderia ver. Era como
se ela estivesse olhando fixamente dentro dela mesma, com a mente, o coração tinha
ido embora e só o corpo tinha permanecido para me segurar”.
Ele sentiu gosto de bílis na garganta. “E suas irmãs?”.
Ela apertou o rosto com tanta força contra o ombro dele que ele achou que ela
iria rachar os ossos de seu ombro. Ela endireitou as costas e o calor das lágrimas
passou através da camisa de flanela dele. “Elas estavam olhando fixamente,
também,” ela disse asperamente. “Olhando fixamente para o céu. Elas estavam
deitadas lado a lado, segurando as mãos... e não havia sobrado muito de suas
roupas. Era tão feio”. Ela apertou os dedos nos braços deles.
“Não pense nisso,” ele ordenou. Ele odiava guerras. Trazia o que havia de
melhor em homens como o irmão dele, o pior em homens como ele, e transformava
o resto em animais.
Ela soluçou. “Eu não queria olhar para minhas irmãs, mas olhei. Eu não queria
ver o sangue, mas vi. Tanto. Eu acho que sei o que aqueles homens fizeram—”.
“Eles não eram homens. Animais, talvez, mas não homens. Homens não ferem
inocentes”. Ele tocou o rosto dela e o puxou para perto do peito. “Eles não
machucaram você?”.
“Não meu corpo, mas meu coração. Eu quis deixar a plantação, mas eu só tinha
oito anos. E mamãe não estava em condições de viajar. Então nós ficamos e
sobrevivemos da melhor forma que podíamos”.
Ela deixou a cabeça cair para trás, os olhos tão escuros quanto às nuvens da
tempestade. “Foi quando eu comecei a procurar por coisas, coisas pequenas, que me
fizessem sentir agradecida. Não importava o quanto trivial fosse, quão tolo fosse. Eu
apenas precisava todo dia de algo que me fizesse continuar vivendo no dia
seguinte”.
Ele conhecia essa sensação. Maldição, ele conhecia essa sensação muito bem.
“Quando Mamãe morreu, eu coloquei um anúncio para viajar para oeste e me
tornar uma esposa. Eu tinha que partir, sair da terra que estava encharcada com o
sangue das minhas irmãs, ir para longe das memórias. Eu preciso de novo memórias
para substituir aquelas que me assombram quando eu me aproximo da escuridão”.
O trovão ecoou ao redor eles, o raio vislumbrou pelo ar, e a chuva começou a
cair novamente, mais forte que antes. Ela se aconchegou contra o ombro dele.
Houston tirou o chapéu, deixando que a chuva os lavasse, lavasse as lágrimas
do rosto dela, e aliviasse as feridas do coração dele.
O dilúvio não deixou que ele ouvisse a voz dela, mas o contorno dos lábios dela
84
revelou a palavra: “Obrigada”.
Ele apenas pôde concordar com a cabeça e rezar para que quando a tempestade
terminasse, ele achasse forças para deixá-la ir.
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Tudo. Tudo tinha ido embora. Amelia olhou fixamente para o rio com sua
corrente marrom e se perguntava por que eles ainda se preocupavam em procurar.
As cartas de Dallas tinham ido embora. Uma miniatura da mãe dela. Ela tinha
trazido tudo o que já tinha significado alguma coisa para ela—e agora tudo tinha
sido perdido.
Tudo. Exceto o relógio de bolso que ela tinha comprado para Dallas.
Ela lutou contra as lágrimas que brotavam nos olhos. Ela tinha perdido tudo
uma vez antes, e, de alguma maneira, ela tinha conseguido sobreviver. Ela
sobreviveria novamente.
Ela ergueu o queixo como que em desafio, ousando chamar o destino para
brincar com ela. Pelo canto do olho, ela viu a luz do sol refletir na lama. Erguendo a
saia, ela caminhou cautelosamente para a extremidade da água.
Um espelho, o espelho que sua mãe tinha dado a ela, refletia a luz do sol.
Pegando-o, ela o tirou da lama e o lavou suavemente na água. Uma doce memória
de um passado distante.
Ela secou o espelho com a saia, então o segurou para que pudesse ver seu
reflexo. Ela estava horrível. O cabelo estava embolado, havia um roxo em sua
bochecha, um botão faltava na blusa. Ela olhou fixamente para o espelho. No fundo,
algo como uma nuvem verde descia pelo rio. Ela olhou por cima do ombro e olhou
o fluxo.
94
Ela marchou ao longo da água até que alcançou o vestido verde, o espartilho
embrulhado firmemente em torno dos galhos delgados de um arbusto, a saia
balançando com o vento. Amelia pegou a saia, segurou o tecido liso contra o rosto e
deixou as lágrimas caírem.
E foi nessa hora que Houston a achou. Sentada na lama com a água na altura
dos pés, os joelhos dobrados, a face escondida pela abundância de seda verde.
Ele desejava poder poupá-la desta jornada, queria tê-la arrancado da estação e
colocado na casa de Dallas sem pedir a ela para suportar aflições, tempestades e rios
furiosos.
Ele se imaginou sentado na varanda com suas sobrinhas e sobrinhos ao redor,
contando a eles sobre a jornada que tinha feito com a mãe deles. Ele diria que ela era
uma mulher de coragem.
E ele desejava que nenhum deles percebesse em sua voz ou visse refletido em
seus olhos que ele tinha se apaixonado por ela.
Ele deslizou pelo banco barrento e recuperou o equilíbrio, parando antes que
acabasse mergulhando nele. Ele marchou pela lama e se ajoelhou ao lado dela.
“Amelia?”.
Ela ergueu o rosto coberto de lágrimas. “Esse foi o primeiro vestido que eu tive
em dez anos que não tinha pertencido a nenhuma outra pessoa antes. Eu iria
guardá-lo para o dia em que me casasse com Dallas”. Ela apertou a saia contra o
peito. “Ele foi rasgado pelos galhos”.
Ele conhecia o sentimento de vestir algo que tinha sido de outra pessoa. Ele
tinha usado as roupas desgastadas de Dallas até a guerra. A primeira peça de roupa
que ele tinha vestido que tinha sido só dele foi uma jaqueta cinza que a mãe tinha
costurado para que assim ele pudesse montar com algum orgulho junto ao pai e ao
irmão mais velho.
Só que ele não tinha sentido orgulho... Apenas temor, um frio que ficava preso
no estômago. Um terror que o deixava inseguro. Como o de agora. Ele queria que
esta mulher estivesse segura, em segurança nos braços do irmão, onde Houston não
a poderia tocar, onde ele não poderia arrastá-la para o inferno que era a vida dele.
Ele tirou a faca da cintura. “Eu cortarei os galhos e você poderá pegar o vestido.
Talvez você possa consertar o dano”.
Ele foi para o lado dela e começou a cortar os galhos.
“Eu achei o espelho da minha mãe,” ela disse tranquilamente. E tocou na borda
do chapéu dele. “Você achou seu chapéu”.
“Sim. Fora isso, eu não tive muita sorte. A água está muito forte. A corrente está
muito rápida”.
“Nós vamos voltar na casa de John e Beth?”.
“Acho que eles não têm muita coisa. Acho que a gente só vai perder tempo e
ganhar muito pouco”.
95
“Então, o que nós vamos fazer?”.
Ele corta o último galho e embainha a faca. “Nós sobreviveremos. Nós ainda
temos todo o material que tinha colocado na Sorrel. Não é muito, mas é o suficiente.
Eu já viajei com menos”.
Ela guardou o tecido de seda verde e rosa. Houston ficou de pé, tirou o chapéu,
e o estendeu na direção dela. “Você precisará usar isto”.
Os olhos dela se arregalaram. “Mas esse é o seu chapéu”.
“Eu sei, mas eu não consegui achar o chapéu de Austin ou o seu gorro, e o sol
vai transformar sua pele bonita em couro. Não pode machucar tanto a minha”. Ele
fez careta enquanto uma lágrima se arrastava na bochecha dela. “Não comece a
chorar por mim”.
“Mas eu sei o quanto o chapéu significa para você”.
Ele quase disse que ela significava muito mais, mas as palavras permaneceram
junto com as outras que não tinha nenhum direito de dizer em voz alta. “Então tome
cuidado com ele porque eu vou querer de volta quando a gente chegar no rancho”.
Capítulo Doze
Houston nunca tinha considerado que seu desejo de criar cavalos fosse um
sonho, mas ele supôs que fosse. Ele sempre ficava em paz quando ele trabalhava
com os cavalos selvagens, talvez porque ele soubesse o que era ter a alma destruída,
ser abatido, ser deixado para trás e se sentir sem valor. Como resultado, ele
trabalhava duro para não destruir o espírito do cavalo.
Alguns cavalos, como o cavalo selvagem preto que Dallas tinha tentado
amansar, simplesmente não podia ser amansado. Ele era muito orgulhoso ou muito
teimoso, exatamente como o irmão mais velho dele era. Ele percebeu que o pai tinha
reconhecido esta característica teimosa em Dallas e percebido que ele não poderia
ser adestrado assim ele nunca tentaria submetê-lo às suas vontades. Ele o aceitou
como era.
Com Houston, entretanto, tinha sido outra história. Ele teria alegremente dado
a vida se apenas uma vez só o pai o tivesse olhado com orgulho refletindo nos
olhos, entretanto ele teve que admitir que ele provavelmente nunca tinha dado ao
pai nenhum motivo para que sentisse orgulho dele.
Ele deu uma olhada rápida no cercado pequeno. Os cavalos selvagens
poderiam beber na lagoa do canto e descansar depois da perseguição até que ele
estivesse pronto para tirá-los. Ele não teria corda suficiente para levar todos, mas ele
levaria o melhor. O garanhão, sua égua favorita, e qualquer outro que ele achasse
que valesse a pena. Os cavalos restantes ele deixaria livre.
Enxugando a testa, ele observou a mulher que queria ser parte de seu sonho,
seus dedos ágeis desenrolando uma corda grossa para que assim ele pudesse
enrolar as cordas em torno dos galhos de árvore que ele tinha juntado. Ele não
ousou dizer a ela que ela já pertencia aos sonhos dele, não ousou falar dos sonhos
que ele tinha tido naquela noite em que a teve nos braços, não ousou falar daqueles
sonhos que nunca se tornariam realidade.
Ele nunca acordaria com ela em sua cama. Ele não envelheceria segurando a
103
mão dela. Ele nunca veria os olhos dela se escurecerem com paixão. Ele nunca diria
a ela que a amava.
Ele podia apenas desejar que os sonhos de Dallas se estendessem além de ter
um filho com Amélia depois que a encontrasse. Que ele gostasse dela tanto quanto
ele gostava.
Ele não achava que Dallas conseguiria não se apaixonar por Amelia. A coragem
dela seria atraente para o irmão. Houston a tinha arrastado por três semanas num
inferno, e ela não tinha reclamado nenhuma vez. Ela seria uma maravilhosa esposa
para Dallas.
Agachando, ele começou a juntar os galhos firmes um sobre o outro até que eles
ficaram parecidos com um tabuleiro de damas. Quando Amélia concluísse a tarefa,
ele amarraria os galhos firmemente juntos nas quinas onde eles se encontravam para
formar um “T”. A entrada do vale era pequena o suficiente para que sua porta
improvisada o fechasse. Ele seguraria um lado do portão e Amelia conseguiria
facilmente puxar o material improvisado e bloquear a entrada do cercado quando
ele trouxesse os cavalos. Ele era provavelmente insano por tentar capturar cavalos
com os poucos mantimentos que tinha e com uma mulher ao lado. Austin tinha
estado com ele anteriormente quando ele tinha capturado cavalos selvagens, ficando
no perímetro enquanto Houston se infiltrava no rebanho. Ele não tinha esse luxo
dessa vez. Ele poderia deixar Amelia se defender pois achava que ela era capaz, mas
o tempo estava correndo. Ele só a teria por mais um pouco de tempo... e então ele
não a teria mais.
Por vários dias, eles acharam o rebanho, caminharam até ele, e viam os cavalos
irem para longe, mas a cada dia os cavalos selvagens corriam menos e mais devagar.
No quarto dia, eles não correram mais.
Houston sentiu os braços de Amelia o abraçarem pelas costas enquanto ele
guiava Sorrel para o meio do rebanho. O Palomino garanhão os olhou
cautelosamente, lentamente se aproximou, cheirou Sorrel, cheirou a perna de
Houston. Houston achou que ele poderia sentir Amelia prendendo a respiração
contra as costas dele. Como ele desejava poder se virar e olhar para ela. Ele
imaginou os olhos verdes dela brilhando, os lábios curvados formando um sorriso.
Quando o garanhão determinou que eles não eram uma ameaça, ele agitou a
cabeça, fez a longa juba de prata longa ondular por cima do pescoço e saiu andando
como se dissesse, “Faça como quiser”.
E foi o que Houston fez. Ele andou com o cavalo pelo rebanho, estudando cada
cavalo, julgando suas qualidades. Ele capturaria todos, mas só ficaria com o melhor.
Ele não tinha corda suficiente para amarrar todos.
A outra coisa que ele sentia falta eram as perguntas de Amelia. Ela se mantinha
silenciosa, e ele queria ouvir a voz dela. Ele tinha a impressão de que tudo ficaria
muito mais silencioso depois que ela tivesse ido.
Amelia perdeu a conta de quantos dias eles tinham viajado com os cavalos
selvagens. O alcance deles tinha coberto uma distância considerável, mas ela não
teria se importado se eles galopassem para sempre em direção ao amanhecer. Ela
amava sentir o cavalo embaixo dela, o homem na frente dela e também gostou
106
quando o rebanho sentia o perigo e corria. Ela amava os sons da noite quando os
cavalos selvagens tinham se acostumados com eles. Houston a traria para mais
perto, e ela dormiria nos braços dele. Às vezes, eles conversavam baixinho sobre os
cavalos, sobre quais eles preferiam. Ou eles conversavam sobre os momentos
durante o dia quando eles não tinham falado, mas cada um sentia que os
pensamentos do outro iam para as mesmas conclusões.
Ela soube antes de ele dizer que ele preferia a égua principal do garanhão acima
de todos os outros. Ela sabia que ele a usaria como a progenitora de seu próprio
rebanho. Ela sabia que ele a domaria.
E ela soube nas horas antes do amanhecer quando ele quietamente levou Sorrel
para longe do rebanho e a levou para a pequena entrada do vale que ela tinha se
apaixonado por ele.
“Eu não entendo por que não posso ficar com você”.
Fechando as mãos em formato de concha, ele trouxe a água da pequena lagoa
até os lábios e bebeu. “Porque eu vou montar e levar eles para o cercado e preciso
que alguém feche o portão depois que eu tiver passado com eles”.
“E se eles não te seguirem?”.
Ele ficou de pé e secou as mãos na calça comprida. “Então eu terei que
perseguir eles e amarrar aqueles que nós queremos. Nós já perdemos tempo
suficiente com isso”.
Ela o envolveu com os braços. “Eu não entendo como você pode olhar para os
dias que passaram como perdendo alguma coisa. Foi a experiência mais incrível da
minha vida”.
Ele passou o dedo junto ao queixo dela. “Eu não quis dizer isto, mas há alguém
esperando por você. Eu preciso te levar até ele”.
Ele andou a passos largos até o cavalo e montou. “Fique atrás do arbusto até
que você me ouça gritar. Então comece a fechar o portão. Eu virei te ajudar o mais
rápido que puder”.
Ela se sentou em cima de uma pedra e esperou. Ela viu o sol descer através da
linha do horizonte e sentiu a solidão crescer. Uma pessoa podia amar mais do que
uma vez na vida, amar uma pessoa assim tão profundamente, com tanta força?
Dallas tinha respondido o anúncio dela; Ela tinha dado a ele sua palavra de que
se casaria com ele. Ela tinha uma obrigação a cumprir, mas ela imaginava que no
futuro, junto com suas crianças ao redor, ela diria a eles como ela tinha ajudado o tio
deles a capturar o início de seu sonho.
Ela ouviu o bater dos cascos, sentiu o chão vibrar. Ela pulou para trás do
arbusto e esperou. O rebanho surgiu, trovejando através das planícies, suas cabeças
jogadas para trás, o rabo levantado, os músculos macios e lustrosos se estendendo
enquanto eles se apressavam em direção ao seu destino.
Vindo atrás, os guiando, mantendo-os em curso, estava Houston, abaixado no
107
cavalo, com o vento batendo no cabelo, o suor brilhando no corpo. Ela acreditava
que mesmo que vivesse cem anos, ela nunca veria algo mais magnífico.
Respirando pesadamente, os pelos brilhando com o esforço, os Cavalos
selvagens galopavam no pequeno vale, rumo à lagoa. Ela ouviu Houston chamar o
nome dela enquanto passou rugindo.
Ela saiu detrás do arbusto e começou a empurrar o portão de galhos e cordas.
Então ele estava ao lado dela, empurrando-os para dentro do vale. Ele se apressou, a
agarrou pela cintura, e a levou para o lado. “Não sei se vai segurar eles,” ele disse
enquanto a soltava.
O garanhão foi o primeiro a notar que eles estavam presos. Ele se empinou e
correu em direção ao portão de galhos de árvore mas parou pouco antes de bater
nele. Ele trotou de um lado para outro. Amelia quase podia sentir sua raiva.
“Eu tenho a impressão de que ele é um cavalo que você não gostaria de
aborrecer,” ela disse.
“É”. Houston buscou algo no meio dos pertences, achou uma camisa e a
colocou por cima da cabeça. “Eu podia castrá-lo. Ele não ficaria tão animado então”.
Amelia disse tímida. “Você não vai, vai?”.
“Não. Ele não seria útil para mim”. Ele caminhou até o portão e apoiou a mão.
O garanhão bufou e trotou através das sombras finais da manhã.
“O que foi?”, ela perguntou.
“Nós daremos a eles um dia para se acalmar, então nós escolheremos aqueles
que queremos e iremos embora”.
Ele parou a mula. A montaria de Amelia parou, junto com os cavalos selvagens
que trazia a reboque. Eles concordaram em trazer oito. Um era fraquinho e ele
acreditava que não seria muito útil, mas a mulher ao lado dele tinha medo de que
ele não sobrevivesse sozinho quando eles soltassem os cavalos sem o garanhão e sua
égua favorita para guiá-los. Então ele tinha mantido a frágil criatura, sabendo que
em seu mundo não havia lugar não havia lugar para coisas gentis.
As sombras começavam a se prolongar mas eles ainda tinham bastante luz do
dia sobrando, então eles partiram. Ele levou o bando para a o monte à esquerda,
confiando que todo mundo o seguisse.
Com espanto, Amelia olhou fixamente para a pequena fonte. Três cachoeiras,
cada uma mais alta do que um homem, a água caía por cima das pedras cheias de
musgo, cobertas com arbustos, se fundindo na lagoa larga. Os cavalos andaram na
água clara.
Ao lado dela, Houston se agachou, remexeu na água próxima à extremidade do
banco e imergiu a palma da mão abaixo da superfície. “Está mais fria do que eu
tinha pensado”.
