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TREINAMENTO EM DIREITOS HUMANOS – 2021

CADERNO n. 2
2ª FASE DO CONCURSO PARA DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO
1) Na segunda-feira de 28/6/2021, foi noticiado pelo CNJ que o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Nunes Marques autorizou que os tribunais realizassem
audiências de custódia por videoconferência durante a pandemia da Covid-19. A
decisão liminar foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6841), em
que é julgada a constitucionalidade do §1º do art. 3º-B do Código de Processo Penal,
introduzido pela Lei n. 13.964/2019 e que veda o uso das ferramentas remotas nas
audiências de custódia. Para Nunes Marques, a realização da audiência presencial, no
atual contexto, coloca em risco os direitos fundamentais à vida e à integridade física
de todos os participantes do ato, inclusive da pessoa presa. A decisão deveria ter sido
submetida a referendo do Plenário em sessão virtual extraordinária marcada pelo
presidente do CNJ e do STF, ministro Luiz Fux, para iniciar na quarta-feira (30/6), mas
foi suspensa e posteriormente, retirada de pauta.

Alguns tribunais brasileiros já têm experiências de audiências de custódia virtuais, como


demonstra a foto do TJMA.

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CADERNO n. 2
2ª FASE DO CONCURSO PARA DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO
No Relatório sobre Direitos Humanos no Brasil, a CIDH reconheceu os vários esforços
do Estado brasileiro nessa área, principalmente os que visam reduzir a prisão preventiva,
como aumentar a eficácia do controle judicial das detenções por meio de audiências de
custódia e promover a aplicação de medidas alternativas. Atualmente, as audiências de
custódia estão operando nas capitais dos 26 estados do país e no Distrito Federal. Segundo
dados do Judiciário, desde o início de sua implementação e até junho de 2017, foram
realizadas 258.485 audiências de custódia em todo o país. Destas, 55,32% (em 142.988 casos)
resultaram em prisão provisória. Apesar disso, a prisão provisória em aproximadamente 55%
dos casos reflete que essa medida continua a ser aplicada de maneira contrária à
excepcionalidade da sua natureza. Embora o estabelecimento das audiências de custódia
represente um avanço importante, a Corte Interamericana verificou que a implementação
desses mecanismos não é uma realidade em todos os municípios do Brasil.
Tendo em conta os parâmetros interamericanos estabelecidos para pessoas privadas de
liberdade, analise o mencionado voto de Nunes Marques, aborde as críticas tecidas pela
CIDH ao programa do CNJ sobre audiências de custódia e argumente de que modo o STF
deve se posicionar quanto à liminar do Ministro Relator para que a prestação jurisdicional
do Pleno do STF permaneça intacta ao duplo controle de que trata a doutrina
internacionalista de direitos humanos.

2) Em 19 de maio de 2021 foi lançada a campanha nacional da ANADEP intitulada


"Racismo se combate em todo lugar: Defensoras e Defensores Públicos pela
equidade racial" e conta com #RacismoNao.
Meses antes, a CIDH publicou relatório sobre DH no Brasil, no qual
“vê como grave e preocupante a situação dos povos e comunidades indígenas do
Brasil. Aos registros de ameaça de invasão aos seus territórios por não indígenas,
somam-se profundos desafios quanto à titulação e proteção de suas terras e, em
inúmeros casos, os povos e comunidades indígenas se veem sem a necessária
proteção do Estado. Nesse âmbito, a Comissão manifesta sua grande preocupação a
respeito do processo de revisão das políticas indigenistas e ambientais do país, o que
tem favorecido as ocupações ilegais das terras ancestrais, encorajado atos de
violência contra suas lideranças e comunidades indígenas, e autorizado a destruição
ambiental de seus territórios.” (pár. 56)

Mais adiante, no pár. 67, “a Comissão também registra que a tese do Marco Temporal
foi aplicada em várias decisões judiciais adotadas pelos tribunais regionais federais,

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ensejando o cancelamento dos processos de demarcação das terras Limão Verde, Buritim do
povo Terena e Guyraroká do povo Guarani-Kaiowá, todas no Mato Grosso do Sul.”
Considerando os parâmetros interamericanos do Caso do Povo Indígena Xukuru, a
Convenção 169 da OIT, a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas, o conceito
de racismo ambiental, o art. 67 do ADCT, reflita sobre a Tese do Marco Temporal do STF e
responda se é possível compatibilizá-la com o que a Corte IDH tem entendido como
propriedade coletiva dos povos indígenas.