A voz dele refletia decepção, e ele deu uma olhada rápida nela. “Achei que você
iria gostar de nadar... mas está muito frio”.
Ela se ajoelhou ao lado dele e colocou os dedos na água. “Quando eu era
pequena, costumava correr e me esconder quando minha mãe dizia a Dulce para
preparar meu banho. Eu achava que seria maravilhoso nunca ter que tomar banho,
ficar tão suja quanto eu quisesse, e que ninguém ligasse”. Ela colocou a mão no
espartilho. “Eu nunca me senti tão imunda em toda minha vida. Eu fico surpresa de
que você consiga ficar tão perto de mim”. “Meu cheiro não é assim tão bom quando
eu não tomo um banho”.
“Eu acho que os cavalos estão cheirando melhor do que a gente”. Ele concordou
com a cabeça devagar. Ela colocou a mão na água. “Não fica assim tão frio depois
que se acostuma com ela”.
Ela olha a lagoa. “Você acha que há cobras por aqui?“.
109
“Eu nunca vi, mas é melhor eu dar uma olhada primeiro”.
Enquanto ele olhava os contornos da lagoa, ela tirou os sapatos, com os dedos
tremendo somente com o pensamento de uma serpente cravando as presas nela
novamente. Ela respirou fundo, tentando acalmar a respiração, determinada a não
deixar que o modo guiasse sua vida.
“Pense que você ficará bem. Eu vou juntar alguma madeira, e farei fogo. Você
pode ir andando. Grite se você vir qualquer coisa”.
Ele foi embora. Ela não se importava se a água estava fria. Eles tinham viajado
por dias vendo pequenos fluxos rasos de água que não molhavam nem o dedão do
pé. Ela queria um banho morno em uma tina de madeira grande, mas ela tinha de se
conformar com esta fonte fria.
Ela colocou o chapéu em cima de uma pedra e tirou as roupas sem pensar em
olhar por cima do ombro. Houston estava sentando por cima de uma pilha de
madeira, olhando para ela. Ele deu uma olhada ao redor até que virou as costas para
ela.
Depois de tudo que eles tinham passado, tirar as roupas na frente dele parecia
natural. Ela andou pelas águas que se agitaram.
Houston ficou de pé e andou através da clareira. Rindo, Amelia ofereceu as
mãos para ele. “Não, está tão frio”.
Ele parou. “Não fique gritando assim. Você quase fez meu coração parar de
bater”.
Tensa, segurando a respiração, ela afundou na água. Subiu rindo e balbuciando.
“N-não é tão ruim depois q-que você e acostuma. Venha para cá”.
Ele olhava como se ela tivesse dado um soco no estômago dele. Ela deu uma
olhada rápida para baixo. O linho branco estava agarrado no corpo dela, esboçando
as curvas, mostrando as formas do corpo. Ela entrou na água, dando boas-vindas ao
frio. “Venha se juntar a mim,” ela suavemente repetiu.
“Meu Deus, mulher, você está louca?”.
“Talvez eu esteja, viajando por todo o país para me casar com um homem que
eu apenas conheço por cartas. Viajar através do Texas com um homem que eu não
conhecia. Você podia ter se aproveitado de mim e não o fez. Eu não acho que você
vai fazer isso agora”. Ela pendeu a cabeça para o lado. “É muito bom tirar a poeira”.
Houston sabia que seu corpo precisava se acalmar... Nada bom. Ele jogou o
colete no chão e puxou a camisa por sobre a cabeça. Ele se abaixou para tirar as
botas e meias. Se o corpo dele não gostasse tanto da visão do corpo dela, tiraria a
calça. Do jeito como as coisas estavam, ele estava se complicando, ele se encolheu
com o frio que vazada através da sua roupa que restava. “Quanto tempo vai levar
para eu me acostumar com o frio?”, ele disse brincalhão.
Ela riu. Deus, como ele amava a risada dela. Ele amava o brilho dos olhos, o
modo como os lábios se curvavam para cima.
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Ela espirrou água nele. Ele não pôde evitar de responder, com medo de que se
envolvesse aquele corpo liso com os braços, a puxaria contra si e nunca a deixaria ir.
Em vez disso, ele se sentou na parte arenosa inferior do rio e se debruçou contra
uma pedra, permitindo que a água fria batesse nele, lutando em uma batalha
perdida, tentando não notar que o algodão branco estava colado contra a pela dela.
Ela virou a cabeça para trás, com a garganta parecendo uma coluna curva de
marfim. Ele gostaria de dar uma dúzia de beijos da ponta do queixo dela até o final
do pescoço.
“Às vezes, eu desejo que esta viagem nunca acabe”, ela disse com um tom
sonhador. Ela baixou o olhar que encontrou o dele. “Mas ela vai terminar, não é?”.
“Sim, vai”.
Ela deslizou pela água até que se aproximou dele. “E tudo que eu terei são as
memórias do tempo que nós compartilhamos,” ela disse suavemente.
Um calor começou a fluir pelo corpo dele por causa da proximidade dela. Ele
ficou surpreso pela água que o cercava não emitir fumaça. “Nós provavelmente
deveríamos sair agora,” ele sugeriu enquanto começava a se levantar.
Ela colocou a mão no ombro nu dele, e ele afundou os ombros na água.
“Amelia—”.
“Eu não queria fazer você ficar sem-graça,” ela disse.
“Eu não estou sem-graça. É só que de vez em quando nós começamos a seguir
por estradas que nós não deveríamos, e eu acabei de perceber que você estava
começando a querer viajar por uma dessas estradas”.
“Porque eu apreciei o tempo que eu tenho estado com você?”.
Ele concordou com a cabeça.
“No primeiro dia em que eu me encontrei com você, eu achava que esta seria a
viagem mais longa da minha vida. Eu nunca pensei que acumularia estes momentos
com você como se eles fossem ouro”. Ela apertou o dedo contra os lábios dele antes
que ele pudesse protestar. “Você sabe qual foi o meu momento favorito?”.
Ele negou com a cabeça, com o olhar fixo no brilho dos olhos dela.
“Depois que nós cruzamos o rio com a Sorrel, antes de você retornar ao outro
lado com a carroça... você sorriu”.
Ele fez uma careta. “Mulher, você deve estar quase cega. Se isso tivesse
parecido com o que eu sentia, você deveria ter tido pesadelos”.
“Eu podia te mostrar meu espelho—”.
“Não”. Ele afundou mais fundo na água. “Eu não gosto de espelhos”.
“As suas cicatrizes não são tão ruins assim”.
“Não tem nada a ver com as minhas cicatrizes”. Que droga, por que ele estava
se explicando? Não hoje à noite, não quando seu tempo junto a ela estava acabando.
Ela suspirou com força. “Eu admito que o lado esquerdo não subiu tanto
quanto o lado direito, mas ainda assim eu gostei do seu sorriso”. Ela tocou com a
111
ponta do dedo o canto de sua boca. “Sorria para mim novamente”.
Ele apertou os lábios.
Ela colocou os dedos polegares em cada canto da boca áspera. Ele deu um pulo
para trás. “Eu não consigo sorrir se estiver pensando nisto”.
“Então não pense nisto”.
Ela foi para trás, pegou um pouco de água e jogou nele.
“Não faça isto,” ele ordenou.
Ela sorriu travessa. “Por quê?”, ela jogou água nele novamente.
“Porque eu disse que não, é só”.
“Oh, eu estou assustada,” ela o provocou enquanto respingou água nele
novamente.
“Se não parar, você vai ver”, ele ameaçou.
Ela riu então, riu alto e claro, o som melodioso ecoando em torno das quedas da
água. Ele provavelmente nunca saberia o que tinha acontecido com ele, mas ele foi
até ela, a agarrou pela cintura, e a levou para baixo da água.
Quando ele a trouxe para cima, os braços e pernas dela estavam ao redor dele.
Ela tirou o cabelo dos olhos e riu. “Eu ainda não estou assustada”.
Ele não podia mais se segurar. O riso dele se juntou ao dela e flutuou junto com
a brisa. Profunda e forte. O som o atingiu, e ele ficou mudo.
Amelia tocou na bochecha dele. “Você nunca riu antes,” ela declarou
simplesmente.
“Sendo já um homem, não consigo me lembrar”.
Lágrimas brotaram nos olhos dela. “Eu acho isso incrivelmente triste”.
Ele a colocou de lado e ficou de pé. “É hora de sair e se esquentar”.
Mas ele podia ainda ouvir o próprio riso ecoando entre as quedas da água, e foi
tudo o que ele pôde fazer para não lamentar por si mesmo.
116
Capítulo Treze
Todos os cômodos que Amelia tinha pisado eram enormes: Seu quarto, o
escritório de Dallas, a sala de estar da frente e o corredor. A sala de jantar, porém,
124
era o maior de todo. Havia um lustre pendurado no teto alto. O piso da lareira
vazio. O forno vazio. Uma mesa de carvalho grande com quatro cadeiras em um
quarto com nada mais. A mobília em cada quarto parecia combinar de um modo
esquisito, como se o gosto de Dallas em madeira e tecidos correspondessem com o
gosto que ele tinha por chapéus de mulheres. Amelia não sabia se ela poderia se
sentir confortável em qualquer quarto. Eles pareciam incrivelmente frios, e ela sentia
que o fogo na lareira não os aqueceria.
As cadeiras roçaram no chão de pedra quando todos pegaram suas cadeiras,
Dallas na cabeceira da mesa na esquerda dela, Houston estava a sua direita, e
Austin em frente a ela. Ela estava fascinada com a beleza dos olhos de Austin, como
uma safira azul que qualquer mulher teria invejado. Seus cílios pretos espessos
emolduravam os olhos, atraindo a atenção para eles. Ela achava que se as mulheres
viessem para a região como Dallas desejava, Austin logo estaria casado.
Uma porta atrás do quarto se abriu com um chute, e o cozinheiro, andando de
um jeito largado, trazia uma panela preta de ferro fundido. O cabelo branco ia para
todas as direções enquanto batalhava com o vento e perdeu. Uma barba branca
fechada escondia a boca. As manchas salpicavam seu avental branco. Ele pegou
uma concha da panela e colocou o cozido na tigela de Amelia. “Não é requintado,
mas enche”.
Ela deu uma olhada rápida para ele e sorriu. “Obrigada. E obrigada por me
emprestar as roupas”.
“Não, não é nenhum empréstimo. Eles são suas. Não tenho mais uso para elas”.
“Não sabia que você foi casado, Cookie(*),” Austin disse.
“Anos atrás, garoto, anos atrás. Uma garota no México”. Ele colocou o cozido
na tigela de Dallas. “Ela apareceu e sumiu, mas eu mantive algumas roupas dela.
Costumava pegar de noite e ficar cheirando porque elas tinham o cheiro dela. Mas já
tem muito tempo. Não tem mais o cheiro. Vou deixar a senhorita Carson usar elas”.
“Qual era o nome de sua esposa?” Austin perguntou enquanto Cookie
3
Adobo (ou Adobe) tijolo feito com uma mistura de barro cru, areia em pequena quantidade, estrume e fibra
vegetal. Deve ser revestido com massa de cal e areia. O termo adobe vem do árabe attobi e designa, também, seixos
rolados dos leitos de rios.
126
se encostou na cadeira. “Aparentemente, ele tinha feito uma grande aposta no
resultado da guerra. O Sul perder não foi bom para ele”.
“Ele parecia ser uma pessoa interessante. Houston nunca o mencionou”.
Dallas olhou para Houston, e depois para Amelia. “Houston nunca o
encontrou. Eu não encontrei Winslow até depois de Chickamauga”. Ele bateu na
mesa com as mãos. “Mas ele era fascinante. Embora eu tenha usado muito do que
ele disse no projeto da casa, falta um toque feminino. Pense um pouco no que você
gostaria de ver na mobília e na decoração. Talvez na primavera, a gente vá até Fort
Worth para uma visita”.
“Eu gostaria. A cidade é muito animada”.
“Eu quero ir, também,” Austin disse. “Eu aposto que a cidade tem muitas
mulheres. Houston, tinha muitas mulheres em Fort Worth?”
“Não fiquei lá tempo suficiente para notar”.
“Se eu estivesse lá, nem ferrando que eu ia deixar de notar as mulheres,” Austin
disse.
O braço de Houston bateu no de Austin. “Não use esse idioma perto da
senhorita Carson”.
Austin olhou fixamente para ele. “Que idioma você quer que eu use?
Espanhol?”.
Houston agarrou a camisa de Austin e o arrastou para fora da cadeira. Austin
protestou ruidosamente enquanto Houston o levava do quarto.
Dallas suspirou profundamente. “Poderia fazer a gentileza de me dar licença?”.
Amelia engoliu o riso e quase sufocou. O toque feminino era necessário na casa.
“Certamente”.
Sussurros severos vieram do corredor junto com o som de um bofetão
possivelmente no braço ou ombro, que resultou em uma objeção furiosa do jovem.
Os irmãos ficaram no corredor do lado de fora da sala de jantar mais tempo do que
eles tinham ficado no corredor do lado de fora do escritório de Dallas. Quando eles
finalmente retornaram, estavam com a linha do queixo inflexível. Eles sentaram em
suas cadeiras.
Ela queria abraçar Austin; O rosto dele era igual ao de um menino que
desesperadamente tenta se tornar um homem.
Eles comeram em silêncio, Houston e Dallas concentrados na comida. Amelia
podia ver os pensamentos passarem através do rosto de Austin enquanto ele estava
tentando se decidir no que poderia dizer sem ser arrastado para fora do quarto. De
repente, seu rosto se iluminou como uma vela em uma árvore de Natal.
“Dallas vai comprar mais um pouco daquela cerca”.
Houston olhou para o irmão mais velho. “Aquele arame farpado?”
“É”, Dallas reconheceu.
Com isto, a conversa terminou e a comida continuou em silêncio.
127
Capítulo Quatorze
Amelia colocou uma manta sobre os ombros. Dallas tinha rasgado o cobertor de
lã pela metade, o modo mais fácil que ele conhecia de dar algo a ela que se
assemelhava a uma manta.
O sol estava se pondo acima do horizonte, pintando o céu de lavanda, a terra
em sombras. Ao lado dela, Dallas mantinha os passos junto com os dela, apoiando-
se em uma bengala, mancando levemente. Ela pensava que se ele não mancasse, sua
sombra poderia cobrir a sombra dela duas vezes.
Ele parou de caminhar e apontou em direção ao por do sol. “Vê onde o sol está
se pondo? Lá é onde minha terra termina”.
Ele encontrou o olhar dela. Ela não sabia se já tinha visto um homem mais
bonito, e ela achava que o coração iria parar quando ele tomou a mão dela.
“Quando você despertar de manhã, olhe pela janela. Onde o sol surge é onde
minha terra começa”. Ele trouxe a mão dela até o lábio morno, o bigode tocando a
pele enquanto ele segurava o olhar dela. “Você é tudo que eu tinha imaginado,” ele
disse tranquilamente.
Nessa hora o coração dela bateu muito forte, batendo tão rápido e furioso como
se ela estivesse correndo, como se ela quisesse correr. Ela não conseguia pensar em
nada inteligente para dizer. A língua tinha ficado inútil. “Eu imaginei que você
tinha olhos azuis,” ela disse, se encolhendo com o comentário vazio assim que as
palavras tinham deixado sua boca.
Ele levantou uma sobrancelha escura. “Olhos azuis?”.
Ela movimentou a cabeça. “Houston disse a mim que eles eram marrons. E que
você tem bigode. E que você faz uma sombra alta”. Ela deu uma olhada rápida no
chão onde a sombra dele se esticava muito além da dela. Sorrindo
inconscientemente em seu murmúrio, ela olhou para cima. “E ele estava certo”.
“Eu não consigo imaginar Houston falando tanto quanto parece que falou
enquanto te trazia até aqui”.
“Só porque eu perguntei. Ele não gostava muito, mas se perguntar, ele
responde. Além disso, foi uma jornada longa”.
“Eu sinto muito por não poder ter ido atrás de você”. Ele colocou a mão na
bengala e se apoiou. “Foi estúpido eu ter tentado amansar um cavalo na véspera da
partida”.
“Especialmente um cavalo preto com rabo e juba ondulados”.
“Desculpe, não entendi bem.” Ele perguntou com as sobrancelhas frisando.
“Houston explicou que a coloração do cavalo frequentemente diz sobre o
temperamento dele. Um cavalo preto com um rabo e juba ondulada é normalmente
128
indomável”.
“Ele disse isto, é?”.
“Sim. Eu não me lembro bem o que todas as outras cores querem dizer, mas ele
sabe. Você devia perguntar a ele”. Ela ouviu um relincho de cavalo e deu uma
olhada rápida por cima do ombro e viu Houston no curral, reunindo os cavalos
selvagens. “Ele está partindo?”.
“Acho que sim”.
“Eu preciso dizer adeus”.
“Por que você não vai na frente e eu te alcanço?”, Dallas sugeriu.
“Obrigado”. O pó vinha contra ela enquanto corria para o curral. Houston
estava partindo, e ela não poderia vê-lo antes de estar casada. Ela não conseguia
agüentar a simples idéia. Ela parou próxima ao curral enquanto Houston amarrava
o último dos cavalos junto.
Ela subiu na grade e ele foi na direção dela, tirando o chapéu para bater o pó
das calças. Ela queria tirar o cabelo dele da testa.
“Gostando do passeio da tarde?”, ele perguntou quando parou diante dela.
“Sim. Foi legal. Dallas é legal”.
“Legal?”, ele sorriu. “Eu estou certo de que ele ficará contente por ouvir que
você acha que ele é legal”.
“O rancho é enorme”.
“É, e você ainda não viu tudo. Um homem podia viajar por dias sem deixar as
terras de Dallas”.
“Foi isso que a gente fez, não é?” Ela perguntou. “Viajamos por dias nas terras
dele?”.
“Três dias”.
“Você poderia ter sinalizado mais cedo”.
“Poderia. Deveria, mas eu fiz muitas coisas enquanto viajava com você que não
deveria ter feito”.
Ela estava agradecida por todos eles. As memórias a seguiriam por toda vida,
ainda que o homem diante dela não estivesse por perto. “Eu suponho que não há
nenhuma chance de uma criatura poder assombrar a casa quando nós a deixarmos
vazia, não é?”.
Ele riu profundamente, com vontade, e o calor retornou ao coração de Amelia,
um calor que tinha desaparecido quando ele tinha saído do seu lado naquela
manhã.
“Não, eu não imagino que alguma criatura fique na casa”.
“Ela é... é...”.
“Eu disse a você que precisava ver”.
“Por que você acha que—”
“Um castelo para uma rainha,” ele disse, o sorriso desaparecendo. Ele tocou um
129
dedo na bochecha dela. “Você é sua rainha”.
“E se eu não quiser ser uma rainha? Se eu só quiser ser uma esposa?”.
“Ele deixará você fazer isto também. Uma coisa sobre Dallas, ele é tão leal que
chega a ser um defeito. Se você estiver ao lado dele, ele dará tudo a você”.
“Por que você não disse a ele que não acha que arame farpado é uma boa
idéia?”.
Ele estreitou o olhar. “O que faz você achar que eu não penso que o arame
farpado é uma boa idéia?”.
“Eu viajei com você por um longo mês, compartilhamos a comida,
compartilhamos a cama—”.
“Não ouse dizer isto a Dallas!” Ele sibilou. “Ele arrancaria meu couro e
penduraria para secar. Você não compartilhou a minha cama, você apenas dormiu
ao meu lado”.
“Isto é tudo que acha que eu fiz?”, ela perguntou.
“Isto foi tudo que você fez”.
“Eu comecei a me importar com você”.
“Você começará a se importar com Dallas logo. Você ainda não teve muito
tempo com ele”.
“Vou sentir falta de escutar seu ronco de noite”.
“Amelia—”.
“Sentirei sua falta”.
“Eu não ficarei tão longe. Se você precisar de algo, pode pedir que Austin vá me
buscar”.
“E você virá?”.
“Virei”.
Ela ouviu passos próximos e se virou. Dallas e Austin caminhavam em direção
a ela, Austin com um passo solto como se não tivesse nenhum problema no mundo,
Dallas rígido como se estivesse carregando o mundo nas costas.
Os irmãos pararam diante dela, e ela sentiu uma tensão vir de dentro de
Houston.
“Eu mandarei dizer quando o pastor voltar,” Dallas disse.
“Eu estarei esperando,” foi tudo o que Houston disse, e Amelia percebeu que
ela não o veria novamente até o dia em que casasse com o irmão dele. Ela sentiu
uma dor aguda no estômago.
“Austin e eu dormiremos no bangalô até o pastor chegar,” Dallas disse.
“No bangalô!” Austin exclamou, o horror na voz. “Por que nós temos que
dormir no bangalô?”.
“Porque não seria adequado uma mulher solteira dormir em uma casa com dois
homens,” Dallas explicou, com a voz cansada.
“Por que não? Houston dormiu com ela—”.
130
Houston agarrou Austin pela camisa e o arrastou para fora do alcance do
ouvido deles. Amelia pensou ter ouvido o rasgar de um tecido. O pobre garoto iria
precisar de uma camisa mais resistente.
“Você terá que se desculpar Austin,” Dallas disse, tirando a atenção dela dos
dois homens que estavam em uma discussão aquecida. “Ele não teve nenhuma
mulher durante seu crescimento e sua educação em certos assuntos é carente”.
“Houston disse que você acredita que mais mulheres virão para cá depois que
nos casarmos”.
Ele deslizou o braço ao redor dela e começou a caminhar em direção a casa. “Eu
desejo que esta parte do Texas se torne mais desenvolvida com o passar do tempo.
Meu pai me disse uma vez que alguns homens ficam contentes de caminhar onde
outros se foram”. Ele se virou e a olhou. “Eu não sou um desses homens. Minhas
aspirações são muito maiores”. Ele corou, algo que ela não achava que fizesse com
freqüência. “Eu sei que soa arrogante, mas nós temos a oportunidade de construir
um império cuja fundação é composta de sonhos, trabalho duro, e determinação. Eu
quero que você compartilhe isso comigo. Eu quero que nossas crianças herdem
isso”.
Ele se debruçou e a beijou na sobrancelha como um irmão beijaria sua irmã
preferida. “Eu estou contente por você estar aqui. Durma bem”.
Ele saiu da varanda mancando, deixando-a assistindo o pôr-do-sol
desvanecendo, sozinha.
O sono tinha sido tão enganoso quanto às sombras que vagavam pelo quarto,
mudando como uma chama de lampião. Todo vez que o sono vinha Amelia o
agarrava, e ela acabava procurando sentir os braços de Houston, o som da
respiração, e cheiro de cavalo e couro que fazia parte dele. Ela acordou com um
pulo, sozinha. Ela odiava estar só.
Em alguma hora durante a noite, ela escapou da cama, colocado um cobertor
por cima dos ombros, foi até a janela, e deu boas-vindas à companhia das estrelas.
Elas tinham sido sua companhia durante tantas noites, traziam memórias vívidas de
um homem que ela não entendia. Ela achava que poderia questionar Houston por
toda a eternidade, mas suas respostas, cuidadosamente na defensiva, sempre fariam
com que ela não o entendesse completamente.
Ela estava certa de que significava mais para ele do que ele a tinha deixado
saber, achava possível que ele tivesse se apaixonado por ela, sabia que ela tinha
começado a amá-lo. Ela se perguntava porquê ele não tinha agido de acordo com os
sentimentos que tinha. Ela não estava casada com o irmão dele. Com certeza Dallas
entenderia que o coração dela tinha mudado. Ela não temia Dallas, mas ela sentia
que Houston era cautelosa com ele, como se achasse que o irmão pudesse atacá-lo se
ele falasse as palavras erradas ou tomasse a ação incorreta. Ela se perguntava o
quanto Dallas era parecido com o pai. Houston não gostava do pai. Ela ficava
pensando se ele tinha visto o pai quando tinha olhado para Dallas.
Na escuridão da aurora, ela suspirou e ouviu o barulho do moinho de vento
que Dallas tinha construído. Logo o sol tocaria a terra, lançando seu brilho por sobre
as terras de Dallas. Ela esperava que a visão trouxesse alegria para seu coração, que
pudesse substituir esta perda que ela não conseguia identificar ou explicar.
Ela ouviu um baque no corredor. Seu primeiro pensamento foi de que Houston
tinha vindo para vê-la, mas ela não achava que isso seria típico dele. Ele disse uma
vez que sempre tomava o caminho mais fácil. Por mais que doesse, ela tinha de
reconhecer que para ele, abandoná-la era mais fácil do que reivindicá-la.
Ela ouviu a pancada novamente. Amelia se levantou da cadeira e andou na
ponta dos pés através do quarto para o forno, onde as brasas do fogo agonizante
ardiam vermelhas. Ela pegou o menor tronco na pilha ao lado da lareira e foi
andando até a porta.
Ela abriu a porta ligeiramente e espreitou o lado de fora. Ela viu uma sombra
sair de um dos quartos ao longe. Ela não podia se lembrar se aquele cômodo era
outro quarto. A pessoa estava levando algo. Ela andou no corredor e grudou no
tronco como cola, desejando que ela tivesse força para executar sua ameaça se o
ladrão tentasse agir. “Pare aí mesmo!”.
132
O culpado girado, tropeçou, bateu na porta, e caiu no quarto do qual tinha
vindo. Amelia se apressou através do corredor, o coração batendo loucamente. Ela
parou com cuidado e ficou acima da pessoa estendida, tentando se decidir se ela
devia bater agora ou gritar por ajuda.
“Senhorita Carson! Sou eu! Austin”.
Ela estudou a escuridão, quase incapaz de reconhecer as características dele. Ela
podia ouvir sua respiração pesada. Ela não o tinha assustado tanto quanto ele a
tinha assustado. Ela abaixou os braços levantados. Eles tremeram quando ela os
relaxou. “O que você está fazendo aqui?”.
Ele ficou de pé. “Vim pegar meu violino. Dallas não me deu nenhum tempo
para pegar meus pertences. Você quase me matou de susto”.
Ela riu de uma forma estranha que demonstrava alívio. “Você me assustou
também”.
“Desculpe. Não tive a intenção”. Ele balançou a cabeça. “Senhorita Carson, você
quer vir ver o amanhecer comigo?”.
“Dallas estará lá?”.
“Não, Madame. Ele saiu com alguns homens para verificar os limites ao sul. Eu
deveria tomar conta de você hoje”.
“Vou me vestir”.
Ela entrou no quarto. Ela pensou em colocar suas próprias roupas. Ela as tinha
lavado na noite passada, mas ela apreciava a liberdade que sentia usando a saia e
blusa solta. Ela colocou as roupas, embrulhou-se na manta provisória ao redor dos
ombros, e caminhou através do corredor. Austin estava tirando alguns acordes do
violino.
Ele saiu da parede. “Vamos,” ele disse, tomando a mão dela e conduzindo-a
degraus abaixo através da casa e da varanda da parte de trás.
Ele soltou a mão dela e foi para o degrau superior. Ela se debruçou contra a
viga. “Dallas disse que onde o sol nasce é onde começa a terra dele”.
“Sim, madame. Há terra pra caramba—desculpe— muita terra”. Ele se
debruçou em direção a ela. “Eu posso dizer caramba?”.
Ela sorriu. Ele viveu em um mundo dominado por homens. Ela não esperava
que ele mudasse os hábitos da noite para o dia, ela não estava certa se ele deveria.
“Você pode dizer o que quiser. Eu não me importo”.
“Oh, não, madame. Eu estou acostumado a ver Dallas bravo, mas eu nunca
tinha visto Houston bravo. Eu não quero dizer nada que faça Houston ficar bravo,
então eu tenho que praticar conversa com uma dama para saber como devo falar. E
estou certo como o diabo, desculpe, de que não vou mencionar que vocês dormiram
juntos. Eu achei que ele fosse me partir ao meio”.
Amelia foi na direção dele, apertando as mãos juntas firmemente, e
descansando os cotovelos nas coxas. “Dallas e Houston não parecem conversar
133
muito um com o outro”.
“Não, madame. Com certeza eles não conversam. Eles nunca tiveram uma
longa conversa desde que eu consigo me lembrar”.
“Mas eles conversam com você?”.
“Sim, madame. É meio engraçado. Quando é só eu e Dallas, ele conversa
comigo como eu imagino que um pai conversaria com um filho, explicando as coisas
detalhadamente como um médico falando com seu paciente. Quando é só eu e
Houston, ele conversa comigo como um irmão conversaria com outro, mas eu nunca
vejo ele e Dallas conversando desse jeito. Quando são só nós três, é melhor ficar
quieto”.
“Você sabia que Houston estava criando cavalos selvagens?”.
“Oh, sim, madame. Ele disse para mim. Quando ele precisa de ajuda, ele me
deixa ajudar”.
“Dallas nunca o ajuda?”.
“Oh, não, madame. Dallas nunca foi à casa de Houston. Quando ele precisa de
Houston, ele me manda ir lá chamar ele”.
“Por quê?”.
“Eu acho que é porque ele precisa conversar com ele”.
Amelia sorriu com a inocência do menino, uma inocência que era desmentida
pelo revólver que ele usava na correia amarrada na coxa. Ela não estava certa se
algum dia se acostumaria com a abundância de armas de fogo e a facilidade com
que os jovens a carregavam. “Não, eu quis dizer por que Dallas não vai lá?”.
Austin encolheu os ombros. “Ocupado, eu acho. É isso o que Houston diz. Às
vezes eu acho que isso aborrece ele, Dallas nunca ter estado lá. Eu perguntei isso a
ele uma vez. Ele disse que Dallas tem impérios para construir. Que ele não tem
tempo para pequenas coisas, mas visita de família não parece pouca coisa para mim.
Mas como sou só uma criança, então o que eu sei?”.
Ela colocou a mão no braço dele. “Eu acho que você está muito próximo de se
tornar um homem, e acho também que você sabe muitas coisas. Você pode me levar
até a casa de Houston?”.
“Certo, posso. São só dois pulos. Assim que o sol termina de subir, a gente vai
lá. Se você não contar a Dallas, eu toco para você uma música enquanto o sol nasce”.
“Por que ele se importaria?”, ela perguntou, tirando a mão do braço dele.
Ele ergueu um ombro. “Cookie toca violino, e ele me ensinou algumas canções.
Dallas não se importa com isso. Mas eu ouço canções... que Dallas diz que não são
de homem, então eu só toco quando ele não está por perto. Já que ele não está aqui,
você quer ouvir o que eu penso que soa como um amanhecer?”.
Amelia se abraçou e se encostou contra a viga. “Eu gostaria muito de ouvir”.
Austin sentou na varanda, levantou uma perna e a passou por cima da outra.
Ele deslizou a parte arredondada do violino pelo o queixo e pegou o arco. Ele
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apontou o arco em direção ao horizonte. “Ouça o amanhecer”.
Amelia virou sua atenção para o campo amplo, mas assim que ela ouviu a
primeira nota baixa da música, sua atenção se moveu para o menino que se sentava
na varanda com ela. Ela fechou os olhos e começou a se balançar de acordo com o
ritmo que ele criava. A música se elevou suavemente da mesma forma que o sol
fazia. Ela podia ver o amanhecer sem olhar para ele, podia sentir seu calor sem tocá-
lo, podia sentir seu poder ao trazer luz para a terra.
Como Dallas poderia não encorajar o menino a expandir seu talento? Se ele
podia tocar assim graciosamente depois de tomar lições com um cozinheiro, ela não
conseguia imaginar o quão bem ele poderia tocar se tivesse lições adequadas. Dallas
Leigh precisava de mais do que uma esposa. Ele precisava de alguém que pudesse
ensinar a ele que a vida era mais do que trabalho duro.
A música sumiu em um sussurro. Austin abriu os olhos, lágrimas eram visíveis
dentro das incríveis profundezas azuis.
“Isso foi bonito,” Amelia disse suavemente.
Austin fungou e piscou até as lágrimas desaparecerem. “O amanhecer é minha
hora favorita do dia, mas eu tenho uma canção para o pôr-do-sol, e para todas as
estações. Elas meio que surgem em mim. Como ontem, quando eu vi você pela
primeira vez, uma canção acabou de entrar na minha cabeça, mas eu não tive ainda
a chance de tocar”.
“Eu gostaria de ouvir quando você estiver pronto para tocar para mim”.
Ele deu um sorriso amplo. “Eu tocarei, desde que Dallas esteja fora com os
homens”. Ele ficou de pé e colocou o violino embaixo do braço. “Você está pronta
para que a gente vá até Houston?”.
Ela tentou não aparecer muito ávida à medida que se levantava, mas a verdade
era que ela não podia mais esperar para ver Houston novamente.
Capítulo Quinze
Austin retornou tarde da manhã, enquanto a brisa ainda estava fresca. Amelia
não teria importado de ficar o dia inteiro com Houston, assistindo ele treinar a égua
Palomino, mas ela sentia que Austin estava pronto para partir.
Enquanto eles montavam de volta para o rancho, Amelia se encontrou intrigada
com o jovem que montava ao lado dela. Cheio de energia indomada, ele tinha uma
inquietude. Ela supôs que fosse algo ligado a sua juventude. Algo mais excitante
estava sempre esperando adiante, no próximo quilômetro, no próximo momento.
Amelia parou o cavalo. “O que é isto?”.
Austin se moveu para o lado dela. “O quê?”.
Ela apontou em direção à fera marrom avermelhada. Os olhos de Austin quase
se arregalaram descontroladamente. “É uma vaca. Você nunca tinha visto uma vaca
antes?”.
Ela agitou a cabeça. Não parecia nada com as vacas da Geórgia ou com aquelas
que ela tinha visto pastar na casa de John e Beth. “Não uma como essa. Aqueles
chifres parecem perigosos”.
“Eles são perigosos. De ponta até ponta, os chifres podem crescer mais alto do
que alguns homens. Longhorns gostam de um bom estouro também. Dallas mantém
o gado espalhado por que assim é menos provável que eles comecem um estouro.
Você quer ver Dallas trabalhando?”.
“Você sabe onde ele está?”.
“Sim. Ele está juntando o gado lá no sul, marcando eles para que estejam
prontos quando a primavera chegar”.
Ela percebeu muito tarde que a primeira coisa que deveria ter feito de manhã
era ter ido atrás de Dallas , em vez de Houston. Quando ela tinha começado esta
jornada, ela tinha a mente cheia de pensamentos com Dallas. Em algum lugar no
meio do caminho, Houston tinha tomado o lugar dele. “Eu gostaria de vê-lo
139
trabalhando”.
“Vamos, então”.
Eles montaram a galope com a brisa os envolvendo. Ela achava que nunca
conseguiria entender como homens poderiam olhar pela terra e saber exatamente
onde estavam. Mais gado ficou visível próximo à zona rural.
Então ela viu o que achava ser um rebanho inteiro, um mar de marrom e
vermelho. Não demorou muito para que ela visse Dallas. Ele andava no meio do
rebanho obviamente com um propósito. Ela o viu manobrar o cavalo, e mandar os
bezerros para longe do meio do rebanho.
“Ele monta bem,” Amelia disse.
“É. Ele tem homens para fazer o serviço mas de vez em quando, ele mesmo
faz”. Austin tirou o chapéu e acenou no ar.
Quando os bezerros saíram para a liberdade, um outro caubói o laçou. Dallas
passou pelo bezerro laçado e alcançou Austin e Amelia. “O que você estão fazendo
aqui?”.
“Levei Amelia para ver Houston. Descobri que ela não sabia o que era um
Longhorn então achei que ela nunca tinha visto uma laçada. Achei que deveria
mostrar para ela”.
Dallas moveu a cabeça e deu uma olhada rápida por cima do ombro. “Eles estão
pequenos no outono. Venha na primavera, você dificilmente conseguirá enxergar
por causa do pó que o gado provoca”.
“Houston disse que você tem duas mil cabeças de gado”.
Ele sorriu. “Da última vez que contei”.
“Eu pensava que um rancho seria como uma plantação, com sua graça e
charme”.
“Você não acha o cheiro do couro e o barulho do gado encantador?”.
Ela riu ligeiramente. “Eu acho fascinante, mas nada como o que eu tinha
esperado. É tão grande. Acho que deve ter algum tipo de homem treinado para
domesticá-lo”.
“Isso é verdade”.
“Houston mencionou que você era esse tipo de homem”.
Um rubor passou pelo rosto de Dallas, descendo até a bandana vermelha que
ele usava ao redor do pescoço. “Eu ainda não consigo acreditar o quanto ele
conversou com você. Acho que tenho que mudar meus conceitos”.
Um som de metal preencheu o ar. Amelia olhou na direção da origem do som:
uma carroça. Com uma barra de metal, o cozinheiro batia um triângulo de metal.
“Você está com fome?”, Dallas perguntou.
Amelia sorriu. “De fato, estou”.
“Austin, vá buscar alguns pratos”.
Enquanto Austin montava e ia até a carroça, Dallas desmontou e ajudou Amelia
140
a descer do cavalo. Ele tirou o colete e o deixou no chão. “Protegerá sua saia um
pouco”.
“Obrigada,” ela disse enquanto se sentava no chão.
“Acho que terá bife hoje,” ele disse, se sentando ao lado dela.
“Eu acho que quando a pessoa cria gado, você sempre tem carne para comer”.
“Sim, madame, a gente sempre tem”.
Ela suspirou, a mente de repente em branco. Fazer perguntas a Houston era
muito fácil. Ela não podia pensar em uma única coisa para perguntar ao homem
com quem iria casar.
“Você—”.
“Nunca—”.
Ela riu, ele sorriu porque tinham falado ao mesmo tempo.
“Você primeiro,” ele disse.
“Não, você”.
“Certo”. Ele arrancou uma folha de grama do chão e a colocou entre os lábios.
“Eu ia dizer que nunca tive uma garota na minha frente como você então me avise
se você precisar ou quiser alguma coisa”.
“Você nunca teve uma garota?”.
Ele levantou o braço na direção do cozinheiro. “Não, madame. Como você pode
ver, minha companhia é composta de homens e gado”.