3) Madalena Caramuru1, liderança indígena envolvida com a luta pela conservação da


Amazônia recebeu voz de prisão por crime de desacato, quando esteve na Secretaria
Ambiental de sua cidade, buscando informações sobre o último licenciamento
ambiental que autorizava a exploração de outra mineradora nas terras que sua
comunidade ocupa ancestralmente. Ela denunciava diversos projetos de mineração
que afetam total ou parcialmente terras indígenas e unidades de conservação na
Amazônia brasileira.
“De acordo com informações da sociedade civil, dos 44.911 projetos de mineração
realizados na Amazônia brasileira em 2016, 17.509 afetaram total ou parcialmente terras
indígenas ou unidades de conservação, em grande parte devido à obra de dos
garimpeiros (garimpeiros). Na verdade, cerca de 70% dos projetos estão relacionados
com a exploração ou intenção de explorar este mineral. A maior parte dos projetos
(10.686) está sendo realizada em unidades de conservação federais, seguidos de 4.181
em terras indígenas e 3.390 em unidades de conservação estaduais. Esses dados,
somados às recentes declarações de altas autoridades do país sobre a liberalização da
extração mineral na Amazônia, geram extrema preocupação a respeito dos impactos ao
meio ambiente e da sobrevivência dos povos indígenas e comunidades tribais.” (pár. 76,
Relatório da CIDH sobre Direitos Humanos no Brasil)

Você, Defensor/a Público/a, em atuação no JECRIM deve promover sua defesa. No


marco da jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, indique um
recurso simples, rápido e efetivo que você manejaria para provocar o controle de
convencionalidade e quais argumentos seriam articulados, assim como o pedido a ser
formulado.

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Personagem fictícia em homenagem à Madalena Caramuru, primeira mulher brasileira a ser
alfabetizada. No dia 26 de março de 1561, escreveu uma carta ao padre Manoel da Nóbrega reivindicando
tratamento digno às crianças escravizadas. Em sua homenagem, os Correios lançaram um selo que
simboliza a luta pela alfabetização da mulher no Brasil no dia 14 de novembro de 1561.

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4) Disserte sobre as consequências para os Estados membros da OEA, especialmente


para o Estado Brasileiro, de violações do direito de acesso à justiça das pessoas em
situação de vulnerabilidade e quais os parâmetros interamericanos sobre o papel da
Defensoria Pública nessa seara.

5) No dia 01 de julho, sem prévio aviso, foi cumprida a reintegração de posse de terreno
da Petrobrás, deslojando cerca de quatro mil famílias em extrema vulnerabilidade
social, vindas principalmente da Baixada Fluminense e da zona oeste da capital, que
tiveram a situação agravada pela crise econômica e sanitária. Elas formaram a
ocupação denominada “Acampamento Campo de Refugiados Primeiro de Maio”
localizada em Itaguaí.
O Brasil de Fato procurou a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. O órgão
informou à reportagem que obteve, em 6 de maio, junto ao Tribunal de Justiça,
decisão favorável à suspensão da ordem de reintegração de posse e que a Petrobras
recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinando a desocupação do
terreno.
De acordo com a assessoria, no dia 10 de junho, "a Defensoria esteve presente à
audiência de conciliação, que teve por objetivo programar a saída das famílias com
segurança, de modo a garantir alojamento, alimentação e transporte a todos os que
deixassem o local".
A reintegração foi determinada na última quarta-feira (30) para o período de 30 de
junho de 21 até 06 de julho de 21. Segundo a assessoria, o ato foi cumprido hoje de
manhã sem prévio aviso. O órgão informa ainda que a partir de agora irá identificar
as pessoas vulneráveis e promover demandas individuais para garantir moradia e
inclusão em programa sociais e de habitação para todos os que necessitem.2

As pessoas da ocupação enquadram-se na definição de pessoa em situação de refúgio do


Direito Internacional dos Refugiados e dos parâmetros interamericanos, especialmente
indicados no Caso da Família Pacheco Tineo e na OC n. 25/18 relativa ao Direito de Buscar e
Receber Asilo?
Justifique, abordando se as pessoas do acampamento são pessoas em situação de
vulnerabilidade, indique por qual ou quais fator(es) e nomine ao menos uma estratégia de
atuação defensorial a ser adotada.

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Disponível em brasildefato.com.br/2021/07/01/rj-em-itaguai-reintegracao-de-posse-em-terreno-da-
petrobras-e-marcada-por-confronto Acesso em 21 jul.2021

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6) A pandemia de Covid-19 escancarou as desigualdades socioeconômicas e as


imbricações de raça e classe, aprofundadas pelo gênero e idade. Tomando por
referência o Caso Poblete Vilches vs. Chile, quais as obrigações gerais de adotar
medidas de direito interno os Estados membros da CADH devem adotar em relação
ao direito à saúde?

7) No dia 06 de maio de 2021, 28 pessoas foram mortas em uma operação policial na


comunidade do Jacarezinho. O massacre correu o mundo e chamou a atenção de
instâncias internacionais, sendo certo que a Organização das Nações Unidas (ONU)
pediu uma investigação independente ao Ministério Público sobre a operação. O
porta-voz dos Direitos Humanos da ONU, Rubert Colville, afirmou em entrevista
coletiva em Genebra que existe um histórico de uso “desproporcional e
desnecessário” da força pela polícia e chamou atenção para o fato de que os locais
das mortes não foram preservados, dificultando os trabalhos de perícia. Em algumas
imagens divulgadas pela imprensa, é possível ver policiais civis carregando corpos.

Tendo em vista o direito das vítimas à memória, verdade, justiça e reparação, analise
a situação do direito das pessoas moradoras de favela à luz dos estândares
internacionais, e sugira, fundamentadamente, no mínimo 02 atuações que a
Defensoria Pública pode adotar no caso.