“Mas você esteve em um bordel”.
Ele se sentou mais reto. “Desculpe, não entendi?”.
“Houston disse que mulheres da vida não cobram de você, então eu presumi
que você já tinha tido uma mulher”.
“Eu queria dizer que nunca tive uma garota fixa”. Ele se inclinou para frente até
que ela pôde ver seu reflexo nas profundidades marrons dos olhos dele. “Houston
mencionou que eu parei de visitar os bordéis quando eu recebi sua primeira carta?”.
“Não, ele não disse isso para mim”.
Dallas se esticou ao lado dela, levantou um cotovelo e sorriu. “Por que você não
me diz tudo o que ele mencionou?”.
Dentro das profundezas de seu sono, Amelia ouviu seu nome sussurrado
freneticamente. Ela lutou contra a névoa, que pairava contra a luz do lampião. Ela
podia ver uma forma esbelta acima dela na beirada da cama, um jovem com olhos
preocupados. Austin.
O coração de Amelia bateu mais rápido. As notícias ruins sempre chegam a
cavalo. Houston. Algo tinha acontecido com Houston. Ela se sentou na cama com
um salto e agarrou o braço dele. “O que aconteceu?”.
“Dallas está ferido”.
“Dallas?”, seu alívio momentâneo deu passagem para a culpa. Seu primeiro
pensamento deveria ter sido em Dallas. Saindo da cama, ela se embrulhou em um
cobertor.
“Não está tão ruim,” Austin explicou, “mas acho que ele vai precisar de uns
pontos”.
Ela se apressou e foi até a cadeira perto da janela e se ajoelhou ao lado do
vestido verde que estava tentado consertar. Ela agarrou a tesoura e cortou a linha
antes de tirar a agulha do tecido. “Onde ele está?”, ela perguntou enquanto se
virava. Pego com a guarda baixa, ela olhou fixamente para Austin, que apertava o
travesseiro dela contra o rosto.
Sentindo-se culpado, ele jogou o travesseiro dela na cama. “Seu travesseiro não
cheira como o meu”.
145
“Você quer ficar com ele?”, ela perguntou.
Ele enganchou os polegares no cós da calça comprida e baixou a cabeça. “Não, é
melhor não. Os homens poderiam rir de mim. Aquele cheiro doce com certeza seria
notado no bangalô. É fedorento lá, tem cheiro de carne velha”.
Ela fez uma nota mental rápida de se lembrar de borrifar alguma fragrância no
quarto dele quando ela estivesse casada com Dallas. “Onde está Dallas?”.
“Oh!”, ele saltou levantando os braços. “Por aqui”.
Ela o seguiu até o celeiro. Dallas estava sentado sozinho na entrada, a cabeça
apertada contra a parede, os olhos fechados. A roupa coberta de pó. Sangue fluía
lentamente pelo ferimento e pela bochecha inchada.
“Oh, meu Deus, o que aconteceu?”, Amelia exclamou enquanto se ajoelhou ao
lado dele.
Os olhos dele se abriram de repente, e ele deu uma olhada rápida para Austin.
“Eu disse a você para que trouxesse o cozinheiro”.
“Eu sei, mas eu achei que você provavelmente tinha se esquecido que nós temos
uma mulher aqui para atender cuidar da gente”.
“Amelia, volte para a cama,” Dallas ordenou. “Eu chamarei Cookie”.
Ele começou a se levantar, e Amelia colocou a mão no ombro dele. “Eu cuidarei
de você, mas nós precisamos te mover para a cozinha”.
“Isso não seria adequado”.
“Por que não?”.
“Porque nós não somos casados, e já é muito tarde da noite”.
Ela suspirou. “Você está ferido. Você é o homem com quem eu vou me casar.
Com certeza os homens com quem trabalha sabem que eu posso confiar em você na
minha cozinha”.
Ela podia ver seus argumentos percorrendo a mente dele. Ela achava que nunca
conseguiria entender os pensamentos de um homem. “Não faz nenhum sentido eu
viajar através de vários estados com o seu irmão e não danificar minha reputação,
mas ajudar você quando está precisando danificar”.
Ele evitou o olhar dela e lutou para ficar de pé. “Certo”. Ele apontou um
ameaçador para Austin. “Depois a gente acerta algumas coisas”.
Austin movimentou a cabeça, mas Amelia viu a confusão nos olhos dele, uma
confusão que ela compreendia.
“Dallas ficará bem,” ela assegurou Austin enquanto eles caminhavam para a
casa.
Já dentro da cozinha, Dallas puxou uma cadeira da mesa e sentou seu corpo
dolorido nela. Austin levantou um quadril e sentou na mesa.
“Seja útil e faça fogo no fogão para Amelia. Nós precisaremos de água morna”.
Austin deslizou para fora da mesa e foi fazer sua tarefa, deixando cair três
troncos no processo. Dallas tinha a sensação de que Austin estava gostando de
146
Amelia. Ele não podia culpar o menino. Ele era um jovem, nenhuma ameaça para
ele.
Ele assistiu Amelia esquentar a água. Ele tinha ficado tão agradecido por
finalmente vê-la pessoalmente no primeiro dia quando ela chegou ao rancho que ele
não pensou no quanto ela deveria ter suportado até chegar aqui. Ele deveria. Ele
deveria ter feito Houston dar um relato detalhado de cada dia—.
“Como você se machucou?”, ela perguntou enquanto colocava a tigela de água
morna na mesa e se sentava ao lado dele. Ela imergiu o pano na água e gentilmente
tocou a bochecha dele.
A humilhação o inundou. Ele teria preferido uma bala ao invés de um punho.
“Eu caí do cavalo”.
As mãos dela pararam, e ela observou o rosto dele. Ele tinha ficado tão imóvel
quanto uma pedra, sabia que ela estava procurando a verdade, desejava que ela não
a encontrasse. Ele nunca tinha mentido antes, e ele não tinha idéia de porquê estava
mentindo agora.
“Eu não conseguia dormir. Eu sempre vou cavalgar quando não consigo
dormir”.
Ela sorriu suavemente. “Bem, então, eu estou certa de que estou me casando na
família certa. Você não dorme. Houston não dorme. Eu não durmo”. Ela deu uma
olhada rápida para Austin. Ele tinha retornado ao seu lugar na quina da mesa.
“Você dorme?”.
“Não no bangalô. Muitos homens roncam. Dallas é o pior. Você não conseguirá
dormir um minuto depois que se casar com ele”.
“Se eu posso dormir com Houston roncando, eu posso dormir com qualquer
pessoa roncando”.
“Eu provavelmente ronco mais alto,” Dallas disse, perguntando-se porquê tinha
dado uma resposta tão infantil. Ele nunca tinha sido competitivo quando a situação
envolvia Houston. Ele sempre tinha sido reconhecido como o melhor dos dois. O
pai o tinha ensinado isso, todas as vezes apontava os defeitos de Houston e exaltava
as qualidades dele.
O sorriso dela aumentou. “Não levarei isso como um ponto negativo seu”. Ela
retirou a agulha de sua manga. “Eu acho que deveria te costurar”.
Ele movimentou a cabeça em direção a Austin. “Vá pegar o uísque”.
Austin pulou da mesa e se dirigiu ao escritório de Dallas. Amelia continuou a
tocar levemente o rosto dele, tão suavemente. Antes que ela percebesse, ele tinha
embalado a bochecha dela com a palma da mão e levado seus lábios até os dela. Ela
suspirou surpresa, e ele deslizou a língua dentro da boca de Amelia.
Ela correspondeu ao beijo timidamente, quase como se tivesse medo. Deus, ele
não queria que ela tivesse medo, não dele, nem de qualquer coisa. Ele recuou e
estudou o rosto dela. Tão inocente. Ele teve vergonha de suas antigas dúvidas. Ele
147
merecia o soco que Houston tinha dado nele; Merecia isto e muito mais.
“É, serão dois longos meses,” ele disse.
Ela corou lindamente, de uma forma tão incrivelmente linda, que pela primeira
vez, ele viu a jornada pelos olhos do irmão. E ele não gostou nada do que viu. Não
mesmo.
“Viu? Ele está bem”, Austin disse enquanto eles paravam os cavalos perto da
extremidade da propriedade de Houston. “Ele não estaria dentro do curral
adestrando a Palomino se não estivesse bem”.
“Eu quero vê-lo mais de perto”.
Ela começou a levar o cavalo adiante, mas Austin passou em sua frente e
agarrou seu braço.
“Nós não podemos ir de cavalo até lá enquanto ele está sozinho no curral. Nós
assustaremos o cavalo, e ela jogará Houston no chão”.
“Certo, eu caminharei”.
Ela desmontou, apenas para se encontrar com Austin barrando seu caminho.
“Sabe, você é mais teimosa do que Dallas jamais pensou em ser. Vou prender os
cavalos naquele arbusto e vou caminhando com você. Mas se a gente não for da
forma certa nós o mataremos”.
“Eu sei como abordar um cavalo selvagem. Eu estava com Houston quando ele
pegou o rebanho”.
Usando o dedo polegar, ele tirou o chapéu da sobrancelha, os olhos azuis
arregalando. “Ele te levou? Para o rebanho?”.
Ela sorriu com as lembranças.
“Que droga! Ele nunca me levou. Ele sempre me fazia esperar por ele no curral
para que quando ele viesse eu fechasse o portão. Por que ele te levou?”
“Eu acho que ele não podia me deixar sozinha”.
“Como que foi?” Ele perguntou assombrado. “O que você sentiu enquanto
estava no meio de todos aqueles cavalos?”.
“Foi maravilhoso”. Ela pôs a mão no braço dele. “Deixe-me ver se Houston está
bem, e então eu contarei a você toda a história”.
“Espere aqui,” ele ordenou antes de levar os cavalos para detrás de um arbusto.
Amelia voltou sua atenção para o curral. Sem camisa ou chapéu, Houston
permanecia no centro do curral conduzindo a Palomino por uma corda. O cavalo
trotava em círculo.
O animal era bonito, gracioso, e andava orgulhosamente como se soubesse que
seus antepassados eram da melhor linhagem. Houston poderia conseguir um bom
preço por ela, o suficiente para poder expandir sua pequena criação, criar os cavalos
com maior seriedade.
Ela imaginava a alegria que seria trabalhar ao lado de um homem, ajudá-lo a
construir e lapidar seus sonhos. Dallas já tinha construído seu império, realizado
149
todos os sonhos, menos um. Amelia daria a ele seu sonho final: um filho. Ela acharia
alegria e felicidade na criança. Através dos anos, ela o guiaria, como o pai, ele seria
alguém que os outros homens respeitariam e admirariam.
Ainda assim, ela não conseguia deixar de se perguntar se uma pequena parte
dela ansiava por mais.
Austin voltou, e juntos, eles foram lentamente até o curral. Ela não conseguia
parar de admirar a forma esbelta de Houston. Com tantos músculos quanto aquele
Cavalo selvagem, tão poderoso, os músculos definidos das costas, a parte superior
do peito, os longos braços que conduziam o cavalo.
Enquanto eles se aproximavam, ela podia ouvir o timbre gentil de sua voz
enquanto encorajava o cavalo. Ela achava que um homem poderia domesticar uma
serpente se quisesse.
“Ele não parece que andou brigando,” Austin sussurrado, se debruçando para
baixo para que assim ela pudesse ouvi-lo sem perturbar o cavalo.
Não, ele não parecia que tinha estado em uma briga. Ela não conseguia ver
nenhuma contusão em seu rosto ou corpo. Ela só podia ver a magnificência de sua
postura. Ele estava no local certo, com os cavalos. Ela supôs que alguns homens
simplesmente gostavam de ser solitários, simplesmente preferiam a solidão.
Ele os viu por um momento, e o coração dela bateu descompassado como
sempre fazia quando ele a olhava com aquela intensidade. Ela desejou, por um
minuto insano, ser o cavalo, para que ela pudesse ser tão amada por ele quanto o
cavalo selvagem.
Com um movimento gentil da mão, ele diminuiu a velocidade do cavalo, até
fazê-lo parar. Ele removeu o cabresto de corda e deu um tapinha na anca do cavalo
antes de caminhar na direção de Amelia.
O cavalo se virou e cutucou o traseiro de Houston. Sorrindo amplamente,
Houston colocou a mão no bolso e retirou uma maçã. O cavalo a pegou e trotou
para o lado mais distante do curral. Houston continuou andando e subiu na grade.
“O que traz vocês aqui?”, ele perguntou enquanto pegava a camisa e colocava.
Ela resistiu ao desejo de tocar na gota de suor que escorria pelo peito e se perdia
através do cós da calça.
“Amelia não acreditou que Dallas tinha caído do cavalo ontem à noite e batido
o rosto,” Austin disse.
Houston começou a abotoar a camisa, seu olhar preso na tarefa que ele deveria
ser capaz de fazer até no escuro. “Não é incomum um homem cair do cavalo
quando está montando de noite. Especialmente quando não há lua. O cavalo pode
pisar em um buraco e lançar o cavaleiro”.
Ela colocou a mão por sobre a dele, e ele ficou quieto. “Como você contundiu o
nó dos dedos?”, ela perguntou.
Ele ergueu o olhar. “Caí da varanda”.
150
“Como você fez isto?”, Austin perguntou.
“Tem um monte de malditas quedas acontecendo por aqui,” ela disse antes de
se virar, a raiva visível dentro dela.
“Eu achava que mulheres não deviam falar assim,” Austin disse.
“Leve o Trovão Negro para um passeio,” Houston disse.
“Mas eu quero ouvir—”.
Ela ouviu uma pancada gentil e estava certa de que tinha sido Houston batendo
na cabeça de Austin.
“Droga!”, Austin chorou.
“Pare de usar essa linguagem perto de Amelia”.
“Por quê? Ela fala assim perto de mim”.
Ela ouviu um suspiro de exasperado de Houston e lutou contra as lágrimas que
queimavam os olhos dela.
“Por favor, leve o cavalo para um passeio,” Houston disse resignado.
“Você me levará no rebanho com você da próxima vez que for capturar cavalos
selvagens?”, Austin perguntou.
“Sim”.
“Tá. Eu não irei muito longe”.
“Certo”.
Ela assistiu Austin correr para o curral. Ela esperou, o que pareceu ser uma
eternidade, até que ele montasse o cavalo e galopasse para longe da vista dela. Ela
sentiu a mão de Houston descansar em seu ombro. Ao se virar, ela não conseguiu
evitar entrar no abraço dele. Ele fechou os braços ao redor dela, e ela deitou a cabeça
contra o peito dele, apreciando a batida regular de seu coração.
“Dallas veio aqui ontem à noite, não é?”.
Os braços dele se apertaram ao redor dela. “Dallas tem sua vida planejada em
cada detalhe. Ele só está um pouco frustrado agora porque alguns desses detalhes
não estão saindo como foram planejados. Quando você estiver casada—”.
Ela ergueu o olhar. “Eu não o amo. E não sei se o amarei”.
Ele soltou a mão dela e deu um passo para trás como se, de repente, ela tivesse
mostrado presas venenosas. “Você sabia que não estaria casando por amor quando
colocou o anúncio”.
“Porque no momento, eu não sabia o que era amar, não sabia como é um
presente precioso”.
“Se ele é um presente, então você pode dá-lo, e você achará um jeito de dá-lo a
Dallas”.
“Eu já dei. Eu não posso pegar de volta. Mas você não o quer, não é?”.
Ela viu angústia refletida nas profundezas do olhar dele. “Não é que eu não
queira. É que eu não mereço isto”.
“Por quê?”.
151
“Pergunte a Dallas. É a razão pela qual ele não consegue nem me olhar”.
Capítulo Dezesseis
Caubóis não foram feitos para caminhar. Doendo da cabeça aos pés, Austin se
sentou e tirou as botas.
Ele tinha caído da ponta do precipício, se agarrado em um arbusto irregular, e
se segurado com toda a força, seus dedões do pé procuravam por um lugar onde se
apoiar no desfiladeiro rochoso. Ele esperou até que tivesse ouvido os cavaleiros
galopando para longe antes de ele começar a subir.
Ele tinha caminhado por horas, o sol o castigando, o vento seco chicoteando e o
pó sufocante. Ficando de pé, ele pegou sua arma de fogo do cinto e atirou para o
céu, percebendo tarde que ele poderia ter alertado os ladrões de cavalo o fato de que
ele tinha sobrevivido.
Furiosamente, ele deixou as lágrimas descerem pelo rosto. Ele devia ter feito
frente. Ele não devia ter permitido que aqueles homens levassem o melhor cavalo de
Houston. Ele devia ter puxado sua arma de fogo—ainda que, com certeza, ele
tivesse sido morto.
Ele devia ter prestando atenção, não ter ficado sonhando acordado. Se Dallas e
Houston descobrissem o que tinha acontecido hoje, eles nunca confiariam nele
novamente, o veriam como o menino que ele era e não como o homem que estava se
tornando.
Ele tinha sido irresponsável e estúpido. Dallas sempre dava sermões sobre os
perigos que abundavam pelos caminhos, onde eles estavam isolados da lei. Ele o
tinha ensinado a usar sua arma de fogo. Austin não tinha tido a coragem de testar
esse conhecimento.
Ele viu dois cavaleiros ao longe. Ele apontou sua arma de fogo, sua intenção era
matar ambos. Ele soltou a mão para o lado quando reconheceu Houston e Amelia.
Sem dúvida eles tinham ficado preocupados e começaram a procurá-lo.
Ele enxugou as lágrimas das bochechas. Ele preferia enfrentar os ladrões de
cavalos novamente a enfrentar Houston.
Houston e Amelia pararam os cavalos. Houston estava fora de sua sela e
agarrando o ombro de Austin na sua frente antes que ele tivesse tempo de esconder
as lágrimas. “Você está machucado?”, Houston perguntou, a voz cheia de
preocupação.
“Não, apenas arranhado. Eu não estava prestando atenção”. Ele fungou,
desejando a Deus que ele não estivesse chorando como um bebê. “Trovão Negro
caiu em um buraco. Partiu a perna em duas. Eu tive que atirar”.
Houston o empurrou como se Austin tivesse dado um tapa nele. “Onde está
ele?”.
Austin não esperava que ele quisesse ver o cavalo. Ele esfregou o dedo embaixo
do nariz, ganhando algum tempo enquanto pensava em uma outra mentira. “Eu
155
ouvi coiotes. Eu não acho que você vai achá-lo”.
“Não, não acho que vou”. Houston tirou a mão do ombro de Austin e passou
por ele.
Austin se virou para ver o irmão parar e abaixar o queixo contra o peito. Ele
sabia que Houston estava magoado, e sua culpa aumentou porque ele não tinha
nenhuma idéia de como aliviar a dor do irmão. Ele ficou surpreso quando Amelia
pegou em sua mão.
“Você está bem?”, ela perguntou.
“Sim. Eu não queria perder o cavalo”.
“Ele sabe”.
Ela foi até Houston e ele colocou o braço ao redor ela, puxando-a contra si.
Austin não achava que eles estivessem conversando, só segurando um ao outro
como se isso fosse o suficiente. Ele desejava que Amelia tivesse continuado tocando-
o, mas ele percebeu que agora Houston precisava mais dela do que ele. Austin não
conseguia se lembrar de como tinha se sentido quando tinha perdido a mãe, ele só
sabia que tinha uma dor permanente, como se uma parte dele estivesse faltando. Ele
imaginou que Houston estava se sentindo assim neste mesmo, e ele estava contente
por Dallas ter trazido uma mulher aqui para aliviar suas dores já que ele e os irmãos
tão certos quanto o calor do inferno não sabiam nada sobre dar conforto. Um olhar
atravessado, um grito, um tapa na cabeça era tudo o que eles sabiam.
Amelia virou seu rosto adorável para cima e disse algo para Houston, e Austin
teria jurado que o homem tinha sorrido. Ele trouxe Amelia para mais perto até o
momento em que eles pareciam ser um só antes que ele saísse de perto dela e
caminhasse até Austin, Amelia veio atrás dele.
“Eu fico agradecido por você ter posto um fim em Trovão para protegê-lo do
sofrimento. Matar um cavalo não é uma coisa fácil de fazer”.
As lágrimas voltaram aos olhos de Austin. “O que você fará sem um garanhão
agora?”.
“Como Amelia muito amavelmente me lembrou, eu tenho o Palomino. Venha
na primavera, você e eu vamos achar um outro garanhão. Eu te levarei para o
rebanho comigo”.
Austin se sentiu como se Houston o estivesse recompensando por uma ação
que na verdade ele deveria ser castigado. “Você não tem que me levar no rebanho”.
“Disse que iria. Um homem precisa manter sua palavra. Por que você não
monta comigo, e nós levaremos você para casa para que Amelia possa cuidar dos
seus cortes e arranhões?”.
Austin movimentou a cabeça em uma agonia muda. Sua consciência o fazia se
sentir mais inferior do que barriga de serpente.
Capítulo Dezessete
“Durante a formalidade amanhã, você acha que eu devo realçar que um marido
não deve bater na esposa?”.
Amelia observou o ministro que tinha acabado de falar, um homem que
vagarosamente tinha levantado o quadril e sentado na grade da varanda, a abertura
de sua batina preta e longa revelava um revólver que brilhava tanto quanto uma
pérola. “Eu acho que dificilmente isso será necessário,” ela o assegurou.
O reverendo Preston Tucker movimentou a cabeça devagar. “Depois de falar
com Dallas mais cedo, eu não achei necessário, mas uma formalidade como o
casamento é mais para a mulher do que para o homem. A maioria dos homens que
eu conheço acha que a cerimônia se resume a um ‘Você aceita?’ com uma resposta
165
‘aceito' e um aperto de mão”.
“Incrivelmente romântico”.
“O romance é raro. Eu já fiz várias formalidades envolvendo noivas por pedido
de correio. Algumas mulheres parecem mais confortáveis se eu realçar como elas
devem ser tratadas”.
“Eu me sinto bastante confiante de que Dallas me tratará bem”.
Ele a estudou como alguém que estudava um percevejo por baixo de uma
pedra, os olhos azuis penetrantes. Vestida toda de preto – camisa preta, calça
comprida preta, casaco longo preto—ele parecia relaxado, ainda assim ele deixava a
impressão de que estava sempre alerta, sempre atento. Ele lembrava mais um
pistoleiro do que um pastor.
Os seus lábios abriram um sorriso que ela achava que poderia tentar qualquer
mulher a pecar.
“Alguma coisa está te incomodando,” ele declarou simplesmente.
“Eu estava só me perguntando se você planeja carregar a arma de fogo durante
a formalidade”.
Ele lentamente acariciou o revólver que estava amarrado com a correia contra a
coxa. “Não, eu só uso isto quando estou viajando. Aborrece você, não é? Talvez eu
esteja te incomodando”.
“Eu só não esperava um homem de Deus carregando uma arma de fogo”.
“A vida é diferente lá fora Senhorita Carson. É ainda considerado um deserto.
Os renegados e bandidos estão ficando excessivos. A justiça de fronteira
frequentemente se torna mais uma injustiça. Eu não tenho nenhuma intenção de
encontrar meu Deus antes de estar pronto”.
“Você mataria um homem?”, ela perguntou.
Ele evitou o olhar dela e olhou para a distância. “Alguém está vindo”.
Amelia seguiu a direção do olhar dele e seu coração saltou de alegria. “É o
Irmão de Dallas”.
Ela se apressou para fora da varanda e cruzou o jardim, mantendo distância
enquanto Houston parava Sorrel. Ele estava trazendo a Palomino ao lado.
“Você a domesticou,” ela disse, com uma sugestão de pergunta na voz.
“É”.
Cautelosamente, ela abordou e esfregou o pescoço da égua. “Ela é tão bonita.
Dará a você um bom rebanho de cavalos para vender”.
“Eu duvido”. Ele se debruçou para baixo e estendeu as rédeas em direção a ela.
“Ela é sua”.
Ela fitou as tiras de couro penduradas nos longos dedos bronzeados dele. Ela
deu um passo para trás. “Eu não posso aceitá-la de presente”.
“Ela é o seu presente de casamento. A sela, também. Não é uma sela para
mulher, mas foi a melhor que eu pude achar em tempo tão curto”.
166
Ela tocou os dedos na gravura trabalhada no couro bom. A sela era tão bonita
quanto o cavalo, não era algo que ele simplesmente tinha encontrado casualmente.
“Eu cresci acostumado a montar em selas de homens,” ela disse.
“Já tinha percebido, já que você monta tanto com Austin”.
Ela olhou para cima. “Eu vou me casar amanhã”.
“Eu sei. Dallas mandou me avisarem esta manhã”.
“Ali na varanda está o Reverendo Tucker”.
Ele deu uma olhada rápida em direção à varanda e abaixou a borda do chapéu
com dois dedos como forma de comprimento. “Ele parece mais um pistoleiro”.
Amelia riu. “Foi o que eu pensei”.
“Eu já te disse que eu gosto do jeito como você ri?”, ele perguntou, a voz baixa.
Ela colocou a mão sobre a dele, lentamente trazendo os dedos dele com as
rédeas, apreciando a aspereza da palma dele contra a sua. “Leve-me para um
passeio”.
Ele se endireitou. “É melhor não”.
“Por favor. Eu acho que você deveria estar comigo na primeira vez que eu
montasse a Palomino porque assim ela entenderá que está mudando de dono”.
Ele sorriu contente consigo mesmo, e desejou poder ter a vida toda para ficar
com seus sorrisos.
“Eu dei um nome para a sua Palomino”.
“Dourada?”.
O sorriso dele aumentou. “Não”.
“Égua selvagem?”.
Ele agitou a cabeça. “Eu dei a ela o nome da mulher que a montará”.
Ela riu. “Amelia?”.
O sorriso dele escapou. “Valiant (Corajosa)”.
As lágrimas brotaram nos olhos dela. “Por favor, me leve para um passeio”.
Qualquer bom senso que ele pudesse ter o tinha deixado porque ele desmontou
e caminhou ao redor dela. “Nós não iremos longe,” ele disse.
Ela concordou com a cabeça. “Tudo bem”.
“Nós não ficaremos por muito tempo”.
“Tudo bem”.
Ele enlaçou os dedos e se curvou. Ela pôs o pé dentro das mãos dele, e ele a
ergue. Ela sentou na sela enquanto a égua andava para o lado, bufava e agitava a
cabeça.
Houston agarrou as rédeas e falou em voz baixa próxima à orelha da égua antes
de se mover para o lado e montar em Sorrel. Ele deu uma olhada rápida para
Amelia. “Vamos testar a velocidade e a resistência dela, mas eu vou estabelecer a
velocidade”.
Ela pôde apenas concordar com a cabeça enquanto ela começava a guardar
167
todas as imagens que formaria as memórias do último passeio deles.
Amelia tirou as meias e sapatos e imergiu os pés na água fria da fonte. Ela não
esperava que sua pequena viagem os levasse para tão longe, mas parecia
apropriado finalmente ter a chance de dizer adeus aqui.
Houston estava esticado ao lado dela, apoiado em um cotovelo, observando-a
como se ele nunca mais tivesse a oportunidade de observá-la. Porque ele não
deveria. Pelo menos não daquela maneira.
Amanhã, ela se tornaria sua irmã por casamento. Inclinado para frente, ela
deslizou os dedos na água então os tirou e os sacudiu na direção de Houston. Ele
virou a cabeça de lado enquanto a água caía em cima dele. Então ele encontrou o
olhar dela.
“Você não perguntou ao Dallas por que ele não olha para mim, não é?”
“Não”. Ela balançou o nariz ligeiramente, pedindo a ele que ousasse perguntar.
“Por quê?”.
“Porque você me disse há um tempo que você sempre pega o caminho mais
fácil. Perguntar para o Dallas seria fazer as coisas fáceis para você. Eu mereço mais
do que isto”.
Ele sorriu tristemente. “E eu nunca daria a você nada melhor, Amelia”.
“E você acha que ele irá?”.
“Sim, eu sei que ele irá”.
Ela se virou, perguntando-se por que ela estava tentando entrar à força na vida
de um homem que obviamente não a queria. Ela não poderia explicar por que o
amava, por que ela queria ser parte de sua vida, de seus sonhos.
“Aceitar a proposta de casamento de Dallas pareceu tão certo antes de eu
encontrar você. Agora, eu não mais o que é certo. Eu queria ser uma esposa. Eu
queria escapar das memórias da guerra. Eu nunca tinha esperado encontrar o
amor”.
Ela suavemente passou os nós dos dedos pela bochecha dele. “Você deveria
desejar encontrar o amor. Há tantas coisas em você para amar”.
Ela nunca tinha desejado uma coisa tão desesperadamente em sua vida quanto
ouvi-lo dizer em voz alta que a amava. Só três palavras. Três simples palavras.
Ainda assim, ela sabia que ele nunca diria. Porque se ele dissesse isso os forçaria a
reconhecer um sonho que nunca poderiam realizar, iria condená-los a se perguntar
como as coisas poderiam ter sido.
Ela colocou a mão por baixo da dele e esfregou a bochecha contra a palma
áspera dele. “Dallas me amará?”.
Ela o viu engolir em seco. Ele virou o olhar para as cachoeiras, a voz embargada
quando finalmente falou. “Sim, ele irá”.
Ela podia ouvir a pressa da água enquanto ela se derramava por sobre as
168
pedras, seus momentos com Houston fluindo tão rápido quanto ela. Nunca mais ela
iria estar a sós com ele, olhar para ele com um desejo que nunca deveria ter entrado
seu coração. Ela tinha tantas coisas que queria dizer a ele, mas sabia que as palavras
só fariam a partida deles desse santuário pacífico ainda mais difícil, então ela as
guardou, desejando que um dia ela viria a se esquecer que um dia já tinha pensado
nisso.
“Eu acredito que esse lugar seja muito bonito na primavera,” ela disse
suavemente.
“É. É muito mais verde então, e as flores aparecem”.
“Dallas me trará aqui para ver?”.
“Eu não sei se ele conhece aqui”. Ele deu uma olhada rápida para ela. “Eu darei
a ele as direções”.
“Como você conseguiu achar esse lugar?”.
Ele encolheu os ombros. “Apenas aconteceu um dia”.
“Às vezes, a vida nós dá os presentes mais inesperados, não é?”.
Houston queria dizer que ela tinha sido um presente inesperado, junto com seu
riso, seus sorrisos e sua coragem. Ele queria dizer que nunca tinha vivido algo tão
maravilhoso quanto os dias que eles tinham viajaram de Fort Worth até o West
Texas. “Sim, dá,” ele disse baixinho.
Os ventos estavam frios enquanto Houston estava na varanda de trás, sua capa
batendo ao redor das canelas. Ele deveria sair antes que ficasse mais escuro e levar
Austin com ele para que a dupla recém casada tivesse um pouco de isolamento.
Ele ouviu a porta abrir e deu uma olhada rápida por cima do ombro para ver
Amelia. “Está frio aqui fora. É melhor que você fique lá dentro”.
“Não posso escolher onde ficar em pé?”.
Ele sorriu com o comentário dela, mas ele não tinha nenhum desejo de provocá-
la de volta. Ela faria o que quisesse, da mesma maneira que ele tinha feito o que
tinha que fazer. Ele voltou a atenção para o horizonte.
Ela caminhou para a extremidade da varanda, vivamente roçando a mão de alto
a baixo pelos braços dele. Ele queria abraçá-la e aquecê-la. Em vez disso, ele
encolheu os ombros, tirou o colete e o embrulhou ao redor dela. Ela se fechou
firmemente dentro dele.
“Marcus,” ela disse suavemente.
Ele deu uma olhada rápida para ela. “Marcus?”.
Ela concordou com a cabeça. “É assim que vamos chamar nosso primeiro filho.
Nós o chamaremos de Mark porque Dallas espera que ele faça sua marca no
mundo”.
“Com Dallas como pai, imagino que ele irá”.
Os nós dos dedos dela ficaram brancos enquanto ela apertava o casaco. “Eu
estou nervosa por causa de hoje à noite. Eu não tenho nenhuma mulher com quem
conversar... e eu... Eu sempre considerei você... um amigo querido. Eu desejava que
talvez você pudesse ter algumas palavras de sabedoria para compartilhar comigo
173
para que assim eu não tenha medo de desapontar Dallas”.
“Você nunca conseguiria desapontá-lo”.
“A menos que eu dê a ele uma filha”.
“Nem mesmo assim”.
As bochechas dela se avermelharam, mas ele não achava que tinha alguma
relação com o frio que atingia sua pele.
“Vai doer?”, ela perguntou baixinho.
Ele se sentiu como se tivesse levado um coice de um cavalo selvagem na
barriga. Que diabos ele sabia sobre a primeira vez de uma mulher? Ele conhecia
prostitutas. Seu fedor, seus corpos que estavam sempre prontos para um homem,
suas mãos estendidas pedindo mais dinheiro. Ele desviou o olhar. “Por Deus, eu
não sei”.
Um silêncio pesado ficou entre eles.
“Obrigada,” ela finalmente disse e se virou para ir embora.
Ele agarrou o braço dela e a olhou, realmente olhou para ela pela primeira vez,
para as profundezas de seus olhos verdes. Ele podia ver o terror. Ele a puxou contra
ele, a envolveu em seus braços, tocou sua bochecha e seu cabelo suave.
“Ele não machucará você,” ele disse baixinho. “Se ele puder, ele não vai te
machucar. As mulheres que eu conheci eram tão usadas... Ele vai te beijar... e ele não
vai parar”.
“Mas beijar não fará um bebê”.
Ele deslizou o dedo polegar para baixo do queixo dela e balançou o rosto dela,
desesperadamente querendo acabar com a preocupação naqueles olhos verdes. Ele
engoliu em seco. “Ele colocará o corpo por sobre o seu”. Ele embalou o rosto dela,
desejando que ele pudesse embalar o corpo também. “E ele dará o que ele sempre
dá: o melhor de si mesmo”.
Ela sorriu então, tão docemente e com tanta confiança que o coração dele doeu.
“Eu sentirei sua falta,” ela disse baixinho.
“Você sabe onde eu vivo. Se precisar—”.
Ela agitou a cabeça com uma tristeza profunda. “Não, este é o nosso último
adeus”. Ela ficou na ponta do pé e o beijou ligeiramente nos lábios.
Ele não pôde suportar: a traição refletida em seus olhos, a dor, a decepção. Ele
preferia o ódio. “Eu matei meu pai”.
Ele a soltou e evitou seu olhar fixo. Ela o odiaria agora, como ele se odiava.
“Eu não acredito em você,” ela disse suavemente.
Ele riu zombeteiramente. “Acredite em mim, Amelia. Por treze anos eu corri
disso. Por treze anos, a verdade me perseguiu como uma sombra”.
“Como você o matou?”.
“Você quer os detalhes sangrentos?”.
“Eu quero entender como o homem com quem viajei poderia ter matado o pai”.
174
Ele olhou fixamente para longe, olhou para os anos passados. “Eu era seu
baterista. Ele dava as ordens e a batia do meu tambor dizia aos homens quais eram
aquelas ordens. No meio da batalha, você não consegue ouvir as palavras dos
homens, somente seus gritos agonizantes e o som do tambor. A fumaça fica tão
pesada que cai como gotas de uma névoa, te cercando, queima os olhos, a garganta,
sufoca. Até que você não consegue mais ver o homem emitindo as ordens.
“Mas você pode ouvir a batida do tambor. Então onde quer que meu pai fosse,
eu tinha que ir. Quando ele ia numa batalha, eu ficava ao lado dele, batendo...
batendo meu tambor enquanto as balas assobiavam e os canhões rugiam”.
A boca de Houston foi ficando seca com o medo familiar subindo à garganta.
Ele podia sentir o cheiro da fumaça e do sangue. Ele podia ouvir os gritos.
“O cavalo dele afundou, chutou o ar, gritando em agonia. Meu pai ficou de pé e
puxou a espada da bainha. ‘Vamos, garoto!’ ele gritou.
“Só que eu não pude. O homem de pé ao meu lado caiu. A terra explodiu no
meu rosto. Meu pai gritou comigo novamente. Eu comecei a correr. Tão rápido
quanto minhas pernas me levariam, eu comecei a correr de volta para o lugar onde
eu tinha dormido na noite anterior”.
“Ele veio atrás de mim, gritando, ‘Por Deus, eu não tenho um filho covarde!”.
“Ele agarrou meu braço, me empurrou, mas eu fui embora, lutei para me
libertar. De repente, teve uma explosão alta, uma luz brilhante, dor... e ele se foi. E
não existia nada além de escuridão”.
“Foi quando você se feriu não foi?”.
Ele riu mortificado. “Sim, eu deveria ter morrido também, mas eu não morri. Eu
rezei muito pela morte, mas algumas orações realmente não são para serem
atendidas”.
“Você realmente acredita que matou seu pai?”.
“Se eu não tivesse corrido, ele não teria morrido. Eu era o que ele sempre tinha
dito que eu era. Um covarde. Um fraco chamado de filho”.
“Mas você era uma criança”.
“Eu já tinha idade suficiente. Aos quinze, Dallas estava marchando na batalha
com um rifle na mão e homens o seguindo”.
“Você não é Dallas”.
Ele finalmente voltou do passado e encontrou o olhar de Amelia. “Está certa,
Amelia, eu não sou. E é por isso que eu mantive meu silêncio. Porque você merece
um homem melhor do que eu. Você não merece um homem que corre da própria
sombra, que tem medo da vida”.
Ela virou a cabeça, aquele gesto familiar como o de um filhote de cachorro
olhando para um cachorro maior e decidindo se deve ou não brigar pelo osso.
“Dallas sabe que você prefere a solidão e tem aversão a cidades?”.
“Sim, ele sabe”.
175
“Ainda assim ele mandou você ir me buscar”.
“Ele não teve escolha. Ele confia nos homens no trato com o gado, mas eu não
estou muito certo de que ele confiaria neles, que eles não se aproveitariam de uma
senhorita bonita em uma jornada longa”.
“Ele podia ter enviado Austin”.
“Austin?” Houston riu. “Austin é só um menino”.