8) Apoena Huni Kuin, pessoa autodeclarada indígena, não compreende a língua


portuguesa, mas foi preso, processado e condenado a uma pena privativa de
liberdade sem que lhe tivesse sido indicado um intérprete e sem que sua comunidade
tivesse sido consultada sobre a melhor forma de cumprir a reclusão. Após o
recebimento da denúncia, o juiz não determinou perícia antropológica para oferecer
subsídios quanto ao estabelecimento de sua responsabilidade penal.
Você, Defensor/a Pública/o com atribuição exclusiva para a execução penal, precisa
zelar para que Apoena tenha seus direitos de pessoa privada de liberdade garantidos.
Enuncie as providências cabíveis e o fundamento jurídico do direito pátrio e do DIDH
quanto:

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a) Direito de visitação:
b) Direito à alimentação
c) Direito à assistência à saúde
d) Direito à assistência religiosa
e) Direito ao trabalho
f) Direito à educação e à remição por leitura

PEÇA 1:
Ilê Axé Opó Afonjá ou Terreiro de Mãe Stella, localizado no município de São Gonçalo,
tem forma própria de organização social, ocupando e usando territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e
econômica. Foi regularizado como associação religiosa de matriz africana e funciona
desde os anos de 1980. Nos últimos anos, o terreiro tem sido atacado e Mãe Stella tem
sofrido perseguição pessoal.
Em janeiro de 2019, um grupo de pessoas – em conluio com o dono de um
estabelecimento comercial – impediram que Mãe Stella ingressassem no local,
ridicularizando suas vestimentas brancas e proferiram diversas ofensas de cunho racial,
tais como: “macumbeira satânica”, “bruxa crioula”, “você merece queimar no Inferno”.
Essas mesmas pessoas – naquela noite – invadiram o espaço sagrado, chutaram as
oferendas feitas aos orixás e, gritando frases como "fora Satanás", ao final, atearam fogo
nas peças sagradas e jogaram óleo ungido no portão do terreiro.
Mesmo com medo de represália, como agressões e expulsão da comunidade, Mãe Stella
levou o caso à polícia. Não foi a primeira vez que tal fato ocorreu, mas ela se sentiu mais
confiante com a existência da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância
(Decradi) no município de São Gonçalo e pelo fato de tudo ter sido gravado por câmeras
de vigilância que permitiram que as pessoas fossem identificadas.
Os fatos foram registrados como crimes de preconceito racial, injúria racial e de dano. A
investigação seguiu para o Ministério Público que, entretanto, pediu arquivamento do
tipo do artigo 5º, da Lei 7716/89, por falta de provas e apresentou denúncia apenas
quanto ao crime de dano qualificado ao patrimônio. O pedido de arquivamento e a
denúncia foram recebidas pelo juízo da Vara Criminal da Comarca.

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Você, Defensor/a Pública/o daquela comarca, recebe esses relatos, acessa cópia integral
dos autos criminais. Quais as estratégias jurídicas, no marco do Direito Internacional dos
Direitos Humanos, você adotaria para realizar o enfrentamento à discriminação histórica
e estrutural suportada pelas pessoas afrodescendentes, exemplificada neste caso
paradigma? Monte a petição correspondente e fundamente.

PEÇA 2:
Você, no seu órgão de atuação, no interior do Estado, recebe uma denúncia de uma
assistente social daquele município, que lhe pede proteção e apresenta fotos horrendas
de adolescentes que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, sofrendo maus-tratos
em uma comunidade terapêutica. Entrega-lhe a listagem nominal de todos eles e relata
sessões de tortura para disciplinamento, obrigatoriedade em participar de cultos
religiosos, sendo certo que você verifica que aquela entidade tem recebido verbas
públicas. Você instaura um procedimento para ACP e com urgência articula com
entidades como CRESS, CRP e CRM, visita de fiscalização e vistoria, no marco de sua
atribuição funcional de monitorar locais de privação de liberdade e – na sequência – faz
notícia dos crimes que você não flagrou, mas pede investigações com os indícios trazidos
pela assistente social que lhe buscou, assim como elabora um relatório circunstanciado,
emitindo com recomendações para que a prática cessasse, posto que ela desconsidera a
Política Nacional de Atenção à Saúde Mental e ao Uso de Álcool e Outras Drogas,
implantada pela Lei Federal nº 10.216/2001, e a regulação do Estatuto da Criança e do
Adolescente – Lei Federal nº 8.069/1990. Se o acolhimento de de adultos em
comunidades terapêuticas já vem sendo questionado, o CONANDA se posicionou contra
a possibilidade de qualquer tipo de acolhimento ou internação de adolescentes em
comunidade terapêutica, por entender que estariam gravemente violados os direitos
humanos fundamentais desse grupo em situação de vulnerabilidade. Você assinalou o
prazo de 10 dias para resposta e providências.
Ao final do prazo, você e a equipe retornam, mas, nada mudou. Qual a medida, prevista
na CADH, pode ser ajuizada? Elabore a peça com a respectiva fundamentação.

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