Uma tristeza profunda apareceu no rosto dela, lágrimas brotaram nos olhos,
enquanto ela deitava a palma da mão contra a bochecha cicatrizada dele. “Ele é mais
velho do que você era quando foi levado ao campo de batalha”.
As palavras baterem nele, o atordoaram, deixaram-no paralisado. Ele tinha que
ter sido mais velho que Austin. Austin... Maldição. Austin tinha se barbeado pela
primeira vez pela manhã.
A porta abriu, e Dallas entrou na varanda, Austin atrás. Austin cruzou a
varanda, se debruçou e beijou a bochecha de Amelia.
“Pra que isto?”, Dallas perguntou.
Austin corou. “Eu estava só praticando”.
“Para quê?”.
“Houston vai me levar num bordel hoje à noite”.
Houston empurrou o ombro de Austin e tentou achar voz. “Isto é entre você e
eu”.
“O quê?”, Austin tropeçou. “Eu não entendo mais nada. A gente queria muito
uma mulher aqui, e agora que nós temos, nós temos que mudar. Não entendo mais
nada”.
Houston andou na direção dele. Austin levantou as mãos. “Estou muito
cansado de me baterem e gritarem comigo”.
Houston lentamente agitou a cabeça. “Eu não irei bater em você. Vá pegar seu
cavalo”.
Os olhos de Austin se arregalaram. “Você ainda vai me levar?”.
“Disse a você que iria. Agora vá pegar seu cavalo”.
Austin gritou e começou a correr em direção ao curral. Houston se virou para o
casal na varanda. “Pensei em tirar ele daqui por uns dias”.
“Já tinha imaginado,” Dallas disse enquanto tirava o colete de Houston dos
ombros de Amelia e o lançava para ele. Tirou a própria jaqueta e envolveu Amelia
com ela.
Ela deu uma olhada rápida para o marido e deu a ele um sorriso hesitante.
Houston pedia a Deus que ela não parecesse tão pequena de pé ao lado do irmão
dele, tão pequena e tão vulnerável.
Houston deu um passo para trás e lançou o dedo polegar por cima do ombro.
“Acho que está na hora de ir”.
“Cuide-se,” ela disse.
176
“Nós nos cuidaremos”. Ele começou a caminhar em direção ao curral, parou, e
olhou para trás por cima do ombro.
Dallas estava escoltando sua esposa para casa, as costas retas, o queixo
empinado.
A Rainha da Pradaria.
Capítulo Dezoito
(*) N. da R.: Kohl é uma mistura de fuligem e outros ingredientes usada para
escurecer as pálpebras ou usada como rímel para os cílios.
estivesse apaixonado.
“Não demorou muito,” Houston disse enquanto ele se encostava no poste
oposto. Ele riu baixo.
“Bom, que eu me lembre, não levei muito tempo na minha primeira vez,
também”.
“Eu não fui com ela,” Austin disse em voz baixa. “Eu estava pensando em
Dallas e Amelia—”.
“Bem, não faça isso,” Houston falou seco.
Austin girou a cabeça ligeiramente. “Eu não estava pensando em nada pessoal
ou qualquer coisa do tipo. Eu pensava que todas as mulheres eram como Amelia,
todas limpas e cheirando doce e sorrindo contentes ao me ver”.
“Existe uma enorme diferença entre uma mulher da vida e uma mulher como
Amelia”.
“Como?”.
Houston suspirou com frustração. Ele não precisava ou queria esta conversa
hoje à noite. Dallas era a pessoa que tinha vasta experiência com mulheres. Ele devia
ter feito um trabalho melhor ao educar o menino. “Mulheres da vida, bem, eles são
feitas de acordo com o preço. Uma mulher como Amelia... não se dá por dinheiro.
Os homens não se apaixonam por mulheres da vida. Mas uma mulher como
Amelia... quando um homem se apaixona por uma mulher como Amelia... ele faz o
que é melhor para ela, não importa o que isso custe para ele”.
“Você já se apaixonou por uma mulher como Amelia?”.
“Uma vez”.
“Quando?”
Ele empurrou o cotovelo contra as coxas, sem dó, dando boas-vindas à
distração da dor. “Para sempre. Acredito que a amarei para sempre, até o dia em
que morrer”.
“O que aconteceu com ela?”.
“Ela se casou com outra pessoa”.
“Você a amou, mas você deixou ela se casar com algum outro cara? Por que
179
você faria uma coisa tola assim?”.
“Porque era o melhor para ela”.
“Como você sabia que era o melhor para ela?”.
Houston virou a cabeça e capturou o olhar do irmão. “O quê?”.
Austin encolheu os ombros. “E se o que você achava que era o melhor para ela
não era o que ela procurava?”.
“Do que você está falando?”.
Austin deslizou as costas na parede da varanda. “Eu não entendo desses
assuntos muito bem, então eu não entendo como você sabe que o que fez era o
melhor para ela”.
“Eu só sei, isto é tudo. Eu apenas sei”. Ele ficou de pé, saiu da varanda, e
começou a andar através do caminho iluminado pelo lampião, depois na escuridão,
depois de volta a luz. Escuridão. Luz. Sua vida antes de Amelia. Sua vida depois
que ele veio a conhecê-la. Escuridão. Luz.
Ele fez o que era melhor para Amelia. Ela não precisava acordar toda manhã ao
lado de um homem que tinha medo da escuridão, que tinha medo do amanhecer,
que tinha medo de como seria o dia. Ela merecia o melhor. Ele tinha dado a ela o
melhor.
Dallas não temia nenhum homem, não temia nada. Ele não correu quando os
canhões estavam rugindo e quando as balas estavam zumbindo. Ele se levantou e
levou as forças da Confederado para a batalha... repetidas vezes... batalhas após
batalhas.
Dallas era o tipo de homem que Amelia merecia. Amelia com seu coração
corajoso que tinha passado desastre após desastre. Amelia com lágrimas nos olhos,
junto com sua compreensão.
Por que ela tinha olhado para ele sem julgamento nos olhos, sem nenhuma
revolta após sua confissão?
Ele não era o herói que Dallas tinha sido. Ele nunca seria. Ele tinha corrido
como um coelhinho assustado e tinha pagado um preço alto: a vida de seu pai.
Ele nunca tinha conversado com Dallas sobre aquele dia. Às vezes, Houston se
perguntava se a batalha tinha acontecido mesmo. Então ele pegava seu cavalo e ia
até uma lagoa. Dentro das águas quietas e claras, ele via seu reflexo, uma lembrança
constante de como seu pai tinha morrido.
Ele sabia que seu rosto servia como uma lembrança para Dallas também. Por
meses depois que Houston tinha se ferido, Dallas preferia olhar fixamente para suas
botas cobertas de lama em vez de encontrar o olhar de Houston.
Amelia deveria ter evitado olhar para ele também. Ela deveria ter ficado
intimidada e horrorizada. A mulher mantinha o coração nos olhos e tudo o que ele
via refletido lá era seu amor por ele.
Ele parou repentinamente e olhou firme para Austin. O queixo do menino tinha
180
tantos arranhões com seu primeiro barbeado que era impressionante não ter
sangrado até a morte. Ele era um ano mais velho do que Houston quando tinha sido
levado ao campo de batalha pela última vez. Oh, Deus, Houston nunca tinha tido a
oportunidade de barbear o rosto inteiro; Ele nunca tinha paquerado uma menina,
cortejado uma mulher, ou dançado à noite. Ele nunca tinha sido amado.
Não até Amelia aparecer.
E ele tinha desistido dela porque achava que era o melhor para ela. Porque ele
não tinha nada a oferecer a ela exceto uma cabana de tronco de madeira, alguns
cavalos, um sonho tão pequeno que não cobria a palma de sua mão.
E seu coração. Seu coração ferido.
Ele arrancou as rédeas do poste e montou no cavalo.
Austin ficou de pé. “Aonde você vai?”.
“Vou voltar para o rancho”.
Eles montaram a toda velocidade na noite. Houston não estava tão certo do que
diria para Amelia, que explicação ele daria a Dallas.
Ele tinha ficado em silêncio, sacrificado seu direito de dizer qualquer coisa. Ela
tinha se comprometido com Dallas, se tornado sua esposa. Os votos que Houston
achou que tinha ignorado, o bater de seu coração como o ritmo do bater dos cascos:
Para amar, honrar, e obedecer... até que a morte os separe.
Ele apenas sabia que tinha que vê-la, tinha que conversar com ela, e tinha que
entender porquê ela não tinha virado as costas para ele, porquê não tinha sentido
repulsada em sua confissão. Senhor, se ele não a conhecesse melhor, juraria que ela
tinha olhado para ele como se o amasse mais.
Será que uma noite nos braços de Dallas levaria seu coração para longe de
Houston? Que diferença isso faria? Ela já poderia estar carregando o filho que
Dallas queria tão desesperadamente.
A fumaça preta ondulou ao longe, escurecendo o brilho do amanhecer. O
pânico familiar e o medo começaram a brotar na barriga de Houston. Ele persuadiu
seu cavalo para que galopasse mais rápido, com Austin o seguindo como uma
sombra.
“O que é isto?”, Austin gritou atrás dele.
“Problema!”.
O cavalo destroçou o chão com a intensidade do galope. Houston se abaixo,
pedindo que Sorrel galopasse com todas as forças. O bom senso disse para que ele
diminuísse a velocidade quando estava se aproximando da casa de Dallas, mas o
silêncio tímido o chamava.
Alguém tinha reduzido o celeiro a chamas em brasas e o curral a meras toras de
madeira. Com fuligem e suor preto nos rostos e roupas, os homens circundavam a
casa como que perdidos.
181
Houston parou o cavalo. “O que aconteceu?”
Slim ergueu um ombro com o olhar vazio. “Não sei. Nós todos estávamos no
bangalô bêbados como porcos depois de celebrar o casamento. Nós ouvimos um
tiro. Veio do lado de fora, mas já era muito tarde para fazer qualquer coisa. O celeiro
estava queimando, os cavalos tinham sido levados. O chefe ainda está lá fora.
Cookie está com ele. Jackson saiu correndo para achar alguma ajuda, mas a pé
levará uma semana para alcançar outro rancho. O resto de nós é inútil sem um
cavalo embaixo”.
“Amelia? Como está Amelia?”.
Slim baixou o olhar. Houston desmontou e agarrou o homem pela camisa,
colocando o olhar dele no nível do seu. “Onde está Amelia?”.
Slim trocou um olhar com os outros homens. Eles deram um passo para trás.
Houston o agitou. “Que droga! Ela está machucada?”.
Slim engoliu em seco. “Nós não sabemos onde ela está”.
Bruscamente, Houston soltou Slim, seu coração batendo tão forte que ele estava
certo de que todos os homem no estado poderiam ouvir. “Ela tem que estar aqui.
Ache ela! Agora!”.
“Ela não está aqui,” uma voz furiosa ecoou da entrada.
Dallas subiu os degraus e se debruçou contra a viga suporte, respirando com
força, o sangue escorrendo perto da têmpora.
Houston colocou uma mão como forma de apoio no ombro do irmão. “Você
levou um tiro”.
“Foi só de raspão. Essa é a menor das minhas preocupações agora. Malditos
ladrões de cavalo levaram Amelia”. Dallas se afastou da varanda. “Eu vou trazê-la
de volta. Ninguém toma o que me pertence. Por Deus, ninguém. Austin, eu estou
pegando seu cavalo”.
Austin desceu do cavalo com tanta pressa que perdeu o equilíbrio e bateu o
traseiro na sujeira. Com um andar instável, Dallas seguiu em direção ao animal
castrado. Houston sabia que era a determinação que tinha colocado seu irmão sobre
a sela.
“Eu vou com você,” Houston disse enquanto montava em Sorrel.
“Como quiser. Austin, você está no comando até que a gente volte”.
Os olhos de Austin se arregalaram. “Eu?”
“Algum problema nisto?”, Dallas perguntou.
Austin agitou a cabeça vigorosamente. “Não, senhor”.
“Bom. Qualquer ordem que você der estará vindo de mim, então não dê ordens
que eu não daria”.
“Sim, senhor. Nós reconstruiremos o curral destruído. Acredito que você trará
os cavalos de volta”.
“Claro que irei. Junto com minha esposa”.
182
Dallas tinha uma reputação a proteger. Nem em seus sonhos mais selvagens,
Houston nunca teria pensado que alguém seria tolo o suficiente para tentar tomar
algo que pertencia a Dallas Leigh, mas como ele estava descobrindo, os homens que
levaram Amelia era bobos. Eles deixaram uma trilha que até um homem cego
poderia ter seguido.
“Eles não são muito cautelosos,” Houston observou.
“Já que eles levaram todos os cavalos, acho que eles não esperavam que alguém
viesse atrás deles antes de um dia ou dois. Esse engano vai custar caro para eles”.
Próximo ao crepúsculo eles encontraram os ladrões de cavalos. Eles estavam
escondidos em um desfiladeiro, fumaça subindo em espirais da fogueira do
acampamento. Houston e Dallas subiram o penhasco e rastejaram de barriga até a
extremidade.
“Eu contei seis,” Dallas disse. “Nós podíamos abatê-los daqui de cima”.
Houston acreditou na palavra de Dallas quanto ao número. Seu olhar estava
apenas em Amelia. Desta distância era difícil de ter certeza, mas ele não achava que
ela estava machucada.
“Eles poderiam pensar em usar Amelia como escudo,” Houston disse.
“É verdade, mas parece que só há um jeito. Seremos alvos fáceis se formos pelo
outro caminho,” Dallas disse.
“E nós colocaremos Amelia em risco se nós entrarmos lá disparando as armas.
Com certeza ela ficará ferida”.
“Então o que você sugere?”.
“Eu vou sozinho”.
Dallas virou a cabeça.
“Se eu não conseguir chegar perto dela,” Houston continuou, “eu poderei pelo
menos a proteger enquanto você atira daqui de cima. Se eu conseguir levar meu
cavalo até bem próximo dela, talvez eu consiga pegá-la e colocá-la no cavalo”.
Dallas firmou o queixo. “Ela é minha esposa”.
“Mas eles sabem como você é. Além disso, você atira melhor do que eu e meu
cavalo é mais rápido. Acredito que posso dizer que sou um bandido procurando um
lugar para me esconder”. Ele ergueu um canto da boca. “Meu rosto deve convencer
de que estou dizendo a verdade”.
Dallas vacilou e olhou de volta para o desfiladeiro. “Eu não quero os dois
presos lá. Eu não começarei a atirar até que você leve seu cavalo até perto dela. Use
a distração deles para colocá-la no cavalo e a tirar de lá. Eu cuidarei dos ladrões”.
“Sei que fará”.
“Será noite logo. Nós precisamos trabalhar rápido. Se qualquer coisa der
errado... a voz de Dallas foi sumindo.
Houston agarrou o casaco de Dallas e o empurrou. “Só tenha certeza de que
183
Amelia vem primeiro. Não importa o que aconteça, ela deve sair viva de lá”.
Amelia nunca tinha estado tão apavorada em toda sua vida. Ela abraçou a
parede do desfiladeiro rochoso desejando que pudesse se fundir nele e desaparecer.
Se ela sobrevivesse, ela não achava que apreciaria seu vestido de noiva verde ou
suas memórias.
As cordas esfolavam seus pulsos, seu queixo ainda doía. Quando ela achava
que não tinha ninguém olhando, tentava desfazer os nós. Sua tentativa tinha
resultado em um tapa e nós mais apertados.
Ela viu um homem, os braços levantados, caminhando no desfiladeiro levando
um cavalo. Dois homens foram atrás dele, rifles apontados dando a eles vantagem e
uma falsa arrogância. Ela reconheceu o chapéu, o casaco preto empoeirado e o
cavalo. Houston não olhou para ela ou gritou. Talvez ele não tivesse nenhuma
garantia para dar. Ou talvez ele estivesse simplesmente ganhando tempo. Ele
parecia notavelmente tranqüilo para um homem que tinha acabado de entrar em
um ninho de víboras. Ela mantinha o olhar nele, observando qualquer pequeno
sinal que indicasse que ele tinha um plano para salvá-la.
“O que nós temos aqui?”, o homem que ela sabia que era o líder disse enquanto
se levantava, sua mão descansando sobre a arma de fogo.
Houston caminhou para mais distante no acampamento, desejando que Dallas
visse os dois homens atrás dele. Ele não tinha como sinalizar para ele que outro
homem estava guardando a entrada.
“Ele estava montando, todo folgado, assobiando uma canção como se fosse o
dono do lugar,” um dos homens que o seguia disse quando eles pararam de
caminhar mais cedo do que Houston gostaria. Ele não sabia se Dallas poderia vê-los
de onde estava no topo do desfiladeiro.
“Eu sou o dono desse lugar,” Houston disse, tentando imitar a autoridade que
Dallas tinha quando elevava a voz. “Ou pelo menos eu sou quando estou
procurando por um lugar para me esconder por uns dias”. Ele se agachou, abaixou
os braços, e esquentou a mão diante do fogo, rezando para que não pudessem ver
como ele estava tremendo. “Mas, eu não me importo de compartilhar o lugar”.
O homem que ele supôs ser o líder estreitou os olhos. “Você está se
escondendo?”.
“Eu estou me escondendo de qualquer um que esteja me procurando”.
O homem arranhou a barba desgrenhada e riu. “Sei como é. Você tem um
nome?”.
“Dare4”.
4
Dare quer dizer: se atrever / enfrentar alguém. Houston está fazendo referência ao jogo que ele ‘brinca’ com
Amélia. “Verdade ou conseqüência(dare)?”.
184
“Dare?”, O homem perguntou, incrédulo.
Houston se levantou devagar, usado o polegar para empurrar o chapéu para
cima da sobrancelha, e encontrou o olhar do homem. “Você tem algum problema
com isto?”.
“Não, não tem nenhum problema mesmo”. Ele levantou a mão. “Eu sou
Colson. Estes aqui são meus homens”.
Ignorando a mão estendida, Houston deu uma olhada rápida em torno do
desfiladeiro. Um curral provisório segurava os cavalos roubados. Os outros cavalos
estavam selados e ligeiramente amarrados no arbusto crescente das pedras. Eles
podiam ser montados em um piscar de olhos e eles estariam fugindo a oeste meio
piscar depois. “Você parece ter mais cavalos do que homens”.
“Nós o pegamos todas as vezes que a sorte sorri para a gente. Sempre podemos
achar um homem disposto a pagar por um cavalo novo”.
“E a mulher?”.
Colson riu inconscientemente. “Os homens estão dispostos a pagar por isto,
também”.
“Acho que sim. Posso dar uma olhada?”.
Colson esfregou o queixo. “Contanto que você só olhe. Ela vai me aquecer esta
noite”.
“Compreendo”, Houston disse enquanto lutava contra o desejo de bater o
punho contra aquele rosto feio. Ele amaldiçoava os homens que tinham tomado seu
revólver. Graças a Deus, eles deixaram seu rifle na bainha, embora ele não soubesse
se ele seria útil neste local pequeno. Uma idéia surgiu na cabeça dele. Ele se virou
para Colson, desejando que o sorriso que ele lhe deu mostrasse ao homem o que ele
sentia. “Se importa se eu tiver um pouco de diversão inocente? Eu gosto de ouvir
mulheres gritarem”.
Colson estreitou os olhos. “O que você quer dizer com inocente?”
Houston empurrou a cabeça na direção de Amelia. “O modo como ela está
dentro daquela rachadura na pedra, eu acho que ela não percebeu os insetos que
tem lá. As mulheres odeiam coisas com pernas minúsculas. Acho que vou
mencionar para ela”.
Colson se agachou diante do fogo. “Eu não acho que ela é do tipo que grita com
algum inseto, mas não me aborrece se você tiver sua diversão”.
Houston caminhou tão calmamente quanto podia em direção ao canto longe do
despenhadeiro, agradecido por ninguém reclamar quando Sorrel o seguiu. Ele iria
recompensar o cavalo com uma cesta inteira de maçãs se eles vivessem esta noite.
Amelia tinha entrado em uma grande rachadura na parede do desfiladeiro. Ela
tinha uma contusão na bochecha, e ele fez de tudo que pôde para não se virar,
arrancar o rifle e começar a atirar.
Quando ele se aproximou, gritou, “Pequena senhora, escorpiões e serpentes
185
certamente adoram se esconder nas rachaduras frescas”. Ele sussurrou “grita,” e,
graças a Deus, ela gritou.
Ela deu um berro enquanto saía da rachadura e entrava nos braços dele. Os
homens que os cercavam riram tumultuadamente. Um tiro ecoou.
Enquanto os ladrões saíam na cobertura, Houston envolveu a cintura de Amelia
com os braços e a içou na sela. Ela agarrou o chifre da sela. Ele montou atrás dela e
persuadiu Sorrel a um galope enquanto um segundo tiro ricocheteava nas pedras.
“Que diabos?”, alguém gritou.
Houston ouviu vários outros tiros ecoarem. Os pedaços de pedra voavam pelo
ar, chovendo em cima deles enquanto eles corriam em direção à entrada. Homens
berravam. Cavalos relinchavam. Era um inferno atrás deles, mas ele montou sem
olhar para trás.
Ele segurou Amelia o mais próximo que podia, usando seu corpo como uma
proteção ao redor dela quando eles saíram pela boca do desfiladeiro. Ele ouviu um
zunir de bala passar perto de sua orelha.
Ele chutou os lados da Sorrel, fazendo-a ir num galope mais rápido. Ele viu o
sol refletindo em um rifle e manteve a corrida. Ele ouviu a réplica de mais tiros. Ele
não sabia quanto tempo Dallas poderia pará-los. Ele temia que não fosse o
suficiente.
Ele deu uma olhada rápida para trás. Três cavaleiros estavam galopando
rápidos e furiosos vindos da boca do precipício. Inclinando para frente, ele puxou o
rifle da bainha. Ele olhou de novo por cima do ombro. Os três cavaleiros estavam se
aproximando deles. Um cavalo com dois cavaleiros não podia correr mais rápido do
que um cavalo com um cavaleiro, não importava o quão rápido ele fosse.
“Tome as rédeas!”, ele gritou.
Desajeitada com as mãos ainda amarradas, Amelia fez como ele instruiu. Com
as coxas abraçando o cavalo, ele puxou Amelia contra ele. “‘Mantenha o ritmo!”.
Ele puxou o ar pela última vez para sentir o odor doce dela. “Eu amo você”.
Em ato contínuo, ele a soltou, agarrou a parte de trás da sela, deu um impulso e
pulou do cavalo galopante, indo para longe do bater dos cascos. Em ato contínuo,
ele bateu no chão, rolou, ficou de joelho, apontou o rifle, e disparou.
Amelia ouviu as palavras de Houston como se eles estivessem em um campo de
flores em vez de planícies abertas montando contra um inferno. E então ela o sentiu
indo embora... para sempre.
Contrariando os desejos dele, ela puxou as rédeas lutando para fazer o cavalo
parar. Ela girou Sorrel na hora certa em que Houston atirava no segundo dos três
cavaleiros. O cavaleiro restante atirou. Houston caiu para trás, seus braços caindo
para o lado.
“Não!”, ela chorou, o coração gritando.
Outra réplica de fogo de artilharia encheu o ar, e o último cavaleiro caiu para
186
frente antes de cair da sela. Amelia persuadiu a Sorrel a um novo galope, uma
liturgia de orações passando por sua mente. Ela parou o cavalo onde Houston tinha
caído. Ela desceu da sela e caiu de joelhos ao lado dele.
O sangue vermelho claro ensopava sua camisa. “Não,” ela sussurrou, lágrimas
desciam pelo rosto. “Não, não, não”. Ignorando a dor da corda nos pulsos, ela
arrancou um pedaço de sua anágua e o apertou contra o ferimento,
desesperadamente tentado parar o forte fluxo de vermelho. O algodão branco
rapidamente ficou vermelho.
Houston abriu os olhos. Ela tocou a palma da mão na bochecha dela. “Você não
pode morrer. Eu nunca vou te perdoar se você morrer”.
“Eu não corri,” ele sussurrou.
“Mas você devia, seu bobo! Você devia ter ficado comigo!”.
Um canto de sua boca se ergueu. “Esse teria sido o caminho fácil. Você merece
mais do que isto”.
Ele afundou no esquecimento, sua respiração fraca. Uma sombra passou por
cima de seu rosto. Amelia ergueu a cabeça enquanto Dallas ficava de joelhos, faca na
mão, e começava a cortar a camisa de Houston.
“Por que diabos ele não ficou no cavalo? Eu não estava assim tão longe-”.
“Ele tinha algo para provar a si mesmo,” ela disse tranquilamente, as lágrimas
descendo por suas bochechas.
Capítulo Dezenove
Era quase meia-noite quando Amelia agitou o ombro de Dallas para despertá-
lo. “Ele está tremendo, e eu não acho mais cobertores”.
Dallas olhou em direção à cama. Tremendo? Houston estava tremendo como se
alguém o tivesse lançado em um rio glacial. “Droga, ele não tem uma porcaria de
cobertor por aqui”.
Ele saltou da cadeira e cutucou o pé de Austin. Desorientado, Austin abriu os
olhos e olhou fixamente para ele.
‘“Monte até em casa e junte todos os cobertores que puder. Eu pegarei alguma
madeira, farei fogo, vamos aquecer ele”.
Ele seguiu Austin até o lado de fora e se dirigiu à pilha de madeira. Graças a
191
Deus Houston tinha madeira. O modo de vida Espartano estava começando a cansá-
lo.
Ele juntou nos braços o máximo de madeira que podia levar e voltou para a
casa como uma tempestade. Ele empurrou a porta, foi para o lado de dentro, e
parou bruscamente.
Houston não estava mais tremendo. Ele estava perfeitamente quieto, seu rosto
refletia satisfação.
Ele não mais precisava de fogo ou de cobertores para se aquecer. Amelia estava
enrolada ao seu lado, adormecida, dando a ele todo o calor que precisava.
Houston ficou deitado na cama por dois longos dias tentando recuperar força o
suficiente para que pudesse rastejar até a mesa. Ele desejava a Deus que nunca
tivesse dito a Amelia que a amava antes de pular do cavalo, mas no momento ele
tinha achado seguro revelar o que havia em coração porque ele não achava que
haveria uma mínima chance de sobreviver.
Ele pedia a Deus para que ficasse de boca fechada enquanto Amelia o barbeava
sem olhar para ele e o alimentava sem fazer uma maldita pergunta.
Ele desejava se manter em silêncio todas as noites quando ela arrumava em
silêncio a cama em que ia dormir. Ela colocaria seu espelho de mão contra uma
tigela na mesa, separaria as mechas da trança, e lentamente escovava o cabelo até
que ele brilhava como a luz do fogo da lareira. Ela juntava as mechas, então
verificava a chama do lampião, e com nada além de um “durma bem,” ela se
retirava para a noite... deitando em um catre no chão.
Ele a assistia horas após a meia-noite e escutava seu suave respirar. Ele a queria
em sua cama, ao lado dele, em seus braços.
Mas ele tinha desistido do direito de segurá-la novamente—para sempre.
Porque ele tinha medo. Como sempre, ele tinha medo.
E agora ela o odiava. Pela covardia que ele tinha mostrado treze anos antes
quando era um menino, e também pela covardia que ele tinha mostrado agora,
como um homem.
Ignorando a dor no ombro e a debilidade dos joelhos, Houston tinha rastejado
para fora da cama e pegado as roupas que Amelia tinha deixado na mesa. Ele
193
colocou a calça comprida e atrapalhadamente tentava abotoar a camisa quando ela
andou pela casa, trazendo um balde com água. Ela deixou o balde no chão,
caminhou através do quarto, botou as mãos dele de lado, e abotoou a camisa.
“Você nunca mais vai olhar para mim ou conversar comigo de novo?”, ele
perguntou.
“É mais difícil agora. Eu desejava que você não tivesse dito o que disse antes de
saltar do cavalo”.
“Sim, também acho, mas eu não acho que um homem deve morrer sem já ter
dito essas palavras”.
“Então foi só porque eu estava lá que você falou as palavras para mim. Poderia
ter sido qualquer mulher,” ela disse suavemente, encontrando o olhar dele pelo
instante do crepitar de uma chama.
Ele deslizou o dedo embaixo do queixo dela e balançou seu rosto. “Não. Eu
estava com medo de não conseguir parar os homens e você morrer sem saber que eu
te amei”.
Ela levantou os punhos, lágrimas brotando dos olhos.
“Que droga. Que droga você dizer isso para mim agora, quando já é muito
tarde”.
“Sempre foi muito tarde para nós, Amelia. Você estava comprometida com
Dallas. Ele não é um homem que desiste do que lhe pertence”.
“O que pertence a ele? Você acha que se eu erguer minha saia, você achará a
marca dele no meu traseiro? Eu não sou uma posse, Houston. Eu não sou algo para
ser possuído”.
“Você é sua esposa”.
“Sim, agora eu sou sua esposa. E você sabe o que eu descobri? Que você mentiu
para mim. Você disse para mim que as minhas necessidades eram luxúria. Eu não
negarei que uma parte era verdade, mas a maior parte das minhas necessidades
vem do amor que eu sinto por você. Eu não sinto aquelas necessidades quando
Dallas me toca. Eu me sinto vazia”.
Suas palavras o rasgaram por dentro. Ele conhecia o sentimento de vazio de
estar com uma pessoa que você não ama. Ele achava que Dallas teria o poder de
manter esse vazio à distância dela.
Ela de repente riu tristemente. “Por outro lado, eu suponho que deva ficar
agradecida. Eu teria odiado ficar casada com um homem tão vaidoso quanto você”.
“Vaidoso? Você acha que eu sou vaidoso?”.
Ela se virou, girando a mão como um círculo. “Você não tem um único espelho
nesta casa inteira. Você esconde seu rosto embaixo das sombras do seu chapéu”.
“Você acha que eu não tenho espelhos por causa disto?”, ele perguntou,
abaixando a mão até o lado esquerdo do rosto.
Ela concordou com a cabeça, o movimento aos arrancos.
194
Ele apontou para o seu olho direito. ‘“É este que eu não quero ver. Quando eu
encontro o meu olhar, vejo o homem que vive aqui dentro”. Ele bate contra o peito e
faz careta com a dor que vem do ombro baleado. “O que está aqui dentro é mais feio
do que qualquer coisa que você esteja vendo agora”.
“Você não conhece o homem que vive dentro de você,” ela disse furiosamente.
“Você só conhece o menino, o menino de quinze anos de idade que fugiu. Você não
o deixa ir; você não o deixa crescer! Você se vê como um covarde porque você não
olha seu reflexo no espelho. Você não vê o homem que se tornou, você só vê o
menino que era. Você saltou daquele cavalo porque achava que tinha algo a
provar—”.
“Eu saltei daquele cavalo porque eu estava com medo. Com medo de que
Dallas não conseguisse parar aqueles homens, medo de que você fosse morta. Todas
as decisões que eu tomo são baseadas no medo. O pensamento de ver você morrer
me assustava mais do que o pensamento de que eu poderia morrer. Foi por isso que
eu saltei. Eu sempre pego o caminho covarde”.
Ela agitou a cabeça tristemente. “O caminho covarde. Você me segurou em uma
tempestade que poderia ter facilmente matado nós dois; Nós lutamos contra um rio
furioso; Nós capturamos cavalos selvagens—”.
“Eu não teria feito nenhuma dessas coisas se você não estivesse comigo”.
“Sim, você teria. Porque esse é o homem que você se tornou. Você só não se
conhece tanto quanto eu te conheço. Se arrisque, olhe no espelho algum dia, e veja o
homem que eu aprendi a amar”.
A porta abriu. Amelia saltou para trás, as lágrimas escorrendo pelas bochechas.
Houston encontrou o olhar de Dallas enquanto ele caminhava pela casa, Austin o
seguindo.
“Você está fora da cama,” Dallas disse, seu olhar indo de Houston a Amelia.
Houston concordou com a cabeça, procurando sua voz. “Sim, eu me sinto mais
forte”.
“Então você não se importará se eu levar Amelia para casa”.
“Não, não, eu não me importo. Ela é sua esposa. Você devia levá-la para casa”.
“Então eu farei”, ele estendeu a mão.
Amelia deslizou a mão até a de Dallas, e Houston sentiu como se um rebanho
de cavalos selvagens tivesse passado por cima de seu coração.
Quando a dupla saiu fechando a porta, Houston afundou na cama.
“Você tem certeza de que está se sentindo bem?”, Austin perguntou.
“Sim”.
Austin arrastou a cadeira pelo chão, girou-a e se sentou, cruzando os braços na
parte de trás. “Eu devo desculpas a você pelo Trovão Negro”.
“Nós já discutimos sobre isto. Nós conseguiremos um novo garanhão na
primavera”.
195
Austin agitou a cabeça. “Você não deve ter olhado direito para aqueles cavalos
no desfiladeiro, os que aqueles ladrões tinham roubado”.
“Não, eu estava só pensando em Amelia e como tirar ela de lá”.
“O Trovão Negro estava lá. Dallas o devolveu. Eu o coloquei no cercado”.
Houston esfregou o ombro, a dor se intensificando. “O que você quer dizer que
ele estava lá e agora está aqui? Você atirou nele”.
“Não, eu menti”.
Houston olhou fixamente para seu irmão, perguntando-se quando ele tinha
deixado de ser um menino. Austin respirou fundo.
“Os ladrões me pegaram de surpresa e roubaram o Trovão Negro. Eu tinha
vergonha de dizer que não tinha tentado parar eles. Não importava que havia seis
deles e que eu estava só e com apenas uma arma de fogo. Eu não fiz nada. Eu
achava que iria desapontar você. Achava que você nunca mais confiaria em mim se
soubesse o que aconteceu. Então eu menti. E porque eu menti, você levou um tiro”.
“Eu não levei um tiro porque você mentiu—”.
“Se eu tivesse dito a verdade, você os teria seguido. Eles nunca teriam levado
Amelia”.
“Nós não temos como ter certeza disso. Você não pode ficar pensando no que
poderia ter acontecido”.
“Dallas disse a mesma coisa, mas eu precisava ouvir de você”.
“Bem, agora que ouviu, pegue o Trovão Negro e volte para o rancho”.
“Levar o Trovão Negro?”.
“Sim, ele é seu. Eu gostaria de pegar ele emprestado de vez em quando, claro,
mas ele pertence a você”.
“Por quê?”.
Houston se debruçou para frente. “Porque eu não quero que você fique
pensando o resto da vida que eu o culpo pelo que aconteceu. Não foi sua culpa”.
Austin riu. “Você não tem que me dar o cavalo. Dallas disse a mim que um
homem que se cerca de seus remorsos vive uma vida miserável. Eu tenho um sonho
que quero agarrar com as minhas mãos. Eu não quero viver cercado de remorsos”.
“De qualquer maneira, fique com o cavalo”.
Austin ficou de pé. “Certo, eu irei”. Ele caminhou para a porta e parou, a mão
sobre a maçaneta. Ele olhou para trás por cima do ombro. “Aquela mulher que você
ama... eu conheço?”.
Houston se forçou a encontrar o olhar do irmão. O menino só conhecia uma
mulher, se ele não contasse com as prostitutas dos Apartamentos Empoeirados.
“Sim, você conhece”.
“Ela nunca deixou seu lado, nem por um minuto”.
“Ela não deveria ter feito isso”.
“Bem, eu não entendo muito desses assuntos, mas se eu tivesse uma mulher
196
que me amasse tanto quanto essa mulher te ama... eu rastejaria pelo inferno só para
ficar ao lado dela”.
Capítulo Vinte
Dallas ficou de pé diante da janela de seu escritório, o uísque que ele tinha
colocado, esquecido enquanto ele assistia a mulher em pé ao lado do curral que
Austin tinha feito os homens reconstruir. Dallas sabia que ela escaparia da casa e
iria para o curral. Ele se perguntava quanto tempo demoraria até que ele a
conhecesse como Houston conhecia. A Palomino a abordou, cutucou seu braço, e ela
apertou o rosto contra o pescoço da égua.
Ele podia ouvir Houston andando atrás dele. Para um homem que queria
conversar tão desesperadamente, ele de repente tinha ficado misteriosamente
quieto.
Dallas girou e, pela primeira vez em anos, não vacilou quando encontrou o
olhar do irmão. “Você devia se sentar antes que caia”.
Houston parou e se segurou na parte de trás de uma cadeira. “Eu consigo ficar
de pé”.
“Você quer conversar?”.
Houston concordou com a cabeça, os dedos apertando o couro da cadeira. “Eu
estou apaixonado por Amelia”.
“E quando você decidiu isto?”.
“Foi em algum lugar entre Fort Worth e aqui”.
Dallas andou a passos largos através do quarto e lançou o copo de uísque na
lareira. O barulho do vidro quebrando não melhorou em nada seu humor. “Que
diabos, então nós temos uma situação muito complicada aqui”. Ele se virou. “Por
que em nome do Deus você não disse algo antes que nós estivéssemos casados?”.
“Porque eu achei que ela merecia algo melhor do que um covarde”.
Dallas sentia como se Houston tivesse acabado de dar um soco na boca do
estômago dele. “O quê?”.
“Ela tem mais coragem no dedo mindinho do que eu tenho no corpo inteiro. Eu
acreditava que ela não merecia alguém que foge da própria sombra”.
“Do que você está falando?”.
Houston atravessou o quarto e bateu uma mão na escrivaninha. “O quê? Após
todos estes anos, você quer que eu diga na sua cara o que você sabe lá no fundo? Eu
sou um covarde. Um ser desprezível, uma porcaria de homem. Você sabe disto, eu
sei também. É por isso que você não tem estômago para olhar para mim. Se eu
199
pudesse desfazer o que eu fiz, eu faria. Mas eu não posso. Deus sabe que toda noite
quando vou dormir, tento reviver aquele dia, desejando que eu tivesse feito o que
deveria ter feito, mas quando eu acordo o passado permanece como era”.
“Você soa como o nosso pai”.
Houston sentou na cadeira, fechou o olho e esfregou a testa. “Eu não espero que
você me perdoe por ter matado ele. Maldição, eu não me perdoei”.
“Você acha que eu te culpo pela morte do nosso pai?”.
Houston ergueu o olhar desesperado. “Creio que é por isso que você não
suporta olhar para mim. Porque você sabe que eu o matei. Se eu tivesse alguma
firmeza, eu teria me virado, e saído das suas vistas—”.
“Oh, Deus”. Dallas afundou na cadeira e afundou o rosto nas mãos. “Oh, meu
Deus”. Então ele lançou um olhar de volta e riu, uma risada seca. “Eu achava que
você evitava me olhar porque você lamentava o que eu tinha feito”.
“O que diabos você fez?”.
“Eu brinquei de ser Deus”.
A noite que seguia uma batalha era sempre a pior. Os gritos dos homens feridos
ecoando pela escuridão, o fedor de sangue espesso no ar.
Dallas andou por cima de um cadáver e se ajoelhou ao lado de um jovem
soldado que estava segurando nada menos do que o tronco de seu melhor amigo.
“Jimmy?”.
Jimmy olhou para ele sem expressão. “Não consegui achar as pernas. Ele iria
odiar ser enterrado sem as pernas”.
“Eu ajudarei você a procurar as pernas dele depois que eu achar Houston. Você
viu ele?”.
Jimmy enxugou as lágrimas com a mão ensangüentada antes de apontar com o
dedo. “Eles estão colocando os mortos lá em cima”.
Empilhados como troncos de madeira, um corpo em cima do outro. Dallas tinha
achado o pai lá, mas ele não podia pensar sobre isso agora, ele tinha que ignorar a
dor que esfaqueava seu coração.
“Houston não está lá”.
“Você verificou a barraca do hospital?”
“Sim, ele não estava lá, em nenhum dos dois”.
Jimmy apontou para um outro local. “Eles deixam os agonizantes ali”.
O estômago de Dallas se apertou, seu queixo formigou. Deus, ele queria
vomitar, mas não aqui, não na frente de um soldado. Ele colocou a mão no ombro
do jovem. “Nós vamos arrasar os Yankees amanhã”.
Ele lutou para ficar de pé e andou entre os mortos que ainda tinham que ser
removidos, até que o gemido começou a ficar mais alto. Tantos homens na clareira.
Ele poderia nunca ter encontrado Houston não fosse ele ter visto o tambor.
200
Ele se ajoelhou ao lado do irmão. Houston estava ensangüentado, deitado tão
quieto, tão pálido ao luar. Dallas tirou o tambor de perto do irmão e o lançou com
toda sua força e raiva em um arbusto perto. Ele deslizou os braços embaixo de
Houston e lutou para conseguir ficar de pé. Ele ignorou os pedidos de água dos
homens, ignorando os pedidos de ajuda enquanto ele se dirigia em direção à barraca
do hospital.
Nenhuma luz ardia do lado de dentro. Usando o ombro, ele cutucou a ponta da
barraca. O luar se derramava no interior. Ele julgou a distância até a mesa,
caminhou para o lado de dentro, e deitou o irmão na mesa na escuridão enquanto a
ponta da barraca caía atrás dele.
Houston não fazia nenhum som. Dallas foi do lado de fora e depressa retornou
com um lampião. Ele o pendurou em uma viga e estudou seu irmão através da
névoa dourada. Houston estava com a respiração fraca, o peito sangrento mexendo
um pouco apenas quando ele tentava respirar. A raiva inflou dentro de Dallas, e ele
saiu da barraca como um furacão.
Ele correu através do recinto, e sem formalidade, adentrou a barraca do médico.
“Dr. Barnes, eu achei um homem que precisa ser atendido”. Ele agitou o homem
dormente. “Eu achei um homem que precisa ser atendido!”
O doutor abriu os olhos e deu um suspiro cansado. Ele ainda estava vestido,
sangue salpicado em suas roupas. Sentando, ele colocou os pés no chão. “Onde está
ele?”.
“Na barraca do hospital. Nós precisamos nos apressar”.
Dr. Barnes esfregou o rosto antes de ficar de pé. “Vamos”.
Ele não caminhou rápido o suficiente para ajustar seu passo com o de Dallas,
mas pelo menos ele estava indo. Dallas levantou de novo a ponta da barraca e se
apressou indo até o lado do irmão. Houston não se movia, mas ainda estava
respirando. Dr. Barnes se moveu ao redor da mesa.
“Oh, céus”.
“Eu preciso que você o trate”, Dallas disse.
Dr. Barnes ergueu os olhos cansados. “Filho, é melhor que ele morra”.
“Eu dei a minha palavra a ele que não o deixaria morrer”.
Dr. Barnes balançou a cabeça, remorso enchia seus olhos. “Eu gastei meu tempo
para salvar homens com ferimentos faciais como esses, só para que eles se matassem
quando ficassem fortes novamente. Aqueles que não se matam acabam vivendo
sozinhos, não querem que as pessoas o vejam”. Ele colocou a mão na testa de
Houston. “Eu não estarei fazendo um favor a ele se fechar seus outros ferimentos.
Meu tempo seria melhor gasto se eu dormisse para que assim tenha forças para
salvar aqueles que ainda valem a pena serem salvos amanhã”.
Dallas puxou o revólver do cinto.
“Eu dei a ele a minha palavra de que não o deixaria morrer. Eu nunca volto
201
atrás com a minha palavra”. Ele colocou a arma de fogo no centro do peito do
médico. “Eu estou dando a você a minha palavra de que se ele morrer, você fará
companhia a ele no céu”.
“Não faça isto, filho”.
“Eu não sou seu filho”.
“Eu sei que é duro deixar aqueles que nós amamos ir embora, especialmente
quando eles são tão jovens, mas eu dou a você a minha palavra de que a morte é o
melhor para ele”.
“Eu não estou interessado na sua palavra. Eu só estou interessado na minha.
Agora, conserte ele”.
Resignado, o doutor suspirou, pegou atrás de si um par de tesouras e começou
a cortar a jaqueta cinza de Houston. Estoicamente, Dallas permaneceu e assistiu ao
doutor trabalhado. Duas horas. Duas longas e torturantes horas ele olhou fixamente
para a carne mutilada do irmão.
“Eu fiz tudo o que podia fazer”, Dr. Barnes disse quando terminou de colocar a
última bandagem ao redor da cabeça de Houston. “Agora é com ele, se vive ou
morre”.
Dallas abaixou a mão que tremia. “Eu aprecio muito o que você fez”.
“Eu garanto a você que ele não apreciará. Daqui a anos quando você olhar para
o rosto dele, você se lembrará da noite em que brincou de ser Deus”.
“Ele estava certo,” Dallas disse com um suspiro pesado. “Eu tive que partir, ir
com a minha companhia, mas quando eu voltei, você não estava sorrindo. Você não
conversava mais comigo. Quando nós estávamos viajando para casa, você se
resguardou, ficando nas sombras quando nós passávamos em uma cidade. Eu achei
que você tinha desejado que eu tivesse te deixado morrer. Quando eu construí a
casa para Amelia, você não quis viver aqui, construiu um lugar só para você.
Acreditava que você não queria ter qualquer relação comigo”.
Houston quase não conseguia falar com as emoções obstruindo sua garganta.
“Eu achei que você não olharia para mim porque você sabia que eu era um covarde.
Eu corri. Se eu não tivesse corrido, nosso pai não teria morrido”.
“Por Deus, Houston, você não tinha nenhuma arma de fogo para se defender,
apenas um tambor. Se um soldado não consegue matar o homem que dá as ordens,
ele faria de tudo ao seu alcance para silenciar o mensageiro. Você era o mensageiro.
Eu disse ao nosso pai que te desse um rifle, mas ele queria alguém que cumprisse as
ordens dele. Você era um menino. Nosso pai não tinha o direito de te alistar. Eu
disse a ele para que não o fizesse, mas ele não me escutava”.
“Você não era muito mais velho”.
“Nem em idade, nem em temperamento. Eu queria ir. Eu queria a glória que
vinha com a guerra. Só que eu descobri que a glória não vem com destruição. Eu
202
achei que encontraria isto aqui, domesticando a terra, construindo um império,
criando um legado que eu pudesse passar para o meu filho”.
O filho de Dallas. A fundação de seu sonho. Dallas tinha salvado a vida de
Houston—duas vezes—e agora Houston estava pedindo para que sacrificasse uma
porção de seu sonho para que ele achasse felicidade. “Isso nos trás de volta a
Amelia,” Houston disse baixinho.
“Sim, trás”. Dallas saiu da escrivaninha e caminhou para a janela.
O peito de Houston doeu mais do que quando tinha levado o tiro da
metralhadora. Ele se levantou e foi para perto do irmão. “Eu devo a você por ter
mantido a palavra e não me ter deixado morrer. O doutor estava errado. Eu nunca
lamentei ter vivido. Só lamentei que nosso pai não tivesse”.
Dallas balançou a cabeça. “Ele não tinha o direito de fazer o que fez com você.
Ele tinha homens para comandar. Seu lugar era com eles. Ele queria te transformar
no homem que achava que você deveria ser. Um campo de batalha não era o lugar
para isto”.
“Você não me culpa mesmo?”
Dallas deu uma olhada rápida para ele. “Foi decisão dele correr atrás de você,
porque ele era estúpido. Eu o amei, Houston. Eu admirei sua força, mas ele não era
perfeito”.
“Eu o amei, também,” Houston disse, pela primeira vez percebendo que
realmente tinha amado o pai. “Eu apenas não consegui ser o que ele queria que eu
fosse”.
“Não há nada de errado nisso. Que Deus me ajude, eu sou o reflexo dele”.
Dallas olhou em direção ao curral para a mulher de pé ao luar que a cercava. Ele não
esperava que ela o amasse. Ele era parecido demais com o pai, um homem difícil de
amar, não verdadeiramente apreciado até que ele se fosse. Ele também não gostava
da idéia de levar para cama uma mulher que ele sabia que estava pensando em
outro. Especialmente se aquele homem fosse Houston.
“Dê a ela o divórcio,” Houston disse. “Eu juro por Deus que não a tocarei
durante um mês, não até que ela tenha a certeza se está ou não carregando um filho
seu”.
Dallas levantou uma sobrancelha. “É altamente improvável que ela esteja
carregando um filho meu, já que nós somos constantemente interrompidos”.
“Então dê a anulação”.
“O que em nome do Deus faz você pensar que ela quer se casar com você? Você
ficou de pé na minha sala de estar e ficou calado. Você não pensa que poderia ter
destruído o coração dela?”.
“Ela tem todo o direito de me odiar, mas pelo menos deixe que eu pergunte a
ela”.
Culpas, enganos, e remorsos tinham dado a Houston treze anos de solidão.
203
Agora, Houston tinha a oportunidade de receber o amor de uma mulher, algo que
Dallas nunca teria. Qualquer mulher podia dar a Dallas o filho que ele queria, mas
só Amelia podia retribuir a Houston seus sorrisos e risos.
“Eu deixarei a decisão com Amelia,” Dallas disse tranquilamente. “Deixe-me
conversar com ela. Se ela quiser a anulação, eu darei. Se ela quiser se casar com
você... eu não farei nada”.
Uma lua cheia graciosamente enchia os céus, de modo leve iluminava Dallas
que se aproximava do curral. Valiant foi para o outro lado, mas a mulher continuou
parada, olhando a escuridão além do curral.
Dallas cruzou os braços por cima da grade. “Esse é um cavalo bonito”.
“Sim, ela é”.
“Houston tem a paciência para trabalha quando o assunto são os cavalos”.
“Sim, ele tem”.
“Você sabe no que eu pensei enquanto estava vindo para cá?”.
Agitando a cabeça, ela deu uma olhada rápida para ele.
“Eu estava pensando na última vez que ouvi Houston rir. Nós tínhamos
nadado no riacho. Eu disse a ele que saísse, e enquanto eu estava me vestindo, ele se
escondeu nas sombras. Quando eu olhei para cima, eu não o podia ver. Eu pensei
que ele tinha se afogado. Ele me fez de bobo, eu entrei na água, procurando por ele.
Ele riu tanto que achei que iria se engasgar”.
Ela sorriu suavemente. “Eu não consigo imaginar isto”.
“Não, eu não acho que você consiga. No dia seguinte, nosso pai foi guerrear e
nos arrastou junto com ele. Eu nunca ouvi Houston rir novamente até a primeira
noite em que você chegou aqui. Quinze anos é muito tempo para um homem ficar
sem rir”.
Ele arrastou o dedo contra a bochecha dela. “Eu não preciso de amor, Amelia,
mas eu acho que você precisa, e se você achar isto com um homem que tem o sonho
de criar cavalos, saiba que você tem a minha bênção”.
Lágrimas brotaram nos olhos dela, e um sorriso trêmulo curvou seus lábios.
“Eu acho que se você tivesse ido até Fort Worth me buscar, eu poderia ter me
apaixonado por você”.
Ele sorriu calorosamente. “Eu acreditaria que o destino conspirou contra a
gente se eu não acreditasse que a gente faz o próprio destino. No meu escritório está
um homem que quer que você faça parte do destino dele. Eu acho que vale a pena
escutar o que ele tem a dizer”.
Houston se sentou na cadeira, os cotovelos nas coxas, seu ombro doía sem dó.
Ele passava o pano de Amelia nos dedos repetidas vezes. Ele conhecia cada laço,
cada babado, cada ponto. Era tudo o que ele teria dela se ela não viesse, e ele tinha o
204
pressentimento de que ela não viria vê-lo.
“Dallas disse que você queria conversar comigo”.
Ele saltou na cadeira com o som de sua voz gentil. Ele dobrou o pedaço de pano
e o colocou no bolso do colete. “Sim, eu quero”. Ele puxou o espelho do outro bolso.
“Você deixou seu espelho na minha mesa”. Ele estendeu em direção a ela.
“Você pode ficar com ele,” ela disse baixinho. “Nós temos muitos espelhos
aqui”.
“Eu ficarei com ele, então”.
“Bom. Eu fico contente”.
Ele nunca tinha sido impetuoso em uma batalha, mas ele percebeu que desta
vez poderia ser a melhor abordagem. “Eu gastei muito tempo estudando o espelho.
A parte de trás é realmente bonita com ouro trabalhado. Levei uma hora para ter
coragem para virar e olhar o outro lado”.
“E o que você viu?”.
“Um homem que te ama mais do que a própria vida”.
Fechando os olhos, ela abaixou o queixo na direção do peito.
“Eu não te culparia se você se me odiasse. Eu não cuidei dos seus sentimentos
como deveria”.
“Eu não odeio você,” ela sussurrou rouca. “Eu tentei, mas não posso”.
“Dallas está disposto a dar a você uma anulação”.
Droga, essas palavras eram tão feias quanto seu rosto, não eram o que ela
merecia. Ele se consideraria o homem mais rico do mundo se possuísse as palavras
que ela queria ouvir, que merecia ouvir. Ele achava que havia uma lágrima
brilhando no canto do olho dela. “Maldição, mulher, olhe para mim”.
Lentamente, ela ergueu a cabeça. A visão das lágrimas que brotavam em seus
olhos o machucava mais do que o ferimento que tinha no ombro.
“Eu tive vários momentos na minha vida quando me senti assustado, mas eu
juro a você que eu nunca tinha me sentido tão assustado quanto eu fiquei agora
mesmo. Eu tenho medo de que você não aceite a oferta de Dallas da anulação... e eu
não terei nada na minha vida além do vazio que estava lá antes de você sair daquele
trem em Fort Worth. Eu não culparia você por querer ficar com ele. Deus sabe que
eu não fiz as coisas certas ao seu lado—” Ele fechou os olhos com força. “Ah, droga,
isto não era o que eu queria dizer”.
Ele deslizou o espelho de volta em seu bolso e afundou na cadeira. Ele nunca
tinha se sentido tão cansado em toda a vida. Ela andou e se ajoelhou ao lado dele.
“Você está sangrando?”.
“Não. Apenas um momento para reunir a minha força”.
“Você não devia ter vindo aqui hoje à noite. Você deveria ter ficado na cama—”.
“Eu não podia. Todas as vezes que eu respirava, sentia seu cheiro”. Ele colocou
a mão ao redor da dela, deu um beijo contra a palma da mão, e manteve o olhar
205
dela. “Eu tenho uma cabana de um quarto, alguns cavalos, e um sonho que é tão
pequeno que não cobrirá a palma da sua mão. Mas certamente parece muito maior
quando você está ao meu lado”.
O luar que fluía pela janela brilhava sobre as lágrimas que desciam pelas
bochechas dela. “Eu sempre quis um sonho que pudesse segurar na palma das
mãos,” ela disse baixinho.
O coração dele bateu mais rápido contra o peito, e todas as coisas que ele temia
foram embora. “Eu quero você ao meu lado até o dia em que eu morra, Amelia. Se
você me quiser... como seu marido”.
Ela sorriu suavemente. “Eu responderei uma pergunta”.
“O quê?”.
Ela levantou uma sobrancelha delicada. “Uma pergunta”.
Ele respirou fundo, tomou as mãos dela, e as trouxe contra os lábios. “Você
quer se casar comigo?”.
“Sim”.
A alegria alagou o coração dele, criando um raio de sol banhado com paixão.
“Eu quero uma conseqüência,” ele disse rouco.
“Beije-me como se você me amasse”.
“Mulher, você não sabe que eu sempre te beijei desse jeito?”.
Sentando-a no colo dele, ele a abraçou e levou sua boca até a dela, beijando-a
ternamente, esta mulher de coragem que logo se tornaria sua esposa.
Capítulo Vinte e um
Amelia despertou várias horas mais tarde, o corpo dolorido, o coração contente.
O corpo de Houston estava sobre o dela, sua perna sobre a coxa dela, a palma da
mão grande sobre os seios dela, a respiração soprando na nuca dela como uma brisa
constante do West Texas. Levou um momento até que ela notasse que não estava só
cercada por ele, mas também pela escuridão. “Houston?”.
“Hmm?”, ele murmurou com a voz sonolenta.
“O fogo apagou”.
“Você está com frio?”.
“Não, mas não há nenhuma luz”.
“Quer que eu ache um lampião?”.
“Só me abrace um pouco mais forte”.
“Eu posso fazer melhor do que isto,” ele prometeu enquanto suavemente rolava
por cima dela e a beijava profundamente, dando a ela o que ele sempre daria
daquela noite em diante... o melhor de si.
FIM
213
Querido leitor:
Se você apreciou DESTINO: Texas, então você ficará excitado em saber que eu
escrevi a história de Dallas. Sua procura por uma mulher que lhe dê seu filho o leva
a Cordelia McQueen.
Incrivelmente tímida, ela parece um par estranho para um construtor de
impérios, mas Dallas logo reconhece a força que se esconde dentro de seu
comportamento recatado, e ela mostra a ele a ternura que ele sempre teve guardado.
O casamento de conveniência deles os leva a uma jornada de descobertas, aflições,
triunfos e—juntos—eles alcançarão os seus sonhos e glórias.
Sinceramente,
Lorraine Heath
214